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Fotojornalismo OS SEGREDOS FOTO JORNALISMO REGISTRANDO O AGORA: A F OTÓGRAPHOS 14 por Eduardo Oliveira Protesto por Edson Luís, estudante morto com um tiro da polícia no restaurante Calabouço. O ato tinha o objetivo de inibir passeatas e reivindicações juvenis, mas tornou-se o estopim de uma luta que marcou a história do Brasil em 1968. Fotos: Evandro Teixeira o sentir o impacto visual de uma imagem que expõe o atropelo da repressão militar no ato de fabricar um jovial mártir político aos pés da Can- delária ou a pausa para a preguiça de três poetinhas saltimbancos muito famosos, o leitor não se dá conta das doses de aventu- ra, romantismo, risco, azar ou sorte, que fazem o sucesso do clique jornalístico. A imagem, seja nas reportagens das revistas ou nos instantâneos dos jornais, tanto pode registrar o baile no meio do salão como o desfile da banda a partir da janela. O fotógrafo imobiliza o balançar cheio de graça da garota que vem e que passa pelas ruas de Ipanema. E como se não bastasse, é pela luz dos seus olhos que a informação surpreende o mundo, tocando cérebros e corações perplexos perante o retrato de um povo em vias de extermínio. O fotojornalista é mais do que um poeta que narra tudo com o toque de uma poesia muda. É um maestro sem batuta. Ávido pela autoria da próxima capa ou da foto que ilustra a manchete do jornal. Chico Buarque, Tom Jobim e, escondido, Vinicius de Moraes experimentando um pouco de ócio. Rio de Janeiro, 1979. Saiba como é registrar imagens que fazem história no olhar de dois grandes mestres da fotografia jornalística. Profissionais que já se tornaram testemunhas-oculares de incontáveis notícias.

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Reportagem publicada sobre a história do fotojornalismo e a contribuição de importantes fotógrafos da imprensa nacional.

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Fotojornalismo O S S E G R E D O S

FOTOJORNALISMOREGISTRANDO O AGORA:

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FOTÓGRAPHOS • 14

por Eduardo Oliveira

Protesto por Edson Luís, estudante morto com um

tiro da polícia no restaurante Calabouço. O ato tinha o

objetivo de inibir passeatas e reivindicações juvenis, mas tornou-se o estopim de uma

luta que marcou a história do Brasil em 1968.

Fotos: Evandro Teixeira

o sentir o impacto visual de uma imagem que expõe o atropelo da repressão militar no ato de fabricar

um jovial mártir político aos pés da Can-delária ou a pausa para a preguiça de três poetinhas saltimbancos muito famosos, o leitor não se dá conta das doses de aventu-ra, romantismo, risco, azar ou sorte, que fazem o sucesso do clique jornalístico. A imagem, seja nas reportagens das revistas ou nos instantâneos dos jornais, tanto pode registrar o baile no meio do salão como o desfi le da banda a partir da janela. O fotógrafo imobiliza o balançar cheio de graça da garota que vem e que passa pelas ruas de Ipanema. E como se não bastasse, é pela luz dos seus olhos que a informação surpreende o mundo, tocando cérebros e corações perplexos perante o retrato de um povo em vias de extermínio.

O fotojornalista é mais do que um poeta que narra tudo com o toque de uma poesia muda. É um maestro sem batuta. Ávido pela autoria da próxima capa ou da foto que ilustra a manchete do jornal.

Chico Buarque, Tom Jobim e, escondido, Vinicius de Moraes experimentando um pouco de ócio. Rio de Janeiro, 1979.

Saiba como é registrar imagens que fazem história no olhar de dois

grandes mestres da fotografi a jornalística. Profi ssionais que já se

tornaram testemunhas-oculares de incontáveis notícias.

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Jonathan Cam

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A explosão inesperada ocorreu durante o show de apresentação da moto na Copa Renault, no autódromo Internacional de Pinhais. Foto registrada com uma Canon Mark II e objetiva de 70-200 mm.

O S S E G R E D O S FotojornalismoJonathan C

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O mergulho, ou mesmo “joelhinho”, como é invocado no dialeto do surfe, aconteceu nas temidas ondas de Nemtawaii, nas ilhas da Indonésia.

