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Revista Educacional 4ª Edição

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Revista Educacional publicada pela Gerência Educacional da Província Marista Brasil Centro-Norte

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EXPEDIENTE A Revista Educacional é uma publicação da Gerência Educacional da Província Marista Brasil Centro-Norte – UBEE-UNBEC.

Provincial e Diretor-Presidente: Ir. Wellington Mousinho de MedeirosVice-Provincial e Vice-Presidente: Ir. José Wagner Cruz

Superintendente Sócio Educacional: Dilma AlvesGerente Educacional: Jaqueline de JesusCoordenadora Pedagógica: Maria Ireneuda NogueiraCoordenador Administrativo: Arthur Gomes Neto

Analistas Educacionais:Aloimar SilvaAmanda WanderleiCarla FlorianaFernando SouzaIreneuda NogueiraPaulo de TarsoThiago Araújo

Organização: Carla FlorianaDiagramação: Fernando Souza

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Estimados (as) internautas, blogueiros, educadores e pastoralistas maristas:

Dentro das novas tecnologias, o computador, com todas suas funcionalidades (inclusive o acesso à Internet), têm contribuído muito para o desenvolvimento da Sociedade do Conhecimento. A Internet, por sua vez, está mudando o mundo por oferecer às pessoas milhões de oportunidades e facilidades. A maneira como as informações são oferecidas gera uma necessidade de movimento, de partir em busca do saber, visto que as mudanças ocorrem em velocidades assombrosas e a cada segundo.

“A “nova evangelização” tem como âmbito um mar sem limites, partindo de Jesus Cristo com destino à humanidade atual. Surge encarnada no que sintetiza melhor a cultura do mundo em que vivemos. É um novo “faz-te ao largo”, feito de novidades e constante mudança. Um mundo novo chamado ciberespaço que está mudando o nosso modo de produzir mensagens, de gerir informação, de novas formas de interação associadas às novas tecnologias. Este é o cenário do mundo das infâncias e das juventudes na Sociedade do Conhecimento. Basta um “click”, um “play”, um “add”... e estamos conectados a milhões de pessoas.

A Coordenação de Evangelização e Pastoral deseja estar ligada ao mundo cibernético e à Sociedade do Conhecimento, impelida a agir com urgência para encontrar formas novas e criativas de educar, evangelizar e defender o direito das crianças e jovens pobres (XXI CG). Para tais realizações, traz à tela do seu computador e do seu smartfone os artigos científicos produzidos pelos pastoralistas, no curso “Escola em Pastoral”. A produção de conhecimento na área de Evangelização assegura aos processos pastorais um arcabouço teórico que fundamenta nosso pensar e agir, garantindo, assim, uma excelência pastoral.

Desejo a todos uma boa leitura,

Ir. Luiz André da Silva PereiraCoordenador Provincial da Evangelização e Pastoral

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O CAMINHO DE EMAÚS NORTEANDO A PRÁXIS PASTORAL

NAS ESCOLAS CATÓLICAS1

Autora: Celma Teresa Martins Cabral Cunha2

Orientador: Aldemir Inácio Azavedo3

RESUMO

Este artigo busca refletir sobre a ação dos agentes pastorais nas escolas católicas da atualidade e sobre atitudes evangelizadoras que se tornam significativas frente à realidade atual dos estudantes e das necessidades que surgem a partir da mesma. A reflexão se constrói com base na análise do Caminho de Emaús, presente no Evangelho de Lucas, capítulo 24. A partir da presença de Jesus e da pedagogia revelada por Sua ação, busca-se encontrar norteadores para uma significativa práxis pastoral. Os pontos de reflexão apontam para a necessidade de uma ação voltada para a realidade dos estudantes, para a importância do diálogo, do cuidado e para a importância de se trabalhar o protagonismo desses jovens, para que se promova a formação integral voltada para a construção de sujeitos que se vejam como corresponsáveis pela vida e procurem construir um mundo mais justo, solidário, fraterno e sustentável.

PALAVRAS-CHAVE: Práxis pastoral, Agentes de Pastoral, Pedagogia de Jesus, Formação humana, Formação Cristã.

I. INTRODUÇÃO

Nas escolas católicas, a pastoral se faz presente, buscando garantir, além da formação intelectual de seus estudantes, a missão evangélica que as define. As ações que realiza possibilitam que a missão evangelizadora cristã de levar o exemplo e a mensagem de Jesus aos estudantes se torne uma realidade nas comunidades educativas, proporcionando a esses jovens a vivência de valores humano-cristãos do amor, da justiça e da solidariedade, e também relações interpessoais embasadas nesses mesmos valores.

Evangelizar crianças e jovens, hoje, representa um desafio diferente dos que se podem notar em outras épocas. É importante discernir a vontade de Deus nos sinais dos tempos. Quais são as necessidades e os apelos atuais? O que caracteriza crianças e jovens hoje: quais são os seus interesses, amores, medos e angústias? Como a sociedade atual interfere no modo de vida dos estudantes, em suas relações e na formação de valores? Diante das respostas a essas perguntas é que a ação pastoral deve organizar-se e realizar-se.

É preciso estar atento e analisar a realidade atual para que se

1 ArtigoapresentadocomorequisitoparaconclusãodeCursodeExtensãoEscolaemPastoralpromovidopelaProvínciaMaristaBrasilCentro-NorteemparceriacomaPUC-PR.2 PedagogaeagentedepastoraldoColégioMaristaD.Silvério(BH/MG)3 TeólogopeloInstitutoMaristadeCiênciasHumanas-IMACH,GraduadoemCiênciasSociais,MestreemDesenvolvimentoSocialeDoutorandoemDesenvolvimentoSustentável.

possa compreendê-la. Vivemos em uma sociedade de consumo em que o sentimento de pertença e de valorização entre as pessoas se dá a partir do que se consome, do que se tem. O ter se sobrepõe ao ser. Isso interfere decisivamente na formação de crianças e jovens. Nesta sociedade, a mídia também exerce uma grande influência na vida e na formação de ideias das pessoas. De acordo com Mo Sung (2005, p.79),

Como a cultura do consumo é o meio em que a pessoa aprende a ver o mundo e a formatar o senso de pertencimento e a sua identidade pessoal e grupal, o que é dito e mostrado nas propagandas reflete e reforça as estruturas comunicacionais, o sentido de existência, os valores e a práticas cotidianas aceitos e valorizados na sociedade.

Evangelizar é anunciar a Boa Nova. É também denunciar os males da globalização econômica, dentre eles o consumo, a competição e a exclusão, e apontar para a necessidade de construirmos uma sociedade diferente, na qual a solidariedade entre os povos e entre as pessoas esteja voltada para o bem comum e as pessoas sejam valorizadas pelo que elas são, e não pelo que elas têm. Evangelizar é possibilitar que os nossos estudantes aprendam a ver o mundo de uma forma diferente, construam valores humanos e sejam sujeitos ativos na constituição de uma sociedade mais justa e fraterna.

Outro desafio que encontramos, atualmente, na ação pastoral nas escolas confessionais, é que elas se abrem a todos os tipos de credo. A diversidade religiosa está presente nas salas de aula e nos educadores que fazem parte das instituições. Diante dessa realidade, a pastoral deve repensar a sua práxis. O sentido da evangelização se amplia, não se restringindo mais à atuação com sujeitos que compartilham a mesma religião, a mesma fé. Como agir pastoralmente na diversidade? Que tipo de ações devem ser estabelecidas? Como professar a nossa fé, respeitando essa diversidade e interagindo com ela? São muitos os desafios, mas é inegável que vivemos um tempo importante na concretização do objetivo expresso nas palavras de Jesus “(...) eu vim para que tenham vida, e a tenham com abundância” (Jo 10,10). A mensagem que Jesus profetizou não foi restrita a um determinado grupo. Ele veio para promover uma vida boa para todos. Esse também deve ser o nosso objetivo cristão na ação pastoral nas escolas.

Diante desses e de outros desafios encontrados, é importante que a presença forte do exemplo de Jesus esteja presente na práxis pastoral. O ponto de partida da atuação de Cristo esteve sempre relacionado às necessidades e à realidade que encontrava. Sua ação era coerente com sua Palavra, e esta revelava o Pai. Ele disse: “Quem me vê a mim vê o Pai” (Jo 14,9). Jesus falava de um Pai amoroso, e suas ações revelavam essa amorosidade.

Pensando na Pedagogia de Jesus como um caminho que pode e deve nortear a ação pastoral com os estudantes, a mesma será analisada a partir da vivência dos discípulos e de Jesus no Caminho de Emaús (Lc 24, 13-35). Jesus se fez presente nessa caminhada como presença amorosa que soube ouvir, que respeitou, que partiu da realidade e necessidade dos discípulos, que educou com firmeza e doçura, que teve como objetivo promover o protagonismo e a construção da autonomia das pessoas, para que elas se tornassem, por opção própria, seguidoras e perpetuadoras de Sua missão. Todas as

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ações educativas de Jesus, presentes em sua atuação nessa caminhada, podem auxiliar os agentes na promoção de uma práxis pastoral significativa e que leve os estudantes a construir um sentido mais humano e cristão para a vida pessoal, a vida dos outros e para a sustentabilidade do planeta.

II. A AÇÃO PASTORAL NO CAMINHO DE EMAÚS

Em nossas escolas, crianças e jovens caminham... A vivência no espaço educativo representa o caminho da formação e do desenvolvimento desses sujeitos, que não é determinado apenas por processos de maturação. O meio, ou seja, a cultura, a sociedade, as vivências e interações com essa realidade são fatores que interferem no desenvolvimento humano.

Nas escolas católicas, a caminhada é iluminada pelos ideais cristãos e busca não só a formação intelectual, mas também a formação humana e cristã dos alunos. Alegrias e tristezas, vitórias e desafios, tudo isso está presente na caminhada de todos nós. Em muitos momentos nos encontramos perdidos, tristes e sem esperança e confiança para prosseguirmos. Esses momentos representam a oportunidade de vencermos nossas limitações e nos tornarmos pessoas melhores e confiantes. Para isso, é fundamental que os jovens encontrem, nesse espaço, a oportunidade de vivenciarem valores humanos e cristãos, como o amor, o acolhimento e o cuidado, e possam tornar-se, a partir dessa vivência, sujeitos que contribuam, por meio de suas ações, para a promoção de uma vida boa para todos, especialmente aqueles mais necessitados.

Os discípulos iniciaram a caminhada de Emaús desanimados, tristes e sem esperança. Com as intervenções de Jesus, transformaram-se e assumiram a missão de anunciar a Boa Nova para todos.

2.1- O diálogo entre os discípulos

13E eis que no mesmo dia iam dois deles para uma aldeia, que distava de Jerusalém sessenta estádios, cujo nome era Emaús.

14E iam falando entre si de tudo aquilo que havia sucedido. (Lc 28, 13-14)

Os dois discípulos iniciaram a caminhada, falando sobre tudo o que havia ocorrido com Jesus e sobre suas ideias e sentimentos acerca dos fatos. Dialogar é partilhar pensamentos, e na partilha buscamos entendimento, buscamos diminuir a angústia, buscamos sentido para os fatos da vida.

Como os discípulos, nossos estudantes também sentem necessidade de partilhar ideias e sentimentos. Surge daí o primeiro passo para concretizarmos a ação pastoral nas escolas: a criação de espaço onde crianças e jovens possam dialogar com seus iguais, possam trocar ideias e construir sentido. A linguagem é aspecto fundamental na construção de sentidos e conceitos.

Os discípulos conversavam, utilizavam a linguagem para falar de seus sentimentos, partilhar ideias e entender os últimos acontecimentos. Essa atitude é fundamental para que ocorra o bom desenvolvimento humano. De acordo com a abordagem sociointeracionista de Vygotsky, o desenvolvimento humano se

dá na relação com o outro, nas trocas entre os sujeitos, e, nesse processo, a linguagem é fundamental, pois permite a interação e a organização do pensamento. Por meio dela, aprendemos a pensar sobre tudo e sobre nós mesmos, construindo conceitos e aprendizagens. Nós nos constituímos como sujeitos a partir do nosso encontro com o outro.

Os fatores biológicos preponderam sobre os sociais, apenas no início da vida da criança; gradativamente as interações sociais com adultos ou com companheiros mais experientes governam o desenvolvimento do pensamento e o próprio comportamento da criança. (VYGOTSKY, 1997)

De acordo com Vygotsky, as interações sociais governam o desenvolvimento tanto do pensamento quanto do comportamento. A ação pastoral nas escolas visa promover a educação desses dois aspectos e formar sujeitos que tenham um comportamento positivo na sociedade, ou seja, visa a formação de indivíduos que, a partir de valores humanos e cristãos, sintam-se chamados a intervir na realidade, de modo a torná-la melhor para todos e não apenas para si mesmos. Desse modo, os agentes de pastoral devem preocupar-se com a promoção de espaços onde os estudantes possam interagir com outras pessoas, com valores e ações que possibilitem uma formação ética e cristã.

A ação dos agentes de pastoral nas escolas tem também como objetivo possibilitar que os estudantes construam sentido para a vida pessoal. Isso favorece a valorização da vida pessoal, da vida do outro e da vida no planeta. Para que esse sentido seja construído, é importante que os alunos aprendam a pensar significativamente, que sejam conscientes e que despertem o sentimento de cuidado e de responsabilidade por toda a criação. A criação de espaços de interação também é fundamental para que esse objetivo seja alcançado.

Cléofas e seu parceiro de caminhada voltavam a Emaús angustiados, tristes e sem esperança. A morte de Jesus representava, para eles, o fracasso Dele e da proposta que Ele anunciara. A desesperança e a angústia marcavam a caminhada dos discípulos. Eles retornavam à sua casa, deixando para trás os sonhos que os levaram a deixar tudo na esperança de encontrarem e viverem uma vida nova. Os dois homens caminhavam desiludidos e com medo. Nossos alunos, em muitos momentos, também caminham assim. Chegam às nossas escolas deprimidos, com medo, angustiados, e isso interfere na sua formação e na construção de sentido sobre a vida. O olhar cuidadoso para essa realidade deve estar presente na práxis pastoral. É importante reafirmar que os estudantes precisam encontrar espaço para partilharem o que sentem e o que pensam. A ação pastoral visa resgatar a esperança, a capacidade de sonhar e de agir. Para isso, é preciso conhecer a realidade dos alunos: seus desejos, sonhos, medos, angústias e promover espaços de interação que auxiliem no desenvolvimento e na construção de comportamentos que os levem a construir um mundo melhor.

2.2- - A presença educativa de Jesus na caminhada dos discípulos

2.2.1- Ouvindo para conhecer e intervir

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15E aconteceu que, indo eles falando entre si, e fazendo perguntas um ao outro, o mesmo Jesus se aproximou e ia com eles.

16Mas os olhos deles estavam como que fechados, para que o não conhecessem.

(Lc 28, 15-16)

A partir do trecho anterior, podemos analisar diversos aspectos referentes à presença de Jesus como educador na caminhada dos discípulos.

Primeiramente, é interessante observar a postura inicial de Jesus. Ele não interfere, inicialmente, no diálogo que está sendo realizado. Atentamente, observa o diálogo, e isso Lhe possibilita perceber a realidade, conhecer as inquietações e o nível do pensamento dos discípulos. Ele analisa a realidade, para compreendê-la e, depois, intervir. Essa postura deve iluminar a ação dos educadores. Antes de qualquer intervenção, precisam observar, analisar, conhecer a realidade dos estudantes, para traçarem as metas e intervirem no processo de formação das crianças e jovens da escola.

Outro aspecto que podemos observar nesse trecho bíblico é o fato de os discípulos não perceberem a presença de Jesus. O texto nos diz que os olhos deles estavam como que fechados, e isso impossibilitava que O vissem e O reconhecessem. Como os discípulos, quando vivenciamos a falta de esperança e a desilusão, agimos como se nossos olhos estivessem também vendados, não conseguindo encontrar saídas, soluções... Ficamos cegos, não conseguimos pensar com clareza, pois nosso coração está desesperançoso e fechado para novidades.

Diante da “cegueira” dos caminhantes, o educador Jesus se aproximou calmamente e observou-os, ouviu atentamente o que se passava com eles, para poder compreendê-los. A Sua presença revelava o respeito àquelas pessoas e à situação que estavam vivendo. Os agentes de pastoral devem buscar, nessa atitude de Jesus, o exemplo para iniciarem seu trabalho. Compreender a realidade das crianças e jovens é fundamental. Não adianta planejar intervenções sem conhecer, de coração e mente aberta, essa realidade. Se pretendem uma prática significativa, devem estar inseridos no caminho desses estudantes, sem julgá-los e sem uma visão pessoal individualista e egocêntrica. Respeitar o momento e o estágio de desenvolvimento de cada um é fundamental. É preciso conhecer para compreender e, assim, intervir como verdadeiro educador. Se intervenções e discursos são realizados sem que haja o conhecimento da realidade e o respeito à diversidade, a transformação que se busca realizar não se efetiva significativamente.

Em sua pedagogia, Jesus partia da realidade das pessoas, o que favorecia a conversão das mesmas. Ele parte, em Emaús, como visto anteriormente, da realidade dos discípulos. Como agentes de pastoral, precisamos partir também da realidade das crianças e jovens. Precisamos dialogar com eles como percebem o seu mundo pessoal e o mundo social. Precisamos conhecer os desafios que enfrentam e os sonhos que têm. Encontramos essa preocupação presente também no documento 85 da CNBB4: “conhecer os jovens é condição prévia para evangelizá-los. Não se pode amar nem evangelizar a quem não se conhece”. É fundamental que conheçamos a cultura e a realidade das crianças e jovens, para realizarmos uma ação pastoral significativa e transformadora junto a eles.

4 “EvangelizaçãodaJuventude–DesafiosePerspectivasPatorais”/Doc.85CNBB,10

A presença calma e atenciosa de Jesus na caminhada dos discípulos revela outro traço da Sua pedagogia. Ele procura ser mediador no processo de aprendizagem dos caminhantes, ou seja, procura ser aquele que busca auxiliar na formação daqueles que acompanha, promovendo o protagonismo dos mesmos. Para isso, sabe que é importante conhecer o que pensam, pois as ideias que apresentam revelam os desejos, as necessidades, os interesses, e somente a partir do conhecimento de tudo isso é que pode perceber como se deve atuar. Vygotsky discorre sobre a função do mediador no processo de aprendizagem, enfatizando a importância de compreender o pensamento e conhecer a motivação dos sujeitos no processo de aprendizagem. Segundo esse educador e pesquisador:

O pensamento propriamente dito é gerado pela motivação, isto é, por nossos desejos e necessidades, nossos interesses e emoções. Por trás de cada pensamento há uma tendência afetivo-volitiva, que traz em si a resposta do último ‘porquê’ de nossa análise do pensamento.

Uma compreensão plena e verdadeira do pensamento de outrem só é possível quando entendemos sua base afetivo-volitiva... Para compreender a fala de outrem não basta entender as suas palavras – temos que compreender o seu pensamento. Mas nem isso é suficiente – também é preciso que conheçamos a sua motivação. (1997, p. 129-130).

Jesus assume a função de educador, de mediador no processo de aprendizagem dos discípulos. Fazer-se presente nessa caminhada revela que Ele acredita no potencial dos mesmos e que enxerga neles a capacidade de se tornarem parceiros e protagonistas na construção do Reino que anunciou. Enxerga possibilidades e potencialidades, mas sabe que é preciso intervir para que os mesmos avancem na concepção que têm da realidade dos fatos. Sabe também que, para que ocorra a aprendizagem que realmente transforma, é necessário conhecer o que os motiva e o que os desmotiva. O papel do educador, do mediador na formação dos aprendizes é desenvolver estratégias, para que eles possam, por meio do que aprendem, enfrentar e resolver os desafios de modo autônomo. Os discípulos depositaram em Jesus a responsabilidade de transformação, mas não se enxergavam como agentes capazes de promover, por meio de suas ações, a construção do Reino que tanto sonhavam. Cristo, ao se fazer parceiro de caminhada, buscava intervir na aprendizagem deles, possibilitando que se tornassem agentes de sua história pessoal e da história do mundo.

2.2.2- Dialogando para educar e transformar

17E ele lhes disse: Que palavras são essas que, caminhando, trocais entre vós, e por que estais tristes? 18E, respondendo um, cujo nome era Cléofas, disse-lhe: És tu só peregrino em Jerusalém, e não sabes as coisas que nela têm sucedido nestes dias? 19E ele lhes perguntou: Quais? E eles lhe disseram: As que dizem respeito a Jesus Nazareno, que foi homem profeta, poderoso em obras e palavras diante de Deus e de todo o povo; 20E como os principais dos sacerdotes e os nossos príncipes

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o entregaram à condenação de morte, e o crucificaram. 21E nós esperávamos que fosse ele o que remisse Israel; mas agora, sobre tudo isso, é já hoje o terceiro dia desde que essas coisas aconteceram. 22É verdade que também algumas mulheres dentre nós nos maravilharam, as quais de madrugada foram ao sepulcro; 23E, não achando o seu corpo, voltaram, dizendo que também tinham visto uma visão de anjos, que dizem que ele vive. 24E alguns dos que estavam conosco foram ao sepulcro, e acharam ser assim como as mulheres haviam dito; porém, a ele não o viram.

Após ouvir sem interferir na caminhada dos discípulos, Jesus se faz presente, estabelecendo o diálogo com eles, marca constante de Sua ação educativa. Os caminhantes ainda não O reconhecem, mas passam a enxergar a presença de outra pessoa e a dialogar com ela.

Jesus revela aos dois o Seu interesse por eles, ao perguntar-lhes sobre o que falavam. Torna-se parceiro de caminhada, e não apenas um simples acompanhante. O início da conversa se relaciona não aos Seus pensamentos e ideias, mas aos deles. Sua posição revela o cuidado amoroso que tem com aqueles que caminham. Ele poderia ter iniciado a conversa revelando-se, apresentando logo suas ideias, mas não. Ele não queria “abrir os olhos” dos discípulos, queria que eles mesmos os abrissem e sabia que isso levaria um tempo. Respeitar o tempo de cada um é fator que deve nortear também a relação dos agentes de pastoral com os estudantes.

Analisando o texto bíblico, percebemos que os discípulos revelam indignação com Aquele que se apresentou, pelo fato de não saber dos últimos acontecimentos. Não percebem, inicialmente, o cuidado e a verdadeira intenção de Cristo. Falam sobre um aspecto determinante da personalidade de Jesus: um profeta poderoso em obras e palavras. Interessante perceber que a ordem apresentada no texto: o termo “obras” veio anteriormente a “palavras”. Podemos analisar, a partir dessa sequência, dois pontos. O primeiro se relaciona ao fato de que as nossas ações são mais poderosas que nossas palavras, não desconsiderando o valor destas últimas. Aqui podemos remeter-nos ao fato de que, na ação pastoral e profética, nossas ações é que realmente evangelizam, pois revelam (ou não) aquilo que anunciamos e em que acreditamos. Educamos mais pelo exemplo do que pelas palavras que proferimos. O segundo ponto se relaciona à importância da coerência entre nosso discurso e nossas atitudes, na ação evangelizadora. Podemos perceber discursos maravilhosos que se esvaziam e não transformam, pois são desprovidos da vivência da essência dos mesmos nas ações daqueles que os professam. Jesus foi exemplo, foi a encarnação de Deus em nosso meio. Suas ações revelaram seu amor incondicional ao Pai e ao Reino que anunciou. Na ação pastoral, é necessário estar sempre atento à práxis que está sendo realizada. É preciso que os agentes se tornem exemplos vivos da fé e de tudo o que anunciam, pois isso é fator preponderante para que alcancem o objetivo que pretendem alcançar. Vale ressaltar aqui a importância da oração e da avaliação constante, aspectos também marcantes na caminhada de Jesus. Os grupos de pastoral precisam fazer disso um elemento imprescindível no processo da ação que realizam. Precisam realimentar-se em orações e avaliar a caminhada, para que possam perceber se estão indo no caminho certo e

possam também perceber como agir e quando alterar a rota para alcançarem as metas que se propuseram realizar.

Os discípulos falaram sobre a morte de Jesus e delegaram aos sacerdotes e príncipes a responsabilidade disso, mas não percebiam que eles mesmos “matavam” o Nazareno quando não reconheciam a Sua presença e quando não agiam como verdadeiros discípulos. Ser discípulo de Jesus é fazer renascer a presença Dele por meio de ações, é dar prosseguimento à missão cristã de promover a construção do Reino de Deus. Jesus ressuscita e se revela por meio de nossas atitudes e de nossa presença no mundo. O Reino está dentro de nós... Os discípulos ainda não entendiam isso, e para isso é que Ele se fez presente na caminhada dos mesmos, como educador, como mediador no processo que promoveria essa aprendizagem. Esse conhecimento só se realizaria se partisse deles, se representasse uma vivência e um desejo deles. Eles haviam se esquecido das palavras de Jesus: que os enviaria para anunciar a Boa Nova, ou seja, que eles continuariam a Sua missão. Ele conta com a ajuda dos Seus discípulos para a libertação do Seu povo, pois a libertação humana se faz com a colaboração das pessoas. Não adiantaria falar tudo isso, eles precisavam realmente entendê-lo. Por esse motivo é que Jesus se fez parceiro de caminhada. Tal postura deve também orientar o trabalho pastoral nas escolas. Saber acompanhar o processo de desenvolvimento na fé dos estudantes, respeitando as fases em que se encontram e tendo a certeza de que esse processo não se alcança com imposição, e sim, com redenção, vivência individual. Mesmo sem ser reconhecido, Jesus se fez presença na caminhada, uma presença dialógica, significativa. Os agentes de pastoral precisam ser essa presença na caminhada de todos os estudantes, independente da fé que professam, do estágio em que se encontram e da vida que levam. Ser agente de pastoral é ser pastor, é ser aquele que cuida, que orienta, que vai atrás das ovelhas que se afastaram do caminho, pois acredita na potencialidade delas e ama a todas, sem distinção. Esse amor é que promove a transformação e a conversão das pessoas.

A presença de Jesus buscava promover o protagonismo dos seus seguidores. É interessante observar que, muitas vezes, temos a tendência de dar as respostas e fórmulas prontas para os desafios e as questões que outras pessoas nos apresentam. Agindo assim, impedimos a construção de habilidades e competências por parte das mesmas, e também o desenvolvimento da confiança na capacidade que possuem de solucionar desafios e de realizarem ações. Surge aqui a lembrança de um provérbio: “Não dê o peixe. Ensine a pescar.” Esse exemplo deve também nortear a ação pastoral junto a crianças e jovens. É necessário que se oportunize o desenvolvimento do protagonismo infanto-juvenil, pois assim estaremos criando condições para a construção da autonomia e da confiança na formação da identidade desses sujeitos. Isso determinará, futuramente, a possibilidade de realizarem ações que, juntamente aos valores éticos e cristãos, promoverão a construção de um mundo mais justo e solidário.

No diálogo que estabeleceram com Jesus, os discípulos também revelaram a “postura de São Tomé”. Falaram daqueles que anunciaram a ressurreição de Jesus, mas questionaram o fato. Eles não viram e, por isso, não acreditaram no que foi anunciado. Vivenciar a mística, a espiritualidade, a fé é fazer a experiência do indizível, daquilo que não pode ser mensurado. Nesse sentido, precisamos, como agentes de pastoral, oportunizar que os estudantes participem de momentos em que silenciarão a mente, a razão e ouvirão o seu coração, possibilitando o

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encontro e a relação com o Transcendente.

Os discípulos apresentaram, durante a caminhada, uma crise de percepção que fazia com que não conseguissem enxergar a realidade que estava presente no caminho. Os olhos estavam como que vendados para entender e perceber o Cristo Ressuscitado. Aos poucos, a vivência no caminho faria com que os discípulos enxergassem e percebessem a presença viva de Cristo no mundo e se transformassem diante dessa descoberta. Este deve ser o nosso entendimento: o crescimento de nossos estudantes na fé é processual, e a transformação desses sujeitos em agentes transformadores que revelam a fé cristã e agem em prol da justiça e da paz também é. Para isso se faz necessária uma atuação amorosa e respeitosa na vida desses alunos.

Após a postura doce de ouvir os discípulos, Jesus interferiu com firmeza, visando fazer com que eles tivessem a oportunidade de avançar no entendimento sobre a situação. Em sua ação, Ele equilibrou firmeza e doçura. Durante Sua vida, e também nesse momento, Ele educou e fez com que Seus seguidores avançassem por meio de posicionamentos firmes. Chamou atenção, naquele instante, para a análise e a leitura que eles estavam realizando sobre os acontecimentos. Mostrou-lhes como estavam sendo imaturos diante de tudo o que já havia sido revelado, oportunizando que eles amadurecessem no entendimento do que havia sido anunciado. Apontou fatos importantes, relacionou, analisou, junto a eles, tudo o que já haviam ouvido anteriormente. Aquele que inicialmente foi desconsiderado pelos caminhantes revelou sabedoria, segurança e fez surgir e também ressurgir neles a compreensão real dos fatos. Cléofas e seu companheiro passaram a ouvi-Lo, com interesse, e a valorizá-Lo devido à Sua postura firme diante da situação. Aqui podemos encontrar outro aspecto importante para a práxis pastoral: agir com firmeza e com doçura e apresentar segurança e domínio daquilo que se professa, tendo sempre o discurso proferido presente nas ações realizadas.

Muitas vezes, como educadores, precisamos ser firmes e saber intervir nos momentos em que for necessário. Uma intervenção significativa gera crescimento. Na realidade em que vivemos, podemos perceber que crianças e jovens apresentam atitudes que revelam, muitas vezes, violência, preconceito, discurso egocêntrico e individualista, falta de solidariedade e de justiça... Nisso tudo precisamos intervir, de forma a possibilitar que eles desenvolvam, aos poucos, valores mais humanos, valores cristãos e também um olhar mais apurado e crítico sobre a realidade em que estão inseridos e sobre suas ações... um olhar mais cuidadoso com a vida... um olhar que suscite o desejo de agir a favor da vida.

Ao ouvirem Jesus, os discípulos, mesmo sem perceber claramente naquele instante, foram transformando-se, foram aquecendo o coração e transmutando o coração de pedra, presente no início da caminhada, em coração de carne, coração vivo, pulsante e que se move para dar significado para a vida.

2.3 - O convite e a verdadeira conversão

28E chegaram à aldeia para onde iam e ele fez como quem ia para mais longe. 29E eles o constrangeram, dizendo: Fica conosco, porque já é tarde, e já declinou o dia. E entrou para ficar com eles. 30E aconteceu que, estando com eles à mesa,

tomando o pão, o abençoou e partiu-o, e lho deu. 31Abriram-se-lhes então os olhos, e o conheceram, e ele desapareceu-lhes. 32E disseram um para o outro: Porventura não ardia em nós o nosso coração quando, pelo caminho, nos falava, e quando nos abria as Escrituras? (Lc 24, 28-32)

Nesse trecho, outra característica da ação de Jesus nos chama a atenção. Mesmo tendo sido companheiro no caminho, Jesus espera o convite para entrar na casa dos discípulos. Ele não impôs a Sua presença; esperou ser convidado, esperou que houvesse o desejo real de Sua companhia. Jesus levou os caminhantes à ação, ao protagonismo. A ação pastoral deve buscar promover também o protagonismo, oportunizando o crescimento e o amadurecimento na fé. Deve ainda possibilitar a formação de sujeitos conscientes e atuantes no mundo.

Temos a tendência de achar que, ao “ensinarmos” por meio de nossas palavras, de nosso discurso, as pessoas aprendem e se tornam preparadas para aplicar tudo aquilo em suas vidas. Basta que lhes ensinemos. No cenário educacional, imperou essa ideia durante muito tempo. Atualmente, sabemos que a aprendizagem é um processo pessoal e que as pessoas aprendem não só pelo que lhes é repassado, mas, principalmente, pelo desejo, pela necessidade, pela oportunidade que têm de estabelecer uma conexão entre o que lhes foi transmitido e o que já haviam aprendido. Quando nos apropriamos do sentido real do conteúdo, quando ele se torna realmente nosso é que a aprendizagem se efetiva. Jesus, em suas ações, demonstrou que já sabia de tudo isso. Sabia que Suas palavras tinham que encontrar eco no coração e na mente das pessoas para que ocorresse a verdadeira aprendizagem, e que esta impeliria a transformações. Ele partilhava conhecimentos, educava, mas não impunha mudanças. Esperava que Suas palavras ecoassem e se tornassem parte da vida das pessoas e, por isso, esperou, na vivência com os discípulos de Emaús, ser convidado, fato que denotaria o desejo de Sua presença.

Após receber o convite, Jesus entrou na casa dos discípulos e ficou com eles. Ele se revelou à mesa, lugar que representa encontro. Como anteriormente, tomou o pão, abençoou-o e o partiu. Nesse instante, os discípulos reconheceram Jesus: no momento da bênção e da partilha. O Evangelho de Lucas registra um momento fundamental para a nossa fé cristã:

Quando chegou a hora, Jesus se pôs à mesa com os apóstolos. E disse: “Desejei muito comer com vocês esta ceia pascal, antes de sofrer. Pois eu lhes digo: nunca mais a comerei, até que ela se realize no Reino de Deus.” Então Jesus pegou o cálice, agradeceu a Deus, e disse: “Tomem isto, e repartam entre vocês; pois eu lhes digo que nunca mais beberei do fruto da videira, até que venha o Reino de Deus.” A seguir, Jesus tomou um pão, agradeceu a Deus, o partiu e distribuiu a eles, dizendo: “Isto é o meu corpo, que é dado por vocês. Façam isto em memória de mim.” Depois da ceia, Jesus fez o mesmo com o cálice, dizendo: “Este cálice é a nova aliança do meu sangue, que é derramado por vocês”. (Lc 22,14-20)

Na ceia com os apóstolos, Jesus sinalizou que chegara a hora de retornar ao Reino de Deus e que seu desejo era que eles

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continuassem a fazer da partilha a essência cristã. Em memória Dele, deveriam estar atentos e fazer, dessa ação, a marca da atividade apostólica. Jesus deixou claro também que Sua ação e Sua vida foram doadas para nós, tamanho era o Seu amor. Com os discípulos de Emaús, fez o mesmo. Na partilha, revelou Seu imenso amor e o sentido de Sua vida, de nossa vida. A partir daí, os discípulos reconheceram Aquele que veio para nos salvar e relembraram tudo o que Ele havia realizado e o que viveram com Ele. Isto deve representar também a ação pastoral: fazer da partilha a marca que permite que os agentes e outros integrantes da mesma sejam reconhecidos, e também a ação que revela Jesus e o Deus de Amor que anunciam para todos. É importante fazer da partilha, da solidariedade, dessa vivência de Jesus com os apóstolos e com Seus discípulos a vivência pastoral com as crianças e jovens das escolas onde se está inserido. É preciso oportunizar que os estudantes vivenciem momentos assim entre eles, entre eles e a pastoral e entre eles e a comunidade/a sociedade à qual pertencem.

Jesus desapareceu, após partir e partilhar o pão. Mesmo não sendo mais visto pelos discípulos, com os olhos do corpo, a sua presença não desapareceu mais. Eles reconheceram, somente aí, que o coração deles ardia quando Ele falava com eles no caminho. Os olhos deles se abriram, pois, após a revelação, a esperança renasceu e se tornou uma presença viva na vida deles, fazendo-os retornarem à missão.

A esperança é força motivadora nas ações humanas. O trabalho da pastoral com crianças e jovens deve ter como objetivo também trazer, devolver a esperança à vida deles. Deve possibilitar que os estudantes se tornem agentes que levam a esperança àqueles que se encontram desesperançados, tornando-se, assim, protagonistas da esperança.

2.5 – Discípulos em missão

33E na mesma hora, levantando-se, tornaram para Jerusalém, e acharam congregados os onze, e os que estavam com eles, 34Os quais diziam: Ressuscitou verdadeiramente o Senhor, e já apareceu a Simão. 35E eles lhes contaram o que lhes acontecera no caminho, e como deles fora conhecido no partir do pão. (Lc 24, 33-35)

Com o renascimento da esperança, com a certeza da ressurreição de Jesus e também com a certeza de que Ele contava com eles para dar prosseguimento à Sua missão, os discípulos retornaram a Jerusalém. O caminho era o mesmo, a realidade era a mesma, mas a postura frente à vida havia se transformado. Agora tudo tinha ganhado sentido. Eles haviam construído esse sentido, a conclusão foi uma conquista, uma aprendizagem deles, pois Jesus não Se impôs nem Se apresentou como o Cristo Ressuscitado. Eles agora retornavam como verdadeiros discípulos e com a consciência da importância da missão que tinham pela frente, missão essa que não lhes foi imposta ou delegada, mas sim, assumida com fervor e responsabilidade. Eles agora se viam como aqueles que buscariam construir, por meio de suas atitudes, o Reino de Deus no mundo onde estavam. Agora seriam protagonistas da e na história.

As trevas foram dissipadas, pois o espírito de Deus habitava

agora o coração dos discípulos. Uma vida nova se descortinava com corações novos que lutariam por um mundo novo. A comunhão entre discípulos e apóstolos tornava-se uma realidade. A partilha de ideias, de sentimento agora estaria embasada na vivência do Cristo, o que resgataria entre eles a força para lutar, a alegria de estar sempre junto Daquele que veio para mudar o mundo e para nos revelar o Seu amor, o amor do Pai e a presença eterna desse amor em nossas vidas. Ficou como marca forte no aprendizado dos apóstolos e dos discípulos, a importância da partilha que revela o amor e o cuidado. Na partilha nos encontramos e revelamos Jesus para o mundo.

Na atividade dos agentes de pastoral junto aos estudantes das escolas católicas, deve-se ter como objetivo central a vivência da partilha que liberta e que revela tudo o que Jesus veio ensinar-nos.

III. CONCLUSÃO: CAMINHANDO HOJE, SEGUINDO O EXEMPLO DE JESUS

Pensar sobre uma práxis pastoral significativa nas escolas católicas é pensar numa ação que promova a formação integral dos estudantes. É pensar numa formação que possibilite o desenvolvimento de valores humanos e cristãos e que leve os estudantes a se sentirem chamados a atuar na construção de uma sociedade mais justa, solidária, fraterna e sustentável.

A ação dos agentes de pastoral junto aos estudantes deve ser embasada na escuta, no conhecimento da realidade e das necessidades provindas da mesma. Deve ser embasada no respeito, no cuidado, no amor e em ações que revelem firmeza e doçura. Como anunciadores da Boa Nova, os agentes devem revelar esse anúncio em suas ações, em que a alegria, a esperança e a certeza de que podemos construir um mundo melhor estejam presentes. Eles precisam anunciar que outro mundo é possível, denunciando fatos e atitudes desumanas e excludentes, e realizando ações que promovam a nova realidade que profetizam. Devem ser exemplos que contagiam e que movem as pessoas a sonhar e a agir na concretização do mundo que tanto sonham.

Os agentes de pastoral das escolas católicas devem estar conscientes de que a missão que desempenham se amplia neste tempo em que vivemos. Nas escolas católicas, a diversidade religiosa está presente, e o desafio que essa realidade impõe é a realização de uma práxis aberta ao diálogo inter-religioso, em que se possa anunciar a Boa Nova para todas as pessoas, em que se construa o verdadeiro respeito entre elas, enfraquecendo os preconceitos e as exclusões. Ser pastoral é ser aberto para todos; é atuar, de acordo com a fé cristã, na construção de um mundo onde as diferenças se tornem oportunidade de crescimento e de encontro. E esse encontro possibilita que vejamos no outro o rosto de Deus e que nos sintamos interpelados a atuar na construção do mundo que Jesus veio anunciar.

O exemplo de Jesus, especialmente no Caminho de Emaús, deve nortear a ação pastoral em todos os momentos. Se somos discípulos de Cristo, devemos buscar agir como Ele. Alcançando isso, os objetivos da ação pastoral nas escolas católicas se concretizarão, pois, como Jesus, por meio da parceria na caminhada dos estudantes, teremos oportunidade de inflamar os corações dos mesmos, levando-os a se tornarem também discípulos, seguidores do grande Mestre.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

RIBEIRO, A. M. Curso de formação profissional em Educação Infantil. Rio de Janeiro: EPSJV / Creche Fiocruz, 2005.

SUNG, Jung Mo. Sementes de esperança: a fé no mundo em crise. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005.

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1994.

______________. Pensamento e Linguagem. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1997.

______________. Psicologia pedagógica. Porto Alegre: Artmed, 2003.

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DESAFIOS E ESPERANÇAS PARA UMA ESCOLA MARISTA EM

PASTORAL1

Autora: Maria da Conceição Santana de Oliveira2

Orientador: Hudson Silva Rodrigues3

RESUMO

O presente artigo pretende mostrar a educação como espaço propício à evangelização. Cada integrante da comunidade educativa é pastor e protagonista na construção de uma sociedade justa, humana e solidária. Tornar Jesus Cristo conhecido e amado é a missão da Escola Marista que, através da mística do cuidado e da promoção da paz, continua a missão do Bom Pastor. A Escola Marista, situada numa sociedade marcada pela forte presença dos elementos da cultura pós-moderna, ressalta a importância da evangelização na ação pedagógica, reconhecendo os limites e as possibilidades para uma Escola em Pastoral. Os princípios educativos Maristas são colocados a serviço do processo de humanização integral da escola, fundamentados no Evangelho e nas explicitações dos documentos que caracterizam e formam a identidade Marista. Objetivamente, Jesus Cristo é o centro da ação pedagógico-pastoral e os princípios Maristas são modelo para uma gestão democrática, dialógica, transformadora e participativa.

Palavras-Chave: Educação Marista, Gestão, Escola em Pastoral.

INTRODUÇÃO

“Somos profetas de um mundo que não conhecemos”D. Oscar Romero

Em uma sociedade com numerosos sinais de contradições sociais, culturais e religiosas, os valores da educação Marista são fundamentais para a ação evangelizadora, possibilitando a formação de crianças, de jovens e de adultos para o discipulado.

O papa Bento XVI, em encontro com párocos da diocese de Roma, advertia sobre a dificuldade da vivência cristã, principalmente para os jovens, diante dos estilos de vida dominantes na sociedade. Indicava a presença de Deus na educação, porque “jamais basta uma formação profissional sem uma formação do coração.” (Bento XVI, 2008)4. São Marcelino Champagnat, fundador do Instituto Marista, pensava a educação como meio para tornar Jesus Cristo conhecido e amado, principalmente, para as crianças e para os jovens, especialmente os mais

1 ArtigoapresentadocomorequisitoparaconclusãodeCursodeExtensãoEscolaemPastoralpromovidopelaProvínciaMaristaBrasilCentro-NorteemparceriacomaPUC-PR.2 Professora,LicenciadaemFilosofiapelaUniversidadeFederal de Pernambuco – UFPE, Especialista em EnsinoReligiosopelaUniversidadeCatólicadeBrasíliaeCoordenadorado Setor Pastoral do Colégio Marista Nossa Senhora daConceição–Recife/PE.3 Teólogo, Licenciado em Língua Portuguesa pelaFaculdadedaTerradeBrasília–FTB,EspecialistaemEnsinoReligioso pela Universidade Católica de Brasília e Analistade Pastoral da Coordenação de Evangelização e Pastoral daProvínciaMaristaBrasilCentro-Norte.4 Bento XVI em reunião: Jovem, Educação eEvangelização,Roma(2008).

abandonados.5

O tema Desafios e Esperanças para uma Escola Marista em Pastoral foi escolhido para comparar a vivência de um Colégio Marista com os resultados das reflexões, discussões e estudos incentivados, no curso Uma Escola em Pastoral.

1 A REALIDADE

1.1 Sociedade: encontros e desencontros

Numa sociedade que se caracteriza por mudanças num ritmo volumoso e acelerado em todos os aspectos da vida, resultado do desenvolvimento tecnológico e científico as possibilidades de vida e de satisfação concentram-se no aqui e agora. A comunicação, em tempo real, com qualquer parte do mundo, sugere decisões imediatas e emocionais sem reflexão e amadurecimento, constatando a facilidade de encontrar mais companhias virtuais do que estabelecer relações afetivas. Vive-se uma época de medo, de pressa, de consumo como esperança de realização individual que destrói a capacidade de partilhar e de formar comunidades.

Aos jovens são apresentados padrões de beleza, de saúde, de alegria centrados na busca do prazer, principalmente, por meio das propagandas e das novelas. O subjetivismo ético permite que cada um possa agir segundo os seus próprios interesses, na cultura do vale tudo e, segundo Murad (2001) vai-se perdendo a noção objetiva e comunitária do certo e do errado. Na própria família, faltam critérios e limites claros para nortear atitudes. Os noticiários apresentam os jovens, de um lado, caracterizados pela força, pela coragem, pelo espírito de aventura e, de outro lado, envolvidos com problemas de violência, de prostituição, de alcoolismo, de tráfico de drogas, na maioria das vezes negros e/ou vindos de setores populares.

