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Revista de - agricultura.gov.br · Ponto de Vista Grupos de interesse na agricultura – O caso dos Estados Unidos .....62 Airdem Gonçalves de Assis / José Luiz Bellini / Paulo

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ISSN 1413-4969Publicação Trimestral

Ano XIV – Nº 1Jan./Fev./Mar. 2005

Brasília, DF

SumárioCarta da Agricultura

Mapa moderniza estrutura interna paraapoiar crescimento do agronegócio ............................... 3Roberto Rodrigues

As políticas agrícolas desacopladas sãoneutras quanto aos impactos na produção? .................... 6Alexandre Bragança Coelho / Erly Cardoso Teixeira

Evolução das vantagens comparativasdo Brasil no comércio mundial de soja ........................... 9Adelson Martins Figueiredo / Maurinho Luiz dos Santos

Análise econômica da cultura do feijão ........................ 17Kelliane da C. Fuscaldi / Gustavo Rodrigues Prado

Biocombustíveis – Uma oportunidadepara o agronegócio brasileiro ....................................... 31José Roberto Rodrigues Peres / Elias Freitas Júnior / Décio Luis Gazzoni

Produção de biocombustíveis –A questão do balanço energético ................................. 42Segundo Urquiaga / Bruno José Rodrigues Alves / Roberto Michael Boodey

Carnes do Brasil? A União Européia estremece! ............ 47Eliseu Contini / Dirceu Talamini

Ponto de VistaGrupos de interesse na agricultura –O caso dos Estados Unidos .......................................... 62Airdem Gonçalves de Assis / José Luiz Bellini / Paulo do Carmo Martins

Conselho editorialEliseu Alves (Presidente)

Elísio ContiniHélio Tollini

Antônio Jorge de OliveiraRegis Alimandro

Biramar Nunes LimaPaulo Magno Rabelo

Secretaria-geralRegina Vaz

Coordenadoria editorialMarlene de Araújo

Cadastro e distribuiçãoCristiana D. Silva

Supervisão editorialLillian Alvares

Lucilene Maria de Andrade

Revisão de textoCorina Barra Soares

Francimary de M. e SilvaFrancisco C. Martins

Raquel Siqueira de Lemos

Revisão de referênciasCelina Tomaz de Carvalho

Projeto gráfico e capaCarlos Eduardo Felice Barbeiro

Foto da capaArquivo Departamento de

Marketing do Banco do Brasil

Impressão e acabamentoEmbrapa Informação Tecnológica

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Ano XIV - Nº 1 - Jan./Fev./Mar. 2005 2

A Revista de Política Agrícola é uma publicação trimestral doMinistério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, daEmpresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e daCompanhia Nacional de Abastecimento (Conab), dirigida atécnicos, empresários, pesquisadores que trabalham como complexo agroindustrial e aqueles que buscaminformações sobre política agrícola.

Interessados em receber a Revista de Política Agrícolacomunicar-se com:

Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

Secretaria de Política AgrícolaEsplanada dos Ministérios, Bloco D, 5º andarCEP 70043-900 Brasília, DFFone: (61) 3218-2505Fax: (61) [email protected]

Assessoria de Gestão EstratégicaEsplanada dos Ministérios, Bloco D, 7º andarCEP 70043-900 Brasília, DFFone: (61) [email protected]

É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos e dadosdesta Revista, desde que seja citada a fonte. As matériasassinadas não refletem necessariamente a posição doMinistério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, daEmbrapa, nem dos seus editores.

Tiragem3.000 exemplares

República Federativa do Brasil

Luiz Inácio Lula da SilvaPresidente

Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

Roberto RodriguesMinistro

Secretaria de Política Agrícola

Ivan WedekinSecretário

Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

Conselho de Administração

Luis Carlos Guedes PintoPresidente

Silvio Crestana Vice-Presidente

Alexandre Kalil PiresErnesto Paterniani

Hélio TolliniMarcelo Barbosa Saintive

Membros

Diretoria-Executiva

Silvio CrestanaDiretor-Presidente

José Geraldo Eugênio de FrançaKepler Euclides Filho

Tatiana Deane de Abreu SáDiretores-Executivos

Secretaria de Gestão e Estratégia

Evandro Chartuni MontovaniChefe

Embrapa Informação Tecnológica

Fernando do Amaral PereiraGerente-Geral

Todos os direitos reservados.A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte,

constitui violação dos direitos autorais (Lei nº 9.610).

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)Embrapa Informação Tecnológica

Revista de política agrícola. – Ano 1, n. 1 (fev. 1992) - . – Brasília: Secretaria Nacional de Política Agrícola, Companhia Nacionalde Abastecimento, 1992-

v. ; 27 cm.

Trimestral. Bimestral: 1992-1993.Editores: Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura,

Pecuária e Abastecimento, 2004- .Disponível também em World Wide Web: <www.agricultura.gov.br>

<www.conab.gov.br> <www.bb.gov.br>ISSN 1413-4969

1. Política agrícola. I. Brasil. Ministério da Agricultura, Pecuária eAbastecimento. Secretaria de Política Agrícola. II. Ministério daAgricultura, Pecuária e Abastecimento. Assessoria de GestãoEstratégica. III. Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária.Secretaria de Gestão e Estratégia. IV. Companhia Nacional deAbastecimento.

CDD 338.18 (21 ed.)

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Da lida no campo, o Brasil extrai a riquezaque há pelo menos 10 anos ancora a nossaeconomia. Além de contribuir para o crescimentodo País, a produção agropecuária transformou-nosnuma das principais plataformas mundiais doagronegócio. Hoje, o setor representa 39% dasexportações brasileiras, 34% do Produto InternoBruto (PIB) e 37% dos empregos - cerca de 17,7milhões de postos de trabalho. Para atender àscrescentes demandas dessa área estratégica parao desenvolvimento nacional, o Ministério daAgricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa)passou, recentemente, por uma profundareestruturação. O objetivo é tornar o ministériomais ágil e eficiente, na prestação de serviços aosprodutores.

As mudanças no Mapa refletem a prioridadedada pelo governo federal ao agronegócio. Nãopor acaso. Afinal, hoje somos o maior produtor eexportador mundial de café, açúcar, álcool e sucode laranja. Ao mesmo tempo, lideramos o rankingmundial das exportações de carne bovina, frango,soja e fumo. O Brasil é ainda um destacado pólode cultivo de frutas, flores e algodão, aumentandoano após ano, as vendas externas desses produtos.Em breve, deveremos assumir, também, a dianteirana produção de biodiesel à base de soja, mamona,palma, dendê e outras oleaginosas. Com isso,teremos uma das mais importantes plantas debioenergia do planeta, o que contribuirá para ageração de emprego e renda.

Mapa modernizaestrutura internapara apoiar crescimentodo agronegócioC

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Mas isso não é tudo. A crescente demandapor produtos livres de agrotóxicos tem impulsio-nado a agricultura orgânica brasileira. Esse é umsistema de cultivo que emprega o manejosustentável e dispensa o uso de agrotóxicos,privilegiando a preservação ambiental, a biodiver-sidade, os ciclos biológicos e a qualidade de vidado homem. Com terra e água em abundância,aliado ao clima diversificado, o Brasil também jádesponta na produção de orgânicos, com uma taxaanual de crescimento superior a 20%. Além doaumento das vendas internas, o setor começa aampliar sua participação no mercado externo.

O vigor da agropecuária brasileira exige,portanto, contrapartida do setor público para torná-lo um investimento ainda mais atrativo. Precisa-mos nos preparar para enfrentar os desafiosinerentes à atividade agrícola e nos fortalecer parafazer valer, no comércio global, nossas vantagenscompetitivas. Por isso, fizemos a reestruturaçãodo Mapa, que atende a necessidade estrutural deum agronegócio forte, sem distinção entrepequenos e grandes, eficiente e competitivo,multifuncional e sustentável. O projeto temtambém o propósito de aumentar a riqueza do Paíse de promover a democracia e a paz.

Com a reestruturação, o Mapa tem umaoportunidade ímpar na sua história: a de conciliarpolíticas, harmonizando trabalho e capital,produção e consumo, num esforço conjunto paradesamarrar os nós do subdesenvolvimento com

Roberto Rodrigues1

1 Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

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eficácia, mobilização, solidariedade, visibilidade,transparência, ousadia, prudência, solidariedadee esperança.

Criado há 144 anos, o Mapa não vinhaacompanhando o dinamismo do agronegócio.Tanto que permanecia com estrutura da décadade 70. Como resultado dessa inadequação, oministério atuava mais de forma reativa do queprepositiva. Sua reestruturação organizacionalobjetiva a corrigir essas distorções e compatibilizarsuas ações com as necessidades do setor, evitandoparalelismos, superposições de funções e lacunasna sua atuação.

Resultado de um amplo processo deconsulta interna e externa, a reestruturação buscaaperfeiçoar, de forma sistêmica, a gestãoadministrativa e estratégica do Mapa. Além dassugestões dos dirigentes do Mapa e dosrepresentantes do agronegócio, a mudança levouem conta o resultado do diagnóstico de auto-avaliação, que apresentou planos para melhoriado serviço. Esse trabalho foi feito com base nomodelo de excelência na gestão pública, que temo suporte do Ministério do Planejamento,Orçamento e Gestão.

A proposta resultou na criação da Assessoriade Gestão Estratégica, vinculada diretamente aoministro, à Secretaria de Relações Internacionaisdo Agronegócio e à Secretaria de Produção eAgroenergia. A reestruturação também fortaleceua Secretaria de Defesa Agropecuária e asSuperintendências Federais de Agricultura,Pecuária e Abastecimento - antigas DelegaciasFederais de Agricultura -, com foco nadescentralização dos laboratórios, capacitação depessoal, controles interligados e modernização deprocessos.

A Assessoria de Gestão Estratégica tem asatribuições de supervisionar a elaboração doplanejamento estratégico do Mapa, de apoiar aorganização dos planos e programas de formaarticulada e sistêmica, e de coordenar aarticulação institucional de assuntos específicosdeterminados pelo ministro da Agricultura.

A Secretaria de Produção e Agroenergiaficou responsável pela formulação e implemen-

tação de políticas públicas para os setores cafeeiro,sucro-alcooleiro e agroenergético. O objetivo ésuprir as novas demandas por energia com fontesalternativas que respeitem o meio ambiente efavoreçam o desenvolvimento econômico esocial mais eqüitativo.

Criada a partir da fusão de departamentose divisões que tratavam de temas bi e multilateraisde forma dispersa, a Secretaria de RelaçõesInternacionais do Agronegócio coordena odesenvolvimento de atividades nas áreas denegociação, promoção e cooperação com outrospaíses. Essa secretaria é responsável, também, porprojetos de assistência técnica, de contribuiçõese de financiamentos externos, em articulação comoutros ministérios. Além disso, supervisiona aimplementação de acordos, tratados e convêniosinternacionais para o desenvolvimento doagronegócio.

Formuladora do crédito rural, a Secretariade Política Agrícola (SPA) tem como principalatividade o desenvolvimento de estudos paraelaboração e implementação do seguro rural noPaís, a fim de estimular o aumento da produçãopor meio da ampliação das garantias ao produtor.Para tanto, a SPA conta com o Departamento deComercialização e Abastecimento Agrícola ePecuário, o Departamento de Economia Agrícolae o Departamento de Gestão de Risco Rural.

Responsável pelo padrão de sanidade doagronegócio brasileiro, a Secretaria de DefesaAgropecuária foi reforçada para atender asnecessidades crescentes de fiscalização,vigilância e inspeção dos produtos de origemanimal e vegetal. O sistema de defesa agrope-cuária é estratégico para garantir a inocuidadedos alimentos e a segurança alimentar. Afinal, odescumprimento de tais medidas já se constituiem barreira no comércio agrícola mundial.

Na reestruturação do Mapa, foi criada aSecretaria de Desenvolvimento Agropecuário eCooperativismo, que absorveu as atribuições daSecretaria de Apoio Rural e Cooperativismo. Onovo órgão foi fortalecido para apoiar odesenvolvimento rural sustentável, a preservaçãodos recursos naturais, a difusão do conhecimentotecnológico e do cooperativismo e associativismo.

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A modernização da estrutura do Mapatambém atingiu a Comissão Executiva do Planoda Lavoura Cacaueira (Ceplac). Ela teve suamissão redirecionando e agora a prioridade é arecuperação da economia regional, com ênfaseno combate à vassoura-de-bruxa, doença queestá dizimando o Parque Cacaueiro e deixandouma legião de mais de 200 mil desempregados,além de criar danos irreparáveis à natureza.

A Ceplac deve passar a atuar na promoçãoda diversificação vertical e horizontal daatividade agropecuária, com o apoio àimplantação de agroindústrias e o plantio eexpansão de novos cultivos. Além disso, deveimplementar ações voltadas à conservação

ambiental, por meio de parcerias comorganizações públicas e não-governamentais,visando o desenvolvimento de atividadesagroeconômicas sustentáveis e a preservação dosfragmentos florestais remanescentes, por estarinserida em dois dos mais estratégicosecossistemas brasileiros – a Mata Atlântica e aFloresta Amazônica.

Temos, portanto, um novo arcabouçoinstitucional no Mapa, para apoiar o crescimentodo agronegócio brasileiro. Precisamos, agora,continuar contando com as parcerias de outrosórgãos públicos e do setor privado, para que aagropecuária se mantenha como um dos maisimportantes segmentos da economia nacional.

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IntroduçãoAs políticas de apoio à produção agrícola

têm sido alvos de ataques nos últimos anos, pelasua capacidade em distorcer os preços nosmercados internacionais, subvalorizando oinvestimento agrícola, principalmente nospaíses em desenvolvimento. Pelo acordo darodada Uruguai do General Agreement onTariffs and Trade (GATT), em 1994, os paísessignatários concordaram em diminuir asmedidas de apoio à agricultura. No caso dospaíses desenvolvidos, houve o compromisso de,num período de seis anos, reduzir o valoragregado das medidas de apoio em 20%. Emrelação aos países em desenvolvimento, essecompromisso de redução foi estipulado em 14%em dez anos (TEIXEIRA, 2000).

Entretanto, algumas políticas de apoioforam isentas de redução, constituindo o quese denominou "caixa-verde" (green box). O quecaracteriza essas políticas são os impactosmínimos na produção, preços e comérciointernacional. O interesse deste trabalho estánas políticas "desacopladas" (decoupled) daprodução e/ou preços correntes, ou seja,pagamentos a agricultores que não dependemda produção corrente ou dos preços atuais.Forçados a diminuir as políticas distorcivas de

As políticas agrícolasdesacopladas sãoneutras quanto aosimpactos na produção?

Alexandre Bragança Coelho1

Erly Cardoso Teixeira2

1 Doutorando em Economia Aplicada, (Bolsista da CAPES), Departamento de Economia Rural da Universidade Federal de Viçosa (DER/UFV), Viçosa, MG, CEP3657-000. [email protected] Professor titular do Departamento de Economia Rural da Universidade Federal de Viçosa (DER/UFV). [email protected]

suporte de preços pelo compromisso da RodadaUruguai, os países desenvolvidos têm aumentadoo montante destinado aos agricultores via políticas"desacopladas", especialmente os pagamentosdiretos. Do total de auxílio aos agricultores nospaíses da OECD, o montante transferido viasuporte de preço caiu de 78% em 1986-88 para68% em 1999 (OECD, 2001). Grande parte dessaqueda diz respeito ao crescimento do papel daspolíticas desacopladas no conjunto de medidasdirecionadas à agricultura.

O argumento é de que essas políticas têmefeitos mínimos na produção atual, pois nãoinfluenciam os retornos marginais da cultura,já que seus pagamentos independem daprodução corrente. Assim, a decisão de produzirmais, na margem, depende apenas da expecta-tiva dos preços correntes, ou seja, são os sinaisde mercado que influenciam a produção e nãoo auxílio governamental.

Entretanto, essa análise desconsidera osefeitos das políticas desacopladas sobre o riscoenfrentado pelos produtores e o conseqüenteefeito sobre a produção. Se os produtores sãoavessos ao risco, uma redução na variância dareceita certamente influenciará tanto no totalproduzido quanto no mix de produtosescolhidos. Além disso, mesmo no caso de

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pagamentos diretos que não influenciam navariância da receita, o efeito-renda ligado àstransferências pode determinar alteraçõesimportantes no total produzido. Poucos trabalhostêm verificado essa possibilidade, mesmo emnível teórico.

O objetivo deste artigo é examinar os efeitosdas políticas desacopladas, especialmente emrelação aos efeitos indiretos do risco nas decisõesde produção.

Efeito das políticas desacopladassobre o risco e a produção

Os pagamentos diretos são conceitualmentediferentes dos tradicionais programas de suporteà agricultura usados anteriormente. Suacaracterística principal é ser desacoplado dasdecisões correntes de produção e dos preçoscorrentes, ou seja, o montante recebido pelosagricultores não muda com variações no preçoou na quantidade produzida.

No caso dos programas de suporte depreço, ao contrário, os subsídios afetamdiretamente as decisões de produção, poismodificam os preços recebidos pelos agricultores,influenciando assim os retornos marginais daprodução. Dessa forma, retornos marginais maisaltos estimulam o aumento da produção e acabamdeterminando muitas vezes quedas nos preçosinternacionais das commodities.

Entretanto, apesar de desacopladas, muitaspolíticas podem ter efeitos sobre a produçãomediante efeitos indiretos. Esses efeitos podem serderivados de três causas principais:

• Efeito-renda causando redução daaversão absoluta ao risco dos produtores: astransferências de renda podem causar umadiminuição da aversão ao risco nos produtoresque apresentam aversão absoluta ao riscodecrescente com a renda. Isto significa que,após a transferência de renda, os produtoresestarão dispostos a assumir riscos maiores,aumentando a área plantada ou transferindo aprodução para culturas mais arriscadas e commaior retorno.

• Efeito-segurança: este efeito éobservado em políticas desacopladas daprodução, mas não dos preços correntes. Oprograma governamental pode afetar o riscoenfrentado pelos agricultores. Isso ocorresempre que o montante varia com a fonte deincerteza do produtor (na maioria das vezes, opreço na colheita). A lógica é que uma políticaque diminua o risco ou a variância da receitaesperada tenha efeitos positivos na produçãodos produtores avessos ao risco.

• Efeito-investimento: muitos agricultoresapresentam restrições à tomada de crédito noque se refere ao montante obtido ou às taxasde juros oferecidas. Isso muitas vezes resultanum nível de investimento na propriedadeabaixo do nível ótimo, significando que osretornos marginais dos investimentos adicionaisseriam maiores que seus custos. As transferênciasde renda podem diminuir esse problema,permitindo um maior investimento, seja via capitalpróprio, seja devido à maior disponibilidade decrédito (e também ao menor custo) advinda dooferecimento de melhores garantias ou de umfluxo mais estável da receita. Este maior investi-mento certamente tem efeitos na produção, poispermite a adoção de tecnologias mais produti-vas disponíveis para os agricultores maiscapitalizados.

ConclusãoNos últimos anos, esforços têm sido feitos

com o propósito de modificar as políticas deapoio à agricultura, de forma a minimizar aspolíticas distorcivas sobre a produção e ocomércio internacional. Ênfase tem sido dadaàs políticas de transferências diretas de rendaaos agricultores, consideradas neutras emrelação às decisões de produção corrente. Essapressuposição está implícita até nas resoluçõesda Rodada Uruguai do GATT, que considerouesse tipo de política de apoio isenta de qualquercompromisso de redução, incluindo-a no quese denominou 'caixa-verde'.

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Este estudo mostra que, ao contrário, asdecisões de produção correntes são afetadaspelas políticas de transferência de renda,especialmente através dos efeitos diretos sobrea percepção de risco dos agricultores. Estesefeitos, divididos em efeito-renda e efeito-segurança, estimulam o aumento da áreaplantada e assim, têm efeitos sobre a produçãoe os preços das commodities.

As implicações destes resultados sãomuito importantes. Nos últimos dez anos, ospaíses desenvolvidos têm modificado de formagradual sua política agrícola, transferindorecursos dos programas de suporte de preçospara as transferências diretas. Essa mudançatem sido defendida à medida que,aparentemente, reduz o impacto distorcivosobre produção, preços e comércio internacio-nal, ao mesmo tempo em que permite acontinuação de políticas de garantia de rendapara o setor rural. Entretanto, considerando opapel da redução do risco na tomada de decisãodos agricultores, o papel distorcivo das

transferências diretas não pode ser descartado.É necessário, assim, avaliar até que ponto amagnitude desses efeitos se compara àquelesderivados das políticas de suporte de preços ese é possível aperfeiçoar o mecanismo detransferência de forma a minimizar os efeitossobre a produção.

De qualquer forma, a suposta neutrali-dade das políticas desacopladas da produçãoe dos preços pode ser descartada. À medidaque os países desenvolvidos subsidiam seusagricultores, seja via suporte de preços, seja viatransferências diretas, os impactos sobre ospreços e o comércio internacional continuarãoa existir.

ReferênciasOECD - Organization for Economic Cooperation andDevelopment. Decoupling: A Conceptual Overview. Paris,2001. (OECD papers, 10) .

TEIXEIRA, E. C. Política de garantia de renda. In: SANTOS, M. L.;VIEIRA, W. C. (Ed.) A Agricultura na virada do milênio: velhos enovos desafios.Visconde do Rio Branco, MG: Superma, 2000.

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Resumo: O objetivo deste trabalho é analisar a evolução das vantagens comparativas doBrasil nos segmentos de soja em grão, farelo e óleo, no período de 1990 a 2002, tendo em vista oconjunto de políticas adotadas na agricultura brasileira nesse período. Especificamente, pretende-se quantificar e comparar as vantagens comparativas de Brasil, Argentina, EUA e resto do mundo,no comércio mundial de soja. A teoria de vantagem comparativa revelada (VCR) foi utilizada,permitindo computar índices de VCR para o Brasil, Argentina, EUA e resto do mundo nos segmentosde grão, farelo e óleo. Esses indicadores mostraram que o Brasil não tinha vantagem comparativano segmento de soja em grão, adquirindo vantagens a partir de 1998. Já no segmento de farelo desoja, as vantagens comparativas do Brasil têm sido reduzidas, destarte o Brasil sempre detevevantagens comparativas nesse segmento. No segmento de óleo de soja, o Brasil não apresentouvantagens comparativas. Identificou que a Lei Kandir teve um impacto positivo sobre as exportaçõesde soja em grão e negativos sobre as exportações de farelo e óleo de soja. Ademais, políticascomo Moderfrota podem alterar as vantagens comparativas do Brasil, em razão da redução doscustos unitários de produção via aumentos de produtividade.

Palavras-chave: vantagem comparativa, exportações, soja, Brasil.

Evolução das vantagenscomparativas doBrasil no comérciomundial de soja

Adelson Martins Figueiredo 1

Maurinho Luiz dos Santos2

1 Doutorando em Economia Aplicada pelo Departamento de Economia Rural da Universidade Federal de Viçosa (UFV), bolsista da Coordenação deAperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). [email protected].

2 Professor do Departamento de Economia Rural da UFV. [email protected] As negociações para formação de um bloco regional de comércio entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai iniciaram-se em 1991, culminando na criação

do Mercosul em 31 de dezembro de 1994 (LIRIO, 2001).

IntroduçãoA abertura da economia brasileira,

acompanhada por redução gradual e contínuadas barreiras tarifárias e não-tarifárias, nos anos90, estimulou a busca por modernização eganhos de competitividade. Além disso, acriação do Mercado Comum do Sul3 (Mercosul)promoveu maior exposição do agronegóciobrasileiro à competição externa. Essa maiorexposição ocorreu no caso dos segmentos de

soja, devido à capacidade competitiva doParaguai e, principalmente, da Argentina emprodutos mais elaborados, como os processados.

Para combater a instabilidade macroeco-nômica interna, adotou-se o Plano Real, emprimeiro de julho de 1994. Esse plano conduziu aeconomia brasileira a um ambiente macroeco-nômico de maior controle sobre as variáveispreço, renda, taxa de juros e câmbio. No âmbitogovernamental, existia o objetivo de reduzir a

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incerteza e melhorar as expectativas dosprodutores; como conseqüência, seria obtidauma maior competitividade agrícola.

Entretanto, Figueiredo e D'Almeida(2001) argumentam que o sucesso do Plano Realestava, em grande parte, vinculado àadministração da política cambial que serviade âncora do plano de estabilização. Dessaforma, o que ocorreu inicialmente foi umchoque cambial que valorizou a moedanacional, penalizando a competitividadeagrícola, principalmente nos setores que sãograndes exportadores, como o de soja.

