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palcos Revista março ‘13 # 05 CARLOS ALVES EM CONVERSAS DE BASTIDORES NORBERTO ÁVILA DIA NACIONAL DO TEATRO DE AMADORES «JOANA, A DONZELA» PRÉMIO RUY DE CARVALHO 2013

Revista Palcos #5 (Março 2013)

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CARLOS ALVES EM CONVERSAS DE BASTIDORESNORBERTO ÁVILA DIA NACIONAL DO TEATRO DE AMADORES

«JOANA, A DONZELA»PRÉMIO RUY DE CARVALHO 2013

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Estamos no mês do Teatro. O mês em que se comemoram as duas datas mais importantes dedicadas a esta nobre arte: o dia 27 de Março – Dia Mundial do Teatro e o dia 21 de Março – Dia Nacional do Teatro de Amadores. Um pouco por todo o nosso país sucedem-se os Encontros, Mostras e Festivais de Teatro bem como estreias de produções teatrais em que os grupos de amadores afincadamente se empenharam para oferecer ao público de todas as idades.

Na FPTA é também um mês de relevo, pois é no início de Março que se fica a conhecer a produção vencedora do Concurso Nacional de Teatro – Prémio Ruy de Carvalho e que este ano foi para Avintes (freguesia com grandes pergaminhos ao nível do teatro de amadores), nomeadamente para o Grupo Mérito Dramático Avintense, colectividade com 103 anos e que, apesar das dificuldades de ordem financeira que enfrenta, tem persistido em desafiar-se ultrapassando os obstáculos com uma força e um querer enormes. Aproveito para lhes endereçar os parabéns por mais este prémio. Um dos principais objectivos do Concurso Nacional de Teatro é servir como uma plataforma de estímulo para que os associados da FPTA possam desafiar-se e aumentar os níveis qualitativos das suas produções aportando, assim, uma mais-valia à própria associação em si e ao Teatro em geral.

Esta edição tem também outros motivos de interesse: a entrevista em que Carlos Alves (professor e formador no Fóruns Permanentes da Federação) se dá a conhecer; um apontamento sobre o Fórum de Fafe e um “aperitivo” para o próximo Fórum Permanente que se irá realizar na Vila do Sardoal em 20, 21 e 22 de Setembro; o professor João Maria André prossegue a sua colaboração oferecendo-nos a continuação da sua reflexão sobre Teatro, Arte e Educação; e, também, a mensagem que o dramaturgo Norberto Ávila escreveu para assinalar o Dia Nacional do Teatro de Amadores a qual vos convidamos a partilhar com toda a vossa rede de amigos.

Não queria terminar este meu editorial sem partilhar convosco um estudo divulgado pelo INE em 28 de Dezembro de 2012 sobre a relação dos portugueses com a arte e a cultura no qual se revela que em 2011 as actividades culturais implicaram profissionalmente cerca de setenta e sete mil pessoas, representando 1,6% da totalidade da população empregada. Entre outros dados, das cerca de 53 mil empresas a operar no sector, as actividades culturais e criativas terão gerado um volume de negócios de cerca de 5,6 mil milhões de euros sendo que na base desta pirâmide estão as empresas ligadas às artes do espectáculo com 4,9% do total deste volume. Em 2011, por exemplo, cada agregado familiar investiu em média cerca de mil euros em “actividades de cultura e lazer” sendo que este valor correspondeu a 5,3% dos seus gastos. No que toca ao universo dos espectáculos ao vivo e ao nível do teatro o ano de 2011 teve um acréscimo em número de sessões apresentadas face ao ano anterior embora mantendo sensivelmente o mesmo número de espectadores assistentes. Afinal parece que não é tão despiciendo o facto de que quando se aposta de uma forma pensada, estratégica e regular em arte e em cultura os portugueses também “consomem” este produto.

Só precisamos de nos desafiar e acreditar nas nossas capacidades, sempre mantendo alto o nível de exigência para com aquilo que fazemos neste âmbito.

Desafiem-se!

Fernando RodriguesDirector

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FICHA TÉCNICA

PropriedadeFederação Portuguesa de TeatroPraça José Afonso, 15 EC. C. Colina do Sol, Loja 552700-495 Amadora

DirectorFernando Rodrigues

Conselho EditorialSandra Paula Barradas, Luis Mendes, Bruno Gomes e José Teles

Colaboradores permanentesManuel Ramos Costa e João Maria André

Colaboraram neste númeroNorberto Ávila e Tânia Falcão

Grafismo e PaginaçãoGabinete de Comunicação /Federação Portuguesa de Teatro

Periodicidade SemestralEdição Digital

Os textos propostos para edição d e ve rã o re m e t i d o s p a ra

, sendo objecto de avaliação prévia, por parte do Conselho Editorial.

[email protected]

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editorialconversas de bastidores

estreia

na ribalta

boca de cena

reportório

sem palco

carlos alves

xi fórum permanente de teatro

getas - centro culturalsardoal

concurso nacional de teatro 2013

mensagem do dia nacional do teatro de amadores

teatro, arte e educação (ii)

programa de sala

sete vidas tem o gato

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CARLOS ALVES«SOU COMO SOU»LIVRE COMO O VENTO… POR AMOR À ARTE!

Manuel Ramos CostaDramaturgo e Encenador

Escrevi estas primeiras palavras à guisa de introdução enquanto o meu ilustre entrevistado se lançava, entre os intervalos dos seus muitos prazeres e afazeres, a responder ao rosário de perguntas, que por via eletrónica lhe enviei. Não padecem, portanto, de quaisquer influências e refletem clara e muito sucintamente o que dele penso.

A figura, algo grave e austera, do Carlos impõe-nos respeito. E esconde um mar imenso de afabilidades e competências. Das vezes que com ele me cruzei, poucas vezes na verdade, a impressão mais forte que me deixou foi a de estar na presença de um homem muito compenetrado, muito cuidadoso, muito contemplativo, muito perspicaz, muito inteligente e muito humano. De um homem que mesmo quando não está «ao leme» da barca em que navega, não o larga nem por um segundo em pensamento.

Deve ter-se feito a pulso e tudo o que é ferve-se-lhe no sangue, com a honra, o talento e a humildade próprias de quem sempre soube o que quis.

São dele, estas palavras: «Gosto de sentir as coisas, de olhar as pessoas nos olhos, de observar tudo o que me rodeia, imagens e cores, de ver teatro, dança, cinema, de recolher cheiros, de ouvir música e sons da natureza, de saborear os alimentos, gosto de sol, praia, festas com amigos, partilhar experiências, ter saúde e ser feliz. Não gosto de injustiça, doenças, falsidades, fingimentos, hipocrisias.»

E dito isto, conheçamo-lo agora melhor, abrindo o «mapa» da sua vida, que ele próprio, a meu pedido, lavrou.

CARLOS ALVES, cinquenta e quatro anos, nasceu no Estoril, no início de uma noite estrelada e fria de inverno. É ator e diretor artístico do Grupo de Teatro Opsis em Metamorphose. Licenciou-se em Teatro, pela Escola Superior de Teatro e Cinema, no Curso de Formação de Atores e, pelo Curso de Estudos de Teatro, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. A sua formação no teatro aparece na sua infância ligada ao seu pai, devido às suas representações nos grupos de teatro de amadores e às suas performances circenses e ainda aos quadros para desfiles carnavalescos. Já na adolescência participou em exposições de pintura, representações de teatro de rua, de teatro escolar e de teatro de amadores. Quando sentiu que a arte do palco era a sua vida, prosseguiu estudos no Conservatório de Teatro de Lisboa para aprofundar conhecimentos e técnicas.

A sua infância e adolescência foram vividas entre os sorrisos e desentendimentos familiares e as brincadeiras com os amigos; entre a praia e a serra de Sintra, onde acampava; entre a sua casa na árvore e a casa do grupo de amigos, forrada de posters da revista pop, onde ouviam música e sonhavam ter um grupo de música; entre o jogar à bola e os jogos dramatizados; entre o ler um livro e ir ao teatro, ao circo ou ao cinema; entre o caminho para a escola, os namoros e os concertos de música, de jazz e rock, à noite na escola. E no seu quarto onde sonhava, viajar à boleia por vários

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países, ver música ao vivo e teatro de rua; ir à Índia para conhecer outras culturas e outros costumes, aprender a tocar flauta de bamboo e praticar yoga; conhecer uma companheira e viver com ela numa pequena casa de pedra com uma lareira ao centro.

