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Revista mosaico

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REVISTA MOSAICO: JORNALISMO CULTURAL EM REVISTA. TCC de Aline Aparecida Bueno e Thaís Renata Campos de Morais. Orientação: Prof. Thiago Cury Luiz (2009).

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PUBLICIDADEReportagem , redação, en-

trevista, edicão, design gráfico e diagramação: Aline Ueno e

Thaís CamposColaboração:

Ana Paula Sant’anaDiego Silva

Valdair GrottoTiragem

05 exemplares

OrientaçãoProf. Thiago Cury Luiz

EXPEDIEN

TE

EDITORIAL

Projeto e realização Aline Ueno e Thaís Campos

O que poderia ser mais um trabalho entre tantos outros para a universidade, se trans-formou em estilo de vida. Ou nosso estilo de vida se transfor-mou no nosso melhor tra-bal-ho? Repletas de dúvidas. As-sim nos comportamos durante todo o curso de jorna-lismo, sentimento acentuado no úl-timo ano, o supra-sumo, o que fazer agora? Por várias razões optamos por fazer uma revista sobre a cultura matogrossense. Revista por ser nossa “grande paixão” desde adolescentes, por nos identificarmos am-plamente e por acreditarmos que seria o veículo mais a-propriado para conseguirmos difundir nosso ideal: promo-ver a cultura matogrossense, tão rica e marcante, aos jo-vens, que, segundo pesquisa realizada por nós, não de-monstram interesse por sua cultura ou por não a conhece-rem ou por terem uma opinião pejorativa formada sobre ela. E por que falar sobre a cultura? Simples. Respiramos cultura. Quando acordamos, quando temos aquele diálogo básico ao café da manhã, quando va-mos para a escola ou ambi-ente de trabalho. Sempre há aquela música que não sai da cabeça, um filme inesquecível permeando nossos pensamen-tos, um livro que te emocionou ou absorveu completamente

ou ainda, apenas pelo fato de dividir os mesmos hábitos e costumes, acredite, ali está a tão comentada cultura. O que não podemos pensar é que ela se resume apenas aos eruditos. Do popular ao intelectual, do cult ao puro entretenimento, não importa. Cultura é aquilo que você é. Preocupadas com os rumos que o jornalismo cul-tural vem tomando, relegado a uma mera agenda cultural e aos últimos cadernos do jornal, idealizamos uma revista para o jovem matogrossense no intui-to de informar sobre o âmbito cultural regional e porque não despertar o sentimento de “ser matogrossense”? Atual e ques-tionadora é assim que Mosaico quer ser. O nome veio do arte-sanato. Cada artista e tradição popular formando um mosaico cultural para você.

Agora, voltando ao estilo de vida: Somos duas estudantes de comunicação completa-mente apaixonadas pelo tema de sua revista experimental.

“Parece que o tempo todo era isso, a gente que não se to-cou antes! Só podia ser isso!” E nos remetendo ao passado, vem o sentimento de “paixão” cumprida. É com muito or-gulho que trazemos para você, leitor, a revista dos nossos sonhos. É com muito orgulho, leitor que compartilhamos a Mosaico com você.

E o tempo todo... era isso!

REVISTA MOSAICO

Aline Ueno e Thaís Camposeditoras (ir)responsáveis

ENDEREÇO:Rua Santa Rita, 180 - Centro

Alto Araguaia_MTCEP: 78780-000

http://twitter.com/revistamosaico

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Desbravando caminhos e atravessando fronteiras, Amauri Tangará se tornou o

expoente do cinema matogrossense

O líder da banda Vanguart, Hélio Flan-ders, nos conta em entrevista exclusiva

os próximos passos da banda que se tornou uma das grandes revelações da cena independente dos últimos anos.

O novo siriri e cururu de Mato Grosso. Ensaio Inédito de Mário Friedlander,

um paulista apaixonado pela nossa cultura.

literatura cinema

ensaio

SUM

ÁRI

O

Capa

ENSA

IO

5M

Artigo__________________________24Teatro e dança_________________________26

Literatura________________________30Música_________________________34

Dicas_________________________40Conto_________________________42

Uma questão dessas em Mato Grosso, mais especificamente na baixada cuiabana, com certeza só daria a alternativa “E”. São

muitos os indicativos de que essa região é preenchida por um povo caloroso, receptivo e cheio de energia. Um exemplo claro dessa afirmação são as festanças que reúnem uma série de pessoas jovens, idosas, cri-anças e adultos.

E o incrível é que esse povo festeiro, com toda essa agitação e com o calor que faz no estado, não diminui sua religiosidade, pelo contrário, são mais fervoro-sos do que muitos. Tanto que aprenderam uma forma de se divertirem nas comemorações dos dias santos, como o do Divino Espírito Santo e de São Benedito. Esses matogrossenses reuniram de forma criativa as espetaculares linguagens artísticas do Cururu e do Siriri, que resgataram dos povos indígenas, indígenas estes que buscaram lá nos tempos da Revolução In-

dustrial um entretenimento gostoso e saudá- vel, uma expressão corporal que transmitia respeito e culto à amizade. A Viola-de-cocho, o reco-reco, e o gan-

zá, juntos dos compositores e intérpretes constituem o Cururu, categoria que dá um ritmo delicioso e au-xilia na sincronização das coreografias sempre bem boladas, fazendo com que o Siriri embale os grupos de dança cheios de graça e cada vez mais ecléticos.

Hoje o Siriri, mesmo que também utilizado em Mato Grosso como diversão, carrega um sério e im-portante papel na comunidade, lembro a você leitor que o Siriri é uma identidade desse povo, e como já dizia a bailarina Isadora Duncan, “a dança não é di-versão, mas sim religião, a religião da beleza. Para quem dança, o movimento é um meio de expressão dos sentimentos e pensamentos da alma”.

Turistas se admiram com a graciosidade dos que praticam essa arte, dançada em casais, e que em muitos dos seus passos parecem estar brincando. À primeira vista, lembra muito a dança de festas juni-nas, como a quadrilha. Chapéu, meninos com as mãos nos ombros das meninas, vestidos rodados, fitas de cetim coloridas, sincronia e boa música, vão além de uma comemoração religiosa, transformaram-se em ingredientes de uma identidade matogrossense. n

REBUÇA E CHUÇASiriri e Cururu num ponto de vista matogrossense

Qual a melhor maneira de se comemorar uma data importante?Alternativa A( ) Pôr seu melhor figurino para exibição

B( ) Comemorar com alguma bebidinhaC( ) Reunir-se com os amigos

D( ) Muita música boaE( ) Todas as Alternativas anteriores

por Diego Silva

Mosaico tenta desvendar Danilo Foche-satto, jovem escritor de Várzea Grande que gosta de brincar com as palavras e não tem medo de chocar com sua mar-

ginalidade exacerbada

Foto

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Um mundo 3d num mundo 2d

Um tempo mor-to. É assim que Danilo Foche-

satto, escritor e compositor ex-

perimentalista se define em seu blog

ababsurdoadex-tremum. Mosaico tenta desvendar este jovem escri-

tor de Várzea Grande que gosta

de brincar com as palavras e não tem medo de cho-car com sua mar-ginalidade exa-

cerbada

8ito é o primeiro livro de Danilo Fochesatto. São

oito contos permeados por sexo, drogas e violência. Com personagens insanos

e fora da realidade nor-mal. Lançado pelo Fundo Estadual de Cultura em

parceria com A Fabrika e Arcada Dentária.

Por Aline Ueno

Danilinho ou Foche como os amigos costumam chamá-lo tem algo de intimidador. Está

não só impregnado em seus contos mar-ginais com personagens imorais como também em suas pequenas excentrici-dades como comer pela manhã umas três bisnagas recheadas com rúcula e man-teiga.

A entrevista rolou no barzinho do SESC Arsenal, espaço dedicado à difusão da cultura do estado de Mato Grosso, local sugerido por ele. Ao chegar, no horário combinado, o contista já estava lá, à minha espera. De início não o re-conheci, pois além de ter visto apenas duas fotos suas, ambas de perfil, espe-rava um rapaz sentado sozinho sob à luz fraca do bar. No entanto, encontrei dois rapazes acompanhados de seus copos de chopp gelado e curtindo um cover de MPB, o que automaticamente me levou a pensar que a presença inesperada iria atrapalhar o desenrolar da entrevista, ao que me enganei, pois Arthur Monteiro, diagramador do livro 8ito e seu parceiro do Psiconautas ajudou a descontrair o clima, fazendo-me sentir em meio a uma roda de amigos boêmios discutindo li-teratura, música e artes. Após tímidos apertos de mão, Fochesatto, o escritor com ares clássicos e com um quê de in-telectualismo maduro pareceu-me mais um garoto de bom coração do que todo aquele pandemônio que eu havia pintado

em minha mente.A primeira pergunta foi claro, sobre

sua definição nada convencional no Orkut “Um personagem 3d num mun-do 2d”, que poderia revelar os traços de outsider do jovem escritor, ao que rebateu explicando tratar-se apenas de um personagem. “Chego a esquecer quem sou”, diz com a voz sumindo ao final da frase. Em seu Twitter, é a mamãe, a Sra. Botelho, que dá dicas do lar. Por que faz isso? “São perso-nagens que você cria, é bom pra exer-citar a criação. Sra. Botelho é um lance factual, curtinho, como se fosse minha mãe falando, em alguns momentos eu esculhambo, sou eu mesmo”.

