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Publicação sobre contracultura, produzida em São Paulo, pela Editora Gonzo.
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TANQUE edição de lançamento
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André PavanelloCaio MisturaPaulo FilhoRodrigo Pickersgill
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Editora GonzoRua Itararé 115Baixo Augusta
São Paulo CEP 01308-030
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em um estado de confusão amnésica, são
antidepressivos, afrodisíacos, estimulantes,
empatógenos, entactógenos, neurotoxinas
e pelo menos um inseticida bem lucrativo
bem lucrativo. Também são alguns dos
remédios mais valiosos que o homem conhece
e, apesar de apenas uma pequena parte
deles ter sido formalmente estudado, são as
melhores ferramentas de que dispomos para
compreender a composição química humana.
A carreira e Shulgin começou na empresa
Dow Chemical, onde ele fez nome ao sintetizar
o Zectran, o primeiro inseticida biodegradável.
Depois desse sucesso, ele recebeu carta branca
para trabalhar com os químicos que quisesse.
Ele escolheu os psicodélicos e se dedicou à
criação de uma anfetamina chamada DOM,
que na época só ficava atrás do LSD em termos
de potência. Uma única dose generosa chega
a durar 48 horas. Em 1967, um químico do
Brooklyn, Nick Sand, percebeu o potencial
comercial da droga. Ele construiu um
laboratório industrial em São Francisco onde
cozinhava DOM em um panelão de sopa de
150 litros, e vendia por quilo para os Hells
Angels, que cruzavam os EUA despejavam
dezenas de milhares de tabletes de 20 mg de
DOM extremamente potentes sobre o público.
Esse influxo despirocou hordas de hippies no
Golden Gate Park.
Enquanto isso, a menos de uma quadra
Tompkins Square Park, a polícia de Nova
York derrubou a porta de uma igreja
psicodélica chamada Igreja da
Exaltação Mística em uma batida
matutina. A polícia aprendeu cerca
de oito milhões de dólares em drogas
psicodélicas, incluindo 1.500 doses
de DOM, dois pés de maconha e
“inúmeros colchões”. Notícias de
uma epidemia de surtos induzidos
pelo DOM enchiam os jornais, um
usuário em Mahnhattan ingeriu
uma dose e realizou um ritual de
haraquiri, estripando a si mesmo com
uma espada de samurai no Dia das
Mães. A essa altura, a droga ainda
não tinha sido identificada, e o New York
Times alternava as informações ora dizendo
que se tratava de um gás tóxico militar
secreto, ora que se tratava do “caviar de
drogas psicodélicas”. Acabaram descobrindo
que o DOM era resultado das pesquisas
farmacêuticas conduzidas por um então
desconhecido químico da Dow. Como era de
se esperar, a Dow não ficou contente com isso.
Assim que a fonte foi identificada, as relações
entre Shulgin e a Dow foram cortadas.
Alexander “Sasha” Shulgi
n é um farmacologista,
químico e pesquisador de
drogas russo-estadunide
nse.
Shulgin popularizou o MD
MA no final dos anos
70 e início dos anos 80,
especialmente pelos
seus usos psicofarmacêut
icos e tratamento de
depressão e desordem dep
ressiva pós-traumática.
Shulgin descobriu e sint
etizou também mais de 23
0
componentes psicoativos.
Em 1991 e 1997, ele e s
ua
esposa Ann Shulgin escre
veram os livros PiHKAL
(Phenethylamines I Have
Known and Loved) e TiHKA
L
(Tryptamines I Have Know
n and Loved), ambos sobr
e
substâncias psicoativas.
Atualmente continua seu
trabalho em sua casa em
Lafayette, Califórnia.
Livre da Dow, Shulgin montou seu
próprio laboratório no quintal de casa
e passou a pesquisar drogas com total
independência e com a consciência de que
as substâncias químicas que criava tinham
o potencial de ir parar na mente de pelo
menos um milhão de pessoas. Ele testava
pessoalmente cada novo composto e, quando
achava válido, também testava em sua esposa
e amigos, sempre dando ênfase especial
às propriedades sexuais dos psicodélicos
(ou, como diz o próprio, “o erótico”). Ao
longo de 50 anos, Shulgin concluiu o mais
exaustivo exame de estruturas psicodélicas
jamais feito e produziu um leque de drogas
que rivalizava com a produção de muitas
gigantes farmacêuticas. O tempo todo
preservou sua sanidade e cavalheirismo,
tocando viola, dando aulas na universidade
e comparecendo a saraus de elite no
Bohemian Grove.
Apesar do nome de Alexander Shulgin não
ser exatamente familiar, ele é sem dúvida
o químico psicodélico mais importante
que já existiu. Aqueles que o conhecem
costumam saber apenas sobre o seu papel
na redescoberta e popularização do MDMA.
Mas o MDMA é apenas um dos mais de
cem compostos químicos que compõem
a farmacopeia de Shulgin que se entende
tão profundamente no desconhecido
que ele precisa constantemente inventar
novas expressões para descrever os seus
efeitos (“ruptura ocular” é uma de minhas
preferidas). As drogas são auditivos seletivos
e alucinógenos táteis, psicodélicos que
dilatam o tempo ou colocam o usuário
PorHamilton Morris
O MAGO QUÍMICOE O MDMA
Sobre o Tiririca propriamente dito eu vou escrever alguma coisa noutra oportunidade. Este post é sobre o Cacareco.Acredito que muitos eleitores não sabem ou não se lembram a quê essa expressão se refere, e por isso lerão com interesse a matéria abaixo , assinada pelo jornalista Neil Ferreira.Saiu na revista O Cruzeiro de 24 de outubro de 1959 , com o título “Cacareco agora é
excelência”. Cacareco, um pacato rinoceronte, virou
candidato de um bairro paulista que cresceu demais: Osasco. A história de uma autonomia (negada) e as 100.000 células para vereador.
Dos 540 candidatos que “ofereceram suas vidas em holocausto ao bem-estar público” concorrendo às 45 cadeiras da Câmara Munipal de São Paulo, sòmente um – Cacareco – conseguiu empolgar, de maneira espetacularmente inédita o eleitorado paulistano.
Sem prometer nada (êle não pode prometer: não sabe nem falar), sem partido politíco definido – sua legenda poderia ser objeto de confusões: PC (Partido Cacareco) e alguém ainda acabaria sem visto de saída para países da banda de cá do mundo – enfim, com sua candidatura lançada sòmente alguns dias antes do pleito, sua eleição está garantida.A soma de seus votos é um recorde nas
eleições municipais de São Paulo, pois Cacareco, sozinho, totaliza muito mais do que a legenda mais poderosa. A média do seu eleitorado mantém-se firme, com 20 a 30 votos por urna, em todos os bairros, do mais pobre ao mais rico.
Aliás, o fenômeno político encarnado por Cacareco é algo que somente poderia ser explicado por algum sujeito muito entendido em dialética: sua candidatura ganhou corpo
Por Bolívar Lamounier
no seio da massa, de maneira espontânea, conquistou o restinho da classe média que ainda não morreu de fome e atingiu as mais altas camadas da burguesia.Ainda assim, tudo foi tentado contra êle: as “forças ocultas que tentam combater as correntes populares” investiram, pelos jornais, rádios e TV, numa campanha ruidosa, com o objetivo precípuo de evitar o ingresso do “elemento perigoso ao regime” na versão paulista da Gaiola de Ouro.
Tal campanha ficou sem resposta. Cacareco não tinha acesso às fontes de divulgação. Em compensação, êle também não se aborreceu: continuou sua vidinha de “playboy” pobre (o tal que não joga damas de nenhum andar, mas come e dorme e não faz nada).
O seu comitê eleitoral continuou funcionando no Jardim Zoológico de São Paulo, e Cacareco sòmente se desnorteou quando um dos seus mais ferrenhos oponentes dedicou todo um editorial
em prol da emancipação de Osasco. Com a proximidade das eleições paulistas, já subiam a 300 os candidatos do famoso bairro.
Acontece que o Supremo Tribunal repudiou as pretensões dos cidadãos de Osasco. Daí a reação original: 100 mil cédulas foram impressas e tôdas com o nome do popular “Cacareco”, como candidato. Afirma-se agora que o movimento da gente de Osasco atingiu outras ruas e outros bairros. Virou candidatura nacional.
Com isso, Cacareco virou “excelência”. Pode ser que êle não chegue a tomar posse, mas se transformou no vereador que mais come (sem aspas) no mundo. E quando Cacareco voltar do “exílio”, o PC (Partico do Cacareco, repetimos) “terá reservada para êle não uma simples vereança, mas uma cadeira de deputado”.
à sua candidatura, no jornal mais conservador da capital paulista.
Depois Cacareco se zangou quando foi intentada (e conseguida) uma solução extralegal e antidemocrática para sua candidatura: a altura dos acontecimentos em que eleitor do Cacareco se portava como torcedor do Santos F. C. – peito estufado e ar de “já ganhou” – as “forças ocultas” conseguiram que o candidato popular fôsse “exilado”, dois dias antes da eleição, para o Rio de Janeiro.
O “golpe” consumou-se na calada da noite, mas a coisa não foi tão calada assim: sem mais aquela, enfiaram-no num caminhão. Aí, sim, êle se danou. Ficou perigoso. Não só para o regime, mas (e principalmente) para quem estava por perto. Mas o “Povo” e as “Classes Oprimidas” foram magnificamente à forra e concederam, aproximadamente, cem mil votos a Cacareco.
Êsse movimento orginal surgiu, agora se sabe, num bairro dos mais populosos de S. Paulo: Osasco. Êsse bairro crescera e desejava agora a sua autonomia. Um típico caso de gigantismo.
Houve um legítimo movimento
agreste
psicodélico
14
58
88
24
86
Burning
man
cinema
trash
O mago e
o MDMA
portunhol selvagem
“voto de protesto”
10
46
agreste
psicodélico
ECologia
da mente
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Dia a dia ouvimos pela mídia o discurso da classe política. Um discurso de palavras calculadas
e sem sentido, um jogo de meias verdades e palavreado superficial.
Está claro que não interessa aos políticos que pensemos por nós mesmos. Se o fizermos, nos
daremos conta que suas palavras sonoras e grandiloqüentes, falando supostamente de coisas que
não compreendemos, outorga-lhes uma autoridade que não passa de um mito. Os políticos
selecionam de forma cuidadosa as palavras com as quais
fundamentam seus discursos. São palavras bem escolhidas com o intuito de
vender a autoimagem de pessoas valorosas que defendem seus princípios com convicção.
Está claro que a violência não é algo bom para o ser humano, por isso os políticos escolhem
a palavra “paz”, como palavra e valor a defender. Assim, mesmo quando provocam uma guerra,
justificam-na com sua antítese, dizendo que fazem guerra pela paz, para defender o valor em que
supostamente crêem. Eles não escolhem, por exemplo, a palavra “repressão”, pois soa mal e vai
contra a condição que mais humaniza as pessoas, que é a liberdade; por isso mesmo “liberdade”
é outra palavra a martelar. Ainda assim, seu sistema necessita de instrumentos repressivos
(polícia, cárceres) que devem ser justificados de alguma maneira; de onde surge a falácia de que
A CiNICA LINGUAGEM
DA DEMOCRACIA BRASILEIRA
são criados para proteger a nossa liberdade; e essa
falácia cria em nós um sentimento de insegurança.
“Intolerância” é outra palavra que soa mal, por isso
falam continuamente em “tolerância” e “respeito”.
A política, a democracia, tem a palavra como
arma de convencimento. A política é espetáculo,
e dentro deste espetáculo a linguagem assume um
papel muito importante. As palavras são prostituídas
e corrompidas. Falam de convivência porém não
convivem com ninguém de fora de seu pequeno
círculo de privilegiados, vivendo nas alturas dessa
montanha chamada Estado que não nos deixa
ver o sol. Falam de tolerância, porém suas forças
repressivas dizimam os pobres; os filhos do
ódio uniformizados assassinam e
aterrorizam impunemente pelas
ruas. Falam de paz enquanto põe em marcha as
guerras, a maior tragédia humana que bem definiu Paul
Valery como “um massacre entre pessoas que não se
conhecem para proveito de outras que se conhecem
porém não se massacram entre si”.
Os políticos em uníssono dizem ser ferozmente
contra a violência. Todos se põe de acordo, através
de muito espetáculo e enganação mostrados na representação teatral
parlamentar, combatendo qualquer um que cometa um ato violento.
Assim, aproveitam para incutir-nos sutilmente outros conceitos, como
o estado democrático de direito, em que não se admite a violência.
Escondem que o seu estado democrático de direito está fundamentado
precisamente sobre a violência. Condenam a violência de forma parcial,
ocultando fatores que possam explicar a sua origem e procurando
que ninguém se aprofunde na questão, repetindo o mesmo discurso
impregnado de “paz social” para que aceitemos a superficialidade de
suas palavras.Seu jogo vebal é o jogo de não dizer nada, de falar grandiloqüências
que impressionem a quem escute. A palavra guerra tem um significado
bem diferente da palavra terrorismo. A guerra é patrimônio exclusivo
do Estado; os estados não cometem terrorismo. O terrorismo tem
uma conotação muito mais negativa que a guerra. A palavra
terrorismo é muito mais sanguinária,
dando-nos a impressão de que guerras são
realizadas por pessoas de bem, enquanto
o terrorismo é praticado por sociopatas
bárbaros que se reconfortam na dor alheia.
No entanto, é incomparável o número de vítimas das guerras
fabricadas pelos estados (e seus efeitos devastadores) em relação ao
número de vítimas daquilo que eles chamam de terrorismo. Diante
dessas diferentes conotações com as quais nos precondicionam
mentalmente, os governantes decidem quem faz guerra e quem comete
terrorismo. Na linguagem da cínica democracia, o soldado que dispara
contra um garoto indefeso está realizando a nobre arte da guerra,
porém quem contemplou atônito o assassinato e se defende com uma
pedra será catalogado como terrorista, e, por isso, não terá qualquer
credibilidade.Esta é a enganosa linguagem da democracia. A linguagem
compartilhada por todos os democratas, de esquerda, centro ou direita.
O povo não deve se deixar enganar por estas palavras eloqüentes,
porém não deve também rejeitá-las, e sim amá-las ainda mais. Todos
devemos amar a tolerância, o respeito, a liberdade… e por isso não
devemos deixar que elas sejam utilizadas por qualquer imbecil de
qualquer maneira. Devemos pensar se realmente os que enchem a boca
diariamente com tais palavras são dignos de fazerem-no, questionando-
nos se, de fato, não estão fazendo o contrário do que proclamam em
seus discursos. E devemos, sobretudo, pensar o que podemos fazer
para que a linguagem não continue sendo mercadoria barata na boca
de marionetes do capital que sustentam um sistema que comete as
maiores violações imagináveis ao que essas palavras representam.
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paraíso perdido
90
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subversiva
política de
exterminio74
paulo cesar pereio
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a cínica democracia
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presidencia
veis
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A sociedade hoje vive sob o regime de uma agenda midiática, os grandes veículos de mídia e seus donos decidem o que a população deve considerar importante e assim discutir em seu dia a dia. Esse processo de massificação das informações dá toda a base para a manipulação.
Somos uma publicação apartidária, pluralista e democrática, que busca ocupar um espaço que não foi devidamente contemplado pelo
jornalismo brasileiro, pelo menos até hoje.O projeto tem a proposta de contrapor as principais
estruturas de poder que ditam as formas como a mídia deve agir e quais objetivos ela deve alcançar, é uma proposta ousada e até perigosa quando se pensa na própria subsistência de uma publicação desse tipo, e por isso escolhemos o nome Tanque, pois ele representa a maneira como iremos trabalhar para que esse projeto seja possível.
O tanque é um mecanismo de combate muito eficiente que reúne seis conceitos para se sobressair em uma batalha, eles são: poder de fogo, ação de choque, proteção, mobilidade, informações e comunicações.
O nosso poder de fogo é um formato de mídia impressa sem custo ao leitor. A ação de choque é a forma que iremos expor os assuntos abordados na revista, sempre com a proposta de não impor ao leitor uma opinião mastigada sobre os fatos.
O underground servirá como blindagem, pois a revista não se submeterá às vontades dos grandes anunciantes que se tornam os donos da razão quando esta é o dinheiro e o lucro. A revista Tanque terá maior mobilidade para se comunicar com todos os tipos de pessoas, pois ela é uma proposta impressa que utiliza toda a liberdade que a internet propicia. A principal munição é a informação sem manipulações, sem interesse econômico, apenas com o intuito de discutir questões essenciais para a nossa geração e outras por vir, acreditamos que ações assim não serão as respostas que a sociedade precisa a curto prazo, mas é uma ideia, uma semente que no futuro dará algo maior
Esse veículo está aberto para você que quer publicar suas ideias e nunca achou alguém com os colhões para fazer. Não queremos o seu dinheiro, queremos o que você tem a dizer...por mais incrível que pareça. Grandes Tubarões, aqui não é o seu lugar. A pesca será feita em grande estilo, com direito a arpões, metralhadoras e explosivos de alta periculosidade.
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Hamilton Morris é um jóvem
escritor, químico e moviemaker.