Durante um período de tempo conheceu e trocou conhecimentos com outros profissionais da arte, frequentou cursos de expressão dramática, teatro, dança, yoga, mímica, formação de atores, gestão de teatro e dança, e formação para professores de expressão dramática e teatro. Iniciou a sua formação musical com um curso de instrumento na Índia que continuou na Academia dos Amadores de Música em Portugal. Participou com Herbário Montagens em exposições de artes plásticas. Depois dando continuidade ao estudo das artes visuais, fez um curso de expressão plástica na Fundação Calouste Gulbenkian. Exerceu atividade teatral, como ator, em companhias de teatro, e paralelamente lecionou a disciplina de Expressão Dramática e Teatro no Ensino Secundário e nas Escolas Superiores de Educação. Atualmente é professor da disciplina de interpretação e diretor do Curso de Artes do Espetáculo – Interpretação, que demorou doze anos para ser autorizado, depois de vários pedidos, propostas e demonstrações de interesse.

E passemos ao tu cá, tu lá, que lhe propusemos, para desbravarmos outras faces do seu ser pensante e do homem de ação que é no mundo em que vive.

MRC – O que te dizem os verbos «ser» e «ter» e quais os fossos ou pontes que neles vês»?

CA – Ser feliz e infeliz (um ser, sucede-se ao outro). Depois da alegria, vem a tristeza, e depois volta a alegria de viver. Ter saúde e não ter saúde (depois da doença, vem a cura). Depois do corpo saudável, vem o corpo doente, e depois volta o corpo saudável. Se existe um problema, existe uma solução. Apagando e fazendo desaparecer esses momentos negativos.

MRC – O que te lembra Lisboa?

CA – As viagens do Estoril a Lisboa de comboio; o elétrico para a Graça; o Conservatório de Teatro de Lisboa; o Bairro Alto; o Teatro D. Maria; o Teatro S. Carlos; a Rua Augusta; a Feira da Ladra; o Jardim Gulbenkian; o Museu de Arte Moderna; exposições de pintura; dança; teatro; música …

MRC – O que te sugere a palavra «passos»?

CA – Os primeiros passos no palco.

MRC – Sol?

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CA – Vida, luz, energia, belo, felicidade.

MRC – Peço-te que escrevas um pequeno texto a partir do seguinte mote: «Livre como o vento, vou…»

CA – «Livre como o vento, vou fechar os olhos, sentir nos cabelos a frescura da água, e abrir os olhos para observar o movimento dos peixes de todas as cores. Depois abandono-me nos misteriosos encantamentos da imaginação e lembro-me que quando era pequeno pegava nas nuvens com as mãos e pendurava-as ao sol, na corda de estender a roupa da minha mãe.»

MRC – O que te diz a palavra «amador»?

CA – Amor à Arte. Pois tanto o teatro de amadores como o teatro profissional têm como objetivo partilhar uma história com o público, através de diversas linguagens e estéticas.

MRC – Se te pedissem para passares por uma porta fechada para o desconhecido, davas esse passo?

CA – Sim.

MRC – Diz-me em poucas palavras o que é a arte para ti.

CA – Arte para mim, é uma forma de estar na vida, porque comunico aquilo que sou, porque me caracteriza. A arte corresponde a pensamento, tendo como expressão as manifestações artísticas. Arte é tudo o que é belo, é aquilo que dá prazer como comer, cheirar e outras sensações.

MRC – E os outros?

CA – Os outros são o todo, que me rodeiam e acompanham nesta viagem da vida.

MRC – Foi o teatro que te encontrou ou foste tu que encontraste o teatro?

CA – Eu encontrei o teatro, que já me tinha encontrado em casa, nas arcas de guarda-roupa, cenografia e adereços, por causa da ligação à arte de representar do meu pai.

MRC – O que é ser-se ator?

CA – Ser-se ator é representar uma personagem revelando as cargas emocionais que se ocultam nos textos e sem ser nos textos. Estando sempre pronto a aprender através dos olhos e de todos os outros sentidos. O ator estuda a personagem do ponto de vista da sua época, das circunstâncias do seu país, das condições de vida, do seu meio, da literatura, da psicologia, da sua maneira de viver, da sua posição social, do seu aspeto exterior, da sua caracterização (hábitos, atitudes, locução, expressão). Veste a roupa, toca-se, observa-se, fala, anda, gesticula, escuta e pensa.

MRC – Como ator, qual foi a peça em que te estreaste? Conta como foi.

CA – «Esta Noite Improvisa-se», de Luigi Pirandello. Foi num daqueles dias tranquilos.

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Até que chegou o momento… faltavam quinze minutos para entrar em palco e o meu sistema nervoso alterou-se e senti que não sabia uma palavra do texto. O primeiro momento foi tentar controlar a respiração, depois recuperar a memorização do texto e as marcações e movimentos em palco. Mas o nervosismo persistia, não me lembrava do texto. Entrei em palco e o personagem voltou!

MRC – Além de ator, és também encenador. Como te vês num e noutro papel? Estas duas pessoas dão-se bem a trabalhar juntas?

CA – Tanto num como no outro papel sou exigente, sempre que estas d u a s p e s s o a s trabalham juntas, necessito de um a s s i s t e n t e d e encenação para me ajudar a organizar o s e l e m e n t o s t é c n i c o s e h u m a n o s e a coordenar todos os i n t e r ve n i e n t e s : atores, técnicos e criativos. Porque o e n c e n a d o r necessita de gerir o espaço e o tempo e o ator de construir a personagem. Para t r a b a l h a r e m conjunto necessito d e u m a c r í t i c a c o n s t r u t i v a d o a s s i s t e n t e d e encenação e do restante grupo de trabalho.

MRC – Quais foram os projetos teatrais mais marcantes da tua vida artística?

CA – «Esta Noite Improvisa-se», de Luigi Pirandello; «A Bilha Quebrada», de Heinrich von Kleist; «Tio Vânia», de Anton Tchékhov; «A Boa Alma de Set Zuan», de Bertolt Brecht; «O Falatório do Ruzzante», de Angelo Beolco; «O Quarto», de Harold Pinter; «Fim de Festa», de Samuel Beckett; «Sonho de uma Noite de Verão», William Shakespeare; «Universos e Frigoríficos», de Jacinto Lucas Pires.

MRC – Que tipo de encenador és tu? És duro? Implacável?

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CA – Sou um encenador exigente, delicado e duro nos ensaios gerais.

MRC – Dizem alguns entendidos que não há propriamente uma dramaturgia portuguesa. És da mesma opinião? Que autores mencionarias dignos de serem representados?

CA – Não. Gil Vicente, António José da Silva, Almeida Garrett, André Brun, António Patrício, Raúl Brandão, Bernardo Santareno, Almada Negreiros, Luís de Sttau Monteiro, Jaime Salazar Sampaio, Luísa Costa Gomes, Abel Neves, Jacinto Lucas Pires, Jaime Rocha, Carlos J. Pessoa, Patrícia Portela, Susana Romana, José Maria Vieira Mendes, Tiago Rodrigues.

MRC – Que balanço fazes do teatro em Portugal desde a revolução dos cravos? Achas que, finalmente, o nosso país está bem servido e no bom caminho?

CA – Na minha adolescência vivi o movimento do teatro independente que revolucionou a prática do teatro no país, divulgou novos reportórios, novos atores, novas companhias e novas estruturas de produção com base na capacidade de associação de artistas O que provocou ruturas estéticas e ideológicas face ao teatro comercial e ao teatro do estado. Neste momento o teatro volta à sua origem, reconhece a sua verdadeira Beleza, os jovens estão interessados no teatro e exaltam-se como atores a representar. Está no bom caminho! Mas a nível de política artística o teatro não está no bom caminho. Companhias de teatro de amadores e de teatro profissional a fechar, às regiões do país que nunca tiveram cultura e arte para apreciar, refletir e conhecer, juntam-se agora as outras regiões que tanto lutaram desde a revolução dos cravos para viver o teatro.

MRC – Mesmo tendo em conta as fragilidades do teatro feito nas associações, que valores ou importância lhe conferes?

CA – O teatro representado nas associações culturais e artísticas é de vital importância porque é um divertimento, é sociável, trás novos conhecimentos, reflexão e forma novos públicos.

MRC – És licenciado em Teatro. Pode parecer-te descabida a pergunta, mas cá vai: o Teatro aprende-se? Ou é algo inato à pessoa humana?