Sokezato, seu nick no MSN, refe-rência a cultura oriental pela qual é apaixonado, é todo sorrisos e dono de um olhar profundo que pode dizer mil coisas. Incrível sua habilidade para brincar com as palavras, interligá-las e criar coisas novas. Sobre a definição de “um tempo morto” em seu blog, empolga-se explicando minuciosa-mente: “Então, o que é o tempo mor-to? Tempo morto é o lance do cinema, que é aquele olhar, a câmera fica ali, depois que tudo acaba, e geralmente quando vai pra edição é eliminado. No meu caso, eu acho que são nos tempos mortos que está o que eu quero passar, são aquelas coisas que você fala: tá, chega dessa porcaria! Mas dali surge

Ilustrações: I.Bê. Gomes para o livro 8ito

LITERATURA

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que Arthur emenda: “Sai do casa-mento e voltei pro Danilo!” “E então surgiu a frase : o não amor nos uniu.”- completa Danilo. Ar-thur confidencia: quem sabe não pode virar o novo projeto dos Psi-conautas.

Nem tudo é men-tira, nem tudo é verdade. Quando

você lê você pensa: é meio absurdo isso? É meio absurdo. Mas porque não poderia

ser real?

Questionado sobre um comen-tário de um crítico a respeito de seu estilo literário possuir característi-cas da geração 00, repleto de sexo e violência se defende citando o exemplo de kama-sutra, no entanto admite que o sexo em seus contos não é algo normal. “Por que tem que ser assim pra mim ? Na real mesmo, são só monte de palavras juntadas numa seqüência que for-mou uma coisa legal. Se for ana-lisar o sentido daquilo, é pesado? É pesado , tá, mas e daí?”.

“Um tempo morto”, referência ao seu

próximo livro : “Tem-pos mortos”, a ser lançado em 2010.

Foto

: Bár

bara

Mar

ques

a experiência que ele quer passar (se refere ao cineasta italiano Mi-chelangelo Antoniani, em quem se inspira para buscar sua definição), que é a experiência cognitiva” - fi-naliza, imitando sotaque cuiabano.

De algum lugar, a dois terços da entrevista, surge, a jornalista Lidiane Barros: “Uma incógnita”, declara sobre o amigo. “Estou descobrindo quem é Danilo agora, ouvindo a conversa”. Algo que demonstra muito da personalidade do Danilo, além de sua impaciên-cia com pessoas que não cumprem prazos, é sua relação com os ami-gos. Seu momento de lazer ideal é beber, comer e falar qualquer coisa junto deles. Em seu livro há um conto dedicado ao Hélio Flanders, vocalista da banda de folk-rock Vanguart e esse mesmo Flanders é dono de uma comunidade do Or-kut dedicada ao Psiconautas, hoje um tanto parado, mas que já lhe rendeu boas experiências: Danilo recorda quando tocaram num bar-zinho de Cuiabá – abrindo o show do grupo Vanguart - e após sua apresentação, ouviram alguém diz-er: “Não, fica tranqüila! Agora que vai começar o show de verdade!” Mas não foi por este episódio, que ambos relatam em meio a risadas, que o Psiconautas entrou em hiato. “ Arthur casou. Me deixou sozinho – diz Danilo - mudou de cidade .. me deixou sozinho de novo” . Ao

Com um pé na realidade e outro no teto.

Foolchesatto escreve aquilo que quer. Ele não se limita impor-tando-se com “vendas ou suces-so”. Certamente não é um exemplo de escritor de massa, certamente não está por ai à procura de mo-mentos de fama. Quando lemos um conto seu é como se lêssemos sua alma, como se já o conhecês-semos e mais que tudo, mesmo sendo exacerbado e usualmente fora da realidade adotada como “normal” é como se fossem apenas relatos de situações que realmente aconteceram com o contista. Mas a coisa não é bem assim. Ele ba-seia-se em algumas situações que realmente aconteceram e outras que gostaria que acontecessem ou tudo simplesmente explode ali na sua cabeça e escorrega pro papel. A frase retirada de 8ito: “um tipo de ficção onde a realidade é ab-surda, e a lógica é apenas um fan-toche em suas mãos”, segundo ele é uma sentença que define todo seu estilo de compor e criar. Usando as palavras de Lorenzo, do Diário de Cuiabá tenta simplificar: É ficção da realidade: esfrega, esfrega, es-frega a realidade e sai o negócio. Nem tudo é mentira, nem tudo é verdade. Quando você lê você pen-sa: é meio absurdo isso? É meio

absurdo. Mas porque não poderia ser real? Tem um pé na realidade e tem um pé no teto.

Para Danilo, um sentimento blo-queado pode virar inspiração para um conto. Ele não se preocupa se está agradando alguém ou coisas do gêne-ro, apenas faz a “coisa” por fazer: “É o que eu tento falar pra um monte de gente que é artista aqui, não me colo-cando como artista,claro. Acho meio errado querer viver de ser artista. Você se prende naquela coisa, você tem que vender pra se sustentar, é um discurso meio chato meu , mas eu acho que o artista não tinha que viver disso. Eu tenho meu trabalho, minha faculdade, essas coisas. Eu faço isso porque eu quero e livre do jeito que eu quero, es-crevo sem me preocupar”.

É multi... multivagabundo...

Foche começou a escrever com a música, fazia letras, coisa de teenager, diz ele. O primeiro conto saiu da sua

““

mente fértil em 2002, quando ter-minava a faculdade de informática, começando a produção literária.

Prefere conto à poesia, mesmo seus contos sendo repletas dela. Mas deixa claro que é poesia em prosa. A poesia e sua estrutura não o atraem. Poesia de verdade pra ele é o haikai que “dá conta de resumir a porcaria toda em três linhas”. Não lê Best-sell-er e nem vê blockbuster por não ter interesse no que fica em voga. “Pode ser até bom, mas não leio porque acho que não vai me ajudar em nada...Não vai me dar idéias para criação.” Mas concorda com Lidiane quando ela comenta sobre o “Caçador de Pipas”, “Bonito”, devaneia ele.

A respeito da música, Danilo não se considera um músico, apenas “faz barulho”. Pergunto sobre sua par-ticipação no álbum caseiro do Hélio Flanders, ao que rebate: “Melhor coi-sa que aconteceu na vida do Hélio foi eu sair da banda”, seu tom não é de pesar ou ressentimento: “Enquanto estivemos juntos a gente se divertiu pra caramba. Não tinha treta, não

Toughlove possui um disco imaginário no

MySpace: “O melhor de neki & lumine”.

Algumas faixas foram compostas como trilha do programa “nós tv”

para a tv digital e outras fazem parte de seu projeto “Psiconau-

tas”.

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“Por que tem que ser assim pra mim ? Na real mesmo, são só monte de palavras juntadas numa

seqüência que formou uma coisa legal. Se for analisar o sentido daquilo, é pesado? É pesado ,

tá, mas e daí?

10M

lando...” E completa sobre ter par-tido pro eletrônico. Psiconautas, o duo de digital-core, música ele-trônica com citações de cinema e letra em “cuiabanês”, pode es-tar em férias, no entanto, Danilo continua fazendo “barulho” com o Toughlove, projeto que surgiu do ócio e das inquietações do mo-mento de transição entre o ensino médio e a universidade, em 2000.

Declara que seu segundo blog ab absurdo ad extremum (o primeiro foi o Arcada Dentária, em que ele era uma espécie de fil-tro, as pessoas mandavam os seus textos e ele arrumava e postava) foi feito para ver se sua idéia para seu novo livro, “Tempos Mortos” com, previsão de lançamento para o ano de 2010, poderia dar certo. Neste seu novo projeto, tenta mes-clar linguagem digital com mate-rial impresso, áudio, fotografia e tecnologia em um livro. “Tempos mortos” terá contos curtos, história em quadrinhos e um romance no final, o seu primeiro. Confessa que trancou a faculdade de jornalismo para terminar “Tempos mortos”, bem como “Egoísmo Coletivo”, seu outro projeto (!) , um pocket book, com oito contos seus, oito de Protásios Terrificus, ilutrações de I.Bê. Gomes) e Augusto Figli-aggi.

