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Revista Ensaios & Diálogos
Revista das Faculdades Integradas Claretianas de Rio Claro, N.4, Jan/Dez 2011
Diretor Geral Pe. Luiz Claudemir Botteon
Diretor Administrativo Pe. Brás Lorenzetti
Diretor Acadêmico Prof. Dr. Sávio Carlos Desan Scopinho
Coordenadoria Geral de Pesquisa e Iniciação Científica Prof. Ms. Pablo Rodrigo Gonçalves Conselho Editorial Profa Ms. Andréia Nadai Carbinatto Prof. Es. Ângelo Aparecido Zadra
Prof. Ms. Eduardo Feltran Barbieri Prof. Ms. João Carlos Picolin Prof. Dr. José Ademir Crivelari Prof. Ms. Manoel Valmir Fernandes Profª. Ms. Raquel Albano Scopinho Prof. Es. Mateus Colabone Neto Profª. Ms. Klausner Vieira Gonçalves Profª Es. Hosana Cristina Alves Prof. MS. Ronaldo Ribeiro de Campos Profa. Dra. Márcia Reami Pechula Revisão Textual Prof Ms. Lisiane Ferreira da Silva Pereira Editoração e Projeto Gráfico Prof. Ms. Pablo Rodrigo Gonçalves
Os artigos são de inteira responsabilidade de seus autores
Catalogação na Publicação
Pede-se Permuta Faculdades Integradas Claretianas – Rio Claro – SP Bibliotecário Responsável: Andréa Cristina Missono - CRB 8 - 7663. Av. Santo Antonio Maria Claret, n. 1724, Cidade Claret, Rio Claro–SP CEP 13.503-250 e-mail: [email protected] Telefone: (19) 2111-6000
Versão digital: http://www.claretianas.br/revista
Ensaios & Diálogos / Faculdades Integradas
Claretianas. — São Paulo: Gráfica Avenida, 2011.
163 p.
ISSN 1983-6341; n.2 Anual
1. Pesquisa 2. Periódico científico I. Faculdades Integradas
Claretianas
Revista das Faculdades Integradas Claretianas – N. 3 – janeiro/dezembro de 2010
PREFÁCIO
A curiosidade sempre foi e sempre será uma característica antropológica. Por seu intermédio ocorrem os grandes avanços científicos e tecnológicos que, em muitos aspectos, contribuem para melhoria e aperfeiçoamento da vida humana, ainda que, em outros, beneficiam apenas uma pequena parcela da população. Com a curiosidade, acontece também o gesto de admiração que, segundo Platão, é a característica fundamental da atitude filosófica. Somente quem tem curiosidade e admiração será capaz de superar os condicionamentos naturais e sociais, e poderá oferecer propostas inovadoras, cujo objetivo é possibilitar a criação do conhecimento e não simplesmente a sua aquisição e transmissão. Essas duas características – curiosidade e admiração – estão presentes nas ações acadêmicas desenvolvidas pelas Faculdades Integradas Claretianas. Vendo o processo educacional como uma realidade contínua e sempre dinâmica, a Instituição realiza, com seriedade e criticidade, aquilo que lhe é exigido como Instituição de Ensino Superior: um ensino proposto por docentes competentes e preparados em suas respectivas áreas de atuação; uma extensão que apresenta cursos e projetos marcados com verdadeiro sentido de responsabilidade social; e uma pesquisa que reflete uma Instituição voltada para a criação e produção do conhecimento. Assim, a área da pesquisa vem se desenvolvendo gradativamente nas Faculdades Integradas Claretianas, o que pode ser constatado desde a realização dos Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC), ao Programa Institucional de Iniciação Científica e à participação no PIBIC, que é um Programa de Iniciação Científica financiado pelo CNPq. Tais iniciativas mostram um novo rosto da Instituição, reforçando que o conhecimento não se efetiva somente com a sua transmissão, mas também com a sua criação e produção. Afinal, como dizia Paulo Freire, o professor, acima de tudo, é um pesquisador, se efetivamente pretende exercer a sua docência, segundo os critérios exigidos pela sua função de educador, que envolve profissão e, mais do que isso, vocação. Mas a condição de pesquisador não compete somente ao professor. Nesse particular, a Instituição está também gerando alunos pesquisadores, cuja presença se efetiva nos projetos de iniciação científica, implantados e em pleno desenvolvimento. O resultado dessa atividade vinculada à pesquisa está registrado no Núcleo de Pesquisa e Iniciação Científica (NUPIC), tão bem coordenado pelo Prof. Ms. Pablo Rodrigo Gonçalves, que acompanha a evolução desse trabalho, com todos os desafios e problemas que efetivamente fazem parte dessa atividade acadêmica. Na gestão da pesquisa e da Iniciação Científica, dois momentos são importantes na Instituição. O primeiro deles é o Congresso de Iniciação Científica, que se realiza uma vez por ano e que expõe o resultado dos projetos desenvolvidos durante o ano. Outro momento é a edição da Revista Institucional Ensaios & Diálogos, com artigos de professores e alunos, tanto da Instituição como de outras instituições convidadas. São dois momentos que se complementam e que refletem uma Instituição voltada para a pesquisa e, portanto, para a criação e produção do conhecimento. Assim, a Instituição, por meio do NUPIC, está lançando a quarta edição da Revista Ensaios & Diálogos, com diversos artigos em suas mais diferentes áreas de atuação. O caráter pluralista da revista se dá exatamente pela diversidade das temáticas propostas, que contemplam os diversos cursos da Instituição que, de alguma forma, desenvolveram algum tipo de pesquisa. Façamos contato com os artigos publicados e nos inteiremos dos conteúdos propostos, cada vez mais convencidos de que a educação se pauta no tripé – ensino, pesquisa e extensão – e que a pesquisa está sempre presente e atuante na Instituição; nesse caso, confirmada com o lançamento da quarta edição da Revista Institucional Ensaios & Diálogos. Parabéns a todos que se envolveram no processo de publicação da Revista e uma excelente leitura dos artigos selecionados! Prof. Dr. Sávio Carlos Desan Scopinho Diretor Acadêmico
Revista das Faculdades Integradas Claretianas – N. 3 – janeiro/dezembro de 2010
SUMÁRIO
O REAL VALOR DAS PESSOAS PARA AS ORGANIZAÇÕES CONCEIÇÃO, Bento Manuel Salvador da; MACHADO, Fernanda Harmitt........................................................ 7 A EPISTEMOLOGIA DA PRÁTICA PEDAGÓGICA DE PROFESSORES EM UMA ESCOLA PROFISSIONALIZANTE MOREIRA, Anderson Donizeti; MACEDO; Roselene Aparecida de................................................................ 14 LITERATURA, POLÍTICA E DARWINISMO-SOCIAL: UMA ANÁLISE SOCIOLÓGICA DA TRAJETÓRIA CONTESTADORA DE RAUL POMPÉIA BALIEIRO, Fernando de Figueiredo....................................................................................................... 23 O POETA ROMANO HORÁCIO E A SÁTIRA LATINA SILVA, Semíramis Corsi. .................................................................................................................... 37 DESVENDANDO AS REDES SOCIAIS: O PAPEL DAS REDES SOCIAIS COMO FERRAMENTA DA PUBLICIDADE NA WEB SOUZA, Ibrahim Cesar Nogueira de...................................................................................................... 49 CONSIDERAÇÕES SOBRE A HIPÓTESE DO PERÍODO CRÍTICO PARA AQUISIÇÃO DE LÍNGUAS SCOPINHO, Raquel Albano. ................................................................................................................ 64 A IMPORTÂNCIA DA QUALIDADE DA MÃO DE OBRA NA LOGÍSTICA MENDONSA, Patrícia Dezan Pamplona; DE BONI Jorge Barthmann. ........................................................... 72 A MÚSICA NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO SOUZA, Gabriela Martins de; BELO, Evelyn Monari.................................................................................. 83 O QUE É LOGÍSTICA? SIMONATO, Eder Benedito.................................................................................................................. 90 ESTUDOS CIENTÍFICOS NA ÁREA DE SECRETARIADO BELCHIOR, Raissa Klain; CORROCHER, Dayane Cristina; PASCON, Kelly Cristina ; CARMINATTI, Mariana; SCOPINHO, Raquel Albano.................................................................................101 EFEITOS DE UM TREINAMENTO DE KARATÊ NAS FUNÇÕES COGNITIVAS E MOTORAS EM IDOSO COM DEMÊNCIA MISTA VIANA, Eduardo Dias; PAIVA, Ana Clara de Souza; VASSOLER, Mariana Zanetoni; ANDRADE, Larissa Pires de; ANDREATTO, Carla Andreza Almeida; PIAZENTIN, Fernanda; COSTA, José Luiz Riani...................................111
Revista das Faculdades Integradas Claretianas – N. 3 – janeiro/dezembro de 2010
Revista das Faculdades Integradas Claretianas – N. 4 – janeiro/dezembro de 2011
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O Real Valor das Pessoas Para as Organizações
Bento Manuel Salvador da Conceição [email protected]
Faculdades Integradas Claretianas
Prof. Ms. Fernanda Harmitt Machado [email protected]
Faculdades Integradas Claretianas
Resumo
Este artigo, intitulado “O real valor das pessoas para as organizações”, é resultado de uma pesquisa de iniciação científica, de caráter qualitativo, que teve como base de estudo a revisão sistemática da literatura especializada, com dados obtidos de livros e canais virtuais com assuntos relevantes para a fundamentação das discussões do presente trabalho. O artigo tem como proposta realizar um estudo dos perfis desejáveis das pessoas para gerar valor para a área e contribuir para o desenvolvimento organizacional, especificamente, em relação à importância do fator humano nesse contexto, bem como a função delas dentro das organizações. Diante da consciência de que as organizações não sobrevivem sem as pessoas, a tendência é que estas sejam cada vez mais valorizadas, com condições de trabalho adequadas e respaldadas com aspectos legais que garantam a existência cada vez maior de mão de obra humana nas organizações. Palavras-Chaves: Organizações, Pessoas, Recursos Humanos, Valores.
1 Introdução
Este artigo vinculado à pesquisa de iniciação científica foi realizado em duas partes. A primeira foi
dedicada ao levantamento bibliográfico, que possibilitou a captura e agrupamento de teorias e estudos sobre a
temática de discussão para uma melhor compreensão e reflexão sobre o que venha a ser o real valor das
pessoas para as organizações. Já a segunda etapa contempla a junção das questões mais relevantes bem como
sua apresentação em consequência do levantamento e da análise dos dados.
Considerando-se que as organizações não funcionam sem o amparo das pessoas e estas, por sua vez,
não caminham na ausência das organizações, a área de recursos humanos é imprescindível, uma vez que se
apresenta como ponte de ligação entre dois extremos com interesses distintos, a organização e as pessoas, de
maneira a contribuir para identificar ou construir interesses comuns nesse contexto e gerenciar ações para o
desenvolvimento organizacional. A relevância desse fato comprova-se através da realidade atual, ou seja, a
existência de diversificadas organizações onde as pessoas convivem em um contexto que se transforma
diariamente e que, ao mesmo tempo, influencia e é influenciado pelas pessoas, seus interesses, necessidades,
capacidade técnica e comportamento. Assim como há diferentes estruturas organizacionais, há pessoas e
pessoas, sendo a área de recursos humanos determinante dessas relações organizacionais, atuando de forma
mais estratégica do que operacional. Nesse contexto, essa área está em fase de transição e sofrendo
significativas mudanças e inovações neste novo milênio, o que se deve à crescente globalização dos
negócios, à gradativa exposição e à forte concorrência mundial e principalmente, a cada vez maior valorização
das pessoas. Diante disso a palavra de ordem que se resumia em operacionalização passa a ser produtividade,
qualidade e competitividade, mais uma vez, enfatizando o valor das pessoas nas organizações.
Desta maneira as pessoas deixaram de ser um desafio e recursos organizacionais e tornaram-se as
vantagens competitivas das organizações e as principais parceiras dos negócios oferecendo-lhes livre dinâmica,
vigor e inteligência. (CHIAVENATO, 2007)
O presente estudo tem como objetivo maior demonstrar a importância das pessoas para as
organizações, num cenário atual globalizado e cheio de competitividade e sistemas tecnológicos altamente
sofisticados.
O Real Valor das Pessoas Para as Organizações
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Outra finalidade é a de provocar a curiosidade sobre este tema e de estimular uma posterior discussão e
o desenvolvimento de novos estudos acerca dele, através de uma pesquisa mais aprofundada, pois vários
autores consultados discutem o assunto, mas fica evidente, devido à importância e atualidade da temática, a
necessidade de serem estabelecidas discussões mais aprofundadas sobre a visão do real valor das pessoas para
as organizações.
2 Metodologia
Todas as ciências caracterizam-se pela utilização de métodos científicos, em contrapartida, nem todos os ramos de estudo que empregam esses métodos são ciências, concluindo-se destas afirmações que a utilização de métodos científicos não da alçada exclusiva da ciência, mas não há ciência sem o emprego de métodos científicos”. (MARCONI e LAKATOS, 2000,p.).
Para Ackoff apud Marconi e Lakatos (2000), o método é uma das formas de se avaliar as alternativas
para a ação científica, sendo as técnicas utilizadas por um cientista ou pesquisador fruto de escolhas
estabelecidas de acordo com suas decisões e interesses de pesquisa, tais decisões são tomadas dependendo das
regras estabelecidas pelos métodos de investigação e análise disponíveis, onde métodos são regras de escolha e
técnicas são as próprias escolhas.
Este trabalho será desenvolvido através de revisão de literatura, que é a atividade de localização e
consulta de fontes diversas de informações escritas, para coletar dados gerais ou específicos.
Tratando do mesmo assunto, Lima (1997), afirma que a pesquisa bibliográfica antecede as pesquisas
documentais, de campo, laboratório, representando o elemento chave de um estudo, devendo reunir um
conjunto de autores reconhecidos pela área, para a discussão das questões que tenham publicado, tornando-se
fundamentais para uma discussão teórica e cabendo ao pesquisador articular as informações coletadas,
desdobrando-as com um nível de análise crítica, não meramente descritiva.
As fontes de pesquisas bibliográficas são as publicações impressas ou digitais em forma de livros,
dicionários, enciclopédias, periódicos, resenhas, monografias, dissertações, teses, apostilas, boletins, entre
outras, que ajudam ou auxiliam a reforçar, justificar, demonstrar, esclarecer e explicar, o fenômeno estudado,
devendo ser utilizada para explicar o fenômeno ou temática estudada a fim de se dar credibilidade ao que está
sendo produzido em termos de produção acadêmica científica.
O ser humano é o único considerado um animal racional, ou seja, é a única espécie que tem capacidade
de discernimento, lógica, distinção do correto e do incorreto dentre outras características que só essa raça
apresenta. Diante disso observa-se, a importância desse elemento humano nas organizações, uma vez que elas
necessitam de uma produção com dinamismo, competência só alcançada pelas pessoas, que contribuem para o
andamento do fluxo organizacional. Este estudo tem grande relevância, pois aborda o grau de valorização que as
pessoas recebem, e até onde elas podem contribuir de acordo com sua valorização para o sucesso das
instituições.
Atualmente a valorização das pessoas por parte das organizações ocorre através de melhores salários,
capacitação, quantidade de funcionários satisfatória para o fluxo empresarial, estrutura física adequada, dentre
outros fatores. Esses aspectos têm contribuído para o crescimento das instituições, pois os indivíduos sentem-se
motivados, ou seja, valorizados para juntos atingirem a filosofia, missão e meta das corporações.
3 Breve histórico
Segundo Araújo (2006), já no século XX, antes dos anos 30, a administração de pessoal, como ficou
conhecida após 1930, tinha como função básica o recrutamento e a seleção de pessoas, que eram desenvolvidas
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quase ao mesmo tempo. Então a década de 30 marcou definitivamente o início sistematizado e regulado por
documentos legais da administração de pessoal. Desde então, a atual gestão de pessoas se manteve em
crescimento.
Observa-se, desta maneira, o início da preocupação com o modo de como as pessoas eram
administradas, qual a qualidade que elas deveriam apresentar através do recrutamento e da seleção de pessoas.
O escrito elaborado por Araújo (2006) diz que a história dos departamentos de pessoal no Brasil inicia-se
junto à legislação trabalhista na década de 30, com o movimento sindical e a proteção aos trabalhadores que
levaram às modificações significativas nas relações de trabalho no Brasil, surgindo naquele momento à proteção
social aos trabalhadores.
A evolução na gestão de recursos humanos, considerando o valor das pessoas, respeitando suas
necessidades humanas através da consideração dos direitos que o trabalhador deveria possuir ficou evidente e é
descrita a seguir.
Nas décadas de 40 e 50, a intervenção governamental nas relações trabalhistas se acentuou, mostrando
às empresas a necessidade de ampliação das funções do departamento de recursos humanos. Todavia, como
marco principal nas relações de trabalho teve-se, em 1943, a promulgação da legislação reguladora do trabalho
no Brasil, ou seja, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Essa legislação criou a carteira profissional,
regulamentou horários de trabalho, definiu férias remuneradas, instituiu as comissões mistas nas juntas de
conciliação, estabeleceu as condições de trabalho para menores, entre outras normas. Nas décadas de 60 e 70,
teve-se a promulgação de leis de segurança no trabalho, saúde ocupacional e pensões.
Com essas mudanças, o trabalhador obteve garantias e benefícios necessários para que ele, como
pessoa, apresentasse condições para uma saúde adequada, descanso e lazer. Fica explícito dessa maneira, que
as instituições estavam cientes de que um profissional valorizado oferecia mais vantagens do que desvantagens,
mostrando resultados, se não superados, esperados.
E atualmente no Brasil o modo como se faz gestão de recursos humanos tem sido um processo difícil de
mudança gradual, mas significativa. Se até bem pouco tempo atrás o foco dos administradores do departamento
de recursos humanos estava em realizar atividades burocráticas e de controle, hoje, a forma como se gerem as
pessoas passou a ser um diferencial estratégico independentemente do porte ou nacionalidade da empresa. Essa
mudança mostra que as empresas estão mais conscientes dos benefícios que esse tipo de tratamento traz para
os funcionários e contribuem para sua vida profissional, consequentemente contribuem para a realidade da
instituição, que será constituída de pessoas valorizadas e motivadas para o sucesso da empresa. (TEGOM, 2009)
4 As organizações
“As organizações não existem para si próprias, são meios representando um órgão social que visa à
realização de uma tarefa social”. (Drucker apud Kanaane 1999, p). Vieira (2009), afirma que a Gestão de
Pessoas é uma especialidade relativamente nova, que surgiu a partir do crescimento e do alto grau de
complexidade das tarefas das organizações. Suas origens remontam ao início do século XX, após o forte impacto
da Revolução Industrial, com a denominação Relações Industriais, atuando com a principal finalidade de buscar o
equilíbrio entre o capital e o trabalho (organização e pessoas), evitando-se ou diminuindo-se, os conflitos entre
os interesses das organizações e os interesses individuais das pessoas que trabalham nessas organizações,
interesses estes até então considerados totalmente incompatíveis e impossíveis de serem conciliados pelas
partes.
As organizações são estruturas fundamentais para a existência da gestão de pessoas, pois elas têm vida
a partir da existência dessa clientela para seu funcionamento e, consequentemente, necessita da gerência desse
grupo. Isso implica que, se uma instituição/organização almeja o sucesso, é imprescindível que ela tenha
funcionários altamente capacitados e com condições adequadas para o alcance dessa meta.
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Barnad apud Chiavenato (2009) apresenta a idéia de que uma organização é um sistema de atividade
conscientemente coordenado de duas ou mais pessoas, onde a cooperação entre elas é essencial para sua
existência e tem em conta que uma organização somente existe porque as pessoas são capazes de se
comunicarem e estão dispostas a contribuir com a ação, a fim de cumprirem um propósito comum. Existe uma
forte influência das organizações sobre a vida das pessoas, pois as organizações não funcionam sem as pessoas
e as pessoas não vivem sem as organizações, assim sendo, é fundamental o modo de como as pessoas vivem,
compram, trabalham, dentre outros.
Para se falar em gestão de pessoas e do real valor que ela representa para as organizações atualmente,
devemos considerar as transformações da administração de pessoal em gerenciar os recursos humanos da
empresa, a incorporação de conhecimentos técnicos e incursões teóricas do campo da administração, trazendo
profissionais com formação estratégica para a área de pessoas, que passa a ser ocupada por aqueles que
tenham assimilado as técnicas e abordagens de toda sorte do campo da administração. (ARAÚJO, 2006).
5 As pessoas nas organizações
Desde que nascemos fazemos parte de organizações, isso se considerarmos nossas famílias como a
primeira delas. A partir daí vamos, paulatinamente, adaptando-nos às normas e regras que nos são
apresentadas para que possamos nos inserir em outros ambientes organizacionais.
Vêm a escola, a igreja, o clube recreativo, dentre outros ambientes institucionais, e novas exigências de
comportamentos nos são feitas. Vamos então adequando nossa personalidade e testando nossos
comportamentos de acordo com os valores, regras e normas de todas essas organizações. Em certo momento de
nosso desenvolvimento psicossocial, ingressamos no mercado de trabalho e todos os aprendizados anteriores
começam a ser colocados em evidência dentro de um contexto produtivo. Nossas competências, habilidades e
atitudes passam a ser avaliadas continuamente, desde o processo seletivo para o primeiro emprego. É preciso,
então, lidar com os eventos organizacionais de maneira cada vez mais adaptativa e flexível, revendo
continuamente nossa postura pessoal e profissional. Afinal, somos seres providos de valores e para que tudo
corra bem se faz necessário que tenhamos comportamentos adequados e funcionais. Entretanto, muitas vezes
ainda não estamos com nosso potencial de relacionamento voltado eficazmente à produtividade.
Torna-se evidente a necessidade de intervenções externas e objetivas, focadas no desenvolvimento das
habilidades intra e interpessoais, visando a um melhor desempenho funcional. Mas de quem é essa
responsabilidade? Da empresa ou do funcionário? De ambos! Por parte da organização algumas estratégias
podem ser utilizadas, visando um melhor desempenho de seu colaborador. Por parte do colaborador, seu papel é
colaborar e aproveitar as oportunidades de desenvolvimento pessoal e aumento da sua empregabilidade.
Fortalece-se assim a parceria necessária para um excelente desempenho organizacional e extremamente
necessário na atualidade.
Desta forma, alguns percursos devem ser percorridos continuamente pela empresa para que sua missão
seja cumprida e sua visão seja atendida, utilizando-se a concepção de que as pessoas são as principais
responsáveis pelo sucesso ou fracasso de toda e qualquer estratégia competitiva adotada pela organização.
As pessoas são influências nas organizações e vice-versa, pois as organizações são influenciadas pelo
modo de pensar e sentir das pessoas. Atualmente a sociedade moderna é uma sociedade de organizações, sendo
elas mesmas uma administração das mais admiráveis instituições sociais que a criatividade humana já construiu,
e tendo em conta que as organizações de hoje são diferentes das de ontem, tanto nos aspectos econômicos,
como nos intelectuais, sendo que o homem moderno busca uma satisfação assim como as organizações, fazendo
com que estas interajam mais com as pessoas (CHIAVENATO, 1999).
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Através do esquema de Chiavenato (2008, p.97), entendemos melhor qual e relação entre as pessoas e
as organizações para a real análise da interdependência que eles possuem. O esquema deixa explícito o que as
pessoas oferecem e o que as organizações, por sua vez, proporcionam para as pessoas.
Figura 1- relação entre as pessoas e as organizações
6 As novas organizações
“Uma organização é um sistema socialmente estabelecido pelo conjunto de valores expressos pelos indivíduos que dela fazem parte, sendo assimilados e transmitidos sucessivamente pelos mesmos, com uma responsabilidade diante dos seus trabalhadores representando uma estrutura como elementos básicos para uma boa atuação organizacional e comprometimento com o ser humano” (Kanaane, 1999, p:28).
De acordo com Gil (2006), as empresas nos meados dos anos 80 sofreram sérios desafios, tanto
ambiental quanto organizacional, globalização da economia, evolução das comunicações, desenvolvimento
tecnológico, competitividade. Começaram a se questionar sobre a importância dos indivíduos para as
organizações, se seria necessário administrar as pessoas para se ter um maior rendimento e considerando-as
como parte do patrimônio dessas organizações, verificando-se em algumas organizações a tendência de
reconhecer os empregados como parceiros e não meros empregados.
Chiavenato (1999), diz que cada parceiro ou sócio se dispõe a investir nos seus recursos, já nas
organizações à medida que se obtém um retorno satisfatório, maior é a valorização dos empregados e estes, por
sua vez, demonstram o seu envolvimento com as atividades das organizações, desse modo é mostrada a
evolução ou a forma de como as organizações estão veem como os seus trabalhadores são importantes para
elas.
Nos dias de hoje, as novas organizações mostram-se bastante preocupadas com a busca cada vez maior
da perfeição, talvez pelo reconhecimento que isso acarreta, pela satisfação pessoal, pelos resultados benéficos
ou até mesmo para adquirir acreditação no caso das instituições de saúde. Isso demonstra como as pessoas
estão sendo cada vez mais valorizadas, e como as organizações estão dispostas a se adaptarem a nova condição
atual, pois só assim elas conseguem atingir seu objetivo. Prova disso é que pontos cada vez mais pessoais estão
Pessoas Oferecem contribuições
Para servir as necessidades Da organização,como:
• Trabalho • Habilidades • Compromissos • Esforço • Tempo
Para servir as necessidades das pessoas, como:
• Salário • Treinamento • Oportunidades • Benefícios • Segurança
Organização Oferece induzimentos
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sendo trabalhados para que isso ocorra, dentre eles podemos citar medidas que satisfaçam um tipo de perfil
específico de funcionários.
As organizações passaram a enxergar as pessoas como pessoas e não simples meros recursos
produtivos, e elas começam a deixar de adotar as estratégias de eliminar pessoas e benefícios que levam a
caminhar em sentido contrário do propósito de manter uma boa relação entre organização e pessoas, porque
dentro de um novo contexto as pessoas deixam de ser o problema das organizações e passam a ser a solução.
Atualmente também se pode dizer que as pessoas têm um real valor para as organizações porque elas deixaram
de ser um desafio para se tornar a vantagem, levando a um diferencial competitivo, passando a ser parceiras
principais das organizações porque são elas que dão o impulso necessário para que as organizações possam
alcançar os seus principais objetivos. (VIEIRA, 2008).
Tratando-se do mesmo tema, temos a seguinte declaração: “Já se notou ou se revelou dados históricos
que as organizações adotam uma reorganização e redefinição dos sistemas, alterando significativamente as
relações com os seus funcionários”. E como as organizações atualmente estão passando por mudanças e
transformações a cada dia que passa, seja introduzindo novas tecnologias ou modificando produtos e serviços,
alterando desta forma o comportamento das pessoas, e estas mesmas organizações tornando-se sistemas
sociais porque são compostos por pessoas e funcionam graças às atividades e à interação entre elas, deve-se
considerar o tratamento adequado para o equilíbrio de interesses de ambos.
E partindo-se do pressuposto que as organizações são sistemas integrados de subsistemas
interdependentes e intercambiáveis, identificando-se em um conjunto de elementos, ou seja, as relações de
poder e autoridade, o sistema de comunicação, o processo de liderança, o clima, a cultura, a estrutura
organizacional, os sistemas administrativos entre os mais significativos, correspondem às relações de poder e
autoridade nos níveis hierárquicos e fatores dinâmicos que correspondem ao funcionamento dos subsistemas
interagindo entre si, dando formas e conteúdos aos processos existentes, a sua própria estrutura e das pessoas
que dela fazem parte, introduzindo um melhor relacionamento entre as pessoas e as organizações.
Em estudos realizados no campo do comportamento humano nas empresas, fatores psicológicos e sociais
demonstravam a influência nos fatores de produção. Com isso resultaram na importância de valorizar mais as
relações humanas nas organizações, trazendo um refinamento à ideologia da harmonização entre trabalhadores
e as organizações. Essas relações passaram a constituir uma integração de indivíduos que passaram a colaborar
mais com as organizações e mostraram o seu real valor, além de encontrar a possibilidade de satisfazer as suas
necessidades sociais e psicológicas.
Através das funções e estreitamento de uma série contínua de processos que abordam como os
indivíduos ingressam nas organizações, como evoluem dentro delas, como é o seu desempenho e, enfim, como
eles deixam essas organizações, mostra-se o real valor das pessoas para as organizações sobre o novo
paradigma de ajudá-los a se tornar ativos organizacionais e valiosos para essas mesmas organizações.
(KANAANE, 1999)
7 Conclusão
Concluiu-se, após a análise da evolução de gestão de pessoas, que o real valor das pessoas para as
organizações é muito amplo haja vista que esse aspecto levou à criação de leis e sindicatos visando à valorização
dessa clientela que tanto contribui para a existência de instituições mantendo o fluxo organizacional.
Se atualmente deparamo-nos com instituições cada vez mais preparadas para sobreviver no mercado
competitivo, isso se deve ao grande reconhecimento que as pessoas recebem por parte das organizações,
levando-as a motivação para contribuição e alcance dos propósitos empresariais.
Diante da consciência de que as organizações não sobrevivem sem as pessoas, a tendência é que estas
sejam cada vez mais valorizadas, com condições de trabalho adequadas e respaldadas com aspectos legais que
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garantam a existência cada vez maior de mão de obra humana nas organizações, cada vez mais qualificada e
disposta a colaborar para a satisfação organizacional.
E através desta pesquisa, considerando que as organizações estão em constante crescimento e cada vez
mais estão tendo uma responsabilidade social maior com os seus trabalhadores, sugere-se se dê continuidade, a
esta pesquisa com uma pesquisa de campo para se constatar a verdadeira realidade das organizações em
relação a importância que e dada aos seus funcionários.
8 Referências bibliográficas ARAÚJO, Luiz César G. de. Gestão de Pessoas: estratégias e integração organizacional. São Paulo: Atlas, 2006.
CHIAVENATO, I. Administração de Recursos Humanos: Fundamentos básicos. São Paulo: Atlas, 2007.
CHIAVENATO,I. Administração nos novos tempos. 2ª edição. São Paulo;Atlas,2000.
CHIAVENATO,I.O Capital humano das organizações. 8ª edição.São Paulo; Atlas, 2008.
GIL, A.C. Gestão de pessoas: enfoque nos papéis profissionais. São Paulo: Atlas, 2006.
KANAANE, R. Comportamento humano nas organizações: o homem rumo ao século XXI. 2ª edição. São Paulo: Atlas, 1995.
LAKATOS, E. M.; MARKONI, M. A. Fundamentos da metodologia científica. 4ª Ed. São Paulo: Atlas, 1997.
Tegom, C.A ADP.System (Brasil). Sistema de informação de recursos humanos no Brasil.< http://www.tegon.com.br/webnew/?p=707>. acessado em 20.set.2009.
Viera, R.P. O novo e importante papel da gestão de pessoas para as organizaoes. Administrador de empresas atua na área ha 16 anos e professor universitário. <http://www.administradores.com.br/informe-se/artigos/o-novo-e-importante-papel-da-gestao-de-pessoas-para-as-organizacoes-contemporaneas/21053/>. acessado em 05.set.2009
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14
A Epistemologia da Prática Pedagógica de Professores em uma Escola Profissionalizante
Anderson Donizeti Moreira Discente das Faculdades Integradas Claretianas
Dra. Roselene Aparecida de Macedo Docente das Faculdades Integradas Claretianas
Resumo
É unânime o desejo de melhorar o sistema educacional brasileiro. Sabendo-se que, para uma melhor prática pedagógica, é preciso ao professor conhecer, em termos teóricos, o que, epistemologicamente, sustenta a sua prática, a presente pesquisa buscou levantar, por meio de questionários aplicados a professores de uma escola de ensino profissionalizante, dados sobre os fundamentos teóricos subjacentes a prática desses professores. A maneira como os sujeitos pesquisadores concebem o ensino e desenvolvem o seu trabalho pedagógico demonstra que a falta de conhecimentos teóricos que dão sustentação à sua prática pedagógica resultam em prejuízos ao desenvolvimento de um ensino voltado para a educação por competências, exigência fundamental à formação do homem do século XXI. Palavras-chave: Prática Pedagógica, Competências, Epistemologia
1 Introdução
O ensino tradicional considera que a aprendizagem ocorre pela transmissão do conhecimento do
professor para o aluno. Por essa maneira de conceber o ensino, basta que o professor transmita o conhecimento
ao aluno, o qual, por sua vez, memoriza-o e, por meio de uma avaliação, demonstra a seu professor o que
“sabe”. Nesse contexto, o processo ensino-aprendizagem ocorre de forma mecânica e sem a interação dos
alunos com o professor e com o meio, impossibilitando a aquisição de conhecimento a partir de vivências e
experiências. Utilizando essa prática pedagógica, a única preocupação do professor é a de dominar o assunto a
ser transmitido.
Atualmente, existem várias propostas didáticas fundamentadas em diversas teorias. Essas outras
correntes pedagógicas desenvolveram-se a partir das necessidades culturais, fixadas em diferentes contextos.
Sabendo-se, então, que o ensino tradicional não é o único método disponível para que o professor
desempenhe a sua prática pedagógica no intuito de poder fundamentá-la, compreendê-la e modificá-la, faz-se
necessário que os profissionais da educação conheçam as bases teóricas que os orientam.
Essa preocupação em conhecer os fundamentos teóricos que embasam a prática pedagógica dos
professores nasceu da orientação de que os instrutores de uma escola profissionalizante, da cidade de Rio Claro
– SP, viessem a praticar uma nova proposta educacional.
Essa nova proposta visa à formação de indivíduos para atender às necessidades do mercado de trabalho,
porém, com uma formação mais completa, que vai além do acesso aos conhecimentos técnicos. Para tanto, esse
projeto de dimensão nacional envolve várias áreas de aprendizagem e tem como proposta desenvolver em seus
alunos competências e habilidades. Para cumprir esse objetivo, foi adotada como fundamentação a formação
por competências, que busca situações de aprendizagem desafiadoras capazes de conduzir o aluno à ampliação
de seus recursos cognitivos e emocionais.
Em diálogo informal com instrutores e técnicos da unidade escolar, ficou evidente, por parte de alguns
docentes, a falta de embasamento teórico sobre questões epistemológicas envolvendo a nova proposta
educacional. Esses profissionais revelaram que conheciam superficialmente as ferramentas teóricas que
poderiam vir a auxiliar a sua prática pedagógica. Revelaram, ainda, que isso gera desconforto na elaboração de
planos de ensino, dos meios de avaliação e de desenvolvimento de atividades para as aulas que ministram.
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Paralelamente, durante o curso de Pedagogia, especificamente durante as aulas de Didática Geral, as
discussões sobre os conteúdos dos textos de alguns autores apontavam que a ação pedagógica do professor
influencia diretamente o processo de aprendizagem do educando. Sendo assim, conhecer as bases
epistemológicas nas quais se sustenta essa teoria é de vital importância para a garantia da eficácia do processo
ensino-aprendizagem.
Dentre os autores que compactuam com essa ideia, temos Weisz (2004), Libâneo (2000), Freire & Shor
(1986). De acordo com esses autores, toda prática é sustentada por uma teoria, mesmo que o professor não a
conheça ou não tenha claro para si suas afirmações e comprovações.
Esses foram os motivos, enfim, que orientaram os passos a serem seguidos para a realização desta
pesquisa, visando conhecer, entre os instrutores e técnicos de ensino que trabalham em uma escola de ensino
profissionalizante, qual a teoria pedagógica que sustenta a sua prática pedagógica e, também, em que medida a
prática dessa teoria poderá, ou não, contribuir para a implantação do projeto pedagógico dessa instituição,
denominado Projeto Estratégico de “Formação Profissional com Base em Competências” (SENAI/DN) que busca
atender às demandas da contemporaneidade, garantindo uma formação educacional que supra às necessidades
do mundo globalizado.
2 Uma nova proposta educacional no Ensino Profissionalizante
2.1 Concepções históricas da educação profissionalizante
A educação tem refletido, desde as comunidades tribais até a atualidade, as concepções ideológicas
presentes no momento histórico no qual ela está inserida. Isso leva os profissionais da educação a mudarem as
suas práticas pedagógicas em função das mudanças de paradigmas ocorridos no contexto social.
As constantes mudanças de paradigmas trouxeram modificações na educação como um todo, assim
como também no Ensino Profissionalizante, trazendo diversas modificações nos objetivos dessa modalidade de
ensino ao longo da história.
O Ensino Profissionalizante, em sua essência, foi associado à Educação das classes menos favorecidas,
pois, em seu âmago, trazia uma visão de ensino operacional. Segundo Aranha (2006, p.228): “O ensino técnico
no período do império era bastante incipiente. O governo se desinteressava da educação popular e também da
formação técnica, privilegiando as profissões liberais destinadas a minoria”.
O conhecimento mais amplo e aprofundado era direcionado aos indivíduos com formação escolar superior
ou secundária clássica. O trabalho manual ou braçal teve sempre uma conotação humilhante, por ser executado
pelos trabalhadores de classes sociais inferiores da sociedade.
Já no século XX, com a atividade industrial em plena expansão, buscou-se, por volta das décadas de 60 e
70, a formação de indivíduos que atendessem à escassez de mão-de-obra do momento. Para isso, acreditava-se
em uma formação que desenvolvessem os pré-requisitos necessários para a operação do maquinário industrial e
atendesse, assim, à demanda do setor fabril.
Nas décadas de 80 e 90, com o grande desenvolvimento tecnológico mundial, as empresas começaram a
requerer um novo perfil profissional. As qualidades, antes não valorizadas pelo setor, começaram a serem vistas
como imprescindíveis para o desenvolvimento da empresa. A educação profissional precisou mudar os currículos
de seus cursos para adaptar-se à nova condição do mercado profissional, melhorando a qualidade de ensino e
elevando o nível de conhecimento de seus educandos.
As melhorias na qualidade de ensino profissionalizante são decorrentes da criação de módulos de ensino,
que permitiram maior flexibilidade às instituições educacionais, visando atender as necessidades dos
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trabalhadores. Essas medidas possibilitaram a permanente reestruturação dos cursos, garantindo a consonância
entre as exigências do mercado de trabalho e a formação profissional.
Essa nova concepção é traduzida em termos de lei. Hoje, o artigo 39° da Lei Federal nº 9.394/96, atual
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, estabelece uma nova concepção para a educação
profissionalizante, caracterizando-a como modalidade de ensino voltada ao trabalho, ciência e tecnologia que
compõe o sistema de educação brasileiro e, portanto, instituição com papel importante para o desenvolvimento
da vida produtiva, pessoal do aluno e também da sociedade brasileira.
Nesse sentido, a educação profissionalizante pode contribuir significantemente para o progresso da
sociedade, pois faz parte do sistema educacional brasileiro.
2.2 O novo perfil profissional
A mudança de postura e de exigências das empresas fundamentou a nova concepção do ensino
profissionalizante, passando a considerá-lo como uma importante ferramenta para o desenvolvimento do país.
Reconhecida a sua importância para projetar o país, há alguns anos, vem sendo ampliado o número de escolas
técnicas.
Com a mudança do cenário mundial e dos sistemas de produção, o colaborador foi trazido para o centro
do processo produtivo. Sua visão crítica, criativa e inovadora passa a ser a chave para o sucesso da empresa.
Como indica Libâneo (2004), a partir desse novo contexto econômico, ocorre uma necessidade das instituições
escolares repensarem aos discentes as novas funções que os discentes exercerão na sociedade. Deste modo,
devem buscar formar indivíduos com novas competências profissionais e pessoais.
O trabalhador do século XXI, portanto, não deve apenas ter condições de executar a tarefa pela qual é
responsável, ele deve apresentar múltiplas capacidades de executar tarefas relacionadas, ou não, à sua função
específica. Nesse sentido, ele deve ser polivalente.
Além dessa característica, as empresas buscam colaboradores disciplinados e, ao mesmo tempo
autônomos, críticos, que estejam sempre dispostos a solucionar, de forma criativa e eficaz, as situações
inesperadas que possam aparecer na sua prática profissional. Nesse sentido, precisam ter características de
pessoas empreendedoras capazes de agir nesse mundo complexo. Como evidenciado no texto do documento
“Metodologia para elaboração de desenho curricular baseado em competências” do SENAI (2002, p. 7):
O mundo do trabalho exige cada vez mais um profissional que domine não apenas o conteúdo específico a sua atividade, mas que, igualmente, detenha capacidade crítica, autonomia para gerir seu próprio trabalho, habilidade para atuar em equipe e solucionar criativamente situações desafiadoras em sua área profissional.
O novo profissional do século XXI deve ter, assim, uma mente “aberta” e estar preparado para enfrentar
as incertezas do mundo globalizado. Ele deve, como orienta Freire (2007), ter a consciência de que é um ser
inacabado e, portanto, em constante modificação.
2.3 O Modelo baseado em competências profissionais
O Parecer do CNE/CEB, n° 16/99 (Conselho Nacional de Educação/ Câmara de Educação Básica), que
trata das Diretrizes Nacionais da Educação Profissional de Nível Técnico, já alertava, no final do século XX que o
mundo do trabalho vive em contínua mudança, o que exige um novo modelo educacional profissional centrado
em competências por áreas.
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A Lei 9.394/96 LDB (Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional) estabelece em seu art. 3°,
parágrafo III, que o ensino deve ser composto de pluralidade de ideias e de concepções pedagógicas. Não
define, porém, uma teoria por meio da qual a prática educativa deva ser realizada.
Sabemos que as tendências pedagógicas que se concretizam na educação se constituem a partir de
diálogos com outras vertentes anteriormente sintetizadas, e que seus fundamentos epistemológicos definem a
prática pedagógica do trabalho a ser realizado pelo profissional da educação, orientando ações acertadas durante
o processo educacional.
A instituição, que é objeto de estudo da pesquisa, elaborou um Projeto Estratégico de Formação
Profissional (SENAI/DN), com base em competências, com o intuito de atender às novas demandas da
sociedade. Vem buscando, a partir de um novo modelo metodológico, uma nova teoria que sirva de base para
uma educação que contemple as competências e habilidades, necessárias à formação dos futuros profissionais
da sociedade contemporânea.
O Projeto Estratégico Nacional “Certificação Profissional Baseada em Competências”, juntamente com
outras ações da instituição, busca renovações das práticas pedagógicas na educação profissional, integrando-a
com o contínuo movimento do mercado de trabalho.
Diferentes autores, como Perrenoud (1999), Libâneo (2004), Ron (2010), definem competências como
sendo capacidade de mobilizar autonomamente conhecimentos e habilidades diversas, a fim de agir eficazmente
em determinado tipo de situação.
Fica claro, assim, que competência é a capacidade de solucionar, de forma eficaz, situações
imprevisíveis, novas do mundo complexo, através de um movimento de interligação de conhecimentos, já
anteriormente assimilados pelo indivíduo.
É essa capacidade de ação e resolução de situações diversas que o “Projeto Estratégico de Formação
Profissional com base em Competências” (SENAI/DN), da instituição busca desenvolver nos educandos. Essa
condição só é possível com a mobilização de conhecimentos, os quais devem ser assimilados pelos alunos em
situações teóricas e práticas, de modo que sejam capazes de responder à realidade da atividade industrial diária
do mercado de trabalho.
O “Projeto Estratégico Nacional” proposto pela instituição, teve início em 1999 nos departamentos
regionais pilotos. Participaram os departamentos Regionais da Bahia, Distrito Federal, Minas Gerais, Paraná,
Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo, e posteriormente, expandiu-se para
todo o sistema educacional da instituição.
Na unidade escolar pesquisada, a nova proposta teve inicio com a formação do curso técnico
eletromecânico no ano de 2008, e se encontra em fase de aplicação nos cursos de aprendizagem industrial.
O “Ensino por Competências” busca resolver problemas antigos da Educação, tais como a falta de
interação entre a teoria e a prática, de forma a conduzir o aluno a refletir sobre o contexto do mundo de forma
complexa, já que as situações reais não são fragmentadas, não são isoladas, pois envolvem várias áreas do
conhecimento. O ensino por competências busca, desse modo, criar situações de ensino complexas, flexíveis,
que exijam os mesmos conhecimentos que as situações reais.
3 O educador no século XXI
O professor de século XXI não tem, e nem poderia ter, o mesmo perfil de comportamento daquele do
século passado, uma vez que a educação se manifesta a partir das concepções e necessidades presentes no
momento histórico na qual ela está inserida. Nesse sentido, o educador deve estar afinado com o momento
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histórico no qual esteja inserido e buscar, assim, desempenhar, com eficácia, o seu papel no cenário
educacional.
Como já declarado anteriormente, a prática pedagógica do professor é sempre uma atividade realizada
de acordo com concepções teóricas epistemológicas, mesmo sem que ele tenha consciência delas (WEISZ,
2004). Essa prática pedagógica indica as escolhas políticas e pedagógicas que sustentam o ato educacional do
professor e, mais ainda, a maneira como se dá, cognitivamente, a aprendizagem do aluno.
Sendo assim, é necessário que o professor faça, constantemente, uma autocrítica do seu trabalho, ou
seja, uma permanente reflexão sobre a sua prática pedagógica. Para tanto, tal qual orienta Morin (2000, p.30), é
necessário “manter uma luta crucial contra as ideias”. E, esse movimento, essa mudança de comportamento,
pelo que indica o mesmo autor, só pode ser feito com a ajuda de ideias.
Ao professor cabe, como tarefa fundamental, manter uma insaciável “fome” pelo saber e levar seus
educandos a tê-la também. Essa tarefa vai, muito além de simples transmissor do conhecimento. Esse
compromisso, portanto, consiste em provocar, nos educandos, o mesmo sentimento de dedicados pesquisadores
da vida, de seres que busquem curiosamente ser sábios. E, ao final, como afirma Freire (2006, p.86), “o que
importa é que professor e alunos se assumam epistemologicamente curiosos.”
Buscando cumprir com o seu verdadeiro papel, o educador necessita, assim, agir como um mediador do
conhecimento, um articulador de situações de aprendizagem, um facilitador entre o aluno e o conhecimento.
Suas ações devem, portanto, promover no educando o desenvolvimento da autonomia, permitindo-lhe “tomar
iniciativas”, ou seja, garantindo-lhe a possibilidade de tomada de decisões.
Para que isso ocorra é de suma importância a articulação dos conteúdos a situações reais do cotidiano do
aluno. É preciso que o educador promova situações de aprendizagens que desenvolvam as Competências
necessárias à vida do individuo.
O conteúdo sem a “ligação” com situações reais leva ao desgaste da curiosidade epistemológica do
educando e promove frustrações com o ensino e a queda em seu desenvolvimento, como alerta Alves (2006,
p.18):
Os métodos clássicos de tortura escolar como a palmatória e a vara já foram abolidos. Mas poderá haver sofrimento maior para uma criança ou um adolescente que ser forçado a mover-se numa floresta de informações que ele não consegue compreender, e que nenhuma relação parece ter com sua vida?