É um maco da farmacologia, um
explorador psicodélico e um
maestro de tudo que altera a
mente. Talvez você o conheça
por sua coluna na Vice, “A
Farmacologia de Hamilton” onde
ele escreve sobre drogas rarar e
seus efeitos.
hamiltonmorris.blogspot.com/
Entrevistou para a Tanque o
mago do MDMA
Bolívar Lamounier (Dores do Indaiá) é um sociólogo brasileiro que foi o primeiro diretor-presidente do IDESP (Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos de São Paulo), escrevendo freqüentemente para os mais importantes veículos da imprensa brasileira. No ano de 1997 foi eleito para a Academia Paulista de Letras, sendo autor de numerosos estudos de
Ciência Política publicados no Brasil e no exterior.portalexame.abril.com.br/rede-de-blogs/blog-do-bolivar-lamounier/Teve agora seu texto sobre o Cacareco publicado
Bernardo Biagioni é repórter
da Revista Ragga, onde escreve
roteiros de viagem, e editor
do caderno Ragga Drops, do
jornal Estado de Minas.
temposestranhos.blogspot.com/
É nosso enviado ao Burning Man
Thiago Guimarães é jornalista, economista, mas antes de tudo paulistano. Com o apoio da Fundação Heinrich Böll (ligada aos verdes alemães),
cursa o mestrado em Planejamento e Desenvolvimento Urbano, em Hamburgo. O blog Pra lá e pra cá se define como uma praça onde pontos de vista e reflexões sobre mobilidade urbana sustentável costumam se encontrar.planetasustentavel.abril.com.br/blog/pralaepraca/Nesta edição colaborou com a matéria sobre Christiania
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Silvio Caccia Bava é sociólogo, coordenador executivo do Instituto Pólis– Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais, e membro do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – CONSEA. Possui ampla experiência na área de planejamento urbano e regional e é autor de diversos artigos sobre movimento de trabalhadores, movimentos sociais, lutas sociais e poder local.criseoportunidade.wordpress.comUm dos autores da matéria: “Política do Extermínio”
Paulistano, Ronaldo Bressane nasceu em 1970, trabalha como jornalista e é autor da trilogia de contos A outra comédia, formada por Os infernos possíveis, 10 presídios de bolso e Céu de Lúcifer. Os poemas de Impostor foram escritos entre 1988 e 2002. Poemas inéditos em papel, “Samba 747” e “Just do Bin” foram publicados no site FakerFakir [fakerfakir.hpg.com.br], de que é co-editor. Alguns de seus artigos podem ser lidos na revista eletrônica Fraude, na coluna F for Fake, no jornal Rascunho ; algumas reportagens, na revista TRIP. Além de colaborações esparsas em sites, revistas e suplementos literários, participou da revista PS:SP e da antologia Geração 90: Os transgressores.impostor.wordpress.comGrande amigo, nos presenteou com “Cildo, o ET” e “La Fiesta del Portunhol Selvagem”
Crisitano Bastos, Self Made-Man. Jornalista. Co-autor do livro Gauleses Irredutíveis. Colaborava com a Bizz. Foi repórter da Bien’Art (Fundação Bienal de São Paulo). Escreve no caderno C2+Música do Estadão. Faz reportagens para a Rolling Stone. Dirige o doc Nas Paredes da Pedra Encantada, sobre o álbum Paêbirú - Caminho da Montanha do Sol (1975), de Lula Côrtes e Zé Ramalho.zuboski.blogspot.com/
Cirilo Dias é jornalista,
designer, ilustrador e
webdesigner.
Repórter de Mídias Eletrônicas
da Revista Trip e Co-Fundador e
Editor Chefe do Urbanaque.com.br
cirilodias.wordpress.com/
Entrou nessa edição com uma
imersão ao submundo do
cinema de Horror no Brasil
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Brais Zas é formado em Ciências Sociais pela USP. Diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Rede Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Atualmente está também na ESPN-Brasil. Colunista de futebol de “O Globo” entre 1989 e 1991 e apresentador, desde 2000, do programa CBN EC, na rede CBN de rádio.
Luiz Eduardo Soares, é mestre em Antropologia,
doutor em ciência política com pós-doutorado em
filosofia política. Foi secretário nacional de
segurança pública e coordenador de segurança,
justiça e cidadania. Foi secretário de valorização
da vida e prevenção da violência de Nova Iguaçu.
Em 2000, foi pesquisador do Vera Institute of
Justice de Nova York e da Columbia University.
Tem vinte livros publicados, entre eles o romance
Experimento de Avelar, premiado pela Associação
de Críticos Brasileiros em 1996. Foi professor
da UNICAMP e do IUPERJ, além de visiting scholar
na Harvard University, Univ. of Pittsburgh e
Columbia University. Atualmente, é professor da
UERJ e coordenador do curso à distância de gestão e
políticas em segurança pública, na Estácio de Sá.
Mostra aqui o problema da “Política do Extermínio”
luizeduardosoares.blogspot.com/
É o outro responsável pela “Política do Extermínio”
Nina Lemos é jornalista, piadista e candidata a mulher superior. Colaboradora da Tanque desde sempre e uma das responsáveis pelo 02 Neurônio, Nina responde pelas pérolas da seção Badulaque da Tpm.revistatrip.uol.com.br/blogs/ninalemosTeve a fácil função de entrevistas o Pereio
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Por Bernardo Biagioni
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Sem fogo em São FranciscoMas há exatos 17 anos antes da experiência de Adriano, aquelas mesmas luzes não puderam ser acesas com tanta facilidade. Era 1990 e algumas dezenas de pessoas tentavam colocar de pé uma estátua de um homem gigante, esculpida em madeira. Os amigos de longa data Larry Harvey e Jerry James comandavam a trupe que se movimentava pelas imediações da Baker Beach, em São Francisco, cada presente deveria emprestar sua força à corda que levantaria a imensa escultura. Imersos na paisagem urbana e transitando sobre um solo estritamente pavimentado, Larry e Jerry queriam colocar em prática, pela quarta vez, a idealização de seus sonhos. Desde 1986 eles vinham desenvolvendo suas aspirações artísticas em território californiano, aquela seria mais “uma espontânea ação de livre expressão”, segundo definição de Larry Harvey.
E a livre expressão humana era apenas um dos diversos objetivos traçados pelos organizadores. O Burning Man vinha engatinhando despretensiosamente na ambiciosa missão de conseguir desconstruir as frivolidades impostas ao homem moderno. Entre os princípios do evento, figura-se ainda a responsabilidade civil, a participação dos visitantes e o não-uso de dinheiro. (Ver Box).
A estátua era levantada aos poucos em um estacionamento enquanto alguém bloqueava o tráfego de carros da rua. Os olhares curiosos corriam pelo objeto gigante que era empinado como uma pipa pelo céu claro de São Francisco. Depois de uma última força conjunta aplicada na corda, o homem gigante finalmente tomou seu lugar. Seguindo o cronograma do ritual, este seria o momento em que os organizadores ateariam fogo na estrutura. Assim tinha sido nos últimos anos, quando todos os poucos espectadores do “festival” encaravam, em silêncio, as chamas alaranjadas do fogo engolirem os braços do sujeito inanimado. Porém, a expectativa dos transeuntes foi logo suspensa pela cavalaria da policia que despontava na esquina. Sem o fogo, Larry declarou que a sua idealização estaria fadada a se tornar “uma mera atração de calçada”. Eles precisavam, agora, de outro lugar para deixar o fogo queimar.
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Um caminhão avança pelo deserto
Quem manteve a calma de todo mundo foi John Law e Kevin Evans, dois integrantes da Cacophony Society, uma entidade que trabalhava as mais estranhas bizarrices do universo artístico. A dupla chegou até Larry com a proposta de “pegar tudo e levar para o meio de Black Rock”, um deserto no estado de Nevada. O idealizador do Burning Man não aceitou a ideia sem antes procurar por alguma outra “locação” em toda costa da Califórnia. Sem sucesso, Larry pensou que o Dia do Trabalhador americano, em setembro de 1990, seria uma boa data para mergulhar “na natureza selvagem”.
Louis M. Brill era um dos tripulantes. Segundo seu diário de bordo, no dia da partida apareceram cerca de 100 pessoas. “Todo mundo foi chegando com mochilas, gelos, barracas de camping e casacos”, conta. O espaço vazio do caminhão fora logo preenchido pelas malas que não cabiam nos carros que iriam atrás. Em algumas horas, a trupe já estava no meio do nada, pisando em um solo que nunca havia visto pegadas, respirando um ar livre dos poluentes recorrentes mesmo no menor dos municípios norte-americanos. Louis escreveu: “A gente sabia o que estava fazendo? Provavelmente, não. A gente se importava? Sim. Sabíamos que aquilo que estávamos fazendo era algo completamente diferente de tudo.” Batizaram o terreno onde desfaziam as malas de Black Rock City e descarregaram o caminhão. No domingo seguinte, cem pessoas viram a escultura do Homem regozijar às crepitações do fogo. Foi essa luz que Carolyn viu, quando entregou a garrafa de água para Adriano, em 2007.
Visão aérea do festival
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Escultura talhada em madeira (à direita)que é queimada no final do festival
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Adriano é brasileiro e vive em Washington desde 2007, quando completou 30 anos. Foi convencido a cruzar os Estados Unidos por um amigo que já tinha participado do Burning Man. Iria sozinho para o evento, não fosse o voo para Reno, em que conheceu Carolyn. Não levou muito a sério quando disseram que os dias no deserto mudariam a sua vida. Seu pensamento começou a se transformar assim que reduziu a marcha do carro para entrar na área de acampamento onde ficaria hospedado. “Isso é incrível! Impressionante”, disse, baixinho, enquanto deixava seus olhos correrem pela multiplicidade de coisas que aconteciam diante de si. Adriano era só mais um “virgem”, como são carinhosamente chamadas as pessoas que vão ao Burning Man pela primeira vez.
Em 2008, a cidade temporária construída unicamente para o Burning Man chegou a abrigar cerca de 48 mil participantes, a décima maior população de todo o estado de Nevada. Apesar de oferecer longas noites regadas a música eletrônica, os organizadores do evento não gostam da definição “festival”. O Burning Man é uma experiência coletiva que exige a participação de todos. São os presentes que criam as diversas atrações, oficinas, atividades e apresentações artísticas.
Os acampamentos são constituídos conforme as aspirações de cada grupo. Existem aqueles destinados aos viajantes de todo o mundo, como o Couch Surfing Camp, e ainda os que promovem a busca pela alma gêmea de cada integrante. Todos os anos, a organização cria um tema para orientar as produções culturais. Em 2007, o nome foi “O Homem Verde” e em 2008, “American Dream”.
As poucas leis que existem foram estabelecidas para manter a civilidade entre os pagantes. Os únicos carros permitidos a transitar por Black Rock City são os da equipe médica ou aqueles que carregam algum valor artístico. Participação é uma palavra de ordem – ir ao Burning Man sem participar é como fazer compras no supermercado e não levar nada para casa. De resto, quase tudo é permitido.
Como um virgem
A nudez é comum(e encorajada) no festival
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Homem queimandoPaul Addis tem uma paixão interessante por explosivos. Seu derradeiro amor pelo fogo lhe valeu o apelido de “incendiário” pelos participantes do Burning Man de 2007. Seu nome ficou famoso nos arredores de Black Rock City na tarde de terça-feira do dia 28 de agosto, a terceira etapa do evento. Aquela seria só mais uma tarde do Burning Man, não fosse por dois acontecimentos. Primeiro, porque acontecia ali, no deserto, um raro eclipse lunar. Segundo, porque a estrutura do Homem, o grande símbolo do evento, estava imersa em chamas. Na programação, aquelas luzes só deveriam ser acesas no sábado, o penúltimo dia da semana. Paul Addis não aguentou esperar e colocou sua tocha para interagir com a estrutura sem avisar a ninguém. Um ano depois, o mesmo sujeito seria preso por tentar entrar na Grace Cathedral de São Francisco com algumas dúzias de explosivos.
Encontrado o culpado, a organização do Burning Man de 2007 teve que se desdobrar para restabelecer a estrutura condenada (o Departamento de Emergência de Black Rock City conseguiu salvar alguma coisa e anunciou que manteria a agenda do evento). Em tempo recorde, uma equipe especializada conseguiu remodelar o Homem em menos de 72 horas. Tudo iria correr conforme o planejado.
Na noite de sábado, a menos de 24h para o fim do evento, não se ouvia muita coisa. Assim também havia sido 21 anos antes, quando o primeiro Homem fora queimado em Baker Beach, na Califórnia. Aquele seria o momento de consagração de todo o ritual, o prenúncio de uma nova fase na vida de cada presente. Em 1986, a estrutura não tinha mais do que dois metros e meio. Duas décadas depois, o Homem crescia imponente em 14 metros de altura, sem contar seu brilhante revestimento de neon. Mantinha-se, porém, o objetivo inicial: a desconstrução humana.
Faltando pouco mais de dez minutos para a primeira brasa atingir a base que sustenta o Homem, o espetáculo começa. O silêncio é logo atravessado por uma gritaria desenfreada que explode pelo peito de cada participante. A escuridão do deserto é invadida por centenas de pontos amarelos, cada presente levanta o seu próprio fogo em uma nítida expressão de consentimento.
Milhões de almas se misturam sobre o chão desgraçado pela falta de água e se entregam a um estado de êxtase intocável. O grande Homem é, então, atingido por uma onda de explosivos que emergem do solo, e a multidão vai à loucura. A estrutura se desfaz lentamente e, aos poucos, vão se esvaindo os membros do sujeito metálico. O silêncio de antes logo se restabelece e os únicos barulhos que cortam o ar são provenientes da crepitação do fogo. Todos os olhos do deserto estão encarando os seus anseios se esfarelarem na imensidão da noite. A fiação que mantinha o neon aceso é a primeira a se romper. Caem as pernas, os braços e o tronco escurecido pelas cinzas. Por último vem a cabeça, também em chamas. Ela desce lá de cima e rola até os pés de alguém. Algum outro sujeito sorri e dá o primeiro grito. A calmaria volta logo a ser rompida pelos gritos roucos que correm por Black Rock City. Estão todos imensamente felizes e realizados. O Homem está, finalmente, queimado.
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- É do New York Times, corazón! Acorda!
- Hein? Estás loca, chica? A essa hora de la mañana só puede ser
cobrança!Increíble: nosso movimiento habia
chegado al Grande Hermano Yankee! O portunhol selvagem, língua freestyle inbentada nas fronteras de
Brasil con Paraguay y digitalizada pelo poeta Douglas Diegues, reformatada por escritores brasileiros e latino-americanos e até por atores como o
mexicano Gael García Bernal e músicos como o gaúcho Wander Wildner, caiu nas orelhas do novo correspondente do NYT no Brasil. No mesmo mês, a língua
del futuro é matéria da revista Piauí, do canal Multishow, y (perdón, Cervantes) da Rádio Exterior de Espanha... Pero como começou esto? Usted, caro leitor, conocerá em primera mano o marco zero del movimiento, em la primeira reportaje escrita em portunhol nos 133 años de Estadón. Foi em dezembro. Em Asunción, por supuesto.
- Sejam todos bem-vindos à Paraguaylândia!Assim nos recebe el gorduchamente simpático
Douglas Diegues, secundado por um magrelo bocudo, que se apresenta como...
- Eu soy o Domador de Jacarés! Tranki?Don Diegues y El Domador seriam nossos
Virgílios naquela wasteland. Gentis, carregam nuestras bagages para el detonado Palio de DD, o Rocinante selbagem - y um rangido contínuo dedurava: el coche estaba con las pastilhas gastas!
- Bámonos sim frenos, kapitanes! - esbravejava DD por trás dos óculos de lentes embaçadas pelo calor de 40 graus, siempre pontuando de exclamações e cigarros sus frases, como se a qualquer momento fosse tener um infarto, o peor, um orgasmo!
As calles cheias de carros em pandarecos recordava Capão Redondo: el mundo é lo mismo, todo lugar - mas que lugar seria Asunción? Só sabia que a pátria das muambas foi uma potenza industrial no siglo 19, destruhida por brasileros y argentinos (ali llamados de “kurepas”, gíria guarani para “porcos”). Matamos hombres, crianças y mujeres! Viva Caxias!
- Mira, acá es la sede de la Federacción Sudamericana de Fútbol! - e DD apontou um prédio de catorze andares aparentemente vazios.
- Bámonos a tomarlo para sede del portuñol selvaje, verdad?
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El portunhol selvagem és uma idéia de DD, carioca quarentón que vive desde os 5 anos em Ponta Porã (MS). Na fronteira, o poeta de família paraguaia sacou o mix freestyle de guarani, português e espanhol hablado chulamente por índios sacoleiros, pistoleiros trôpegos e carinhosas cortesãs - e o verteu em libros como O Astronauta Paraguayo. O encontro portunholesco faria parte do evento Asunción Kapital Mundial de la Ficción, que entre 6 e 10 de dezembro de 2007 reuniu escritores latino-americanos na embaixada brasileira - DD foi lo principal artífice da história.
Seu amigo de infância, o Domador de Yakarés (nunca fala o nome real), é para DD o que foi Neal Cassady para Jack Kerouac: o muso do movimiento. Voz encarnada do portunhol selbaje, Domador teve inúmeras profissões antes de se descobrir um pintor de vanguarda rupestre, filósofo pedestre, xamã em chamas. Mas por que Domador de Yakarés?
- El hombre, como el jacaré, tem três defeitos: la ignorância, la cobiça, la raiva! Yo, como domador, domestico essas fuerzas negativas em los hombres y así haço arte!
Muchas exclamaciones depois, saltamos em um barrio de árboles y mansiones. Ali conocemos Carla Fabri, fada-
madriña do movimento. Toda de blanco, blancos-pérola sus cabellos longos, ella nos recebe com um abrazo galáktico. Su casa é lotada de objetos de arte e pinturas modernistas; lá fora um espejo d?água é cercado por enorme gramado - “necesito espacio para que acá descendam las naves interestelares”, explica a atriz e cronista do diário ABC (Carla é a Danuza Leão de Assunção).