Ser um artista multimídia, termo que a crítica faz questão de aplicar ao Danilo, pode ser uma tendência dessa geração 00. Ao que ele re-plica: “É o multi... multi-vagabun-do”, brinca com a expressão.

Contista, blogueiro, compositor e “nas horas vagas” trabalha com “medicamentos”. Mas o que Fo-chesatto mais preza é sem dúvida a literatura, de onde ele “puxa” pra todas os outros meios. É na litera-tura que ele acha que tem um des-empenho melhor.

O menino-homem que fica doze horas conectado à Internet em horário comercial, mas prefere não ter Internet em casa, que tem uma cicatriz na testa, adquirida na infância, presente da empregada da mãe que colocou borra de café no machucado e que tem uma tatuagem com uma menininha sob uma árvore, ao que ele nega acreditando piamente ou ironica-mente que trata-se de um homem suado, decididamente não pode e nem deve ser desvendado. De “normal” tem apenas a aparência física e à primeira vista, pois sob

a fachada, esconde-se um mundo imaginário e nada convencional, cheio de des(construções) e exces-sos indispensáveis. Chego ao final da minha entrevista impressionada e talvez mais intimidada do que no começo. Nunca acredite no óbvio ao lado de Danilo Fochesatto, sim-ples assim. n

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Se em seus primórdios, no limiar do século XIX, o cinema era ainda uma experimentação que mal conseguia

se expressar se não fosse fazendo uso da lin-guagem emprestada do Teatro, as origens do cinema de Amauri Tangará também em seu princípio foi uma mescla das duas das princi-pais expressões artísticas. O teatro faz primor-dial parte de suas origens artísticas entre as décadas de 1960 e 1970. “Foi nessa altura que o teatro começou a se tornar um vício. Desde lá eu sabia, nunca mais o teatro sairia de mim. Ele foi o meu pai e a minha mãe. Foi a minha escola, o meu pão de cada dia, a minha estrada e nela seguirei até o fim”, relembra.

Com o teatro, junto a Cia D’Artes, tendo Amauri como diretor e Tati Mendes como produtora, ele percorreu muitas cidades do Mato Grosso, chegou a outros estados e até outros países. “Quem vê assim de repente pode pensar que andamos muito, mas na ver-dade trilhamos os caminhos de volta pra casa, porque descobrimos que o Brasil é Brasil em todos os cantos”. Além do teatro, ao qual se dedica até hoje, o diretor também teve uma passagem pela TV, mas voltou para o Mato Grosso e assumiu seu papel, o de dramaturgo e diretor.

“...como uma marca”“Mas o cinema, aquele que me cati-vou desde sempre, desde o tempo em que ir ao cinema e ao circo significava partilhar o convívio e fortalecer os vínculos familiares; o cinema ficou sempre

em mim como uma marca daquelas que levam as rezes para nunca mais se esquecerem da sua origem e do seu ‘pertencimento’”, exalta o di-retor.

Com o trabalho contínuo no teatro, Am-auri explica que aprendeu a fazer “sem ter meios”, o que o impeliu a atender o chamado

do cinema. “Eu não podia simplesmente rejeitá-lo somente porque não havia incentivos, ou recursos para fazê-lo”. A partir disso, o diretor passou a “transformar” as histórias para o cinema, que, se-gundo ele, “de forma curiosa já saiam assim, em forma de roteiros, prontos para o set”.

A sua incursão no cinema não se deu exatamente de uma hora para outra e nem foi das mais fáceis. Seu primeiro trabalho, o média metragem “Pobre é quem não tem jipe”, levou nove anos para ser feito, com o que ele chama de “batalha” tendo sido ini-ciada em 1987 para o trabalho ser concluído só em 1996. “O Teatro e o Cinema, o Cinema e o Teatro, feitos e conquistados ‘no braço’ como se costuma dizer no interior”, ressalta o diretor ao relembrar de sua origem camponesa.

O esforço foi recompensado através do reco-nhecimento que a sua primeira obra cinematográ-

“O cinema, aquele que me cativou

desde sempre”

Fazer cinema no Bra-sil sem ter o suporte de uma boa rede de distribuição e divul-gação do porte de uma Globo Filmes não é fácil e as dificuldades se acirram mais ainda se a produção inde-pendente estiver fora do eixo Rio-São Paulo, onde tanto a estru-tura mercadológica quanto o histórico de produções cin-ematográficas é mais favorável. Enfrentar esses e outros desa-fios para desbravar a área de produção cin-ematográfica em Mato Grosso foi a árdua tarefa que coube a Am-auri Tangará, que, hoje, tem seu trabalho con-hecido e reconhecido até no exterior.

Por Valdair Groto

Longa “Ao sul de setembro”, que terá lançamento no mercado ex-terno em 2010.

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CINEM

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fica conquistou em festivais nacionais e internacio-nais, ganhando um total de 10 prêmios, incluindo o de Revelação no XXX Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.

Antes desse seu primeiro filme em 35 mm, Amauri concebeu muitos trabalhos em vídeo. Após sua estréia em película, seguiram-se outros filmes, dentre os quais os curtas metragem “A velha, os meninos e o gato, que escaparam da estranha caixa azul”, que ele mesmo di-rigiu em 1999; e “Saringangá”, por sua produtora, em 2000, com direção de Márcio Moreira.

Seu primeiro longa metragem foi “A oitava cor do arco-íris”, lançado em 2004. A bem sucedida carreira do filme incluiu a participação em cerca de 20 festi-vais de cinema no Brasil e no exterior, como o Festival de Cinema de Los Angeles, nos Estados Unidos; Festi-val de Islantilla, na Espanha; e Festival de Cinema de Mônaco. O filme foi distribuído em cinemas no Brasil, sendo qualificado entre os quatro melhores de 2007 pela Associação de Cineclubistas Brasileiros.

Seu segundo longa, “Ao sul de setembro”, foi lan-çado em 2005 e arrematou no XII Festival de Cinema de Cuiabá os prêmios de Melhor Direção, Melhor Fotografia e Melhor Trilha Sonora. O curta metragem “Horizontem”, de 2008, é seu mais recente trabalho no cinema.

“Contador de causos”Sendo referência de cinema no estado, suas

próprias origens, segundo o diretor, servem-lhe de inspiração para o seu trabalho. “Inspiro-me no mundo que me rodeia. Meu grande objetivo é ser um bom ‘contador de causos’, como foram meu avô e meu pai. Se um dia eu alcançar pelo menos 50% do talento deles, estarei feliz”.

Para Amauri, que é o verdadeiro expoente do cinema matogrossense, a visão que a produção lo-cal oferece através da expressão cinematográfica acaba sendo mais ampla que nas regiões litorâneas do país, mais comumente associadas à produção cultural brasileira. “O Brasil sempre foi um país litorâneo, totalmente de costas para o centro do continente. Aqui em Mato Grosso somos o ‘Brasil profundo’, mais ‘latino-americano’... É claro que isso tem influenciado em meus projetos culturais. Aqui, conseguimos ter uma visão mais ampliada do continente. Depois, fazer cinema aqui, assus-tou muita gente do ‘litoral’. O meu primeiro filme [“Pobre é quem não tem jipe”] que também foi o primeiro de MT, nos deu muita visibilidade”.

Ser expoente e reconhecido no cinema não representa necessariamente mais facilidade para dar segmento à sua produção cinematográfica, já que as dificuldades existem e persistem. “As dificuldades que encontramos em Mato Grosso é a ‘absoluta falta de uma política cultural’ para o Estado. Todos os anos, o governo joga uma ‘mer-reca’ no terreiro, como se atira milho às galinhas, e salve-se quem puder! Na esfera Federal isso mudou totalmente. No governo Lula, foi desen-volvida uma política cultural (leia-se Gilberto Gil e agora Juca Ferreira), como nunca havia sido fei-ta nos últimos 500 anos. Foi graças à essa política que conseguimos fazer cinema em MT. Tomara que o próximo governo não bote tudo abaixo”, argumenta.

“A verdadeira arte não aceita infideli-dade”

Assim como vem ocorrendo com o cinema brasileiro que cada vez ganha mais espaço no cir-cuito externo, também o de Amauri tem atraves-sado fronteiras e vem sendo conhecido cada vez por outros países, desde seu primeiro filme média metragem que já esteve em mostras e festivais em mais de 10 países. “O nosso primeiro longa metragem ‘A Oitava cor do Arco-íris’ já ganhou mundo: em 2005 foi o filme escolhido para abrir o Festival de Nova York. Aqui no Brasil, já partici-pou de dezenas de mostras e circuitos alternati-

vos, além de ter sido exibido já três vezes na TV Brasil. No ano passa-do, estivemos com ele no Festival de Mônaco, como único represen-tante brasileiro e acaba de ser lan-çado em DVD no Estados Unidos e no Canadá. Agora estamos pre-parando o lançamento no mercado exterior do nosso segundo longa, ‘Ao Sul de Setembro’, inteira-mente filmado em Chapada dos Guimarães e que, temos certeza, terá enorme aceitação na Europa”.