Alguns fenômenos são percebidos no campo religioso juvenil: a busca por uma expressão de fé que dê sentido à vida; a atração por manifestações religiosas exóticas; a adesão a espiritualidades que integram o ser humano ao cosmo, numa dimensão holística (Nova Era). Nessa diversificada oferta de escolha do sagrado, a herança religiosa familiar já não mais corresponde aos anseios dos jovens, optando, então, por outros sistemas religiosos ou mesmo pela desvinculação religiosa.

A participação juvenil, de diferentes identidades religiosas, nas manifestações artísticas e culturais, faz crescer o número de cantores e de bandas religiosas. São presenciadas manifestações, em favor da preservação do planeta, confirmando o desejo de viver em harmonia com a natureza e com todas as demais criaturas. A convivência dos jovens, nos trabalhos pastorais voluntários, tem fortalecido a manutenção do vínculo religioso em Igrejas e em Escolas Confessionais.

1.2 Sociedade e Escola Marista

Num cenário descrito com tantos elementos da cultura pós-moderna, situa-se a Escola Marista, com o objetivo de “Formar bons cristãos e virtuosos cidadãos” 6, o que exige “tornar Jesus Cristo conhecido e amado”7. Isso impulsiona à evangelização na e por meio da Educação.

Evangelizar é anunciar Jesus Cristo com palavras e ações, fazer-se instrumento da sua presença e da sua ação no mundo, no que se pode, então, afirmar que Evangelizar é continuar a missão de

5 MissãoEducativaMarista:umprojetoparaonossotempo(2003).6 (MissãoEducativaMarista:umprojetoparaonossotempo,p.39)7 Idem

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Jesus Cristo. Conhecê-lo e reconhecê-lo provoca mudança no comportamento. A novidade que, inicialmente, acontece nos corações das pessoas é estendida aos relacionamentos e resulta na transformação da realidade, pois quando o verdadeiro encontro com Jesus acontece a pessoa não é mais a mesma. Portanto, é necessário resgatar a capacidade de maravilhar-se, de contemplar, de desfrutar pequenos gestos e atitudes que transformam e geram vida (SOELA, 2004).

A ação evangelizadora numa Escola Marista deve incentivar para o envolvimento com questões mais amplas diante da realidade e dos seus desafios, pois como afirmam as Diretrizes Nacionais da Pastoral Juvenil Marista,

[...] a realidade juvenil é meio para a construção de um novo lugar socializador, de reorganização da subjetividade, de reconstrução de identidade do ser humano, de valorização das diferenças e da construção de novos papéis sociais em que os jovens estejam insertos (2006: p.71).

João Paulo II dirigindo-se aos jovens brasileiros, em 1980 (Belo Horizonte-MG), orientava para a importância de colocar Jesus como alicerce da existência humana. Afirmava que a vida, o destino, a história presente e futura de um jovem, dependia da resposta à pergunta do Cristo: “Para você, quem sou eu?” Esse continua sendo um desafio, não apenas para os jovens, mas para todos.

E como tornar Jesus Cristo conhecido e amado? Nossa presença precisa ser um modo a favorecer o reflexo simples, mas alegre da nossa fé, alimentada pela oração e pelos sacramentos, com a consciência de que, mais forte do que as mensagens é o jeito de ser, a postura, a forma de relacionamento com Deus, com o outro e com o mundo, pois “tão importante quanto a ação é o modo como se age” (BRIGHENTI, 2009)8. As ações devem sinalizar as dimensões da evangelização: acolhimento da ação do Espírito Santo, que atua dentro e fora da Igreja, como primeira ação evangelizadora; conhecimento da pessoa de Jesus através dos Evangelhos, refletindo “sua mensagem, suas atitudes, sua maneira de tratar as pessoas, de acolher os pecadores, sua coragem profética e a coerência entre seu discurso e sua vida” (Estudos da CNBB-doc. 93: p.27)

Numa sociedade marcada pelo imediatismo, em que som e imagens são recursos fortes, principalmente, para as gerações jovens, percebem-se a relação de empatia e de simpatia (escuta e diálogo) e o atendimento às necessidades (que vão além da distribuição de comidas e roupas) estabelecendo uma relação com os princípios do acolhimento, do espírito de família, da pedagogia da presença, do amor ao trabalho, da vivência das 12 virtudes ensinadas por Marcelino Champagnat, viabilizando a evangelização no espaço escolar. Na ação evangelizadora o conteúdo se faz método e o método se faz conteúdo, assim compreende-se o protagonismo infanto-juvenil na Pastoral Juvenil Marista e na Infância e Adolescência Missionária no processo de educação da fé; as Missões de Solidariedade despertando o compromisso solidário e identificando ações em defesa da vida; o processo de formação específica capacitando crianças, jovens e adultos para o discipulado; a supremacia das virtudes abrindo espaço para o diálogo ecumênico.

1.3 Gestão democrática, dialógica, transformadora, participativa numa obra Marista e a comunidade em pastoral.

8 Curso:EscolaemPastoral/módulo1/FundamentosdaEvangelização

Quando se quer fazer algo, é preciso empenhar-se, ao máximo, para consegui-lo. O ser humano que tem vontade é capaz de fazer aquilo a que se propõe, porque aprendeu a superar-se, a lutar, a sacrificar o imediato, a esperar pelos frutos que semeou, transformando desejos em realidade.

Percorrer o caminho educativo à luz dos princípios Maristas é, sem dúvida, uma viagem emocionante que conduz à reflexão sobre o papel de evangelizador na educação. Em Marcelino Champagnat, encontram-se atitudes educativas e evangelizadoras capazes de responder aos anseios atuais, pois, configurava-se em um homem situado no contexto em que vivia, um educador para além do seu tempo, um missionário além das fronteiras. Bondoso e amoroso para com todos, revelava, no exercício dessas virtudes, a preocupação de atrair as pessoas a Deus, especialmente as crianças e os jovens. “Para bem educar as crianças é preciso, antes de tudo amá-las, e amá-las todas igualmente”9: eis a regra de ouro para os educadores Maristas. Esse amor que corrige com firmeza, equilíbrio e credibilidade, fazendo progredir o bem.

A educação Marista, caracterizada por uma abertura à revisão, permite que se redescubram novos caminhos e novos critérios com possibilidades de transcendência (COTTA, 1985). Segundo Brighenti (2009)10, na evangelização, “após a descoberta das culturas e das religiões... já não se pode evangelizar como antes”. Reconhecendo a ação do Espírito Santo, é Ele quem inspira a descoberta de novas maneiras de ser presença como Igreja, igualmente é o mesmo Espírito que impulsiona, na escola, a fidelidade aos princípios cristãos e ao carisma Marista. Segundo Puebla, a educação humaniza e personaliza o homem. Daí a necessidade de uma avaliação sistemática, com possíveis intervenções nos conteúdos, nos processos e nos métodos pedagógicos e a compreensão de uma escola em pastoral.

O 20º Capítulo Geral Marista projeta o “desejo de construir comunidades humanizadoras que vivam em clima de confiança, em relações interpessoais sadias, com espírito de família”11. Esse desejo são motivos acalentadores para refazer o caminho. E neles reside a preocupação para ser “comunidades onde existam, em abundância, o óleo do perdão para curar as feridas e o vinho da festa para celebrar tanta vida partilhada”12. Assim encontram-se o cuidado e o zelo, inspirados na pessoa de Jesus Cristo e no seu projeto de vida, permeando todos os processos efetivados na escola e para além dela.

Uma gestão que assim concebe a sua ação assume a postura de autoridade a serviço, por meio da sua proposta de valores e de formação moral, espiritual e apostólica, possibilitando o desenvolvimento das boas potencialidades presentes na comunidade educativa, sendo sinal visível de coerência entre a sua fé e o seu engajamento profissional. Partilhando da espiritualidade e da pedagogia Marista, os educadores leigos ampliam, simultaneamente, seu saber humano e o desenvolvimento da sua personalidade cristã, favorecendo, em seus educandos, a formação do espírito e do coração.

O acolhimento, como ação pedagógico-pastoral, representa a inclusão das pessoas, para que cresçam nos valores humanos e na promoção dos valores evangélicos, por meio das iniciativas pastorais Maristas, favorecendo-as a participarem da construção do Reino de Deus no aqui e agora (MEM-70)13.

9 MissãoEducativaMarista:umprojetoparaonossotempo10 Curso:UmaescolaemPastoral/Módulo1/FundamentosdaEvangelização200911 Escolhamosavida:DocumentodoXXCapítuloGeral,p1012 Idem13 MissãoEducativaMarista:umprojetoparaonosso

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Evangelizar significa testemunhar uma atitude de respeito e de acolhida das pessoas e da sua realidade, por causa de Deus e da obra que Ele realizou no seio delas.

O esforço em estabelecer processos educativos eficazes e vínculos significativos exige uma gestão disponível ao diálogo e que acolha a construção interativa, com revisão de atitudes em relação à vida, à educação e à escola, fundamentada no Evangelho e nos documentos da Educação Marista – que formam a sua identidade. A gestão democrática, dialógica, participativa e transformadora assume, em gestos concretos, os recursos e o método para validar a evangelização (na escola e fora dela), comungando com o ideal de Champagnat e assumindo a figura do bom pastor. Segundo Varona (2009) “como suporte da missão, dando visibilidade à Igreja como sacramento do Reino”14, a Escola pode constituir-se em parábola do Reino de Deus, adotando uma política inclusiva, com responsabilidade e com compromisso.

Na Obra Marista, todos devem contribuir para que todos aprendam a vencer pequenos dissabores e dificuldades, à luz da Boa Nova, para alcançarem grandes vitórias e conquistas, transcendendo o hoje e construindo o futuro. Portanto, o educador cristão deve pretender que a escola seja um meio de educação voltado para a realização pessoal, com sentido social, e ambiente de vida cristã inspirado no objetivo fundamental da evangelização. É fundamental lembrar que escola humanizada é o espaço de gente cultivando gente, transformando espaços (DARDENHO, 1997) formando o agora e o sempre uma Escola em Pastoral.

Para Julliato (2009) a educação é, essencialmente, um ato de valoração. Deste modo, a preocupa-se não apenas com a capacidade técnica do professor, mas, sobretudo com a sua postura ética. Ressalta-se a necessidade de ser exemplo, testemunho, referência: a coerência do ser com o fazer.

A parábola do bom samaritano revela a preocupação com o outro na sua necessidade mais imediata. É a caridade que só exige a gratuidade do cuidado. A pessoa com suas necessidades materiais e espirituais é central na mensagem de Jesus. Ele se preocupa tanto com todo o rebanho quanto com cada ovelha, orientando a atenção para o tratamento personalizado.

Na obra Marista, todos devem contribuir, para que todos aprendam a vencer pequenos dissabores e dificuldades, à luz da Boa Nova, com vistas a alcançar grandes vitórias e conquistas, transcendendo o hoje e construindo o futuro.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A forma como Marcelino Champagnat enfrentou as dificuldades e os contratempos na evangelização pela educação, constitui verdadeira lição para os seus seguidores. Atualizar os princípios Maristas é responder aos anseios e desafios atuais, transformando a vida e a situação das crianças e dos jovens, através da educação integral, humana e espiritual, tendo como fundamento o amor. (MEM, 2003)15·. Não se substima o acesso ao conhecimento, entretanto deve-se estar atento a outras formas de aprendizagem, concebendo a educação como um todo

O Colégio Marista Nossa Senhora da Conceição, situado na cidade do Recife, atendendo uma população infanto-juvenil de grande vulnerabilidade social, tem assumido a missão de ser “cuidadora” da pessoa e das pessoas. Percebe-se, uma gestão

tempo14 Curso:UmaescolaemPastoral/Módulo2/PodeumaescolacatólicaserparáboladoReino?15 MissãoEducativaMarista:umprojetoparaonossotempo.

receptiva, sensível e serena, com abertura ao diálogo, tornando as relações interpessoais mais harmoniosas e valorizadas. O exercício dos valores cristãos coloca a autoridade a serviço da missão e das pessoas, animando o seguimento a Jesus e ao carisma Marista.

A cordialidade, a escuta, o acolhimento, a solidariedade, o clima de respeito às diferenças, o desejo de conhecer aos alunos (sua história), o esforço de compreender a realidade a partir da perspectiva do outro, a credibilidade na superação, a interação entre os segmentos da escola (educandos, educadores, colaboradores em geral, familiares), o reconhecimento da necessidade de ajuda, a substituição da competitividade pela cooperação entre os educadores são sinais que traduzem a pastoral humanizadora do Colégio. Conscientes dos desafios e esperançosos em transformar muitas realidades, pode-se afirmar que essa Unidade tem sido parábolas do Evangelho, que ajudam a resgatar a dignidade humana e o reconhecimento do amor de Deus no seu exercício diário. A realização do amor ao próximo faz com que a Igreja16 aconteça.

REFERÊNCIAS

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CNBB 61. Diretrizes Gerais da ação evangelizadora da Igreja no Brasil: 1999-2002. São Paulo: Paulinas, 1999.

CNBB 80. Evangelização e missão profética da Igreja: novos desafios. São Paulo: Paulinas, 2005.

CNBB 93. Evangelização da juventude: desafios e perspectivas pastorais. São Paulo: Paulus, 2006.

CONFERÊNCIA EPISCOPAL LATINO-AMERICANA. Documento de Puebla, 1979.

COTTA, Gildo. Princípios educativos de Marcelino Champagnat. Brasília: FTD, 1996.

DARDENGO, Vilma Maria. Escola humanizada. Disponível em: <http://www.vidadeestudante.com.br> Acesso em: 15 jul. 2009.

GROLLI, Dorilda et al. Gestão acolhedora: estabelecendo vínculos com a comunidade acadêmica. Educ. bras, Brasília, v. 29, nos. 58 e 59, p. 37-48, jan./dez. 2007.

INSTITUTO MARISTA. Documento do XX Capítulo Geral. Escolhamos a vida. Roma, 2001.

MURAD, Afonso. Aquele que passeia em nós: Deus no coração de todas as coisas. São Paulo: Paulinas, 2001.

PJM / SECRETARIADO INTERPROVINCIAL MARISTA. Diretrizes nacionais da Pastoral Juvenil Marista. São Paulo: FTD, 2006.

PUJOL, J.M.E.; BARRIO, J. J. M.; LLANSANA, L. S. O educador Marista – sua identidade, seu estilo educativo. Porto Alegre: EDPUCRGS, 1985.

SOELA, Vanderlei. Deus no coração da vida – A vida no coração de Deus. São Paulo: Paulinas, 2004.

Textos do Curso: Escola em Pastoral. Disponível em: <http://ead.marista.edu.br>>. Acesso com login e senha.

16 Entenda-seIgrejanaconcepçãodoVaticanoII

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PRÁXIS EDUCATIVA: UMA REFLEXÃO A PARTIR

DO PARALELO ENTRE A “PEDAGOGIA DA AUTONOMIA”

DE PAULO FREIRE E A PEDAGOGIA DE JESUS1

Autor: Ênio Zeferino de Souza2

Orientador: Aldemir Inácio Azevedo3

RESUMO

O objetivo deste artigo é apresentar uma reflexão sobre a prática educativa que favoreça ao ser humano a autonomia, o protagonismo e a liberdade. Para tanto, defendemos que os valores cristãos aliados aos princípios da Pedagogia da Autonomia, de Freire, possam servir de motivação e estímulo aos docentes que creem numa escola em pastoral e numa educação que perpetue para a autonomia e humanização do ser humano, a partir de uma mudança em sua práxis educativa. Essa prática educativa será objeto de reflexão neste trabalho, por meio de um paralelo entre a Pedagogia da Autonomia, de Paulo Freire, e a pedagogia de Jesus, narrada nos Evangelhos. Sabedores de que, atualmente, muito se tem discutido, nas esferas educacionais, sobre a ausência de valores evangélicos nos espaços educativos, entendemos que tais valores também devem ser foco de uma escola que se pensa em pastoral. A metodologia de pesquisa bibliográfica possibilitou-nos a percepção de que Freire e Jesus defendem valores que são vitais a uma formação e que podem fundamentar toda uma prática educativa que contemple esse fim.

PALAVRAS-CHAVE: Práxis educativa. Valores. Autonomia.

ABSTRACT

The objective of this paper is to present a reflection on educational practice to promote the human autonomy, leadership and freedom. To this end, we want the Christian values combined with the principles of the Pedagogy of Autonomy of Freire can serve as motivation and encouragement to teachers who believe in a school in a pastoral and education that perpetuates for autonomy and humanization of man, through a change in their educational praxis. This educational practice will be reflected in this work through the parallel between the pedagogy of Paulo Freire’s Autonomy and the pedagogy of Jesus told in the Gospels. Knowing that today much has been discussed in the educational sphere about the absence of Gospel values in educational spaces. So we believe that these values should also be the focus of a school that believes in ministry. The methodology used in literature, allows us the realization that Jesus Freire and defend values that are vital to training and that can possibly justify an entire educational practice that addresses this purpose.

1 ArtigoapresentadocomorequisitoparaconclusãodeCursodeExtensãoEscolaemPastoralpromovidopelaProvínciaMaristaBrasilCentro-NorteemparceriacomaPUC-PR.2 PedagogoePós-graduadoemGestãoContemporâneadePessoasnoUNI–BH,AgentedePastoraldoColégioMaristaDomSilvérioemBeloHorizonte–MG.3 Teólogo pelo Instituto Marista de CiênciasHumanas-IMACH,GraduadoemCiênciasSociais,MestreemDesenvolvimento Social e Doutorando em DesenvolvimentoSustentável.

Key-Words: Educational práxis; Values; Autonomy

1. INTRODUÇÃO

O homem é um ser pluridimensional. Ele deve crescer em todas as suas dimensões: cultural, econômica, social, política, psicológica, moral, religiosa, cognoscitiva, educacional e pedagógica. É um ser em crescimento e, por isso, está em situação de “vir-a-ser” e em contínua transformação.

A realização humana e profissional do homem requer um programa educacional construtivo que o conduza para a autonomia e para a libertação de sua consciência. Assim, o processo educativo não pode ser entendido como ponto final, mas como ponto de partida.

A educação existe em função do homem. Sua finalidade maior é promover a relação total do ser humano; para tanto, é necessário que a educação corresponda ao tipo histórico de homem que se pretende construir: se autônomo e livre ou se alienado e oprimido em si mesmo.

A presença de valores humanos também é de suma importância nesse processo. Assim, é pertinente lembrar o questionamento que Chalita (2003) faz em sua obra Pedagogia do Amor, ao mostrar-se preocupado com a extinção cada vez mais frequente de valores morais, éticos e cristãos em nossa sociedade, que valoriza mais a aparência, a competição, o individualismo, distanciando cada vez mais o homem da sua realização e humanização.

O objetivo deste trabalho é propor uma reflexão e possível reorientação sobre uma prática educativa que favoreça a humanização, a autonomia e a liberdade do homem. Nesse sentido, defendemos que os valores cristãos, aliados aos princípios da obra Pedagogia da Autonomia, de Freire, podem ser referência, motivação e estímulo aos educadores que, ao mudarem sua práxis educativa4, acreditam ser possível tal proposta educativa que caracteriza uma escola em pastoral.

Essa educação católica pautada em valores cristãos, que humaniza e liberta, será apresentada neste trabalho por meio do paralelo entre a Pedagogia da Autonomia, de Freire (1996), e a pedagogia de Jesus, narrada nos Evangelhos.

Para tanto, faremos uma aproximação da Pedagogia da Autonomia, de Freire, à pedagogia de Jesus, em que buscaremos pontuar ações, reflexões e valores que poderão servir de referencial e estímulo à práxis educativa de uma escola em pastoral.

Este artigo se coloca na trilha dos esperançosos da humanidade, de educadores que se percebem desafiados e empenhados em ressignificar sua vida e a vida de seus educandos com práticas criadoras de situações fecundas de aprendizagem, comprometidas com a vida e autonomia humana.

2. PEDAGOGIAS DE FREIRE E DE JESUS:

Freire (1996) introduz a obra Pedagogia da Autonomia, explicando suas razões para analisar a prática pedagógica do professor em relação à autonomia de ser e de saber do educando.

O pensamento freireano é marcado por uma visão esperançosa, otimista e crítica, na qual condena uma mentalidade fatalista 4 Aqui entendida como prática educativa, didática,métodos,atitudesouaçõesqueoprofessor,educadoroumestreutilizaparafavoreceroaprendizadodoeducando.

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que se conforma com uma ideologia fatalista: a de que a realidade é imutável.

Romão (2002, p. 62), ao falar da educação como forma de intervenção crítica no mundo concreto, histórico e real, e citando Freire, parece apontar sentimentos de inquietação que caracterizam a falta dessa educação libertadora, que promova o ser humano rumo à sua autonomia e humanização:

Não junto minha voz à dos que, falando em paz, pedem aos oprimidos, aos esfarrapados do mundo, a sua resignação. Minha voz tem outra semântica, tem outra música. Falo da resistência, da indignação, da justa ira dos traídos e dos enganados. Do seu direito e do seu dever de rebelar-se contra as transgressões éticas de que são vítimas cada vez mais sofridas (FREIRE, 1996 p. 113).

Paralelamente à citação de Freire, Jesus também se empenhou numa educação que permitia às pessoas assumirem a sua autonomia bem como participarem ativamente da sociedade em que vivem, sustentando-se em suas próprias forças.

A práxis de Jesus, segundo Orofino (2002), é de uma educação que permitia aos paralíticos (numa analogia com a citação de Freire, referimo-nos aos “paralíticos” como sendo os “enganados”), andarem com suas próprias forças e pernas:

(...) vieram trazer-lhe um paralítico, transportado por quatro homens (...) Jesus disse ao paralítico (...) “Levanta-te, toma teu leito e anda (...)”. O paralítico levantou-se e, imediatamente, carregando o leito, saiu diante de todos, de sorte que ficaram admirados (...), dizendo “nunca vimos coisa igual.” (BÍBLIA SAGRADA 2002, p. 1761-1762).

Freire (1996) também atribui tal importância à educação. Para ele, educar é construir, é libertar o ser humano das cadeias do determinismo neoliberal, reconhecendo que a história é um tempo de possibilidades. É como quem fala com a força do testemunho. É um ato comunicante, coparticipativo, de modo algum produto de uma mente alienada ou burocratizada.

A força do testemunho era um fator relevante na prática pedagógica de Jesus, que sempre a iniciava com um convite a caminhar juntos, mestre e discípulo. “Jesus faz escola! Seus discípulos chamados a fazer parte de sua missão” (MEIER 2006. p.36).

Aproximando as duas pedagogias, tanto Freire como Jesus salientam a importância da coparticipação compromissada no processo de educar. Jesus a vê como condição primária (atribuída ao chamado a estar com Ele) para que a educação libertadora aconteça.

Essa experiência coparticipada foi vivida praticamente por todos os discípulos seguidores de Jesus. Após se encontrarem e experimentarem a docência humanizadora do Mestre, eles eram capazes de largar tudo, ou seja, o jugo opressor que o sistema ideológico da época lhes havia imposto, fazendo-os se submeterem e acreditarem no que Freire chama de transgressão ética, ao pensarmos o ser humano e sua formação distante da ética: “Não é possível pensar seres humanos longe, sequer, da ética, quanto mais fora dela. Estar longe, ou pior, fora da ética, entre nós, mulheres e homens, é uma transgressão”. (FREIRE, 1996, p. 38)

Para Freire, o sinal de respeito à natureza do ser humano é não colocar o ensino alheio à formação moral do educando, subtraindo a experiência educativa em puro treinamento

técnico e reduzindo o que há de fundamentalmente humano no exercício de educar.

Méier (2006) aponta que Jesus, no seu exercício, também fazia com que as pessoas acreditassem em si mesmas e no poder da vida que pode sempre transcender o momento presente, possibilitando-lhes tomar consciência dessa realidade e, ao mesmo tempo, desalienando suas consciências e promovendo o reconhecimento do poder que carregam em si.

Ainda segundo esse autor, cabe ao educador conscientizar-se de que sua práxis acontece em meio a pessoas muitas vezes alienadas ou marcadas por sentimentos de inferioridade que as oprimem em si mesmas, fruto de uma ideologia social e outra transgressora da ética: “Todo educador, a exemplo da postura do Mestre de Nazaré, encontra-se, muitas vezes, diante de pessoas desacreditadas de si, dos outros, do mundo” (MEIER, 2006, p. 37 -38)

Na passagem bíblica5 que relata o milagre da pesca, Jesus faz o convite a Simão para ser um de seus discípulos, e este se acha indigno de aceitar o chamado, por se ver como pecador 6 diante da pessoa pura e humana de Jesus. Entendemos que a postura de Simão reafirma o complexo de inferioridade que o oprime em si mesmo, fruto talvez de uma ideologia social, cultural, religiosa e outra.

Aproximando as pedagogias de Jesus e Freire, notamos que ambas parecem apontar o caminho da educação como sendo singular e plural, no qual cada ser é desafiado a construir-se na relação com os outros, caracterizando, assim, uma prática educativa que se faz em uma escola que se pensa em pastoral.

Freire, quando diz “Minha voz tem outra semântica, tem outra música. Falo da resistência, da indignação, da justa ira dos traídos e dos enganados” (FREIRE, 1996, p.113), e Jesus, ao falar “vinde a mim todos vós que estais cansados e carregados de fardos (...) tomai sobre vós o meu jugo, pois meu jugo é suave e meu fardo é leve” (BÍBLIA SAGRADA, p. 1724), dão indícios de que o processo educativo nasce da inquietude e da saudável angústia diante da fragilidade humana e do caráter provisório das realidades criadas por parte do educador consciente do exercício de sua prática pautada em valores e na ética.

Méier, referindo-se ao início desse processo educativo na sã inquietude de fazer algo, de contribuir para uma nova configuração social, pontua algumas atribuições ao ato de educar do docente: “(...) Educar é desentranhar, exprimir, liberar e orientar, não falamos em imprimir, formar, pois não se trata de imprimir no educando um suposto molde previamente estabelecido por alguém de fora”. (MEIER, 2006, p. 26)

O autor refere-se ao ato de educar baseado também na metodologia maiêutica7ou questionadora das realidades, que às vezes tendem a oprimir as expressões próprias, autênticas dos educandos. Tal prática explicita traços de uma educação que busca cada vez mais familiaridade e afinidade com a essência humana.

Freire (1996) parece reafirmar o pensamento anterior de Méier (2006), ao apontar que o ensinar é um ato profundo e dinâmico, no qual a identidade cultural que atinge a dimensão individual e a classe dos educandos é essencial à prática educativa progressista8:

5 Bíblia Sagrada tradução da CNBB p. 1796, noEvangelhodeLucas,capítulo5,versículos1-11.6 Entende-se pecador como sendo uma qualidade dequeméfraco,incapaz,alienadoeoprimidoemsimesmo.7 Prática utilizada por Sócrates, por meio dequestionamentosdarealidadeeverdadesprontas.8 Práticaseducativasquepropiciemaoseducandos,em

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A experiência histórica, política, cultural e social dos homens e mulheres jamais pode se dar virgem do conflito entre forças que obstaculizam a busca da assunção de si por parte dos indivíduos e dos grupos e das forças que trabalham em favor daquela assunção. (FREIRE, 1996, p. 58).

Ainda segundo o autor, não respeitar a ascensão individual é ir contra a prática democrática, na qual cada um pode ser mais do que si mesmo.

Jesus também tinha, como um sinal claro de sua prática pedagógica, o aceitar gente das mais extremadas posições sociais em Israel, e, dentro de sua ação, permitia e respeitava a individualidade de cada um: “Sua proposta era construir uma sociedade baseada no respeito e tolerância que traduzisse toda a diversidade social de seu tempo”. (OROFINO, 2002, p. 74).

Jesus via na diversidade a possibilidade de superação das barreiras de gênero, de raça ou de classe. Ele acolhe e conversa com Nicodemos (BÍBLIA SAGRADA, 2002 p. 1846), que era um membro da alta classe judaica; adiante o vemos acolhendo e conversando com uma mulher samaritana9, e, até na escolha dos doze discípulos, são visíveis as diferenças de classe, cultura etc., existentes entre eles.

Como se vê, o movimento que percorremos até o momento reforça que Freire e Jesus reafirmam a importância do compromisso, por parte do educador, em relação à identidade individual e coletiva de cada ser no processo de educação e formação dos educandos.

Acerca desse compromisso, Méier diz que “o educador comprometido com o ato e a atitude de educar percebe nas pessoas uma inquietação existencial profunda em meio às suas buscas e inquietudes cotidianas”. (MEIER, 2006, p.32)

Ainda segundo o autor, essa inquietação refere-se ao desejo de vida com maior sentido e brilho por parte do ser humano, e atentar para tal inquietação é respeitar a cultura e ser fiel a ela e ao pensamento individual e social.

Freire, referindo-se ao ato de educar, mostra-nos que ele não se resume à mera transferência de conhecimentos e à sua assimilação, mas tal ato cria possibilidades para a construção própria do indivíduo e, ainda, desenvolve nele a consciência do seu inacabamento, formando, portanto, um ser aberto a perspectivas de mudança:

Na verdade, o inacabamento do ser ou sua inconclusão é próprio da experiência vital. Onde há vida, há inacabamento (...) gosto de ser gente porque a história em que me faço com os outros e de cuja feitura tomo parte é um tempo de possibilidades e não de determinismo. (FREIRE, 1996, p.58-60).

Jesus também atribui ao homem a corresponsabilidade de assumir-se como sujeito protagonista de sua história pessoal e coletiva, buscando sua inserção social, sentido de existência e não dependendo dos meios e do contexto que o circunda:

Vós sois o sal da terra. Ora se o sal se tornar insosso, com que o salgaremos? Para mais

suasrelações,assumir-secomosersocialehistórico,pensante,comunicante,transformadorerealizadordesonhos,assumindotambém sua identidade cultural.VerFreire, emPedagogia da Autonomia.P.41.9 SegundoaBíblia,osjudeusodiavamossamaritanos,pelofatodeseremumpovoquecultuavaváriosdeusescontráriosàsleisjudaicas,queadotamocultoaumsódeus.

nada serve, senão para ser calcado e pisado pelos homens. Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade sitiada sobre o monte, nem se acende uma lâmpada e se coloca sob um alqueire10 mas na luminária e assim ela brilha para todos os que estão em casa. (BÍBLIA SAGRADA, p. 1711).

De acordo com Méier, entende-se que Jesus não alimenta o pessimismo, mas tem como objetivo fazer uma leitura das condições em que a vida se encontra, para melhor colocar-se a seu serviço: para tanto, é preciso operar o processo de deso-cultação, de fazer ver com outros olhos, libertos de toda alienação. (MEIER, 2006, p. 44).

O autor ainda afirma que Jesus opera com a pedagogia da luz, revelando a verdade, a grandeza e também a degradação do ser; mostra o desejo e a luta pela liberdade e libertação, ou seja, a luz convoca o ser a assumir seu destino. E também, ao atribuir a responsabilidade de ser educador nesse processo, cita: Ser educador é sair de si mesmo e buscar a vida lá onde ela quer e precisa ser encontrada (MEIER, 2006, p. 44).

Inferindo uma aproximação, notamos que Freire (1996), ao referir-se à importância de nos conscientizarmos de que somos inacabados, mas condicionados a fatores sociais, culturais, genéticos que influenciam na prática educativa que conduza à autonomia, parece seguir a mesma linha de pensamento exposta quando Jesus fala sobre o sal da terra e a luz do mundo.

Méier parece pontuar a qualidade de uma educação discutida neste trabalho, pautada em valores cristãos, que culmine na humanização, autonomia e libertação do educando, ao dizer: “afinal, minha presença no mundo não é a de quem a ele se adapta, mas de quem nele se insere. É posição de quem luta para não ser apenas objeto, mas sujeito também da História.” (MEIER, 2006, pg. 63).

Diante do exposto, entendemos que sermos protagonistas de nossa história individual e coletiva vai além de adaptarmo-nos às diferentes situações e contextos que se nos apresentam diariamente; abrange também a forma como nos inserimos nesses contextos.

Se somos cientes de nosso inacabamento, permitimo-nos maior crescimento por meio da experiência nesse processo de participação como veículo de uma construção progressiva de nossa existência. Por outro lado, se alienados, apenas reproduziremos aquilo que Freire chama de produto de uma mente burocratizada que reproduz a mentalidade de um sistema opressor e fatalista.

Ao atribuir responsabilidades ao educador, Méier (2006) afirma que, numa prática pautada em valores cristãos, o mesmo é corresponsável nesse processo de libertação, para que um indivíduo passe de alienado a protagonista de sua própria história. O autor salienta o valor esperança como motivador dessa práxis: “Em contexto de ideologia pós-moderna, que engendrou a morte das utopias e o reino da desesperança e do desencanto, uma primeira tarefa fundamental do educador é colocar-se a serviço da vida, alimentando a esperança e a utopia”. (MEIER, 2006, p.168).

Para Méier (2006), o educador faz parte da corrente esperançosa do mundo, que acredita na possibilidade de o Ser conviver e fazer diferente, que considera importante educar as futuras gerações para o coletivo, para a promoção das diferenças e a defesa da coletividade. Para tanto, requer-se uma educação para o convívio responsável e solidário.

10 SegundoaBíbliaSagradadaCNBB,naantiguidade,“alqueire”significavamóvel(p.1711).

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Defender o paralelo entre as duas pedagogias - da autonomia, de Freire, e da de Jesus - surge da esperança de construir uma práxis que forme o ser mais humano.

A obra de Kein traz uma carta que nos servirá de referencial para clarearmos o objetivo de tal proposta:

Sou sobrevivente de um campo de concentração. Meus olhos viram o que nenhum homem poderia ver: câmaras de gás construídas por engenheiros formados, crianças envenenadas por médicos diplomados, recém-nascidos mortos por enfermeiras treinadas, mulheres e bebês fuzilados e queimados por graduados de colégios e universidades. Assim, tenho minhas suspeitas sobre a educação. Meu pedido é: ajudem seus alunos a tornarem-se mais humanos. Seus esforços nunca deverão produzir monstros treinados ou psicopatas hábeis. Ler, escrever e aritmética só são importantes para fazer nossas crianças mais humanas. (KEIN, 2002, p. 69).

O texto da carta anônima acima chama a atenção, pela indignação, desconforto e desafio, com questões referentes às ações dos docentes. Entre elas, destaca-se o que motivou o uso de termos como formados, diplomados, treinados, graduados e hábeis, indicando o grau e a formação de assassinos e/ ou construtores de instrumentos de morte de Auschwitz.

A frase em que o sobrevivente declara ter suspeitas sobre a educação, o pedido aos professores para que ajudem seus alunos a se tornarem mais humanos e a afirmação de que conhecimentos só são importantes quando fizerem nossas crianças mais humanas (KEIN, 2002, p. 69) são o apelo à gestação de uma humanização com a efetiva participação de educadores e educadoras por meio de uma prática baseada em valores cristãos.

Segundo Oliveira, em nossas atualidades, poder-se-ia dizer que muitos campos de Auschwitz estão ativos e impunes a olhos descobertos, nos mais diferentes pontos do planeta, sob as mais diferentes formas de discriminação e exclusão social, desrespeito à vida, gerando dores, misérias, mortes e a mais absoluta desolação. Essas atividades são:

Alimentadas pela insensibilidade e pela falta de compromisso de muitos, entre eles formados e diplomados, que perderam ou nunca aprenderam a capacidade de perceber o outro e neste se perceber, e, no estar face a face, viabilizar a possibilidade de ser e desenvolver a humanidade. (OLIVEIRA, 2002, p. 64).

Em sua última carta, Freire adverte:

“Se estamos a favor da vida e não da morte, da equidade e não da injustiça, do direito e não do arbítrio, da convivência com o diferente e não de sua negação, não temos outro caminho senão viver plenamente a nossa opção; encarná-la, diminuindo assim a distância entre o que dizemos e o que fazemos”. (FREIRE, 2000, p. 67).

Tal contexto requer e desafia a elaboração de um novo desenho para as ações da prática docente, por meio de projetos, conjugando as disciplinas como ética, filosofia ou cultura religiosa e outras, e objetivando uma práxis mais humana.

Orientados por tais perspectivas, acreditamos ser possível que os docentes tenham menos possibilidades de produzir monstros

treinados e psicopatas hábeis (palavras do sobrevivente de Auschwitz), a serviço da intolerância e discriminação, que geram eliminação do diferente, seja no campo social, cultural, ético ou religioso.

Diante do exposto até o momento, entendemos que formar para a responsabilidade ética, humana, autônoma, livre, além da técnica, é o grande desafio e exigência para os docentes como formadores, na atualidade. É compromisso que desaloja, desafia, move e dá rosto ao exercício formativo.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sabedores de que, atualmente, muito se tem discutido nas esferas educacionais sobre a ausência de valores, como tolerância, paciência, amor, empatia e outros, em salas de aulas e demais espaços educativos, acreditamos ser pertinente o interesse por esta reflexão. Entendemos que os valores também devem ser foco, ainda que de forma subjetiva, de uma educação que promova a autonomia do educando por meio de mudanças nas práticas dos educadores pertencentes a uma escola que se pensa em pastoral.

Para quem assume a tarefa de educador, muitas são as inquietações, interpelações e desafios.

Visualizar a educação como formadora do sujeito pensante e construtor de sua própria história implica quebrar modelos e concepções formadas por educadores sobre a educação ao longo de suas trajetórias como educandos e, posteriormente, educadores.

Propusemos, como Jesus e Freire, uma reflexão sobre a práxis a partir de uma ótica mais humana e promotora da vida, que leve à autonomia e libertação desse ser humano das ideologias fatalistas que o circundam.

A apresentação de Jesus como inspirador para a proposta de educação explanada neste trabalho baseou-se em sua ação humanizadora, no seu modo de valorar o ser humano, sem omitir a co-participação deste ser na sua própria libertação e autonomia, e também sem isentar a responsabilidade cabida à família, à sociedade e às instituições educacionais e governamentais nesse processo libertador por meio da educação.

Ao optarmos pela Pedagogia da Autonomia, de Freire, levamos em consideração que não temos outro caminho senão viver plenamente nossa opção por formar cidadãos que estejam preocupados com o mundo em que vivem, não apenas no plano material, mas também no plano emocional, social e espiritual.

Acreditamos que o indivíduo se completa quando deseja conhecer-se mais, e o plano espiritual não pode ser desconsiderado nesse movimento por uma educação que seja transformadora da sociedade, na busca por valores mais éticos e justos, focos de uma escola em pastoral.

E, ainda que o educador paute a sua práxis em valores cristãos, éticos e morais, tal educação é condicionada a diversos fatores sociais, culturais, institucionais e outros, não isentando, assim, que tal práxis tenha sua consequência na autonomia do indivíduo.

Finalizando, visualizamos que a educação é o processo de efetivação da humanidade em nós, por isso é preciso entender a ação de educar como uma ação formadora, como campo de experimentação de nós mesmos, e não como uma ação meramente instrutora.

Precisamos formar-nos permanentemente, porque o nosso ser

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no mundo é projeto de abertura e, desse modo, é carente de um sentido que experimentamos como acontecimento, mas não possuímos; assim, formar/educar é aprender a realizar, conviver, sonhar, existir e ser. E, aqui, aprender é mais importante do que ensinar, pois a aprendizagem é transformação, é engajamento, é vivência.

Quando aprendemos, já não somos os mesmos e somos mais, pois a aprendizagem se efetiva quando encarnamos o que sabemos, quando agregamos e nos reconhecemos naquilo que aprendemos. E a aprendizagem é saber viver.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BIBLIA. Português. A Bíblia Sagrada. Tradução por CNBB. 1. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2002.

CHALITA, Gabriel. Pedagogia do amor: a contribuição das histórias universais para a formação de valores das novas gerações. São Paulo: Editora Gente, 2003.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática pedagógica. Coleção Leitura. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.

____. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: UNESP, 2000. 134p. FURB, Projeto de autorização do curso de licenciatura em Ciências e Religião, habilitação em ensino Religioso. Blumenau: 1996.

MEIER, Celito. A educação à luz da pedagogia de Jesus de Nazaré. Coleção Educação e Fé. São Paulo: Paulinas, 2006.

OLIVEIRA, Lílian B. de. Apresentação, In: Luiz S. ALVES; Sérgio R. JUNQUEIRA (Org.). Educação religiosa: construção da identidade do ensino religioso e da pastoral escolar. Curitiba: Champagnat, 2002. p. 7-10.

OROFINO, Francisco. Pedagogia de Jesus Freire. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO VERBITA, 1, 2002, Santa Isabel. Anais... Santa Isabel: Santa Isabel Editora, 2002. p. 72-78.

ROMÃO, José Eustáquio. Pedagogias de Paulo Freire. In: In: CONGRESSO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO VERBITA, 1, 2002, Santa Isabel. Anais... Santa Isabel: Santa Isabel Editora, 2002, p. 48- 49.

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BOM PASTOR, O PARADIGMA PARA EVANGELIZAR1

Aluna: Esmeraldina Laurinda da Silva2

Orientador: Hudson Silva Rodrigues3

RESUMO

A idéia de evangelizar é um desafio a ser vencido. E todos que se encontram diante desse desafio procuram qual a melhor forma para alcançar esse objetivo. Nesse artigo falo do Bom Pastor como um paradigma para evangelizar, com o intuito de que nos aproximemos da melhor forma. Portanto, faço alguns questionamentos diante da ação evangelizadora na sociedade contemporânea, como: Como evangelizar numa sociedade que está constantemente em mudança? Esse é um dos grandes desafios. E depois apresento um olhar para o testemunho de vida de Jesus, o ato de perdoar, a sua fé, a esperança e sua relação com os companheiros. Aponto Jesus também como o Bom Pastor que ensina suas ovelhas.

Sabendo do grande desafio, é preciso ter audácia missionária, ter criatividade, não desanimar, apoiar-se e seguir Jesus, manter viva a espiritualidade. E por fim, ter sempre em mente que a melhor forma de evangelizar é pela atitude. E cada atitude depende do momento, da situação, do lugar. É tendo-se esse bom senso que, aos poucos, vai-se desenvolvendo a evangelização de uma forma natural e com exemplos de vida, assim como fez o Bom Pastor.

Palavras-Chave: Evangelizar. Bom Pastor. Desafios.

INTRODUÇÃO

Frequentemente ouvimos e falamos da necessidade desafiadora de evangelizar as pessoas, sejam crianças, jovens, adultas ou idosas, especialmente na sociedade atual. Não nos lembramos, no entanto, de questionar como deve ser esse anúncio.

O mundo contemporâneo nos mostra que as discussões estão voltadas muito para as verdades e implicações das ciências e da política. E isso pressupõe a perda de valores entre as pessoas, pois essas discussões se resumem a números e estatísticas. E assim nos encontramos com o desafio de como anunciar a verdade, o caminho e a vida, o Cristo.

No papel de educadores, somos convictos de que muitos

1 ArtigoapresentadocomorequisitoparaconclusãodeCursodeExtensãoEscolaemPastoralpromovidopelaProvínciaMaristaBrasilCentro-NorteemparceriacomaPUC-PR.2 Pedagoga, Licenciada pela Universidade do Tocantins, PósgraduadaemDocênciaUniversitáriapelaUniversidadeCatólicadeBrasíliaeProfessoradeEnsinoReligiosonoColégioMaristadePalmas–Palmas-TO.3 Teólogo, Licenciado em Língua Portuguesa pelaFaculdadedaTerradeBrasília–FTB,EspecialistaemEnsinoReligioso pela Universidade Católica de Brasília e Analistade Pastoral da Coordenação de Evangelização e Pastoral daProvínciaMaristaBrasilCentro-Norte.

sofrem pela desvalorização, pela falta do encontro com a paz, com o melhor caminho, pela falta do encontro com a vida plena, e a nossa missão é evangelizar. Para isso, precisamos encontrar meios eficazes e eficientes para fortalecer cada vez mais a trilha daqueles que mais precisam.

A verdade deve ser buscada pelo modo que convém à dignidade da pessoa humana e da sua natureza social, isto é, por meio de uma busca livre, com a ajuda do magistério ou do ensino, da comunicação e do diálogo, com os quais os homens dão a conhecer uns aos outros a verdade que encontraram ou julgam ter encontrado, a fim de se ajudarem mutuamente. (CNBB, 1999, p. 40).

