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Revista Latino-Americana de História Vol. 1, nº. 3 – Março de 2012 Edição Especial – Lugares da História do Trabalho © by RLAH Página 165 Por melhores condições de vida e trabalho: os mineiros rio-grandenses lutando por direitos no estado novo * . Glaucia Vieira Ramos Konrad ** Resumo: Ainda no Estado Novo, os trabalhadores das minas continuavam “desamparados” pelas leis trabalhistas. A luta da categoria foi uma das mais penosas, vinda de longo tempo. Sem ter reconhecido os seus direitos, sem as mínimas condições de trabalho, expostos às inúmeras enfermidades decorrentes do trabalho insalubre e pela má alimentação, os mineiros travaram uma árdua batalha com os que detinham o direito à exploração das minas, bem como contra o governo que tinha o domínio das concessões. Processos judiciais se arrastavam, como o pleito por benefícios perante a Junta de Conciliação e Julgamento, iniciado em 1934, no qual o Sindicato dos Mineiros e Classes Anexas das Minas do Butiá movera contra a Companhia Carbonífera. O resultado desse julgamento, que durou quatro anos, deixou entrever a forma que se daria a soluções dos processos trabalhistas da categoria, com a atuação das Juntas de Conciliação e Julgamento, na “harmonização das relações entre patrões e empregados”. Assim, a partir da categoria dos mineiros rio-grandenses, o artigo expressa a luta destes trabalhadores pelo estabelecimento de direitos trabalhistas. Palavras-Chaves: Direitos dos Trabalhadores. Mineiros. Estado Novo. Abstract: Still in the Estado Novo, the workers of the mines continued “abandoned” for the working laws. The fight of the category was one of hardest, coming of long time. Without having recognized its rights, without the minimum conditions of work, displayed to the innumerable decurrent diseases of the unhealthy work and for me the feeding, the miners had stopped an arduous battle with whom they withheld the right to the exploration of the mines, as well as against the government that had the domain of the concessions. Actions at law if dragged, as the lawsuit for benefits before the Meeting of Conciliation and Judgment, initiate in 1934, in which the Union of the Miners and Attached Classrooms of the Mines of the Butiá moves against the Carboniferous Company. The result of this judgment, that lasted four years, * Este texto apresenta uma versão sintetizada de subitem do capítulo 2 da tese de doutorado Os trabalhadores e o Estado Novo no Rio Grande do Sul: um retrato da sociedade e do mundo do trabalho (1937-1945), orientada por Michael McDonald Hall e defendida na UNICAMP em 2006. ** Doutora em História Social do Trabalho pela UNICAMP e Professora Adjunta dos Programas de Pós- Graduação em História e Patrimônio Cultural e do Departamento de Documentação da UFSM.

Revista Latino-Americana de História · seu Estado e sua industrialização” resultando na cristalização de “uma imagem da classe incapaz de ação autônoma”.6 Como explica

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Por melhores condições de vida e trabalho: os mineiros rio-grandenses

lutando por direitos no estado novo*.

Glaucia Vieira Ramos Konrad**

Resumo: Ainda no Estado Novo, os trabalhadores das minas continuavam “desamparados”

pelas leis trabalhistas. A luta da categoria foi uma das mais penosas, vinda de longo tempo.

Sem ter reconhecido os seus direitos, sem as mínimas condições de trabalho, expostos às

inúmeras enfermidades decorrentes do trabalho insalubre e pela má alimentação, os mineiros

travaram uma árdua batalha com os que detinham o direito à exploração das minas, bem como

contra o governo que tinha o domínio das concessões. Processos judiciais se arrastavam,

como o pleito por benefícios perante a Junta de Conciliação e Julgamento, iniciado em 1934,

no qual o Sindicato dos Mineiros e Classes Anexas das Minas do Butiá movera contra a

Companhia Carbonífera. O resultado desse julgamento, que durou quatro anos, deixou

entrever a forma que se daria a soluções dos processos trabalhistas da categoria, com a

atuação das Juntas de Conciliação e Julgamento, na “harmonização das relações entre patrões

e empregados”. Assim, a partir da categoria dos mineiros rio-grandenses, o artigo expressa a

luta destes trabalhadores pelo estabelecimento de direitos trabalhistas.

Palavras-Chaves: Direitos dos Trabalhadores. Mineiros. Estado Novo.

Abstract: Still in the Estado Novo, the workers of the mines continued “abandoned” for the

working laws. The fight of the category was one of hardest, coming of long time. Without

having recognized its rights, without the minimum conditions of work, displayed to the

innumerable decurrent diseases of the unhealthy work and for me the feeding, the miners had

stopped an arduous battle with whom they withheld the right to the exploration of the mines,

as well as against the government that had the domain of the concessions. Actions at law if

dragged, as the lawsuit for benefits before the Meeting of Conciliation and Judgment, initiate

in 1934, in which the Union of the Miners and Attached Classrooms of the Mines of the Butiá

moves against the Carboniferous Company. The result of this judgment, that lasted four years, * Este texto apresenta uma versão sintetizada de subitem do capítulo 2 da tese de doutorado Os trabalhadores e o Estado Novo no Rio Grande do Sul: um retrato da sociedade e do mundo do trabalho (1937-1945), orientada por Michael McDonald Hall e defendida na UNICAMP em 2006. ** Doutora em História Social do Trabalho pela UNICAMP e Professora Adjunta dos Programas de Pós-Graduação em História e Patrimônio Cultural e do Departamento de Documentação da UFSM.

