24

REVISTA RAÇA BRASIL, CHARGES E MAURICIO PESTANA: … · aos nossos interesses. A charge que é legitimada historicamente como fonte de ... Esta revista mostra um segmento da

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: REVISTA RAÇA BRASIL, CHARGES E MAURICIO PESTANA: … · aos nossos interesses. A charge que é legitimada historicamente como fonte de ... Esta revista mostra um segmento da
Page 2: REVISTA RAÇA BRASIL, CHARGES E MAURICIO PESTANA: … · aos nossos interesses. A charge que é legitimada historicamente como fonte de ... Esta revista mostra um segmento da

2

REVISTA RAÇA BRASIL, CHARGES E MAURICIO PESTANA: AFRO-

BRASILEIROS/AS NA ÓTICA DO CARTUNISTA

Autora: Anesia De Castro Marques Silva1

Orientadora: Edméia Ribeiro2 RESUMO:

A questão dos afrodescendentes ganhou notoriedade a partir da promulgação da Lei

10.639/2003, onde se formaliza a inserção dos conteúdos referentes ao ensino da

História e Cultura Afro-brasileira e Africana. Porém observava-se a existência de

movimentos e instrumentos, após anos de lutas reivindicatórias, pelos direitos de

igualdades raciais. A lei vem de encontro para oportunizar aos afrodescendentes

uma efetiva participação e apresentação da sua história e da sua identidade

valorizada pelas pesquisas e manifestações culturais. Um desses instrumentos é a

Revista Raça Brasil que surgiu em meados da década de 1990 e que ao longo da

sua trajetória foi se configurando como uma forma de mostrar: a cultura, as

personalidades, as lutas e conquistas da comunidade afrodescendente no Brasil.

Maurício Pestana, cartunista, ativista, engajado nas questões de igualdade racial no

país, passou a publicar suas charges mostrando a crítica social bem humorada,

inspirando-se em pessoas ou fatos que foram notícia junto ao universo dos

afrodescendentes.Foram desenvolvidos estudos com as charges de Maurício

Pestana, vinculadas na Revista Raça Brasil, a motivação em se trabalhar com a

questão dos afrodescendentes no Brasil, junto aos alunos/as do ensino fundamental,

fonte na qual poderíamos nos debruçar para pesquisá-la e que fosse de encontro

aos nossos interesses. A charge que é legitimada historicamente como fonte de

investigação e de análise, serviu como recurso para mobilizar nossos alunos/as no

processo de conhecimento, nas aulas de História. A implementação desse projeto

aconteceu no Colégio Estadual Profª. Célia Moraes de Oliveira, no segundo

1 Graduada pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Umuarama. Especialização em Supervisão e

Orientação Escolar pela UNOPAR e professora de História da Rede pública estadual no Colégio Célia Moraes de

Oliveira. Londrina – PR.

2 Graduada pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), Mestrado e Doutorado pela

UNESP/ASSIS e professora do Departamento de História da Universidade Estadual de Londrina

(UEL).

Page 3: REVISTA RAÇA BRASIL, CHARGES E MAURICIO PESTANA: … · aos nossos interesses. A charge que é legitimada historicamente como fonte de ... Esta revista mostra um segmento da

3

semestre de 2011, onde os alunos/as da 6ª série/7º ano, utilizaram a Revista Raça

Brasil e produziram charges relacionadas às questões dos afrodescendentes no

contexto atual.

Palavras chaves: Charges, Maurício Pestana, História, Revista Raça Brasil.

Abstract

He issue of African descent gained notoriety after the promulgation of the law

10.639/2003, which formalizes the inclusion of content related to the teaching of

history and Afro-Brazilian and African. But we observed the existence of movements

and instruments, after years of fighting for the rights of reivindicatórias racial equality.

The law is against African descent to create opportunities for effective participation

and presentation of their history and their identity valued by the research and cultural

events. One such instrument is the Race Magazine Brazil that emerged in the mid-

1990s and throughout his career was shaping up as a way of showing: the culture,

the personalities, the struggles and achievements of Afro-descendant community in

Brazil. Maurício Pestana, cartoonist, activist, engaged in issues of racial equality in

the country, began to publish his cartoons showing the humorous social criticism,

drawing on people or events that made news with the world of African descent.

Studies were conducted with the cartoons of Mauricio Pestana in Brazil Race

Magazine. The motivation to work with the issue of African descent in Brazil, with the

students / the elementary school where we sought a source from which we could

look to research it and that was against our interests. A cartoon that is legitimized as

a source of historical research and analysis, served as a resource to mobilize our

students / in the process of knowledge in history classes.

The implementation of this project took place in the State College Prof.. Célia Moraes

de Oliveira, in the second half of 2011, where students / the 6th grade / 7th grade,

used the Brazil Race Magazine and produced cartoons related to the issues of

African descent in the current context.

Keywords: Cartoons, Maurício Pestana, History, Race Magazine Brazil.

Page 4: REVISTA RAÇA BRASIL, CHARGES E MAURICIO PESTANA: … · aos nossos interesses. A charge que é legitimada historicamente como fonte de ... Esta revista mostra um segmento da

4

APRESENTAÇÃO

Ao entrar no PDE, em 2010, com a intenção de desenvolver uma proposta de

pesquisa em torno da questão sócio cultural dos afrodescendentes, buscava

respostas para questões relacionadas às contradições que eu visualizava em torno

da escola na qual trabalho. Sua realidade, seu olhar para as indagações que

buscavam respostas, a forma com a qual contextualizavam em relação ao que

aprendiam em História.

Porém, continuava a pergunta: como trabalhar tais questões? Como abordar

os alunos, sendo que não tenho um histórico de engajamento em torno das

problemáticas que os envolviam? Procurava algo, um instrumento, uma fonte que

servisse como um referencial, com o qual poderia aprofundar meus estudos e

dialogar com os grupos de alunos/as a respeito da questão e desse diálogo. Levá-

los-ia à reflexão das questões cotidianas para produzir, com eles, algo que pudesse

transmitir seus pensamentos e sentimentos, respaldados pelas teorias com as quais

estivessem envolvidos nos seus estudos e que fossem socializadas com a sua

comunidade.

Diante desses questionamentos, ao dar início aos trabalhos no Programa de

Desenvolvimento Educacional, e contactar com a orientadora, encaminhei essas

questões e em conjunto com os professores/as com os quais partilho experiências

nesse curso. Percebi que também carregavam suas dúvidas quanto à melhor fonte

de pesquisa para desenvolver esses trabalhos.