CA – O teatro não é uma matéria que se aprende, é uma experiência que se vive! Pois existem formas de ensinar a trabalhar o corpo, a voz, o intelecto e a emoção, e de transmitir conhecimentos para o ator de hoje, de acordo com a descoberta física, emocional e intelectual. Pois ele deve considerar o seu corpo como um instrumento para expressar ideias criativas, daí ser necessário que a sua aprendizagem lhe exija um conhecimento de géneros e registos teatrais diversos. Deve ainda obter capacidades para saber criar e improvisar.

MRC – Fala-nos do Opsis em Metamorphose.

CA – O projeto da Metamorphose define-se essencialmente a partir de uma manifestação criativa e artística, e também de importância pedagógica, estabelecendo ligações entre a cultura e o teatro da humanidade, desenvolvendo linhas estéticas de continuidade com os valores e as escritas teatrais.

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MRC – Em que outras atividades artísticas tens andado envolvido nos últimos anos? CA – Música e pintura (Herbário Montagens).

MRC – Todos somos atraídos por projetos que, pela sua grandeza ou pela sua envergadura, vamos adiando. Quais são os teus, em ambos os casos (ator e encenador)?

CA – Como ator a peça «Ella», de Herbert Achternbusch. Como encenador a peça «À Espera de Godot», de Samuel Beckett.

MRC – Tens colaborado com a FPTA desde o VII Fórum. O que te apraz dizer sobre esta iniciativa da Federação?

CA – Desejo aplaudir esta iniciativa que ao longo de um fim de semana cria atividades e painéis de formação que mobilizam muitos participantes pertencentes a várias associações.

MRC – Como formador nos Fóruns qual o aspeto da arte de representar que mais tens procurado incutir nos formandos?

CA – A importância da formação e preparação do ator para construir a sua personagem, e chamar a atenção para os seus instrumentos de trabalho (corpo/voz/interpretação).

MRC – Que recado darias aos jovens que pensam estudar e fazer carreira no teatro?

CA – Se pensam fazer carreira no te a t ro , d i g o - vo s p r i m e i r o q u e o teatro é, para aquele q u e o f a z , u m e x e r c í c i o p e r m a n e n t e . S e g u n d o q u e é importante obter n o v o s conhecimentos e experiências no grupo de teatro de amadores e estudar o trabalho de corpo, voz e emoções nas disciplinas técnicas de um curso de artes do espetáculo – interpretação. Terceiro, que quando se entra no mundo do teatro, é como o bicho da madeira, nunca mais sai.

MRC – Além do Teatro, que outras artes te emprestam alegria de viver?

CA – A música, a pintura e a dança.

MRC – Fora da tua ação profissional, quais são os elos mais importantes que te

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prendem à vida?

CA – A minha dama e companheira de família, a minha filha, o meu filho.

MRC – Olhando para trás, que dirias, hoje, de ti mesmo?

CA – Sou como sou, porque as experiências que tive fizeram de mim o que sou hoje.

MRC – Gostas de animais?

CA – Sim, gosto muito de animais. Neste momento só tenho cães, em casa, como companheiros. Mas como vivo num monte alentejano, estou rodeado de outros animais.

MRC – Deus. Diz-te alguma coisa?

CA – Respeito. Sendo ateu, foi durante as minhas viagens por Portugal, Europa, Norte de África, Médio Oriente (Turquia, Irão, Paquistão, Índia), que estive em contacto com várias culturas compostas por numerosos elementos como: a língua, literatura, canções, lendas, leis, religião, valores, costumes, festas, alimentos, arte, música, símbolos. O que me fez conhecer e respeitar religiões como o Cristianismo, o Hinduísmo, o Islão, o Judaísmo, o Budismo e o Zen.

E assim é o Carlos. O nosso Carlos Alves. Livre como o vento, na plenitude das palavras, dos sonhos e dos seus atos. Leal aos seus princípios, seguro dos seus passos, rico de experiências, rodeado de… artes e sensações!

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FAFE FOI CAPITAL DO TEATRO POR

TRÊS DIASXI Fórum Permanente de Teatro

José TelesDirector do Fórum Permanente de Teatro

Fafe é uma jovem cidade do Minho, mas com origens antigas. Por ali andaram povos como os Lusitanos e os Romanos que deixaram marcas consideráveis, hoje pontos atractivos aos visitantes. É uma terra, pequena, mas com valor, pois possui inúmeros monumentos e agradáveis espaços verdes.

É também conhecida pelo lema “Com Fafe ninguém fanfe”, lema esse que apareceu quando, há muitos anos atrás, se fez justiça a favor do Visconde de Moreira de Rei. Nesse tempo, como agora, o lema provoca um sorriso de simpatia por todos os fafenses. Talvez por isso e por ser uma pequena cidade que tão bem acolhe os visitantes, Fafe foi e ainda é considerada a "Sala de Visitas do Minho".

O anfitrião desta edição foi o Teatro V i t r i n e , d e d i c a d o a o l e m a “ E m representação de um sonho”, núcleo do Grupo Nun’Álvares, fundado a 6 de Novembro de 1932. O objectivo primeiro era o de dar ocupação aos jovens, ajudando-os na sua formação pessoal. As primeiras actividades foram a música coral e o teatro.

É neste ambiente de hospitalidade do característico do Minho e de uma Associação de muitas valências que o Forum se prepara para começar.

Chegam de todo lado os 180 participantes integrados nas associação de teatro: Acção Teatral Artimanha; Agaiarte; Alma de Ferro - Grupo de Teatro; Associação Metamorphose-Centro de Divulgação Artística; Associação Social e Cultural de Sobreposta - Grupo Planalto; CEGADA - Grupo de Teatro; Cénico de S. Joaninho; Contacto - Companhia de Teatro Água Corrente de Ovar; GETAS Centro Cultural de Sardoal; Gota TeatrOficina Associação Cultural; Grupo Citânia Associação Juvenil; Grupo Cultural e Recreativo Nun'Alvares - Teatro Vitrine; Grupo de Teatro "A Fantasia"; Grupo de Teatro Palha de Abrantes; Grupo de Teatro Travassós – FAFE; Grupo Mérito Dramático Avintense; Jachas Teatro; Pateo das Galinhas Teatro de Bico; SOL D'ALMA - Associação de Teatro Amador; Teatro do Zero do Ateneu Artístico Vilafranquense; Teatro Ensaio Raul Brandão do Circulo de Arte e Recreio; Teatro Kumen; Teatro Nova Morada - CHE NOVA MORADA; Teatro Passagem de Nível; Teatro Popular de Carapeços;

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Tin.Bra Grupo de Teatro Infantil de Braga; VITEOTONIUS - Casa do Pessoal do Hospital de S. Teotónio.

Na sexta o grupo da casa recebe o Forum no Teatro-Cinema de Fafe, com a apresentação da comédia “Bollingbrook”.

No sábado, a Cerimónia de Abertura realizou-se na sede do Grupo Nun'Álvares, tomando a palavra, Pompeu Martins, Vereador da Cultura do Município de Fafe, Orlando Alves, Presidente da associada anfitriã, José Ramón Menendez, Presidente da Confederação Espanhola de Teatro - Escenamateur, e Sandra Barradas, Presidente da Federação Portuguesa de Teatro, recebendo todos os participantes de forma entusiasta.

Passa-se então à abertura do evento e, surpreendendo o público, entra o Director do Fórum em patins, dando assim o mote ao Grupo de Patinagem Artística do Grupo Nun’Álvares, que executou alguns esquemas.

Passa-se então à homenagem ao autor e toma a palavra, Artur Coimbra que falou sobre

a ligação de Fafe a Camilo Castelo Branco, o homenageado deste fórum.

Terminadas estas cerimónias, passou-se de imediato aos Painéis de Formação, objectivo principal dos Fóruns, e os participantes foram encaminhados para as diversas salas da sede do Grupo Nun'Alvares, seguindo os Formadores:

De formação de actores: Sónia Sousa [Tin Bra]; Mauro Corage [Teatro do Zero]; Maira Ribeiro [Tin Bra]; Carlos Alves [Opsis em Metamorphose]; Fernando Soares; Jorge Fraga [Ese - Viseu].

De formação em técnicas de palco: Iluminação - Mário Pereira [Responsável Técnico dos Recreios da Amadora]; Cenografia - João Fonseca Barros [Politeama - Lisboa];

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Adereços - Rita Torrão [Politeama - Lisboa]; Caracterização - Aurora Gaia.