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left to see indistinctly the form that if would give the solutions of the working processes of the

category, with the performance of the Meetings of Conciliation and Judgment, in the

“harmonization of the relations between masters and used”. Thus, from the category of the

miners river-grandenses, the express article the fight of these workers for the establishment of

labor laws.

Keywords: Rights of the Workers. Miners. Estado Novo.

Como explica Edgar Rodrigues, em referência ao período anterior ao golpe de 1937 no

Brasil, Vargas e seus aliados, desejosos de continuar no poder, elaboraram a “fabricação” de

“subversivos” e “revolucionários”, mesmo para os que nunca tivessem ouvido falar de tais

idéias, a fim de explicar o continuísmo tão cobiçado.1 O caminho para justificar o Estado

Novo foi construído a partir de um vigoroso discurso da pátria, da ordem e do trabalho, onde

o centro foi a retórica do fim da luta de classes.

Aos trabalhadores, restava, na ótica dos que construíram esse discurso, a resignação

para a construção do “progresso da nação”. Em consonância com esta estratégia, como indica

Adriano Duarte, a noção de cidadania passou a ser definida pelo trabalho, pela ocupação,

sendo este um dever social. O universo do trabalho, no Estado Novo, não comportou meios

termos: ou se era trabalhador, com profissão regulamentada e carteira assinada, ou se era

“vagabundo”. Assim, o trabalho apresentou-se como questão central na configuração do

regime. O discurso estado-novista assentou-se no trabalho, concatenado com a construção de

uma nova moral cujo fim foi a defesa da pátria, sendo o anticomunismo o quarto pilar dessa

construção discursiva. O que se fez foi a despolitização das relações de trabalho, atribuindo-

lhes um estatuto natural que o vinculou ao corporativismo.2

Desta forma, “o discurso ideológico parecia querer provar o improvável: a

neutralidade da intervenção governamental”. Exemplo disso foram as afirmações de Vargas,

1 RODRIGUES, Edgar. Novos Rumos. História do movimento operário e das lutas sociais no Brasil (1922-1946). Rio de Janeiro: Mundo Livre, s./d., p. 393-4. 2 Cf. DUARTE, Adriano L. Cidadania & exclusão: Brasil, 1937-1945. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1999, p. 103-116. Sobre uma discussão em torno do corporativismo de Estado, a partir de 1937, ver tb. ERICKSON, Kenneth Paul. The Brazilian Corporative State and Working-Class Politics. Berkeley/Los Angeles/London: University of Califórnia Press, 1977, p. 15-26. O “corporativismo” é visto aqui como a “estratégia de incorporação controlada dos trabalhadores”, a partir do domínio Estatal do empresariado, tanto pelo seu viés inclusivo (incorporação política e econômica de segmentos significativos das classes trabalhadoras, empregando predominantemente políticas de bem-estar, distributivas e simbólicas) e/ou excludente (política repressiva com utilização de estruturas para desmobilizar e submeter a classe trabalhadora previamente organizada e atuante). Ver esse conceito e sua distinção na introdução de ARAÚJO, Ângela. A construção do consentimento: corporativismo e trabalhadores nos anos trinta. São Paulo: Scritta/FAPESP, 1998, p. XV e XXV.

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em 31 de dezembro de 1937 e 1º de maio de 1938, respectivamente: “a multiplicidade de

setores em que age o Estado não exclui, antes afirma, um postulado fundamental: o da

segurança para o trabalho e as realizações de interesse geral”; assim, “o governo, ao conceder

as leis sociais eliminava a predominância de umas classes sobre outras, de modo que se abole

a necessidade de lutas e discórdias. Capital e trabalho unem-se na cooperação e no

congraçamento”.3

No entanto, situações de miséria e de fome e outras condições de vida dos

trabalhadores desarticularam, em parte, o projeto modelar e normativo do Estado Novo e a

realidade experimentada pelos trabalhadores, fazendo com que a passividade não fosse a

única marca desses anos, pois mesmo ameaçados pela repressão política, os trabalhadores não

ficaram quietos.4 Pois, como escreve Antonio Luigi Negro, ao remeter-nos aos anos 1930, “se

o mapa do movimento sindical brasileiro ia sendo redesenhado com base em uma arquitetura

projetada por bacharéis, técnicos, intelectuais e políticos inspirados no corporativismo, estes

não estavam se apossando de um território sem história, despovoado e desprotegido”.5

A hegemonia estado-novista sobre os trabalhadores e os cidadãos, assim, não foi

absoluta, apenas transformando-os em vítimas passivas, como certa historiografia pode dar a

entender. Esta, desde Oliveira Vianna, aponta para uma representação dos trabalhadores

caracterizada pela “heterogeneidade interna, a dispersão e um comportamento atomizado, (...)

expressando uma incapacidade de universalização de seus objetivos”, os quais “seriam

determinados pelas próprias características da formação histórica da sociedade brasileira, do

seu Estado e sua industrialização” resultando na cristalização de “uma imagem da classe

incapaz de ação autônoma”.6

Como explica Marilena Chauí, se a hegemonia pode ser vista como um conceito que

inclui e ultrapassa o de cultura através de um processo global que constitui a “visão de mundo

de uma sociedade e de uma época”, ao mesmo tempo em que a ideologia é vista como

“sistema de representações, normas e valores de classe”7, podemos entender que a experiência

dos trabalhadores se dá pela contra-hegemonia ou pela busca de uma nova hegemonia. Até