Para amenizar esses impactos negativos,o governo implementou, em setembro de 1996,a Lei Kandir, que isentou do Imposto SobreCirculação de Mercadorias e Serviços (ICMS)as exportações de produtos primários e semi-elaborados. Além disso, de acordo com Coelho(2001), merece destaque também a criação daCédula do Produtor Rural (CPR), que tem avantagem de cobrir duas operações importantes:fornecer liquidez e assegurar os preços. Em2000, foi criada a CPR Financeira, com a quala cobertura do seguro de preços ficou maisampla, pois o produtor não deixa de ganhar seos preços estiverem acima do previsto na épocado vencimento da cédula.

A competitividade externa do complexoagroindustrial da soja foi afetada por essaspolíticas, em especial pela isenção total doICMS de 13% sobre as exportações de grãos.Por um lado, Mafioletti (2000), estudando ospreços do setor nas décadas de 80 e 90,argumenta que a utilização dos novosinstrumentos de financiamento da agricultura,desenvolvidos pelo governo, provocoualterações no processo de formação de preçosdo setor soja, que é uma variável estratégicapara a comercialização interna e externa daoleaginosa. Por outro, houve incentivo àsexportações do produto in natura em detrimentodas exportações dos produtos processados,principalmente o óleo de soja. De acordo comBatista (2002), não se deve desprezar, ainda, a

influência da desvalorização da moedanacional, ocorrida a partir de dezembro de1998, sobre a competitividade da soja brasileira,devido à alteração nos termos de troca. Nesseaspecto, também é importante destacar oimpacto do Programa de Modernização daFrota de Tratores Agrícolas e ImplementosAssociados e Colheitadeiras (Moderfrota),criado em março de 2000, sobre a produtividadedo setor agrícola e, conseqüentemente, nasexportações brasileiras.

Diante desse conjunto de fatos ocorridos nadécada de 90 e início do século 21, pretende-se,com este trabalho, analisar o comportamento dasvantagens comparativas do Brasil e de seusconcorrentes no mercado mundial de soja.Especificamente, propõe-se quantificar ecomparar as vantagens comparativas de Brasil,Argentina, EUA, e resto do mundo, estabelecendorelações entre esses indicadores com intuito deidentificar possíveis tendências dos fluxoscomerciais desses países para os segmentos desoja em grão, farelo e óleo. A relevância destetema está na importância da agroindústriabrasileira de soja para a economia brasileira,principalmente na geração de divisas, cabendodestacar que sua participação nas exportaçõesbrasileiras totais foi de 8,6%, em média, na décadade 90 (FIGUEIREDO, 2004).

Metodologia

Referencial teórico

Existem diversas teorias sobre o comérciointernacional que buscam explicar as interaçõescomerciais entre os países. A primeira delas foia Teoria da Vantagem Absoluta, criada porAdam Smith, que preconizava que aquele paísque produzisse uma mercadoria com o menorcusto, sendo este medido em termos de horasde trabalho, poderia realizar trocas com outrospaíses, de forma benéfica.

Aperfeiçoando a teoria de Smith, segundoKrugman e Obstfeld (2001), David Ricardo

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desenvolveu a Teoria das Vantagens Comparati-vas, que explicava os benefícios do comérciomesmo entre nações que não possuíam vantagemabsoluta na produção de nenhum bem, uma vezque considerava as diferentes produtividadesentre as nações.

Esses modelos não esclareciam os efeitosdo comércio internacional, passando a idéia deque o comércio sempre traz benefícios aos seusparticipantes. No intuito de estudar adistribuição de renda entre os proprietários dosfatores produtivos, surge a Teoria dasProporções dos Fatores, criada pelos econo-mistas suecos Eli Heckscher e Bertil Ohlin em1933. Nessa teoria, a justificativa para aexistência do comércio reside nas diferentesdotações de fatores entre os países. De acordocom Krugman e Obstfeld (2001), essa teoriamostra que ganham com o comércio osproprietários dos fatores abundantes e perdemos proprietários de fatores escassos, pois ospaíses tendem a exportar bens intensivos emfatores que eles possuem abundantemente,enquanto tendem a importar bens intensivos emfatores que possuem com relativa escassez.

A propagação do processo de integraçãode mercados tem tornado problemática aexplicação dos fenômenos relacionados aocomércio internacional, baseando-se apenasnas teorias tradicionais do comércio,especialmente quando a análise está centradaem um produto ou cadeia produtiva emparticular.

Grande contribuição ao entendimento dacompetitividade no comércio internacional foidada por Bela Balassa, em 1965, citada porFajnzylber et al. (1993), que criou o conceitode vantagem comparativa revelada. Essemétodo surgiu como uma proposta alternativapara identificar setores nos quais um país possuivantagem comparativa na produção e, porconseguinte, na exportação. Segundo Ponciano(1995), nesse método, a vantagem comparativaé considerada como revelada porque suaquantificação se baseia em dados ex-post, ouseja, pós-comércio.

Ao analisar a vantagem comparativarevelada, algumas limitações podem surgir,devido ao protecionismo inerente às relaçõescomerciais, como tarifas sobre importação,subsídios às exportações, poder de mercado,desalinhamento cambial e outras que, emconjunto, podem afetar os resultados da vantagemcomparativa revelada. Essas limitações surgemporque a noção de vantagem comparativarevelada está interligada a fatores estruturais doprocesso produtivo, sendo associada de formadireta aos custos relativos de produção. SegundoFontes (1992), nesse aspecto, a definição devantagem comparativa preserva as pressupo-sições clássicas da concorrência perfeita, dentreas quais a ausência de barreiras comerciais e oprotecionismo.

Considerando a existência de barreirascomerciais e protecionismo no comércio externode produtos agrícolas e seus efeitos sobre acompetitividade das exportações dos países, ateoria da competitividade adquire grandeimportância. Na década de 80, Paarlberg et al.(1985) já destacavam os efeitos de barreirascomerciais e protecionismo sobre acompetitividade dos países no comérciointernacional de produtos agrícolas. De acordocom Fontes (1992) e Hidalgo (1998), enquanto asvantagens comparativas refletem os fluxoscomerciais, determinados pelos custos relativosde produção, sob a pressuposição de um comérciolivre de intervenções, a competitividade refleteos diferenciais de preços de mercado. Dessaforma, essa competitividade incorpora diversasvariáveis que influenciam os preços de mercado,como custos de comercialização, subsídios,impostos e outras.

Embora haja limitações nas análises docomércio internacional, pautadas em indicadoresde vantagem comparativa revelada, eles têm sidobastante utilizados por causa da facilidade deconstrução e, por conseguinte, maior adequaçãoàs bases de dados de comércio internacional.Ademais, a utilização desses indicadores éimportante por permitir acompanhar a evoluçãodo fluxo de comércio externo dos produtos, aolongo do tempo, por serem diretrizes importantes

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na detecção de impactos positivos e, ou,negativos de políticas realizadas.

Referencial analítico

De acordo com Carvalho (1995), osindicadores de vantagem comparativa reveladasão importantes porque permitem definir opadrão de especialização internacional quesegue a pauta de exportação dos países. Emestudos sobre a competitividade de cadeiasagroindustriais de países competidores nomercado externo, esses indicadores são úteispara identificar em qual produto um paísexportador tem maior vantagem comparativa.

Com base no estudo de Fajnzylber et al.(1993), para quantificar a vantagem comparativado Brasil e de seus principais concorrentes nomercado internacional da agroindústria da soja,este trabalho propõe o seguinte indicador devantagem comparativa revelada:

Agriculture Organization of the United Nations(FAO); b) United States Department of Agriculture(USDA), por meio do Economic Research Service(ERS); e c) Ministério da Agricultura, Indústria eComércio Exterior (MDIC), através da Secretariade Comércio Exterior (SECEX). Na construção dosindicadores de VCR foram utilizados dados anuaiscompreendidos no período de 1990 a 2002.

Resultados e discussão

Evolução das vantagenscomparativas do Brasil

Nas Fig. 1, 2 e 3 é mostrado o compor-tamento das vantagens comparativas dos trêsprincipais exportadores e o resto do mundo, nacomercialização de produtos da cadeiaagroindustrial da soja.

De acordo com os resultados apresen-tados na Fig. 1, na primeira metade da décadade 90, o Brasil não possuía vantagenscomparativas no comércio internacional de sojaem grão, apresentando índices abaixo daunidade até 1997. A partir de 1996, os índicesde VCR cresceram consideravelmente,passando a atingir valores superiores à unidadea partir de 1998, refletindo as vantagenscomparativas do Brasil na exportação de grãos.Analisando as taxas de crescimento dessesindicadores para o período de 1997 a 2002,constata-se um crescimento médio estimado de2,56% a.a., indicando a melhoria nodesempenho do Brasil, no comércio externo desoja em grão, após isenção do ICMS sobre asexportações desse produto.

Na primeira metade da década de 90,especificamente no período de 1990 a 1996, oBrasil e a Argentina apresentaram taxasgeométricas de crescimento negativas de8,84% a.a. e 3,94% a.a. para os índices de VCR,enquanto isso, os EUA apresentaram taxaspositivas de 1,31% a.a. Isso sugere grandeconcorrência entre o Brasil, Argentina e EUA.Foram calculados coeficientes de correlação

(1)

em que:

= parcela das exportações do produto(i) do país A ( ) nas exportaçõestotais do complexo agroindustrialdesse mesmo país ( ); e

= parcela das exportações mundiaisdo produto (i) igual a ( ) nasexportações mundiais totais docomplexo agroindustrial do mundo( ).

Este indicador, quando maior que a unidade,demonstra que o país A possui vantagemcomparativa revelada no produto analisado.

Fonte de dados

Os dados utilizados nesta pesquisa foramobtidos nas seguintes instituições: a) Food and

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entre os indicadores de VCR para esses trêspaíses. Esses coeficientes apresentaramcorrelação negativa de 0,47 e 0,48 entre oBrasil e a Argentina e entre o Brasil e os EUA,respectivamente. Entre a Argentina e os EUA ocoeficiente também foi negativo, porémrelativamente menor, de apenas 0,08, indicandomaior concorrência entre o Brasil e os EUA eentre o Brasil e a Argentina do que entreArgentina e EUA.

No período de 1997 a 2002, a Argentinaexperimentou grande expansão nos índices deVCR, com crescimento médio estimado em29,77% a.a. Todavia, não apresentou vantagemcomparativa na comercialização de soja emgrão, com indicadores se situando abaixo daunidade. Já os EUA apresentaram índices deVCR maiores que a unidade, em todo o períodoanalisado, tornando clara a vantagem com-parativa desse país na exportação de soja emgrão. Esse último resultado pode estar associadoaos subsídios norte-americanos à exportação desoja, os quais aumentaram ao longo da décadade 90, atingindo cerca de 27,5% do preçomédio de mercado em 2002, sendo essa taxacalculada pelo diferencial entre o preço médiode mercado e o preço-meta estabelecido pelaU.S. Farm Security Act of 2002 (BERALDO,2002). No entanto, espera-se que a vantagemcomparativa dos EUA nas exportações de sojaem grão se torne menor à medida que os seusconcorrentes, principalmente o Brasil, se tornemmais competitivos. O resto do mundo, atémesmo pela baixa representação no comércioexterno de soja em grão, não apresentou vanta-gem comparativa, com índices estimadossempre abaixo da unidade e com tendência dequeda nos últimos anos compreendidos naanálise, não se constituindo, assim, em ameaçadireta às exportações brasileiras.

Na Fig. 2, percebe-se que o comporta-mento das vantagens comparativas no segmentode farelo de soja não é favorável às exportaçõesbrasileiras. Na primeira metade da década de90, o Brasil e a Argentina possuem vantagemcomparativa, com indicadores sempre acimada unidade e apresentando apenas pequenasoscilações, devido à concorrência do resto do

Fig. 1. Indicador de vantagem comparativa reveladapara o segmento de soja em grão do Brasil, em relaçãoaos seus principais concorrentes.

Fonte: FIGUEIREDO (2004).

Fig. 2. Indicador de vantagem comparativa, reveladapara o segmento de farelo de soja do Brasil, emrelação aos seus principais concorrentes.

Fonte: FIGUEIREDO (2004).

Fig. 3. Indicador de vantagem comparativa reveladapara o segmento de óleo de soja do Brasil, em relaçãoaos seus principais concorrentes.

Fonte: FIGUEIREDO (2004).

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mundo, que experimentaram brando cresci-mento nos indicadores de VCR. Nesse primeiroperíodo, o país mais prejudicado foi os EUA,que mostraram queda nos indicadores, com taxaestimada em 4,09% a.a., além de não apresentarvantagem comparativa revelada nesse seg-mento.

A partir da primeira metade da décadade 90, o resto do mundo consegue atingirvantagens comparativas, no comérciointernacional, de farelo de soja, impulsionadoprincipalmente pelo desempenho consideráveldo Paraguai na exportação desse produto.

A partir de 1999, a Argentina conseguerecuperar significativamente suas vantagenscomparativas, possivelmente em razão dapolítica comercial de incentivo às exportaçõesde produtos de maior valor agregado e damaxidesvalorização do peso argentino.

O Brasil continuou perdendo vantagemcomparativa nesse segmento; contudo, essaqueda nos índices de VCR pode estar refletindoa transferência de vantagens comparativas dacadeia produtiva (CPA) da soja para outrasCPAs, como, por exemplo, a cadeia de carnes.Segundo Rosário (2001), a demanda derivadada indústria de rações para alimentação animalcresceu consideravelmente na década de 90,com taxa média estimada em 9,73% a.a., aopasso que a produção nacional de farelo de sojateve crescimento médio bastante inferior (5,7%)nesse mesmo período.

Considerando todo o período analisado,não houve muita instabilidade nos índices deVCR dos EUA, mas estes permaneceram abaixoda unidade, significando que esse país nãopossui vantagem comparativa nas exportaçõesde farelo de soja. Todavia, deve-se considerarque o país se destaca como maior consumidorde farelo de soja do mundo, com umaparticipação no consumo médio mundial de24% em 2001. Esse fato tem forte reflexo emsuas vantagens comparativas na exportação doproduto, devido à prioridade em atender omercado interno, reduzindo, conseqüentemente,a capacidade de gerar excedentes exportáveis.

Os coeficientes de correlação entre osíndices de VCR estimados para o segmento defarelo de soja demonstram que os paísestradicionalmente produtores de soja têmenfrentado forte concorrência no mercadointernacional nesse segmento. A correlaçãoestimada para os índices dos EUA e do Brasilatingiu um valor negativo de 0,41, enquantoesse mesmo índice estimado para os EUA e oresto do mundo também foi negativo, porémsuperior ao estimado para os EUA e o Brasil em80,48%, atingindo um valor de 0,74. Issoevidencia que, quando os países exportadoresvendem o produto in natura no comérciointernacional, eles transferem parte de suasvantagens naturais para o mercado importador,além de propiciar uma maior concorrênciafutura nos segmentos a jusante da cadeiaagroalimentar. A correlação estimada entre osíndices de VCR do Brasil e da Argentina e daArgentina e do resto do mundo também foiexpressiva, apresentando valores negativos de0,55 e 0,53, respectivamente.

No segmento de óleo de soja,representado pela Fig. 3, nota-se que o Brasilnão possui vantagens comparativas no comérciointernacional, exceto nos anos de 1994 a 1996.Nos primeiros anos da década de 90, o Paísapresentou surpreendente crescimento dasvantagens comparativas, com taxa estimadapara os índices de VCR de 7,2% a.a., no períodode 1990 a 1996. Uma das possíveis explicaçõespara isso foi o reduzido poder de compra dapopulação brasileira, causado pelo processoinflacionário crônico pelo qual passava aeconomia brasileira. Entretanto, a partir de1996, como reflexo do aumento no poderaquisitivo da população brasileira, promovidopelo Plano Real, que controlou a inflação,houve redução dos excedentes exportáveis deóleo de soja, pois este é produto essencial nadieta alimentar brasileira. O incentivo àexportação de produtos primários, como a sojaem grão, mediante isenção do ICMS incidentesobre as exportações, pode ter atuado tambémcom o fim de reduzir as exportações brasileirasde óleo de soja.

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Os resultados mostram que a Argentina eo resto do mundo apresentaram vantagenscomparativas na exportação de óleo de soja,com indicadores de VCR em níveis superioresaos exibidos pelo Brasil e pelos EUA. Nota-setambém certa correlação no comportamentodesses indicadores. Por meio dos coeficientesde correlação estimados, para as séries doBrasil e dos demais países, foi possível detectarcorrelação negativa entre o Brasil e o resto domundo e entre o Brasil e a Argentina, comcoeficiente de 0,47 e 0,15, respectivamente.

Esses indicadores mostram que hácompetição entre Brasil e Argentina e resto domundo no comércio internacional de óleo desoja. Destaca-se, ainda, a magnitude dessecoeficiente entre EUA e Argentina e entre EUAe resto do mundo, que também foram negativos:0,19 e 0,77, respectivamente. Isso é umaevidência empírica das estratégicas de políticacomercial, pautadas em operações deimportação de produtos in natura e exportaçãode produtos de maior valor agregado, efetuadas,principalmente, pelos países da União Européia,os quais têm se apresentado como competi-dores no mercado internacional de óleo de soja.Para realização dessa estratégia, os países daUnião Européia adotam, desde 2001, tarifa zeropara as importações de soja em grão, enquantoas tarifas incidentes sobre as importações deóleo de soja bruto e refinado variam entre 3,8%e 7,6% e entre 6,1% e 11,4%, respectivamente(AMARAL, 2002).

Na qualidade de grandes consumidoresde óleo de soja, o Brasil e os EUA, de maneirageral, não conseguiram gerar excedentesexportáveis de óleo em níveis que permitissema ambos os países atingirem vantagenscomparativas na comercialização externadesse produto. Os indicadores de VCR do Brasilapresentaram-se superiores aos estimados paraos EUA em todo o período analisado. Em setratando da Argentina e do resto do mundo,percebe-se que eles detêm vantagenscomparativas, reveladas em relação ao Brasile aos EUA, na exportação de óleo de soja. Osíndices de VCR da Argentina e do resto do

mundo foram superiores à unidade em todo operíodo analisado.

ConclusõesA análise de vantagem comparativa

revelada mostrou que o Brasil não possuivantagem nas exportações de óleo de soja eque o País adquiriu vantagem nas exportaçõesde soja em grão a partir de 1998, comtendência de crescimento desse índice. Esseaspecto é importante, pois mostra claramenteo impacto da Lei Kandir sobre as exportaçõesbrasileiras de soja em grão; além disso, outraspolíticas, como o Moderfrota, que de algumaforma reduz os custos unitários de produçãodevido ao aumento de produtividade, porexemplo, podem impulsionar as exportaçõesbrasileiras.

Detectou-se, ainda, vantagem comparativanas exportações brasileiras de farelo de soja,embora haja uma tendência de redução dessavantagem, uma vez que a Argentina se torna maiscompetitiva nesse segmento. Os EUAapresentaram vantagem comparativa apenas nasexportações de soja em grão, e a Argentina, nasexportações de farelo e óleo. Assim, conclui-seque o Brasil concorre diretamente com os EUAnas exportações de soja em grão, e com aArgentina, nas exportações de derivados de soja.

Os coeficientes de correlação estimadosentre os índices de vantagem comparativarevelada da Argentina, do Brasil, dos EUA e doresto do mundo mostram que a políticacomercial adotada ao longo da década de 90,pela UE e Japão, foi prejudicial aos paísesexportadores de soja. A estratégia comercial foiestimular a importação de produtos in natura edesestimular a importação de produtosprocessados por meio de tarifas discriminatórias.Assim, esses países se apropriavam de parte dasvantagens naturais dos países exportadores e,ainda, criavam as condições necessárias paraconcorrer no mercado internacional deprodutos processados, em período subseqüente.

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Análise econômicada cultura do feijão

IntroduçãoA produção mundial de feijão vem

crescendo progressivamente desde os anos 60.No início da década de 80 alcançou cerca de15 milhões de toneladas e desde o seu finalpassou a oscilar em torno de 16 milhões detoneladas.

Segundo a Síntese Anual da Agriculturade Santa Catarina 2002/2003 (SANTACATARINA, 2003), em 2002, cerca de 65% daprodução mundial proveio de apenas seis países(Brasil, Índia, México, Mianmar, Estados Unidose China). O Brasil foi o maior produtor mundialde feijão, responsável por 16,5% da produçãomundial, seguido pela Índia e México,responsáveis, respectivamente, por 16,4% e 9%da produção.

O excedente exportado é muito pequeno,pois, "os principais consumidores também sãoos principais produtores da cultura, sendo ovolume transacionado entre países muitopequenos, girando em torno de 5%" ( SPERS eNASSAR, 2004). Sendo assim, o mercado externonão tem muita importância para este trabalho.

De acordo com dados do Ministério daAgricultura, Pecuária e Abastecimento, asimportações de feijão foram de: 78 mil toneladas(safra 1999-00), 129 mil toneladas (safra 2000-01), 82 mil toneladas (safra 2001-02), 103 miltoneladas (safra 2002-03) e 100 mil toneladas(safra 2003-04), enquanto que as exportaçõesforam de 2 mil toneladas em cada uma das

Kelliane da C. Fuscaldi1

Gustavo Rodrigues Prado2

referidas safras, exceto na safra 2003-04, quefoi de 3 mil toneladas.

No âmbito do Mercado Comum do ConeSul (Mercosul), segundo dados da Food andAgriculture Organization of the United Nations(FAO) (2004), o Brasil é o maior produtor defeijão. Em 2003, o Brasil produziu 3,3 milhõesde toneladas, a Argentina 216 mil toneladas, oParaguai 54 mil toneladas, e o Uruguai 3 miltoneladas. O valor produzido no Brasilcorresponde a 17,4% da produção mundial, quefoi de 19 milhões de toneladas.

Além de sua importância econômica, ofeijão se constitui em um dos alimentos básicosda população brasileira e é uma das alternativasde exploração agrícola em pequenaspropriedades, de ocupação de mão-de-obramenos qualificada e um dos principais produtosfornecedores de proteína na dieta alimentar dosestratos sociais economicamente menosfavorecidos. (EMBRAPA ARROZ E FEIJÃO,2004).

Este estudo tem como objetivo levantar eanalisar o cenário agrícola da cadeia produtivade feijão, mediante análise de indicadoreseconômicos, levando em consideração operíodo compreendido entre a safra 1999-00 ea safra 2003-04, devido à importância desseproduto para o nosso agronegócio, por questõessociais relacionadas com o seu papel naalimentação da população brasileira e noemprego da mão-de-obra menos qualificada epor ser uma alternativa de exploração

1 Assessora Técnica do Gabinete do Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).2 Analista de Mercados da Organização das Cooperativas do Brasil (OCB).

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econômica para as propriedades rurais,principalmente para as pequenas propriedades.

MetodologiaPara alcançar o objetivo, seguir-se-á a

seguinte metodologia de pesquisa:

• Estruturação da cadeia produtiva dofeijão.

• Verificação do comportamento domercado do produto.

• Demonstração e análise da evoluçãoda área plantada, da evolução da produção eda evolução produtividade no Brasil.

• Demonstração e análise da evoluçãoda produção per capita brasileira.

• Demonstração e análise da evoluçãodos preços recebidos e pagos pelo produtor edas relações de troca.

Resultados e discussãoEstrutura organizacionalda cadeia produtiva do feijão

O feijão tem extrema importânciaeconômica e social no Brasil. De acordo comos valores divulgados pela CompanhiaNacional de Abastecimento (Conab), na safra2003-04, o feijão representou o quinto graníferomais produzido, ficando atrás apenas da soja,do milho, do arroz e do trigo.

A cultura apresenta ciclo vegetativo emtorno de 90 a 100 dias, e o produto deve sercomercializado e industrializado dentro de, nomáximo, dois meses para que não se perca aqualidade desejada. "Trata-se de umacommodity com baixo valor adicionado e comrestritas possibilidades de diferenciação" (SPERS e NASSAR, 2004).

No Brasil, segundo a Embrapa Arroz eFeijão, existem preferências de cor, tipo de grãoe qualidade culinária em algumas regiões doPaís, sendo que ultimamente a demanda por

produtos de melhor qualidade, associada àsmudanças de hábito alimentar, tem mostradouma tendência para o aumento do consumo defeijão industrializado.

Segundo a Análise Conjuntural (CONAB,2003) na safra 2001-02, a variedade coresrepresentou 63% do volume produzido. Estavariedade está distribuída uniformemente nastrês safras. A produção do feijão preto, que seconcentra na Região Sul do País, representou29%, sendo 75% da produção desta classeoriundos da primeira safra, enquanto a produçãoda variedade macaçar, cultivada no Nordeste,se concentra na segunda safra. Esta últimavariedade representou 16,1% do volume totalproduzido em 2001-02.

Quanto à estrutura produtiva, aindaconforme a Análise Conjuntural (CONAB, 2003),as lavouras com área inferior a 10 ha somam75% do universo de lavouras nacionais defeijão. Contudo, as lavouras de 10 a 100 harepresentam 19%, e de 100 a 500 ha somam4% do universo. Já as lavouras com mais de500 ha, somam apenas 2% da área cultivadacom feijão, no Brasil. Portanto, a cultura dofeijão continua sendo uma atividade depequenos e médios produtores rurais.