Almorzamos com Cristino Bogado Gamarra, El Kuru, que dispara:- Las Mercenárias ainda tocan, verdad?
Y Fellini? Conoces Akira S, Ira!, Patife Band? - Kuru, autor de Punk Desperezamiento, morou em São Paulo nos anos 80; daí su admiración pelas bandas alternativas da ciudad. O editor e poeta paraguayense é a terceira ponta do tridente selvaje - além de primo do Gamarra, maior zagueiro da história do Corinthians. Assim que devastamos las milanesas, Carla y Kuru nos levam ao Hotel Gran Paraguay... ex-residência de Madame Lynch, amante de Solano López!
- Cuidado com el fantasma ninfómano de Madame... - Carla estala besos en mis bochechas. Y es mismo despampanante el hotel! Lo más estraño es que sólo yo y el periodista brasileño Bruno Torturra estamos hospedados lá... Nosotros y, saberemos mais tarde, 700 debutantes! Ai ai ai!
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Convidados pelo Itamaraty, representamos los brazos armados del movimiento em Sampaulândia. Encuanto el cantante Torturra aportunhola Waldick Soriano y Odair José, escribi o libro Cada Vez que Ella Dice X, lançado pela Yiyi Jambo, a editora que funciona em casa de Douglas y Domador - este é o capista dos livros de capas de papelão catado na rua, pintadas com acrílico, em estilo que lhe confere la alcuña de Pollock de los Chacos. O miolo dos livros é, por supuesto, y sin embargo, xerocado.
Todo es lo xerox del xerox! Em la metrópole de la contrafacción, hasta los brinquedos chineses son falsificados! Tu caminas y caminas y só vê gente bebendo tererê (mate gelado)... Assim se entende el dito de Jorge Kanese, outro escritor que mora em uma bela casa com piscina: “Paraguay envenena!” Todos em las ruas parecem enbenenados pelo calor, ilhados por Brasil, Argentina y Bolívia, sedentos por cultura y información, ainda que cercados de água - a antiqüíssima Asunción é o umbigo do Aquífero Guarany, que começa no pantanal mato-grossense e detém 20% da água doce do planeta. Se yo fosse usted, comprava uma fazenda no Chaco para passar tranki el Apokalípsis (o mesmo devem pensar los nazistas que ali vivem desde os tempos de Elizabeth Foster, irmã do filósofo Nietzche, así como los seguidores del reverendo Moon).
Em Asunción tablóides como Esto!, que enquadram cabeças decapitadas de bandidos e bundas de musas do meretrício, são escritos em portuñol selbaje - pero passou uma da tarde, não se acha jornal em lugar ningun! Natal batendo à porta, nadie parece trabajar y, palabra, la siesta dura 3 horas! Asunción ostenta uma força naval, mas não vê oceano, y, apesar de enviar macuenha ao Sudeste brasilero, no tiene uma só loja vendendo seda para confeccionar cigarros - los lokos lokales hacem sus baseados com jornal! Lá todo es ficción, verdad?
À noite, encontramos na embaixada brasilera o Domador de Jakarés cercado por suas pinturas e bizarros insetos voadores que se esborrachavam nas taças de vino da vernissage portunholesca.
- Son los baratones noturnos. Aparecem com el calor de la noche... y el calor de las yiyis...
Yiyi (se diz “djídji”) é a gíria guarani para gatinha. As yiyis paraguayenses, ensina Domador, son generosas: descendem das yiyis remanescentes da Guerra do Paraguai, que disputavam un hombre com 20 muchachas! Atrás delas, los escribas se jogam em la noche febril de Asunción; pasamos por pubs como Saxonia, onde se vende cerveja em galones de 5 litros, y salones como María Delirio, onde a juventud dorada cai na cumbia. Pero, em cambio de mujeres, descobrimos el jugoloko! Una bebida hecha de cana destilada, vodka e goiabinhas fermentadas - “Hay mismo quien meta gasolina y cogumelitos en el coquetel!”, jura Kuru.
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Na noche seguinte, o Rocinante sem freios de DD dá carona para los escritores e críticos brasileros Xico Sá, Joca Reiners Terron, Ademir Assunção e Aurora Fornoni Bernardini. Es el gran encerramiento: el Encuentro del Portuñol Selvaje! Pero, por causa talvez do Dia Nacional da Virgen de Kaakupê, que reúne um mijón de fiéis, o enorme auditório da embaixada está casi às moskas... “Voy a hablar poemas nesta lengua inexistente pra uma platea que no existe”, solta Miguelangel Meza, o Candyman, poeta guarani que nunca sai de casa sem um saco cheio de balas. Na seqüência, dona Aurora sugere una conexión entre el portunhol y los poemas ítalo-brazukas de Juó Bananère, ídolo de Adoniran Barbosa.
Después de los sonetos selbajes de DD y de la prosa punk de Kuru, Joca Terron lê um Jim Dodge tirado de seu Transportunhol Selvagem, que traz também transcriaciones de Raymond Carver e Hans Magnus Enzensberger. Ademir Asunción verte su Zona Fantasma para a bilinguagem. Guillermo Sequera, um Leonard Cohen paraguayense, entoa cânticos xamânicos guaranis acompanhado de um violão mouro. Xico Sá exibe trechos de Caballeros solitários rumo ao sol poente, “A vida é um pangaré paraguayo que nos pega na curva!” Jorge Kanese, patriarca del jugoloko, manda a epopéia de um cavalheiro batendo às portas de um bordel: “Abran, karajo!” O morrisoniano Edgar Pou entoa um manifesto erótico em portuñol encuanto sus niños gargalham na platea. Yo leio poemas feitos para una yiyi jambo que me fez comer el pan que el diablo amasó. Y Torturra, que hasta enton se preguntava que rayos fazia ali, cria na hora, em la cara de palo, su primero poema:
- Yo soy el baratón de la noche... yo vuelo em busca de las yiyis...No camino para la mansión de Carla, bemos uma placa que promove um “Curso
de Metafísica Prática”. Todo es possible em Asunción, verdad? Las garrafas de jugoloko son pocas para la fiesta poética. “Cocoon! Cocoon!”, brada Xico, antes de se jogar vestido em la piscina de Fabri; Domador o segue y ganhamos uma visión infernal de dois tiozinhos em busca de imortalidad. Não era nos chacos paraguayos que Ponce de León procuraba la fonte de juventud? Na falta do elixir, dále jugoloko! Y las yiyis... ficción? O estarán esperando los escritores em el baile de las 700 debutantes, no hotel? Ah, las yiyis... tranki, tranki...
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O ator gaúcho tira a máscara do personagem Pereio e revela sua face
menos conhecida Por Nina Lemos e Marcelo Rezende
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O ator gaúcho Paulo César Pereio não guarda dinheiro, não tem carro, não leva bagagem quando viaja e não quer mais saber de relacionamentos. Mas não se considera um homem livre, e sim um resistente. Visto como o maior porra-louca do cinema nacional, ele tira a máscara do personagem Pereio e revela sua face menos conhecida na entrevista à Tanque
Não usa carteira. Muito menos bolsa, mala ou mochila. Quando viaja para o Rio de Janeiro, onde moram três dos seus quatro filhos, leva apenas um cartão de crédito e uma carteira de identidade.
Isso, tratando-se do ator “maldito” que carrega um currículo de mais de 70 filmes em seus 68 anos de idade, pode até ser muito “peso”. Pereio sente saudades da época em que era possível viver sem documento algum. “Hoje até para trocar um cheque você precisa de identidade, porra”, diz Pereio, com a experiência de quem viveu “uns dez anos” sem RG, carteira de motorista ou coisa que o valha. “Mas não lembro como era porque estava sempre drogado.”
Pereio não tem carro. Vive bem em um quarto-e-sala no centro de São Paulo, com terraço e vista para os prédios da cidade que adotou há dois anos. A chave do apartamento fica na Toca da Raposa, boteco ao lado do seu prédio que faz as vezes de escritório. “O pessoal do bar já sabe para quem pode entregar a chave.” Entre os agraciados com tal liberdade, amigos de longa data, como o cineasta Neville de Almeida, amigos mais jovens, seus filhos Lara, Tomás e João e, também, uma “moça da night”.
Apesar de ter conta no banco, “porque velho adora ir a um banco”, Pereio não guarda dinheiro. “Quando ganho uma bolada, gasto tudo, não sei guardar, quero me livrar daquilo, gasto com noite, com puta.”
O galã que fez par romântico-sexual com Sonia Braga no clássico Eu te amo (1982), de Arnaldo Jabor, sempre seduziu muitas mulheres e foi casado três vezes. A mais famosa e tempestuosa união, com Cissa Guimarães, mãe de Tomás e João, virou notícia quando Pereio foi parar atrás das grades por falta de pagamento de pensão. Hoje, Paulo César também está livre do amor. “Estou muito cansado para
ter um relacionamento, prefiro a minha solidão.” Ele faz uma pausa. E depois diz: “Mas também muito cansado para a minha solidão, parece poesia isso, não?”.
Apresentador do Sem frescura no Canal Brasil, locutor e ator requisitado (está em cartaz com o filme Nossa vida não cabe num Opala, de Reinaldo Pinheiro), Pereio sabe que vive dentro de um personagem criado por ele próprio. Várias vezes durante a entrevista se corrige. “Não vou falar isso de novo porque sempre falo a mesma coisa.” A imagem que ele criou é a de um cara que fala muito palavrão (o que é verdade) e vive alucinado em noites de boemia, sexo e drogas (o que não é tão verdade assim nos dias que correm).
Pereio acorda cedo todos os dias e faz um suco com duas laranjas. Depois, come algumas bananas. “Tomo remédio para pressão, que é diurético, por isso preciso repor o potássio.” As frutas são compradas por ele mesmo, em uma feira que fica perto de sua casa. Antes da entrevista, foi com o repórter entregar quatro cascos de cerveja no tal bar e, na hora em que se despediu, avisou que então iria preparar o almoço.
No terraço de seu apartamento, Pereio brinca de carpinteiro. Constrói prateleiras e cinzeiros com tijolos antigos. “Eu ando com umas manias de velho, tem dias que acordo com 100 anos a mais.” O “velho” não fumou nenhum cigarro, não bebeu nenhum trago nem usou qualquer droga durante as quatro horas em que esteve com a equipe da Tanque. Tudo o que fez foi comer uma banana. Estava empolgado porque viajaria no dia seguinte para filmar em Paulínia, no interior de São Paulo. Mais uma vez, viajaria sem mala.
Aqui, Pereio tira a fantasia do personagem e, sentado na sala de sua casa em uma manhã ensolarada, fala sobre liberdade, dinheiro, drogas, amor e a morte da mãe, uma semana antes desta entrevista.
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existencialismo, tem até uma marcha de carnaval que fala assim “chiquita bacana lá da martinica, é existencialista
com toda razão, só faz o que manda o seu coração”.Tem outra coisa que te prende: você não consegue escapar do próprio personagem. Você tem noção de ter criado o personagem Pereio?Eles me chamam de lenda viva. Eu já comecei a implicar.Lenda viva?Tenho que falar sobre drogas, sempre tenho que falar sobre drogas.E sexo.E falar sobre sexo. Eu descobri vários eus diferentes. Você tem uns amigos que bebem e mudam completamente. Tem gente que parece que é um amor de pessoa e quando bebe fica um horror. É verdade que as drogas não têm nenhuma concorrência de personalidade. A droga não é uma personalidade. Você cheira cocaína, você muda para outro tipo de pessoa, de uma pessoa tímida fica cheia de vida, certas mulheres que são recatadas perdem o recato com álcool. Acho que o álcool é mais do que cocaine. Já que ninguém pergunta nada sobre drogas, eu vou falar então espontaneamente.Parece que você está sempre controlando o personagem, não?Claro. Eu tento, tanto que isso é uma revelação, quer dizer, eu tô dando bandeira de certa maneira... Tem um hábito de muitos atores de falar assim: “ele”, se referindo ao personagem. Eu tento falar “eu”. Porque é uma boa maneira de começar a fazer bem um personagem.
Vamos começar não pelo que liberta, mas pelo que pode aprisionar. Salário é uma prisão? Esta edição da Tanque trata da liberdade.Liberdade?Sim, liberdade.Liberdade… e eu com isso?Você tem essa imagem de um cara livre, que faz o que dá na cabeça.Eu, não [rindo].Você não é uma pessoa livre?Não, é muito mais pela resistência do que pela idéia de liberdade mesmo. Porque tenho a impressão de que, se um dia propuserem pra qualquer pessoa a liberdade absoluta, ela não saberá o que fazer.Resistindo a quê?É a idéia de não chegar na hora. Você sabe que se diz que a pontualidade é cortesia dos reis. O rei não podia chegar atrasado, a única cortesia que ele se permite é chegar na hora. Ninguém vai chegar com o rei dormindo. Não, que história é essa? Vai encontrar o rei com coroa e tudo. Quer dizer, essa é a idéia de pontualidade, a idéia de rebeldia é outra. É o cara deixar o rei esperando e não ir.Você chega na hora ou deixa o rei esperando?Mas não é que seja uma liberdade, afinal de contas tem a responsabilidade também. Sartre defendeu muito essas idéias, né? O tal do
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Em algum momento ele fugiu do controle, o personagem Pereio?Eu queria que ele fugisse do controle. Porque fica mais fácil. Porque controlar dá trabalho, a idéia de controle é a seguinte: se eu me controlar, eu controlo a situação. É um pensamento mágico, não é que funcione necessariamente, entende? Eu posso me controlar e não estar controlando a situação, mas a idéia é essa, o pensamento mágico, se eu me controlo, controlo tudo.Sua casa é aberta?É. Tem muita gente que tem a chave daqui. Eu deixo uma chave inclusive na Toca da Raposa [o bar e restaurante ao lado do prédio onde mora]. O Neville de Almeida, ele tem a chave. Mas aí quando vai embora pra casa dele me devolve a chave. Mas os meus filhos não devolvem. Eles levam e depois perdem lá no Rio. Meu irmão também, ele também não devolve. Quer dizer, não tem esse hábito.Você leva muita coisa quando viaja?Não, eu vou pro Rio sem nada. Eu já tenho cartão, cartão de crédito, já não é tão livre porque tenho cartão de crédito. O lance também que te limita um pouco é o orçamento; você pagou os juros, mas se livra do
orçamento. Eu não tenho dinheiro no banco, mas assim mesmo eu compro.Você dirige?Automóvel? Dirijo, mas não possuo, não uso.O carro também prende você?Mulheres têm muito carro. Todas têm carro.Você anda com algum documento?Eu ando. Olha, passei 12 anos dirigindo, mas sem carteira de motorista, sem documento, sem porra nenhuma. Era uma época que podia, entende?Isso no Rio?No Rio, em Porto Alegre, aqui.Mas você tinha outros documentos?Não, não, eu fiquei um tempão sem documento nenhum.Quanto tempo?Não sei, uns dez anos, sei lá, eu digo dez anos, mas eu nem me lembro mais como é que foi, eu estava sempre meio drogado. Tudo bem, quer dizer… estamos aí! Agora estou careta.Essa pessoa careta está mais organizada hoje?Não, não.Nesse sentido de banco, documento?Não. Sou uma desordem. Eu fico pensando nisso porque tem dia que me dá muito trabalho, porque tem o lance ecológico e econômico. Eu comecei agora a não querer mais saco de lixo e, pronto, vou ter que resolver isso.Mas você teve uma crise, ficar se dizendo que “está tudo indo para o buraco, preciso fazer a minha parte”, essas coisas?Não, eu penso assim. É como o negócio da liberação da maconha, o que adianta liberar num país e não no outro? Até quando, meu Deus do céu, a gente vai ter que botar maconha no mocó pra viajar, chega disso!Você teve problemas do coração há pouco tempo?Não, não é problema. Há muito tempo que uso marca-passo. Era para durar sete anos, na verdade fazia nove, eu já tava com ele vencido.Foi isso que te fez ficar careta?Não.Você não está nem bebendo?Não.Nada?Nem fumando cigarro.Nem um baseado?De vez em quando num baseadinho eu dou um tapinha, mas não compro, não vou atrás.
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Você acorda muito cedo?Sete, oito da manhã.Tem algo que você faz todo dia, rigorosamente a mesma coisa?Eu tenho que comer duas bananas por dia porque o remédio que tomo pra pressão é diurético, então ele tira o potássio. A banana é uma fruta com fonte de potássio, então tem esta rotina: duas, três bananas por dia, duas, três limas por dia, uma pêra, e aí nem almoço. Vou levando pra frente, mas faço uma boa refeição diariamente, me permito tudo,
até não deveria, mas me permito tudo, qualquer coisa, tudo significa qualquer coisa.Você foi do partido comunista?Sim.Com carteirinha?Sim.Por quanto tempo?Não sei, não sei, naquela época era como respirar, como ir ao cinema, tinha que ter uma participação política, a gente viveu por muito tempo uma ditadura militar, quer dizer, não chiar era uma coisa esquisita.
Pereio e sua filha Lara em 1981
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como artista, todo mundo de certa maneira, dava uma resposta para isso ou concordando ou descordando. Chegou a ser preso nessa época?Fui, fui preso quando aquele embaixador americano, Charles Elbrick, foi seqüestrado [1969].Por que você foi preso?Não sei, eles me perguntavam isso. Eu dizia: “Não sei, eu não sei, eu estava no Gigetto [restaurante tradicional de São Paulo] e fui preso”.Por quanto tempo?Fiquei oito dias, Operação Bandeirantes [centro de informações, investigações e torturas montado pelo exército].Você ainda tem algum envolvimento político hoje?Não, eu sou bem espectador.