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Evandro Teixeira

“O enterro do anjinho”. Pai e mãe levando seu fi lho, de quatro meses, para o cemitério. Fotografi a de 1992, em Aprázivel, Ceará.

De onde vêm os fotojornalistas

Curiosidade intrigante. Claro que o repórter fotográfi co não é uma pessoa que já nasce com aquele colete multiúso e a bolsa a tiracolo. Muito menos trajando uma calça cargo, com a barba por fazer, o ar cansado, disparando fl ashes onde quer que haja um fato digno de uma foto.

Os primeiros cliques de alguns profi s-sionais balbuciantes saem da faculdade, das cadeiras de cursos de fotografi a, jornalismo e, até mesmo, publicidade. Mas houve um tempo, não muito remoto, em que o diplo-ma de curso superior não era condição de ingresso na profi ssão de jornalista. A gradu-ação vinha com aulas de rua e cobertura de eventos, do discurso ao protesto, da ovação à vaia, do inesperado ao trivial.

coletivo mais famoso da história. Outro jornalista entrevistado pela

Fotógraphos apresenta uma biografi a com traços diferentes. O fotógrafo paulista Silvio Ribeiro trabalhou 22 anos no Gru-po Estado. Entrou como freelancer e em pouco tempo foi contratado. Promovido a chefe do estúdio, trabalhou também como editor-assistente e, por fi m, chegou a edi-tor-chefe. Mudou-se de São Paulo e está há quatro anos como editor de fotografi a na Rede Paranaense de Comunicação (RPC) e comandando o setor de imagens do jornal curitibano Gazeta do Povo. “Era editor em São Paulo e vim para cá, só mudei de cidade”.

Silvio começou a fotografar para jornal com 17 anos. Imprimiu imagens também nas páginas de veículos como Veja, Vejinha e Estúdio Abril. Até decidir colocar a câmera ao lado para pensar na imagem com a responsabilidade de sua edição. Atualmente, dedica uma fração de seu tempo a lecionar fotojornalismo no Programa de Extensão em Comunica-ção UFPR/PUCPR/RPC (http://www.ondarpc.com.br/irpc).

O fotojornalista era formado na prática, em uma grade curricular que não imprimiu títulos de terceiro grau, mas concedia medalhas de honra para profissionais de gestos simples cujos olhares afiados ajudaram a revelar a atividade no País.

Evandro Teixeira pertence a essa linha-gem e seu nome, muito requisitado pelas publicações da área, cresce a cada entre-vista que dá. A carreira deste profi ssional baiano começou em Salvador, como esta-giário. Viajou para o Rio, onde fotografou casamentos e carnaval. Ingressou no foto-jornalismo em 1958, no Diário da Noite, tablóide da organização associada de Assis Chateaubriand. Permaneceu nesse veículo por quatro anos, quando fez uma escala na revista Mundo Ilustrado, passando depois para o Jornal do Brasil. “Naquela hora minha carreira emplacou. Várias copas, olimpíadas, coberturas políticas, o golpe militar no Chile, no Brasil. O massacre da Guiana Inglesa pelo pastor Jim Jones, que matou mais de 900 pessoas envenenadas. E assim fui fotografando mundo afora”, recorda com detalhes sobre o suicídio

Eva

ndro

Tei

xeira

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A fotografi a jornalística pode até ser um golpe de sorte, cair do céu como um raio no lugar certo e no instante crucial. Dar a cara do fl agrante, a tomada única do fato que acontece ali à frente do fotógrafo atento uma única e tímida vez, para jamais voltar. Mas não é só de instantâneos que vivem as primeiras páginas dos jornais e capas de revistas. Há também uma competência notável ável áfazendo arte por trás do “momento decisivo” de Bresson. Dentro do palco da realidade, um sutil atraso pode exibir no visor apenas a frustração de não ter registrado aquela que poderia ter sido a fotografi a de toda uma vida, o grande prêmio que ninguém mais poderá obter e o pior de tudo: estava ali, na ponta do dedo e escapou.