3 FONSECA, Pedro Dutra Cézar. Vargas: o capitalismo em construção. São Paulo: Brasiliense, 1989, p. 264 e 294. 4 DUARTE, Adriano, Cidadania ..., op. cit., p. 184. 5 Cf. NEGRO, Antonio Luigi. Linhas de montagem: industrialismo nacional-desenvolvimentista e a sindicalização dos trabalhadores (1945-1978). São Paulo: Boitempo, 2004, p. 24. 6 SADER, Eder. Quando novos personagens entraram em cena: experiências, falas e lutas dos trabalhadores da Grande São Paulo (1970-80). Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988, p. 32. 7 CHAUÍ, Marilena. Conformismo e resistência: aspectos da cultura popular no Brasil. 6. ed. São Paulo, Brasiliense, 1994, p. 21.

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porque “o exercício da hegemonia não se define de nenhuma maneira a priori, mas está

sujeito a constantes rearranjos, submetido a freqüentes negociações e concessões, não

impondo uma visão de mundo com total abrangência e persuasão em todos os aspectos,

lugares e experiências de vida dos trabalhadores”, como concluem Fernando Teixeira da Silva

e Hélio da Costa.8

A cultura de classe dos trabalhadores se constrói diante da dominação que é exercida

sobre eles, mas também através da resistência a essa dominação, a qual acontece não só

“dentro e fora do processo de produção, mas também em sua relação com outros atores, como

empresariado, partidos, governos, polícia, Igreja e Estado”.9 Como afirma Ellen Wood, a

identidade social comum (de classe) desenvolve o tipo de consciência capaz de formar a base

para a solidariedade e a ação coletiva fundada numa experiência e em interesses comuns.10

Neste sentido, são problemáticas visões que apenas consideram o Estado Novo “de

uma forma espontânea”, porque as classes sociais, os atores da vida cotidiana, “não tinham

consciência clara de seus interesses”, argumentando que, no Brasil de 1937, “carecíamos

dessas forças” pela razão de que não “havia partidos políticos orgânicos” das “classes

antagônicas”, como faz José Nilo Tavares.11 Até porque, a “falta de consciência” na sociedade

capitalista pelos trabalhadores não é condição sine qua non para a exclusão da luta de classes

dos mesmos.

Outra questão é a discussão sobre a transformação estrutural e revolucionária da

sociedade, quando alienação e consciência ganham outra dimensão. O erro das análises como

a evidenciada acima é o de confundir consciência com ação coletiva na história, a qual

pressupõe que para existir a segunda é preciso “necessariamente” primeiro formar a primeira.

Desta forma, mesmo que se reconheça que o Estado Novo buscou fundamentalmente destruir

a resistência operária, como o faz também José Nilo Tavares, o refazer historiográfico só é

possível quando se procura ir além das aparências empíricas iniciais. Até porque o movimento

8 Grifos dos autores. Cf. SILVA, Fernando Teixeira da; COSTA, Hélio da. Trabalhadores urbanos e o populismo: um balanço dos estudos recentes. In. FERREIRA, Jorge (Org.), O populismo e sua história: Debate e crítica. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001, p. 225. 9 Ver FORTES, Alexandre; NEGRO, Antonio Luigi. Historiografia, trabalho e cidadania no Brasil. In. FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves (Org.). O Brasil Republicano: o tempo do nacional-estatismo. Do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. Livro 2. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 192. 10 WOOD, Ellen Meikins Em defesa da história: o marxismo e a agenda pós-moderna. In. Crítica Marxista. São Paulo: Brasiliense, v. 1, n. 3, 1996, p. 123-4. 11 Cf. TAVARES, José Nilo. Getúlio Vargas e o Estado Novo. In. SILVA, José L. Werneck da. (Org.). O feixe e o prisma. 1. O Feixe. O autoritarismo como questão teórica e historiográfica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991, p. 74.

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da sociedade não pode ser visto “apenas como a ‘urdidura do poder’, resultado da ação

exclusiva de protagonistas e elites dominantes”.12

A opinião construída por Eli Diniz, de que o período de 1937 a 1945 consolidou um

modelo que atribuiu ao Estado papel primordial. Não só nas decisões relativas às principais

políticas públicas, como também na administração do conflito redistributivo, na definição de

identidades coletivas de setores sociais em processo de incorporação, bem como na

representação dos interesses patronais e sindicais,13 torna-se insuficiente para entender como

se constrói uma identidade de classe dos trabalhadores. Sobretudo, quando se analisa um

período como o Estado Novo, no qual, justamente o discurso oriundo do poder de Estado se

dá no sentido de criar uma “identidade coletiva”, a partir do querer desse próprio Estado e

daqueles que exercem a sua hegemonia. Isto, através do apoio de algumas reivindicações do

movimento operário e da harmonia entre trabalhadores e empresários, dentro da velha

tradição positivista.14

Em análises desta natureza não há espaço para entender como os trabalhadores criaram

sua identidade de classe ou, simplesmente, sem criar essa identidade, resistiram às imposições

verticais e hierarquizadas que a ideologia corporativista procurou lhes impor, pois, senão, o

que resta é apenas a “incorporação dos atores emergentes - trabalhadores e empresários

industriais - ao sistema político”.15 Este tipo de interpretação sociológica, política ou

historiográfica torna homogêneas as ações sociais a partir do Estado, fazendo com que se

chegue a conclusões simplistas que afirmam que “apesar da repressão, foi possível a

modernização do Estado, da sociedade e da economia brasileira”.16

Não se trata aqui de ignorar que a política social, no caso do Estado Novo, foi uma

tentativa de gestão estatal da força de trabalho, que procurou articular as pressões e os

movimentos sociais com as formas pretendidas pela valorização do capital, visando à