Mas você freqüentava?É, tinha reuniões, tinha esquema de célula de base, e eu não tenho condições de te explicar como era o Partido Comunista, eu não fui um comunista...Quando você pensa hoje nessa história do partido comunista, você acha que era tudo um tédio?Não, era interessante porque eu achava que a gente estava participando de uma utopia, tinha um regime no Brasil muito inóspito, muito desumano. E a gente
Cena do filme “O Retorno do Paidasputa” de 1974
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O que você acha dessa euforia agora, mais uma vez o “Brasil Potência”?O Brasil tem mais importância fora do Brasil do que dentro do Brasil. A coisa aqui é muito injusta, a coisa se revela muito injusta e muito pouco técnica. Por exemplo, excessivamente politizada a administração pública, né?Ser um ator em sua família foi algo tranqüilo?Meu pai não foi muito palatável, mas aí que se foda. Eu queria, meu pai não queria, então “até logo, papai”. Eu saí de casa rapidinho, porque não dava para conviver com uma pessoa que pensa que teatro é coisa de mulherzinha.Você gosta de filmar sempre?Gosto, gosto. Eu estou lançando um filme e estou fazendo outro, porque as pessoas, é engraçado, o público
brasileiro vê os filmes na televisão: Canal Brasil ou Globo, ou antes na Manchete. As pessoas me vêem e lembram do tempo que elas iam ao cinema, mas elas não vão mais. Cinema caiu muito.Você nunca fez muita novela, não é?Não. Não fiz novela, não. Eu tentei fazer novela na minha vida e nunca passei de três ou quatro capítulos. A televisão tem uma organização à qual eu não me adapto.O que fazia você não se adaptar?A questão da liberdade. Eu tenho que ter a liberdade de não estar preso. Quando você faz novela, durante um período da sua vida você pertence àquilo. E aquilo não tem um nível que se compare ao nível estético e intelectual das coisas que você ama, certo?E você saía das novelas causando confusão?Sei lá, nem lembro, eu desaparecia. Quando me ligavam, não atendia, essas coisas.E com o cinema?O cinema é um casinho. Você se apaixona por uma pessoa, aquilo dura o tempo que você consegue agüentar. Depois aquela pessoa te conhece melhor e se ela quiser você fica com ela. Mas é o período da paixão, é curto.Você gosta do atrito?Eu não sei, eu estou supondo isso, entende? Que eu tenha uma atração pelo atrito.Mas você vive do quê? Do cinema, da publicidade?Aqui em São Paulo eu preciso trabalhar muito menos, porque eu trabalho em publicidade.
Pereio em 1978.
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Principalmente com a voz?Sim, sim, principalmente com a voz.Quando te ligam, o que te falam?Quanto é que você cobra? Porque gostam de trabalhar também com dois números. Quanto é que você quer e quanto eles querem te dar. Quanto eles querem te dar eles sabem, mas eles não dizem.
prisão é que eu não estava pagando a pensão para as crianças. Na ocasião eu tive um acidente e perdi
quase todos os meus dentes. Naquela época eu estava cuidando de mim. E também a moça que
eu estava namorando ficou grávida. Foi mais um filho que eu tive, eu reconheci e tudo, mas
ela foi embora com o menino. Mais tarde eu voltei a me relacionar com essa moça, com
meu filho, quando ele tinha 6 anos, mas estava muito melado já, ela agora está
ficando na Bahia. Eu não o vejo.Você é muito próximo dos outros três filhos, não é?
Sim, somos muito amigos. Eu tive
Você já deve ter ganho o bastante.Sou ruim com dinheiro, parece que eu não quero lidar com o dinheiro, então me livro dele, eu estou sempre sem dinheiro.Como você se livra dele?Gastando, torrando.Torrando na noite com amigos?Não, em geral com os amigos eu tenho uma relação mais equilibrada.Quando você pega um dinheiro, você vai lá e gasta tudo?Torro. Eu torro com puta.Com boemia?Com boemia.Falando da grana, tem o episódio de você ter ido para a cadeia a pedido de uma de suas ex-mulheres (a atriz Cissa Guimarães). Você se dá bem com todas elas hoje?Não tem por que eu não me dar bem. Eu acho que ela [Cissa] tinha toda razão. O motivo da
a sorte de ter esses filhos que não são pessoas com quem eu devo me preocupar.Com quem você se preocupa?Comigo mesmo.E eles, se preocupam com você?Eu acho que sim. Às vezes eu vejo um olhar de preocupação. Vislumbro mais isso no João. Ele é um pouco paternalista. Mais que eu. Mas eu sempre tive muito prazer e muito
orgulho de ter filhos, eu procuro educá-los. O orgulho maior é ter filhos bem-educados. Filhos bonitos, foda-se. Mas bem-educados, que coisa boa, né? E é difícil porque ninguém sabe direito o que é educar.
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Sua filha, Lara, dirige o seu programa. Como é trabalhar com ela?Eu diria que a minha filha é o meu patrão. Se bem que eu repeti muito isso, entende? Então já está na hora de eu dizer outra coisa, sei lá, que ela é como uma mãe. A Lara foi para Nova York há dez dias e eu quero saber dela. Ela só dá notícias quando quer, mas aí eu ligo para a casa dela e pergunto onde ela está para a empregada. Vou fazer isso agora [Pereio pega o telefone, liga para a filha e dá a notícia de que a avó, a mãe dele, morreu].Você tem oficialmente três ex-mulheres, é isso?São três porque são pessoas com quem eu tive filhos, mas passou muita mulher por aí.Cansou de casar?Eu prezo muito minha condição de homem solteiro. Eu estou muito cansado para suportar companhia. Eu estou procurando uma espécie de solidão porque estou muito cansado pra sentir também, isso seria quase um poema. Mas é isso mesmo, eu estou muito cansado para ter companhia, eu não tolero.Você gosta de ser mais velho e ela mais nova?Não, não, para mim foi sempre a mesma idade, entre os 30 e 40 anos. Quando eu era jovem já gostava, e eu sou mais velho e
continuo gostando das mulheres de 30 e 40 anos, quer dizer, é como se fosse uma espécie de abstração.E o que tem a mulher entre 30 e 40 anos?Não sei, eu estou procurando isso dentro de mim. Seja lá quem for, se tiver dentro desses padrões tudo bem [risos].Você já teve um grande amor?Acho que não, acho que não amei, são vultos que vão passando. Eu tenho uma série, um montão de amigas, eu me relaciono com o feminino assim, eu tenho um montão de amigas que eu abraço, choro, que elas choram e são bonitinhas, são queridas. Eu tenho mais amiga mulher do que amigos homens.Já foi fiel alguma vez?Eu acho que sim.Quando estava num casamento?Eu acho que existe fidelidade à paixão, mas a uma pessoa… agora neste momento da minha vida eu poderia ser fiel, mas agora eu não estou interessado em mais ninguém. Quer dizer, esse tipo de trato eu não quero mais fazer, porque eu acho que não é pra mim.
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Tem a cobrança de ligar, saber se alguém te ligou.Está bem, eu não sou livre, não tenho sido até agora, mas vou caprichar para ver se eu consigo pelo menos um simulacro do que seja liberdade. Por exemplo, cumprir os horários, mas cumprir na maior, sem estar contrariado por causa disso.Você gosta de trabalhar?Eu gosto de filmar, de todo o ritual. Eu gosto de combinar o cara que vem me pegar em casa numa van, vai me levar até Paulínia e aí lá eu vou pra maquiagem, tudo isso com prazer.
Estar com os colegas no set?Eu fico vendo esses filmes que o GNT veicula, a história de Judy Garland, a história de não sei quem, sabe aquelas angústias, aquelas histórias de procurar comprimido e bolinhas e álcool não sei o quê, você diz assim: “Meu Deus do céu, eu vivenciei um pouco essa história e está me fazendo mal assistir a esse troço. Por que eu não era feliz?”. Outro dia eu tava sofrendo por causa de finanças, aí fiz um cálculo e está tudo pago.Paranóia?Ah, algo como “esse dinheiro vai acabar e eu vou ficar sem dinheiro”. Porra, maluquice.
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Quer dizer, eu peguei emprestado essa loucura dos outros, a piração também contamina. Participei de uma
luta que acabou no ano passado, antimanicomial, eu cheguei a fazer filmes em brasília com uma turma de psiquiatras jovens,
ainda tem por aí uns manicômios, mas é o que sobrou porque ainda tem um monte de gente que não
tem aonde ir.Você falou desses momentos de muita angústia, entre outras coisas. Agora você está menos
angustiado?Sabe por que é engraçado? Eu achava que eu estava vacinado... Mas eu ando
angustiado por causa da morte da minha mãe [começa a chorar], morreu com 90 anos e não se reconhecia mais no espelho. Na minha cabeça ela só tinha se
deslocado, entende? Só tinha desocupado um espaço.Você se achava vacinado do tipo “já sofri tudo, agora não sofro mais”?
Eu pensava: estou vacinado contra a morte da minha mãe. Minha mãe morreu e eu fiquei mal. Tinha ido a Brasília pra ver a
febre que ela tinha tido lá, uma semana antes.Ela estava em Brasília?Eu fui lá e não fui vê-la porque ela estava no
Pereio em 2005.
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hospital e era complicado. E eu enchi a cara, enchi a cara, enchi a cara. Já achei que eu estava vacinado, mas não tava não. E nunca vou estar, a gente angustia.Você acha que as pessoas têm medo de você, você percebe isso?Eu percebo. Mas eu também criei um pouco isso. Claro, porque, imagina, uma das condições do que acontece com os atores quando começam a ficar conhecidos é que todo mundo fica íntimo.Aconteceu com você?É, eles vêm falar. Eu estou tentando me conhecer há mais de meio século e nem comecei a levantar a ponta desse negro véu. Mas de repente as pessoas me tratam com uma intimidade que não têm, então eu estabeleço uma carranca meio que pra mantê-las afastadas.E isso funciona?Não.Elas chegam mesmo assim?Mas eu tenho que elaborar isso, né? Eu não posso deixar também de ter minha vida cotidiana normal, ou minha noite também cotidiana, sair por aí, andar na rua – inclusive as pessoas dizem: “Cuidado, você anda na baixa Augusta, na Liberdade. Aquilo lá é tudo muito perigoso”. Mas eu não tenho medo de nada, eu tenho é covardia. Geralmente acontece alguma coisa que me acovarda e, quando dou por mim, já estou longe.Na época do filme eu te amo (1982) você foi um galã. Como é isso?Não sei [risos].
Tinha muito assédio, as mulheres ficavam em cima, como era?Eu sempre fui um cara que, nesse tocante aí, sempre me desdobrei direito. Mas o cinema, celebridade, tudo isso, fama, sempre foi uma interferência, na verdade, nunca foi uma coisa na qual eu me calçasse pra me dar bem. Nunca aconteceu.É até um efeito meio ruim?Na época eu reagia a isso brutalmente e eu não me achava bonito, quer dizer, ninguém se acha né, a gente nunca sabe direito como é que é, parece que tem até uma síndrome dessas mulheres belíssimas que acham que têm a bunda grande demais, a bunda pequena demais, vivem fazendo plástica.Você nunca se viu como um galã?Não, eu sempre desconfiava muito dessa história. Até hoje eu tenho assédio, mas tem que conviver com isso, a gente tem que ter a vida pessoal, sair na rua, andar a pé.Mas tem isso de uma mulher querer ficar com você porque você é o Paulo César Pereio?Claro, isso aí é desfavorável. Mas a gente com o tempo aprende a se livrar dessas coisas.E percebe logo?Claro. Eu não sei exatamente o que é essa entidade Paulo César Pereio. Eu sei que eu sou cúmplice nessa construção, mas não é nítida essa mitologia. É embaçado.
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É que demora um tempo, jovem tem essa arrogância.Tinha até aquela do Martin Fierro: “o diabo sabe por diabo, mas sabe mais por velho”.E esporte, já tentou fazer algum?Natação e salto ornamental.Salto ornamental?Eu tenho até medalha.Então você era bom?Eu nunca fui bom em nada de esporte, mas sempre passeei por todos.E hoje em dia?Hoje eu não faço mais nada, eu caminho.Você joga sinuca toda segunda?Não, jogo mais, eu jogava. Tem períodos que eu jogo todos os dias, e tem períodos que não.Aqui não vai piorar?Vai melhorar inclusive. Aqueles prédios enormes, como têm aquele ali [apontando], agora não podem fazer mais. Essa vista que eu tenho para a Paulista, assim, não vai piorar.
Você é vaidoso, não é?Sou, eu gosto de andar bem arrumadinho.E vaidade física de envelhecimento, de entrar em crise com isso?Não, não, isso aí não. Eu nunca cheguei ao ponto de não me aceitar. A gente tá sempre mudando. A cara que eu tinha quando adolescente eu não tinha mais quando homem maduro, hoje eu tenho saudade quando eu era maduro. Eu estou na terceira idade. Tô com 68 anos, quase 70, e recomendo essa idade pra todo mundo. Tem uma certa arrogância da parte das pessoas mais novas. Eu achava quando era menino que velho era uma espécie de desaforo, e o meu nome é velho, o meu nome é Paulo César Velho. Meus filhos, João Velho, Tomás Velho, gostam muito e usam. É um nome legal, Velho eu acho um nome legal, mas eu nunca usei esse nome, eu achava estranho o meu pai encontrar com um cara e ouvir: “Oi, seu Velho, como é que vai, seu Velho?”. Eu achava aquilo estranho, era como se fosse um esculacho. Não é.
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Morte é um pânico pra você?Não, eu tenho que conviver com isso, né?Para quem não acredita em Deus, como você, já começa a ficar mais complicado?Pior é que às vezes a gente espera a morte e, por via das dúvidas, usa a roupa de morrer. O melhor sapato, o melhor terno, por via das dúvidas faz a barba e tal, capricha na figura porque pode não ser convidado pra essa festa depois da morte.Você não acredita que vai ter essa festa depois da morte?Eu acho que não. Não sei mais.Vai que tem.Por via das dúvidas bota a roupa de morrer, faz a barba, dá uma caprichada, se achar que tá longe do centro leva uma grana para o táxi.
O que você acha quando todo mundo te olha, ou olha teu personagem, como a gente estava falando, e diz “Pereio é o cara livre. Pereio é o cara que faz aquilo que quer”? O que tem de real nisso?Tem uma coisa aí que você volta pro início desta entrevista, que foi a idéia de liberdade, não é? E eu pipoquei aí pelo existencialismo. A idéia de liberdade absoluta, quando a gente fala de liberdade o vocábulo absoluto tá por aí, então a gente reflete anos a respeito do assunto sonhando com a liberdade absoluta, que não existe. Você está preso a horários, você está preso a suas manias, você está preso a relacionamentos em que você combinou alguma coisa. Você já percebeu o texto do casamento? Até que a morte os separe, vai segurar esse encrenca, meu filho? Hã, até o túmulo e ainda vai chorar no enterro?
Pereio e Ana Moser no filmePornochanchada de 1976
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Agreste2.indd 7 11/29/10 2:53 AM
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Agreste2.indd 8 11/29/10 2:53 AM
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não
esq
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a Pi
men
tel.
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14
anos
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4, e
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ão s
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que
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a. A
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O
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mar
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, por
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Paêb
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Detalhe das inscrições da Pedra do Ingá
Estamos nos armando para a próxima edição.
Mande seus textos, fotos, ilustrações,
ideias e participe.
Editora Gonzo – Rua Itararé 115. Baixo Augusta. São Paulo / CEP 01308-030
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Estamos nos armando para a próxima edição.
Mande seus textos, fotos, ilustrações,
ideias e participe.
Editora Gonzo – Rua Itararé 115. Baixo Augusta. São Paulo / CEP 01308-030
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Dia a dia ouvimos pela mídia o discurso da classe política. Um discurso de palavras calculadas e sem sentido, um jogo de meias verdades e palavreado superficial.
Está claro que não interessa aos políticos que pensemos por nós mesmos. Se o fizermos, nos daremos conta que suas palavras sonoras e grandiloqüentes, falando supostamente de coisas que não compreendemos, outorga-lhes uma autoridade que não passa de um mito.
Os políticos selecionam de forma cuidadosa as palavras com as quais fundamentam seus
discursos. São palavras bem escolhidas com o intuito de vender a autoimagem de pessoas valorosas que defendem seus
princípios com convicção.Está claro que a violência não é algo bom para o
ser humano, por isso os políticos escolhem a palavra “paz”, como palavra e valor a defender. Assim, mesmo
A CiN
ICA
da democ
linguagem
BRASILEIRA
quando provocam uma guerra, justificam-na com sua antítese, dizendo que fazem guerra pela paz,
para defender o valor em que supostamente crêem. Eles não escolhem, por exemplo, a palavra “repressão”, pois soa mal e vai contra a
condição que mais humaniza as pessoas, que é a liberdade; por isso mesmo “liberdade” é
outra palavra a martelar. Ainda assim, seu sistema necessita de instrumentos repressivos (polícia,
cárceres) que devem ser justificados de alguma maneira; de onde surge a
falácia de que são criados para proteger a nossa liberdade; e essa falácia cria em nós
um sentimento de insegurança. “Intolerância” é outra palavra que soa mal, por isso falam continuamente em “tolerância”
e ainda mais “respeito”.A política, a democracia, tem a palavra como
arma de convencimento. A política é espetáculo, e dentro deste espetáculo a linguagem assume
um papel muito importante. As palavras são prostituídas e corrompidas. Falam de convivência
porém não convivem com ninguém de fora de seu pequeno círculo de privilegiados, vivendo nas
alturas dessa montanha chamada Estado que não nos deixa ver o sol. Falam de tolerância, porém suas
por Brais Zás
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da democ racia
pag.57forças repressivas dizimam os pobres; os filhos do ódio uniformizados assassinam e aterrorizam impunemente pelas ruas. Falam de paz
enquanto põe em marcha as guerras, a maior tragédia humana que bem definiu Paul Valery como “um massacre entre pessoas que não se conhecem para proveito
de outras que se conhecem porém não se massacram entre si”.Os políticos em uníssono dizem ser ferozmente
contra a violência. Todos se põe de acordo, através de muito espetáculo e enganação mostrados na representação teatral parlamentar, combatendo qualquer um que cometa um ato violento. Assim, aproveitam para incutir-nos sutilmente outros conceitos, como o estado democrático de direito, em que não se admite
a violência. Escondem que o seu estado democrático de direito está fundamentado precisamente sobre a violência. Condenam a violência de forma parcial, ocultando fatores que possam explicar a sua origem e procurando que ninguém se aprofunde na questão, repetindo o mesmo discurso impregnado de “paz social” para que aceitemos a superficialidade de suas palavras.