A professora, ao elencar algumas propostas de fontes, apontou a

possibilidade para que eu conhecesse e utilizasse como objeto de estudo a Revista

Raça Brasil. Procurei-a, e comecei a folheá-la, porém continuavam as incertezas de

como desenvolver uma proposta de pesquisa com esse recurso, visto que não a

conhecia e que não havia pensado em desenvolver esse projeto fazendo uso de um

instrumento de mídia para as aulas de História. Esta revista mostra um segmento da

sociedade com o qual nos envolvemos, porém nos revela uma realidade

diferenciada da qual encontramos em nosso contexto. As hipóteses de trabalho

tornaram-se amplas ao me deparar com tantas possibilidades de fontes para

pesquisa, que a revista propiciava nas suas diversas seções.

Observando a revista na sua última página, deparei-me com charges que

refletiam acontecimentos e personagens com olhares diferenciados, o que me

chamou atenção em relação ao restante do seu conteúdo, pois estas aproximavam-

Page 5: REVISTA RAÇA BRASIL, CHARGES E MAURICIO PESTANA: … · aos nossos interesses. A charge que é legitimada historicamente como fonte de ... Esta revista mostra um segmento da

5

se das indagações do grupo de alunos/as com o qual desenvolvo meu trabalho.

Pesquisei a respeito do autor, das charges e observei nele envolvimento com as

questões dos afrodescendentes e que possui uma história de luta em defesa das

causas étnico raciais. Maurício Pestana, que assina as charges, apresenta um

acervo com o qual é possível refletir sobre as questões raciais no Brasil e no mundo.

A Revista Raça Brasil tem como proposta apresentar um universo cujas

demais revistas que circulavam não contemplavam, de forma tão enfática, as

questões relacionadas à realidade dos afrodescendentes. Observa-se que a Revista

Raça Brasil, ao longo de sua história, passou por modificações e procurou mostrar a

importância dessa cultura, destacando movimentos sociais e culturais, fugindo dos

padrões que as outras apresentavam e que tinham como público-alvo segmentos da

sociedade que se identificavam com o que era apresentado nos conteúdos das

matérias, nas fotos e personagens nelas mostrados.

Levando em consideração as questões acima elencadas, neste artigo

trabalhamos com as charges do cartunista Maurício Pestana, apresentadas na

Revista Raça Brasil, e nelas observamos de que maneira são retratados aspectos

da vida de pessoas afrodescendentes, por intermédio desse instrumento. Fizemos

um levantamento e estudo das charges nas edições que vão do período de abril de

2007 a março de 2011, evidenciando as principais temáticas enfocadas.

A charge, como objeto de investigação, pode ser explorada de forma que vá

além de uma caricatura do cotidiano e tenha nas suas nuances mensagens que

remetam a reflexões e revejam posicionamentos e (pré) conceitos, manifestando no

censo crítico uma avidez maior do que se possa imaginar que exista nessas

mensagens. Observa-se, nas Diretrizes Curriculares a legitimação dessas propostas.

Fenômenos, processos, acontecimentos, relações ou sujeitos podem ser analisados a partir do conhecimento histórico construído. Ao confrontar ou comparar documentos entre si e com o contexto social e teórico que os constituíram, a produção do conhecimento propicia validar, refutar ou complementar a produção historiográfica existente. Como resultado, pode ainda contribuir para rever teorias, metodologias e técnicas na abordagem do objeto de estudo historiográfico. (DIRETRIZES CURRICULARES, 2008, p. 47)

Justifica-se, então, o uso da imagem, neste caso a charge, como recurso

metodológico no ensino de História. Validada como fonte, propicia também uma

Page 6: REVISTA RAÇA BRASIL, CHARGES E MAURICIO PESTANA: … · aos nossos interesses. A charge que é legitimada historicamente como fonte de ... Esta revista mostra um segmento da

6

forma de ver o fato, o contexto e possibilita a interpretação de uma representação. É

o que aponta Warley da Costa

Portanto, a importância da imagem no ato de aprender é inquestionável (...). A leitura da imagem proporciona ao receptor um sentido, um significado próprio de acordo com suas vivências (...). Assim, a imagem induz o expectador a estabelecer uma rede de significações de acordo com experiências individuais, socializando valores e elaborando saberes e identidades coletivas. (COSTA, 2005, p. 149)

Por que a Revista Raça Brasil? A proposta em torno desse instrumento de

comunicação nasce da curiosidade de pesquisar nesse meio, que surge na década

de 90, no século XX especificamente, atendendo à parcela do público afro-

brasileiro. Percebe-se, nas charges, um retrato diferenciado da realidade dos

afrodescendentes. Sendo assim, surgem algumas indagações às quais procuramos

respostas que foram transformadas em uma proposta de ensino, na educação

básica.

A Revista Raça Brasil nasceu em primeiro de setembro de 1996, com o

propósito de atender a uma demanda reprimida da população, que gostaria de se

ver na revista, que teria acesso a ela, que era inteiramente voltada às questões afro,

e que também fazia parte do mundo de consumo. Na época em que a revista foi

idealizada, havia uma discussão em torno do termo e do significado de ”ascensão

social’’, dos afrodescendentes. Segundo Roberto Melo, redator da revista Raça

Brasil, este termo não era visto com simpatia por áreas e setores do meio

acadêmico, como por exemplo, pela Sociologia e pela Antropologia.

Houve um fato objetivo que foi um movimento silencioso de ascensão social dos negros nesse país. E foi silencioso por quê?Foi silencioso porque uma das vertentes, uma das facetas do racismo do povo brasileiro, desse racismo cordial foi excluir os negros do nosso campo de visão. Então toda a mídia brasileira, sempre nos ensinou que os negros são pobres, e que o Brasil está dividido entre brancos ricos e negros pobres e por isto os negros nunca apareceram em comerciais, ou em qualquer outro meio de comunicação. O lançamento da revista foi o estopim, uma injeção de auto-estima que fez com que muitos destes negros e mulatos que estavam em cima deste muro de identidade, pulassem para o lado negro. Porque nós fizemos uma revista onde está escrito em cima, com letras claríssimas, a revistas dos negros brasileiros. (PAGU, 1996, p.245)

Page 7: REVISTA RAÇA BRASIL, CHARGES E MAURICIO PESTANA: … · aos nossos interesses. A charge que é legitimada historicamente como fonte de ... Esta revista mostra um segmento da

7

Na ótica do editor, o lançamento da revista foi um sucesso. Segundo ele, os

números de tiragem da revista superaram as expectativas. Por outro lado, observou-

se que mesmo com esses números, não havia um consenso, pois em estados, como

a Bahia, que seria teoricamente de grande demanda, os números não mostraram

uma resposta tão imediata.