A delimitação correta dos segmentos dacadeia produtiva é importante para acontinuidade do estudo, para fins de PolíticaAgrícola e para o conhecimento do fluxo decomercialização e do cenário agrícola atual. AFig. 1 demonstra a cadeia da porteira para fora,ou seja, da produção agrícola até a entrega doproduto final aos consumidores.

Junqueira et al. (1971) estudaram asmargens e os canais de comercialização noBrasil, na década de 60. Constatou-se que,nessa década, os produtores repassavam oproduto diretamente para consumidores daprópria região, cooperativas, comerciantesprimários e governo. Nessa época existiamapenas duas safras (das águas e da seca), e maiorparte do feijão era cultivada em consórcio.

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Na etapa seguinte, ocorreu umaconcentração no mercado atacadista. Osatacados da capital paulista adquiriam 77% dofeijão dos atacadistas do interior e o restantede produtores, caminhoneiros e outrosatacadistas da capital. Esses atacadistasvendiam para o varejo e outros atacadistas. Nomercado varejista, as vendas eram distribuídasem feiras, empórios, supermercados, mercadosdistritais e outros.

O estudo realizado por Junqueira jáobservava mudança na estrutura do canal decomercialização do feijão e destacou como fatorelevante a maior influência dos supermercadosna distribuição varejista do produto e a grandeperda relativa das feiras. O estudo afirma queos supermercados triplicaram a suaparticipação na comercialização do feijão emcinco anos e que as feiras perderam metade dasua importância.

Notou-se também que os canais decomercialização sofreram uma diminuição dastransações horizontais (principalmente no nívelintermediário) e que os supermercadoscontribuíram para estabelecer vínculos maisdiretos entre os produtores e consumidores,dominando as vendas no varejo nas grandescidades.

Esse fato também foi constatado por Silva(1996), que afirma que os supermercadoscontribuíram para encurtar o número de agentesintermediários no processo de distribuição dosprodutos agrícolas.

O estudo realizado por Spers e Nassar(2004), em 1998, constatou que os supermercadoscomercializavam 77% do feijão empacotado.

As ineficiências no sistema de comerciali-zação que afetam a competitividade do sistemaagroindustrial do feijão foi um dos elementosconstados no trabalho de Spers e Nassar (2004),pois é caracterizado por assimetrias de informa-ção, forte incerteza e pouca transparência depreço.

da produção agrícola até o consumidor finalpassa por um processo industrial simples onde oproduto é colhido, limpo, seco e embalado.Ineficiências na formação do preço geram rendasque são apropriadas por agentes através deserviços ligados à comercialização e distribuiçãovarejista. Como as margens geradas pelo produtosão baixas, atuam em todo o sistema agentesque lidam com diversos produtos, com exceçãode alguns empacotadores especializados emfeijão (SPERS e NASSAR, 2004, p.28).

O feijão é um dos produtos que integra aPolítica de Garantia de Preços Mínimos do

Fig. 1. Cadeia produtiva da cultura do feijão.

Fonte: Elaborada pelos autores.

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Governo Federal, já que o governo teminteresse de atender à demanda definanciamentos e estimular a produção dealimentos. O produto se beneficia das seguintespolíticas: Crédito Rural de Custeio, Crédito Ruralde Comercialização (Empréstimos do GovernoFederal (EGF) e Linha Especial de Comercia-lização (LEC) Instrumentos de Apoio àComercialização (Aquisição do GovernoFederal (AGF) e Prêmio de Escoamento daProdução (PEP).

Evolução da área plantada, daprodução e da produtividade

O feijão tem uma ampla adaptaçãoedafoclimática que permite seu cultivo emdiversos ecossistemas tropicais e temperados,em monocultivo e/ou consorciado, durante oano todo, em quase todos os estados. Istofavorece a diversificação da produção, alémde manter o homem no campo e o abaste-cimento agroalimentar da população brasileira.(EMBRAPA ARROZ E FEIJÃO, 2004).

Porém, de acordo com o Agrianual 2003(2002), dentre as numerosas interferências aque ainda se acha sujeita a cultura do feijãono Brasil, o clima é a variável mais importante,dificultando, muitas vezes, a elaboração desafras seguras sobre à área plantada, os níveisde produtividade e a quantidade de produzida.

Kiyuna e Assumpção (2001) realizaramum estudo compreendendo o período de 1977a 2000 sobre os efeitos climáticos na cultura dofeijão. O estudo revelou que o efeito de umfenômeno climático pode acontecer de um avários meses após sua ocorrência e que o efeito

varia de acordo com a região, com a safra, pelotipo e intensidade da ocorrência.

O planejamento da comercialização dofeijão é o principal determinante darentabilidade da cultura pois, por ser ummercado volátil, um erro na época dacomercialização põe todo o esforço a perder.No entanto, a produção fora de época podejustificar um lucro excepcional (AGRIANUAL2000, 1999).

É possível explorar a cultura em trêsépocas distintas, divididas em três safrasconsecutivas, conforme mostra a Tabela 1.

Primeira safra ou "safra das águas"

A safra das águas, cujo plantio é realizadoentre os meses de agosto e novembro e a colheitaentre novembro e abril, está concentrada nasregiões Sul e Sudeste e no Estado da Bahia, naregião de Irecê. É a maior das três safras, emprodução e rendimento, e possui outraspeculiaridades, que serão descritas.

Segundo a Embrapa Arroz e Feijão, amaioria dos estados brasileiros estabeleceurecomendações com base na melhor época deplantio do feijão das águas. No Paraná varia de15 de julho a 15 de novembro com épocas deplantio diferenciadas, dentro desse período,para a maioria das 20 regiões estabelecidasnesse estado. Em Santa Catarina, a melhorépoca para o plantio do feijão das águas seestende de agosto a novembro, enquanto emMinas Gerais e Bahia o período vai de outubroa dezembro, em São Paulo de outubro anovembro e no Rio de Janeiro de setembro anovembro.

Tabela 1. Calendário de plantio, colheita e regiões de concentração.

1ª Safra - "das águas"2ª Safra - "da seca"3ª Safra - "de inverno"

Safras

Fonte: Conab (2004).

Ago./nov.Jan./mar.Abr./jul.

Plantio

Nov./abr.Abr./jul.Ago./out.

Colheita

Sul, Sudeste e BahiaNordeste, Sudeste e SulMG, GO, SP e BA (safra irrigada)

Regiıes de concentraÁ„o

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Em cada um desses estados existemvariações, dependendo da geografia regional,sendo necessário, portanto, um bomconhecimento, dentre outros, do regime dechuvas predominante na região ou do local deplantio. É importante salientar que, dentro dascultivares recomendadas para esse sistema deplantio, existem cultivares com característicasmorfológicas melhor adaptadas a esse sistema(EMBRAPA ARROZ E FEIJÃO, 2004).

A Fig. 2 demonstra o que aconteceu demodo geral com a primeira safra nos últimosanos. Na safra 2000-01 houve uma queda daprodução e da área plantada, porém umpequeno aumento de produtividade. Aprodução e a área plantada voltaram a crescerna safra 2001-02, seguido de um aumento naprodutividade. Á área plantada continuou amesma, porém uma pequena queda naprodução e na produtividade ocorreram na safra2002-03. Na última safra houve um aumentoda produtividade e uma redução da áreaplantada e na produção.

produção. No entanto, esse período apresentouum ganho de produtividade de 2,6%. A safra2001-02 apresentou a maior produtividade doperíodo analisado, 919 kg/ha.

De acordo com dados divulgados peloInstituto Brasileiro de Geografia e Estatística(IBGE), o Paraná é o maior produtor de feijãode primeira safra, desde o ano de 1995.

O Estado do Paraná é responsável por37% do total do feijão produzido na primeirasafra, sendo seguido por Minas Gerais (18%),Bahia (16%), Santa Catarina e São Paulo (amboscom 10%) e Rio Grande do Sul (9%).(AGRIANUAL 2002, 2001).

Segunda safra ou "safra da seca"

A safra da seca é normalmente plantadaentre janeiro e março e colhida entre abril ejulho. Essa safra abrange os estados das regiõesSudeste e Sul, com concentração na RegiãoNordeste que, em anos normais, contribui commais de 50% da produção. Destaca-se, ainda,que nesta região está concentrada a produçãode feijão-macaçar, comumente chamado"feijão-de-corda", de consumo regional.

Segundo a Embrapa Arroz e Feijão, asafra da seca, tanto no sistema solteiro quantoconsorciado, representa a maior área de cultivona produção nacional de feijão, cerca de 48%da área plantada. No entanto, apresenta amenor produtividade quando comparada àsoutras safras.

Devido à expressiva abrangênciageográfica dessa safra, há uma altavariabilidade de épocas de plantio, as quaisdependem do grau de disponibilidade de águapara suprir as necessidades das plantas nasdiversas fases de desenvolvimento. Aimportância e o alto risco dessa safra fez comque o governo, através de seus órgãoscompetentes, promovesse um programa dezoneamento agroclimático para a cultura dofeijão da seca, nos principais estados e regiõesprodutoras do País. ( EMBRAPA ARROZ EFEIJÃO, 2004).

Fig. 2. Evolução da Área Plantada, Produtividade eProdução - 1ª Safra.

Obs.: a área plantada é dada em mil hectares, a produtividade em kg/ha e aprodução em mil toneladas.

Fonte: Conab (2004).

No período analisado, a área plantadateve uma redução total de 15%, enquanto aprodução apresentou queda de 12,5%, seguidode um aumento de apenas 2,9% deprodutividade.

O período mais crítico corresponde àsafra 2000-01 que apresentou uma redução de20,3% na área plantada e de 18,2% na

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A Fig. 3 mostra a evolução de áreaplantada, produção e produtividade da segundasafra. A área plantada, a produção e aprodutividade sofreram uma redução total de21%, 25% e 5%, respectivamente. O períodomais crítico foi a safra 2000-01. A área plantadasofreu uma redução de 27%, a quantidadeproduzida caiu 40,7% e a produtividade teveredução de 18,6%.

A situação melhorou na safra 2001-02,com acréscimo na área plantada e na produção.A área total cultivada passou de 1.861 milhectares para 2.028 mil hectares e a produçãode 864 mil toneladas para 1.027 mil toneladas.Este ganho da produção em relação à área sedeveu ao aumento da produtividade na ordemde 9,1%. A safra 2002-03 apresentou aumento emtodas as variáveis analisadas, no entanto na últimasafra houve redução em todas as variáveis.

O Estado da Bahia encontra-se como omaior produtor brasileiro de feijão da segundasafra. De acordo com dados do IBGE, aprodução do estado passou de 168 miltoneladas, em 1999, para 287 mil toneladas, em2002. Apesar da produtividade ser baixa, houveum acréscimo de 24%, passando de 298 kg/ha,em 1999, para 741 kg/ha, em 2002.

Segundo a CONAB, os aumentos de áreae produção, verificados nas 1a e 2a safras, apartir da safra 2001/2002, foram reflexos dossatisfatórios níveis de preços pagos aosprodutores desde 2001.

A primeira e segunda safras apresentaramcomportamentos iguais (vide Fig. 2 e 3). Em1998, os preços do feijão estavam altos,estimulando a produção. No entanto, com oaumento da produção, houve uma redução dospreços. Estes estiveram em algumas regiões,abaixo do preço mínimo estipulado pelogoverno. O preço baixo desestimulou osprodutores e ocasionou uma redução na áreaplantada, reduzindo conseqüentemente aprodução. Após esse período, a situaçãomelhorou e o mercado voltou a se ajustar.

As duas primeiras safras eramresponsáveis por quase 90% da produçãonacional, no entanto, esta importância vemdiminuindo devido a um aumento dacontribuição da terceira safra, que atualmentecontribui com cerca de 22% da produçãonacional e representa 19,5% da área plantada.

Terceira safra ou "safra de inverno"

Na safra de inverno, cultiva-se o feijãoirrigado. A plantação ocorre entre abril e julhoe a colheita entre agosto e outubro. A decisãode plantio é influenciada pelo comportamentodos preços na comercialização do feijão colhidona safra da seca. A concentração ocorre nosestados de Minas Gerais, São Paulo, Goiás eBahia (Barreiras), com destaque deste último,que cultiva tardiamente a variedade macaçar,produzida pelos demais estados do Nordeste,na segunda safra.

Fig. 3. Evolução da Área Plantada, Produtividade eProdução - 2ª Safra.

Obs.: a área plantada é dada em mil hectares, a produtividade em kg/ha e aprodução em mil toneladas.

Fonte: Conab (2004).

Na segunda safra (2003-04),

[...] as adversidades climáticas influíramnegativamente, nesta segunda safra. No Suldo País e em São Paulo, houve estiagens noinício do plantio e parcela expressiva daslavouras foram afetadas pelo excesso de chuvasna colheita, resultando em produto dequalidade inferior (manchados, deformados ecom elevado grau de umidade). Na RegiãoNordeste a safra foi prejudicada pelo excessode chuvas nos meses de janeiro e fevereiro, epelas prolongadas estiagens nos meses demarço e abril (CONAB, 2004).

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Segundo a Embrapa Arroz e Feijão, aexpansão da safra de inverno tem sidoaltamente expressiva, até o ponto de,atualmente, contribuir com 22% da produçãonacional e representar 19,5% da área plantada.

O advento da terceira safra, além dediminuir a sazonalidade da produção e doabastecimento do mercado interno de feijão,contribuiu para um grande avanço tecnológicoda cultura, que implica, para uma boaprodução, a utilização de alta tecnologia e aadministração da lavoura em moldesempresariais. A produção de feijão de inverno,no sistema irrigado por aspersão, compredominância do pivô central, estáconcentrada nas regiões Centro-Oeste eSudeste, nos estados de Minas Gerais, Goiás eSão Paulo. Recentemente no Estado da Bahiasurgiram algumas áreas com bom potencialpara a produção de feijão irrigado. ( EMBRAPAARROZ E FEIJÃO, 2004).

O comparativo entre a área plantada,produtividade e produção do feijão da terceirasafra é apresentado na Fig. 4.

Figura. A queda da produtividade correspondentea esse período foi de 49,5%, voltando a melhorarnos períodos seguintes; já a área plantada e aprodução aumentaram 392% e 149%,respectivamente. Na safra 2003-04 houve umaredução na produção e na produtividade.

A terceira safra tem uma grandeimportância para o mercado de feijão, pois:

• Permite maior estabilidade do mercado,equilibrando melhor a oferta e a demanda deum produto com problemas de estocagem epraticamente sem mercado internacional.

• Ajuda a diminuir os picos e as quedasde preços.

• É uma alternativa interessante, pois épossível estudar as condições de mercado dassafras anteriores e fazer uma estimativa decomo o mercado estará abastecido na épocade sua colheita.

• O feijão de inverno tem alternativas derotação de cultura, sendo assim, quando omercado se apresentar muito instável, comgrandes oscilações de preços, o produtor podedesistir do plantio.

De acordo com o Agrianual 2000 (1999),além dessas características, a terceira safrarepresenta uma mudança fundamental noprocesso produtivo e no perfil do produtor, poisutiliza tecnologia intensiva, a começar pelo usoobrigatório da irrigação. O perfil dos produtoresda primeira e segunda safras é muito diferentedo perfil do produtor da terceira safra. Osprimeiros são, em sua maioria, pequenosprodutores, que muitas vezes produzem para asubsistência e comercializam o excedente,utilizam mão-de-obra familiar e baixo níveltecnológico. Já os produtores da terceira safra,são produtores de maior porte, capitalizados,tecnificados e mais informados. Comercializamgrandes quantidades obtendo, assim, melhorespreços; sabem o melhor momento de colocar oproduto no mercado; adotam rotação de cultura,diluindo os riscos; e estão menos sujeitos à açãode intermediários e especuladores, que diminuema rentabilidade do produtor.

Fig. 4. Evolução da Área Plantada, Produtividade eProdução - 3ª Safra.

Obs.: a área plantada é dada em mil hectares, a produtividade em kg/ha e aprodução em mil toneladas.

Fonte: Conab (2004).

A produção e a área plantada aumenta-ram, respectivamente, 204,8% e 486% noperíodo analisado, enquanto a produtividadecaiu 48%. Percebe-se uma elevada queda naprodutividade e um elevado aumento da áreaplantada e da produção no primeiro período da

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De acordo com o IBGE (2004), MinasGerais é o maior produtor de feijão da terceirasafra, seguido pelo Estado de Goiás.

Vale ressaltar o comparativo entre aprodutividade média brasileira e a produtividadeem estados onde se cultiva feijão irrigado. Comoexemplo, pode-se citar o Distrito Federal, queobteve, na safra 2001-02, uma produtividademédia de 2.780 kg/ha, enquanto o Brasil obteve757 kg/ha, ambos na safra de inverno.

Atualmente, as duas primeiras safras sãoresponsáveis por cerca de 80% da produçãonacional, que provém de 3,5 milhões de hectaresde lavouras de pequenos e médios produtores queutilizam, na sua maioria, mão-de-obra familiarcom baixo nível tecnológico, o que reflete comoconseqüência uma produtividade média de 752kg/ha, considerada baixa.

A safra de inverno, de aproximadamente800 mil hectares, garante os 20% restantes daprodução e tem como origem lavouras com altonível tecnológico, onde a irrigação é essencialpara alcançar produtividades médias de 1.546kg/ha (como ocorreu na safra 1999-00), sendopossível, segundo a Embrapa Arroz e Feijão,em lavouras administradas na forma deempresas agrícolas, alcançar rendimentosacima de 3.000 kg/ha. A cultura de feijão, nasafra de inverno, vem aumentando e existemprevisões de que a produção dessa safra vai seequilibrar e superar as outras duas.

Dessa maneira, ficam bem caracteriza-das as três safras de produção de feijão, cujosciclos de desenvolvimento devem coincidircom o maior número de fatores de ambienteque propiciem o máximo rendimento.

A produção nacional apresentou queda,passando de 3.098 mil toneladas, na safra 1999-00, para 3.028 mil toneladas, na safra 2003-04.A área plantada também foi reduzida, passandode 4.309 mil hectares para 4.257 mil hectares.Em relação ao comparativo da produtividade,desconsiderou-se a safra 1999-00, pois nesta,houve uma grande queda na produtividade dofeijão da terceira safra, constatando-se que a

produtividade nacional apresentou um aumentode 6,4%, a partir da safra 2000-01.

Um dos fatores determinantes na definiçãodo plantio do feijão no Brasil ainda é o preçopraticado no mercado interno, principalmente nosmeses que antecedem o período oficial de plantioda safra das águas. A decisão de se plantar nassafras seguintes também é influenciada pelocomportamento do mercado que antecede ocultivo (AGRIANUAL 2002, 2001).

Segundo estudo publicado pela Secretariade Agricultura e Abastecimento do Estado doParaná (PARANÁ, 2004b), este estado é o principalprodutor de feijão, sendo responsável por 21,9%da produção nacional e 13,1% do total da áreaplantada na safra 2002-03. A leguminosa écultivada em todas as regiões do estado, sendoimportante na absorção de mão-de-obra, tantofamiliar quanto contratada.

Evolução da produçãoper capita do Brasil

De acordo com o Agrianual 2002 (2001),o aumento da produção de feijão se dá por doisfatores: aumento da área plantada após grandespicos de preços (porque a produtividade estápraticamente estagnada, exceto na terceirasafra); e aumento da área plantada à medidaque um bom número de produtores é atraídopelo plantio do feijão, devido a prejuízos emoutras culturas.

A produção per capita de feijãoapresentou uma redução de 22% em 2001, noentanto, o declínio não ocorreu de formacontínua (este fato se deveu a queda naprodução e ao crescimento da populaçãobrasileira). A produção per capita voltou a subirno ano seguinte, apresentando um crescimentode 21%.

A Tabela 2 demonstra a evolução daprodução per capita no Brasil, desde de 1999.

De acordo com o Agrianual 2002 (2001),quando se considera o lado da demanda, o

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mercado de feijão se caracteriza por notávelestabilidade. O consumo dos brasileiros, há pelomenos uma década vem variando entre 2,7 e3,2 milhões de toneladas.

De acordo com a Análise Conjuntural(CONAB, 2002), a forte presença do setorintermediário na comercialização do produtoimpõe a presença do governo no mercado que,numa eventualidade de queda de preços abaixodo mínimo, age retirando o excedente daprodução, garantindo a renda do produtor rurale a manutenção deste na atividade.

Segundo Spers e Nassar (2004), aformação do preço do feijão é feita no mercadoatacadista de São Paulo. Este preço reflete asvárias distorções do mercado. "A maisimportante delas são os picos de preçoscausados pela falta de produto em São Paulo,mesmo havendo feijão nos centros produtores".

Para analisar a evolução do preçorecebido pelo produtor (Fig. 5), optou-se pelospreços recebidos pelos produtores no Estado doParaná, principal estado produtor, e pelospreços recebidos pelos produtores do Estado deSão Paulo, considerado por Kiyuna (2000) comoo mais importante mercado sinalizador depreços para as demais praças importantes dopaís, pois consome cerca de 20% da produçãonacional.

Tabela 2. Evolução da produção per capita no Brasil.

1999200020012002

Ano

Fonte: IBGE (2004).

2.830.9153.056.2892.453.6813.064.228

ProduÁ„o(t)

168.753.552171.279.882173.821.934176.391.015

PopulaÁ„o(n� de hab.)

17181417

ProduÁ„o(kg/hab.)

Evolução do preçorecebido pelo produtor

Após a colheita, o agricultor entrega seuproduto a intermediários que, por sua vez, onegociam no atacado. Os preços são compostosdesde a saída da mercadoria da propriedaderural até a passagem pelo varejo e sua entreganas mãos do consumidor. O preço do feijãooscila de acordo com a oferta e a demanda doproduto.

Fig. 5. Evolução dos Preços Recebidos pelos Produtores

Fonte: Conab (2004a), IEA (SÃO PAULO, 2004) e Paraná (2004a)

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Conforme o Agrianual 2002 (2001), opreço do feijão oscila de acordo com a variaçãoda oferta, pois é um produto de difícil estocagem(perde a qualidade muito rápido) e tem poucadisponibilidade no mercado internacional. Já aoferta do feijão é determinada pelas condiçõesclimáticas, que tem impacto direto naprodutividade, e pela expectativa de preçosentre os produtores, que faz variar a áreaplantada.

Os fenômenos climáticos têm umaimportância enorme na oferta e conseqüen-temente no preço do feijão. O trabalho deKiyuna e Assumpção, citado anteriormente,estudou os fenômenos El Niño e La Niña e ainfluência que eles exercem sobre os preçosdo feijão.

Constatou-se que o Nordeste é a regiãomais afetada pelo El Niño tanto na primeiraquanto na segunda safra. Já o fenômeno La Niñapode trazer aumentos de produtividade para oNordeste, devido ao aumento nos índices deprecipitação. A terceira safra não é muitoafetada porque ocorre na época da seca e éirrigada.

O El Niño é um fenômeno climático, decaráter cíclico e irregular que afeta a produçãoagrícola brasileira, gerando instabilidade naprodução e problemas de abastecimento.

O El Niño 97-98 acarretou uma elevaçãoatípica nos preços do feijão, no mercado de SãoPaulo, nos três segmentos de mercado (produtor,atacado e varejo), no ano de 1998 ( KIYUNA,1998). O fenômeno afetou o feijão da seca nasregiões Norte e Nordeste, causando quebra desafra de 500 mil toneladas. O volume de perdasfoi suficiente para afetar os preços nas demaisregiões produtoras (KIYUNA, 2000).

De acordo com o Agrianual 2000 (1999),em maio de 1998, os preços do feijão atingiramo maior preço da década. Os produtores deGoiás e São Paulo chegaram a receber 95dólares por saca. Esse fato estimulou aprodução e causou queda de preços no primeirosemestre de 1999, sendo necessária aintervenção do governo.

Em 1999, segundo a Conab (2004b), ogoverno adquiriu 28 mil toneladas, sendo oprincipal Estado Rondônia, onde o governocomprou 15.600 toneladas.

No fim de 1999, ocorreu um outro picode preços devido a estiagem ocorrida na épocado plantio das águas, o que retardou a colheita.Segundo Kiyuna e Alves (1999), este pico estárelacionado à La Niña 98-99.

Os preços no entanto voltaram a cair devidoa superprodução ocorrida na Bahia, tanto de feijãodas águas quanto da seca na safra 1999-00. Houveum aumento de 83% em relação a safra baiana1998-99. (KIYUNA, 2000).

Em 2000, o preço do feijão se encontrouabaixo do mínimo, e o governo interveionovamente para tentar deter a queda. Deacordo com informações divulgadas pelaConab, o governo adquiriu 93.200 toneladas defeijão. O principal estado foi o Paraná (32.055toneladas), seguido da Bahia (22.629 toneladas).