Ganhar e perder são sortes e azares comuns no dia-a-dia de fotógrafos que vivem em função dos prazos nos veícu-los de comunicação diária. O trabalho

começa na discussão de pautas, cai sobre a caneta do pauteiro que transcreve o histórico do fato e os objetivos do jornal. Já nas mãos do fotógrafo, vem a voz ino-minável ao fundo: “Para a rua”. ável ao fundo: “Para a rua”. á É uma causa justa, afi nal a notícia não espera. Daí para a frente é só com ele: “A imagem o fotógrafo tenta prever no caminho, cria

Uma pauta como pista

Conselheiristas da cidade de Monte Santo. Profi ssão desconhecida nas grandes metrópoles, desconhecida nas grandes metrópoles, desconhecida nas grandes metrópolesmas que satisfaz seus clientes na Bahia. Fotografi a documentada Fotografi a documentada Fotografi a document no ano 2000.

Evandro Teixeira

“Subir um morro para fazer imagens não é novidade para ninguém da área. É perigoso, mas toda pauta tem seu risco”

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uma idéia sobre o que vai encontrar no local.” Evandro continua: “O inusitado se faz na hora, encontra o fato e clica. Emuma pauta programada dá para pesquisar, produzir. Mas no jornalismo do cotidiano, é pauleira”.

Quando o assunto invade as coorde-nadas de um campo de batalha, o olhar do fotógrafo deve ter em vista, antes de tudo, a sua segurança. “Subir um morro para fazer imagens não é novidade para ninguém da área. É perigoso, mas toda pauta tem seu risco. E quando o assunto é um tiroteio, por exemplo, é importante se posicionar bem. Cada momento exige uma postura diferente, e isso só surge com a experiência. Não dá para chegar à linha de frente armado apenas de uma câmera fotográfi ca. Mesmo que o fotó-grafo imagine outra cena é bom sempre estar do lado da polícia”, alerta Evandro Teixeira, revelando sua experiência como fotojornalista do Jornal do Brasil.

Se a disposição é fazer uma reportagem fria, que mergulhe em um tema para mos-trar os detalhes de algum acontecimento, a pauta reclama uma programação prévia. O ensaio começa com o estudo e a elabo-

ração de um projeto cujo desdobramento pode demandar até meses. Certas idéias precisam de tempo para se solidifi car e se mostrar realizáveis, porém outras náveis, porém outras ná ão podem se dar a esse luxo. São pedidas para ontem. Depende da disponibilidade do fotógrafo e da ânsia do mercado pelo assunto.

A pauta de uma fotorreportagem desse calibre deve ser planejada em função do meio de divulgação em que se pretende veicular ou comercializar a matéria. É indispensável que o projeto tenha uma ável que o projeto tenha uma ádelimitação básica: começo, meio e fi m. O esboço deve ter pé e cabeça nos seus respectivos lugares, pois só limites bem traçados impedem que a imagem se afaste, lançando o fotógrafo para fora do tema.

Com o dedo no gatilho, o conhecimen-to do tema e a familiaridade com o ambien-te de ação abrem atalhos decisivos para o sucesso do disparo. O êxito é construído sobre dois pilares blindados: a pesquisa de imagens e textos de jornais, revistas e livros; e a partir do contato com pessoas direta-mente envolvidas com o assunto. Além de fornecer informações, elas são peças-chave para conseguir alguns acessos.

Novela da vida real. Meninos de rua Meninos de rua Massistem televisão na vitrini de uma loja de eletrodomésticos, no centro de Curitiba.

Perseguição a um aluno de medicina na Cinelândia. Movimento Estudantil, Rio de Janeiro, 1968.

Evandro Teixeira

Jona

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Tão indispensável quanto a bagagem cultural e informativa, o equipamento fí-sico é um peso que sob hipótese nenhuma pode ser esquecido em casa. Seus itens têm que estar sempre à mão, como os agasalhos para os dias frios ou roupa leve para um calor quase insuportável, dependendo do destino geográfi co. Igualmente vital é dei-xar uma câmera armada e duas objetivas básicas, uma tele e uma grande-angular, prontas para serem sacadas, porque o instantâneo não faz pose. Qualquer even-tualidade deve ser clicada no ato.