Referindo-se a meios, pensamos em metodologias para tentar vencer esse desafio de cumprir com a missão, anunciando a verdade e apresentando a beleza que é acreditar nos valores que fazem verdadeiramente a vida e vida plena. É entender que é preciso um exemplo, e Jesus é o exemplo maior; é conhecer seu testemunho como Bom Pastor, seu exemplo de vida; é entender como ser uma Boa Ovelha, como evangelizar; enfim, perceber que evangelizar é uma missão e que ser Bom Pastor é uma questão, não de opção, mas de necessidade ética.

1. A AÇÃO EVANGELIZADORA NA SOCIEDADE

A ação evangelizadora no desejo de prolongar a prática de Jesus como um modelo de inculturação assume o compromisso de defender a vida em qualquer que seja a circunstância. É vivendo e assumindo a missão de Jesus para servir ao Reino de Deus, é anunciando e testemunhando a Boa Nova da vida que se promove a ação evangelizadora.

Fazendo memória da pessoa de Jesus, sabemos de um Jesus humano, que sente o que o outro sente, é exigente com o que é do Pai, faz tudo pela salvação dos mais necessitados, é justo, acolhe as pessoas, principalmente nos momentos de desespero, que ensina com sabedoria; enfim, um homem perfeito. Evangelizar, portanto, é chegar pelo menos próximo de uma perfeição.

O campo de trabalho para a ação evangelizadora é amplo, pois podemos agir na área da saúde, nos grupos de 3ª idade, na família, na igreja; e um dos espaços mais amplos é o da educação, em que é possível encontrar crianças, jovens e adultos com o fim de aprender. Eis, então, a oportunidade para ensinar. Isso favorece, às vezes, até como um meio para evangelizar.

Como compreender e assumir a missão de Jesus? Como evangelizar numa sociedade que está constantemente em mudança? Esse é um dos grandes desafios.

As transformações acontecem com intensidade; a velocidade das mudanças não permitem, muitas vezes, uma metodologia de ensino se firmar. O mundo sempre evoluiu, mas este em que vivemos passa veloz, não havendo tempo para a essência das coisas. Além de ser veloz, também vem em grande quantidade, ou seja, em todos os aspectos: familiar, pessoal, educacional, tecnológico, profissional. Nada espera ou a nada se condiciona, por causa do seu ritmo ou princípios. Tudo isso acaba implicando os princípios éticos, a base das formações, a educação. E a tendência é ver cada pessoa como diferente e jamais como semelhante, como concorrente e jamais como parceiro. Por isso, a missão de evangelizar, ao mesmo tempo em que é desafiadora, traz consigo a riqueza da diversidade, dos fenômenos, das culturas, da globalização. Elementos de estudo,

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de pesquisa, que despertam curiosidade nas pessoas, que trazem incertezas, que contradizem princípios milenares, tudo isso é desafio, mas também motivo para encontros, estudos, diálogos, tornando-se meio para a evangelização.

São abrangentes os desafios diante da ação evangelizadora. Assume-se o batismo como um compromisso cristão, um chamado e uma missão junto à igreja, onde se encontra a base da história cristã, e agora com um olhar voltado para a realidade, não dissociando Igreja-Reino–Mundo. Sabe-se que o reino não está somente na igreja; as pessoas estão em toda parte, e o reino de Deus deve acontecer em todos os lugares, entre homens, mulheres, crianças, leigos ou não. Sendo assim, é preciso concretude na missão, relacionamento, encontros de inserção no mundo, seja entre os ministérios ordenados ou não.

Evangelizar sempre foi uma preocupação dos cristãos: fazer bem feito, com detalhes, estar disponível, estudar bem a Bíblia e ensiná-la aos que não a conhecem, entender as expressões de exigências, cumprir mandamentos.

Existem inúmeros caminhos para se evangelizar: em casa, entre familiares; no trabalho, com os companheiros; buscando pessoas de casa em casa; por meio de teatro, música, mural, festas, jogos evangélicos; também por e-mails, cartas, panfletos, artigos, jornais, encontros e outros.

Hoje, tem-se que apresentar novidade no que se vai contar, é preciso preocupar-se em administrar as tradições religiosas absorvidas pelo culto a uma pastoral de evangelização explícita e decididamente missionária. E, para tanto, são necessários sinais vivos, fortes e claros de Jesus. É preciso empolgar-se, animar-se, levar o ato missionário a sério. Deixar de ser apenas um frequentador de igreja ou grupo pastoral e praticar a ação por onde passar. Uma das novidades é poder envolver o leigo cada vez mais como protagonista. O leigo deve sentir-se chamado, deve qualificar-se e assumir multiplicadores de serviços.

Com esse empenho e com a pretensão de formar multiplicadores de missionários de Jesus, podemos cada vez mais contemplar o serviço de Deus e dos irmãos na humanidade. E, ainda, é preciso que o missionário carregue uma sólida espiritualidade, que possa ajudar a ser coerente e testemunhar o filho de Deus.

A ação evangelizadora deve comprometer-se com a proposta de Jesus missionário, pastor, que defende a vida em todas as suas circunstâncias, desde o momento do nascimento à sua permanência por onde for - na família, na escola, no trabalho, nas festas, nas dores; enfim, o ser pastor deve estar atento a todo instante, não se esquecendo do testemunho da sua vida.

2. JESUS é TESTEMUNHO DE VIDA

Diante de tantas lições que podemos ver em Jesus, a maior é, sem dúvida, o exemplo de vida que ele nos deixou, mostrando-nos com suas atitudes. Ele não só falava, mas fazia, segundo o Evangelho de Marcos. E, dentre esses exemplos, como testemunha, podemos dizer alguns que são muito fortes e importantes para a vida de um Bom Pastor, especialmente em sua conduta em uma Escola:

2.1 O ato de perdoar: perdoar a quem feriu, quem traiu. O ato de perdoar não é fácil, requer experimento para que se sinta o seu valor. A abertura para essa experiência, dificilmente podemos encontrar, no entanto é necessária, pois, com o perdão, o coração recebe o direito de libertar-se de ressentimentos que armazenam o que podemos chamar de “lixo”. Com o perdão, um Bom Pastor pode construir pontes para a paz interior. Poderá até não esquecer quem

feriu, mas afasta a dor que sente quando lembra o ferimento.

2.2 A fé: mesmo diante das dificuldades, manter-se seguro ao Pai e superar seus limites. A fé que Jesus manteve era sublime, era firme. Nunca duvidou da presença e do amor do Pai. Tinha discernimento e sentia o amor divino, não pessoalmente, mas puramente espiritual de Deus. Quando interrogou, foi como interrogar o próprio Deus: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mc 15,34). Ou por que abandona-te a ti mesmo?

2.3 A esperança: a diversidade existe e, conforme o tempo vai passando, ela aumenta e faz com que a esperança das pessoas fique comprometida. Jesus também viveu em tempo de crise e de turbulências históricas, como o domínio do império romano, a crise do templo em Jerusalém, dentre outras, mas nunca pensou em desistir, parar de lutar, transferir a responsabilidade que o Pai lhe concedeu para outros. Ele foi até o fim.

A esperança cristã é a esperança na plenificação universal, mas ela também não é ingênua. O que faz com que diminua esta contra-esperança é a experiência da gratuidade. (SOBRINO, 1976, p.399).

2.4 Os companheiros: o trabalho dividido, o passar para os outros o que realmente tem que fazer, não fazê-lo sozinho, buscar ajuda junto aos outros. Os doze apóstolos são exemplos de companheiros que aprenderam com Jesus e foram treinados por ele. Mesmo eles demonstrando, em alguns momentos, que nada tinham entendido, ele os enviou para que fossem suas testemunhas em nome do Pai, e inspirados e iluminados pelo paráclito.

Enfim, são muitos os exemplos de vida de Jesus que um Bom Pastor pode carregar em seu alforje, na sua missão, para que não se perca e não mude o foco principal, que é ser uma referência de Bom Pastor.

3. JESUS é O BOM PASTOR

No Evangelho de João 10, 11-18, Jesus diz: “Eu sou o Bom Pastor, aquele que dá a vida pelas ovelhas”. Eis o verdadeiro sinal de zelo com aquilo que é do Pai. O cuidado de correr e buscar, mesmo quando não está bem, não cabe somente à ovelha que caminha rápido, mas também àquelas que ainda não encontraram o caminho, que se perderam.

Com seu exemplo de vida, Jesus indica, com sinais visíveis, que um Bom Pastor deve dedicar-se ao seu rebanho com docilidade e atenção. Ele cuida de seu rebanho como único e precioso, com a responsabilidade que lhe foi concedida. Não busca um sucesso pessoal com vaidade, zela para que todos caminhem juntos. O Bom Pastor ensina suas ovelhas e alerta-as de que não o terão por todo o tempo; precisam caminhar, pois existem outros rebanhos.

Essa valiosa missão requer ainda um pastor que revele o nome do Pai, o verdadeiro Pastor.

4. PARA SER BOM PASTOR é PRECISO SER BOA OVELHA

Faz-se necessário ressaltar a importância de um Pastor (aqui entendido como líder) que dê exemplo. Isso nem sempre acontece, e, nesse caso, a condição de ser bom sofre alteração: talvez fique só Pastor, ou só líder, e não um bom líder.

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É notório que o caminho de ser além de Pastor, ser bom é muito mais difícil. E o caminho mais difícil é o de ser exemplo de serviço, de humildade, de amor e deixar que esse exemplo sirva de influência e inspiração para outros. Essa responsabilidade é sempre maior naquele que está à frente de algum grupo (coordenações, sala de aula, familiares, igreja, comunidades).

Quando se fala em exemplo, é também bom lembrar que se precisa de uma referência de exemplo, e aqui nos reportamos às características de Jesus, o Bom Pastor, às suas técnicas, ao comportamento, ao perdão, à esperança, dentre outras.

O exemplo de um bom líder pode ser o que apresenta coerência em defender e viver os valores de equipe. São também marcas exemplares: a assiduidade, o planejamento, a disposição para servir, a valorização do ser humano, a organização, a busca constante de inovação, a pontualidade e outras.

Ser honesto, confiável, cuidadoso, comprometido, bom ouvinte, mantém as pessoas responsáveis, trata as pessoas com respeito, incentiva as pessoas, gosta das pessoas, tem paciência, bondade, humildade, compromisso. (HUNTER, 2004, p.78).

O maior exemplo talvez seja reconhecer que o melhor exemplo pode não ser o líder, pois ele também está em constante aprendizado e se apresenta como aprendiz , um Pastor que também é ovelha.

5. EVANGELIZAR

Evangelizar passa pela dimensão do testemunho de forma organizada, que possa expressar a boa nova (a novidade), a vida eterna, plena. E ser testemunho não é somente falar da boa nova, mas expressar, por meio das atitudes, desde as pequenas às grandes decisões. Além de falar, é preciso agir. Expressar é também caminhar junto, levar vida às pessoas, favorecer bons relacionamentos, saber ouvir, não fomentar rivalidades e debates impulsivos, mas sim, o amor, a compreensão, o diálogo.

Um Bom Pastor precisa, além de impressionar, também impactar, para alcançar a evangelização, estar com as pessoas, senti-las, sonhar com as mesmas, de forma que faça realmente diferença. Não uma diferença que chame a atenção para si, mas uma diferença para a vida, a vida plena.

É uma tarefa desafiante. Expressar aos outros a boa notícia de Deus exige responsabilidade e seriedade; às vezes parece simples, mas é delicado. É preciso conhecer e saber defender a verdade com convicção. O interesse deve ser de adesão e não de conversão.

Evangelizar é dispor-se para tais desafios, sem esperar uma resposta imediata; é como a vida de um bebê: vai crescendo aos poucos. É preciso atuar com organização e juntar-se a muitos, para não padecer; ter convicção; ouvir o despertar de Deus no coração e, com fé, comprometer-se e agir.

6. COMO VENCER O DESAFIO DE EVANGELIZAR

O desafio geralmente assusta, mas, em contrapartida, podemos apresentar vontade e razão (o objetivo). A maior razão é a missão de evangelizar (mostrar o Cristo da fé e não parar no Jesus histórico), e a vontade passa pelo amor à vida.

Basta agir eficazmente. Sentir-se capaz, desenvolver suas potencialidades, acreditar nas possibilidades, não temer diante dos projetos propostos, sejam pessoais ou institucionais.

Quando se fala em evangelizar, há quem pense que só pastores, irmãos, missionários ou pessoas ligadas à igreja é que podem e devem fazê-lo. Mas, quando Jesus diz,em Marcos 16,15: “Ide pelo mundo e pregai o evangelho a toda criatura”, vale para todos os discípulos, portanto para todos os que acreditam na “novidade”. Todos precisam sentir-se responsáveis por essa missão: pai, mãe, professor, jovem, adolescente, adulto, idoso. E quem precisa ser evangelizado é todo aquele com quem nos encontramos, o nosso próximo.

Sabendo do grande desafio, é preciso ter audácia missionária, ter criatividade, não desanimar, apoiar-se e seguir Jesus, manter viva a espiritualidade, ter um caráter de missão e agir como o Bom Pastor.

7. CONCLUSÃO

Concluir estas reflexões é sentir ainda mais inquietude diante da missão de evangelizar. A consciência deixa clara a realidade que traz mais responsabilidade, ao lembrar: “Ide e anuncia” Mc 16,15.

Então, a primeira etapa é evangelizar a si próprio, ou deixar-se evangelizar, e, depois, criar estratégias eficazes para fazer o anúncio. Esse anúncio da “boa nova” é mais do que falar de Jesus a alguém. É testemunhar com as atitudes, de forma que elas transpareçam naturalmente através do amor, da vivência, da convivência, dos encontros, das músicas, dos programas diversos, das orações, das aulas, do diálogo; enfim, por meio da vida no dia a dia.

Outra responsabidiade é a de anunciar a boa nova como “nova”, ou seja, com entusiasmo, com alegria, com comprometimento, convicção e perseverança, lembrando a contemporaneidade.

Por fim, ter sempre em mente que a melhor forma de evangelizar é pela atitude, pelo exemplo, e o exemplo que deve ser apontado como primeiro é o do Bom Pastor, aquele que cuida, que age, que percebe o que acontece ao redor e não fica esperando, vai em busca, ensina, acompanha, acredita. Cada atitude depende do momento, da situação, do lugar. Assim como, em muitos momentos, a melhor atitude é falar, em outros, pode-se cantar, dançar, escrever, ler, ouvir, silenciar. É preciso respeito ao tempo de cada pessoa; enquanto para uma é melhor falar, para outra é preferível ouvir. É tendo-se esse bom senso que, aos poucos, vai-se desenvolvendo a evangelização de uma forma natural e com exemplos de vida, assim como fez o Bom Pastor.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BÍBLIA. A Bíblia Sagrada. 81 ed. São Paulo: Editora Ave Maria, 1992. P.1343 -1344; p.1398.

CNBB, Dignitatis Humanae, 3. Missão e ministérios dos cristãos leigos e leigas. Itaici, SP, 1999. p 40.

HUNTER, James C. O monge e o executivo: uma história sobre a essência da liderança. Rio de Janeiro: Sextante, 2004. p.78

SOBRINO, Jon. Cristologia a partir da América Latina. Petrópolis, RJ: Vozes, 1976. p.399.

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JUVENTUDE: CELEIRO DO DIVINO E DAS UTOPIAS1

Autora: Janaína Dantas Sales2

Orientador: Aldemir Inácio Azevedo3

RESUMO

Este artigo objetiva analisar a fase que divide a infância da idade adulta, percebendo nela tudo que há de mais belo e bonito, e, sobretudo, analisar os indivíduos nessa faixa como seres puramente teologais, encharcados de vitalidade e sonhos, ousadias e compromissos. A proposta é desmistificar algumas opiniões e valores que são neles depositados, que por muitas vezes subestimam sua capacidade crítica. Tem-se como proposta apresentar um itinerário que pode ser vivenciado pela juventude, para ajudar na sua educação integral, ou seja, fazer com que ela seja educada por inteiro.

PALAVRAS-CHAVE: Juventude, Grupo, Processo, Seguimento, Protagonismo.

INTRODUÇÃO

O jovem é chamado a responder às demandas propostas por uma sociedade que, ao passo que caminha, exige, de forma avassaladora, algo no qual ele ainda é imaturo para dispor. Uma sociedade meramente consumista, em que o “ter” muitas das vezes se sobressai ao “ser”, faz com que esses iniciantes na vida “produtiva” sintam dificuldade em estruturar-se e adaptar-se a tal realidade. É válido ressaltar que os jovens da atualidade sentem a necessidade de se tornarem adultos mais rapidamente que outrora. Isso lhes permite ter certa segurança sobre o que de fato são, uma vez que o jovem é considerado indivíduo sem responsabilidades e, portanto, não visto com bons olhos. O que a juventude precisa é de instrumentos que lhe possibilitem ter autonomia diante das situações, tornando-se protagonista do novo tempo, construtora de uma nova sociedade.

Acreditar na juventude é devolver a dignidade que, por várias expressões que usamos em relação a ela, acabamos retirando. Se isso não acontece, ela é induzida a responder a tais urgências das mais variadas formas, dependendo do contexto em que está inserida, bem como das possibilidades que lhe são postas.

Este artigo não tem como objetivo trazer respostas prontas, nem fazer com que os argumentos e ideias aqui expostos sejam adotados como verdade, mas instigar os leitores e as leitoras para um possível alargamento nas discussões em vários espaços, sobretudo nas instâncias que trabalham com famílias e com grupos juvenis, nas diversas realidades e expressões.

A fim de cumprir o objetivo proposto acima, o presente texto, além desta breve introdução, está assim organizado: na segunda parte, apresenta-se um apanhado sobre a realidade da juventude brasileira, onde ela está inserida e de quem se trata, a fim de conhecê-la e deixar-se enamorar por ela. É nessa

1 ArtigoapresentadocomorequisitoparaconclusãodeCursodeExtensãoEscolaemPastoralpromovidopelaProvínciaMaristaBrasilCentro-NorteemparceriacomaPUC-PR.2 GraduandadocursodeServiçoSocial,pelaFACEX/RN.AgentedePastoraldoColégioMaristadeNatal.3 Teólogo pelo Instituto Marista de CiênciasHumanas-IMACH,GraduadoemCiênciasSociais,MestreemDesenvolvimento Social e Doutorando em DesenvolvimentoSustentável.

parte que é descrita a faixa etária que abarca tal momento, percebendo-se que ele se confunde com a adolescência, por isso utilizaremos o termo: adolescência/juventude. Na terceira parte, busca-se apontar algumas necessidades que a juventude tem de estar em grupo, sinalizando o crescimento significativo dos grupos juvenis existentes nas comunidades eclesiais e nas escolas. Na quarta parte, é destacada uma novidade antiga de seguimento: Jesus Cristo, o mestre de Nazaré, para que O apresentemos aos meninos e meninas como referência de vida. Na quinta parte, é momento de descobrir o jeito com que os jovens Maristas desenvolvem seu processo de educação na fé. Por fim, encerra-se este trabalho, tecendo-se algumas considerações sobre os desafios de se cuidar dessa meninada; de se perceber que devemos acreditar na juventude, que é semente do novo e que tanto grita por dignidade, e que acredita na força do amor, da tolerância e da diversidade.

2. JUVENTUDE BRASILEIRA: QUEM é E ONDE ESTÁ?

É importante termos claro que analisar a juventude não é uma tarefa fácil. Isso porque não é possível se ter uma precisão a respeito da mesma. A discussão inicial se dá em relação à faixa etária que a compreende. Para a ONU, trata-se da fase entre quinze e vinte e quatro anos de idade. Aqui no Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece para a fase da adolescência a faixa etária dos doze aos dezoito anos. Para o Conselho Nacional de Juventude (CONJUVE), que trata das Políticas Públicas, a faixa que abrange a juventude é a idade de quinze aos vinte e nove anos. Aqui nos cabe abarcar tanto a adolescência quanto a juventude, por se tratarem de faixas etárias imprecisas, que variam de acordo com o grau de desenvolvimento e as oportunidades que são dadas a cada indivíduo.

Podemos dizer que a adolescência/juventude é a idade do indivíduo em crescimento, vivendo em uma etapa de transição, momento da descoberta do próprio corpo e de si mesmo. É também a hora de afirmar sua identidade. Libanio considera que:

A tendência é prolongar tal período por razões desde econômicas até demográficas. Ao viver-se numa sociedade fundada na desigualdade e na explosão, os olhos sobre o jovem são de desconfiança, embora não verbalizada. (...) Por isso, atravessa essa idade certa angústia de ser ao mesmo tempo apta e inepta para a vida social. (LIBANIO, 2009, p. 13).

Sociologicamente, a adolescência/juventude é um grupo social, com suas peculiaridades de quem não é mais criança, mas também não chegou ainda ao período de responsabilidade própria do adulto. Sendo assim, encontramos jovens em diversos setores, de acordo com as condições socioeconômicas ou culturais em que vivem. São eles: da roça ou do campo; estudantes; operários-trabalhadores; universitários; indígenas; em situações críticas; dependentes de drogas; que delinquem; que se prostituem; que vivem na rua; homossexuais; soropositivos e doentes de AIDS; portadores de deficiências. Tratando-se de vulnerabilidade, é provável existirem outros setores com realidades diversas. Também, com os tempos modernos, surgiram várias realidades que a cada dia ganham visibilidade e extensão em meio à sociedade, como as mães solteiras, os jovens encarcerados e as vítimas de abusos diversos.

Na atualidade, os estudiosos que se dedicam à causa juvenil preferem tratar tal fenômeno definindo-o como “Juventudes”,

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como uma forma de abarcar as diversas realidades existentes.

Para a Igreja, a adolescência/juventude possui traços muito característicos, como está escrito nas conclusões da Conferência de Puebla:

Ao perceberem que não são tomados a sério, os jovens se lançam por diversos caminhos: ou são perseguidos por diversas ideologias, especialmente as radicalizadas, já que, sendo sensíveis às mesmas por seu idealismo natural, nem sempre têm a suficiente preparação para o claro discernimento, ou mostram-se indiferentes para com o sistema vigente ou se acomodam a ele com dificuldade e perdem a capacidade dinamizadora. (PUEBLA, 1979, n. 1170).

Para os jovens, a vulnerabilidade social se dá, sobretudo, pelas precárias condições de ensino. As escolas públicas não atendem às necessidades básicas, acarretando o despreparo intelectual dos estudantes. Em consequência disso, o medo de não conseguir inserção no mercado de trabalho é muito frequente entre eles. Essa camada da sociedade muitas vezes é vista com olhos desconfiados, uma vez que vive à margem e não tem sua dignidade garantida.

Diante de tamanha disparidade societária em que vivemos, podemos destacar um fator comum que existe em meio às juventudes. Trata-se da variedade de comportamentos, gerada pelo sistema econômico-social em que nosso país está inserido. A intenção aqui não é argumentar desfavoravelmente ao sistema capitalista, mas apontá-lo como o gerador da conjuntura injusta em que vivemos, com vistas a facilitar o nosso entendimento acerca do fenômeno juvenil.

3. O GRUPO é O LUGAR DA FELICIDADE DO JOVEM

Por diversas vezes, os pais, os adultos de um modo geral se perguntam: por que esses meninos gostam tanto de estar em rodas de conversa no meio da rua ou na esquina? O que tanto eles tratam? Ou ainda: O que essa menina vive fazendo na Igreja? Por que ela faz questão de estar no grupo de jovens?

A resposta é simples. O jovem não gosta de estar só. Ele vive alucinadamente o desejo de estar agrupado, seja simplesmente para ir a uma festa ou para conversar sobre assuntos como família, solidariedade, sexualidade, amizade, futuro. Ele não suporta a ideia de passar um fim de semana inteiro sem fazer nada, mesmo que esse “fazer nada” se refira a ficar na internet, apreciando as invenções da informática. Aliás, é válido dizer que, mesmo a nossa sociedade vivendo a era da internet, à qual, indiretamente, os sites de relacionamento (Orkut) chegam com a intenção de substituir esse processo grupal, nunca se viu tanta procura de vivência em grupo por parte dos jovens como atualmente.

É perceptível o crescente engajamento da juventude nos espaços eclesiais, proveniente da necessidade que a meninada tem de encontrar aconchego, fazendo com que tais espaços tenham um significado marcante na vida e na história de tantos. A Igreja Católica reconhece a importância dessas vivências quando diz:

Em nossa Igreja há uma presença significativa de jovens em vários setores da vida eclesial: nas comunidades eclesiais de base e nas paróquias, participando das equipes de

liturgia e de canto, atuando como catequistas, em diversas pastorais. Estão presentes também nas pastorais da juventude, nos movimentos eclesiais, nas novas comunidades e nas diferentes iniciativas promovidas pelas congregações religiosas e institutos seculares. (Doc. 85, CNBB, 2007, n. 47).

Em contrapartida, faz-se necessário que a Igreja pense em algumas mudanças de postura, como instituição, para assim conseguir acompanhar as novas demandas. Libanio ressalta que

Já não se torna possível a política do avestruz. Não se defende nem se protege alguém, isolando-o do mundo. Isso já não é cabível nem nos noviciados mais fechados da vida consagrada, muito menos para os jovens imersos na sociedade de hoje. A única defesa é a formação de uma consciência cristã crítica, tranquila e lúcida. (LIBANIO, 2004, p.91).

Tomemos como objeto de estudo os diversos grupos de jovens espalhados nas paróquias de todo o Brasil, observando neles várias realidades ofertadas. Logo, teremos fortemente a certeza de que tais espaços têm a ver com alegria e amizade. É onde acontece a descoberta da afetividade, do amor partilhado, e por que não dizer: da felicidade (no sentido mais amplo da palavra). Quando falamos de “descobertas”, é cabível ressaltar que é nessa fase que o individuo se percebe, se encontra, amadurece, experimenta. É ali que o vínculo afetivo se evidencia, favorecendo belas amizades, que podemos até citar como ‘realidade divina’, algo que surge no cotidiano, totalmente gratuito, que chega e garante o seu lugar. “É por meio dela que saímos de nós mesmos e deixamos que o outro, a outra, penetre em nossos porões interiores”. (DICK, 2004, p. 39).

Outro sentimento que brota explosivamente do coração da juventude é que a vida deve ser sempre uma festa. A alegria é um aspecto fundamental que deve transbordar de todos os cristãos, e “onde há juventude há alegria e celebração” (DICK, 2004, p. 44). “Pode-se dizer, até, que ele - o jovem é festa. Ele vive tanta novidade que seria anormal não querer encontrar-se para rir, cantar e dançar”. (DICK, 2004, p. 50).

Observar a juventude por todos esses ângulos nos faz reconhecer que Deus se manifesta a partir dela da forma que é, pois se trata de uma realidade teológica, ou seja, observá-la é observar o sagrado existente em cada rosto juvenil, sentindo a presença do Pai que é semente dentro dela. O jovem é um ser místico quando se torna um espaço divino, onde Deus se manifesta em sua riqueza infinita. E o grupo é o lugar privilegiado para que o jovem perceba que o Deus da juventude é real e tem um rosto juvenil, como bem descreve Jorge Trevisol em sua canção: “O rosto de Deus é jovem também e o sonho mais lindo é ele quem tem. Deus não envelhece, tampouco morreu, continua vivo no povo que é seu. Se a juventude viesse a faltar, o rosto de Deus iria mudar”. Sobre isso, o Papa Bento XVI, em seu discurso aos jovens, por ocasião da Conferência de Aparecida, em 2007, disse: “Sem o rosto jovem, a Igreja se apresentaria desfigurada”. Tudo isso sinaliza a importante relevância dada à juventude.

O adolescente/jovem também tem sua opinião espontânea e crítica no que se diz respeito à Igreja:

(...) a Igreja não pode assumir-se em ser “sacramentalista”, mas que ela é chamada a ser comunidade. O que a juventude sonha é uma Igreja que celebra a vida, que seja um povo

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de irmãos, que seja comunhão e participação, que tenha preferência pelos pobres, que seja profética e libertadora, que seja solidária e evangelizadora, que seja capaz de confiar e desafiar, isto é, que seja comunitária. (DICK, 2004, p.52).

Por isso, quando ele (o jovem) experimenta a vivência grupal de forma apaixonante, sente-se fortemente chamado a intervir na sociedade de forma apostólica, sobretudo no que diz respeito a promover a dignidade daqueles que têm seus direitos corrompidos. O jovem é sensível à realidade social, por se tratar da vítima primeira do sistema excludente em que vivemos.

Aos poucos, começamos a perceber que essa juventude se sente capaz. O desejo de ser protagonista da própria história deixa de ser algo ilusório. É bonito enxergar o rosto daqueles (as) que se dedicam a “um outro mundo possível” e que sentem o desejo de construir uma nova civilização. Não como algo utópico – no sentido de impossibilidade -, mas como algo desejável, muito bem expresso na canção composta por Gonzaguinha: “Eu vou à luta com essa juventude que não corre da raia a troco de nada. Eu vou no bloco dessa mocidade que não está na saudade e constrói a manhã desejada.”

4. SEGUIR JESUS PARA FICAR COM ELE

Os jovens buscam incansavelmente por “modelos” e “referências”. É bem verdade que nossa sociedade apresenta alguns “stars” que surgem na perspectiva de atingir o ápice da fama, mas que, de modo descartável, logo desaparecem, dando lugar a outros e, consecutivamente, outros ídolos.

Ao despedir-se da infância, momento de reforço do egocentrismo, que não põe em questão o próprio centro de si, o adolescente sente a necessidade de encontrar modelos. Entra em jogo o papel do herói com que ele se esforça por identificar-se. (LIBANIO 2004, p.25).

Tal inversão de valores, forjada pela sociedade de consumo em que vivemos, parece ser uma grande oportunidade para apresentar Jesus Cristo aos adolescentes e jovens, dando espaço para o processo de evangelização. Seguir Jesus parece ser algo fascinante, porém é preciso apresentá-lo de forma mais concisa e real. “Devemos apresentar Jesus de Nazaré compartilhando a vida, as esperanças e as angústias do seu povo.” (cf. PUEBLA, nº 176).

Aparentemente, enxergamos no itinerário mais fortemente a presença do mestre (no caso do cristianismo: Jesus), no entanto é preciso perceber que o mestre nada mais é que uma seta apontando um caminho. Jesus não veio autopromover-se nem tinha como principal objetivo falar si, mas apontar um Novo Reino de paz e justiça, necessidade tão urgente para a sociedade daquela época e que se estende até os dias atuais. Dessa forma, Jesus cumpria sua missão, que era “fazer a vontade do Pai”. (Jo 6,38).

O jovem, como todo cristão, é convidado a seguir Jesus, o que significa imitar Seu exemplo e ter a Sua vida dentro de si. Essa última exigência trata-se de viver a mística do seguimento como fruto da ação do Espírito Santo, por Ele deixado como consolador, após sua ressurreição e partida para junto do Pai. O chamado se dá de forma nominal e intransferível, assim como a resposta a esse chamado. O difícil é escutar a voz de Cristo em meio a tantas outras vozes, por isso o grupo de jovens aparece

como um meio canalizador de contato entre Jesus e os seus. A formação comunitária é um grande passo para que haja o diálogo entre ambos. Os coordenadores e/ou responsáveis pelos grupos devem promover espaços de vivência e partilha, pois, na maioria das vezes, o encontro semanal e as ações solidárias promovidas pelo grupo são os únicos momentos que os jovens dedicam à intimidade com o Pai. Também o contato pessoal com Deus não é algo abstrato; acontece de forma viva e dinâmica (assim como a Trindade Santa) por meio da “(...) oração pessoal, o diálogo ecumênico e religioso, o cotidiano da vida (escola, bairro, trabalho, família...), as artes (música, teatro, dança...) e toda a criação, numa relação harmoniosa com as criaturas”. (Doc. 85, CNBB, 2007, n. 64).

5. PASTORAL JUVENIL MARISTA – SEGUIR JESUS NOS PASSOS DE CHAMPAGNAT

As congregações religiosas, inspiradas em seus fundadores, muito contribuem para que aconteça o processo de educação de seus educandos na fé. Nos dias atuais, cresce a necessidade de se desenvolver um trabalho pastoral-pedagógico que estimule na juventude atitudes como autonomia, responsabilidade e, sobretudo, solidariedade.

Marcelino José Bento Champagnat (fundador da Congregação Marista), sensível aos apelos de seu tempo (período que compreende a Revolução Francesa), manifestou o desejo de ir onde os jovens estavam: “vamos aos jovens lá onde eles estão. Vamos com ousadia aos ambientes, talvez inexplorados, onde a espera de Cristo se revela na pobreza material e espiritual”. (Constituições, nº 83). É bem verdade que, com o passar do tempo, tal prática se torna mais eficaz, devido às diversas formas de organização e estruturação por parte da Instituição Marista. O desejo de Champagnat de estimular os jovens a serem “bons cristãos e virtuosos cidadãos” se torna algo cada vez mais real, como observamos:

“Educamos, sobretudo, sendo presença junto às crianças e aos jovens, demonstrando-lhes que nos preocupamos com eles e estamos atentos às suas necessidades. Dedicamos-lhes o nosso tempo, além das relações meramente profissionais, buscando conhecer cada um pessoalmente. Individualmente, e como grupo de educadores, estabelecemos com eles um relacionamento baseado no amor, que crie um clima favorável à aprendizagem, à educação dos valores e ao seu desenvolvimento pessoal”. (MISSÃO EDUCATIVA MARISTA, n. 99).

Fomentar, em todas as unidades Maristas, grupos juvenis que favoreçam a desenvolvimento pessoal é algo que faz parte da concretização do sonho de Champagnat. Vale ressaltar aqui que não se trata apenas de desenvolver uma cultura de humanização. Não que isso não seja importante, mas é preciso, sobretudo, despertar nos meninos e meninas um processo sadio e integral de evangelização. Em alguns momentos, temos a impressão de que se trata da mesma coisa, o que não é. “Evangelização é o anúncio da Boa Nova do Reino e do amor do Pai, manifestado em Jesus Cristo morto e ressuscitado, para nossa salvação” (FUENTES, 2008, p.21). A humanização faz parte da evangelização, como um excelente ponto de partida.

De fato, é bastante evidenciado que os grupos juvenis que surgem no seio das escolas encontram algumas aberturas que não percebemos quando tratamos dos grupos eclesiais. Segundo Libanio, isso se dá uma vez que “a espiritualidade, o carisma do fundador, a organização oferecem estrutura estável

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na qual os grupos se apoiam.” (LIBANIO, 2004, p. 198). Para tanto, evidenciaremos aqui o trabalho desenvolvido juntos aos adolescentes e jovens nas unidades Maristas, o qual atualmente recebe o nome de Pastoral Juvenil Marista (PJM).

A PJM surge como um agente canalizador que ajuda os adolescentes e jovens a encontrarem o caminho de seguimento de Jesus, como apresenta o seu Marco Referencial:

A PJM é, assim, uma experiência marista que se insere no universo maior da evangelização juvenil, em consonância com a Igreja do Brasil e da América Latina. É uma opção do Instituto Marista, fundamentada no carisma recebido por São Marcelino Champagnat de, pela educação, tornar Jesus Cristo conhecido e amado, especialmente entre as crianças e jovens. (D NACIONAIS DA PJM, 2006).

A PJM, em seu processo, inspira-se nas vivências das Pastorais da Juventude do Brasil, ao destacar a formação integral, que tem como objetivo fundamental considerar a pessoa humana em sua totalidade. No caso da adolescência/juventude, tal procedimento se faz necessário, uma vez que é nessa fase que acontecem as transformações biológicas, socioculturais, psicológicas, entre outras, a transformação teológica.

Quando pensamos em processo, temos claramente a noção de movimento, caminho, percurso. Assim, esse é um itinerário que vai sendo construído, juntamente com a história; e, tratando-se de processo de educação na fé, a tendência é perceber-se a estagnação ou crescimento de cada individuo, na medida em que ele se relaciona com o meio, em destaque com o grupo juvenil. A PJM aparece como uma opção para a vivência grupal, sobretudo no universo escolar, uma vez que a experiência de grupo se dá no dinâmico contexto escolar marista. Assim como o ser humano, os grupos não nascem prontos, por isso é preciso levar em conta fatores como o tempo, disponibilidade, assimilação da proposta, amadurecimento pessoal. Ao falarmos em amadurecimento, é preciso atentarmos a “muitas coisas: descobertas, dúvidas, leituras, conversas, rezas, seminários de estudo, preguiças, relaxamentos” (UMBRASIL, COMISSÃO DE EVANGELIZAÇÃO, 2008, n. 08).

A PJM abraça a ideia de Educação Integral, a partir da proposta apresentada pelo documento lançado pelo CELAM, no ano de 1997, e intitulado “Civilização do amor”, na p. 203, que nos traz as seguintes dimensões: a relação do jovem consigo mesmo; a relação do jovem com o grupo; a relação do jovem com a sociedade; a relação com Deus, Pai e Libertador; a relação com a Igreja. Também foram acrescentadas outras dimensões: a relação com a natureza e com a ecologia, e a relação com o meio educacional.

Dessa forma, a PJM assume sua dimensão eclesial, percebendo-se, contudo, em um lugar diferenciado, que é o âmbito escolar, sobretudo marista. O carisma do Fundador deve estar à disposição da Igreja, como dom. A proposta é fazer com que a meninada se sinta vocacionada e se permita fazer um lindo percurso rumo à maturidade da fé.

6. CONCLUSÕES

Ao passo que se começa a entender a adolescência/juventude como uma transição bonita e mística, passa-se também a depositar mais respeito e confiança em tudo o que é inerente a ela, direcionando-se um olhar mais sensível à sua realidade, marcada por angústias e aspirações. É preciso firmar, em nossa

sociedade, a certeza de que esse momento especial e único é um fenômeno ricamente divino; afinal, o Deus da vida habita nele e age por meio dele. A adolescência/juventude necessita de lugares, ambientes que possam acolhê-la, bem como favorecer o desenvolvimento de seus potenciais e habilidades a favor da vida, aceitando-a com suas especificidades e significados. A vida em grupo é o lugar ideal para que se isso se torne verdade. Os grupos juvenis que se encontram nos espaços eclesiais ou escolares aparecem como uma opção, por serem instâncias privilegiadas de comunhão e fraternura. As escolas católicas acreditam que os grupos juvenis gerados em seu meio são agentes canalizadores para que haja o seguimento ao Mestre de Nazaré, possibilitando o protagonismo que é capaz de gerar transformações a sua volta.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BÍBLIA. A Bíblia Sagrada. Edição Pastoral. São Paulo: Paulus, 1991.

COMISSÃO INTERPROVINCIAL DE EDUCAÇÃO MARISTA (1995-1998). Missão Educativa Marista: um projeto para o nosso tempo. 3. ed. São Paulo: SIMAR, 2003.

CONFERÊNCIA EPISCOPAL LATINO-AMERICANA (CELAM). Documento de Puebla. São Paulo: Edições Paulinas, 1979.

CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB). Evangelização da juventude: desafios e perspectivas pastorais. Doc. 85. São Paulo: Paulinas, 2007.

DICK, Hilário. O divino no jovem. Poá: Evangraf, 2001.

LIBANIO, J. B. Jovens em tempo de pós-modernidade. Considerações socioculturais e pastorais. São Paulo: Loyola, 2004.

SECRETARIADO INTERPROVINCIAL MARISTA. Diretrizes Nacionais da Pastoral Juvenil Marista. São Paulo: FTD, 2006.

UMBRASIL. Caminho da educação e amadurecimento na fé. A mística da Pastoral Juvenil Marista. São Paulo: FTD. 2008.

VATICANO II. Compêndio do Vaticano II. Constituições, Decretos, Declarações. Petrópolis: Vozes, 2000.

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A ESPIRITUALIDADE COMO EIXO FORMATIVO DE UMA ESCOLA

EM PASTORAL1

Autor: José Braga Ribeiro Neto2

Orientador: Adalberto Batista Amaral3

RESUMO

Este artigo estabelece a perspectiva de que a dimensão da espiritualidade deve ser considerada implícita e explicitamente no itinerário educativo das escolas que se pretendem em pastoral. Aprofunda-se no significado da espiritualidade, no mundo hodierno, e nas diferentes possibilidades de concepção dessa dimensão; nas possibilidades de interface com o currículo na escola confessional e, por fim, na afirmação da mesma como eixo imprescindível na formação dos educandos. Para tanto, provocou-se um diálogo com estudiosos diversos, como o teólogo Joseph Ratzinger, o doutor em ciências da religião Jean-Guy Saint-Arnaud, o filósofo Robert Solomon e o pedagogo J. Gimeno Sacristán, além de preciosas e pertinentes iluminações dos conteudistas dos módulos de estudo sobre escola em pastoral.

PALAVRAS-CHAVE: Espiritualidade. Escola em pastoral. Currículo. Educação. Formação integral.

INTRODUÇÃO

Sendo este artigo uma produção científica que discorre sobre espiritualidade, permita-se dizer que é necessário “baixar a guarda” para a desconstrução de falsas concepções acerca do termo e da dimensão que é posta em discussão. É verdade que falar sobre espiritualidade na pós-modernidade passou a ser bastante comum. Basta verificar, ilustrativamente, a quantidade e diversidade de produções literárias voltadas para tal temática que impulsionaram importantes livrarias comerciais do mundo a dedicarem a elas seções exclusivas e imensas, algo impensável e inexistente durante grande parte do século passado. Apesar disso e da efetiva leitura de milhões de pessoas interessadas, não se corrobora maior clareza conceitual, tampouco vivencial acerca da espiritualidade no arcabouço formativo e ideológico dos cidadãos comuns. Na prática, tanto o mercado quanto os cidadãos leitores ainda encontram dúvidas, por exemplo, ao classificarem determinadas produções literárias entre “autoajuda”, “religião” ou “espiritualidade”. Com isso, porém, não se ironiza nem se depõe contra uma condenável ignorância do sistema e dos indivíduos acerca dessa dimensão tão autenticamente universal da condição humana. A falta de precisão teórica e pertinência prática é bastante comum em muitas culturas, especialmente no Ocidente. Para tanto é que aqui se pretende descobrir analiticamente diferentes nuances da espiritualidade, tanto em seu aspecto cognitivo como empírico, para ampliar e não para reduzir sua concatenação na vida cotidiana de pessoas, escolas, comunidades e sociedades. 1 ArtigoapresentadocomorequisitoparaconclusãodeCursodeExtensãoEscolaemPastoralpromovidopelaProvínciaMaristaBrasilCentro-NorteemparceriacomaPUC-PR.2 FormadoemFilosofia(ITEP-CE),BacharelemTeologia(ICRE-CE)eespecialistaemEnsinoReligioso(UniversidadeCatólicadeBrasília). CoordenadordePastoraldoColégioMaristadeNatal.3 IrmãoMarista,GraduadoemPedagogiapelaFaculdadedeFilosofiadeRecife,CoordenadordaÁreadeVidaConsagradaeLaicatodaUniãoMaristadoBrasil.

Outra busca da presente elaboração é identificar com maior clareza como se dá implicitamente e como se pode dar explicitamente a interface do currículo de uma escola confessional com a dimensão da espiritualidade dos educadores e educandos, como sujeitos interlocutores desse itinerário educativo. Nesse tópico, aproveitaremos para refletir um pouco mais sobre como perceber, vislumbrar e promover o acontecer pedagógico da espiritualidade com interlocutores ateus e agnósticos, sem proselitismos ou imposições. Algo que afirmamos desde já: mais que possível, é íntegro e desejável.

Por fim, ampliaremos a compreensão da espiritualidade como realidade que nos transborda e como eixo formativo imprescindível a ser considerado no currículo de um educando de uma escola confessional. Com boa fundamentação acadêmica, ponderamos sinalizar o quão natural, pertinente e coerente é apresentar a espiritualidade ao lado de dimensões como a antropológica, ideológica, cultural, filosófica, lúdica, psicológica, etc., entre os fundamentos imprescindíveis contemplados na perspectiva da formação integral de uma escola confessional que se pretenda em pastoral.

1. POSSIBILIDADES DE COMPREENSÃO DA ESPIRITUALIDADE NA PÓS-MODERNIDADE

Parece-nos pertinente que não se alcançará maior clareza acerca da espiritualidade promovendo uma mera discussão conceitual do termo. Mais ainda quando já sinalizamos, de antemão, que se trata de uma realidade que sempre nos supera. Por outro lado, reconhece-se que se disseminaram demasiadas preconcepções que podem ocasionar ruídos no exercício de aprofundamento acadêmico acerca do sentido ou dos sentidos mínimos inegociáveis a serem considerados neste estudo.