12 Ver AZEVEDO, Luiz Vítor T. de. Cultura popular e imaginário popular no Segundo Governo Vargas (1951-54). In. LPH - Revista de História. Ouro Preto: Ed. da UFOP, n. 5, 1995, p. 183. 13 Ver DINIZ, Eli. Engenharia institucional e políticas públicas: dos conselhos técnicos às câmaras setoriais. In. PANDOLFI, Dulce (Org.), Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Ed. Da FGV, 1999, p. 27. 14 Essa visão consolidada no Estado Novo era oriunda de certa interpretação do positivismo e da “política social dos governantes estaduais” do Rio Grande do Sul pré-1930, incluindo o próprio Getúlio Vargas, a qual “pautou-se por dois princípios complementares: o apoio do executivo a certas reivindicações do movimento operário (redução da jornada de trabalho, aumento salarial, etc.) e a mediação do Estado, dos conflitos entre patrões e empregados”, a partir da manutenção do “postulado comteano fundamental que persistiu e até mesmo cresceu (...) o da incorporação do proletariado à sociedade moderna”. Ver SCHMIDT, Benito Bisso. Em busca da terra da promissão: a história de dois líderes socialistas. Porto Alegre: Palmarinca, 2004, p. 431. 15 Cf. DINIZ, Eli. In. PANDOLFI, Dulce (Org.), Repensando..., op. cit., , p. 28. 16 Ver CAMARGO, Aspásia. Do federalismo oligárquico ao federalismo democrático. In. PANDOLFI, Dulce (Org.), idem, 1999, p. 40.

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manutenção da ordem social.17 Muito menos se trata de desconsiderar que, “para algumas

categorias de trabalhadores, o trabalho exerce um peso fundamental na formação da

identidade de classe”.18

Como explica Déa Fenelon, é importante acompanhar a ação do Estado neste

processo, mas sem reduzi-la ao campo estreito da legislação social, mas reconhecendo que o

controle que necessariamente se estabelece sobre a força de trabalho ultrapassa os limites das

relações econômicas para atingir o campo social e do político em seu sentido mais amplo.19

Desta forma, deve-se levar em conta a sugestão de Marilena Chauí, “de que os dominados,

mesmo que confusamente, tendem a diferenciar no interior da sociedade, de um lado, o seu

adversário de classe e, de outro, a esfera do poder”.20

Assim, em análises centradas apenas na ação do Estado fica difícil entender como os

trabalhadores resistiram a mitologização do trabalho e do trabalhador, feita pelo projeto

estado-novista e personificado em Vargas como o maior trabalhador de todos. Precisamos

ampliar os estudos, também, para entender como uma parcela significativa dos trabalhadores

aceitou o discurso varguista centrado na seguinte explicação: “tendes uma legislação que vos

foi concedida sem nenhuma exigência, imposição ou pressão de qualquer ordem, mas

espontaneamente (...). Concessões do governo aos eficientes colaboradores, que são os

trabalhadores”.21

Cláudio Batalha coloca que o proletariado brasileiro do início do século XX lembra os

artesãos e os trabalhadores desqualificados descritos por Edward P. Thompsom na Inglaterra

do século XVIII e início do XIX.22 Poderíamos fazer esse paralelo com os trabalhadores do

Rio Grande do Sul dos anos 1930 e 1940, os quais lembram, em parte, os do centro do país no

início do século. O apoio ao Estado Novo de parcela significativa dos trabalhadores rio-

grandenses pode ter aí apenas uma parte da explicação. Por isso torna-se importante

ultrapassar os limites de abordagens que constatam que esses anos foram “verdadeiramente

17 FALEIROS, Vicente de Paula. A política social do Estado capitalista. As funções da previdência e da assistência sociais. 7. ed. São Paulo, Cortez, 1995, p. 59. 18 BATALHA, Cláudio. 1991-92. Identidade da classe operária no Brasil (1880-1920): atipicidade ou legitimidade?. In. Revista Brasileira de História. Política & cultura. São Paulo: ANPUH/Marco Zero, v. 22, n. 23/24, 1991-2, p. 120-1. 19 FENELON, Déa. Formação do trabalho assalariado urbano (1900-1945). In. História: questões e debates. Curitiba: Ed. da UFPR/APAH, ano 5, n. 8, jun. 1984, p. 66. 20 CHAUÍ, Marilena. Cultura e democracia: o discurso competente e outras falas. 6. ed. São Paulo: Cortez, 1989, p. 59. 21 Citado por BOITO Jr., Armando. O sindicalismo de Estado no Brasil. Uma análise crítica da estrutura sindical. Campinas: Ed. da UNICAMP, 1991, p. 74-5. 22 BATALHA, Cláudio, “Identidade da ....”, op. cit. p. 116.