O reconhecimento da sua atu-ação, tanto no teatro quanto no cinema, faz de Amauri um raro caso de um artista brasileiro que consegue se dedicar totalmente à arte que tanto ama. Tanto que, por conta disso, se divide entre Brasil e Portugal para cumprir com seus compromissos profissionais. “Lá [Portugal], vamos anualmente há 15 anos e temos compromissos de trabalho até 2013. Agora mesmo, passamos sete meses por lá pro-duzindo e dirigindo espetáculos. Em cinema, em Portugal, temos realizado mostras e oficinas de formação. Temos uma empresa de produção de cinema e teatro (Cia D'Artes do Brasil). Táti Mendes, minha companheira, é uma com-petentíssima produtora (no Brasil já era uma das melhores, agora ela acaba de se tornar uma das mais respeitadas produtoras também em Portugal), somos os sócios da em-presa. Vivemos só disso, é claro! A verdadeira arte não aceita infideli-dade!”.

Vindouro(s)Para o cineasta, o estado de

Mato Grosso tem realizado bem menos do que quer e pode na área cinematográfica. Menos do que quer, porque, na sua opinião, “gente e ideias não faltam”, mas elas esbarram na falta de uma política específica para o audio-visual. Na sua opinião, o Brasil tem mantido nos últimos cinco ou

seis anos, uma produção de muito bom nível, muito mais reconhe-cida no exterior do que no próprio país, onde esses filmes não encon-tram espaços para serem exibidos. “Os cinemas estão tomados pelas produções americanas e está difícil contornar esse problema. Quando abrem espaço, é para filmes da ‘Globo Filmes’, enquanto nosso cinema independente, e cá pra nós, o melhor do cinema brasileiro, fica sem espaço. Outros países já resolveram isso como o respeito à ‘cota de tela’. Nós ainda patina-mos”, sentencia Amauri.

Mesmo diante de tantas dificul-dades, o cineasta segue cheio de projetos, dentre os quais o de um curta e dois longas metragens con-

correndo a editais federais e a ser captado pela Lei Rouanet, com planos para rodar o curta e um dos longas já em 2010. “Vamos co-produzir o primeiro festival de cinema em "Timor Leste", na Ásia, em 2010; temos um projeto de documentário para 2011 sobre uma história da guerra colonial em Angola, na África, cujo desfecho envolveu Mato Grosso, numa co-produção Brasil- Portugal-Angola; além, é claro, de oficinas de forma-ção, mostras em Portugal e o Fes-tival Cinema na Floresta, de Alta Floresta, onde somos parceiros. Agora em teatro, temos uma deze-na de projetos já agendados até 2013. Ufa!”.n

O Brasil sempre foi um país litorâneo, totalmente de cos-tas para o centro do conti-nente. Aqui em Mato Grosso somos o ‘Brasil profundo’, mais ‘latino-americano’...

“ “

Único representante do cinema brasileiro

em Mônaco

O primeiro longa me-tragem, “A oitava cor do arco-íris”: lançado

internacionalmente

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Eles acreditam no semáforo

Sem a pretensão de virar a nova sensação do folk rock brasileiro, e saído diretamente de gravações no quarto para as capas de revista, o líder da banda Van-guart, Hélio Flanders, nos conta em entrevista exclu-siva os próximos passos da banda que se tornou uma das grandes revelações da cena independente dos

últimos anos, e fala sobre o próprio som, a Internet e a cena musical “cuyabana”.

Vanguart não nasceu uma banda: No início, eram só grava-ções caseiras de um adolescente que não fazia sucesso en-tre as garotas do colégio. Dentro do quarto, na sua casa em

Várzea Grande, Hélio Flanders compôs 26 músicas em um estilo bem diferente do tradicional rasqueado cuiabano. Era um folk rock dos bons, e assim não resistiu e acabou “chamando uns amigos pra montar a banda”. Mesmo não tendo a pretensão de se auto-denomi-nar uma ruptura com aquilo que já foi feito, como prega o movimen-to de Vanguarda, a banda de folk rock de Cuiabá, é uma das maiores revelações no cenário da música independente, seja por seu som ir-reverente e inovador ou pela atitude despreocupada em apenas dar sonoridade às coisas que aparentemente não tem nada a ver e às le-tras “inocentes”, que possibilitam inúmeras interpretações. O nome escolhido pela banda, que à época apenas acreditou ser um nome que “caía” bem, pode dizer muito do estilo do Vanguart..O primeiro álbum da banda foi lançado na revista Outracoisa, em 2007, trans-formando os cuiabanos em uma referência no cenário da musica al-ternativa e apontando Flanders como um dos artistas essenciais da musica brasileira.

Entrevista e Texto: Aline Ueno e Thaís Campos

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MOSAICO - A banda teve início em 2002 com o projeto solo do Flanders. Como acabou virando uma banda? Como foram esco-lhidos os outros integrantes?Flanders - O objetivo inicial do Vanguart era não ser uma banda, só um projeto pra gravar discos caseiros mesmo. Acontece que depois de dois desses discos, to-talizando 26 músicas, não resisti e acabei chamando uns amigos pra montar a banda. Realmente na época eu não tinha planos de fazer mais que um ou outro show, mas acabamos tomando gosto pela coisa. Os garotos meio que vieram naturalmente: Reginaldo já tinha me ajudado a produzir o segundo disco (The Noon Moon), David já havia tocado comigo em outra ban-da e Douglas era um cara que vinha ajudando nas produções, dando dicas de estúdio e veio pra banda. Ah, o Júlio Nhanhá foi o primeiro baixista enquanto Reginaldo era baterista. Lazza foi o último a en-trar, quando Júlio resolveu sair, aí Reginaldo virou baixista de vez e Lazza foi pros teclados que es-tavam com Douglas anteriormente (que confusão!),

MOSAICO - Como é o relaciona-mento entre os integrantes da

banda fora dos palcos? Dêem um adjetivo para cada membro da banda.Flanders - Continuamos muito amigos. Agora quase todos estão casados então nos vemos menos, mas sempre existem compromis-sos que nos deixam juntos. Regi-naldo é o mais tranquilo e o mais louco, Douglas é o mais sério, Da-vid é o que mais viaja e Lazza é o mais engraçado. Rarara

MOSAICO - Alguns blogueiros criticam o Vanguart por can-tarem em inglês. Alguns fãs in-centivam a comporem todas as músicas em inglês. Por que vocês optam pela língua inglesa e es-panhola em algumas músicas?Flanders - Não optamos, simples-mente aconteceu. As melodias começam no violão ou piano, e geralmente cantarolo o mais natu-ral, seja em que idioma for, e es-ses são idiomas que eu domino. Se soubesse falar francês, quem sabe não escreveria bastante coi-sa nesse idioma, ou algum outro. Não vejo mais tantas críticas por causa do idioma, acho que nossas músicas em português mostraram que o Vanguart em inglês ou espa-nhol eram somente mais um faceta artística que nós temos. Depois do

Obama, ninguém mais reclamou de cantarmos em inglês. Rarara.

MOSAICO - Enfrentaram alguma dificuldade por ser uma banda do interior do país?FlandeRs - Acho que a maior dificuldade foi a distância mesmo. Tivemos a sorte de já contar com a internet na época do começo, então só foi difícil quando precisávamos realmente viajar para tocar. Cuy-aba é muito longe.

MOSAICO - Qual a sua opinião sobre a cena musical regional de Cuiabá?Flanders - Cuyaba tem uma cena riquíssima, digna de seus quase 300 anos de idade. Hoje temos a cena alternativa fomentada pelo Espaço Cubo.. diria que somos uma cria dela. E o mais bacana é ver que novas bandas continuam surgindo e é questão de tempo até vermos novos Vanguart e Macaco Bong saindo por aí.

MOSAICO - Aparentemente, vocês tiveram o reconhecimento fora do estado de MT para de-pois fazerem sucesso "em casa". Por qual motivo, acham que isso ocorreu?FlandeRs - Não vejo isso dessa maneira. Tivemos uma ascensão muito rápida em Cuyaba. Durante o ano de 2006, tocamos metade do ano em São Paulo e metade em Cuyaba, acho que a coisa foi cres-cendo junto. Hoje nosso planeja-mento de shows e agenda não per-mite que estejamos tanto aí, então

acho que não tenho a dimensão atual de como estamos conhecidos no MT. Estamos?

MOSAICO - Há preconceito da sociedade mato-grossense em relação ao estilo musical de vocês, por não ser um ritmo tradicional do Estado? Por que acham que isso acontece?Flanders - Acho que ninguém tem nada contra o folk. A única coisa que eu já senti foi uma certa sín-drome de underground de alguns que criticam a banda por ela sim-plesmente ser um projeto de suces-so e de ter conseguido vencer fora de Cuyaba.