A escolha do equipamento depende da perspectiva que se pretende impri-mir às imagens. Nem sempre é possível prever que tipo de objetiva vai ser útil em determinado assunto. A experiência própria, que só se adquire com o tempo e no contato com a atividade, é que poderá aconselhar e orientar o fotógrafo.

Daí até a fotografi a, as possibilidades de aprimoramento tecnológico do arsenal fotográfico dependem da importância

Fazendo a malado veículo ou do poder aquisitivo do freelancer. Sempre de olho na exigência de cada estilo fotográfi co. Afi nal, quando o dia acaba, o talento do fotógrafo é uma das informações que resistem à rápida senilidade do jornalismo impresso.

A editoria de fotografi a do jornal Gazeta do Povo, dirigida por Silvio Ribeiro, trabalha com a linha Canon e fornece uma equipagem de três objetivas ao fotógrafo: 16–35 mm, 28–70 mm, 80–200 mm. Isso nas coberturas básicas do dia-a-dia. O corpo fi ca a cargo da Mark II, que pode ser armado também com uma teleobjetiva de 300 ou 400 mm, quando a foto merecer matéria especial. “Quanto às objetivas, cada repórter tem o seu estilo. Alguns preferem uma grande-angular, enquanto outros optam por mirar de longe com uma tele. O importante é sempre respeitar a pauta. Se ele vai fazer futebol vai ter que levar uma 400 mm. No registro de um tumulto, vai precisar de uma 16–35 ou 28–70 mm”, sugere Silvio.

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O macaco do Circo Portugal passeava com seu criador quando encontrou o repórter fotográfi co e resolveu tirar umas fotos. Registro feito com uma Canon Eos 1N, objetiva 70-200mm e fi lme Fuji Superia 100.

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Não há uma frase que defi na melhor a ativi-dade jornalística, do que o célebre comentário do colunista norte-americano Drew Pearson, conhe-cido no Brasil por uma seção

que assinava na revista O Cruzeiro: “Tra-balho pelo olfato. Quando sinto algo fedendo vou atrás.”

Por mais que cheire mal, é a fragrância do fl agrante. Na acepção alicerçada em muitas teses e livros sobre o tema, foto-jornalismo é, antes de tudo, investigação. Reportagens premiadas não emergem de instantes produzidos. Brotam do fi o de uma leve suspeita, ganham veracidade na apuração, e se multiplicam pelos canais de mídia graças a um faro calibrado para o fato. Mesmo quando a idéia não é roubar imagens debaixo do nariz de uma ação policial, é importante estar preparado para o que der e vier.

Um bom e velho ritual, que gradua o índice da cobertura de qualquer repor-tagem jornalística, recomenda desvendar todo o cenário e seus bastidores assim que pisar no local. Andar por todos os lados, habituando o olhar ao ambiente para de-pois se restringir ao modelo.

O instante do clique é a hora de se concentrar nos trejeitos faciais, no mo-vimento das mãos, na posição ou direção das pernas, na postura corporal do sen-ta-levanta que revela desde o estado do espírito do fotografado até o ridículo, o engraçado ou o perfi l constrangedor da situação. Nem um cacoete pode passar em branco, a menos que seja no contras-tado P&B das imagens que registraram

Clicando pelo faroa história do mundo nas páginas de tablóides informativos.

Os olhos e a boca são o alvo quando se busca uma tonalidade mais emocional. É preciso conciliar a criatividade com a técnica em doses precisas. Pensar e agir simultaneamente e quando a pauta não está em pauta, abrir os olhos para outros acontecimentos. “O bom repórter fotográfi co é aquele que sai com uma pauta e volta com três. Este é o profi ssional que todo edi-tor quer ter na sua equipe, uma pessoa que sugere idéias, participa de toda a produção do jornal. Um fotógrafo que sai para fazer um sim-ples retrato e volta com uma imagem maravilhosa. Um repórter que pega a pauta de um buraco de rua e faz uma fotogra-fi a muito bem-feita”, descreve Silvio Ribeiro.