Do período analisado, o início do ano de2000 foi o período mais crítico. Até abril de2000, os preços do feijão ficaram abaixo do custode produção, causando grande prejuízo aosprodutores. Foi o pior período desde 1997. EmSão Paulo, no primeiro trimestre de 2000, ospreços médios do feijão caíram 53% (janeiro efevereiro) e 47% (março) quando comparadoscom o mesmo período em 1999. Em MinasGerais, em abril, o feijão das águas foicomercializado a R$ 22,00/saca ou seja 25%abaixo do custo de produção. (AGRIANUAL2001, 2000).

Em maio, o preço do feijão voltou a subir.

Ainda de acordo com dados do Agrianual2001 (2000), em julho ocorreu uma geada e ospreços continuaram a subir. No fim de julho, ofeijão apresentou uma enorme elevação depreço. Houve uma grande especulação, emdecorrência dos efeitos da geada na produçãoe no abastecimento do produto.

O fenômeno La Niña 1999-00 causouestiagem nos meses de janeiro e fevereiro de

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2001, provocando quebra na produção eprodutividade baiana na safra 2000-01,causando um aumento de preços.

A partir de novembro de 2002, os preçosdo feijão começaram a subir. A safra das águasfoi muito afetada pelas adversidades climáticasque prejudicaram o rendimento das lavouras elimitaram a área semeada.

Segundo Kiyuna e Assumpção (2001), oplantio e a colheita do feijão ocorrem emtrês épocas diferentes. Portanto, o preço dofeijão pode ser afetado por dois ou três mesesapós a ocorrência de problemas climáticos, seo desenvolvimento vegetativo da cultura forafetado, ou com uma defasagem de um ounenhum, caso ocorra na época da colheita.Assim, se a alta dos preços ocorrer entre jan./mar., por exemplo, é muito provável que a safrade feijão das águas tenha sido afetada.

Percebe-se que as grandes oscilações nospreços do feijão ocorrem praticamente por causade dois fatores: primeiro, por ser um produto difícilde se importar, pois, não existe um mercadointernacional do produto, são poucos os países quedispõem de um excedente exportável, já que amaioria dos países produtores também sãoconsumidores; segundo, por ser um produto dedifícil estocagem, caracterizando uma rápidaperda da qualidade.

Fig. 6. Evolução dos Preços Pagos pelos Agricultores - R$/KG

Fonte: IEA (SÃO PAULO, 2004).

Evolução do preço pago peloprodutor e relação de troca

Para analisar a evolução do preço pagopelo produtor, utilizou-se como base de análiseo custo de produção elaborado pela Conab parafeijão sequeiro (plantio direto), safra de verão2004-05 em Unaí, MG. Os insumos queapresentam maior participação no custo deprodução são a semente de feijão e o fertilizante05-25-15, 11,02% e 26,75%, respectivamente.

Optou-se pelos preços pagos pelosprodutores no Estado de São Paulo, em razãoda confiabilidade dos dados. No entanto, emrelação ao preço do fertilizante, utilizou-se ospreços do formulado 05-25-25. Veja Fig. 6.

Quando se compara os dois insumos,percebe-se que um quilo de semente de feijãoapresenta um preço maior do que um quilo defertilizante. No entanto, o fertilizante representauma parcela maior no custo de produção.

Constata-se um aumento no preço dosinsumos ao longo do período analisado. O quilodo formulado 05-25-25 passou de R$ 0,41 paraR$ 1,21 (aumento de 302,5%), enquanto o quilode semente de feijão passou de R$ 1,99 paraR$ 2,85 (aumento de 143,2%).

Observa-se que a semente de feijão é oinsumo mais caro, mas representa uma parcela

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menor no custo de produção, enquanto oformulado, apesar de ser mais barato,representa uma parcela maior no custo deprodução. Deve-se levar em consideração quea maior parte dos produtores utiliza sementespróprias para o plantio.

É importante analisar também a relaçãode troca entre dois produtos, pois isso indica aquantidade necessária de um produto A parase adquirir uma unidade de um outro produtoB. Considerou-se o fertilizante 04-30-16 (80%)e uréia (20%) para realizar a relação de troca.

Em 1999, eram necessárias 12,6 sacas defeijão de 60 kg para se adquirir 1 t de fertilizante.Esse valor sofreu um aumento de 16,5% no anode 2000. No ano de 2001, o valor necessáriode sacas de feijão apresentou uma diminuiçãode 27,9%, sendo seguido por uma nova quedade 11% no ano de 2002. Em 2003 eramnecessárias 11,6 sacas de feijão para adquirir amesma quantidade de fertilizantes. Os primeirossete meses do ano de 2004 também apre-sentaram o maior volume necessário de feijãopara adquirir 1 tonelada de fertilizante (Fig. 7).

O volume necessário de feijão paraaquisição de trator e fertilizante apresentou omesmo comportamento. Em 2000, o feijãoestava desvalorizado. Do período analisado,este foi o ano em que se praticou o menor preçopago ao produtor, tanto para o feijão de corquanto para o feijão preto. A partir do anoseguinte, os preços começaram a melhorar e aquantidade de feijão necessária para se adquirirtrator ou fertilizante tornou-se menor. O ano de

2002 foi considerado o melhor período para osprodutores de feijão, em relação ao preçorecebido, sendo necessário uma quantidademenor de feijão para aquisição de insumos eequipamentos. No entanto, o cenário começaa mudar em 2004, o que demonstra umadesvalorização do produto.

ConclusãoApós ser estruturada a cadeia produtiva

do feijão, notou-se que a presença dos agentesintermediários e governo é imprescindível paraa tomada de decisões do produtor. Como onúmero de produtores e de intermediários égrande e o produto é homogêneo, a estruturade mercado do feijão se caracteriza comomercado competitivo.

O baixo uso de tecnologia, a necessidadehídrica e a suscetibilidade a pragas e doençassão alguns dos fatores que fazem do feijão umacultura de risco. Por isso, em alguns anos, aprodução é alta e, em outras, há quebras de safras.Todavia, a diversidade fisiográfica do País e aadaptação do feijoeiro a diversas condições declima e solo tornam possível explorar a culturaem três épocas diferentes, no mesmo ano,reduzindo os intervalos de entressafra eaumentando a estacionalidade dos preços aolongo do ano.

A formação de preços do feijão se compõeconforme o comportamento da produção nastrês safras durante o ano, com concentração nasduas primeiras, já que estas são responsáveispor quase 80% do volume total produzido.Apesar disso, o preço é composto desde alavoura até a entrega do produto beneficiadoao consumidor, passando por intermediários,atacadistas e varejistas.

O mercado de feijão apresenta fortesoscilações de preços entre anos. A falta de ummercado internacional e a perecibilidade doproduto tornam difícil estimar a estacionalidadee fazer projeções baseando-se em dadoshistóricos do produto. Além disso, na época dequebra de safra ocorre muita especulação e

Fig. 7. Evolução da Relação de Troca - Feijão/Fertilizantes

Fonte: Conab (2004c).

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elevação do preço, enquanto em época desuperprodução o preço despenca, sendonecessária a intervenção do governo.Entretanto, ressalta-se que a demanda internade feijão é basicamente estática.

Todavia, os preços da leguminosa vêmsofrendo alterações positivas. Em situações ondeos preços estavam abaixo do preço mínimoestabelecido pelo governo, a mercadoria eraadquirida como Aquisição do Governo Federal(AGF), como forma de garantir a renda doprodutor.

Observa-se que, a partir de abril de 2001,os preços que haviam decrescido em 2000obtiveram recuperação expressiva, oscilandocom valores elevados, dando aos produtoresoportunidades de realizar bons negócios emaximizar lucros.

Os produtores de feijão devem assumiruma postura empresarial porque a novarealidade exige culturas conduzidas medianteo uso da irrigação e alto nível tecnológico comcuidadoso planejamento, principalmente nacomercialização.

A adoção da irrigação associada amicroclimas específicos poder ser uma estratégiapara se ganhar dinheiro com a cultura do feijão.Com a adoção dessa tecnologia, a cultura ficalivre de geadas e excesso de chuvas. Acombinação desses fatores torna possível ocontrole da produção, de forma que estesprodutores poderão estar ofertando feijão quandoos produtores tradicionais se encontrarem em umperíodo de entressafra ou quando houver quebrasde produção devido a geadas ou estiagem.

A rotação de cultura pode ser benéficaou não. Nesse caso, o planejamento é questãode sobrevivência para o produtor, pois, por azarou mau planejamento, uma outra cultura podeestar ocupando a área de plantio no momentoem que o preço do feijão está prestes a dispararno mercado.

Os fenômenos climáticos El Niño e LaNiña são importantes para o mercado de feijão

brasileiro porque eles afetam a oferta de feijãoe provocam variações em seu preço. O estudorealizado pelos técnicos do IEA foi o primeirofeito nessa área. O acompanhamento dessesfenômenos é de grande importância, já que elespodem ser previstos com um ano e meio deantecedência, contribuindo, assim, paraamenizar os problemas que poderão sercausados.

Por razões explicitadas anteriormente,os analistas de mercado têm dificuldades parafazer previsões de comportamento da produção,comercialização e abastecimento. Esse fatoprejudica a relação entre seus atores econstitui-se num entrave para evolução emodernização da cadeia produtiva. Por suavez, os analistas se baseiam apenas nosresultados das tradicionais regiões produtorase dão pouca importância ao restante daprodução que se encontra diluída pelo País.

Diante do contexto da presente análise,conclui-se que se deve aprofundar no estudosobre a cadeia produtiva do feijão porque oatual nível de conhecimento é menor do que omínimo necessário para fazer análises maisseguras sobre o mercado.

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Ano XIV - Nº 1 - Jan./Fev./Mar. 200531

BiocombustíveisUma oportunidade parao agronegócio brasileiro

IntroduçãoA agricultura energética desponta, no

cenário mundial, como uma grande oportunidadepara promover profundas mudanças noagronegócio brasileiro. Nosso país possui a maiorextensão de terra do mundo que ainda pode serincorporada ao processo produtivo, além deextensas áreas que já foram desmatadas e quehoje se encontram em diferentes estágios dedegradação.

A atual matriz energética mundialcompõe-se, principalmente, de fontes nãorenováveis de carbono fóssil, como petróleo(35%), carvão (23%) e gás natural (21%). Váriosestudos vislumbram o esgotamento dessasfontes e uma possível escassez, ainda nesseséculo (Fig. 1 e 2).

Matriz e esgotamentoAcresça-se que as principais fontes de

petróleo e gás natural encontram-se noconflagrado Oriente Médio, potencializandouma disputa que se antecipa renhida, com vistaao domínio das últimas grandes reservas deimportância econômica.

Tão importante quando o esgotamento dasfontes é o papel preponderante dos combustíveisfósseis como emissores de gases que acirram oefeito estufa (CO2, NOx, SO2, etc.), o que podeproduzir dramáticas mudanças na organizaçãodas cadeias biológicas. Esse tripé factual

José Roberto Rodrigues Peres1

Elias de Freitas Junior1

Décio Luis Gazzoni1

desnuda a vulnerabilidade da atual matrizenergética. É incontestável a necessidade dese buscar novas fontes de energia renovável,destacando como grande alternativa a energiaproveniente da biomassa.

A produção de biomassa exige novasáreas de terra, sem que se promova umacompetição com a agricultura de alimentos.Essa inequação é insolúvel para a totalidadedos países desenvolvidos e também não estáao alcance da maioria dos demais países.Porém, o Brasil, com mais de 90 milhões dehectares de terras que podem ser incorporadosao processo produtivo de maneira sustentável,desponta como o repositório da grandeoportunidade que se descortina com aagricultura de energia. Apenas na Região doCerrado, podem ser disponibilizados nospróximos anos para plantio de grãos mais de20 milhões de hectares, pela integraçãoagricultura-pastagem. Devidamente capturadae gerenciada, o que hoje é uma oportunidade,em menos de duas gerações poderá ser o maisimportante componente do agronegóciobrasileiro.

O potencial brasileiro para a produção debiocombustíveis, que inclui o cultivo deoleaginosas e de cana-de-açúcar, no Brasil éimensurável. No Nordeste, além da cana-de-açúcar, é possível cultivar mamona, amendoim,gergelim, babaçu, entre outras oleaginosas.Somente para mamona existe uma área de maisde 3 milhões de hectares aptas ao seu cultivo.

1 Pesquisadores da Embrapa

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No Norte, o dendê se afigura como a grandeopção, pois existem mais de 50 milhões dehectares de áreas desmatadas, com aptidãopara o seu plantio. A soja, o girassol, o algodãoe a canola despontam como as principaisalternativas para o Centro-Oeste, o Sudeste e oSul do Brasil.

Além dos aspectos econômico eambiental, a agricultura de energia podetambém se tornar uma grande alternativa paraa agricultura familiar. Com fulcro nasoleaginosas para produção de óleo dieselvegetal, pode-se derivar inúmeras outrasoportunidades nas cadeias produtivas, gerandoemprego e renda para esse segmento deagricultores.

Considerando a necessidade de seaumentar, significativamente, o plantio deoleaginosas, será possível o assentamento de

milhares de famílias, com uma perspectivanegocial atraente. A implantação do processode produção do óleo diesel vegetal, emcomunidades organizadas, e o processamentoe utilização da torta para alimentação humanae de animais permitirão grande agregação devalor, viabilizando a sustentabilidade daagricultura familiar, pois, além das culturasalimentares típicas, o agricultor disporá de umcash crop que lhe permitirá adquirir insumos ebens de consumo indispensáveis à produção eao sustento familiar.

Panorama nacional e internacionalEm 2003, cerca de 85% da energia

consumida no mundo foi obtida de combustíveisfósseis. Do total, 80% da energia foi consumidapor cerca de dez países ricos. Apenas os EstadosUnidos respondem por 25% da poluiçãoatmosférica mundial, em virtude do intenso usode energia fóssil. Estima-se que o conglomeradode países ex-comunistas, inclusive a Rússia, éresponsável por outros 20%.

Ademais, países com alta densidadepopulacional e dificuldades energéticas, comoa Indonésia, a China e a Índia, serão grandesimportadores de energia. Por exemplo, em2018, a Índia necessitará de energia equivalentea sete bilhões de barris de petróleo anuais,devendo importar um terço desse volume. Em2003, a China, que já foi exportadora depetróleo, tornou-se importadora tanto depetróleo quanto de gás natural. Pelo ritmo dedemanda energética do país, estima-se que, em2020, cerca de 60% das suas necessidades deóleo e 30% de gás natural provenham deimportações (ANDREWS et al., 2000).

Atento à necessidade de reduzir aagressão ambiental, o Japão regulamentou aadição de 3% de álcool na gasolina, a partir de2004. Apenas essa demanda significa seisbilhões de litros de álcool por ano, o querepresenta quase a metade da atual produçãobrasileira. Porém, a previsão é a adição de 10%,em um prazo relativamente curto, o que

Fig. 1. Matriz Energética Mundial (2002).

Fig. 2. Evolução da participação das fontes na matrizenergética.

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significa um volume superior à atual produçãobrasileira, que seria exportado para o Japão,para atender essa necessidade.

Álcool: situação atual e cenáriosEstima-se que a capacidade instalada

atual seja de 16 bilhões de litros/ano, sendo 3bilhões no Norte/Nordeste e 13 bilhões noCentro/Sul. A capacidade instalada paraprodução de açúcar chega a 25 milhões detoneladas/ano. Vale ressaltar que as usinasatuais são flexíveis e o potencial de produçãodepende da demanda do açúcar ou do álcool.Segundo dados da União da AgroindústriaCanavieira de São Paulo (Unica), a safra 2002/2003 será de 22,2 milhões de toneladas de açúcare 14,4 bilhões de litros de álcool.

Estudos demonstram os excelentesaportes obtidos pelo álcool, sob os aspectossocioeconômicos e ambientais do uso do etanol,como antecipam perspectivas ainda maisfavoráveis para o setor, num futuro próximo.

A análise reflexiva imiscuindo diversosepisódios recentes, conjunturais e estruturais,que envolvem a exploração, o uso e as novastecnologias do setor de energia, corroboram ocenário otimista.

O desenvolvimento de veículos com atecnologia multicombustível dará o impulsodefinitivo na consolidação do álcool comocombustível automotivo. O consumidorbrasileiro demonstrava receio em aderir,novamente, de forma massal, aos veículosmovidos à álcool. O temor era um novodesabastecimento, resultante do desajuste entrea oferta e a demanda de açúcar e álcool,competidores pela mesma matéria-prima. Agarantia de que, em uma eventual escassez deálcool, a gasolina será um substituto adequado,provocará uma mudança definitiva no cenárioenergético. Sem dúvida, haverá um impulsosignificativo na produção brasileira de álcool,ao longo desta década, sustentada pelo aumentoda demanda interna.

A necessidade de os países signatáriosatenderem o Protocolo de Kyoto, e o estímuloadicional dos Mecanismos de DesenvolvimentoLimpo impulsionarão o desenvolvimento denovas tecnologias e, em sua esteira, deprodução em grande escala de energia limpa,derivadas de biomassa. Esses dois fatos,examinados em conjunto, permitem antever aduplicação da demanda de álcool combustível,no curto período de uma década.

Nesse particular, o Brasil é imbatível, emqualquer cenário de curto e médio prazo. Alémde dominar a tecnologia de produção de toda acadeia, nosso país possui estrutura industrial elogística instalada para atender à demanda deetanol em curto prazo. O Brasil possui umimenso potencial para atender à demandamundial, lastreado em tecnologia de ponta, nacapacidade empresarial e nas condiçõesedafoclimáticas, para não mencionar aspossibilidades de ampliação de área.

No ano 2000, a oferta mundial foiaproximadamente 28 milhões de litros, dosquais mais de 12 milhões de litros foramproduzidos pelo Brasil. Para 2010, prevê-se umademanda mundial de 38 milhões de litros.

Diante disso, fica colocada uma questãoprática, que sintetiza a oportunidade e o desafiopostos para o Brasil: quem possui condições deatender a essa oferta, de forma sustentável, sobos aspectos econômico, comercial, social eambiental?

O fato de o Japão tornar obrigatória amistura de 3% de álcool à gasolina demandarádo Brasil investimentos superiores a R$ 2,5bilhões em logística, apenas para a exportaçãoao Japão. Entretanto, para atender às crescentesdemandas de álcool em médio e longo prazo,o Brasil terá que ampliar muito a sua capacidadeindustrial e agrícola instalada. Estima-se que,além do nosso próprio mercado interno,aumentará consistentemente a demandaproveniente da União Européia, ao longo dospróximos 10 anos.

Além da logística de transporte earmazenamento, será necessário investir,

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consistentemente, no desenvolvimento tecnoló-gico, como forma de ampliar a produtividade,reduzir os custos e garantir a estabilidade de oferta,conferindo um lastro de sustentabilidade àexploração canavieira.

A safra de 2003/2004 de cana-de-açúcarfoi de 350,3 milhões de toneladas, produzidaem uma área de aproximadamente 5 milhõesde hectares. Destes, 298 milhões foramproduzidos no Centro-Sul e 52,3 milhões, noNorte-Nordeste.

Entre 1976 e 2003, a produção de cana-de-açúcar aumentou de 105 para 350,3 milhõesde toneladas. Nesse montante, a produtividadecontribuiu com 40%, subindo de 50 para 70toneladas por hectare. No tocante aorendimento de álcool, o Brasil evoluiu de 2.204litros para 5.500 litros por hectare. No entanto,o Brasil tem inovado constantemente. Ainda em2003, uma empresa privada, em associaçãocom um órgão público de pesquisa, desenvolveuuma tecnologia inédita para extração de álcooldo bagaço e das folhas de cana, o que permiteduplicar a produção potencial de álcool porhectare cultivado com cana-de-açúcar.

Todo este crescimento foi proporcionadopelo grande desenvolvimento tecnológico para osetor. No período de 27 anos considerado, osavanços tecnológicos proporcionaram aumentosde 33% na produtividade; 8% no teor açúcar nacana e 14% na eficiência de conversão do açúcarpara produtos (açúcar e álcool). Junto com astecnologias, as forças institucionais e de mercadotornaram o açúcar brasileiro o mais competitivodo mundo. Façanha não menos admirável foitornar a produção de etanol comercialmentecompetitiva, reduzindo o seu custo de produçãoabaixo daquele da gasolina (MACEDO, 2001).

Potencial de expansãodo cultivo da cana-de-açúcare da produção de álcool

Para apropriar-se da maior parcela dademanda incremental de álcool no mercado

internacional, o Brasil necessitará efetuar doismovimentos quase concomitantes, pois o desafionão permitirá o recurso a uma solução exclusiva.

A primeira via, de adoção imediata, é aintensificação do uso das tecnologias jádisponíveis, que foram responsáveis pelo saltorecente nos indicadores de produção de canae obtenção de álcool. Embora eloqüentes,existem diferenciais de adoção da tecnologiajá disponível, o que permite antever um cenáriootimista, apenas com o recurso à transferênciade tecnologia e assistência técnica intensivas.

Um movimento dessa ordem já se encontraem curso na Região Centro-Sul, pois o estímuloproveniente de um cenário que aponta para ummercado francamente comprador motivou osagricultores a investirem mais em tecnologiasadequadas, redundando em um incremento naprodutividade superior a 10%, na comparaçãoentre as safras de 2002 e 2003.

No Nordeste, onde se concentra 15% daprodução nacional de cana, a produtividademédia está ao redor de 60 t/ha. Neste caso, alémde ampliar o uso de insumos e de variedadesmelhoradas, de praticar o manejo adequado dacultura, também existe a possibilidade de se usara irrigação. Nos projetos em que está sendopraticada a irrigação por gotejamento, aprodutividade média já ultrapassa 100 t/ha, umincremento superior a 65% sobre a média regional.

A segunda forma de aumentar a oferta decana-de-açúcar e álcool no Brasil ocorrerá pormeio da expansão de áreas. Apesar de a produçãode cana se concentrar, historicamente, no Sudeste(66,5%) e no Nordeste (17,1%), ela é cultivadaem 452 das 540 microrregiões do InstitutoBrasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Esses dados sugerem a possibilidade deexpansão da cana-de-açúcar em quase todo oterritório nacional. Entretanto, para que issoaconteça, será necessário efetuar estudosaprofundados sobre a viabilidade agrícola dasregiões potenciais, indicadas pelos estudos dezoneamento edafoclimáticos, e que contemplemos seguintes aspectos:

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• Estudo da oferta ambiental: situaçãogeográfica e demográfica, classificaçãopedoclimática e aptidão agrícola das terraspotencais.

• Sistemas de produção recomendados paraa região, com recomendações queminimizem os riscos ambientais.

• Disponibilidades de insumos agrícolascomo calcário, fertilizantes, sementes edefensivos agrícolas.

• Disponibilidade de máquinas eimplementos agrícolas.

• Infra-estrutura e logística existente naregião, considerando os transportesrodoviário, ferroviário e hidroviário e o seucusto, além de oferta de energia ecapacidade de armazenamento.

• Infra-estrutura de apoio ao desenvol-vimento, como pesquisa e desenvolvimento,assistência técnica e extensão rural eincentivos fiscais e financeiros.

• Capacidade de financiamento daprodução e da infra-estrutura.

• Mão-de-obra disponível e necessária.

Vale destacar que a infra-estrutura e alogística hoje são consideradas como o principalgargalo do desenvolvimento do agronegócio noBrasil, para os próximos 10 anos. Por sua vez, alogística do setor sucroalcooleiro é consideradasuficiente e de boa eficiência para atender àcapacidade produtiva hoje instalada. Noentanto, a assertiva é válida apenas para asregiões tradicionais de cultivo e destilação.

O avanço para novas áreas esbarrará nosmesmos entraves enfrentados pela agriculturade grãos. Dessa forma, antecipa-se, estrate-gicamente, a necessidade de solver os gargaloslogísticos. Partindo-se da premissa de que oEstado não comporta investimentos à altura dosdesafios, as duas grandes alternativas de quese dispõe são a parceria público-privada e oinvestimento direto. Em ambos os casos, os

capitais poderão provir tanto de investidoresnacionais quanto de estrangeiros, podendo serinvestidores diretamente interessados nonegócio de energia ou aqueles que vislumbramuma boa oportunidade de aplicação de recursos.

Em particular, o Brasil deve estar atento àsoportunidades de investimento decorrentes dosMecanismos de Desenvolvimento Limpo,atrelados ou não ao Protocolo de Kyoto. Osrecursos alocados nesses fundos de investimentotanto podem ser carreados para a produção debiomassa e biocombustíveis quanto podem serinterpretados latu sensu, e canalizados para aviabilização da logística necessária para aexpansão da oferta de álcool.