Espiritualidade independe de Religião

Trazemos preventivamente à discussão algumas nuances daquilo que percebemos como “não-espiritualidade” ou como “pseudoespiritualidade”. Não por arrogância acadêmica, mas por método e intencionalidade elucidativa. Entre os estudiosos que nos fundamentam nesta discussão, destaca-se Robert Solomon. Trata-se de um filósofo que descreve uma genuína busca pessoal pelo sentido de sua vida e felicidade. Relata-nos, em seu livro Espiritualidade para céticos (2003), várias percepções interessantes e dignas de atenção:

Minha busca neste livro (...) é de um sentido não-religioso, não-institucional, não-teológico, não baseado em escrituras, não-exclusivo da espiritualidade, um sentido que não seja farisaico, que não se baseie em Crença, que não seja dogmático, que não seja anticiência, que não seja místico, que não seja acrítico, carola ou pervertido (p. 19).

Solomon se dá conta de que sua busca transborda os muros conceituais milenares da história ocidental que identificou, genericamente, espiritualidade e religião organizada. Mais que isso, atrelou-a a uma crença específica num Deus judaico-cristão-islâmico. Para ele, se é genuíno que milhões de fiéis monoteístas considerem sua crença como componente essencial da espiritualidade, também é verdade que outros milhões de budistas, por exemplo, são intensamente espirituais sem necessidade de fé em um Javé, Alá ou qualquer ser divino específico. Em síntese, a partir de Solomon, pode-se dizer que não é necessário pertencer a uma religião organizada, seja ela ocidental ou oriental, para ser espiritual. Quem não conhece pessoas que se vangloriam de serem devotas, mas são tão

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desprovidas de espiritualidade quanto um sepulcro caiado? Misturar e reduzir espiritualidade a religião resulta em uma espécie de exclusivismo, que se traduz na prática da intolerância. Isso não quer dizer que a espiritualidade não esteja presente na religião organizada. Claro que está, mas que há lugar para a espiritualidade fora dos muros das religiões estabelecidas, isso é certo (Cf. 2003, p.18-19).

Espiritualidade integra e plenifica a vida humana

Outro estudioso que nos ajuda a aprofundar nosso exercício de compreensão-aproximação à espiritualidade é Saint-Arnaud. Seu livro Sal de tu tierra (2001) traz-nos duas iluminações fundamentais e pertinentes. A primeira delas é que espiritualidade não se confunde simplesmente com “vida religiosa” (relação com um ser transcendente a partir de códigos, símbolos e ritos), “vida interior” (que implica apenas fazer-se presente ante si mesmo, sem necessidade de um transcendente), “vida moral” (relativa a uma existência coerente com princípios, sejam eles transcendentes ou não) ou “vida mística” (relação com um transcendente que possibilita experiências inefáveis) (Cf. p. 17-18). Essas são dimensões importantes e verdadeiras da existência humana, mas não se podem confundir com espiritualidade, sob pena de se operarem reducionismos. Nesse sentido, vida espiritual e espiritualidade assumem, para nós, perspectiva quase idêntica, ainda necessitada de um arremate, como veremos mais a seguir.

A segunda iluminação, já afirmativa e estrutural para tudo o que se propõe no desenvolvimento do presente estudo, parece-nos mais inteligível e didática se a entendemos analiticamente. Vejamos as seguintes assertivas:

- Só tenho uma vida, a que vivo nesse momento;

- Minha única vida pode ser considerada sob diversos aspectos (vida psíquica, sexual, afetiva, intelectual, moral, política, econômica, profissional, espiritual, etc);

- Cada uma de minhas dimensões se encontra organicamente unida a todas as demais e não podem desenvolver-se separadamente;

- Minha vida está circunscrita ao tempo e ao espaço em que se encontra;

- Sem confundir-se, minha vida espiritual está unida organicamente a todas as demais dimensões e, mais que isso, é ela que as integra e dá plenitude.

A análise acima quer dar conta de perceber uma dimensão – a espiritualidade – extremamente abrangente e universal, mas ao mesmo tempo reconhecidamente específica e particular, por isso optamos por utilizar orações na primeira pessoa do singular. “Aquilo que é mais íntimo é, por isso, o mais universal”, já diziam os filósofos existencialistas. Saint-Arnaud afirma com convicção e sutileza que não há autêntica espiritualidade que não se circunscreva no espaço-tempo, na vida historicamente vivida, sem abstrações inócuas, nem fugas para outros planos cósmicos.

Mi vida espiritual está unida orgánicamente a todos los demás aspectos de mi única vida. Mi vida espiritual se desarrolla com las aportaciones de mi vida física, sexual, afectiva,

intelectual, moral y econômica; de lo contrario es vivida como uma esquizofrenia, como una vida com diferentes cajones, que se abren por la mañana, el rato em que se hace oración, o el domingo, durante la misa. Tocamos aqui el importante problema de la integración, de la unificación progresiva de nuestra vida espiritual con nuestra vida sin más. Nos unimos así al planteamiento holístico (...), según el cual es importante (...) no aislar nunca lo espiritual de la totalidad de la persona (2001, p. 15-16)4.

O que referenda uma autêntica espiritualidade não são simplesmente as possibilidades de interação com o divino, mas os fenômenos observáveis nas relações entre seres humanos concretos e com a natureza em geral. Em outras palavras, o que não nos pode escapar é, respectivo às assertivas acima, que, mesmo falando em espiritualidade, só se considerou a vida vivida no aqui e no agora. Outra vida num plano celeste ou outras vidas encarnadas em outros espaços-tempos não são pertinentes para auferir maior ou menor profundidade de uma espiritualidade.

Para dar contornos mais objetivos ao que se pretende assumir como espiritualidade e avançar nas reflexões, dizemos, com Saint-Arnaud, o seguinte: precisamos transformar o vivido em experiência. A passagem da vida espiritual para a experiência espiritual propriamente dita é o que vai determinar o que, aqui, consideraremos espiritualidade. Mas alguém poderia dizer: experiência não é algo demasiado pontual? Sem rodeios, digamos logo que o que chamamos experiência comporta quatro características: uma vivência feita consciente, uma vivência repetida, uma vivência real e uma vivência verificada (Cf. 2001, p. 22).

- Uma vivência consciente: O primeiro traço essencial da experiência é seu caráter reflexo. Olhar-se e ver-se. Sem tomada de consciência, não podemos falar do que vivemos e comunicá-lo aos outros. Grande parte do trabalho espiritual consiste em fazer emergir do inconsciente a apreensão viva da realidade e a presença ativa do transcendente em nossa vida concreta.

- Uma vivência repetida: Refere-se objetivamente à duração. Quando se fala de uma pessoa com experiência, faz-se referência a alguém que teve largo trato com uma realidade, que conseguiu familiarizar-se com ela, que a conhece por havê-la explorado no decorrer do tempo, debaixo de diversos ângulos.

- Uma vivência real: Não é uma teoria. É diferente de adesão a uma doutrina tradicional, ou a um sistema de pensamento. Em ciência, a experiência se opõe ao conhecimento teórico, às ideologias. Há uma diferença enorme entre falar de Deus, dissertar sobre sua existência, ouvir falar dele, por um lado, e, por

4 Minhavidaespiritualestáunidaorganicamenteatodososdemaisaspectosdeminhaúnicavida.Minhavidaespiritualsedesenvolvecomascontribuiçõesdeminhavidafísica,sexual,afetiva,intelectual,moraleeconômica;docontrárioévividacomoumaesquizofrenia,comoumavidacomdiferentescaixotes,queseabrempelamanhã,otempinhoemquesefazoração,ouodomingo,duranteamissa.Tocamosaquioimportanteproblemadaintegração,daunificaçãoprogressivadenossavidaespiritualcomnossavidasemmais.Unimo-nosassimaopensamentoholístico(...),segundooqualéimportante(...)nãoilharnuncaoespiritualdatotalidadedapessoa.

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outro, falar-lhe, entrar efetivamente em comunicação com ele. Teologia (conhecimento especulativo-teórico) é diferente de espiritualidade (conhecimento experimental do transcendente).

- Uma vivência verificada: A experiência afeta não só o plano existencial da pessoa, determinando ou modificando seu modo de ver a vida, mas também o plano existentivo, ao pôr-se em relação com o conjunto das sucessões nas quais ela está situada.

Assim, pois, aquilo que se nos apresenta na existência como espiritualidade pressupõe a passagem de uma vida espiritual para experiência espiritual, um contato pessoal, que envolve a totalidade do protagonista no plano sensível e no intelectual, que implica risco e exige audácia, que estimula a pessoa a permanecer viva e ativa frente ao que acontece (Cf. SAINT-ARNAUD, 2002, p. 27). Ou, desde outra perspectiva, “espiritualidade (...) é, nada menos, que amor bem pensado à vida!” (SOLOMON, 2003, p. 18). É uma passagem que não se confunde com uma sucessão de experiências pontuais, mas que efetivamente se entranha na plenitude e integridade de pessoas, escolas e comunidades, criando “liga” e constituindo certo “espírito”.

2. A INTERFACE DA ESPIRITUALIDADE COM O CURRíCULO NA ESCOLA CONFESSIONAL

Dar amplitude e ordem de significados do trabalho escolar se relaciona diretamente com o estabelecimento de comportamentos didáticos, administrativos, políticos, econômicos, entre outros aspectos pertinentes à identidade de qualquer comunidade educativa. Em uma palavra: é construção de currículo. De imediato, a partir do que já dissemos sobre espiritualidade, percebemos grandes possibilidades de imbricação dessa dimensão com um currículo educacional formal. Aparecem limites, porém, quando sob as vestes de linguagem, essas práticas acabam se transformando numa espécie de currículo a posteriori.

A prática a que se refere o currículo, no entanto, é uma realidade prévia muito bem estabelecida (...) atrás dos quais se encobrem muitos pressupostos, teorias parciais, esquemas de racionalidade, crenças, valores, etc. que condicionam a teorização sobre o currículo (SACRISTÁN, 2000, p. 13).

Promover a dimensão da espiritualidade no currículo não é meramente um esforço de boa vontade teórica, mas de uma construção cultural. “Não se trata de algum tipo de existência fora e previamente à experiência humana” (Idem, p. 14). Quando se trata de espiritualidade, portanto, fala-se de uma prática não restrita ao abstrato de uma ordenação teórica. Por outro lado, não há autêntica interface da espiritualidade com o currículo se ela não for contemplada previamente como outras dimensões fundamentais da formação humana integral. Que ela seja, efetivamente, colocada ao lado das demais dimensões antropológicas, sociológicas, filosóficas, entre outras, na hora do embasamento e dos princípios norteadores da construção curricular.

Desde uma perspectiva mais específica nossa, Balbinot, facilitador do módulo III do curso de Escola em Pastoral, partilha conosco a ideia de que educação e evangelização têm um mesmo sentido: “ações que se realizam entre pessoas com finalidade formativa” (Texto VI, p.1). A partir disso, captamos que tanto a evangelização quanto a educação partem de um substrato

teórico-vivencial dinâmico para orientar suas iniciativas. Em outras palavras, ambas carregam, implícita ou explicitamente, concepções de ser humano, de mundo, de sociedade, de metodologia, consideradas pertinentes para desenvolver no seu currículo. Em alguma instância, plasmar-se-á, sutilmente ou não, uma concepção do divino, do transcendente, de Deus e, por conseguinte, de espiritualidade.

Se toda ação educativa tem fundamentos antropológicos, cosmológicos e sociológicos, somente a ação educativa nas escolas confessionais integra a estes, conscientemente, fundamentos teológicos [e teleológicos]. Assim, temos uma semelhança e, ao mesmo tempo, uma diferença entre escola laica e escola confessional. Na escola confessional evangelização, [espiritualidade] (acréscimo nosso) e educação estão intimamente imbricadas (BALBINOT, Texto VI, p. 1, acréscimo nosso).

Mesmo em escolas laicas, concepções diversas de Deus permeiam o processo de ensino-aprendizagem. Espontaneamente ou não. A partir de iniciativas pessoais, ou de um corpo técnico. Na dinâmica dos alunos ou dos educadores. A diferença da escola laica é que a incidência de espiritualidade se efetua num movimento espontâneo e assistemático. Enquanto a escola confessional se identifica com uma intencionalidade espiritualizadora, a laica é abocanhada involuntariamente – porque a supera – por essa dimensão. Há Projetos Político-Pedagógicos que sinalizam certa “concepção” de Deus nas entrelinhas dos outros fundamentos. Explicitamente, porém, só algumas confessionais que, diga-se de passagem, chegam a acrescentar um quarto “P” para conformar um: Projeto Político-Pedagógico-Pastoral.

Escolas que optaram por associar seu projeto pedagógico com seu projeto pastoral, como dois lados de uma mesma moeda, desembocaram num caminho de vanguarda de escola em pastoral. Aponta-se daí a perspectiva de uma escola toda pensada e operacionalizada a partir dos fundamentos da vida cristã, sem deixar de respeitar o diferente. Enquanto isso, muitas propostas educativas católicas se perfilaram ad intra e reproduziram uma pastoral de conservação, mantendo a Igreja dentro da sacristia (concepção de pastoral na escola), a partir de um trabalho paralelo ao resto do mundo escolar. “Em profundidade o em pastoral significa o modo da escola ser. Diz respeito à sua identidade, à sua espiritualidade. Deste modo, a escola em pastoral não pode ser reduzida a um setor dentro da escola” (BALBINOT, Texto VI, p. 3).

As instituições religiosas e os líderes espirituais cada vez mais referendam o espaço escolar como propício para o desenvolvimento da espiritualidade. O Documento de Aparecida referenda a escola católica como autêntica comunidade eclesial e centro de evangelização. Estabelece que a fé deve, sim, ser integral e transversal ao currículo, levando em conta todo o processo de educação na fé (PEF), amplamente disseminado por documentos da Pastoral da Juventude em todo o país (2007, p. 133, n. 338). Aqui, vale a pena lembrar que reconhece a fé cristã unida à espiritualidade, mas não aprisionada a ela.

É a partir daí que nos lançamos à pergunta: e os interlocutores ateus e agnósticos? Educadores e educandos? Eles ficariam alheios à construção da espiritualidade prevista e proposta no currículo? A resposta objetiva é: não! Justamente por ser em pastoral é que está mais comprometida com a dimensão

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ecumênica e inter-religiosa. A diversidade religiosa não pode representar uma ameaça, e, sim, uma riqueza de possibilidades de crescimento. Se é verdade que a evangelização é finalidade da escola católica, a autenticidade desse processo é fomentar o amadurecimento de uma espiritualidade desprendida de proselitismos ou doutrinações, uma espiritualidade associada ao encantamento pela vida, que respeita o “sacrário da consciência do outro”. A pertinência da espiritualidade de uma comunidade educativa está no “saber congregar a diversidade de experiências e de projetos de vida dos educandos e educadores, para se constituir numa verdadeira comunidade de pertença” (DA SILVA A. J., O planejamento da pastoral escolar, p.4).

Por fim, conseguimos captar que a interface do currículo com espiritualidade resulta da imbricação natural de uma ordenação de conteúdos, práticas, vivências, experiências que são previstas e propostas no itinerário de um projeto educativo com uma dimensão da vida humana que plenifica e integra a pessoa por inteiro, projetando-a a um plano de encantamento e amor à existência e ao que transborda dela.

3. A ESPIRITUALIDADE COMO EIXO IMPRESCINDíVEL NA PROPOSTA FORMATIVA DE UMA ESCOLA EM PASTORAL

O que orienta nossos critérios de ver-julgar-agir são, em última instância, experiências teórico-vivenciais que adquiriram significado para nossa existência. Trata-se de recorrer a fontes inspiradoras que orientam nossas posturas e comportamentos. Se a isso somamos um pano de fundo de intenso amor à vida e a tudo que nos rodeia, teremos mais uma possibilidade de compreensão da dimensão espiritual. É ela que nos oferece mínimos referenciais sobre nossos critérios de julgamento, sobre os valores que realmente contam para nós, sobre os interesses centrais de nosso desejo e até sobre os trilhos que organizam nossos pensamentos. Trata-se, como vimos, de uma vivência feita consciente, repetida, real e verificada que resulta concretamente num estilo de vida, num jeito de ser. Parafraseando Joseph Ratzinger, a espiritualidade não é fruto de especulação filosófica, mas fruto do esforço de elaboração enamorada de experiências históricas (Cf. 2006, p. 121).

As escolas confessionais católicas são, em sua maioria, espaços propícios de viabilização e amadurecimento da espiritualidade. Em termos de referência, os próprios documentos da Igreja sinalizam, com notável abertura, possibilidades de prática explícita dessa dimensão. Senão, vejamos o que o Papa Paulo VI escreveu na encíclica Evangelii Nuntiandi, n. 19:

Para a Igreja não se trata tanto de pregar o Evangelho a espaços geográficos cada vez mais vastos ou populações maiores em dimensões de massa, mas de chegar a atingir e como que a modificar pela força do Evangelho os critérios de julgar, os valores que contam, os centros de interesse, as linhas de pensamento, as fontes inspiradoras e os modelos de vida da humanidade.

Como se pode perceber, a partir de uma identidade cristã católica, o discurso eclesial já ultrapassou o meramente dogmático e normativo. Após o Vaticano II, é premente uma religião de espiritualidade e não mais uma espiritualidade presa a um tradicionalismo anacrônico.

Vale a pena, aqui, alertar para uma prática, a nosso ver equivocada, mas comum de diversas famílias no tocante ao tema. A profusão de elementos, movimentos, igrejas, religiões

e pregações proselitistas nos últimos tempos vem deixando os pais muito em dúvida sobre como criar os filhos na dimensão da espiritualidade. Chamam à atenção os inúmeros casais que optam por “deixar a criança crescer para escolher sua religião”. Saint-Arnaud nos ajuda a refletir que essa atitude de abstenção dos pais que não querem influenciar seus filhos resulta numa miragem e pode produzir um grave risco de atrofia da dimensão espiritual e um vazio axiológico desastroso, que poderiam gerar, na verdade, segundo os temperamentos, depressão, violência ou refúgio nas drogas (Cf. 2001, p. 21).

Finalmente, acredita-se que as escolas confessionais católicas já têm suficiente subsídio teórico-vivencial para delinear, explicitamente, a interface da espiritualidade com o seu currículo. Há necessidade, certamente, de se esmiuçar mais, de dialogar mais, de aprofundar mais. Como transformar uma vida espiritual, inata, em uma espiritualidade como vivência consciente, repetida, real e verificável? Esse é um dos desafios que se lançam e que merecem um cuidado intenso na construção do currículo de uma escola que se pretenda em pastoral.

CONCLUSÃO

Qualquer projeto educativo que se arvore de um sério arcabouço teórico deverá contemplar, o mais explicitamente possível, como trabalhará o sentido da vida dos sujeitos de seu currículo: educandos e educadores. Falar de sentido da vida é tocar, com intencionalidade, no tema e na dimensão da espiritualidade.

Sem que nos escape que os projetos de vida são, a priori, de caráter individual, pleiteamos que o espaço educativo escolar tenha todas as possibilidades de oferecer referenciais mínimos, princípios, conteúdos cognitivos e valorativos que sejam capazes de oferecer experiência espiritual de encantamento pela vida às gerações de crianças, adolescentes e jovens. Numa mesma sintonia, que esse encantamento se transforme em jeito de ser comprometido amorosamente com a alteridade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BALBINOT, Robert. Educação e evangelização: pastoral escolar e escola em pastoral. Disponível em < http://ead.marista.edu.br/mod/resource/view.php?id=1250 > Acesso em: 25 nov. 2009.

RATZINGER, Joseph. Introdução ao cristianismo. Tradução por Alfred J. Keller. São Paulo: Loyola, 2005.

SACRISTÁN, J. Gimeno. O currículo: uma reflexão sobre a prática. Tradução por Ernani F. da Fonseca Rosa.. 3.ed.Porto Alegre: Artmed Editora, 2000.

SAINT-ARNAUD, Jean-Guy. Sal de tu tierra: la aventura de la vida espiritual. Tradução por Juan Padilla Moreno. Madrid: San Pablo, 2002.

SOLOMON, Robert C., Espiritualidade para céticos: paixão, verdade cósmica e racionalidade no século XXI. Tradução por Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

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EVANGELIZAÇÃO JUVENIL EM TEMPOS DE CULTURA PÓS-

MODERNA1

ALUNO: José de Assis Elias de Brito2

TUTOR: Aldemir Inácio de Azevedo3

RESUMO:

Este artigo é fruto de uma pesquisa bibliográfica e aborda a juventude e sua evangelização em tempos de pós-modernidade. Nele discorreremos sobre os conceitos de juventude, evangelização e pós-modernidade, e ainda destacaremos as contribuições e os desafios da cultura pós-moderna na formação integral dos jovens. Destacaremos também atitudes e posturas a serem assumidas para que a construção do Reino de Deus continue acontecendo por meio da evangelização pós-moderna, uma vez que existem muitos valores nessa cultura, tais como: leveza, flexibilidade, cotidianidade, estética e corporeidade, que, se vividos numa perspectiva evangélica e humanizadora, podem contribuir de modo significativo para o sucesso da evangelização em nossos dias.

PALAVRAS-CHAVE: Juventudes. Evangelização. Pós-modernidade.

INTRODUÇÃO

Em tempos de cultura pós-moderna, faz-se necessário que assumamos nossa inserção nesse contexto cultural, em vez de negá-lo, e busquemos comunicar-nos, tentando encontrar meios que possam favorecer a nossa vida e evangelização, mesmo que muitas pessoas nem considerem a possibilidade de existência da pós-modernidade.

É certo que a cultura pós-moderna tem seus desafios, mas também apresenta muitas atitudes valorativas que devem ser consideradas e vividas, de modo que a evangelização continue pertinente, sendo relevante e fazendo sentido. Para isso, esta precisa ser realizada a partir de novos princípios, que levem em conta as peculiaridades da geração pós-moderna.

Dessa maneira, vimos, por meio deste artigo e a partir de pesquisas, identificar elementos e atitudes que nos ajudem a discernir sobre os desafios e possibilidades da evangelização juvenil contemporânea neste tempo de fortes influências da cultura pós-moderna.

1. JUVENTUDE CONTEMPORÂNEA

Durante muito tempo, estudiosos de diversas áreas do conhecimento humano se empenharam em estudar a juventude, tentando conceituá-la, enquadrá-la, defini-la em

1 ArtigoapresentadocomorequisitoparaconclusãodeCursodeExtensãoEscolaemPastoralpromovidopelaProvínciaMaristaBrasilCentro-NorteemparceriacomaPUC-PR.2 IrmãoMarista,graduandoemPedagogiapelaUniversidadeCatólicadeBrasília�UCB,CoordenadordaÁreadeVidaConsagradaeLaicatodaUniãoMaristadoBrasil�UMBRASIL.3 TeólogopeloInstitutoMaristadeCiênciasHumanas-IMACH,GraduadoemCiênciasSociais,MestreemDesenvolvimentoSocialeDoutorandoemDesenvolvimentoSustentável.

breves palavras. Tanto João Batista Libanio (2004) quanto Jorge Baran (2001) afirmam ser a juventude uma fase, um tempo de transição, e ainda a descrevem como um tempo de grandes descobertas, incertezas, exageros, alegria, formação, rebeldia, sonhos, construção de valores e outros.

O teólogo João Batista Libanio, descrevendo a juventude contemporânea e pós-moderna, afirma:

Essa juventude pós-moderna é fruitiva. Estabelece o dogma principal do prazer em torno do qual erige os cultos, os ritos, os símbolos. E busca um prazer a curto prazo, imediato, presente. Revive o carpe diem – “goza do presente” – de Horácio, ou como diz o slogan espanhol: Las flores no las quieren para el funeral, sino ya – As flores não as querem para o funeral, mas para já. Expressão consumada de individualismo pós-moderno. (LIBANIO, 2004, p. 104 – 105).

O jovem de hoje é caracterizado como aquele que vive o momento, não importa como, onde, por quê. A sua meta é vivenciar o prazer, sentir o gozo em seus mais variados aspectos. Não se permite deixar de “curtir” a noite, de ir à “balada”, “fica”, “zoar” e tantas outras situações descritas com termos próprios da linguagem das juventudes.

Após muitas tentativas de enquadrar ou definir esse período significativo da vida humana, percebemos que há um consenso entre pesquisadores e estudiosos do desenvolvimento humano em relação à dificuldade de apresentar possíveis conceitos sobre a juventude, dadas as diferentes realidades em que ela vive e as influências que recebe. A Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e Caribenho (CELAM, 1997) afirmou, a esse respeito, “ser preciso considerar toda a conjuntura atual, com destaque para as raízes e origem étnicas, a cultura, política, economia e assim por diante”, pois tudo isso exerce uma forte influência sobre o modo de ser, agir e pensar dos jovens.

O caminho que acreditamos ser mais significativo, encontrado por muitos estudiosos da área, como João Batista Libanio, é falar sobre a juventude a partir de uma observação conjuntural profunda e minuciosa do mundo em que vive. Em primeiro lugar, iremos descobrir a existência de modos diferentes de se viver e expressar a juventude, o que nos fará de imediato perceber a existência das muitas juventudes (católica, protestante, emo, punk, indígena e tantas outras). Essa diversidade necessita ser encarada a partir de suas próprias peculiaridades, pois, de fato, os jovens são e agem de modo diferente, seja pelos rituais, celebrações, uso de símbolos e outros. Só a partir desse mergulho profundo e lento na sua vida e cultura é que seremos capazes de compreendê-los melhor, pois muito do que eles são hoje está intimamente ligado às influências do meio em que vivem e estão inseridos.

A esse respeito, as Diretrizes Nacionais da Pastoral Juvenil Marista (PJM, 2006) afirmam:

Os jovens são uma espécie de termômetro da sociedade. Falar sobre eles é pensar sobre modernidade, sociedade de mercado, conhecimento, globalização, internet, e sobre um grupo social situado no centro das questões que comovem o país e o mundo, seja como as maiores vítimas da exclusão e das desigualdades sociais, seja como esperança para a construção de um planeta mais desenvolvido, justo e solidário.

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A Igreja Católica também vem buscando conhecer e encontrar lugar para os jovens em seu seio, e reconhece o potencial dos mesmos: “A Igreja confia nos jovens. Eles são a sua esperança. A Igreja vê na juventude da América Latina um verdadeiro potencial para o presente e o futuro de sua evangelização... A Igreja faz uma opção preferencial pelos jovens...” (PUEBLA, 1186, 1979). É imprescindível traduzir esse reconhecimento, essa aceitação em acolhida e respeito aos jovens, buscando garantir espaços propícios para o seu desenvolvimento integral, o que os tornará capazes de construir um novo mundo, uma nova sociedade.

Segundo o censo 2000 do IBGE, os jovens superam a marca de 34 milhões, na faixa etária de 15 a 24 anos de idade, totalizando um pouco mais de 20% da população brasileira. Destes, 6,3 milhões residem na zona rural; 16,2 milhões são pretos ou pardos; 145 mil são indígenas; 60% dos presos do país têm entre 18 e 29 anos, segundo dados de 2007 do Ministério da Justiça; 51,4% dos jovens do Brasil não frequentam a escola; 1,2 milhões de jovens brasileiros são analfabetos. Pesquisa do Instituto Cidadania revelou que, para 74% dos jovens, a escola é importante para entender a realidade; 17 milhões de jovens não estudam; apenas 1% dos jovens universitários é preto; 15% são pardos (Censo 2000); 0,1% são indígenas.

Essa situação em que se encontra parte de nossas juventudes é consequência da não criação e vivência de políticas públicas que atendam suas demandas mais urgentes. A força do consumismo, a preocupação com o imediato, a efemeridade na visão de mundo, a pouca participação nas políticas do país estão nos dizendo que boa parte de nossas juventudes vive alheia de seus próprios direitos, correndo o risco de serem os indivíduos transformados em meros aparelhos de reprodução política injusta e desumana.

Esse retrato anteriormente apresentado nos questiona se de fato entendemos o que é ser jovem e qual é o seu valor. Enquanto discutimos se a juventude é uma etapa, ou ainda um estágio, como bem trabalhou Jean Piaget, a juventude como período importante de nossa vida, tempo valioso de nosso existir, está sendo exterminada pela falta de Políticas Públicas capazes de reconhecê-la como um presente para o tempo em que vivemos.

Por outro lado, ainda e já encontramos entre essas juventudes sinais de esperança e vida. Como afirma a PJM (2006),

Existem projetos de cidadania e conscientização política dos jovens, as parcerias com instituições diversas como igrejas, ONGs e órgãos públicos para defesa dos direitos do cidadão e construção de políticas públicas para atendimento das necessidades das juventudes, o crescente interesse dos jovens pela política, cursos de formação e atualização e outros.

Se de fato acreditamos em outro mundo possível, mais justo, solidário, sustentável e livre, faz-se urgente uma maior valorização das juventudes, com toda a riqueza que elas trazem consigo. Ainda há muito a ser feito no sentido de deixarmos os jovens ser jovens e gerar esse mundo novo. E, nesse novo tempo, tudo importa: eu, você, o outro, a natureza, a espiritualidade e Deus.

2. EVANGELIZAÇÃO JUVENIL EM TEMPOS PÓS-MODERNOS

A V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e Caribenho, realizada em Aparecida, São Paulo, em 2007, reconhece que “vivemos uma mudança de época, e seu nível mais profundo é o cultural” (n. 44). A mudança de época se faz notar em todos os âmbitos da vida humana, inclusive na evangelização.

Entendemos por evangelização o anúncio da Boa Notícia do Reino, proclamado e realizado em Jesus. Esse anúncio é um dos maiores desafios encontrados hoje pela Igreja Católica, mesmo nas áreas onde ela já se encontra implantada, devido às necessidades, possibilidades, desafios e divisões criadas neste tempo de pós-modernidade.

A realidade em que vivemos e estamos inseridos hoje nos pede atenção para um novo modo de evangelizar, se de fato queremos continuar exercendo o mandato que o Senhor nos confiou: “Ide, pelo mundo inteiro, e anunciai a Boa-Nova a toda criatura!” (Mc 16, 15).

De todos os questionamentos suscitados pela pós-modernidade, como continuar evangelizando a juventude é o que faz com que nos lancemos em busca de respostas que nos ajudem a continuar oferecendo espaços propícios à boa educação da fé juvenil, pois o fruto da evangelização verdadeira consiste em fazer discípulos e missionários do Senhor.

Segundo o documento de Aparecida, 2007, ser discípulo e missionário do Senhor é acolher a Palavra, aceitar Deus na própria vida, como dom da fé, e colocar-se a serviço do Reino. Isso tudo exigirá de cada um de nós muitas renúncias: sairmos do egoísmo do “eu”, para pensarmos o “nós”, o interesse da comunidade, o coletivo. Segundo o Diretório Nacional de Catequese, 2006, o discipulado nos levará à proximidade e intimidade com Jesus Cristo e ao compromisso com a comunidade cristã e com a sua missão.

O momento em que vivemos nos faz pensar que não dá mais para continuarmos vendo a pós-modernidade como algo pecaminoso e criando mundinhos especiais nos quais não somos atingidos pelos valores e contra valores pós-modernos. Devemos, sim, buscar meios adequados para continuarmos nossa missão de evangelizar.

O primeiro passo a ser dado rumo a uma nova modalidade de evangelização é conhecermos, estudarmos, pesquisarmos a pós-modernidade, para sabermos lidar com as suas influências, sem cairmos na tentação de fazer julgamentos de valores, o que nos impediria de conhecê-la verdadeiramente. Em seguida a esse primeiro e difícil passo, é importante buscarmos adequar a nossa postura, linguagem, atitudes pedagógicas, material didático e outros às necessidades reais dos jovens impactados por toda essa realidade. E termos em mente que servimos ao Reino por meio da evangelização da juventude, o que é mais expressivo.

Após reconhecimento da realidade pós-moderna e organização para continuarmos servindo ao Reino de Deus, é importante estarmos atentos às nossas atitudes de evangelização propriamente ditas, tais como: adequar nossa linguagem ao público; ter em mente que a nossa tarefa é tirar os entraves que impedem as pessoas de crer; demonstrar que faz sentido acreditar em Deus e ter uma vida Nele; criar espaços celebrativos em que a experiência com o sagrado esteja presente; ser testemunho fiel de Cristo na comunidade; pregar para a pessoa toda; não eternizar a tristeza da sexta-feira da paixão, mas a alegria do domingo da ressurreição; ter uma prática coerente com o discurso.

As pessoas pós-modernas estão dispostas a aceitar quase

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tudo, devido à sua ênfase no pluralismo e na relatividade, mas continuam não aceitando a incoerência daqueles que se definem de um jeito e vivem de outro. Um ponto muito importante, ao evangelizar, é não passar a impressão de superioridade; isso é um princípio ecumênico defendido pela Igreja Católica Apostólica Romana.

Evangelizar na pós-modernidade é, sem sombra de dúvida, uma missão desafiadora que exigirá de nós, cristãos, um processo de desconstrução e ressignificação de muitos conceitos e até de valores, pois, como diz o Evangelho,

Ninguém costura remendo de pano novo em veste velha; porque o remendo novo tira parte da veste velha, e fica maior a rotura. Ninguém põe vinho novo em odres velhos; do contrário, o vinho romperá os odres; e tanto se perde o vinho como os odres. Mas põem-se vinho novo em odres novos. (Mc 2, 21-22).

De nada adiantará nossa angústia por não conseguirmos educar a fé dos jovens, se olharmos para a pós-modernidade e permanecermos iguais. Apesar desses possíveis métodos e metodologias, fruto do empenho de muitos cristãos comprometidos, o que mais deve ser ressaltado quanto à evangelização na pós-modernidade é o fato de que é determinante a criatividade e a pluralidade de nossas ações. É preciso destacar que a diversidade social pós-moderna demanda a pluralidade evangelizadora; se acharmos que tudo já foi feito e que tudo já foi falado, decretaremos o fim da ação evangelizadora junto aos jovens.

É preciso, urgente e essencial, diversificarmos as estratégias, as ações pedagógicas, as dinâmicas junto às juventudes. Faz-se necessário investir em tipos de ministérios diferentes, em formas novas de abordagens, sem a pretensão de acharmos que o que dá certo em um lugar, com uma determinada juventude, vai dar certo em outros lugares, com outras pessoas.

A pós-modernidade é um desafio à nossa criatividade, dinâmica e coragem para continuar a evangelização de modo relevante, de tal modo que mais pessoas se tornem discípulos de Cristo, como sempre ocorreu na história da Igreja e da Teologia. Um fato é certo: não basta boa vontade; é preciso muita coragem, estudo, espiritualidade, testemunho e muita fé no Cristo ressuscitado.

3. CONTRIBUIÇÕES E DESAFIOS DA CULTURA PÓS-MODERNA OU LIGHT PARA A VIDA DOS JOVENS

O teólogo e professor Afonso Tadeu Murad, em seu artigo intitulado Formar para fidelidade numa cultura light (2008), apresenta o termo light como “uma imagem, uma analogia, que reúne algumas características do que se convencionou chamar de cultura ‘pós-moderna’ ou ‘Modernidade líquida’.“ (BAUMAN, 2001).

Ainda segundo Murad (2008), o termo light, em inglês, tem muitos sentidos. O primeiro é o substantivo “luz”. Daí deriva o adjetivo, que significa “claro”, como, por exemplo, na expressão light blue (azul-claro). O termo light ganhou importância e novo significado na sociedade atual devido à associação com alimentos de baixo teor calórico. Todos os produtos ligh representam, no mínimo, a redução de 25% de determinados nutrientes que fornecem energia (carboidrato, gordura e proteína), em comparação com o alimento convencional.

Com a utilização dessas expressões, Afonso Murad busca chamar nossa atenção para o modo como estamos vivendo a pós-modernidade. Estamos buscando ser sinal do Reino em meio a ela ou estamos nos entregando completamente, sem nenhum tipo de discernimento? É certo que vivemos um tempo de muita busca por facilidades, prazer momentâneo e instantâneo; fugimos das dores e de tudo que exija compromissos duradouros, sacrifícios e outros. Tudo isso faz parte da cultura light ou pós-moderna.

Talvez seja um grande desafio encontrarmos valores nessa cultura pós-moderna, mas eles podem existir, caso vivamos estes momentos de nossa vida com clareza de identidade e numa perspectiva evangélica e humanizadora, afirma Afonso Murad. São eles: leveza, flexibilidade, cotidianidade, estética e corporeidade. Vejamos em que consiste cada um desses elementos.

A leveza consiste em cultivar a gratuidade, a alegria, o contentamento e o senso de humor, como elementos decisivos da vida, em contraposição ao pessimismo e ao perfeccionismo. É o valor básico do light. A leveza é um contraponto às exigências demasiadas do mercado, baseado na competição e nos resultados a qualquer custo.

Na flexibilidade, a pessoa aprende a relativizar o que antes parecia intocável e inquestionável. Critica a rigidez dos códigos de comportamento e aprende a exercitar o diálogo com os outros.

A cotidianidade consiste no desejo de viver o hoje com intensidade, sem excesso de preocupação com o futuro.

A estética desenvolve a sensibilidade ao belo, em várias instâncias: desde as embalagens, até o corpo humano, contemplando também o design da casa e da cidade. Abre-se a oportunidade de uma nova síntese entre a bondade e a beleza, desde que a aparência não seja o elemento determinante, e sim, a porta de entrada para o ser-que-se-manifesta.

Já a corporeidade consiste no respeito e na valorização do corpo. Critica-se a violência física contra os fracos, especialmente as crianças e as mulheres. Após séculos de negação, abre-se a possibilidade de uma visão unificadora de corpo-espírito. O corpo é expressão carnal da pessoa e de seu mistério.

É importante lembrar que esses valores anteriormente citados, para serem vividos dentro dessa pós-modernidade, exigirão muita maturidade e sacrifício daqueles que se dispuserem a tal vivência. Isso é um grande desafio para todas as juventudes, dadas as dificuldades de se assumir compromissos e ser fiel a eles, o que exige sacrifícios e renúncias. Viver os compromissos e manter a fidelidade sempre foi desafiador; agora, é muito mais.

No tempo em que vivemos, as condições de vida, as expectativas e os relacionamentos humanos mudam com mais facilidade. As pessoas têm acesso a mais informações e a experiências diversificadas. Os laços relacionais e institucionais, em todos os níveis, estão mais tênues. Segundo Murad (2008), o perigo reside no medo de compromissos, na pouca generosidade em se arriscar por uma pessoa, uma causa ou um projeto. Há pessoas que, previamente, negam-se a pensar na possibilidade de casar-se ou de entrar numa congregação religiosa, porque não suportam a ideia de assumir um compromisso por toda a vida.

Os nossos jovens se encontram numa grande encruzilhada e necessitam ser bem formados para poderem saber escolher por meio de bom discernimento; caso contrário, serão engolidos pelos encantos da pós-modernidade, sem nem se darem conta de que estão sendo conduzidos por um caminho extremamente

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perigoso. Assim se configurará um cenário devastador de jovens vivendo sem ideais de vida, indiferentes às grandes questões econômicas, políticas, sociais e ambientais, fugindo de compromissos e responsabilidades, apenas preocupados com a aparência pessoal e sobrevivência individual, mergulhados num consumismo desenfreado e sem limites, vivendo uma espiritualidade superficial e tendo muita dificuldade em tomar decisões e guiar sua própria vida.

É importante relembrar: há elementos positivos da cultura light ou pós-moderna. A leveza é uma característica saudável no ser humano e necessária nas suas instituições. O problema é quando ela se manifesta de maneira unilateral, ou seja, absolutiza somente um lado e ignora o outro: o do compromisso, da perseverança, do sacrifício, da dor. O mesmo se diga para os outros valores pós-modernos anteriormente apresentados.

Se desejamos evangelizar os jovens, devemos ir lá “onde eles se encontram”, já dizia São Marcelino Champagnat, sem medo de frequentar os lugares, sentir os mesmos medos, alegrias e inseguranças dos mesmos. O mundo pós-moderno e light é o grande palco da evangelização do século XXI. Eis o desafio de cada dia da Igreja, da sociedade e também nosso. É sempre bom lembrar que, como construtores do Reino, onde quer que estejamos, somos promotores de vida, e vida em abundância, como afirma o evangelista São João.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na sociedade em que vivemos e estamos inseridos, desejar e lutar para construir um mundo mais democrático, sem exclusão, com fundamentos na justiça, fraternidade, solidariedade e amor, no qual todos possam viver com dignidade, valorizando o humano e respeitando as diferenças culturais, é caminhar na contramão da mesma.

Como evangelizadores, homens e mulheres de Deus, não devemos temer andar na contramão da sociedade, pois isso significa, apesar dos muitos desafios da pós-modernidade, continuarmos acreditando nas juventudes e no poder da evangelização como instrumento de preparação de nossos jovens para o enfrentamento das demandas que surgirão no dia a dia de suas vidas.

A pós-modernidade apresenta desafios para a vida do ser humano, mas também nos dá possibilidades de vivermos valores essenciais à vida. Basta que façamos bons discernimentos nos momentos de realizarmos nossas escolhas e que, ao evangelizarmos, nós o façamos de modo contextualizado, com meios significativos para as juventudes com as quais partilhamos nossa vida e missão.

As juventudes continuam sedentas por encontrar o real sentido de suas vidas e, para isso, têm feito muitas experiências boas (jovens evangelizando jovens, jovens participando da política, jovens engajados nas mais diversas PJs, e assim por diante). Pela falta de preparo, outras experiências os têm conduzido a caminhos tortuosos e, muitas vezes, sem volta.

Ainda há muita esperança na construção de um mundo melhor, pois os jovens existem e desejam assumir a sua identidade, fazer brotar vida, ocupando novos espaços na sociedade. Dos adultos esperam parcerias que garantam espaços de crescimento, onde possam viver relações sadias e equilibradas, sendo sujeitos e aprendizes de sua própria história na liberdade e felicidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

BÍBLIA. Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002.

BÍBLIA. A Bíblia Sagrada. Edição Pastoral. São Paulo: Paulus, 2001.

BORAN, Jorge. Sem juventude não há futuro. Mundo Jovem. n. 315, abr. 2001.

CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE, 5. Documento de Aparecida. 7.ed. São Paulo: Paulus, 2008.

CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB). Diretório nacional da catequese. Doc. 84. São Paulo: Paulinas 2007.

CELAM. A evangelização no presente e no futuro da América Latina. Conclusões de Puebla. São Paulo: Loyola, 1979.

________________________. Civilização do amor: Tarefa e esperança. Orientações para a Pastoral da Juventude latino-americana. São Paulo: Paulinas, 1997.

IBGE. Censo Demográfico 2000. Brasília, 2001.

LIBANIO, João Batista. Jovens em tempo de pós-modernidade: considerações socioculturais e pastorais. São Paulo: Loyola, 2004.

MURAD, Afonso. Formar na cultura light. Convergência, São Paulo, 2009.

SECRETARIADO INTERPROVINCIAL MARISTA. Diretrizes Nacionais da Pastoral Juvenil Marista. São Paulo: FTD, 2006.

Referências Eletrônicas

<http://www.mj.gov.br/data/Pages/MJA21B014BPTBRIE.htm.> Acesso em: 2 nov. 2009.

RETRATO da Juventude Brasileira. <http://frutosdobrasil.wordpress.com/2008/07/10/retrato-da-juventude-brasileira.> Acesso em: 16 out. 2009.

JÚNIOR, Reginaldo José dos Santos. Reflexões sobre evangelização na pós-modernidade. Disponível em:

< http://www.revistatheos.com.br/Artigos/Artigo_04_04.pdf. > Acesso em: 2 nov. 2009.

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A DIMENSÃO DA ESPIRITUALIDADE NA AÇÃO

EVANGELIZADORA DAS EQUIPES DE PASTORAL DA PROVíNCIA

MARISTA BRASIL CENTRO NORTE1

Autor: José Ivaldo Araújo de Lucena2

Orientador: Hudson Silva Rodrigues3

RESUMO

A espiritualidade é uma dimensão inerente a todos os seres humanos e, na atuação pastoral, ela é indispensável para que o processo evangelizador ocorra de forma emancipatória. Este artigo é uma reflexão sobre a espiritualidade que perpassa a ação evangelizadora das equipes de pastoral da PMBCN no âmbito missionário, metodológico e de gestão.

PALAVRAS-CHAVE: Espiritualidade. Escola em pastoral. Educação. Valores. Formação integral.

INTRODUÇÃO

Vivemos numa sociedade globalizada na qual as inovações tecnológicas, especialmente nos meios de comunicação (rádio, televisão, celulares, internet, etc), são renovadas em curtos espaços de tempo. “A última invenção sai ao mercado com seus dias contados. É o mundo do provisório, do passageiro, do descartável e do efêmero” (BRIGHENT, Nead, Mód. I, aula 2, 2009, p. 6).

Nesse contexto, as mudanças nos modos de funcionamento social e cultural são evidentes e os grandes pilares estruturais da modernidade permanecem sólidos: o mercado, a eficiência técnica e o indivíduo.