MOSAICO - Uma pesquisa re-alizada pela revista Mosaico mostra que os jovens matogros-senses desconhecem os artistas de seu estado bem como não demonstram interesse por sua própria cultura. Qual a opinião de vocês sobre essa desvaloriza-ção da cultura matogrossense

pela própria população?

Flanders - Acho que isso acon-tece no Brasil inteiro. O jovem só quer o que está ao alcance de um click, mas mesmo assim tem preguiça de procurar coisas do seu estilo, preguiça de buscar um próprio estilo, ficando velado a seguir o rumo mais fácil ou que to-dos estão seguindo. Difícil vai ser mostrar pro jovem cuyabano que o rasqueado tem seu valor, de que Cuyaba tem uma riqueza fora do comum em todos os sentidos etc.

MOSAICO - Você foi indicado

pela revista Trip como um dos 9 novos artistas essenciais da música brasileira. O que acha disso? E dos outros artistas es-colhidos? Se pudesse escolher o 10°, quem seria?Flanders - É sempre lisonjeiro

O nome Vanguart é uma ironia. Lem-brava Andy War-hol, era uma pa-lavra só, simples.

Quando Vanguart virou uma banda e vi que podia soar

como algo preten-sioso o nome, dei de ombros. Não haveria porque voltar atrás ou

pensar outro nome porque a essência ainda era a mesma.

E era algo que soava natural pra gente, era simples-

mente nossa manei-ra de ver as coisas. Aí passava isso pros dedos, refletia no coração e saía o som. You know

* Hélio Flanders, em comunidade do orkut dedicada à banda.

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esse tipo de coisa, ainda mais porque tinha bastante gente que eu admiro ali, como Rômulo Fróes, Thalma de Freitas.. todo mundo que vem trazendo uma nova con-cepção de pensar música mesmo. Acho que o décimo seria o Dan-islau Também, da banda mineira Porcas Borboletas. Ele sim, é es-tranhíssimo!!! Tanto como música quanto performer, ele está fazendo algo totalmente novo.

MOSAICO - O Vanguart está pre-sente em muitos sites de relacio-namento na Internet: tem blog, twitter, fotolog, myspace... Qual a importância da Internet no trabalho de vocês? Flanders - A Internet foi fun-damental desde o início pra que conseguíssemos ser ouvidos, era tudo o que queríamos naquela é-poca que começamos a tocar como banda. Acho que hoje uma banda precisa estar na Internet. É o meio mais fácil de chegar até o público

e de graça.

MOSAICO - Em um tópico da co-munidade oficial do Orkut, você cita que algumas músicas são até difíceis de cantar, Dolores, por exemplo, e a mais difícil: For-eign complaint. Em que situação estas músicas foram compostas, e dedicadas a que pessoas?Flanders - Ambas eu fiz aos 16 para o meu álbum The Noon Moon. Dolores sou eu e meus ami-gos, já desacreditados do futuro que estava por vir. Foreign Com-plaint é minha canção de despedi-da quando deixei Cuyaba e fiquei nove meses fora. Escrevi uma se-mana antes de ir e gravei. Acho que é a coisa mais triste que eu já fiz, além de ter 12 minutos, o que a torna praticamente impossível de ser executada.

MOSAICO - Por que "acreditam só no semáforo"? A letra da

música , bem como o clipe é uma crítica aos evangélicos?Flanders - É uma música sobre ceticismo, por isso a citação irôni-ca. O clipe sim é uma crítica a crenças cegas, mas a música é feita a partir de um insight meu, não tive a intenção de criticar ninguém, só falar do que eu acreditava ou desa-creditava mesmo.

MOSAICO - Para o novo disco sabemos que os nomes provisóri-os de quatro músicas são: “Olha-me", "Descalça", "A pat-inha da garça" e "Dora e a dor". O que mais podem adiantar so-bre o novo álbum? Flanders - Pretendemos gravar o novo disco em janeiro e lançá-lo até o meio do ano. As novas músi-cas estão um pouco diferentes, mas cada vez mais impressa com a cara da banda. Já temos umas 10 can-ções prontas e o disco deve ter 12. Estamos ansiosos. n

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Clovito não tem nada a ver com Cuiabá da mesma maneira que não

tem nada a ver com Alto Araguaia. Quem for defender que Clovito se parece com algum lugar terá que dizer que sua obra é do mundo todo.

Enquanto a arte está estagnada no Estado de Mato Grosso, depreciada por um fundamentalismo da identidade em “ser matogrossense”, Clovito sempre esteve em lugar algum: porque todas as mostras e eventos que lhe foram ocasionados ainda lhe foram tacanhos porque ele mesmo não se cabe em lugar algum. Pena que vem por ser grande demais e acabar fazendo sombra aos não-bárbaros: os

civilizados que perderam suas armas alucinantes em troca da vida comportada.

Há muito tempo não tenho acompanhado a produção artística no Estado, mas é claro que certas criações nos enfrentam sem que possamos entender, daí ultrapassa o caso da política cultural, do conhecimento científico sobre arte, e entramos num caso mais parecido com deserção. Um desses casos mais recentes, de estupor, foi quando conheci a pintura do grande menino Aleixo Cortez, o “artista universal” como ele se reconhece, que desembaraça para embaraçar do seu jeito o centro da cidade, dando nós nas esquinas com a mente de quem encontra pela frente, da multidão ele sai

abrindo caminho com sua palavra grande, sua acidez alucinada, um brilhantismo que às vezes parece chegar envenenado.

Entre os dois percebo alguma coisa parecida, como se eles, assim estivessem habitando a Terra como quem pode rapidamente saltar a outro universo sem se desmaterializar. São quase intocáveis porque remexem com algo que plantamos em nossa consciência e nos faz sentir, talvez em sonho, meio fragilizados, meio vazios, angustiados. Uma dor, um sofrimento morno que pode nos conduzir aos autoritarismos, aos estrangulamentos e, antes fosse pra mover uma guerra contra nós mesmos, ainda que flores fossem despedaçadas, carnes cortadas, mas que chegasse, enfim a uma

exaustão, virássemos deserto e capitularmo-nos-íamos pra uma outra negociação, ser a não ser apenas o desejo, a vontade, a força, o amor a qualquer coisa. É por isso que artistas que se banham em sangue podem nos transportar.

Conheci Clóvis Irigaray quando tinha 18 anos. Ainda é uma das pessoas que quando me lembro revira a minha cabeça. Se nele tudo parece desconcertante, basta lhe mirar os olhos pra quase encontrar os olhos de Nossa Senhora segurando ternamente um bebê anjo. Minha história está ligada a história de Clovito, morou em minha casa, as paredes dessa casa eram forradas por suas telas do alto até o chão, comíamos juntos, assistíamos filmes, planejávamos coisas, sonhávamos ou curtíamos...

E por isso me lembrei de Clovito, porque faz muito tempo que não o vejo, porque hoje moro na cidade em que ele nasceu, porque apesar de não vê-lo a anos Clovito não é do tipo que pré-existiu, nem se prontifica a ser presente. É aquela tal coisa indefinida que faz um artista nem tão carne, nem tão espírito inefável que não provoque guerras, maremotos, naufrágios, inquietações. Nem tão atual que não seja extemporâneo, mas tão vida que pode ser morte, loucura, pajé.

É talvez pra isso que a arte existe. Não sei se a arte tem algum valor a não ser fazê-la, massificá-la é para garantir o aspecto de alucinação geral, de pensar como se faz “o sonho criar arborificações”, exageros que transbordam?

Clovito não é de Alto Araguaia, mas sei que não é de Cuiabá. Acho mesmo que nem de São Paulo, Londres, Etiópia, ou qualquer Geringonça pré ou pós-capitalista ele é. Clovito, pelo que sei, não é nem dele mesmo, e se lhe tomam às vezes ele pouco se importa. Se sua tela merece ser comprada

por um dois maços de cigarro ou por quinhentos mil é porque ele é pura fonte e pode ser despendido, subtraído, e até anulado, se quiserem.

E isso tudo é engraçado, nos faz pensar o que é que estou fazendo no mundo, se não for criar? Se não for parar de bater com a cabeça dura em toda uma postura. Nada de negação, apenas afirmação ao que é seu. Clovito é de sua casa. Aleixo talvez esteja procurando a sua. E a casa é perambulante, é sem senso algum, os códigos cambiantes preenchem o vazio das significações alheias, mas quem ainda liga pra elas?

É de delícia que se faz a vista quando o que vejo em minha frente é Clovito, olhos doces aguilíneos, corpo que não morre, se liquefaz e se torna... doçura transversal da meia-noite, o que quer cavar em meus olhos?

Peito magro que espeta, não imacula a grandeza, dança entre os corpos nulos-nulos, e dá-lhes o que precisa, a morte para quem precisa enterrar-se, o soco pra quem precisar de força, os braços pra quem precisa adormecer.