E de estética: Escrita Criativa - Manuel Ramos Costa [Contacto - Ovar].

À noite e de regresso ao Teatro-C i n e m a , o “ C o r a l S a n t o Condestável”, cantou para os presentes os Reis , tradição Portuguesa com fortes festividades em Fafe, de seguida o grupo espanhol “Jachas Teatro”, de Cáceres, apresentou a peça “ La Señorita Guardesa”, dando cumprimento ao intercâmbio entre a Federação Portuguesa de Teatro e a Escenameteur, congénere espanhola.

Domingo e pela manhã é para concluir os painéis e ensaiar o espectáculo da tarde. O tempo corre e já é hora de almoço, magnificamente servido e regado, a todos os participantes num restaurante da cidade.

O encerramento do evento teve lugar no Teatro-Cinema, durante a tarde, com o Director do Fórum a moderar a sessão, fazendo os agradecimentos aos participantes, especialmente ao grupo anfitrião, e com a sala cheia alcunha esta edição de “Fórum sobre rodas”, pela eficácia e celeridade como tudo correu.

Orlando Alves, Presidente do Grupo Nun'Álvares, e Anabela Teixeira subiram ao palco para manifestarem a sua gratidão pelo sucesso do Fórum de Fafe. Pompeu Martins, Vereador da Cultura do Município de Fafe, também se congratulou com a realização de tão importante evento no seu Concelho. “Tenho a certeza absoluta que Segunda-feira o Teatro em Portugal está melhor”, exclamou o autarca. Sandra Barradas, Presidente da Direcção da FPTA, “tirou o chapéu” ao Grupo Nun'Álvares e à Câmara Municipal de Fafe e a todos os presentes, pelo seu empenho.

Foi em ambiente de festa e grande entusiasmo que os participantes neste XI Fórum de Teatro fecharam a sessão entregando a bandeira da Federação ao grupo GETAS do Sardoal, onde em Setembro próximo se irá realizar o XII Fórum.

S e g u i u - s e , f r u t o d a aprendizagem adquirida, e inspirado no famoso “Morgado de Fafe Amoroso”, de Camilo Castelo Branco, o espectáculo de encerramento do Fórum. E regressam todos a casa, na bagagem levando mais teatro, amizade, e ...

... vontade de estar nos dias 20, 21 e 22 de Setembro no Sardoal para o XII Fórum Permanente de Teatro.

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Desde a sua fundação, em Novembro de 1982, que o GETAS se assume como digno (e

único) continuador da tradição teatral sardoalense, a qual atingiu elevada expressão

entre 1910 e 1973. No início da sua atividade o GETAS cumpria os cânones

conservadores que, na época, caracterizavam o teatro amador, promovendo longas

récitas onde pontuavam os melodramas e as comédias populares de gargalhada fácil.

A partir de 1984 foi possível desenvolver um novo paradigma teatral, através de uma

renovação ao nível dos processos criativos, desde a seleção de autores até à elaboração

da encenação, interpretação, soluções cenográficas e guarda-roupa. Os espetáculos

passaram a ter curta ou média duração, introduziram-se inovações técnicas e os

cenários passaram a ser pensados para pequenos espaços e itinerância.

Esta mudança implicou, também, um objetivo implícito e continuado de educação/

formação de público para teatro, cujos resultados ultrapassaram as melhores

expectativas. É gratificante constatar, hoje, que o nosso público demonstra um

assinalável grau de maturidade e conhecimento.

Ao longo do tempo, como corolário deste trabalho, verificou-se a conquista de alguns

prémios e distinções (em encenação e interpretação) e a frequente “requisição” do

GETAS para participar em diversos Festivais de Teatro, no Distrito e no País, revelam

bem a qualidade das suas produções.

Nestas etapas de renovação estética, será de elementar justiça salientar o papel

relevante dos encenadores envolvidos: João Coutinho, Pedro Agudo, e na última peça

apresentada, Rafael Vergamota. Com eles o grupo caminhou, aprendeu e consolidou-se.

Foi agora lançado um desafio a José Paulo de Sá. Os novos conceitos e o refrescamento

das ideias sempre foram bem-vindos na dialética do GETAS.

O GETAS E O TEATRO

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SARDOALa vila jardim

Perdem-se, na bruma do tempo, as origens da Vila de Sardoal e não são conhecidas memórias que, por escrito ou tradição, possam informar dos seus princípios. O documento mais antigo existente no Arquivo Municipal é uma Carta da Rainha Santa Isabel, data de 1313, e é tradição que o Sardoal teve o seu primeiro foral, dado por esta Soberana, nesse mesmo ano. Tal fato não está confirmado, sendo, no entanto, seguro

afirmar que é em 22 de Setembro de 1531 que a povoação de Sardoal é elevada à categoria de Vila, por D. João III, sendo os seus limites territoriais demarcados, por carta de 10 de agosto de 1532, por aquele monarca.

Concelho com cerca de 92 km². A vila (com as suas 4 freguesias) não sendo grande, encerra um património histórico, arquitetónico, religioso e étnico muito rico. O Sardoal possui um centro histórico que o envolve e cativa ao primeiro olhar, onde na primavera você poderá assistir a um verdadeiro espetáculo de beleza e de cor, dado pelas flores que profusamente pendem dos muros e das varandas, legitimando o título de Vila Jardim, que ostenta há várias décadas.

O concelho é constituído atualmente pelas freguesias de Alcaravela, Santiago de Montalegre, Sardoal e Valhascos, sendo aceite que o seu primeiro foral lhe foi atribuído em 1313, pela rainha Santa Isabel.

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Contudo, só a 22 de setembro de 1531, D. João III elevou o lugar à categoria de vila e a 10 do ano seguinte lhe mandou demarcar novo termo, mais de acordo com a sua nova condição. Na igreja da Misericórdia, o Portal Renascentista bem como o revestimento cerâmico no seu interior, do final do século XVII; na igreja de Santa Maria da Caridade, a harmoniosa simplicidade do seu Claustro Franciscano e a sua Sacristia; e, na igreja Matriz, o “ex-libris” do Sardoal, o notável políptico constituído pelos sete quadros do Mestre de Sardoal, óleos sobre madeira de carvalho, documentando a melhor pintura portuguesa do Período Manuelino (na transição do séc. XV par o séc. XVII), reveladores da forte personalidade do artista no tratamento das figuras, nas dobragens dos panejamentos e nas intenções fisionómicas.

Ainda na igreja Matriz, merecem a atenção, o Altar-Mor e os painéis cerâmicos, da autoria de Gabriel D'El Barco, datados de 1701. Para completar a sua visita, pode ainda visitar, o convento de Santa Maria da Caridade. Foi ampliado e reedificado em 1676, por iniciativa de D. Gaspar Barata de Mendonça, que foi o primeiro Arcebispo da Baía e Primaz do Brasil. Para finalizar percorra as ruas e os largos empedrados, cheios de encanto que lhe conferem as suas simples mas belas casas tradicionais.

[Fonte: e ]www.cm-sardoal.pt pt.wikipedia.org/wiki/Sardoal

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PÓVOA DE LANHOSO 2013Luis MendesDirector do Concurso Nacional de Teatro

Há quase uma década que a Vila de Póvoa de Lanhoso se tornou uma referência para o teatro de amadores… Desde 2004, a parceria assumida entre a Federação Portuguesa de Teatro e o Município de Póvoa de Lanhoso, a que se juntou, em 2012, a Fundação INATEL, tem trazido ao Alto Minho, sempre no mês de Fevereiro, um leque variado de boas produções, montra do que de melhor se faz no nosso país…

A nona edição do Concurso Nacional de Teatro, realizada entre 1 de Fevereiro e 2 de Março de 2013, não foi excepção a uma regra há muito instituída, e pelo palco do Theatro Club desfilaram nove propostas de excelência, em género e estéticas bem distintos, mas iguais no rigor, entrega e qualidade…

Integraram a presente edição o Grupo Mérito Dramático Avintense (“Joana, a Donzela”) a Contacto – Companhia de Teatro Água Corrente (“Alguém Terá de Morrer”), o Tin.Bra – Teatro Infantil de Braga (“Malefícios”), o Teatro Passagem de Nível (“Hamlet e Ofélia”), o Grupo de Teatro Renascer (“De Bérien e Luthien”), o Teatro Nova Morada (“Barraca Deluxe”), o Páteo das Galinhas (“Sangue Jovem”), a Companhia de Teatro Poucaterra (“Sobre a Mesa de Cabeceira”) e o Teatro Olimpo (“A Ira dos Deuses”).