Em consonância com essa ideia, Morin(2000), indica que o estudo de situações reais deve ocorrer a
partir de uma visão do global sem fragmentação de conteúdos, ou seja, “o conhecimento das informações ou dos
dados isolados é insuficiente. É preciso situar as informações e os dados em seu contexto para que adquiram
sentido. (2000, p. 36)
Para que a competência seja desenvolvida, é necessário que ocorra a mobilização de conhecimento de
diversas áreas. Para tanto, é fundamental que, na prática pedagógica do educador, ele realize os conteúdos de
forma que o aluno sinta a necessidade de utilizar-se de conceitos trabalhados com os professores e mobilizá-los,
a fim de chegar a uma conclusão em uma determinada tarefa. Assim, o professor contemporâneo deve sustentar
uma visão de educação que gere o desenvolvimento global. Citando novamente Morin (2010, p. 22): “a
educação deve favorecer a aptidão natural da mente para colocar e resolver os problemas e, correlativamente,
estimular o pleno emprego da inteligência geral”.
O conhecimento global se desenvolve pela interdisciplinaridade, com o trabalho de inter-relação do
conteúdo de diferentes disciplinas para, por exemplo, realizar a solução de uma situação problema. Esse
trabalho constitui-se como importante, pois, de acordo com o mesmo autor:
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O todo tem qualidades ou propriedades que não são encontradas nas partes, se estas estiverem isoladas umas das outras, e certas qualidades ou propriedades das partes podem ser inibidas pelas restrições provenientes do todo. (MORIN, 2000, p.37)
O conhecimento deve, assim, se estender para resolver, modificar situações do cotidiano em interação
com o real. Nesse mundo de incertezas, determinadas situações exigem criatividade para se poder alcançar a
solução eficaz de problemas.
Ser criativo é exigência desse mundo globalizado no qual o conhecimento se multiplica segundo a
segundo, pois ser inovador depende de criatividade e de espírito empreendedor.
Para Macedo (2009), é justamente esse espírito empreendedor que auxiliará o indivíduo na tomada de
decisões frente a situações inesperadas. O pensamento auto-reflexível, por sua vez, levará o indivíduo a
enfrentar essa multiplicidade de situações complexas, presente no mundo contemporâneo.
O educador, como articulador de situações de aprendizagem, deve conscientizar seus alunos de que eles
são sujeitos da própria aprendizagem, condição que só é realizada com o exercício contínuo da curiosidade
epistemológica, propulsora do agir.
Como defende Freire (2007, p.32): “Não haveria criatividade sem a curiosidade que nos move e que nos
põe pacientemente incapazes diante do mundo que não fizemos, acrescentando a ele algo que fazemos”.
Ser professor atualmente, nesse mundo globalizado é, uma atividade complexa que deve ser entendida
como um despertar de curiosidades e organização de situações de aprendizagem, que encaminhem o aluno a
busca de respostas para sua curiosidade de forma autônoma, constituindo assim o verdadeiro conhecimento.
4 A abordagem metodológica
A fim de conhecer a concepção teórica que o docente utiliza em sua prática pedagógica, essa pesquisa
buscou levantar, por meio de um questionário respondido por cinco professores, situações relacionadas à
epistemologia da prática pedagógica. Para tanto, foram apresentadas questões relacionadas ao processo ensino-
aprendizagem, papel dos docentes no processo educacional, cursos de formação, concepções teóricas sobre
educação e o ensino por competências.
Os participantes foram devidamente instruídos quanto ao objetivo da pesquisa e sobre como aconteceria
à participação de cada um. Por estarem de acordo com os termos em que a pesquisa se realizaria, assinaram um
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Quanto aos nomes dos participantes, foi estabelecido que seriam
omitidos e, assim, seriam identificados por números.
5 Análise de dados
Em função da grande riqueza do material coletado e teor da pesquisa em questão, muitos dos dados
obtidos poderão, ainda, serem analisados em pesquisas futuras. Para este texto, criamos algumas categorias de
análise. Entre elas, buscamos saber se o professor tem clareza sobre a teoria utilizada em sua prática
pedagógica, se ele compreende, epistemologicamente, aspectos do processo ensino-aprendizagem de uma
metodologia voltada ao desenvolvimento de competências e se utiliza de estratégias de ensino capazes de
garantir a eficácia do aprendizado dos discentes.
Os dados coletados foram analisados com base nas linhas de pensamento dos autores citados
anteriormente.
Sobre os sujeitos da pesquisa, todos os docentes possuem formação superior, na área técnica em que
lecionam, sendo que a grande maioria possui complementação na área pedagógica. Esses conhecimentos são
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atualizados constantemente, por mais da metade dos docentes, o que para Libâneo (2004) é um ponto
fundamental, para um profissional que lida com desenvolvimento de saberes e formação humana.
É de suma importância, a constante autoavaliação de conhecimentos didáticos, para a garantia de um
ensino eficaz. A formação continuada de conhecimentos didáticos pedagógicos, segundo Libâneo (2004),
possibilita reflexões e mudanças de Práticas Pedagógicas. Os educadores mencionaram, em sua maioria, que
periodicamente analisam os fundamentos teóricos utilizados nas aulas que ministram, mas não argumentaram,
de forma clara, como isso ocorre e quais medidas costumam tomar a partir dessa análise.
Quando questionados sobre qual corrente pedagógica seus referenciais de prática pedagógica se
fundamentam, os docentes foram unânimes em se declararem como construtivistas, mas, ao responderem, no
que a educação deve ser centrada, parte deles alega que o professor deve ser o centro do processo,
caracterizando a presença de uma prática correspondente à tendência tradicional.
Na concepção sobre o papel do professor no processo educacional, os educadores 2 e 3 consideram que
o docente é o pilar central na transmissão do conhecimento, contradizendo a teoria construtivista de educação.
Já os demais educadores acreditam em um trabalho docente baseado na mediação entre conhecimento e aluno.
Segundo o docente 1, o professor “deve ser um mediador, provocando o questionamento do aluno, em
situações críticas na qual ele se depara, tanto na vida profissional, como na pessoal”.
Considerando as estratégias de aprendizagem, a maior parte dos sujeitos da pesquisa tem como
principal atividade as situações-problemas. Essa estratégia de ensino é essencial para a mobilização de
conhecimentos e, consequentemente, para o desenvolvimento de competências, tal qual evidência Perrenound.
Para esse autor, “visar ao desenvolvimento de competências é ‘quebrar a cabeça’ para criar situações-problemas
que sejam, ao mesmo tempo, mobilizadoras e orientadas para aprendizados específicos”. (1999, p. 60)
A resolução de situações-problemas é a forma mais utilizada pelos docentes para integrar teoria e prática
durante as aulas que ministram. A situação problema é, nesse sentido, uma estratégia de ensino fundamental,
para essa interação entre teoria e prática, uma vez que estimula a curiosidade epistemológica do aluno e,
conseqüentemente desenvolve competências.
Os docentes têm, como segunda estratégia de ensino mais usual em suas práticas pedagógicas, a aula
expositiva que, muitas vezes, é vista como um elemento do ensino tradicional, quando os alunos comportam-se
de maneira passiva durante a aula. Segundo indicou a maior parte dos docentes, os alunos têm a oportunidade
de discutir assuntos relacionados ao conteúdo trabalhado em sala de aula, o que estimula e não inibe a sua
curiosidade epistemológica, necessária para um bom aprendizado.
Essa oportunidade de discussão dos conteúdos durantes as aulas desenvolve capacidades intelectuais e
cognitivas dos alunos, pois os coloca como sujeitos ativos da própria aprendizagem. Assim, a aula expositiva, tal
como aponta Libâneo, quando participativa, pode ser um rico instrumento de aprendizagem, para a construção
de saberes educacionais. Fiquemos atentos às palavras utilizadas por esse autor, ao se pronunciar sobre esse
assunto:
A exposição lógica da matéria continua sendo, pois, um procedimento necessário, desde que o professor consiga mobilizar a atividade interna do aluno de concentrar-se e de pensar, e a combine com outros procedimentos, como o trabalho independente, a conservação e o trabalho em grupo. (1994, p.161)
Uma parte significativa dos docentes menciona que utiliza exercícios de fixação de conteúdos como
segunda estratégia de ensino mais utilizada em sala de aula, sendo a primeira, a aula expositiva. Como os
exercícios servem como forma memorizar os conteúdos “ensinados”, podemos identificar nesses procedimentos,
características do que Paulo Freire (2005, p. 66) considera como sendo uma “educação bancária”.
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Educação bancária, que se deve ao fato dos educandos serem como recipientes vazios, no qual o
professor deposita conhecimentos, proporciona situações para que o aluno o memorize e futuramente saque os
conhecimentos durante um processo de avaliação, um contexto educacional que não busca transformações, nem
desenvolvimento de competências.
No geral, os docentes que vêm trabalhando há mais tempo com a proposta de ensino por competências
explicitaram utilizar, com maior freqüência, atividades didáticas com assuntos mais globais, buscando
contextualizá-los. Citaram o trabalho com pesquisas e projetos, o que mostrou haver busca pela criação de
situações de aprendizagem verdadeiras, o que pode, de fato, gerar competências e habilidades, necessárias à
formação do profissional do século XXI.
As estratégias de ensino utilizadas pelos professores que utilizam há mais tempo a metodologia de
ensino por competências são apontadas como principal ferramenta para realizar a interligação dos conteúdos das
disciplinas do curso. Segundo o docente 3:
A resolução de uma situação problema envolve pesquisa e conhecimentos pré-adquiridos, seja durante a vida profissional ou em disciplinas anteriores. Articular situações problemas cada vez mais complexas envolvem tais conhecimentos, praticando a interdisciplinaridade dos conhecimentos outrora adquiridos.
Todos os docentes indicam ser a sua maior preocupação durante o processo educacional o
desenvolvimento de competências profissionais dos alunos. Porém, não explicitam uma preocupação com o
desenvolvimento global dos educandos, intenção que, naturalmente, por meio do desenvolvimento de situações
problemas deve ser desenvolvida.
Durante suas aulas, os professores declaram que buscam observar as características individuais de cada
aluno e procuram tratá-los de maneira diferente. Assim, a grande maioria dos docentes, indica, pelas respostas
apresentadas nos questionários respondidos por eles, que possibilitam aos alunos inserirem suas ideias na
elaboração do conteúdo a ser trabalhado.
6 Considerações finais
Educar, em seu sentido amplo, significa possibilitar situações de aprendizagem que geram as
competências necessárias a esta complexa vida do século XXI.
Os autores que deram sustentação teórica à pesquisa realizada enfatizam que, para a realização de um
trabalho pedagógico coerente e significativo, é de extrema importância que o professor conheça o que,
teoricamente, orienta a sua prática.
Nesse sentido, como indicam os autores já citados ao longo deste texto, é importante que o professor
conheça como se dá a construção do conhecimento para o aluno. A constante análise do processo de ensino-
aprendizagem auxilia as ações pedagógicas do professor.
O fato de o docente não ter claro para si os elementos epistemológicos que orientam a sua própria
prática pedagógica pode levar o processo educacional ao fracasso, uma vez que suas escolhas tornam-se
obscuras.
Sendo o ato educacional dotado de intencionalidade, que deve ter propósitos de desenvolvimento de
habilidades e competências para a vida, a constante análise e síntese dos fundamentos teóricos epistemológicos
do conhecimento é, portanto, uma das formas de promover a eficácia de todo processo educacional.
Os dados coletados no decorrer da pesquisa realizada mostraram que alguns professores executam,
durante sua prática pedagógica, ações que contradizem a concepção teórica que eles declaram adotar. Isso
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ocorre por desconhecerem, ou conhecerem, superficialmente, os fundamentos epistemológicos da escola
pedagógica que utilizam.
Os dados revelam, ainda, que são utilizadas estratégias didáticas tais como situações-problemas e
discussões de conteúdos com participação dos alunos, atividades que auxiliam o desenvolvimento global do
educando. Ao mesmo tempo, os mesmos professores que utilizam essas práticas declaram que o professor é o
centro de todo o processo educacional.
A contradição entre a prática e a concepção teórica de educação, por parte de alguns dos sujeitos
pesquisados, em nosso entendimento, impossibilita a eficiência do processo educacional, principalmente no
tocante ao desenvolvimento de competências que atendam às necessidades da sociedade atual.
A constante atualização de conhecimentos da maioria dos sujeitos pesquisados indica, porém, a
possibilidade de que possam compreender os fundamentos epistemológicos que utilizam durante a sua prática
pedagógica. Os dados revelam essa condição, já que esses docentes, ao utilizarem uma metodologia de ensino
afinada com a concepção construtivista, podem gerar competências fundamentais ao desenvolvimento integral
do sujeito em processo de formação.
O discurso e a prática coerentes do professor são condições imprescindíveis para uma prática pedagógica
plena, com vistas à formação de sujeitos capazes de mudar, não só a própria vida, mas a sociedade na qual está
inserido.
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Literatura, Política e Darwinismo-Social: Uma Análise Sociológica da Trajetória Contestadora de Raul Pompéia
Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 23
Literatura, Política e Darwinismo-Social: Uma Análise Sociológica da Trajetória Contestadora de Raul Pompéia
Fernando de Figueiredo Balieiro
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Resumo
O artigo se propõe a analisar a trajetória de Raul Pompéia no cenário intelectual e político finisecular brasileiro em que os autores correntemente permeavam várias esferas sociais como: a política, o jornalismo e a literatura. Em um contexto no qual as ciências biológicas gozavam de hegemonia para a explicação do social, o diagnóstico de degeneração da nação se difundia demarcando suas relações com as doutrinas racialistas. Em uma incorporação divergente, Pompéia trazia o repertório darwinista-social associando degeneração e crítica ao Segundo Império em decadência. Associado a grupos abolicionistas radicais, o autor de O Ateneu afasta-se de leituras racistas predominantes nos modos de se pensar a nação. Busca-se compreender como essas questões perpassam o pensamento político e as obras literárias de Pompéia. Palavras-chave: Raul Pompéia – Degeneração – Segundo Império – Abolicionismo
Em Raul Pompéia, havia effetivamente -, e quantos o conhecerão poderão bem, dar testemunho disto -, uma vibratilidade nervosa excessiva, superaguda, quase mórbida. A sua retina intellectual era de uma impressionabilidade exaggerada, e para os pontos affectados desta visão em que se retratarão as cousas e factos, prodigosamente augmentados, elle se concentrava inteiramente, deixando-se absorver, aniquilar por completo
Era dia 26 de dezembro de 1895 quando esta descrição de Raul Pompéia ocupava a primeira página do
renomado Jornal do Commercio, um dia após seu suicídio. Interpretação que reaparece em muitas outras
reconstituições de sua personalidade por seus contemporâneos ou biógrafos do século seguinte. Amparadas por
um modelo paradigmático da psiquiatria do século XIX, as mesmas descrições continuaram aceitas com suaves
mudanças durante as narrativas biográficas do século XX. Fazia-se dentro de uma episteme naturalista que
subordinava o modelo de compreensão de comportamentos aceitáveis e desviantes de uma norma socialmente
presumida a partir da oposição interdependente entre normalidade/patologia1.
Raul Pompéia aparece como uma criatura estranha; desde suas características físicas como portador de
um estrabismo exagerado, passando pelo seu comportamento sui generis de um recatamento exaustivo – não
tendo se relacionado amorosamente com nenhuma mulher –, até seu nervosismo extremo, sua sensibilidade
aguçada que muitas vezes consiste na explicação de seu radicalismo político, seu nacionalismo exaltado e seu
florianismo convicto. Para além dessa interpretação biologizante corrente, constatamos que Raul Pompéia
representava uma figura pública no fim de século brasileiro, por isso muita atenção foi direcionada a ele em
páginas de jornal, seja em polêmicas políticas, seja em insinuações vexaminosas de sua vida íntima.
Reconhecido hoje como um autor canônico da literatura brasileira, sua notoriedade se estende para além da
esfera das letras nacionais. Além de romancista, era novelista, um cronista de primeira mão, um intelectual
engajado, escultor e desenhista.
Ao adentrarmos na prosa de Pompéia, logo percebemos que sua compreensão se enriquece quando a
associamos à sua trajetória social. Não se trata de enfatizar traços puramente biográficos, mas em uma
perspectiva sociológica, relacioná-los com o contexto social em que estava inserido, objetivá-lo, atentando para
1 Antes que um dado natural e evidente, a presunção da normalidade ou patologia é resultado de discursos e práticas sociais. Entendidas como categorias que só existem em relação de oposição entre uma e outra, são fruto de um processo histórico de consolidação de uma sociedade burguesa. Estão vinculadas a formas de regulação dentro deste binário sustentadas pela legitimidade do saber médico que as naturaliza através da pressuposição de que se trata de um saber neutro e científico. Ver Miskolci, 2003a.
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os riscos das interpretações pautadas nas análises que colocam o foco no sujeito, negligenciando os
condicionamentos sociais. Afirma o sociólogo francês Pierre Bourdieu (2005):
Tentar compreender uma carreira ou uma vida como uma série única e em si suficiente de acontecimentos sucessivos sem outro elo que não a associação a um ‘sujeito’ cuja constância não pode ser mais que a de um nome próprio socialmente reconhecido é quase tão absurdo quanto tentar explicar um trajeto no metrô sem levar em conta a estrutura da rede, isto é, a matriz das relações objetivas entre as diferentes estações (p. 292).
O cenário das letras brasileiras do final do século XIX não apresentava autonomia, escritores dedicavam-
se, em muitos casos, não apenas à literatura, mas a outras profissões, especialmente à médica ou à jurídica,
bem como, participavam exaustivamente da vida política, como é o caso de Pompéia. Consideramos que uma
análise feita a partir do conceito de campo de Pierre Bourdieu se revela deslocada no tempo e no espaço no
contexto brasileiro da época. Consideramos que trazer o aparato conceitual de Bourdieu para o Brasil
oitocentista significa ir de encontro à sua própria metodologia que preza a aliança entre construção teórica e
defrontação constante com objetos empíricos2.
De qualquer forma, o ponto de partida bourdieusiano continua pertinente aos nossos objetivos no sentido
de buscar compreender o “espaço de forças estruturado que molda a capacidade de ação e de decisão de quem
dele participa” (MARTINS, 2004, p. 64) articulado com a trajetória social, ou as disposições, dos envolvidos.
Portanto, partir-se-á da trajetória de Pompéia em relação aos limites do espaço social; é com relação a este “que
se determinam em cada momento o sentido e o valor social dos acontecimentos biográficos...” (BOURDIEU,
2005, p. 292).
1 A inserção de Pompéia no contexto sócio-político do fim de século
A segunda metade do século XIX foi marcada por transformações consideráveis da sociedade brasileira.
A urbanização se consolidou nos grandes centros desde a vinda da Corte de Portugal para o Brasil em 1808, a
abertura dos portos e consequente integração do Brasil nas correntes internacionais de comércio. Acentuou-se
em 1822, com a Independência. Percebe-se o aumento de funções burocráticas e políticas nas capitais das
províncias, além da fundação de algumas faculdades (em Recife, Rio de Janeiro e São Paulo) visando criar uma
elite capaz de governar. Junte-se a isto a expansão da lavoura cafeeira monocultora, que em contraste com o
latifúndio autosuficiente da colônia era um importante estímulo ao comércio interno. Constata-se também a
instalação de ampla rede ferroviária e aparecimento de primeiras indústrias. Nota-se o enfraquecimento das
bases econômicas do escravismo, especialmente depois da proibição do tráfico em 1850. Enquanto o trabalho
livre tornou-se mais viável e lucrativo em certas áreas, como no modernizado oeste paulista, verifica-se com o
aprofundamento da complexificação social brasileira, um aumento de populações urbanas que não dependiam
economicamente de forma direta do trabalho escravo.
Enquanto o regime de trabalho mostrava iminentes sinais de esgotamento, o sistema político se
encontrava descompassado com as transformações da sociedade. Setores que então se tornavam importantes,
social e economicamente, tinham pouca representação no parlamento. Isso deu margem a desigualdades na
representação política da nova elite em formação: “as novas elites urbanas não se sentiam suficientemente
representadas e os fazendeiros das áreas cafeeiras mais novas, que produziam boa parte da riqueza do país
sentiam-se peados pelas estruturas políticas do Império.” (COSTA, E., 1999, p. 15)
2 Reconhecemos a contribuição teórico-metodológica da obra do sociólogo francês, mas compreendemos que pensar em um campo literário exigiria problematizar a forma como este desenvolveu sua teoria em Regras da Arte, ou seja, inextricavelmente ligada com o processo de autonomização do campo artístico-intelectual na França de Gustave Flaubert. Objetivar um artista a partir deste conceito significa concebê-lo dentro de um microcosmo social autonomizado, não sendo isolado das outras esferas da sociedade, mas que refrata suas influências através de suas regras específicas desenvolvidas historicamente.
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Na década de 1870, o controle dos recursos políticos estava nas mãos do Partido Conservador
(representante dos estamentos senhoriais de Pernambuco e Bahia, além de cafeicultores do Vale do Paraíba).
Não obstante, nessa mesma década de gabinetes conservadores, assistiu-se às reformas de Visconde do Rio
Branco, caracterizadas por um viés liberal e modernizador, temendo o desmoronamento da ordem imperial.
Porém, estas reformas sofreram restrições no parlamento e foram freadas nos ministérios seguintes. Segundo
Angela Alonso:
a percepção da necessidade de reformas essenciais na organização da economia e do sistema político e o temor de abalar as instituições e a ordem social abriram para uma crise que desestabilizou o precário equilíbrio entre as facções da elite imperial e enfraqueceu o regime monárquico (ALONSO, 2002, p. 42).
Frente à hegemonia conservadora no executivo e legislativo, formam-se, juntamente com o Partido
Republicano, novos grupos, marginalizados politicamente, que desenvolvem formas de mobilização até então
inéditas, abalando profundamente as formas de fazer política do Segundo Império, restritas à discussão
cavalheiresca nas câmaras da Corte. Recorrem a estratégias de mobilização fora das instituições políticas,
organizando comícios, passeatas, intervenções públicas, além de intensa publicação de livros de doutrinas e
participação ativa na imprensa independente. Tais grupos seriam posteriormente denominados de Geração 1870.
Tinham em comum a crítica às instituições, valores e práticas fundamentais do regime imperial, que os
marginalizava e que apresentava sinais de esgotamento. Nesse sentido, incorpora-se certo repertório intelectual
estrangeiro (Positivismo, Evolucionismo, etc.) que permitiu a elaboração de respostas aos dilemas estruturais do
país (especialmente sobre o regime de trabalho e representação política), para que exprimissem seus anseios
políticos. Portanto, suas construções teóricas funcionavam como armas de combate, recursos de legitimação de
suas reivindicações por reformas (ALONSO, 2002).
No entanto, há que se ressaltar que esses grupos eram fundamentalmente contestadores e reformistas:
optavam por mudanças negociadas e paulatinas, exorcizavam as soluções revolucionárias (as teorias da
revolução, disponíveis em fins do século XIX, não são incorporadas pelo movimento). Defendiam a constituição
de uma intelligentsia para comandar as mudanças.
Podemos afirmar que a Geração 1870 era marcada por duas características centrais: renovação filosófica
e cultural e crítica ao status quo saquarema e suas principais instituições (o escravismo e a monarquia)3. Esses
dois elementos devem ser entendidos como imbricados na medida em que nos detemos na abrangência do
cenário intelectual oitocentista brasileiro, marcado pela não separação delimitada entre campo literário, político e
intelectual. Nas palavras de Alonso, “eram os mesmos grupos que davam a espinha dorsal da movimentação
política e da agitação intelectual: comícios abolicionistas e/ou republicanos, concursos literários, grupo de
estudos, saraus e efemérides literárias, banquetes e passeatas.” (ALONSO, 2002, p. 283) Reinterpreta-se a
tradição cultural nacional, deslegitima-se o nacionalismo indianista (representação luso-tupi é substituída por
uma tríade na qual entra o africano), criam-se novos símbolos e heróis nacionais.
Pompéia, nascido em 1863, oriundo de família da elite fluminense4, teve sua juventude marcada por tal
período efervescente e desde cedo adentrou na defesa da abolição da escravatura e da república. Seu primeiro
artigo abolicionista remete aos tempos de aluno do Colégio Pedro II, juntamente com suas primeiras leituras de
Darwin e Spencer, referências fundamentais no debate intelectual da época. Seu engajamento efetivo se deu em
3 Sobre a geração, consulte: Ventura (1991), Schwarcz (2001), Miskolci (2006) e Alonso (2000). 4 Nascido em 12 de abril de 1863 em Angra dos Reis, morou em casa-grande na fazenda de seu pai: Antônio Pompéia, juiz da comarca daquela região. Viveu por lá com sua mãe, Mathilde Umbelina de Castro Pompéia, e irmãos até a família mudar para a Corte, onde teve contato com os melhores colégios do país como o Colégio Abílio da Corte e o Colégio Pedro II.
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sua formação na Faculdade de Direito em São Paulo, em especial pelo ambiente social que ela proporcionava
(ALONSO, 2002, p. 121- 122).
Sua estada em São Paulo é marcada pela participação em pequenos jornais abolicionistas, através dos
quais rivalizava com republicanos escravocratas e também pela publicação da novela As Jóias da Coroa (1882),
uma paródia sobre a vida de Pedro II e seus próximos na Corte. Em seu enredo, nota-se a proximidade do
nome das personagens com figuras representativas do Império, tal como a personagem conde d’Etu
referenciando-se a conde d’Eu, bem como o Palácio de Santo Cristo representando o Palácio de São Cristóvão.
O futuro autor de O Ateneu se envolvia profundamente na causa abolicionista. Pode-se dizer que sua
vida em São Paulo foi marcada pelo mau desempenho escolar e participação intensa na propaganda abolicionista
(SCHMIDT, 1963). Funda o jornal Ça-Ira com Alcides Lima, Ernesto Correia, Macedo Soares e Brasil Silvado.
Neste folhetim, legitimam o homicídio do proprietário pelo escravo. Em artigo escrito em 1882 no folhetim O
Novo Distrito, intitulado Srs. Escravocratas, o escritor dizia enfaticamente: “todo homem escravizado tem o
direito do punhal”; “a idéia da insurreição indica que a natureza humana ainda vive” (p. 61).
Luís Gama5 é uma das influências mais importantes do abolicionismo de Pompéia. Sobre o qual, escreveu
vários artigos em jornais em diversas épocas de sua vida. Ainda em São Paulo publicou uma novela inacabada
com o nome de A Mão de Luís Gama. No Jornal do Commercio de 25 de agosto de 1883 noticia-se a Grande
Procissão Cívica ao túmulo de Luís Gama no dia seguinte. Na organização consta Raul Pompéia, Antonio Bento,
João Fernandes da Silva, Abílio Soares, representantes da comissão executiva do centro abolicionista.
Antonio Bento é considerado por Pompéia o seguidor de Luís Gama na causa abolicionista e assim,
elogiado em crônica pelo escritor que o conheceu e com o qual manteve relações. Segundo Lilia Moritz Schwarcz
(2001), após a morte do advogado combativo, Antonio Bento se tornou o principal “ativista” contra a escravidão.
A autora, analisando jornais paulistas do final do século XIX, chama a atenção para um jornal bastante diverso
dos outros: A Redempção, liderado por Antonio Bento e enfaticamente abolicionista. Mais do que isto:
tratava-se de um jornal ligado ao grupo dos caifazes, que praticavam o que na época era denominado como ‘abolicionismo ilegal’, já que seus membros não se apoiavam só nos ‘benefícios da lei’, mas antes buscavam, através de formas mais diretas, como incitamento à fuga, chegar à libertação total de grupos de escravos (SCHWARCZ, 2001, p. 86).
Antônio Bento atuava organizando fugas e sistema de proteção a escravos evadidos. A proximidade de
Pompéia desse grupo nos faz perceber que seu engajamento abolicionista não se deu a partir de um
posicionamento receoso que defendesse a abolição como um processo paulatino e que preservasse uma
distância entre uma intelligentsia e o povo a ser comandado, mas através da defesa de sua solução imediata e
admiração deste contato direto com os escravos. Há quem afirme que Pompéia participou diretamente do auxílio
às fugas dos escravos. É patente sua simpatia em artigo de 27 de agosto de 1888, intitulado Antônio Bento:
Houve infinitos esforços de todas as estratégias, de todos os terrenos, de todas as categorias. A luta de Antônio Bento em São Paulo é a mais interessante. O seu sistema era a emboscada, o segredo, o repente da aparição, a espantosa audácia, o atrevimento burlesco às vezes, que aterrava e fazia rir. E conseguiu, segundo a lição de Luís Gama, estender por toda a província o aparelho nervoso de seus expedientes (POMPÉIA, 1982, p. 263).
Perseguido politicamente juntamente com outros estudantes engajados é reprovado em disciplina, então
se transfere para a Faculdade de Recife para terminar seus estudos. Nas palavras de Afranio Coutinho:
5 Luís Gama foi uma das figuras abolicionistas eminentes do cenário paulista. Baiano de nascimento, filho de uma negra livre, foi vendido como escravo por seu pai de origem portuguesa. Alfabetizou-se e conseguiu sua alforria. Estudioso, tornou-se rábula, advogado não formado, o que naquela época era permitido. Era conhecido pelo seu posicionamento radical para o período.
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reprovado no terceiro ano (1883) por perseguição de um professor, segue com 93 acadêmicos para Recife, a fim de concluir o curso jurídico, e aí encontra o ambiente intelectual sob a influência de Tobias Barreto, que não parece ter causado grande impressão em Pompéia, já com o espírito formado pela escola francesa (1981 , p. 14).
A escola de Recife é marcada a partir da década de 1870 pela construção de uma nova concepção de
direito: aliada à biologia evolutiva, às ciências naturais e a uma antropologia física e determinista. A partir deste
período, contesta a teoria do direito natural, a qual é baseada em ordem social rígida e imutável e introduz um
discurso secular e temporal baseado nos modelos evolucionistas e social-darwinistas. Os integrantes dessa
escola, dos quais se destacam Tobias Barreto e Silvio Romero, consideravam-se representantes da vanguarda
científica do país. Percebe-se a elaboração de estudos que vêem na raça um elemento fundamental de análise
(SCHWARCZ, 1993, p.156) e a teorização da nacionalidade brasileira a partir da mestiçagem.
No Recife, Pompéia escreve Alma Morta e Canções sem Metro, obras influenciadas pelo ideário
darwinista-social da Faculdade. Porém, seu pensamento expresso em obras literárias, crônicas e especialmente
posicionamentos políticos, durante toda a sua vida, parecem tender às influências de seu grupo abolicionista de
São Paulo, como atesta Coutinho dentre outros biógrafos. Seu período em Pernambuco foi marcado por um surto
de febre amarela, do qual muitos de seus colegas morrem. A morte, após febre da personagem Franco em O
Ateneu é considerada como uma referência a este período de sua vida. Rodrigo Otávio (1978), seu companheiro
de moradia, conta que deixaram a Rua do Livramento para ir morar em Caxangá. Longe da vida acadêmica,
ressalta que suas leituras, não eram os “compêndios da escola e os volumes em voga”, mas o “engenho e
pensamento universais” (p. 195).
Formado em Direito, passando pelas duas instituições de formação na área jurídica do Brasil, Pompéia se
estabelece no Rio de Janeiro para se consolidar progressivamente como um cronista de renome. Contribui para
os jornais Gazeta da Tarde, Jornal do Commmercio, Diário de Minas e posteriormente até O Estado de São Paulo.
Junto com esta atividade, Pompéia é nomeado secretário da Escola de Belas Artes e posteriormente diretor da
Biblioteca Nacional. Nesse período, publica seu romance de maior repercussão até os dias de hoje no jornal
Gazeta de Notícias: O Ateneu (1888). Toda a contribuição do escritor, tanto em suas narrativas ficcionais como
em seus textos políticos, está envolvida nos parâmetros da discussão da época, marcadamente influenciada pelo
paradigma das ciências biológicas.
2 O Darwinismo-social à brasileira
Segundo Dain Borges, a intelectualidade da época compartilhava um diagnóstico de degeneração sobre
nosso país, o qual era muito difundido na literatura naturalista contemporânea de Raul Pompéia. Em princípio,
as ideias de degeneração foram absorvidas e espalhadas pela medicina do período que, por sua vez, se
relacionava diretamente com a produção ficcional: “A educação médica era tanto literária e retórica quanto
prática e a escrita médica frequentemente emprestava imagens da literatura romântica e naturalista, assim
como estas tomavam emprestado imagens da medicina” (BORGES, 2005, p. 49).
Esse diagnóstico tem sua origem na segunda metade do século XIX, quando se observa a difusão de um
ideário darwinista-social. Nesse referencial, fenômenos, comportamentos e processos sociais são compreendidos
a partir de um paradigma naturalista, segundo o qual a base explicativa da sociedade ancora-se na composição
biopsicológica dos indivíduos ou raças. Esta perspectiva “biologizante” se ancora em alguns pressupostos
explicativos: a ideia de “luta pela existência” frente a recursos limitados e a crença na hereditariedade de traços
físicos e comportamentais como essencial a essa competição que resultaria na “sobrevivência dos mais aptos”. O
discurso darwinista-social serviu para justificar desigualdades sociais dentro da Europa bem como sustentou
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práticas imperialistas. Não menos importante, criou enquanto abjetos os sujeitos sociais que não se adequassem
à norma burguesa: alcoólatras, prostitutas, sifilíticos, homossexuais, etc..
Nas palavras de Miskolci (2005), os teóricos darwinistas-sociais “foram os principais responsáveis pela
naturalização do que foi social e historicamente criado e por criar uma classificação que unificava todos os tipos
de desvio sob um termo tão genérico quanto assustador: degeneração” (p. 17). Trata-se de um conceito chave,
“um rótulo que carregava consigo o fardo de uma condição congênita, portanto sem a menor possibilidade de
cura e diante da qual nenhum esforço humano valeria a pena” (p. 18). O degenerado era tematizado de forma
exaustiva em sua diversidade de tipos, pois apresentava um risco à coletividade.
Essa corrente de pensamento foi responsável pelo desenvolvimento do lado sombrio daquilo que Foucault
(1999) denominou de biopoder. O filósofo francês atenta para transformações no poder político na consolidação
de uma sociedade moderna. Antes, a sociedade ocidental era marcada pelo predomínio de um poder soberano,
baseado no direito do governante de matar, especialmente quando o domínio de seu poder era ameaçado. Já
nas sociedades modernas, efetiva-se uma estatização do controle da espécie humana (biopoder). O que importa
agora é cuidar da vida, regulamentar um desenvolvimento saudável do corpo populacional que crescia em níveis
consideráveis. Desenvolve-se certo tipo de racismo de Estado, que tende a controlar e eliminar aquilo que
representa um risco de corromper a população. Concebe-se uma nova configuração da manifestação do poder
que tem em vista a administração salutar da coletividade. Nesse contexto, o degenerado era alguém que deveria
ser privado da convivência com indivíduos “normais”, ao mesmo tempo em que responsabilizado pelo
diagnóstico de “queda” de uma perfeição humana original.
A crença na degeneração tem uma longa história e pode ser caracterizada, segundo Borges, como “um
termo ‘guarda-chuva’, inclusivo, muito usado” (p. 44). Em outros termos, o uso da palavra degeneração se
expandiu menos pautado por um rigor conceitual do que por uma difusão acrítica. Em geral, ela carregava o
“sentimento de que o passado foi melhor, de que o presente era declinante ou decaindo de um tipo mais
perfeito, de que havia acontecido uma perda de status, de lugar, ou de energias distintivas” (BORGES, 2005, p.
44). Seu uso remonta ao século XVIII, com Buffon, mas se tornou progressivamente mais popular a partir de
meados do século XIX, com Gobineau, o qual “definia a degeneração como o processo histórico inevitável no
qual raças conquistadoras puras através da mistura com raças inferiores puras perdem suas qualidades especiais
e energia” (BORGES, 2005, p. 45); e Bénédict-Augostin Morel que tratou a degeneração como uma síndrome do
declínio psiquiátrico que se desenvolveria hereditariamente. No fin-de-siècle, degeneração era um conceito
consolidado e figurava como central em obras celebradas como as de Max Nordau (Degeneration, 1892) e
Gustave Le Bon (A Multidão, 1895).
Pompéia era, como seus contemporâneos, leitor assíduo de teóricos darwinistas-sociais cuja influência é
perceptível no conteúdo de Canções sem metro, Alma Morta e mesmo em O Ateneu. Se o termo degeneração
não aparece freqüentemente nos escritos de Pompéia, seu sentido é perceptível no desenrolar de sua obra, como
será tratado em tópicos posteriores. Não obstante, seu uso diferiu da forma como aparecia em alguns
posicionamentos de proeminentes intelectuais engajados e na produção literária, nas quais ela se encontrava
imbricada com a questão racial.
4 Degeneração e raça: o engajamento político divergente de Pompéia
As leituras darwinista-sociais foram incorporadas pelos teóricos brasileiros do final do século, com
ênfases diversas das do contexto original. Enquanto no Velho Continente o foco eram os desviantes da sociedade
burguesa, em nossa sociedade, marcada historicamente pela escravidão, o centro do debate era a questão
racial. Considera-se que a ideia de “raça” representou uma reorientação intelectual em reação ao Iluminismo na
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medida em que subordina o arbítrio do indivíduo a seu pertencimento a determinado grupo compreendidos em
termos biológicos. São três proposições básicas que se materializariam: o postulado da distância entre as raças
humanas similarmente ao que distingue o cavalo do asno (o que condenaria o cruzamento racial); a continuidade
entre caracteres físicos e morais; e a preponderância do grupo “racio-cultural” no comportamento do sujeito
(SCHWARCZ, 1993).
O “racismo científico” serviu como justificativa para o empreendimento imperialista europeu, mas em
nosso contexto ela se transformou em categoria central para a discussão da nacionalidade. A construção da
nação, uma comunidade imaginada que, nos termos de Benedict Anderson (1991), se baseia na construção de
uma “agremiação horizontal e profunda”, esbarrava nas teorias raciais deterministas que interpretavam o Brasil
como um exemplo de nação degenerada de raças mistas. A incorporação de todo um arcabouço racialista foi
levado a cabo pela geração de 1870 justamente em um momento em que a abolição da escravatura e o declínio
da ordem imperial se faziam evidentes. Se antes a nacionalidade era narrada nos termos do indianismo
romântico, agora o elemento negro entrava em cena.
A geração contestadora estava interessada na construção de uma nação em moldes diversos dos
existentes na ordem imperial. A nação seria fundamentada nos parâmetros da ciência, através da incorporação
seletiva das teorias darwinistas européias. O Brasil era visto sob a ótica dos europeus como um “espetáculo das
raças”, um país eminentemente degenerado por sua miscigenação. Os teóricos brasileiros, do mesmo modo,
elegeram a raça como uma categoria-chave para interpretação de nosso “povo”, caracterizado então como
resultado da fusão de três raças (brancos, índios e negros). Não obstante, tenderam a negligenciar aspectos de
tal teoria que demarcavam a inviabilidade do país enquanto nação. Ao contrário disto, ganhavam terreno
perspectivas que apontavam para sua evolução através de um processo de branqueamento via miscigenação.
A incorporação dessas teorias é feita tardiamente, no momento em que já perdiam crédito no contexto
de origem. Antes que uma cópia malfeita de teorias degenerativas da Europa, o que se verifica é uma
apropriação política daquelas doutrinas que davam legitimidade a estrutura de desigualdade social no momento
oportuno da abolição (ORTIZ, 1985, p. 30). Portanto, esta geração combativa se define por um lado por sua
postura abolicionista, mas por outro, pela sustentação científica de compreensões que embasavam uma
sociedade racista e moralmente conservadora.
Podemos citar dois teóricos racialistas do período que apontavam para caminhos opostos em suas
leituras darwinistas: Nina Rodrigues e Silvio Romero. O primeiro, médico baiano, formado na Faculdade de
Medicina da Bahia. Schwarcz (1993) atenta para os modelos social-darwinistas dessa faculdade, sendo que em
sua revista periódica, a Gazeta Médica da Bahia, a raça era tema fundamental para considerações e diagnósticos
sobre os destinos da nação. Nas palavras da autora: “esses cientistas farão uma leitura original da realidade
nacional ao apontar o cruzamento como nosso maior mal, ao condenar a hibridização das raças e sua
consequente degeneração” (SCHWARCZ, 1993, p. 208). Nesse contexto, Nina Rodrigues, abolicionista, postula a
inferioridade inata do negro e do mestiço. E, sendo assim, aponta para a ameaça da negritude em seu risco de
barrar a evolução nacional. Neste sentido, defende a impossibilidade de um código legal que abrangesse a
totalidade da população do Brasil, propondo dois códigos distintos a partir de critérios raciais.
Silvio Romero, proeminente pensador da Geração 1870, formou-se na Faculdade de Direito de Recife,
marcada desde a entrada de Tobias Barreto pela introdução de modelos evolucionistas e social-darwinistas, pela
superação de uma concepção metafísica de direito por outra secular e histórica. A leitura sui generis de Silvio
Romero foi para rumo diferente da interpretação do médico baiano. Romero, preocupado com a consolidação de
uma homogeneidade nacional, via na mestiçagem planejada um direcionamento para o branqueamento de nossa
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população. Sua abordagem fazia eco a muitos outros posicionamentos políticos da época ao defender a
importância da imigração européia.
Nesse ponto, salientamos que se Pompéia tem uma trajetória comum, compartilhada com muitos desses
membros da geração 1870 e dos que a seguiram, ele se distingue por sua trajetória específica que resultou em
posicionamentos diversos dos aqui tratados. Em relação à imigração, Pompéia se posiciona sustentando-se no
argumento de Romero: “o problema gravíssimo da imigração” é apontado como tendo duas conseqüências pelo
contestador pernambucano. Uma positiva demais, no Sul, de “encher a torto e a direito as províncias meridionais
de estrangeiros” (ROMERO apud POMPÉIA, 1983b, p. 121) cujo resultado seria a separação, a independência
desta região. Uma negativa em excesso, e diz respeito a todo o norte do país, “do Espírito Santo para cima”
(ROMERO apud POMPÉIA, 1983b, p. 121). “Espíritos tacanhos e míopes, atufados nos fáceis interesses que os
cercam no Sul, espalharam por toda a parte o descrédito do bom clima do Norte e sua mortalidade para o
europeu” (ROMERO apud POMPÉIA, 1983b, p. 121), produzindo o depauperamento das populações nortistas e a
decadência daquela região.
O autor de O Ateneu utiliza-se da reflexão de Romero, mas seu foco não é a questão da homogeneidade
nacional e do branqueamento, mas o que chama de “dissolução de uma nacionalidade”. Dentro de um
pensamento marcadamente nacionalista, o cronista expressa uma preocupação bem cara às instabilidades do
início da Primeira República, mas direcionado aos estrangeiros que poderiam ameaçar a unidade nacional. Menos
do que uma apreensão com a miscigenação, Pompéia volta-se contra os europeus: “o regímen das vastas
aucleações segundo a nacionalidade dos emigrantes e os núcleos assim constituídos com diferença de raça e de
caráter entre os respectivos tenderão fatalmente a isolar-se como pequenas nações independentes” (1983b, p.
122). Defende então uma política de imigração bem conduzida, em um “sistema patrioticamente adotado”, em
direção oposta ao seguido, entendido como uma arriscada e “rendosa exploração às cegas de um contrato de
introdução de mil famílias, venha elas de onde vierem, vão para onde forem e como forem...” (1983b, p. 122).
Seu ponto de vista fica mais claro nas crônicas seguintes, nas quais Pompéia se posiciona contrariamente
à imigração italiana subvencionada e em massa, em direção oposta às ideias de Romero:
essa gente que nos chega a povoar o Brasil, e que não tem ensejo nem interesse em ser brasileira – são verdadeiramente colunas cerradas de soldados, sem armas, mas preparados, talvez sem pensar nisso, para se armar um dia em luta que não há de ser por nós (p. 219).
Em crônica de 25 de julho de 1892, Pompéia defende, contrariamente a imigração europeia, a
valorização do trabalho do negro brasileiro: “Da parte do agricultor, deve haver empenho em buscar a
colaboração desses homens de espáduas fortes e coração benigno” (1983b, p. 229). Nas palavras do autor,
“precisamos volver os olhos para o negro – o negro generoso e forte, que os declamadores da invasão injuriam e
desdenham” (POMPÉIA, 1983b, p. 229).
Nos escritos do cronista, a categoria raça não é refutada, mas seus posicionamentos não são articulados
a partir dela; especialmente após a proclamação da República, sua reflexão gira em torno da construção de uma
coesão nacional não norteada pelo esquema de pensamento determinista racial em voga. O que se destaca é
sua preocupação com a unidade nacional, alinhando-se com a política de Floriano Peixoto contra pretensões
separatistas que para ele estavam relacionadas aos interesses estrangeiros. Em O Clamor Maligno, discorre
sobre a importância política do “marechal de ferro”, contra a oposição que “contava com todos os auxílios
internacionais” (POMPÉIA apud OCTAVIO, 1978, p. 223).
A maior importância central de sua formação em São Paulo, em relação a sua estada em Recife, foi
destacada por diversos biógrafos. Schwarcz (1993) analisa sua especificidade em relação a outros centros de
formação de conhecimento. O conteúdo veiculado na revista oficial da Faculdade demonstra que aquele contexto
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apresenta uma influência direta do evolucionismo, mas uma assimilação com cautela do determinismo racial e
uma aposta no liberalismo político (SCHWARCZ, 1993, p. 180). A presença do conteúdo darwinista-social nos
romances de Pompéia é notável: a “luta pela existência” presente nas reflexões internas às cartas do enredo de
Alma Morta, os discursos do Dr. Cláudio em O Ateneu são alguns exemplos. O que importa é salientar sua
diferença dos romances naturalistas que em muitos casos associavam a degeneração com a categoria raça. A
incorporação deste repertório intelectual é visível em O Ateneu, em outro registro: encontra-se imbricando
degeneração e crítica às instituições imperiais.
5 O Ateneu e o Segundo Império
Aparentemente, a obra-prima do escritor não toca na questão da “degenerada ordem imperial”, focando
relações que se estabelecem dentro do microcosmo de um internato. A narrativa de O Ateneu desenrola-se a
partir da vivência de Sérgio no internato da “fina flor da mocidade brasileira” dirigido pelo pedagogo de
importantes contribuições à educação brasileira: Aristarco Argolo de Ramos. Sobre sua estadia nesse
educandário, o narrador retoma cronologicamente suas experiências e sentimentos: a relação conflituosa com os
colegas, a disciplina opressiva do diretor e dos bedéis, o interesse pelos diversos ramos do conhecimento, os
seus envolvimentos amorosos e os demais momentos de solidão e interação com os colegas; até a destruição
em chamas do internato premeditada por Américo, o furioso colega recém-matriculado.
Com um olhar mais atento, percebemos a descrição do ambiente e das personagens como algo
corruptor, perverso, imoral, ao mesmo tempo em que se tece relações entre aquele ambiente e o Segundo
Império. Mário de Andrade atenta para a descrição das personagens: “desde a caricatura imortal do Aristarco,
professores, colegas e criados, Raul Pompéia os desenha com malvadez, grotescos, invejosos, insensíveis,
perversos ou brutais” (1974, p. 174).