O ÓBVIO FORA DE FOCO

Se há uma es-trada intransitável no fotojornalismo, é a do lugar co-mum. De tempos em tempos, de um lu-gar a outro, as reporta-gens se repetem. Reapre-sentam acontecimentos de anos atrás, não raro sem atentar para a regra de que algo sempre muda, um detalhe aqui, outro que ali quase passa despercebido pelo visor. O fotógrafo que pretende entrar na área jornalística precisa aguçar sua sensibilidade, dissecar minuciosamente a cena e trazer à luz o que nem mesmo o vídeo conseguiu capturar. O óbvio, nas publicações jornalísticas, não é mais do que uma cena fora do foco de interesse da mídia. E como se já não bastasse, do público também.

Jona

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Jona

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O tom forte da realidade exige uma nova mistura. Uma luz especial, um corte seco ou uma sombra invadindo o frame inusitadamente. Não há um clichê que seja mais publicado em um veículo impresso do que a criatividade do profi s-sional. Enquanto o texto exige o máximo de imparcialidade do jornalista, a foto-grafi a pode se render aos adjetivos sem se repetir. Brincar com as cores, com os detalhes de um fato, escrever a história

do momento com a caligrafi a própria do fotojornalista. É desse contato

ingênuo com o real que surgem as imagens mais cativantes,

as fotos mais polêmicas, mais faladas.

Não há espaço para o corriqueiro nas pá-ginas da mídia. O comum se vê na rua, da casa ao trabalho. Os leitores que-rem um fl agran-te, um cotidiano fora de série que soletre pausada-mente as letras vibrantes da palavra: “e-s-p-e-t-á-c-u-l-o”. O jornal exige imagens fortes que vendam o recheio da capa, distribuído nas

páginas internas. Ou seja, a foto tem

a responsabilidade de chamar o leitor

para a notícia e ainda provocar nele um ques-

tionamento, uma reação inteligente à novidade que

lhe é oferecida. “Mesmo na correria de um

jornal diário, sempre dá tempo para tirar um olhar diferente. E é

isso que faz um fotojornalista. Existem fotógrafos e mais fotógrafos, a diferença está no olhar, na maneira de agir e fo-tografar. Ainda hoje há um espaço bom para este tipo de imagem no jornal. O fo-tógrafo tem liberdade e espaço garantido para criar”, ressalta Evandro Teixeira.

IMAGENS DE ONTEM“Na época em que eu comecei, o fo-

tojornalismo era muito mais romântico, aventureiro. Agora não! Isso mudou muito, o jornalismo está em decadência, assim como todo o Brasil. Mas a história conti-nua, depende de cada profi ssional fazer a sua parte”, declara Evandro.

Uma reportagem da revista O Cruzeiro, em particular, deixa um gostinho de quero mais na cobertura de qualquer escândalo político da atualidade. Era para ser um simples retrato do deputado Edmundo Barreira Pinto - um político da mais alta nata carioca que tinha uma paixão pela fama nacional. Sua Excelência, procurou então as lentes de Jean Manson e a divul-gação do jornalista David Nasser.

A idéia era mostrar o rosto de um político que deitou e rolou nas graças da elite. E não poderia ser um clique e ponto. David Nasser sugeriu ao deputado que colocasse um casaco e uma gravata. A produção decidiu, então, que seria uma foto em plano americano, o enqua-dramento da cintura para cima. A calça sequer apareceria na imagem, garantiu a dupla. Como o clima estava bem carioca e os famosos jornalistas insistiam obstina-damente, o nobre deputado Pinto, posou para a imagem de casaco, gravata, camisa e cueca, na primeira seqüência de Manson. Como se não bastasse, um novo enfoque é engatilhado pelo fotógrafo enquanto o jornalista entra em cena ajudando a com-por melhor a imagem. Nasser se posiciona atrás do deputado, com o braço estendido e um vaso com fl ores à mostra. A imagem do deputado fl orido, só de roupa íntima foi um sucesso nas bancas.

Mas a lábia e a audácia da dupla dinâ-mica renderam mais do que a impressão de edições extras. Documentou também a primeira cassação de um deputado em solo nacional. Hoje, evidentemente, os tempos são menos românticos. A ânsia e o deslumbramento pelo furo estão bem mais moderados, vigiados de perto pelos senso-res de uma ética profi ssional. Em alguns casos, as imagens acabam nas páginas da Justiça. Ilustrando processos que brigam por exorbitantes indenizações. Mas nada que abafe ou mutile o faro, a criatividade ou a técnica de quem faz do fotojornalis-mo um ganha-pão que dá gosto.