Seu jogo vebal é o jogo de não dizer nada, de falar grandiloqüências que impressionem a quem escute. A palavra guerra tem um significado bem diferente da palavra terrorismo. A guerra é patrimônio exclusivo do Estado; os estados não cometem terrorismo. O terrorismo tem uma conotação muito mais negativa que a guerra. A palavra terrorismo é muito mais sanguinária, dando-nos a impressão de que guerras são realizadas por pessoas de bem, enquanto o terrorismo é praticado por sociopatas bárbaros que se reconfortam na dor alheia. Diante dessas diferentes conotações com as quais nos precondicionam mentalmente, os governantes decidem quem faz guerra e quem comete terrorismo. Na linguagem da cínica democracia, o soldado que dispara contra um garoto indefeso está realizando a nobre arte da guerra, porém quem contemplou atônito o assassinato e se defende com uma pedra será catalogado como terrorista.Esta é a enganosa linguagem da democracia. O povo não deve se deixar enganar por estas palavras eloqüentes, porém não deve também rejeitá-las, e sim amá-las ainda mais. Todos devemos amar a tolerância, o respeito, a liberdade… e por isso não devemos deixar que elas sejam utilizadas por qualquer imbecil de qualquer maneira. Devemos pensar se realmente os que enchem a boca diariamente com tais palavras são dignos de fazerem-no, questionando-nos se, de fato, não estão fazendo o contrário do que proclamam em seus discursos. E devemos, sobretudo, pensar o que podemos fazer para que a linguagem não continue sendo mercadoria barata na boca de marionetes do capital que sustentam um sistema que comete as maiores violações imagináveis ao que essas palavras representam.
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por Cirilo Dias
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CILDO,O ETPrimeiro artista brasileir
o
a ter uma retrospectiva na
Tate Modern londrina fala
de relâmpagos, sorte, discos
voadores, pede a dissolução da
Bienal de São Paulo e é tema
de documentário que ganha
sessão de gala no Festival do
Rio de Janeiro
Cildo Meirelles é um extraterrestre cordial.
Repara. Comecemos nos fiando nas aparências
– o único porto seguro para pessoas sensatas.
Ele usa roupas comuns. Comuns demais. Altura
mediana, barriguinha incipiente. Careca, tem
as orelhas um pouco pensas pros lados, os
olhos um tanto tristes; neles, às vezes pousa
um relâmpago. Falaremos muito de relâmpagos.
Os lábios grossos fazem movimentos estranhos
a cada súbita reviravolta nas idéias. E
decididamente suas idéias são de outro planeta.
Não à toa um de seus filhos é batizado
Orson: o tributo é menos ao diretor de Cidadão
Kane que ao célebre narrador radiofônico
de A guerra dos mundos, de HG Wells, feito
que ultrapassou as fronteiras entre realidade
e ficção – muita gente entrou em pânico ao
acreditar que a Terra estava mesmo sendo
Yankees Go
Home
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CILDO,O ET
65PÁG.
Primeiro artista brasileiro
a ter uma retrospectiva na
Tate Modern londrina fala
de relâmpagos, sorte, discos
voadores, pede a dissolução da
Bienal de São Paulo e é tema
de documentário que ganha
sessão de gala no Festival do
Rio de Janeiroinvadida por marcianos. Ao observar Cildo
passeando por Botafogo suavemente, sub-
repticiamente, enquanto entabula de leve
uma conversa sobre arte conceitual ou
perde o olhar em um par de tênis jogados
nos fios dos postes, talvez pensando em uma
futura obra, você não duvida – a Terra já é
habitada por extraterrestres.
O próprio confirma. Em duas ocasiões
o passeio de um disco-voador brilhou em
suas retinas. “Na primeira vez, em 1970,
morava no Jardim Botânico, a varanda do
meu apartamento dava pro Cristo. Um dia
eu tava saindo, cinco da tarde, vi um objeto
luminoso ali perto do Corcovado – achei
que era um Boeing pegando fogo. Aí a
coisa sumiu. Só eu vi isso”, lembra este
carioca de 61 anos.
“Na segunda, todo mundo
viu, menos eu. Quando
morava em Santa Teresa,
Cildo Meirelles é um extraterrestre cordial.
Repara. Comecemos nos fiando nas aparências
– o único porto seguro para pessoas sensatas.
Ele usa roupas comuns. Comuns demais. Altura
mediana, barriguinha incipiente. Careca, tem
as orelhas um pouco pensas pros lados, os
olhos um tanto tristes; neles, às vezes pousa
um relâmpago. Falaremos muito de relâmpagos.
Os lábios grossos fazem movimentos estranhos
a cada súbita reviravolta nas idéias. E
decididamente suas idéias são de outro planeta.
Não à toa um de seus filhos é batizado
Orson: o tributo é menos ao diretor de Cidadão
Kane que ao célebre narrador radiofônico
de A guerra dos mundos, de HG Wells, feito
que ultrapassou as fronteiras entre realidade
e ficção – muita gente entrou em pânico ao
acreditar que a Terra estava mesmo sendo
Yankees Go
Home
Por Ronaldo Bressane, o Impostor
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gramáticas diferentes. Por
isso nunca restringi meu
trabalho à leitura política.
Instintivamente, procurei
trabalhar sob esta norma. A
política tradicional no Brasil
é lamentável, nunca me filiei
a nada. E sempre tendi a
privilegiar o indivíduo em
minhas obras. Só em futebol
é que eu suportava o convívio
do jogo”, conta ele, que, torcedor do
Fluminense, quando adolescente chegou a
treinar no Flamengo e no Botafogo como
meia-direita.“Nunca
gostei de ir
a festa em
grupo, não
curto mesas
grandes,
aglomerações
de gente…
Minha posição política sempre
foi à parte dessa coisa de
espírito de corpo, de confraria,
de movimento. Olha, se serve
mais aí…”, oferece gentil, apontando a
garrafa de uísque, um pacote de amendoins e
um cacho de banana, aperitivos frugais para
um sábado ensolarado no Rio de Janeiro. E
acende outro cigarro – serão onze ao longo
da entrevista. “Dá câncer, né? Tem
vezes que eu paro seis meses, aí
volto. Disciplina é difícil, né?”
SORTE E AZAR S/A
A aversão à rotina fez com que Cildo fugisse
da faculdade. Em casa perdia-se na bela
biblioteca do pai, Francisco Meirelles – um
dos primeiros antrópologos a denunciar os
massacres indígenas no Norte, fato marcante
“Em artes plásticas, cada relâmpago novo te permite usar materiais, procedimentos, conteúdos e gramáticas diferentes.
descia de bonde, pegava um
ônibus e ia parar em Niterói,
onde tomava um café olhando
aquela paisagem que cartão
postal nenhum resume. No
percurso, anotava idéias… Perto
da Presidente Vargas, todo
mundo desce e fica apontando
pro céu. Nem me toquei. Já em
Niterói, perguntei pro motorista
o que tinha sido aquilo, ele falou
meio mole: ‘ah, foi um disco
voador aí’” ri o artista, para quem a
aparição de OVNIs parece algo tão prosaico
quanto uma média com pão com manteiga –
acepipe sem o qual
Cildo não consegue
começar um dia, e
sobre cuja feitura
ele consegue
discorrer por longos
minutos.
Um bom papo
furado faz sua
alegria. Grande
conversador, Cildo Meireles
papeou com o Impostor por quatro horas
em seu ateliê, em Botafogo, “a coisa mais cara
que já comprei”, diz ele – cujas obras Zero
cruzeiro e Zero dollar ele não vende nem
por todo o dinheiro do mundo. Questão de
coerência: os trabalhos brincam com a relação
entre valores e coisas, e, se postos à venda,
perderiam o valor icônico. O mesmo ocorre
com as célebres notas carimbadas com as frases
“Yankees Go Home” e “Quem Matou Herzog?”,
também dos anos 1970, cuja conotação política
acabou sombreando toda a obra deste artista
completamente avesso a partidos, movimentos
ou aglomerações.
“Em artes plásticas,
cada relâmpago novo te
permite usar materiais,
procedimentos, conteúdos e
CILDO MEIRELES.indd 4 11/29/10 1:19 PM
gramáticas diferentes. Por
isso nunca restringi meu
trabalho à leitura política.
Instintivamente, procurei
trabalhar sob esta norma. A
política tradicional no Brasil
é lamentável, nunca me filiei
a nada. E sempre tendi a
privilegiar o indivíduo em
minhas obras. Só em futebol
é que eu suportava o convívio
do jogo”, conta ele, que, torcedor do
Fluminense, quando adolescente chegou a
treinar no Flamengo e no Botafogo como
meia-direita.“Nunca
gostei de ir
a festa em
grupo, não
curto mesas
grandes,
aglomerações
de gente…
Minha posição política sempre
foi à parte dessa coisa de
espírito de corpo, de confraria,
de movimento. Olha, se serve
mais aí…”, oferece gentil, apontando a
garrafa de uísque, um pacote de amendoins e
um cacho de banana, aperitivos frugais para
um sábado ensolarado no Rio de Janeiro. E
acende outro cigarro – serão onze ao longo
da entrevista. “Dá câncer, né? Tem
vezes que eu paro seis meses, aí
volto. Disciplina é difícil, né?”
SORTE E AZAR S/A
A aversão à rotina fez com que Cildo fugisse
da faculdade. Em casa perdia-se na bela
biblioteca do pai, Francisco Meirelles – um
dos primeiros antrópologos a denunciar os
massacres indígenas no Norte, fato marcante
Babel 2001
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na obra do artista, que morou 10 anos no Pará
(o irmão, de Cildo, Apoena, ex-presidente da
Funai, foi assassinado em 2004; o crime, nunca
esclarecido, aponta para as investigações que
Apoena fazia sobre chacinas promovidas por
garimpeiros). Mais tarde, vivendo em Brasília,
Cildo estudou com o artista peruano Félix
Barrenechea. Com somente 19 anos fez a
primeira exposição individual, no MAM baiano.
Passou por duas escolas de arte no Rio, em um
total de 5 meses de estudo.
“Pra mim sempre foi
complicada essa coisa de ensino
da arte. O que as pessoas
esperam de você, como artista,
deveria ser o que não existe. E
o que não existe você não pode
instrumentalizar. ‘Artista
plástico profissional’ é uma
contradição em termos”, afirma.
Um ano desliza em um ateliê em Paraty, e, em
1971, Cildo vai a Nova York, onde mora até
1973, seu “período rimbaudiano”,
como diz – em que trabalha com pintura em
veludo com uns jamaicanos mucho locos e
como mensageiro de bike, reunindo os trocos
necessários para freqüentar museus e galerias,
ver documentários de boxe e filmes de arte,
comer empadinhas macrobióticas e
participar de festas ao lado de gente como
Hélio Oiticica e Júlio Bressane.
A nascente Brasília teve um impacto
essencial em sua obra. “Imagina você
ser menino e ver um pneu
de 4 metros. Jogar bola em
um lugar que virou um lago
imenso. Entrar em um cano e
sair quilômetros depois”, conta ele
no belo documentário Cildo, de Gustavo Rosa
de Moura. Viver em uma cidade em conflito
de escala entre prédios monumentais e céu
onipresente lhe deu a permanente sensação
liliputiana. O jogo entre tamanhos e escalas
vai aparecer em Cruzeiro do Sul (um cubo de
madeira de 9mm cercado por 200 m de nada),
ou Deserto (um anel de ouro em formato de
pirâmide, de cujo topo, em safira transparente,
se vê um único grão de areia), obras dos anos
70, e na recente Glovetrotter – Admiráveis
mundos novos, de 1991 (várias bolas, de
diferentes tamanhos, envoltas por uma
malha de aço, semelhando planetas que
caíram numa rede de pescador). Isso sem
falar na impressionante Babel, torre feita de
rádios – cada um sintonizado numa diferente
estação – cuja inspiração Cildo teve passeando
pelas barracas de eletrônicos usados em
Portobello Road, Londres.
Em outra dimensão, menos física que
metafísica, a arte de Cildo tem muito a ver com
o arbitrário – e este, sua ligação com a sorte.
Em sua nada glamourosa mesa de trabalho
é emoldurada pelo inestimável Zero Dollar,
por um calendário vagabundo e dois relógios
chineses, cada um errado em uma hora –
ambos eram acompanhados por mais 998
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onipresente lhe deu a permanente sensação
liliputiana. O jogo entre tamanhos e escalas
vai aparecer em Cruzeiro do Sul (um cubo de
madeira de 9mm cercado por 200 m de nada),
ou Deserto (um anel de ouro em formato de
pirâmide, de cujo topo, em safira transparente,
se vê um único grão de areia), obras dos anos
70, e na recente Glovetrotter – Admiráveis
mundos novos, de 1991 (várias bolas, de
diferentes tamanhos, envoltas por uma
malha de aço, semelhando planetas que
caíram numa rede de pescador). Isso sem
falar na impressionante Babel, torre feita de
rádios – cada um sintonizado numa diferente
estação – cuja inspiração Cildo teve passeando
pelas barracas de eletrônicos usados em
Portobello Road, Londres.
Em outra dimensão, menos física que
metafísica, a arte de Cildo tem muito a ver com
o arbitrário – e este, sua ligação com a sorte.
Em sua nada glamourosa mesa de trabalho
é emoldurada pelo inestimável Zero Dollar,
por um calendário vagabundo e dois relógios
chineses, cada um errado em uma hora –
ambos eram acompanhados por mais 998
relógios na instalação Fontes –, este carioca pouco afeito a religiosidade
reflete ser impossível não acreditar em sorte, né. “Me acontecem
coisas“, diz. “Um tempo atrás eu tava parado na
esquina da Voluntários com a Real Grandeza.
De repente eu falei para a Caherine [Bompuis,
sua mulher, pesquisadora de arte], ‘vamos ali
comer um doce’. Dois passos depois chega um
ônibus, avança um sinal e afunda inteiramente
bem onde a gente estava!… Outro lance curioso
é o ritual da folha caída. Em determinados
momentos, quando preciso de uma confirmação
de algo, deixo cair uma folha oficio. Tem vezes
que ela cai assim de pé. Aconteceu várias vezes,
sei que é raríssimo, pela probabilidade. Já rolou
até em lugar onde venta… às vezes não estou
nem pensando nisso e acontece.”
PELO FIM DA BIENAL
Observar o mundo de outro ponto de vista também é imagem
recorrente na vida de quem tinha 21 anos ao presenciar o homem pisar
na Lua. Contudo o ângulo favorito de Cildo não é o dos astronautas
Zero Dolar
1978-84
Quem Matou
Herzog
CILDO MEIRELES.indd 7 11/29/10 1:19 PM
Armstrong e Aldrin, e sim o de Michael
Collins – o que ficou na nave, enquanto os
colegas passeavam pelo satélite e eram vistos
por quase toda a humanidade. “Este é o
lugar do artista”, diz.
Mesmo entre seus pares Cildo é um ET.
Aquele palavrório que acompanha toda arte
conceitual – há obras que necessitam de bulas
para serem compreendidas, experenciadas ou
sentidas – não tem vez na arte cildiana. Ao
contrário, ele retira a arte conceitual de seu
cabecismo através do humor. Uma obra como
Babel é autoexplicativa: uma torre circular
formada por rádios dos mais variados tipos,
cada um ligado em uma estação diversa.
Simples, né? Ele conta como um amigo o
comoveu ao contar que, na cadeia, criava obras
de arte com caixas de fósforo. “Aquilo me
deu o relâmpago de que a arte
conceitual é a mais democrática
das artes. Basta ter uma idéia!”,
Os bem-humorados relâmpagos de Cildo
têm ganhado o planeta. Após o documentário
de Rosa de Moura, que ganha sessão de gala
no Festival do Rio neste próximo domingo,
em outubro as idéias surgem em “voz escrita”
em um livro de entrevistas organizadas por
Felipe Scovino para a editora Azougue, na
série Encontros. No início de 2009 Cildo
foi o primeiro artista brasileiro a ganhar
retrospectiva na Tate Modern, em Londres.
Carimbou os passaportes de suas obras
monumentais na Documenta de Kassel, nas
...ele retira a arte conceitual de seu cabecismo através do humor...Desvio para o
Vermelho 1967-84
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Bienais de Veneza (nesta de 2009 e em
outras três), Sidney, Johannesburg e Paris.