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revolucionários” no que diz respeito ao encaminhamento das questões do trabalho. Estas

análises permanecem estreitas ao discurso do Estado e ao universo daqueles que aceitam esta

ideologia política, ficando presos aos benefícios materiais oriundos das legislações

trabalhistas e sociais, como pensamos que faz, de certa forma, Ângela de Castro Gomes23,

inclusive deixando em segundo plano a questão de que os “ganhos” dos trabalhadores são

resultados de conquistas oriundas de suas experiências de lutas e resistências - até anteriores a

1930.

Nesse sentido, a análise sobre os trabalhadores neste artigo não reside apenas nos

aspectos institucionais dos trabalhadores mineiros, como o sindicato e o partido. Mas eles

estão presentes, implícita ou explicitamente, na experiência histórica dos trabalhadores, do

movimento operário e da luta de classes. Neste sentido, o alerta de Silvia Petersen continua

pertinente:

não se deve perder de vista que a história da classe operária é a história da experiência e ações comuns e coletivas. Associações, partidos, greves, formas mais ou menos institucionalizadas do movimento são, pois, seus elementos constitutivos e não podem simplesmente ser descartados em nome de preferências analíticas. Também a luta por direitos que caracterizou o movimento operário não seria entendida sem a perspectiva da institucionalização.24

Até porque não podemos ignorar a constatação empírica de que “a brutal repressão

contra a esquerda e, sobretudo, sobre os comunistas nos anos de 1935 a 1944 (especialmente

durante o Estado Novo) e a eliminação dos quadros operários ‘classistas’”, resultou, em

alguns momentos, em criação de “um vácuo político na classe operária”.25 Por outro lado, não

deixaremos de problematizar a opinião de Michael Löwy, senão correríamos o risco de deixar

lacunas importantes para entender como, apesar do controle e da repressão sobre os

trabalhadores e do enquadramento corporativo ao Estado, eles resistiram e em pouco tempo

realizaram greves, passeatas e outros movimentos que contribuíram para o final do Estado

Novo.

23 Cf. Ideologia e trabalho no Estado Novo” In. PANDOLFI, Dulce (Org.), Repensando..., op. cit., p. 53-71. Sobre a relação entre Estado e ideologia no Brasil, no período que aqui nos interessa, ver DAGNINO, Evelina. State and ideology: nationalism in Brazil 1930-1945. Tese (Doutorado). Stanford: Stanford University, 1988. 24 Cf. PETERSEN, Sílvia R. F. “Que a união operária seja nossa pátria!”: história das lutas dos operários gaúchos para construir suas organizações. Santa Maria: Ed. da UFSM, Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2001, p. 16. 25 Ver LÖWY, Michael. In. SADER, Eder et al. Movimento operário brasileiro. 1900-1979. Belo Horizonte: Vega, 1980, p. 46.

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Assim, a chamada de atenção de Michael Hall e Paulo Sérgio Pinheiro, quando se

referem às análises apenas “sindicalistas” da classe operária, é bastante sugestivo para vermos

como “interessava ao regime corporativista”, esse tipo de estudo, “porque lhe permitia atingir

dois objetivos cruciais para o controle do poder sobre as classes trabalhadoras”: “a eliminação

de todo o acúmulo anterior à política trabalhista dos governos Vargas” que “contribuía para o

aprofundamento da relação de dependência da classe operária em relação ao Estado”.26 Ou

seja, se não levarmos em conta o exposto, determinadas visões podem se apresentar como

críticas, mas o ponto de partida e o ponto de chegada das análises são apenas o locus que

permite a manipulação dos trabalhadores pela ótica daqueles que exercem o poder de Estado e

constroem a sua visão de história como se fosse universal ou a única possível.

Além disso, não se pode esquecer o alerta de Robert Paris sobre o proletariado, mas

que pode ser ampliado para os trabalhadores em geral: sendo um corpo inacabado, instável e

problemático, o proletariado é constantemente reconstruído ou reinventado, tanto por seus

partidários como por seus adversários.27

Assim, o fio condutor de uma história sobre os trabalhadores deve ser aquele que nos

leva a própria história e como ela é dada, ou seja, é um processo em construção, seja nos

aspectos sociais, políticos ou culturais. A propósito desse último, continua atual a observação

de Francisco Foot Hardman, quando considerou que “a questão da cultura entre as classes

trabalhadoras só pode ser equacionada historicamente, já que os aspectos culturais não são

apêndices ou complementos da história social das classes em luta, mas, ao contrário,

elementos inerentes ao processo de sua formação e de seu próprio movimento”.28

Como nos mostram Branno Hockerman Costa e Francisco Josué Medeiros de Freitas,

não havia dúvidas - em especial durante o Estado Novo – que o governo ampliou seu poder de

controle e vigilância sobre os sindicatos, pelo modelo de ingerência direta do Estado

intermediada pelo Ministério do Trabalho.29 Porém, esta situação não exerceu pressão

absoluta sobre qualquer atrelamento absoluto dos trabalhadores e submissão total à Ditadura.