Finda a apresentação das produções concorrentes, foi a vez do Júri, constituído por Carla Oliveira (Município de Póvoa de Lanhoso), Dantas Lima (Fundação INATEL) e Orlando Alves (Federação Portuguesa de Teatro), avaliar as mesmas, nos diversos

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quesitos, tendo-se pronunciado pelas seguintes nomeações:

Melhor Iluminação (Prémio Orlando Worm)- Grupo Mérito Dramático Avintense - “Joana, a Donzela”- Companhia de Teatro Poucaterra - “Sobre a Mesa de Cabeceira”- Teatro Passagem de Nível - “Hamlet e Ofélia”

Melhor Guarda-Roupa- Grupo Mérito Dramático Avintense - “Joana, a Donzela”)- Teatro Nova Morada - “Barraca Deluxe”- Teatro Passagem de Nível - “Hamlet e Ofélia”

Melhor Cenografia- Grupo Mérito Dramático Avintense - “Joana, a Donzela”- Teatro Nova Morada - “Barraca Deluxe”- Companhia de Teatro Poucaterra - “Sobre a Mesa de Cabeceira”

Melhor Interpretação Feminina- Rute Lourenço/Companhia de Teatro Poucaterra - “Sobre a Mesa de Cabeceira”- Mónica Lourenço/Teatro Passagem de Nível - “Hamlet e Ofélia”- Andreia Rocha/Grupo Mérito Dramático Avintense - “Joana, a Donzela”

Melhor Interpretação Masculina- Rafael Amaral Vergamota/Companhia de Teatro Poucaterra - “Sobre a Mesa de Cabeceira”- Fábio Machado/Teatro Nova Morada - “Barraca Deluxe”- Sérgio Ferreira/Tin.Bra - Grupo de Teatro - “Malefícios”

Melhor Encenação- Manuel Ramos Costa/Grupo Mérito Dramático Avintense - “Joana, a Donzela”- Mónica Lourenço e Ricardo Mendes/Teatro Passagem de Nível - “Hamlet e Ofélia”- Rafael Amaral Vergamota/Companhia de Teatro Poucaterra - “Sobre a Mesa de Cabeceira”

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Melhor Produção (Prémio Ruy de Carvalho)- Grupo Mérito Dramático Avintense - “Joana, a Donzela”- Teatro Passagem de Nível - “Hamlet e Ofélia”- Companhia de Teatro Poucaterra - “Sobre a Mesa de Cabeceira”

Na noite de 2 de Março, com uma plateia lotada, coube à Contacto – Companhia de Teatro Água Corrente, Prémio Ruy de Carvalho 2012, apresentar “Gradim à Janela da Ausência”, antecedendo a tão ansiada divulgação dos vencedores.

Numa memorável Cerimónia de Encerramento, uma vez mais enriquecida com a ilustre presença de Ruy de Carvalho, o Grupo Mérito Dramático Avintense viu serem-lhe atribuídos os galardões para Melhor Desenho de Iluminação (Prémio Orlando Worm), Melhor Guarda Roupa, e Melhor Cenografia, bem como o de Melhor Encenação, distinguindo o trabalho de Manuel Ramos Costa. Os restantes galardões (Melhor Interpretação Feminina e Melhor Interpretação Masculina) foram entregues, respectivamente, a Rute Lourenço e Rafael Amaral Vergamota, da Companhia de Teatro Poucaterra, com a produção "Sobre a Mesa de Cabeceira".

O Prémio Prestigio Personalidade 2013 (Prémio Fundação INATEL) distinguiu o Theatro Club de Póvoa de Lanhoso, desde sempre, palco deste prestigiado certame.

E chegados ao momento alto da noite, o Grupo Mérito Dramático Avintense viu ser-lhe atribuído o Prémio Ruy de Carvalho para Melhor Produção, sagrando-se o grande vencedor da edição de 2013 do Concurso Nacional de Teatro – Póvoa de Lanhoso, com a peça “Joana, a Donzela”, galardão que arrecadou pela segunda vez na história do certame.

Entregues todos os galardões, o Presidente da CM de Póvoa de Lanhoso, Manuel Batista, e o patrono do Concurso Nacional de Teatro, Ruy de Carvalho, fizeram as honras das despedidas, deixando os votos de que todos se possam reencontrar dentro de um ano.

São esses, também, os desejos da Federação Portuguesa de Teatro…

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MENSAGEM DO DIA NACIONALDO TEATRO AMADOR (2013)

Norberto ÁvilaDramaturgo

Num país como este nosso Portugal, e neste nosso tempo, onde e quando o Teatro Profissional abrange e serve muito desigualmente o diverso território, sendo cada vez mais escassas as Companhias sobreviventes em muitas capitais de Distrito, fora dos grandes centros urbanos – como é consolativo verificar que o Teatro Amador, com tantas ou mais dificuldades ainda nos recursos de funcionalidade, vai briosamente cumprindo a sua função sociocultural: afinando sensibilidades, despertando vocações artísticas, agitando marasmos de comodismo egoista, abrindo fronteiras de consciência política e renovado humanismo. Por certo nunca será demasiado insistir neste ponto: o exercício amador da Arte Teatral é amplamente salutar. E nunca ouvimos falar de empresários ou diretores escolares que se tenham arrependido de patrocinar qualquer grupo dramático no respetivo âmbito laboral ou de ensino. Porque sempre os amadores de teatro se evidenciarão, positivamente, no seu profissional trabalho quotidiano, tal como, nas mesmas circunstâncias, sempre se hão de salientar nas aulas os alunos universitários, mas até os de escolas básicas ou secundárias. Se o Teatro Profissional atinge por vezes níveis admiráveis de qualidade artística (devidos naturalmente à aprendizagem regular e institucional), não deixa o Teatro Amador de surpreender-nos de quando em quando, com o desempenho de um intérprete, a destreza duma encenação, a ousadia de um cenário – decididamente superando a tradicional insuficiência de meios. Mesmo tendo em consideração a justa remuneração devida aos profissionais (que permite a sua subsistência), não creio haver grande vantagem em demarcar, insistir demasiado na verdadeira vocação do profissional e na generosa devoção do amador. Porque um e outro servem a sua Arte de eleição consoante as suas disponibilidades de tempo. E como é impressionante saber que alguém, depois de umas tantas horas de trabalho, privando-se do repouso e do convívio familiar, ainda tem ânimo de se entregar a ensaios ou representações teatrais! No campo específico do Teatro, mais que desejável é a solidariedade entre profissionais e amadores. Participem os primeiros, sempre que possível, em ateliês de formação dos segundos, que, por sua vez, lhes poderão fornecer intérpretes profissionalizantes e ajudar à habituação, à fidelidade de um público. Por outro lado, há que lembrar à Secretaria de Estado da Cultura e a algumas Câmaras Municipais mais renitentes que o Teatro – profissional ou amador – é mesmo uma criatividade cultural prestigiante e subsidiável. Mais que certos fogos de artifício que por todo esse País deflagram num esplendor e logo desaparecem. (Metaforicamente falando, claro.)

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TEATRO ARTE E EDUCAÇÃO (II)João Maria AndréProfessor CatedráticoFaculdade de Letras da Universidade de Coimbra

Na primeira parte da nossa reflexão sobre este tema, depois de uma introdução geral à articulação entre os três conceitos que tomamos como epígrafe, iniciámos uma aproximação da educação artística, procurando caracterizar uma das suas modalidades que designámos educação pela arte, um tipo de educação em que a arte é mobilizada, mas não como fim, horizonte e protagonista, antes como praxis potenciadora do desenvolvimento do ser humano na sua globalidade ou em algumas das suas vertentes, especificidades ou capacidades, como a linguagem, a filosofia, a história ou as ciências. Todavia, a educação pela arte não esgota o que entendemos por educação artística. A ela há que juntar, para constituir o tríptico em que se consuma, a educação para a arte e a educação na arte.

Se na educação pela arte, a arte não é um fim em si mesmo, já na educação para a arte e na arte é a arte o sentido e o caminho, o sujeito e o “objecto” da educação (se de objectos podemos falar em educação, tratando-se de uma prática essencialmente intersubjectiva).