Mesmo com todo o sucesso internacional,
o chateia saber que não teve exposição do
mesmo porte no Brasil. Numa das raras
ocasiões em que se mostra contrariado, ao
abordar o assunto Bienal do Vazio (em 2008,
a organização da Bienal deixou um andar
inteiro desabitado), sugere acabar com o
modelo paulistano.
“O vazio legitimou uma
incompetência administrativa.
Era melhor ter deixado a Bienal
em branco mesmo. Numa
cidade como 20 milhões de
habitantes como São Paulo, não
tem sentido fazer uma Bienal
com 240 artistas durante
2 meses. Seria muito mais
produtivo pegar os mesmos
240 e fazer 10 exposições
por mês durante 2 anos. Isso
dinamizaria a cena artística,
tornaria a coisa produtiva pro
estudante, haveria workshops.
A gente transformaria o
evento em programa, usando
o mesmo espaço da Bienal, e
até fora da Bienal, integrando
a comunidade. Bom, mas
talvez com essa idéia a gente
simplesmente dissolveria a
Bienal…”, ri Cildo, enquanto fecha o
ateliê com uma constelação de chaves. Ele
põe o repórter no táxi e sai andando devagar
ao lado da mulher Catherine, espiando
vagamente o céu brilhante que ressurge
entre nuvens, árvores e fios de postes.
Talvez fosse efeito do uísque matutino…
mas o artista parece mesmo caminhar a
meio centímetro do chão.
Armstrong e Aldrin, e sim o de Michael
Collins – o que ficou na nave, enquanto os
colegas passeavam pelo satélite e eram vistos
por quase toda a humanidade. “Este é o
lugar do artista”, diz.
Mesmo entre seus pares Cildo é um ET.
Aquele palavrório que acompanha toda arte
conceitual – há obras que necessitam de bulas
para serem compreendidas, experenciadas ou
sentidas – não tem vez na arte cildiana. Ao
contrário, ele retira a arte conceitual de seu
cabecismo através do humor. Uma obra como
Babel é autoexplicativa: uma torre circular
formada por rádios dos mais variados tipos,
cada um ligado em uma estação diversa.
Simples, né? Ele conta como um amigo o
comoveu ao contar que, na cadeia, criava obras
de arte com caixas de fósforo. “Aquilo me
deu o relâmpago de que a arte
conceitual é a mais democrática
das artes. Basta ter uma idéia!”,
Os bem-humorados relâmpagos de Cildo
têm ganhado o planeta. Após o documentário
de Rosa de Moura, que ganha sessão de gala
no Festival do Rio neste próximo domingo,
em outubro as idéias surgem em “voz escrita”
em um livro de entrevistas organizadas por
Felipe Scovino para a editora Azougue, na
série Encontros. No início de 2009 Cildo
foi o primeiro artista brasileiro a ganhar
retrospectiva na Tate Modern, em Londres.
Carimbou os passaportes de suas obras
monumentais na Documenta de Kassel, nas
CILDO MEIRELES.indd 9 11/29/10 1:20 PM
Estamos nos armando para a próxima edição.Mande seus textos, fotos, ilustrações,
ideias e participe.
Editora Gonzo – Rua Itararé 115. Baixo Augusta. São Paulo / CEP 01308-030
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Estamos nos armando para a próxima edição.Mande seus textos, fotos, ilustrações,
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foto de Caio Vidas Boas, vencedor do Prêmio Gonzo de 2010
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Os “Coronéis Barbonos” estão à frente de um movimento de renovação da polícia. Eles são coronéis da Polícia Militar do RJ e estão indignados com o que se passa na Corporação. Eles denunciam que a PM “(...) leva às comunidades carentes o terror de uma política de segurança sem os requisitos mínimos de inteligência, alicerçada unicamente no belicismo descabido, (...) impondo às demais camadas da sociedade o medo, a desconfiança e o luto pelos muitos filhos sacrificados em razão do despreparo e da pressão funcional e emocional a que são submetidos os profissionais de segurança”.
A POLÍTICA DO EXTERMÍNIOpor Silvio Caccia Bava e Luiz Eduardo Soares
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||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>><><><><<>>>>>>> >>>>>>>>>><>>>>>>>>>>>>>>>>>>><<<<<<<<<>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>> >>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>><<<<<<<<<<>>Impor o medo, impor a desconfiança
na sociedade, impor o terror aos mais pobres. Esse tem sido o papel da polícia, especialmente da Polícia Militar. Uma corporação desse tipo, com estrutura hierárquica e vertical, não mata 1.330 pessoas em 2007 no Rio de Janeiro, de 3 a 4 pessoas por dia, sem a concordância de seu comando.
Talvez seja mais preciso dizer que essas mortes ocorrem por ordem de seu comando. O Governo do Estado e o Comando da Polícia Militar estão lançando os militares numa guerra urbana. Trata-se de uma política de extermínio. A política de extermínio traz uma concepção de limpeza social.
Eliminando-se os “bandidos” promove-se o bem para a comunidade. Ela é a expressão de um projeto político de grupos que se arrogam o direito e o poder de selecionar camadas da sociedade a ser eliminadas, expulsas ou circunscritas. A política de confronto, que promove execuções sumárias por parte da polícia, está presente, em maior ou menor grau, em todos os estados da Federação. Mas só em certos territórios onde se concentram as camadas pobres da população.
Há momentos em que essa política assume todos os seus contornos com extrema nitidez. E São Paulo ilustra essa política de extermínio. Foi assim em 2006, quando o PCC desafiou a polícia paulista. Em uma semana, de 12 a 20 de maio, o Conselho Regional de Medicina identificou 493 corpos de pessoas assassinadas à bala.
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Uma polícia desprestigiada, mal remunerada, sem equipamento, sem preparo, orientada para o confronto, induzida à corrupção. A responsabilidade por este estado de coisas não é da polícia. E é preciso reconhecer e valorizar os policiais que protegem e respeitam a vida e a dignidade humana.
A responsabilidade é dos governos dos estados que, quando não apoiam, nada fazem para inibir essa política de confronto. É do governo federal, que aceita e faz vistas grossas para uma realidade absurda: em 2006 foram assassinadas 35 mil pessoas no Brasil.
Ainda não superamos todas as heranças da ditadura. A falta de controle republicano e democrático sobre a Polícia Militar, sua impunidade, é uma delas. O fato de seus integrantes poderem ser julgados apenas por seus pares, pela Justiça Militar, tem lhes assegurado licença para matar. Hannah Arendt fala que as forças policiais totalitárias nunca tiveram por tarefa descobrir crimes, mas estar à disposição para eliminar as categorias indesejáveis.
É este pensamento totalitário, compartilhado por segmentos da sociedade, que legitima um a política de extermínio. Faz parte do processo de democratização em curso a disputa por uma nova concepção de cidadania e de segurança pública.
É preciso formular uma nova política de segurança pública e dar-lhe novo arcabouço institucional,
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Uma corporação desse
tipo, com estrutura
hierárquica e vertical, não mata 1.330 pessoas por ano, sem a
concordância de seu comando.
foto de Geraldo Vandré, de 2002
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patentes militares.Em 2005 foi apresentada ao
Congresso, pelo senador Tasso Jereissati, uma proposta de emenda constitucional – a PEC 21/05 – que prevê a transferência, para o governo dos estados, da decisão de criar ou reformular suas polícias. Uma de suas propostas é fundir os efetivos das duas polícias, a civil e a militar, criando uma única nova corporação. E dotá-la constitucionalmente de recursos para a implementação de suas políticas.
Em março de 2007, quando da discussão da PEC 21/05 na Comissão de Constituição e Justiça do Senado,
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uma nova forma de organização que facilite superar resistências e permita uma ação integrada e cidadã das forças de segurança pública.
A tentativa de unificação começou ainda no regime militar, nos anos 1970, quando Petrônio Portela ocupava o Ministério da Justiça. Mas todas as vezes que se pensou em unificação das polícias civil e militar, se esbarrou na pressão de representantes de classes, de oficiais militares e delegados, no interesse corporativista dos oficiais. Eles não aceitam perder o grau de autoridade que possuem, bem como as vantagens inerentes às suas
Eles não aceitam perder o grau de autoridade que possuem, bem como
as vantagens inerentes
às suas patentes
foto de To
lston Hest
on, venced
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do Prêmio
Esso de 20
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oficiais ligados à Associação dos Oficiais Militares Estaduais do Brasil (AmeBrasil), à Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares Estaduais (Feneme) e ao Conselho Nacional dos Comandantes Gerais das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares (CNCG) manifestaram-se contra a desconstitucionalização das polícias e a favor da posição do relator da matéria, Romeu Tuma. A pressão dos oficiais militares surtiu efeito e, em 28/03/2007, em reunião ordinária da Comissão de Constituição e Justiça, a matéria foi retirada de pauta.
Mas, se os oficiais se manifestam contra, existe grande simpatia pela proposta no “baixo clero” da Polícia Militar. De acordo com o presidente da Associação dos Militares Auxiliares e Especialistas (Amae), tenente Melquisedec Nascimento, mais de 90% dos soldados, cabos, sargentos, subtenentes, tenentes e capitães PM do país são favoráveis a mudanças profundas na estrutura e concepção do papel da polícia.
O confronto recente, em frente ao Palácio do Governo do Estado de São Paulo, entre policiais civis e militares, evidenciou mais uma vez a necessidade de uma nova organização das forças de segurança pública e trouxe de volta a proposta de junção da Polícia Civil e Polícia Militar.
A PEC 21/05, se aprovada, traz avanços no controle democrático e na desmilitarização da polícia. Melhor aparelhadas, mais capacitadas, as forças de segurança pública estarão em melhores condições para implementar uma política.
foto de To
lston Hest
on, venced
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do Prêmio
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foto de Jack Deputie, vencedor do Prêmio Gonzode 1998
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≠≠≠EXECUÇÕES SUMÁRIAS≠Quase todas essas mortes foram registradas
como “autos de resistência”, ou seja, como situações em que a vítima da ação policial teria sido morta por haver colocado em risco a vida dos policiais ou de terceiros. Por isso, “autos de resistência” referem-se a casos em que policiais teriam agido em estrito cumprimento de suas obrigações constitucionais – em legítima defesa ou para proteger a vida de terceiros. Mas pesquisas apontam que, apenas em 2003, das 1.195 pessoas que morreram em situações descritas como “autos de resistência”, 65% apresentavam sinais insofismáveis de execução. A Justiça acata, acriticamente, a postura resignada – e, nesse sentido, lamentavelmente, cúmplice – do Ministério Público, das autoridades policiais, da segurança pública e do poder executivo. A cadeia de omissões estende-se, indiretamente, à sociedade civil, que aceita, apática, essa realidade inominável.
A orientação equivocada de uma política do “confronto” aumenta o risco a que são submetidos os próprios policiais. No mesmo período, morreram no Rio de Janeiro 194 policiais em serviço, 27 civis e 167 militares. Na maioria dos estados, a despeito de uma escala menor, a natureza do problema é a mesma.
A Polícia Militar e a Polícia Civil não cooperam entre si, não têm bases de dados comuns, não são geridas de forma integrada. Os cursos de formação são distintos e têm valores divergentes. A autoimagem de cada corporação se forma na experiência cotidiana da rivalidade, e suas respectivas identidades são, intrinsecamente, antagônicas.
A PM é uma instituição organizada com fins bélicos. Por isso, seu objetivo é tornar-se apta ao pronto emprego dessa força, baseada na cega obediência e na velocidade na execução do comando. Daí a hierarquia vertical
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A PM é uma instituição
organizada com fins bélicos. Por isso, seu objetivo é tornar-se apta ao pronto emprego dessa força, baseada na cega obediência e na velocidade na execução do comando. Daí a hierarquia vertical
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e a ausência de autonomia na ponta operacional. Com exceção das situações em que são necessários grupos de combate, a PM não foi desenhada, enquanto estrutura organizacional, para a segurança pública, cujos desafios complexos exigem exatamente o contrário: flexibilidade decisória e descentralização, com supervisão e integração modular, ágil e adaptativa, além de uma gestão por processo. Só assim seria possível a aplicação de métodos modernos, como o policiamento orientado para a resolução de problemas ou o polissêmico policiamento comunitário.
A Polícia Civil, por sua vez, é um arquipélago de baronatos feudais (distritais). Segundo dados oficiais de dezembro de 2006, apenas 1,5% dos homicídios dolosos no estado do Rio de Janeiro foi investigado com êxito pela instituição. No restante do Brasil, a taxa varia, mas em geral não atinge níveis aceitáveis.
A perícia e todo seu universo técnico, que deveria ser o futuro da polícia investigativa, hiberna esquecida e abandonada, salvo raras exceções. No Rio, há mais de 114 mil solicitações de laudos periciais não atendidas.
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foto de Mister Mistura ,vencedor do Prêmio Gonzo de 2008
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≠≠EM DEFESA DA VIDA≠≠≠As polícias brasileiras são
reativas, inerciais, avessas à avaliação e ao controle externo, além de não disporem de mecanismos institucionais que tornem possível sua gestão racional. Some-se a tudo isso a cultura das corporações, tantas vezes desfavorável aos direitos humanos.
O que pode ser mudado pelos governadores, pelos secretários de segurança pública e pelos chefes de polícia? Pouco. Eles conseguem, no máximo, reduzir os danos provocados pelo formato institucional desenhado na Constituição, por meio de mecanismos que compensem a tendência fragmentária, investindo na qualificação profissional e no controle externo e intervindo nas culturas corporativas para tentar neutralizar os valores contrários aos que seriam compatíveis com o ambiente de legalidade e racionalidade administrativa. A afirmação de uma política que
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fotos de Tolston Heston, vencedor do Prêmio Esso de 1994
foto de Paulo Pai, 2010
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Mesmo enquanto
permanecer desigual, a sociedade
brasileira
poderá ser menos cruel e violenta – o que facilitará a
mobilização para o aprofundamento da democracia.
foto de Willie Newson,vencedor do Prêmio Gonzo de 2015
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para mantê-la. Mas aqueles que quisessem modificá-la poderiam fazê-lo, respeitando, sempre, os direitos trabalhistas dos policiais e as normas infraconstitucionais1.
As polícias são instituições da maior importância para a vigência do Estado democrático de direito. Em benefício dos bons policiais e da população – sobretudo dos mais pobres, vítimas predominantes da violência institucionalizada –, seria necessário que as lideranças políticas celebrassem um pacto suprapartidário pela mudança profunda na segurança pública3, começando pelas polícias. Só assim se reduziria a desigualdade no acesso à Justiça e se completaria o ciclo da transição democrática, processo no qual a questão policial foi esquecida. A mudança da estrutura organizacional, acompanhada da instauração do SUSP, não será suficiente – nem por isso deixa de ser indispensável. Transformações nas políticas de segurança e na cultura profissional serão decisivas, assim como a participação da sociedade e o controle externo. Alterações na Justiça e no sistema penitenciário, e políticas preventivas também serão fundamentais. Assim como a redução das desigualdades. Contudo, não permitamos que a insuficiência de cada passo continue nos paralisando. Mesmo enquanto permanecer desigual, a sociedade brasileira poderá ser menos cruel e violenta – o que facilitará a mobilização para o aprofundamento da democracia.
priorize a defesa da vida é absolutamente fundamental, ainda que insuficiente. Se o esforço dos gestores surtir algum efeito, isso ocorrerá apesar das estruturas organizacionais que herdamos da ditadura, e não por causa delas ou com sua ajuda.
Dessa forma, postulo a alteração da Constituição Federal para que os estados sejam autorizados a promover mudanças profundas na estrutura organizacional das polícias (a “desconstitucionalização das polícias”), credenciando-se para manter o status quo institucional delas ou para unificá-las.”). Ou, ainda, para criar novas polícias, que poderiam ser, por exemplo, municipais em cidades acima de 1 milhão de habitantes. No quadro dessa mudança seria necessária uma legislação infraconstitucional, com as exigências mínimas que todas as novas polícias deveriam atender nas áreas de formação, informação, gestão, controle externo, articulação intersetorial e perícia – chamo esse conjunto normativo de Sistema Único de Segurança Pública.
Em síntese, o estado que estivesse satisfeito com a situação atual teria liberdade
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Sobre o Tiririca propriamente dito eu vou escrever alguma coisa noutra oportunidade. Este post é sobre o Cacareco.
Acredito que muitos eleitores não sabem ou não se lembram a quê essa expressão se refere, e por isso lerão com interesse a matéria abaixo , assinada pelo jornalista Neil Ferreira. Saiu na revista O Cruzeiro de 24 de outubro de 1959 , com o título “Cacareco agora é excelência”.
Cacareco, um pacato rinoceronte, virou candidato de um bairro paulista que cresceu demais: Osasco. A história de uma autonomia (negada) e as 100.000 células para vereador.
Dos 540 candidatos que “ofereceram suas vidas em holocausto ao bem-estar público” concorrendo às 45 cadeiras da Câmara Munipal de São Paulo, sòmente um – Cacareco – conseguiu empolgar, de maneira espetacularmente inédita o eleitorado paulistano.
Sem prometer nada (êle não pode prometer: não sabe nem falar), sem partido politíco definido – sua legenda poderia ser objeto de confusões: PC (Partido Cacareco) e alguém ainda acabaria sem visto de saída para países da banda de cá do mundo – enfim, com sua candidatura lançada sòmente alguns dias antes do pleito, sua eleição está garantida.
A soma de seus votos é um recorde nas eleições municipais de São Paulo, pois Cacareco, sozinho, totaliza muito mais do que a legenda mais poderosa. A média do seu eleitorado
mantém-se firme, com 20 a 30 votos por urna, em todos os bairros, do mais pobre ao mais rico.