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A fotografi a de hoje não faz chacota com a cueca e tampouco com a cara de alguém. Ela amadureceu muito no campo jornalístico, saiu da mera ilustração dos textos para assumir o posto de testemunha ocular do fato. Com isso, abandonou o cantinho da redação para ocupar salas enormes, desbravar e fi ncar sua bandeira no chão que antes era o laboratório fo-tográfi co. A imagem tornou-se indepen-dente através do trabalho de fotógrafos que dedicaram vidas inteiras à notícia. O fato é que agora a fotografi a tem a sua própria editoria.

O editor dessa seção é o responsável ável ápelo tratamento das imagens, coordena-ção do trabalho, estratégias de cobertura. É ele quem discute com outros editores do jornal qual o tamanho que a foto vai ganhar na página. Contrata profi ssionais e escala freelancers. É o responsável por ável por árepresentar a fotografi a em cada reunião. “O editor de fotografi a nunca é apenas o editor. Ele tem uma série de outras atribuições burocráticas também. Em todos os grupos é assim, a fotografi a é independente, ela é auto-administrável”, ável”, ádeclara Silvio Ribeiro.

Na Gazeta do Povo, a opinião de Silvioé simples e infl exível: “Se o jornal tem uma ível: “Se o jornal tem uma íimagem boa e pouco espaço para mostrá-la, é preferível nível ní ão dar.” Algumas imagens podem ser de gavetas, suportam muito bem algum tempinho na espera por uma oportunidade melhor, mas outras exigem uma veiculação imediata. Depende do assunto e, até mesmo, da foto.

Só mesmo com uma postura assim para manter-se em pé na corda bamba da editoria de fotografi a. Geralmente o profi ssional dessa área se inclina para os dois lados de um mesmo dilema: vender jornal e respeitar a ética. Para Silvio, há um meio-termo, um jeito de encaixar as duas tensões em um único objeto: “Infe-lizmente, o jornalismo ainda vive da tra-gédia. Mas não só disso, tenho exemplos aqui de imagens belíssimas que aconte-ceram por acaso. Não vieram de pautas, mas puxaram matérias que tiveram uma repercussão muito grande. No outro dia

todo mundo comentava a fotografi a. Os outros jornais foram atrás para fazer algo parecido, aprofundar mais o assunto. Fo-tojornalismo bom não é só o que vende: imagens de incêndio, assassinato. Até porque a linha editorial do jornal que eu trabalho não é essa”, conclui.

SELEÇÃO E TRATAMENTOCom o clique grafado, a fotografi a é

transmitida à redação do veículo para re-ceber o tratamento necessário à impres-são. Isso nos jornais diários. Nas repor-tagens fotográfi cas os retoques são mais embaixo. A foto é mais trabalhada, lapi-dada para virar capa ou ilustrar matérias sobre diversos assuntos. Tudo sob a ótica do editor de fotografi a e respeitando a máscara do projeto editorial do veículo.

O primeiro passo nessa nova fase é selecionar as imagens cuidadosamente. Para sobreviver à triagem, elas precisam satisfazer, por si só, um perfeito lead jor-lead jor-leadnalístico. Narrar o fato com simplicidade e falar a língua do leitor com um olhar exótico, fi ltrado em uma técnica afi ada. A foto tem que se mostrar interessante antes mesmo de chegar ao programa de editoração eletrônica.

A seguir, vem um tratamento suave. Elas serão apresentadas para milhares de pessoas, de todos os lugares do Brasil e, dependendo do caso, também do mundo. Como “fotografi a jornalística” e “reporta-gem fotográfi ca” são termos femininos, uma maquiagem não compromete o tra-balho de ninguém. Só que de leve, afi nal montagens ou um acento excessivo em algum traço da imagem pode ser conside-rado uma infração ética.