Ao analisar o debate em torno da criação da Revista Raça Brasil, percebe-se

que não havia unanimidade em torno do seu sucesso e de sua relevância, é o que

nos mostra a professora da UNICAMP, Mariza Corrêa:

Ah! Fizeram uma com negros, perfeito. E a outra coisa é que, embora seja uma revista para negros, tem matérias muito interessantes... Nada específico de negro aqui, nada a começar pelo mel que a moça passa no rosto, o banho de ervas, etc. É muito interessante, porque lendo a revista parece que é uma coisa para negros, a ilustração, a mulher negra, a mulher que sai do banho, que fica linda depois, como todas as revistas. Mas nada é específico de negros. (PAGU, 1996, p. 261)

Ou seja, a revista, quando surgiu, provavelmente não apresentou de forma

mais próxima a realidade e os interesses das diversas comunidades afro

descendentes do Brasil, pois contemplava um perfil mais mercadológico.

Com o decorrer dos anos, a revista passou por algumas reestruturações. A

partir de abril de 2007, Maurício Pestana passou a publicar suas charges nela

promovendo assim, junto a uma esfera de humor, um novo formato para

contextualizar a questão dos afrodescendentes, na atualidade. Segundo consta no

editorial da Revista Raça Brasil(Edição 150, Jan.2011) a mesma passou por

significativas transformações ao longo de sua história.

Nasceu para dar visibilidade ao negro e mostrar que existia, já em 1996, uma enorme parcela da população ávida por autoestima e estruturada para o mercado consumidor. Em outro momento, exploramos o cotidiano e o comportamento de um povo orgulhoso com o espaço conquistado... A revista teve um papel ativo nesse processo de amadurecimento e, há pouco mais de dois anos, com uma nova proposta editorial passou a acreditar na educação e na cultura como as únicas ferramentas capazes de transformar uma nação por inteiro. (REVISTA RAÇA BRASIL, 2011, p.4)

As charges, que foram analisadas, são de autoria de Maurício Pestana.

Este chargista constitui-se como ativista pelas causas da igualdade racial no país.

Além de seus trabalhos publicados no Brasil, tem seu reconhecimento também no

Page 8: REVISTA RAÇA BRASIL, CHARGES E MAURICIO PESTANA: … · aos nossos interesses. A charge que é legitimada historicamente como fonte de ... Esta revista mostra um segmento da

8

exterior. É paulista, natural de Santo André. Foi a partir dos anos 70 que iniciou sua

carreira como jornalista, no jornal O Pasquim. Posteriormente destacando-se em

importantes meios de comunicação como cartunista político. Dedica-se na luta pelos

direitos humanos e cidadania plena dos afrodescendentes. Seu trabalho inclui

também cursos, workshops, oficinas e assessoria nas áreas de educação.

Atualmente, Maurício Pestana é presidente do Conselho Editorial da Revista Raça

Brasil, que é inteiramente voltada às questões afro-brasileiras.3

Neste sentido a implementação aconteceu no Colégio Estadual Professora

Célia Moraes de Oliveira no segundo semestre de 2011, onde foram contempladas

as turmas de 6ª série/7º ano do período vespertino, com as quais desenvolveram-se

trabalhos de análises das charges da Revista Raça Brasil e posteriormente os

alunos/as finalizaram expondo charges produzidas por eles.

Reflexões sobre a questão racial no Brasil e o Estatuto de Igualdade Racial.

Com a implementação da Lei número 10.639/03, que inclui no currículo oficial

a obrigatoriedade da História e Cultura Afro Brasileira, seguidas das Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Educação das relações étnico-raciais e para o ensino

de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, faz-se necessário um estudo e uma

reflexão diferenciada. Diante de uma história marcada, a princípio, pelas opressões

da escravidão sofridas pelos africanos, mesmo com a abolição constata-se que

foram criadas novas legislações, pois passado mais de um século, são constantes

as demandas de enfrentamentos e consequentes reparações de perdas e danos

causados pelo preconceito - tão presente na sociedade contemporânea. Após anos

de lutas reivindicatórias pelos direitos de igualdades raciais, a lei vem de encontro

para oportunizar aos afrodescendentes uma efetiva participação e apresentação da

sua história e da sua identidade valorizada pelas pesquisas e manifestações

culturais. (DIRETRIZES CURRICULARES, 2008, p 45).

Junia Sales Pereira (2008) aborda que a partir das legislações que norteiam a

questão dos afrodescendentes e da educação no Brasil, serão promovidos debates

em torno das transformações que ocorreram em decorrência dessas normas. Note-

se:

3 Informações retiradas do site WWW.mauriciopestana.com.br, Acesso no dia 16/03/2011 às 15 horas.

Page 9: REVISTA RAÇA BRASIL, CHARGES E MAURICIO PESTANA: … · aos nossos interesses. A charge que é legitimada historicamente como fonte de ... Esta revista mostra um segmento da

9

A publicação da Lei nº 10639/2003, ocorreu num contexto educacional mais abrangente, marcado pelas transformações advindas da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases nº 9394/96, em que afirmaram modificações educacionais importantes, como a flexibilização curricular, a consciência do valor da inclusão e da diversidade na educação, e a reafirmação da autonomia docente. (PEREIRA, 2008, p.22)

A lei promoverá uma reestruturação nos conteúdos e nas práticas

educacionais do Brasil. A autora continua afirmando das consequências desse

processo, que se fundamentaria, e faria com que transformações ocorressem para

adequações ao que é previsto na lei.

Estamos, assim, num momento de percepção dos primeiros impactos dessas transformações advindas da obrigatoriedade de conteúdos curriculares, e estamos vivenciando os desafios colocados ao cotidiano escolar. Como já dissemos, este momento é, também devido ä abrangência da lei, de rearranjo de propostas curriculares de formação docente e, decerto, de reconfiguração de alguns pressupostos da formação histórica e das dimensões do ensino e da pesquisa. (PEREIRA, 2008, p. 25)

Isso tudo reafirma que estamos diante de um novo momento relevante

perante o ensino de História, pois nos remete à reflexão de novas práticas em

concomitância com o que propõem as Diretrizes em relação à historiografia: que se

deve contemplar novos sujeitos e novos eventos. A proposta da história vista de

baixo, de Peter Burke, e a nova História Cultural, recorrem à palavra “nova” para

distinguir essas produções historiográficas das formas anteriores. (DIRETRIZES

CURRICULARES, 2008, p.51)

As legislações são promulgadas no transcorrer das lutas dos movimentos,

que reivindicam não apenas direitos de igualdade perante a sociedade, como

também reveem as memórias e as questões étnicas raciais - tão propaladas na

contemporaneidade. É o que abordam Marta Abreu, Hebe Mattos e Carolina Vianna

Dantas, que com o movimento das políticas de reparação, identidades arraigadas e

memórias coletivas sedimentadas – como as ideias de um Brasil mestiço e

racialmente democrático – estas vêm sendo cada vez mais questionadas. (ABREU,

MATTOS E DANTAS, P. 35, 2010)

Page 10: REVISTA RAÇA BRASIL, CHARGES E MAURICIO PESTANA: … · aos nossos interesses. A charge que é legitimada historicamente como fonte de ... Esta revista mostra um segmento da

10

Daí a importância da inclusão da História da África, que ganha status e

relevância, visto que, por muito foi excluída dos currículos, que comumente

apontavam a História dos grupos africanos a partir do processo de escravidão.