Aliás, o fenômeno político encarnado por Cacareco é algo que somente poderia ser explicado por algum sujeito muito entendido em dialética: sua candidatura ganhou corpo no seio da massa, de maneira espontânea,
Por Bolívar Lamounier
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conquistou o restinho da classe média que ainda não morreu de fome e atingiu as mais altas camadas da burguesia.
Ainda assim, tudo foi tentado contra êle: as “forças ocultas que tentam combater as correntes populares” investiram, pelos jornais, rádios e TV, numa campanha ruidosa, com o objetivo precípuo de evitar o ingresso do “elemento perigoso ao regime” na versão paulista da Gaiola de Ouro.
Tal campanha ficou sem resposta. Cacareco não tinha acesso às fontes de divulgação. Em compensação, êle também não se aborreceu: continuou sua vidinha de “playboy” pobre (o tal que não joga damas de nenhum andar, mas come e dorme e não faz nada).
O seu comitê eleitoral continuou funcionando no Jardim Zoológico de São Paulo, e Cacareco sòmente se desnorteou quando um dos seus mais ferrenhos oponentes dedicou todo um editorial
em prol da emancipação de Osasco. Com a proximidade das eleições paulistas, já subiam a 300 os candidatos do famoso bairro.
Acontece que o Supremo Tribunal repudiou as pretensões dos cidadãos de Osasco. Daí a reação original: 100 mil cédulas foram impressas e tôdas com o nome do popular “Cacareco”, como candidato. Afirma-se agora que o movimento da gente de Osasco atingiu outras ruas e outros bairros. Virou candidatura nacional.
Com isso, Cacareco virou “excelência”. Pode ser que êle não chegue a tomar posse, mas se transformou no vereador que mais come (sem aspas) no mundo. E quando Cacareco voltar do “exílio”, o PC (Partico do Cacareco, repetimos) “terá reservada para êle não uma simples vereança, mas uma cadeira de deputado”.
à sua candidatura, no jornal mais conservador da capital paulista.
Depois Cacareco se zangou quando foi intentada (e conseguida) uma solução extralegal e antidemocrática para sua candidatura: a altura dos acontecimentos em que eleitor do Cacareco se portava como torcedor do Santos F. C. – peito estufado e ar de “já ganhou” – as “forças ocultas” conseguiram que o candidato popular fôsse “exilado”, dois dias antes da eleição, para o Rio de Janeiro.
O “golpe” consumou-se na calada da noite, mas a coisa não foi tão calada assim: sem mais aquela, enfiaram-no num caminhão. Aí, sim, êle se danou. Ficou perigoso. Não só para o regime, mas (e principalmente) para quem estava por perto. Mas o “Povo” e as “Classes Oprimidas” foram magnificamente à forra e concederam, aproximadamente, cem mil votos a favor de Cacareco.
Êsse movimento orginal surgiu, agora se sabe, num bairro dos mais populosos de S. Paulo: Osasco. Êsse bairro crescera e desejava agora a sua autonomia. Um típico caso de gigantismo.
Houve um legítimo movimento
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Apesar do nome de Alexander Shulgin não ser exatamente familiar, ele é sem dúvida o químico psicodélico mais importante que já existiu. Aqueles que o conhecem costumam saber apenas sobre o seu papel na redescoberta e popularização do MDMA. Mas o MDMA é apenas um dos mais de cem compostos químicos que compõem
a farmacopeia de Shulgin que se entende tão profundamente no desconhecido que ele precisa constantemente inventar novas expressões para descrever os seus efeitos (“ruptura ocular” é uma de minhas preferidas). As drogas são auditivos seletivos e alucinógenos táteis, psicodélicos que dilatam o tempo ou colocam o usuário
PorHamilton MorrisO MAGO QUÍMICOE O MDMA
por Hamilton Morris
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em um estado de confusão amnésica, são antidepressivos, afrodisíacos, estimulantes, empatógenos, entactógenos, neurotoxinas e pelo menos um inseticida bem lucrativo bem lucrativo. Também são alguns dos remédios mais valiosos que o homem conhece e, apesar de apenas uma pequena parte deles ter sido formalmente estudado, são as melhores ferramentas de que dispomos para compreender a composição química humana.
A carreira e Shulgin começou na empresa Dow Chemical, onde ele fez nome ao sintetizar o Zectran, o primeiro inseticida biodegradável. Depois desse sucesso, ele recebeu carta branca para trabalhar com os químicos que quisesse. Ele escolheu os psicodélicos e se dedicou à criação de uma anfetamina chamada DOM, que na época só ficava atrás do LSD em termos de potência. Uma única dose generosa chega a durar 48 horas. Em 1967, um químico do Brooklyn, Nick Sand, percebeu o potencial comercial da droga. Ele construiu um laboratório industrial em São Francisco onde cozinhava DOM em um panelão de sopa de 150 litros, e vendia por quilo para os Hells Angels, que cruzavam os EUA despejavam dezenas de milhares de tabletes de 20 mg de DOM extremamente potentes sobre o público. Esse influxo despirocou hordas de hippies no Golden Gate Park.
Enquanto isso, a menos de uma quadra Tompkins Square Park, a polícia de Nova York derrubou a porta de uma igreja psicodélica chamada Igreja da Exaltação Mística em uma batida matutina. A polícia aprendeu cerca de oito milhões de dólares em drogas psicodélicas, incluindo 1.500 doses de DOM, dois pés de maconha e “inúmeros colchões”. Notícias de uma epidemia de surtos induzidos pelo DOM enchiam os jornais, um usuário em Mahnhattan ingeriu uma dose e realizou um ritual de haraquiri, estripando a si mesmo com uma espada de samurai no Dia das Mães. A essa altura, a droga ainda
não tinha sido identificada, e o New York Times alternava as informações ora dizendo que se tratava de um gás tóxico militar secreto, ora que se tratava do “caviar de drogas psicodélicas”. Acabaram descobrindo que o DOM era resultado das pesquisas farmacêuticas conduzidas por um então desconhecido químico da Dow. Como era de se esperar, a Dow não ficou contente com isso. Assim que a fonte foi identificada, as relações entre Shulgin e a Dow foram cortadas.
Alexander “Sasha” Shulgin é um farmacologista,
químico e pesquisador de drogas russo-estadunidense.
Shulgin popularizou o MDMA no final dos anos
70 e início dos anos 80, especialmente pelos
seus usos psicofarmacêuticos e tratamento de
depressão e desordem depressiva pós-traumática.
Shulgin descobriu e sintetizou também mais de 230
componentes psicoativos. Em 1991 e 1997, ele e sua
esposa Ann Shulgin escreveram os livros PiHKAL
(Phenethylamines I Have Known and Loved) e TiHKAL
(Tryptamines I Have Known and Loved), ambos sobre
substâncias psicoativas. Atualmente continua seu
trabalho em sua casa em Lafayette, Califórnia.
Livre da Dow, Shulgin montou seu
próprio laboratório no quintal de casa
e passou a pesquisar drogas com total
independência e com a consciência de que
as substâncias químicas que criava tinham
o potencial de ir parar na mente de pelo
menos um milhão de pessoas. Ele testava
pessoalmente cada novo composto e, quando
achava válido, também testava em sua esposa
e amigos, sempre dando ênfase especial
às propriedades sexuais dos psicodélicos
(ou, como diz o próprio, “o erótico”). Ao
longo de 50 anos, Shulgin concluiu o mais
exaustivo exame de estruturas psicodélicas
jamais feito e produziu um leque de drogas
que rivalizava com a produção de muitas
gigantes farmacêuticas. O tempo todo
preservou sua sanidade e cavalheirismo,
tocando viola, dando aulas na universidade
e comparecendo a saraus de elite no
Bohemian Grove.
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O PARAÍSO PERDIDOCHRISTIANIAPor Pablo Miyazawa e Thiago Guimarães
NO CENTRO DE COPENHAGUE,
CHRISTIANIA É A COMUNIDADE ALTERNATIVA
MAIS CONHECIDA DO MUNDO - E CORRE RISCO DE SER
ENGOLIDA
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Bicicletas são o meio de transporte principal para moradores e turistas, como Edgardo MartolioCaminhar do centro de Copenhague, na Dinamarca, na direção de Christiania, é ter a sensação de estar seguindo para o lugar errado. A incerteza vem na forma de um vento gélido que agride impiedosamente quem percorre a longa ponte Knippelsbro sobre as águas do mar Báltico, e na escassez de pedestres e estabelecimentos comerciais, que desaparecem a olhos vistos. A imagem da torre dourada em espiral da igreja Vor Frelsers Kirke sinaliza a aproximação de um mundo à parte. Diferente da Berlim até 1989, a Rua Prinsessegade - fronteira entre a capital da Dinamarca e a mais célebre comunidade hippie do mundo - não traz nenhuma placa advertindo sobre a chegada de um território hostil. Os limites de Christiania deveriam começar onde Copenhague termina, mas hoje já é quase impossível distinguir o início de seu fim.
Christiania - ou “Freetown” (cidade livre), como é chamada por seus moradores - comemorou 35 anos de sua existência em setembro de 2006. Fundada no auge do movimento flower power em uma antiga área militar abandonada no bairro de Christianshavn, tinha como objetivo ser “uma sociedade alternativa livre, baseada na convivência com o próximo e com a natureza”. Grupos de dezenas de dinamarqueses invadiram o terreno de 340 mil m2 pela primeira vez em 1969. O derradeiro movimento ocorreu em setembro de 1971, após o jornal alternativo Hovedbladet publicar
em sua primeira página um artigo conclamando leitores a “ocupar em definitivo a área proibida” e a “construir uma nova sociedade do zero”. O espaço extenso demais e a enorme quantidade de invasores impediram que polícia e governo conseguissem intervir em tempo. Nascia o mais famoso caso de “experimento social” de que se tem notícia.
Autodenominada “o pulmão verde de Copenhague”, graças à vasta área de vegetação virgem que abraça seus domínios, Christiania é o lar de aproximadamente 900 pessoas que vivem sob um grupo de leis distintas do restante da Dinamarca. O modelo de autogestão praticado por seus moradores é a “democracia do consenso”, no qual as decisões essenciais surgem da concordância de todos os participantes de uma assembléia. Não há hierarquias: os christianistas participam ativamente da implantação do que é decidido coletivamente e resolvem em comunhão o
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destino do orçamento anual de quase 18 milhões de coroas dinamarquesas (aproximadamente R$ 6,7 milhões), obtido com a contribuição mensal dos moradores e os rendimentos dos negócios locais. Esta “caixinha” comunitária dá conta das despesas com eletricidade, água, esgoto, taxas municipais e ainda um conjunto de serviços que serve somente aos moradores de Christiania, como correio, creches, oficinas, asilos e um moderno sistema de coleta e reciclagem de lixo. Na prática, um terço dos moradores adultos tem emprego e ganha seu próprio dinheiro, enquanto
um terço é sustentado pelo poder público e o restante, aqui incluindo os traficantes, não possui nenhum rendimento oficial. Ninguém é dono da habitação em que vive. Carros são proibidos de circular, apesar de muitos moradores possuírem automóveis (ironicamente, o índice de carros a cada mil habitantes é mais alto em Christiania - 190 por grupo de mil habitantes - do que na própria Copenhague - 182 por mil). Em 1997, a cidade criou sua moeda própria, o Løn, usada somente em transações locais. Entre os atuais moradores, há artistas, músicos, escritores, cientistas, filósofos, jornalistas
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CULTURALMENTE, A CIDADE É UM
ORGANISMO PULSANTE.
e comerciantes. “Devido ao modo como a imprensa diária nos trata, há muita gente que não entende o que Christiania significa”, reclama o alemão Karsten Schubmann, morador do local desde 1978 e um dos poucos a ter seu próprio site, www.karsten-s.dk. “Infelizmente, muitos moradores atuais não têm a ver com os ideiais e as perspectivas de quando a comunidade foi criada. Pessoas são estranhas: com o tempo, só querem saber de seu próprio
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conforto. Se puséssemos mais ênfase nas condições para se viver aqui, teríamos mais gente se identicando com nossos princípios socialistas”.
O tempo em christiania parece não andar, apesar da quase inexistência dos tradicionais estereótipos hippies. A “cidade livre” é uma desequilibrada mistura de vida campestre e metropolitana. Localizada em meio a prédios de apartamentos e uma área comercial silenciosa e escassa, ela poderia ser facilmente ignorada por quem não a procura.
A entrada principal mantém um portal onde se lê o nome do lugar esculpido em letras de forma douradas entre dois totens trabalhados em madeira. Nos demais acessos, nem uma indicação sequer. Asfalto e calçadas deixam a desejar. O chão de terra, entremeado de poças de água, dependendo da época do ano, praticamente demarca o território livre. Indica até onde vão os cidadãos dinamarqueses e a partir de onde se sentem em casa os cidadãos do mundo.
O que parece descaso não pode ser consertado, porque faz parte da paisagem toda particular de um verdadeiro parque temático que recebe mais de um milhão de visitantes por ano. As opções para o turista têm se diversificado e Christiania tem sido mais do que simplesmente um cenário bucólico de uma “Hippielândia” ou mesmo uma “Hemplândia”. Barracas e improviso são coisas do passado.
Pequenas casas de argamassa e cimento espalham-se em meio à área verde, divididas por muros coloridos dispostos de maneira pouco lógica. A inexistência de placas indicativas torna o ato de se perder simples, mesmo com um mapa em mãos. Sem circulação de carros nem iluminação pública, as ruas permanecem na mais completa escuridão durante a noite, tendo apenas as luzes dos estabelecimentos comerciais como referências.
Da rua principal, sugestivamente denominada Pusher Street - ou Rua dos Traficantes -, enxerga-se a estátua do Cristo Redentor, o mar e, se bobear, a Garota de Ipanema, tudo pintado em um mural. É próximo a esse Rio de Janeiro escandinavo que fica o ponto de venda de maconha e haxixe, as drogas “oficiais” de Christiania. De lá também se avistam bares e barracas de artesanato. As camisetas têm dizeres libertários - Che Guevara, óbvio, marca presença. Acessórios para o consumo de maconha são vendidos com discrição. O comércio de drogas é ainda mais recatado, longe da vista alheia. Um galpão além oferece itens para quem quiser levar um pedaço de Christiania para casa: livretos que explicam a comunidade desde os primórdios, camisetas com a inscrição “Save Christiania” e adesivos com a bandeira não-oficial - três círculos amarelos sobre fundo vermelho. As mercadorias também são vendidas no portal online christiania.org, atualizado pelos próprios christianistas.
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A melhor opção de comida barata para o viajante sem dinheiro são as pizzas vendidas em um trailer estacionado ao fundo do camelódromo. O italiano de gestos abruptos e voz alta vende pedaços quadrados de pizzas bem recheadas a 20 coroas dinamarquesas (R$ 7,50), regados a muitos gestos e pouco azeite. Ele vende a iguaria com perguntas, um pouco de desconfiança e indica à reportagem um brasileiro que também mora por ali. Aparentando 45 anos, boné escondendo a calvície, o gaúcho Abel trabalha como uma espécie de zelador de Christiania. É o responsável por montar e desmontar as barracas, além de ajudar os ambulantes a tomar conta das mercadorias e quebrar galhos em geral. Enquanto isso, junta dinheiro suficiente para viver melhor em Copenhague do que no interior do Rio Grande do Sul, onde mora a família. Passa o dia na praça, assim como tantos outros imigrantes que fazem do camelódromo de Christiania uma verdadeira festa das nações. Cada dono de tenda tem uma origem diferente. A banca do africano fica a poucos metros da pizzaria do italiano. O argentino fica em um lugar privilegiado bem na entrada da feira, vendendo bijuterias. Havia
um uruguaio, que se foi: voltou ao país depois que sua mulher dinamarquesa resolveu trocá-lo por outra. De vergonha, largou a vida simples em Christiania para nunca mais pisar lá. No mosaico das culturas, atritos também afloram. Histórias de estranhamentos entre vendedores existem aos montes. Há aqueles que mal falam com os demais, os de temperamento imprevisível e até mesmo os com comportamento anti-social. Abel, brasileiro que é, transita bem por quase todos os círculos. Ele abre o cadeado da velha porta de madeira de um galpão e mostra os bens que acumulou em sua permanência na comunidade: computadores, eletrodomésticos e utensílios diversos. “Os dinamarqueses jogam muita coisa nova fora, é só andar por aí e achar”, conta. “Já tentei até doar uma parte para o Brasil, mas é complicado. Vai ficando tudo por aqui mesmo.”
Culturalmente, a cidade é um organismo pulsante. Atuações nas áreas teatral, musical e nas artes plásticas são freqüentes, assim como atividades políticas de guerrilha, nas quais o christianista dá vazão ao seu engajamento. Meditação e ioga são unanimidades locais, mas não impedem um gosto pela vida boêmia. O local mais movimentado da noite de Christiania não poderia ter outro nome que não Woodstock, um arremesso violento 40 anos para trás no tempo. Sobre o palco logo na entrada, um elo perdido do Grateful Dead despeja um repertório carregado de reverberação e lisergia. Bancos de madeira para quatro ou cinco clientes dispõem-se em frente a mesas sobre as quais já se derramou muita cerveja. Nesses bancos se faz como o público daquele bar: apóia-se à frente de alguma garrafa, deita-se sobre o banco para dormir, ou simplesmente senta-
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se lado a lado com um estranho. Beber sozinho é um convite à companhia de alguém disposto a discorrer sobre aquecimento global, economia mundial ou a resistência dos países de Terceiro Mundo. Quase 70% dos habitantes têm entre 30 e 59 anos. São mulheres sozinhas, velhos roqueiros de rosto desfigurado pelas drogas, turistas extasiados pela suposta liberdade não vigiada. A placa na parede não nos permite esquecer das quatro regras definitivas de Christiania: “No to Hard Drugs, Rocker Badges, Weapons and Violence” (não às drogas pesadas, distintivos, armas e violência).