O que entendemos por educação para a arte? Trata-se de todo o conjunto de intervenções que dão corpo a modalidades educativas em que se procura fazer uma iniciação e uma sensibilização à arte, às suas práticas, às suas linguagens e expressões e aos seus resultados. Ou seja, trata-se de uma aproximação ao saber, ao fazer e ao sentir da arte. Porque é que a arte carece de uma aproximação ao seu saber e ao seu fazer? Porque a arte, sendo uma forma de criação, é também um modo de conhecimento e um modo de saber. Os gregos, em que se enraíza toda a nossa cultura, designavam a arte com a palavra tekne. Nessa altura, tekne não correspondia apenas àquilo a que hoje chamamos uma actividade mecânica (traduzida pelo conceito de técnica), pois ainda não se tinha operado a passagem de um paradigma animista para um paradigma mecanicista, dominado pelo primado da máquina, que foi obra da revolução que se operou com a passagem do Renascimento para a Modernidade. Tekne era todo o nosso poiein, ou seja, todo o nosso fazer com as coisas da physis, da natureza, do homem e da sua linguagem. Por isso, se a actividade de um pintor ou de um escultor eram tekne, também a actividade do poeta o era, tal como era tekne a actividade do artesão (o oleiro ou o carpinteiro) e a actividade do actor, que, com a sua tekne dava vida à palavra do poeta, ou seja ao seu poiein com palavras. Ora o desenvolvimento dessa actividade, em qualquer um desses registos, implicava saber e conhecimento. Talvez por isso, Aristóteles, na sua Ética a Nicómaco, ao enunciar os cinco modos de conhecimento e de saber, os cinco modos de relação humana com a verdade, tenha começado precisamente pela tekne, à qual se seguia a phronesis (a prudência, ou seja, o saber da conduta humana) a episteme (ou seja, a ciência provada), o nous (ou seja, a inteligência dos primeiros princípios) e a sophia (ou seja, a sabedoria que sabe descer dos primeiros princípios para as razões dos assuntos e das coisas quotidianas). Assim, ao colocar a tekne, a arte, ao lado dos outros saberes, quis chamar a atenção para o

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conhecimento que implicavam as suas actividades e para a necessidade de levar a sério esse conhecimento. Ora é porque há um saber implicado nas artes que é necessário fazer uma educação para a arte e uma aprendizagem dos seus saberes e das suas especificidades. Se ninguém nasce ensinado sobre História, sobe Física, sobre Química ou sobre Biologia, também ninguém nasce ensinado sobre Pintura, sobre Poesia, sobre Dança, sobre Teatro ou sobre Cinema. Daí que seja necessária uma aproximação ao saber e ao fazer dessas artes.

No entanto, referi antes que era necessário não apenas uma aproximação ao saber e ao fazer, mas também uma aproximação ao sentir. Porque o que é característico destas artes é que elas não mobilizam apenas um conhecimento intelectual, mas também a sensibilidade. Ora sensibilidade diz-se, em grego, aisthesis, palavra que deu origem ao nosso termo estética: estetica é tudo o que tem a ver com a nossa sensibilidade. E todas as artes do poein, do fazer humano, ao mesmo tempo que mobilizam o conhecimento teórico, mobilizam a capacidade de sentir, ou seja, mobilizam aquilo que podemos designar com a expressão razão sensível, afectiva ou pática (pática é um adjectivo que se constitui a partir da palavra grega pathos, que significa paixão ou estado afectivo). Por esse motivo, educar para as artes é educar a razão sensível, afectiva e pática, é mobilizar simultaneamente o conhecimento e os afectos, a razão e as paixões, o intelecto e as emoções, o pensamento e os sentidos, ou seja, é educar o ser humano para a sua unidade integral e não para a sua dualidade ou para a sua fragmentação.

São, assim, estas as duas dimensões que uma educação para a arte deve mobilizar na sensibilização dos públicos para as diversas linguagens artísticas: a dimensão cognoscitiva e a dimensão sensível e afectiva. E isso pode ser feito em cada uma das disciplinas artísticas. Uma educação para a poesia passa por uma educação sobre o que é a metáfora, dispositivo fundamental da poesia: é uma educação para a poesia aquilo que Pablo Neruda faz ao seu carteiro, no filme sobejamente conhecido, quando lhe ensina o que é uma metáfora e o carteiro aprende que o seu amor só se diz através de metáforas. Ensinar a ler um poema, a descobrir a sua “verdade”, a sentir os seus ritmos, a perceber a cor dos seus sons, é educar para a arte da poesia e deveria ser isso que os professores de Literatura deveriam fazer, mais do que ensinar a contar as sílabas de cada verso de Os Lusíadas. E se a poesia carece de educação, também a pintura: não se nasce a gostar de Kandinsky ou de Picasso: é preciso um trabalho de iniciação à descodificação das suas técnicas, das suas linguagens, do seu fazer e do seu jogo com a luz e a sombra, as linhas e os volumes, as cores e as superfícies. O mesmo se passa com o cinema ou a música: quem não sabe o que é um plano, pode ver um filme e apreciá-lo, mas não o aprecia da mesma forma que o aprecia quem domina a técnica da montagem, os seus mecanismos, o jogo entre campo e fora de campo, o movimento da máquina e a sua fixação, a presença da cor e do preto e branco, como também quem não sabe o que é um acorde ou um compasso até pode cantar e deleitar-se com uma melodia, mas não consegue descodificar e apreciar em profundidade uma sinfonia de Mozart ou uma música para bailado de Tchaikowsky.

E o que se passa nestas artes, passa-se também nas artes de palco, como o teatro ou a dança. Uma criança que tenha visitado um dia os bastidores de um teatro, por exemplo, os seus camarins, que tenha visto os seus espelhos e a caixa de caracterização, terá uma noção completamente diferente quando depois vê, em palco, um pierrot ou um arlequim, um diabo vicentino ou o fantasma do pai de Hamlet. Como fará uma outra leitura se vir os diferentes tipos de projectores e os efeitos que podem criar, os filtros das luzes, as varas em que se suspendem e os cicloramas que permitem transformar o fundo do palco num deserto, num céu estrelado ou numa superfície lunar. Se um jovem

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conversar com um actor depois de um espectáculo, poderá aprender com que técnica, ou seja, com que arte ou tekne, se transforma uma face de comédia (riso) numa face de tragédia (choro), sem outros artifícios do que a movimentação dos músculos faciais, e como a alegria se pode transformar em espanto e o espanto em desespero.

É justamente essa a finalidade da educação para a arte ou da educação para as artes, uma vez que é de artes no plural de que falamos. Esta educação pode e deve ser feita de duas formas: por um lado, integrada em todo o processo educativo, com especial ênfase no ensino pré-escolar, no ensino básico e no ensino secundário. E aquilo a que se tem assistido é, ao contrário do que se passa em muitos outros países da Europa e do Mundo, a uma desvalorização da educação para a arte, eliminando carga horária ou desvirtuando as disciplinas que a essa educação se devem dedicar (como acontece com a educação para a imagem, em que em vez de se fazer educação visual se junta, no mesmo pacote, educação visual e tecnológica). Por outro lado, além da educação especificamente escolar, a educação para a arte deve estar contemplada como uma actividade específica junto dos próprios criadores e difusores das artes. Aqui, os dispositivos que têm como finalidade fazer a educação para a arte, são os serviços educativos. Mas para compreendermos bem a natureza e as funções dos serviços educativos é necessário desfazer alguns preconceitos.

O primeiro preconceito é o de que basta ter uma programação/agenda para o público infanto-juvenil para ter um serviço educativo. Nada de mais errado: agendar uma peça de teatro para crianças não constitui um serviço educativo, porque o próprio do serviço educativo é fazer a mediação entre a criação e o consumo ou usufruto e, por isso, carece de espaços e tempos próprios para além da representação em si. O segundo preconceito é o de que um serviço educativo tem apenas como público as crianças e os jovens. Ora nós estamos em educação permanente e isso aplica-se também às artes: crianças e jovens sim, mas também público com deficiência (visual ou auditiva ou outra), seniores, cidadãos desfavorecidos, adultos, etc… E o terceiro preconceito é o de que qualquer técnico pode ser mediador no serviço educativo: também nada mais errado. É necessário ter competências especiais, tanto no domínio das artes, como domínio da psicologia, como no domínio das ciências da educação.

Desfeitos estes preconceitos, poderemos agora aproximar-nos mais concretamente do serviço educativo como educação para a arte e apresentar exemplos de como isso poder ser feito no teatro. Fá-lo-emos no próximo texto.