Estado atual e potencialdas principais oleaginosas

Conjuntamente com o álcool, os óleosvegetais compõem as principais fontes paraobtenção de biocombustíveis. A tecnologia deprodução de óleo diesel vegetal, por meio doprocesso de transesterificação metanólica, éconhecida e aplicada industrialmente, emdiversos países.

No caso do Brasil, há necessidades deajustes e adaptações para o uso do etanol comofornecedor do grupo éster que substitui aglicerina do complexo de triglicéridos. A partirde óleos vegetais, por essa rota tecnológica, épossível obter o biodiesel, com potencialenergético equivalente ao petrodiesel, tendocomo subproduto a glicerina.

Essa rota, cuja primeira patente foiconcedida à Universidade Federal do Ceará,adapta-se muito bem à produção em largaescala, tanto no sistema de batelada quanto node fluxo contínuo. Entretanto, possui limitaçõespara uso em pequena escala, em função dedetalhes da operação e da produção do destinoda glicerina.

Por esse motivo, a Embrapa e aUniversidade de Brasília desenvolveram umarota alternativa, por meio de um processo de

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pirólise e destilação fracionada, com ou sem orecurso de catalisadores. Esse processo resultaem quatro grandes grupos de biocombustíveis,cujas propriedades os aproximam dopetrodiesel, da gasolina, do querosene e do gásde petróleo. Suas vantagens são a escala e anão produção de glicerina como um subproduto.

Equacionada a questão da tecnologia deprocessamento, é necessário atentar para outrosaspectos da produção de biocombustíveisderivados de óleos vegetais:

• Novo ponto de equilíbrio do mercado deoleaginosas, com a inserção da demandaenergética no mercado de óleos e suasconseqüências para as tortas e farelos.

• Formulação de um plano de introduçãogradativa dos biocombustíveis derivados deóleos vegetais na cadeia de consumo demotores de ciclo diesel, considerando ogradativo incremento da proporção deadição ao petrodiesel e a logísticaassociada.

• Desenvolvimento tecnológico e análiseex-ante dos impactos econômicos, sociaise ambientais da expansão do uso debiocombustíveis derivados de óleosvegetais.

• Dimensionamento do mercadointernacional e formulação do planejamentoestratégico para apropriação da demandaincremental, baseado nos mesmospostulados para o etanol.

• Estudo dos impactos nas demais cadeiasprodutivas, em especial frangos, suínos egado de corte.

Prevê-se um crescimento exponencial domercado de biocombustíveis derivados de óleosvegetais pelas mesmas razões que impulsionarãoa demanda por etanol, embora com umdiferencial de tempo. Entretanto, as projeçõesem longo prazo apontam para um cenário emque o mercado de óleos combustíveis serásuperior ao de etanol, em especial pela suamaior densidade energética. Além das

vantagens no uso em veículos de transporte eem outras aplicações pesadas, a maiordensidade energética reduz o peso do frete nocusto do produto.

Tendo em vista o exposto, prevê-se umaexpansão acentuada no plantio de oleaginosas, oque demanda diversos estudos e programas dePD&I, para garantir o sucesso do empreendi-mento. Entre outras, identificam-se as seguintesnecessidades:

• Quantificação da demanda dos mercadosinterno e externo, com sua curva decrescimento temporal e identificação dosdestinos.

• Ampliação da escala de produção deóleos vegetais, de modo a torná-loscompetitivos com a indústria de alimentos,sem que signifique redução na oferta dealimentos.

• Investimento em PD&I de oleaginosascom deficiências tecnológicas para aformulação de sistemas de produçãosustentáveis.

• Análise e estruturação dos segmentos dascadeias produtivas, adequando-as ao novocenário, com o ingresso da demandaenergética.

• Estudos de cenários em função daintrodução do biodiesel na matrizenergética brasileira e seus impactos noagronegócio.

O exposto implica efetuar uma avaliaçãoda capacidade de produção de oleaginosas noBrasil, de acordo com a vocação regional,prevendo a expansão de áreas das oleaginosascom domínio tecnológico, o incentivo aoextrativismo sustentável de espécies depalmáceas nativas, que ocorrem em imensasreservas naturais, em várias regiões do País,principalmente no Norte e Nordeste, bem comoo incentivo ao cultivo de oleaginosas perenesque possuam domínio tecnológico, como o casodo dendê.

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A seguir, serão analisados os principaiscultivos que podem dar suporte a uma políticade agricultura energética, suas vantagenscomparativas e seus desafios tecnológicos.

AmendoimO amendoim possui cerca de 50% de óleo

na amêndoa e já se constituiu em importantefonte de óleo comestível, antes de ser substituídopela soja. Igualmente, no início da década de1980, foram realizados estudos no País,utilizando o óleo de amendoim em substituiçãoao óleo diesel, com grande sucesso.

Em 1972, o Brasil produziu 962 miltoneladas de amendoim. Em virtude de umasérie de desestímulos, a produção encolheu e,desde 1987, o Brasil não ultrapassa a marca de200 mil toneladas (Fig. 3). Entre os fatores quecontribuíram para a retração do plantio,destaque-se a baixa tecnologia usada pelosprodutores, sendo constante a presença dofungo Aspergillus que, em condições de altaumidade, produz aflatoxina que, além de atacaras vagens, é cancerígeno ao ser humano.Atualmente, estão disponíveis tecnologias quepermitem a aplicação de boas práticas para ocontrole das micotoxinas e, em conseqüência,a retomada do cultivo do amendoim no Brasil.

Além disso, o esforço de pesquisa permitiuduplicar a produtividade da cultura, nos últimos40 anos, que hoje atinge 2 mil kg/ha.

Outro fator importante foi a perda domercado de óleo vegetal para produtos maiscompetitivos, em especial para a soja. Aabertura do mercado energético pode conferirnovo impulso para a cultura, dada sua altacapacidade de produção de óleo. Nos tetos deprodutividade atuais, o amendoim permiteextrair o dobro do volume de óleo por unidadede área, comparativamente à soja.

A principal região produtora é o Sudeste,principalmente no Estado de São Paulo, onde oamendoim é cultivado em áreas de renovaçãode canaviais. No Nordeste, a renovação doscanaviais não é feita usando culturas, o quedescortina a possibilidade de incorporar 200 milhectares por ano à cultura do amendoim.Considerando a produtividade média brasileira,seria possível obter cerca de 200 milhões delitros de óleo vegetal por ano, que poderiamser destinados para a produção de óleo dieselvegetal. Considerando o consumo regional de5,4 bilhões de litros/ano, o volume produzidona renovação dos canaviais representaria 3,7%do consumo, permitindo cumprir a meta deadicionar 2% de biodiesel ao petrodiesel.

Outra possibilidade de expansão da culturado amendoim, na Região Nordeste, é a suautilização em consórcio com a mamona, podendoquase duplicar a produção de óleo por hectare.

MamonaSomente a Região Nordeste possui uma

área de mais de 3 milhões de hectares comaptidão para o cultivo da mamona. Em condiçõesde sequeiro, a mamona produz 1.200 kg/ha debagas, com um teor de óleo de 47%. A mamona éuma cultura de grande apelo social, pois, alémde produzir o óleo, ela pode ser consorciada comoutras culturas, como feijão, amendoim, caupi ouo milho. No caso, a mamona é considerada comoum cash crop, que permite a geração de umproduto comercializável, com mercado líquido,

Fig. 3. Produção, área plantada e produtividade doamendoim.

Fonte: FAO (2005).

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favorecendo o acesso do produtor a insumosagrícolas e a bens de consumo familiar. A mamonajá teve importância maior no mercado brasileiro(Fig. 4) nos anos 70, quando a área cultivadaultrapassou 600 mil hectares.

O óleo de mamona é muito usado nafabricação de tintas, vernizes, cosméticos esabões. Também é importante na produção deplásticos e fibras sintéticas, tendo comodestaque a sua utilização como lubrificantes.Outro uso do óleo de mamona é nabiomedicina, na elaboração de próteses eimplantes.

Com essas utilizações nobres, obviamenteque o preço é remunerador, situando-se,atualmente, no patamar de US$ 650 por tonelada.Um forte incentivo à produção de mamona terá,como uma das conseqüências, a depressão de seupreço no mercado internacional. No entanto, éprevisível um período de turbulência, com adestinação compulsória do óleo de mamonapara fins energéticos, cujo preço de equilíbrioequivale a menos de 40% do preço praticadono mercado atual.

em um mercado francamente comprador, dealta liquidez, a soja encontrou estímulo paraexpansão, favorecida pela oferta de terras compossibilidade de mecanização (Fig. 5). Amodernização da cultura, fruto de um estamentotecnológico no estado da arte mundial, permiteapontar que, em poucos anos, o Brasil nãoapenas será o maior exportador como, também,o maior produtor mundial da cultura.

Fig. 4. Área, produção e produtividade da mamonano Brasil.

Fonte: FAO (2005).

Fig. 5. Área, produção e produtividade de soja noBrasil.

Fonte: FAO (2005).

SojaA cultura da soja desponta como a jóia

da coroa do agronegócio brasileiro. Ancorada

Para a próxima safra, antevê-se umaintenção de plantio superior a 22 milhões dehectares, sendo a produção estimada emvalores acima de 60 milhões de toneladas.O principal produto da soja é a torta ou o farelo,base para a formulação de rações e outrosprodutos destinados à alimentação. O óleo éconsiderado um produto secundário em relaçãoà torta, pois existem mais fontes de óleocomercialmente competitivas que fontes protéicasde mesmo status.

A soja se afigura como uma das grandesopções para estimular o início de um programaambicioso de obtenção de biocombustíveis.Além da extensão de área e da escala deprodução, a cadeia produtiva da soja éaltamente organizada, a ligação com omercado internacional é poderosa, a formação

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de preços é muito transparente e aspossibilidades de acomodação de pressões dedemanda, em função da capacidade de ofertabrasileira, são altamente otimistas. A soja podeser considerada a cunha que permitirá aabertura do mercado de biocombustíveisbaseados em óleos vegetais, por cuja trilhaingressarão produtos de maior eficiênciaenergética, como é o caso do girassol e da canola.

DendêConhecido no Brasil como dendezeiro

(Elaeis Guineensis) a planta é originária daÁfrica e foi introduzida no Brasil no períodocolonial, pelos escravos africanos. As sementesforam plantadas no litoral e Recôncavo Baiano,onde encontrou as condições de solo e climapara o seu desenvolvimento. Durante séculosfoi cultivada somente para atender àsnecessidades da culinária regional.

O Brasil é, atualmente, o terceiro produtorde óleo de palma da América Latina, ondedestacam-se a Colômbia, em primeiro, e oEquador, em segundo lugar. A participação doBrasil na produção mundial de óleo de palmatem sido de apenas 0,53%.

Entre as oleaginosas, a cultura do dendêé a de maior produtividade, com um rendimentode 4 a 6 toneladas de óleo/ha. Além do óleo depalma, seu principal produto, ainda pode-seextrair o óleo palmiste oriundo da amêndoa,tendo como subproduto a torta, que se destinaà ração animal. No processamento dos frutosde dendê, são produzidos resíduos sólidos quepodem gerar energia térmica ou elétrica paraa própria unidade industrial ou para uso nascomunidades rurais.

A Amazônia Brasileira possui o maiorpotencial para plantio de dendê no mundo, comárea estimada de 70 milhões de hectares(BARCELOS, 1993; BARCELOS et al., 1995)(Tabela 1). Isso corresponde à produção anual de350 milhões de metros cúbicos de petróleo e àpossibilidade de ocupação e desenvolvimentosocioeconômico para sete milhões de famílias

diretamente envolvidas com a cultura. Paradimensionar a magnitude desse potencial, oconsumo brasileiro de óleo diesel é da ordem de36,8 milhões de metros cúbicos por ano (ANP...,2004). Assim, com o biocombustível obtido como cultivo do dendê em apenas 10% dessa área,seria suprida a necessidade da frota nacional detransporte de carga com combustível ecologica-mente correto proveniente de fonte renovável,empregando na atividade 700 mil famílias egerando o equivalente a quase três milhões deempregos.

Na Amazônia, existem cerca de 40 milcomunidades com população em torno dequatro milhões de habitantes, parte das quaispodem se beneficiar com a produção eutilização do dendê. A maioria dessascomunidades não é atendida com energiaelétrica. Isso se deve às longas distâncias queo combustível de origem fóssil percorre desdeo centro de produção até o local de consumodesse óleo (ZYLBERSTAJN et al, 1996). Essefator, somado à pequena demanda, em virtudedo parco número de habitantes por comunidade(em torno de cem), torna impraticável autilização de óleo diesel.

Assim, o óleo de dendê, que pode serproduzido nas cercanias do local de consumo,é uma alternativa de grande relevância para aaplicação como combustível, a ser utilizado emmotores veiculares ou estacionários nessascomunidades. No entanto, ainda não se detémo completo domínio dessa tecnologia, sendo

Tabela 1. Estimativa da área adaptada ao plantio dedendezeiros no Brasil.

AcreAmapáAmazonasBahiaParáRondôniaRoraimaTocantinsTotal

Fonte: Veiga et al., 2000.

Hectares (milhıes)

2,50,5

54,00,95,02,04,01,0

69,9

Estado

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necessário o aperfeiçoamento de sua eficiênciae o perfeito conhecimento do impacto socioeco-nômico causado quando utilizada paraeletrificação.

Para dar suporte ao avanço tecnológico dadendeicultura, a Embrapa mantém um banco ativode germoplasma, para produção de sementes etrabalhos de melhoramento genético por meio deestudos das espécies nativas brasileiras e deespécies exóticas, capazes de fornecer genótiposadequados às condições edafoclimáticas daAmazônia. Para tanto, foi instalada, em 1980, aEstação Experimental do Rio Urubu (EERU), noMunicípio de Rio Preto da Eva, AM.

A área total atualmente plantada na EERUé da ordem de 412 hectares (BARCELOS;AMBLARD, 1992), parte da qual é destinada àprodução de sementes para atendimento aosclientes dendeicultores. Atualmente, a EstaçãoExperimental tem capacidade anual defornecimento de dois milhões de sementescomerciais, secas, pré-aquecidas e germinadas,tanto para os mercados interno quanto externo.Pela ampliação dessa área, o País poderá se tornarauto-suficiente para a escala de produçãopretendida nos próximos anos.

A tecnologia agronômica para o plantio dedendê foi dominada, havendo sistema deprodução para sua implantação. Em conseqüên-cia, na Amazônia, próximo de 50 mil hectares jáestão plantados em várias fases de desenvol-vimento, com produção atual de 80 mil toneladasde óleo bruto, aplicados em mais de 50 produtosindustrializados, dentre os quais se destacam amargarina, pasta de dentes e maionese.

Deve-se considerar que, além dasvantagens mencionadas, a cultura do dendê éelegível, no âmbito do Mecanismo deDesenvolvimento Limpo (previsto no Protocolo deKyoto), para o recebimento de investimentosprovenientes dos créditos de carbono.

CanolaA canola (Brassica napus) produz grãos

com aproximadamente 38% de óleo e se

constitui em uma das melhores alternativas paradiversificação de cultivos e geração de rendano inverno, nos sistemas de produção de grãosdas regiões tritícolas do Sul do Brasil (TOMM,2000). A experiência de agricultores do RioGrande do Sul indica que o cultivo de canolareduz a ocorrência de doenças, contribuindopara que o trigo semeado no inverno seguintetenha maior produtividade, maior qualidade emenor custo de produção.

Embora seja uma oleaginosa muitoimportante nos EUA, Canadá e União Européia(neste último caso, a base da produção de óleovegetal para o processamento de biocombus-tíveis), a canola não tem obtido a mesma expres-são no Brasil (Fig. 6). Diversas são as causas, queincluem problemas mercadológicos e tecnoló-gicos.

Fig. 6. Área, produção e produtividade de canola noBrasil.

Fonte: FAO (2005).

No início desta década, a doença canela-preta, causada por um fungo (Leptosphaeriamaculans/ Phoma lingam), causou sériosproblemas à lavoura gaúcha, o que determinou aintrodução e avaliação de cultivares e híbridosprocedentes da França, Canadá, Suécia, Brasil eAustrália. Essas pesquisas permitiram aidentificação e o registro, no Ministério daAgricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa),dos híbridos HYOLA 43 e HYOLA 60, resistentesao grupo de patogenicidade do fungo causador

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da canela-preta no Sul do Brasil (TOMM, 2003a).Entretanto, a Embrapa e a iniciativa privadapossuem experiência no desenvolvi-mento decultivares de canola, que foram utilizadas pelosagricultores até a década de 90.

A produção nacional de grãos de canola éinsuficiente em relação à demanda e atendeapenas 30% do consumo, embora a compra detoda a canola produzida no Brasil seja garantida.Existe tendência de aumento da participação doóleo de canola no mercado de óleos vegetais, que,no Brasil, é menor que 1%, enquanto em paísescomo os EUA é superior a 20%.

A canola vem demonstrando perspectivasde expansão além do eixo tradicional situadoentre o Rio Grande do Sul e o Paraná.Experimentos realizados em cinco locais deGoiás, em 2003, demonstraram excelentepotencial (2.100 a 2.400 kg/ha) para a produçãode canola na região e perfeita adequação aocultivo de safrinha. Pela adequação ao cultivoem regiões mais altas e frias, a canola constituicultura adequada para rotação com o cultivode trigo no sudoeste de Goiás. Nessa região, acanola é o cultivo de safrinha de menor ciclo,com 90 a 100 dias da semeadura à colheita,além de apresentar baixa exigência hídrica.

Em virtude das diferenças de latitude, soloe clima, é necessário adaptar e ajustartecnologias a essas condições. Pesquisas decurto prazo para atender às necessidades maisimediatas estão sendo realizadas por umaindústria de óleos de Goiás. Entretanto, estãosurgindo demandas de pesquisa de médio elongo prazo que necessitam ser atendidas, paraviabilizar a expansão do cultivo de canola.

Outras oleaginosas, como nabo, pinhão-bravo, pequi, carnaúba, coco, podem serutilizadas, no escopo de um programa

abrangente de incentivo à produção debiocombustíveis.

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BARCELOS, E.; CHAILLARD, H.; NUNES, C. D. M.; MACÊDO,J. L. V.; RODRIGUES, M. do R. L.; CUNHA, R. N. V. da;TAVARES, A. M.; DANTAS, J. C. R.; BORGES, R. de S.; SANTOS,W. C. dos; A cultura do dendê. Brasília, DF: Embrapa-CPAA;Embrapa-SPI, 1995. 68 p. (Coleção Plantar, 32)

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TOMM, G. O. Situação atual e perspectivas da canola noBrasil. Passo Fundo: Embrapa Trigo, 2000. 2 p.html. 4 ilust.(Embrapa Trigo. Comunicado Técnico Online, 58). Disponívelem: <http://www.cnpt.embrapa.br/biblio/p_co58.htm>. Acessoem: 12 dez. 2004

TOMM, G. O. Manual para cultivo de canola: indicações paracultivo de canola no Rio Grande do Sul. Santa Rosa: CameraAlimentos, 2003a. 22 p.

VEIGA, A. S.; FURLAN JÚNIOR, J.; KALTNER, F. J. Situaçãoatual e perspectivas futuras da dendeicultura nas principaisregiões produtoras: A experiência do Brasil. In: SEMINÁRIOINTERNACIONAL AGRONEGÓCIO DO DENDÊ: UMAALTERNATIVA SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL PARA ODESENVOLVIMENTO DA AMAZÔNIA, 2000, Belém.Resumos... Belém: Embrapa Amazônia Oriental, 2000. p. 23.(Embrapa Amazônia Oriental. Documentos, 60).

ZYLBERSTAJN, D.; COELHO, S. T.; IENO, G. O. Potencial degeração de eletricidade na Amazônia a partir de resíduosagrícolas. São Paulo: Universidade de São Paulo - Instituto deEletrotécnica e Energia, 1996.

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Produção debiocombustíveisA questão do balançoenergético

ResumoAtualmente existe um crescente interesse

por fontes alternativas de energia, principalmentepor aquelas que contribuam em mitigar asemissões de CO2, característica das fontestradicionais de energia fóssil. Para isso, o usode biocombustíveis, como lenha, carvãovegetal, bio-etanol, óleo de dendê e biodieselproduzido pela esterificação de óleos vegetaiscom metanol e etanol, são vistos hoje comoalternativas viáveis. Contudo, pouca atençãovem sendo dada aos estudos do balançoenergético, que estabelece a relação entre ototal de energia contida no biocombustível e ototal de energia fóssil investida em todo oprocesso da produção do biocombustivel,incluindo-se o processo agrícola e industrial.Somente culturas de alta produção de biomassae com baixa adubação nitrogenada, como acana-de-açúcar e dendê, têm apresentadobalanços energéticos altamente positivos(media de 8,7). No caso do biodiesel demamona, o balaço energético é baixo (<2), oque poderia ser melhorado mediante seleçãode variedades para alto rendimento esubstituição e ou redução da adubaçãonitrogenada com o uso de leguminosas-adubosverdes em rotação ou consórcio.

IntroduçãoA produção de biocombustíveis, seja de

biomassa sólida, como lenha ou carvão vegetal,ou líquidos, como o bio-etanol produzidos decana-de-açúcar, óleo de dendê ou biodieselproduzido pela esterificação de óleos vegetaiscom metanol ou etanol, pode ter váriasjustificativas econômicas, sociais e ambientais.As vantagens ambientais do uso debiocombustíveis líquidos para veículos vem deduas possíveis fontes:

• A possível mitigação das emissões degases ou partículas pelos veículos que sãodiretamente prejudiciais a saúde humana ou aomeio ambiente, como monóxido de carbono,hidrocarbonetos e óxidos de enxofre enitrogênio.

• A mitigação das emissões dos gases dochamado "efeito estufa", principalmente odióxido de carbono (CO2).

Recentemente no Brasil muita atençãovem sendo dada a produção de biodiesel. Osprincipais fatores para esse maior interesse estãorelacionados com: a) aumentos contínuos dopreço de petróleo e seus derivados;b) vantagensna mitigação de emissões de CO2; c)possibilidade de captar recursos internacionais

Segundo Urquiaga 1

Bruno José Rodrigues Alves 2

Roberto Michael Boodey 3

1 Pesquisador da Embrapa Agrobiologia. [email protected] Pesquisador da Embrapa Agrobiologia. [email protected] Pesquisador da Embrapa Agrobiologia. [email protected]

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por meio do Mecanismo de DesenvolvimentoLimpo (MDL) ou Clean DevelopmentMechanism (CDM) do Acordo de Quioto, oudo mercado internacional de créditos decarbono (HOLANDA, 2004). Entretanto, osvários artigos na imprensa e trabalhos científicospublicados sobre este assunto não forneceminformações sobre as quantidades decombustíveis fósseis utilizados na produção dosbiocombustíveis. A relação entre o total deenergia contida no biocombustível e o total deenergia fóssil investida em todo o seu processode produção, incluindo-se o processo agrícolae industrial, fornece o balanço energético docombustível. Neste sentido, nos EUA e Europavários trabalhos mostram balanços energéticosnegativos. Por exemplo, Pimentel (2001)calculou que são necessários 1,65 GJ (GigaJoules) de energia fóssil para produzir 1,0 GJ deenergia na forma do etanol do milho, nosEstados Unidos, e GOVER et al. (1996)calcularam que no Reino Unido seriamnecessários 1.01 GJ de energia fóssil paraproduzir 1,0 GJ de energia na forma de biodieselde canola (Rape Methyl Ester - RME). Entretanto,dois relatórios recentes dos EUA (SHAPOURIet al., 2002) e da Comunidade Européia(ARMSTRONG et al., 2002), que considerammuitos estudos feitos nos dois continentes,concluíram, respectivamente, que é necessário0,81 GJ de energia fóssil para a produção de1.0 GJ de energia na forma de etanol derivadodo milho, e 0,68 GJ energia fóssil para produzir1,0 GJ na forma de RME.

Neste trabalho são apresentados dadosdisponíveis sobre balanços energéticos para aprodução de etanol de cana-de-açúcar e óleode dendê em condições brasileiras e malasia-nas, respectivamente, e também se faz umanalise preliminar semelhante sobre o balançoenergético referente a produção de biodieselde mamona.

Cana-de-açúcarO primeiro balanço energético calculado

para cana-de-açúcar em condições brasileiras

foi publicado por Silva et al. (1978) antes daprodução de veículos que usavam etanolhidratado. Este estudo foi a base de um trabalhomais atualizado, publicado por Boddey (1993),mas os dados aqui apresentados derivaramprincipalmente do trabalho de Machado (1998).Atualmente a produtividade média de cana-de-açúcar no Estado de São Paulo é de 84 Mg(toneladas métricas) ha-1, e a produção deetanol de cana é próximo de 86 litros/Mg decana fresca. Utilizando esses valores e um valorcalorífico de etanol de 22,3 MJ L-1, a produçãototal de energia no etanol soma 161,1 GJ ha-1.A Tabela 1 mostra os ingressos de energia fóssilnecessários e o resultante balanço energéticoda produção de etanol derivado da cultura.