Continuam as autoras:

A inclusão da História da África e dos afro-brasileiros nos currículos escolares está ancorada, sem duvida, num projeto de afirmação do Brasil como uma sociedade multicultural e de reconhecimento do importante papel dos negros na formação da sociedade brasileira, em todos os aspectos, muito além da escravidão ou da submissão. (ABREU, MATTOS E DANTAS, P. 35, 2010)

Reflexões sobre o ensino de História e a inserção da charge como fonte.

Ao findar o século XX, o ensino de História passou por significativas

transformações: novos objetos, temporalidades, metodologias de ensino. Começa-

se a dar novas configurações na produção do conhecimento histórico. É o que

aponta Helen Ciampi:

O conhecimento histórico é um campo sempre aberto, seja porque o processo histórico nunca cessa de agregar novos acontecimentos, seja porque existe uma constante releitura dos acontecimentos para alguns historiadores..., Há, portanto, diferentes maneiras de aprender o histórico, e, desta forma, a História é reescrita segundo preocupações e diferentes pontos de vista que são, também, historicamente condicionados. (CIAMPI, 1992, P. 29)

A História ensinada, que por muito tempo limitou-se à reprodução dos fatos,

dos heróis constituídos, dos eventos e processos de memorização, das

metodologias pautadas nas narrativas, ganha uma nova configuração quando passa

a ser vista, na sala de aula, como um processo de relação mediada pelo (a)

professor (a), que leva seus (suas) alunos (as) a repensar e perceber relações no

seu cotidiano. Ciampi prossegue abordando que há, portanto, diferentes maneiras

de aprender o histórico e, desta forma, a História é reescrita segundo preocupações

e diferentes pontos de vista, que são, também, historicamente condicionados.

(CIAMPI, 1992, P. 29)

Page 11: REVISTA RAÇA BRASIL, CHARGES E MAURICIO PESTANA: … · aos nossos interesses. A charge que é legitimada historicamente como fonte de ... Esta revista mostra um segmento da

11

Um dos fatores que influenciaram a intensificação do uso nas mudanças, no

ensino de História, está relacionado diretamente aos meios de comunicação de

massa, que tiveram, nos seus instrumentos, espaços para sua exposição nos

contextos de pesquisa e ensino, como aponta Selva Guimarães Fonseca.

As mudanças operadas no ensino de História nas duas últimas décadas processaram-se em estreita relação com o universo da indústria cultural. As mudanças na produção do conhecimento chegam a escola fundamental e ao público em geral não só pelos novos currículos, mas sobretudo pelo material de difusão, produto dos meios de comunicação de massa: livros didáticos e paradidáticos, jornais, revistas, programas de TV, filmes e outros. Assim, pensar o ensino de História implica refletir sobre as relações entre Indústria Cultural, Estado, Universidade e Ensino Fundamental. (FONSECA, 1993, P. 133)

Fonseca justifica que o aparecimento das novas formas no ensino de História,

está relacionado diretamente com o desenvolvimento das pesquisas, que

fundamentam a utilização de novas fontes, novos personagens e a utilização dos

meios de comunicação como objetos de estudo, propiciando a visualização de

dimensões pouco ou quase nunca exploradas pelos historiadores. A apreciação

desses, nos currículos escolares, desconstrói a hegemonia dos fatos e dos

personagens, que por muito apareceram nos manuais didáticos como referências

exclusivas por seus atos, que os tornavam símbolos de uma História Nacional.

A utilização e incorporação de diferentes linguagens, sobretudo dos

meios de comunicação como TV e grande imprensa, é

crescentemente assumida como uma necessidade da aprendizagem

histórica, dado o papel desempenhado por eles no cotidiano da

sociedade e na construção da memória. Os alunos e professores

estão mergulhados num nível de informação de elevadas

proporções, tornando imprescindível, no trabalho cotidiano de sala de

aula, a discussão e interpretação dos acontecimentos/notícias e,

sobretudo, do significado da indústria cultural da nossa sociedade.

(FONSECA, 1993 p. 155)

Lana Mara de Castro Siman destaca as dificuldades e os propósitos de se

ensinar História. E que o (a) professor (a) ao incorporar, como parte integrante do

processo ensino e aprendizagem, a ação mediadora, ele se projeta como

encaminhador das propostas, deixando de figurar como retransmissor de conteúdos.

Em face dessa questão, torna-se necessário somar-se à perspectiva de que o (a)

Page 12: REVISTA RAÇA BRASIL, CHARGES E MAURICIO PESTANA: … · aos nossos interesses. A charge que é legitimada historicamente como fonte de ... Esta revista mostra um segmento da

12

aluno (a) é ator (atriz) de sua própria aprendizagem e que também pode oferecer

indicadores que propiciarão ao (a) professor (a) subsídios, dentro do processo de

conhecimento.

Ensinar História não é uma tarefa fácil, sobretudo se o professor pretende formar alunos capazes de raciocinar historicamente, criticamente e com sensibilidade sobre a vida social, material e cultural das sociedades; se ele reconhece que o conhecimento histórico é fruto de operações cognitivas e sociais de ordem complexa que exigem dos alunos o desenvolvimento de capacidades que dêem conta dessa complexidade e, ainda, se ele reconhece que a aprendizagem será mais significativa e efetiva se ele der conta de promover o trânsito entre os conhecimentos e as representações que os alunos já trazem e o “novo” conhecimento a ser apropriado. (SIMAN, 2004, p.81)

Nesse processo de modificação no ensino de História, estudam-se os

recursos para o seu desenvolvimento. O aprimoramento das pesquisas, em torno de

novas formas de fontes, estendeu-se também às didáticas da História, que segundo

o entendimento de Siman, surgem como os novos mediadores de ensino.

Apresentam-se nas diversas formas de linguagem e de leitura.