Esse cenário, também denominado de hipermoderno,

se caracteriza por uma rápida e inabalável expansão das práticas de consumo, por tudo quanto potencializa a comunicação em massa, pelo desfalecimento da lei e das normas, pelo enaltecimento do desejo, pelo desinvestimento na crença em mudanças revolucionárias e no poder dos movimentos organizados. (UEA 4, p. 14)

1 ArtigoapresentadocomorequisitoparcialparaaconclusãodoCursodeExtensãodaPMBCNsobreEscola em PastoralereconhecidopelaPUC-PR.2 Formado emPedagogia comHabilitação emGestãoEducacional (UniversidadeCatólicadeBrasília) e especialistaem Ensino Religioso e Direitos Humanos (UniversidadeCatólicadeBrasília).PresidentedoCentroPopulardeFormaçãodaJuventude–VidaeJuventudeeCoordenadordePastoraldoColégioMaristaChampagnat–TaguatingaSul-DF.3 Teólogo,LicenciadoemLínguaPortuguesapelaFaculdadedaTerradeBrasília–FTB,EspecialistaemEnsinoReligiosopelaUniversidadeCatólicadeBrasíliaeAnalistadePastoraldaCoordenaçãodeEvangelizaçãoePastoraldaProvínciaMaristaBrasilCentro-Norte.

Segundo Brighenti, atualmente se dá a passagem do social ao cultural por meio da emergência do indivíduo, para além das instituições, “o indivíduo hiper-narcisista, hiper-individualista e hiper-consumista. É um dos principais fatores da passagem da sociedade à multidão” (BRIGHENT, Nead, Mód. I, aula 2, 2009, p. 7).

No âmbito da fé, “... a experiência religiosa entrou no circuito do mercado, transformando-se num bem de consumo, rentável.” (BRIGHENT, Nead, Mód. I, aula 3, 2009, p. 2).

O nosso tempo está marcado também pelo excesso e pelo vazio. “A civilização moderna está cada vez mais próxima de tocar o vazio (de valor, do ser humano, do mundo, etc). A crise é, na realidade, de sentido.” (BRIGHENT, Nead, Mód. I, leitura selecionada II, 2009, p. 5).

Segundo o referido autor, a única forma de criar um mundo novo a partir do nada que nos resta, ou seja, do capitalismo como potência, é promover uma transformação do interior do atual projeto. Para tanto,

É preciso flexibilidade para saber mudar, não só uma mudança de mentalidade, mas, sobretudo uma mentalidade de mudança, capaz de nos situar no dinamismo do Espírito de Deus na história da salvação. (BRIGHENT, Nead, Mód. I, aula 3, 2009, p. 7).

Em outras palavras, estamos vivendo também uma mudança de época que exige, especialmente por parte dos membros das equipes de pastoral, uma mudança de atitude e comportamento. Não dá para fazermos pastoral como fazíamos há cinco ou dez anos, haja vista as novas formas de interação (consideradas as inovações tecnológicas) entre as crianças, adolescentes e jovens, que não se sensibilizam facilmente diante de qualquer proposta.

Na atual conjuntura, como escola em pastoral, somos convidados a ser protagonistas de ações transformadoras da sociedade. Não daremos conta de tudo, mas faremos a diferença com o pouco que realizarmos, pois

“O discípulo não é tirado do mundo; ao contrário, é chamado e enviado para a salvação do mundo. É um seguidor de Jesus, não somente do que ele disse, mas também do que Ele fez, de seu modo de agir. (BRIGHENT, Nead, Mód. I, aula 4, 2009, p. 2).

Este artigo tratará da dimensão da espiritualidade na ação evangelizadora das equipes de pastoral da Província Marista Brasil Centro-Norte.

1. DESAFIOS DA AÇÃO EVANGELIZADORA NOS COLéGIOS MARISTAS

“Não há dúvida de que podemos pensar na escola como instituição que pode contribuir para a transformação social”.

(PARO, 1998, p. 10).

Dentre os diversos desafios da pastoral escolar, está a missão de evangelizar os seguimentos da escola para além da dimensão

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religiosa, pois “... o retorno do religioso não é necessariamente uma volta do sagrado” (BRIGHENT, Nead, Mód. I, aula 3, 2009, p. 2).

O sagrado deve ser percebido como dimensão da vida humana nas relações interpessoais, na família, entre os amigos, na sala de aula, nos momentos de lazer, nas festas, nas celebrações eucarísticas; enfim, na relação dos educadores, educandos, funcionários, técnicos, famílias, consigo mesmos, com o próximo e com o Transcendente.

Para tanto, faz-se também necessário o estabelecimento de uma comunicação eficaz por meio de um diálogo permanente entre as partes envolvidas na ação pastoral e demais interlocutores.

Entretanto, a atitude mais coerente com a essência de um Evangelho emergente, o diálogo ecumênico e macro-ecumênico, inter-religioso. (BRIGHENT, Nead, Mód. I, aula 3, 2009, p. 7).

O planejamento das ações deve ter uma intencionalidade alinhada com os objetivos da escola em pastoral.

“Não há método neutro e, portanto, inocente, ainda que inconsciente. No campo da missão, eles trazem sempre subjacente uma visão de mundo, de Deus de Igreja e do ser humano”. (BRIGHENT, Nead, Mód. I, leitura selecional I, 2009, p. 3).

Nesse sentido, os educadores podem desenvolver, por meio dos componentes curriculares, além dos conteúdos de cada área de conhecimento, uma intencionalidade que garanta, como significados, um novo tipo de homem e de mulher conscientes do seu papel na igreja, na sociedade e na vida como um todo. Essa intencionalidade pode também contribuir para alinhar os conhecimentos científicos desenvolvidos em sala de aula com um novo projeto de sociedade, espelho do Reino de Deus presente em nosso meio.

Por último e não menos importante, está a avaliação da caminhada para a percepção dos frutos produzidos e das lacunas a serem corrigidas e preenchidas no próximo período.

Vale ressaltar que os métodos evangelizadores são indispensáveis, mas variam de acordo com o contexto no qual a escola está inserida.

A perspectiva da escola em pastoral não pode ser utilizada para se fazer uma “evangelização” sem propósito e de qualquer maneira. Exige de todos uma sintonia como formação e uma espiritualidade comprometida, para que haja comunhão de objetivos. Vale dizer que ninguém dá aquilo que não tem. Para que as pessoas assumam, junto com a pastoral, o trabalho de evangelização, necessitam ter conhecimento teórico e prático do que isso significa.

Considerando que a proposta da escola em pastoral acontece por meio da adesão dos atores envolvidos (direção, equipe técnica, professores, pais, mães, estudantes e funcionários) no processo de evangelização, cabe à Equipe de Pastoral o acompanhamento das ações, para que haja a garantia da identidade e do carisma da instituição, tendo como referências a pessoa de Jesus Cristo, São Marcelino Champagnat e Maria, a Boa Mãe.

2. A METODOLOGIA COMO DIMENSÃO MíSTICA DA EQUIPE DE PASTORAL

A metodologia é uma das dimensões fundamentais para o processo evangelizador. Ela deve ser dialógica, flexível diante das mudanças e transformações da sociedade, crítica sobre os procedimentos mais adequados e criativos, para que possa chegar ao coração das pessoas. Portanto, metodologia, no contexto da evangelização, é um modo de ser, uma espiritualidade que perpassa toda a ação da Equipe de Pastoral e que também é convidada a assumir-se como discípulos missionários do Reino. A ação pastoral é, sobretudo missionária, haja vista a missão que lhe é confiada, de “tornar Jesus Cristo conhecido, amado e seguido”.

Uma metodologia pastoral e missionária deve utilizar, sempre que possível, o itinerário de Jesus na caminhada com os discípulos de Emaús: aproximar-se das crianças, adolescentes e jovens da comunidade educativa; caminhar com eles, para conhecê-los melhor; perguntar sobre a vida deles, para melhor entendê-los; ouvir suas necessidades; partilhar a leitura das Escrituras, contextualizando com elementos da realidade; e permanecer com eles no diálogo permanente, no acompanhamento dos grupos e espaços de formação.

Essa perspectiva de ação evangelizadora é bastante instigante, pois nos convida a “discernir a vontade de Deus nos sinais dos tempos, na história, no mundo e na realidade...” especialmente quando olhamos para a realidade da comunidade educativa da qual fazemos parte. Há sempre “a necessidade de confrontarmos as práticas realizadas e as decisões tomadas com a motivação essencial da missão: a vontade de Deus”. A missão da Equipe de Pastoral deve estar, de alguma forma, ligada ao seu projeto de vida pessoal. É inadmissível um processo evangelizador conduzido por uma equipe esvaziada de significado sobre o sentido maior de seu protagonismo missionário. Caso isso ocorra, o processo evangelizador corre o risco de se tornar estéril de conteúdo e de espiritualidade. Por outro lado, o alinhamento entre projeto de vida e dimensão missionária pode garantir uma ação evangelizadora encarnada na pessoa de Jesus Cristo e transformadora da comunidade educativa.

Nesse contexto, a evangelização como instrumento de transformação na escola deve ser concebida e planejada coletivamente pela Equipe de Pastoral com o envolvimento dos demais segmentos pedagógicos e administrativos, pois todos são co-responsáveis na efetivação da escola em pastoral.

Na escola em pastoral, as “sementes do Verbo” são lançadas por meio das diversas ações evangelizadoras, e o seu efeito depende da adesão das pessoas, que, em contato com os conteúdos, símbolos e ritos, podem ou não assumir valores diferenciados para a sua vivência cotidiana.

No âmbito catequético, os sacramentos devem ser sinais da presença de Deus na vida das crianças, adolescentes e jovens. Para tanto, devem ser ministrados por meio de uma catequese inculturada, com linguagem, espiritualidade e metodologia envolvente e prazerosa, que também promova o resgate de valores diferenciados na sociedade.

A escola é o reflexo da sociedade na qual está inserida. Nesse sentido, fazer escola em pastoral é promover transformações que contribuam para que a sociedade possa ser e ter “vida e vida em abundância (João 10, 10).

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Aliar a prática solidária ao processo de evangelização é outro aspecto que contribui para o engajamento dos estudantes. O ato de colocar-se no lugar do outro, sair de sua realidade para ir ao encontro de outra menos favorecida, para não dizer empobrecida, pode promover uma reflexão mais aprofundada sobre projeto de vida e sobre qual sociedade almejamos.

A dimensão da presença qualificada e acolhedora e da escuta atenta aos destinatários da ação pastoral/evangelizadora (educadores, funcionários, pais, mães, crianças, adolescentes e jovens) exige grande sensibilidade da Equipe de Pastoral para perceber as demandas e contextualizar as propostas de ação.

Buscar a sinergia entre as ações pastorais, culturais e esportivas, é outro aspecto importante, pois toda atividade dentro do ambiente escolar pode ser mediada por um conteúdo místico-evangelizador.

A perspectiva da escola em pastoral é um convite a sermos testemunhas da Boa Nova, pois

...não só o conteúdo do Evangelho é mensagem; o modo como se evangeliza também é mensagem; o mensageiro também é mensagem; a maneira como se apresenta e se organiza a instituição que respalda o mensageiro também é mensagem. (BRIGHENTI, Nead, Mód. I, leitura selecionada I, 2009, p. 6)

3. ESCOLA EM PASTORAL: A MISSÃO E A GESTÃO A SERVIÇO DA EVANGELIZAÇÃO

A Missão Educativa Marista caracteriza os colégios maristas como centros “de aprendizagem, de vida e de evangelização” (p. 55). Nesse contexto, a contribuição e o papel da gestão é fundamental para a implementação de uma comunidade educativa em pastoral.

Para aprofundarmos a discussão, vamos refletir sobre as características de gestão que podem contribuir com mais efetividade para a consolidação da escola em pastoral:

Gestão democrática: devido à sua abrangência, organizar o trabalho pedagógico e evangelizador na escola não é tarefa fácil. Para que ocorra da melhor forma possível, requer do gestor muita sensibilidade para promover a autonomia e a emancipação4 dos atores envolvidos no processo educativo (direção, educadores, educandos, funcionários, etc).

Gestão dialógica: na escola, o diálogo verdadeiro e sincero é fundamental. Segundo Freire (1983, p. 91), “não há palavra verdadeira que não seja práxis. Daí que dizer a palavra verdadeira seja transformar o mundo.” Então, práxis é toda palavra verdadeira que motiva uma ação transformadora e, simultaneamente, a reflexão sobre essa mesma ação:

Gestão transformadora: a educação pressupõe transformação das pessoas por meio da mudança de consciência. Segundo Juliatto (2007, p. 125), “A educação integral exige, necessariamente, a educação da consciência”. Para Freire (1983, p. 80), a gestão transformadora deve ser problematizadora,

4 Emancipação, nesse contexto, tem o significado delibertação.Atodaquelequeéprotagonistadesuaautolibertação.

pois “quanto mais se problematizam os educandos, como seres no mundo e com o mundo, tanto mais se sentirão desafiados.”

Gestão participativa: segundo Bordenave (1994, p. 8), “participação é um estado de espírito e um modo de relacionamento entre as pessoas”. A participação também é o esteio do processo educativo e o palco onde se desenvolvem os talentos dos estudantes em duas bases complementares: “uma base afetiva – participamos porque sentimos prazer em fazer coisas com outros; e uma base instrumental – participamos porque fazer coisas com outros é mais eficaz e eficiente do que fazê-las sozinhos”. (BORDENAVE, 1994, p. 16).

No contexto da gestão democrática, dialógica, transformadora e participativa, o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando. “Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os argumentos de autoridade já não valem” (FREIRE, 1983, p. 78).

Por fim, a atuação das equipes de pastoral deve ser espelhada na pessoa de Jesus Cristo e em São Marcelino Champagnat, que nos impulsiona a educar na perspectiva da formação de “bons cristãos e virtuosos cidadãos”.

CONCLUSÃO

A ação evangelizadora na perspectiva da escola em pastoral é fundamentada especialmente na vivência da pedagogia de Jesus, que propõe que as pessoas respondam por si próprias à proposta do Reino de Deus. Esse Reino é utópico5, mas possível de se realizar no microcosmo educativo das unidades Maristas. Para isso, é preciso promover as dimensões pastoral-pedagógica e de gestão das equipes de pastoral no processo evangelizador.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BORDENAVE, Juan E. Diaz. O que é participação. 8. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 8, 16.

BRIGHENT, Agenor. Diagnóstico de um tempo marcado por profundas transformações. Taguatinga, DF: Nead, Mód. I, aula 2, 2009, p. 6, 7.

______. Fim da história ou tempo pascal. Taguatinga, DF: Nead, Mód. I, aula 2, leitura selecionada II, 2009, p. 5.

______. A fragmentação da igreja numa sociedade fragmentada. Taguatinga, DF: Nead, Mód. I, aula 3, 2009, p. 2, 7.

______. Desafios para a ação evangelizadora. Taguatinga, DF: Nead, Mód. I, aula 4, 2009, p. 2.

______. A missão evangelizadora no contexto de ontem. 5 Nossa concepçãodeutopiabaseia-senadeEduardoGaleano, jornalista e escritor uruguaio: “A utopia está lá nohorizonte.Meaproximodoispassos,elaseafastadoispassos.Caminhodezpassoseohorizontecorredezpassos.Pormaisque eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia?Serveparaisso:paraqueeunãodeixedecaminhar”.

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Taguatinga, DF: Nead, Mód. I, leitura selecionada I, 2009, p. 3, 6.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 13. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983, p. 78, 80, 91.

INSTITUTO MARISTA. Missão Educativa Marista: um projeto para o nosso tempo. Tradução por José Manoel Alves & Ricardo Tescarolo. São Paulo, 1998, p. 55.

JULIATTO, Clemente Ivo. Parceiros educadores: estudantes, professores, colaboradores e dirigentes. Curitiba: Champagnat, 2007. p. 125-132.

PARO, Victor Henrique. Gestão democrática da escola pública. 2. ed. São Paulo: Ática, 1998.

UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA. Católica Virtual. Educação a Distância. Curso de pós-graduação lato sensu em Direitos Humanos: Proteção e assistência a vítimas e a colaboradores da Justiça. UEA 04 – A Psicologia nos programas de proteção. Brasília, 2009. Disponível em: <www.catolicavirtual.com.br>. Acesso em: 18 abr. 2009.

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A EVANGELIZAÇÃO COMO ELEMENTO INTEGRADOR NA FORMAÇÃO DOS JOVENS NO

ESPAÇO ESCOLAR1

Autor: José Leonardo dos Santos Borba2

Orientador: Adalberto Batista Amaral3

RESUMO

Este artigo é fruto do trabalho de conclusão do curso de Educação a Distância Escola em Pastoral, tendo como objetivo aprofundar os conceitos de evangelização da juventude e a ação evangelizadora no espaço escolar. No processo da escrita, buscamos refletir acerca dos conceitos de evangelização, da ação evangelizadora, tendo como ponto de partida o Concílio Vaticano II. Para tal, utilizamos diversos autores e autoras que compuseram nosso referencial teórico, dentre eles: Agenor Brighenti, Carmem Lúcia Teixeira, Helena Abramo, Paulo Freire, Hilário Dick e outros. Buscamos realizar, ao longo do estudo, uma reflexão acerca da evangelização dos jovens e, ao mesmo tempo, refletir sobre a ação evangelizadora no espaço escolar, destacando-a como elemento integrador na formação das juventudes.

PALAVRAS-CHAVE: Evangelização. Juventude. Ação evangelizadora.

INTRODUÇÃO

Este artigo é parte da monografia que tem como título “Um olhar e muitos olhares: os jovens do ensino médio e a evangelização na escola católica”, elaborada por José Leonardo dos Santos Borba, como requisito para a conclusão do Curso de Pós-Graduação em Adolescência e Juventude no mundo Contemporâneo, na Faculdade Jesuíta de Teologia e Filosofia – FAJE. Foram feitas diversas modificações no texto.

Nele, discutiremos acerca da compreensão de evangelização da juventude, a partir do conceito proposto pelo Concílio Vaticano II; depois, faremos um pequeno resgate da evangelização da juventude no Brasil, tomando por parte a compreensão de alguns teóricos. Discutiremos ainda alguns elementos para a evangelização na escola e a sua relevância na formação dos jovens.

Sabemos que a educação é um desafio para todos nós, seja por questões políticas, sociais, culturais, econômicas ou pedagógicas. Ela é um dos espaços que agrega muitos jovens e adolescentes

1 ArtigoapresentadocomorequisitoparaconclusãodeCursodeExtensãoEscolaemPastoralpromovidopelaProvínciaMaristaBrasilCentro-NorteemparceriacomaPUC-PR.2 Irmão Marista, Especialista em Adolescência eJuventude no mundo contemporâneo pela Faculdade Jesuítade Teologia e Filosofia de Belo Horizonte, Graduado emCiênciasBiológicaspelaUniversidadeCatólicadePernambuco.EstudantedeTeologiadoInstitutoSãoTomásdeAquino,BeloHorizonte–MG.3 IrmãoMarista,GraduadoemPedagogiapelaFaculdadedeFilosofiadeRecife,CoordenadordaÁreadeVidaConsagradaeLaicatodaUniãoMaristadoBrasil.

em nosso país, e onde passam boa parte de seu tempo com as diversas atividades curriculares e complementares.

A escola pode também ser entendida como um espaço de relações que buscam cuidar da vida para que a comunidade educativa as cultive de forma profunda, assumindo-se como construtora da história.

Nessas relações de cuidado, vem a dimensão evangelizadora que integra o projeto da escola católica, tendo como proposta refletir os valores do Evangelho, que são transformadores, criadores e geram a admiração, conflitos e mistério. O processo de educação, vivido como missão evangelizadora, pode possibilitar às pessoas uma mudança na forma de conceber o mundo, de relacionar-se, criando estruturas mais justas. Para isso, é preciso termos clareza do que significa a evangelização e a sua ação no espaço escolar.

1. ENTENDENDO A EVANGELIZAÇÃO

Antes de apresentar este olhar sobre a evangelização dos jovens, convém apresentar algumas considerações a respeito do tema. De acordo com o documento da Igreja Católica Evangelii Nuntiandi, a evangelização é entendida da seguinte maneira:

Evangelizar, para a Igreja, é levar a Boa Nova a todas as parcelas da humanidade, em qualquer meio e latitude, e pelo seu influxo transformá-las a partir de dentro e tornar nova a própria humanidade. (...) A finalidade da evangelização, portanto, é precisamente essa mudança interior; e se fosse necessário traduzir isso em breves termos, o mais exato seria dizer que a Igreja evangeliza quando, unicamente firmada na potência divina da mensagem que proclama, ela procura converter ao mesmo tempo a consciência pessoal e coletiva dos homens, a atividade em que eles se aplicam e a vida e o meio concreto que lhes são próprios. (Paulo VI. 1976. p. 24)

Ainda preocupada com o modelo de evangelização que atendesse a realidade das pessoas, a Igreja fez, em sua natureza, uma grande parada para retomar a essência e a mística de Jesus Cristo com os pobres na construção do Reino de Deus. Esse momento é tido como um novo Pentecostes para a Igreja, devido ao compromisso de dar testemunho do Evangelho de Jesus Cristo com os destinatários de sua missão, os pobres.

Vejamos, a seguir, uma perícope que apresenta perspectivas da evangelização. Segundo Brighenti, o termo “Evangelização” na perspectiva do Concílio Vaticano II

Expressa a ideia de levar gratuitamente o Evangelho e estabelecer, com o interlocutor, uma relação dialógica, que pode redundar na conversão. Mas isso não depende do evangelizador. Seu papel é “dar de graça”. O que vem depois depende da liberdade do interlocutor e da graça de Deus. Na perspectiva da Evangelização, tanto na Igreja como fora dela, busca-se impulsionar o Reino de Deus, do qual a Igreja é uma mediação privilegiada, mas não é única. Nessa perspectiva, importa por um lado, acolher os frutos do Reino presentes na vida do interlocutor e seu contexto e ajudá-lo a encarnar, a seu modo, o Evangelho em sua vida e em sua cultura. (BRIGHENTI 2006. p. 87)

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Se tomarmos a afirmação de Brighenti, percebemos que a evangelização acontece num processo de liberdade e diálogo, tendo a Igreja como uma das possíveis formas de mediação, mas não única. O mais importante, segundo o autor, é contribuir para que o Evangelho seja encarnado a partir da vida e da cultura das partes envolvidas. A evangelização atualiza a obra da salvação como um todo, em estreita relação com a pessoa humana.

[...] o homem que há de ser evangelizado não é um ser abstrato, mas é sim um ser condicionado pelo conjunto de problemas sociais e econômicos; laços de ordem teológica, porque não se pode nunca dissociar o plano da criação do plano da redenção, um e outro a abrangerem as situações bem concretas da injustiça que há de ser combatida e da justiça a ser restaurada. (Paulo VI. 1976. p.38)

Dessa forma, a evangelização deve entrar num fecundo intercâmbio com as manifestações religiosas e culturais que caracterizam a pluralidade existente no mundo atual. Somos chamados a discernir os sinais dos tempos no cotidiano e descobrir os anseios e problemas dos seres humanos, percebendo o plano de Deus sobre a vocação do homem na sociedade, para torná-la mais humana, justa e fraterna.

A Igreja tem o papel de “levar o Evangelho ao coração da história, ao longo dos séculos, nos diferentes contextos socioculturais, para ali ser semente do Reino de Deus”. (Paulo VI. 1984. p.17)

Na Conferência Episcopal de Medellín, foi retomada a discussão proposta por Paulo VI, apresentando a juventude como um tema atual e de grande interesse, e considerando-a como “uma grande força nova de pressão” e como “um novo organismo social com valores próprios”. A autenticidade, a sinceridade e a aceitação do diferente são apontadas pela conferência como qualidades inerentes à juventude. Em Medellín, os bispos tomaram consciência de um novo fenômeno e descreveram a juventude como “novo corpo social, grande força de pressão, com seus próprios ideais, valores e dinamismo inteiro”. (CNBB, 2007. p. 149-150)

A partir de Puebla, a Igreja Latino-Americana aponta um lugar especial aos jovens no trabalho de Evangelização da Pátria Grande, sendo vistos como protagonistas da ação evangelizadora.

A Igreja vê na juventude uma enorme força renovadora, símbolo da própria Igreja. E a Igreja faz isto não por tática mas por vocação, já que é “chamada à constante renovação de si mesma, isto é um incessante rejuvenescimento.” (João Paulo II, Alocução Juventude 2- AAS, LXXXI, p.218). O serviço prestado com humildade à juventude deve fazer com que mude na Igreja qualquer atitude de desconfiança e incoerência para com os jovens. (CELAM, op. cit., p. 362)

Segundo as conclusões do documento de Puebla, conforme citação anterior, o reconhecimento da juventude como essa força renovadora da Igreja e como um sinal profético da revelação de Deus, presente na sociedade, possibilita-nos compreender alguns posicionamentos dessa Igreja, a partir de então, na América Latina.

O documento ainda afirma que os jovens e os pobres constituem

a riqueza e a esperança da Igreja na América Latina, e sua evangelização é prioritária.

Segundo Ribeiro, a opção pelos jovens foi de alguma forma estratégica: “eles são a grande maioria da população do continente, mas não por isso deixa de ser evangélica, já que os jovens da América Latina são na imensa maioria pobres”. (RIBEIRO, 2006. p.24)

Nesse contexto, a Conferência de Puebla foi também o espaço de reflexão para uma nova forma de evangelização, “apresentando o Cristianismo não como uma ideologia”, mas como “uma experiência do amor de Deus, através de Jesus Cristo”, que deseja a vida em plenitude para todos. Para evangelizar, não podemos deixar de considerar a diversidade juvenil na América Latina, os indígenas, camponeses, mineiros, pescadores, operários, estudantes, entre outros.

Na Conferência de Santo Domingo, foi reafirmada a opção pela juventude feita em Puebla, não só de modo afetivo, mas também efetivamente por uma Pastoral da Juventude Orgânica, com acompanhamento, apoio real, diálogo e com maiores recursos humanos e materiais.

Segundo Teixeira, a partir da Conferência de Santo Domingo,

a ação pastoral que reafirmará a opção preferencial pelos jovens deverá responder às necessidades de amadurecimento afetivo e de acompanhamento; capacitar de maneira crítica frente aos impactos culturais sociais; propiciar um encontro de fé e vida, bem como a promoção da justiça e geração de uma nova cultura de vida; assumir, a partir da cultura juvenil, novas formas celebrativas; anunciar o amor de Deus pela juventude; promover o protagonismo juvenil e a participação dos jovens na Igreja; e dar relevância à Pastoral da Juventude de meios específicos. (TEIXEIRA, 2006)

Na Conferência de Aparecida, a juventude é apresentada como “enorme potencial para o presente e futuro da Igreja e dos povos”. A realidade vivenciada por muitos jovens no Continente causa preocupação à Igreja, sobretudo no tocante à pobreza, à globalização, à violência, ao desemprego, à educação de baixa qualidade e à ausência dos jovens na esfera política, devido à desconfiança que geram as situações de corrupção e o desprestígio dos políticos, à procura de interesses pessoais em detrimento do bem comum. A Conferência quer privilegiar, na Pastoral da Juventude, processos de educação e amadurecimento na fé.

A Pastoral da Juventude ajudará os jovens a se formar de maneira gradual, para a ação social e política e a mudança de estruturas, conforme a Doutrina Social da Igreja, fazendo própria a opção preferencial e evangélica pelos pobres e necessitados. (CELAM, 2007. p. 198-201)

Tais afirmações nos possibilitam perceber que há o interesse da Igreja em aproximar-se dos jovens, todavia é necessário que as reflexões apresentadas pelos documentos sejam efetivadas na prática, sem desconsiderar as culturas e os tempos em que estão inseridos esses jovens.

O futuro da sociedade e da Igreja depende da capacidade de escutar o que acontece no

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mundo dos jovens, de respeitar a sensibilidade própria do jovem, que vive o momento presente, de encontrar novas soluções práticas e de pressentir novos rumos. Trata-se de aprender do jovem e deixar-se evangelizar por ele. No jovem não há, apenas, contravalores! Ao contrário, há valores novos, que, em geral, só o jovem é capaz de criar e desenvolver. O jovem é garantia da juventude da Igreja. (CNBB. 1984. p. 85)

Essa capacidade de escuta contribuirá de forma efetiva na aproximação das juventudes, em que os jovens se sentirão valorizados e respeitados.

Para evangelizar a juventude de hoje, não podemos permanecer no método, linguagem e lugar, porque o mundo está mudando continuamente. Então não basta a Igreja entender a juventude, precisa buscar uma nova compreensão de si mesma. A Igreja hoje tem que ser como Israel no deserto: pôr a casa nas costas para acompanhar a dinâmica das pessoas. E não esquecer os pontos intrínsecos da evangelização, cujo começo é o serviço. A Igreja começa com o lava-pés: estamos para servir à juventude, não para arrebanhar os jovens. Temos que estar bem em vista da missão, sem querer saber quem está certo, quem salva mais. Colocar-se a serviço, depois dialogar e então partir para o anúncio, dar razão a nossa esperança. E dando testemunho de comunhão, retornar ao serviço. (BASTOS, 2006, p.3)

Nessa afirmação, Dom José Mauro convida a Igreja a uma maior proximidade do universo juvenil e, com os jovens, à descoberta de caminhos novos na evangelização, contemplando seus reais anseios, considerando-os uma realidade teológica (CNBB, op. cit., p. 55.) que precisamos desvelar, acolhendo a voz de Deus que fala por eles.

Dick apresenta o jovem como “sacramento da novidade”. “A juventude é um sacramento que anuncia novidades. Ela não é somente um segmento que recebe a realidade feita, ou seja, tem a missão de fazer na realidade recebida, a vida dela”. (DICK, 2004. p. 26-27)

A Igreja, inserida na sociedade, sofre inúmeras transformações, seja por ordem social, cultural, política ou econômica. Diante dessas transformações, a Igreja tem procurado participar do processo histórico da juventude, buscando encontrar (e até mesmo construir) algumas respostas e emiti-las por meio do trabalho de evangelização com os jovens no nosso país. Tais respostas não são definitivas, sendo ressignificadas a partir dos diversos cenários em que se encontram, conforme perceberemos a seguir.

1.1. A EVANGELIZAÇÃO DA JUVENTUDE NO BRASIL

Ao analisarmos a evangelização da juventude no Brasil, almejamos definir cenários, dentre eles a escola católica como um espaço de evangelização.

Sabemos que, na sociedade, há inúmeras iniciativas de trabalho

com a juventude, assim como sabemos, também, que há várias formas de evangelização da juventude pelas diversas Igrejas. Neste artigo, optamos por uma reflexão a partir da Igreja Católica Apostólica Romana.

Ao tratarmos da evangelização da juventude no Brasil, refletimos sobre algumas iniciativas que ficaram na história, dentre elas a Ação Católica Especializada, a partir de 1960; os movimentos de encontros para jovens, a partir de 1970; e a Pastoral da Juventude, a partir de 1980; bem como a pluralidade na evangelização, percebida a partir de 1990.

A década de 60 foi marcada pela Ação Católica Especializada, que, apesar de ter sido iniciada no Brasil no começo da década de 50, ganhou destaque diante das transformações que aconteceram na sociedade brasileira por conta do crescimento econômico, da industrialização, da urbanização, das mudanças de comportamento e das revoluções políticas, especialmente com o regime militar. Na Ação Católica, o que aconteceu foi a especialização da ação juvenil, a partir da Igreja, especificamente em movimentos como Juventude Agrária Católica (JAC), Juventude Estudantil Católica (JEC), Juventude Independente Católica (JIC), Juventude Operária Católica (JOC) e Juventude Universitária Católica (JUC).

Nesse período, percebeu-se a existência de uma tentativa de assumir a ideia de ser presença, de ser fermento da Igreja na sociedade, e, ao mesmo tempo, assumir uma participação crítica na dinâmica das transformações pastorais. A Ação Católica também contribuiu no desenvolvimento do método “ver, julgar, agir”, proporcionando uma espiritualidade que despertava nos jovens o engajamento na comunidade eclesial e na sociedade. Tal método foi assimilado por outros setores da Igreja, que passaram a analisar os problemas sociais a partir da ótica dos empobrecidos e a favor das lutas por transformação social.

Apesar das limitações e até mesmo perda dos direitos civis durante o regime militar brasileiro, esse período foi marcado por intensa ação juvenil dentro e fora da Igreja.

A partir de 1970, ainda no período do regime militar, e com a desarticulação dos movimentos da Ação Católica Especializada, surgiu uma nova maneira de organização juvenil: os movimentos de encontro de jovens, que se inspiravam na metodologia dos Cursilhos de Cristandade, um movimento para a evangelização dos adultos, nascido na Espanha.

Nessa época, os jovens participavam de encontros de fim de semana coordenados por adultos. Havia palestras que davam importância ao testemunho pessoal, evitavam-se palestras intelectualizadas, utilizavam-se cantos que tocassem o emocional dos participantes e se propunha um encontro com Deus e de conversão. Esses movimentos buscavam soluções para os problemas pessoais dos jovens, no entanto a emoção durava pouco, e, por falta de um processo que garantisse a continuidade desse trabalho, muitos jovens voltavam à vida anterior.

Apesar das limitações, alguns movimentos evoluíram e incorporaram outros elementos que enriqueceram sua proposta evangelizadora e possibilitaram um trabalho junto com a Pastoral da Juventude.

Depois de 1978, após a Conferência Episcopal de Puebla, em que o episcopado fez a opção preferencial pelos jovens, houve grande mobilização pastoral envolvendo a juventude, o que provocou, nos anos seguintes, o surgimento do primeiro Instituto de Pastoral da Juventude (IPJ) em Porto Alegre - RS.

A década de 1980 foi marcada inicialmente pelo período de redemocratização, uma tomada gradativa pelos direitos do

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cidadão e a construção de uma nova proposta de trabalho com a juventude. Surgiu o Setor Juventude da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), tendo D. Cláudio Hummes como bispo responsável pela juventude e Pe. Hilário Dick como assessor. Esse Setor foi um grande motivador para a evangelização da juventude no Brasil, por meio das Pastorais da Juventude.

Nesse período, as lideranças eram influenciadas pela cultura moderna, pela razão, teorias repletas de desejo de liberdade, de superação da imposição exercida durante o regime militar, de luta pelos direitos e anistia; enfim, ideologias que propunham a transformação social. Os jovens voltaram às ruas e a evangelização passou a adequar-se para acolher sentimentos de liberdade, de participação política e de consciência crítica. Percebeu-se o surgimento de uma geração de jovens católicos protagonistas de seu processo de educação na fé4 e em diálogo com a realidade em que estavam inseridos.

Nessa década, percebemos também a organização e articulação das pastorais específicas no Brasil, dentre elas: a Pastoral da Juventude Estudantil (PJE), a Pastoral da Juventude Rural (PJR), a Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP) e a Pastoral Universitária (PU). Os jovens passaram a organizar-se em assembleias diocesanas, regionais e nacionais.

Em 1984, aconteceu um Encontro Latino-Americano de responsáveis nacionais pela Pastoral da Juventude (ELARPJ), organizado pela Conferência Episcopal Latino- Americana (CELAM). Em 1985, a ONU declarou o Ano Internacional da Juventude, e, no Brasil, a CNBB, por meio do Setor Juventude, oficializou o Dia Nacional da Juventude, no último domingo de outubro. Na verdade, foram momentos de mobilização e luta pelas causas sociais, mesmo que tal mobilização não fosse vivida e respeitada por todos.

Ao mesmo tempo, também, conviveram outros movimentos, como a organização dos jovens das Congregações Religiosas, Juventude Marista (JUMAR), Articulação da Juventude Salesiana (AJS), a Renovação Carismática Católica (RCC), o movimento de comunhão e libertação, e outros. Tanto as Pastorais da Juventude quanto os movimentos eclesiais foram convocados pela CNBB para elaborar um caderno de estudo em que apresentassem o carisma, a metodologia e as linhas de atuação em comum.

A década de 90, ainda sob os impactos da queda do muro de Berlim, na Alemanha, em 1989, foi marcada pelo capitalismo neoliberal, pela privatização, pela centralidade das emoções, possibilitando o aparecimento de jovens voltados para a subjetividade e os sentimentos.

Durante a realização da Campanha da Fraternidade de 1992, “Juventude e caminho aberto”, percebeu-se um adolescer dos grupos de jovens e, consequentemente, inúmeras crises, ora 4 Processos de Educação na Fé–PensaraevangelizaçãodajuventudeapartirdeumProcessodeEducaçãonaFé(PEF)foi uma das grandes contribuições da Pastoral da Juventudepara a Igreja do Brasil e daAmérica Latina. Essencialmente,oPEFdeve ser “umprocessoque leveo/a jovemadescobrirsuaprópriavocação,o chamadodeDeusemsuahistória, e aencaminhar a concretização de uma resposta num projeto devida e num compromisso militante. Trata-se de um processodeamadurecimentointegralquesupõe“etapas”e“momentos”quesevãorealizando.Essesmomentoseetapasnecessitam,defatoaomesmotempo,deumacompreensãodinâmicaedeumadescriçãoclaradasutopias e imagensque temosda“pessoa”,de “Igreja” e de “Sociedade”. (Cf. Projeto deVida, CaminhoVocacionaldaPastoraldaJuventude.SãoPaulo:CCJ,2003.p.73-74).

pelos processos experimentados nos grupos e que não atendiam a todos, ora pelas diferenças ideológicas que motivavam os participantes, ora por uma série de situações entre a Igreja e a juventude, o que ocasionava conflitos e afastamento dos mesmos.

Na transição do século XX para o século XXI, percebemos um movimento de crise nas Pastorais da Juventude, à proporção que a Igreja passou a assumir um discurso de menor inserção social. Os movimentos eclesiais de jovens ganharam grande projeção, até mesmo com a utilização dos meios de comunicação e das diversas tecnologias. As questões culturais também interferiram nesse momento de crise em que viviam as pastorais e acabaram por apontar novos caminhos para aqueles jovens mais críticos, que muitas vezes optavam pela atuação em movimentos sociais, nem sempre guiados por uma ideologia, mas, diante de todo o contexto, por interesses pessoais.

É certo que, na atualidade, despontam também alguns processos que facilitam o surgimento de jovens conscientes e que assumem seu protagonismo, contribuindo com a construção de uma nova sociedade.

Nesses inúmeros contextos apresentados, as escolas católicas estão inseridas e ao mesmo tempo sujeitas aos múltiplos olhares sobre a evangelização da juventude. A discussão que faremos a seguir possibilitará a análise da escola como um espaço de evangelização.

1. A ESCOLA CATÓLICA COMO ESPAÇO DE EVANGELIZAÇÃO

Depois de observarmos um pouco da história da evangelização da juventude no Brasil, queremos discutir a escola católica como um espaço de evangelização. Sendo assim, nós nos propomos a apresentar alguns elementos não só da escola, mas especificamente da escola confessional católica a partir dos Parâmetros Curriculares Nacionais, de alguns autores e do Projeto Político-Pastoral-Pedagógico de uma escola Marista.

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN`s), do Ministério da Educação (MEC), a escola é apresentada como:

(...) um espaço de formação e informação, em que a aprendizagem de conteúdos deve necessariamente favorecer a inserção do aluno no dia a dia das questões sociais marcantes em um universo cultural maior. A formação escolar deve propiciar o desenvolvimento de capacidades, de modo a favorecer a compreensão e a intervenção nos fenômenos sociais e culturais, assim como possibilitar aos alunos usufruir das manifestações culturais nacionais e universais (MEC/SEF, 1997. p. 45)

A afirmativa acima é a referência do MEC para os diversos modelos de escola no Brasil. Essa definição é questionada em várias situações, porque o modelo de escola atual, por vezes, não está aberto ao mundo juvenil, dificultando o interesse dos alunos, desmotivando-os ao aprendizado e à participação. A evasão escolar e a reprovação, entre outras situações, surgem como consequência. Mais importante do que ensinar a “leitura da palavra” é fazer a “leitura do mundo”, o que possibilita aos jovens a construção do saber a partir de suas vivências. Assim, a escola poderá ser agente de transformação, iluminando e facilitando a emergência de um ser humano pleno, pertencente

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a uma sociedade que potencialize a vida em todas as suas dimensões.

Se estabelecermos um paralelo entre a compreensão de educação a partir de Freire, abordando que “o essencial nas relações entre educador e educando, entre autoridades e liberdades, entre pais, mães, filhos e filhas é a reinvenção do ser humano no aprendizado de sua autonomia” (FREIRE, 1981. p.94) e a compreensão de evangelização a partir de Brighenti, que propõe uma relação dialógica, percebemos que os interlocutores da evangelização caminham juntos, apoiam-se , escutam, valorizam o que cada um traz consigo, partindo de suas histórias de vida, da sua cultura para o exercício significativo da cidadania.

Ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdos, nem formar é ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado. Não há docência sem discência, as duas se explicam, e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. (FREIRE, 1981. p. 23)

O autor apresenta o conhecimento além dos conteúdos, valorizando a relação dialógica entre educadores e educandos, e contribuindo de forma significativa para uma melhor interação entre os mesmos. Assim, “ninguém educa ninguém, ninguém se educa sozinho, todos se educam em comunidade” (FREIRE, 1981 p. 68), ou seja, ocorre uma construção coletiva, em que todos ensinam e aprendem, e o conhecimento está em constante transformação.

Essa proposição encontrada no discusso de Freire possibilitará, dentre outras coisas, a formação de consciência e do cidadão. E, nesse caso, podemos tomar a compreensão de Spósito de que a instituição escolar, ao se expandir, surge também como um espaço de intensificação e abertura das interações com o outro, privilegiando as experiências vivenciadas pelos jovens, o que culminará com a sua inserção no mercado de trabalho e, também, no favorecimento de uma prática consciente dos mesmos como cidadãos. (SPÓSITO 2005. p. 90),

No Brasil, a relação formal entre família e escola deu-se na década de 60, com iniciativas pequenas em que a escola solicitava aos pais que motivassem seus filhos a superarem as exigências apresentadas pela sociedade. Iniciou-se, nessa época, o processo de democratização escolar e a abertura de escolas públicas, ampliando aos jovens o acesso à educação.

Na atualidade, de tamanha exigência e produtividade, o jovem está sujeito a integrar-se ao mercado de trabalho e responder às demandas impostas pela sociedade, sendo o fator econômico um dos grandes indicadores que influenciam na evasão escolar e também nas decisões a serem tomadas quanto à entrada na Universidade.

Segundo o Marco Referencial da Pastoral da Juventude Estudantil, a escola católica é normalmente mantida por congregações religiosas e tem uma preocupação com a formação humano-cristã dos jovens. (PJE, [s.n.], p.55). Ainda hoje, existem escolas católicas onde os valores e os assuntos pertinentes à realidade dos jovens são de responsabilidade dos professores que trabalham com o Ensino Religioso. Em contrapartida, há escolas cujo currículo contempla a formação integral do jovem, possibilitando seu protagonismo na escola e na sociedade.

Segundo Junqueira e Cândido,

A escola católica tem ampliado sua compreensão de confessionalidade. Por muito tempo se depositou essa responsabilidade ao Ensino Religioso, que deveria ser católico. Hoje reconhece a pluralidade e a necessidade de um Ensino Religioso aberto, entendido como disciplina e não como confessional católico. Entende a importância da confessionalidade transparecer em tudo que faz, em todos os setores, sem deixar tal responsabilidade a uma disciplina específica ou a um setor. (JUNQUEIRA, Sergio; CANDIDO, Viviane. 2006, p.139-140.)

Nesse contexto, podemos compreender a evangelização de forma profunda, perpassando vários setores da escola e integrada à proposta curricular. Cabe aqui compreender a escola como uma sociedade plural, “em que concepções convivem, seja por justaposição, seja de forma conflitante, nos diversos espaços da sociedade” 5. A escola católica é desafiada a ser uma presença evangelizadora, atendendo a uma comunidade, que não é, em sua totalidade, pertencente a essa confissão.

O desafio é apresentar uma proposta que ultrapasse a perspectiva catequética e dogmática, respeitando o papel da escola, seus processos garantindo a inclusão dos seus destinatários, respondendo às necessidades da sociedade atual e aos apelos do Evangelho.

Para viabilizar a concretização dessa proposta, que orienta a reflexão e organização do contexto escolar, é necessária a elaboração de um projeto pedagógico que oriente as ações nesse espaço, que se dê de maneira processual, participativa e dinâmica, e por meio do qual constituiremos um instrumento coletivo de construção da sociedade. Ressaltamos que, no sentido etimológico, o termo “projeto” vem do latim projectu, particípio passado do verbo projicere, que significa “lançar para diante”.