Tabela 1. Balanço energético para a produção deetanol de cana-de-açúcar sob condições brasileiras.

Rendimento (colmos de cana)Produção de etanol

Ingressos de energia fÛssil1. Máquinas agrícolas etransporte à usina2. Fertilizantes/pesticidas3. Mudas/toletes4. Equipamentos e prédios5. Insumos na usina(1)

Total

Energia produzida no etanol

BalanÁo energÈtico =Energia no biocombustível/Energia fóssil investida

(1) Reagentes químicos utilizados no processamento da cana, elubrificantes etc.

ha-1 ano-1

84,0 Mg7.224 L

GJ

5,62 7,23 0,48 6,03 0,62

19,98 GJ

161,10 GJ

8,06

Os primeiros trabalhos sobre balançoenergético da produção de etanol da cana-de-açúcar foram publicados no exterior nos anos70, e os resultados sempre foram muito baixosou negativos devido ao alto consumo deenergia fóssil no processamento do mosto e nadestilação do etanol na usina. Entretanto, poucosanos após o começo do ProÁlcool, as usinasconseguiram substituir toda essa energia fóssil,

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correspondente a mais de 50% daquelaproduzida no etanol (BODDEY, 1993), pelo usodo bagaço da cana. Atualmente muitas usinascom excesso de bagaço estão gerandoeletricidade que é vendida para a rede estadual.Se esta energia excedente for incluída nobalanço energético do etanol, o valor dobalanço sobe para mais de 10 para 1(MACHADO, 1998).

É interessante comparar esse balançoenergético calculado para as condições reaisdo Brasil com os balanços da produção debiodiesel de canola (RME) ou de etanol do milho(ou da beterraba ou do trigo) da Europa e dosEUA. O balanço energético positivo daprodução de etanol de cana-de-açúcar de 8.06mostra que para produzir 1 GJ de energia, nestaforma, são necessários 0,124 GJ de energiafóssil, em comparação com 0,81 e 0.68 GJ deenergia fóssil para produzir 1 GJ de energia naforma de etanol do milho ou do biodiesel decanola (RME). Os biocombustíveis produzidosnos EUA e na CE praticamente não merecemeste nome, se for contabilizado somente aeconomia na liberação de CO2.

DendêPor muitos anos, tanto a Ceplac, no sul

da Bahia, e a Embrapa Amazônia Ocidental,em Manaus, promoveram estudos agronômicossobre a utilização da cultura de dendê econduziram programas de melhoramento dessaespécie. Um documento da Embrapa AmazôniaOcidental cita que "A inexpressiva participaçãodo Estado do Amazonas e sobretudo do Brasilno cenário mundial de produção de óleo depalma (óleo de dendê), com cerca de apenas0,5% da produção mundial em 1999, apesar dedispor do maior potencial de expansão dacultura no planeta, é conseqüência da tímidaexpansão da agroindústria do dendê no País ereflete a inexistência de políticas e programasgovernamentais especialmente desenhadaspara a atividade". A produção mundial óleo dedendê supera os 20 milhões de Mg ano-1, sendo80% produzido no sul da Ásia, principalmente

na Indonésia e Malásia. É na Malásia ondeforam desenvolvidos mais estudos sobre apossível utilização desse óleo comocombustível.

Os dados utilizados no balançoenergético do óleo de dendê neste trabalho(Tabela 2) foram retirados principalmente dotrabalho de Wood e Corley (1991), baseado emgrandes plantações (Unilever Ltd.) na Malásia.Produções de até 7 ou 8 Mg do óleo ha-1 já foramregistradas; plantações bem manejadasgeralmente produzem aproximadamente umamédia de 20 Mg ha-1 de cachos contendo entre18 e 22% de óleo. No trabalho de Wood eCorley (1991), os autores utilizaram umaprodutividade de 3.87 Mg ha-1 do óleo principalcom um valor calorífico de 39,9 MJ kg-1 alémde 450 kg de óleo do palmiste (Palm kernel oil)com valor calorífico muito semelhante. Naestimativa dessa produtividade, que é baixa, osautores contabilizaram toda a área daplantação incluindo palmas com menos de 4anos de idade, que ainda não produzem frutas.Como o preço do óleo do palmiste é muito maisalto, seria mais lógico vendê-lo no mercadointernacional, e por isso não foi incluído nobalanço energético.

No balanço energético para cana-de-açúcar, calculado por Machado (1998), oscustos energéticos dos prédios e equipamentosforam incluídos, baseados na energia utilizadana sua fabricação dividido pelo número de anosde utilidade (SILVA et al., 1978). No caso do óleo

Tabela 2. Balanço energético para a produção deóleo de dendê sob condições da Malásia.

Rendimento (cachos)Produção de óleo

Ingressos de energia fÛssil1. Máquinas agrícolas etransporte à usina2. Fertilizantes3. Pesticidas4. Mão-de-obraTotal

ha-1 ano-1

18,0 Mg3.870 kg

GJ 5,14 11,22 0,80 0,67

17,83 GJ154,41 GJ

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de dendê, este item não foi contabilizado. Éimportante destacar a importância do fertilizantequímico nobalanço energético. Apesar daprogramação de adições anuais de 252 kg K2Oha-1 versus 88 kg N ha-1, o custo energético comK2O foi somente de 3,45 GJ ha-1 (16,5 MJ kg K-1),em comparação com 6,89 GJ ha-1 com o usode N (78,1 MJ kg N-1). Isso reflete o elevadíssimocusto energético da produção de N peloprocesso Häber que utiliza grandes volumes degás natural. Uma das razões do baixo custoenergético da produção de etanol da cana-de-açúcar, no Brasil, é a baixa quantidade de Nutilizada em comparação com outros paísesprodutores (BODDEY, 1993). Após a extraçãodo óleo, existe pelo menos 10 Mg ha-1 deresíduos que, a pesar do fato de ter entre30 (fibra) e 65% (cachos vazios) de umidade,fornece energia suficiente (estimada em 24 GJha-1) para a operação de toda a usina deextração e purificação do produto. Parece queessa exigência é chave para produzir umbiocombustível com um balanço energéticofavorável.

MamonaNão existem, ainda, dados suficientes

para estimar o balanço energético desta cultura.Dados de produtividade citados na literaturasugerem que, por enquanto, a produtividademédia está em torno de 500 kg de óleo ha-1,(BELTRÃO et al., 2003), mas o rendimentopotencial com irrigação pode ser mais que odobro (HOLANDA, 2004). O valor caloríficodesse combustível é cotado a 40,5 MJ kg-1, epor isso a produção energética deve seraproximadamente de 20,3 GJ ha-1 ano-1. Aadubação recomendada por Beltrão et al. (2003)é de 50 kg N (3,91 GJ), 20 kg P2O5 (0,35 GJ) e25 kg K2O (0,34 GJ) ha-1. Se o custo energéticoda conversão do óleo da canola é deaproximadamente 12,0 MJ kg-1 (ARMSTRONGet al., 2002), e o mesmo for igual para o biodieseldo óleo da mamona, o total de ingresso deenergia fóssil seria de 4,6 GJ (fertilizantes) + 6,0GJ ha-1 (conversão do óleo para biodiesel). Não

estão incluídos no balanço os custos energéticoscom preparo do solo, calagem, pesticidas etransporte, com o qual o balanço deve sermenor que 2,0. Isto é muito baixo comparadocom os valores para etanol da cana-de-açúcarou óleo de dendê, mas semelhantes ao daprodução de biodiesel de canola (RME), naEuropa.

ConclusãoO balanço energético é o parâmetro mais

adequado para definir a viabilidade técnica dequalquer programa bioenergético. Como obalanço positivo é altamente dependente dorendimento da cultura e do menor consumo deN-fertilizante, para o caso de culturas de baixaprodução de óleo a alternativa é o melhoramentogenético e a otimização da contribuição dafixação biológica de N2 através da adubaçãoverde que permita reduzir ao mínimo a adubaçãonitrogenada.

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Ano XIV - Nº 1 - Jan./Fev./Mar. 200547

IntroduçãoMercado mundial sem barreiras para

produtos agrícolas, em que garantia deabastecimento, qualidade e preços, constituamdeterminantes da produção, parece ainda umsonho longínquo. Países desenvolvidos impõembarreiras ao comércio internacional, protegendoseus mercados da concorrência, particularmentede países em desenvolvimento. Exemplomarcante de imposição de barreiras à importaçãode produtos agrícolas, particularmente de carnes,é a União Européia (UE), por meio da PolíticaAgrícola Comum (PAC), apesar da pressão dosconsumidores, do protesto de países emdesenvolvimento e da cobrança dasorganizações multilaterais de comércio, parauma maior racionalidade de mercado. Rodadasde negociações se sucedem, em diferentespartes do planeta, sem avanços significativos.Mas negociar é preciso!

Identificar as principais restrições e comoelas afetam a produção e as exportaçõesbrasileiras de carnes é o propósito destetrabalho. O termo barreiras será tomado em seusentido amplo, como todo o mecanismo queimpede ou dificulta as exportações do Brasilpara a UE, ou efeitos de política da UE sobreterceiros países que restringem as exportaçõesbrasileiras. Essas barreiras podem ser denatureza econômica, comercial (tarifária),

sanitária ou técnica. Reconhece-se acomplexidade da questão, resultado de quase50 anos de história protecionista da PAC e porenvolver fortes interesses de produtoreseuropeus.

Espera-se que este trabalho contribuapara o debate sobre liberalização progressivae significativa do mercado internacional deprodutos agrícolas, particularmente para carnesna UE. O trabalho está estruturado em trêspartes: a) contexto dos mercados mundial eeuropeu, em carnes; b) principais objetivos einstrumentos de política comercial da UE; c)barreiras ao comércio, impostas por parte daUE, enfocando os subsídios à produção interna,dificuldades de acesso ao mercado e subsídiosàs exportações.

O contexto do mercadoA UE era formada por 15 países4, com uma

população de 376 milhões de habitantes, um PIBde 8,6 trilhões de dólares e uma renda per capitade US$ 25.600. Em 1º de maio de 2004,ingressaram mais 10 países5, agregando 104milhões de pessoas, com uma renda per capitamédia relativamente baixa de US$ 3.606. Esteimenso mercado é cobiçado pelos paísesexportadores de produtos agrícolas, particular-mente para carnes, de interesse direto do Brasil.

Carnes do Brasil?A União Européiaestremece!1

Elisio Contini1

Dirceu Talamini2

1 Paper apresentado na Palestra Conjuntural de Abertura do Seminário Internacional de Aves e Suínos da AveSui 2004 e III Seminário Internacional de Aves eSuínos, em Florianópolis, SC, maio de 2004.

2 Pesquisador e chefe da Assessoria de Gestão Estratégica do Ministério da Agricultura. [email protected] Pesquisador da Embrapa Suínos e Aves, Concórdia, SC. [email protected] Europa dos 15: Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Itália, Irlanda, Luxemburgo, Portugal, Reino Unido e

Suécia.5 Novos países entrantes na UE: Eslováquia, Eslovênia, Estônia, Hungria, Letônia, Lituânia, Polônia, República Checa, Chipre e Malta.

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Ano XIV - Nº 1 - Jan./Fev./Mar. 2005 48

Produção de carnesna União Européia

Os países da União Européia, em décadasrecentes, tornaram-se importantes produtoresagrícolas e também de carnes. Segundo dadosda Organização das Nações Unidas paraAgricultura e Alimentação (FAO) para 2003, naprodução de suínos ocupam o segundo lugar,depois da China, com 18% da produçãomundial. Em carne de frango situam-se emterceiro lugar, depois dos Estados Unidos eChina, com 11,6 da produção mundial, e na debovinos também o segundo lugar, após osEstados Unidos (Tabela 1).

Tabela 1. Produção mundial de carnes – 2003 – (em mil toneladas).

Estados UnidosChinaUnião EuropéiaBrasilMundo

PaÌses

(1) Inclui carne de búfalo.Fonte: Faostat (FAO, 2004).

11.905 6.619 9.070 7.526

62.104

Bovinos(1)

38.748 71.041 36.357 18.684253.528

Total carnes

9.06446.04818.124 3.059

98.507

SuÌnos

17.46813.687 8.800 7.967

75.823

Aves

A produção total de carnes na UE evoluiude 16 milhões de toneladas, em 1961, para 36,2milhões, em 2002, considerando que hádiferenças importantes entre os seus tipos(CONTINI, 2003; DYCK; NELSON, 2003; FAO,2004). A produção de carne bovina e de búfaloestá estagnada entre 7 e 9 milhões de toneladas,tendo decrescido em 2002 em relação àsdécadas de 80 e 90. O crescimento maisespetacular ocorreu na produção de aves quepassou de 1,7 milhão de toneladas, em 1961,para 9,3 milhões, em 2002, um aumento de maisde quatro vezes. A produção de suínos tambémcresceu 145% no período, atingindo a 17,7 mi-lhões de toneladas em 2002, quase a metadedo total das carnes produzidas na UE (Fig. 1).

Para efeito de comparação, o Brasilproduziu em 1961 apenas 2 milhões detoneladas de carnes, sendo 1 milhão de aves,500 mil de suínos e 1,4 milhão de carne bovina.Em 2002 a produção brasileira de carnes passou

Fig. 1. Produção de carnes na União Européia (emmilhões de toneladas).

Nota: 2010 – projeção.Fonte: Faostat (FAO, 2004) e European Comission (2003).

para 16,6 milhões de toneladas, sendo 2,1 milhõesde suínos, 7,1 milhões de bovinos e 7,4 milhõesde aves, está suplantando pela primeira vez aprodução da carne bovina. Os Estados Unidossempre foram grandes produtores de carnes comum total de 16,5 milhões de toneladas em 1961 e39,2 milhões em 2002.

Projeções para a UE indicam que a carnebovina manterá o nível atual de produção ao redorde 7,6 milhões de toneladas anuais para o períodode 2001 a 2010. As carnes de suínos aumentarãopara 18,6 milhões de toneladas e a de aves para9,6 milhões. (EUROPEAN COMMISSION, 2003).

Consumo de carnesna União Européia

O consumo total de carnes na UE passoude 17,1 milhões de toneladas, em 1961, para34,6 milhões, em 2001, aumentando de 53,5 kg

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para 91,8 kg per capita ano, no período (Tabela2). O consumo de carne bovina permaneceupraticamente estagnado, com aumento nadécada de 60, relativa estagnação nos anosde 1970 a 1990, próximo dos 20 kg anuais, equeda para 18,5 kg em 2001, devidoprincipalmente a ocorrência da doença davaca-louca. Para fins comparativos, o consumonos Estados Unidos é de 43 kg anuais e no Brasilde 34,3 kg. Mesmo com hábitos alimentaresdiferentes, esses dados indicam haver espaçopara o crescimento do consumo da carne bovinana UE, uma vez resolvidos os problemas deconfiança do consumidor (vaca-louca) e doselevados preços para o consumidor final.

avícola na UE ainda não se encontra saturado,havendo espaço para aumentos com menorvelocidade, uma vez que se reduzem os preçosao consumidor final, atualmente elevados pelaproteção à proteção interna.

A carne suína representa quase a metadedo consumo de carnes da UE, com 16,7 milhõesde toneladas em 2001, um aumento de 129%em relação a 1961. O consumo per capitaevoluiu de 23,0 kg anuais para 44,4 kg, noperíodo de 1961 a 2001, com tendência decrescimento durante todo o período (Fig. 2).No Brasil e nos Estados Unidos, o consumo percapita anual de carne suína atingiu perto de 9,4kg e 29,5 kg, respectivamente.

A evolução mais espetacular do consumoocorreu com a carne avícola, que passou de1,8 milhão de toneladas, em 1961, para 8,1milhões, em 2001. No período, o consumo percapita era de 5,6 kg anual e passou para 21,6kg. Esse fenômeno aconteceu em outros países,como no Brasil que atingiu a 30 kg e nos EstadosUnidos cujo valor foi de 48 kg per capita anual.Pode-se presumir que o consumo de carne

(1)Adotado o mesmo valor para outras carnes de 2001.Fonte: Faostat para 1961-2001 (FAO, 2004) e EUROPEAN COMISSION,2003 para os dados de 2010.

Tabela 2. Consumo de carnes na União Européia,por tipos (em milhões de toneladas).

BovinaSuínaAvícolaTotal(1)

Tipo decarne

6,17,31,8

17,1

1961

7,99,63,4

23,0

1970

8,313,4

4,929,0

1980

8,314,9

6,231,8

1990

7,016,7

8,134,6

2001

7,618,6

9,338,36

2010 Fig. 2. Consumo per capita de carnes na UniãoEuropéia (kg/pessoa/ano).

Fonte: Faostat (FAO, 2004).

Importações e exportações decarnes da União Européia

Dados da FAO (2004) mostram que, em1961, a UE era importadora líquida de carnes,principalmente da bovina, com 500 miltoneladas. A partir dos anos 80, as exportaçõescomeçam a superar as importações. Como podeser visto na Fig. 3, em 2002, as exportações daUE superam as importações em 100, 1.000 e900 mil toneladas para a carne bovina, carnesuína e de aves, respectivamente.

Preços elevados ao consumidor final erestrições rígidas à importação diminuem o consu-mo final, enquanto a produção interna é incen-tivada por elevados subsídios. Como os preçosinternacionais estão abaixo dos praticados inter-namente, para não acumular estoques com altoscustos, incentiva-se a exportação via subsídios,como ocorre principalmente com a carne bovina.Subsídios às exportações deprimem os preçosinternacionais, distorcendo o mercado eprejudicando países exportadores, como o Brasil.

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e garantir bom nível de vida para os agricultoresdo setor. O sistema contém um componenteforte de sustentação de preços. Para prevenirquedas acentuadas de preços, a UE podeconceder empréstimos para a estocagem decarnes ou para a sua compra por agênciaspúblicas de intervenção.

Importações e exportações estão sujeitasa licenças e às tarifas estabelecidas para a UE.Quando há riscos de que a importação possadesestabilizar o mercado, tarifas adicionais deimportação podem ser impostas. Quotastarifárias são distribuídas de conformidade coma demanda dos operadores a cada três anos,mas estão sujeitas ao sistema de licenças deimportação. Quando há evidências de que ospreços no mercado vão aumentar, as taxas deimportação podem ser parcial ou completamentesuspensas.

A comissão estabelece que, quandonecessário, podem ser concedidos subsídios àsexportações, mas os operadores devem obterlicença. Taxas que tenham efeito equivalente aobrigações alfandegárias ou a imposição dequalquer restrição quantitativa ou medidassimilares são proibidas no comércio com terceirospaíses. Salvaguardas podem ser aplicadas quandohouver risco de distúrbios de mercado, causadospor exportação ou importação.

Em caso de descoberta de problemas sani-tários nos rebanhos, podem ser aplicadas restri-ções comerciais, e medidas emergenciais devemser tomadas para proteger a produção dos paísesmembros (EUROPEAN COMMISSION, 2004).

Instrumentos de política comercial7

A política comercial de produtos agrícolasda UE tem por objetivos proteger os produtoresinternos contra a concorrência externa efacilitar exportações para terceiros países,escoando os excedentes. Para isso aplica umarsenal de instrumentos, como a Tarifa ExternaComum (TEC), quotas tarifárias, regimes

Fig. 3. Exportações e importações de carnes da UniãoEuropéia (milhões de toneladas – 2002).

Fonte: Faostat (FAO, 2004).

No contexto mundial, a União Européia éa primeira exportadora de carne suína e a terceiraem carne de frango, depois dos Estados Unidos edo Brasil. Embora importante, as quantidadesexportadas estão estagnadas, nos últimos quatroanos, com 1,3 milhão de toneladas para a suína e800 mil toneladas para a de aves.

O Brasil não exporta carne suína para aUE, sob a alegação de risco sanitário, masvende carne de frango. No ano de 2003, do totalde 1,9 milhão de toneladas de carne de frangoexportada, 285 mil foram para a UE,representando 15% das exportações brasileirasdo setor. Desse total, 94% eram sob a forma decortes. Os demais importadores do Brasil foramo Oriente Médio (31%), a Ásia (23%), a África(5,7% e outros (11%), indicando não haver grandeconcentração em um ou dois importadores.

Política comercialda União Européia6

Política agrícola para carnes

O objetivo da política para a produçãode carnes e derivados é estabilizar o mercado6 Para uma revisão da Política Agrícola Comum (PAC), consultar Contini (2004).7 Este item baseia-se em Brasil (2000).

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especiais de importação, regras de origem elegislação de defesa comercial. A seguir,comenta-se cada um dos instrumentos.

a) Tarifa externa comum (TEC)

A TEC estabelece os direitos de importa-ção a serem aplicados por todos os EstadosMembros da UE às importações de produtos deterceiros países. Nela estão indicados os direitosautônomos, definidos unilateralmente pela UE,e os convencionais, já estabelecidos deconformidade com as regras da OrganizaçãoMundial do Comércio (OMC), aplicadas aosseus membros.

Às exportações para a UE aplicam-se, emprincípio, os direitos convencionais. Os direitosaduaneiros, em geral, são estabelecidos embase ad valorem e calculados sobre o preço CIFdo produto importado. Os direitos específicos,expressos em valores predeterminados porunidades de volume, aplicam-se sobre certosprodutos agrícolas, bebidas alcoólicas, etc. Parafrutas, vegetais e flores existem tarifas sazonais,que são aplicadas para proteger os produtoseuropeus durante o período de safra nos paísesda Comunidade.

b) Quotas tarifárias

Os produtos que ingressam no mercadocomunitário por meio de contigentes devemcumprir certas condições. Existe dois tipos decontingentes:

• Tarifários – First come, first served – Emque o importador faz sua demanda no momentoda importação, sendo os montantes diáriosdisponíveis na Internet. Esses contingentes sãomais sensíveis na sua tramitação dado que elessão, em geral, autônomos e, em sua grandemaioria, estabelecidos a pedido do importadoreuropeu.

• Tarifários com licença de importação– Em que os importadores necessitam de umasolicitação prévia e dependem da comissãoque distribui os certificados de importação porintermédio dos Estados membros, em função dasquantidades disponíveis. Esses contingentes são

os mais rigorosos no cumprimento dosrequisitos para ingresso, pois cobrem produtossensíveis para a UE (carnes, cereais, frutas, etc).

c) Regimes especiais de importação

A UE aplica o princípio da preferênciacomunitária, assegurando prioridade paraprodutos comunitários e proteção ao mercadocontra importações ditas “exageradas emquantidade e a preços vis”. Para que talprincípio seja respeitado, os produtos agrícolasprovenientes de terceiros países são submetidosa direitos aduaneiros e/ou a direitos adicionaissobre a importação, de modo a torná-los maiscaros do que os localmente produzidos.Adicionalmente, produtos originários de paísescom baixos custos de produção estão sujeitos alimites nas quantidades de importação.

d) Regras de origem

São considerados originários de um paísos produtos que tenham sido “inteiramenteobtidos” ou fabricados a partir de matérias-primas, partes ou componentes importados quetenham sofrido “transformação substancial” nopaís de origem. Essa “transformação substan-cial” é determinada pelo critério da mudançada classificação tarifária inicial, por critériosespecíficos estabelecidos para determinadosprodutos, ou pelo critério segundo o qual sãooriginários os produtos objeto de transformações,além daquelas definidas pela Comunidade comooperações mínimas. A UE aceita incluir omecanismo de “acúmulo de origem na região”em seus acordos com regiões ou grupos depaíses.

O Sistema Geral de Preferência (SGP) sóse aplica aos produtos considerados origináriosde países em desenvolvimento beneficiados,inclusive do Mercosul. Normalmente, no âmbitodo SGP, as mercadorias devem sertransportadas diretamente do país de origem aoterritório da UE. Em caso de trânsito, háexigências a serem cumpridas. A concessão depreferências do SGP comunitário estácondicionada à apresentação de prova deorigem. Para produtos não incluídos por

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tratamento preferencial, a legislação aduaneiraou outras legislações comunitárias específicaspodem prever que a origem das mercadorias devaser justificada mediante a apresentação de docu-mentos e eventuais explicações complementares.

e) Defesa comercial comunitária

A defesa comercial da UE aplicaregulamentos antidumping anti-subsídios esalvaguardas. As regras antidumpingestabelecem prazos estritos para a realizaçãoe finalização de investigações, de modo aassegurar que as reclamações apresentadaspelos peticionários europeus sejam processadasrápida e eficientemente. Para que a comissãopossa aplicar um direito antidumping, é precisodemonstrar que o preço de exportação doproduto vendido no mercado comunitário sejainferior ao preço do mesmo produto vendido nomercado interno do país exportador e que asimportações desses produtos causariamprejuízo material à indústria comunitária.Ademais, prevê a aplicação do princípio do“interesse da comunidade”, pelo qual os custospara a Comunidade, como um todo, daaplicação de direitos “antidumping” não devamser desproporcionais aos benefícios para osprodutores afetados.