Para que o ensino de História, todavia, seja levado a bom termo, ao

longo do todo o ensino fundamental, torna-se necessário que o

professor inclua como parte constitutiva do processo

ensino/aprendizagem, a presença de outros mediadores culturais,

como os objetos da cultura, material, visual ou simbólica, que

ancorados nos procedimentos de produção do conhecimento

histórico possibilitarão a construção do conhecimento pelos alunos,

tornando possível “imaginar”, reconstruir o não-vivido diretamente,

por meio de variadas fontes documentais. (SIMAN, 2004, p. 88)

Nesse intervalo acrescenta-se a cultura popular, que apresenta seus valores

e que, por muito tempo, percebia-se certa discriminação. Daí não ter espaço nos

contextos de pesquisa e não contemplar os conteúdos historicamente construídos.

Segundo André Luiz Joanilho, a cultura é apresentada como forma de manifestação

e de revolta aos costumes burgueses e ganha espaço no universo intelectualizado

como aquela

[...] que não participa da cultura da elite, sendo, portanto, cultura do

povo... O fundamento desta fórmula vem da prática da esquerda em

fins do século XIX, que ressentida com a burguesia, exclui tudo o que

pudesse vir dela. Toma para si o que a historiografia positivista

Page 13: REVISTA RAÇA BRASIL, CHARGES E MAURICIO PESTANA: … · aos nossos interesses. A charge que é legitimada historicamente como fonte de ... Esta revista mostra um segmento da

13

produziu e dicotomizou em termos de popular e erudito,

transformando-os em conceitos operatórios e definitivos de

entendimento do social.(JOANILHO, 1992, P.42)

Podemos trabalhar o conceito de cultura sob o olhar de Clifford Geertz,

quando propõe o seu pensamento, voltado à ideia do homem relacionando-se ao

seu meio e com outros homens.

O conceito de cultura que eu defendo, e cuja utilidade os ensaios

abaixo tentam demonstrar é essencialmente semiótico. Acreditando,

como Max Weber, que o homem é um animal amarrado a teias de

significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo

essas teias e a sua análise; portanto, não como uma ciência

experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa,

à procura do significado. (GEERTZ, 1978, P. 15)

Geertz, ao aproximar-se dos modelos culturais, ao mesmo tempo em que se

aproxima, percebe um fator que promove o isolacionismo dos seus elementos.

Porém, ao compreender a cultura de um povo, expõe sua normalidade sem reduzir

sua particularidade. (p.24). Ele continua afirmando que a cultura é tratada de modo

mais efetivo, quando:

[....] pelo isolamento dos seus elementos, especificando as relações

internas entre esses elementos e passando então a caracterizar todo

o sistema de uma forma geral – de acordo com os símbolos básicos

em torno dos quais ela é organizada, as estruturas subordinadas das

quais é uma expressão superficial, ou os princípios ideológicos nos

quais ela se baseia. (GEERTZ, 1978, P.27)

O estudo da cultura popular, neste trabalho, leva-nos a refletir e analisar as

charges representadas pelo cartunista Maurício Pestana, retratadas nos números da

Revista Raça Brasil, ou seja, o olhar dos afro-brasileiros sob alguns aspectos da

sociedade. Sendo assim, a intenção aqui é de contextualizar essa realidade por

intermédio desse instrumento e utilizá-lo como fonte para análise histórica. Os

hábitos, as manifestações e as conquistas dos afrodescendentes retratados pelas

charges, tornam-se materiais que geram análises e a busca de leituras que

nortearão ou complementarão esses estudos.

Page 14: REVISTA RAÇA BRASIL, CHARGES E MAURICIO PESTANA: … · aos nossos interesses. A charge que é legitimada historicamente como fonte de ... Esta revista mostra um segmento da

14

A charge como fonte, inspirada no cotidiano, revela um universo pautado em

dimensões políticas, sociais, culturais e econômicas. O chargista não cria um

personagem em específico e sim utiliza como inspiração, pessoas ou fatos que

foram notícia junto ao universo dos afrodescendentes. Faz sua análise crítica por

intermédio de seus desenhos: ora de forma sarcástica, como no exemplar 144

(Junho/2010), no qual uma pessoa chega ao céu e justifica sua chegada não como

uma “batida” de trânsito mas sim como uma “batida” policial; ora com humor crítico,

como na edição número 150 (Janeiro/2011) na qual mostra a polêmica em torno do

livro de Monteiro Lobato “As Caçadas de Pedrinho”; 4

Alberto Gawryszewski, ao desenvolver suas pesquisas em torno das charges,

revela que essas são formas de leituras que promovem reações diferenciadas ao

serem observadas. Promovem debates de aceitação ou não em torno do que elas

expõem.

A charge e a caricatura políticas podem causar o riso, por possuírem uma carga de humor, podem divertir, mas não podemos nos esquecer de que podem causar ao intérprete um estranhamento, pois podem despertar sua consciência, dar uma visão do político ou da situação que desconhecia, isto é, desvendar, desnudar uma realidade que talvez não quisesse ver ou conhecer. Portanto, a charge e a caricatura políticas possuem um grau de ambigüidade, uma carga emocional que a caricatura comum, a charge comum, a de costumes e de humor não contêm. (GAWRYSZEWSKI, 2008, P. 16)

Daí nos aprofundarmos em torno das questões da História e da cultura,

como estas caminham e são apresentadas. São pertinentes no momento em que a

diversidade e a quantidade de fatos e personagens, que conquistam espaço na

História, ganham cada vez mais ênfase junto aos pesquisadores. A educação leva

esse modelo ao ensino básico, onde os currículos promovem a inserção de

abordagens relacionadas ao universo dos seus educandos.

Estudioso da imagem como fonte, Peter Burke mostra o papel que essa

desenvolve, ao transportar para uma esfera imaginativa as visões de uma

determinada realidade.

O Ponto de vista que eu utilizei para escrever este livro é que as imagens não são nem um reflexo da realidade social nem um

4 REVISTA RAÇA BRASIL, N. 144, JUNHO/2010, p.82 e, REVISTA RAÇA BRASIL. N. 150, JANEIRO/2011 p. 82.

Page 15: REVISTA RAÇA BRASIL, CHARGES E MAURICIO PESTANA: … · aos nossos interesses. A charge que é legitimada historicamente como fonte de ... Esta revista mostra um segmento da

15

sistema de signos sem relação com a realidade social, mas ocupam uma variedade de posições entre estes extremos. Elas são testemunhas dos estereótipos, mas também das mudanças graduais, pelas quais indivíduos ou grupos veem o mundo social, incluindo o mundo de sua imaginação. (BURKE, 2004, P. 232)

Burke, ao analisar as imagens em relação à visão do outro, aos encontros

culturais e ao problema de estereotipar os personagens e os fatos, remete-nos à

reflexão sobre uma postura na qual devemos observar, quando da análise das

charges de Maurício Pestana e a sua visão do outro. É o próprio conceito de

estereotipar.