Todas as palavras que se

Girimum de Mundoexpandem do peito dizem índios confabulados em florestas, lançando em pulos os montes, para estirá-los em casas lunares, os pequenos e índios bebês gordos aguardam seus seios nas fofas mães santas, sempre lindas mulheres, senhoras do silêncio e da força, da retidão transviante.

Abandonar-se em Clovito, ou em Aleixo, em Juan, em Miguel, em fúria dissolvente. Um amor que prontifica, se mantém ereto. A arte, e Clovito e Aleixo parecem ser como um bebê, que ainda não tem personalidade, mas um olhar, um sorriso, que lhe é singular, é “pura potência, uma beatitude”.

Escapuliu-se da ordem dos homens e rumou para perto dos deuses, é escolha e tempestade dos que querem. A fuga não é só não se entregar.

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Quem for defender que Clovito se pa-rece com algum

lugar terá que dizer que sua obra é do

mundo todo.

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Clóvis Irigaray

Por Ana Paula Sant’ana

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Tradição e modernidade coexistindo

Com peças que procuram mostrar elementos da cultura regional, a companhia de Teatro

Termômetro vem contribuindo significativa-mente com o teatro matogrossense. A idéia é ousada: Adaptar um personagem

universal à uma realidade mais próxima de seus espectadores. “Vovô Nosferatus:

Um vampiro distante da Transilvânia”, a nova peça em produção da companhia de teatro Termômetro, de Cuiabá, de autoria do ator, escritor, diretor e produ-tor Joilson Francon, visa transgredir os limites do ro-mance regionalista para uma confluência de poesia, ensaio, discussão filosófica e crítica literária e social. Assuntos como o amor não correspondido para esta-belecer uma discussão sobre as doenças e os temores de nosso tempo, permeados por um tema que anda em voga, o vampirismo é o grande mote de “Vovô Nos-feratus” a estrear no ano de 2010. “Vovô Nosferatus” procura unir uma referência universal aos elementos da cultura regional e busca criar uma situação onde as histórias de vampiros fiquem mais próxima da nossa realidade . Joilson explica que o tema vampiro foi escolhido após refletirem sobre a honestidade ser algo relativo aos interesses humanos, surgindo a in-dagação: O que é ser humano pleno? “Percebemos que dentro da nossa prática do fazer teatral podemos trabalhar o tema abarcando boa parte das possíveis respostas à pergunta master com destaque à resposta - o ser humano pleno é o ser humano feliz - gerando outra pergunta: o que é a felicidade?”, divaga ele.

Tradição e modernidade.

Termômetro nasceu no ano de 1990, da iniciativa de três artistas que desejavam uma produção inde-pendente no teatro matogrossense. O artista múltiplo Eliezer Gentil, a atriz Edna Lia Roque e Joilson Fran-con reuniram esquetes feitas pelo grupo e de autores desconhecidos, conceberam uma encenação e foram para as praças de Cuiabá, ambientes acadêmicos e sa-las de exibições artísticas romper as barreiras do pre-conceito para com artistas amadores.

“Para se conseguir entrar nesse mercado e se man-ter, foi necessário gerar uma história de vida, de ex-istência”, conta-nos Joilson. “O grupo, ainda apren-

dendo a andar, teve de se produzir com recursos do próprio bolso, juntando elementos cênicos empresta-dos ou que iriam parar no lixo, figurinos dos armári-os das famílias caridosas e antiquadas, ensaios sob revezamento, ora na varanda da casa de um ora na casa de outro, e assim o currículo tinha de ser for-mado para que empresas e órgãos com recursos públi-cos para incentivo à cultura pudessem aceitar pedidos de análi-ses de projetos de montagem e circulação de peças de teatro produzida pelo grupo. Não temos par-entes para “QI” e muito menos somos o padrão de beleza americana”.

Além do intercâmbio onde atores e técnicos de ou-tros grupos e companhias participam de espetáculos produzidos pelo Teatro Termômetro, peças de teatro são apresentadas em comunidades descentralizadas ou ainda, geram condições para que a comunidade venha para as salas de teatro numa postura infinita de participação, de conhecimento e de relação humana e artística.

Falta de apoio financeiro, falta de salas de teatro para as apresentações, comunicadores sem fluência para escrever sobre o meio cultural e a preferência do público pela comédia, são algumas das dificuldades enfrentadas pela Termômetro, mas nada que impeça a companhia de seguir em frente com seu objetivo.

A peça mais conhecida da Cia. Termômetro e que, como “Vovô Nosferatus”, também traz características regionais, é o espetáculo “As fias de mamãe- Agora quando!”, uma comédia cotidiana respaldada na cul-tura do Mato Grosso com peculiaridades que atrai to-dos os sentidos humanos para conhecer e reconhecer a cultura de um povo. A história gira em torno das irmãs Benedita Sampaio e Amazonina Bocaiúva, que se reencontram no velório de sua mãe, morta por ha-ver se engasgado com a dentadura. A peça, em estilo cuiabano, com cuidados com a tradição, mostra ca-racterísticas culturais frente ao progresso transforma-dor, onde o homem pode conviver com sua cultura e a modernização sem destruir aquilo que está no mais profundo de suas raízes .

Por Aline Ueno

O ator Joilson Francon em ”A caravana da ilusão”.

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O jovem e o teatro

Joilson acredita que a participação dos jovens no teatro matogrossense aumentou. “A cada sessão podemos perceber os mesmos na platéia e até mesmo em cursos promovidos para dar ferramenta ao mer-cado da produção cênica.”. Os projetos que visam justamente à inclusão ou a participação de jovens, estudantes e público carentes nas apresentações cêni-cas, proporcionam aos seres humanos a condição de apreciar, de refletir, de descobrir, de revolucionar e de ter o encontro com o outro. “O artista vai aonde o povo está: Teatro na escola, teatro na empresa, teatro de rua, teatro contemporâneo, são formas e ex-pressões que podemos perceber a tentativa de termos cada vez mais apreciadores de teatro e principalmente das produções locais, não se limitando à comédia e a produções globais.”

Para Joilson, o teatro possibilita aos seres huma-nos a condição de apreciar, de refletir, de descobrir, de revolucionar e de ter o encontro com o outro. Neste sentido, a Cia. Termômetro, vem trilhando seus pas-sos no teatro matogrossense, contribuindo significa-tivamente para manter vivas as tradições e caracte-rísticas regionais, sem precisar parar no tempo ou se isolar, mas sim possibilitando por meio de suas peças a coexistência das raízes e da modernidade. n

Atrizes do espe-táculo: As fias de mamãe- Agora

Quando!

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gerando outra pergunta: o que é a felicidade?

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tel: (65)3052-6807

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Vindo para as distantes terras deste estado no interior do Brasil, a professora e po-etisa Arlinda Pessoa Morbeck, se inspira a

escrever em seus diários sobre seu cotidiano e assim ajuda a contar sob seu ponto de vista a história do desbravamento do Centro-oeste e a saga do garimpo no Mato Grosso. Ainda moça, veio recém-casada com o engenheiro José Morbeck, que viria depois se desta-car em um marcante episódio da história política do estado. “Era uma carga muito pesada que só poderia ser suportada por alguém que tivesse uma grande mu-lher ao seu lado” conta o neto Milton Pessoa Morbeck Filho, autor do site Morbeck x Carvalhinho www.morbeckxcarvalhinho.com.br, onde conta a história do líder da revolução e de sua esposa.

No site estão uma pequena biografia da escritora e alguns de seus textos para divulgação de sua obra. Foi o meio que a família da escritora encontrou para tornar sua obra conhecida e então pensar em publica-ção: “Não adianta eu pegar toda a obra dela e falar: vou publicar isso aqui. Arlinda Morbeck ainda não é conhecida”, diz o neto. E faz uma crítica: para ele a escritora só não é conhecida em Mato Grosso como Cora Coralina é reconhecida em Goiás por que aqui só dão valor ao que vem da capital. O neto da autora desabafa: “Eu tenho o grande desejo, tanto quanto ela tinha esse desejo de tornar pública toda a obra dela - chega arrepio” e mostra o braço.

Esse desejo inúmeras vezes foi explicitado em seus diários – pequenos cadernos os quais chamava de “livros”:

Não é vaidade, é um desejo somente,que tenho de te ver encadernado

meu fiel companheiro, o confidentedos meus segredos! Oh!... Meu livro amado!