A caracterização do diretor do internato nos oferece um ponto de partida para a compreensão de como o
romance referencia-se a um contexto mais amplo. Aristarco é definido pelo narrador a partir de sua vivacidade e
ubiquidade no exercício da autoridade no educandário. Ao invés dos castigos físicos, um controle exaustivo que
marca com o medo a vivência dos alunos em seu instituto. Uma personagem singular que visa ao controle moral
dos internos e, assim, uma transformação moral da sociedade. A experiência pedagógica no internato é vivida
como um ambiente de terror.
Se parássemos a caracterização nestes pontos, poderíamos concordar com a visão do autor de
Macunaíma, segundo o qual O Ateneu é uma obra crítica de uma certa “dieta educacional”. No entanto,
atentamos para outros aspectos que vinculam a caricatura despótica de Aristarco com representações e símbolos
da monarquia e, ao mesmo tempo, ridicularizam a autoridade deste, demonstrando sua outra face: sua vaidade
e narcisismo. Em outros termos, a figura poderosa de Aristarco é constantemente desacreditada em passagens
que o vinculam às instituições imperiais de forma cômica.
A associação se torna mais evidente na solenidade da distribuição bienal dos prêmios, na qual Aristarco
ganha um busto que é coroado. A festividade acaba com a figura carregada simbolicamente da coroa no
busto de Aristarco e seu patético ciúme dirigido a sua própria homenagem: “Mas acabou de falar o professor,
viu-se Aristarco levantar-se, atravessar freneticamente o espaço atapetado, arrancar a coroa de louros ao busto.
Louvaram todos a magnanimidade da modéstia” (p. 87). Não é exagero afirmar que todo o sarcasmo presente
na construção da personagem Aristarco, figura associada à onipotência e sempre vinculada a representações da
monarquia, representa uma crítica do escritor contestador que traz em sua trajetória o abolicionismo e
republicanismo.
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Há ainda quem afirme que todo o ambiente de terror expresso na experiência pedagógica do internato e
protagonizado pela caricatura onipotente de Aristarco represente na verdade a opressiva realidade do regime
comandado por Pedro II. Bosi afirma que “o romance é também um exercício de interpretação histórica, na
medida em que mostra como a violência compacta da escola é tecida com os mesmos fios que sustêm a trama
social do Segundo Império” (1988, p. 46). Silviano Santiago (2000) interpreta O Ateneu como uma metáfora do
Segundo Reinado e vincula a personagem Aristarco ao imperador.
Sob tal prisma, podemos voltar ao incêndio do internato e interpretá-lo não apenas como uma crítica a
uma “dieta educacional”, mas como uma representação do desmoronamento da ordem imperial rumo à
República. O aluno Américo parece representar todo um novo contexto de contestação republicana que marcou a
década de 1880: “Mostrou-se contrariado desde o primeiro dia. Aristarco tentou abrandá-lo; impossível: cada
vez mais enfezado. Não falava a ninguém. Era já crescido e parecia de robustez não comum. Olhavam todos
para ele como uma fera respeitável” (p. 92).
A Gazeta de Notícias interrompeu a publicação de O Ateneu em 14 de maio de 1888, dia em que a
abolição toma as páginas no jornal. Até esse momento não havia ocorrido o incêndio. Entre o dia 14 e o dia 17
não há publicação do romance. No dia 18, vem a público o desfecho em que aparece Américo e o incêndio do
internato. Não é possível afirmar se Pompéia criou esse final antes ou depois da abolição, mas é sugestivo
pensar na influência que pode ter tido a promulgação da Lei Áurea nos caminhos do romance.
O nome do incendiário é revelador. Leila Perrone-Moisés (1988) aponta o simbolismo da morte da
personagem Franco e a revanche de Américo. Estava colocada uma presente associação entre Monarquia e
Europa e República e América. Pompéia foi um grande crítico das influências perniciosas do capital estrangeiro
em nosso país. Heinsfeld (2007) postula que o sentimento americanista era muito difuso no período; afirma que
o momento era marcado pela xenofobia em relação aos portugueses que ocupavam grande parte dos postos de
emprego no Rio de Janeiro finissecular6.
Apontamos facetas do romance que demarcam a crítica pompeiana à monarquia através da
caracterização cômica da figura poderosa de Aristarco e ressaltamos como o enredo inclui um caráter
esperançoso encarnado na destruição do internato por Américo. O incêndio é feito uma catarse diante da
descrição enfaticamente pessimista de Sérgio-narrador sobre o ambiente em que estudara. O repertório
darwinista-social envolve a narrativa, caracterizando em caminhos diversos, importantes elos entre a
degeneração ali demarcada e o Segundo Império.
6 Darwinismo-social e degeneração: crítica ao status quo imperial
Ao mesmo tempo que a educação, como elemento da virtude, considere-se o vigor hereditário transmitido pelo sangue, o que constitui uma espécie de educação antecipada, e as forças adquiridas na luta com o meio ambiente, terceira espécie de educação (POMPÉIA, 1990, p. 33)
Esse trecho de Alma Morta, romance interrompido de Pompéia, escrito em seu período estudantil de
Recife, sintetiza o entendimento diverso sobre a conformação do caráter a partir da lente social-darwinista. A
questão da degeneração ora apontava para uma perspectiva redentora da educação, ora se aproximava de
interpretações deterministas hereditárias ou conformadoras do meio. Borges observa: “como qualquer ideia
6 Uma das medidas da República recém-implantada foi de naturalizar os estrangeiros que aqui estavam. Heinsfeld (2007) afirma que a participação política destes era vista com preocupação por parte dos brasileiros.
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hegemônica ou ‘paradigma’ científico, a degeneração menos frequentemente ditava conclusões do que fornecia
uma base tendenciosa para debates polêmicos e elaborações contraditórias” (2005, p. 47).
É interessante notar como divergentes concepções perpassam o romance de Pompéia e se revelam uma
preocupação marcante no desenrolar do enredo. Em primeiro lugar, ressaltemos os princípios norteadores da
pedagogia de Aristarco. Ele afirma ser sua preocupação central não os estudos dos internos, mas a formação do
caráter; sua proposta educacional objetiva a transformação moral da sociedade. Coloca-se ênfase redentora no
processo educativo tanto na formação moral individual e enquanto alicerce na construção de uma nova
sociedade.
Em conflito com tal perspectiva, emergem os discursos do professor Dr. Claudio presentes na narrativa.
Silviano Santiago (2000) sustenta que essa personagem é a única que nunca recebe uma crítica do narrador e
suas reflexões estão muito próximas das presentes em outros textos assinados por Raul Pompéia. É interessante
como tais passagens do romance focam uma discussão sobre arte tão presente no momento em que Pompéia
escreve o romance. Dr. Cláudio, em sua segunda palestra, disserta sobre esse assunto a partir de critérios e
conceitos influenciados pelo darwinismo: “o esforço da vida humana, desde o vagido do berço até o movimento
do enfermo, no leito de agonia, buscando a posição mais cômoda para morrer, é a seleção do agradável” (p. 47).
Assim, “a história do desenvolvimento humano nada mais é do que uma disciplina longa de sensações. A obra de
arte é a manifestação do sentimento” (p. 48).
Para Dr. Claudio, a arte não tem finalidade, ela é uma consequência da evolução humana. Se por um
lado as concepções de arte de Dr. Claudio se atêm aos princípios científicos do período, por outro lado postula-se
a superioridade da arte frente aos “preceitos que se combatem, acima das religiões que passam, acima da
ciência que se corrige; embriaga como a orgia e como o êxtase” (p. 50).
Pode-se dizer que, no período de publicação de O Ateneu há uma efervescência no debate intelectual
sobre a originalidade da literatura brasileira, dentro de um contexto maior de uma preocupação com a definição
de uma nacionalidade brasileira. Nas palavras de Roberto Ventura: “a crítica e a história literárias brasileiras
foram marcadas, até 1910, pelas noções de raça e natureza. As origens do ‘estilo’ literário eram atribuídas à
ação diferenciadora do meio ambiente ou da mistura étnica” (1991, p. 18).
Os intelectuais brasileiros do final do século XIX se depararam com todo um arsenal teórico que colocava
a “raça” como categoria essencial para a apreensão do social. É sobre essas bases que dão as discussões sobre
literatura no país. Silvio Romero, por exemplo, propõe o entendimento da nação como “resultado da progressiva
transformação das matrizes europeias pela ação do meio ou da mistura das raças” (VENTURA, 1991, p. 37). Sua
visão de arte se dá pela vinculação entre aspecto racial e cultural, definindo a cultura brasileira como
fundamentalmente mestiça, marcada pela fusão das raças. Nesta linha, a ação diferenciadora do mestiço
garantiria a autonomia diante das culturas europeias. A partir da influência de Gobineau, entendia a arte como
produto do cruzamento entre sensualidade do negro e espiritualidade do branco. O aspecto racial aparece de
forma incisiva em sua polêmica com Machado de Assis. O autor de Dom Casmurro é aqui avaliado segundo sua
origem mestiça, a qual corresponderia à falta de manejo do vocabulário e da frase. Machado, caracterizado como
tendo “índole psicológica indecisa”, segundo Romero, imitou os autores ingleses, utilizando-se da ironia, em
desacordo com a formação racial do brasileiro.
Outro grande crítico do período, Araripe Jr., critica a exclusão da influência do meio nos escritos de
Romero: “Araripe explica a diferenciação nacional a partir do impacto da natureza tropical sobre a mentalidade
europeia, ‘obnubilada’, ou seja, ofuscada pela exuberância local” (VENTURA, 1991, p. 89). Porém, em geral, sua
perspectiva vai ao encontro das ideias de Romero, enfatizando o caráter nacional como interação entre raças,
línguas, culturas e meio físico.
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Voltando-nos ao romance, percebemos que se a personagem Dr. Claudio não se utiliza do critério racial
em suas análises, bebe fortemente das mesmas fontes intelectuais darwinistas. Tais influências não se
restringem aos discursos do professor, mas estão espalhadas no romance, o que fez Mário de Andrade (1974)
vinculá-lo à escola naturalista: “é sempre aquela concepção pessimista do homem-besta, dominado pelo mal,
incapaz de vencer os seus instintos baixos – reflexo dentro da arte das doutrinas evolucionistas” (p. 184); “O
Ateneu representa um dos aspectos particulares mais altos do Naturalismo brasileiro” (p. 184).
A descrição do internato por Sérgio-personagem aponta para um problema tão levantado pelos teóricos
europeus e propagado no Brasil por médicos higienistas: o perigo do meio. O meio é caracterizado como quase
inescapável, contrabalanceando de um lado as máximas morais, o diretor e os bedéis e de outro as influências
perniciosas do ambiente:
O meio, filosofemos, é um ouriço invertido: em vez da explosão divergente dos dardos — uma convergência de pontas ao redor. Através dos embaraços pungentes cumpre descobrir o meato de passagem, ou aceitar a luta desigual da epiderme contra as puas. Em geral, prefere-se o meato (p. 36).
Uma influência perniciosa é encarnada na figura de Ângela, a empregada particular de D. Ema: vetor de
degeneração através da junção entre categorias de gênero e classe. Outra influência pode ser percebida na
narração de Sérgio. Referindo-se ao final do ensino primário, destaca o momento em que olhara pela segunda
vez um quadro dos meninos nus fraternais que lhe chamara atenção logo em sua entrada no internato:
Vestia-se ali de pureza a malícia corruptora, a ambição grosseira, a intriga, a bajulação, a covardia, a inveja, a sensualidade brejeira das caricaturas eróticas, a desconfiança selvagem da incapacidade, a emulação deprimida do despeito, a impotência, o colégio, barbaria de humanidade incipiente, sob fetichismo do Mestre, confederação de instintos em evidência, paixões, fraquezas, vergonhas... (p. 59).
Nota-se a descrição pessimista do ambiente oferecida por Sérgio. Ressalta-se a sensualidade, as paixões,
as fraquezas, as vergonhas que se materializavam nas relações homoafetivas dos próprios alunos. Seria o
internato então corruptor? É sobre este assunto que discorre a personagem Dr. Claudio em sua última palestra
presente no enredo. Esta personagem, de aguçada erudição, diverge do parecer vulgar de sua época e defende o
internato como a escola da sociedade, como o local onde se tempera o caráter, se exercita as almas no atrito
com as circunstâncias. O professor continua com um argumento que sustenta um traço congênito aos “capazes
de moralidade”: “felizes na loteria do destino. Os deserdados abatem-se” (p. 80). Continua a personagem:
no fundo a direção do caráter é invariável. A constância da bússola é uma; temos todos um norte necessário: cada um leva às costas o sobrescrito da sua fatalidade. O colégio não ilude: os caracteres exibem-se em mostrador de franqueza absoluta. O que tem de ser, é já. E tanto mais exato, que o encontro e a confusão das classes e das fortunas equipara tudo, suprimindo os enganos de aparato, que tanto complicam os aspectos da vida exterior, que no internato apagam-se no socialismo do regulamento (p. 80).
Esse traço congênito descrito por Dr. Claudio é vivificado pela personagem Franco, bode-expiatório dos
mecanismos disciplinares do colégio e das interações sociais com seus colegas. Servia de contra-exemplo para o
desempenho do colégio:
A nota do Franco, sempre má, devia seguir-se especial comentário deprimente, que a opinião esperava e ouvia com delícia, fartando-se de desprezar. Nenhum de nós como ele! E o zelo do mestre cada dia retemperava o velho anátema. Não convinha expulsar. Uma coisa destas aproveita-se como um bibelô intuitivo, explora-se como a miséria do hilota, para a lição fecunda do asco (p. 15).
Sérgio-narrador revela uma das ocasiões em que Franco estava de castigo no caminho da merenda e era
vítima de empurrões e beliscões “até que um grande, mais estouvado, fê-lo cair contra o portal, ferindo a
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cabeça. A este, Franco não respondeu; pôs-se a chorar” (p. 29). Posteriormente, Sérgio-narrador revela:
“Durante a conferência pensei no Franco. Cada uma das opiniões do professor, eu aplicava onerosamente ao
pobre eleito da desdita, pagando por trimestre o seu abandono naquela casa, alaguei do desprezo” (p. 81). Dias
depois, Franco morreu confirmando as teses fatalistas e degenerativas do professor.
No entanto, é na primeira palestra que essa personagem profere, por ocasião da inauguração do grêmio
literário, que percebemos alguns posicionamentos que apontam para outra direção do discurso darwinista. Dr.
Claudio critica o estado da arte em nosso país: “a arte significa a alegria do movimento, ou um grito de suprema
dor nas sociedades que sofrem. Entre nós, a alegria é um cadáver... Ao menos se sofrêssemos... A condição da
alma é a prostração comatosa de uma inércia mórbida” (p. 45).
A causa de nossa inércia mórbida não é a fusão das raças ou a determinação do meio, mas a instituição
do Império:
E não é o teto de brasa dos estios tropicais que nos oprime. Ah! Como é profundo o céu do nosso clima material! (...) É a obra moralizadora de um reinado longo, é o travasamento de um caráter, alargando a perder de vista a superfície moral de um império – o desmancho nauseabundo, esplanado, da tirania mole de um tirano de sebo!... (p. 45).
É interessante notar que um ano antes da publicação de O Ateneu, Pompéia
escreveu um artigo sobre o livro de Max Nordau, notório autor austro-húngaro que difundiu o conceito de
degeneração: As mentiras convencionais da nossa civilização. Nordau, no raciocínio do escritor brasileiro,
“perscruta as origens da sombria inclinação dos espíritos na época para o desesperado pessimismo, do que dão
testemunho principalmente as escolas literárias da atualidade” (POMPÉIA, 1991, p. 40). Este sintoma obscuro
“encontra a causa no desequilíbrio reinante entre o progresso espiritual e a falsidade das antiquadas instituições”
(POMPÉIA, 1991, p. 40). São as instituições ultrapassadas, como a monarquia, a causa do “desesperado
pessimismo” da literatura de seu tempo. A resenha de Pompéia termina com a conclusão do livro em sua
concepção:
Houve tempo em que se equilibraram as convicções individuais com as instituições da coletividade; o desequilíbrio reina e é insuportável. Para se obter novamente o equilíbrio só há: retrogradar, ou confiar no futuro. A volta ao passado é uma aspiração absurda. Trabalhemos pelo futuro” (POMPÉIA, 1991, p. 47).
A adesão do crítico brasileiro ao teórico estrangeiro é incondicional, conforme suas palavras: “a obra de
Max Nordau merece a consagração de um catecismo” (POMPÉIA, 1991, p. 40). A “sombria inclinação dos
espíritos da época” expressa na literatura aparece imbricada com a monarquia tanto na palestra de Dr. Claudio
quanto, fora do enredo, na resenha de Nordau. Para além de enfatizar mais uma vez a presença de uma crítica
republicana dentro do romance de Pompéia, cabe refletirmos sobre a associação entre degeneração e a
instituição ultrapassada da monarquia, como presente nos discursos supracitados. Tal relação pode ser pensada
através dos estreitos laços tecidos entre o Império e o internato no desenrolar do enredo, atravessados por uma
narrativa que expõe corrupções, o grotesco e as “imoralidades”.
Em muitos de seus escritos políticos, Pompéia ressaltou a “elevação moral” que significou o advento da
República. Em seu artigo Clamor Maligno pontua a “função de regeneração política” de Floriano Peixoto. Nesse
sentido, podemos ver a heterogênea descrição da corrupção que permeia O Ateneu como uma caracterização da
decadente ordem Imperial. A formação específica de Pompéia fez com que incorporasse a teoria hegemônica
darwinista-social e a direcionasse contra as instituições monárquicas através da mediação literária. Algo muito
corrente em seu tempo, segundo Borges. Para o historiador norte-americano, no final do Império “a retórica da
degeneração foi associada à crítica social e se manteve assim até durante os anos noventa e a primeira década
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do século XX quando a degeneração se tornou a ideologia central, quase-oficial, da República oligárquica
conservadora (1889-1930)” (2005, p. 48).
Nessa possível linha interpretativa, é fundamental ressaltar que o enredo termina com o incêndio do
Ateneu e com Aristarco abandonado por sua esposa. O internato que então simbolizaria o velho seria destruído
pelo novo, representado pelo aluno recém chegado Américo. Desta forma, temos em O Ateneu a concretização
da superioridade da arte defendida pelo professor Dr. Cláudio no enredo e, fora dele, sublinhada por Alfredo Bosi
como sua especificidade em relação aos romances contemporâneos: “o prestígio das leis férreas do darwinismo
coabita com um anarquismo sem peias, ressentido, incendiário” (1988, p. 34), sendo que o último permanece. A
obra de Pompéia não termina com a fatalidade dos princípios deterministas, mas com um incêndio,
representativo para Bosi do julgamento da civilização pela arte.
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O Poeta Romano Horácio e a Sátira Latina
Semíramis Corsi Silva Universidade Estadual Paulista (UNESP/Franca)
Centro Universitário Claretiano de Batatais (CEUCLAR) [email protected]
Resumo
O objetivo deste artigo é apresentar aspectos do gênero satírico romano clássico e aspectos da vida e da obra de Horácio, um dos maiores poetas satíricos dessa época antiga. Para tanto utilizaremos uma bibliografia sobre o tema e analisaremos trechos de poemas de Horácio. Acreditamos que para estudar características de um gênero literário, por meio de obras de um poeta em especial, é extremamente necessário conhecer sobre sua vida e sobre seu contexto histórico e meio social, o que fizemos apresentando Horácio. Escolhemos a Sátira VIII, poema do livro Sátiras, como texto especial para demonstrarmos algumas características satíricas, especialmente no que tange à intenção moralizadora da sátira neste período. Observamos como neste poema, Horácio mostra os objetivos da sátira romana: tornar risíveis aspectos sociais e morais considerados ridículos pelo poeta, como a feitiçaria, tema da sátira escolhida. Palavras-chave: Roma Antiga – Sátira Latina – Horácio. – Sátira VIII.
1 Origens, motivos e autores satíricos
O termo sátira, em latim, satura, provavelmente se originou da expressão satura lanx, espécie de
alimento composto de vários ingredientes1, por isso a palavra equivale na literatura a um gênero que misturava
vários temas e/ou formas literárias (diálogo, fábula, historieta, preceitos, métrica variada, combinação de verso
e prosa). Vem daí a proximidade etimológica entre a palavra “sátira”, gênero literário e os vocábulos “saturar” e
“saturação”, utilizados na química e na física.
Há ainda estudiosos, como Theodor Mommsen, que acreditam que o termo satura derive do grego
sátyros, referindo-se as máscaras dos Sátiros, espíritos das florestas e das colinas e que acompanhavam o deus
Dionísio (SALVATORE, 1968, p. 33).
Ao estudarmos a sátira latina deparamo-nos com a discussão em torno das origens desse gênero. Há
duas correntes de afirmação sobre a originalidade da sátira: uma que a coloca como criação dos romanos e outra
que não defende sua originalidade em relação à literatura grega. Nas Sátiras I e II, Horácio define a sátira como
criação romana com influências da comédia grega. Alguns autores acreditam que Horácio, admirador
incondicional da cultura grega, quisera dar um título de nobreza à sátira latina, ligando-a, diretamente, à
comédia grega. Defende o romano Lucílio como criador do gênero satírico, mas vê algumas semelhanças com o
teatro grego:
1 Prato cheio de produtos da colheita que os antigos itálicos ofereciam aos deuses em ação de graças. Este ritual era realizado em clima festivo, onde o sagrado se misturava com o profano. (SALVATORE, 1968, p. 30).
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Eupolis, Aristófanes, Cratino E os poetas da Comédia Antiga, Se ninguém lhes merecia ser descrito Como ladrão, malévolo, assassino, Adúltero, ou por outra causa, infame, Com a ampla liberdade o malsinavam. Após eles variando o metro apenas, A mesma propensão Lucílio teve, Faceto de sagaz e fino olfato (HORÁCIO, Sátiras, I, IV, 1 ao 9).
Nisto apraz, de modelo nisto sirva O que hão de escrito os cômicos antigos (HORÁCIO, Sátiras, I, X, 21 e 22). Pois que: quando Lucílio ousou primeiro Versejar neste gênero de escrita (HORÁCIO, Sátiras II, I, 94 e 95).
Especialistas defendem que a sátira latina teve influências das diatribes gregas, pregações populares de
filosofia em forma de monólogo, nas quais o pregador, em praça pública, expõe princípios de filosofia moral em
uma linguagem familiar e simples. De acordo com Salvatore (1968, p. 14), as influências da literatura moral,
filosófico-moralizante grega sobre a sátira latina são claras quando evidenciamos que os romanos não tiveram
uma filosofia própria.
Mas não é apenas de elementos filosófico-morais que se constitui o gênero satírico, há uma verdadeira
exposição dos costumes da sociedade de cada escritor. Desta forma, a sátira já se constitui de uma originalidade
peculiar, sendo diferente em cada sociedade e período em que aparece, pois retrata a vida e vícios de sua
época, utilizando temas, motivos e formas de expressão próprias do período em for escrita.
O motivo da discussão em torno das origens satíricas vem do costume em reconhecer influências gregas
em toda arte literária romana, porém na sátira, em absoluto, não podemos reconhecer imitações no que se
refere ao tema. Como já foi exposto, a sátira tem o cotidiano de seu autor como inspiração.
Assim, os motivos da sátira são resultado da observação dos vícios e distorções sociais, com discussões
de caráter moralizante. Ao censurar defeitos, a sátira mostrava os vícios que, segundo seus autores, estariam
colocando em risco o patrimônio ético que estruturava a sociedade, característica também peculiar à comédia
grega.
Qualquer obra de caráter satírico apresenta o caráter moralizante impregnado em sua composição,
voltado para a censura de padrões de comportamento que contrariam os valores aceitos pela sociedade ou por
grupos específicos desta, comportamentos que o satírico considerava marginais e desviantes. O escritor satírico
demonstra como deve ser a sociedade de acordo com a representação dos comportamentos desviantes em
situações de ridículo.
Podemos encontrar entre os satíricos, como em Horácio, uma verdadeira apologia aos costumes
ancestrais, pautados na tradição; mas há também, segundo Silva (1995, p. 73), os autores que contestaram a
ordem e os costumes vigentes, formulando novas formas de decência a serem seguidas.
Entre os escritores do período de passagem da República para o Império, não apenas satíricos, houve
uma forte reação contra os costumes helênicos introduzidos no mundo romano por meio das conquistas. Esses
autores viam, nas influências gregas, uma corrupção aos costumes que levaria fatalmente à quebra do mos
maiorum, os costumes ancestrais, como podemos perceber nos versos de Horácio abaixo:
Se perguntas porque, sem modo absorve Dos pais e dos avós a ilustre herança. (Horácio, Sátiras, I, II, 11 e 12).
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Lucílio2, o primeiro poeta propriamente satírico, já percebia esse “perigo” à moral romana. Lucílio,
membro de família abastada, viveu no século II a.C. (108-102 a. C), com ele fixou-se, definitivamente, a poesia
satírica. Adotando em suas primeiras sátiras diferentes metros poéticos, acabou fixando o hexâmetro, e desde
então, este tipo de verso caracteriza esta modalidade poética. (HARVEY, 1998, p. 314).
Outros autores satíricos romanos de destaque são: Horácio (65-8 a.C.), Marcial (40-104 d.C.) e Juvenal
(pouco se tem certeza sobre a vida desse poeta, que parece ter nascido entre 60-70 d.C. e escrito entre 92 e
128 d.C.).
Podemos destacar os seguintes motivos de crítica dos satíricos: crítica literária, crítica filosófico-moral,
crítica religiosa, crítica social e crítica dos costumes.
A sátira literária critica os longos poemas épico-trágicos e as poesias sobre assuntos mitológicos,
pregando uma poesia mais realista, própria do seu momento histórico. No campo da filosofia há uma busca por
equilíbrio, pelo meio termo sem excessos e bom senso (aurea mediocritas, meio termo dourado aristotélico).
Quem preza a áurea mediana, evita De um velho teto a sordidez seguro; Evita sóbrio majestoso paços, Alvo da inveja (Horácio, Odes, II, VII, 5 ao 8). Entre Tanais e o sogro do Viselo Há grão discrime: há certo modo em tudo: Há certas raias entre as quais consiste, Nem mais cá, nem mais lá, o justo acerto (Horácio, Sátiras, I, I, 138 ao 141).
Em matéria religiosa, as sátiras desse período banalizam o fanatismo dos ritos orientais introduzidos em
Roma com a expansão territorial. Tais poemas visam ao fim das superstições, definindo essas práticas sempre
como algo estrangeiro, oriental e não romano. Também as práticas de magia não escapam da observação dos
satíricos3. Criticam as súplicas religiosas e a adoração de imagens e estátuas, alguns autores consideraram a
mitologia pagã ridícula e fazem dela, também alvo de suas críticas.
Na sátira social, na qual o conservadorismo é mais explícito, vemos a crítica ao luxo e a nobreza na
virtude humana, como mostramos nos versos a seguir:
Marfim, nem atalho teto de ouro Em minha casa brilham; nem cortadas De África extrema os arquitraves pesam Sobre Himecias colunas (Horácio, Odes II, XVI, 1 ao 4). Ouse enfrear, famosos entre os vindouros Já que nós, ó maldade! Aborrecemos Viva a virtude, e quando a já não temos, Buscamo-la invejosos (Horacio, Odes, III, XIX, 29 ao 32). Virtude é fugir dos vícios torpe (Horácio, Epístolas, I, I, 59).
No âmbito da sátira moral, vemos aparecer motivos como o adultério, a avareza, a inconstância, os
costumes exóticos, etc. Os autores procuram, com isto, encontrar os verdadeiros bons valores na austeridade
antiga, na recuperação da tradição.
2 As primeiras sátiras latinas que temos notícia são atribuídas a Ênio e a Pacúvio, mas estas possuem um conteúdo, considerados pelos latinistas especialistas no assunto, moral insignificante, cabendo a Lucílio o título de primeiro satírico na definição exata do termo. 3 Cumpre ressaltar que havia dois tipos de magia em Roma: uma negativa e charlatã e uma incorporada no ritual dos deuses e positiva. A magia romana considerada nefasta era punida por leis e, em geral, as representações literárias sempre as trazem como prática feminina e errada. Mais informações sobre o assunto ver SILVA, Semíramis Corsi. A imagem da mulher feiticeira como expressão da diferença de gênero em Roma: os poemas de Horácio e Ovídio, Klepsidra, n. 27, 2006. Disponível em: http://www.klepsidra.net/klepsidra27/feiticaria.htm. Acesso em: 28/06/2010.
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As formas que se darão essas críticas, mais mordaz, mais severas ou de maneira mais branda, e seu
próprio conteúdo, variaram de acordo com o estilo de cada autor. Sabemos por meio de uma poesia de Horácio,
que houve uma lei, supostamente parte da Lei das Doze Tábuas, intitulada de Lex mala carmina, que punia
aqueles que proferiam carmens (versos) de ataque aos seus concidadãos:
A ignorância da lei - sabe que há penas E ação, contra o que ataca em maus poemas, Os seus concidadãos. (HORÁCIO, Sátiras, II, I, 118 ao 120).
Porém, mesmo sob penalidades estabelecidas por lei, o povo romano nunca deixou de rir dos defeitos e
vícios alheios, e segundo Salvatore (1968, p, 36), esse espírito sarcástico dos satíricos fora encontrado também
em outros estilos literários romanos, perpetuando no tempo e encontrando espaço em diferentes períodos.
Como pudemos perceber, Horácio foi um dos mais importantes poetas romanos satíricos,
apresentaremos a seguir alguns aspectos sobre sua vida e sua obra. Acreditamos que ao trabalhar com a
documentação literária para compreensão histórica, faz-se fundamental entender quem é o autor estudado,
aspectos de sua biografia e formação intelectual, além de sua inserção político-social no contexto analisado.
2 A vida de Horácio
Quinto Horácio Flaco (L. Quintus Horatius Flacus) foi um dos poetas romanos mais conhecidos,
classificado como um dos primeiros líricos e notável satírico. Nasceu em oito de dezembro do ano de 65 a.C., na
cidade de Venúsia4, na Apúlia (sul da Península Itálica), colônia latina que se juntara à rebelião de 90 a.C. e
ganhara, então, o direito de cidadania para seus habitantes.
Quero segui-lo, incerto se da Apulia Ou da Lucania sou: pois que o colono Venusino entre as duas terras lavra; (HORÁCIO, Sátiras, II, I, 53 ao 55). Sendo eu menino no Apulhez Volturo Fora das raias da natal Apulia, Lasso sono, e brincos me cobriram As fabulosas pombas (HORÁCIO, Odes, III, IV, 9 ao 12).
Segundo conjeturas, o nome de Horácio foi tirado por seu pai da tribo horaciana, que incluía a Venúsia.
Seu pai, um antigo escravo liberto, era coator exactium, coletor de pagamentos em leilões, e adquirira uma
pequena propriedade, tendo proporcionado ao filho a melhor educação da época. O poeta estudou primeiro em
Roma, com um mestre chamado Obílio; depois em Atenas, como era de costume entre os jovens de famílias
nobres. Horácio tratou com grande orgulho do pai, em seus poemas, cita sempre a educação que este lhe deu,
não mostrando nenhuma vergonha de ser filho de um liberto. Nunca fala da mãe, que provavelmente não
conheceu.
Costume tal a um pai óptimo o devo; Os vícios com exemplo me afeava Por que deles fugisse horrorizado Se me enxortava a ser frugal esparco, Satisfeito com os bens que dele herdasse (HORÁCIO, Sátiras I, IV, 146-150). E a meus amigos, caro, a um pai o devo, Que não quis, com seu pobre estéril campo, De Flávio professor mandar-me à escola, Onde iam filhos de centúrios altos (...)
4 A atual Venúsia (Venosa), que recebeu este nome por ser dedicada à Deusa Vênus, é uma pequena cidade situada na província de Potenza. Suas ruínas mostram traços de sua antiga grandeza, onde se encontra lápides com inscrições dos tempos romanos, as quais foram transcritas pelo célebre historiador Mommsen. Uma das antigas casas é conhecida como a casa de Horácio, estando em estado relativamente bem conservado. (GRANATO, 1935, p. 10, 11).
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Mas antes, desde minha tenra idade, Ousou levar-me a Roma, onde aprendesse As artes, em que instrui seus próprios filhos O Cavaleiro, o Senador. Quem visse. (HORÁCIO, Sátiras, I, VI, 92 ao 95 e 98 ao 101). Nem por isso, Mecenas, que em nobreza... Olhava para os somenos, como eu, filho De um pai que escravo fora: e quando afirmas Que nada importa o nascimento o probo (HORÁCIO, Sátiras, I, VI, 1, 8, 9, 10). Da senatoria lista me riscara Porque de livres pais não fui nascido. (HORÁCIO, Sátiras, I, VI, 27 e 28).
Passou sua infância na pequena propriedade agrícola do pai, não muito distante de sua cidade natal.
Esse período que viveu no campo lhe rendeu uma grande paixão pela vida em meio à natureza e cantou com
saudade estes tempos felizes em seus poemas
Com o início da guerra civil, após o assassinato de Júlio César, nos idos de março de 44 a.C., Horácio,
que estava na Grécia, foi comissionado para um alto cargo de tribuno militar no exército de Bruto e Cássio5. Mas
como o poeta não era envolvido com assuntos de guerra, fugiu ao pressentir uma derrota durante a batalha
decisiva em Filipos, na Macedônia, em 42 a.C.
Em 40 a.C., voltou para Roma beneficiando-se da anistia concedida aos vencidos, porém perdeu seus
bens confiscados pelos vencedores da guerra. Neste momento seu pai já havia morrido. Para sobreviver
trabalhou como escritor de um questor e escritor de poemas. É nessa fase que se encantada pela poesia, a
reconhecendo-a como irreversível em sua vida.
No ano de 39 a.C., é apresentado a Mecenas6 pelos amigos, e também poetas, Virgílio e Vário. Horácio
descreveu o primeiro contato entre os dois como insensível e rápido e cita que insistiu em mostrar sua origem
humilde de filho de um liberto. Nove meses depois do primeiro encontro, Horácio foi convidado para fazer parte
do círculo de poetas de Augusto7.
Como é de costume teu; e enfim me ausento Chama-me findo nono mês, e ordenas Que na lista dos teus meu nome inscreva. Tive em muito agradar-te, pois que estremas Do torpe honesto, não alta origem, Mas sim por inculpável peito e vida (HORÁCIO, Sátiras, I, VI, 80 ao 85).
A partir de então, Horácio começou a relacionar-se com Mecenas em uma grande amizade que durou
trinta anos, até a morte de ambos. Horácio, que tanto estimava o amigo, lhe dedica grande parte de seus
poemas, deixando para a posteridade traços da amizade e da personalidade do ministro das artes romanas.
Nem dizer posso, que de um fausto acaso Hei sorteado tão distinto amigo; Não, não te devo a sorte! O bom Virgílio; E depois Vário me abonou contigo (HORÁCIO, Sátiras, I, VI, 71 ao 74).
5 Os generais Bruto e Cássio lutaram contra Otávio, o futuro Augusto. Mais tarde Horácio, do lado de Augusto, se arrependerá desse momento em sua vida, reconhecendo a superioridade de Otávio. Na Epístola II, II, o poeta faz uma autocrítica dessa sua antiga posição. 6 Ministro das letras e das artes do governo do Imperador Augusto, amigo desse imperador e futuro amigo e patrocinador de Horácio. 7 Augusto foi o primeiro imperador romano, governou de (27 a.C. até 14 d.C.). A admissão de Horácio entre os poetas de Augusto reflete a colocação de Géza Alföldy (1989, p. 130) de que a ascensão social em Roma não se dava por questões econômicas especificamente, mas por uma relação direta, a amicitia, com o Imperador. Horácio guardava consigo a mácula de um filho de liberto, porém sua capacidade pessoal despertou o interesse do Imperador e o levou a ser admitido entre as altas ordens dos romanos. Alföldy cita o exemplo de Trimalquio, personagem da obra Satiricon de Petrônio, um liberto que, apesar de enriquecido, não ascendeu socialmente devido seu passado escravo.
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Eu que devo fazer, que só contigo Posso prezar a vida (Sem ti me é grave a vida, e doce a morte) (HORÁCIO, Épodos, I, 7 ao 9).
Por intermédio de Mecenas, conheceu Augusto, que lhe ofereceu o cargo de seu secretário pessoal,
sendo este, porém, recusado pelo poeta. Para oferecer liberdade e independência a Horácio, em 33 a.C.,
Mecenas e Augusto lhe presentearam com a propriedade agrícola na Sabina, região próxima de Roma,
proporcionando-lhe o retorno a suas origens campestres. Essa chácara foi a grande fonte de inspiração do poeta,
onde ele se retirava em descanso para compor seus versos, como testemunha a seguir:
Assaz feliz só com a Sabina herdade (Horácio, Odes, II, XV, 13).
Horácio também dedicou grande amizade aos demais poetas augustanos, característica desse círculo,
que, além de trabalharem juntos eram grandes amigos. Foi amigo de Virgílio, a quem já havia conhecido antes
mesmo de fazer parte dos poetas da corte. Alguns de seus poemas são dedicados ao amigo poeta, em outros
tantos cita Virgílio.
Na saudade de tão querido amigo Que pejo ou termo pode haver? Ordena Tristes cantos, Melpomene, que o Padre Deu-te a voz doce e lira (HORÁCIO, Odes, I, XXII, 1 ao 4).
A última fase de sua vida decorreu tranquilamente, consagrando-se à elaboração de sua obra e aos
amigos que o visitavam em seu retiro campestre. Horácio morreu em 8 a.C., aos cinqüenta e sete anos, poucos
meses depois de Mecenas, sem nunca ter se casado. O biógrafo Suetônio o descreveu como baixo e gordo,
alguns autores o pintaram como tímido, austero e generoso. Horácio se retratou como um homem precoce
(HARVEY, 1998, p. 281).
3 A obra de Horácio
O poeta lírico-satírico Horácio voltou suas preocupações para questões morais, políticas e nacionais,
recusando-se a escrever poemas épicos, que celebrassem os feitos militares dos grandes homens. Horácio não
aceitou escrever épicos alegando não sentir prazer em cantar a guerra, porém cantou os feitos de Augusto em
frequentes homenagens por toda sua obra, sempre à sua maneira8.
Horácio encontrou nos líricos gregos modelos métricos para sua poesia lírica, buscando inspiração nos
eólicos Safo, Alceu, Arquíloco e Anacreonte. Mas seu lirismo era bastante individual. Seus temas mais comuns
foram o amor, a amizade, o vinho e a festa. Esses temas não estão de acordo com o que procurava o
Imperador, mas, conforme nos indica Pierre Grimal (1992, p. 67), são variações da alegria de viver, que só
tornou possível com o estabelecimento da paz romana proporcionada pelo fim das guerras civis. Assim, Horácio
reconhecia Augusto como um salvador, um verdadeiro representante do mundo divino na terra, com ele a festa
podia ser uma constante no cotidiano dos romanos.
Declarando-se apaixonado pela vida campestre, Horácio colocou a natureza como o lugar de refúgio para
a alma humana, louvou o campo de tal maneira que acabou se constituindo uma das fontes para o bucolismo
ocidental.
Um espaço de campo, não tão vasto”, Com seu vergel, perene e pura fonte Junto de casa um pequeno bosque [...] Eis o que anelei sempre (HORÁCIO, Sátiras, II, VI, 1 ao 4).
8 Alguns autores apontam o fato de Horácio recusar escrever épicos e assumir o cargo de secretário de Augusto, oferecido a Horácio por Augusto, como característica da liberdade que os poetas do círculo augustano tinham.
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E só ditoso aquele, que afastado Do entrépido do mundo Frugal, com seus próprios bois cultiva o campo Que de seus pais herdara, Livre de torpe lucro: assim viveram Os primeiros humanos O som medonho da guerreira tuba, Jamais o sobressalta (HORÁCIO, Épodo II, 1 ao 8).
Horácio se consagrou como poeta da festa e da busca da felicidade. Para ele, o prazer de estar com os
amigos é celebrado na festa e sendo o vinho um elemento fundamental da festa, Horácio o honrava em seus
versos. É no momento do festim que se cultivam, pelo poder do vinho, todos os valores humanos que integram a
visão de mundo do poeta: o amor, a amizade, a conversa, a dança, a música. (TRIGALI, 1995, p. 20).
Tenho de albano vinho um tonel cheio, Que nove anos excede; tenho, ó Filis, No jardim aipo, com que teça c’roas; Tenho grã cópia de era (HORÁCIO, Odes, IV, X, 1 ao 4). E, quando poderei feliz Mecenas (Assim aprouve Jove) Sob altos tetos celebrar contigo Os triunfos de César, Bebendo do bom cécubo guardado Para festivos dias? (HORÁCIO, Épodo IX, 1 ao 6).
No trecho abaixo Horácio descreve o movimento de empregadas domésticas ao arrumar sua casa em um
dia de festa:
Toda a turba se apressa; moços e moças, Juntos daqui e dali andam correndo; E tremulam as chamas ondendo Sórdido fumo ao teto (HORÁCIO, Odes, IV, X, 9 ao 12).
É de Horácio, também, o ideal do carpe diem, aproveite o dia, que era para o poeta a essência da
felicidade de viver: aproveitar cada dia como se fosse o dia supremo e assim, aproveitar toda a vida, já que a
morte é certa e não podemos prever o seu momento.
Caros, doces amigos Aproveite o dia enquanto a idade É forte, e vigorosa (HORÁCIO, Épodos, XII, 6 ao 8).
Em relação à filosofia, o poeta não se comprometeu com nenhuma corrente de pensamento9. Os
princípios morais que nortearam sua obra seguiam duas linhas específicas: a primeira, de origem estoicista,
levava o poeta agir sempre de modo a não se arrepender, privando-se de tudo que lhe pudesse causar mal à
saúde. A segunda linha procurava encontrar uma medida em todas as coisas, o meio termo dourado, de origem
aristotélica, que o levava a viver uma vida sem excessos.
Para o epicurista, a felicidade está no prazer, para o estoicista nas virtudes. Horácio vê na virtude um
meio para se atingir a felicidade, o prazer para ele é proporcionado pelo festim com os amigos ao redor do vinho.
(TRIGALI, 1995, p. 37).
No âmbito religioso, o poeta citou Júpiter como o deus supremo que regia o mundo por meio de
divindades menores. Mostrou-se crente no poder da oração e da liturgia, porém ridicularizou os excessos.
9 Segundo G. Perrota (Apud SALVATORE, 1968, p. 84), o carpe diem de Horácio não pode ser filiado ao Epicurismo por ser uma rápida expressão de prazer, de presença constante em sua poesia, antes de ser uma proposta filosófica.
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Recordava passagens de sua vida em que foi auxiliado por forças sobrenaturais, como na batalha de Filipos, e
um prodígio que aconteceu quando era garoto.
Desce do céu, Calíope, rainha, Eia com a flauta um longo canto entoa; Ou se ora apraz, com a voz aguda, ou a lira, Ou cítara de Apolo Ouvis? Me ilude acaso amável estro? Parece-me que eu ouço, e que divago Pelos sagrados lucos, que as amenas Águas e as auras cursam. Sendo eu menino no Apulhez Volturo Fora das raias da natal Apulia, Lasso de sono, e brincos e cobriam As fabulosas pombas (HORÁCIO, Odes, III, IV, 1 ao 12).
Horácio escreveu suas poesias em dois gêneros propriamente: um satírico, outro lírico. Porém, em suas
poesias de cunho satírico, vemos aparecer muito de seu lirismo individual e subjetivo. Dessa forma, geralmente
divide-se sua obra em dois momentos: um lírico-satírico, outro lírico propriamente. No primeiro momento, ele
escreveu o Livro dos Épodos, compostos entre 41 e 35 a.C., e as Sátiras, compostas entre 35 e 30 a.C. No
segundo momento, Horácio penetrou mais profundamente na sensibilidade humana, demonstra todo seu amor à
natureza e escreve as Odes, escritas entre 30 e 26 a.C., com exceção do quarto livro que é composto em 13 a.C.
O Carmem Saeculare é composto no ano de 17 a.C. e as Epístolas, entre 20 e 15 a.C.
O livro dos Épodos, constituído de 17 poemas lírico-satíricos, apresenta versos longos seguidos de outros
mais curtos, inspirados no poeta grego Arquíloco, criador do verso iâmbico. Esses poemas refletem de um lado
Horácio crítico, agressivo e até mesmo violento, desiludido com as perdas da guerra civil, de outro lado, refletem
um poeta que ama o campo e a amizade.
Nas Sátiras, Horácio mostrou sua preocupação moral, um amadurecimento literário e, talvez por já estar
sob proteção de Augusto na época que escreveu poemas no gênero satírico, não demonstrou nenhuma
preocupação financeira. Toda sua perspicaz crítica foi desenvolvida em dezoito sátiras, escritas em hexâmetros e
divididas em dois livros, contendo o primeiro dez poemas e o segundo os oito restantes.
Nas Odes, expressou seu lirismo em uma métrica variada. Segundo o próprio poeta, são seus principais
versos e os que o firmaram como poeta romano. Esses poemas tratam de eventos de sua própria vida, a
tranqüilidade advinda da pax augustana, as alegrias do campo e das festividades.
O Carmem Saeculare se constitui de uma ode em que o poeta canta a grandeza de Roma, oferecendo
homenagens aos deuses e lembrando a descendência heróica e divina de Augusto, através do herói Enéas, filho
de Vênus e Anquises. O poema escrito para celebrar os Jogos Seculares pode ser comparado a uma oração,
sendo escrito em tom da invocação habitual entre os romanos (GRIMAL, 1992, p. 68).
Nas epístolas, Horácio voltou a trabalhar a questão moral que norteia seu pensamento. Essa obra
consiste em cartas que procuram transmitir ensinamentos filosóficos e literários em geral, mostrando o auge da
maturidade intelectual do poeta. O primeiro livro é composto de vinte Epístolas, o segundo de duas, sendo a
Epístola endereçada aos Pisões - A Arte Poética (Ars Poética), a mais famosa delas. Esta poesia busca mostrar
aos Pisões a dificuldade do verdadeiro poeta em vencer, exercendo grande influência em todos os tempos, sendo
a obra mais impressa na Antiguidade e Idade média depois da Bíblia (SOUZA, s.d., p. 208).
A importância de Horácio para os romanos, entre outras questões, está na invenção da Epístola como
gênero literário, na introdução do Épodo e da Ode em Roma e na renovação do gênero satírico, mostrando sua
versatilidade e originalidade em todos os gêneros que escreveu. Para cada espécie de sentimento, que buscou
passar, usou uma métrica diferente, dando provas de toda sua autenticidade e criatividade.
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A influência horaciana pode ser sentida por quase toda poesia inglesa. Além disso, Horácio deixou vários
motivos literários conhecidos da poesia ocidental como o carpe diem e o bucolismo (HARVEY, 1998, p. 281). Sua
poesia serviu de inspiração para os poetas árcades brasileiros, como Tomás Antônio Gonzaga, Silva Alvarenga e
Cláudio Manuel da Costa, estes procuraram escrever sobre a natureza bucólica e fuga da cidade (fugere urbem),
o carpe diem, e a aurea mediocritas, temas celebrados na poesia de Horácio.
Neste momento, analisaremos um poema de Horácio mais especificamente e perceber seus sentimentos
e gostos.