A palavra ‘estereótipo’ (originalmente uma placa da qual uma imagem podia ser impressa), como a palavra clichê (originalmente o termo frances para a mesma placa), é um sinal claro da ligação entre imagens visuais e mentais. O estereótipo pode não ser completamente falso, mas freqüentemente exagera alguns traços da realidade e omitem outros. O estereótipo pode ser mais ou menos tosco, mais ou menos violento. Entretanto, necessariamente lhe faltam nuanças, uma vez que o mesmo modelo é aplicado a situações culturais que diferem consideravelmente umas das outras. (BURKE, 2004, P. 155)

Estereotipar poderia ser um problema se não tivéssemos a expectativa dessa

possibilidade. Porém é fato que essa possibilidade vai acontecer. Pois, ao trabalhar

com grupos diferenciados, esses deixarão transparecer seus conceitos e

preconceitos em torno do que será apresentado. Ao habituarem-se poderão se

familiarizar e até mesmo se identificar com as propostas apresentadas. Como

poderão repugná-las.

Diante dessa análise, defrontamo-nos com algumas indagações: utilizando-

nos de Alberto Manguel, aproveitamos seus questionamentos para discorrer a

respeito da leitura e das formas de interpretação das imagens.

Qualquer que seja o caso, as imagens, assim como as palavras, são a matéria que somos feitos. Mas qualquer imagem pode ser lida? Ou, pelo menos, podemos criar uma leitura para qualquer imagem? E, se for assim, toda imagem, encerra uma cifra simplesmente porque ela parece a nós, seus espectadores um sistema auto-suficiente de signos e regras? Qualquer imagem admite tradução em uma linguagem compreensível, revelando ao espectador aquilo que podemos chamar de Narrativa da imagem, com N maiúsculo? (MANGUEL, 2006, P. 21)

Page 16: REVISTA RAÇA BRASIL, CHARGES E MAURICIO PESTANA: … · aos nossos interesses. A charge que é legitimada historicamente como fonte de ... Esta revista mostra um segmento da

16

Este foi nosso propósito ao levarmos as charges para as salas de aula e

proporcionarmos leituras que levem nossos alunos e alunas a refletirem sobre a

questão dos afro-brasileiros, por esse instrumento. Daí levá-los a essa proposta de

leitura.

Implementação

A implementação da proposta aconteceu no segundo semestre de 2011, nos

Grupos de Trabalho em Rede e na escola onde me propus a direcionar o projeto.

Escola na qual já atuo há 15 anos, - no Colégio Estadual Profª Célia Moraes de

Oliveira - na cidade de Londrina, com os alunos e alunas da 6ª série (7º ano), do

período vespertino.

Diante das análises feitas e definindo-se a fonte, os trabalhos aconteceram

assim que retornamos às atividades nas salas de aula. Isso no mês de agosto. Daí a

necessidade de se implementar o projeto de imediato, para um melhor

aproveitamento. Estaríamos recomeçando. Então a dificuldade em nos

readaptarmos no transcorrer do ano letivo e desenvolver a proposta de trabalho

seria possível.

As ações de implementação foram divididas em quatro blocos, desenvolvidas

no período de 15/08/2011 a 16/09/2011.

No primeiro momento, apresentamos o projeto no qual estaríamos envolvidos:

a questão racial no Brasil e no contexto onde encontram-se inseridos e apresentei o

Estatuto de Igualdade Racial. Toda essa exposição, acompanhada de discussões e

reflexões sobre todos esses apontamentos.

No segundo momento apresentei a Revista Raça Brasil, aos alunos que pela

primeira vez tiveram acesso à mesma. Reunidos, montamos grupos e discutimos as

matérias publicadas. Ao continuar o debate, foram questionados se conheciam e

como foi esse primeiro contato com a revista. Posteriormente foi solicitada uma

pesquisa sobre o cartunista Mauricio Pestana.

A partir do terceiro momento, foi apresentada a seção de humor da Revista

Raça Brasil, destacando as charges de Maurício Pestana para análise e debate.

Nesse momento, os alunos/as apresentaram suas pesquisas sobre o cartunista,

fizeram suas observações e percebeu-se o seu envolvimento como ativista nas

Page 17: REVISTA RAÇA BRASIL, CHARGES E MAURICIO PESTANA: … · aos nossos interesses. A charge que é legitimada historicamente como fonte de ... Esta revista mostra um segmento da

17

questões raciais. Reunidos em grupos, os alunos/as passaram efetivamente a fazer

a análise das charges, elaborando uma produção escrita e apresentando para a

turma seus apontamentos.

No quarto momento, foi proposto que elaborassem charges que retratassem

as situações pertinentes às questões dos afrodescendentes na atualidade. Após

estarem concluídas, passaram a apresentá-las. Depois de apresentadas, foi

organizada uma exposição em painéis mostrando as charges de Maurício Pestana

ao lado das produções dos alunos/as. Ao concluir essa etapa, foi proposto que

fizessem uma avaliação de todo o trabalho realizado.

Avaliando o trabalho como um todo, para nossa surpresa, encontrei alunos

receptivos e que se mostraram dispostos a cooperar e participar dessa intervenção,

visto que alguns alunos identificavam-se com as questões que ali seriam abordadas.

É o que aponta um dos alunos na sua avaliação:

que muitas vezes nós julgamos as crianças, adultos, pela cor, raça, se são altos, baixos, gordos, magros, brancos ou negros e não devemos ser assim, pois todos devem e tem os direitos iguais apesar de hoje no nosso país essa diferença ainda existe.(sic) (Alunos e alunas da 6ª Série / 7º ano)

Esse olhar amplo, global está relacionado diretamente ao contexto em que

estão inseridos. São retratos de discriminação em relação ao seu corpo, sua forma

de se vestir, à comunidade em que convivem e as questões raciais. Ao observar o

apontamento desse aluno, ele representa um pouco dos traumas e dos preconceitos

de todos que participaram desse projeto, e viram um outro jeito de ganhar voz e

fazer uso desse instrumento em suas vidas.

Que é um modo de aprendizado que reúne um conteúdo sério em um conteúdo divertido. É fácil de aprender em um ambiente descontraído com a participação dos alunos com o professor e não deixa de ser um aprendizado. (Alunos e alunas da 6ª série/7º ano).