O papel do editor de fotografi a

A atividade do fotojornalista tem um compromisso sério e fi el com o real. E não poderia ser diferente, porque a cre-dibilidade do veículo sofre o toque de cada clique. Cenas forjadas, com pessoas comuns atuando no papel de um fi lme que não seja o da sua própria vida, soam dissonantes nas parabólicas da mídia.

Para Silvio Ribeiro, “É importante não confundir tratamento com mani-pulação de imagens. Manipular é fundir, mudar a cor do cabelo ou trocar a roupa. Todas as imagens exigem um tratamento para a impressão. O que não podemos fazer é alterar a cor do batom, tirar do vermelho e levar para o roxo, por exem-plo. Ou no caso do batom mesmo, dei-xar ele mais vermelho do que está. Esses retoques podem ser feitos, mas não no fotojornalismo”, defi ne.

Uma reportagem fotográfi ca tem que ser natural. Todas as imagens jornalísticas devem ater-se a um denominador comum, registrar fatos sem quaisquer montagens, nem interferências nos acontecimentos ou nas poses dos modelos. As únicas contri-buições possíveis do fotíveis do fotí ógrafo à cena são: a experiência pessoal e o talento de clicar o momento exato.

“O editor de fotografi a nunca é apenas o editor. Ele tem uma série de outras atribuições burocráticas também.”

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Evandro Teixeira

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Grandes fotojornalistas só se fazem de uma forma: sendo vistos. Mas, para ganhar prestígio e conquistar um fl u-xo constante de imagens nos veículos de comunicação, o profi ssional tem que trabalhar assiduamente e transformar-se da noite para o dia no crítico mais con-tundente do seu trabalho, para analisar as imagens e questionar o que está bom e o que precisa ser melhorado. Só esse hábito vai ajudar o fotógrafo a refi nar conheci-mentos técnicos e refl etir sobre a visão de mundo revelada em cada pose. Em al-gumas pautas, dá até tempo de voltar ao local e bater a foto novamente. Mas, na maioria, só resta o lamento e a frustração por um detalhe técnico ter estragado toda a plástica de uma cena poética e real.

“Acredito que a história sempre começa quando o fotógrafo acredita no que quer fazer”, é Evandro Teixeira quem diz, e continua: “Mas não é só isso. Ele tem que saber trabalhar, co-nhecer a técnica e inseri-la em um olhar diferenciado. Além disso, para entrar na

O mercado de trabalhoárea é preciso ter sorte; no Rio e em São Paulo, o mercado está saturado.”

Um bom jeito de ingressar no mundo do fotojornalismo é ir à caça de belas ima-gens, montando, aos poucos, um ensaio de fotojornalismo para apresentá-lo aos editores e profi ssionais ligados à área. Se a vocação tende para o lado da reportagem fotográfi ca, a coleção a ser divulgada muda de importância quando se fotografa pen-sando na cara da revista. Cada uma tem a sua identidade, paquera imagens de um determinado assunto. Fato consumando mesmo, tanto em revistas como em jor-nais, é a apresentação em papel. Os velhos hábitos terminam por, religiosamente, imperar. O portifólio ganha uma textura suave nas mãos de editores de fotografi a e abre portas para muitos iniciantes. Ter uma gama considerável de imagens pode impressionar alguns, mas o fotojornalista atual não é um fuzileiro que dispara rajadas de imagens onde acha que existe um assunto. Ele é um observador, um assumido e ético voyeur da vida real.

Jogos indígenas e as peculiaridades de cada tribo. A foto foi registrada no primeiro torneio entre povos da Amazônia, disputado em Tucurui.

“Hoje em dia, todo mundo se tornou fotógrafo. Compra uma mini-câmera e aprende a enviar as imagens para jornais, revistas”.

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Acima, plantação de algodão em Mato Grosso. A pauta era mostrar o drama de agricultores que fugiram das fortes geadas que atormentaram o sul do país no ano passado. Câmera Nikon D30 e objetiva de 17m o sul do país no ano passado. Câmera Nikon D30 e objetiva de 17m o sul -35 do país no ano passado. Câmera Nikon D30 e objetiva de 17-35 do país no ano passado. Câmera Nikon D30 e objetiva de 17 mm. -35 mm. -35Abaixo, plantação de girassol de uma chácara plantação de girassol de uma chácara plantação de girassol na região metropolitana de Curitiba.