Esse momento tão esperado já pode ser avistado. O projeto “Arlinda pessoa Morbeck: um resgate poético na literatura mato-grossense”, da Universidade do Es-tado de Mato Grosso, prevê o reunir o acervo da po-etisa para futuramente publicar suas obras, que em sua maioria são manuscritos em pequenos cadernos que se encontram em mãos diversas. Mas a maioria, que está em poder de seus descendentes está em fase de organização pelos pesquisadores da Universidade. O projeto de pesquisa prevê que em dois anos a obra da poetisa esteja em condições de ser divulgada e publi-cada, para que os estudiosos de Arlinda Morbeck - e os possíveis futuros fãs da escritora – possam desfru-tar de sua poesia romântica. A escritora que colaborou ainda com jornais de vários estados por onde passou, deixou escritos 18 volumes manuscritos ainda inédi-tos.

Considerada a primeira poetisa dos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, Arlinda Pessoa Morbeck, morando tão distante de sua terra natal en-controu na poesia, sua parceira de longa data, uma forma de expressar os sentimentos sufocados pelo dia-a-dia tão exigente. A obra da poetisa retrata seu cotidiano da vida nas fazendas do interior do Mato Grosso, onde viveu por cerca de 30 anos. Seu neto

Eis mais um livro que escrevo, "Rumores" é o seu nome.Vocês que são moços, devem compreender os "Rumores" de um cora-

ção sensível e isolado, que palpita nos arrobos da Inspiração!..."Rumores" é o n° 18 dos meus livros ainda inéditos. É meu maior ideal

vê-los publicados. Faltam-me recursos pecuniários para atingir este ideal!

Arlinda Pessoa Morbeck

Escrita por mulher, sobre mulher e para mulher

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LITERATURA

Por Thaís Campos

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conta que como o marido viajava muito e ela ficava sozinha com os seis filhos, ela preenchia o tempo escrevendo seu diário da vida na fazenda.

Para os coordenadores da pes-quisa, a vida da poetisa serve como “parâmetro ilustrativo para retratar a condição da mulher matogros-sense burguesa e escolarizada na virada do século XIX/XX”. Uma reflexão que confronte a obra e a vida da poetisa, o texto e seu con-texto, é fundamental para que se entender a participação da mulher nos espaços sociais “é de funda-mental importância para uma re-flexão da escrita de autoria femi-nina matogrossense para que se pense a questão de gênero envolta na experiência do desbravamento dos sertões no centro do Brasil”. Sua vida e obra estão intimamente ligadas às questões sócio-políticas da época: sua obra perpassa por vários aspectos e espaços de circu-

A Revolução Morbeck x Carvalhinho é um marco da história do Mato Grosso, fato envolto em polêmica e cheio de informações distorcidas ou omitidas: O engenheiro José Morbeck ocupava o cargo de diretor da Repartição de Terras, Minas e Colonização do Estado, se declara contra o decreto que criava uma concessão de ex-ploração de jazidas minerais na região dos rios Garças e Araguaia, alegando que um enorme número de famílias sofreria com os resultados da administração estrangeira. Diante dessa postura, Mor-beck pede exoneração do seu cargo, mas tinha uma grande influência entre os garim-peiros que viviam na região, e lidera a liga garimpeira, mostrando a organização da classe trabalhadora e desper-tando o receio do governo. Carvalhinho, supostamente diante de vantagens ofereci-das pelo governo, se declara oposto às opiniões de Mor-beck. Porém, como forma de vingança, Morbeck reuniu mais de 300 homens e atacou a residência de Carvalhinho, que resistiu e conseguiu fu-gir, dando inicio a sucessi-vas batalhas em que ambos os lados venceram. A revolta só iria ter o início de um fim, quando o sucessor de Pedro Celestino, Mário Corrêa da Costa, determinasse que as forças estaduais interviessem no conflito.

lação social, construindo “uma voz mais feminina que feminista que, a nosso ver, é uma (re) afirmação dos valores patriarcais vigentes à época”. “É o que podemos deno-minar em linhas gerais como: es-crita por mulher, sobre mulher e para mulher”, diz o projeto de pes-quisa da Unemat.

Mas aqueles que esperam por ver as obras da escritora publica-das puderam sentir o gostinho de ouvir sua poesia no Projeto Poesia, Versos & Cordas, do SESC Mato Grosso. O espetáculo foi encenado pela Cia Termômetro em março e contou com uma apresentação sob um roteiro com textos sobre a história de Arlinda Morbeck e tex-tos extraídos de obras de autores mato-grossense, entre eles “Ru-mores”, da homenageada. Assim, com cada vez mais holofote sobre seus trabalhos regionais, os admi-radores da poesia matogrossense podem aguardar boas surpresas. n

Despedida Eu vou chorando,Cuiabá querida,Enquanto ficas te ostentando, linda!Contigo deixo minha própria vida,

Levando n’alma esta saudade infinda.Já vem chegando a hora da partida...Longe de ti o meu pensar nao finda;Mas, nas agruras desta despedida,

Tenho a esperança de rever-te ainda.

Eu vou saudosa pelos teus caminhos,Recordando o teu verde tao viçoso,

Onde revoam tantos passarinhos.

Mas de ti, tao tristonha, me afastando,Levo na mente o teu painel formoso;

Adeus, Capital Verde! Eu vou chorando

A Revolução

Arlinda Pessoa Morbeck

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Outro dia contei pra uma amiga que estava planejando entrevistas

com artistas da região, de cara a irmã dela se lembrou de uma via-gem que fez pra Cuiabá. O ônibus estava cheio de bandas do Mato Grosso que estavam voltando de um festival em São Paulo. Os caras faziam a maior bagunça, tocavam violão na estrada, tiravam sarro uns dos outros, puxavam papo com todo mundo. Inclusive com ela, que no final ainda ganhou ingresso do integrante de uma dessas bandas para ir a um show deles. Quando perguntei que banda era essa, adi-vinhem só o que ela respondeu: “Hum, Macaco... Bongo??

A história da viagem mostra bem como são os caras da banda cuiabana Macaco Bong. O trio formado por Bruno Kayapy

(guitarra), Ynaiã Benthroldo (bate-ria) e Ney Hugo (baixo) leva a vida na brincadeira e a música a sério: fazem parte do Instituto Cultural Espaço Cubo, realizando trabalhos de produção musical, assessoria de comunicação e distribuição, além de co-realizarem eventos e festi-vais, como o Calango, Grito Rock, Semana da Música e Semana do Audiovisual, produções que se-gundo eles “impulsionam a cadeia produtiva, tanto local quanto na-cional” dentro do circuito Fora do Eixo. "O importante é trocar tec-nologia de trabalho. Quando va-mos a um festival, não vamos só tocar. Trabalhamos como roadies, técnicos de som, participamos de mesas-redondas." conta o guitar-rista Bruno Kayapy em uma en-trevista à revista Rolling Stone. Além do Espaço Cubo, os garotos

MACACO IGUAL PEDREIRO

Uma das principais atrações do Fes-tival Calango, o “Power Trio de

Cuiabá” revela muito trabalho e suor pela música matogrossense

Por Thaís Campos

Definição do verbeteMacaco Bong: power

trio de Cuiabá que baseia-se na descons-trução dos arranjos da

música popular em seus formatos convencionais.

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CalangO 2009

O Festival Calango já se tornou um dos mar-cos da cultura cuiabana, sendo “um dos grandes reveladores e difusores da nova

música brasileira”. Serão três dias de ativi-dades unindo a música independente da

região a artistas consagrados e realçando a cena alternativa mato-grossense com atra-ções como as oficinas e debates, Convenção de tatuagens, convenção e desfile de moda, Mostra de cinema e vídeo, e artes cênicas

com circo e teatro. Dias 30 e 31 de outubro e 01 de novembro.

são também militantes da Volume (Voluntários da Música), entidade destinada para a qualificação de agentes da produção, além de inte-grantes do Música do Mato, proje-to que tem por objetivo divulgar a música mato-grossense em outros estados.

Mas tanto nos bastidores como em cima dos palcos os ma-cacos são profissionais. O primei-ro álbum da banda, Artista Igual Pedreiro, é um disco de rock ins-trumental classificado pela mí-dia especializada como sendo de “primeiríssima categoria”. Não é à toa que só do ano passado pra cá, foram requisitados para apresen-tações em quase todos os estados brasileiros (seja em festivais ou shows exclusivos), passaram em Cuiabá para tocar com a Orquestra Sinfônica do Estado de Mato Gros-so e ainda fizeram dois shows no Festival Pop Montreal, no Canadá, e seis em Buenos Aires, Argentina – só para citar alguns exemplos.

Como recompensa a tanto trabalho, desde 2008, ano de lan-çamento do disco, a banda vem colecionando prêmios: de Banda do Ano no Prêmio Hell City da Música Independente Matogros-sense a indicações na MTV, além de citado como “Revelação” na Rolling Stone Argentina e eleito Melhor Álbum do ano para a Rol-ling Stone brasileira.