Quanto à implementação na escola, o primeiro impacto relacionou-se ao fato

dos alunos terem contato com a revista e posteriormente com as charges, a

possibilidade de acesso a esse material desconhecido por eles e o seu deslumbre

ao perceber outro olhar para questões relacionadas ao seu cotidiano. Como fonte,

observou-se como foi possível trabalhar com as charges e nelas possibilitar

reflexões em torno de sujeitos e eventos históricos.

Page 18: REVISTA RAÇA BRASIL, CHARGES E MAURICIO PESTANA: … · aos nossos interesses. A charge que é legitimada historicamente como fonte de ... Esta revista mostra um segmento da

18

Todo professor/a deve ser um pesquisador/a, porém a rotina escolar não

permite que se faça um estudo aprofundado sobre as diversas abordagens

históricas. O professor da educação básica ao se distanciar da pesquisa, das

análises historiográficas, também se distanciou da escrita e da produção no contexto

acadêmico. Ou seja, criou-se um distanciamento desse universo de pesquisa, - hoje

muito voltado para os fenômenos que se desenvolvem nas escolas para a educação

básica-, propiciando objetos de pesquisa que antes não eram vistos como tal.

Este Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) proporcionou um

tempo para retomada e maior dedicação aos estudos e pesquisa sobre os diversos

temas escolhidos. Nele nos debruçamos em torno das charges de Maurício Pestana,

na Revista Raça Brasil, para o desenvolvimento em torno da temática das questões

dos afrodescendentes para o ensino de História.

No entanto, não podemos esquecer que o principal objetivo é proporcionar ao

professor/a espaços para estudo, onde possa contribuir para um modelo de

educação de qualidade. Com este intuito, foi elaborado um projeto e material

didático a ser implementado na escola de atuação do/a professor/a.

Imaginar como seria o desenvolvimento dessa proposta proporcionou

momentos de ansiedade que foram superados quando dei início aos trabalhos e

encontrei turmas receptivas para o novo, porém que demonstravam dificuldades

para ler e relacionar, naqueles materiais, situações que remetessem a uma análise

crítica para aquele contexto histórico. Isso foi verificado ao retornar à escola, no

segundo semestre de 2011. Pairava a dúvida de como seria a receptividade dos

alunos, mediante tal proposta. Era algo novo que estaria usando na minha prática

em sala de aula, e muito mais nova para eles.

O grupo de alunos/as queria expor suas ideias e percebi que ficavam

satisfeitos com a participação e descoberta, a cada passo do trabalho.

Nesta perspectiva, quando o professor/a sai da zona de conforto,

proporcionada ou vivida pelo ensino conservador (tradicional), observam-se

mudanças nos padrões de postura para a comunicação e encaminhamentos nas

atividades, possibilitando novos olhares na prática de ensino. Causando mudanças

na prática usual, afetando não somente o papel desempenhado pela professora,

mas também mexendo com a postura dos alunos.

O que se observou, nos primeiros momentos, foram indagações do tipo

“Professora me auxilia aqui” ou por outro lado “Como é que a senhora quer que a

Page 19: REVISTA RAÇA BRASIL, CHARGES E MAURICIO PESTANA: … · aos nossos interesses. A charge que é legitimada historicamente como fonte de ... Esta revista mostra um segmento da

19

gente escreva?”. Ou seja, havia uma expectativa em receber o conhecimento pronto,

facilitado. Havia ainda a expectativa do professor que fosse retransmitir os

conteúdos e que eles não viam que poderiam ser capazes de construir com suas

próprias experiências e olhares.

Porém, observaram-se momentos em que não se dava a devida importância

para o material e não se identificavam com o projeto. Não havia uma relação, o que

se percebia era um distanciamento do que se propunha com a realidade da qual

faziam parte. Manifestavam com reações de desinteresse, pois nunca haviam

participado ou desenvolvido atividades que os levassem a refletir sobre sua própria

realidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foram movimentos antagônicos, onde o que se percebeu foi que a

implementação possibilitou olhares em que nem tudo que foi positivo demonstrou

progressos e superação de obstáculos e nem as dificuldades apresentadas

significaram o fim do projeto, mas formas de reação quanto a se abordar assuntos

relacionados ao convívio desses alunos. Mostrando reações de descaso, de

inferioridade ou de revolta, que se manifestavam o que muitas vezes observamos

com os olhos da indisciplina. Encontramos dificuldades, resistências, como em toda nova proposta. Essa

não foi diferente, quando esbarramos em diversas situações, como, por exemplo, o

manuseio do material. O que analisamos, no primeiro momento como uma

adversidade, ganhou uma nova dimensão após as conclusões dos alunos. O que foi

um deslumbre, uma agitação, quando tiveram pela primeira vez um contato com a

revista e posteriormente com as charges. Verificou-se depois que foi um privilégio

possibilitar àqueles alunos um contato com algo que lhes propiciou novos olhares e

a possibilidade de acesso a novos conhecimentos.

O trabalho, com documentos e metodologias que fogem dos padrões

convencionais, proporciona novos olhares e dinâmicas reflexivas. Isso respaldado

por concepções de ensino de História que ganharam espaço nos campos de

pesquisa, e possibilitaram um status diferenciado em torno das fontes históricas

como instrumento de ensino. É o que aponta Cainelli:

Page 20: REVISTA RAÇA BRASIL, CHARGES E MAURICIO PESTANA: … · aos nossos interesses. A charge que é legitimada historicamente como fonte de ... Esta revista mostra um segmento da

20

Uma nova concepção de documento histórico implica, necessariamente, repensar seu uso em sala de aula, já que sua utilização hoje é indispensável como fundamento do método de ensino, principalmente porque permite o diálogo do aluno com realidades passadas e desenvolve o sentido da analise histórica. O contato com as fontes históricas facilita a familiarização do aluno com formas de representação das realidades do passado e do presente, habituando-o a associar o conceito histórico à analise que origina e fortalecendo sua capacidade de raciocinar baseado em uma situação dada. (P. 94, 2004)

Foi o que se percebeu após a implementação do projeto nas salas de aula.

Uma postura se não diferenciada, porém reflexiva em torno das questões dos

afrodescendentes. Olhava-se para essa abordagem especificamente pelas questões

relativas ao tráfico de escravos, ao processo de abolição, às formas de resistência

em torno de alguns eventos históricos referentes a esse contexto. Observa-se que

era muito complexo olhar essas questões de forma mais próxima, contextualizada.

O olhar que as charges propiciaram revelou que essas questões raciais estão

presentes no contexto que eles/elas (os/as alunos/as) vivenciam. Retomando a

análise de outro registro feito por um aluno percebemos no seu apontamento, “que

aprendi que mesmo os negros terem ganhado a liberdade, ainda sofriam racismo e

eram escravizados escondidos (sic)”.