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Os que estão regularmente empregados em jornais e revistas, ou prestam serviços para alguma agência de notícias, têm sa-lário fi xo e adicionais variáveis por pauta especial: viagens ou eventos. Já os freelancers dependem de canais de comercialização que vão desde o jornal do bairro até a in-clusão no esquema das grandes agências e bancos de dados, passando pelos periódicos de médio e grande porte.

“A situação complicou agora com a ascensão da tecnologia digital. Que é uma maravilha, ninguém pode falar o contrário. Ela facilitou a vida do fotó-grafo. Mas, hoje em dia, todo mundo se tornou fotógrafo. Compra uma mini-câmera e aprende a enviar as imagens para jornais, revistas. Se reparar bem, o cabeleireiro é fotógrafo, o outro lá tira fotos das celebridades e envia de graça para os jornais. Isso acaba com o trabalho dos fotojornalistas”, conclui Evandro. A tecnologia suplantou o antigo e aventureiro romantismo que alimentava no jornalista a falsa impres-são de ser poderoso o sufi ciente para mover o mundo e transformá-lo à sua imagem e semelhança.

Mas, com os pés fi ncados no chão, tão bem quanto seu velho e bom tripé, o fotojornalista de hoje atualiza seu equipa-mento e agrega conhecimentos de idio-mas e culturas, enquanto, teimosamente, insiste em percorrer o mundo com uma pauta na cabeça e uma câmera à mão, em busca da foto dos seus sonhos.

Rainha Elizabeth no Brasil, registrada pelo olhar atento de Evandro Teixeira. São Paulo, 1968.

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Igreja lotada em uma missa na Catedral de Aparecida do Norte (SP). A homenagem à padroeira recebeu caravanas de romeiros de todo o país. Registro clicado com uma Nikon D30 e objetiva de 17-35 mm.

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Profissionais do ramo consideram que o fotojornalismo de hoje está muito acomodado, porque o seu produto é for-necido em grande escala pelas agências de notícias que são acessadas diretamente no sossego das redações e lá aportam com tudo pronto e casado, imagem e texto.

Os veículos se valem também de free-lancers, que atuam no varejo e são neces-

sários apenas quando oferecem trabalhos irrecusáveis ou são especialmente contra-tados por tarefa. Com isso, os profi ssionais empregados vão perdendo terreno e as vagas se resumem a meros plantonistas.

A concorrência com a imagem mó-vel (cinema e televisão) obrigou a edi-toria dos meios impressos a inovar na edição das fotos, buscando, com a incli-

nação do ângulo, imprimir emoção no leitor pela ilusão de movimento. Para isso contribuem dois fatores principais: a qualidade da foto, idealizada a partir do material e equipamentos utilizados e a ousadia na diagramação e no enqua-dramento (expressões faciais e gestos espetaculares). Essa tendência é especial-mente forte no jornalismo esportivo, em que a ação é tudo. Ou até mesmo nas manchadas fotos de trânsito que fazem de simples pautas, telas de pintura para fotógrafos das grandes metrópoles.

A tecnologia suplantou o antigo e aventureiro romantismo que alimen-tava no jornalista a falsa impressão de ser poderoso o sufi ciente para mover o mundo e transformá-lo à sua imagem e semelhança.

Mas, com os pés fi ncados no chão, tão bem quanto seu velho e bom tripé, o fotojornalista de hoje atualiza seu equipa-mento e agrega conhecimentos de idio-mas e culturas, enquanto, teimosamente, insiste em percorrer o mundo com uma pauta na cabeça e uma câmera à mão, em busca da foto dos seus sonhos.

O S S E G R E D O S Fotojornalismo

Para onde vai o fotojornalismo

A McLaren brilha logo cedo no Autódromo de Indianápolis. Afraca iluminação natural, aliada ao talento especial do fotógrafotalento especial do fotógrafotalento especial .

Evandro Teixeira

Queda do motociclista da FAB, no Rio de Janeiro. Registro feito em 1965.

FOTÓGRAPHOS • 27

Evandro Teixeira

Jona

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