4 A Sátira Horaciana: uma análise da Sátira VIII
O poema escolhido para análise é a Sátira VIII, conhecida como Refere-se Priapo às feiticeiras Canídia e
Sagana ou O Deus Priapo contra as feiticeiras Canídia e Sagana. A escolha de tal poema advém do fato de ele
ser considerado pelos críticos da obra de Horácio como a sátira de caráter mais agressivo escrita pelo poeta. Por
esse motivo voltaremos nossa atenção agora para a compreensão do tema e do tom desse poema.
No poema, Horácio descreve um tronco de figueira no qual foi esculpida a figura do Deus Priapo,
assistindo à cena que a conhecida Canídia, feiticeira que já havia aparecido também nos Épodos, e sua
companheira Sagana procedem de encantamentos e de magias.
Diferente do Épodo V, poema em que Canídia protagoniza outro ritual mágico, a Sátira VIII não
apresenta um tom trágico e sim um humor satírico. O local do ritual é o Esquilino, antigo cemitério de escravos e
pobres que Mecenas transformou em um grande jardim10. Quem descreve toda cena é o indignado espantalho de
madeira, imagem do Deus Priapo.
Fui tronco de figueira, inútil cepo! E esteve o carpinteiro quase a ponto De fabricar de mim pobre escabelo: Enfim quis-me antes Deus: e feito Nume, Eis-me aqui de aves e ladrões espanto: Coa destra, e com meu símbolo potente, Estes atemorizo, e no topete Pregada cana os pássaros enxota, E dos novos jardins lhes tolhe o pouso. Aqui o escravo outrora, em vil esquife, Dos companheiros seus trazia os corpos, Dos estreitos beliches arrojados: Da triste plebe era o comum jazigo. (HORÁCIO, Sátiras, I, VIII, 1 ao 13).
Horácio descreve o que elas vão buscar no cemitério: ossos e plantas maléficas. Priapo também descreve
o horário: a noite, quando a lua mostra sua argêntea face.
Não são ladrões ou feras avessadas A vexar estes sítios, mas aquelas Que com seus versos e peçonhas turvam Os humanos espíritos – Não posso Dar cabo delas, Ou fazer que deixem Daqui vir recolher mirrados ossos E maléficas plantas, mal que a Lua Vaga descobre a sua argêntea face. (HORÁCIO, Sátiras I, VIII, 25 ao 32).
As feiticeiras encontram em um grande estado de agitação, elas escavam a terra com as unhas e rasgam
um cordeiro com os dentes, um gesto sem dúvida ritual, mas que implica em uma profunda agitação. Segundo
Tupet (1976, p. 293), as feiticeiras da Antiguidade Clássica conheciam as propriedades de drogas tóxicas de 10 Essa informação acerca do Esquilino nos foi fornecida através do Prefácio da obra Sátiras de Horácio (1952, p. X), escrito por João Batista Melo e Souza. De acordo com o Prefácio da edição das Obras Completas de Horácio (1941, p. 15), escrito por José Pérez, o Esquilino ainda existia e não havia sido demolido por Mecenas, é neste cemitério que o próprio Mecenas será enterrado, mais tarde Horácio se juntou ao amigo sendo enterrado no mesmo túmulo.
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Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 46
origem vegetal, o uso destas drogas poderia ser a causa desse estado de transe e da movimentação rápida
durante os rituais mostrado nos poemas.
Tal representação, mais do que uma fantasia do poeta, poderia reproduzir uma realidade da feitiçaria
antiga. Também na Écloga VIII, de Virgílio, pode ser notado este estado de agitação da feiticeira. Tupet (1976,
p. 301) acrescenta que este é um gesto ritual comum, praticado pelas bacantes que usavam vinho para entrar
em êxtase. As drogas, o haxixe em especial, eram absorvidas como poções, fumo ou ungüentos.
Horácio mostra Canídia com os cabelos soltos e em desordem, o que talvez fosse uma forma usada pelo
poeta para lhe conferir um aspecto engraçado e passível de riso e desdém, característica ímpar do gênero
satírico. Seus trajes são reconstruídos pelas indicações do poeta: Canídia usa uma longa toga preta e tem os pés
descalços, o que nos leva já em Horácio, a notar um estereótipo comum às representações de feiticeiras que
dura até os dias atuais.
Eu mesmo vi Canídia - solta a grenha, Nus os pés, sobraçada a negra toga. (HORÁCIO, Sátiras, I, VIII, 33 e 34).
Horácio demonstra a palidez das feiticeiras e o uivo que elas emitem, o que poderia denotar uma
identificação dessas feiticeiras com os cães que acompanham as representações de Hécate, deusa romana da
magia. Elas rasgam o cordeiro com os próprios dentes e usam o sangue, jogado nas antigas fossas, para atrais
os manes. Nesse momento, Horácio se refere à verdadeira intenção do ritual: interrogar a alma dos mortos, um
rito de necromancia. Mas, mais do que apenas interrogar os mortos, elas querem seu auxílio em um ritual. O
cordeiro sacrificado poderia ser uma forma de atrair os manes ou de agradecer a eles pela ajuda.
Com a velha Sagana errar uivando: Dava-lhe palidez hediondo aspecto: Entram a esgravatar o chão coas unhas; Rasgam c’os dentes negra cordeirinha; Derramam sobre a cova o quente sangue, Para ali os Manes atraídos, Aos nefandos conjuros lhes respondam. (HORÁCIO, Sátiras, I, VIII, 35 ao 41).
Em seguida, vemos um rito consagrado na magia de todos os tempos que é o uso de figuras com a
finalidade de representar o que se quer atingir. As feiticeiras trazem duas estátuas, uma de cera e outra de lã,
objetos que nos remetem à Lei da Similaridade estabelecida pelo antropólogo inglês James Frazer – imagem e
objeto semelhante que serve para sua representação. A cera tem uma maior recorrência nesse tipo de operação,
vemos mais referências a esse material nas descrições mágicas em diversas obras, mas a lã é um elemento
novo, pouco conhecido.
De acordo com J. Pley (apud, TUPET, 1976, p. 303), a lã seria usada em práticas mágicas com valores
medicinais, religiosos e mágicos por fornecer o material para as bandagens empregadas em curativos, estando
associada ao desatar de magias. Esta representação nos faria supor que o rito descrito nessa Sátira seria um
ritual que busca desfazer uma magia. Horácio não descreve, como faz no Épodo V, a vítima da magia, nos
permitindo levantar várias suposições, podendo este rito ser de magia amorosa ou vingativa. O fato é que a
figura de lã se mostra superior podendo representar Canídia ou a pessoa que quer desatar uma magia e a de
cera, amedrontada, a pessoa que se quer atingir, o feitor do outro ritual. Mas a feitiçaria também poderia ser
para Sagana ou para alguém que contratou o serviço das feiticeiras. Ao evocar a fúria Tisífone, a magia pode
demonstrar ter um valor de vingança, assim o boneco de cera representa o suplicante temeroso, vítima da
feiticeira representada no boneco de lã. Tanto a magia vingativa quanto a amorosa foram comuns em Roma,
como demonstram os defixios, plaquetas de chumbo com imprecações mágicas encontradas em antigas
encruzilhadas e santuários pelos arqueólogos.
Traziam dois bonecos, um de cera
O Poeta Romano Horácio e a Sátira Latina
Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 47
E outro e lã, que, mais avantajado, Castigar o inf’rior ameaçava. Estava humilde e súplice o de cera, Como que com servis e duros tratos, Mui brevemente parecer temia: Por Hécate uma brada; a outra invoca A feroce Tisífone: do Averno As cadelas, e horríficas serpentes Viras então vagar: vermelha a Lua, Por tal não ver, cós túmulos se esconde. (HORÁCIO, Sátiras I, VIII, 42 ao 52).
Canídia chama por Hécate, Sagana invoca Tisífone. O nome de Tisífone, de criação alexandrina, estaria
relacionado a um “castigo mortífero”. As feiticeiras soltam um grito e se preparam para enterrar a barba de um
lobo e dentes de víbora. Esse rito parece neutralizar os efeitos dos encantamentos adversos preparados por
feiticeiras mais poderosas contra possíveis ataques dos mortos.
Soltam agudo, lúgubre alarido: Como a furto no chão de loba a barba, E o dente de manchada cobra escondem: De que sorte pegou na Cérea imagem Mais vivo lume; e de horror me encheram, Não sem vingança, os brados e feitiços Daquelas bruxas: pois que, abrindo as nalgas (HORÁCIO, Sátiras, I, VIII, 60 ao 66).
Nesse momento o espantalho do Deus Priapo não agüenta mais ver a cena e emite terríveis sonidos com
os quais coloca em fuga as duas feiticeiras.
O tronco me estalou, bem como estala Disparada bexiga. Ei-las em fuga Para a cidade; e não sem grande riso E grande zombaria, cair viras Os dentes a Canídia, e à vil Sagana A levantada cabeleira, as ervas, E dos braços os vínculos do encanto. (HORÁCIO, Sátiras, I, VIII, 67 ao 73).
Nos versos acima vemos uma descrição cômica e satírica das feiticeiras, o que lhes expõe ao ridículo.
Canídia perde os dentes e Sagana, de cabelos arrepiados, deixa as ervas que recolheu no cemitério cair dos
braços.
Portanto, a intenção dessa sátira parece ser a grande intenção que motivava a sátira romana antiga,
como percebemos no começo deste artigo, criticar um costume que para o poeta não era aceito (a prática de
magia) de forma risível e cômica. Nessa perspectiva, Horácio por ser um poeta satírico, apresenta a feiticeira
como uma figura pitoresca, sua clareza de detalhes reflete um aspecto engraçado e, ao mesmo tempo doloroso
da feitiçaria, sendo este poema uma sátira religiosa.
Entendemos ainda que as sátiras, como esta, eram formas de Horácio demonstrar preocupações comuns
da transição República-Império, preocupações com a moral do romano atingida pelas influências estrangeiras,
manutenção das tradições e do mos maiorum (costumes dos ancestrais) e reconhecimento de uma identidade do
romano, colocando sempre a magia como algo estrangeiro e ruim. Assim, a magia estaria como a cobiça, a
avareza, o adultério, temas também criticados por Horácio, difundida no período e colocando em risco o
patrimônio ético sobre o qual se estrutura a sociedade romana e que se precisava manter.
5 Considerações Finais
Em síntese, a sátira latina usava o cotidiano de seus autores como temática, além disso, esteve
intimamente relacionada com o contexto histórico de sua produção e com as preocupações morais, passíveis de
riso e repúdio, do mesmo. Para compreender melhor essa afirmação tomamos o poeta Horácio, importante
O Poeta Romano Horácio e a Sátira Latina
Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 48
satírico do início do Império Romano, como exemplo. Foi fundamental que analisássemos o contexto em que
Horácio viveu, sua formação, meio social e, assim, temas de seu interesse.
Notamos que, na época de Horácio, muitas foram as preocupações da elite, sua camada social, em
relação à moralização de Roma, o que fica claramente refletido em suas sátiras. Além disso, Horácio esteve
diretamente ligado ao círculo de poetas em torno do Imperador Augusto, primeiro imperador romano e político
de grandes preocupações com aspectos da moral romana, já que os mesmos passavam por mudanças devido
aos contatos com outras culturas. Assim, esse imperador buscou meios de defender os costumes ancestrais por
meio da divulgação de poemas, criação de jogos, obras arquitetônicas e especialmente leis, tendo ao seu lado
estiveram artistas e intelectuais da elite romana que compactuavam com seu pensamento e medidas.
É nesse sentido que vemos na Sátira VIII, objeto especial de nossa análise para compreensão da ligação
da sátira latina na obra de Horácio e a moralização do período, já que a ela trata de um tema repudiado pelos
romanos, a feitiçaria, demonstrada como prática feminina em tom risível, ou seja, digna de riso e fora do
universo masculino dos leitores de poemas no período de Horácio.
6 Referências bibliográficas ALFÖLDY, Géza. A História Social de Roma. Tradução de Maria do Carmo Cary. Lisboa: Editora presença, 1989.
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GRIMAL, Pierre. O século de Augusto. Lisboa: Edições 70. Lugar da História, 1992.
HARVEY, Paul. Dicionário Oxford de literatura Clássica grega e latina. Tradução de Mario da Gama Kury. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1998.
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__________. Sátiras. Tradução de Antônio Luís Seabra. São Paulo: Jackson Editores – Clássicos Jackson, vol. IV. 1952.
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TUPET, Anne-Marie. La magie dans la poesie latine. Des origines à la fin du régne d’Auguste. Vol. 01. Paris: Les Belles Lettres, 1976.
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Desvendando as Redes Sociais: O Papel das Redes Sociais Como Ferramenta da Publicidade na Web
Ibrahim Cesar Nogueira de Souza Faculdades Integradas Claretianas
Resumo
Imersos na chamada cultura da convergência presenciamos uma mudança na forma com que as pessoas se posicionam diante das mídias. Os consumidores agora não apenas passivamente consomem mídia, mas também criam. Sua atenção está pulverizada no extenso leque de opções de entretenimento e informação que se abriu a ele. No espaço da web, que se tornou praticamente ubíqua nos grandes centros, a sociedade transforma suas relações sociais, agregando-se às chamadas redes sociais. Mas, se essa cultura da convergência deu poder aos consumidores também deu mais poder aos produtores de conteúdo. Se a publicidade tem a missão de criar mensagens persuasivas sobre produtos e marcas, a exploração das redes sociais se apresenta como uma ótima oportunidade de dirigir mensagens para públicos-alvos de específicos. Novos paradigmas e formas de publicidade estão surgindo, neste artigo esboça-se algumas características das redes sociais e algumas apropriações para a publicidade e propaganda. Palavras-chave: Redes Sociais, Sites de Redes Sociais, Cultura da Convergência, Publicidade 1 Introdução
Com a imersão de nossa sociedade no digital, a acessibilidade da mídia, comunicação e tecnologias
sociais se tornou praticamente ubíqua o que levou a uma mudança comportamental em nossas vidas diárias.
Isso é interessante não apenas porque parece significar que a propaganda pode atingir as pessoas todo o tempo,
não pode, mas também porque as pessoas podem acessar a propaganda todo o tempo, o que é muito mais
significante.
A relação do indivíduo com a mídia vem mudando com as novas tecnologias, em especial com a larga
adoção da web, no que se convencionou chamar de mídia social. Marcas e produtos agora podem ser acessados
pelas pessoas quando elas quiserem. Isso faz o antigo paradigma da propaganda virar de ponta-cabeça.
Novas formas de propaganda e de se relacionar com o consumidor estão surgindo como alternativas aos
antigos paradigmas, em especial nos sites de redes sociais, que mostraram que fizeram mais do que atrair
usuários e recursos publicitários dos sites tradicionais. Tornaram-se o destino primário dos usuários online e
parecem representar o próximo estágio na experiência online, servindo como pontos de controle para gerenciar e
enriquecer o estilo de vida das pessoas que estão acessando a web.
E o Brasil se apresenta como um dos países em que os sites de rede social mais encontram adeptos.
Desde a explosão das telecomunicações, o desenvolvimento acelerado da
tecnologia e a criação de novos protocolos sociais e usos da mídia, o Brasil passou de um país subdesenvolvido
para a nona economia do mundo e esse crescimento se reflete em sua forte presença na web.
Na primeira parte do presente estudo apresenta-se um panorama geral do que Henry Jenkins, principal
referencial teórico deste trabalho, chama de cultura da convergência e de que forma isso, aliado às condições
sociais, provoca diversas mudanças na ordem social e no comportamento dos indivíduos, que passam a se reunir
em grupos mais ou menos distribuídos sem estarem atrelados a fatores geográficos graças ao advento da
comunicação mediada por computador, formando um padrão de interação conhecido como redes sociais. A parte
seguinte define o conceito de rede social e sua mecânica particular, que emerge das conexões e interações de
seus atores. Na última parte, expõem-se formas em que a publicidade está sendo utilizada nessas redes. A
metodologia utilizada foi a de pesquisa bibliográfica tanto física quanto eletrônica, em uma tentativa de elucidar
conceitos e a estrutura das redes sociais e como a publicidade e a propaganda podem se adaptar aos novos
hábitos de consumo de mídia dos consumidores.
Desvendando as Redes Sociais: O Papel das Redes Sociais Como Ferramenta da Publicidade na Web
Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 50
2 Segundo Dilúvio Kevin Kelly, ex-editor da consagrada revista norte-americana Wired, abriu uma apresentação proferida
em 2007 durante a conferência Eletronic Gathering compartilhando uma informação curiosa. Até aquele
momento, a web como conhecemos, com todo seu conteúdo gigantesco, tinha apenas 5.000 dias de existência.
Há dez anos ninguém poderia prever o que aconteceria. Quando imaginavam o que poderia ser o máximo que
chegaram a descrever foi “Será como a TV, só que melhor”. A TV era o padrão, o meio de comunicação em
massa que reinava. E tudo o que aconteceu não poderia ter sido previsto por ninguém. Se tudo aquilo havia
acontecido em cinco mil dias, disse Kevin Kelly, o que não iria aconteceria em outros cinco mil dias?
Já em 1950, Albert Einstein declarou que três bombas haviam explodido no século XX: a bomba
demográfica, a bomba atômica e a bomba das telecomunicações. O que Einstein chamou de bomba das
telecomunicações foi chamado por Roy Ascott, um dos primeiros e principais teóricos da arte em rede, de
“segundo dilúvio”, o das informações.
As telecomunicações geram esse novo dilúvio por conta da natureza exponencial, explosiva e caótica de seu crescimento. A quantidade bruta de dados disponíveis se multiplica e se acelera. A densidade dos links entre as informações aumenta vertiginosamente nos bancos de dados, nos hipertextos e nas redes. Os contatos transversais entre os indivíduos proliferam de forma anárquica. É o transbordamento caóticos das informações, a inundação de dados, as águas tumultuadas e os turbilhões da comunicação, a cacofonia e o psitacismo ensurdecedor das mídias. A guerra das imagens, as propagandas e as contra-propagandas, a confusão do espírito. (LÉVY, 2003, p.13)
Os contatos transversais de que cita Lévy estão provocando mudanças profundas em nossa forma de
entender e se relacionar com o mundo e, mais importante, uns com os outros. As pessoas estão comunicando
mais coisas a cada vez mais pessoas. Essas mudanças comportamentais, é claro, refletem-se na forma como
tomamos decisões de voto, como compramos e como nos deixamos influenciar ou não. Tópicos de grande
importância para a propaganda. E é nesse contexto que sites de redes sociais, como Orkut, Facebook e outros,
estão se tornando o meio primário de comunicação para um geração de consumidores digitalmente conscientes.
Sobre a bomba da explosão demográfica, Lévy apontava apenas dois caminhos: um deles é o
extermínio, a guerra, e isso implica em um desprezo pelas pessoas. O homem é reduzido a uma formiga,
esfomeado, aterrorizado, explorado, deportado, massacrado. O outro caminho é a exaltação do indivíduo,
tecendo incansavelmente relações entre as idades, os sexos, as nações e as culturas, criando redes sociais.
2.1 Cultura da convergência
A Galáxia de Gutenberg, conceito de McLuhan para se referir à revolução causada pela invenção da
imprensa dos tipos móveis que foi o pontapé inicial das comunicações e compartilhamento de informações,
expandiu-se para tornar-se a Biblioteca de Babel, metáfora apropriada de um conto de Jorge Luís Borges sobre
uma biblioteca interminável, infinita, que teria todos os livros do mundo, inclusive aqueles não escritos e todas
as possibilidades dos existentes, alguns deles indecifráveis. Essa metáfora é uma boa descrição para a web: um
conjunto de páginas ligadas umas às outras, em diversas línguas, em uma profusão interminável.. Isso acarretou
uma série de mudanças nas relações, produção, comportamento, protocolos culturais e economia. Mudanças
sociais e psicológicas que, em última instância, levaram a mudanças na própria topografia da subjetividade.
Nossos hábitos se alteraram, consumimos mídia de outras formas. Saímos da era da escassez de conteúdos,
para uma abundância virtualmente infinita. A mudança de paradigma é ainda mais brutal ao analisarmos os
chamados membros da Geração Y, os quais podemos chamar de “nativos da web” . Não que eles sejam
orientados a consumir determinado tipo de mídia ou mesmo se limitem a esta. O ser humano não consome
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“mídia digital” ou “tradicional”. Ele escolhe a informação de maior valor para ele e a busca que lhe oferecer um
suporte melhor. Essa distinção é muito importante.
Essa conjuntura de diversas mídias e mudanças profundas vem causando muito otimismo em alguns,
pregando que a nova relação dos consumidores com a mídia irá criar sociedades melhores, melhores relações
sociais e formas mais efetivas de se fazer propaganda, como se a “nova mídia” fosse acabar de vez com a velha
e indesejável “mídia tradicional”. Mas também surgem os apocalípticos que pregam exatamente o oposto.
McLuhan (apud VIANA, 2009) já escreveu que “inúmeras confusões e sentimentos de desespero emergem
invariavelmente em períodos de grande transição tecnológica e cultural”. Pois é exatamente por um destes
períodos que estamos passando, vivendo o que Jenkins (2008) chama de cultura da convergência.
A cultura da convergência se expressa na mudança da lógica pela qual a cultura opera, com ênfase no fluxo de conteúdos pelos canais midiáticos. Define mudanças tecnológicas, culturais e sociais no modo como as mídias circulam em nossa cultura. Algumas das ideias comuns expressas por este termo incluem o fluxo de conteúdos através de vários suportes midiáticos, a cooperação entre as múltiplas indústrias midiáticas, a busca de novas estruturas de financiamento das mídias, e o comportamento migratório da audiência, que vai a quase qualquer lugar em busca das experiências que deseja. Talvez, num conceito mais amplo, a convergência se refira a uma situação em que múltiplos sistemas midiáticos coexistem e em que o conteúdo passa por eles fluidamente. Convergência é entendida aqui como um processo contínuo ou uma série contínua de interstícios entre diferentes sistemas midiáticos, não uma relação fixa. (JENKINS, 2008, p.332-333)
E o surgimento de um novo meio não implica na morte do outro. Os apocalípticos de plantão anunciaram
o fim da televisão e o fim da publicidade. E até mesmo há quem tenha decretado a data exata para o fim dos
jornais impressos . De acordo com o viés da cultura da convergência, os meios coexistem no ecossistema
midiático. Como assinala Jenkins, os velhos meios de comunicação em massa nunca morrem – nem
desaparecem necessariamente. O que morre são apenas as ferramentas que usamos para acessar o seu
conteúdo – a fita cassete, a betacam. São o que os estudiosos dos meios de comunicação chamam de
tecnologias de distribuição (delivery technologies).
Para entender o conceito de mídia, que aqui é entendido como análogo a meio de comunicação,
usaremos o modelo abordado pela historiadora Lisa Gitelman (apud JENKINS, 2008, p.40), que oferece um
modelo de mídia que trabalha em dois níveis: no primeiro, um meio é uma tecnologia que permite a
comunicação; no segundo, um meio é um conjunto de “protocolos” associados a práticas sociais e culturais que
cresceram em torno dessa tecnologia. Sistemas de distribuição são apenas e simplesmente tecnologias: meios
de comunicação são também sistemas culturais. Tecnologias de distribuição vem e vão o tempo todo, mas os
meios de comunicação persistem como camadas dentro de um estrato de entretenimento e informação cada vez
mais complicado.
Em suma, o conteúdo de um meio pode mudar, seu público pode mudar e seu status social pode subir ou
cair, mas uma vez que um meio se estabeleça, ao satisfazer alguma demanda humana essencial, ele continua a
funcionar dentro de um sistema maior de opções de comunicação.
A grande mudança que ocorre, logo, não é em relação às mídias e aos meios. É uma mudança das
tecnologias de distribuição e mais importante, em relação aos protocolos. Protocolos, para usar a explanação de
Jenkins, expressam uma grande variedade de relações sociais, econômicas e materiais. E protocolos estão longe
de serem estáticos.
Na cultura da convergência, o conteúdo não mais se limita a uma única mídia, o mundo torna-se
transmidiático. Livros são adaptados em filmes, histórias em quadrinhos, jogos e são discutidos incansavelmente
por suas bases de fãs que criam uma rede social em torno do assunto. Se antes o nosso modelo de publicidade
se baseava em interromper o entretenimento da audiência para mostrar a propaganda, com a mudança dos
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protocolos e a onipresença de entretenimento em outros canais, esse modelo não está superado. Mas deve ser
entendido como uma possibilidade de mídia entre diversas outras que estão surgindo e sedimentando-se como
canais com grande audiência e envolvimento.
Chamam-se de mídias sociais esses meios que se desenvolvem no ambiente da web na comunicação
mediada pelo computador. Mídias pelas quais se desenvolve os “contatos transversais” de Lévy. Twitter, Digg,
MSN, Orkut, MySpace e Facebook sendo algumas das maiores expressões das mesmas.
2.2 A Publicidade e propaganda
Não há terreno do intelecto humano, principalmente entre as ciência humanas, que não haja um extenso
debate ontológico. Em Comunicação Social, qual seria a função da propaganda? A propaganda é uma tática
mercadológica, um instrumento de vendas (ALDRIGHI, 1989). Mas não se restringe a isso.
Uma imprecisão terminológica vem pontuando o estudo da área. Mas como não existe razão válida
etimológica para a adoção de uma em detrimento de outra, legando o termo a decisões arbitrárias de definição,
adotaremos apenas o termo propaganda, pois o mesmo engloba perfeitamente ambos significados, conceitos e
finalidades que ora um autor atribui a publicidade, ora atribui a propaganda (MARQUES DE MELO, 1998). Porém
convencionar-se-á referir à publicidade quando a mesma for associada à venda de produtos, exposição de novos
serviços, promoções, geralmente com objetivos imediatos. Já a propaganda opera na difusão idéias, crenças,
atitudes, com objetivos a longo prazo.
Randazzo (1997), citando Bovee e Arens, nos apresenta a seguinte definição:
A publicidade combina eficientemente as ciências do comportamento (antropologia, sociologia, psicologia) com as artes da comunicação (redação, dramaturgia, artes gráficas, fotografia e assim por diante) para motivar, modificar ou reforçar as percepções, crenças, atitudes e o comportamento do consumidor.
A propaganda e publicidade agregam valor aos produtos que anunciam. Surgida como uma forma de se
fazer público e diferenciar o excedente de produção das indústrias, foi se tornando cada vez uma atividade
focada em trabalhar com a imagem de produtos e marcas e ganhou uma força tão poderosa em nossa
sociedade, que é considerada por muitos como a mitologia de nossos tempos (RANDAZZO, 1997).
3 Redes Sociais
Redes sociais sempre existiram. Quando Aristóteles disse que o homem é um animal político, ele
chamava atenção para a necessidade natural de estar em um ambiente social e ser um agente determinante no
mesmo. Séculos mais tarde, Maslow iria incluir na sua famosa pirâmide das necessidades básicas conceitos como
reputação e prestígio, que fazem o capital social, que emerge em nossas ligações sociais. O animal político forma
conexões com outras pessoas define formas de convívio, em suma, forma redes sociais.
Uma rede social é definida como um conjunto de dois elementos: atores (pessoas, instituições ou
grupos; os nós das redes) e suas conexões (interações ou laços sociais) (WASSERMAN e FAUST, 1994;
DEGENNE e FORSÉ, 1999 apud RECUERO, 2009)
Uma rede, assim, é uma metáfora para observar os padrões de conexão de um grupo social, a partir das
conexões estabelecidas entre os diversos atores. (RECUERO, 2009). Redes sociais não são sites de
relacionamento. Redes sociais são pessoas interagindo, não ferramentas de publicação ou interação.
Desvendando as Redes Sociais: O Papel das Redes Sociais Como Ferramenta da Publicidade na Web
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3.1 Sites de Redes Sociais
Plataformas de interação podem ser boas ferramentas de articulação e animação de redes, muitas vezes,
sendo seu único suporte. Os mais populares são os sites de redes sociais (SRSs). Muitas vezes são
erroneamente entendidos como a rede social em si, mas ele corresponde apenas uma plataforma, através do
qual a rede social irá se expressar. Estes, como definidos por Boyd & Ellison (2007) permitem i) a construção de
uma persona através de um perfil ou página pessoal; ii) a interação através de comentários; e iii) a exposição
pública da rede social de cada ator. A diferença entre sites de redes sociais e outras formas de comunicação
mediada pelo computador, como mensageiros instantâneos por exemplo, é o modo como permitem a visibilidade
e a articulação da rede social, a manutenção dos laços sociais estabelecidos no espaço offline.
Há dois conceitos trabalhados por Boyd e Ellison (2007) que ajudam a delimitar a definição: O primeiro é
a apropriação. O sistema utilizado para manter as redes sociais e lhe dar sentido, refere-se ao uso das
ferramentas pelos atores. O segundo é a estrutura, que apresenta um duplo aspecto. A principal característica
da estrutura é a exposição pública da rede de atores, que permite separar mais nitidamente esse tipo de site e
outras formas de comunicação mediada pelo computador. O duplo aspecto refere-se ao fato de que temos SRSs
em que a rede social se expressa pelo atores em sua “lista de amigos”, “conhecidos” ou “seguidores”. E há
outras que realmente está ativa através das trocas conversacionais dos atores, aquele em que a ferramenta
auxilia a manter. Nesse caso, a conexão é associada a um link, a uma adição ou a uma filiação preestabelecida
pela estrutura do sistema.
Assim, na categoria de sites de redes sociais estariam os fotologs, weblogs, microblogging e sistemas
como Orkut e Facebook, que são mais associados nesta categoria. E embora os SRSs atuem como suporte para
as interações que constituem as redes sociais, eles não são redes sociais per se. São sistemas que auxiliam a
apresentá-las, coordená-las, percebê-las e mesmo expressá-las. Mas são os atores sociais, aqueles que utilizam
os SRSs, que constituem essas redes.
Com base nessa definição, de acordo com Recuero (2009) existem dois tipos de SRSS: i) sites de rede
social propriamente ditos; e ii) sites de redes sociais apropriados.
3.1.1 Sites de redes sociais propriamente ditos
Sites de redes sociais propriamente ditos são aqueles que compreendem os sistemas focados em expor e
publicar as redes sociais dos atores. Somente a partir da publicação de um perfil que é possível interagir nesses
sistemas. São focadas na publicização dessas redes. Pertencem a esta categoria os sites tais como Orkut,
Facebook e Linkedin.
3.1.2 Sites de redes sociais apropriados
Sites de redes sociais apropriados são aqueles sistemas que não eram, originalmente, voltados para
mostrar redes sociais, mas que são apropriados pelos atores com este fim. É o caso dos fotologs, com sua
expressão máxima no serviço Fotolog, dos weblogs e de ferramentas de microblogging como o Twitter e o
Tumblr. A forma de interagir se dá através de um espaço pessoal, que é então apropriado pelo indivíduo como
um perfil, as redes sociais vão se criando através de links, comentários e outras formas passíveis de interação.
Um fator importante para ser considerado no estudo de sites de redes sociais e propaganda é que os
diversos sistemas não necessariamente representam redes independentes entre si. Com frequência, um mesmo
ator social pode utilizar diversos sites de redes sociais com diferentes objetivos. Assim, ferramentas diferentes
serviriam para propósitos diferentes em seu uso. Uma distinção vital ao se pensar em propaganda. Ao elaborar o
plano de mídia, a definição de quanto investir em cada mídia para que a mensagem publicitária chegue mais
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efetivamente em seu público-alvo específico, deve-se buscar entender qual os valores que os atores buscam em
determinada rede, para que através da propaganda possa enviar mensagens que os mesmos apreciarão.
3.2 Capital Social e Sites de Redes Sociais
Constroem-se valores nesses ambientes seja através da própria ferramenta, seja através do uso da
mesma. Para a propaganda, esta é uma das áreas que fornece as informações mais valiosas para se entender o
público-alvo ou como planejar uma campanha. Verificar os tipos de valores em cada site pode ajudar na
percepção do capital social construído nesses ambientes e sua influência na construção e na estrutura das redes
sociais.
Sites de redes sociais oferecem um grande diferencial, já que são capazes de construir e facilitar a
emergência de tipos de capital social que não são facilmente acessíveis aos atores sociais no espaço offline. A
primeira mudança significativa que esses sites proporcionam diz respeito ao capital social relacional, ou seja,
com as conexões construídas, mantidas e amplificadas. As conexões nesses sites não são iguais às offlines, já
que são mantidas pelo sistema e não pelas interações.
Recuero (2009) relaciona quatro tipos de valores mais comumente relacionados com os sites de redes
sociais: Visibilidade, Reputação, Popularidade e Autoridade.
3.2.1 Visibilidade
Os SRSs permitem aos atores estarem mais conectados, isso significa que há uma visibilidade social
maior para estes nós, sendo um nó, um ator em uma determinada posição em uma rede social. Quanto mais
conectado este estiver, maior a chance de que ele receba determinados tipos de informação que estão circulando
na rede e de obter suporte social quando solicitar. A visibilidade é um valor por si só, decorrente da presença do
ator na rede social. Mas ela também é a matéria-prima para outros valores que virão a seguir.
3.2.2 Reputação
A reputação é relacionada, de acordo com Buskens (1998 apud RECUERO, 2009), com as informações
recebidas pelos atores sociais a respeito do comportamento dos demais e o uso dessas informações no sentido
de decidir como se comportarão. A reputação é aqui compreendida como a percepção construída de alguém
pelos demais atores e portanto implica três elementos: o “eu”, o “outro” e a relação entre ambos. Esse conceito
implica diretamente que existem informações sobre quem somos e o que pensamos, que auxiliam outros a
construir, por sua vez, suas impressões sobre nós.
Partindo de Goffman (1975 apud RECUERO, 2009), a reputação seria uma consequência de todas as
impressões dadas e emitidas deste indivíduo. A reputação, pode assim, ser influenciada por nossas ações, mas
não unicamente por elas, pois depende também das construções dos outros sobre essas ações. Uma das grandes
novidades com a Internet e a web é que a reputação é mais facilmente construída através de um maior controle
sobre as impressões deixadas pelos atores. Ou seja, as redes sociais na Internet são extremamente efetivas
para a construção da reputação. Através da reputação é possível selecionar em quem confiar e com quem
transacionar. A reputação é, assim, um julgamento do outro, de suas qualidades. Uma marca pode se beneficiar
muito da exposição nos canais certos.
Mas é importante ressaltar que a reputação nas redes sociais não é simplesmente o número de leitores
de um blog ou o número de seguidores do Twitter. A reputação é relacionada às impressões que os demais
atores têm de outro ator, ou seja, do que as pessoas pensam de uma determinada blogueira, por exemplo. A
reputação é uma percepção qualitativa, que é relacionada a outros valores agregados.
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Quando falamos em redes sócias na web, não há um único tipo de reputação. Cada nó na rede pode
construir tipos de reputação baseados no tipo de informação que divulga em seu perfil, weblog, fotolog, etc.
Todos os nós, possuem em menor ou maior grau, algum tipo de percepção na sua audiência. A reputação,
assim, refere-se às qualidades percebidas nos atores pelos demais membros de sua rede social.
Ou seja, podemos gerenciar a própria reputação já que os atores podem construir impressões de forma
intencional. E é aqui que a propaganda pode-se apropriar das redes sociais. Com essa intencionalidade, poderia
trabalhar na construção de sua própria reputação, seja através das informações publicadas, a forma com que é
apresentada, seja através da construção da visibilidade social.
3.2.3 Popularidade
A popularidade é um valor diretamente associado com a audiência, que também é facilidade nas redes
sociais na web. Como a audiência é mais facilmente medida na rede, é possível visualizar as conexões e as
referências a um indivíduo, a popularidade é mais facilmente percebida e mesmo mensurada, ao ponto de poder
se seguir em tempo real as estatísticas de acesso, obtendo assim importantes dados.
Um nó mais centralizado na rede é mais popular porque há mais pessoas conectadas a ele e, por
conseguinte, esse nó poderá ter uma capacidade de influência mais forte que outros nós na mesma rede. A
popularidade, como valor, refere-se portanto, mais a uma posição estrutural do nó na rede do que a percepção
que os demais nós têm. A popularidade, logo, pode ser inferida a partir de um estudo estrutural da rede social e
tem um valor quantitativo. A popularidade também é mais facilmente percebida na web por causa da chamada
permanência ou persistência das interações naquele meio (BOYD, 2007 apud RECUERO, 2009).
Enquanto a visibilidade é um valor relacionado à capacidade de cada um de nós de se fazer visto, e
portanto há os que são mais vistos e outros que são menos vistos, a popularidade é uma característica
relacionada à posição estrutural. Apenas alguns nós possuem popularidade, mas todos possuem visibilidade.
A popularidade pode inclusive ser mensurada ao utilizar-se de algumas ferramentas e esses rankings
acabam influenciando a própria estrutura na rede social, pois aumenta a autoridade dos atores mais populares e
cria a necessidade de se ter muitas relações e aumentar a visibilidade naqueles que buscam tal atributo. Alguns
sites de redes sociais promovem os rankings, mas há diversas ferramentas de terceiros que mensuram a
popularidade, compartilhamento de informações e praticamente quaisquer outros atributos que sejam
valorizados naquela rede em particular.
3.2.4 Autoridade
Um quarto tipo de valor é a autoridade. A autoridade refere-se ao poder de influência de um nó na rede
social. Não é a simples posição do nó na rede, ou mesmo, a avaliação de sua centralidade ou visibilidade. É uma
medida da efetiva influência de um ator com relação à sua rede, juntamente com a percepção dos demais atores
da reputação dele.
Autoridade é uma medida de influência, da qual se depreende a reputação. A autoridade é também um
valor por si mesmo, na medida em que está relacionada á reputação, mas de forma diferente daquela do
compartilhamento de conhecimento, da contribuição.
4. Comunidades em Redes Sociais
Uma das grandes vantagens estratégicas no estudo das redes sociais na web para a publicidade e
propaganda é que podemos entender grupos com particularidades e suas dinâmicas mais facilmente do que os
observados fora de tais redes. Entre as variáveis envolvidas no processo de comunicação que levam as pessoas
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a responderem aos estímulos se encontram o interesse, exposição seletiva, percepção seletiva e memorização
seletiva (WOLF, 1995). Nas redes sociais da web podemos com uma margem de erro muito menor, criar
condições que nossas mensagens adéqüem-se a tais variáveis.
E, dentro dos sites de redes sociais existe um outro elemento que é muito importante para a publicidade
e propaganda, que são as comunidades. Dentre as várias definições, destaca-se a de Rheingold em tradução de
Recuero (2009, p. 137):
As comunidades virtuais são agregados sociais que surgem da Rede [Internet], quando uma quantidade suficiente de gente adiante essas discussões públicas durante um tempo suficiente, com suficientes sentimentos humanos, para formar redes de relações pessoais no ciberespaço.
As comunidades virtuais são grupos em torno de interesses em comum, e independentes da proximidade
geográfica. Tal formato da rede em agremiações pautadas por interesse é defendida por Wellman e Castells
(apud RECUERO, 2009) como resultado da ascensão do individualismo. O formato das comunidades e sites de
redes sociais é centrado nos interesses do indivíduo e não de um grupo. O papel do indivíduo na construção da
rede é predominante, já que ele obtém total controle sobre com quem interagirá e com quais pessoas construirá
os laços sociais, montando suas redes com base em seus interesses, valores, afinidades e projetos. A rede, em
suma, centra-se nos autores sociais, no que Wellman define como “individualismo em rede” (RECUERO, 2009).
Essa distinção é de suma importância. O indivíduo é protagonista nas redes sociais na web: seleciona
onde participar, com quem interagir e quais assuntos tratar. De forma tal que a pessoa pode isolar-se de
qualquer opinião contrária e somente reafirmar suas próprias convicções, o que não promove diálogos na
sociedade e isola os indivíduos ainda mais na massa.
4.1. Dinâmicas nas Comunidades
O indivíduo, então, seleciona as comunidades às quais se filia, pulverizando sua atenção para todo o
espectro de interesses que possam motivá-lo. O publicitário, ao fazer o levantamento de seu público-alvo
baseado em redes sociais, através da análise dos assuntos procurados, consegue assim criar mensagens
especialmente para ativar as prédisposições daquele indivíduo. O advento da comunicação mediada pelo
computador e o surgimento das redes sociais na web tornou a segmentação da publicidade uma prática ainda
mais precisa e refinada. É um espaço onde o indivíduo já acessa por interesse – as mídias sociais são aquelas
que indivíduo busca consumir em contraposição aquelas que “empurram” o conteúdo para um grande número de
pessoas, que seriam as das mídias tradicionais, que parecem sempre ser uma intromissão inserida durante o
entretenimento das pessoas ou invadindo o espaço e o cotidiano das pessoas. Pense nos comerciais na televisão
que interrompem os programas ou outdoors colocados na paisagem urbana.
Pela natureza da própria comunicação mediada pelo computador, a exposição aos conteúdos publicitários
é maior e pode acontecer quando a pessoa quiser e quantas vezes a mesma quiser. Logo a exposição seletiva
ganha contornos muito mais nítidos e que depositam no consumidor grande papel atuante, pois escolhe
efetivamente quando consumir esse material. Essa mudança na relação do consumidor está provocando grandes
revoluções na área. O anúncio tradicional é o paradigma dos meios de comunicação em massa e não exploram
todas as possibilidades da web. Cada vez mais surge a necessidade de se criar conteúdos. Surgem novas formas
de publicidade, tais como: vídeos contendo histórias serializadas em torno de produtos, sites contendo
informações, conteúdo e até mesmo requisitando criações dos consumidores, geralmente prática associada a
algum tipo de promoção e os famosos Alternative Reality Games, ou ARG’s, jogos de realidade alternativa que,
utilizando-se de narrativas transmidiáticas engajam os consumidores em aventuras em busca de pistas para a
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resolução de mistérios. O conceito de transmídia é intimamente ligado à cultura da convergência e refere-se a
conteúdos que são trabalhados em diversas e múltiplas mídias, não apenas uma.
[...]cada mídia faz o que pode fazer melhor – assim, uma história pode ser primeiramente introduzida em um filme, posteriormente desenvolvida na televisão, em romances, em histórias em quadrinhos, e por fim o seu mundo pode ser explorado e vivenciado através de jogos eletrônicos (games). Cada uma dessas franquias deve ser auto-suficiente, para permitir o consumo autônomo. Isso significa, por exemplo, que você não precisa ter visto o filme para apreciar o game e vice-versa. (JENKINS, 2003, p.135)
Quando as pessoas estão em uma comunidade em que são ativos, os outros membros têm um efeito
profundamente poderoso nelas. As sementes para a formação de grupos é muito anterior à web e a própria
formação da sociedade moderna. É parte fundamental de nossa natureza. O fato de apenas saber que algumas
pessoas estão no mesmo lado que determinado indivíduo e outros não estão, altera nossa identidade social
(TAJFEL et al. , 1971). A afiliação a grupos cresce rapidamente e até mais poderosamente se necessita de um
rito de iniciação (ARONSON e MILLS, 1959). E o rito pode assumir formas bem simples. A necessidade de convite
para acessar determinadas comunidades e sites, ou demonstrar domínio do assunto. Ou consumir determinada
marca.
Tajfel, através do paradigma dos grupos mínimos, demonstraram como os grupos podem surgir de
praticamente nada. O desejo de formar e associar grupos sociais é extremamente poderoso e parte de nossa
natureza. Entre outras coisas, pertencer a estes grupos nos dá um dos melhores presentes, a identidade social, e
esta contribui para a construção de quem nós somos. Objetos que nos apegamos representam uma extensão de
nós mesmos (BELK,1988), logo, o consumo de determinadas marcas e produtos também influencia nossa
identidade social. É por isso que muitas marcas andam apostando muito em mídias sociais, pois reforça a
identificação com a marca.
E uma vez que alguém associa-se a um grupo, este começa a ser levado em direção à conformidade.
Como já abordado, o papel do indivíduo é de protagonismo neste “individualismo em rede”, logo ele pode
escolher que tipo de informação consumir, jamais acessando canais de opinião divergente, se assim ele desejar.
As opiniões do grupo vão influenciando a do indivíduo e sedimentando conceitos.
A mudança no paradigma comunicacional dos meios de comunicação em massa para a mídia social
coloca muita responsabilidade nos atores e não em um editor que definirá qual informação será transmitida e
qual não. Logo, como se dá a dinâmica de elencação de temas a serem discutidos? Uma pesquisa mostrou que
se uma pessoa no grupo repete a mesma opinião três vezes, terá 90% do efeito de que três pessoas naquele
grupo repetição aquela mesma opinião (WEAVER et al, 2007). Parte da explicação poderia ser atribuída ao fato
de que grupos se formam com pessoas que compartilham de interesses mais homogêneos e logo, se
expressariam de forma parecida.
Mas o estudo demonstra que o poder da repetição se dá basicamente por causa de nossa memória. A
repetição da opinião aumenta a acessibilidade da mesma, logo presume-se que ela tenha uma prevalência
naquele meio, caso contrário seria imediatamente repelida por outro membro e abandonada. Os indivíduos
tendem a julgar as opiniões repetidamente expressas como um clima geral do grupo, um efeito já muito
conhecido, o da cristalização da opinião (WOLF, 1995).
Toda a publicidade vem se baseando no poder da repetição. A grande diferença, e vale notar, é que em
redes sociais trata-se de pessoas e sua influência sobre os outros. Por terem muitas vezes os mesmos valores,
são rápidos em adotarem decisões majoritárias, buscando a conformidade com o grupo.
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5. Apropriações da Publicidade & Propaganda das Redes Sociais
Tendo em vista todo o contexto sociológico, tecnológico e psicológico descrito até o momento, podemos
inferir que a grande mudança no que concerne à publicidade e propaganda reside no fato de que tendo a
atenção das pessoas se pulverizado pelos diversos meios. A publicidade deve se apropriar das mais diversas
mídias e espaços disponíveis para o planejamento direcionar determinadas mensagens a determinados públicos.
5.1. Ecossistema hostil
A web se mostra um ecossistema altamente hostil à presença de publicidade, entre 80 e 90% dos
usuários repelem a publicidade (Nielsen, 2004). De todas as formas de publicidade, a mais repelida é o pop-up
que se abre no centro da página, onde 95% das pessoas o rejeitam completamente.
A seguir, as formas mais repelidas de publicidade destacam elementos dela mesma que frustram o
usuário, terminam por incomodá-lo negativamente, o que pode vir a ser danoso para a imagem do anunciante.
Em segundo lugar, com 94%, estão os anúncios que demoram muito para carregar. Um dos fatores é ligado
diretamente à capacidade de banda dos usuários, porém os anúncios podem ser criados de forma a não serem
tão pesados ou usarem tecnologias que necessitam de maior banda. Tudo dependerá, é claro, de qual nicho de
usuários pretende-se atingir. Vídeos, elementos construídos em flash e peças embutidos de sons exigem uma
quantidade maior de banda, por isso podem demorar para serem carregados por usuários com as mais diversas
limitações de banda.
Uma das medições de conversão em publicidade na rede adotada é a taxa de cliques, logo, os anúncios
com maiores taxas de cliques significavam uma eficácia maior. A fim de levar o usuário a clicar nos mesmos,
muitos anúncios enganam os usuários, criando botões de fechar falsos ou mimetizando links e objetivos que o
usuário busca naquele site. Esse método é repelido por 94%, enquanto 93% detestam aqueles que não têm nem
mesmo o botão para fechar.