Pelo regulamento anti-subsídios, acomissão impõe direitos compensatórios aimportações julgadas subsidiadas, originárias deterceiros países. Tal como o regulamentoantidumping, este também incorpora as regrasdo Acordo sobre Subsídios e medidasCompensatórias, negociado durante a RodadaUruguai do Tratado Geral sobre Tarifas eComércio (GATT)

O Regulamento de Salvaguardas visaproteger setores produtivos comunitários de umaumento brusco e desmesurado de importações,por meio da imposição de restriçõesquantitativas temporárias. A exemplo dosregulamentos anteriores, esse regulamentotambém incorpora as regras negociadas durantea Rodada Uruguai e que estão contidas noAcordo sobre Salvaguardas da OMC. Aocontrário dos demais instrumentos de defesa

comercial, apenas os Estados Membros, e nãoassociações empresariais ou firmas individuais,podem formular à comissão o pedido deimposição de salvaguardas.

f) Regimes preferenciaisde comércio (RPC)

O RPC emanou da I Conferência dasNações Unidas sobre Comércio e Desenvolvi-mento (Unctad). O Sistema consiste na eliminaçãoou redução substancial dos direitos de importaçãoque oneram produtos primários e industrializadosoriginários de países em desenvolvimento. Por suanatureza, as concessões de margens tarifáriaspreferenciais no SGP pelos países desenvolvidossão unilaterais e não recíprocas.

O RPC comunitário prevê a suspensão emcaráter temporário, total ou parcial, do regimecomo decorrência de vários fatores. É possívelrestabelecer os direitos da TEC, a qualquermomento, sobre um produto cuja importaçãoprovoque ou possa provocar, no entendimentoda Comunidade, dificuldades graves aosprodutores comunitários de produtos similaresou diretamente concorrentes.

Com o objetivo declarado de direcionarpaulatinamente o RPC aos países mais pobres,foi criado o mecanismo de graduação por setorou por país, que visa eliminar os benefícios nasáreas em que aqueles países se tornaram maiscompetitivos. Há duas formas de graduação: a)“progressiva” quando determinado setor de umpaís atinge certos níveis de desenvolvimento eespecialização; e, b) “lion’s share” consiste nasupressão imediata da margem preferencialpara produtos que excedam um quarto dasexportações para a Comunidade por parte detodos os países beneficiários nesse mesmo setor.Ao Brasil já foi aplicada a graduação progressivapara animais vivos, carnes e miúdos, café,preparações de carnes e de cereais.

Barreiras ao comércioAs barreiras impostas pela PAC e pela

política comercial à importação de produtos

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agrícolas, particularmente de carnes, serãoanalisadas conforme a classificação do Acordosobre Agricultura da Rodada do Uruguai e daspropostas de Doha, sob a coordenação daOMC. Essas propostas assentam-se em trêspilares: a) proteção à produção doméstica; b)dificuldades de acesso a mercados; e, c)subsídios às exportações.

Proteção à produção doméstica

A decisão de disciplinar os subsídios àprodução interna é um dos mais importantesresultados da Rodada do Uruguai (1986-93). Inicia-se com a Declaração de Punta del Leste, emsetembro de 1986, em que os governos dos paísesdesenvolvidos concordaram em procurar “maiorliberação de comércio na agricultura” e que“todas as medidas que afetassem o acesso àimportação e competição nas exportações”deveriam ser incluídas nas regras do GATT, paradisciplinar o uso dos subsídios diretos e indiretose outras medidas que afetam direta ou indireta-mente o comércio agrícola mundial (JOSLING,2003). Ao mesmo tempo, os ministros delegaramo mandato de estudar os impactos e aimplementação dos princípios da reforma dapolítica agrícola, ao Diretório de Agricultura daOrganização para a Cooperação e Desenvol-vimento Econômico (OECD).

Para quantificar a dimensão dos subsídiosà produção doméstica, a Organização paraCooperação e Desenvolvimento Econômico

(OCDE) estabeleceu o conceito de ProducerSupport Estimate (PSE), definido como o valormonetário anual de transferências brutas dosconsumidores e contribuintes para os produtoresagrícolas, mensurado em nível de porta dafazenda. O PSE mede o apoio aos produtores,proveniente das políticas relacionadas àagricultura, em relação a uma situação semessas mesmas políticas. O percentual do PSErepresenta o valor das transferências brutas dosconsumidores e contribuintes para osprodutores, dividido pelas receitas brutas totaisdas propriedades rurais8. Na Tabela 3,quantificam-se os subsídios aos produtores (PSE)para a UE, para o setor de carnes e outros.

O PSE da UE, no ano de 2003, ultrapassouos US$ 108 bilhões, superior em US$ 21 bilhõesa média do período de 1986 a 1988. Há umaumento considerável para todos os tipos decarnes, principalmente para a bovina queatinge a 22,9 bilhões de em 2003. Em relaçãoao período base de 1986–88, os valores do PSEdas demais carnes também dobram noperíodo.Em termos percentuais, a maiorproteção foi para a carne bovina com 77%,carne de suíno com 24% e de aves com 36%.(Fig. 4).

Quem paga a conta dos 108 bilhões de •de benefícios aos produtores rurais da UE? Parteda resposta está no indicador Consumer SupportEstimate (CSE), definido como o valor monetárioanual de transferência para os consumidores deprodutos agrícolas, medidos a preços de porteirade fazenda, proveniente das medidas de

Fonte: Organisation for Economic Co-Operation and Development (2004).

Tabela 3. Subsídios aos produtores agrícolas (PSE) na União Européia (em milhões de )9.

1986-882001-03200120022003

Anos

12.02020.52218.09720.60822.860

Carne bovina

2.8395.5636.3225.0595.310

Carne suÌna

1.7703.6123.7763.6923.468

Carne de aves

70.25573.01171.10071.21876.613

Outros produtos

86.884102.708

99.295100.577108.251

Total

8 Melhor compreensão do PSE e outros conceitos relativos à proteção da produção agrícola podem ser encontrados em Organisation for Economic Co-Operationand Development (2004). Observe-se que o conceito PSE é mais amplo e diferente do conceito AMS, conforme definido no Acordo sobre Agricultura da OMC.

9 Relação entre moedas em julho de 2004: 1 = 1,23 US$ e 1 = 3,70 R$.

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políticas de apoio à agricultura. Representa atransferência de recursos dos consumidorespara os produtores rurais, devido à políticaagrícola.

Na Fig. 5 são apresentados os valores (em%) pagos pelos consumidores, pelo fato de existirproteção no mercado de carnes na UE. Em 2003,os consumidores pagaram, a mais, 63% para acarne bovina, 21% para a carne suína e 38% paraa de aves. Estes valores significam o quanto osconsumidores gastaram a mais pelo fato de seaplicar a PAC ao setor. São valores altos,principalmente para os consumidores de classesde renda baixa, já que estes gastam, propor-cionalmente, mais de sua renda com alimentos.

Dificuldades de acesso aos mercados

a) Aspectos gerais

Este pilar da OMC compreende o nível edispersão das tarifas, existência de quotas,instrumentos para barrar importações, comoempresas estatais de comércio, monopólios locais,salvaguardas especiais, regras antidumping ebarreiras sanitárias, fitossanitárias e técnicas.

A Rodada do Uruguai estabeleceu anecessidade de realizar novas negociações nasáreas de agricultura e serviços. Dessa forma, esegundo o disposto no Art. 20 do Acordo sobreAgricultura, essas negociações iniciaram-se emmarço de 2000, ganhando uma nova dinâmicacom a IV Conferência Ministerial de Doha queestabeleceu o seu término para janeiro de 2005.Há questões básicas a serem negociadas, comoa simplificação da estrutura tarifária e a questãodo favorecimento aos países em desenvolvi-mento, principalmente aos menos desenvolvidos,como defende a UE.

b) Barreiras tarifárias

Enquanto os produtos industriais estãosujeitos a tarifas ad valorem, os direitosespecíficos aplicam-se, em sua maioria, aosprodutos agropecuários. Esses direitos non-advalorem aplicam-se sobretudo a animais vivos,carnes, produtos lácteos, frutas frescas elegumes, cereais, arroz, azeite, açúcar, vinhoe bebidas espirituosas, e tabaco.

Quanto a suínos, as exportações para a UEcontinuam proibidas sob o argumento de riscosanitário da peste suína clássica e da febre aftosa.Embora o Brasil não possua mais essas doenças,a UE alega deficiência nos controles técnicos desaúde animal e pública. Assim não tem sentidodiscutir tarifas quando a exportação de carne suínabrasileira para a UE não é permitida. A questãosanitária será vista mais adiante.

Em carnes de aves, o Brasil estáhabilitado a exportar para a UE, e tem sidoagressivo nas vendas externas, em anosrecentes, favorecido pela desvalorização

Fig. 4. Producer Support Estimate (PSE) de carnes paraa União Européia (em %).

Fonte: Organisation for Economic Co-Operation and Development (2004).

Fig. 5. Consumer Support Estimate (CSE) na UniãoEuropéia para carnes (em %).

Fonte: Organisation for Economic Co-Operation and Development (2004).

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frango congelado na forma de salgado, comtaxas de importação bem mais baixas. Isto foraacordado nas negociações da OMC.O aumento das exportações do produto nomercado europeu levou à UE a modificar seuregulamento, impondo ao frango salgado teoresmais elevados de sal. O Brasil e a Tailândiacontestaram essa decisão na OMC. Segundoinformações recentes, o processo se encontraem Genebra para a escolha dos árbritos.

c) Barreiras não-tarifárias11

É inquestionável a necessidade devigilância sanitária quanto a potenciais riscosà saúde humana, à saúde animal e àconservação de recursos naturais e do meioambiente. Os consumidores europeus exigemalimentos saudáveis e seguros, principalmenteapós os casos de vaca-louca e gripe-do-frango,entre outros. Esse direito deve ser reconhecido!

No Livro Branco sobre a Segurança dosAlimentos (EUROPEAN COMMISSION, 2000)são definidos os princípios básicos para aprodução e importação de gêneros alimentíciose alimentos para animais. O objetivo geral éassegurar um nível elevado de proteção dasaúde humana e da proteção dos consumidores.A política de segurança dos alimentos baseia-se numa abordagem global e integrada, ou seja,ao longo de toda a cadeia alimentar (daexploração agrícola até a mesa), em todos ossetores alimentares. Define responsabilidadesquanto à segurança e propõe a rastreabilidadedos alimentos para o consumo humano e dosalimentos animais, bem como dos respectivosingredientes. Quanto às importações,estabelece que devem satisfazer exigênciassanitárias pelo menos equivalentes às definidaspela Comunidade para a sua produção interna.

Diretiva de 1992 exige que a totalidadedos produtos de origem animal importados deterceiros países pela UE sejam provenientes deestabelecimentos habilitados pela ComissãoEuropéia. A implementação da referida Diretiva

cambial de 1999. Em termos de tarifas, em 29 demarço de 1994, o Conselho da UE aprovouRegulamento que estabelece a quota anual de15.500 toneladas de carnes de galo ou galinhacom tarifa 0%. Coube ao Brasil a quota de 7.100toneladas, 5.100 à Tailândia e 3.300 a outros países,chamada também de Quota de Compensação deOleaginosas. A queixa dos exportadoresbrasileiros tem sido a dificuldade de se apropriardesse benefício, já que essas quotas foramdistribuídas aos importadores europeus, sob aforma first come, first served. Esse problemaparece ter sido contornado pelas grandesempresas exportadoras do Brasil, ao instalar filiaisde importação na Europa, permitindo assimusufruir desse benefício (informação verbal)10.

O Jornal Oficial das Comunidades Européiaspublicou em 28 de outubro de 2002 as taxas dosdireitos convencionais aplicáveis a carnes emiudezas comestíveis, frescas, refrigeradas oucongeladas, de aves. Há inúmeros códigos deacordo com a natureza do produto. Para cada100 kg líquido de carnes de galo ou de galinha,não cortadas em pedaços, frescas, refrigeradasou congeladas, as taxas variam de 26,2 a 32,5 .Para miudezas e carnes cortadas em pedaços,frescas, refrigeradas ou congeladas, nãodesossadas a taxa é de 60,2 e desossadas é de102,4 .

A carne de peru tem taxas de direitosconvencionais também diferenciados de acordocom o tipo. Perus depenados, eviscerados, semcabeça nem patas, com miúdos, frescos,refrigerados ou congelados têm uma taxa de 34 •por 100 km líquido, enquanto que a taxa dosdesossados sobre para 85,10 e os não desossadosem metades ou quartos fica em 41 . As demaisaves, como patos e gansos, também têm taxasdiferenciadas, o que não interessa muito ao Brasilpor não ser um exportador importante.

Uma controvérsia recente entre o Brasil ea UE é o caso do frango salgado. Aproveitandouma brecha na legislação européia, o Brasil eoutros países passaram a exportar carne de

10 Informações obtidas na Representação do Brasil junto à União Européia, em 22 de abril de 2004.11 A seguir, relacionam-se alguns exemplos para carnes de aves e de suínos, produtos que tiveram maiores restrições, nos últimos anos.

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tem representado uma barreira às exportaçõesdo Mercosul, na medida em que o processo dehabilitação é lento – a comissão não temdestinado os recursos necessários paraprocessamento das listas que são a elasubmetidas –, fazendo que estabelecimentosesperem meses antes de poderem iniciar suasexportações para o mercado da UE. Ademais,as inspeções sanitárias feitas pela UE emterceiros países incluem referência aoatendimento das exigências comunitárias debem-estar animal, que não corresponde àsregras da OMC.

Com o objetivo de evitar o surgimento denovos casos de contaminação por dioxina naEuropa, foram recentemente aprovadas, noâmbito comunitário, decisões que prevêem oestabelecimento de níveis máximos aceitáveisdaquela substância em ingredientes utilizadosna fabricação de alimentos para animais e aproibição de determinadas substâncias eingredientes empregados nesses alimentos.A Comunidade vem exigindo planos de controlede resíduos biológicos em produtos de origemanimal exportados para a UE, como hormônios,medicamentos veterinários e contaminantes(Brasil, 2000).

Em 1998, a UE proibiu o uso de hormôniosde crescimento na produção animal. Exemplosdesses promotores de crescimento são oestradiol 17B, testosterona, progesterona,zeranol, acetato trembolone e acetadomelengesterol. (EUROPEAN COMMISSION,2004). Medidas mais restritivas estão sendopropostas pela comissão como a eliminaçãogradual, a partir de janeiro de 2006, dos quatroantibióticos autorizados como promotores decrescimento na alimentação animal: monensinsodium, salinomycin sodiu, avilamycin eflavophospholipol.

Adicionalmente, a comissão propôs outrasmedidas regulamentares no uso de aditivos nanutrição animal: a) novas autorizações deaditivos válidas por dez anos; b) nos próximossete anos, reavaliação dos aditivos jáautorizados; c) obrigação de as companhias

demonstrarem a eficiência do produto eausência de risco para a saúde humana, animale para o meio ambiente; d) avaliação dosprodutos pela Autoridade Européia deSegurança Alimentar; e, e) limite máximo deresíduos para alguns aditivos (EUROPEANCOMMISSION, 2004).

Foi mencionado, anteriormente, que oBrasil não está habilitado a exportar carne suínapara a UE sob a alegação de risco sanitário pelapresença, no País, de peste suína clássica efebre aftosa. Após várias solicitações, a UEenviou ao Brasil, em 2002, uma missão com oobjetivo de avaliar o controle da produção decarne fresca de suínos. O relatório da missãoDG SANCO 8529/2002 aponta falhas nosistema de controle e faz uma série derecomendações para as autoridades brasileiras:a) imediata suspensão da distribuição e uso deDES e tirostáticos e de substâncias terapêuticasveterinárias e aditivos na alimentação que estãoproibidas na UE; b) corrigir falhas no sistemade certificação de carnes; c) corrigirdeficiências em biosegurança em Laboratóriode Referência Federal; d) melhorar acoordenação entre os sistemas federal eestadual de controle; e) adotar planos decontingência para doenças em situações locaisde Santa Catarina. Em 26 de julho de 2002, oMinistério da Agricultura, Pecuária eAbastecimento respondeu às questõeslevantadas pela Missão, rechaçando a maioriados problemas levantados.

Para que se levante essa proibição,necessário se torna solicitar uma nova missão,o que pode ocorrer somente se as falhasapontadas no relatório forem corrigidas. Oobjetivo seria habilitar regiões (estados oumunicípios) e estabelecimentos para iniciar asexportações. Não se pode esperar uma aberturaimediata do mercado, sem controles dequantidades. Uma proposta seria uma aberturalenta e gradativa, habilitando regiões de SantaCatarina e/ou Rio Grande do Sul. Não podemosesquecer que por detrás desse complicadoprocesso existe um componente deprotecionismo do mercado europeu, medo da

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alta competitividade brasileira na produção decarnes e o fato de a Comunidade sersuperavitária em carne suína. Com a novaEuropa dos 25 países membros, adicionam-sepelo menos Hungria e Polônia como produtoresimportantes e capazes de abastecer os outrospaíses desse produto. Acordos e os padrõesdesses novos países também deverão seguir asnormas da Comunidade. Como dizia umdiplomada: não foram os alemães que seadaptaram aos padrões português e espanhol,mas estes que se tornaram alemães. Assim, vaiacontecer também com os novos países.

Ademais, a obtenção de habilitaçãoeuropéia não só tem pôr efeito uma possívelinserção no mercado da UE, mas vale tambémcomo referencial para a exportação para outrospaíses, como a Rússia e o Oriente Médio. Ospadrões europeus de controle sanitários sãoparâmetros mundiais para o comércio.

As exportações brasileiras de carnes deaves para a UE têm tido um aumentoconsiderável, nos últimos anos, o que nãopermite desconsiderar alguns problemassanitários havidos e que podem servir de liçãopara o futuro. Em abril de 2002, uma novametodologia de testes detectou a presença deresíduos de nitrofurano em lotes de carneavícola exportada pelo Brasil, proibido na UE.Além de várias missões ao Brasil para adiscussão do problema, o controle passou a serfeito em 100% dos lotes enviados, causandoprejuízos às exportações, estimados em US$ 40milhões, por ano, só com os controlesadicionais. O problema foi resolvido em meadosde 2003, com a importação de máquinas paratestes por parte do Brasil e a proibição decomercialização do produto pelo Ministério daAgricultura.

Outro problema foi a presença de alto teorde água na carne de frango, detectada emembarque da Holanda para a Inglaterra, nãose conhecendo a origem do produto. Portanto,não há denúncia contra o Brasil, mas a Europaestá atenta ao problema e vai controlar comrigor. Como o Brasil tem interesse nas

exportações de curto, médio e longo prazos,não pode permitir fraudes por parte deexportadores, o que comprometeria todo umtrabalho de conquista de mercado.

Outra argumentação que a Europa podeutilizar para restringir as importações dizrespeito ao bem-estar animal. Baseia-se noconceito de precaução de risco, em que oconsumidor percebe a possibilidade de suasaúde ser afetada caso os animais vivam emcondições de stress de espaço, barulho, etc...Fatos como esses ajudariam os opositores àabertura comercial que defendem protecio-nismo crescente para proteger seus produtores.A competitividade brasileira na produção decarnes é incontestável, pelas extensas áreas depastagens para a produção bovina e potencialprodutivo de grãos, particularmente noscerrados. Com tecnologia de plantio direto eduas safras por ano (safrinha), os custos deprodução de alimentos para frangos e suínossão muito inferiores aos dos produtores europeusque importam milho e soja para alimentos seusanimais (Fig. 6). Porém, não basta sercompetitivo, é preciso se apresentar comfornecedor confiável. Na carne bovina, o Brasiltem a vantagem de produzir boi a pasto, o quetorna o produto mais aceito pelo consumidor.

Fig. 6. Competitividade da carne avícola.

Fonte: Comissão Européia e ITAVI (dados 2001).

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Uma questão sensível aos europeus é apreservação do meio ambiente e dos recursosnaturais. As últimas reformas da PAC reforçamo tema, vinculando-o à política de apoio àagricultura a ações de melhoria do solo e daágua, da não poluição e da preservação da belapaisagem. A produção intensiva de suínosconstitui-se em elemento poluidor do solo e daágua subterrânea, principalmente em países depequena superfície, como a Holanda eDinamarca. Mesmo com o estabelecimento deárea agrícola mínima por unidade animal paradepósito dos dejetos de suínos, em muitasregiões a água para o consumo humano estácontaminada por nitratos, obrigando o consumode água mineral. Na França, de cada doishabitantes um compra água mineral. A tendên-cia, a longo prazo, será de favorecer importa-ções de suínos. No curto prazo, tem-se observa-do deslocamento da produção de suínos parapaíses com maior área geográfica, como é ocaso da Espanha que passou a ser a segundamaior produtora da UE, depois da Alemanha.

As recentes discussões de um tratado decomércio entre a UE e o Mercosul nãoalimentam grandes esperanças de abertura demercado, pelo menos no curto prazo. Até o dia15 de abril último, a UE não apresentou umalista consolidada de produtos com ofertas deimportação. Há indicações de que as carnes,incluídas as de suínos e aves, estão na lista E(sem oferta). Somente a carne de cavalo(pasmem!) estaria incluída na lista B, isto é, comprazos para abertura da importação. Na listaA, livre para entrada na UE, 80% dos produtosofertados já se encontram isentos de taxas deimportação, como é o caso da soja em grãos.Como se espera que as negociações progridam,a UE não poderá deixar de apresentar uma listade oferta que traga algumas vantagens aospaíses do Mercosul, incluindo o Brasil. Secarnes são produtos sensíveis para aComunidade, para o Brasil representam opotencial mais importante de exportações.

Cabe ao governo e aos exportadoresmontarem uma estratégia viável de abertura domercado europeu para carnes brasileiras. Há

interesses de empresas européias para aimportação de carnes de qualidade, mas nãose pode desconhecer as pressões dosprodutores locais para a manutenção ouaumento do nível de proteção. Por exemplo, aItália tem interesse no pernil suíno do Brasil paraa produção de presunto defumado (presciuto deParma). Uma das estratégias consiste em atrairempresas européias para o Brasil, como temacontecido com a Doux francesa. A Europa nãoirá abrir de uma só vez a importação para todoo Brasil, mas poderá conceder habilitação paraalgumas regiões, como Santa Catarina. Dequalquer forma, será necessário cumprir comos requisitos sanitários da UE, quer os achamosrígidos demais ou não.

Subsídios às exportações

Os subsídios às exportações é o terceiropilar do Acordo sobre Agricultura da Rodadado Uruguai e um dos instrumentos maisdistorcivos do comércio agrícola. Surge comoconseqüência de outra distorção do mercado,qual seja, a garantia de preços acima dospraticados pelo mercado internacional. Para selivrar de estoques crescentes, países ou gruposde países decidem exportar esses produtos aterceiros, o que obriga a conceder subsídiospara poder competir.

Convém recordar que o compromisso daRodada do Uruguai para a Agricultura foi de umaredução de 36% em valor sobre a base 1986/90 ede 21% em volume, até o ano 2001. Países emdesenvolvimento obtiveram prazo maior que dezanos. Os subsídios às exportações são praticados,preponderantemente, pela UE, sendo responsávelpor 90% do total. Em valores, de um total de US$7 bilhões em 1995, a UE foi responsável por6,3 bilhões e, dos US$ 6 bilhões em 1999,contribuía com US$ 5,6 bilhões. Para a UniãoEuropéia, os valores ficaram abaixo docompromisso assumido no Acordo Agrícola daRodada do Uruguai, com exceção do volumeem 1999 que superou em 7% o acordado. Noano de 2000, o volume ficou em 74% e o valorem 50% do compromissado.

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Os subsídios às exportações de carnes, emtermos de volumes (toneladas) e valores em eurospraticados pela EU, bem como o comprome-timento das metas (em %) são apresentados naTabela 4. Observa-se que, em 2000, a carneavícola teve 91% de comprometimento emvolume e 63% em valor, indicando amplo usodesse mecanismo de subsídio e aviltamento domercado internacional. Mas ainda todos osvalores estão dentro dos limites assumidos pelaUE nas negociações dos acordos internacionaisda OMC.

Essa constatação comprova a teselevantada por Tangerman (2003), diretor deagricultura para a OECD, de que a causa principaldo pouco progresso na liberação do comércioagrícola, após dez anos do término da Rodada doUruguai, deve-se à frouxidez dos compromissosassumidos, o que permitiu aos países cumprir suasobrigações sem muito esforço.

no futuro, redução dos custos de estocagem e ainércia das instituições para a mudança.