Nessa perspectiva, ainda tomaremos a compreensão de Veiga, quando afirma que o projeto político-pedagógico vai além de um simples agrupamento de planos de ensino e de atividades diversas.

O projeto busca o rumo, uma direção. É uma ação intencional, com um sentido explícito, com um compromisso definido coletivamente. Por isso, todo projeto pedagógico da escola é, também, um projeto político por estar intimamente articulado ao compromisso sociopolítico com interesses reais e coletivos da população majoritária. É político no sentido de compromisso com a formação do cidadão para um tipo de sociedade. (JUNQUEIRA, Sergio; CANDIDO, Viviane. 2006. p. 140.)

Afirmamos que o projeto político-pedagógico é de fundamental importância e deve ser pensado e elaborado por todos os segmentos da escola, ressaltando-se, em especial, a contribuição dos educandos. É essa ampla participação que torna a escola um espaço democrático.

O documento da UBEE, Projeto Político-Pastoral-Pedagógico, afirma:

A escola marista deve ser um espaço dinâmico, de criatividade inovadora, de admiração pelo

5

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desconhecido e pelo vir a conhecer. Esse espaço é também local para disseminar os valores do Evangelho, que são transformadores, criadores e geram a admiração pelo mistério. O processo de educação, vivido como missão evangelizadora, pode proporcionar às pessoas uma mudança na forma de conceber o mundo, de relacionar-se e de criar estruturas mais justas. Educar é levar os outros a caminhar, a trilhar seus próprios percursos em busca da superação de limites. Essa dimensão da educação está intrinsecamente ligada ao Evangelho. (UBEE, 2003. 26-31)

O mesmo documento afirma que a função da Escola Marista não é apenas transmitir conhecimentos, mas propiciar ao indivíduo a construção de uma sólida e diversificada base cultural, bem como orientá-lo na definição de um projeto de vida alicerçado em valores cristãos, que propicie o desenvolvimento harmônico de suas diferentes potencialidades, a sua realização como pessoa e a integração consciente, crítica, participativa e solidária à vida social.

A seguir, justificaremos o título “A Evangelização como elemento integrador na formação dos jovens no espaço escolar”.

2. A EVANGELIZAÇÃO COMO ELEMENTO INTEGRADOR

Sabemos que a evangelização passa necessariamente pelo empenho dos cristãos na construção de uma nova sociedade onde todos são chamados a participar. O anúncio da pessoa de Jesus Cristo vem a partir das perguntas que o testemunho suscita.

“E esta Boa Nova há de ser proclamada, antes de mais, pelo testemunho. (...) Por força desse testemunho sem palavras, estes cristãos fazem aflorar, no coração daqueles que os veem viver, perguntas indeclináveis: por que é que eles são assim? Por que é que eles vivem daquela maneira? O que é – ou quem é – que os inspira? Por que é que eles estão conosco?” (PAULO VI, 1976. p. 26.)

Concordamos com o autor, ao afirmar que o testemunho é muito significativo, sobretudo quando nos dispomos a ajudar as pessoas. Em 2007, por ocasião do trabalho de pós-graduação, entrevistamos um grupo de alunos do Ensino Médio e constatamos que a ação evangelizadora de uma escola católica ajuda, e muito, no seu processo de formação. Algumas falas dos jovens entrevistados voltavam-se para a ajuda e a troca de experiências entre as pessoas, proporcionadas pela pastoral. Essas atividades são espaços de participação e envolvimento da juventude, e, quando planejadas de forma coletiva e participante, os mesmos podem exercitar o seu protagonismo, construindo a sua autonomia.

Nesse sentido, é importante que essas atividades estejam integradas no currículo. Se não estão, quais os elos que poderiam ser estabelecidos para um maior envolvimento dos jovens?

Sabemos que existem diferentes concepções sobre a evangelização, por isso é relevante termos o cuidado de discuti-las, trabalhando-as com todos os setores da escola, para que, a partir das vivências, os jovens as percebam de forma ampla.

Vejamos o que alguns jovens falam, ao serem questionadas sobre qual contribuição as atividades propostas pela escola acrescentam às suas vidas. As atividades desenvolvidas pela escola ligadas à formação humana estão voltadas para a formação do indivíduo como cidadão completo, de caráter, ciente dos seus direitos e deveres. As atividades ligadas ao profissional/acadêmico estão relacionadas ao emprego e à formação de bons profissionais para o futuro. As atividades ligadas à religião/ valores estão relacionadas à integração, formação de caráter, incentivo ao lado religioso. As atividades sociotransformadoras estão ligadas ao despertar da solidariedade nas pessoas, ao ensinamento de boas ações, à ajuda ao próximo e à contribuição para a construção de uma sociedade maior.

“As atividades representam uma maneira de educar e preparar os alunos para a vida, além de apenas ensinar um saber científico. Representam a interação para os alunos e o desenvolvimento dos mesmos.” (L.P.B, 16 anos ,2º EM).

“As atividades propostas pelo colégio representam para mim um modo de integração dos alunos em atitudes concretas, ou até mesmo espirituais... Também conscientizam através das atividades ideais de um futuro bom, do que seria certo/errado hoje em dia.” (A.J.B, 16 anos, 2º EM).

“Para mim representam a vontade da escola de formar cidadãos completos na formação acadêmica e na formação espiritual, do caráter, a formação para a cidadania, da crítica para com todos os assuntos.” (D.P. S, 1º EM).

“Representam uma oportunidade para os jovens de poder ajudar e fazer a diferença. Uma ação de conscientização do jovem aluno e a preocupação de formar cidadãos cientes de seus direitos e deveres.” (T.S.P, 1º EM).

Diante desse cenário, percebemos que as atividades propostas pela escola têm importância na vida desses jovens e contribuem na sua formação de cidadãos. Elas possibilitam uma aproximação com outras realidades sociais, refletindo com eles acerca do seu papel frente aos desafios da sociedade e motivando-os a contribuir de forma efetiva na transformação pessoal e social, ao romper com a visão desumana da globalização. O engajamento de alguns jovens por meio dos trabalhos de acompanhamento sistemático em obras sociais e em algumas comunidades pode ser visto como fruto dos trabalhos desenvolvidos pela escola. Essa sensibilização contribui à medida que os mesmos passam a defender a vida por meio de valores como a cidadania, respeito, solidariedade e dignidade para todas as pessoas.

Este estudo teve como objetivo apresentar os conceitos de evangelização e identificar a contribuição dada pela escola aos jovens a partir do processo de evangelização numa escola confessional.

Podemos apontar alguns desafios e tendências para a ação evangelizadora dessa escola.

A ação evangelizadora é vista, na maioria das vezes, por meio das atividades desenvolvidas pela pastoral. Dessa forma, a evangelização se restringe a esse setor, caracterizando-o como único responsável pela ação evangelizadora no espaço escolar.

A pastoral deve perpassar e envolver todas as pessoas da comunidade educativa, numa ação articulada, partindo

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de um processo de discernimento sobre a realidade atual, reconhecendo as diferenças e o pluralismo existente na escola, num processo de diálogo e liberdade, e contribuindo para que o Evangelho seja encarnado a partir da vida e da cultura das pessoas envolvidas.

Sabemos que a escola não é o único espaço de evangelização para a maioria da juventude, mas não podemos esquecer-nos daqueles jovens que apenas têm acesso à evangelização a partir da escola. Assumir a evangelização como centro do processo educativo é “estar aberto à autoconversão, à autorrevisão em busca contínua da recriação de um ambiente onde cada vez mais os valores do Evangelho sejam não só proclamados, mas, sobretudo vivenciados” (UBEE, 2003, p.27).

O desafio é construir um projeto pedagógico que valorize a diversidade, garantindo a interdisciplinaridade como via de diálogo entre a fé, cultura e ciência, implicando sensibilidade e inteligência nas relações com o conhecimento e com os sujeitos do mundo acadêmico. Dessa forma, a escola católica busca a excelência acadêmica e também um diferencial ético, profético e evangélico, superando as visões fragmentadas da realidade. A concepção da pastoral apenas como um setor da escola precisa ser superada, e, para isso, o projeto pedagógico precisa mensurar, em seu conjunto, essa dimensão. Assim, teremos, de fato, uma escola em pastoral, “onde os valores evangélicos estão presentes, revigorando a ação educacional, tornando-se um compromisso de toda a comunidade educativa” (UBEE, 2003, p.26). Nessa ótica, a evangelização deixará de ser tarefa de um setor da escola.

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EDUCAÇÃO E EVANGELIZAÇÃO1

Autora: Maria das Graças Silva2

Orientador: Ir. Adalberto Amaral3

RESUMO

Este artigo apresenta uma análise das teorias educacionais e uma abordagem do pensamento de alguns teóricos da educação em relação ao processo ensino-aprendizagem, que se realiza na e fora da instituição escolar, enfatizando também a dimensão evangelizadora da educação, em especial nas escolas católicas. Destaca pontos que favorecem esse processo de educação, apresentando a vivência da cidadania e a formação do cidadão como instrumentos presentes no processo da evangelização. A hipótese principal do trabalho em questão sustenta que a educação não é propriedade de uns poucos, pois está presente em todas as culturas e povos, por isso necessita ser trabalhada em sua totalidade, ou seja, em todos os setores da sociedade. A evangelização caminha com a vida da comunidade, perpassa o ser humano e acontece no cotidiano. Dessa forma, a educação e a evangelização na Escola Católica visam favorecer a descoberta dos valores educacionais e religiosos presentes nas culturas e tradições dos povos, bem como contribuir para a busca da valorização da aprendizagem e da experiência de fé e vida processadas na comunidade escolar, social e eclesial.

PALAVRAS-CHAVE: Educação. Evangelização. Processo. Cidadania. Desafios. Fé.

INTRODUÇÃO

Diante dos múltiplos desafios da vida, a educação e a evangelização surgem como valores indispensáveis à humanidade, na construção dos ideais de paz, de liberdade e de justiça. Assim, faz-se necessário conhecer o mundo da educação e evangelização para poder intervir, construindo paradigmas que reforcem um novo agir pedagógico e uma nova forma de percebê-las, destacando a atuação em todos os níveis da vida humana, bem como perceber a importância do trabalho evangelizador na vida da comunidade educativa que ultrapassa os muros da escola e ganha forma na sociedade.

A educação e a evangelização nessa perspectiva vêm refletir sobre a necessidade de uma maior abertura para o social, considerando os conceitos de educação que se perpetuaram ao longo da história e apontando caminhos que favoreçam a prática da solidariedade, que fortaleçam a vivência da cidadania. A educação ao longo da vida conduz, diretamente, ao conceito de sociedade educativa, uma sociedade em que são oferecidas múltiplas oportunidades de aprender na escola, como na vida

1 ArtigoapresentadocomorequisitoparaconclusãodeCursodeExtensãoEscolaemPastoralpromovidopelaProvínciaMaristaBrasilCentro-NorteemparceriacomaPUC-PR.2 Maria das Graças Silva graduada em Teologiapela Lumen Christi – Salvador/Bahia. Filosofia pela UECE– Universidade Estadual do Ceará. Pós graduada emPsicopedagogia e em Metodologia e Docência do EnsinoSuperior. Atualmente assume a coordenação da Pastoral doColégioMaristadeAracati.

3 Irmão Marista, Coordenador da Área de VidaConsagradaeLaicatodaUniãoMaristadoBrasil–UMBRASILBrasília/DF,tutordocursoEscolaemPastoral.

social e cultural, de utilizar o espaço escolar para anunciar Jesus Cristo, aquele que se faz presente na vida do povo: “Eu tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber; era peregrino e me acolhestes” (Mt 25, 35)

Dessa forma, somos convidados a retomar e atualizar o conceito de educação e evangelização construído ao longo da história, de modo a conciliar a competição que estimula, a cooperação que reforça e a solidariedade que une. Isso quer dizer: educar para a vivência dos valores fundamentais da vida humana, como solidariedade, justiça, fraternidade, amizade, etc., fortalecendo o vínculo com a comunidade e com a educação de forma geral, pois ela é vida que se processa em todos os ambientes. É a presença do ressuscitado por meio de ações que promovem vida, encontros, oração, ação.

Educamos e evangelizamos na vida e para a vida. Educamos e evangelizamos na escola e fora dela, por isso é necessário ter consciência do papel da educação. Como agentes do ato de educar, rompemos limites para proporcionar o conhecimento sistematizado, ou seja, buscamos métodos e técnicas para transmitir, de forma clara, aquilo que aos poucos vai tornando-se saber universal. E assim vai sendo armazenado, durante gerações, nas páginas da história.

Temos clareza de que a missão educativa é árdua, no entanto sabemos que outros já trilharam o mesmo caminho que nós, por isso hoje estamos também fazendo história para a educação. Educar para além das escolas, educar para além do próprio ato de educar, ou seja: hoje somos educadores, amanhã educadores serão os que hoje são educandos. O processo é contínuo, difícil a missão, mas caminhar é preciso, pois sabemos do muito que ainda temos a construir para que a evangelização ganhe força e vença os limites impostos pelo sistema educacional das escolas. Visamos uma educação e uma evangelização que se processem em busca da formação do homem em todas as suas dimensões, da sua formação integral.

Nesse sentido, temos como objetivos: compreender a educação e a evangelização como fatores presentes na vida humana, buscando proporcionar um maior embasamento que venha a favorecer uma prática pedagógica alicerçada nos valores evangélicos que não seja restrita às instituições escolares católicas; favorecer a compreensão da evangelização como responsabilidade de todos, e não apenas de um grupo, destacando os desafios da educação evangelizadora como tarefa a ser realizada por cada cristão.

EDUCAÇÃO E EVANGELIZAÇÃO

Educação é um termo amplo, por isso necessitamos restringi-lo para uma melhor compreensão. Cada vez mais, a educação ocupa espaço na vida das pessoas, à medida que aumenta a participação e o desempenho na dinâmica das sociedades modernas, devido aos variados processos nela existentes. Ester Grossi (2000, p.22) afirma que “a educação é o campo amplo dos princípios e da prática sobre como um indivíduo se transforma em uma pessoa, em um cidadão; por isso, inclui a problemática do sentido da vida, da sociedade e da cultura.” Para uma instituição católica, além da educação, temos a evangelização, que deve acompanhar todo o processo educativo, pois “o empenho em anunciar o Evangelho aos homens do nosso tempo, animados pela esperança, mas ao mesmo tempo torturados muitas vezes pelo medo e pela angústia, é sem dúvida alguma um serviço prestado à comunidade dos cristãos, bem como a toda a humanidade.” (PAULO VI, 1982, n. 1).

De acordo com Morais (1986, p.56), “a escola é uma escada, cada degrau prepara para o degrau posterior. Escolarizar-se é frequentar essa sequência. Cada degrau cumpre sua função que

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retoma a anterior e desemboca na posterior.” Já no contexto da evangelização, sabemos que “é uma realidade rica, complexa e dinâmica que requer: o testemunho de vida; o anúncio explícito; a adesão do coração; a inserção na comunidade; o acolhimento dos sinais e dos sacramentos; a transformação e a renovação da humanidade.” (CNBB, 1986).

Sabemos que o essencial, na vida de um país, é a educação, que dá os instrumentais para a qualificação dos profissionais que se desejam. Assim, quando os sistemas educativos formais tendem a privilegiar o acesso ao conhecimento, em detrimento de outras formas de aprendizagem, importa conceber a educação como um todo. De fato, é preciso reconhecer que “a prática evangelizadora deve ser sempre processo que integra fé e vida, em nível social e pessoal, e, por outro lado, a prática educativa autêntica carrega sempre em si dimensões e valores da boa nova do Reino.” (CNBB, 1992, n. 89). Daí a necessidade de se ter uma educação evangelizadora, uma educação que se deixe permear por valores.

Podemos afirmar que a educação se processa na vivência do dia a dia. Aprendemos com os antepassados, a cultura, o meio ambiente, etc., por isso cabe ao educador transmitir ao educando o que a humanidade já aprendeu acerca de si mesma e da natureza, tudo o que ela descobriu de essencial, uma vez que o homem aspira à igualdade e à participação, duas formas de conscientização de sua dignidade na busca da realização. A aspiração do homem se exprime cada vez mais, à medida que nele se desenvolve a capacidade de buscar informação e educação.

A educação e a evangelização devem ser úteis à sociedade, funcionando como instrumentos que favoreçam a criação e a difusão do conhecimento, da fé e da ciência, e colocando-se ao alcance de todos. Nesse sentido, é papel da escola católica acompanhar as questões contemporâneas e atuar de maneira a formar indivíduos que estejam preparados para a construção de uma sociedade democrática, participativa e aberta à pluralidade cultural e étnica, tendo em vista a formação do cidadão como um todo. Dessa forma, “a escola tem um papel fundamental nesse processo, onde as condições concretas vivenciadas não são as fontes alimentadoras do processo de aprendizagem.” (GONH, 1994, p.15).

Severino (1994) apresenta os compromissos da educação, destacando a atividade educativa como uma forma de trabalho, por ser uma atividade produtiva. É uma forma de preparação para o trabalho, uma vez que constitui um investimento para inserir novos profissionais nas relações de produção, somente atingindo seus objetivos se for realizado pelo trabalho, ou seja, pela atividade prática, conforme reforça o autor, quando destaca:

Quando encarado como preparação para o trabalho, o processo educacional refere-se prioritariamente à situação do sujeito educando, ao aprendiz. Aqui temos a educação na perspectiva daquele que é o alvo da ação educativa. Entretanto, se visto como modalidade de atividade especificamente pedagógica, o processo educacional envolve educandos e educadores. (SEVERINO ,1994, p.115).

Nessa perspectiva, percebemos a necessidade de uma educação que favoreça a vivência de uma formação de consciência crítica que prime pelo bem comum. Este é o contexto da educação para a cidadania: mútua, colaboração, respeito, amor a si mesmo e ao outro, postura que todos podem e devem assumir.

Ser cidadão não é disputar; é colaborar para criar uma vida fraterna na sociedade. Para isso, a escola deve estar vinculada a esse processo, como agência educativa que atenda as necessidades e hábitos civilizados, que corresponda à vida nas cidades. Há que se ressaltar aqui o papel político da educação escolar como formação para a cidadania. A escola católica, afinada com os valores cristãos, deverá imprimir uma marca ética e solidária no coração de cada um dos seus educandos, e isso é o seu maior legado. Para tanto, é imprescindível um testemunho do amor cristão e dos valores cristãos de modo institucional, permanente e processual.

Faz-se necessária uma compreensão global da realidade, que o homem vai elaborando em cada situação e em cada contexto. Só assim, podemos dizer que cidadania é a vivência dos valores formados ao longo da vida pelo indivíduo consciente do seu papel social, ou melhor, da sua responsabilidade como ser social e cristão autêntico. É preciso, no entanto, educar o cidadão formando o cristão, pois ele é o artífice dessa história que tentamos escrever ao longo da vida no processo educativo evangelizador.

Evangelizar significa, ao mesmo tempo, testemunhar e anunciar o Evangelho, isto é, viver e proclamar as exigências da mensagem cristã. “Ide e evangelizai a toda criatura” não traz apenas uma conotação geográfica e cultural que engloba todas as regiões e raças do mundo, mas também uma referência a todas as classes e ambientes sociais, incluindo as escolas. Reconhecemos, com alegria e entusiasmo, que “cresce, em muitos educadores, religiosos e leigos, a consciência de que sua prática educativa precisa ser sempre mais uma presença da Igreja evangelizando o mundo da educação.” (CNBB, 1992, n. 49).

EDUCAÇÃO E EVANGELIZAÇÃO: CONVITE A UMA NOVA PRÁXIS

A educação como processo contínuo da vida humana não pode ser desvinculada do seu objetivo: o homem e o mundo. Assim, não pode sustentar-se com objetivos limitados, nem endereçar suas metas para situar o homem no mundo material. Somos uma totalidade, e a educação deve voltar-se para o ser humano como um ser de relação, cidadão, construtor de uma história que se faz gradativamente dentro de um grupo social, tendo em vista o seu processo evangelizador. Gaddotti afirma:

A educação tem um papel político fundamental. Deve desempenhar um papel eminentemente democrático, ser um lugar de encontro, de permanente troca de experiências. Assim, a educação consiste em esperar que o mundo seja dividido com justiça entre os homens. (GADOTTI, 1978, p.157).

É partindo desse pressuposto que percebemos que ninguém consegue ficar por fora da educação, pois a mesma acompanha tudo e todos. É essa reflexão que Brandão nos apresenta quando diz:

Em casa, na rua, na igreja ou na escola, de um modo ou de muitos, todos nós envolvemos pedaços da vida com ela: para aprender, para ensinar, para aprender e ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou para conviver, todos os dias misturamos a vida com a educação. (1995, p.7).

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Nesse processo interativo, percebemos a educação evangelizadora criando formas de vida, assumindo e assumindo-se para a sociedade, ou seja, estabelecendo paradigmas educativos e estimulando a sociedade a vivenciá-los de forma prática. A essa reflexão podemos acrescentar o pensamento de Paulo Freire, quando diz: “A educação deve ser vivenciada como uma prática concreta de libertação e de construção da história.” (1987, p.8). História esta, que nos permite perceber que a educação se desenvolveu junto com o ser humano, evoluindo com o passar dos tempos.

Ainda hoje, existem regiões onde não há escolas, mas há Igrejas, há evangelização, há crentes que anunciam e comunicam a mensagem da salvação, o Evangelho. Não há escolas, no entanto a educação e a evangelização são constantes, não deixam de ocorrer, embora aconteçam por processos diferentes daqueles utilizados pelo sistema escolar institucionalizado.

O processo educativo e evangelizador independe da escola, mas esta é necessária às culturas que a utilizam como instrumental na forma de educar e evangelizar. Não queremos negar o valor da escola no processo educativo evangelizador; ao contrário, queremos dizer que a mesma é importante na missão de educar e que está onde o povo estiver, ou seja, acompanhando culturas e ideologias, sustentando-se da vida das comunidades e ganhando espaço na ação do homem em seu meio social.

A educação é permanente, processo que deve continuar durante a vida inteira e que acontece fora da escola. Segundo Paulo Freire:

A educação é permanente não porque certa linha ideológica ou certa posição política ou certo interesse econômico exijam. A educação é permanente na razão, de um lado, da finitude do ser humano, de outro, da consciência que ele tem de sua finitude. Mais ainda, pelo fato de, ao longo da história, ter incorporado à sua natureza não apenas saber que vivia, mas saber que sabia e, assim, saber que podia saber mais. A educação e a formação permanente se fundem aí. (1987, p.20).

Partindo dessa perspectiva, percebemos o quanto a educação evangelizadora se faz necessária, uma vez que contravalores são veiculados pelos meios de comunicação de massa, que nem sempre educam. É necessária a educação que se processa nos movimentos de jovens que juntam sonhos e esperanças; que envolve as crianças nos jogos e brincadeiras infantis; que cria espaços para um mundo imaginário aonde ninguém ousou chegar. Educação que é vida vivida e que faz o ser humano pensar. Educação que foi sonhada e desejada por tantos homens e mulheres ao longo da história.

É nesse processo de busca contínua que precisamos envolver-nos para conseguir transpor os limites de uma educação tecnicista e transformá-la numa educação humanizadora, tendo a centralidade do Evangelho como farol a iluminar as práticas educativas. Uma educação que faça o ser humano renascer e buscar ser semente de transformação pela e para a educação, pois uma escola não existe só para si, mas representa uma base sobre a qual muitas coisas podem desenvolver-se pelo bem da sociedade. Ela constitui um meio propício para a aprendizagem ativa das relações humanas e do conhecimento do Deus que se fez homem para permanecer mais perto dos homens. .

Ao estabelecer um verdadeiro sistema de relacionamentos com o grupo de educadores, educandos, família, sociedade, a escola se enriquece e, por sua vez, contribui para o crescimento das pessoas, ultrapassando suas próprias paredes e assumindo o

compromisso com Jesus Cristo, quando nos diz: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura.”(Mc 16,15). A escola católica deve ter um sentido comunitário e ser julgada, em última instância, pela qualidade das relações existentes, tanto dentro quanto fora de sua circunscrição imediata. É preciso considerar também qual trabalho evangelizador desenvolve, que semente do Reino está sendo plantada.

É nessa perspectiva que refletimos, buscando favorecer ao educador uma nova postura frente aos desafios que lhe são apresentados, convidando-o a uma práxis que seja promotora de vida, de liberdade e ação no imenso mundo da educação evangelizadora.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

“O caminho não está feito, ele se faz ao andar.” (Thiago de Melo).

É na perspectiva de caminheiro que chegamos ao final não do caminho, mas de uma etapa da caminhada, desejando colaborar na construção de uma visão e proposta educativa que favoreça o desenvolvimento do ser humano em sua totalidade em vista da evangelização.

Durante a pesquisa em busca de referenciais, muitas perguntas surgiram e, para cada pergunta, buscávamos uma resposta prática, para que não nos limitássemos às teorias. Percebemos que, muitas vezes, como educadores, nós nos sentimos limitados e não tentamos fazer surgir uma educação evangelizadora, por termos medo de mexer nas estruturas.

Quando nos perguntamos como fazer surgir uma educação evangelizadora, pensamos na totalidade do que é o ser humano e, para essa pergunta, apresentamos várias respostas, como, por exemplo, que o ser humano é um ser de relações, portanto deve ser visto como um todo e não como unidades separadas. Nesse sentido, a educação evangelizadora seria aquela que primasse por desenvolver as potencialidades de forma sistemática.

A educação não serve apenas para fornecer pessoas qualificadas ao mundo do trabalho. Desenvolver os talentos e as aptidões de cada um corresponde, ao mesmo tempo, à missão fundamentalmente humana da educação, bem como proporcionar o encontro com o transcendente ao longo da história.

Faz-se necessário pensar uma educação para além de uma simples adaptação ao emprego, mas uma formação que se desenvolva ao longo da vida, concebida como condição de desenvolvimento harmonioso e contínuo da pessoa.

Queremos compreender a educação como processo de vida. Educação que seja uma reflexão mais aprofundada sobre a missão e o papel do educador, pois, quanto mais limitarmos o nosso conhecimento aos muros das escolas, mais limitaremos o processo educativo e evangelizador.

O mundo está sendo construído a cada instante, por isso a necessidade de perceber que a escola não detém o poder de educar, e a Igreja, o de evangelizar; que a educação e a evangelização perpassam o domínio das instituições escolares e eclesiais e, por isso mesmo, devem abrir-se para as mudanças, alicerçando-se na vida da comunidade, consciente do seu papel de construtora da cidadania e responsável pelo destino do seu país.

As crianças chegam à escola transportando consigo imagens de um mundo real ou fictício, que ultrapassam, em muito, os

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limites da família e da comunidade. As mensagens mais variadas - lúdicas, informativas, publicitárias -, transmitidas pelos meios de comunicação social, entram em concorrência ou em contradição com o que os alunos aprendem na escola. Como os educandos passam menos tempo na escola do que diante da televisão, a seus olhos é grande o contraste entre a gratificação instantânea oferecida pelos meios de comunicação, que não lhes exige esforço, e o que lhes é exigido para alcançarem sucesso na escola. A educação precisa ser redescoberta, e a escola, reencantada. Estabelecendo um sistema de relacionamentos com o grupo de educadores, educandos, família, sociedade, a escola se enriquece e também contribui para o crescimento das pessoas, ultrapassando seus limites.

É preciso reestruturar o processo ensino-aprendizagem-evangelização, favorecendo um maior envolvimento com a educação sistematizada, aquela que se processa fora da escola, na vida, no cotidiano, pois à educação cabe fornecer, de algum modo, os mapas de um mundo complexo e constantemente agitado e, ao mesmo tempo, a bússola que permita navegar por ele.

Assim, o educador poderá sentir-se confiante no complexo mundo em que vive, tendo instrumentos que o ajudem no processo de adaptação e na vida em sociedade. Saber para onde ir e como ir é sentir-se seguro diante dos desafios que são apresentados constantemente.

A educação e a evangelização constituem uma proposta de reflexão, desejando que cada indivíduo saiba conduzir o seu destino, num mundo onde a rapidez das mudanças se conjuga com o fenômeno da globalização, para modificar a relação que homens e mulheres mantêm com o espaço tempo; e aspirando por descobertas científicas e tecnológicas que possibilitem uma melhor qualidade de vida e o encontro desse indivíduo consigo mesmo.

Educar e evangelizar são meios de se chegar a um equilíbrio entre trabalho e aprendizagem, bem como ao exercício de uma verdadeira cidadania pautada nos valores evangélicos e no testemunho do mestre Jesus. Assim, favorecem a construção contínua da pessoa humana, do seu saber e de suas aptidões, da sua vida de fé na comunidade, da sua capacidade de discernir e agir, levando-a a tomar consciência de si própria e do meio que a envolve, e a desempenhar o papel social que lhe cabe na Igreja (comunidade de fé) e na sociedade.

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EDUCAR PARA O PROTAGONISMO E EVANGELIZAR PARA A

COMUNIDADE: O DESAFIO DA ESCOLA EM PASTORAL DIANTE DE UM CONTEXTO GLOBAL E

MERCADOLÓGICO1

Autor: Renato Daniel Araújo de Faria2 Orientador: Hudson Silva Rodrigues3

RESUMO:

Este artigo apresenta alguns pressupostos básicos para a proposta de uma escola em pastoral que pretende educar para o protagonismo juvenil e evangelizar para o sentimento de pertença a uma comunidade, no caso a comunidade cristã. Considera o desafio contemporâneo de se trabalhar esses conceitos num mundo cada vez mais globalizadado e regido pelas leis e valores mercadológicos, com interesses implícitos de sobrepor seus valores aos valores de fraternidade, igualdade e justiça propostos pelo cristianismo.

PALAVRAS-CHAVE: Escola em pastoral. Educação. Evangelização. Protagonismo.

INTRODUÇÃO

Neste artigo, discutiremos sobre o desafio que uma escola que possui uma proposta pastoral enfrenta para educar para o protagonismo e evangelizar para a comunidade, frente a uma situação histórica que impulsiona cada vez mais para o individualismo e para a alienação. Para isso, faz-se necessário recuperar a visão do processo histórico que nos constitui, pois esse é um gesto salutar contra o imediatismo capitalista e a absolutização do presente que o sistema nos impinge. Sem essa perspectiva, o trabalho educacional será irremediavelmente reprodutivista e mediocremente acrítico. Afinal, um dos atributos do ser humano é pensar-se ao longo do tempo, e como construção social em perene transformação.

A Educação existe desde que o ser humano surgiu. Revelar ao outro a produção e a conservação do fogo, fundamental para a sobrevivência da espécie, era educação. Ensinar o manejo de um porrete para controlar uma mina d’água, expulsando outros grupos do acesso a esse bem comum e inaugurando a apropriação privada, também era educação. Dominadora e classista, mas era educação.

Por isso, educação é cultura e ideologia, e pode servir para aproximar e afastar pessoas e classes sociais.

1 ArtigoapresentadocomorequisitoparaconclusãodeCursodeExtensãoEscolaemPastoralpromovidopelaProvínciaMaristaBrasilCentro-NorteemparceriacomaPUC-PR.2 Filósofo, Pós-Graduando em Gestão PedagógicapelaPUC-PR,AssistentedePastoraldoColégioMaristaDomSilvérioemBeloHorizonte–MG.3 Teólogo, Licenciado em Língua Portuguesa pelaFaculdadedaTerradeBrasília–FTB,EspecialistaemEnsinoReligioso pela Universidade Católica de Brasília e Analistade Pastoral da Coordenação de Evangelização e Pastoral daProvínciaMaristaBrasilCentro-Norte.

É preciso afirmar isso para que possamos começar do nosso lugar, do lugar em que pretendemos evangelizar: a escola. Podemos falar que, no contexto educacional brasileiro, muito se progrediu, mas também muito temos a caminhar para que a educação cumpra seu papel de humanização.

Como foi dito, esse resgate histórico é um exercício que continuamente nos traz o controle sobre nós mesmos. Fincar a memória no chão da pós-modernidade é uma afronta à cultura líquida que experimentamos.

Já que falamos de escola, passemos agora para o outro fator que norteia nossa discussão: a evangelização.

Comemorar é, literalmente, lembrar junto. É recordar -pensando com o coração- a conflitante saga do cobrimento que nos constitui como massa que deveria virar povo.

Neste texto, lancemos nosso olhar pastoral pelo contexto de “evangelização” que, em certo momento, foi imposição de valores sobre os nativos. A cruz, dizendo-se luz, foi fincada sobre a mente dos bárbaros e dos gentios. Civilização? Na evangelização imposta – que é sempre antievangélica-, os conquistadores ofereciam os 10 mandamentos e tomavam em troca as terras dos silvícolas. Quem não se convertia ou fugia, morria. Dos estimados seis milhões de nativos de 1.500, restam hoje pouco mais de 300 mil. Evangelização ou dizimação? Quem sobrevivia sofria uma espécie de genocídio cultural.

Os interesses do Estado, da Igreja e da empresa colonial estavam imbricados. Os negócios do poder, da fé e do dinheiro se misturavam.

Resgatar esse pequeno, quase insignificante histórico da evangelização no Brasil é importante para nós, que evangelizamos por meio da educação, para percebermos que ainda existem alguns resquícios desde 1500, daqueles que nos querem isolados, individualistas, dispersos e apáticos na caravela-presídio do “cada um por si”, não só na Igreja, mas em toda a sociedade, com suas específicas relações de poder.

A necessidade de relembrarmos o passado doloroso é a certeza de que não podemos seguir esse exemplo de uma sociedade que mais bania do que agregava e de uma comunidade que, em sua prática evangelizadora, desconsiderava os valores culturais de determinada população.

O Evangelho nos convida especificamente para assumirmos a missão de um posicionamento profético contra um sistema socioeducacional e, consequentemente, cultural e ideológico que se proponha a ensinar como virtude apenas o egoísmo, o medo, a apatia e o desrespeito, passando quase imperceptivelmente pela domesticação das disciplinas lecionadas.

“Cabe a nós olhar a realidade de nossos povos e de nossa Igreja, suas limitações, com seus valores, suas limitações, suas angústias e esperanças.” (D.A, p. 21-22).

Diante disso, só podemos afirmar que a proposta de uma escola em pastoral não comunga com os pressupostos do atual conceito de globalização, que, servindo aos desejos neoliberais, decreta que não há mais sociedade, mas apenas indivíduos. Por isso, decidimos ser discípulos de missionários de um Cristo que anuncia a Novidade da comunidade, frente a esse velho mundo individualista, e a novidade do engajamento e do protagonismo frente aos velhos corações apáticos que não acreditam na mudança e na construção efetiva da Civilização do Amor.

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1. Pastoral inculturada

Para pensar a juventude no Brasil, não podemos desconsiderar o contexto em que ela está inserida. É preciso analisar a cultura que se propaga entre diversas formas de fenômeno juvenil e como esse fenômeno se apresenta a nós, educadores e educandos. Pensando assim, podemos destacar os espaços frequentados pelos jovens e a relação existente entre cada tipo de “tribo”, e tentar correlacioná-los ao espaço educativo. Fazer essa relação é extremamente necessário para entendermos a perspectiva que nossos estudantes possuem da vida, sua maneira de pensar e agir, a forma como eles se relacionarão conosco, bem como suas angústias, seus questionamentos, insatisfações, preocupações, etc.

Temos que partir do princípio de realidade dos jovens para alçarmos nosso objetivo de torná-los “bons cristãos e virtuosos cidadãos”. Dessa forma, podemos falar de uma “pastoral inculturada”, ou seja, uma prática pastoral que não descarta os valores culturais, familiares e reflexivos de nossos estudantes, mas sim, penetra nesses valores de forma tão transformadora que é capaz de cativar todos os jovens na própria linguagem e cultura deles. Essa “pastoral inculturada” não pode descartar, em momento algum, os símbolos trazidos pela juventude, até mesmo se esses símbolos forem contrários aos valores que pretendemos formar. Devemos partir deles para fornecer ao jovem a possibilidade de refletir sobre esses símbolos que ele carrega e não condizem com a postura de um cidadão virtuoso ou um bom cristão. Embrenhados na vida da juventude, podemos, aí sim, falar de uma fé encarnada, mesclando fé, cultura e vida, que devem ser elementos indissociáveis no nosso processo de evangelização.

Devemos, então, analisar o jovem em seu fenômeno, ou seja, como um ser que se manifesta em seu espaço. Essa abordagem fenomenológica nos permitirá criar mecanismos de interpretação, coleta de dados e análise de como vivem os jovens estudantes de hoje e em que valores eles estão fundamentados.

2. A juventude como mercadoria

“Na sociedade de mercador paga-se pela troca de bens e serviços. Vende-se e compra-se. Não se doa e não se agradece. Ao pagar é liquidada qualquer dívida. A sociedade de mercado nos afasta das raízes da árvore da vida, que são amor, dádiva, fraternidade e solidariedade.” (CF 2010, p. 19).

Dentro desse contexto, e partindo dessa linha de pensamento, trazemos à nossa reflexão um fator preocupante e que exerce grande influência sobre a juventude: o mercado. Falar de mercado é falar das relações econômicas e sociais que definem, delimitam ou conceituam determinada forma de agir, que influencia todo o nosso contexto histórico.

Numa breve retomada, podemos dizer que a humanidade, e consequentemente a juventude, por fazer parte dela, sempre precisa de uma espécie de eixo referencial para indicar os caminhos que ela deveria percorrer e nortear as relações de poder entre os seres humanos. Resgataremos aqui quatro fases importantes para a nossa constituição humanística que se enquadram nesse contexto de “Divindade Norteadora”. Em nossa história, passamos por quatro períodos que marcaram nossa humanidade.

O primeiro deles surgiu na Grécia antiga, desde a concepção

mitológica do mundo, até o surgimento do Logos Filosófico. Nesse período, experimentamos uma forma de explicar a vida por meio dos questionamentos. Assim, a “Divindade” a qual o homem ocidental seguiria seria, num primeiro momento, a explicação mitológica do mundo e seus serviços à vontade dos deuses mitológicos.

No segundo momento, durante a passagem para a explicação filosófica, o homem encontrou uma forma de justificar sua existência, baseada na explicação e conceituação filosófica de mundo e de realidade, que nessa fase da humanidade era o que ditava as normas.

Dando um grande salto histórico, destacamos outro período, que, sem dúvida, marcou nossa forma de pensar: a Idade Média. Nessa época, por meio do poder exercido pelo clero, a justificação de mundo se dava pela explicação teológica deste. Assim, Deus era o grande validador de todas as questões existentes naquela época. Um Deus único, pessoal, onipotente e onipresente era a explicação de todas as coisas, de todos os acontecimentos e relações.

Com o Iluminismo, passamos para outro grande momento da nossa história. Na época das “luzes”, tínhamos que ousar saber, o que significava o uso da razão como instrumento explicativo para o mundo e o homem. Tudo teria que passar pelo crivo da razão para conseguir o certificado de validade. Dessa forma, o que não fosse racionalmente comprovado não era válido. Junto com essa validação do aparato racional, constatamos o progressivo crescimento da Ciência, que, de fato, transformou-se em base argumentativa para explicação de todas as coisas. Nessa época, era a razão (às vezes com o nome de Ciência) que situava e dava sentido à existência do homem do mundo. Assim, o que não fosse aprovado por esse crivo não era válido e não poderia ser considerado como parte do que comumente chamamos de realidade.

Com novos conceitos de sociedade, relações e valores, chegamos a uma nova concepção de mundo e da própria condição humana. Assim, o quarto momento é o que estamos vivendo. Independente dos conceitos de pós, hiper, ultra ou megamodernidade, constatamos que, mais uma vez, existe uma divindade influenciando o ser humano. Nos tempos atuais, o ser norteador de todas as relações do homem com o próprio homem e do homem com a natureza se chama mercado. Fazendo essa leitura da sociedade na qual nossos jovens estão inseridos, percebemos que todas as decisões, relações e atitudes são direcionadas por esse novo deus, o “deus mercado”.

Atualmente, a validação de um estilo de vida, a justificação de uma determinada atitude, até mesmo uma escolha profissional, que começa a ser feita pelos nossos estudantes nos anos anteriores ao exame do vestibular, estão todas à mercê da vontade do mercado. Até as escolhas mais profundas do ser humano, as escolhas existenciais, significadas, passam pela ideia do rentável ou não, ou seja, devem ser delimitadas pela ideia de um lucro futuro, como se o mercado fosse um ser onipresente, onipotente e, logicamente, com vontades e leis próprias; um ser diferente de nós e que está acima de qualquer decisão e conceito, um ser supremo. Assim, todos os valores que conservamos há muito tempo estão subjugados ao valor supremo: o valor mercadológico.

Essa análise e sua posterior constatação caem como uma bomba sobre nós, que falamos em autenticidade, partilha, comunhão e valores que não desejam conservar o status quo da realidade social.

É sabido que nossa juventude vive atingida por meios de comunicação, propagandas e anúncios que dão prevalência ao fator mercadológico em detrimento do fator humano.

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Aliás, isso não se restringe aos meios de comunicação. Muitas vezes, nossos jovens são advindos de famílias que deixam os valores mercadológicos penetrarem de tal forma em seu seio que, como dito anteriormente, qualquer decisão apenas será tomada se passar pelo fio condutor dos ditames do mercado.

Para aqueles que não concordam com essa linha de pensamento, indicaríamos a observação de algumas posturas e atitudes presentes na juventude contemporânea. Cotidianamente, escutamos dos próprios jovens sua veneração e adoração ao “deus mercado”, quando eles levam todos os fatores da vida ao campo econômico e reduzem a existência ao financeiro. Viver virou sinônimo de comprar, logo quem não consegue comprar não vive. Se um jovem não consegue adquirir algum adereço que lhe permita fazer parte de determinado grupo, ele simplesmente é excluído daquele grupo. Todas as conversas de nossos jovens giram em torno da compra; até nos jogos digitais existe um “mercado de jogadores de futebol”, em que se compram e vendem craques do futebol mundial. Desse jeito, pensar, sentir, agir, sofrer, amar, saborear não faz sentido se não for sinônimo de comprar.

O prejudicial nesse sistema de mercado, com sua lógica de que tudo se paga pela troca de bens e serviços, é que ele anuncia que, em nossa sociedade, tudo se transforma em mercadoria. Aí, chegamos ao ponto que realmente nos interessa, pois a própria juventude, que outrora era um perigo para esse sistema, com seus sonhos e conquistas, é transformada em mercadoria. Parece que o mercado realmente é um inimigo quase invencível, pois ele é capaz de transformar em mercadoria até mesmo aquilo que antes o contestava. Foi assim com o próprio movimento hippie. O movimento outrora contestava as bases mercadológicas da nação norte-americana e tudo aquilo que ia contra ele. O que era um movimento de contestação ao sistema econômico e social existente naquela época se transformou em mercadoria em qualquer loja, em qualquer esquina, pois o mercado o converteu apenas num “estilo de vida”, e, como todo estilo de vida, pode ser comprado e vendido. Hoje esse movimento não passa de algumas sandálias e camisas vendidas a uma clientela que conserva esse status. Esse é um dos grandes problemas trazidos pela globalização.

3. A globalização

“A novidade dessas mudanças, diferentemente do ocorrido em outras épocas, é que elas têm alcance global que, com diferenças e matizes afetam o mundo inteiro.” (D.A. , p. 29).

Falar de uma sociedade globalizada é pensar num estilo de vida globalizado. Como isso acontece? É um estilo de vida, ou uma condição humana, que esteja interligada com os estilos de vida de todos os outros seres do globo terrestre. Uma globalização que torna cada habitante do planeta não mais um cidadão de determinada localidade - um cidadão brasileiro, por exemplo -, mas sim, um cidadão do globo, um cidadão do planeta. Nessa perspectiva, todas as fronteiras são derrubadas, tudo o que for empecilho para o sistema global deve ceder, para que os interesses planetários sejam garantidos.

Seria dessa forma no papel ou no conceito, mas o que vemos e percebemos, e o que nos chega por meio de nossa abordagem da realidade fenomenológica é diferente. Um sistema organizado que serviria para juntar os habitantes do planeta acabou por ser um dizimador das liberdades sociais, culturais e econômicas. A globalização tornou-se um rolo compressor que aniquila qualquer manifestação que contrarie os interesses da maioria globalizada, ou melhor, dizendo dos detentores do poder

global. O que seria um estado de liberdade planetária, com livre comércio e transições culturais, acabou transformando-se numa conservação de um poder instituído, excludente e injusto. Nessa relação de poder, existe o controle daqueles que detêm o poder econômico-social já estabelecido.