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SETE VIDAS TEM O GATO

Maria RibeiroAgaiarte - Associação Gaia Arte Estúdio

Texto produzido no âmbito do painel de escrita criativa, orientado por Manuel Ramos Costa, no XI Fórum Permanente de Teatro, em Fafe, em Janeiro de 2013.

Num precipício está Olga, sozinha, prostrada no chão, com metade do corpo no precipício e metade do corpo no chão. Com o movimento dos braços vai ganhando lanço para deixar o corpo cair no precipício. No entanto, está voltada para o céu (teto).

OLGA: Voar! Sim, vou voar. Voarei para bem longe de tudo e de todos. As nuvens tomarão conta de mim… Aquele urso (apontado para a nuvem) que ali vejo será o meu pai, nele me irei aconchegar e adormecer. As asas, que nunca tive, desprendem-se das minhas costas. Gravidade, não me ouses derrubar, que eu vou voar.

(Francisco escuta as últimas falas de Olga e aproxima-se.)FRANCISCO: Pensas que és Fernão Capelo Gaivota? Não sabes que os humanos não

voam? (Olga não o tendo visto aproximar, assusta-se e levanta-se.)OLGA: Quem és tu? Sai daqui! Este momento é meu e preciso de estar sozinha. FRANCISCO: Calma! Pode ser que te possa ajudar a voar.OLGA: Como assim?! Ninguém me pode ajudar. O que pretendes daqui?FRANCISCO: Cair. OLGA: Sai. (Francisco afasta-se, mas mantém-se próximo. Olga deita-se, desta vez de barriga para baixo a espreitar o precipício. Entram em cena Tiago e Urbana, juntos, de mãos dadas, a conversar entre si.)TIAGO: Estamos a chegar. (aperta a mão de Urbana).URBANA: Vamos conseguir. Isto será o nosso ato de coragem.TIAGO: Não digas isso. Tu não és covarde como eu. Tu tentaste…URBANA: Tentar? Chamas tentar a comer desenfreadamente para depois enfiar os meus

dedos nas goelas? Não, sou tão covarde quanto tu… Mas isso agora vai mudar. FRANCISCO: Mudar não é o termo mais correto. Talvez acabar?!(Urbana e Tiago estancam. Tiago dá um passo atrás.)URBANA (lança um olhar sério a Francisco): Sim, acabar!FRANCISCO: Pois bem! (em tom solene) Hoje estamos aqui reunidos para terminar com

as nossas vidas!(Tiago fica receoso, mas há algo que o move.)TIAGO: Queres juntar-te a nós?(Olga, que entretanto se apercebera que havia mais gente, volta-se e levanta-se.)FRANCISCO: Juntar-me a vocês?! Eu já aqui estava antes de terem chegado.(Olga caminha furiosa até eles.)OLGA: Eu cheguei primeiro. Este momento é só meu e ninguém mo vai tirar. Saiam

daqui.(Vê-se uma bola a passar por cima da cabeça deles. Eles correm atrás da bola. Esta bate no chão e rebola até cair no precipício. Eles seguem o movimento, mas param todos na linha

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do precipício, exceto Olga que tropeça e cai até uma pedra abaixo do precipício. Todos se deitam para a poder ver.) FRANCISCO: Estás bem? (Estende-lhe a mão.) Agarra a minha mão. Vá, segura-a.(Olga levanta-se cambaleante, retoma os sentidos e recusa a mão).TIAGO: Mas o que se passa com ela? Ela quer morrer?FRANCISCO: Exatamente! Bom diagnóstico, senhor doutor.(Rui aproxima-se deles.)RUI: Mas o que se passa aqui? (Os três voltam-se.)URBANA: Estamos a tentar ajudar alguém que caiu no precipício.FRANCISCO (graceja): Isso mesmo, estamos a tentar evitar que alguém morra hoje.(Urbana lança-lhe um olhar furioso e Tiago levanta-se e aproxima-se do Rui.)RUI: Mas não vão evitar que eu morra.TIAGO: Pelos vistos, estamos aqui todos pelo mesmo motivo… Ainda não percebi quem

conspirou para que nos reuníssemos aqui hoje, mas de certeza que foi obra divina. Mas, aquela rapariga precisa da nossa ajuda. Temos de a conseguir tirar de lá.

OLGA: Não preciso nada. Estou muito bem aqui. Nunca precisei de ajuda de ninguém, não é de certeza no último momento da minha vida que a vou ter. Desapareçam todos.

(Francisco levanta-se, seguido de Urbana.)URBANA: Não a podemos deixar ali. Temos de a ajudar.FRANCISCO: Porquê? Não queremos todos morrer hoje?!URBANA: Sim, mas…(Urbana é interrompida por Natália que vem cambaleante. Natália caminha para eles, a tentar apanhar pedras.)NATÁLIA: É esta a pedra! Olha, mais uma! Mas eu precisava era de um pedregulho…

Pedrinha, pedra, pedrão… Não… Perdão! Como não me pediu perdão o cabrão? (tropeça e cai). Estas pedras vão me levar até casa… (Começa a contar as pedras.) Uma, duas, três… Queria construir uma casa?! Uma casa, o desgraçado! (Atira as pedras ao chão. Observa uma pedra maior.) É esta a pedra que eu preciso. Esta pedra vai me levar lá em baixo.

TIAGO (comovido): Alguém a ajude! Anda Urbana, vamos ajudá-la. URBANA: Mas que se passa aqui? Porque resolveram todos se juntarem hoje para…FRANCISCO: Para declinarem suas vidas? Não sei… (Urbana e Tiago tentam levantar Natália. Ouve-se um motor de uma mota. Abel começa a

despir-se e a dirigir-se determinado ao precipício).RUI (trava-o): Para. (Tiago olha de soslaio para ele). FRANCISCO: Deixa-o. Não vês que ele está doente.(Reparam no corpo com manchas).ABEL (Olha para Francisco.): Eu não sou doente. (Avança para o precipício.)FRANCISCO: Vê se apanhas lanço, para não perderes a coragem.(Abel avança para Francisco e dá-lhe um soco. Francisco reage e é Rui e Tiago que os

tentam separar)FRANCISCO: Filho da puta, se te apanho…ABEL: Fazes o quê? Matas-me?! Deixai-o… Deixai-o vir…TIAGO (segurando Francisco): Sossega, vá… FRANCISCO: Larga-me, seu paniscas.TIAGO: O quê?! Como ousas?! Eu tenho namorada.FRANCISCO: Como se alguma vez isso tivesse sido um impedimento... Não é aquela a tua

namorada, pois não?TIAGO: Não! (afasta-se de Francisco.)(Abel fica mais calmo e volta-se para o precipício. Aproxima-se do fim da terra.)ABEL (vendo Olga): Quem és tu?

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OLGA: Saiam. Saiam. Deixem-me.ABEL: Espera, eu tiro-te daí. OLGA: Não, não quero. URBANA (aproximando-se de Abel). Deixa-a. Ela não quer ser resgatada. (Natália aproxima-se da linha do precipício. Empurra, sem querer, Olga e Abel, mas eles

travam a tempo.)RUI: Mas alguém se vai suicidar hoje?FRANCISCO: Não é essa a questão. Deverias antes perguntar se alguém se quer suicidar

hoje? (Aproxima-se um a um, lentamente, da linha do fim da terra.)OLGA: Eu quero. Mas não quero assistência.RUI: Então, estamos com um problema. Porque eu escolhi o dia de hoje para morrer. URBANA: Eu não sei se quero morrer, só sei que não quero viver como vivia. TIAGO: Demorei tanto a decidir… Não vou voltar atrás.ABEL: Eu não tenho escolha. Antes morrer na finisterra, do que perecer numa maca de

hospital com um aparelho a traçar o meu ritmo.NATÁLIA (olhando o precipício): É tão fundo, o mar tão revolto… (recua um passo)FRANCISCO: Então, está decidido. Cometeremos um suicídio coletivo. Quem faz as

honras de ser o primeiro?OLGA: Eu avanço.TIAGO: Não, espera. Junta-te a nós primeiro.(Francisco ajoelha-se e devolve a mão. Olga guarda um momento de indecisão e decide dar-lhe a mão.)FRANCISCO (erguendo-a): Não foi assim tão difícil, pois não?(Olga esboça um sorriso. Dão as mãos e preparam-se para o salto final.)TIAGO: Não devemos dizer uma prece?URBANA: Ou confessar os motivos que nos trouxeram até ao fim da linha?(Jaz um silêncio.)(Natália rompe o silêncio, larga a mão e cai no chão. Fica sentada. Pega numa pedra e atira para o precipício. Todos seguem o movimento da pedra com o olhar.)NATÁLIA: Ele traiu-me… Confiava nele e ele traiu-me… (em lágrimas) Porquê? Porquê?