Apesar de não ser bem-vinda, a polícia circula livre. Em uma noite de domingo no fim do outono, meia dúzia deles marchavam em fila próximos a um prédio residencial. A movimentação apática dos homens de azul resultou na detenção de um homem, provavelmente um traficante de haxixe. Na Dinamarca, a “Politi” também não consegue (ou não quer) pescar os peixes grandes.
“A polícia revista quem entra na cidade. Ficam na ponte na tentativa de conter o tráfico, mas é como se não houvesse o que fazer. É um lugar em que as liberdades
individuais parecem existir, mas há uma estranha sensação de vigilância no ar”, diz o jornalista argentino Edgardo Martolio, que esteve na cidade em 1978, 79 e em 2005. “Nos anos 70, era uma cidade anti-higiênica, feia e bagunçada, nem parecia a Europa. Hoje, a organização é maior, a limpeza também. De um certo modo, os moradores se civilizaram, o que dá mais força à experiência”, conta.
A alcunha “freetown” (território livre) soa como ironia: a construção de novas casas é proibida dentro dos limites de Christiania, e há muito tempo não há espaço para novos moradores. Interessados em aderir precisam esperar por um espaço vago em uma habitação já existente. A burocracia é maior do que se poderia esperar - um demorado processo de inscrição, seguido de entrevistas com inquilinos. A espera por uma vaga costuma demorar.
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É difícil afirmar hoje se o local algum dia chegou a representar uma alternativa de vida oposta ao Estado dinamarquês. Seja como for, mochileiros, hippies, andarilhos e imigrantes ainda enxergam na cidade um abrigo. Substâncias pesadas como heroína, cocaína e anfetaminas foram expurgadas da região em 1979, em um movimento coletivo que baniu viciados e traficantes. Determinou-se que a maconha e o haxixe seriam os únicos entorpecentes ali tolerados, em uma decisão que fez de Christiania o mercado número 1 de haxixe da Dinamarca, alcançando mais de US$ 300 milhões por ano em rendimentos. Para inibir a negociação da droga, um esforço conjunto do governo e da polícia se deu na forma de batidas, ações coibitivas e ordens de prisão. A perseguição persistiu até 2004, quando os moradores optaram por impedir a venda das substâncias dentro de seus domínios. O comércio ilegal prossegue em nível menor. O que não diminuiu foi a repressão na região, em atitudes condenadas pela opinião pública pela dureza com que são executadas.
O tenso conflito com o governo dinamarquês perdura desde 1971. Apesar de ter aceito a existência de Christiania como um “experimento social”, planos são elaborados constantemente visando a legalização e a normalização da área, em um infindável litígio que tem favorecido os resistentes christianistas. A sociedade dinamarquesa abraça o tema e se divide entre tolerar Christiania, protegê-la ou rejeitá-la. Os opositores, em menor número, alegam que os moradores da cidade livre não pagam impostos pela área supervalorizada que ocuparam, e que o local abriga e facilita o tráfico de drogas. Em sua defesa, os christianistas alardeiam que pagam impostos mais altos do que o cidadão normal dinamarquês
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No parlamento dinamarquês, o apoio a Christiania é tradicionalmente maior entre os partidos de centro e esquerda. Desde 2002, a Dinamarca é governada pelo Partido do Povo Dinamarquês, composto por conservadores e liberais, inimigos históricos da cidade livre. Apresentado pelo governo no final de 2006, o novo projeto de regulamentação de Christiania teve aprovação da maioria do parlamento, inclusive de partidos historicamente contrários a tais proposições. O projeto condiciona a manutenção de Christiania a certas medidas, como a liberação para construção de novas casas, o pagamento de aluguel por todos os moradores de Christiania, a abertura das fronteiras para as pessoas que lá quiserem viver,
além daquela tida como a mais controversa de todas: se o projeto vingar, todas as leis da Dinamarca passariam a servir também aos cidadãos da comunidade.
É razoável afirmar que Christiania passa pelo momento político mais delicado de sua história. Acusada por seus opositores de ser uma sociedade cada vez mais fechada e intransigente, que não permite nem a permanência de novos residentes e não aceita se submeter a novas regras, a cidade livre também não conta mais com o suporte irrestrito de quem sempre a apoiou. A magia começa a se perder até mesmo para quem largou tudo em nome da causa. “Christiania é um pedaço indissociável da Dinamarca, mas nem é mais tão especial assim”, lamenta o morador Karsten Schubmann.
O prazo para os christianistas se declararem contra ou a favor das propostas do governo dinamarquês se esgota ainda este mês. Seja o resultado qual for, o futuro de Christiania promete passar distante dos utópicos mandamentos propostos por seus idealizadores. Se muitas de suas características se perderam no tempo, pelo menos permanece intacto seu status de santuário contemporâneo da paz, do amor e da liberdade.
O sonho, por enquanto, ainda não acabou.
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Poderia dizer por que não vou votar na Dilma com um argumento singelo e sem defesa para uma candidata a presidente: sou contra quem assina documento sem ler; poderia argumentar pelo voto contrário a ela pautado em um argumento geopolítico: sou contra todos que Chávez apóia; ou mesmo poderia afirmar e o Lula desmentir: sou contra eleger para a presidência quem não possui experiência alguma em cargos eletivos.
Uma das razões por que não vou votar em Dilma é a mesma pela qual não vou votar em Marina: gosto de alternância de poder. Acho saudável diferentes pontos de vista governarem. Para mim, este é ponto fundamental da democracia.
Marina nunca terá poder. Quem tem poder é quem tem na mão a câmara dos vereadores e deputados. Ela não tem. É só ver a quantidade de minutos que ela terá no horário eleitoral da TV. Míseros 2 minutos e 21 segundos. Ela seria um fantoche no governo e somente conseguiria algum resultado abrindo enormes concessões.
Serra não! Ele tem partido e se quiser governar não adianta só ser turrão. Terá que se submeter ao PSDB e seus caciques e índios, que, por sua vez, parecem ter limites mais éticos do que os do PT. Nada de pautar a mídia, por exemplo.
Fora isso, o PSDB está fora do primeiro cargo da hierarquia executiva brasileira há 8 anos, e se tivesse sido tão ruim o governo do FHC, imagino que o Lula não teria seguido
suas políticas econômicas — adotadas ainda antes das eleições de 2002, com a “Carta ao Povo Brasileiro”.
Mas não é só o gosto pela alternância de poder que me fará votar em Serra. É também sua coerência. Quase engenheiro pela USP, se não fosse o golpe militar e o exílio. Ou seja, lutou contra a ditadura. Mestre em economia pela Universidade do Chile e doutor na mesma matéria pela Cornell University, nos EUA.
Primeira coerência: sempre estudou (muito)! Serra começou na militância estudantil, chegando a ser presidente da União Nacional dos Estudantes, em 1963. Elegeu-se duas vezes deputado federal, foi prefeito da cidade de São Paulo (tentou 3 vezes), governador do estado e ministro da saúde.
Segunda coerência: persistência política; não desiste fácil do que quer e sempre quer o topo. Mas ainda não acabaram as coerências. Falta uma que poucos políticos podem afirmar que sabem o que é ou se realmente existe. A fidelidade partidária. Serra está no PSDB desde 1988. São 22 anos no mesmo partido!
Agora questiono: como posso não votar nele? Sei o que me espera. Pode ter suas falhas, mas jogue a primeira pedra quem não tiver.
Serra é o único candidato com chance de ganhar as eleições que tem sua história avalizada pela credibilidade. A credibilidade, por sua vez, é avalizada pela coerência.
Eu, então, posso avalizar este voto.
POR QUE VOTAREI EM JOSÉ SERRA Por Daniel Bushatsky*
* Daniel Bushatsky, São Paulo-SP, é advogado e colunista do Digestivo Cultural.
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Tenho três motivos para votar na Marina Silva. Um deles é que, para mim, Marina é um ser humano superior que eleva o nível de qualquer ambiente em que está presente. Como essa percepção é muito subjetiva, sugiro que quem ainda não interagiu com ela ou não a ouviu, se tiver a oportunidade, não desperdice. Preste atenção no respeito que os seus adversários e os jornalistas em geral têm por ela.O segundo motivo ainda é bem subjetivo.
Nos meus 62 anos de vida não conheci pessoa com tamanha integridade intelectual, moral e espiritual. Mesmo não concordando com algumas de suas opiniões, Marina me emociona com a beleza de sua integridade. Sim, beleza que emociona. Falo como profissional: a estética de Marina é de uma eloquência extraordinariamente bela - sua linguagem corporal, sua voz, seu modo de vestir, suas palavras, seu olhar, seus gestos, seus sentimentos, suas ideias, os exemplos que usa, as referências acadêmicas e da cultura popular, sua praticidade, sua firmeza na divergência, sua tranquilidade no não saber, sua amorosidade com tudo e com todos, inclusive adversários, ela tem a consistência, a harmonia e a autoridade de quem não pensa para falar. Tudo flui, como a arte
quando ela acontece. Eu acredito que quando o ser humano se livra de tudo o que o distrai de seu propósito o que sobra deve ser algo parecido com a Marina. Até seus acessórios são essenciais. Enfim, eu me sentiria um brasileiro mais seguro, íntegro e bonito com Marina no Planalto.
O terceiro motivo é muito pragmático: precisamos dominar as mais altas instâncias de decisão na sociedade com pessoas lúcidas,
competentes, inspiradas e corajosas para evitar o pior. O pior pode ficar por conta de cada um. Pode ser fome, desemprego, violência urbana, poluição, colapso do sistema financeiro internacional, guerra por recursos naturais, pragas e epidemias, enchentes e secas, conflitos étnicos e religiosos, em síntese, desequilíbrios críticos de toda natureza que já estão fazendo a vida neste planeta ser um horror cotidiano.
Na iniciativa privada tenho procurado dar algum suporte a líderes, gestores e empreendedores que têm o projeto de tornar suas empresas líderes, elevando o nível da competição em seus mercados. Quando
me perguntam quem eu indicaria para ministros da Marina, eu sempre falo dos CEOs dos nossos clientes. Um deles já está lá como vice.
Na vida pública, as experiências que eu tive com políticos foram péssimas e suficientes para eu me manter afastado desse ambiente, apesar dos inúmeros e ricos convites que recebi para trabalhar para governos e candidatos. Depois que conheci Marina, mudei meus planos.
Temos alguém para assumir o Planalto e fazer o que tem que ser feito. Ela tem a competência, a inspiração e a coragem. E, graças a
Deus, não tem o rabo preso com partidos e interesses que fragilizam a execução de qualquer proposta de governo.
*Ricardo Guimarães, 62, é presidente da Thymus Branding. Seu e-mail é [email protected] e seu Twitter é twitter.com/ricardo_thymus
POR QUE VOTAREI EM MARINA SILVA Por Ricardo Guimarães*
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Por coerência, votarei em Dilma. Não tenho dúvidas. Não a conheço bem e posso me decepcionar, mas é muito mais interessante alguma esperança que nenhuma. O outro lado conheço bem. Dominam nosso Estado há muitos anos. Depois da morte de Franco Montoro e Mario Covas, pilastras do partido que fundaram, seus aliados se colocaram cada vez mais à direita.
O PSDB realizou muito em São Paulo e até no Brasil. Mas, no essencial, muito pouco fizeram. Tiveram todas as chances e deixaram tudo como estava. A distribuição de renda do país, por exemplo, se verticalizou cada vez mais, aumentou a quantidade dos que empobrecem. E é aí que está o divisor de águas que para mim pega.
A família quase toda de Íris, minha ex-mulher, vive no sertão do Nordeste. Antes do governo Lula, a miséria era geral. A seca acabava com os recursos naturais e a ajuda do governo nunca chegava. Íris relatava dias em que acordava e não havia nem uma raiz para comer. Em contrapartida, os políticos da região ficavam todos ricos. Não havia água, luz ou banheiro. As pessoas faziam suas necessidades no mato, igual bicho. A escola e o hospital eram distantes, e as crianças cresciam doentes e analfabetas. O índice de mortalidade infantil era um absurdo. E o povo nem sequer reclamava, achava que estava pagando pecados, que era obra de Deus.
Com o governo Lula mudaram as perspectivas. Tudo mudou. Fizeram escola e posto de saúde mais perto. Chegou também merenda, bolsa-escola, médico e remédio.
E o bolsa-família ajuda a alimentar aquele povo, ninguém mais passa fome. As crianças crescem fortes e sadias, e a mortalidade infantil caiu. Poços artesianos foram vazados e cisternas foram construídas. Agora não falta água nem na época de seca. Chegou energia elétrica, o povo agora tem geladeira e está até assistindo TV. Banheiros foram construídos e normas mínimas de higiene foram ensinadas. O sertão é outro. As pessoas têm muito mais qualidade de vida e chances de se realizar. Claro, há muito o que fazer ainda. Mas já se deram grandes passos.
Se Dilma é continuação do que vem fazendo Lula, para mim é mais que coerente votar nela. Na época dos militares, essa mulher foi pegar em armas para combatê-los. Foi presa e torturada pelo ideal que acreditava, num tempo em que as mulheres nem falar muito podiam. O preconceito era
estupidificante. É uma mulher de coragem e ousadia, isso é inegável.
Sei que mudanças significativas só com o tempo se consolidarão. Todos os esforços deveriam ser centrados em acabar com a miséria, a fome e dar qualidade de vida ao nosso povo. Mas, devagar e aos poucos, o país está acolhendo sua população mais carente e desfavorecida. Que não falte o necessário para que todos possam viver com dignidade é o ideal mais importante de nossa pátria.
*Luiz Alberto Mendes, 56, é autor de Memórias de um sobrevivente, sobre os 31 anos e 10 meses que passou na prisão. Seu e-mail é [email protected]
POR QUE VOTAREI EM DILMA ROUSSEFF Por Luiz Alberto
Mendes*
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SHOWKRAUTUma atração da Mostra Sesc de Artes merece atenção redobrada. Primeiro porque o Hallogallo 2010 é a encaranação atual do Neu!, um dos papas do kraut rock - o rock psicodélico alemão. O guitarrista Michael Rother fazia dupla com o baterista Klaus Dinger, que morreu em 2008, e em vez de forçar a barra com o mesmo nome, chamou os amigos para celebrá-lo.Eis o segundo motivo para assistir ao show do dia 23/11(terça): seu baterista é Steve Shellley, o ritmista tribal do Sonic Youth. mais informações no site www.sescsp.org.br
EXPOSIÇÃOQUADROS DE CINEMASe Akira Kurosawa tivesse seguido carreira nas artes plásticas, teria sido relevante, como é para o cinema - arte em que foi gênio. Os storyboards de preciosidades de sua obra, como “Sonhos” e “Kagemusha”, causam uma emoção nova. Os desenhos foram criados minuciosamente pelo cienasta a partir de giz de cera, lápis e ponta esferográfica.Até 9 de janeiro no Instituto Tomie Othake. Mais informações no site: www.institutotomieohtake.org.br/
VIRADA ESPORTIVACom 36 horas de esportes, lazer, cultura e entretenimento, a Virada Esportiva 2010 terá a sua 4ª edição, nos dias 20 e 21 de novembro de 2010, nos quatro cantos da cidade de São Paulo, onde o maior objetivo é incentivar a pratica de esportes no município. Mais informacões no site: http://www.viradaesportiva2010.com.br/
ESPORTE
AGENDA
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BATE-PAPOMILO MANARAA vinda ao Brasil do mestre italiano do quadrinho erótico será bem aproveitada. A exposição, que se chama Uma Vida Chamada Desejo, acontecerá na Oficina Cultural Oswald de Andrade (rua Três Rios, 363, Bom Retiro), e traz gravuras como “Tuti facin”, que ilustra esta página, A abertura será às 20h do dia 18 de novembro, com presença de Manara – que, uma hora antes, fará um bate-papo com os fãs no mesmo local. A exposição inclui originais de seus quadrinhos, esculturas e desenhos de produção que fez para o filme Barbarella (a nova versão hollywoodiana).A entrada para o bate-papo com Manara é franca, mas é preciso tirar uma senha no local com, no mínimo, uma hora de antecedência (às 18h, portanto). Mais informações no site www.oficinasculturais.org.br/
CINEMAO ROCK NA TELAFestival de filmes inéditos, unindo cinema e música, com sessões gratuitas e horários acessíveis. É essa a 4ª Mostra de Cinema Rock & Totem, organizada pelo quarto ano seguido por Fred d’Orey, dono da Totem e um apaixonado por música.No total, serão 16 títulos, distribuídos em sessões de 19 a 25 de novembro, no Estação Ipanema. Todos garimpados mundo afora pelo próprio organizador.mais informações no site: http://www.totemnet.com.br/mostra2010/
VAGA VIVAA Vaga Viva é uma intervenção simbólica que transforma vagas de estacionamento de carros em áreas de convivência para pessoas. Com bancos, tapetes, plantas e latas de lixo, pequenas praças temporárias surgem na cidade, proporcionando encontros e troca de informação sobre cidadania e meio ambiente. Dias 14 e 15 de dezembro, mais informações no link: blogciclourbano.blogspot.com/2008/07/o-que-vaga-viva.html
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TANQUE edição de lançamento
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