26 PINHEIRO, Paulo Sérgio; HALL, Michael, A classe operária no Brasil. Documentos (1889-1930). Vol. I. O movimento operário. São Paulo: Brasiliense, 1979, p. 10. 27 PARIS, Robert. A imagem do operário no século XIX pelo espelho de um “Vanderville”. In. Revista Brasileira de História. Sociedade e Cultura. São Paulo: ANPUH/Marco Zero, v. 8, n. 15, set. 1988, p. 62. 28 HARDMAN, Francisco Foot. Nem pátria, nem patrão!: vida operária e cultura anarquista no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1983, p. 20. 29 Cf. Greves e polícia política nas décadas de 1920 e 1930. In. MATTOS, Marcelo Badaró (Coord.). Trabalhadores em greve, polícia em guarda: greves e repressão policial na formação da classe trabalhadora carioca. Rio de Janeiro: Bom Texto, Faperj, 2004, p. 145.

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E o exemplo dos mineiros rio-grandenses desmonta parte de afirmações que afirmam o

contrário.

Os Mineiros Lutando por Direitos

Os trabalhadores das minas estavam “desamparados” pelas leis trabalhistas. A luta da

categoria foi uma das mais penosas, vindo de longo tempo. Sem ter reconhecido os seus

direitos, sem as mínimas condições de trabalho, expostos às inúmeras enfermidades

decorrentes do seu trabalho insalubre e pela má alimentação, os mineiros travaram um árdua

batalha com os que detinham o direito à exploração das minas, bem como contra o governo

que tinha o domínio das concessões.

Ao mesmo tempo em que os mineiros pleiteavam benefícios, a Junta de Conciliação e

Julgamento colocava fim a um longo processo de indenização, iniciado em 1934, no qual o

Sindicato dos Mineiros e Classes Anexas das Minas do Butiá movera contra a Companhia

Carbonífera.30 O motivo da ação se dera quando o Sindicato dos Mineiros se desentendera

com um enfermeiro da Caixa e Aposentadoria e Pensões. Como a Companhia Carbonífera

não atendera a reivindicação dos mineiros, estes entraram em greve. Com o agravamento da

situação, as autoridades federais, estaduais e municipais intervieram e os grevistas retornaram

ao trabalho. Em represália a Companhia Carbonífera puniu os responsáveis e dispensou os

líderes do movimento. Os operários João Damasceno Silva, Cassemiro Wodacik, Arnaldo da

Nova Caldellas, Jerônimo Araújo, Jacintho Martinez, João Azevedo Filho, Victor Trindade

Medina, Evaristo Ladis Covales, André Splanick, Felix Nunes, João Martins, Marcelo de

Oliveira Filho, Alexandre Azevedo de Souza, Carlos Domingos da Silva, Sabino Antonio de

Moraes, Benito Pires e Deodoro Pereira, entraram com uma reclamação através do Sindicato

contra a Companhia e com um pedido de indenização correspondente aos meses de trabalho

de cada um de acordo com o parágrafo único do decreto 24.694, de 12 de junho de 1934.

O processo, por falta de entendimentos entre as partes, foi paralisado muitas vezes. No

final de 1937, reclamantes e reclamados acordaram em submeter o processo a um juiz arbitral,

por interferência do inspetor regional do Ministério do Trabalho, no Rio Grande do Sul, José

Antonio Aranha. Ficou firmado o compromisso de acatamento da decisão proferida pele 30 A tradição de greve e as reivindicações dos mineiros das Minas do Butiá e São Jerônimo havia atravessado tanto o “Governo Provisório” (1930-1934), bem como no Governo Constitucional (1934-1937). Sobre isso, ver KONRAD, Diorge Alceno. O fantasma do medo: o Rio Grande do Sul, a repressão policial e os movimentos sócio-políticos (1930-1937). Tese (Doutorado). Campinas: IFCH-UNICAMP, 2004, p. 260, 345, 398 e 446.

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árbitro, bem como a obrigação de pôr termo ao processo e homologação do laudo proferido

pela Comissão Mista de Conciliação, do qual não poderia mais haver recurso, isto é,

inapelável.

No laudo apresentado pelo Júlio Casado, constava que os reclamantes consideravam-

se injustamente demitidos e que o objetivo da parte reclamada era o de destruir o Sindicato,

uma vez que a totalidade dos demitidos pertenciam à Diretoria do mesmo. A reclamada

negava e alegava ter mantido sempre as melhores relações com o Sindicato. Para Júlio

Casado, “o estudo meticuloso e imparcial do processado” não conduzia, neste ponto, uma

“fundamentada solução afirmativa”. Afirmava também o árbitro que, ao contrário, “a

orientação da Companhia no sentido de prestigiar o Sindicato”, havia firmado com ela uma

“convenção sobre trabalho” a 1º de maio de 1933. O laudo fez menção ao parecer dado pelo

Consultor Jurídico do Ministério do Trabalho, Oliveira Vianna, onde declara que a greve fora

promovida

por um motivo evidentemente fútil e é duplamente injusta... porque representou um abuso de força numérica objetivada numa exigência absurda de demissão de um empregado um motivo de ordem inteiramente particular, que nada tinha com os interesses da classe ou da profissão ... porque foi deflagrada sem que houvesse a prévia tentativa de conciliação e arbitramento.31

Sustentado no parecer de Oliveira Vianna, a decisão arbitral concluiu que:

Considerando que, incorrendo nessa falta grave, organizando uma insubordinação contra os patrões, com inobservância do contrato de trabalho, do qual se afastaram com prejuízo moral e material da Companhia, nem suficiente razão para isso, os reclamantes ofereceram justa causa para a sua demissão; Considerando que tudo isso e o mais que se colhe do processo hei por bem julgar, como efetivamente julgo improcedente o pedido de indenização de fls. 6, de acordo com as considerações já amplamente expendidas a respeito.32

O resultado desse julgamento, que durou quatro anos, e “coincidentemente” fora

liquidado nos primeiros meses do início do Estado Novo, deixou entrever a forma que se daria

a soluções dos processos trabalhistas, com a atuação das “imparciais” Juntas de Conciliação e

Julgamento. Sobretudo no processo de “harmonização das relações entre patrões e

31 Cf. A ruidosa questão da greve nas Minas do Butiá. In. Correio do Povo, 25 de março de 1938, p. 3. 32 Cf. Correio do Povo, 25 de março de 1938, p. 3.

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empregados”, que, vide esse processo, deixou vários trabalhadores sem o direito de recorrer

do resultado.

John French, cita a opinião de Marcos Andreotti, presidente do Sindicato dos

Metalúrgicos do ABC, para quem, muitas vezes, “a lei não resolvia o problema”, enquanto

que os trabalhadores normalmente perdiam de “dois a um” nas juntas tripartites de

conciliação e julgamento, porque para o líder sindical, patrões e governo eram “sempre a

mesma coisa” e “mesmo o suposto representante dos trabalhadores na Junta de Conciliação e

Julgamento local podia não ser confiável”, afinal, “somente os mais submissos membros da

minoria menos militante dos sindicatos eram escolhidos para o posto pelo Ministério do

Trabalho”.33

Já Fernando Teixeira da Silva considera que “longe de serem meros árbitros dos

conflitos, a serviço da classe dominante, ou manipuladores onde campeasse o recalque dos

direitos, os tribunais trabalhistas positivaram não só representações do poder e da justiça, mas

também transformaram-se em lugar de disputas”, pois neles “as lutas travadas nos locais de

trabalho não se projetaram mecanicamente de forma espectral e refletida, mas para ali

voltaram ou continuaram a se expressar”, pois não formaram “um campo de resolução sempre

pronto a reforçar os ideais de consenso do poder e dos empresários, mas serviram até mesmo

para refrear o despotismo”.34

No caso dos mineiros gaúchos, em 9 de novembro de 1938, a Comissão Executiva do

Sindicato dos Mineiros de São Jerônimo (Minas do Arroio dos Ratos) enviou à Comissão do

Salário Mínimo, uma exposição da situação da categoria. Nela relatavam as condições do

trabalho

nas profundezas da terra na escuridão de uma mina a 90 metros abaixo do solo, onde o ar é artificial, onde a higiene muito deixa a desejar, onde as galerias a todo o momento ameaçam ruir, onde a fumaça dos tiros para o arranque de carvão, a todo o momento ameaçam intoxicar o mineiro, onde o pó que desprende dos perfuradores vai se acumulando aos poucos nos

33 Ver: Afogados em leis: a CLT e a cultura política dos trabalhadores. São Paulo: Perseu Abramo, 2001, p. 19-20. 34 Cf. A carga e a culpa. Os operários das Docas de Santos Direitos e cultura de solidariedade (1937-1968). São Paulo: Hucitec, Santos: Prefeitura Municipal de Santos, 1995, p. 101-2. Robert Levine, por sua vez, coloca que “depois de 1943, os tribunais trabalhistas do regime e as juntas de conciliação começaram, pela primeira vez, a julgar em favor dos peticionários, provavelmente devido aos esforços do presidente para obter apoio político dos trabalhadores e de intelectuais de esquerda. Além disso, Vargas reduziu o controle autoritário do Estado Novo sobre as relações industriais. Em 1944, o governo permitiu que trabalhadores rurais se filiassem aos sindicatos. Algumas das iniciativas de Vargas, porém, fracassaram”. Ver: Pai dos pobres. O Brasil e a Era Vargas. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 103-4.

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pulmões desses mineiros e enfim, muitas outras coisas. (...) é necessário que os que exercem esta profissão tenham uma alimentação adequada com o seu serviço.35

Apelavam, então, para a Comissão encarregada de estabelecer o valor do salário

mínimo no estado, que esta estipulasse um “ordenado mínimo” para a categoria dos mineiros,

ao mesmo tempo, que deveria “indicar uma junta médica para constatar o esgotamento físico

e dar o parecer sobre a alimentação necessária para o mineiro”.

A gravidade dos problemas de saúde decorrentes no trabalho nas minas era tanta que,

Gustavo Müller, representando os empregados das minas de São Jerônimo e da Companhia

Estrada de Ferro e Minas de São Jerônimo entregou um memorial a Ibanez Verney, diretor

dos postos de profilaxia de moléstias venéreas e da sífilis, criados pelo Departamento

Nacional de Saúde Pública. No memorial, solicitava o estabelecimento de um desses postos

na localidade das minas, cuja população era de 1.700 mineiros, a qual somada com as famílias

chegava entre 10 e 11 mil habitantes.36

Os laudos médicos constituíram motivo para que o Sindicato dos Mineiros e Classes

Anexas do município de São Jerônimo dirigisse ao procurador geral do estado, Anor Butler

Maciel, por intermédio do promotor público da comarca de São Jerônimo, providências “no

sentido de serem ativadas as perícias médicas em acidentados”.37 O motivo da solicitação se

dera em razão do Posto de Higiene local não ter atribuições para a realização daqueles

exames, além do expediente normal do seu serviço. Assim, os mineiros ficavam prejudicados,

no caso de acidentes de trabalho, de receber o laudo pericial, para fins de indenizações.