O fenômeno da globalização vem provocando mudanças nos parâmetros da condição humana por meio do que os especialistas chamam de “compressão do espaço/tempo”, em que as distâncias se encurtam, o tempo se acelera, ideias e notícias difundem-se numa velocidade espantosa, investimentos são transferidos de um local para outro, sempre visando uma menor resistência local e maior lucro. Os acontecimentos não ocorrem mais acolá, mas aqui. Não foi mais naquela hora, mas agora. A concorrência desleal e desenfreada provoca a perda de milhões de empregos, para uns; para outros, ganhos imensos. A promessa de uma globalização social e econômica é limitada a um pequeno grupo e deixa uma enorme maioria à sombra das vantagens e dos confortos prometidos. A maior parte da população vê-se excluída do desenvolvimento global, sofrendo, como nunca, do custo de manter os privilégios de uma minoria. Promessas de riqueza e fama instantâneas, a instigação ao consumismo, o valor de uma pessoa dado pelo que tem e pelo que aparenta, mostram uma realidade cruel que divide o mundo em dois: os abastados e os excluídos.Essa análise aponta o fato de que a globalização é como um clube, cheio de regras e exigências, de onde os sócios rebeldes são expulsos com frieza.

3.1 - Mercado, globalização e comunidade

Partindo do princípio de que estamos todos em movimento, é impossível que esse movimento seja igual para todos, porque não estamos no mesmo lugar no estrato mundial. Livres de fronteiras e restrições espaciais, alguns se tornam “globais” e o resto da população permanece limitada à sua territorialização, isto é, à sua dependência de referências locais, o que se transforma numa característica de menos valia, ampliando o abismo entre o “clube” e o “resto”. Ser local num mundo globalizado é sinal de privação e degradação social. Os desconfortos da existência localizada compõem-se do fato de que, com os espaços públicos removidos para além do alcance da vida localizada, as localidades perdem a capacidade de gerar e negociar sentidos, e se tornam cada vez mais dependentes de ações que dão e interpretam sentidos, ações que elas não controlam.

Anuncia-se uma ausência de referências próximas que possam, ao mesmo tempo, permitir a identificação com o próximo e sua discriminação deste. A diluição de sentidos é vivida de tal forma que o indivíduo passa a ter a tarefa quase impossível de autoengendrar-se, de constituir-se por si mesmo e de, ao mesmo tempo, tornar-se parte de um todo que lhe recusa parâmetros visíveis e identificáveis. O cantor e compositor Cazuza proclama, em alto e bom som, precisar de uma ideologia para viver. E mais: “Eu vou pagar a conta do analista/ Pra nunca mais ter que saber quem eu sou/ Pois aquele garoto que ia mudar o mundo/ Agora assiste a tudo em cima do muro”.

No mundo global, os muros são demolidos ou ignorados; os limites e leis, além daqueles ligados ao mercado, são insultos; e as certezas são falácias. Ambiguidade, incerteza e volatilidade são critérios permanentes. À medida que fronteiras e diferenças são dissolvidas, a globalização dificulta o encontro e o reconhecimento de limites que sejam reais o bastante para oferecer uma resistência sólida. Com isso, impede o reconhecimento de um outro, do diferente, do irredutível, de tudo aquilo que pode ser experimentado como real além do sujeito.

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Assim, o encontro da alteridade é uma experiência que nos coloca em teste. Dele pode nascer a tentação de reduzir a diferença a força, mas é desse encontro que é gerado o desafio da comunicação, com um empenho constante e renovado. O estabelecimento da identidade humana é um processo cultural e simbólico realizado a partir de diversos enraizamentos. Os membros de um grupo particular como aqueles ligados por gênero, faixa etária, estrato social, etnias, religião, possuem uma extensa rede de articulações tanto na linguagem como nas crenças partilhadas. Mas, num plano mais geral ainda, é estabelecido outro tipo de identidade, mais ampla, que se superpõe, cobrindo, de certa forma, todas, numa pretensão universalista. Poderia chamar-se de uma identidade política do homem, ligada intimamente às condições sociais da época.

Construímos a “família humana”, única e rica na sua grande diversidade. Nascemos para conviver. Somos responsáveis por nossos irmãos e irmãs, seja qual for o lugar onde vivem, perto ou longe de nós. (CF 2010, p. 20).

A globalização pode ser um exemplo nítido desse tipo de identidade- homens globalizados, pertencentes a um clube que exige uma identidade homogênea e puramente conceitual. As dimensões individuais, particulares, étnicas, religiosas ficam subordinadas, anuladas, nesse ponto abstrato identificatório. Isso funciona maravilhosamente bem enquanto lidamos com abstrações, mas falha quando trata de seres humanos que não podem prescindir de valores, significados que ofereçam referências à sua experiência.

As fronteiras naturais, as identidades distintas de cada cultura, os valores e referências de cada grupamento humano, etnias, tudo parece mais tênue. Lado a lado, condizente com o aspecto paradoxal da natureza humana, o surgimento contínuo dos movimentos nacionalistas e de facções extremistas sugere uma resposta reativa a essa identidade política que avassala o conceito de indivíduo e até mesmo de pátria ou nação.

Em meio a essa crise, está a juventude sem força de ação, perdida em meio às ofertas e desejos provocados por esses sistemas de poder, que, além de tudo, criam na juventude um desejo antes mesmo que eles possam desejar. A rotatividade de informação, a oferta do comércio é tão grande e gira numa velocidade tão absurda que o valor de outrora não existe mais, obrigando a uma mudança de postura de vida contínua, o que prejudica o segmento da vida e a experimentação de todas as etapas com completude e significância. À mercê da globalização, encontra-se uma juventude informada, mas certamente sem saber o que fazer com essa informação.

Em vista disso, a globalização se tornou um grande problema. Sobretudo para nós, pois, com seu desejo de universalização econômica, ela apenas universalizou as relações de um poder já estabelecido; universalizou – contraditoriamente – para poucos o acúmulo de capital; globalizou o sentimento de competitividade; globalizou os valores do capitalismo selvagem, as bases para uma corrida armamentista, mas não globalizou as práticas de solidariedade e justiça. A sociedade globalizada derrubou as fronteiras entre os países, mas não criou pontes para as práticas de partilha e comunhão.

Nossos estudantes fazem parte dessa sociedade e se manifestam em nossos colégios à medida que aderem a esse estilo de vida, a esse status.

Como foi dito anteriormente, nossa juventude perde o caráter de contestação e liberdade, quando é levada, de forma massificada, a reproduzir esses valores propagados pela sociedade atual.

Infelizmente, o que percebemos é que os jovens que transitam em nossos colégios não conseguem produzir coisa alguma do que esteja fora dos ditames de um mercado globalizado; apenas reproduzem os valores disseminados pela atual conjuntura socioeconômica.

A globalização, então, torna-se uma grande inimiga na medida em que priva nossos estudantes da possibilidade de experimentar seus processos naturais de amadurecimento e crescimento. O mercado globalizado se torna um inimigo também quando transforma em mercadoria tudo aquilo que vai contra ele. O sentimento de impotência se torna presente, pois até mesmo a juventude, que teria um ânimo para parar as engrenagens da “globalização do poder”, é transformada e usada como moeda de troca para o mercado. Os jovens, no atual contexto, são valorizados apenas pelo seu valor de mercado, pelo seu poder de compra ou por sua representatividade econômica. Justamente a parte da sociedade que detém um poder de transformação e transvaloração tão grande já canaliza todas essa força e coragem para os ditames do mercado e para o poder de compra.

Alienados de uma realidade meramente mercadológica, nossos jovens estudantes se transformam em mercadoria, pois são vistos apenas como consumidores e não como sujeitos histórico-sociais com desejos próprios, espiritualidade própria e existências singulares. Nossos protagonistas não passam de coadjuvantes no processo histórico.

Essa informação é muito preocupante em nosso meio educativo e, com certeza, reflete de forma negativa em nossa prática pastoral, pois, com essa transformação da juventude em mercadoria, os valores cristãos têm que se posicionar, com tenacidade, frente aos valores do mercado globalizado.

Daí surge a necessidade de proclamar, em alto e bom som: “Juventude! Levante-se”, oferecendo os valores evangélicos como uma verdadeira Novidade Libertadora frente ao vazio que essa nova ordem social cria em seus corações.

4. Conclusão

Olhar para essa realidade sem um eixo referencial pode, realmente, entregar-nos à desolação e fazer brotar um sentimento de impotência diante do que o sistema social oferece aos nossos jovens estudantes de hoje. Nossa referência é o próprio Cristo, que, com toda a sua pedagogia, oferece-nos duas pistas para conseguirmos anunciar a Novidade do Reino entre os nossos.

Neste momento, com incertezas no coração, perguntamos com Tomé: “Como vamos saber o caminho?” (Jo 14,5). Jesus nos responde com uma proposta provocadora: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” .(Jo 14,6). (DA, p. 61).

Para que nossa missão seja efetiva e, consequemente, consigamos reverter esse quadro, precisamos dar prioridade à formação de nossos estudantes em dois aspectos: educá-los para o protagonismo, para que eles tenham uma atitude autônoma diante da vida e do mundo, e evangelizá-los para a comunidade, para que eles tenham consciência do ethos cristão, que tem sido desconsiderado em nossos dias, e possam conscientizar-se de que

Cada pessoa tem direito ao direito fundamental à vida e, portanto, o direito a todas as coisas necessárias para uma vida de qualidade. (CF

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2010, p. 20).

Educar para o protagonismo sugere, num primeiro momento, que orientemos nossos estudantes a uma postura autônoma diante de suas relações consigo mesmos, com o outro e com o mundo. Freire (1996) nos alerta no sentido de que, para que aconteça um verdadeiro processo pedagógico autônomo, devemos saber que “o respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros”.

Isso é relevante, pois, se falaremos mais tarde de uma postura ética frente aos desafios, e mais ainda, diremos sobre a existência de uma ética comunitária entre os cidadãos do planeta, devemos, em primeiro lugar, fazer transparecer essa postura ética em nós. Com certeza, para que alcancemos esse nosso objetivo, devemos fazer do local onde evangelizamos e educamos um espaço de dialogicidade, pois

A dialogicidade verdadeira, em que os sujeitos dialógicos aprendem e crescem na diferença, sobretudo no respeito a ela, é a forma de estar sendo coerentemente exigida por seres que, inacabados, assumindo-se como tais, se tornam radicalmente éticos. (Pedagogia da Autonomia, p. 60).

Se quisermos fomentar o desejo de uma coerência ética em nossos estudantes, primeiro devemos formá-los, para que eles mesmos, de forma autônoma e autêntica, experimentem o compromisso ético como algo salutar e necessário. Para que isso aconteça, devemos perguntar-nos: estamos criando espaços para o exercício do protagonismo juvenil, ou estamos delimitando os espaços onde os nossos estudantes têm a oportunidade de exercerem sua autonomia?

Delimitar os espaços de trabalho da juventude é não incentivar o protagonismo, é desconsiderar que ali, à nossa frente, está um sujeito histórico-social que carrega suas próprias experiências de vida e que estas são válidas para a comunidade em geral, servindo de referência para ele. Nesse caso, delimitar o espaço de discussão e de vivência desses jovens é matar seu desejo de mudança, é sufocar a vontade própria da juventude de um novo mundo e de novos corações, e, em casos mais extremos, transformar a juventude em massa de manobra. Onde existe delimitação não existe autonomia.

Criar espaços e fazer com que o próprio jovem construa sua história e a do grupo é fazer com que ele se sinta parte do processo histórico em que vive e tome suas decisões baseadas em seu senso crítico, formado pelas discussões e aprendizados fomentados por um espaço de criação autônomo.

O protagonismo nasce da autonomia, por isso ambos devem caminhar juntos no processo pedagógico pastoral do estudante e devem estar presentes em nossas práticas pastorais como as duas faces de uma mesma moeda.

Tudo isso desembocará no próprio sentido de evangelizarmos para a consciência de uma ética comunitária, um resgate do ethos cristão que tenha como fundamento aprender que a solidariedade significa amar o próximo também nas dimensões globais, em uma interdependência mundial, e que somos responsáveis por nossos irmãos e irmãs, seja qual for o lugar onde vivem, perto ou longe de nós.

Evangelizar para a comunidade é resgatar o senso de responsabilidade em nossos estudantes, porque o

enfraquecimento de uma percepção comunitária leva ao enfraquecimento desse senso, bem como ao enfraquecimento da solidariedade em que ninguém mais preserve seu elo orgânico com a comunidade e com os indivíduos.

Sendo assim, a base de nosso discurso deve alicerçar-se no ethos cristão, tão necessário a nós nos dias atuais: a Novidade do Amor, pois

Encontramos no mandamento do amor dentro do cristianismo primitivo duas tendências: de um lado, a superação das fronteiras entre grupos internos e externos; por outro lado, entre “superiores” e “inferiores”. (Theissen, 2009).

Isso fala muito sobre nosso propósito e nos acalenta, pois evangelizar, tendo em vista essa formação da consciência de um ethos cristão, de uma ética comunitária, é levar a mensagem evangélica aos nossos educandos, ou seja, é levar a “Boa Nova” para a existência daqueles que já estão cansados com a “velhitude” da competição, da desigualdade, da injustiça. Levar a “Novidade do Amor” a esses jovens é tarefa de extrema importância para nós, pastoralistas, que nos propusemos a seguir a travessia de nossa existência, anunciando que, em breve, chegará o tempo do amor, da paz e da justiça.

Anunciar a Novidade de forma clara, coerente e precisa é fator que nos irradia e reaviva o próprio cristianismo, pois a raiz da fé cristã está plantada sobre a própria vivência comunitária. Assim, podemos dizer que nossa evangelização deve seguir os pressupostos básicos para que os evangelizados experimentem esse sentimento de pertença à comunidade e se sintam parte da mesma, e esse sentimento apenas será criado com o despertar do próprio amor. Em muitos ambientes e corações, neste início de milênio, vale a dimensão do indivíduo, sem compromisso com uma instituição ou vida de comunidade. Assim, cria-se um sujeito cheio de necessidades e direitos, mas sem responsabilidades e deveres. Da mesma forma, a religião do indivíduo busca soluções imediatas; vive de práticas sem convicções; arrebanha, mas não une; satisfaz, mas não sustenta. Na religião do indivíduo, cada um encontra motivações e legitimação para a sua fé dentro de si mesmo, desconsiderando o outro como caminho para Deus. Nessa perspectiva individualista, não há vida para o cristianismo nem futuro para a comunidade cristã. Quando lemos o livro dos Atos dos Apóstolos, compreendemos logo o valor da vida de comunidade para a vivência dos valores cristãos. Não existe cristianismo sem comunidade, nem cristão isolado, solitário, só. As primeiras comunidades cristãs são os frutos concretos da Palavra de Jesus.

Nossa resposta, então, é a comunidade autônoma, uma comunidade profética em meio a esse mundo apático. Fazer brotar o desejo de construção dessa comunidade, tendo como base a força do amor, é nossa tarefa como homens e mulheres que evangelizam por meio da educação, na busca de perseguirmos um bem comum, o bem da comunhão, que garanta a todos e a todas dignas condições sociais, culturais e espirituais, para que vivam a plenitude da pessoa humana.

Finalizando, tomamos a liberdade de parafrasear o grande autor Mário Quintana, dizendo que “o amor não mudará o mundo, o amor mudará as pessoas, e as pessoas mudarão o mundo”. Educar para o protagonismo e evangelizar para a comunidade é fazer com que se cumpra nossa missão de educar crianças e jovens para a construção de um mundo mais fraterno, justo e solidário.

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REFERÊNCIAS:

CNBB. Documento de Aparecida: texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe. Brasília: Paulus e Paulinas, 2007.

CONIC. Campanha da Fraternidade Ecumênica 2010: Texto-base. Brasília: Edições CNBB, 2009.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

THEISSEN, Gerd. A religião dos primeiros cristãos: uma teoria do cristianismo primitivo. Tradução por: Paulo Valério. São Paulo: Paulinas, 2009.

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A AÇÃO EVANGELIZADORA NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

EM UMA ESCOLA MARISTA1

Aluno: Sandro Roberto de Santana Gomes2

Orientador: Hudson Silva Rodrigues3

RESUMO

O presente artigo discute o processo de evangelização e sua articulação com a educação. Partindo dos textos de estudo do curso Escola em Pastoral, somos desafiados a olhar nossa prática e esboçar linhas metodológicas que possibilitem práticas dialógicas capazes de fornecer referências significativas para os adolescentes e jovens de nossas unidades educativas. Jesus, o bom samaritano, é o modelo escolhido para essa reconstrução metodológica. Ele se põe a serviço daqueles que perderam sua dignidade e estão jogados nas vias da história.

PALAVRAS-CHAVE: Pastoral. Evangelização. Metodologia. Mística. Educação. Espiritualidade marista.

1. INTRODUÇÃO

Este artigo pretende discutir as práticas pastorais e as ações evangelizadoras em nossas comunidades educativas, inseridas em uma sociedade que constantemente passa por inúmeros processos de transformação e nas quais os agentes da ação pastoral necessitam de uma caixa de ferramentas adequada às demandas da atualidade.

Pela contemplação da realidade pastoral, somos desafiados a construir referenciais com posturas inovadoras que consolidem nosso projeto de educar e evangelizar. Com serenidade e entusiasmo, seguimos os passos de Champagnat, assumindo em nosso dia a dia a proposta de Jesus Cristo. O cuidado com as coisas do Pai era a sua grande preocupação; também nós, colaboradores e entusiastas do Reino, somos chamados a dar uma resposta de amor e compromisso.

A realidade educacional é extremamente desafiante e desafiadora. Ela nos convida a ler e reler nossas teorias e práticas,

1 ArtigoapresentadocomorequisitoparaconclusãodeCursodeExtensãoEscolaemPastoralpromovidopelaProvínciaMaristaBrasilCentro-NorteemparceriacomaPUC-PR.2 Sandro Roberto de Santana Gomes é formado emfilosofia pela UNICAP-PE, pós-graduado emMetodologia doEReMestreemCiênciasdaReligião.Atualmente,écoordenadordaPastoraldoColégioMaristaSãoLuís.Assessorpopularnascomunidadesdebairronaáreadecatequese,EnsinoReligioso,espiritualidadeeBíblia.3 Teólogo, Licenciado em Língua Portuguesa pelaFaculdadedaTerradeBrasília�FTB,EspecialistaemEnsinoReligioso pela Universidade Católica de Brasília e Analistade Pastoral da Coordenação de Evangelização e Pastoral daProvínciaMaristaBrasilCentro-Norte.

buscando novos paradigmas e novas interpretações para o saber. A postura ética no campo educacional nos ajuda a olhar para a realidade com reverência. É fácil falar em ética, é fácil exigir ética dos outros, porém é difícil ter um comportamento ético, agir com responsabilidade e compromisso social, no exercício cotidiano, quando se está inserido em um sistema que, por sua própria natureza, é antiético, vive da exploração humana.

Por tudo isso, a pastoral no interior de nossas unidades educativas será desafiada a ser farol, a indicar novas luzes em meio a tantas neblinas. Acreditamos que a melhor luz a indicar o caminho é o testemunho de fraternidade e de amor que orienta nossas práticas. Somente assim, poderemos olhar para a realidade e apresentar pistas de superação aos desafios que nos são impostos.

2. SOCIEDADE EM MUDANÇA: DESAFIOS E PERSPECTIVAS

“A palavra não é uma coisa que se diz, é um rito que se vive. Ela não é, ou não devia ser, apenas uma condutora de informações. Ela é, ou deveria ser, um gesto cotidiano de criação.” 4

A humanidade, ao longo de sua história, passou por uma série de estágios, e estes favoreceram, de forma significativa, a mudança do próprio ser humano, assim como da sua cultura e seus costumes, logo também mudou a sua ética e seus valores.

Nesse contexto, a realidade atual, a era da globalização enfrentou desafios e problemas ocasionados pelas novas variáveis que surgiram no sistema, seja a globalização do individualismo, a hegemonia do econômico e da propriedade privada, ou o choque de civilizações, culturas e costumes, ocasionado pelas movimentações humanas no planeta e o processo de empobrecimento de uma grande massa da sociedade, em que pobres se tornam cada vez mais pobres e ricos acumulam cada vez mais riquezas.

Todos esses casos desafiam o comportamento ético, a responsabilidade social e o exercício profissional de nossa ação pastoral, e, de modo específico, no campo educacional, na atualidade, pois impõe a necessidade de escolher entre o humano e o lucro, entre o certo e o rentável etc.

Esses são os dilemas impostos por um sistema que, por sua própria natureza, é antiético, pois vive da exploração humana, da apropriação de recursos públicos e da privatização de conhecimentos acumulados pela humanidade ao longo de sua história.

A sociedade contemporânea assiste com perplexidade a um tempo de mudanças significativas. Comportamentos, atitudes, valores são constantemente colocados em xeque por demandas que vão além dos nossos anseios. O ser humano contemporâneo é, acima de tudo, um ser que vive mergulhado na expectativa. Nossa sociedade mantém aceso o desejo de consumo, criando, a todo instante, novas necessidades.

Somos seduzidos pelos olhos por uma enxurrada de “coisas” que aparentemente preencheriam nossa vida de conforto e satisfação. O hedonismo e a busca do bem-estar

4 ANTÔNIO,Severino.Educação e transdisciplinaridade:criseereencantamentodaaprendizagem.ColeçãoEducaçãoetransdisciplinaridade.V.1.RiodeJaneiro:EditoraLucerna,2002.p.13.

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econômico são metas que a maioria das pessoas procuram em nome de uma suposta realização pessoal. Ilusoriamente, procuramos a felicidade nas coisas que passam e nos apegamos a desejos instantâneos e superficiais.

Cresce entre nós a lógica do pragmatismo individualista, em que o ter sobrepõe o ser. O imediatismo e o narcisismo criam a ilusão de liberdade e igualdade. Essa cultura de morte contagia a todos com sua proposta esvaziada de sentido.

Por outro lado, sabemos que a busca pela felicidade, pela realização pessoal, pela satisfação de nossas necessidades é aspiração legítima e cristã, contudo vale ressaltar que essa busca precisa ser orientada por valores cristãos e humanísticos, e não pelo individualismo e pelo egoísmo.

A Igreja na América Latina nos desafia a ser discípulos e missionários; assim, procuraremos encarnar o Evangelho de Jesus Cristo em todas as instâncias em que nos encontrarmos. Esse desafio fundamental é orientado pela prática e pela missão libertadora do Divino Mestre. Conquistar o coração dos homens e mulheres do nosso tempo é a grande meta dos que assumem o compromisso evangelizador.

A evangelização da cidade exige uma nova metodologia, pois, em meio ao pluralismo de experiências e de expressões, os indivíduos possuem uma multiplicidade de opções. A escolha pela Boa Nova de Jesus Cristo deve ser uma opção clara e empolgante para os homens e mulheres do nosso tempo.

2.1 Métodos evangelizadores e a metodologia de Jesus.

“Recria as concepções e as práticas do ensinar e do aprender: assume a atitude multidisciplinar e a interdisciplinar, e vai ainda além: conjuga o que existe de convergência e interação nas disciplinas entre elas e para além delas. Não é apenas um novo método, mas uma nova concepção.” 5

Hoje se faz necessária a superação de métodos evangelizadores centrados num clericalismo exclusivista. Em muitas comunidades, a figura do padre está no centro de todas as atividades pastorais. Nada acontece sem sua presença e a comunidade não consegue caminhar com os próprios pés. Essa centralização atrofia as ações e, muitas vezes, inibe o protagonismo dos membros da comunidade. A missão evangelizadora fica a cargo dos ministros ordenados, e os leigos são apenas auxiliares nessa tarefa.

Outro método de evangelização que precisa ser superado é aquele centrado nos sacramentos. A catequese fica quase que exclusivamente ocupada com a preparação para os sacramentos de iniciação, esquecendo-se de que o mais importante é o processo de evangelização e conversão do ser humano e de sua adesão à proposta de Jesus Cristo, cujo único interesse é o de fazer valer a vontade de Deus.

Por tudo isso se faz necessária uma definição de pastoral que nos ajude a descobrir métodos adequados para que nossa ação possa conquistar o coração das pessoas:

“é o ministério da Igreja, povo de Deus, que, sob o impulso do Espírito Santo, atualiza a práxis evangelizadora de Jesus, voltada para a autoedificação dela mesma e para a expansão

5 ANTÔNIO,Severino.p.28.

do Reino de Deus no mundo.” 6

Essa delimitação da ação pastoral nos leva a descobrir uma nova metodologia que nos ajude fazer a experiência do ressuscitado7. O mestre se aproxima daqueles que caminham nas estradas da vida. Partilha com eles as desilusões, as tristezas, os medos e as incertezas. Silenciosamente, Jesus entra no nosso caminho e se faz caminheiro.

Por isso, o primeiro passo metodológico é aproximar-nos das pessoas. Entrar no caminho, fazer a experiência que elas estão fazendo. Ouvir atentamente suas angústias, seus conflitos, suas dúvidas e inquietações. Essa escuta demorada possibilita uma compreensão dos desafios que a realidade impõe e, ao mesmo tempo, ajuda-nos a entrar na lógica daqueles que caminham conosco.

Na metodologia de Jesus, o questionamento sobre as causas de tanta tristeza, de tanta dor, de tanta desilusão ocupa lugar significativo. Ele não fica calado, questiona, quer saber o porquê, deseja descobrir as raízes dos problemas que angustiam os corações dos caminhantes.

Hoje esse itinerário parece cheio de luzes, entretanto caminhamos com inúmeras dúvidas. Nossos olhos não veem e não conseguimos fazer uma profunda experiência com Jesus. Nossas palavras estão repletas de dor, de solidão, de medo. Mais uma vez, é necessária a palavra do Divino Mestre. Ela nos faz recordar todo o itinerário de fé dos homens e mulheres do passado. Relendo os acontecimentos, ajuda-nos a perceber que o plano de amor de Deus se realiza apesar de nossas contradições. Essas palavras servem para aquecer o coração, animam nosso espírito para enfrentar os desafios que o cotidiano nos apresenta a cada instante.

Na metodologia de Jesus, a palavra ocupa lugar significativo, oferece os instrumentos teóricos que nortearam a caminhada dos discípulos e missionários. É preciso formar as pessoas; a formação permanente dos agentes da evangelização não pode ser negligenciada. A palavra de ordem é competência. No texto de Lucas, Jesus não foi seletivo; ele ofereceu todo o conteúdo – lei e os profetas –, pois, relendo os textos do passado, novas veredas podem ser vistas.

Vale à pena ressaltar que a palavra por si só não transforma, não liberta, não abre os olhos. É necessário algo mais, é preciso entrar na intimidade, entrar na vida das pessoas, sentar-se à mesa, partilhar o pão, a refeição. Nesse momento, os olhos se abrem, eles reconhecem o peregrino que caminhava com eles. É noite; limitados pela pouca luz, redescobrem a grande luz que servirá de farol para toda a vida. Se, no inicio da caminhada, era luz por fora e trevas por dentro, agora, como fruto dessa experiência com o ressuscitado, são trevas por fora e luz por dentro. Eles podem caminhar com os próprios pés. Seu protagonismo foi restabelecido por uma profunda intimidade com Jesus ressuscitado.

“Os jovens são atraídos por essa espiritualidade da simplicidade. As imagens que lhes oferecemos de Deus, bem como a linguagem, os exemplos e os simbolismos que empregamos, são tocantes e acessíveis. Quanto mais nossa evangelização e nossa catequese

6 FUENTES,SalvadorValadez.Espiritualidade Pastoral�comosuperarumapastoral�semalma�?.Trad.CristianaPaixãoLopes.SãoPaulo:Paulinas,2008.p.20.7 C.f.Lc24OsdiscípulosdeEmaús.Estetextoilustrativodoevangelistanosoferecepistassignificativasparapensarametodologiapastoral.

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forem inspiradas pela espiritualidade marista, mais eficazes serão.” 8

Serviço, testemunho, anúncio profético e diálogo ganham nova força pela presença inquietante daqueles que assumem o projeto libertador de Jesus Cristo. Nesse momento, o espírito de família do jeito de Maria, pela simplicidade, torna-se referencial concreto para nossa missão evangelizadora.

3 AÇÃO EDUCATIVA DO BOM SAMARITANO

“Seguindo Marcelino Champagnat, buscamos ser apóstolos da juventude, evangelizando pelo testemunho das nossas vidas e pela nossa presença junto às crianças e aos jovens, bem como pelo nosso ensino: nem só catequistas, tampouco apenas professores das diversas disciplinas escolares.”

Educar “bons cristãos e virtuosos cidadãos”, eis a missão e a finalidade da escola marista. A educação é um meio eficaz de evangelizar e essa tarefa deve ser assumida em sua radicalidade por aqueles que se propõem a ensinar seguindo os passos de Marcelino.

Neste caminho, encontramos algumas setas bastante significativas. Elas nos ajudam a seguir, com passos firmes, na direção daquilo que desejamos construir. A simplicidade nas ações, a humildade nos gestos e a modéstia no uso das palavras asseguram, a todos nós, uma postura confiável neste caminho.

Marcelino, sensível à realidade do ser humano, conseguiu perceber o homem caído na sarjeta do mundo. Ele quis oferecer um novo alento para aqueles que tiveram suas esperanças roubadas. O jovem moribundo é retrato de uma juventude esquecida e abandonada.

Os seguidores de Champagnat precisam perceber que o homem que desce na estrada de Jericó é o retrato da humanidade que a todo instante entra num processo de decadência diante de tantos obstáculos (intolerância, violência, corrupção, etc.). Perdendo a sua humanidade, ele cai nas mãos daqueles que lhe roubam a dignidade e o respeito; ele perde tudo: sonhos, esperanças, utopias...

A gestão recebe uma força transformadora e libertadora, quando consolida ações que promovem o humano em sua totalidade. Dessa forma, a promoção de valores éticos, o desenvolvimento de uma consciência de participação e o compromisso social ressoam nos corações e mentes da comunidade educativa. Nesse momento, a indiferença deve dar lugar ao engajamento que promove a vida e a dignidade, nosso olhar não pode deixar de enxergar a realidade de sofrimento e tristeza que nos circunda.

Observa-se que o ser humano parece quase morto no caminho da história, não consegue enxergar a beleza da vida, perde as referências que lhe dão sentido. Nesse caminho, trafegam homens que deveriam aliviar suas dores. A palavra da ciência e a palavra da fé trilham o caminho desse homem caído à beira da estrada. Parece que nenhuma delas foi capaz de estender-lhe a mão e resgatá-lo.

Perdido, sozinho, machucado, ele sofre e agoniza à espera de algo que lhe devolva a esperança. Em sua montaria, o bom peregrino olha o sofrimento e se compadece (sente o sofrimento

8 ÁGUADAROCHA:EspiritualidadeMaristafluindonatradiçãodeMarcelinoChampagnat,n.35,p.34.

do outro), desce de sua montaria (vai ao encontro e se coloca no mesmo nível) e promove o verdadeiro encontro. Descer aqui é colocar-se no mesmo nível, ir ao encontro do outro, onde ele estiver.

Nossa missão educativa precisa fazer esse roteiro para compreender o outro no lugar onde ele está. Para que isso aconteça, faz-se necessário um exercício de humildade e competência para que possamos construir um caminho de resgate da vida; descer para ficar ao lado, sem perder, porém, a capacidade de cuidar, promover e estancar as feridas abertas.

O documento de Aparecida nos convida a fazer uma experiência profunda de encontro com o Cristo. Hoje, somos tentados a construir teorias e ideias a respeito do Senhor, porém o verdadeiro encontro com Ele se realiza no encontro pessoal com a pessoa e o projeto de Jesus Cristo, o que foi feito de forma muito significativa por Marcelino.

“A própria natureza do cristianismo consiste, portanto, em reconhecer a presença de Jesus Cristo e segui-lo. Essa foi a maravilhosa experiência daqueles primeiros discípulos que, encontrando Jesus, ficaram fascinados e cheios de assombro frente à excepcionalidade de quem lhes falava, diante da maneira como os tratava, coincidindo com a fome e sede de vida que havia em seus corações.” 9

Não basta cuidar das feridas, é preciso conduzir a humanidade caída e ferida para a hospedagem, garantir-lhe a proteção e o abrigo necessário para que ela possa redescobrir a beleza da vida. O bom samaritano Jesus dispõe de sua montaria para conduzir-nos a uma nova realidade. Ele predispõe sua vida para que tenhamos vida, e vida em abundância.

A escola precisa ser essa montaria, o meio pelo qual a humanidade é conduzida para a proteção e o abrigo que é a sua Igreja. Essa montaria segura nos fornece todo o suporte para enfrentarmos os perigos do caminho, pois ela é que conduz nossos passos.

Chegando à hospedagem, a exemplo do bom samaritano, o discípulo precisa garantir a continuidade desse processo de cuidado. Cuidado que significa atenção, carinho, respeito, tolerância, amor. É na Igreja, comunidade de amor e fraternidade, que a humanidade ferida encontra o verdadeiro tratamento para suas dores existenciais. A Igreja não é lugar de fuga ou de alienação, mas de reencontro de sua identidade, como afirma o documento de Aparecida:

“Jesus está presente em meio a uma comunidade viva na fé e no amor fraterno. Aí Ele cumpre sua promessa: ‘onde estão dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles’ (Mt18, 20). Ele está em todos os discípulos que procuram fazer sua a existência de Jesus, e viver sua própria vida escondida na vida de Cristo (cf. Cl 3,3). Eles experimentam a força da ressurreição de Cristo até se identificar profundamente com Ele: ‘Já não vivo eu, mas é Cristo que vive em mim’ (Gl2, 20).” 10

A comunidade é o lugar do encontro, da cura, da vida. A alegria de vivermos como irmãos foi a grande descoberta de Marcelino; irmãos que partilham a vida, trabalham juntos, comungam dos mesmos sonhos, alimentam os mesmos projetos e acreditam que são capazes de ressignificar a vida pela presença ainda hoje 9 DocumentodeAparecida,n.244.p.11410 DocumentodeAparecida,n.256,p.119.

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ressoam nos corações daqueles que acreditam em seu projeto de amor.

Quando nossas comunidades educativas se transformarem na hospedagem para a qual o Senhor conduz a humanidade caída, elas se tornarão espaço privilegiado de encontro, sem negligenciar a competência e a excelência acadêmica, mas profundamente comprometidas com a vida, consolidando o grande projeto de construir corações novos para um mundo novo. Que Marcelino, seguindo os passos de Jesus, ajude-nos a ir ao encontro das juventudes, com um olhar terno e atento para os desafios que a vida continuamente nos apresenta.

4. METODOLOGIA é A MíSTICA DO DISCíPULO MISSIONÁRIO

Para compreendermos essa afirmação, é importante buscarmos o sentido da palavra “metodologia”. Método, palavra de origem grega methodos, met’ hodos, que significa, literalmente, “caminho para chegar a um fim”. O caminho é a proposta inicial que motivou os discípulos de Jesus a realizarem seu projeto. Essa disposição inicial vitalizava a missão e possibilitava um testemunho eficaz e transformador da realidade. Diante de tudo isso, precisamos ter consciência de que “a prática pastoral costuma ser um mero lugar de aterrissagem de uma teoria ou de uma ortodoxia previamente estabelecida.” 11 Esse é o grande desafio que a prática pastoral precisa superar em sua ação. Ela precisa ser ponto de partida e, ao mesmo tempo, processo de fortalecimento de vivências que ressignifiquem o nosso pensar, o nosso falar e o nosso agir.

Diante disso, o discípulo missionário é convidado a caminhar em direção do novo, com a disposição daquele que descobriu a encantadora novidade da mensagem de Jesus Cristo. Ele predispõe sua vida a fazer um itinerário de fé e de amor na história e, dessa forma, transforma seu conhecimento num saber contextualizado. Não é mera utopia, não é mera ilusão. O projeto pastoral, assumido como discipulado, é condição para a construção do Reino de Deus, que se realiza no tempo e se prolonga na eternidade.

Sabemos que nossos esforços não dão conta de realizar plenamente esse projeto; contamos sempre com a graça de Deus, que, em seu tempo, realiza em nós sua vontade de amor. Somos servos inúteis, conscientes de nossas limitações e, ao mesmo tempo, dispostos a construir esse projeto de amor. É importante lembrar que “a ação pastoral, enquanto ação humana no Espírito segundo o Evangelho, não é puro empirismo ou pragmatismo pastoral. É sempre uma ação pensada, ainda que de maneira precária e insuficiente. Portanto está apoiada em razões, nos fundamentos da fé, consciente ou inconscientemente.” 12. Planejamento, estratégias e disposição em caminhar devem ser os meios eficazes para fazer acontecer em nossas práticas os sinais do Reino. É urgente e necessária a consolidação da missão em nossas unidades, por isso precisamos romper com o amadorismo, com a improvisação, com a acomodação. É o próprio Jesus que nos convida a qualificar nossas práticas pastorais. Ele é o pastor que conhece e dá a vida pelas ovelhas.

4.1 Uma palavra que faz ecoar.

O humano, com todas as suas contradições e com todas as suas

11 BRIGHENTI,Agenor.Apastoraldáoquepensar:ainteligênciadapráticatransformadoradafé.p.17.12 BRIGHENTI,Agenor.p.18.

possibilidades, é o terreno fértil onde a palavra pode encontrar abrigo, qual em terra boa, e, ao mesmo tempo, pode transformar-se em solo infrutífero, árido ou repleto de pedregulhos, onde a semente nada produz e morre. Diante disso, a prática pastoral necessita de uma ação inteligente e competente que possibilite aos seus interlocutores visualizar caminhos possíveis e viáveis para chegar ao coração das pessoas e aos seus anseios.

A pastoral é o lugar onde o processo evangelizador ganha novo vigor pela presença dos agentes que revitalizam suas ações a partir da leitura e releitura da palavra de Deus. A missão, assumida pela presença profética, pela reverência sacerdotal e pela dignidade real, impressa nos corações dos batizados, imprime renovado ardor e profundo entusiasmo àqueles que se propõem a seguir os ensinamentos e as práticas do Divino Pastor e Mestre. “O amor – caritas – é a força extraordinária que impele as pessoas a se comprometerem com coragem e generosidade no campo da justiça e da paz.” 13 Com essa afirmação nos sentimos impelidos a transformar nossos planejamentos em práticas de solidariedade e, ao mesmo tempo, a nos empenhar em favorecer testemunhos capazes de sensibilizar crianças, adolescentes e jovens ao compromisso com os “insignificantes” de nossa sociedade, os sem voz e sem vez que nossa sociedade empobreceu e excluiu, em nome do consumismo, do individualismo e da ganância. Somente o amor solidário será capaz de romper com essa lógica cruel do capital.

Ao nos afirmar que “a caridade é a via mestra da doutrina social da Igreja” 14, o Papa Bento XVI nos convida a refletir sobre nossa responsabilidade e compromisso em fazer acontecer, no mundo e nas sociedades, o projeto de Jesus Cristo, por meio de um engajamento cada vez mais inovador e transformador das relações.

A Pastoral, para ser profética, precisa revisitar a pedagogia do Amor ensinada por Jesus Cristo, que assume, até as últimas consequências, a defesa da vida e da dignidade de todo ser humano e do humano em sua plenitude. Essa pedagogia nos inspira, até hoje, a reinventar nossa presença no meio educativo por meio de nossa presença.

As teses desenvolvidas no texto nos ajudaram a perceber a importância de nossa ação pastoral no cotidiano escolar e são como indicativos do processo que precisa ser desenvolvido em nosso dia a dia, com vistas a um maior engajamento. Sabemos que não podemos fazer tudo, entretanto o possível precisa ser viabilizado com planejamento e competência; não podemos negligenciar nossa ação, pois o projeto de Jesus Cristo é exigente.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Depois de apresentados esses fatos e questões que desafiam a nossa prática pastoral, as perguntas inevitáveis são: Qual é a saída? Que caminhos trilhar?

Contra o individualismo, o antídoto é a pastoral do consenso, que abre caminho para o verdadeiro diálogo, por isso a busca do consenso, do entendimento, da disposição dialógica se torna uma característica própria da autorrealização, sem sufocar a realização de outros, mas, ao contrário, com a verificação de que é possível a convivência entre as autorrealizações dos indivíduos que mutuamente se sustentam em convívio.

A pastoral do consenso projeta-se para a universalidade, porque garante a convivência do diferente e permite a sua progressão cultural, e não aniquilatória, fazendo das diferenças intersubjetivas pontos favoráveis para o crescimento do que é 13 BENTOXVI.Caritas in veritate,p.7.14 BENTOXVI.Caritas in veritate,p.7.

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comum a todos.

É preciso abrir espaço para a afetividade, para o acolhimento, para a sensibilidade. Nossa pastoral será cada vez mais comprometida com o projeto de Jesus Cristo à medida que nos comprometermos com as pessoas em sua individualidade, superando os individualismos, o egoísmo e a prepotência.

Olhando as pessoas que, no caminho da história, muitas vezes estão caídas e sem esperança, precisamos ser os bons samaritanos, disponíveis e atentos, para mudarmos o caminho de nossos projetos e nos adequarmos às necessidades daqueles que lá estão. Que Maria, a Boa Mãe, ajude-nos neste propósito e nos ajude a ser fiéis ao sonho do eterno caminheiro e peregrino Jesus.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANTÔNIO, Severino. Educação e Transdisciplinaridade: crise e reencantamento da aprendizagem. Coleção Educação e transdisciplinaridade. V. 1. Rio de Janeiro: Editora Lucerna, 2002.

ÁGUA da rocha: espiritualidade Marista fluindo na tradição de Marcelino Champagnat. Instituto dos Irmãos Maristas. Casa Generalícia – Roma, 2007.

BENTO XVI, Papa. Carta Encíclica Caritas in Veritate. São Paulo: Paulinas, 2009.

BRIGHENTI, Agenor. A pastoral dá o que pensar: a inteligência da prática transformadora da fé. São Paulo: Paulinas, 2006.

CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE, 5. Documento de Aparecida. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 2007.

FUENTES, Salvador Valadez. Espiritualidade Pastoral – como superar uma pastoral “sem alma”? Tradução por Cristiana Paixão Lopes. São Paulo: Paulinas, 2008.

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A FORMAÇÃO E O PERFIL DO EDUCADOR MARISTA PARA UMA

“ESCOLA EM PASTORAL” 1

Autor: Valdeci Vieira Borges2

Orientador: Aldemir Inácio Azevedo3

RESUMO

O presente trabalho objetiva realizar um estudo acerca da realidade da formação e do perfil do educador em uma Escola em Pastoral, mais especificamente do educador marista. No decorrer da sua docência, esse educador vai adquirindo conhecimentos sobre seu desenvolvimento, conteúdo, metodologia, didática e modo como se cultivam e trabalham as relações em classe, extraclasse e no ambiente educacional e pastoral, em coerência com o que é proposto. Segue, ainda, analisando e apontando os desafios e as possibilidades de mudanças, bem como suas possíveis consequências e transformações no meio em que atua, em vista de sua importância e valorização como ser envolvido num processo de religiosidade e de religião. É, principalmente, nesse espaço que se desenvolvem capacidades de aprendizagens, visando as partilhas, as relações, os conhecimentos, as habilidades e a formação de valores e atitudes, que são muito importantes para a vida de todos, pois se trata do respeito à diferença do outro. Laços de afetividade, solidariedade e tolerância da vida em sociedade serão fortalecidos, e o respeito para com o fenômeno religioso e para com a opção particular de cada ser será praticado e vivenciado cada vez mais, sem empecilho para a escola Marista trabalhar a sua própria identidade. Nesse contexto, reflete-se também sobre a presença e a concepção da proposta de evangelização no meio educacional.

PALAVRAS-CHAVE: Formação, perfil, educador, respeito, cidadania.

INTRODUÇÃO

126. Um Colégio Marista é um centro de aprendizagem, de vida e de evangelização. Como instituição escolar, leva os educandos a “aprenderem a aprender, a fazer, a conviver e, principalmente, a ser”. Como Escola Católica, é uma comunidade em que fé, esperança e amor são vividos e comunicados, e na qual os educandos, progressivamente, são iniciados no permanente desafio de harmonizar fé, cultura e vida. Como Escola Católica de tradição marista, adota a abordagem educativa de Marcelino Champagnat para a educação das crianças e dos jovens, do jeito de Maria. (MEM – Missão

1 ArtigoapresentadocomorequisitoparaconclusãodeCursodeExtensãoEscolaemPastoralpromovidopelaProvínciaMaristaBrasilCentro-NorteemparceriacomaPUC-PR.2 LicenciadoemFilosofia,BacharelemTeologiaePós-graduadoemEnsinoReligioso.CoordenadordePastoraldoColégioMaristadeGoiânia-ProvínciaMaristaBrasilCentro-Norte.3 TeólogopeloInstitutoMaristadeCiênciasHumanas-IMACH,GraduadoemCiênciasSociais,MestreemDesenvolvimentoSocialeDoutorandoemDesenvolvimentoSustentável.