5.1.1 Cegueira de banners
A cegueira de banners é um fenômeno observado através do emprego de testes de usabilidade com
diversos usuários o qual demonstrou que, além de se irritarem com a presença dos mesmos, seu padrão de
visualização tende a ignorar completamente as áreas contendo banners (NIELSEN, 2007; BENWAY e LANE,
1998). Dos diversos estudos sobre o tema, geralmente conclui-se que a “cegueira” é causada por: i) a
acomodação por estímulo repetitivo (usuários frequentes do site tendem a se familiar com a interface do mesmo
e evitar os anúncios); ii) más experiências prévias (banners inúteis e mentirosos ou que levam à sites com
conteúdo malicioso); e iii) a expectativa do usuário ao entrar no website (que busca no mesmo determinado
conteúdo).
Logo, a publicidade deve buscar formas alternativas de atingir seu público na web além do banner, que é
muitas vezes ignorado, principalmente por usuários frequentes de uma página na internet.
5.2 Indicações
Dos consumidores na web, 78% confiam em outros usuários, apenas 14% deles confiam na publicidade.
O pontapé inicial de todos os sistemas de recomendação de produtos na internet ocorreu com o surgimento
dessa tecnologia no site da Amazon.com, que foi lançado em 15 de maio de 1997 (COLE, 2008). Os potenciais
consumidores de um produto, além de poderem ver uma foto, ler as características, preço, condições de
pagamento e envio também tem à sua disposição, a opinião de compradores do mesmo. Que podendo
expressar-se livremente podendo exaltar tanto os benefícios como os defeitos, influenciando no momento da
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compra. Há diversas formas de estimular os consumidores a falarem sobre os produtos, e a publicidade pode
encontrar formas de aumentar o engajamento do mesmo.
5.3 Marketing de Conteúdo
Com a cultura da convergência e um maior cardápio de mídias, o público começou a buscar. Cresceu a
consciência de que não deveriam apenas criar conteúdo que interrompesse o entretenimento ou a informação
das pessoas, mas que criasse conteúdo com caráter publicitário.
Mas ainda mais importante que isso, a mesma cultura que deu poder ao consumidor, permitindo que
suas criações atingisse a uma audiência vasta de pessoas fora dos veículos tradicionais, também abriu
possibilidades para as empresas que antes tinham suas oportunidades de enviar mensagens nos grandes
veículos, agora podem fazê-lo em outros canais, para públicos diferentes e muitas vezes com maior efeito, já
que uma das características deste ambiente é a atenção dedicada e a forma com que as pessoas socializam
conteúdos que apreciam.
5.4 Branding
O branding ou gestão de marcas, ganha um terreno com as redes sociais e as novas formas de
expressão trazidas com as mídias sociais que nunca tiveram, pois agora mais do que nunca, há formas mais
precisas de medir os efeitos de determinadas ações sobre a imagem de uma marca vindo diretamente das
pessoas. Surgiram inclusive ferramentas para medição semântico-linguística de como as pessoas se expressam
em sites de redes sociais a respeito desta ou daquela marca.
Marcas segundo a definição de Bullmore (apud YAKOB,2008)) são “feitas e de propriedade das pessoas
[...] pelo público [...] por consumidores” e que “[...] a imagem de uma marca é algo subjetivo. Duas pessoas
nunca, quer similares sejam, terão precisamente a mesma visão da mesma marca”. Feldwicks (apud YAKOB,
2008) coloca isso de outra forma dizendo que “uma marca é simplesmente uma coleção de percepções na mente
do consumidor”.
A imagem de qualquer marca em particular será subjetiva, como qualquer experiência dos seres
humanos, mas ainda assim existirão em relação a um entendimento da percepção coletiva da marca.
Wittgenstein (apud YAKOB, 2008) argumentou que não existe algo como uma linguagem privada: a ideia de uma
linguagem que seria inteligível a não ser para ser cunhador original é impossível, pois não poderia funcionar
como um código de comunicação para começar assim como não haveria formas de um usuário assinalar
significados aos signos supostos. Da mesma forma, argumenta Yakob (2008) uma marca de sentido apenas
individual não faria sentido. O entendimento de qualquer marca existe em relação ao entendimento coletivo
daquela marca. Marcas, assim como linguagens, só podem existir se houver uma percepção coletiva do que elas
significam. Logo, a definição que Yakob nos oferece é uma coleção de percepções coletivas na mente dos
consumidores.
Isso aplicado ao conceito defendido por Searle (apud YAKOB, 2008) de que opiniões subjetivas
coletivamente podem criar uma realidade epistemologicamente objetiva, leva à tese de que marcas seriam uma
forma de realidade construída socialmente. Muitos profissionais de marketing gostam de ver as marcas como um
fenômeno exclusivamente psicológico, mas o que torna a marca forte é a natureza coletiva e social dessas
percepções (EARLS, 2008). As preferências individuais são, elas mesmas, formada no interior de culturas. E,
para funcionar, deve participar da dinâmica social das pessoas, fazer parte da vida delas. Com as pessoas cada
vez mais pulverizando sua atenção na cultura da convergência e gastando cada vez mais tempo navegando na
web, as redes sociais mostram-se como um ambiente extremamente fértil para criação, manutenção e
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monitoramento dessas percepções coletivas a respeito das marcas, que podem capturar em tempo real as
emoções de seus consumidores a respeito das mesmas enquanto abre um canal de comunicação direta com eles.
Um fenômeno já observado e descrito pela psicologia é definido como “prova social” ou “validade social”
(Ribeiro, 2008). O comportamento das pessoas tende a se alterar com base no número de pessoas que adotam
determinada postura, compram determinados produtos e o status que é atribuído a estes agentes. Belk (1988)
tratou o consumo como um processo de práticas interdependentes que não privilegiam a compra, ou o momento
da troca, mas que de forma contínua agrupa e articula o self como fonte de comunicação do consumidor. Na
pesquisa de Belk, os consumidores criam e expressam suas identidades sociais e pessoas através da acumulação
de bens materiais. Os consumidores comunicam quem são com um processo sócio-semiótico que liga as
significações de seus sistemas pessoais intangíveis e crenças culturais no sistema de valores dos bens materiais
(BACHA, SANTOS E STREHLAU, 2009).
Logo, consumir determinada marca ou produto não apenas supre uma carência ou se trata de um
impulso de compra determinado apenas naquele momento. É um processo interno e articulado em que o
indivíduo cria sua própria personalidade. Assim como a participação da pessoa em uma rede social cria sua
identidade e a valida, associar-se a uma marca, ajuda aos consumidores a compartilharem e fortalecerem uma
marca, enquanto associam a mesma a uma parte de sua identidade e que é reforçada pela rede em que
pertence.
E dentro dessas redes, surge o que Jenkins (2008) chama de “comunidades de marca” que
desempenham funções em nome da marca como compartilhar informações, perpetuar a história e a cultura da
marca e fornecer assistência a outros consumidores. Mas importante para o estudo das marcas e as redes sociais
é que “exercem pressão sobre os membros para que se mantenham fiéis ao grupo e à marca”. Como se
envolvem em movimentos on-line conseguem sustentar as conexões sociais por longos períodos e, assim,
podem intensificar o papel que a comunidade desempenha em suas decisões de compra, aumentar o número de
consumidores casuais a um envolvimento mais intenso com o produto (JENKINS, 2008)
A definição de Robert Kozinets (apud JENKINS, 2008) é que estas sejam focadas em apenas um produto
ou em uma linha, ou marca, é uma rede social onde “grupos de consumidores com interesses semelhantes
buscam e trocam, de forma ativa, informações sobre preços, qualidade, fabricantes, revendedores, ética da
empresa, história da empresa, história do produto e outras características relacionadas ao consumo”. Reafirmam
suas identidades ao aderirem a determinada marca, criando uma experiência mais sólida.
6 Considerações Finais
Ao analisarmos alguns números sobre o Brasil, chegamos rapidamente à conclusão de que, embora não
tenhamos o maior número de usuários, somos um dos maiores mercados na Internet. O Brasil apresenta a
quinta maior população na internet com 64,8 milhões de usuários1. 27,5 milhões acessam regularmente a
Internet de casa, número que sobe para 36,4 milhões se considerados também os acessos do trabalho. 38% das
pessoas acessam a web diariamente; 10% de quatro a seis vezes por semana; 21% de duas a três vezes por
semana; 18% uma vez por semana. Somando, 87% dos internautas brasileiros entram na Internet
semanalmente. Por isso, o brasileiro é o que mais passa tempo na internet. Na última medição, o tempo foi de
48 horas e 26 minutos, considerando apenas a navegação em sites. O tempo sobe para 71h30m se considerar o
uso de aplicativos on-line (MSN, Emule, Torrent, Skype etc). E mais do que nunca, o ambiente virtual também
se tornou espaço de compra para o brasileiro. A previsão para o primeiro semestre de 2009 era de R$ 4,5
bilhões, mas, mesmo com crise, o faturamento foi de R$ 4,8 bilhões, 27% a mais em relação ao mesmo período
1 Fonte: Ibope Nielsen Online, julho de 2009.
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de 2008. O valor médio das compras é de 323 reais. A previsão é que o ano feche em R$ 10,6 bilhões. Com um
amplo cenário para a publicidade e propaganda, sendo que é o terceiro veículo com maior alcance no país2.
O Brasil é um ótimo campo de análise para pesquisas sobre redes sociais e propaganda na internet como
bem ilustrou Cavallini (2009), por diversas razões entre as quais: O brasileiro é o povo que mais se desagrada
com o fato de não poder controlar, qualificar e interagir com o conteúdo da televisão3. Demonstramos ser
interativos por natureza.
Colocar o brasileiro como o povo mais interativo do mundo vai ao encontro de várias outras pesquisas
sobre comportamento e consumo de meios e tecnologias. É o brasileiro que tem o maior tempo de navegação
residencial mensal na internet4. Em relações às comunidades e redes sociais, é no Brasil que: existe a maior
penetração na categoria redes sociais5; mais tempo consumindo blogs e comunidades6; maior rede de amigos
nas comunidades7 e; o maior número de contatos em comunicadores instantâneos8. Os brasileiros são também
os mais ativos lendo blogs, compartilhando fotos, subindo vídeos e gerenciando o próprio perfil em comunidades
online9.
É o país com maior índice tanto que a agência de mídia Universal McCann chamou de
“superinfluenciadores”: internautas que espalham suas opiniões e recomendações no que chamamos de mídia
social, como blogs, comunidades e mensageiros instantâneos10. Em suma, o brasileiro demonstra ser bem
integrado e ativo em múltiplas redes sociais. Tanto que, a próxima fronteira e tendência sendo o celular, motivou
a Motorola a lançar com exclusividade em nosso país o modelo Motocubo A45, voltado principalmente para uso
de mídias sociais, explorando a familiaridade de nossos jovens em interagir em redes sociais (Ditolvo, 2009).
A comunicação integrada e o conhecimento do consumidor mostram-se imperativos no ambiente da
cultura da convergência. Não apenas como espaço para ser explorado com propaganda, a expansão da internet
e da web propiciaram que as redes sociais se expressassem e fossem mais facilmente estudadas, o que fornece
dados valiosos para um publicitário a fim de conhecer o público-alvo.
A comunicação integrada consiste no conjunto articulado de esforços, ações, estratégias e produtos de
comunicação, planejados e desenvolvidos por uma empresa ou entidade, com o objetivo de agregar valor à sua
marca ou de consolidar a sua imagem junto a públicos específicos ou à sociedade como um todo. Inclusive, o
termo de transmídia, como nota Cavallini (2009) parece ser uma versão evoluída de comunicação integrada. O
conteúdo já nasce em várias camadas e intercala com sucesso entre ações de massa e nicho.
As aplicações para a publicidade e propaganda são vastas. Propaganda política, promoções, gestão de
marca, identidade, publicidade institucional, entre outras áreas. Não há campo que não possa de beneficiar com
a nova ecologia no qual os consumidores se organizam e se realizam socialmente. Mais do que novas
ferramentas ou tecnologias, o que as marcas mais precisam hoje em dia é desenvolver novas conversas, novas
formas de se comunicar com seus consumidores, de interagir com eles, tornando-se parte de sua dinâmica
social, de forma orgânica.
2 Fonte: Ibope Nielsen Online, julho de 2009. 3 Fonte: Television in Transition: Evolving consumption habits in broadcasting media worldwide. Accenture Consumer Broadcast Survey 2008. 4 Fonte: IBOPE Nielsen Online, novembro de 2008. 5 Fonte: comScore World Metrix, setembro de 2008. 6 Fonte: IBOPE Nielsen Online, maio de 2008. 7 Fonte: When did we start trusting strangers? How the internet turned us all into influencers, setembro de 2008. Universal McCann; Circuits of Cool 2008. Microsoft Digital Adversiting Solutions e MTV Network. 8 Fonte: Circuits of Cool 2008. Microsoft Digital Adversiting Solutions e MTV Network. 9 Fonte: Power to the People – Social Media Tracker – Wave 3, março de 2008. Universal McCann. 10 Fonte: When did we start trusting strangers? How the internet turned us all into influencers, setembro de 2008. Universal McCann.
Desvendando as Redes Sociais: O Papel das Redes Sociais Como Ferramenta da Publicidade na Web
Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 62
As redes sociais emergem dos atores e suas conexões. Desenvolvem-se na web através de diversas
plataformas, mas encontram suporte para desenvolvimento e ferramentas específicas através de Sites de Redes
Sociais que ainda permitem a eclosão das chamadas comunidades (grupos de pessoas que compartilham de
interesses comuns e que ajuda os indivíduos a criarem uma identidade social através da afiliação e interação
entre eles). É nesses ambientes extremamente segmentados que a publicidade e propaganda pode se apropriar
e criar mensagens efetivas.
As revoluções não acontecem simplesmente por mudanças tecnológicas, mas sim através de mudanças
de comportamento, as revoluções que parecem tomar de assalto nossa cultura alterando nossa forma de
consumir mídia e se relacionar com os outros somente acontecerá com a mudança dos comportamentos,
incluindo o comportamento dos anunciantes e das agências publicitárias que podem criar mensagens efetivas e
que agradem ao público nos contextos e mídias prediletos deles, explorando amplamente as redes sociais. Não
acredite naqueles que declaram a morte da propaganda. Uma nova forma, muito mais envolvente, efetiva e
interessante está surgindo. Uma verdadeira revolução.
7 Bibliografia
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Considerações Sobre a Hipótese do Período Crítico para Aquisição de Línguas
Raquel Albano Scopinho Faculdades Integradas Claretianas
Resumo
O estudo da aquisição de línguas é um campo que detém várias vertentes, tais como aquisição de língua materna, aquisição de segunda língua ou de língua estrangeira, mecanismos de aquisição, entre outros. Neste artigo, visamos abordar apenas um dos aspectos inerentes ao processo de aquisição da LE, sendo ele as considerações sobre a hipótese do período crítico, enfocando mais particularmente a aquisição de LE. Por meio de um levantamento bibliográfico, evidencia-se que muitos autores abordam a correlação entre o processo de aquisição de línguas e os fatores biológicos; contudo, a hipótese do período crítico é refutada por vários autores que se dedicam aos estudos acerca do processo de ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras. Palavras-chave: língua estrangeira, aquisição, hipótese, período crítico.
1 Introdução
No cenário da linguística aplicada, temos presenciado várias correntes que versam sobre as faixas etárias
e os pontos positivos ou negativos do processo cronológico para a aquisição de línguas estrangeiras. Lenneberg,
por exemplo, faz menção às influências dos fatores neurológicos, que apresentam comportamentos distintos
durante o desenvolvimento humano, na aquisição de uma segunda língua. (Elliot, 1982, p. 29).
O estudo da aquisição de línguas é um campo que detém várias vertentes, tais como aquisição de língua
materna (LM), aquisição de segunda língua (L2) ou de língua estrangeira (LE), mecanismos de aquisição, entre
outros. Neste trabalho abordaremos apenas um dos aspectos inerentes ao processo de aquisição da LE, sendo
ele as considerações sobre a hipótese do período crítico, enfocando mais particularmente a aquisição de LE.
Salientamos que, neste artigo, não levaremos em consideração a distinção entre segunda língua e língua
estrangeira. O ensino de segunda língua está voltado para os alunos que realizam o seu processo de ensino e
aprendizagem/aquisição em contexto de imersão e a língua estrangeira está vinculado ao processo de ensino e
aprendizagem/aquisição realizado fora do contexto de imersão. Como estamos num país não-falante da língua
inglesa, adotaremos o termo “língua estrangeira” indistintamente.
E, com relação ao conceito de aquisição, para Krashen (1985), existe uma distinção entre aquisição –
“processo subconsciente idêntico ao processo que a criança utiliza ao aprender sua primeira língua”; e
aprendizagem – “processo consciente que resulta em saber sobre a língua” (KRASHEN, 1985, p. 1). Como existe
uma grande discussão acerca desse tema, não enfocaremos tal distinção nesse trabalho. Portanto, com o intuído
de facilitar a
leitura, adotaremos somente o termo aquisição para nos referimos ao processo de aquisição e de aprendizagem
de LE.
2 Aquisição de línguas e fatores biológicos
Muitos autores abordam a correlação entre o processo de aquisição de línguas e os fatores biológicos.
Para exemplificar esta afirmação, podemos citar a concepção inatista, tendo Chomsky (in Lyons, 1970) como seu
maior expositor, a qual defende a existência de um dispositivo de aquisição da linguagem – DAL (também
conhecido por LAD, language acquisiton device) no cérebro humano, atuante somente até os 11 anos de idade.
Ou seja, segundo essa teoria, há uma predisposição inata na criança em adquirir a língua, evidenciando dessa
forma as características universais das línguas. Portanto, se o DAL atua somente até os 11 anos de idade de uma
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pessoa, podemos entender que, para os inatistas, seria então muito difícil haver aquisição de línguas depois
dessa faixa etária, limitando esse processo a um período específico do desenvolvimento humano.
Segundo Elliot (1982, p. 29), “a afirmação mais ambiciosa que apóia a base biológica da capacidade para
a linguagem é que há um período crítico para a aquisição da linguagem, a saber, entre 18 meses e o início da
puberdade, na maioria das pessoas.” Para sustentar essa afirmação, a autora busca Lenneberg (1967) para
embasar boa parte de sua análise.
Lenneberg (1964, 1967) retoma a hipótese do período crítico elaborada por Penfield e Roberts (1959).
Esses autores estudaram o processo de aquisição e desenvolvimento da linguagem de crianças e adultos que
haviam sofrido lesões cerebrais, comparando os efeitos colaterais das lesões cerebrais ocorridas no hemisfério
esquerdo com as ocorridas no hemisfério direito.
Nosso cérebro é composto por dois hemisférios unidos pelo chamado corpo caloso. Segundo presumiu
Lenneberg (1964, 1967), do nascimento do ser humano até ele completar aproximadamente 18 meses, os
hemisférios seriam funcionalmente idênticos, mesmo eles não sendo estruturalmente homólogos, como
acreditava Penfield (1963, apud Scovel, 1988). Para Lenneberg, somente após esse período, o funcionamento
dos hemisférios começaria a se especializar, passando a controlar diferentes áreas da atividade humana. As
funções características da linguagem ficariam sob a regência do hemisfério esquerdo; mas, na eventualidade de
ocorrer uma lesão no hemisfério esquerdo, o direito assumiria o controle dessas funções e esse quadro se
manteria até a época da puberdade. Na puberdade, essa plasticidade cerebral se consolidaria e os hemisférios
assumiriam o controle de outras funções das atividades humanas. Em vista disso, caso o ser humano não tivesse
desenvolvido a linguagem até a puberdade, por qualquer que fosse o motivo, “seria muito difícil, senão
impossível” (Elliot, 1982), fazê-lo após essa faixa etária.
Assim sendo, para Lenneberg (1964, 1967) havia um período crítico para aquisição da linguagem - dos
18 meses à puberdade -; porém, ele não nega a possibilidade do adulto se comunicar em outra língua, visto que
o autor faz uma separação entre “comunicação” e “aquisição”.
Apesar de seu trabalho estar voltado basicamente para aquisição de LM, ele deixa uma importante
contribuição para os estudos de LE, conforme salienta Pizzolatto (1995, p. 24):
Lenneberg (1967, p. 176), no entanto, também abre um precedente para a aquisição de L2 ao afirmar que: “A maioria dos indivíduos com inteligência média está apta a aprender uma segunda língua depois do início de sua segunda década de vida, embora a incidência de bloqueios para a aprendizagem da língua aumente rapidamente depois da puberdade. A aquisição automática a partir da mera exposição a uma língua dada parece desaparecer depois dessa idade e as línguas estrangeiras devem ser ensinadas e aprendidas através de um esforço laborioso. Sotaques estrangeiros não podem ser vencidos facilmente após a puberdade”. [tradução de Pizzolatto]
Vários autores citados por Elliot (1982), tais com Curtiss (1977), Dennis e Whitaker (1977), Snow e
Hoefnagel-Höhle (1978), entre outros, por meio de diferentes pesquisas, contestaram o pensamento de
Lenneberg. Ressaltaremos, brevemente, os resultados do trabalho de Snow e Hoefnagel-Höhle (1978), por
abordar mais especificamente o processo de aquisição de LE. Os autores verificaram que adultos e adolescentes
de 12 a 15 anos de idade desenvolveram mais as suas capacidades linguísticas em holandês, durante o primeiro
ano vivido na Holanda, do que as crianças de 3 a 4 anos de idade, analisadas nas mesmas condições. Desse
modo, eles contradizem a hipótese do período crítico, atestando que é possível adquirir uma LE após a
puberdade, ou seja, após o período crítico.
Considerações Sobre a Hipótese do Período Crítico para Aquisição de Línguas
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3 Plasticidade cerebral
Os estudos neurológicos, que abordam o comportamento dos hemisférios em relação ao processo de
aquisição da linguagem, têm fornecido análises relevantes para a Linguística Aplicada. Algumas pesquisas da
área atestam a existência de um modelo inter-hemisférico para a linguagem, no qual o hemisfério esquerdo
ficaria responsável pela forma e pela funções motoras; e, por sua vez, o hemisfério direito controlaria o conteúdo
e a expressividade da linguagem (Danesi, 1994). Desse modo, a comunicação - a fala - seria controlada pelo
hemisfério esquerdo e a contextualização - o discurso - estaria sob o comando do direito, abordando dois
importantes conceitos relevantes para as pesquisas da área de Linguística Aplicada, a comunicação e a
contextualização.
Outro fator contestado na teoria de Lennerberg diz respeito à plasticidade do cérebro. Cohen (1995), ao
escrever sobre o cérebro no envelhecimento humano, atesta que sua anatomia não é estática. O peso do cérebro
continua a aumentar durante umas duas décadas, mesmo com a estabilidade do número de células cerebrais
depois dos primeiros anos. Os corpos celulares dos neurônios se expandem em tamanho e os dendritos em
comprimento e em número. É este o fato que explica o aumento do peso cerebral. “Mais dendritos significa mais
interconexões entre os neurônios e talvez funções mais complexas bem como melhores. A capacidade contínua
dos neurônios gerar novos dendritos representa um componente da plasticidade do cérebro em contrapartida
para com a plasticidade comportamental”. (Cohen, 1995, p.196).
O cérebro não gera novos neurônios além do complemento original; contudo, os neurônios existentes
podem se adaptar para aumentar o número e talvez a natureza de suas comunicações. No caso de degeneração
ou danos causados a eles, têm uma capacidade regeneradora caso o corpo celular tenha permanecido viável. A
célula nervosa somente morrerá se o corpo celular permanecer inviável.
Um corpo celular intacto permite a um neurônio danificado regenerar um axônio, bem como dendritos. Em casos de dano cerebral em que vários neurônios são destruídos, os neurônios sobreviventes proximais reagem com a geração de dendritos adicionais de seus corpos celulares em um esforço para compensar as ligações intercelulares rompidas como resultado das células nervosas perdidas. (Cohen, 1995, p. 196).
O termo que o autor usa para descrever esse processo é “germinação dendrítica compensatória”. Essa
capacidade do cérebro que envelhece de manter um circuito adequado entre as células nervosas viáveis é um
determinante importante de sua flexibilidade. Quando temos uma doença que afeta a suficiência desse circuito,
os neurônios restantes reagem para sua estrutura, chamada de arquitetura. A arquitetura de um neurônio é
composta, em grande parte, por axônios e dendritos. “Os cientistas imaginam que até o ponto em que essa
arquitetura possa ser elaborada – bem como a germinação dendrítica compensatória – a riqueza do circuito pode
ser mantida entre as pessoas sadias, e parcialmente restaurada entre os doentes.” (Cohen, 1995, p. 196).
Outro fator que deve ser considerado é o processo de adaptações químicas que, somado às variações
anatômicas no cérebro amadurecido, expande o conjunto de reações que podem determinar a plasticidade do
cérebro.
É importante ressaltar que essas adaptações não são somente resultantes de reações aos danos
causados; elas podem advir em resposta a estímulos positivos; ou seja, por meio de um ambiente que favoreça
ao exercício mental.
Tem havido um certo número de tentativas, por exemplo, para estudar o impacto de ambientes enriquecidos na plasticidade do cérebro. Os pesquisadores quiseram saber se o exercício mental exerce efeito sobre o tecido cerebral semelhante ao do exercício físico sobre os músculos. Os resultados de vários desses estudos foram fascinantes, e ainda mais quando o cérebro estudado estava envelhecendo. (Cohen, 1995, p. 197)
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Além dos fatores citados, devemos enfatizar que a exposição a ambientes cognitivamente estimulantes
também incide efeitos à plasticidade cerebral. Os efeitos de um ambiente estimulante contribuem muito para um
envelhecimento saudável e esse fato também se aplica ao cérebro que envelhece em um ambiente mentalmente
estimulante.
A plasticidade, nas palavras de Sé e Lasca (2005, pp. 13-14), “é um conjunto de processos fisiológicos,
no nível celular e molecular, que explica a capacidade das células nervosas de mudarem suas respostas em
função de determinado estímulo. Isto é, quanto mais o nosso organismo interage com o ambiente e se insere em
contexto socializador, mais ele se modifica”.
Além dos aspectos biológicos da plasticidade cerebral e de ambientes estimulantes, outro dado a ser
considerado é o fator motivacional. Villani (2007, p. 54), que aborda mais especificamente a questão da
aprendizagem da língua inglesa na terceira idade, atesta que “a vontade de aprender é suficiente para que esse
processo ocorra da mesma forma seja aos 10 anos seja aos 80 anos. A única diferença entre a aprendizagem
destes dois grupos, por exemplo, é a velocidade com que este aprendizado se dá.”
Como Vilani (2007), acreditamos no papel da motivação na assimilação de novos conhecimentos,
atitudes e hábitos e concordamos que ela pode ocorrer em qualquer idade. Contudo, ressaltamos que temos
vários aspectos responsáveis pela diferenciação do processo de ensino e aprendizagem de LE, não sendo a
velocidade de assimilação o único fator a ser considerado.
Alguns estudos neurológicos que abordam o comportamento dos hemisférios em relação ao processo de
aquisição da linguagem têm fornecido análises relevantes para a Linguística Aplicada. Eles atestam a existência
de um modelo inter-hemisférico para a linguagem, no qual o hemisfério esquerdo ficaria responsável pela forma
e pelas funções motoras; e, por sua vez, o hemisfério direito controlaria o conteúdo e a expressividade da
linguagem (Danesi, 1994). Sé e Lasca (2005) têm a mesma posição. Para elas,
(...) os níveis fonético-fonológico e morfossintático parecem estar muito mais relacionados ao hemisfério esquerdo do que ao direito, enquanto a situação inversa parece ocorrer com os níveis pragmático-discursivo. A localização da Prosódia não está muito bem determinada, mas sabe-se que as áreas ativas pertencem, na maioria das pessoas, ao hemisfério direito (Mac-Kay, 2003). No caso do nível léxico-semântico, as estruturas responsáveis pelo seu processamento parecem estar distribuídas em ambos os hemisférios. (Sé e Lasca, 2005, p. 26)
Dessa forma, percebemos que a plasticidade cerebral é, para muitos cientistas e diversos estudiosos do
processo de ensino e aprendizagem, algo comprovado e que possibilita a aquisição de línguas em qualquer faixa
etária.
4 Aquisição/aprendizagem
O ensino comunicativo reconhece a importância da contextualização e da comunicação no processo de
aquisição de LE. Tradicionalmente, o ensino de línguas focava a forma; até mesmo o método áudio-lingual, que
inovou na maneira de ensinar, também tinha o seu foco na forma. Mais recentemente, as pesquisas mostram a
necessidade de fornecer ao estudante experiências reais de comunicação, pois tais pesquisas constataram que
muitos estudantes ainda não conseguiam se comunicar, mesmo tendo o conhecimento das formas. Outro fator
destacado por essa proposta de ensino é a contextualização; para o insumo ser relevante e gerador de aquisição
da LE, ele deve ser contextualizado. Assim, no ensino comunicativo de línguas, o alvo deixa de ser a forma, e
esta passa a ser adquirida naturalmente como parte do processo de aprender a se comunicar. Sustentado por
pensadores como Krashen, autor das hipóteses do monitor, do insumo, da aquisição-aprendizagem, da ordem
natural e do filtro afetivo, o ensino comunicativo assume que os estudantes são capazes de adquirir a estrutura
Considerações Sobre a Hipótese do Período Crítico para Aquisição de Línguas
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gramatical e o vocabulário de maneira natural, através do oferecimento de insumos significativos; assim, a
competência comunicativa é desenvolvida por meio da negociação dos significados (Hinkel & Fotos, 2002, p. 4).
Krashen (1985), ao apresentar a hipótese da aquisição-aprendizagem, se opõe à hipótese do período
crítico, evidenciando que até na fase adulta a pessoa pode vir a adquirir uma LE. Salienta que o processo de
aquisição da LE não precisa ser necessariamente perfeito ou que o aprendiz vá atingir um grau de proficiência e
competência linguística igual ao de um nativo. E traz também um tema bastante abordado pelos pesquisadores
da Linguística Aplicada, que é a questão da distinção dos processos de aquisição de LE e de LM.
Essa questão da distinção dos processos de aquisição de LE e LM também encontra amparo em Ellis
(1997). O autor pontua que essas diferenças podem apresentar origens bem variadas, tais como: no processo de
aquisição de LE, normalmente ocorre um maior distanciamento em relação à inserção social na língua-alvo;
outro ponto ressaltado por ele é que a possibilidade do falante apresentar mecanismos distintos para a aquisição
de LE e LM pode estar correlacionada ao fato da maioria dos aprendizes estar “distante” da gramática universal.
Nas palavras do autor: “É também possível que a aquisição da língua materna e da segunda língua valha-se de
diferentes mecanismos de aprendizagem porque a maioria dos aprendentes adultos não tem mais acesso à
gramática universal [tradução nossa1]” (Ellis, 1997, p. 68).
Por um lado, não vemos no ensino comunicativo, tomando como base a vertente defendida por Krashen,
o melhor modo de aquisição de LE, visto que seria mais indicado para aquisição de segunda língua. Por outro,
concordamos com o autor no que se refere à aquisição de língua em diferentes faixas etárias. Krashen, Long e
Scarcella (1979) atestam que os trabalhos sobre aquisição de línguas em relação à faixa etária são consistentes
e possibilitam as seguintes generalizações:
os adultos processam os primeiros estágios de desenvolvimento sintático e morfológico melhor
que as crianças;
esses mesmos estágios são processados mais rapidamente por crianças mais velhas do que pelas
mais jovens, desde que o tempo e a exposição aos insumos sejam constantes;
os aprendizes que são expostos a uma segunda língua em ambiente natural durante o seu
período de infância, geralmente atingem maior proficiência linguística do que aqueles que se
deparam com a língua-alvo pela primeira vez já na fase adulta.
Mais uma vez, temos Ellis (1997) em concordância com os pensamentos de Krashen. Ellis não só não
acredita no limite imposto pela hipótese do período crítico, como vai um pouco mais além. Para ele, não é
impossível atingir, na íntegra, uma competência linguística numa LE. Em seu trabalho, o autor traz o exemplo de
Julie, uma inglesa que se viu obrigada a aprender árabe aos 21 anos de idade, sem ter tido nenhum estudo da
língua antes dessa idade. Aos 26 anos, depois de ter morado no Cairo, Julie foi submetida a vários testes e sua
competência linguística foi avaliada como a de uma falante nativa.
Mas, por outro lado, Ellis destaca a maior facilidade em adquirir uma LE para aqueles que tenham
contato com a língua-alvo mais cedo e constata que a idade inicial de contato com a língua-alvo é mais
representativa do que a quantidade de tempo em exposição a ela; ou seja, quanto mais cedo o aprendiz se
expõe à língua-alvo, melhores resultados obterá na competência linguística, otimizando, dessa forma, o tempo
de exposição na LE. O autor faz um adendo em relação a um dos aspectos beneficiados pela a exposição precoce
à língua-alvo - a questão da pronúncia; para ele, a idade crucial para um bom desempenho desse aspecto se dá
provavelmente antes dos seis anos.
1 Texto original: “It is also possible that L1 and L2 acquisition draw on different learning mechanisms because most adult L2 learners no longer have access to UG.” (Ellis, 2003, p. 68)
Considerações Sobre a Hipótese do Período Crítico para Aquisição de Línguas
Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 69
Pizzolatto (1995) faz uma interessante constatação a respeito de Krashen, Long e Scarcella, dizendo que
para esses autores “as limitações emergentes na puberdade para a aquisição de L2 são de ordens não
neurológicas, ou seja, são prioritariamente de ordem cognitiva e de ordem afetiva” (op. cit., pp. 24-25), se
referindo à hipótese do filtro afetivo de Krashen. Segundo o proponente dessa hipótese, o insumo compreensível
por si só não faz com que a aquisição aconteça; é necessário que o aprendiz permita emocionalmente a sua
entrada. Brown (2000) atesta que, para Krashen, ocorrerá melhor aquisição em ambientes nos quais a
ansiedade seja baixa e que a resistência não exista; ou seja, nos quais o filtro afetivo seja baixo. Por
conseguinte, quanto menor for o filtro afetivo, mais insumos o aprendiz deixará entrar.
Fazendo um contraponto com Ellis (1997), que também traz a questão do tempo de exposição - citada
anteriormente -, podemos dizer que a quantidade de insumo relevante está associada mais aos fatores de ordem
afetiva do que, necessariamente, ao tempo de exposição na língua-alvo. Assim, haverá maior possibilidade de
aquisição quando forem oferecidos insumos contextualizados, relevantes ao aprendiz que esteja predisposto a
deixar que o insumo seja adquirido; portanto, podemos dizer que não há uma relação direta desse processo de
aquisição de LE com a faixa etária do aprendiz.
Alguns gerontólogos (Haddad, 1986; Magalhães, 1989; entre outros) procuram compreender o idoso e
suas relações socioculturais e físicas, e como se dá o processo de aquisição da linguagem. O adulto na terceira
idade geralmente demonstra, por um lado, maior segurança e autoconsciência – aspectos positivos para o
processo de aquisição de uma nova língua; mas, por outro lado, ele é mais suscetível a fatores externos, tais
como problemas de saúde e de família. A questão afetivo-cultural é outro fator que difere o público adulto em
geral do público adulto da terceira idade, tendo este maior necessidade de socialização. Tal necessidade reflete
no comportamento em sala de aula, sendo o estudante considerado, muitas vezes, como indisciplinado, o que
não é bem verdade (Pizzolatto, 1995).
Recentemente têm surgido pesquisas sobre o processo da aquisição de línguas que abordam mais
especificamente o adulto na terceira idade, englobando as características peculiares dessa faixa etária
(Pizzolatto, 1995; Morandi, 2002; Silva, 2004; Villani, 2007; Scopinho, 2009, entre outros). Essas pesquisas
mostram os aspectos a serem considerados na relação de ensino-aprendizagem e no processo de aquisição de
uma língua estrangeira; porém, nenhuma delas atesta a impossibilidade da aquisição da LE na terceira idade.
Encontramos várias ressalvas em relação à particularidade do processo de aquisição dessa faixa etária. Segundo
alguns pesquisadores, tais como Scopinho (2009), com o passar da idade, a acuidade auditiva diminui e este
fator interfere na capacidade de memorização do adulto; outro aspecto está relacionado à visão: há uma grande
tendência de depararmos com adultos na terceira idade com problemas oftalmológicos, como a catarata, doença
que causa a degeneração do cristalino e que leva à perda da nitidez e afeta a distinção cromática; e outros
problemas que dificultam a visualização dos materiais didáticos, ou a pronúncia de determinados fonemas, entre
outros.
Pizzolatto (1995, p. 19) atesta que “é possível aprender uma língua estrangeira na terceira idade, desde
que o aluno possua (internamente) e encontre (externamente) condições favoráveis no processo de ensino-
aprendizagem, dadas as características dessa faixa etária.” Em sua pesquisa, o autor confirma a afirmação acima
por meio de uma análise interpretativista. Esses dados foram coletados após dois semestres letivos de coleta de
dados numa universidade particular do interior do estado de São Paulo - que já oferecia curso de inglês para a
terceira idade há anos e, por solicitação dos próprios alunos da Universidade da Terceira Idade, o inglês passou a
ser disciplina regular; - e com um grupo de 10 alunos com mais de 55 anos que tiveram aulas numa escola de
inglês ministradas pelo próprio autor.
Considerações Sobre a Hipótese do Período Crítico para Aquisição de Línguas
Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 70
Elliot (1982, p. 33), também apoiando a possibilidade de aquisição de línguas independente da faixa
etária da pessoa, conclui sua análise sobre a hipótese do período crítico da seguinte forma:
A aquisição de uma segunda língua após o período crítico pode ser bastante eficiente e a aquisição da primeira língua seria ainda possível. O padrão de desenvolvimento durante a infância e adolescência talvez dependa crucialmente das aptidões de processamento de informações acessíveis à criança. Contudo, não devemos concluir desses estudos que os fatores biológicos são irrelevantes para a capacidade de aprendizagem da língua, mas sim que a relação entre a aquisição da linguagem e sua base biológica é mais enganosa e decepcionante do que indicaram as explicações anteriores.
Tendo em vista as pesquisas realizadas no processo de ensino e aprendizagem/aquisição de línguas
estrangeiras, acrescidas das informações advindas da neurologia, as quais asseguram não só a plasticidade
cerebral, mas a aquisição de línguas estrangeiras nas diversas faixas etárias, refutamos a hipótese do período
crítico proposta por Lenneberg (1964, 1967).
5 Considerações finais
Diante do exposto, podemos perceber que muitas das conjecturas existentes a respeito da hipótese do
período crítico perpassam várias vezes pelo conceito de aquisição de LE. Em vista disso, antes de atestarmos a
existência do fator biológico como preponderante no processo de ensino-aprendizagem de LE, precisamos então
nos perguntar o que entendemos pelas expressões: “aquisição” ou “aprendizagem” de LE, “grau de proficiência”
na língua-alvo, “competência comunicativa”, “competência linguística”, “pronúncia perfeita”, “se comunicar
apesar da língua”, “saber sobre a língua”, entre outros termos utilizados para auferir a capacidade do aprendiz
em se comunicar numa LE. Existe uma grande discussão e certa discordância a cerca desses termos e de como
devemos tratar a questão da aquisição de LE.
Outro aspecto que devemos considerar, ao falarmos da hipótese do período crítico, é o fato de que
muitos pensadores que debruçaram os seus estudos nessa análise, deixaram de enfocar outros fatores presentes
no processo de aquisição de LE, tais como, os fatores afetivos, motivacionais e socioculturais. Por conseguinte, a
questão trazida pela hipótese do período crítico aborda, com certa propriedade, apenas um dos fatores
componentes desse processo de aquisição, que é o fator biológico. Para uma análise mais contundente, temos
que relacionar a análise desse fator biológico aos fatores lingüístico-cognitivos, afetivos e socioculturais.
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Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº 4 – janeiro/dezembro de 2011
Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 72
A Importância da Qualidade da Mão de Obra na Logística
Patrícia Dezan Pamplona Mendonsa Faculdades Integradas Claretianas [email protected]
Jorge Barthmann De Boni Faculdades Integradas Claretianas
Resumo
A logística é uma área chave para a operacionalização das empresas. Cada vez mais vem ganhando espaço como fonte de vantagem competitiva para as organizações. A mão de obra qualificada para esta área é fundamental para a efetiva execução de suas atividades. O presente artigo procura apresentar algumas questões relacionadas ao fator humano na logística e seus impactos sobre a organização. Palavras-chave: Logísitica, Mão de Obra, Qualidade.
1 Introdução
A logística consiste no conjunto das atividades de movimentação e armazenagem necessárias em uma
empresa, visando facilitar desde a aquisição da matéria-prima até o transporte o produto final, assim como o
fluxo de informações geradas durante o processo, agilizando e melhorando o desempenho da produção do
produto final.
Durante todo o processo logístico, a qualidade é uma das principais exigências e necessidades dentro da
empresa. Entende-se por qualidade, o atendimento dos clientes continuamente, evitando que, durante o
processo existam erros, defeitos, tempo desperdiçado, desperdício de material, produtos inseguros ou
insatisfatórios, entre outros.
Sendo a logística uma área que acompanha todos os processos dentro da empresa, é necessário que a
mão de obra aplicada seja adequada as necessidades da organização, acompanhando todos os processos de
forma a otimizar os resultados finais. Sem profissionais competentes para a área, os processos acabam se
perdendo pelo caminho, atrapalhando todo o andamento produtivo, consequentemente, não apresentará um
resultado segundo os padrões de qualidade esperados pelo consumidor.
Cabe à equipe de recrutamento e seleção da corporação, selecionar os profissionais mais capacitados
para atuar na área de logística, através de acompanhamento de suas habilidades e formação especializada.
Apesar da abertura de muitos cursos de especialização na área logística no país, a maioria das empresas ainda
sofre com a escassez de mão de obra especializada na área. Muitas vezes, os cursos oferecidos não preparam o
profissional tão bem, quanto a própria experiência do indivíduo na área. Segundo o executivo César Gomes,
entrevistado pela revista FATOR (2010), um dos maiores problemas enfrentados por eles é a falta de mão de
obra especializada no setor. Para Gomes, ”é preciso que o profissional seja bastante flexível – esteja 24 horas à
disposição e preocupado com o projeto - e criativo para
lidar com os imprevistos durante o transporte de cargas especiais. Também precisa conhecer muito bem
assuntos relacionados à operação portuária e à viabilidade de transportes em diferentes modais”. O executivo
afirma ainda que tais qualidades são difíceis de serem
encontradas nos funcionários por não dependerem apenas de sua formação acadêmica, mas também, de sua
vivência dentro das experiências na área logística, além de seu comprometimento pessoal com os projetos e
metas empresariais das quais ele é chave importante. “Não estou afirmando que uma universidade é ineficiente
para essa formação. Só que acredito que a prática realmente é muito importante e confere vantagem
competitiva ao profissional”, afirma Gomes.
A Importância da Qualidade da Mão de Obra na Logística
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A dificuldade encontrada por Gomes em encontrar mão de obra realmente qualificada para o setor
logístico é comum no mercado de trabalho atual. Com o crescimento econômico do país, a falta de mão de obra
não assola apenas o setor logístico, mas vários outros setores que não conseguem suprir a necessidade de
funcionários qualificados para tal. "Toda vez que o Brasil cresce 4,5% ou mais, falta mão de obra qualificada",
disse o professor da Universidade de São Paulo José Pastore, especialista em trabalho. No mercado, prevê-se
que o Produto Interno Bruto (PIB) suba de 5% a 6% este ano. O déficit de trabalhadores qualificados é
preocupante na construção civil, mas ocorre também no agronegócio, na saúde, em hotéis e até em alguns
ramos da indústria (O ESTADO DE SÃO PAULO, 2010).
A qualificação da produção e os processos sendo apresentados com mais agilidade pelo setor logístico
são cada dia mais dificultados graças ao principal problema já citado anteriormente: a falta de qualificação do
funcionário. O processo de seleção do funcionário deve atender primeiramente ao seu enquadramento dentro do
perfil da empresa, tendências de mercado e resposta às responsabilidades atribuídas a ele dentro do cargo do
qual ele pretende ocupar.
Devido a esse tipo de dificuldade, a empresa precisa procurar novas formas de suprir suas necessidades,
optando por meios alternativos, para que não se perca o nível de qualidade na produção e a confiança do
mercado consumidor. Entre as principais alternativas, temos os processos de terceirização dentro das empresas,
que consiste em repassar para uma prestadora de serviços especializada todo o serviço de determinado setor,
nesse caso, para o logístico. A terceirização pode ser uma boa alternativa se bem administrada e acompanhada,
sendo obtidos casos de sucesso, alcançando as metas traçadas pela empresa. Essa prática visa à redução de
custo e o aumento da qualidade da mão de obra. Deve estar de acordo com os objetivos estratégicos da
empresa, para que o resultado final seja realmente satisfatório (VIANA, 2010).
2 A importância da logística nas empresas
A logística, percebida como área funcional, é considerada hoje como uma área diferencial, que traz
resultados para as organizações. A logística era utilizada desde a Antiguidade em construções que conhecemos
hoje como a Muralha da China ou as Pirâmides do Egito, que para sua realização, precisaram de planejamento
tanto de materiais como de mão de obra. Mais tarde, a logística teve grande contribuição nas estratégias
militares de armazenamento de armas, combustível para as tropas, munição, entre outras funções. Com a
ascensão do capitalismo e a produção com necessidade cada vez maior rapidez e eficiência, o uso da logística
empresarial, mostra-se indispensável para atender às necessidades do mercado e, principalmente, suprir as
necessidades dos consumidores, acompanhando desde o fluxo e armazenamento da matéria-prima até seu ponto
de consumo, sendo assim, fator importante em diversos ambientes da organização, para um bom andamento
das atividades (DORN, 2010).
Além da contribuição nos diversos setores para que o produto final tenha o nível de qualidade exigido
pelo consumidor, a logística precisa otimizar os processos dos quais faz parte, considerando fatores como
aumento de competitividade, menor custo de produção, reaproveitamento de materiais e evitando o desperdício
de material, melhoria contínua do processo e utilização de maneiras cada vez mais hábeis e inovadoras para
administrar e melhorar todas as etapas a serem percorridas até a apresentação do produto final, pronto para o
consumo. Considera-se, portanto, que as principais metas da logística são disponibilizar o produto certo aos
clientes, na hora certa, na quantidade correta, no local certo, nas condições adequadas a um preço competitivo.
Sendo que nesse fluxo de materiais, há também um fluxo de suas respectivas informações, pois as atividades
logísticas afetam os índices de preços, custos financeiros, produtividade, custos de energia e satisfação dos
clientes.
A Importância da Qualidade da Mão de Obra na Logística
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A competitividade criada por uma empresa depende primordialmente de seu desempenho, portanto, o
sistema de logística deve estar sempre em boas condições para que não seja prejudicado o atendimento ao
cliente. O setor logístico deve sempre estar preocupado em inovar, procurando novas tecnologias que facilitem
as diversas áreas no qual atua, buscando um melhor aproveitamento de tempo e material de maneira eficaz.