Em 28 de março de 1940, surgiu novo apelo dos mineiros. Desta vez, era a Sociedade

Beneficente dos Empregados da Companhia São Jerônimo, criada em 1934 e sediada na Vila

do Arroio dos Ratos, que enviara correspondência ao interventor Cordeiro de Farias. A

sociedade operária, que congregava aproximadamente 1.800 sócios, relatava que procurava

manter uma farmácia para distribuição gratuita “de medicamentos manipulados, e preparados

de emergência e urgência a perto de 10.000 almas”. Para tanto, recolhia contribuição dos seus

associados, que pouco recebiam por mês, sofrendo com “a falta de conforto e de higiene das

habitações” e “os altos preços dos gêneros de primeira necessidade”, o que tornava 35 Assinavam o memorando o presidente, Zalmiro Keenan e pelo 1º secretário, Clemente Lague. Cf. A situação dos mineiros de São Jerônimo – Um apelo dos diretores do sindicato da classe à Comissão do Salário Mínimo. In. Correio do Povo, 17 de novembro de 1938, p. 6. 36 Ver: Para combater as moléstias venéreas e a sífilis. In. Correio do Povo, 12 de abril de 1938, p. 7. 37 Cf. Os mineiros e os laudos médicos. In. Jornal do Estado. Imprensa Oficial. Porto Alegre – RS, 14 de dezembro de 1940, p. 6.

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“problemática a subsistência dos pobres operários e suas famílias, quase sempre numerosas”,

constituindo fatores que faziam uma alta média doentia naquele núcleo. A Sociedade alegava

que poderia manter-se se “contasse somente com as enfermidades normais”, mas estava

constantemente envolvida com outras epidemias, como tifo, disenteria (adulta e infantil),

pneumonia e outras que se apresentavam pela natureza daquele trabalho. Diante desse quadro,

solicitava ao interventor uma subvenção para aquele “núcleo de operariado, na quase

totalidade de nacionais e suas numerosas famílias”.38

Em 6 de julho de 1941, o Sindicato dos Mineiros de São Jerônimo, através de

telegrama para o presidente da República, solicitou a imediata promulgação da lei da

mineração, dirigindo-se ao governo brasileiro na “certeza” que os trabalhadores das minas

fossem amparados na “sua pretensão” que viria representar uma melhoria das condições vida

e trabalho.39

Os trabalhadores das minas do Rio Grande do Sul foram pessoalmente fazer a entrega

de um memorial. Neste, pleiteavam uma melhoria nas condições de vida. O autor do

documento dizia que “os pobres mineiros” pediam muito pouco. Lembrava a “plataforma da

Esplanada do Castelo” (fazendo uma referência às promessas de campanha da Aliança

Liberal, ocorrido no centro do Rio de Janeiro, em 1930) e no que o Estado Nacional tinha

realizado em benefício dos trabalhadores. Portanto, para o autor da missiva, os patrões e o

governo tinham a “absoluta obrigação”, pelo bem da Nação, de dar aquilo que reivindicavam

“os trabalhadores das Minas do Carvão” do Rio Grande do Sul.40

Em 1943, sob nova direção e denominação, o Sindicato dos Trabalhadores na Indústria

de Extração de Carvão de São Jerônimo, enviou outro telegrama ao então interventor

Cordeiro de Farias. Neste, o Sindicato congratulava-se com o Coordenador da Mobilização

Econômica, a qual mobilizava a mão-de-obra das empresas carboníferas do município,

estando estes prontos para “toda sorte de sacrifícios”, lutarem na defesa do “estremecido

Brasil”. Assinava a mesma o presidente do Sindicato, Afonso Pereira Martins.41 Como os

mineiros não foram atendidos em sua melhoria das condições de vida e de trabalho, as

38 Assinava a petição José Freire, presidente e João da Costa Pereira, secretário. Cf. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul/Fundo Correspondência dos Governantes, Maço 134. 28 de março de 1940. 39 O telegrama era assinado por Zalmiro Keenann, presidente do Sindicato dos Mineiros de São Jerônimo. Ver Arquivo Nacional/Fundo Gabinete Civil da Presidência da República (ANRJ/FGCPR). Notação 17.10. Série Ministério do Trabalho. Lata 347, 94226-942/SC-961. Registro 25.009/41. 40 Ver: Alimentação sadia e tratamento humano – as reivindicações dos trabalhadores das minas do Carvão do Rio Grande do Sul. In. Correio do Povo, 7 de fevereiro de 1943, p. final. 41 Cf. Idem, ANRJ/FGCPR. Notação 17.10, Série Ministério do Trabalho, Lata 347, 94226-942/SC-961. Registro 25.009/41.

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mobilizações continuaram, até chegar na greve de 1945, mas aquela parede é tema para outro

artigo.

O importante é ver que a categoria não chegaria à greve de 1945, sem sua experiência

e acúmulo de lutas e busca de direitos. E os mineiros não se omitiram dela durante o Estado

Novo no Rio Grande do Sul.

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Recebido em Setembro de 2011 Aprovado em Outubro de 2011