Educativa Marista, p. 57).

A atual sociedade reconhece a escola como um instrumento e lugar privilegiado de educação onde são trabalhadas todas as dimensões do ser humano, a formação de valores e princípios que formam o cidadão integrado no mundo atual, descobridor de valores para o seu existir e de meios para a transformação interior e exterior. Na escola Marista, berço de formação da e para a humanidade, “harmonizando fé, cultura e vida”4, não é diferente, esse é um espaço que promove a oportunidade de partilha, encontro e desenvolvimento integral, inclusive da espiritualidade, das crianças, dos adolescentes e jovens.

As escolas Maristas têm sua missão voltada para a do seu fundador, Champagnat. “Para Marcelino Champagnat, o núcleo da Missão é “fazer Jesus Cristo conhecido e amado”.5 Ele considerava a educação como um meio para levar as crianças e os jovens à experiência de fé pessoal e de fazê-los “bons cristãos e virtuosos cidadãos”.6(MEM, p. 39). Nessa coerência da formação cristã, as escolas Maristas se tornam “escolas em pastoral”. Entendendo melhor, o vocábulo “pastoral” origina-se de Pastor, ideia que o evangelista João emprega para caracterizar Jesus e suas atitudes. Nesse sentido, pastoral é trabalho articulado e ação planejada dos seguidores de Jesus para responder em favor da vida plena nos vários setores sociais e suas conjunturas. Rodinei Balbinot, na aula 5, Leitura Selecionada, p. 1, Curso Escola em Pastoral, completa: “A pastoral está entre os modos de ação que somente se realizam entre seres humanos.”7 Esse serviço, principalmente no meio educacional, na escola em pastoral, precisa ser de formato integralmente dialogal. Reforçando esse argumento, Agenor Brighenti, na aula 3, p. 6, do Curso Escola em Pastoral, descreve: “a atitude mais coerente de um Evangelho (...) é o diálogo com a nova civilização emergente, o diálogo ecumênico e macroecumênico, inter-religioso.”8 Sendo assim, estamos buscando a elevação do desenvolvimento humano e social dos nossos educadores, funcionários, alunos e da comunidade como um todo, cooperando para a formação espiritual, ética, solidária e cidadã de pessoas inseridas e engajadas na transformação social por meio do processo da evangelização. A Pastoral, sendo presença viva da proposta do Evangelho na escola em pastoral, torna-se serviço a todos e, principalmente, aos mais excluídos e necessitados, na perspectiva da opção preferencial pelos pobres. Revela-se numa atitude de recíproco aprendizado e colaboração, testemunho de vida e anúncio da mensagem cristã, com abertura ecumênica e inter-religiosa, em vista da construção de uma evangelização mais inculturada e um novo mundo aqui e agora.

Nesse contexto, é necessário trabalhar a formação e o perfil do profissional marista, capacitando-o para os desafios que se apresentam. A responsabilidade do educador marista está em desenvolver o ensino-aprendizagem e propiciar o desenvolvimento dos educandos, abraçando tão nobre profissão, que é uma verdadeira missão, e desenvolvendo, no meio escolar, um espírito de religiosidade, de cidadania e solidariedade.

Percebe-se que o diálogo inter-religioso é o centro das relações no meio educacional. A escola, principalmente a Marista, é um centro de convivência, levando em conta que os alunos passam

4 MEM.Missão Educativa Marista,p.57.5 Constituições,2;Vida,p.312,458.6 Cf.Guide des Écoles,p.11-13;Vida,p.498.7 NúcleoMaristadeEducaçãoaDistância,EscolaemPastoral,Módulo3,aula5,LeituraSelecionada,p.1.8 NúcleoMaristadeEducaçãoaDistância,EscolaemPastoral,Módulo1,aula5,LeituraSelecionada,p.6.

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ali uma boa parte do seu tempo e de sua vida. É nela que cada estudante se manifesta como um todo, com sua individualidade e coletividade, como seres inseridos numa sociedade pluralista e que trazem suas realidades para a convivência comum.

Nos últimos anos, é perceptível o esforço e os avanços da instituição na busca de abertura e prática voltada para o pluralismo. A Escola em Pastoral também objetiva a educação do cidadão, da dimensão da religiosidade do ser humano para uma dimensão pessoal e social com abertura ao Transcendente. Valoriza o pluralismo e a diversidade cultural existentes em nosso meio, alimentando a tolerância, o respeito ao diferente, e incentivando o diálogo inter-religioso, a vivência ética e de valores na sociedade. Isso acontece numa relação altamente produtiva de comprometimento com seus propósitos educacionais, mantendo uma excelente prestação de serviço à comunidade educativa em todos os níveis.

Diante da grande importância do trabalho pastoral no ambiente escolar, faz-se necessário priorizar a formação e o perfil do educador marista como construtor de relações saudáveis e como fonte formadora e integradora na formação do cidadão em uma dimensão pedagógica. Esses processos educativos, de uma escola em pastoral, que confirmam as ações pastorais humanizadoras, estão alicerçados na construção da humanização na educação, no nosso meio educacional. Cabe somente ao ser humano, também ao educador marista, a transformação do mundo e, consequentemente, o tornar-se o protagonista de sua própria história e de seu próprio universo. O ser humano/educador, que realiza os processos educativos, é o intermediário entre o conhecimento e o educando, com o objetivo de modificar a sociedade em que estão inseridos, por meio de uma leitura crítica e transformadora da realidade, e também por meio de ações evangélicas e evangelizadoras que trazem comprometimentos com o próximo. No entendimento cristão, o nosso próximo não está restrito à nossa família, nossas amizades, nossa raça. Nosso próximo é todo aquele que necessita de assistência e a quem podemos auxiliar. A verdadeira religião é a prática concreta do amor. É acreditar fazendo. É viver aquilo em que se acredita aqui e agora. É justamente por esse caminho que devem passar os processos educativos para a confirmação da ação pastoral humanizadora no meio educacional e por meio do educador marista. Paulo Freire diz: “Não se pode encarar a educação a não ser como um fazer humano. Que fazer, portanto, que ocorre no tempo e no espaço, entre os homens uns com os outros.” 9.

1. A FORMAÇÃO E O PERFIL DO EDUCADOR MARISTA

Ao refletir sobre a formação e o perfil do educador marista na nossa atual sociedade e em atuação em uma escola em pastoral, é importante lembrar que a capacitação desse profissional, em nossa realidade, é bastante desafiadora e, ao mesmo tempo, aponta vestígios de esperança. Existem, em nosso país, várias iniciativas que possibilitam a esse profissional acesso à formação na área de pastoral e crescimento em sua competência. A formação nessa área precisa ter mais prioridade e é um desafio contínuo. Várias instituições, principalmente as religiosas, que trabalham com o ensino confessional, oferecem e organizam cursos, alguns mais específicos e outros mais complexos e abrangentes, possibilitando o desenvolvimento do agente de pastoral. A fecundidade e a habilidade desses cursos de interferir na mentalidade e na cultura dos educadores e educandos em uma escola em pastoral depende da preparação

9 PROJETOMEMÓRIA(2007)–PauloFreire.

e da contínua atualização dos profissionais da área, da convicção interior e da paixão educativa que os anima. Nesse aspecto, quem nos esclarece é Rosa Gitana:

Este profissional, para atuar no conjunto de forças sociais, culturais, legais e pedagógicas que demarca o momento da pós-modernidade precisa ser olhado pela própria gestão da escola como alguém que necessita ser permanente e competentemente capacitado. Há que se criar momentos e espaços específicos de educação dos professores a fim de que eles estejam habilitados ao difícil exercício da docência complexa. (ENSINO RELIGIOSO E SUA RELAÇÃO PEDAGÓGICA, 2002, p. 47).

Aprofundando o conhecimento sobre o perfil do educador marista, é perceptível que a implicação ética mais imediata é a sua responsabilidade diante da vida de seus educandos. Esse ser atuante deve, antes de tudo, perceber que crianças e jovens estão ali para aprender com as principais experiências acumuladas pela humanidade e desenvolver seus talentos pessoais (cognitivos, emocionais, físicos, motores, expressivos, espirituais etc.). A responsabilidade desse educador está em realizar corretamente o ensino-aprendizagem e propiciar o desenvolvimento integral dos educandos.

Algo que precisa ser também marcante no perfil desse profissional é a capacidade de lidar com as diferenças no meio educacional em pastoral, entre os próprios colegas de trabalho e alunos, o que, às vezes, evidencia certo descompromisso e desobrigação em relação à sua missão de evangelizador. As condições de exercício do magistério têm-se deteriorado muito, gerando desgaste desse compromisso. São observados, com muita frequência, professores darem as costas diante de graves problemas que ocorrem na escola, no que se refere a comportamentos e relacionamentos. Muitos educadores estão distanciando-se da vida de seus alunos, perdendo contato com eles e, com isso, perdendo a sua confiabilidade e a sua autoridade. Nos Parâmetros Curriculares, isso fica bem evidente:

A constante busca do conhecimento das manifestações religiosas, a clareza quanto à sua própria convicção de fé, a consciência da complexidade da questão religiosa e a sensibilidade à pluralidade são requisitos essenciais no profissional do Ensino Religioso. Desse profissional espera-se que esteja disponível para o diálogo e seja capaz de articular a partir de questões suscitadas no processo de aprendizagem do educando. Cabe a esse educador escutar e facilitar o diálogo, ser o interlocutor entre Escola e Comunidade e mediar conflitos. (FÓRUM NACIONAL PERMANENTE DO ENSINO RELIGIOSO, 1998, p. 28).

O educador, no processo da educação e na dimensão pastoral, deve buscar uma formação para produzir, reproduzir e recriar o sentimento de humanidade dentro de uma realidade que, por vezes, é tratada de forma superficial. Além da obrigação ética de criar e recriar, reproduzir e cuidar, é preciso, acima de tudo, desenvolver o humano. A principal tarefa do educador é a de atrair o educando para o desenvolvimento integral, fazê-lo perceber a importância vital daquilo que é ensinado e vivenciado. Quando o estudante percebe a importância do

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aprendizado na sua prática, ele próprio se aprofunda no gosto pela convivência e na busca do conhecimento.

Em seu processo de formação, o educador marista precisa transmitir valores éticos básicos aos seus alunos e demais, mas a ideia de transmissão é apenas parcialmente boa. É claro que algo sempre se transmite de geração a geração, algo se repete e se reproduz, mas, quando falamos de valores ou de uma cultura ética, a transmissão se faz sempre também como recriação. Na Escola em Pastoral, o que é mais importante é o exemplo do ser cristão. Não apenas exemplos individuais de pessoas engajadas, mas exemplos institucionais da comunidade educativa. Valores éticos não são conteúdos ou informações transmissíveis independentemente da qualidade do transmissor (educador, professor de Ética, Ensino Religioso, Sociologia, Filosofia, Teologia etc.). Esses valores só se transmitem ou se recriam sustentados por verdadeiros exemplos e por meio de uma maior e melhor compreensão dos fundamentos da Ética e sua aplicação nas grandes questões deste novo século, encontrando soluções para os grandes problemas da nossa realidade.

A formação do educador marista precisa ser olhada com muita seriedade, pois ele não é simplesmente um transmissor de conteúdos, de conhecimentos e habilidades; é, acima de tudo, um cristão e educador que auxilia o educando a fazer uma análise consciente e profunda da sua caminhada. Ele não é uma pessoa neutra, mas um ser de convicções enraizadas nas suas tradições e, por isso, tem maior sensibilidade para com os demais. Deve saber respeitar e evitar sectarismo e polêmicas religiosas que não constroem o verdadeiro diálogo inter-religioso no espaço educacional e pastoral.

Esse profissional é convocado a ter uma identidade definida, que é adquirida na vivência da própria experiência transcendental, manifestando uma realidade pessoal e social na sua busca de crescimento e desenvolvimento. Precisa ser capaz de conviver com seres de culturas diferentes e, com eles, estabelecer diálogo e parceria mútua, buscando constantemente conhecer a realidade sociocultural, política, econômica e religiosa de seu tempo. Ser esse educador é abraçar essa tão nobre profissão, é uma opção vocacional, uma verdadeira missão, que o torna capacitado para animar e desenvolver, na instituição escolar, um espírito de religiosidade, de cidadania e solidariedade. Para isso, deve usar seu bom-senso, ter equilíbrio emocional e afetivo, coerência de vida, trabalhar em conjunto, ter uma boa qualificação profissional e espiritual, buscando sempre o preparo acadêmico.

1.2. O EDUCADOR MARISTA E A ESCOLA EM PASTORAL

Educar para a religiosidade e cidadania, a partir do currículo, por meio dos conjuntos de experiências proporcionadas aos alunos em uma escola em pastoral, interligando saber, formação intelectual e educação integral, exige muito preparo. O educador precisa fazer da unidade educacional o ambiente em que educandos, educadores e familiares possam vivenciar os valores universais como agentes de transformação do mundo e da atual história.

Para início de reflexão, a UEA 05 traz um posicionamento acerca de como acontece a nossa relação com a religião e de como ela está inserida em nossa cultura e realidade: Segundo a UEA 05 (2007, p. 03), “A religião está no cotidiano nacional brasileiro como um fato social, independentemente de nossa crença ou descrença: não só ela ocupa lugar de destaque na vida de milhões e milhões de pessoas, imprimindo determinadas marcas em suas crenças e ações, como influi na maneira de a

sociedade brasileira ser e perceber o mundo.” 10

É nessa relação, nesse envolvimento complexo, nessa interligação com o todo e a formação integral, que somos influenciados direta ou indiretamente. É nesse contexto que precisamos buscar o melhor relacionamento e convivência com os nossos adeptos e com os diferentes, com aqueles que têm outros credos ou são ateus; e, na medida do possível, crescer juntos na vivência de valores comuns ou não, em prol de um ideal maior, numa dimensão sociocultural e epistemológica sobre o relacionamento com o meio em que vivenciamos e partilhamos nossas experiências no chão educacional.

É justamente na relação, no conhecimento do diferente, que nos libertamos de preconceitos, rivalidades, temores e tabus, e aumentamos a compreensão de nós mesmos e do transcendente, que se manifesta na pluralidade da expressão religiosa. Aproveitar essa situação e fazer disso um campo de aproximação, de descobertas e experiências é dar um grande passo rumo à liberdade construída na alteridade por intermédio do meio educacional. Os Parâmetros Curriculares Nacionais mencionam como isso deve acontecer e como se dá a formação do educador:

O educador é alguém que naturalmente vive a reverência da alteridade e leva em consideração que família e comunidade religiosa são espaços privilegiados para a vivência religiosa e para a opção de fé. Assim, o educador coloca seu conhecimento e sua experiência pessoal a serviço da liberdade do educando. Frente a isso, faz-se necessário uma formação específica onde sejam contemplados, entre outros, os conteúdos: Culturas e Tradições Religiosas; Escrituras Sagradas; Teologias comparadas; Ritos e Ethos, garantindo-lhe a formação adequada ao desempenho de sua ação educativa. (FÓRUM NACIONAL PERMANENTE DO ENSINO RELIGIOSO, 1998, p. 28).

Nesse contexto, educadores e estudantes, também inseridos num processo educacional, precisam estar atentos e nunca perder de vista que o princípio da liberdade vale para todo ser humano e que este só começa quando permitimos ao outro ser livre; nesse processo, percebemos que ela está sempre em construção. A presença do educador marista, por meio de suas ações e atitudes, pode impedir ou destruir a liberdade dos outros, principalmente quando se trata de diversidade religiosa e cultural.

O educador precisa desenvolver um persistente esforço para que se tenha um grande contingente de pessoas que possam ir além do que já vivenciam no cotidiano. Precisa ultrapassar suas atitudes de religiosidade brasileira, que se apega mais a pequenos gestos satisfatórios de seu próprio ego, seu “mundinho”, seu relacionamento inter-religioso de grupinho, e não se aventura, não se socializa nos compromissos sociopolíticos de uma perspectiva de fé engajada que vai além, do amadurecido na religiosidade, da postura cidadã e cósmica, capaz, em comunidade, de reorientar o mundo para o amor, a solidariedade, a justiça e a paz.

O desrespeito às culturas contribuiu para uma religião desencarnada da realidade e uma fé sem compromisso social e político, omissa ou conivente com contradições como violência,

10 CursodeEspecialização emEnsinoReligioso.UEA05,OCampodasReligiõesnoBrasil,UniversidadeCatólicadeBrasília /CentroCatólicaVirtual /EducaçãoaDistância,DF.2007,aula01,p.03.

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escravidão, opressão das culturas, desrespeito à dignidade humana e violação dos direitos em geral. Nessa postura de pensamento e ação, destacamos um parágrafo de um texto do MEC que diz:

[...] se conseguirmos avançar no microcosmos de nossa existência, se construirmos na sociedade e no seu entorno um ambiente de fraternidade, de diálogo permanente, de abertura dos corações para a convivência das diferenças de gênero, de raça ou de etnia, ou de fundo cultural, religioso ou ideológico, estaremos dando um grande passo. Estaremos criando as condições necessárias para minimizar os fatores que nos separam social e culturalmente e potencializar aquilo que nos motiva. (MEC, 2007, www.mec.gov.br).

É preciso dizer que não estamos mais na condição do “se”, mas no processo atual de construção desta necessária e urgente sociedade que, desde a época de Jesus, já tinha seus sérios problemas, e onde todos devem ser motivadores, formadores e multiplicadores de sonhos sonhados e vivenciados aqui e agora. Hoje, o utópico só serve para nos mostrar o caminho, caminho este que se faz caminhando, desde que caminhemos juntos e com excelentes referenciais, inclusive os evangélicos. Segundo os líderes espirituais, Deus está em todo lugar e, com certeza, abençoando o caminhar dos educadores e alunos rumo à vida e vida com plenitude para todos.

Não basta o educador marista ter somente esse olhar cósmico, mesmo que seja impregnado de religiosidade. É aí que aumenta ainda mais a responsabilidade, a coerência entre teoria e prática; é preciso ter presença e postura pública, sociopolítica e, sobretudo, no que se refere à luta contra a injustiça, a pobreza, os tipos de poderes alienadores e a marginalização. Não resolve ser somente um profissional que se diz rezador, kardecista, umbandista, católico, evangélico, budista, islâmico, ou seguidor de outros segmentos, ou tudo isso junto, e não possuir uma abertura e visão política, econômica, social, cultural, com raízes profundas na atual sociedade, participação comunitária, pertença de grupo e engajamento transformador de realidades sociais.

Os profissionais da Escola em Pastoral precisam ser agentes e meios de aglutinação no meio social, e tratar inclusive as religiões como fatos socioculturais. A construção da liberdade requer a ética da alteridade, que é o respeito pelo diferente e o convívio com este. É essa convivência que nos convoca, interpela, convida e nos revela o seu infinito. A diversidade religiosa, as religiões como partes constitutivas dos fatos sociais e culturais convocam ao protagonismo leigo, que exige de todos uma qualificação mais adequada, sobretudo por meio de uma sólida formação acadêmica sobre os livros sagrados (no caso marista, especialmente a Bíblia), sobre a teológica, sociológica, espiritualidade e análise de conjuntura. Sobre a participação, Rodinei Balbinot diz, na aula 4, p. 5, do Módulo 3, Curso Escola em Pastoral: “A evangelização é vista como um processo participativo. Por participação entendemos a atitude de tomar, fazer e sentir-se parte de uma ação ou de um processo.”11 Balbinot ainda completa na aula 5, p. 3: “É um processo participativo em que o agente assume, junto com a missão que tem em conjunto com outras pessoas, a missão para consigo próprio.”12 Isso é fundamental para fomentar o sentimento de pertença à sociedade e propiciar a corresponsabilidade de todos, educador/educando, em ações concretas. A felicidade, a 11 NúcleoMaristadeEducaçãoaDistância,EscolaemPastoral,Módulo3,aula4,p.5.12 Id.,aula5,p.3.

realização planetária, ou seja, a construção de uma consciência de pertença ao planeta e a demonstração de zelo por ele, a construção coletiva, são frutos de relações fraternas, solidárias e autênticas, no respeito à dignidade humana. As ações do ser, em uma Escola em Pastoral, precisam ter visibilidade e vivência na prática cotidiana, na escola, família, sociedade e no cosmo. Devem ser perceptíveis na convivência e na transfiguração das relações educador/educando, gerando gestos transformadores na construção e formação do SER integral.

A Escola em Pastoral, dentro de sua proposta educacional, além de ser um meio evangelizador, precisa também assumir o seu verdadeiro papel, como espaço do sistema de ensino, cujos conteúdos deverão voltar-se mais para a formação integral, estruturando consciências, atitudes e práticas anteriores à opção religiosa na formação do cidadão. O seu interior deve ser um espaço privilegiado de reflexão sobre limites, superações e relações saudáveis como fonte formadora e integradora. Assim, no ambiente educacional, a Escola em Pastoral trabalhará a sua identidade e desenvolverá a sua filosofia e seu carisma. Isso implica a necessidade de formação individual que favoreça tal perspectiva, porque o que se objetiva é fruto de uma experiência pessoal, na incansável busca de respostas para tantas questões existenciais. É preciso favorecer em todos os sentidos, possibilitando que o ambiente seja um eterno construtor de relações saudáveis e fonte de formação e integração.

1.3. ESCOLA EM PASTORAL COMO CONSTRUTORA DE RELAÇÕES SAUDÁVEIS E COMO FONTE FORMADORA E INTEGRADORA

Num passado não muito distante, no sistema educacional tradicional, a relação educador/educando era vertical. O mestre, transmissor, ocupava o centro de todo o processo, cumprindo objetivos selecionados pela instituição em que trabalhava e pela sociedade. O educador administrava todas as ações da escola, e sua postura estava totalmente ligada à transmissão de conteúdos e de seus conhecimentos. Ao educando, receptor, era reservado o direito de somente aprender, pela repetição e automatização, de forma racional e passiva, sem muita liberdade para fazer interferências ou questionamentos. Esse professor tradicional usava como estratégia, na escola, mecanismos de controle, tais como: avaliação punitiva por escrito, avaliação oral, chamada oral, controle de atividades, gestos agressivos etc.

Nesse contexto, o discente tinha acesso ao conhecimento passando pelo docente, que era quem controlava toda a relação, todas as ações e exigia de seu público uma obediência cega, que também era exigida no restante da sociedade. Saviani fala desse contexto:

“O elemento principal passa a ser a organização racional dos meios, ocupando o professor e aluno posição secundária, relegados que são às condições de executores de um processo cuja concepção, planejamento, coordenação e controle ficam a cargo de especialistas supostamente habilitados, neutros, objetivos e imparciais.” (Escola e Democracia, 1999, p. 24).

Na sociedade atual, temos uma nova visão social. As transformações estão muito aceleradas em todos os segmentos. As redes eletrônicas tomaram conta do processo de ensino e aprendizagem; estamos em um novo ambiente que exige novos educadores, ou melhor, educadores com novas posturas na educação. O perfil dos educadores está alterando-se devido ao

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novo contexto de mundo e, com isso, eles estão insatisfeitos, ansiosos, desanimados e estressados pela não compreensão e acompanhamento das novas necessidades sociais e do sistema educacional. Diante de tal situação, com mudanças radicais e rápidas na sociedade, atingindo diretamente todo o público educacional, e com a escola em fase de transição, o educador também precisa acompanhar o progresso e deixar o seu saudosismo com relação ao passado para trás. Buscar e vivenciar o novo. Não é mais possível comparar os atuais educandos com os do passado, pensar se são menos ou mais religiosos, inteligentes, responsáveis, afetivos, maduros ou preparados do que em outros momentos.

O educador precisa dominar as redes eletrônicas e fazer bom uso delas, equilibrando os currículos e os procedimentos metodológicos ligados ao sistema de aprendizagem dos educandos. Precisa encontrar uma ligação entre o processo cognitivo e emocional, aceitando os novos estilos de vida dos estudantes, adaptando-se a eles, e buscando, assim, com muita flexibilidade, um canal direto com o mundo pós-moderno. O educador pode ser o maior produtor de conhecimento, de meios para evangelizar e pesquisar neste novo sistema tecnológico, e, ao contrário do que muitos pensam, ele se aproximará mais de seu alunado, que já vive esta realidade de mundo virtual.

Esse ambiente moderno, interativo, inovador e desafiador precisa estar à disposição e a serviço do processo ensino-aprendizagem, transformando-o para melhorar todo o sistema educacional do país. O educador será um profissional mais atualizado, dinâmico e moderno. As redes eletrônicas lhe oferecerão oportunidades emocionantes e prazerosas para a interação com pessoas distantes ou próximas, de diferentes culturas e etnias, e também com diferentes formas de conhecimento voltado para o seu público, no caso, o estudante.

E como fica a Escola em Pastoral nesse contexto? A Escola em Pastoral, na educação, tem um papel fundamental na formação do ser humano como um todo, do cidadão universal, seja ele virtual ou presencial. Aqui cabe lembrar que a Escola em Pastoral não é o único componente para trabalhar essa proposta, pois esta é também uma tarefa de outros segmentos, que podem e devem contribuir para a formação cidadã. Aqui se ressalta o papel do educador, que, no meio educacional, é o eixo norteador desse processo. O trabalho do mestre nesse espaço, seu relacionamento com os estudantes e demais parceiros é expresso pela relação que ele tem com o seu meio, a sociedade e a cultura, refletindo valores e padrões sociais, o que não acontecia antes, nem virtual e muito menos presencialmente, com tanta intensidade.

As relações humanas são peças fundamentais na realização comportamental e profissional de um indivíduo. Para que isso aconteça, é necessária a conscientização do educador de que sua função, na atual sociedade, é de facilitador de aprendizagem, aberto às novas experiências e novos contatos, procurando compreender e entender, numa relação de empatia, também os sentimentos e os problemas de seus alunos, e levá-los à autorrealização. A atuação do docente marista precisa refletir espírito de presença, amor ao trabalho, afetividade, confiança, empatia e respeito, para que se desenvolva a leitura, a escrita, a reflexão, a aprendizagem, a pesquisa autônoma, a construção do conhecimento coletivo e a concreta evangelização. Dessa forma, a relação entre educador e educando depende do clima estabelecido por esse profissional e pela Escola em Pastoral, da relação empática com seus alunos e parceiros, de sua capacidade de ouvir, refletir e discutir o nível de compreensão dos educandos e da criação das pontes entre o seu conhecimento e o deles. É esse educador que deve instruir também para as mudanças, para a autonomia, para a liberdade, numa visão global, trabalhando o lado positivo dos alunos, e para a formação de um cidadão consciente de seus direitos e

deveres e de suas responsabilidades sociais, com clareza para o seu segmento religioso. Vale resgatar, como contribuição para nossa reflexão, o que Sérgio nos diz:

Não se pode negligenciar a questão de educar o educando para ser uma pessoa de escolhas livres e responsáveis. Harmonizar o pensamento e o sentimento do educando evitando posturas reducionistas, assim como estimular a formação de uma personalidade firme, mas flexível, para poder respeitar e conviver com diversidades naturais. Colocar o espírito de grupo e a colaboração mútua entre os participantes como valor mais significativo do que a competição individual. E finalmente desenvolver a cidadania cósmica, ou seja, a consciência da responsabilidade do indivíduo na ecologia global que inclui a humanidade, todos os outros seres vivos e não vivos da Terra e do universo. (ENSINO RELIGIOSO E SUA RELAÇÃO PEDAGÓGICA, 2002, p. 22).

A profissão de educador é uma das mais nobres dentre as outras, pois esse profissional é também quem resgata o que há de mais precioso no ser humano: a sua capacidade de entendimento, compreensão, aceitação, abertura para o novo e crescimento em todas as dimensões, inclusive na espiritual. Quando tratamos do educador marista, isso fica ainda mais evidente, pois ele é e deve sempre ser testemunho de serviço pela vivência da integralidade, pelo respeito à dignidade humana, pela liberdade e pela igualdade de todo ser humano, buscando o bem comum e colocando-se no lugar do outro, a fim de torná-lo melhor e ajudá-lo em suas necessidades. É esse educador que se engaja efetivamente em Projetos de Solidariedade como excelente cristão e correto cidadão, para interpretar toda a realidade em profundidade crescente e atuar na atual sociedade de modo transformador e libertador.

Diante dessas relações (educador/educando) é que se faz demasiadamente necessário o diálogo. Na obra Pedagogia do Oprimido, Paulo Freire, diz: “aprender a dizer a própria palavra é toda a pedagogia, e também toda a antropologia”13 Mas que tipo de diálogo? O diálogo comum, sim, em todos os momentos, mas se faz mais urgente e produtivo, nesse tipo de relação, o diálogo inter-religioso, que se abre para acolher a manifestação religiosa dos educandos, que lhe são confiados e que se dispõem também ao trabalho de Ensino Religioso. Nessa perspectiva é que o Ensino Religioso não deve ser proselitista, mas acolhedor de todos os que fazem parte de outras manifestações religiosas, e deve respeitar com a mesma intensidade aqueles que não aderiram a nenhuma delas e que estão abertos à formação cidadã.

É o momento privilegiado de trabalhar o fenômeno religioso, trazendo propostas das várias tradições religiosas que são a favor da vida nas dimensões da fé, da esperança, da justiça e do amor. A postura crítica diante da questão do sagrado foi e é sempre necessária, pois ajuda a incluí-la na discussão científica e a constitui Ciência da Religião. É por meio desse processo cognitivo, investigativo e questionador que desvelamos e fortalecemos as verdades sagradas de cada religião e cultura, e chegamos fortalecidos e encorajados a realizar mudanças significativas e transformadoras na sociedade por intermédio de relações saudáveis e com opções definidas. O educador marista precisa imbuir-se do fenômeno religioso e buscar constantemente instrução para fortalecer suas convicções

13 FREIRE,Paulo.Pedagogia do oprimido,17.ed.RiodeJaneiro:PazeTerra,1987,p.18.

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e aumentar seu desejo e necessidade de vivenciar a ética do bom relacionamento. Precisa ainda ser testemunho vivo na convivência com outros seres, principalmente com seus alunos, para que eles percebam os valores fundamentais da vida por meio da práxis do educador no atual contexto de mundo profano e sagrado. Segundo Simões, “Todo fenômeno religioso exprime uma experiência religiosa que se localiza no interior e nos limites de dois mundos: o mundo profano e o mundo sagrado vivenciados não como fechados um para o outro, mas em contínua interação – o mundo sagrado impregna o profano na medida em que dele se utiliza para se revelar.” 14

Nas relações docente/discente, o educador precisa despertar o ser humano, seu educando, para o senso de humanidade e fazê-lo perceber pertencente a um senso cósmico, a um grupo de convivência, e não fortalecer ainda mais o sentido de concorrência em tudo (o que acontece até mesmo entre as religiões – números, adeptos, aumento de renda, sobrevivência, convertidos, teologias, doutrinas, crenças, normas, preceitos, propostas espirituais e propostas distorcidas da realidade...). Agenor Brighenti, na aula 3, p. 2, Módulo 1, Curso Escola em Pastoral, reforça: “ O individualismo cultural e a busca de bem-estar imediato levam o indivíduo a colocar também a religião a seu serviço.”15 O educador deve trabalhar, em seus projetos e atividades diversas, o diálogo comum e o diálogo inter-religioso como meios de conscientização para a pertença e a convivência num mundo onde todos devem ser cidadãos e responsáveis por ele, independente de sua fórmula doutrinária ou profissão de fé, raça/etnia/cultura ou posição social. Deve trabalhar, por meio do diálogo, a formação do virtuoso cidadão na esperança da construção de um mundo mais coerente, justo, fraterno e muito humano.

A presença acolhedora, amiga, carinhosa, incentivadora, em especial do educador marista, que traz isso em sua identidade, é fundamental para a formação e transformação integral do educando. Esse testemunho se torna mais significativo quando o educador regente é também convicto de sua relação com o transcendente - o que vai, primeiro, dar exemplos na vivência de cidadania e do transcendental. É o testemunho vivo do que professamos, daquilo em que acreditamos e do que queremos viver com e para os educandos e pessoas próximas.

O educador marista, ao declarar-se seguidor de sua religião, da espiritualidade cristã e marista, deve ter o cuidado para não afastar seu próximo que não comunga da mesma crença; deve mostrar na práxis o valor da vida e como a vive em harmonia, com projetos sólidos e transformadores da atual realidade. A salvação pessoal e planetária não está em um ou em muitos líderes religiosos, mas nas posturas virtuosas e harmoniosas de seus seguidores. Esse educador necessita de um conhecimento profundo a respeito das outras tradições religiosas para manter um saudável diálogo inter-religioso construtivo e relações humanas no meio educacional. Cabe a cada um de nós buscar formação/informação, indicar instituições sérias, exigir, fazer valer direito e leis, e, na medida do possível, criar grupos de trabalho e estudo, ampliando as relações internas e externas. O mestre marista deve ser um cidadão universal, um cidadão do “infinito” e de múltiplas relações, como o Cristo ensinou concretamente.

A Escola em Pastoral indica uma recuperação da dimensão espiritual da existência, ocupando uma lacuna deixada pela educação, que apresentou, durante longo tempo, predominância do racional, do desenvolvimento científico e

14 JORGE,SimõesJ.Pe.Cultura religiosa: ohomemeofenômenoreligioso. SãoPaulo:Loyola,1998.p.7.15 NúcleoMaristadeEducaçãoaDistância,EscolaemPastoral,Módulo1,aula3,p.2.

tecnológico do educando, excluindo um pouco as razões e as finalidades últimas da existência. O ambiente educacional pastoral, atualmente, está fornecendo instrumentos de leitura da realidade social e vem preparando o educando para entender e compreender mais a si mesmo e a sociedade, buscando criar e dar condições para a convivência entre as pessoas, relacionamento mais próximo com o meio ambiente e com o cosmo, ainda que paulatinamente.

Centrada na evangelização, a Escola em Pastoral se transforma num processo dinâmico em que o educador é o sujeito ativo da ação, o protagonista, e, assim sendo, não é apenas o executor, é um pesquisador de sua própria ação. Rodinei Balbinot, na aula 4, p. 2, do módulo 3, Curso Escola em Pastoral, deixa evidente que: “A evangelização, sendo uma ação humana, também tem uma dimensão pedagógica.”16 É o educador quem cria situações de aprendizagens. Os métodos de ensino-aprendizagem proporcionam que ele seja autor de sua ação pedagógica por meio da ação reflexiva, coletiva e autônoma. A construção do conhecimento e a construção do sujeito não se separam, a teoria e a prática convergem em coerência de atitudes e práxis no meio educacional e pastoral. O educador é também mediador, animador, facilitador e quem dá espaço para que a aprendizagem seja significativa e transformadora da vida do educando.

Para que a aprendizagem na Escola em Pastoral aconteça, precisa ser “significativa”, o que pede uma compreensão de significados, de relacionamentos com as experiências anteriores e vivências pessoais na realidade de cada educando. A aprendizagem possui dinamismo que exige ações de ensino direcionadas para que os educandos aprofundem e ampliem os significados elaborados diante de suas participações nas atividades proopostas. O ensino precisa ser composto de atividades sistemáticas, rigorosamente planejadas, nas quais o educador e o educando compartilham parcelas cada vez maiores de significados com relação aos conteúdos do currículo escolar. Em um relacionamento próximo, os alunos aprendem por diversos modos e formas de inteligência, usando diversos meios e modos de expressão. Lizete Carmem nos fala sobre como isso pode acontecer:

As inter-relações didático-pedagógicas revalorizam a busca de Transcendência pelo conhecimento intuitivo e pela linguagem do simbólico, do sensitivo e do numinoso. Consequentemente, integram pensamento e ação, valendo-se de recursos não tanto materiais como livros, subsídios, pesquisas, etc., mas de recursos “suprassensoriais”, que não separar mente-corpo: eufonia, dança, teatro, biodança, relaxamento, meditação, contemplação, artes plásticas, música, pintura, contacto com a natureza, etc. e sempre na dimensão da experiência pessoal no grupo, pensando com o corpo de modo a usá-lo como agente de conhecimento, de inter-relação com a variedade de organismos vivos do ecossistema global, onde o Ser Humano é um deles. (Um paradigma didático para o Ensino Religioso, 1994, p. 51).

Para que isso aconteça, é necessário que a Escola em Pastoral seja um lugar com espaços ambientados para atividades diversificadas e mais lúdicas, animadas e mais produtivas. Com certeza, esse ambiente se tornará também um fórum de debate 16 NúcleoMaristadeEducaçãoaDistância,EscolaemPastoral,Módulo3,aula4,p.2.

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e negociação de concepções e representações da realidade, das ideias e múltiplas experiências pessoais e coletivas; um ambiente de conhecimento compartilhado no qual os educandos sejam considerados como seres capazes de elaborar, partilhar experiências espirituais, construir, modificar e integrar ideias. Deverá haver momentos para interação dos jovens com outras pessoas, objetos e situações que pedem envolvimento, priorizando-se o refletir acerca de seus comportamentos, de suas aprendizagens, dos problemas que têm que superar e para o quais têm que buscar soluções, e de ações para colocar a produção de conhecimento em prol da vida, a serviço do coletivo e da sociedade. É importantíssima a intervenção e a mediação do educador marista, partilhando também suas experiências com os alunos, e ambos simultaneamente construindo a maravilha que é o conhecimento a serviço da vida e do próximo.

Na Escola em Pastoral, pela sua postura aberta, assumindo essa dimensão de construção do conhecimento e do crescimento recíproco, o planejamento deve ter como maior base a pedagogia do respeito mútuo, do diálogo, do afeto, da alegria e do ver e do olhar o outro/educandos e parceiros como sujeitos que possuem conhecimento, cultura e história de vida. Nessa escola, mais que nas outras, os conteúdos, as estratégias e as metodologias, os recursos e as técnicas devem proporcionar liberdade de expressão cultural, intelectual, afetiva e da religiosidade dos alunos. É evidente que não irá negar nem deixará de trabalhar a sua identidade religiosa em toda a sua essência. Atingindo os objetivos e contemplando os conteúdos, o educador marista alcançará o diálogo inter-religioso e reflexivo, espaço para partilha de experiências; irá criar e desenvolver admiração e convivência saudável com a natureza, beleza, sexualidade e com a vida; irá suscitar questionamentos e indignação sobre a atual sociedade – violenta, desigual e corrupta -; irá realizar comparações, observações, relatos e análises dentro do fenômeno religioso. Tudo isso pode acontecer em um trabalho partilhado e cooperativo, proporcionando momentos de discussão, decisão, avaliação, celebração, partilha, reflexão, meditação, oração, convivência, confraternização e vivências dos diversos símbolos, festas e manifestações dos inúmeros segmentos religiosos, inclusive do cristianismo, que tanto contribui para a formação do virtuoso cidadão e bom cristão.

Na interação educador-educando e vice-versa, no fazer pedagógico da Escola em Pastoral, fica evidente a proposta pedagógica ali desenvolvida, pois, além de participar do debate sobre várias tendências pedagógicas, ocorre a própria escolha a partir da compreensão do que seja uma escola em pastoral educativa e de como a Igreja e a escola devem dialogar com a sociedade na sua realidade local. Nesse espaço educacional, são desenvolvidos projetos nas dimensões cognitiva, psicológica, artística, esportiva, social, ambiental e espiritual. Para isso, segue uma pedagogia sócio-interacionista, dando ênfase para a formação da autonomia e responsabilidade pessoal e social voltada para uma disciplina preventiva, com base no diálogo, na justiça e na seriedade, por meio da construção de competências a partir do desenvolvimento das habilidades de leitura, pesquisa e atividades artístico-desportivas. Ocorre a constante vivência de momentos espirituais, contemplativos e reflexivos, com práticas educativas baseadas no diálogo, no respeito e na confiança mútua. Nesse diálogo e parceria com a Igreja local, há grande preocupação com uma vivência da religiosidade, que, de fato, tenha comprometimento com a justiça e a cidadania. Essa proposta pedagógica objetiva a construção do conhecimento, o desenvolvimento pleno das potencialidades dos educandos e sua inserção no meio social, contemplando as dimensões acadêmica, esportiva, cultural e religiosa. Utiliza uma metodologia que permite a valorização da iniciativa do educando e o conhecimento que ele traz, possibilitando seu avanço na construção do saber e na formação para o exercício da cidadania, de forma a desenvolver o espírito de

família, de presença, de trabalho, de comunidade, consciência e solidariedade entre todos, como Jesus e Champagnat almejavam.

Há várias ações de grande necessidade que precisam ser reforçadas em parcerias com outras instituições que comungam do mesmo propósito e que podem ser compartilhadas: criação de mais cursos na área pastoral, para atender as demandas formativas; criação de mais cursos como o do Núcleo Marista de Educação a Distância, de faculdades próprias para essa temática da pastoral e para trabalhar esse contexto; criação de parcerias de cursos, seminários, encontros, debates, workshop de formação e partilhas das práticas e experiências com as instituições locais (UCG, ANEC, Arquidiocese, Diocese, Paróquias, Sindicato das Escolas Confessionais, etc.); planejamentos comuns de conteúdos, objetivos e metodologias compartilhados, contemplando as várias realidades e vivências de religiosidade e religião; formação de mais grupos regionais com intenções educacionais e ecumênicas para estudos, acompanhamento e nivelamento dos trabalhos nos estabelecimentos de ensino; realização de pesquisas sobre relação, satisfação, envolvimento e abrangência da Escola em Pastoral na atual sociedade, e, a partir delas, busca de melhoria e novas ações em prol da evangelização, da vida em sua amplitude e de um mundo mais humano e tolerante para todos.

CONCLUSÃO

“E disseram um ao outro: ‘Não ardia o nosso coração quando ele nos falava pelo caminho, quando nos explicava as Escrituras?’”17 Com base nos estudos realizados e apresentados, por meio da experiência e participação direta e ativa em uma Escola em Pastoral, ficam evidentes e solidificadas as nossas convicções de que, ao refletirmos sobre a formação e o perfil do educador nesse ambiente, tornamo-nos mais propensos e sensíveis a perceber e a experimentar os sentimentos dos discípulos de Emaús, a ficar com o coração inflamado, e ainda a ser inspirados pelo Espírito Santo e seguir os exemplos do grande Mestre Jesus. Pretende-se, com esta proposta de formação, realizada em processo participativo, ter, na Escola em Pastoral, um educador experiente, comedido, evoluído, que construa sua identidade em parceria com a da instituição, equilibrando o emocional, o intelectual, o ético, o pedagógico e o espiritual.

Esse educador, com tal proposta de formação, deve ser testemunho vivo da aprendizagem integral; testemunho impregnado na índole e personalidade de quem evolui constantemente, aprende, humaniza-se, torna-se uma pessoa mais aberta, acolhedora, compreensiva e evangelizada. Terá uma trajetória coerente, de avanços, de bom-senso, de revigoramento, estimulado por novos desafios, pelo contato com seus educandos e comunidade educativa, pela vontade de continuar vivendo, aprendendo, realizando-se e mantendo o impulso de avançar e perseverar sempre em favor da vida em abundância.

É com o perfil descrito neste trabalho que o educador será capaz de relacionar-se, de comunicar-se, de motivar o educando de forma permanente e competente. Conseguirá uma mobilização afetiva e ativa de todos, simpatia, capacidade de sinergia, de estabelecer laços além do ambiente escolar, facilitando todas as atividades propostas e com muita aproximação de seu próximo. Haverá uma maior capacidade de expressão da competência

17 BÍBLIA. SOCIEDADE BÍBLICA CATÓLICAINTERNACIONAL E PAULUS, Edição Pastoral. São Paulo:Paulus,1990.p.1351.

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intelectual em vários planos, deixando evidente que nós devemos relacionar-nos com os interesses da comunidade educativa, que podemos aproximar a teoria da prática e a vivência da reflexão teórica. Assim se fortalecerá a parceira nos procedimentos de evangelização e formação cidadã.

Diante da grandeza do trabalho pastoral em um ambiente marista, e de sua vasta influência no ambiente educacional e social, somos estimulados, diante do atual contexto social, a reforçar o trabalho sobre a formação e o perfil do educador marista da Escola em Pastoral, capacitando-o cada vez mais para os desafios que esta apresenta. A responsabilidade desse educador está em desenvolver o ensino-aprendizagem e propiciar o crescimento dos educandos e de toda a comunidade. Sua tão nobre profissão, que é uma verdadeira missão/vocação, impulsiona, no meio escolar, o desenvolvimento de um espírito de religiosidade, de cidadania, de troca de experiência, de convivência harmoniosa, de humanização e transformação social e espiritual.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

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