Como pontos centrais da logística, podemos destacar:
Visão integrada e sistêmica de todos os processos da Empresa. A ausência deste conceito faz
com que cada área / departamento da empresa pense e trabalhe de forma isolada. Isto gera
conflitos internos por poder e faz com que os maiores concorrentes de uma empresa estejam
dentro dela mesma;
Fazer com que as “coisas” (materiais e informações) se movimentem o mais rápido possível,
conseguindo assim otimizar os investimentos em ativos (estoques);
Enxergar toda a cadeia de suprimentos como parte importante do seu processo. Seus
Fornecedores, Colaboradores, Comunidade e Clientes são como elos de uma corrente e estão
intimamente interligados. Por isso, devemos sempre avaliar se suas necessidades e expectativas
estão sendo plenamente atendidas;
O Planejamento (Estratégico, Tático e Operacional) e a constante Avaliação de Desempenho, por
meio de indicadores, são ferramentas gerenciais essenciais para o desenvolvimento de um bom
sistema logístico;
O uso de sistemas de informação (ERP, WMS, TMS …) que forneçam suporte as decisões que
precisam ser cada vez mais velozes e em um ambiente de incertezas e competição muito
grande;
O aumento da colaboração entre Fornecedor e Consumidor através do compartilhamento de
informações relevantes para o nível de serviço desejado (MEIRIN, 2010).
Considerando a importância do setor logístico dentro de uma empresa, é necessário que seu
funcionamento seja eficaz. Para isso, como fator primordial, temos a seleção e recrutamento de profissionais
capacitados na área, otimizando a prestação dos serviços dos quais a logística faz parte e atende. Uma das
grandes dificuldades no setor atualmente é conseguir esses profissionais capazes de desempenhar as funções
logísticas com facilidade. Com processos complexos e que exigem a rapidez tanto física como intelectual, a área
logística necessita de profissionais cada vez mais bem preparados para que a demanda possa ser atendida. Sem
o profissional capaz de dominar todos os processos logísticos e desenvolver formas de diminuir custos e tempo
para que cada tarefa seja desenvolvida, as novas tecnologias empregadas já não são tão evolutivas assim. Toda
a revolução tecnológica na qual estamos inseridos de nada adianta, se não existir mão de obra especializada
para colocá-la em prática.
3 A importância do bom profissional na área Logística
Segundo pesquisa publicada pelo site de “O Globo”, 2/3 dos empregadores brasileiros tem falta de mão
de obra qualificada. O Brasil ocupa o 2º lugar no ranking mundial com escassez de profissionais. Após a crise
que assolou o mundo, a economia, principalmente a brasileira, vem apresentando crescimento novamente. Com
esse crescimento econômico, a necessidade de mão de obra é cada vez mais maior para acompanhar as
demandas impostas pelo mercado que se encontra novamente em ascensão. Ocorre que, apesar das novas
oportunidades de mercado se multiplicarem, também multiplica-se a dificuldade em formar profissionais
especializados em cada área, graças a situação decorrente de deficiências em preparo técnico, nível de
escolaridade e experiência, repetindo a mesma situação enfrentada pelo Brasil apenas durante o regime militar.
A Importância da Qualidade da Mão de Obra na Logística
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O setor privado está investindo na capacitação de seus próprios quadros, dada a fragilidade da formação
de recém-graduados e de muitos diplomados que estão à margem das inovações e da falta de formação de
profissionais de nível técnico, casos que podemos verificar em empresas como a Petrobrás e a Embraer. Para
suprir a necessidade de profissionais qualificados, muitas empresas acabam recorrendo a outros países que
ofereçam o perfil procurado pelos empregadores. Encarando o problema em sua superestrutura, podemos chegar
a conclusão de que, o Brasil, deveria investir em um planejamento estratégico para que a falta de mão-de-obra
não emperre o desenvolvimento econômico. Um dos maiores problemas notados como resultante da falta de
mão de obra especializada é o desespero em obter-se o diploma universitário, sem investir realmente na
formação. O diploma representa apenas a formação de uma graduação e não de um verdadeiro profissional da
área. A procura por cursos cada vez mais rápidos que garantam logo o diploma acadêmico, que nem sempre
garantem em sua grade o conhecimento profissional necessário, satura o mercado de profissionais formados,
mas não qualificados.
O exemplo da América Latina Logística (ALL) é um relato da atual realidade: a empresa já sofria com os
efeitos de anos de abandono do setor ferroviário brasileiro. Sem profissionais disponíveis na área, a alternativa
foi criar uma universidade capaz de qualificar jovens para cargos exigidos dentro da concessionária de transporte
ferroviário.
"Não conseguiríamos contratar nenhum profissional sem esse curso. Hoje temos dificuldade, mas ela é
minimizada por essa especialização", diz o gerente de Gestão da ALL, Rodrigo Paupitz1. Este ano, a empresa
deve capacitar 2 mil pessoas. A previsão é que todas sejam aproveitadas no grupo, que também tem um braço
na área de transporte rodoviário. Quando atitudes como as da ALL não são possíveis, as empresas apelam até
para a recontratação de profissionais já aposentados, salientando ainda mais a dificuldade em encontrar no
mercado ativo, profissionais capazes de desempenhar as funções exigidas pela empresa dentro do contexto em
que está inserida.
A qualidade de mão de obra hoje, diante de todas as dificuldades enfrentadas no mercado, torna-se fator
importante e diferencial nos processos dentro de uma empresa. Com a competitividade de mercado cada vez
mais acirrada, corporações que não acompanharem além dos avanços tecnológicos, a qualificação de sua mão de
obra acabam perdendo espaço para quem melhor se preparou.
Quando o mercado tinha uma concorrência menor, os ciclos de produtos eram mais longos, era possível
manter áreas isoladas dentro de uma empresa que dessem conta de atividades isoladas, entre elas, compras,
armazenagem, distribuição, entre outras. Hoje, com o mercado cada vez mais globalizado e em plena era da
rapidez na prestação de serviços, proliferam cada vez mais produtos e materiais com tempo de vida curtos, bem
como, a exigência maior dos clientes, surgindo a necessidade de manter um sistema de Logística Integrado, que
respondesse a todas as necessidades apresentadas. Essa evolução dentro do setor logístico, apresenta uma
maior complexidade no pensamento logístico empresarial, exigindo ainda mais qualificação dos profissionais da
área. Dada toda a evolução desse pensamento com o passar dos anos, o que é necessário hoje para um
profissional especializar-se nessa área e enfrentar os reais problemas apresentados pelas corporações? Segundo
Figueiredo e Arkader (2010 p.5)
Em termos de conteúdo dos cursos de Logística, tem se destacado o uso de sistemas automatizados e de inovações propiciadas pelo avanço nas tecnologias de informação, tais como o EDI, que trazem vantagens de tempo e facilitam a integração de elos na cadeia, bem como a disseminação de conceitos gerenciais como o JIT, o QR, o ECR e o CRP. Além da abordagem dos sistemas logísticos, o novo ensino de Logística dá especial ênfase às pessoas e ao seu relacionamento tanto dentro das empresas (e suas distintas áreas) quanto entre as empresas em uma cadeia de suprimentos. Outra tendência importante parece ser a utilização mais intensa de tecnologias (como as de banco de dados) no ensino da Logística, dando aos treinandos a
1 ALL***
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oportunidade de participarem de simulações de situações como as que irão viver na realidade do mercado.
O Ensino da Logística no Brasil, diferente de países europeus e dos Estados Unidos, não atende às
necessidades de aprendizado apresentadas pelos autores. O Brasil ainda é deficiente no ensino de logística, que
causará consequentemente a escassez de mão de obra especializada. Essa deficiência é decorrente
principalmente de dois fatores: graças à grande inflação que o país enfrentou durante a década de 80, fechando
assim a economia do país, isolando-o do acirramento da concorrência e das inovações da tecnologia da
informação e de informações importantes adquiridas a partir dos principais aprimoramentos de estudos dentro
da área Logística. A redução de desperdícios, e portanto de custos, associadas a programas de redução de
estoques, não fazia sentido aos olhos de empresas preocupadas em lidar com índices astronômicos de inflação.
Além disso, as barreiras alfandegárias protegiam o produtor nacional, diminuindo o poder do cliente, que não
dispunha de alternativas de fornecimento. Sendo assim, Serviço ao Cliente era uma expressão só encontrada
nos textos de Marketing e soava como pura teoria. Outro importante conceito na coordenação da cadeia de
suprimentos, as Parcerias entre compradores e fornecedores, demorou igualmente a chegar e ainda hoje é
polêmico e cheio de controvérsias no ambiente empresarial brasileiro. A segunda razão está na formação de
grande parte do corpo docente no Brasil. Geralmente, a formação acadêmica dos atuais professores é voltada
para áreas isoladas como Produção ou compras, etc. dificultando ainda mais ao estudante o conceito de Supply
Chain Management, acostumado a lidar com os problemas logísticos por apenas um ângulo de toda a cadeia.
Hoje, o bom profissional da área deve adequar-se aos problemas enfrentados pelo mercado no qual está
inserido, acompanhando as evoluções e tendo a consciência de toda a importância que ela exerce dentro da
empresa. O bom profissional deve adquirir o conhecimento necessário para exercer suas funções com eficácia,
selecionando todas as ferramentas necessárias e formas mais adequadas para otimizar seu desempenho. Além
disso, deve manter uma visão globalizada e estratégica da empresa, que integre sua função às necessidades
apresentadas, mantendo uma posição de liderança e integração com sua equipe, desenvolvendo a habilidade em
desenvolver o trabalho em equipe, sobretudo, o interfuncional (Figueiredo; Arkader, 2010).
Segundo Mussetti (2000), a capacitação logística deve ater-se a cinco pontos principais. Entre eles:
Capacitação estratégica: Responsabiliza-se pela participação na definição, implementação,
execução e controle das vontades, desejos e possibilidades da organização produtiva. Deverá
haver uma preocupação conjunta quanto ao envolvimento do ambiente externo (forças de
mercado: concorrência, fornecimento e clientes) e dos recursos de base (visão histórica e de
capacitações internas à empresa) para a formulação estratégica. Essa capacitação envolve a
gestão de todas as demais e, portanto, é fundamental que profissionais oriundos da área de
logística, e, principalmente, conceitos de logística integrada estejam envolvidos em seus
processos decisórios.
Capacitação de estrutura organizacional: Deve desenvolver-se coordenadamente com os
propósitos estratégicos, oferecendo agilidade e flexibilidade para enfrentar novos desafios e
mudanças (associação com gerenciamento de processos e mudanças). O desenvolvimento da
capacitação de estrutura organizacional é fundamental para o sucesso estratégico das
organizações, pois se responsabiliza pelo arranjo dos recursos de maior valor para as
organizações e os recursos humanos. Associada aos aspectos logísticos essa capacitação
enfrenta, hoje, grandes desafios dentro de uma abordagem contingencial, tais como:
centralização ou descentralização das funções e decisões logísticas, a autonomia funcional
(“empowerment”), a integração interna de processos, os relacionamentos externos para a
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integração de processos com fornecedores e clientes, os arranjos virtuais, a estrutura funcional
de poder e outros.
Capacitação de Infraestrutura física: Responsabiliza-se pela disponibilização dos recursos físicos
de infraestrutura, básicos para o desenvolvimento da organização produtiva (hardware, software,
equipamentos, prédios etc.). Esta deverá estar atenta às necessidades do sistema logístico e
integradas às necessidades gerais da organização, alinhando-as aos objetivos estratégicos. Para
essa capacitação é fundamental estar em constante atualização quanto às inovações
tecnológicas, que geram novas oportunidades de ganhos competitivos.
Capacitação de integração de processos e gerenciamento de mudanças: Associa-se aos aspectos
operacionais e funcionais. É através dessa capacitação que se concretizam as ações, apoiadas
pelas capacitações de estrutura organizacional, de infraestrutura física e de sistemas e tecnologia
de informação e sistemas de medição de desempenho, segundo padrões de excelência funcional
e agilidade na absorção de mudanças dirigidas às orientações estabelecidas pela capacitação
estratégica.
Capacitação de sistemas e tecnologia de informação e sistemas de medição de desempenho: É
um canal de mão dupla pelo qual as decisões processadas pela esfera estratégica podem ser
transmitidas às partes que colaborarão para a sua execução e pelo qual se exercerá um
sensoriamento do que está sendo executado para o retorno das informações. Essa capacitação é
suporte para o processamento funcional (interação de processos) e para a estrutura
organizacional, na medida em que os relaciona com os direcionamentos estratégicos. Ela deverá,
também, desenvolver agilidade de comunicação (interna e externa) e de processamento,
facilitando as operações, o controle e o direcionamento dos processos. Juntamente com a
capacitação estratégica, a capacitação de sistemas e tecnologia de informação e sistemas de
medição de desempenho também deverá fornecer mecanismos para o estabelecimento de
referências e comparações internas e externas, envolvendo processos similares e distintos.
Analisando a atual situação do setor logístico, a especialização de seus profissionais e a obtenção de
metas traçadas a partir das capacitações desenvolvidas em seu sistema, criam um diferencial importante, que
possibilita a competitividade de mercado. Prestar um serviço logístico de excelência tem sido o objetivo de
inúmeras empresas que diferenciaram seu atendimento, causando uma superação das expectativas de seus
clientes, que passou a ser uma nova forma de garantir sua lealdade. É através do serviço que as empresas
procuram diferenciar seus produtos, fazendo com que os clientes percebam mais valor naquilo que estão
comprando.
O consumidor dos dias atuais tem muito bem definido o que espera dos produtos que adquire: eles
devem atender melhor às suas necessidades, estarem disponíveis no momento certo, a um preço adequado e
com altos níveis de qualidade. Esse novo perfil de cliente vem provocando uma mudança nos mercados de
consumo e consequentemente nos mercados comerciais e industriais.
Todos esses elementos modificaram a ideia de “logística” com o passar dos anos, atribuindo maior
importância ao setor, caracterizando-o como fator chave para um melhor desenvolvimento dentro da empresa.
Na logística atual,
ao mesmo tempo em que se busca a redução de estoques e maior qualidade do serviço logístico, a competição entre as empresas, num ambiente globalizado, passou também a exigir custos reduzidos e prazos curtos no ciclo do pedido. Para se conseguir essa façanha de melhorar o nível de serviço e ao mesmo tempo reduzir custos, as empresas lançaram mão, em larga escala, da tecnologia da informação. Por outro lado, abrindo suas fronteiras, antes muito protegidas, e buscando se concentrar nas atividades de seu “core competence”,as empresas de classe mundial
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passaram a terceirizar muitas de suas atividades, e buscaram parcerias com fornecedores e clientes. (Novaes, 2004)
Com diferentes formas de atuação, pouca mão de obra qualificada e necessidade de permanente
atualização nos processos pelos quais a logística deve integrar, a excelência na prestação de serviços do setor
torna-se um pouco difícil. Muitas vezes, visando a novas e mais rápidas formas de trabalho, as corporações
acabam encontrando na terceirização uma forma mais prática de realizar seus serviços. Seja utilizando serviços
de armazenagem, como a própria mão de obra tão escassa dentro da empresa, os serviços terceirizados acabam
adquirindo importância no papel que a empresa lhe apresenta para desempenhar. Contudo, o lucro e a rapidez
podem agregar novos problemas às corporações, que, muitas vezes, contratam os serviços terceirizados sem ter
consciência das atitudes a serem tomadas e os planos a serem desenvolvidos a partir disso. A terceirização pode
ser considerada um bom aliado ao setor logístico, mas também apresenta seus riscos.
3 Terceirização: uma tendência de mercado
A terceirização está aumentando significativamente em todas as empresas do mundo todo, sendo
responsável por fatias elevados do faturamento de algumas grandes corporações. Pesquisas recentes feitas na
Europa indicam que mais de 50% das companhias têm desejo de aumentar o nível de terceirização que estão
praticando. Para se chegar ao conceito de terceirização é necessária a implantação de sistemas próprios para
que possam refletir no serviço que for terceirizado.
A terceirização no setor logístico pode ser feita através de serviços sem complexidade nenhuma como
aluguel de novos ambientes que sirvam para a armazenagem até atividades que envolvem total responsabilidade
como transferir a função da distribuição a terceiros, em sua totalidade.
Os motivos ligados à terceirização são geralmente ligados à obtenção de maior lucro e maior rapidez nos
processos logísticos. Em princípio, os setores apresentados como terceirizados podem apresentar uma séries de
ganhos, com a redução de ativos e do custo de mão de obra, o aumento da flexibilidade para modificação de
capacidade, o acesso de tecnologia de ponta, além, da possibilidade de se concentrar nas atividades-chave. As
empresas que fazem parte do mercado atual já têm atividade terceirizada presente principalmente em áreas
como a armazenagem, o transporte, a distribuição de produtos, entre outras.
A obtenção de resultados satisfatórios ligados à terceirização vai depender diretamente da empresa que
os contrata, caso ela não esteja acompanhando os resultados, perdendo o controle das operações, não
acompanhando novos meios de desenvolvimento tecnológico. Entre os pontos mais delicados nas atividades
terceirizadas e talvez, um dos mais cruciais, está o gerenciamento do relacionamento entre as organizações, já
que o contratante e contratado devem manter uma relação de apoio e lealdade para que a estratégia dê certo.
Utilizando-se da terceirização, a empresa deve primeiramente saber o quanto ela será lucrativa e quais
são as estruturas necessárias para a implementação de tal serviço em seu cotidiano. Observa-se na terceirização
dos serviços de logística uma tendência em crescimento não só em todo o mundo, mas também no Brasil. Isso
ocorre devido ao crescente nível de sofisticação exigido para implementação dos programas de logística e do
gerenciamento da cadeia de abastecimento. Com a terceirização, a empresa tem formas mais flexíveis e rápidas
de trabalhar, satisfazendo o tão exigente consumidor de seu produto.
Nos últimos anos, de acordo com os resultados da pesquisa sobre panorama logístico brasileiro
(COPPEAD, 2003) constatou-se que a terceirização é uma das práticas gerenciais mais executadas no país;
principalmente pelo fato de envolver atividades com alto grau de complexidade. Em vários casos, mesmo
terceirizando o serviço e otimizando seus resultados, o custo final não sofreu alteração, não comprometendo o
preço oferecido ao consumidor graças a boa administração da corporação e dos prestadores de serviço.
A Importância da Qualidade da Mão de Obra na Logística
Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 79
Vários processos devem ser considerados como decisórios no processo de terceirização de atividades, já
que a prioridade é aumentar a vantagem competitiva visando melhorar os resultados da empresa.
Como a maioria dos problemas enfrentados hoje é proveniente do aumento da competição e da
instabilidade dos mercados, há uma forte tendência à especialização de processos ou serviços que envolvam alta
complexidade, sendo crescente a desverticalização de algumas operações (FLEURY, 1999).
Por envolver alta complexidade em todos os processos logísticos, nota-se uma crescente evolução na
contratação e terceirização de Provedores de Serviços Logísticos e Operadores Logísticos em todo o mundo,
inclusive no Brasil, Wanke (2004), com o propósito de melhorar o nível de rentabilidade nos serviços de
distribuição aos clientes e consumidores.
A terceirização de serviços logísticos, com planejamento e controle vem facilitar o fluxo de produtos,
diminuindo o distanciamento entre produção e demanda de modo que os clientes tenham bens e serviços de
acordo com suas necessidades. Com o passar dos anos e a evolução nas técnicas e tecnologias desenvolvidas na
área logística, a necessidade de adaptar-se é crucial para a sobrevivência no mercado.
O uso dos operadores logísticos (OL) e prestadores de serviços (PSLs) logísticos é hoje uma tendência.
Os sistemas operacionais e gerenciais da parceria entre empresas e seus prestadores de serviços logísticos têm
alcançado grandes resultados, atingindo os níveis de lucratividade e excelência em produtos traçados como
metas pelas empresas e adequando-se às necessidades dos clientes, além de criar maior competitividade de
mercado.
A falta de mecanismos adequados de comunicação entre contratante e os PSLs/OLs, pode comprometer
todo o rendimento da cadeia e posteriormente suas prioridades competitivas. Para que isso não aconteça, a área
de TI desenvolve hardwares, softwares e sistemas de gerenciamento para que toda a cadeia logística tenha um
melhor desempenho final.
Segundo dados da pesquisa, 90% das empresas que terceirizaram algum tipo de serviço estavam
satisfeitos, já que conseguiram reduzir em 85% dos casos os custos com atividades logísticas e
consequentemente focar mais em suas competências centrais (76%).
As vantagens da terceirização de serviços são alcançadas apenas com a ajuda de profissionais
capacitados, bom gerenciamento dos processos, caso contrário, a terceirização pode apresentar uma ameaça a
toda a cadeia logística, afetando assim a empresa como um todo. Entre possíveis problemas que poderão ser
encontrados dentro de um processo de terceirização, colocando em risco o bom funcionamento da relação entre
as partes envolvidas podemos encontrar: o gerenciamento inadequado; funcionários com pouca experiência na
área na qual desempenham uma função; falta de comprometimento da empresa com relação aos objetivos a
serem alcançados; desatualização tecnológica; custos ocultos apresentados durante o processo de terceirização
como transporte de equipe, estadias e gerenciamento de projetos, entre outros e falta de vivência empresarial.
Pode-se minimizar os riscos da terceirização através de contratos claros e objetivos, com previsão de
mecanismos de revisão e flexibilização periódicos, e uma política de recursos humanos bem direcionada e
definida. A terceirização permite que a empresa se concentre em como utilizar a tecnologia, e não, em como
fazê-la.
Para Gonçalves (2005 p.21), uma empresa capacitada para a terceirização, necessita apresentar:
- Política de administração de fácil auditagem; - Know-how apropriado; - Qualidade de custos competitivos; - Infra-estrutura e logística compatível; [...] Para isso convém examinar: - Contrato social e alterações contratuais; - Responsabilidade dos sócios, tanto legais como contratuais; - Seguros para Acidentes de Trabalho; - Capital Social Compatível com o Faturamento;
A Importância da Qualidade da Mão de Obra na Logística
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- Relacionamento com instituições financeiras nos últimos dois anos; - Bens imóveis para garantias e futuras condenações; - Estrutura patrimonial; - Curriculum dos executivos e pessoal de primeira linha; - Se presta serviços para mais de uma empresa naquela atividade; - Informações comerciais e financeiras; - Composição da Folha de Pagamento; - Data e Forma de Pagamento de salários e adicionais; - Contratos individuais de Jornada de Trabalho; - Contrato interempresarial de serviço e produção; - As últimas convenções coletivas de trabalho; - Corpo jurídico; - Decisões administrativas; - FGTS; - Registro de empregados; - Autorização do Ministério do Trabalho e Emprego, no caso de cessão de mão de obra temporária (p. 21).
Na contratação da prestadora de serviço, o ideal é selecionar pelo menos três empresas e comparar
entre elas, qual oferece as maiores vantagens e que mais acompanham as necessidades segundo o perfil da
contratante.
4 Conclusão
O setor logístico vem ganhando notoriedade dentro das empresas, considerando-se primeiramente que é
a partir dele que são desempenhadas as funções mais vitais presentes nas corporações. Com o advento da
logística, novas técnicas foram implantadas bem como, mão de obra necessária para utilizá-las. Contanto, a mão
de obra que deveria ser aplicada no setor é notoriamente escassa no atual mercado. Os avanços tecnológicos e
as novas formas de aplicar os processos logísticos contribuem para um melhor desempenho da empresa, seja
diminuindo seus custos, aumentando sua agilidade ou otimizando o produto final destinado a um consumidor
cada vez mais exigente.
Os profissionais dessa área devem, primeiramente, acompanhar as novidades tecnológicas, adequando-
se aos novos horizontes e objetivos traçados pelo mercado atual, possibilitando a manutenção da
competitividade entre empresas, oferecendo através de mecanismos muitas vezes complexos, a possibilidade de
melhor desempenhar as funções atribuídas ao setor. Nem sempre as empresas encontram esse tipo de
profissional disponível no mercado e acabam procurando novas alternativas para que seu desempenho seja
compatível às necessidades, principalmente, de seu consumidor. Com esse déficit profissional, as empresas são
obrigadas muitas vezes a terceirizar seus setores de forma a facilitar os processos ou simplesmente, por não
encontrar mão de obra especializada para realizar as tarefas. É comum que empresas procurem por profissionais
prestadores de serviço ao invés de manter um profissional permanente, contratado diretamente pela empresa
por inúmeras vantagens que muitas vezes a terceirização oferece. Contanto, a idéia de terceirização só poderá
ser lucrativa se bem administrada e acompanhada com atenção, caso contrário, os danos causados poderão ser
irreversíveis.
A logística poderá ser o caminho para a diferenciação de uma empresa aos olhos de seus clientes, para a
redução dos custos e para agregar valor, o que se refletirá no aumento da lucratividade. Uma empresa mais
lucrativa e com menores custos estará, sem dúvida, em uma posição de superioridade em relação aos seus
concorrentes. Porém, a logística por si só não alcançará esses resultados, sendo necessário que esteja inserida
no processo de planejamento de negócio da organização e alinhada com os demais esforços para atingir sucesso
no seu segmento de atuação. Não necessariamente sendo só dela a responsabilidade de um negócio bem
sucedido, mas que ela seja vista como uma opção real já adotada por muitas empresas e até mesmo, por
países para o desenvolvimento do aumento da competitividade, porque competir é preciso.
A Importância da Qualidade da Mão de Obra na Logística
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Acompanhando a tendência de mercado e o alto grau de competição que aumenta a cada dia que passa,
o setor logístico precisa constantemente de inovação tanto em seus métodos de trabalho como em seus
equipamentos. É necessário sempre adequar os processos logísticos à clientela à qual eles estão atendendo
visando um melhor desempenho para gerar a satisfação do consumidor atendendo os princípios de qualidade,
competitividade e rapidez.
O ideal seria que os profissionais da área obtivessem uma formação completa e tivessem vivência
corporativa, acompanhando todos os processos logísticos e com a capacidade de colocá-los em prática. A
escassez da mão de obra no setor, obriga as corporações a rumarem para alternativas que condizem com suas
necessidades de mercado, na maioria das vezes, ao invés de investir na formação e na especialização do
profissional, a empresa acaba por optar por formas mais viáveis de tornar adquirir mão de obra: profissionais já
aposentados que voltam aos cargos que antes ocupavam ou profissionais de outros países, qualificados para as
vagas que não são facilmente preenchidas no país por falta de qualificação.
Cabe ao profissional capacitar-se acompanhando as tendências, empenhando-se na realização das
tarefas designadas assim como, cabe à empresa investir mais em seus profissionais, gerando, assim, mão de
obra qualificada e permanente, criando maior elo entre empregado e empregador, possibilitando além do vínculo
empregatício, uma identificação do funcionário com a empresa. Para a empresa, a lucratividade também poderá
ser maior considerando que, os processos de terceirização em muitos casos geram grande margem de lucro,
mas precisam ser muito bem administrados, assumindo assim possibilidade de alto risco.
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A Música no Processo de Alfabetização
Gabriela Martins de Souza Faculdades Integradas Claretianas
Evelyn Monari Belo Faculdades Integradas Claretianas
Resumo
Este trabalho de iniciação científica baseia-se na idéia do uso da música como recurso de aprendizagem visando a um ensino de qualidade, principalmente quando se fala em alfabetização, pois a música favorece a interação sociocultural significativa, o que facilita a aprendizagem da leitura e a produção de textos. Ela estimula a capacidade cognitiva e afetiva do indivíduo, o que influenciará positivamente no desenvolvimento da escrita, aproximando o sujeito de seu objeto de conhecimento de uma maneira diferente da situação formal de alfabetização escolar. Palavras-Chave: música; alfabetização 1 A importância da música nas séries iniciais do ensino fundamental
“A educação musical não deve visar formação de possíveis músicos do amanhã, mas sim a formação integral das crianças de hoje”.
(Teca Alencar Brito).
A música é a linguagem de expressão que colabora para os processos de aquisição do conhecimento,
sensibilidade, sociabilidade e gosto artístico. Ela pode ser abordada na escola como som ambiente, histórias,
dramatizações, recreação e aprendizagem. Assim, compreendemos que:
[...] Uma das tarefas primordiais da escola é assegurar a igualdade de chances, para que toda criança possa ter acesso à música e possa educar-se musicalmente, qualquer que seja o ambiente sócio-cultural de que provenha. (CHIARELLI apud PRADA, 2008, p. 15)
Não é preciso uma aprendizagem técnica musical, mas sim despertar na criança por meio da música a
capacidade de sentir, viver e apreciar esse gênero.
Sabemos que podemos utilizar a música para desenvolver e aperfeiçoar outras áreas do conhecimento
como, por exemplo, a alfabetização e o raciocínio lógico-matemático, promovendo, principalmente, a integração
de saberes e a socialização.
Observamos que, na maioria das vezes, a mídia contribui para a veiculação de músicas que se
constituem em um padrão que caracteriza um nível cultural isento de conteúdos que o saber legitimado
considera adequados. Nesse sentido, caberá à escola, resgatar alguns valores já esquecidos. Entre tais valores,
observamos que as relações estabelecidas entre as crianças nos permitem verificar que as gírias, por exemplo,
integram
seu vocabulário, permitindo a interpretação de uma realidade que, por vezes, não representa os valores sociais
já estabelecidos e consolidados.
Confirmando tais reflexões, observamos que, na Grécia antiga, a música constituía os modelos
educacionais, pois a importância e a necessidade de uma educação que valorizasse o corpo e a alma encontrava
neste elemento – a música – a possibilidade do desenvolvimento das virtudes a partir da temperança e do
equilíbrio propiciados pelo seu ensino, pois: “Na Grécia, a música era considerada fator fundamental na formação
dos cidadãos, tanto quanto a filosofia e a matemática, e o ensino começava na infância”. (SCHILARO, 1990,
p.13)
Atualmente, as propostas curriculares nos permitem observar que o educando terá maior compreensão
da linguagem musical através de vivências lúdicas, sendo que: “Educar musicalmente é propiciar à criança uma
A Música no Processo de Alfabetização
Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 84
compreensão progressiva da linguagem musical, através de experimentos e convivência orientada.”
(MARTINS,1985, p.47)
O professor, com uma postura crítica e reflexiva deverá propiciar situações em que a criança possa olhar
o mundo e se expressar, pois o educando constrói seu pensamento através da interação com o ambiente visto
que, “olhar o mundo é aprender a perceber significados em todas as coisas” (SCHILARO, 1990, p.18).
A educação musical deverá estar presente na Educação Física também, pois é uma área do conhecimento
na qual a criança desenvolve a linguagem corporal através de exercícios, atividades rítmicas, jogos, brinquedos e
rodas cantadas. Considerando o contexto do ensino da música na Europa no século XVII, observamos que
predominavam duas tendências: uma, o Racionalismo, defendia o ensino da teoria musical e, a outra,
denominada Sensorialismo, era compreendida pela prática musical (SCHILARO, 1990).
Adequando o contexto apresentado ao que se propõe este trabalho, já no século XX, podemos considerar
a linguagem musical no período que compreende a Escola Nova. Assim, é possível constatar que tal linguagem
era considerada necessária e acessível a todos, assumindo uma importante função nos sistemas educacionais.
O período de alfabetização é o que mais ganha vantagens do ensino da linguagem musical quando em
suas atividades estimula-se o desenvolvimento da coordenação visomotora, imitação, atenção, raciocínio,
linguagem e expressão corporal. Desenvolver essas funções envolve os aspectos psicológicos e cognitivos que se
usa para aprender.
Observamos que o processo de aquisição/apropriação do conhecimento é consolidado a partir da
interação da criança com o meio ambiente e, assim, compreendemos que cabe ao educador permitir o
desenvolvimento de situações de aprendizagem nas quais a criança descubra, analise e compreenda os ritmos do
mundo, tanto por meio da observação quanto por meio do contato com os instrumentos musicais, da apreciação
e participação em teatros, do desenvolvimento da dança, do conhecimento e exploração dos elementos do
folclore, entre outros.
Quando a criança tem uma idéia e a expressa, ela está representando e, quando canta, manifesta a
representação anterior.
Sendo uma linguagem, a música permite o desenvolvimento da expressão e a transmissão de emoções e
sentimentos, que podem conduzir a criança ao reconhecimento de valores. Trata-se de um elemento que pode
ser trabalhado em todas as áreas da educação envolvendo temas diversificados e permitindo ao educando,
sobretudo, a vivência lúdica como fator que permite a compreensão do conhecimento que se constituirá como
base de sua vida.
De acordo com Prado e Figueiredo (2008) há autores que afirmam que atividades musicais na escola
podem ter objetivos profiláticos no aspecto físico, pois, objetivamente, buscam oferecer atividades capazes de
promover o alívio de tensões devidas à instabilidade emocional e fadiga. No aspecto psíquico, promove processo
de expressão, comunicação e descarga emocional através do estímulo musical e sonoro. Já no aspecto mental,
proporciona situações que podem contribuir para estimular e desenvolver o sentido da ordem, harmonia,
organização e compreensão.
Estabelecer um planejamento de atividades nas quais o processo de ensino e aprendizagem permite a
incorporação e o uso da música como um elemento que facilita a constituição do sentimento e o
desenvolvimento de uma educação que auxilie na formação do cidadão oferecendo condições de estabelecimento
de uma sociedade “reformulada” é um objetivo necessário a ser atingido com a realização de propostas que
priorizem a educação musical. O produto obtido são crianças que se expressam e aprendem a relacionar-se com
o mundo.
A Música no Processo de Alfabetização
Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 85
[..] O que temos observado é que as crianças mais novas têm uma maior capacidade de invenção e de criação musical, que tende a cair com o desenvolvimento. Isto tem para nós, como causa principal, a forma como é apresentada a música para a criança. (QUELUZ, 1984. p.64-65).
Um exemplo de atividade com a música é uma atividade que, comumente, é denominada pelos
educadores como “Roda Cantada”, que tem grande valor educativo no desenvolvimento infantil, o que facilita a
socialização, coordenação visomotora, percepção visual, raciocínio lógico e linguagem verbal.
Na escolha do repertório, deve ser preservada a expressividade infantil e deve-se também ter objetivos
definidos. O repertório tem que ser variado, com melodias relacionadas às diversas áreas de estudo,
considerando, também, o que é denominado como “conhecimento prévio”. Podemos estabelecer algumas
comparações a partir da análise do seguinte quadro:
Quadro 1: Comparação entre áreas e temas
ÁREAS TEMAS DAS CANÇÕES Integração Social Entrada/ saída da escola Raciocínio Lógico Matemática; Linguagem Ed. Física Reconhecimento do corpo; Lateralidade Estudos Sociais Datas Comemorativas Artes Cores Matemática Exploração do ambiente (maior, menor, alto,
baixo, etc). Linguagem Dramatizações e canções que contam histórias
Fonte: SCHILARO, 1990, p. 103
Assim sendo, além de uma escola que possa assegurar o acesso à música, caberá ao educador abraçar
esse instrumento de trabalho e explorar ao máximo do potencial criador da criança, já que, dependendo da
forma que a música é apresentada, pode acontecer de seu desenvolvimento decair. O educador deve propiciar a
todo momento situações nas quais a criança seja capaz de interagir com o ambiente e se expresse, sempre
respeitando o ambiente sociocultural de cada um, pois só assim acontecerá a construção de seu conhecimento.
2 Música e ensino: Uma parceria que “Dá Certo”
Fundamentar o ensino dos anos iniciais de escolarização no uso da música como recurso para promover
situações de aprendizagem pode ser considerado um elemento muito importante que visa oferecer um ensino de
qualidade. Em linhas gerais, qualidade é sempre um elemento a ser observado nas propostas de ensino que se
estabelecem como necessárias, por meio de metas a serem atingidas em um determinado período de tempo.
Essa condição nos remete a pensar nas novas propostas expressas, principalmente, nas diferentes
formas de organização de currículos e programas que, na realidade, caracterizam o que denominamos
reorganização curricular. Neste sentido, o trabalho que desenvolvemos nos permite observar de que maneira a
música interfere, diretamente, na aprendizagem significativa, expressa na visão de diferentes teóricos.
Entre eles, ressaltamos Morin (2007) que nos convida a refletir sobre uma prática pedagógica voltada à
integração dos saberes, desconsiderando uma educação que prioriza os conteúdos fragmentados, como vem
ocorrendo na grande maioria das escolas brasileiras.
Assim, na condição de um dos pensadores mais importantes do século XX, Morin propõe o
desenvolvimento do pensamento complexo, uma reforma do pensamento por meio do ensino transdisciplinar que
possa contribuir com a formação de cidadãos “planetários”, ou seja, homens verdadeiramente solidários e aptos
a enfrentar os desafios dos tempos atuais. O homem não se separa da natureza e da cultura, mas sim, é o
conjunto da obra. No entanto, a educação é sua aliada pois nunca temos o produto final “pronto e acabado”.
A Música no Processo de Alfabetização
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Morin (2007) discorda de afirmações que consideram um único método, teoria ou estratégia de
pensamento como elementos que possibilitam ao indivíduo o entendimento do mundo da maneira como ele
realmente é. Para ele, a educação tem a ver com a maneira pela qual é interpretada sob a ótica do indivíduo.
Pensar globalmente é o que possibilita uma reflexão do indivíduo. Entretanto, ainda hoje, permanece a
herança do passado onde os saberes abordados de forma fragmentada tornam complicada a abordagem
defendida pelo autor citado.
Consequentemente, temos na educação que fragmenta os conteúdos e não permite a reflexão humana
como referência a compreensão de um mundo de forma isolada, na qual não há conectividade entre o que é real
e o que é idealizado.
É seguida a “norma” de um ensino disciplinar, que auxilia no avanço do conhecimento e torna-se, de
certa forma, insubstituível. Ainda de acordo com Morin (2007), as conexões não são estabelecidas entre as
diferentes disciplinas porque se tornam invisíveis quando são fragmentadas. É necessário, inquestionavelmente,
contextualizar o conhecimento.
Considerando a música como elemento fundamental no estabelecimento das diferentes propostas
pedagógicas, observamos que temos em mãos a possibilidade de integrar as diferentes áreas do conhecimento
em simples “atitudes” que, bem planejadas, muito contribuem para o desenvolvimento global das crianças.
Em linhas gerais, uma música integra as diferentes áreas do conhecimento a partir das diferentes
linguagens que constituem o rol dos “conteúdos” que, fragmentados, “perdem o sentido”.
Uma das principais manifestações da importância da música consiste na possibilidade de ser um
elemento auxiliar na elaboração e execução de atividades que integram os processos de aquisição do domínio da
leitura e da escrita.
Para Teberosky e Ferreiro (1999), aprender a escrever não é apenas um processo cognitivo. Trata-se de
uma atividade social e cultural, “porque a desigualdade econômica e social se manifesta também na distribuição
desigual de oportunidades educacionais” (FERREIRO; TEBEROSKY, 1999, p. 20). A educação nos remete a um
padrão da sociedade que nos faz ser aceitos por ela como cidadãos aptos a atuarem, o que seria essencial a
criação de vínculos entre cultura e conhecimentos, o que nos faz repensar as idéias de Morin (2007), já que o
homem não se separa de sua natureza nem de sua cultura, sendo assim o conjunto da obra.
Não haveria motivo para ignorar a multiplicidade, complexidade e entrelaçamento entre os traços e
marcas culturais dos indivíduos e das relações sociais no ensino da música nas classes de Ensino Fundamental.
Não é possível pensar, por exemplo, em uma educação de caráter musical desarticulada quanto ao restante das
disciplinas da grade curricular. Se assim fosse teria algum significado ao educando? “Bastam 45 minutos de aula
de música semanais, de modo desarticulado dos demais conhecimentos que estão sendo trabalhados pelos
professores, para potencializar a educação musical na escola?” (BELLOCHIO, 2001, p.46)
Sobre isso, Sekeff (1996, p.145) afirma: “[...] mais do que a herança genética, é exatamente a cultura
que determina a música dos povos e justifica as suas realizações (ao mesmo tempo em que sua música vai
constituir também sua cultura)”.
A integração de saberes apresentada por Morin (2007), seria sim uma reflexão certa quanto à integração
da música, desconsiderando seu ensino fragmentado e sem significado.
A música favorece a interação sociocultural “significativa”, pois seus elementos (ritmos e melodias)
atuam no aspecto cognitivo e criativo do sujeito, o que favorece a aprendizagem da leitura e a produção de
textos no processo de alfabetização, estimulando também o desenvolvimento de sua capacidade afetiva e
cognitiva.
[...] os princípios ortográficos desenvolvem-se na criança à medida que vai escrevendo. Neste processo, a criança consegue ultrapassar os aspectos “gramaticalizados” ou “codificados” para
A Música no Processo de Alfabetização
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elaborar seu material, investindo-o de significação própria em uma atividade criativa. A música, como atividade criativa, pode naturalmente favorecer o aparecimento de situações problema, propondo novas formas de utilização e manuseio da linguagem e propiciando a construção de hipóteses de escrita. (BRAGIO apud PRADO; FIGUEIREDO, 2005)
A música é um excelente recurso estimulador para o desenvolvimento da leitura de textos e hipóteses de
escrita. Além da música ser um quesito obrigatório no Ensino Fundamental (inserido na Arte), é uma linguagem
artística que, quando trabalhada integrando-a com as demais disciplinas tem a incumbência de educar.
De acordo com o Referencial Curricular Nacional de Educação Infantil, o trabalho com a música tem
como objetivo explorar, expressar e produzir silêncio e sons, com a voz, o corpo e materiais diversos. Leva-se
em conta a interpretação de músicas/canções, a participação em brincadeiras e jogos cantados e rítmicos,
escuta de diferentes obras musicais e a participação em qualquer situação que se integre a música, de forma
geral.
Para Avelllar (1995), é necessário pensar sobre as formas de inserção da música no currículo regular,
sobre as estratégias de sua integração aos demais saberes e, sobre suas possíveis contribuições para o
desenvolvimento da alfabetização.
Podemos acreditar que a música influenciará positivamente no desenvolvimento da escrita, aproximando
o sujeito de seu objeto de conhecimento, de uma maneira diferente da situação formal de alfabetização escolar.
3 Entrevistas
Para a conclusão dessa pesquisa, foi realizada uma entrevista com duas professoras de Escola Pública de
Ensino Fundamental de uma escola do interior paulista, para saber se utilizam a música como um instrumento de
trabalho para a educação de seus alunos:
Questionário: Professora n.º 01 (P1)
1. Você utiliza a música como ferramenta para educação de seus alunos, abrangendo-a em alguma disciplina? Se
sim, de que modo?
R.: Sim. As crianças, em geral, gostam da descontração oferecida pela música. Tanto para os alunos de 1.º ano
quanto para os alunos de 3.ª série, tenho aplicado a música como ferramenta auxiliar. Procuro sempre encaixar
a música nos conteúdos, principalmente nos projetos que nos são propostos para o trabalho. Um exemplo pode
ser o projeto trânsito, que compreende o trabalho com músicas do domínio popular ou mesmo gravadas por
algumas apresentadoras de programas televisivos infantis.
2. Como você compreende a importância da música nas séries iniciais do ensino fundamental?
R.: Como um elemento fundamental para o auxílio na compreensão dos códigos lingüísticos. Compreendo que o
processo de alfabetização tem um início, mas não um fim. Por isso, trabalhar os conhecimentos e procedimentos
pertinentes à leitura e escrita a partir da música pode ser extremamente significativo e estimulante para o
desempenho das crianças.
3. O que você acha que deve ser valorizado e/ou repensado hoje na educação, já que hoje se pensa em preparar
a pessoa para a vida desconsiderando o acúmulo de conhecimento?
R.: O significado da aprendizagem para o educando bem como a possibilidade de desenvolvimento de suas
competências e habilidades, que são onseqüências de uma aprendizagem adequada às diferentes necessidades
do indivíduo.
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Questionário: Professora n.º 02
1. Você utiliza a música como ferramenta para educação de seus alunos, abrangendo-a em alguma disciplina? Se
sim, de que modo?
R.: Utilizo música diariamente com meus alunos. O uso da música faz parte da minha rotina (entrada, lanche,
lavar as mãos, ao contar histórias...) para manter a organização dos alunos e estes percebem a seqüência das
atividades. É muito utilizado durante a alfabetização com músicas que sabem de cor (a música nova é muito
bem trabalhada, cantada para que ocorra a escrita espontânea, com alfabeto móvel ou ainda para identificar
palavra-chave por meio da leitura).
2. Como você compreende a importância da música nas séries iniciais do ensino fundamental?
R.: Fundamental, pois a música é prazerosa e estimulante, pode ser usada de acordo com o conteúdo a ser
trabalhado e interesse dos alunos. Requer do educador uma atitude de respeito que valoriza as formas de
expressão dos alunos. Para o aluno, a música é importante pois a criança interage, sente, expressa e comunica-
se, melhora a percepção da memória auditiva o que favorece no processo de alfabetização; melhora a percepção
de rimas e versos. A linguagem musical desenvolve a expressão, equilíbrio, favorece o autoconhecimento e a
aprendizagem.
3. O que você acha que deve ser valorizado e/ou repensado hoje na educação, já que hoje se pensa em preparar
a pessoa para a vida desconsiderando o acúmulo de conhecimento?
R.: Acredito que o professor deve preparar suas aulas, planejar, elaborar, ter claro seus objetivos. Os conteúdos
devem ser valorizados para formar o aluno com qualidade de ensino preparado para ser um cidadão consciente e
preparado para o trabalho.
3.1 Análise dos resultados
De acordo com os dados coletados, apresentamos algumas considerações sobre as informações obtidas
com a aplicação dos questionários.
De forma geral, podemos observar que a música é, certamente, um instrumento de trabalho que, se
utilizado corretamente, ou seja, se inserido no contexto do educando e integrado aos demais conteúdos, permite
que sejam atingidos resultados satisfatórios, importantes para o desenvolvimento da criança. É importante
considerar que as teorias fundamentam as atividades a serem realizadas no cotidiano das crianças, mas não é
possível concordar com apenas uma ou outra teoria, sendo necessário o efetivo trabalho do educador em sala de
aula e também no momento do planejamento, oferecendo condições ao desenvolvimento pleno do educando.
Para P1, o ensino da música auxilia no desenvolvimento tanto para os alunos do 1.º ano quanto para os
alunos da 3.ª série. A pedagogia de projetos é uma realidade em seu trabalho. Diversos são os temas que
podem ser trabalhados nesta forma de organização do trabalho pedagógico e, apesar da professora não haver
relatado na entrevista, os projetos podem ser organizados em diários, semanais, mensais, bimestrais,
trimestrais, anuais. Enfim, pode-se compreender que a música é um recurso que auxilia no processo de ensino e
aprendizagem.
Em comparação com P2, podemos compreender que sua compreensão envolve uma visão sobre a música
enquanto um elemento que requer maior atenção quanto à sua aplicabilidade, pois não se trata apenas de
utilizá-la como um elemento que permite uma forma lúdica de aprendizagem, mas contempla o desenvolvimento
da criança em seu aspecto global. Neste sentido, teremos a oportunidade de contribuir com a formação de uma
criança capaz de agir e pensar com maior autonomia em sua manifestação de expressão.