A fonte com a qual nos propusemos trabalhar possibilitou que refletíssemos

sobre nossas práticas, que muitas vezes são pautadas em torno de algo já

constituído. Carregamos o ranço dos documentos escritos e dos manuais didáticos

que nos são ofertados. Essa “nova” postura nos revela algo que retrata o modelo de

professor que busca em outras fontes e na pesquisa historiográfica, respaldo para

legitimar seu trabalho. Rompendo com estruturas pré-estabelecidas, modificando

sua forma de atuação perante seus educandos. Cainelli aborda essa relação

O trabalho com o documento histórico em sala de aula exige do professor que ele próprio amplie sua concepção e o uso do próprio documento. Assim, ele não poderá mais se restringir ao documento escrito, mas introduzir o aluno na compreensão de documentos iconográficos, fontes orais, testemunhos da história local, além das linguagens contemporâneas, como cinema, fotografia e informática. Mas não basta o professor ampliar o uso de documentos; também deve rever seu tratamento, buscando superar a compreensão de que ele serve apenas como, ilustração da narrativa histórica e de sua exposição, de seu discurso. (P. 95)

Page 21: REVISTA RAÇA BRASIL, CHARGES E MAURICIO PESTANA: … · aos nossos interesses. A charge que é legitimada historicamente como fonte de ... Esta revista mostra um segmento da

21

Verifica-se que o uso de novas fontes históricas possibilitaram trabalhos e

encaminhamentos que suscitaram novos estudos em prol do ensino da História e

que esse caminho tornou-se uma vertente relacionada à prática dos professores. E

que dificilmente retornará àquelas que centralizavam na figura do professor e seus

conteúdos que se mostravam fechados e prontos.

O que se verificou foi que os alunos mostraram com a sua participação que

estão suscetíveis a novas possibilidades. Ao trabalhar com essa proposta,

percebeu-se um maior envolvimento com as questões sociais pertinentes a eles.

Como dito antes, houve certa euforia, porém estava relacionado ao novo, ao que se

apresentava e onde poderiam chegar. Foi o que apontou um aluno que apresentou a

seguinte leitura sobre o trabalho com charges:

”Elas falam a verdade sobre tudo o que acontece, aconteceu e dão

ideias de como acontecerá se o mundo não mudar em relação ao

preconceito e o racismo” (sic)

Com este trabalho, constatei a importância das imagens especificamente as

charges, como recurso metodológico e pedagógico, pois vincula, contextualiza e

desperta interesses nos alunos/as em construir uma sociedade mais igualitária.

Page 22: REVISTA RAÇA BRASIL, CHARGES E MAURICIO PESTANA: … · aos nossos interesses. A charge que é legitimada historicamente como fonte de ... Esta revista mostra um segmento da

22

REFERÊNCIAS

ABREU, Martha, MATTOS, Hebe, DANTAS, Carolina Vianna. Em torno do passado

escravista: as ações afirmativas e os historiadores. Antíteses, Ahead of Print do

vol.3, nº 6, jul-dez. 2010. http:// www.uel.br/revistas/uel/index.php/antíteses.

BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem; tradução Vera Maria Xavier

dos Santos; revisão técnica Daniel Aarão Reis Filho. – Bauru, SP: EDUSC, 2004. PP

153-238

CIAMPI, Helenice. O ensino de História como criação de possibilidades. Revista de

Educação. São Paulo, Apeoeps. Nº 7, dez. 1992, p. 28-32.

DA COSTA, Warley. Olhares sobre as imagens da escravidão africana. Dos

pintores viajantes aos livros didáticos de história do ensino fundamental. Acervo, Rio

de Janeiro, V.18, Nº 1-2, Jan/Dez. 2005, P 147-160.

Diretrizes Curriculares da Educação Básica – História. Secretaria de Estado da

Educação do Paraná, 2008.

FONSECA, Selva Guimarães. Caminhos da História Ensinada. Papirus, São

Paulo, 1993.

GAWRYSZEWSKI, Alberto. Conceito de Caricatura: não tem graça nenhuma.

Domínios da Imagem. Ano I, n.2, Londrina, 2008, p.7-26.

GEERTZ, Clifford. A interpretação das Culturas. Zahar Editores, Rio de Janeiro,

1978, p. 13 – 41.

Gênero e Raça, em revista: debate com os editores da revista raça Brasil. Cadernos

Pagu. São Paulo, 1996, p. 241-296.

Page 23: REVISTA RAÇA BRASIL, CHARGES E MAURICIO PESTANA: … · aos nossos interesses. A charge que é legitimada historicamente como fonte de ... Esta revista mostra um segmento da

23

JOANILHO, André Luiz, DENIPOTI, Cláudio. O jogo das possibilidades: Ensaios

em História da Cultura. Cultura Popular. Ed. Aos Quatro Ventos, Curitiba, Paraná,

p. 43-47.

MANGUEL, Alberto. Lendo imagens. Uma história de amor e ódio. Cia. Das

Letras. São Paulo, 2006. P. 19-33.

MATTOS, Hebe, ABREU, Martha. “Em torno “das “ Diretrizes curriculares nacionais

para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura

afro-brasileira e africana”: uma conversa com historiadores. Estudos Históricos.

Rio de Janeiro, vol.21, nº41, janeiro e junho, 2008,p.5-20.

PEREIRA, Júnia Sales. Reconhecendo ou construindo uma polaridade étnico-

identitária? Desafios do Ensino de História no imediato contexto pós-Lei nº 10.639.

Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol.21, nº 41, janeiro-junho, 2008, p. 21-43.

Revista Raça Brasil. Edição nº 144, junho de 2010.

Revista Raça Brasil. Edição nº 148,outubro de 2010.

Revista Raça Brasil. Edição nº 150, janeiro de 2011.

SCHIMIDT, Maria Auxiliadora. Ensinar História/ Maria Auxiliadora Schimidt, Marlene

Cainelli. – São Paulo: Scipione, 2004 – Pensamento e ação no magistério.

SHWARCZ, Lilia K. Moritz. Usos e Abusos da mestiçagem e da raça no Brasil: uma

história das teorias raciais em finais do século XIX. Revista Afro-Ásia, 18,1996,

p.77– 101.

SIAN, Lana Mara de Castro. O papel dos mediadores culturais e da Ação mediadora

do professor no processo de construção do conhecimento histórico pelos alunos. In:

ZARTH, Paulo A., e outros (orgs). Ensino de História e Educação. Ijuí: Ed. UNIJUI,

2004.

Page 24: REVISTA RAÇA BRASIL, CHARGES E MAURICIO PESTANA: … · aos nossos interesses. A charge que é legitimada historicamente como fonte de ... Esta revista mostra um segmento da

24