Se eu fui tão feliz. Eu conheci a felicidade (esboça um sorriso). Ele mostrou-me a felicidade e a tristeza. Quem mais me fez feliz, mais me entristeceu... A mágoa é tão profunda que nem este precipício consegue ousar a se comparar a tal… A minha salvação será estas ondas… Estas ondas sacudirão o meu corpo até à tortura final… E aí sentirei a dor física e serei una com a dor… minha eterna e única amiga…

URBANA (segurando uma lágrima): Idas e idas aos médicos em vão. Todos eles com novas receitas, novas operações, novos milagres… Tudo mentira. Só o espelho consegue ser meu amigo fiel. Eu bem vejo o monstro que pareço. Eu ouço os comentários na escola: “Lá vai a baleia plástica.” “Não há milagre que lhe salve.” “Mais uma operação? Era preciso um milagre!”

RUI (em surdina, ao ouvido de Urbana): Eu não te acho nada feia… (Urbana afasta-se).ABEL: Também fui a vários médicos. A única receita que tinham para mim é “lamento”.

Lamento imenso. Não é justo. Não é o único. Não se pode fazer nada. É uma questão de tempo. Sentenciavam escrupulosamente. Resolvi antecipar-me às hienas… Não quero ser rato de experiência. O meu corpo será tragado pelas águas do mar e nunca o encontrarão.

RUI: Ainda nem andava, já pontapeava uma bola… Dediquei toda a minha vida a uma bola… Jogava como avançado numa equipa distrital. Depois, avancei para o nacional. Treinava dia e noite para quando o mister de um clube estrangeiro me fosse ver… Mas o mister foi e não me viu. Quando lhe perguntaram por mim, disse que era muito velho para uma carreira no futebol. Restou-me a bola.

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OLGA: Também eu não tenho ninguém. A minha mãe odeia-me, o meu pai não me vê. Fui criada pela vida e a vida foi cruel e madrasta. Colocou-me uma máscara de mulher distante e gélida… sem amor. Incapaz de sentir a dor e a alegria de amar.

(Francisco aperta a mão de Olga, prepara-se para falar, mas é Tiago que se adianta.)TIAGO: Gosto de homens! Pronto. Já o disse. Gosto, gosto e gosto de homens. Adoro o

corpo de um homem, penso e fantasio em senti-lo a roçar em mim. Mas não é normal… Eu não sou normal… Sou um anormal, um animal ou que quiserem chamar… Sim, porque eu gosto de homens!

(O ambiente fica menos tenso. Esboçam alguns sorrisos. O Rui fica meio atrapalhado.)OLGA (dirigindo-se ao Francisco): Só faltas tu!FRANCISCO: Eu não tenho nenhum motivo. Nem sei porque aqui estou. Simplesmente,

vim caminhando para aqui e vi-te.OLGA: Mentira. Mentira. Tu disseste que querias cair.FRANCISCO: E já caí. Caí em mim. Perante as vossas confissões, os meus motivos

parecem tão sem sentido, tão absurdos… ABEL: Eu vi logo que ele era um canalha e que não ia contar.NATÁLIA: Canalha… Todos os homens são uns canalhas.RUI: Ei! Nem todos o são.TIAGO: Eu também não acho que sejam…FRANCISCO: Não espero que compreendam. Nunca ninguém me compreendeu. Mas não

quero tomar parte disto. OLGA: Covarde!FRANCISCO: Covardes são vocês, que não enfrentam a vida. Deixam que as desgraças do

dia a dia vos matem.OLGA: Ele tem razão. Nós já estamos mortos! Já ninguém aqui vive. É só atravessar para

o lado de lá e termina a nossa morte.URBANA: Crês que há vida do outro lado?OLGA: Sim! Sinto que há. Quem de vós fez mal tamanho para merecer esta vida?(Todos meneiam com a cabeça à exceção de Francisco. Natália limita-se a atirar pedras para o precipício.)URBANA (dirigindo-se a Natália): Para com isso! NATÁLIA: A seguir às pedras vou eu.ABEL: Nós não vamos a nenhum lado. Não há vida além da morte.TIAGO: Claro que há! E eu vou direto para o inferno! Acham que deixam os pervertidos

entrar no Paraíso?FRANCISCO: Se suicidarem vão todos… Sendo pervertidos ou não…OLGA (para Francisco): Cala-te! (para os restantes elementos) Quem quiser saltar que dê

as mãos.(Todos entrelaçam as mãos. Até Francisco se junta a eles.)OLGA: (Para Francisco) Tu não!FRANCISCO: Eu sim. Quero pertencer a algo. E vou pertencer a isto.URBANA: Deixa-o.(Abel também consente com a cabeça) TIAGO: Não deveríamos deixar uma mensagem?FRANCISCO: Queres dizer a todos que és gay? Então, qual o motivo de te suicidares?TIAGO: Não, não quero dizer a todos que sou gay. Mas podíamos escrever algo…URBANA: Sim, Tiago. O que queres dizer? TIAGO: Não sei…FRANCISCO: Fortuna.OLGA: Fortuna?!FRANCISCO: Sim, a fortuna que deixámos para trás… ABEL: A que te fortuna te referes? À vida?!FRANCISCO: Sim, à vida! A fortuna de viver todos os sentimentos…

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Page 28: Revista Palcos #5 (Março 2013)

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OLGA: Mas eu não vivo nada. Eu não sinto nada. A minha vida é vazio…FRANCISCO: Mesmo o vazio é fortuna para muitos.OLGA: Como uma página em branco pode ser fortuna?FRANCISCO: Porque podes escrever o que quiseres. Sem passado, sem tempo…OLGA: Sem ação, nem personagens?FRANCISCO: Tu nunca poderias ser personagem. OLGA: Pois, a minha vida é de tal forma vazia que nem para personagem sirvo.FRANCISCO: Tu não poderias ser personagem porque és autora. Tu é que decides a tua

história e tu é que decides se a deixas em branco ou não.OLGA: Mas amanhã, será uma história. Uma história num jornal. De 7 personagens que

se suicidaram na finisterra.NATÁLIA: Sim, sete anos que lhe dediquei… e sete fortunas que gastei… ABEL: Parece que já temos a mensagem…RUI: Não percebo.TIAGO: Vamos escrever fortuna. A fortuna que cada um deixa.RUI: E que fortuna tu deixas?TIAGO: Na minha aldeia todos me conhecem e todos se orgulham de mim. Deixo-lhes o

testemunho…ABEL: O testemunho de quê? De fugir dos obstáculos? Eu sou o único aqui com motivos

para me suicidar. Não tenho família nem ninguém quem se orgulhe de mim…FRANCISCO: E o contributo que podes dar para a medicina?ABEL: E o contributo que podes dar para a sociedade, ó excluído?FRANCISCO: A sociedade não tem lugar para mim…OLGA: Basta! Ninguém tem de fazer isto. Quem não quiser, pode-se ir embora. RUI: Estamos no ponto sem saída. Ou marcamos golo ou desistimos. Somos uma equipa,

ou avançamos para a linha de jogo ou perecemos sem marcar golo.FRANCISCO: Tu achas que isto é algum jogo de futebol? Achas que vamos marcar sete

pontos no painel da morte? RUI: Não, eu sei que não é… Mas estamos nisto juntos.TIAGO: O destino nos uniu. E por alguma razão foi… Se calhar…FRANCISCO: Se calhar o quê?TIAGO: Nada…URBANA: Tanto queria ser bela e agora o meu corpo vai balancear nas águas.RUI: A tua beleza, para as águas, é uma fortuna.

(Enquanto discutiam, Natália, com as pedras, escreveu Fortuna. Levanta-se e retoma o seu lugar. Dá-se um silêncio de olhares. Desviam o olhar do precipício. Olham em frente e saltam. Blackout. Aparece uma imagem de um jornal com a notícia do suicídio coletivo. Há uma parte com a história de cada um. No final, aparece o acróstico com o nome deles.)

FranciscoOlgaRui

TiagoUrbanaNatália

Abel

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