Com um currículo assim, qualquer um fica curioso para sa-ber mais sobre a banda. Para quem quiser conferir de perto, o Macaco Bong vai tocar no palco do Festi-val Calango no dia 30 de outubro. Vale a pena conferir o som desta e de outras bandas do cenário alter-nativo nacional no festival produ-zido pelo Macaco Bong e que é um dos mais respeitados no país.n

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Bruno Kayapy: Guitarra

Ynaiã Benthroldo : Bateria

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Paulista apaixonado pelo Mato Grosso, onde mora há 27 anos, Mario Friedländer é fotógrafo profissional e dedica seu trabalho a documentação da Natureza, Povos Tradicionais, Arqueologia e Ecoturismo. Para o fotógrafo, os povos tradicionais são os grandes

guardiões da natureza. Procura fazer da fotografia uma arma de guerra para protegê-la. Atualmente mora entre a Chapada de Guimarães e a Vila Bela da Santíssi-ma Trindade junto a Fronteira da Bolívia. Participa de várias iniciativas pela Restauração e Conservação de

Ambientes Naturais e Promove Expedições para Pesqui-sa, Documentação e Ecoturismo. A melhor inspiração para uma boa fotografia, para o paulista de coração

matogrossense é a luz. “Quem manda na fotografia é a Luz, sempre”.

siriri e cururu

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Page 21: Revista mosaico

FICADICA

Para Hilda Hilst, depois de Machado, seria Ricardo Guilherme Dick o autor mais importante do País. Satânico e nada comportado, Dicke contribuiu de forma significativa para a literatura brasileira, ao lado de Guimarães Rosa e Machado de Assis. Natural de Chapada dos Guimarães, deixou o Rio e voltou para o Estado Natal em busca de paz. “Escrevo porque gosto do modo como es-crevo e, se não vender, isso para mim não tem importância nenhuma.”, declara o erudito que, apesar de torrencial na ficção, era um homem de poucas palavras que parecia gostar de acalentar o mistério sobre si. A editora Carline e Caniato vem relançando as obras deste grande autor, esquecido pela mídia e vítima do ostracismo em seus últimos anos de vida. Seu último livro lançado foi “Toada do Esquecido & Sinfonia Eqüestre”, um livro amplo, indecifrável e complexo. “Cabe ao leitor o deleite de se embrenhar na obra deste ser (tão) fantástico que é Ricardo Guilherme Dicke”, convida Cristina Campos, responsável pela pre-paração e revisão do livro.

O Machado do Mato

A Cia Mosaico estréia o espetáculo "Anjo Negro", do dramaturgo Nel-son Rodrigues. A peça que é con-siderada uma das mais polêmicas e belas obras do autor, será encenada nos dias: 30 e 31/10 e 1º/11 (Sex, Sab e Dom) às 19H30h no Salão Nobre do Palácio da Instrução em Cuiabá-MT (ao lado da Catedral metropolitana). E nos dias 06, 07 e 08/Novembro (Sex, Sab e Dom) às 20h. no Cine Teatro Cuiabá. Mais Informações: 3028 8000 ou 84013626

Cia de Teatro Mosaico, apresenta:

MÚSICA

Não podia faltar, é claro a mais ilustre cantora matogrossense, Vanessa da Mata. Seu DVD

Multishow Ao Vivo foi gravado na cidade histórica de Paraty, e traz no repertório canções que

marcaram a carreira da intérprete como "Não Me Deixe Só", "Ai Ai

Ai", "Eu Sou Neguinha", "Ver-melho", "Pirraça", além da inédita "Acode" (composta pela própria

cantora) e das regravações de "Um Dia, um Adeus" (Guilherme Arantes) e "As Rosas não Falam" (Cartola). Além do show, o DVD traz nos extras imagens da turnê da Vanessa pela Europa e o en-

contro da cantora com Ben Harper em São Paulo, onde gravaram um videoclipe para o hit "Boa Sorte/

Good Luck".

Multishow Ao Vivo, Vanessa da

Mata

Através dos movimentos co-reográficos que contam com os

ritmos Tango, Bolero, Zouk, Samba de Gafieira, Salsa in Line e outros, o espetáculo pretende levar o público ao Universo do

amor. Dias 29 e 30 de outubro no Teatro do SESC Arsenal. Entrada: R$ 12,00 (inteira), R$ 6,00 (meia)

e R$ 5,00 (comerciário)

Espetáculo “AMORES”, Com Cia

de Dança Rodinei Barbosa

A artista plástica Lara Donatoni Matana, entra em exposição neste mês de Setembro no Museu de Arte e de Cultura Popular (MACP) da UFMT, em Cuiabá. A exposição é uma retrospectiva dos trabalhos desenvolvidos em madeira, em peças feitas com restos de árvores caí-das, demolições, sobras de madeireiras e marcenarias. Graças a essa característica, Lara é tida como uma das mais criativas, inovadoras e ousadas artistas brasileiras deste inicio de século, além de ativa ambi-entalista. A exposição “Essências” fica aberta ao público de 17 a 30 de Outubro. Além de conferir os trabalhos desenvolvidos por Lara, o pú-blico ainda terá contato com o universo ambiental através de matérias sobre ecologia, natureza e o planeta Terra. Espetáculo “AMORES”, Com Cia de Dança Rodinei Barbosa. Através dos movimentos co-reográficos que contam com os ritmos Tango, Bolero, Zouk, Samba de Gafieira, Salsa in Line e outros, o espetáculo pretende levar o público ao Universo do amor. Dias 29 e 30 de outubro no Teatro do SESC Arsenal.

Entrada: R$ 12,00 (inteira), R$ 6,00 (meia) e R$ 5,00 (co-merciário)

A essência de Lara Matana

Muito lirismo, bom humor e maturidade permeiam os poemas de Compostela: A cadeira vazia, de Stela Oliveira, cuiabana de apenas 15 anos, que além de po-etisa precoce, toca piano, violoncelo, violão e viola-de-cocho. Compostela reúne poemas sobre temas do cotidi-ano, conflitos sentimentais e o poder de transformação

“Resolvi passar minhas idéias adiante para, quem sabe, al-guém também usu-fruir delas e dizer: 'Nossa! É exatamente isso o que estou sentindo!'" – confi-dencia Stela.Compostela: A ca-deira vazia, por Tan-taTinta/Carlini & Ca-niato

das palavras, dei-xando claro os mo-mentos de transição da infância à ado-lescência.

Poesia e canção

M40

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CONTO

os estagnados

CONTOpor Danilo Fochesatto

Os Estagnados

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Era um milharal. E estava seco. Completamente seco. Tínhamos de atravessá-lo. Espigas de milho mal-tratadas ficavam aos montes pelo

chão. Algo nos perseguia. Ninguém falava. Nada de questões ou objeções. Senão fosse pelo barulho de nossos pés descalços esmagando as folhas secas do milharal, o silêncio seria como aquele advindo ao tér-mino de uma acalorada discussão seguida de troca de tiros. Somos seis. Mas já fomos mais do que isso. O sétimo morrera ontem por inanição. O oitavo e o nono anteontem, afogados na travessia do rio. Éra-mos nove, então. Agora haviam dois com ossos fratu-rados pela queda durante a escalada da montanha. Outro tinha uma bala alojada no corpo. Eu era o de melhor aparência externa. Apenas arranhões. Por isso me escolheram para liderar o grupo. Os cantis estavam ocos. Também não tínhamos munição ou su-primentos. Nem reforços para convocar. Ninguém fa-lava nada. Só caminhávamos. Aparentemente eu era o mais intacto. Tínhamos de cruzar o milharal. “Do outro lado encontraremos a prisão”, insistia o sol-dado que cuidava do caminho e portava uma espécie de mapa. Seguimos pelas entranhas daquela extinta plantação. Em árduos passos arrastados. Não sabía-

mos por quanto tempo permanecemos naquele cam-po, mas pareceu-me tempo demais. Parecia o milharal mais longo do planeta. Nossas bocas fechadas queri-am dizer que não o venceríamos, nunca. Nos depara-mos com os ossos de algum animal morto. Pisar neles soava como pisar nas folhas secas ou nas espigas. Em linhas gerais, dava tudo no mesmo. A gente andava. Exaustos desde algum remoto dia em que a diáspora começara. De repente uma nuvem de gafanhotos pas-sou por nós, encobrindo o céu. Todo mundo parou. O mundo nos tornara excessivamente rígidos. Mesmo com os gafanhotos batendo em nossos rostos e ferin-do nossa pele, ninguém se movia. Ninguém falava nada. Escutamos tiros sendo disparados. “Por qual direção as balas virão?”, pensei, tomado pela fadi-ga de ter esperança. O sol que adentrava pela voraz legião de gafanhotos deixava as palhas do milharal bem douradas. Quando a nuvem terminasse de pas-sar, voltaríamos a caminhar. Alguma coisa nos seguia. As pegadas do grupo foram desaparecendo. Fomos afundando na terra. Totalmente árida. Precisávamos atravessar o milharal. Mas não sabíamos mais qual o intuito da diáspora. n

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