A Música no Processo de Alfabetização
Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 89
Nas entrelinhas das respostas obtidas, percebemos que a ludicidade expressa com o trabalho que se
concretiza com a música é fundamental para que a criança expresse em sua aprendizagem aspectos pertinentes
à sua identidade.
Nas falas de P1 e P2, temos a oportunidade de verificar que a música é retratada como um elemento que
orienta e determina o desenvolvimento das habilidades e competências do aluno, o que, consequentemente,
potencializa seu desempenho em diferentes aspectos do processo de ensino e aprendizagem. A valorização da
música enquanto instrumento auxiliador deste processo simboliza a valorização dos conteúdos que constituem a
grade curricular voltada ao trabalho que deve resultar na formação do cidadão.
4 Considerações finais
O desenvolvimento da pesquisa que concretizou o projeto de iniciação científica nos permite verificar a
importância da música no contexto escolar como elemento integrador e motivador no processo de aprendizagem
da escrita, o que contribui para um ambiente estimulante, prazeroso e rico, proporcionando uma aprendizagem
mais significativa, uma vez que a integração dos saberes facilita sua compreensão e o resgate de informações.
Para tanto, não podemos considerar apenas o processo de alfabetização, sendo ele muito importante
quando se trata do ensino fundamental. Temos na música um instrumento muito amplo, que pode ser bem
explorado em vivências lúdicas, nas quais o processo de aprendizagem ocorre de forma efetiva, seja qual for o
tema, matéria, assunto a ser desenvolvido. Em outras palavras, trata-se da possibilidade de pensar globalmente
para efetivação de uma aprendizagem significativa e não apenas abraçar um método, como antigamente,
isolando as atividades em detrimento de sua contextualização, tornando a aprendizagem fragmentada.
Para que os educadores possam aderir ao trabalho de integrar a música ao conteúdo, eles deverão ter
em mente uma escola aberta, uma escola do século XXI, pensando não na quantidade de conteúdos, mas a
qualidade que terão os conhecimentos transmitidos, para a formação do aluno como uma pessoa inteira, com
sua criatividade, expressão, sentidos, críticas, etc.
5 Referências bibliográficas
AVELLAR, Rosa Maria Gentil de. O Desafio de continuar a alfabetização. São Paulo. JM Editora: 1995.
FERREIRO Emilia; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da Língua Escrita. Porto Alegre: Artmed Editora, 1999.
MOREIRA, Marco e MASINI, Elsie F. S. Aprendizagem significativa: A teoria de David Ausubel. São Paulo, Moraes, 1982. p.3.
MORIN, Edgar. Os Sete Saberes. Disponível em: www.centrorefeducacional.com.br/setesaberes.htm. Acesso: 29/07/2009
PRADO, Adriana; FIGUEIREDO, Eliane. Análise e influência da música no processo do desenvolvimento da escrita. Universidade Federal de Goiás (UFG). Décimo Quinto Congresso,2005.
QUELUZ, Ana G. A pré-escola centrada na criança: uma influência de Carl Rogers. São Paulo, Pioneira, 1984. p.64-65.
REFERENCIAL CURRICULAR NACIONAL PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL. Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília: MEC/SEF, 1998. 3v.:Il.
SCHILARO SANTA ROSA, Neruda. Educação musical para a Pré Escola. Editora Ática, 1990. Disponível em: http://www2.uol.com.br/aprendiz/n_noticias/noticias_educacao/id110900.htm#musica acesso em:15/07/2009
Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº 4 – janeiro/dezembro de 2011
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O Que é Logística?
Prof. Esp. Adm Eder Benedito Simonato Faculdades Integradas Claretianas
Resumo
No dia a dia profissional, e mesmo acadêmico, as pessoas são pegas de surpresa se perguntando “O que é mesmo logística”? Neste artigo, buscamos simplificar o entendimento específico do que é logística e do envolvimento das áreas diretamente dependentes da mesma como, administração de materiais e distribuição física sem se estender ao fluxo de informações. Ainda apresentamos áreas de recente estudo e aplicação da logística, como é o caso dos “operadores logísticos” e a “logística reversa”. Este trabalho tem como objetivo auxiliar o leitor na sua introdução ao assunto. Palavras-chave: logística, suprimento, materiais, distribuição, reversa.
1 Introdução
É comum nos dias atuais exercitarmos nossa atenção para textos como os que seguem: “No mercado
globalizado e com grande competitividade é necessário estudar estrategicamente como as funções que
influenciam no processo de fabricação dos bens e serviços podem colaborar para o sucesso das operações”. E
ainda “O elemento primordial dentro desse novo cenário e a necessidade absoluta de satisfação do cliente e para
atender essas exigências será necessário o esforço de várias áreas dentro das organizações”.
Pelo nosso entendimento não é necessário o usual cabedal de palavras que enaltecem conceitos e
condições de realização inalcançáveis. Desejamos simplesmente “explicarmos aos já envolvidos” ou talvez
“elucidarmos para os leigos” o que é logística. Porem, este não deixará de suprir o assunto que abordarmos, com
todas as explicações necessárias ao entendimento mínimo das características que norteiam o seu conteúdo.
A intenção é a de sermos simples e diretos nas argumentações, a fim de atingirmos a todos os níveis de
pessoas interessadas no universo da logística.
Partindo de pesquisa dos autores de base acadêmica e de profissionais da área, desejamos prender a
atenção dos leitores através da visão mais operacional possível sobre o assunto e com peculiaridades
comparativas, ligadas ao dia a dia das pessoas e dos profissionais que venham a ler e usar este material.
Junta-se ao assunto partes de pesquisa efetuada em áreas que na primeira impressão nada tem em
comum com a logística. Mas, ao discorrer sobre elas e colocadas no local e no momento certo, tomamos
consciência de sua importância para a melhor condição de operacionalização de todo o sistema logístico aqui
tratado. Nenhuma das partes deixa de se interligar umas as outras. O que vem fazendo da logística um dos
conceitos gerenciais mais modernos. São dois os conjuntos de mudanças que atuam na sua operacionalidade, o
primeiro
de ordem econômica, e o segundo de ordem tecnológica. As mudanças econômicas criaram novas exigências
competitivas, enquanto as mudanças tecnológicas tornam possível o gerenciamento eficiente e eficaz das
operações logísticas cada dia mais complexas e havidas por demanda.
Estamos convictos de que o material aqui disposto não é nenhum tratado que somente por si possa por
fim ao assunto. Simplesmente desejamos facilitar a compreensão deste assunto, juntando em um único local
uma base de referência para conhecimento de um processo sou sistema logístico.
2 O que é logística?
O Que é Logística?
Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 91
Visto que as atividades industriais necessitam de matérias-primas, componentes, equipamentos e
serviços, pois isto é parte fundamental de qualquer organização que produz. É essencial coordenar e planejar a
movimentação de todos estes itens, na busca pela melhor condição de operação no menor tempo e ao menor
tempo possível (DIAS, 1993).
A logística, como evolução da filosofia administrativa, representa uma nova visão empresarial, uma nova
ordem das coisas. Uma evolução tão consolidada nos últimos cinquenta anos que acabou por se transformar em
um ramo específico de estudo. A logística é uma das áreas que mais ganha adeptos a cada dia que passa e que
também é foco estratégico das organizações para melhoria de seu desempenho econômico, produtivo e social.
Os ganhos potenciais resultantes de se rever à administração das atividades logísticas estão
transformando a disciplina numa área de importância vital para uma grande variedade de empresas, se não dizer
para todas.
Se logística viesse ou derivasse de lógica, não estaria tão errada por pensamento a pessoa que
determinasse que pela “lógica” nossa vida atual, como a conhecemos, depende estritamente da logística. Que
nossa “lógica” de sobrevivência depende da “lógica” com a qual tudo que comemos, bebemos, vestimos,
utilizamos e descartamos chega até nós, nossas residências ou está a disposição de nossas vontades, ou ainda a
disposição de poucos centímetro de nossas mãos, ali nas prateleiras, para que possamos usufruir. Tudo através
de um complexo e emaranhado processo de operações e de tomadas de decisões sem fim chamado logística.
Pela etimologia, “logística” é uma palavra de origem francesa que se refere originalmente à arte militar
como suporte de abastecimento de tropas e responsável pelo apoio à tática e a estratégia de guerra, com o
objetivo de vencer as batalhas.
A logística moderna também é controversa. Ela existe desde o início da civilização e não constitui de
forma alguma uma novidade. No entanto, a implementação das melhores práticas logísticas aliada a tecnologias
de ponta, levou a mesma a ser uma das áreas operacionais mais desafiadoras e interessantes da administração,
nos últimos tempos.
Como no processo logístico, em sua origem ligada às operações militares, eram necessário mover
equipamento, armas, munições, primeiros socorros no local e no tempo certo, esses militares trabalhavam em
silêncio, como atividades de apoio secundário, o que relegava aos mesmos pouca importância. Nas empresas no
início das atividades logísticas, elas também não tinham seu reconhecimento, eram consideradas com pouca
importância resumindo-se em transporte e armazenagem não agregando valor algum no produto acabado.
Segundo Ballou (1993), a definição de logística é o tratamento das atividades de movimentação e
armazenagem, que facilitam o fluxo de produtos desde o ponto de aquisição da matéria-prima até o ponto de
consumo final, assim como dos fluxos de informação que colocam os produtos em movimento, com o propósito
de providenciar níveis de serviço adequados aos clientes a um custo razoável.
Já Novaes (2001) define, em sua literatura, que o sistema logístico é o processo de planejar, programar
e controlar de maneira eficiente o fluxo e a armazenagem de produtos, bem como os serviços e informações
associados, cobrindo desde o ponto de origem até o ponto de consumo, com o objetivo de atender aos requisitos
do consumidor.
Cita Fleury (2008), que a logística integrada deve ser vista como um instrumento de marketing, uma
ferramenta gerencial capaz de agregar valor por meio de serviços prestados.
Com o passar do tempo, os valores agregados no processo logístico foram: valor de lugar: que se refere
à distância percorrida do fornecedor ao destino final; valor de tempo: entrega no prazo prometido; valor
qualidade: com as especificações corretas com que saiu da empresa; e valor de informação: o cliente pode
rastrear onde está seu pedido.
O Que é Logística?
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Podemos definir o sistema logístico na empresa como o conjunto de recursos (mão-de-obra, recursos de
produção, máquinas, veículos, elementos de movimentação e armazenagem) empregados para desenvolver
fisicamente todas as operações de fabricação, espaço físico para armazenagem e movimentação, que permitam
assegurar o fluxo de materiais desde os fornecedores até o cliente. Seria com certeza mais simples e de pontos
já bem definidos e muito estudados. Contudo o sistema logístico é, além do fluxo de matérias um grande
sistema de troca de informações, tecnicamente chamado de fluxo de informações. Por ele passam pedidos,
recebimentos, valores, dados de mercado, eficiência de frotas, eficácia de profissionais, ou seja, tudo aquilo que
estimula o sistema logístico quanto as operações e tomadas de decisões.
Coordenar o fluxo de bens e serviços, decidir quanto, quando, como movimentar os produtos e onde
comprá-los é preocupação constante na logística. Essas decisões ocorrem no canal de suprimentos, no canal de
distribuição e processos internos da empresa, todos dentro da cadeia de suprimentos. Para a sua boa
administração necessita-se que sejam coordenadas com outras atividades dentro da empresa, especialmente
com a produção, no que diz respeito ao planejamento, a programação e ao controle da produção (DIAS, 1993).
A maioria das firmas de serviços ou agências e instituições governamentais, assim como todas as
empresas privadas, necessitam do auxílio de um especialista em logística em vários graus. Acontece que a
demanda pôr profissionais em logística tem sido superior à oferta de pessoal treinado, sendo esta escassez
particularmente aguda em nível de gerência. Daí nosso ideal de criar algo de rápido entendimento e assimilação,
para ajudar na compreensão do que é simples e direto, sem necessariamente abreviar de qualquer maneira a
formação dos futuros tomadores de decisões nesta área de estudos e profissão.
Logo a logística, a administração, os planejamentos, estão tão entranhados nos afazeres e tarefas dentro
das empresas, no cotidiano de abastecimento das cidades, na rápida evolução de nosso padrão de vida, que
chega a ser difícil de distinguir o que é pura e simplesmente uma coisa da outra. A “administração atual” se
cobre de jargões e conceitos logísticos, em contrapartida a logística se utiliza de todos os conceitos já estudados
pela administração, ela busca administrar tudo para que aconteça corretamente. O “planejamento estratégico”
por si só já não acontece sem o mínimo do “planejamento logístico” para que ele próprio aconteça.
Ou seja, a logística é dada como ferramenta ou mesmo como tecnologia a ser utilizada por empresas de
grande, pequeno e médio porte. Ferramenta ou tecnologia que tem alto valor agregado, grande aplicabilidade e
vasta rede de informações e que, portanto, pode mudar o jogo no mercado entre as organizações, se bem
utilizada pelas mesmas.
Contudo se tornou tão fragmentado o seu emprego no modo de pensar e na utilização de seu jargão que
muitas vezes o emprego de ferramentas e tecnologias mais corretas é deixado de lado, esquecidas mesmo,
gerando grandes equívocos, perda de tempo, capital e foco.
A logística, então, tem por prioridade uma visão empresarial e não empresarial que se disponha não só a
entendê-la, mas como também a ser ela própria uma nova ordem das coisas. Ser a logística, a condição do
caminho de compreensão do próprio processo de existência do ser humano ao longo da história, passado e
presente, almejando um futuro.
Por isso todos estão integralmente tomados pelas condições e consequências desta área de estudos e/ou
área de operacionalidade que compõe nossos padrões de vida atualmente. Por si só, entendê-la é fator de
sobrevivência nas condições diárias na qual sub-existimos até então, existimos atualmente e nos coloca de
frente a dúvida da subsistência no futuro.
Nenhuma organização no mundo tem possibilidade sozinha de existir, e sendo assim, coexistir torna-se
fator chave para a qualificação e o crescimento de que todas elas tanto desejam. Logo, a logística tem este papel
fundamental de interligar estas existências e de movimentar todos os recursos necessários entre as
organizações, empresas de transformação e de prestação de serviços e o mercado.
O Que é Logística?
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Dada a complexidade de operações, controles e ação da logística, como explicar ao leigo ou mesmo ao
profissional quais são as bases de operação da logística, o que ela é e como pode ser entendida?
A logística, ao longo dos anos, tem sido conhecida por vários nomes, tais como: administração de
transportes, distribuição, distribuição física, suprimento, administração de materiais, operações e logística, ou
seja, uma interligação contínua de atribuições desagregadas de áreas nem sempre afins. Atualmente o termo
mais utilizado é o de logística empresarial.
Essa interligação contínua de atribuições segue desde a extração e coleta (ex. minérios, recursos
naturais da flora, etc.), do preparo do solo e da colheita (ex. lavouras, etc.) e em todos os lugares de geração de
recursos básicos para utilização de uma organização (ex. usinas hidroelétricas, usinas térmicas geradoras de
energia elétrica, combustíveis fósseis, etc.). Tudo isso somente para dizer do início do processo, ou seja, da base
necessária para que todo o restante do processo se desencadeie.
Depois, estando a base pronta, quando olhamos para dentro das empresas, em todas as movimentações
geradas dentro destas, temos novamente um grande volume de tarefas, controles, organização, arrumação,
entre outros no quesito tangível. Sem falar do quesito intangível que podem ser: confiabilidade dos dados que
representam os estoques, veracidade na coleta de informações; em suma, acreditar que tudo que está escrito
existe, esta lá, e está em ordem e pronto para ser utilizado.
Na sequência, se o processo da organização é parcial, temos também o deslocamento de materiais
parcialmente processados e de mais insumos para outras organizações, que por sua vez repetem todos os
quesitos tratados acima. Se entendermos nesse momento estar pronto o produto, então temos, por sua vez, o
“produto acabado”. Este será direcionado a novos estoques sejam eles estáticos ou em movimento, portanto
novos quesitos a serem trabalhados, que por sua vez farão com que eles entrem nas programações de
distribuição, derivadas dos pedidos feitos pelos clientes pulverizadores do mercado. A distribuição é a solução de
aproximar o produto do mercado consumidor, ou seja, de tirá-lo da empresa e leva-lo para o mais próximo
possível do consumidor.
Nessas condições, a movimentação tem a função de, num primeiro momento, agrupamento,
aglomeração e adequação para o transporte. Num segundo momento, a movimentação tem a função de
pulverização para o mercado, ou seja, as enormes cargas e embalagens que saem dos transformadores
(empresas, organizações, etc.) tem que ser reduzidas a ponto unitário, visando o individuo que vai consumi-lo.
Lembramos que o consumidor também gera todo um processo de movimentação, através de seu deslocamento
até os pontos de aquisição e o seu retorno a residência ou local de consumo do produto.
2.1 A visão econômica da logística na sociedade
Segundo Fleury (2008), um dos pensamentos logísticos mais importantes hoje é o Supply Chain
Management (gerenciamento da cadeia de suprimentos), ele processa o sistema logístico, que trata do fluxo de
materiais e informações internas e externas nas empresas. Com o relacionamento que surge ao longo da cadeia,
busca-se assegurar seus melhores resultados em termos de redução de desperdício e agregação de valor ao
serviço logístico.
É necessário para o planejamento da rede logística, ter uma localização das denominadas facilidades, os
transportes, a movimentação de materiais, o nível de integração das atividades logísticas e o sistema de
informação correspondente, a fim de adequar os diversos fluxos de materiais e mercadoria em toda cadeia
logística.
De acordo com Fleury (2008), o transporte é, em geral, responsável pela maior parcela dos custos da
logística. Tanto numa empresa, quanto na participação dos gastos logísticos em relação ao PIB (Produto Interno
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Bruto), em nação com relativo grau de desenvolvimento. Representa o transporte o elemento mais importante
do custo logístico na maior parte das empresas e instituições.
Todos esses fatores criaram uma série de preocupações, dentre elas a preocupação contínua para a
redução de seus custos. Cabe destacar a integração entre os diversos modais de transporte, também conhecida
como intermodalidade, e o surgimento de operadores logísticos, ou seja, de prestadores de serviços logísticos
integrados, capazes de gerar economia de escala ao compartilharem sua capacidade e seus recursos de
movimentação com vários clientes.
Esses operadores são especialistas em suas áreas de atuação e conseguem com uma certa margem
diluírem mais os custos de estrutura e de equipamentos, ou seja, a mesma estrutura e os mesmos
equipamentos aplicados em várias empresas, em várias operações, sem a necessidade de que cada empresa
necessite investir em sua própria estrutura ou equipamentos.
Quando tocamos no ponto dos “modais de transporte”, estamos falando das diversas formas de
transporte existentes as quais compõem estruturas próprias e diversas vezes também interligadas. São eles:
modal rodoviário – efetuado principalmente por caminhões de grande, médio e pequeno porte; modal aquaviário
– dividido em seguimentos como o pluvial (rios e lagos), o marítimo de cabotagem (embarcações pelo mar
contornando as costas dos continentes) e o marítimo internacional (embarcações que atravessam os oceanos);
modal aeroviário – basicamente grande, médias e pequenas aeronaves; modal ferroviário – estritamente trens
de médias e longas composições (diversos vagões); e modal dutoviário – estritamente feito por tubulações de
longa distância. Vale lembrar que, com exceção do modal dutoviário, em todos os demais modais acima, temos
tanto a logística de cargas – estas nas mais variadas formas, quantidades, pesos, densidades, volumes, etc. –
quanto a logística de transporte de pessoas (passageiros).
3 O que é cadeia de suprimento?
O gerenciamento da cadeia de suprimentos é o coração do negócio pelo seu controle do fluxo dos
produtos e serviços. O processo da cadeia de suprimentos se inicia com a compra de materiais, continua com a
conversão destes materiais em produto acabados e vai até a entrega dos produtos e serviços para atender às
necessidades dos consumidores e clientes.
Em termos funcionais, a cadeia de suprimentos cobre partes das tradicionais funções de manufatura,
compras, logística e distribuição. O grande desafio é transformar a matéria-prima em um produto que o
consumidor quer, com a melhor qualidade e o menor custo, incluindo inovação tecnológica, segurança e
preocupação com o meio ambiente.
Analisar quais são os melhores fornecedores de matéria-prima, melhores tipos de distribuição e
armazenagem, quais fábricas produzem para quais regiões e o gerenciamento das fábricas, fazem parte das
atividades da cadeia de suprimentos.
Para Dias (1993) a realidade do sistema logístico é a condição necessária do planejamento em todas as
circunstâncias do sistema de fluxo de materiais, desde o fornecimento até a entrega no cliente final.
O planejamento do fluxo de materiais remete-nos à pura e simples necessidade de projeção da
existência futura da empresa, pois é necessário quantificar todas as necessidades de material, mão de obra,
recursos financeiros, equipamentos, espaço e tempo em toda a cadeia para que o futuro da empresa não seja
uma dúvida. Tudo isso em função de uma previsão de demanda de mercado. Simplesmente para que a empresa
continue a existir.
Para Dias (1993), “quanto maior for o período do planejamento, em termos de tempo, entre a decisão e
a implantação, mais importante se torna o planejamento da distribuição”. Observamos porém que, dentro desse
O Que é Logística?
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pensamento ampliam-se exponencialmente as variáveis de operações e as variáveis de possibilidades de não
operacionalização, em função das condições do momento em cada ação, ou seja, a operação depende em grande
parte de variáveis voláteis como: mão de obra, tempo, disponibilidade de equipamentos em perfeitas condições,
entre outras. Daí a condição imprescindível do sistema de controle em cada ação.
As empresas têm modernos e integrados sistemas de armazenamento e distribuição permitindo controle
total de todo o processo confirmando o destaque conquistado pela logística nos negócios.
Uma cadeia de suprimento não é uma cadeia de negócios com relacionamentos um a um e comunicação
unilateral, mas uma rede de trabalho com múltiplos negócios e relacionamentos, com a comunicação fluindo em
todas as direções.
3.1 Aspectos do processo produtivo perante a cadeia de suprimentos.
A produção, através dos pedidos recebidos, determinará a quantidade de recursos humanos, espaço,
tempo, finanças, tecnologia e de equipamentos que serão necessários para atender ao plano de produção, porém
esta depende de outras áreas para andamento do processo, assim como já descrevemos anteriormente. Tudo
gira em torno da unidade produtiva, e de como a administração da cadeia de suprimentos está totalmente
inserida neste universo.
Ballou (1993) coloca a logística empresarial como sendo o ponto de referência do processo produtivo da
empresa. Esta logística empresarial dentro da administração da cadeia de suprimentos foca as bases de
operação da movimentação e da armazenagem de materiais, máquinas e produtos acabados em relação ao fluxo
contínuo dos mesmos no processo produtivo. Essas bases de operação versam sobre as áreas de administração
de materiais e a distribuição física, assim como já vimos anteriormente.
Apesar de essas bases estarem entre os extremos da administração da produção, ambas têm os
processos de operação com uma atuação bem próxima. Controlam e empregam: transporte; manutenção de
estoque; processamento de pedidos; embalagem de proteção; armazenagem; manuseio de materiais e
manutenção de informações. Os quesitos diferentes ficam por conta da “obtenção”, que é de controle da
administração de materiais e a “programação de produção”, que e de controle da distribuição física.
A manufatura industrial e as empresas de prestação de serviços têm reconhecido cada vez mais a
importância estratégica da administração da cadeia de suprimentos, a fim de favorecer cada vez mais a
competitividade da empresa e a valorização da organização com um todo.
4 O que é administração de materiais?
Como parte do entendimento integral desse assunto e para fácil compreensão, citemos como exemplo a
nossa existência. É comum nos dias de hoje ver as pessoas preocupadas com a administração do seu “material”
humano de existência. Humor à parte, nossa saúde está intimamente ligada ao modelo de administração de
material que efetuamos no nosso dia a dia, ou seja, diretamente ligado a administração do que temos
“acumulado”, ou a aquilo que continuamos a “receber” e também com aquilo que temos a “despachar”, sendo
esta administração constantemente pressionada pelos “períodos de tempo”, no nosso caso nossa própria
existência.
Se pegarmos como exemplo a atual ojeriza em torno da obesidade dos seres humanos, aquilo que
descrevemos acima é a simples administração de materiais. A administração do “acumulado” em nosso peso
corporal, a administração do que “receber” para nossa existência, ajudando no controle do acúmulo e se possível
diminuindo este acúmulo ao diminuir o recebimento daquilo que é excedente. E por último a administração do
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que temos a “despachar” (expedir, expelir), a fim de mantermos ou diminuirmos os níveis de acumulo e também
para que se abra espaço para novos recebimentos. Pois, nosso corpo tem espaço limitado, dai haja vista a
quantidade de produtos medicinais a disposição no mercado para ajuda ao aparelho digestivo, do começo ao fim
do processo.
Assim como no exemplo acima ou em muitos outros como; o guarda-roupa de sua casa, a despensa do
armário de sua casa, o depósito do sótão ou do porão de sua casa, a lixeira da rua, os depósitos de lixo da
cidade, em todas as etapas da cadeia de suprimentos, ou em qualquer outro lugar. A administração de materiais
é assunto universal que tem encaixe em todos os modelos de operações conhecidos, sejam eles, industriais,
comerciais ou de prestação de serviços. Os “produtos medicinais” são as ferramentas de controle e auxílio na
tomada de decisão para agilização do processo, para que flua a administração de materiais. Com isso a
administração de materiais é parte intrínseca da cadeia de suprimentos e com total dependência da logística nos
processos e procedimentos.
4.1 A necessidade dos estoques
Segundo Dias (1993) esperava-se, então, que o dinheiro investido em estoque seja o lubrificante
necessário para a produção e o bom atendimento das vendas. A função da administração de estoque é
justamente maximizar esse efeito lubrificante no feedback dado pelo departamento de vendas com o índice das
vendas não realizadas, para que haja o ajuste do planejamento da produção.
Sem o estoque é impossível uma empresa trabalhar, pois ele funciona como um elemento de
amortecimento entre o contínuo recebimento de matérias-primas, de equipamentos e outros insumos, entre os
vários estágios da produção, na distribuição dos produtos acabados, até a venda final do produto acabado para
uso do consumidor.
O controle dos estoques depende de um sistema eficiente, o qual deve fornecer, a qualquer momento, as
quantidades que se encontram à disposição e onde estão localizadas, as compras em processo de recebimento,
as devoluções ao fornecedor e as compras recebidas e aceitas, assim com o que deve ser expedido. O controle
das funções referente ao almoxarifado deve fazer parte do conjunto de atribuições de cada setor envolvido, ou
seja, recebimento, armazenagem e distribuição.
Quanto aos “tipos de estoques”, estes podem ser encontrados na forma de matéria-prima, produto em
processo ou em elaboração como parte da produção, produto acabado, materiais e embalagens e produtos
necessários para manutenção. Reparo e suprimentos de operações, estes últimos não necessariamente utilizados
no processo de fabricação (exemplo materiais elétricos, ou de limpeza, ou de itens de segurança, etc.), estoque
de equipamentos de sobrevivência ou para alimentação, entre outros. Estoques então, são todos os bens e
materiais mantidos por uma organização para suprir demandas futuras.
5 O que é distribuição física?
A distribuição física na cadeia de suprimentos, não que seja, mas é entendida como a grande
“utilizadora” da logística no seu sentido mais comum. Ao entendermos que o produto na fábrica não chega
sozinho a prateleira da mercearia, do supermercado, da padaria, do bar, da loja de produtos para animais, dos
grandes magazines, das lojas de roupas, acessórios, brinquedos, na concessionária de veículos, na papelaria, ou
de qualquer outro estabelecimento comercial com o chamado PDV (Ponto de Venda) para o consumidor final.
Começaremos a sublimar e a imaginar o tamanho da operação necessária para o carregamento, transporte,
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fracionamento (pulverização) e entrega dos bens de consumo produzidos pelas empresas, até mesmo para o
setor de prestação de serviços.
Conforme Ballou (1993), a distribuição física é o ramo da logística empresarial que trata da
movimentação, estocagem e processamento de pedidos dos produtos finais da empresa que não planeja
executar processamentos posteriores. Após a finalização da produção o produto fica na responsabilidade da
logística, ou seja, da saída dos depósitos até o consumidor final, e ela deve preocupar-se em garantir a
disponibilidade dos produtos requeridos pelos clientes à medida que eles desejam e se isso pode ser feito a um
custo razoável.
O objetivo geral da distribuição física, como meta ideal, é o de levar os produtos acabados para os
lugares certos, no momento certo e com o nível serviço desejado, pelo menor custo possível. Na distribuição
física existem alguns componentes, tais como: instalações fixas, estoque de produtos, veículos, informações
diversas, hardware e softwares diversos, custos e pessoal. As instalações fixas fornecem o espaço destinado a
abrigar as mercadorias até que sejam transferidas para as lojas ou entregues aos clientes. O estoque de
produtos acabados quando aumenta o seu nível, pelo fato de existir muitas opções no mercado, acaba por se
transformar em um encargo para as empresas.
No sistema de distribuição “um para muitos”, são mercadorias carregadas e destinadas a diversas lojas
ou clientes, executando uma rota predeterminada. Entretanto esse tipo de sistema é influenciado por fatores do
tipo: a divisão da região a ser atendida, a distância e velocidade para o trajeto, o tempo de parada em cada
cliente, o tempo de ciclo, a sua freqüência, quantidade de mercadoria a ser entregue, medição em toneladas,
metros cúbicos, caixas ou paletes, a densidade da carga, dimensões e morfologia, o seu valor unitário, o
acondicionamento, e não se esquecendo também do seu grau de fragilidade, periculosidade, compatibilidade e
custo global do serviço.
Seguindo esse tipo de sistema, vamos à escolha do tipo de veículo, o qual dependente de alguns dos
fatores já destacados, resultaria em buscar solucionar da melhor forma possível o atendimento das necessidades
dos clientes, apresentando um serviço que resulte em um veículo que preencha a sua capacidade e que faça com
ele uma entrega com uma determinada rapidez, porém com um custo menor possível. (NOVAES, 2001).
A movimentação de produtos é de fato transportar os produtos de um local de origem até um
determinado destino minimizando ao mesmo tempo os custos financeiros, que são os gastos internos para
manter a frota própria ou gastos externos para a contratação de terceiros. Minimizar os custos temporais, ou
seja, o tempo pelo qual o produto fica inacessível durante o transporte. Entretanto esse item tem-se tornado
uma questão importante na pauta dos gerentes de empresas de transporte, à medida que várias estratégias que
envolvem a cadeia de suprimento, como as práticas da filosofia JIT, buscam reduzir os estoques das fábricas e
dos centros de distribuição.
Outro item busca ainda diminuir os gastos ambientais, seja de forma direta, com a redução e
readequação de trajetos e cargas melhorando o desempenho do consumo de energia (combustível e óleo
lubrificante), e se de forma indireta, interferir para que o transporte não cause danos ambientais e
consequentemente engarrafamentos, poluição sonora, etc. Embora pareça simples e até comum apurar esses
custos com o meio ambiente, ainda estamos aquém da boa prática de gestões conscientes e das variáveis
tratadas aqui, elas não cobrem todos os aspectos dessa questão.
6 O que são operadores logísticos?
O avanço da tecnologia do sistema de informação propiciou nas últimas décadas um avanço na
integração de informações e sistemas entre as mais diversas empresas no diversos seguimentos existentes.
O Que é Logística?
Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 98
Sistemas isolados de produção, de venda no mercado distribuidor e de controle e conferência de materiais no
início da cadeia de suprimentos, hoje trocam informações, viabilizam relatórios, pedidos, emissão de documentos
automaticamente, realizando um planejamento meticuloso desde a extração de matéria prima até ao calculo das
necessidades do mercado consumidor.
É este cenário inovador da computação e da facilidade de troca de informações que propicia o
aparecimento dos Prestadores de Serviços Logísticos (PSL’s). Tratados comumente como “Operadores
Logísticos”, estes são empresas que olham para a cadeia de suprimentos e identificam as necessidades
específicas de determinados seguimentos de mercado e buscam gerar a solução necessária e mais apropriada
para ele. Hoje, pode-se dizer que grandes empresas, principalmente as multinacionais, não operam sem uma
boa parceria com um operador logístico. Está cada vez mais difícil uma empresa verticalizar por completo a sua
operação, visto os altos custos dos investimentos, falta de mão de obra especializada e busca constante por
estudos de melhorias nas áreas operacionais como um todo. É muito complexo para uma organização cuidar de
todos os detalhes de operações de produção, logística e comercio. Daí a busca por parceiros especializados que
dominem por completo a área em que atuam, dando o melhor retorno no serviço prestado.
Existem, sobre o ponto de vista operacional, dois tipos básicos de operadores logísticos: operadores
baseados em ativos e operadores baseados em informação e gestão. Os operadores baseados em ativos se
caracterizam por possuírem investimentos próprios em transporte, armazenagem, etc. Os operadores baseados
em gestão e informação que não possuem ativos operacionais próprios.
Eles vendem conhecimento e experiência de gerenciamento, baseado em sistemas de informação e
capacidade analítica, que lhes permite identificar e implementar as melhores soluções pra cada cliente, com base
na utilização de ativos de terceiros. Existe uma controvérsia sobre as vantagens de um tipo de operador sobre o
outro.
Os que defendem os operadores baseados em ativos argumentam que eles são mais sólidos e
comprometidos, devido aos investimentos especializados que detém. Por outro lado, os defensores dos
operadores baseados em informação afirmam que por não estarem comprometidos com ativos específicos, são
mais flexíveis na busca da melhor solução possível para atender um determinado cliente.
Em todo o mundo, o ambiente econômico e empresarial tem passado por grandes transformações, que
vem se acelerando nos últimos anos. Como resultado, as operações logísticas têm se tornado complexas o que
tende a gerar mais custos, também sofisticadas tecnologicamente implicando em maiores e mais freqüentes
investimentos e mais importantes sob o ponto de vista estratégico, por permitir maior agregação de valor e
maior diferenciação competitiva favorecendo a utilização de especialistas.
Dependendo do que se solicite, existem variabilidades passíveis de discussão, para dirimir e esclarecer
tais variabilidades é melhor utilizar-se da seguinte pauta: busca de dados sobre a operação; reuniões para
esclarecimento; visitas às instalações da contratante e da contratada.
Com relação à busca de dados sobre a operação, as informações que serão passadas para o operador
variarão de acordo com a sofisticação da resposta que se quer obter. Para uma cotação, uma breve descrição
das atividades, do volume e alguma peculiaridade que exista, como por exemplo, sazonalidade, são suficientes
para respostas satisfatórias.
A redução de custos deve ser entendida como consequência e nunca como finalidade de adoção do
processo. A terceirização só deve ser vista como corte de custos, em ultima instância.
7 O que é logística reversa?
O Que é Logística?
Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 99
No mercado, após a pulverização dos produtos para os clientes, geram-se no pós-consumo, resíduos e
detritos do uso e transformação deles. Estes por sua vez seguirão dois caminhos distintos, que podem ser: como
primeira opção, do cliente para as áreas de reciclagem e reaproveitamento; ou como segunda opção, do cliente
para as áreas de descarte e decomposição. Na segunda opção o processo é um tanto quanto simples: o
cliente/consumidor embala seus resíduos ou detritos e disponibiliza em local específico, uma empresa
especializada (organização, entidade, etc.) também com toda uma estrutura logística, quesitos e tal, faz a
coleta, o transporte e a descarga dos resíduos e detritos em área previamente destinada a esta finalidade
específica. Nesse caso, o homem não sabe quando poderá reutilizar novamente os recursos naturais
transformados e descartados.
Agora vamos olhar para aquela primeira opção, a do cliente para as áreas de reciclagem e
reaproveitamento. Nesse caso, os resíduos e detritos, após embalagem e disposição pelo cliente/consumidor,
após coleta pela empresa especializada, são direcionados para centros de limpeza e triagem, ou seja, novas
empresas com processos completos de movimentação as quais cuidarão da transformação destes descartes,
transformando-os novamente em insumos de utilização na produção primária e secundária dos processos
industriais.
Ou talvez quem saiba, após alguns séculos, se retornarem ao estado natural de insumos, então novo
início de movimentação ao logo da cadeia logística iniciar-se-á novamente com a movimentação da extração.
“logística Reversa”, o termo em si parece até espionagem industrial. Pouco se sabe sobre a origem do
termo, o mesmo foi sendo talhado ao longo do processo de aprimoração dos estudos sobre a logística,
aparecendo em diversos artigos escritos a partir da década de sessenta. Nos últimos tempos, começou a ser
utilizado livremente para identificar o retorno de bens de consumo, materiais de consumo, produtos acabados e
de pós-consumo, os quais até então, não se imaginava que voltassem mais.
Para o empresário ou gestor do século passado a sua preocupação era somente a de coletar ou comprar
as matérias-primas e os insumos necessários para a transformação e fabricação dos bens de consumo. A partir
daí colocar o produto acabado no ponto de venda e pronto, estava encerrada a sua responsabilidade no
processo. Voltar com algum produto ou mesmo com o que restava dele após o seu uso e consumo era
inconcebível.
No momento atual, a nova onda ou moda é o tratamento dado ao termo, como negócio verde, mais para
a adequação do pensamento a conscientização do momento e também para incentivar os gestores a criarem e
modelarem novos negócios a partir do processo logístico reverso. Essa onda está pressionando os empresários e
gestores a investirem em novos negócios voltados para a logística reversa, a fim de que sua empresa atinja um
conceito de aceitabilidade melhor, em relação aos concorrentes, para que possa explorar a sua imagem no
mercado fortalecendo o volume de negócios e consequentemente o faturamento. Sendo assim, uma palavra
chave no processo da logística reversa, a “sustentabilidade”, é o ponto de partida para que todo operador
logístico crie e integre procedimentos e processos para a efetiva operação do sistema logístico reverso.
Na verdade além de garantir novas vagas de trabalho e ser também fonte de renda para diversas
pessoas e famílias que vivem já atualmente da reciclagem, a logística reversa passa a ser encarada como o novo
desafio a ser solucionado com ideias, procedimentos e processos, além da necessidade de conscientização
educacional da população em geral, como já frisado acima, quanto à necessidade e conveniência da reciclagem
para a perpetuação da existência humana em comunidade. Não serão simplesmente convenções, reuniões,
organizações não governamentais e governos que solucionarão o problema. Sendo necessário a efetiva
participação e adesão da população dos centros urbanos para que o processo aconteça e ganhe proporções de
negócios empresariais, a fim de chamar a atenção de investidores e capitalistas.
O Que é Logística?
Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 100
8 Conclusões
É a logística que movimenta o mundo e que faz as coisas acontecerem no universo empresarial. Como a
existência de estruturas empresariais é à base de operação da logística, a lógica da necessidade de existência
física de itens e produtos para a operação logística é consequência dela, ou seja, a logística depende da
administração organizacional para existir e a administração organizacional depende da logística para
operacionalizar essa existência.
Logo, mais fácil é dizer que a logística está tão entranhada nas organizações e no dia a dia das pessoas,
da sociedade, de cidades e países, que é tecnicamente impossível de suprimi-la do contexto de planejamento,
execução, direção e controle das empresas. Administrar é estar envolvido com a logística, estar envolvido com a
cadeia de suprimentos, com a administração de materiais, com a distribuição física e com os sistemas reversos.
Essa mesma logística, quando existente, é farta e abundante pela opulência de suas operações, e traz
crescimento e desenvolvimento para as comunidades, paises e às organizações, quando inexistente, é a outra
face da moeda. Comunidades, paises e empresas podem se isolar e consequentemente entrar em estado
lamentável de existência devido à falta de investimentos e adequação de uma logística mínima. Se observadas
algumas regiões do mundo onde as condições de vida são subumanas, nota-se singularmente a falta de infra-
estrutura logística básica nessas regiões.
Conclui-se com isto que a melhor administração possível aplicada à logística, é fonte geradora de
recursos e de estruturas que levarão melhorias contínuas aos padrões de comportamento de vida das pessoas e
para a comunidade em geral. Daí a logística ter o cunho social como uma de suas variáveis mais importantes,
devido à finalidade cabal da logística que é atender as necessidades finais dos indivíduos. Este é o mais
importante motivo de se estudar, entender e melhorar a logística ao nosso redor.
9 Referências bibliográficas
BALLOU, Ronald H. logística empresarial: Transportes, administração de materiais e distribuição física. São
Paulo: Atlas, 1993.
DIAS, Marco. Administração de materiais: uma abordagem logística. São Paulo: Atlas, 1993.
FLEURY, Paulo Fernando logística empresarial: a perspectiva brasileira. São Paulo: Atlas, 2008.
NOVAES, Antônio G. logística e gerenciamento da cadeia de distribuição: estratégia, operação e avaliação. Rio de
Janeiro: Campus, 2001.
Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº 4 – janeiro/dezembro de 2011
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Estudos Científicos na Área de Secretariado
Mariana Carminatti Faculdades Claretianas de Rio Claro [email protected]
Raquel Albano Scopinho
Faculdades Claretianas de Rio Claro [email protected]
Resumo
Observa-se uma constante mudança na área secretarial, o que a torna mais complexa precisando cada vez mais de teorias mais concisas e profissionais mais bem preparados para atuar na área. Na busca por uma melhor consolidação de temas relacionados ao Secretariado, o presente artigo procura saber qual a importância de uma epistemologia mais robusta para a área. Para tanto, investiga-se, através de um questionário, o interesse dos profissionais da área com relação à bibliografia tanto do Secretariado quando de outras áreas. No que se refere à metodologia, utiliza-se a abordagem qualitativa e pesquisas bibliográficas e de campo. Em suma, os resultados apontaram para o desinteresse dos profissionais com relação à epistemologia da área e mais ainda para a carreira acadêmica. Em um momento em que o secretariado procura se firmar como área da ciência e valorizar mais a profissão, este fato se torna um obstáculo, impedindo sua evolução, deixando os cursos de secretariado sem professores formados na área e a bibliografia escassa. Palavras-chave: Secretariado, Epistemologia, Bibliografia.
1 Introdução
A produção de trabalhos científicos é essencial para todas as áreas da ciência, uma vez que através
desses estudos tem-se acesso a novas ideias proporcionando a formação de profissionais mais versáteis e com
maior capacidade para exercer as atividades relacionadas às suas respectivas áreas de conhecimento. A
pesquisa quando incentivada facilita o processo cotidiano de estudo das matérias universitárias e proporciona a
produção de trabalhos universitários de maior qualidade e com informações bibliográficas inseridas de maneira
correta e mais confiável. Além disso, esses estudos favorecem a produção de novas doutrinas e correntes
ideológicas, fazendo com que os profissionais e estudantes da área se tornem mais críticos.
Um movimento vem sendo feito por alguns profissionais e estudantes da área do secretariado executivo
para que a produção de trabalhos científicos seja mais incentivada para os profissionais em atuação, bem como
nos cursos oferecidos pelas faculdades, e desta maneira criar uma epistemologia mais consolidada para a área.
Ações como a do Prof. Ms. Raimundo Nonato Jr. que, como docente da UNICENTRO no Paraná, coordena
um grupo de discussões na universidade com o objetivo de desenvolver trabalhos sobre assuntos envolvendo a
área do secretariado e os divulga em um Blog
(http://secretariadoeciencia.blogspot.com), são essenciais para a profissão. Não há um grande interesse, por
parte dos Profissionais Secretários, em desenvolver pesquisas cientificas, bem como nota-se, em grande parte
dos cursos de Secretariado Executivo, estudantes que estão sendo preparados somente para a carreira
empresarial, deixando de lado a pesquisa. Dessa forma contamos cada vez mais com um bibliografia
desatualizada. Segundo Nonato Jr (2009, p.01 ), “os conhecimentos empíricos e teóricos em Secretariado
Executivo tornam-se constantemente mais complexos, demandando que se estabeleçam teorizações e
discussões com os saberes científicos”.
O objetivo deste artigo não é formar uma epistemologia do Secretariado Executivo, mas sim saber qual a
importância de uma epistemologia mais robusta para a área analisando as necessidades e interesses dos
estudantes e profissionais da área, tentando conscientizar e incentivar a consolidação das teorias secretariais.
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2 Entendendo a Epistemologia
Epistemologia pode ser definida, segundo o Dicionário da Língua Portuguesa, como “Episteme = ciência,
conhecimento + Logia, ou seja, é o conjunto de conhecimentos que tem por objetivo o conhecimento científico,
visando explicar os seus condicionamentos, sejam eles técnicos, históricos, sociais, matemáticos ou linguísticos,
sistematizar suas relações, esclarecer os seus vínculos, e avaliar os seus resultados e aplicações.” (HOLANDA,
1999, p. 780)
Historicamente, houve discussões sobre qual seria o meio mais importante para o saber. Seria a razão
que desenvolvia o papel principal nesse processo ou seria a experiência (empirismo)? Para os que defendem a
razão, as verdades necessárias são obtidas através da intuição e inferências racionais. Já para os empiristas as
observações e experimentos são cruciais para a investigação.
A história da ciência moderna sustenta o empirismo, porém em ambos os casos, razão ou empirismo, o
que se discute é se o caminho que elas utilizam para alcançar os resultados é confiável. Para resolver essa
questão, os céticos sugerem que não podemos simplesmente assumir um desses caminhos de forma definitiva e
que, para mostrar que esses caminhos são confiáveis precisa-se de muito questionamento e trabalho.
Os argumentos céticos definem a epistemologia. Os primeiros céticos foram Pyrro de Elis (360-270 AC) e
os sucessores de Platão na Academia. O mais famoso dos céticos foi Renê Descartes, que, em suas “Meditações”,
concorda em identificar a epistemologia como uma tentativa essencial e preliminar para a física e para a
matemática, de modo a tentar estabelecer as bases da certeza como uma introdução a ciência. (GRAYLING,
2010)
O epistemólogo e um dos principais estudiosos da História da Ciência, Thomas Kuhn (2000), em seu livro
A estrutura das revoluções cientificas, defende que um paradigma científico é um conjunto de crenças, técnicas e
valores compartilhados por uma comunidade que serve de modelo para a abordagem e soluções de problemas. A
ciência normal é encarregada de apresentar e resolver as questões que surgem no interior do paradigma. Para
ele, não existe um método científico que determina as práticas da investigação científica, mas sim um conjunto
de regras que são relativas, cada uma, a diferentes paradigmas. Enquanto houver problemas cujas soluções
encaixam-se no que prevê o paradigma, a ciência normal funciona adequadamente. Entretanto, quando
começam a aparecer problemas que divergem totalmente das expectativas esperadas, o paradigma original
começa a enfraquecer e uma nova concepção de mundo começa suceder à antiga compreensão da ciência
normal.
Castañon (2007) cita em seu livro, Introdução a epistemologia, que, no século passado, a palavra
epistemologia foi progressivamente perdendo sua acepção ampla, de teoria do conhecimento, para ganhar uma
acepção mais estrita, de estudos metódicos da ciência moderna e suas aplicações, limites, métodos,
organizações e desenvolvimento. Ao mesmo tempo, filósofos franceses passaram a usar o termo para designar o
sentido bem amplo de estudos gerais dos “saberes”. Castañon (2007, p.14) define a Teoria do Conhecimento
como “a disciplina filosófica que estuda as condições de possibilidade de todo e qualquer conhecimento, mesmo
que este conhecimento não seja cientifico.”