A primeira fase das negociações agrícolasprevia a elaboração de uma proposta demétodos e modalidades para o processonegociador. Tal tarefa deveria ser concluída até31 de março de 2003. Durante o ano de 2002,reunidos em sessões especiais do Comitê deAgricultura, os países apresentaram suaspropostas sobre como tratar os três pilares,dentre eles, o de subsídios à exportação. Noinício de 2003, o representante de Hong Kong,que presidia essas sessões, como umatentantiva de sintetizar todas as propostas queforam apresentadas em 2002, elaborou umdocumento contendo a proposta de eliminaçãode subsídios à exportação, em nove anos paraos países desenvolvidos e de 11 a 13 anos paraos países em desenvolvimento. A proposta daUnião Européia é de que os países emdesenvolvimento apresentem uma lista com osprodutos de seu interesse para que ela possaavaliar a possibilidade de eliminar os subsídiosà exportação, apenas para produtos de interessede países em desenvolvimento.

Com o fracasso da Reunião Ministerial deCancun, os problemas se avolumam e os paísesdesenvolvidos cotinuam subsidiando suasexportações. Estamos em presença de um novoconfronto no comércio: países desenvolvidos xpaíses em desenvolvimento. Se não houveravanços, os grandes prejudicados serão os paísesem desenvolvimento, exportadores potenciais deprodutos agrícolas, como o Brasil. Negociaçõesestão em andamento, sendo difícil prever seutérmino e resultados. A liberalização do comérciointernacional de produtos agrícolas será umprocesso longo, principalmente para carnes,considerado produto sensível pela UE. Mesmoassim, as exportações brasileiras avançam pelaforça de sua competitividade.

Considerações finais1) Não restam dúvidas quanto à

competitividade do Brasil na produção de

No ano de 2000, segundo dados da OMC(ABBOT; YOUNG, 2003), 475 mil toneladas decarne bovina foram exportadas com subsídiosde 383 milhões. Para a carne suína foramexportadas 129 mil toneladas com 34 milhõesde subsídios e para a de aves foi de 261 milhõesde toneladas com 57 milhões de subsídios,representando cerca de US$ 500 milhõessomente em subsídios para exportação decarnes. Os subsídios às exportações persistempor causa do regime de proteção elevada aospreços internos. Outros argumentos para suaexistência é a melhoria de posição de mercado

Fonte: Abbot e Young (2003).Volume em toneladas métricas.Valor em milhões de .

Tabela 4. Subsídios às exportações de carnes naUE – 2000.

CarnebovinaCarnesuínaCarneavícola

Produtos

475

129

261

Volume

58

29

91

% vol.comp.

383

34

57

Valor

31

18

63

% valorcomp.

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carnes, já que dispõe de clima favorável,extensas áreas para a produção animal e degrãos, disponibilidade de mão-de-obra,preponderando pequenos produtores, boarentabilidade permitindo investimentos naatividade, assim como disponibilidade detecnologia apropriada. Há sinalizações emvários documentos da Organisation forEconomic Co-Operation and Development(2003) e do Departamento de Agricultura dosEstados Unidos de que o Brasil será um grandeprodutor e exportador de carnes. Os entravesmacroeconômicos, como a sobrevalorizaçãocambial e a inflação elevada, foramcontornados. Restam baixar os juros e melhorara infra-estrutura, um dever de casa a fazer.

2) A UE, com os atuais 25 países, emtermos de população e de renda per capita, éum grande mercado para carnes. A conquista,pelo Brasil, de parte desse mercado incentivariaa produção interna, elevaria a renda e oemprego. A instalação, no Brasil, de empresaseuropéias dedicadas a esses produtos podefacilitar futura exportação para a Europa.Entretanto, a ampliação da Comunidade para25 países poderá dificultar as exportaçõesbrasileiras, principalmente de carnes de suínose de aves, já que alguns dos novos paísespoderão suprir o mercado europeu.

3) A UE, por meio da PAC e da políticacomercial, criou um arsenal de medidas eficazespara proteger seu mercado, criando dificuldadespara outros países, incluindo o Brasil de acederema esse amplo mercado. A preferência continuapara produtos de países da Comunidade, mas aUE respeita acordos bilaterais e multilaterais.Naturalmente, as negociações serão ainda maisnecessárias e complexas no futuro. O Brasil deverácontinuar a pressionar a UE para uma liberali-zação progressiva e rápida de seus mercados,incluindo as carnes. Não se pode ganhar tudo eem todo o tempo, mas a negociação, fundamen-tada tecnicamente e sem radicalização, é o únicocaminho.

4) As barreiras para a exportaçãobrasileira de carnes para a UE estão no contexto

da política agrícola. A não ser as barreirassanitárias para a exportação de carne de suínos,a carne de aves e de bovinos não tem grandesrestrições. Para melhorar a posição do Brasil, oprimeiro combate deve ser a eliminação dossubsídios às exportações de carnes por parte daUE. Esses subsídios constituem-se em umairracionalidade econômica, protegem aineficiência produtiva, distribuem ineficazmentea renda em favor dos grandes produtores e barramo acesso de países pobres ao desenvolvimento.Consumidores europeus, como a OrganizaçãoNão-governamental (ONG) alemã Chancen fuerAlle, iniciam protestos contra a irracionalidadedesses subsídios. A aplicação ineficiente derecursos dos consumidores e dos pagadores deimpostos travam o crescimento econômico, ageração de empregos e o aumento do bem-estardos povos da Europa.

5) Finalmente, deve-se reconhecer odireito e a preocupação das autoridadeseuropéias quanto à segurança alimentar desseVelho Continente que amargou sofrimentos defome e miséria, em séculos passados.Igualmente, reconhece-se o direito doconsumidor de dispor de alimentos sadios enutritivos, com exigências sanitárias rigorosas,especialmente depois da ocorrência dedesastres como a doença da vaca-louca e dagripe aviária, dentre outras. Cabe ao Brasiladaptar-se a essas exigências, se quisercontinuar no mercado.

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Ano XIV - Nº 1 - Jan./Fev./Mar. 2005 62

Grupos de interessena agriculturaO caso dos Estados Unidos

IntroduçãoEm economia existem apenas duas

organizações alternativas: o mercado e o Estado,sendo a atividade regulamentatória uma prerro-gativa desta última2. Falhas de mercado levam aeconomia a se distanciar do equilíbrio competitivo,justificando, assim, a regulamentação.

Essas imperfeições são geradas peladesigualdade de forças ou de informações dosagentes econômicos que atuam no mercado,ocasionando um desempenho subótimo daeconomia em termos de bem-estar social3.

Fortalecido pelos problemas advindos dagrande depressão americana e pelas teorias deJohn Keynes, o Estado assumiu papel relevantena indução do desenvolvimento.

Instrumentos de intervenção do Estadovão desde as compras governamentais àformulação, implementação e avaliação depolíticas públicas para setores específicos comoa agricultura.

Portanto, assumir que o Estado não estáacima da sociedade de forma isenta e neutra, mascomo parte integrante dela, estabelece uma lógicana qual o exercício do poder de pressão dosgrupos de interesse não é profano. A defesa deinteresses específicos, quando da ação do Estadona regulamentação e no desenvolvimento,configura-se em dispositivos da sociedademoderna e democrática na busca do equilíbrio

social. Contudo, a falta de entendimento do papeldesses grupos, no Brasil, levou o processo lobistaa ser considerado eticamente incorreto eimpróprio. A conseqüência imediata tem sido asua atuação marginalizada e clandestina,representando os interesses de poucos.

Em países considerados desenvolvidos, aação lobista é vista como uma manifestaçãonatural e legítima da sociedade organizada.Assim sendo, a atividade é regulamentada porlei para assegurar que suas ações estejam emconformidade com os princípios éticos daadministração pública. O movimento lobista aoser institucionalizado torna-se transparente àsociedade, informando-a do que está em cursoao tempo que define campos de ação entrealiados e concorrentes.

A organização dos produtoresnos Estados Unidos

Nos EUA, desde os primórdios da suacolonização, a participação dos produtoresrurais na defesa de seus interesses tem sidoprogressivamente efetiva. A competência dosprodutores americanos de transformarem asquestões agrícolas em questões essencialmentepolíticas é um fator preponderante naelaboração e aprovação de leis que asseguremos interesses do setor agrícola. A suarepresentação nas instâncias estadual e federal

Airdem Gonçalves de AssisJosé Luiz Bellini1

Paulo do Carmo Martins1

1Pesquisadores da Embrapa Gado de Leite.2FARINA, E. M. M. Q. Regulamentação, política antitruste e política industrial. In: FARINA, E. M. M. Q.; AZEVEDO, P. F.; SAES, M. S. M. Competitividade: mercado,estado e organizações. São Paulo: Singular, 1997. p.115-162.3MARTINS, P. C. Políticas públicas e mercados deprimem o resultado do sistema agroindustrial do leite. Piracicaba: ESALQ: USP, 2002. 217p. Tese (doutorado).

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se faz mediante das organizações de classe,amplas ou específicas por produtos,destacando-se:

Farm Bureau

A Federação Americana de EscritóriosAgrícolas (American Farm Bureau Federation)é certamente a mais poderosa organizaçãonacional de produtores rurais do mundo. Osprimeiros bureaus (escritórios) foram fundadospor extensionistas das universidades agrícolas(Land Grant Colleges) com o objetivo detransferir aos produtores os novos métodos deplantio e de promover a educação continuada4.Contava com quatro tipos de organização,abrangendo os níveis municipal, estadual enacional: a) núcleo municipal que recolhia ascontribuições anuais (1-10 dólares por produtor);b) o sistema de organização regional formadopor produtores representantes de núcleosmunicipais vizinhos; c) organização estadual;d) organização central com delegados eleitosde clubes e de várias organizações ruraismunicipais e regionais e de federaçõesestaduais. O propósito dessa capilaridade eramanter grupos de pessoas em contatopermanente com os extensionistas que eramapoiados moral e financeiramente pelos líderesdas comunidades rurais. A comunidade pagavaos salários dos extensionistas com a ajuda doestado e do governo federal. O número dedelegados representantes era proporcional aonúmero de membros nos respectivos núcleos.

Até a década de 20, a agricultura nãoparticipava do clube fechado do poder políticoamericano, integrado por banqueiros,comerciantes, industriais e empresários. Osprodutores rurais não eram suficientementeorganizados para estabelecerem sua vontadepolítica. A agricultura passou a participar dasdecisões políticas somente a partir da formaçãodo Bloco Parlamentar, assegurando assimpoderes no Congresso para ser incluída no

grande pacto político que a nação estavadiscutindo.

Nos anos 70, o Farm Bureau restaurou asua aliança com as universidades agrícolas,com o serviço de extensão e com algunssegmentos do Departamento de Agricultura dosEstados Unidos (Usda). Nessa época o FarmBureau já estava se consolidando como umagrande holding que gerenciava uma série deempresas atuantes em vários segmentos doagronegócio. Sem dúvida, o Farm Bureau foi (eainda é) a organização agrícola mais poderosado país. Na sua Convenção Nacional de 1986foi apresentado um balanço de suas realizações,do qual se concluiu que a organização haviainfluído na política agrícola americana por maisde 60 anos5.

Conselho Nacional dasCooperativas (CNC)

A organização das cooperativas é uma dasmais fortes entidades representativas dosprodutores norte-americanos. É a segunda maiororganização do país, congrega associações decooperativas de interesses muitas vezes díspares,como as cooperativas de consumidores. OConselho é um foro de conciliação com atuaçãopolítica muito discreta.

As cooperativas não atuam ostensiva-mente no quadro político norte-americano,apesar de desfrutarem de poder junto ao setoragrícola.

As cooperativas têm como aliada aburocracia do Usda, a qual é muito poderosa ecapaz.

Por esta aliança o Conselho dasCooperativas tem acesso direto ao gabinete doministro da Agricultura. Não necessita, portanto,de empreender uma guerra aberta para teracesso ao poder. Outrossim, a maior parte dosprodutores cooperados são também associados

4 LOPES, M. R. Agricultura política: história dos grupos de interesse na agricultura. Brasília: Embrapa- SPI, 1996. 457p.5 Ibidem

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a outras grandes organizações de produtores,como a União dos Produtores e o Farm Bureauque operam no campo político. As demandaspor assistência técnica, insumos, máquinas eequipamentos são atendidas pelas indústrias,pela extensão rural e pelas demaisorganizações agrícolas. Dessa forma, todos osesforços e recursos das cooperativas sãocanalizados para as atividades comerciais, nãose envolvendo em ações políticas ostensivas.

União dos Produtores (Farmers’ Union)

Entre as grandes organizações agrícolas, aUnião dos Produtores é a que mantém, ainda,maior grau de pureza ideológica6. Advoga,permanentemente, uma legislação que proteja aagricultura pobre. No discurso é uma instituiçãode forte conotação ideológica, mas na prática,quando se trata de defender os produtores, é umacooperativa muito eficiente que trabalha comcompetência, principalmente na área comercial.Atribui-se a ela a histórica luta pela paridade dospreços, de modo a garantir renda agrícolaparitária a outros setores da economia,assegurando assim um padrão de vida no campocompatível ao que prevalece na cidade.

Com a sua visão de reforma agráriapropondo leis que garantissem à classe detrabalhadores rurais a propriedade da terra, aFarmers’ Union foi considerada, no passado, umaorganização socialista e de produtores radicais.Por essa razão, foi discriminada pelos grupos maisconservadores das organizações de produtores,atravessando um período longo de estagnação de1923 até o final de 1940, depois de um crescimentonotável de 1911 a 1919. Com a redução drásticano número de produtores rurais, sua atuaçãopolítica atual é discreta.

Grupos de interesse por produto

Nos Estados Unidos, o Serviço dePesquisa Agrícola do Usda (ARS) recebe

orientação de pesquisa tanto de seusbeneficiários (stakeholders), via de encontrosregionais e nacionais, quanto do CongressoNacional, por meio de provisões orçamentáriasregulares ou de demandas emergentes. No finalda década de 30 e início da de 40, grupos deprodutores mais especializados articularamcom o Congresso uma lei criando quatro centrosregionais de pesquisa, subordinados ao Usda,com a missão de estudar novos usos dosprodutos agropecuários visando agregar valore ampliar mercado para as suas principaiscommodities.

Com a especialização da agriculturaamericana, a partir dos anos 50, os grupos decommodities tornaram-se poderosos e focadosem temas de interesse mais específico. Hoje,os grupos de commodities pressionam, atravésde seus representantes no Congresso, porpolíticas que criem novas oportunidades deutilização de seus produtos, como é o caso dosbiocombustíveis e de outros bioprodutosagrícolas com forte apelo ambiental.

As alianças estratégicasAs alianças dentro da estrutura agrícola

organizada são essenciais para coordenar asações políticas e as trocas de apoio em matériaslegislativas do interesse de cada organização.Nos EUA, historicamente, o relacionamentoentre os produtores e a indústria sempre foidifícil, tendo em vista os interesses conflitantes,especialmente nas negociações de preço nasépocas de safra. As alianças mais tradicionaisforam entre a União dos Produtores e aOrganização dos Trabalhadores (AFL-CIO) eentre o Farm Bureau e a Câmara de Comérciodevido aos interesses industriais e comerciaisdo país.

Outra importante aliança foi com aadministração pública federal, tendo em vistao veto dos presidentes a importantes leisagrícolas desde 1920. Sem o apoio do

6 LOPES, M. R. Agricultura política: história dos grupos de interesse na agricultura. Brasília: Embrapa- SPI, 1996. 457p.

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presidente não se conseguia introduzirmudanças na legislação agrícola, e para sechegar ao presidente tinha que trabalhar os seusaliados no Congresso. A burocracia estatal, maisespecificamente os órgãos do Usda, ascomissões de tarifas, os assessores da CasaBranca e a secretaria de orçamento eram,também, aliados potenciais. Essas alianças como poder executivo são as mais difíceis edelicadas devido às conotações de tráfico deinfluência e, por isso, os produtores preferempriorizar as alianças que envolvem maisdiretamente a sociedade e o Congresso.

No Congresso, os líderes agrícolas criamsituações de força, especialmente nascomissões de Orçamento e de Agricultura. Ospresidentes dessas comissões são aliadospotenciais, pois desempenham papel-chave naestrutura do Congresso. As ações junto aospartidos políticos são mais complicadas porserem grandes coalizões de interesses, muitasvezes conflitantes, mas passíveis de sereminfluenciadas nas épocas de formação dasplataformas políticas e dos programas degoverno7.

A aliança com a mídia foi consideradaimportante para formação de opinião efortalecimento da imagem da Agricultura. Apartir dos anos 60, os líderes agrícolas passarama trabalhar a opinião da sociedade, com oargumento de que a agricultura é essencial parao progresso do país, e depois trabalharam a idéiada necessidade de políticas agrícolascondizentes. Contudo, no final dos anos 70 einício dos anos 80, devido ao excesso desubsídios e incentivos, a imagem da agriculturadesgastou-se na medida em que as políticasagrícolas se colocavam contra os interesses doscontribuintes.

A imagem da agricultura começou a sedeteriorar com o surgimento do comoditismo,isto é, organização dos produtores por produtosagrícolas específicos (commodities). Osexcessos cometidos na defesa desses interesses

foram tantos que a agricultura tornou-se vulnerávela investigações8. Os contribuintes tornaram-seadversários da agricultura e a luta política serestringiu ao embate das forças dofundamentalismo agrícola contra os demais gruposdentro do Congresso e na comissão de orçamento.

Uma nova estratégia passou a ser usadapara a proteção do setor com o argumento danecessidade de confrontar o forte subsídio àsexportações e aos programas de apoio internoda comunidade européia. Contudo, essesargumentos perderam sustentação, e o setorhoje corre risco de ter contra si sua maisimportante aliada: a sociedade. A Nova LeiAgrícola – Farm Bill 2002 –, assinada pelopresidente Bush em maio de 2002, tem sofridoduras críticas de vários setores da sociedade.O argumento para colocar a opinião públicacontra o setor é simples: a maior parte dosbenefícios gerados pelos recursos públicosacabam se concentrando nas mãos de poucos.

Algumas vitórias importantesdo agronegócio americano

Embora tenham perdido muitas batalhas,ao longo de sua existência, as organizações deprodutores conseguiram ganhos expressivosatravés de ações políticas organizadas. Ocrédito agrícola, os preços de garantia, a defesae o apoio das instituições de ensino, pesquisa eextensão rural são alguns dos muito exemplosvitoriosos da atuação política dos diversosgrupos de interesse da agricultura. A seguir,destacam-se duas vitórias significativas por suasimplicações no longo prazo:

O comércio internacionale os adidos agrícolas

A Convenção Nacional do FarmBureau,em 1949, aprovou uma resolução quepreconizava a reorganização da áreainternacional da Agricultura. Entretanto,

7 LOPES, M. R. Agricultura política: história dos grupos de interesse na agricultura. Brasília: Embrapa- SPI, 1996. 457p.8 Ibidem.

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somente em 1953, os congressistas agrícolas eas organizações solicitaram a reforma nestaárea. Um estudo realizado na época indicouque os adidos agrícolas, vinculados à áreadiplomática do Departamento de Estado, nãoestavam sendo capazes de promover ocomércio internacional dos produtos agrícolas.Várias moções foram encaminhadas aoCongresso reivindicando a vinculação dosadidos agrícolas ao Usda, porém nem oSecretário de Estado nem o Presidente Trumannapoiaram as propostas.

Embora o secretário tenha consentido queo USDA supervisionasse os adidos, o presidenterecomendou que todas as comunicações entre osadidos e o Usda passassem pelo Departamentode Estado, ato interpretado pelos produtores comomedida de força contra o setor9.

Em março de 1954, uma frente formadapelo Farm Bureau, o Grange, organizaçãomaçônica pró-agricultura, e o CNC fizeram umadeclaração conjunta de que seria de extremanecessidade que os adidos agrícolas fossemcomandados pelo ministro da Agricultura. Oargumento que o setor organizado conseguiupassar no Congresso foi que esses adidosdesempenhavam no exterior um papelfundamental e estratégico na obtenção deinformações de interesse da agricultura.Finalmente, em 28 de agosto de 1954, oCongresso aprovou uma lei colocando os adidossob a responsabilidade direta do ministro daAgricultura, e as missões diplomáticas deveriamfornecer toda a assistência necessária aodesempenho de suas funções. O resultado foi ocrescimento das exportações, a solução dependências, de disputas comerciais com outrospaíses e a obtenção de informações estratégicassobre o setor agrícola de países concorrentesdos Estados Unidos610.

Posteriormente, com competência eperseverança, a função dos adidos foi ampliada,transformando-os em conselheiros agrícolas. As

atribuições desses profissionais têm sido demanter e ampliar os mercados dos produtosagrícolas americanos, promover o seudesenvolvimento e descobrir novasoportunidades de negócios. Eles elaboramrelatórios de previsão de safra nos paísesconcorrentes, prospecção de políticas agrícolasconflitantes com os interesses americanos,provendo os tomadores de decisão deinformações atualizadas sobre a agriculturamundial. No entanto, sua principalresponsabilidade é a assistência técnica elogística ao setor privado americano nas suasiniciativas comerciais em países importadores.

A nova Lei AgrícolaAmericana – Farm Bill 2002

As ações políticas mais importantes doagronegócio americano têm ocorrido noCongresso Nacional, quando da elaboração eaprovação das leis agrícolas. Sua participaçãono processo político eleitoral dos candidatos aoCongresso e à Presidência da República temsido significativa, contribuindo, no período de1990 a 2004, com 352 milhões de dólares emdoações11. Somente o setor lácteo contribuiucom cerca de 20 milhões de dólares. Emcompensação, o setor agrícola logrou uma novaLei Agrícola (Farm Bill 2002) que aloca naAgricultura cerca de 190 bilhões de dólares nospróximos 10 anos. O mais marcante foi que asleis agrícolas anteriores (1990 e 1996) tendiampara redução drástica dos subsídios agrícolas.A Farm Bill 2002 beneficia, principalmente, asseguintes commodities: trigo, algodão, arroz,soja, açúcar, amendoim e leite.

Vários representantes de grupos decommodities e de organizações nacionais deprodutores defenderam perante a Comissão deAgricultura do Congresso a necessidade deaumentar os subsídios na nova lei agríciola. Nocaso do leite, grande parte dos 3,3 milhões

9 LOPES, M. R. Agricultura política: história dos grupos de interesse na agricultura. Brasília: Embrapa- SPI, 1996. 457p.10 Ibidem.11 Informações acessadas no endereço http://www.opensecrets.org/industries/index.asp, em 14/062005.

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doados pelo setor aos candidatos a cargosfederais desde 1999 vem dos produtores quedefendem a continuidade do atual esquema depreços de garantia. O representante daFederação Nacional dos Produtores de Leite,entidade que congrega a maioria dos 83 milprodutores de leite do país, declarou noCongresso que a política atual do leite, deaumento de preços em cerca de 20 centavosde dólar por galão, beneficia os consumidorese pode continuar sendo adotada. A manutençãodessa política de preço de suporte custa aosconsumidores, aproximadamente, 2,7 milhõesde dólares por ano12.

A nova lei incorpora benefícios para omeio rural em termos de renda, empregos,práticas conservacionistas e ampliação dabiodiversidade.

Entretanto, seus críticos citam estudoseconômicos que apontam a concentração dosbenéficos em apenas 10% dos produtores,muitos deles com faturamento anual de 250 mildólares. Mesmo assim, admitem que os custossão imperceptíveis para a sociedade em termosindividuais, pois estariam diluídos entre os 290milhões de americanos. Estimam que nospróximos 10 anos, o programa de suporteagrícola custará a cada contribuinte cerca de

1.805 dólares em impostos e 2.572 dólares empreços de alimentos artificialmente elevados.Assim, além dos subsídios diretos aosagricultores de 191 bilhões de dólares, a leicustará aos consumidores outros 271 bilhões dedólares em preços inflados dos alimentos13.Segundo esses estudos, se esses 462 bilhões dedólares fossem divididos entre os 456 milfazendeiros americanos, cada um teria recebidomais de 100 mil dólares/ano nos próximos 10anos. Considerando que o agronegócioamericano doou aproximadamente 70 milhõesde dólares aos partidos políticos entre 1999 e2001, concluem que este investimento foialtamente rentável trazendo para o setorbenefícios da ordem de 462 bilhões de dólares.

ConclusãoConsiderando a história da agricultura

americana não se pode desatrelar o seu sucessoda sua capacidade de mobilização eorganização. As organizações criadas e mantidaspelos produtores são o sustentáculo da formulaçãoe implementação da política agrícola que vemsustentando as polpudas margens do setorprodutivo, garantia de mercado interno e forteinserção no mercado internacional.

12 RIEDL, B. M. Agriculture lobby wins big in new Farm Bill. The Heritage Foundation Backgrounder, Washington, DC, n. 1534. April 9, 2002. 13 p. Disponívelem: <http://www.heritage.org/Research/Agriculture/BG1534.cfm,> acesso em 14/06/2005).13 Ibidem.