Para o autor, é extremamente importante estudar a epistemologia antes de estudar qualquer tipo de
ciência. Se não se sabe o que é o conhecimento, de onde ele vem e como obtê-lo, como se pode afirmar que
conhece algo sobre alguma coisa ou até mesmo que o seu conhecimento é científico?
Villela (2010) explica em seu ensaio filosófico que:
Estudos Científicos na Área de Secretariado
Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 103
Epistemologia é um termo recorrente em Filosofia e designa ou dá nome à Disciplina (1) que, não obstante sua aplicabilidade variável, sempre tratará de estudar, averiguar, analisar a “Ciências (biologia, psicologia, filosofia, química, física etc.)”, buscando agrupar, ou reagrupar, os Conhecimentos relativos às mesmas. É um campo de Estudo que assume tantos formatos quanto forem necessários; podendo, desse modo, ser Lógica,Sociologia, Filosofia do Conhecimento, Psicologia, História etc. (s/p)
Esse agrupamento dos conhecimentos relativos à área deve ser analisado e feito para o entendimento
correto do que é o Secretariado Executivo e suas finalidades. Desta maneira, baseando-se no ensaio filosófico de
Villela, o formato estudado neste artigo é o da Teoria do Conhecimento Científico que realiza o processo de
criação, teorização e validação do conhecimento cientifico.
Para Nonato Jr. (2009), a epistemologia é importantíssima para qualquer ciência ou área do saber que
queira se legitimar social e filosoficamente, formando assim teorias que sustentem os mais diversos processos
empíricos e técnicos realizados na profissão. Os estudos epistemológicos, acrescenta Nonato Jr (2009, p.64,
apud Blanche, 1992), “são responsáveis por definir os critério científicos de uma área ou conhecimento peculiar,
se tornando assim indispensáveis para que um ramo profissional se torne legitimo e confiável como área do
conhecimento cientifico.”
Uma vez que o Secretariado Executivo ainda encontra dificuldades de ser considerada uma área da
ciência, é importante que se estude e forme teorias mais robustas a respeito desta área para que ela se legitime
como tal.
3 A história da profissão do secretariado
De acordo com Senôma (2010), os mais antigos a realizar a atividade de secretariado foram os escribas,
os quais tiveram grande destaque nos anos 300 a.C. pelo fato do imperador Alexandre Magno, conhecido como
Alexandre, o Grande, apreciar muito o trabalho destes. Seu grande apreço pelos Escribas devia-se ao fato de
que a partir de seus registros, ele poderia conhecer melhor as diversas características de povos a serem
conquistados. Nessa época, a profissão era exercida somente pelo sexo masculino. Apenas com a Revolução
Industrial, ocorrida no século XIX, por falta de mão-de-obra masculina, houve o surgimento da figura feminina
atuando na área, tanto na Europa, como nos Estados Unidos. No Brasil, a mulher surge como secretária apenas
na década de 50 e é nessa mesma época que há a implantação de cursos voltados para a área como, por
exemplo, datilografia e técnico em secretariado.
O trabalho do profissional secretário mudou muito com o decorrer do tempo, se antes precisava ser um
exímio datilógrafo e fazer exatamente o que o chefe pedia, hoje ele assume uma posição mais independente,
tomando decisões e filtrando o que deve ou não chegar às mãos da chefia. A datilografia e a taquigrafia foram
deixadas para trás e substituídas pelas novas tecnologias. Dessa forma, a característica primordial de um bom
secretário deixa de ser um simples executante e passa a assumir um caráter de gestor.
O profissional secretário que atuar em grandes corporações é praticamente um assessor da presidência
ou diretoria para a qual trabalha. Em muitos casos, além de gerenciar atividades desenvolvidas na empresa,
administra a vida e a agenda particular dos executivos. Trata-se, portanto, de uma tarefa de extrema confiança,
que exige discrição absoluta.
Nas décadas de 60 e 70, houve a expansão da profissão, mas somente a partir dos anos 80 a categoria
conseguiu, por meio de muita luta, a regulamentação da profissão com a assinatura da lei nº 7.377, de
30/09/1985. Tal ato assegura, entre outros direitos, o de somente exercer a profissão os diplomados, no Brasil
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Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 104
ou no exterior, por curso superior de Secretariado. Desse modo, a classe ganhou força, surgindo os sindicatos
dos secretários como, por exemplo, o Sindicato das Secretárias de São Paulo (SINSESP) e a Associação das
Secretárias do Estado e Minas Gerais (ASSMG) em 1987, que mais tarde no mesmo ano se transformou em
Sindicato das Secretarias e Secretários do Estado de Minas Gerais (SINDSEMG).
Em 1988, foi criada a Federação Nacional de Secretárias e Secretários (Fenassec) em Curitiba, Paraná;
uma entidade sindical de segundo grau, de direito privado, sem fins lucrativos, que representa a categoria
secretarial em todo o território nacional. A Fenassec é constituída por vinte e quatro sindicatos e visa, além de
mobilizar o profissional de secretariado para o exercício de direitos e deveres, coordenar, proteger, defender e
orientar geral e legalmente a categoria das secretárias e secretários, buscando desenvolver o ser humano como
um todo.
Em 7 de julho de 1989, foi publicado o Código de Ética Profissional, criado pela União dos Sindicatos, que
proporciona o direcionamento correto da atuação do Secretário como, por exemplo, o fato de somente pessoas
legalmente credenciadas nos termos da lei poder exercer a profissão. Fixa também normas de procedimentos
dos profissionais, assim como seus direitos e deveres, tais como: defender a integridade moral e social da
profissão, direcionar seu comportamento profissional sempre a bem da verdade, entre outros.
Para os profissionais do secretariado, a conquista dos sindicatos e da Federação foi de grande
importância para garantir os seus direitos e definir as diretrizes da profissão fortalecendo assim a categoria. A
Fenassec luta, desde 1997, para conseguir criar o Conselho Profissional de Secretariado que pretende aumentar
o número de vagas no mercado de trabalho, além de fiscalizar o exercício profissional e possibilitar o
aprimoramento e a formação de mão de obra especializada.
4 Estudos específicos da área do Secretariado
O tema deste artigo surgiu ao observar os temas que seriam abordados nos Trabalhos de Conclusão de
Curso pelos formandos de 2010, de uma turma do curso de Secretariado Executivo Trilíngue de uma faculdade
particular no interior do Estado de São Paulo. Através dos trabalhos propostos, pode-se constatar que a grande
maioria buscou suporte na bibliografia de outras áreas como, administração, comunicação, marketing,
psicologia, entre outras. Até mesmo para a realização deste artigo, foi árduo contar com a bibliografia do
secretariado, pois muito do que se buscou para o embasamento teórico advinha de relatos de postura do
profissional perante às situações vividas na profissão ou mesmo de livros sobre arquivologia e redação de cartas,
que estão alicerçadas em teorias de outras áreas. De certa forma, o arcabouço teórico no qual, normalmente, os
cursos de formação de secretários estão alicerçados não contribue para a formação epistemológica de questões
eminentemente secretariais, como por exemplo: Como e por que surgiu o secretariado? Qual o seu objetivo?
Quais os obstáculos enfrentados pela profissão?
Surgiu, então, a curiosidade de verificar como o profissional secretário busca suporte para suprir as suas
dúvidas relacionadas às atividades de cunho secretarial e gestacional, as quais eles exercem cotidianamente.
Uma vez que o secretariado é considerado uma área da ciência, é preciso que os graduandos e
graduados na área tenham interesse em pesquisar mais sobre essa ciência para que tenhamos uma teoria sobre
o Secretariado mais respalda e alicerçada no conhecimento produzido pela própria área.
Nonato Jr (2009) cita em seu artigo, Epistemologia do Secretariado Executivo, que:
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A importância deste tipo de pesquisa justifica-se pela necessidade que há na área de Secretariado Executivo em debater temas contemporâneos ligados às relações cientificas e culturais da profissão, além de fortalecer os laços teóricos que sustentam o conhecimento secretarial. (s/p)
Trazer à tona assuntos atuais sobre a área é importante e urgente, pois observa-se que a maioria dos
graduados no curso de Secretariado Executivo busca por carreiras empresariais, deixando de lado as pesquisas,
empobrecendo assim a bibliografia da área. Outro fato importante a ser ressaltado é a baixa demanda de
professores especializados na área secretarial, justamente devido ao foco maciço de alguns cursos na carreira
corporativa do profissional secretário. Contamos com pouco incentivo e baixa conscientização para esse fato
tanto nas instituições de ensino superior, quanto nos ambientes de trabalho.
Uma melhor consolidação dos temas relacionados ao secretariado ajudaria esses profissionais no
exercício da sua função? Para Nonato Jr, é de grande relevância que se compreenda melhor as relações teórico-
filosoficas do conhecimento na área do Secretariado, pois na ciência atual, se faz cada vez mais necessária a
compreensão das áreas do conhecimento, sendo preciso entender desde suas motivações técnico-operacionais
até sua proposta epistemológica.
Em um de seus artigos publicados no site da Fenassec, Nonato Jr. (2010) enumera os obstáculos
epistemológicos enfrentados pelo Secretariado, como a falsa idéia de que as Ciências Aplicadas, a qual o
Secretariado se enquadra, não necessitam de fundamentação teórica. Neste caso, “aplicação” é erroneamente
identificado como “tecnicismo”, na realidade “o conhecimento aplicado como o próprio nome indica, caracteriza-
se por seu interesse prático. Isto é, que os resultados sejam aplicados e utilizados na solução de problemas que
ocorrem na realidade.” (Marconi & Lakatos, 2002, p.20)
Outro obstáculo citado pelo autor é o fato da dificuldade do Secretariado ser visto como área do
conhecimento. Para muitos empregadores e alguns autores que abordaram este tema, o Secretariado é uma
prática, mas o Secretariado não se restringe apenas à prática. Esse fato se faz verdadeiro, visto que há quarenta
anos existem os cursos de bacharelado em Secretariado Executivo, sendo eles oferecidos por faculdades em todo
o país e as Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino de Secretariado Executivo, instituídas na Resolução nº
3, de 23 de junho de 2005, salientam que:
Art. 3º O curso de graduação em Secretariado Executivo deve ensejar, como perfil desejado do formando, capacitação e aptidão para compreender as questões que envolvam sólidos domínios científicos, acadêmicos, tecnológicos e estratégicos, específicos de seu campo de atuação, assegurando eficaz desempenho de múltiplas funções de acordo com as especificidades de cada organização, gerenciando com sensibilidade, competência e discrição o fluxo de informações e comunicações internas e externas.
Parágrafo único. O bacharel em Secretariado Executivo deve apresentar sólida formação geral e humanística, com capacidade de análise, interpretação e articulação de conceitos e realidades inerentes à administração pública e privada, ser apto para o domínio em outros ramos do saber, desenvolvendo postura reflexiva e crítica que fomente a capacidade de gerir e administrar processos e pessoas, com observância dos níveis graduais de tomada de decisão, bem como capaz para atuar nos níveis de comportamento microorganizacional, mesoorganizacional e macroorganizacional. (CÂMARA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR, 2005, pp. 79-80)
Mais um fator que ainda obstrui a questão epistemológica está ligado à dificuldade que a FENASSEC tem
encontrado para conseguir aprovação do Conselho Profissional de Secretariado, o qual, sem dúvida, valorizará a
profissão do Secretariado no Brasil e fiscalizará o desrespeito e as negligências que possam ocorrer na profissão.
Apesar dos muitos obstáculos encontrados para a formação da Teoria do Conhecimento do Secretariado,
existe muito sendo feito como. O surgimento de periódicos especializados - como a Revista Excelência da
FENASSEC, a Revista Secretária Online de do Conselho Profissional de Secretariado de Portugal -, algumas
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revistas acadêmicas, disponíveis eletronicamente - como por exemplo: Secretariado Executivo em Revist@,
Expectativa, entre outras -, bem como alguns sites - como o Blog Secretariado e Ciência - são bons exemplos e
um estímulo para que novos meios de comunicação e divulgação de conceitos relacionados à área sejam criados.
O Blog Secretariado e Ciência é coordenado pelo Prof. Ms. Raimundo Nonato Jr. e por meio dele são promovidas
discussões abordando temas atuais relacionados com a profissão. Essas iniciativas são vitais para a área
secretarial, visto que a área vem se reformulando com o passar do tempo, tornando-se cada vez mais próxima
das novas tecnologias.
Partindo dessa reflexão acerca da profissão de secretariado, será avaliado aqui o interesse e as
dificuldades dos profissionais secretários com relação à bibliografia da sua área.
5 Metodologia
Para a realização deste trabalho, foi feita uma pesquisa de levantamento de dados, que se caracteriza,
segundo Marconi e Lakatos (2002), pela obtenção de dados através de pesquisa documental, pesquisa
bibliográfica e de contato direto, na qual foi enviado por e-mail um questionário para quinze profissionais da área
de secretariado. Entre estes profissionais estão: recém-formados no curso de Secretariado Executivo (3),
estudantes do quarto e do sexto semestre do mesmo curso (1 e 3), profissionais formados há mais de cinco anos
na área (2) e profissionais secretários formados em outras áreas (6). Foram escolhidos para participar da
pesquisa profissionais, tanto do setor público, quanto do setor privado.
Quanto ao questionário, ele é composto por sete questões abertas, as quais têm o propósito de
investigar com que frequência o profissional secretário precisa buscar teorias embasadoras da própria área
secretarial para elucidar situações e dúvidas relacionadas ao exercício da profissão ou durante o curso; bem
como, inquirir se estas soluções são encontradas no acervo do Secretariado ou se é preciso buscá-las na
bibliografia de outras áreas. Além desse foco, os participantes de pesquisa foram questionados sobre o(s)
tema(s) que eles acham necessário(s) ter uma abordagem mais específica dada pela própria literatura do
Secretariado e no que esta nova abordagem os ajudaria no exercício da sua profissão. Outro ponto observado
pela pesquisa foi o interesse desses profissionais quanto à leitura de livros teóricos.
6 Análise dos dados
A análise dos dados foi feita utilizando o método qualitativo, uma vez que a pesquisa qualitativa é aquela
que se baseia na significação e contextualização dos dados e não da mera exposição das informações (Marconi &
Lakatos, 2007).
Dentre os quinze participantes da pesquisa, dez responderam ao email enviado e entre os dez, um
participante não quis responder ao questionário, pois trabalha na área de Secretariado, porém não tem
graduação na mesma e achou que não deveria responder às questões. Esse fato mostra que existem
profissionais que, mesmo atuando na área, se excluem da categoria de secretário por não serem graduados no
curso.
Dos nove participantes restantes, todos cursam ou cursaram Graduação em Secretariado Executivo. Três
estão no 6º semestre do curso de Secretariado Executivo Trilíngue e concluirão o curso em dezembro de 2010;
outros três estão cursando pós-graduação nas áreas de Comércio Exterior, Gestão Empresarial e Docência para o
Ensino Superior e três não fazem curso algum atualmente. Portanto, podemos perceber que dos nove
Estudos Científicos na Área de Secretariado
Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 107
participantes, apenas um decidiu seguir a carreira acadêmica. Esse dado reforça a informação de que poucos são
aqueles profissionais secretários que se dedicam a carreira acadêmica e, dessa forma, observa-se o problema
citado anteriormente com relação a falta de pesquisadores e professores formados na área. O interesse dos
profissionais quando buscam os cursos de secretariado está bem mais focado na carreira corporativa e muitos
chegam a desconhecer a vertente acadêmica da profissão.
Quando perguntados se costumam ler livros técnicos e quais as áreas mais recorrentes, mais da metade
dos participantes respondeu que sim, que costuma ler livros técnicos. Contudo, apenas 22.5% lê livros técnicos
para fazer trabalhos da faculdade ou para suprir alguma necessidade no trabalho. O restante não lê livros.
Quanto às bibliografias lidas, as mais recorrentes foram elas: Gestão de Pessoas, área de Educação,
Comércio Exterior, Língua Inglesa, Secretariado, Finanças e Redação. A falta de interesse pela leitura,
principalmente de livros técnicos é evidente entre os profissionais da área e entre os estudantes. O que se
observa nos cursos universitários é que a maioria dos alunos só lê livros quando é preciso fazer algum trabalho
acadêmico e que, normalmente, os profissionais em atuação não sentem a necessidade de reciclarem seus
conhecimentos.
Com relação à leitura de livros que abortam temas secretariais, esse número cai e um dos fatores que
faz com que isso aconteça é a falta de temas mais atuais sobre a área. O que muitos dos participantes da
pesquisa relataram é que os livros do Secretariado são muito superficiais e abordam simplesmente temas
técnicos. Este dado aponta para a necessidade de se pensar nas questões epistemológicas do secretariado e da
urgente propositura de bibliografias mais condizentes com a realidade da profissão de secretário.
Três dos participantes relataram que costumam ler livros sobre secretariado, enquanto os outros
participantes não buscam a bibliografia da área ou, quando precisam de alguma informação relacionada com a
profissão, utilizam a internet como ferramenta para tirar as suas dúvidas. Os livros da bibliografia do
Secretariado citados foram: O livro azul da secretária, de Márcio Eustáquio Guimarães; Epistemologia e Teoria do
Conhecimento em Secretariado do Prof. Ms. Raimundo Nonato Júnior e Secretária: um guia prático de Ivanize
Azevedo.
Ainda que a maioria dos participantes da pesquisa não leia livros sobre a área, 78% deles, como foi
mencionado anteriormente, já buscou ao menos uma vez a bibliografia ou sites relacionados ao Secretariado
para auxiliar em suas atividades no trabalho e todos eles conseguiram encontrar o que precisavam. Isto mostra
como a bibliografia é importante para uma área da ciência e como é importante que se mantenha essas
ferramentas de auxílio atualizadas para que continuem ajudando os profissionais da área quando necessário.
Durante a graduação, oito participantes utilizaram a bibliografia de outras áreas para realizar trabalhos
acadêmicos ou tirar dúvidas. Segundo um dos participantes, essa busca em outras áreas ocorre porque o curso é
pautado na formação pluralista, utilizando-se de fundamentos das multiteorias para formar o profissional
secretário. Essa pluralidade já pode ser observada quando os participantes citaram os livros técnicos que
costumam ler. Alguns profissionais buscam ler livros sobre a área que trabalham, por exemplo, se ele é
secretario do diretor do departamento de Comércio Exterior, em geral, lê livros relacionados ao Comércio
Exterior, visando entender melhor as atividades da área. As áreas mais pesquisadas pelos participantes de
pesquisa foram: Logística, Comunicação, Psicologia, Economia, Relações Internacionais, Marketing,
Contabilidade, Inglês, Administração, Historia, Letras e Pedagogia.
A mesma busca por bibliografia de outras áreas se repete quando falamos do ambiente de trabalho,
embora três participantes tenham dito que não buscam na bibliografia de nenhuma área respostas para suas
Estudos Científicos na Área de Secretariado
Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 108
dúvidas no exercício de suas funções, a maioria relatou que necessita do auxílio de diversas bibliografias para
sanar problemas seu ambiente trabalho. O fato da profissão utilizar multiteorias pode ser a causa desse fato. Ou
seja, o profissional secretário, ao contrário do que muitos pensam, exerce uma profissão que não se restringe
apenas as atividades técnicas como redigir cartas e atender ligações, sua função é de assessor e por isso é
preciso que o profissional esteja atualizado sobre o conteúdo de diversas áreas. Um exemplo de uma atividade
exercida por muitos Secretários e que é preciso mais do que manuais de Secretariado para ser realizada, é a
preparação e o controle do Budget1 de departamento. E, para que este trabalho seja bem feito, é necessário que
o profissional entenda alguns conceitos de finanças.
Objetivando verificar quais as necessidades dos profissionais com relação aos temas abordados pela
bibliografia do Secretariado, foi perguntado quais temas eles acham imprescindíveis para a atuação profissional
deles que não tem sido abordado pela bibliografia do Secretariado. Do total de respostas obtidas, percebemos
que houve, praticamente, um empate - 55.5% disse não sentir falta de nenhum tema, enquanto 44.5% gostaria
que temas como Contabilidade e Finanças, Psicologia, Gerenciamento de viagens e Educação em Secretariado
fossem abordados com mais ênfase na bibliografia da área secretarial. Desse modo, podemos dizer que a
temática da bibliografia na área é controversa e necessita ser mais debatida. Salientamos ainda que três
participantes não quiseram responder a esta questão.
Ressaltamos que, apesar da maioria dos participantes ter dito que não sente falta de nenhum tema na
bibliografia do Secretariado, seis deles, mais da metade dos participantes, acreditam que a abordagem dos
temas acima, relacionados com a profissão, ajudaria a trazer um melhor entendimento sobre o que é o
secretariado, e que este entendimento agregaria mais valor a profissão e ajudaria o profissional a entender
melhor o ambiente organizacional, melhorando sua capacidade com relação à liderança dentro das organizações,
além de fortalecer a formação do secretário executivo. Há aqui uma divergência de pensamentos, pois ao
mesmo tempo em que estes profissionais não sentem falta de nenhum tema na bibliografia do secretariado, eles
acham importante que a bibliografia da área seja mais robusta. Assim pode-se concluir que é necessária uma
consolidação dos temas pertinentes à área secretarial para que até mesmo os profissionais da área entendam
melhor o que é o Secretariado.
7 Considerações finais
Durante a produção deste artigo, vários obstáculos foram encontrados o que dificultou a sua realização,
como por exemplo, a falta de livros que abordam temas recentes sobre secretariado, como já foi dito
anteriormente a maioria dos livros da área traz temas voltados ao tecnicismo da profissão e já estão muito
ultrapassados. Por esse motivo, não foi possível contar com um ampla bibliografia do secretariado como fonte de
informações. Boa parte da base teórica deste artigo teve que ser retirada de livros de outras áreas de
conhecimento, como da filosofia, por exemplo, além de sites e artigos sobre secretariado publicados na Internet.
Até mesmo o livro do Prof. Ms. Raimundo Nonato Jr., Epistemologia e Teoria do Conhecimento em Secretariado
Executivo, publicado em 2009, e que está contribuindo de forma relevante para a pesquisa na área, foi de difícil
acesso, já que ele não está disponível em livrarias. Depois de muitas buscas, consegui-se adquirir o livro
diretamente do autor, por meio de contatos pessoais.
1 Orçamento anual feito pelas empresas. Muitas vezes é de responsabilidade do profissional secretário coordenar os gastos e reportar para a diretoria mensalmente os resultados.
Estudos Científicos na Área de Secretariado
Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 109
Com relação aos estudantes e profissionais do Secretariado, nota-se que são poucos os que têm
interesse por assuntos relacionados à epistemologia da profissão ou à formação de novos professores para a
área; a grande maioria está interessada apenas em exercer a profissão em empresas e deixa de lado as
pesquisas acadêmicas. Isto causa uma deficiência nos cursos oferecidos pelas faculdades e por isso que boa
parte das matérias dos cursos de Secretariado é ministrada por docentes formados em outras áreas, como
Administração e Marketing, e, em alguns casos, a instituições de ensino superior não contam nem mesmo com
secretários para ministrar as disciplinas específicas da área, com Técnicas Secretariais, Gestão Secretarial,
Gestão de Rercusos Secretariais, entre outras.
Como foi citado, a profissão está passando por uma grande revolução saindo de uma atividade antes
vista como tecnicista e se tornando uma profissão que requer um profissional mais crítico, capaz de lidar com
todas as situações em seu papel como assessor. E, para tal, o embasamento epistemológico é fundamental.
8 Referências Bibliográficas
CASTANON, G. Introdução à Epistemologia, São Paulo: Pedagógica e Universitária, 2007, pp. 13-14.
CÂMARA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR. MEC. Diretrizes Curriculares Nacionais Resolução nº 03, de 23 de junho de 2005. DOU. nº 121, de 27/06/2005, Seção 1, PP. 79-80.
GRAYLING A. C. A Epistemologia, http://cfh.ufsc.br/~wfil/grayling.htm, acessado em 24/08/2010 às 16:15.
HOLANDA, A. B. Dicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: Nova Fronteira, 1999.
KUHN,T. S. A estrutura das revoluções cientificas.5ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2000.
MARCONI, M. e LAKATOS, E.M. Técnicas de pesquisa. 5º ed. São Paulo: Atlas, 2002, pp. 25-26.
NONATO Jr, Raimundo Jr. Epistemologia e Teoria do Conhecimento em Secretariado Executivo. Fortaleza: Expressão Gráfica, 2009.
NONATO Jr, Raimundo. Epistemologia do Secretariado Executivo. http://www.fenassec.com.br/pdf/artigos_trab_cientificos_consec_1lugar.pdf. Acessado em 13/08/2010, às 15:00.
Senôma Landy de Barros Cavalcante. História da Profissão do Secretariado. http://www.artigos.com/artigos/humanas/sucesso-e-motiacao/historia-da-profissao-de-secretariado-6568/artigo/, acessado em 13/08/2010 às 21:30.
SINSESP. Sindicato das Secretarias do Estado de São Paulo. Disponível em: www.sinsesp.com.br. Acesso em 10/09/2010 às 15:10.
SINDSEMG. Sindicato das Secretarias e Secretários do Estado de Minas Gerais. Disponível em: < www.sindsemg.com.br >. Acesso em 10/09/2010 às 15:15.
FENASSEC. Federação Nacional das Secretarias e Secretários. Disponível em: <www.fenassec.com.br >. Acesso em 10/09/2010 às 15:40.
VILELLA, F. R. Epistemologia Ensaio Filosófico. Disponível: htpp://www.recantodasletras.com.br, acessado em 06/08/10, às 20:00
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ANEXO – Questionário aplicado
Nome:
Graduação:
Cargo:
1. Está fazendo algum curso atualmente? Se sim, qual e quando concluirá?
2. Você costuma ler livros técnicos? Quais as áreas que estes livros normalmente abordam?
3. Com relação ao secretariado, você costuma ler livros especificamente voltados para a área? Qual foi o
último livro da área que você leu?
4. Alguma vez você precisou buscar na bibliografia do secretariado informações para auxiliá-lo no trabalho?
Se sim, conseguiu encontrar?
5. Enquanto estava cursando a faculdade de Secretariado, precisou consultar a bibliografia de outra área
para realizar algum trabalho acadêmico? Se sim, quais foram as áreas mais recorrentes?
6. No exercício da sua função, você já precisou utilizar a bibliografia de outra área para esclarecer dúvidas?
Se sim, quais foram as áreas mais recorrentes?
7. Qual tema, necessário para a sua atuação profissional, não tem sido abordado pela bibliografia da área
do Secretariado?
8. No que esta teoria ajudaria no seu exercício profissional?
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Efeitos de um Treinamento de Karatê nas Funções Cognitivas e Motoras em Idoso com Demência Mista
Eduardo Dias Viana
Faculdades Integradas Claretianas [email protected]
Ana Clara de Souza Paiva
Faculdades Integradas Claretianas [email protected]
Mariana Zanetoni Vassoler
Faculdades Integradas Claretianas [email protected]
Larissa Pires de Andrade
UNESP -Universidade Estadual Paulista [email protected]
Carla Andreza Almeida Andreatto
UNESP -Universidade Estadual Paulista [email protected]
Fernanda Piazentin
José Luiz Riani Costa UNESP -Universidade Estadual Paulista
Resumo
O objetivo deste trabalho foi analisar os efeitos de um treinamento de karatê nas funções cognitivas e nas atividades motoras de um idoso com demência mista. O paciente estava clinicamente diagnosticado com demência mista. O participante passou por uma anamnese, seguida de avaliação cognitiva e motora, pré e pós treinamento. Foi elaborado um protocolo sistematizado, que visou fortalecimento, flexibilidade, técnicas de posturas, ataque (socos e chutes), bloqueios (defesas) e katas (luta imaginaria com vários oponentes). O protocolo foi realizado durante quatro meses. Os resultados encontrados foram manutenção das funções cognitivas. Em relação a função motora houve resultado positivo no equilíbrio estático e dinâmico. Conclui-se que o treinamento adaptado e sistematizado do karatê contribui para melhora de equilíbrio estático e dinâmico, além de contribuir para a manutenção do status cognitivo. Podendo contribuir assim para a realização das atividades de vida diária de um paciente com demência mista. Palavras-chave: Demência Mista, Karatê, Idoso, Funções Cognitivas, Equilíbrio.
1 Introdução
Demência constitui uma síndrome caracterizada por declínio de memória e de outras funções cognitivas,
de intensidade suficiente para interferir de maneira significativa no
desempenho funcional do paciente (FONSECA et al., 2008). A doença de Alzheimer (DA) é a enfermidade
neurodegenerativa mais prevalente em idosos (QIU; WINBLAD; FRATIGLIONI, 2009), e a demência vascular
(DV) constitui a segunda maior causa de demência (GALUCCI et al., 2005). A DA é condição neurodegenerativa
em que ocorre acúmulos de placas amilóides extracelulares e emaranhados neurofibrilares intraneuronais,
enquanto a DV ocorre secundariamente a doença cerebrovascular (DCV) isquêmica (na maioria dos casos) ou
hemorrágica (FONSECA et al., 2008).
As lesões da DA e da DCV (especialmente as de natureza isquêmica) freqüentemente ocorrem em
associação. As lesões vasculares concomitantes em pacientes com DA podem acarretar aumento dos efeitos
Efeitos de um Treinamento de Karatê nas Funções Cognitivas e Motoras em Idoso com Demência Mista
Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Nº4 – janeiro/dezembro de 2011 112
patológicos, acentuando o comprometimento cognitivo (ENGELHARDT, 2004). A coexistência de DA e DCV
recebe comumente a terminologia de demência mista (DM) (FONSECA et al., 2008). A DM é uma condição
patológica ainda mal definida cuja importância vem se afirmando cada vez mais (ENGELHARDT, 2004). De
acordo com estudos epidemiológicos, estima-se que mais de um terço dos pacientes com DA apresentam
também lesões vasculares, e proporção similar de pacientes com DV exibam alterações patológicas
características de DA (GALUCCI et al., 2005).
A presença de lesões vasculares nos pacientes com DA pode estar subestimada e parece estar associada
à deterioração clínica mais rápida. A apresentação mais comum de demência mista é a de um paciente com
sintomas e características clínicas típicas de DA que sofre piora abrupta, acompanhada pela presença de sinais
clínicos de DVC (GALUCCI et al., 2005). Apesar do número de similaridades entre DA e DV, tem relativamente
função superior a memória verbal de longo prazo e maior comprometimento da função frontal executiva
(GALUCCI et al., 2005).
Fatores de risco de acidentes vasculares desempenham um papel significativo no desenvolvimento e
progressão de demência, enquanto amplas redes sociais e engajamento ativo em atividades mentais, sociais e
físicas podem adiar o início da demência (QIU; WINBLAD; FRATIGLIONI, 2009).
Nesse sentido de engajamento ativo em diversas atividades, cabe destacar a prática de exercício físico
regular. Um estudo de revisão sistemática, realizado recentemente, investigou os efeitos do exercício em
pacientes com DA, mostrando melhora nas seguintes funções cognitivas: linguagem, atenção e funções
executivas (COELHO et al., 2009).
Christofoletti et al. (2009), realizaram um estudo de caso, envolvendo protocolo de intervenção motora
generalizada e observaram melhora dos sintomas depressivos e dos componentes da capacidade funcional em
paciente com diagnóstico clínico de DA.
Heyn et al. (2004), constatou benefícios nas funções cognitivas e nos distúrbios de comportamento em
pacientes com demências, além de observarem resultados positivos em relação à melhora da força muscular, da
aptidão física e da performance funcional.
O karatê, como uma arte marcial, tem grande procura pela sociedade, por ser um meio de auto-defesa e
uma prática ideal de atividade física. A prática regular de karatê desenvolve força, velocidade, coordenação
motora e condicionamento físico (FRITZSCHE, RASCHKA, 2008). Carvalho (2004) e Stemberg et al. (2006),
afirmam que a prática do exercício físico é componente essencial nos cuidados com a saúde. As peculiaridades
desta atividade contribuem para a prevenção e a recuperação de males orgânicos, psicológicos e sociais,
auxiliando no desenvolvimento integral dos praticantes.
De acordo com Yamaguchi (2004), a prática do Tai Chi Chuan (arte marcial chinese de estilo suave)
auxilia no equilíbrio de pessoas da terceira idade, contribuindo na prevenção de quedas, na elevação da auto
estima e autocontrole. Além disso, a literatura mostra que há benefícios na área de saúde mental, regulando os
estados mentais e humor do praticante, auxiliando no desenvolvimento da concentração e integração social
(PALERMO et al, 2006). Entretanto, não foi encontrado nenhum estudo de intervenção que utilizou a prática do
Karatê em pacientes com demência, mais especificamente na demência mista.
Nesse sentido, o objetivo deste trabalho foi analisar os efeitos de um treinamento de karatê nas funções
cognitivas e nas atividades motoras de um idoso com demência mista.
2 Caso clínico
Paciente
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FCPA, 74 anos, sexo masculino, branco, casado, 15 anos de estudo e natural de uma cidade do interior
do estado de São Paulo, Brasil. Está clinicamente diagnosticado com demência mista associado a transtornos
depressivos de moderado à severos. Além disso, apresenta diabétis melitus (insulina dependente há 40 anos) e
como consequencia comprometimento neuropático. Fumou durante 50 anos e manteve um estilo de vida
sedentário. O cuidador relata que o paciente sofre quedas constantes e tem dependência para a realização de
algumas das atividades de vida diária. No início da doença, o paciente apresentou episódios de esquecimento,
depressão e déficit de força musculoesquelética. Ao longo dos anos houve piora do quadro comportamental,
memória recente e desorientação espacial.
3 Protocolo de Avaliação
Para a avaliação cognitiva foi aplicado o seguinte instrumento:
a)Mini-Exame do Estado Mental (MEEM): (FOLSTAEIN et al., 1975; Brucki et al., 2003) compõem-se
de setes categoriais - orientação para tempo, orientação para local, registro de três palavras, atenção e cálculo,
recordação das três palavras, linguagem e praxia visuo-construtiva. O escore do MEEM varia de 0 e 30 pontos,
sendo que valores mais baixos apontam para possível déficit cognitivo.
Para a avaliação motora foram aplicados os seguintes instrumentos:
a) Escala de Equilíbrio Funcional de Berg (EEFB): (BERG et al., 1989), é composta por 14 itens
envolvendo tarefas funcionais específicas em diferentes situações e bases de apoio. Cada tarefa é sub-dividida e
pontuada de acordo com o grau de dificuldade. O escore total varia entre 0 e 56 pontos, sendo que quanto
menor a pontuação maior o risco de quedas.
b) Timed Up And Go (TUG): (PODSIADLO, RICHARDSON, 1991), avalia o equilíbrio dinâmico, o tempo
para se levantar de uma cadeira com braços, deambular por uma distância de 3 metros e retornar à cadeira,
bem como número de passos, são registrados. Maiores valores de tempo e número de passos representam maior
risco de quedas.
4 Protocolo de Treinamento
As sessões foram realizadas três vezes por semana em dias não consecutivos, as aulas tiveram duração
de 60 minutos por um período de quatro meses. As intervenções aconteceram em uma sala de judô na Unesp de
Rio Claro SP, Departamento de Educação Física. O paciente passou por uma entrevista com um delegado da
Federação Paulista de karatê para garantir que o paciente não teve vivências anteriores com essa modalidade.
O protocolo de treinamento foi criado baseando-se nas capacidades físicas e patológicas do paciente,
assim, um programa sistematizado de movimentos adaptados do karatê foi desenvolvido.
A aferição da pressão arterial foi realizada no momento (pré e pós) de cada sessão de treinamento e sua
freqüência cardíaca foi monitorada durante toda a atividade.
A aula foi dividida da seguinte forma: vinte minutos iniciais foram compostos por uma série de exercícios
de aquecimento e alongamento, trabalhando as articulações de todo grupo muscular e os quarenta minutos
finais foram compostos por movimentos adaptados do karatê.
As primeiras sessões de treinamento foram realizadas com o objetivo de desenvolver a similaridade com
a modalidade e as técnicas posturais, bases fundamentais do karatê, importante ferramenta utilizada para a
melhora do equilíbrio, deslocamentos dinâmicos, coordenação e fortalecimento dos membros inferiores. Estes
movimentos foram realizados repetidamente durante nove aulas. A segunda parte do protocolo foi desenvolvida
envolvendo técnicas com utilização dos membros superiores com duração de mais nove aulas. Assim, podemos
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observar que estes movimentos podem estimular a cognição, tempo de reação e todos os componentes da
capacidade funcional.
Estas duas atividades englobam movimentos dinâmicos que trabalhados em associação evoluem para
duas técnicas específicas, denominadas, kihon e kata. Estas duas técnicas foram trabalhadas até o final do
protocolo oferecendo o maior número de estímulos para o paciente.
5 Resultados e Discussão
Em um período de quatro meses de treinamento foram realizadas 40 sessões de treinamento, sendo que
o paciente não compareceu em três sessões por motivos de consultas pré-determinadas pelo seu médico.
Os dados foram coletados antes e após o treinamento, sendo transformados em valores representados
em gráficos.
Na avaliação cognitiva do MEEM, pré e pós treinamento, os valores mantiveram-se parecidos,
demonstrando que não houve declínio cognitivo do individuo (Figura 1).
Figura 1: Mini-Exame do Estado Mental (MEEM).
Esse resultado corrobora com estudos que investigaram os efeitos do exercício físico nas funções
cognitivas em pacientes com demências.
Christofoletti et al., 2009, observaram atenuação das funções cognitivas após a realização de um
protocolo de intervenção motora generalizado aplicado em uma paciente com diagnóstico clínico de doença de
Alzheimer. O instrumento de avaliação cognitiva, utilizado no estudo de Christofoletti, investigou: orientação,
linguagem, compreensão e expressão, memória antiga e recente, aprendizado, atenção, funções executivas e
percepção. Apesar de ser um instrumento de avaliação cognitiva que abrange vários domínios este não mostrou
aumento da pontuação, em nenhum desses domínios, após o protocolo de intervenção motora generalizado.
Mostrando assim, que o paciente manteve essas funções, após o protocolo de intervenção. Esse tipo de
resultado é importante, no que se refere a pacientes com demência, visto que a progressão da doença é
evolutiva e irreversível. Atenuar as funções cognitivas é uma estratégia de tratamento importante e que deve ser
considerado nessa população.
O treinamento de karatê, utilizado no presente estudo corrobora com o estudo de Christofetti et al.,
2009, pois, também mostrou manutenção das funções cognitivas. Quando observados os domínios que
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compõem o mini exame do estado mental, houve diminuição de um ponto no domínio atenção e cálculo no
momento pós intervenção do treinamento de karatê.
Friedman e Tappen, 1991, observaram melhora na linguagem em pacientes com doença de Alzheimer,
após treinamento de caminhada associado com conversação. Cott et al., 2001 ao comparar dois grupos de
pacientes com DA: um com atividades de conversação e outro com atividades de conversação associado a
caminhada, observaram que houve melhora na linguagem, no grupo que realizou as atividades associadas
(caminhada mais conversação). O mesmo resultado foi encontrado por Tappen et al. (2002), que realizaram
métodos parecidos com o de Cott e colaboradores. Apesar do protocolo de karatê apresentar verbalização de
alguns comandos, não se obteve melhora no domínio linguagem. Entretanto, houve atenuação deste domínio, o
que se pode afirmar que é um resultado positivo visto a deterioração da doença.
Lindenmuth e Moose (1990), realizaram um estudo de intervenção motora em pacientes com doença de
Alzheimer, por meio de exercícios somáticos e de relaxamento isotônico, durante oito semanas comparando-se
com um grupo controle que não passou por nenhum tipo de intervenção motora (grupo controle). O grupo de
intervenção teve melhora significativa nas habilidades cognitivas quando comparados com o grupo controle. No
protocolo de intervenção motora de movimentos do karatê não houve melhora da cognição, mas manteve
preservadas as habilidades cognitivas, mostrando que tal prática em pacientes com demência, pode favorecer o
retardo da evolução da doença.
Figura 2: Escala de Equilíbrio Funcional de Berg (EEFB).
Em relação aos benefícios motores, a prática de treinamento de movimentos do karatê proporcionou
melhora no equilíbrio funcional, havendo aumento de 65% na pontuação do momento pré para o pós na Escala
de Equilíbrio Funcional de Berg (Figura 2). O protocolo de movimentos do karatê, utilizado nesse estudo,
objetivou desenvolver a similaridade com a modalidade e as técnicas posturais, importantes ferramentas
utilizadas para a melhora do equilíbrio, de deslocamentos dinâmicos, de coordenação e de fortalecimento dos
membros inferiores.
Hernandez et al. (2010), investigou os efeitos de um protocolo de intervenção motora generalizado em
pacientes com doença de Alzheimer. Os resultados encontrados no estudo de Hernandez mostraram atenuação
do equilíbrio funcional, quando comparados com um grupo de pacientes que não participou do grupo de
intervenção motora (grupo controle). O grupo controle, pelo contrário, apresentaram piora do equilíbrio
funcional.
A literatura mostra que pacientes com doença de Alzheimer caem mais do que pacientes sem demência -
este fenômeno de ocorrência de quedas apresenta-se três vezes mais freqüentes em pacientes com DA
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(IMAMURA et al., 2000). Uma explicação para tais eventos seria que o comprometimento cognitivo de pacientes
com demência de Alzheimer pode estar associado a um maior risco de quedas (SHERIDAN, HAUSDORF, 2007).
Christofoletti et al., (2007) também observaram melhora do equilíbrio em pacientes com diagnóstico
clínico de DA. Para tanto, investigou três grupos com pacientes que tinham o diagnóstico clínico de DA. O
primeiro grupo foi acompanhado por uma equipe interdisciplinar, contendo: fisioterapeuta, terapeuta ocupacional
e educador físico. O segundo grupo foi assistido, apenas, por um fisioterapeuta. Já o terceiro grupo não foi
acompanhado por nenhum profissional, designado assim de grupo controle. Todos os grupos foram avaliados nos
momentos pré e pós seis meses. O grupo um e dois, que participaram de intervenções motoras, foram capazes
de melhorar o equilíbrio.
Figura 3: Time Up and Go (TUG) pontuação por tempo.
Figura 4: Time Up And Go (TUG) pontuação por passos
Além de contribuições do protocolo de movimentos do karatê no equilíbrio funcional, podemos observar
melhoras no equilíbrio dinâmico, avaliados pelo Timed Up And Go. Foi observado um menor tempo de execução
deste teste no momento pós intervenção (de 11,34 segundos para 8,2 segundos) (Figura 3). Em relação ao
número de passos também foi observado menor número de passos (de 15 para 12 passos) para a execução do
teste no momento pós protocolo de movimentos do karatê (Figura 4). Segundo Podsiadlo e Richardson, (1991),
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menores tempo e número de passos para a execução deste teste representam diminuição no risco de ocorrerem
quedas.
Hernandez et al. (2010) realizaram um protocolo de intervenção generalizado, ou seja, trabalhava todos
os componentes da capacidade funcional. Este protocolo foi realizado em um grupo com pacientes com
diagnóstico de DA por seis meses. Outro grupo de pacientes com DA não participaram de nenhum grupo de
intervenção motora (grupo controle). Os resultados encontrados foram manutenção do equilíbrio dinâmico
(passos e tempo), enquanto que, no grupo controle, houve piora dessas variáveis.
6 Conclusão
Este estudo mostrou que o treinamento sistematizado e adaptado do karatê, para um paciente com
demência mista, contribuiu para a manutenção das funções cognitivas e melhora do equilíbrio estático e
dinâmico.
Em relação às funções cognitivas, houve estabilidade da demência, observando-se, inclusive, um
comportamento positivo em sua auto-estima demonstrando-se mais ativo e confiante para suas tarefas de vida
diária.
Ao final do protocolo o participante passou por uma avaliação prática com o delegado da 4ª região da
Federação Paulista de Karatê demonstrando os movimentos aprendidos dentro do treinamento e sendo graduado
com o 6º Kyu, ou seja, trocou a faixa branca pela faixa amarela. Sabendo-se dos benefícios que a atividade
proporcionou, seria necessário que novos estudos fossem realizados com esta população para se confirmar uma
nova forma de tratamento não-farmacológico.
7 Referências Bibliográficas
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Efeitos de um Treinamento de Karatê nas Funções Cognitivas e Motoras em Idoso com Demência Mista
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Instruções para submissão de artigos
A Revista Ensaios & Diálogos é um periódico anual publicado pelas Faculdades Integradas Claretianas de Rio
Claro, no formato digital, disponível na internet e impresso. Este periódico é dirigido à comunidade científica:
professores, alunos de graduação e de pós-graduação, assim como profissionais que atuam em diversas áreas
do conhecimento. Nesse sentido, a Revista Ensaios & Diálogos vem a ser mais um veículo para a divulgação da
pesquisa, cuja finalidade é disseminar e divulgar o conhecimento, ampliando e promovendo o debate acerca de
assuntos de interesse da comunidade científica e da sociedade em geral.
A Revista Ensaios & Diálogos está disponível para a publicação de artigos de desenvolvimento teórico, para
trabalhos empíricos e ensaios.
Os artigos de desenvolvimento teórico devem ser sustentados por ampla pesquisa bibliográfica e devem propor
novos modelos e interpretações para fenômenos relevantes, nos diversos campos de conhecimento abordados
pela Revista.
Os trabalhos empíricos devem fazer avançar o conhecimento na área por meio de pesquisas metodologicamente
bem fundamentadas, criteriosamente conduzidas e adequadamente analisadas.
Os ensaios compõem formas mais livres de contribuição científica. Tais artigos devem ser caracterizados por
abordagens críticas e criativas, revelando novas perspectivas e levando os leitores a reflexões sobre temas
relevantes na área de conhecimento apresentada.
Outros trabalhos podem ser submetidos:
1. Temas em Debate: matéria de caráter ensaístico, opinativo, sobre temas da atualidade.
2. Relatos de experiências: descrição de experiência individual ou coletiva de proposta de intervenção pontual,
que faça o contraponto teoria/prática e indique com precisão as condições de realização da experiência relatada.
Contribuição para a solução de problemas técnicos do setor.
3. Resenhas: relativas a publicações recentes (livros e periódicos recentemente publicados, como também
dissertações e teses), nacionais ou estrangeiras.
Sobre o processo de seleção dos trabalhos
A seleção dos trabalhos inscritos será feita pelo Conselho Editorial da Revista;
Os trabalhos selecionados serão encaminhados para a revisão textual que encaminhará as sugestões de
alteração para o autor.
Os autores deverão realizar as correções sugeridas e submeter novamente o artigo que será enviado para nova
revisão textual.
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Formatação dos artigos
1. Os artigos devem ter até 18 páginas, incluindo as referências bibliográficas.
2. A primeira página do artigo deve conter o título, o resumo, palavras-chave e nome do(s) autor(es). O título
deve ser conciso, porém informativo, não ultrapassando 20 palavras. O resumo deve conter o objetivo da
pesquisa, procedimentos metodológicos e as conclusões, não excedendo 150 palavras. O artigo deve conter até
5 palavras-chave. O nome do(s) autor(es) deve vir seguido do nome da Instituição e do endereço eletrônico. O
título do artigo e o nome dos autores com o e-mail devem estar centralizados.
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justificado. O título do artigo deve estar em formato Arial, tamanho 14 e o título das seções deve ser colocado
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