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Revolução contra o estado: O contexto e o significado dos escritos tardios de Marx (Derek Sayer e Philip Corrigan, 1987) * Nesta década do centenário da morte de Marx, os socialistas se interessarão em reavaliar o seu legado político e a sua relevância para a nossa época e suas lutas. Este artigo visa contribuir para essa discussão. O seu estímulo imediato foi a publicação de dois artigos seminais, vários anos atrás, nas páginas de History Workshop por Haruki Wada e Teodor Shanin [1], sobre o significado das pesquisas e escritos da última década de Marx, particularmente aqueles sobre a Rússia. Wada e Shanin argumentam que há importantes mudanças no “Marx tardio”. Esses escritos foram em geral ignorados ou suprimidos pelo Marxismo subsequente, embora haja uma forte relação entre o eles e as lutas socialistas do século XX. Nosso artigo busca expandir a linha de argumentação de ambos os textos. Mostramos que as mudanças identificadas por Wada e Shanin em Marx, com respeito à Rússia, têm contrapartidas não menos importantes em outros textos dos anos 1870 e 1880, principalmente os esboços e textos de A Guerra Civil na França. Em resumo, há de fato algo de distintivo, novo e importante no “Marx tardio” que deveria nos levar a repensar o seu legado político como um todo. Mas primeiro é preciso qualificar alguns aspectos da argumentação de Wada/Shanin. 1. Marx e o desenvolvimento capitalista Shanin defende que um núcleo essencial de evolucionismo persiste em O Capital e que o rompimento final de Marx com este “modelo fechado do tempo” só começou a tomar forma na virada dos anos 1870. Por evolucionismo, Shanin entende “o pressuposto de um desenvolvimento intrinsecamente necessário, através de estágios pré-ordenados”. Embutida nesse evolucionismo está uma “teleologia altamente otimista”. Shanin admite que há elementos de multilinearismo na visão histórica de Marx anterior aos anos 1870, citando o seu uso do conceito de modo de produção Asiático em 1853 e a aceitação, em Grundrisse, de uma pluralidade de rotas possíveis para a saída do comunismo primitivo. Mas estes enunciados continuavam sendo refinamentos de um esquema basicamente evolucionista. Com o aparecimento do capitalismo como ‘unificador global”, para o Marx de 1867, “as leis de ferro da evolução finalmente assumem o seu papel universal e global”. Daí em diante “o país que é mais desenvolvido industrialmente simplesmente mostra, para o menos desenvolvido, a imagem do seu futuro”. No final, o capitalismo acaba por se mostrar como necessário, inevitável e progressista. O corolário político disso é que as forças pré-capitalistas que tentam obstruir essa marcha são objetivamente reacionárias, por mais que possam cativar as nossas simpatias intuitivas. Daí as visões algo embaraçosas de Marx quanto ao colonialismo e aos camponeses, expressas respectivamente em seus artigos de 1853 sobre a Índia e em O Dezoito Brumário [2]. Shanin detecta um movimento duplo de afastamento dessas posições por parte de Marx, nos anos 1870 e 1880, que se faz mais evidente em seus escritos sobre a Rússia. Em primeiro lugar, Marx dirige-se para além do quadro do capitalismo como diretamente progressista para uma apreensão mais realista das complexidades e * Derek Sayer: professor de sociologia, Universidade de Alberta; Philip Corrigan; professor de sociologia, Ontario institute for Studies in Education, Toronto. 1

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Revolução contra o estado:O contexto e o significado dos escritos tardios de Marx

(Derek Sayer e Philip Corrigan, 1987)*

Nesta década do centenário da morte de Marx, os socialistas se interessarão em reavaliar o seu legado político e a sua relevância para a nossa época e suas lutas. Este artigo visa contribuir para essa discussão. O seu estímulo imediato foi a publicação de dois artigos seminais, vários anos atrás, nas páginas de History Workshop por Haruki Wada e Teodor Shanin [1], sobre o significado das pesquisas e escritos da última década de Marx, particularmente aqueles sobre a Rússia. Wada e Shanin argumentam que há importantes mudanças no “Marx tardio”. Esses escritos foram em geral ignorados ou suprimidos pelo Marxismo subsequente, embora haja uma forte relação entre o eles e as lutas socialistas do século XX. Nosso artigo busca expandir a linha de argumentação de ambos os textos. Mostramos que as mudanças identificadas por Wada e Shanin em Marx, com respeito à Rússia, têm contrapartidas não menos importantes em outros textos dos anos 1870 e 1880, principalmente os esboços e textos de A Guerra Civil na França. Em resumo, há de fato algo de distintivo, novo e importante no “Marx tardio” que deveria nos levar a repensar o seu legado político como um todo. Mas primeiro é preciso qualificar alguns aspectos da argumentação de Wada/Shanin.

1. Marx e o desenvolvimento capitalistaShanin defende que um núcleo essencial de evolucionismo persiste em O Capital e que o rompimento final de

Marx com este “modelo fechado do tempo” só começou a tomar forma na virada dos anos 1870. Por evolucionismo, Shanin entende “o pressuposto de um desenvolvimento intrinsecamente necessário, através de estágios pré-ordenados”. Embutida nesse evolucionismo está uma “teleologia altamente otimista”. Shanin admite que há elementos de multilinearismo na visão histórica de Marx anterior aos anos 1870, citando o seu uso do conceito de modo de produção Asiático em 1853 e a aceitação, em Grundrisse, de uma pluralidade de rotas possíveis para a saída do comunismo primitivo. Mas estes enunciados continuavam sendo refinamentos de um esquema basicamente evolucionista. Com o aparecimento do capitalismo como ‘unificador global”, para o Marx de 1867, “as leis de ferro da evolução finalmente assumem o seu papel universal e global”. Daí em diante “o país que é mais desenvolvido industrialmente simplesmente mostra, para o menos desenvolvido, a imagem do seu futuro”. No final, o capitalismo acaba por se mostrar como necessário, inevitável e progressista. O corolário político disso é que as forças pré-capitalistas que tentam obstruir essa marcha são objetivamente reacionárias, por mais que possam cativar as nossas simpatias intuitivas. Daí as visões algo embaraçosas de Marx quanto ao colonialismo e aos camponeses, expressas respectivamente em seus artigos de 1853 sobre a Índia e em O Dezoito Brumário [2].

Shanin detecta um movimento duplo de afastamento dessas posições por parte de Marx, nos anos 1870 e 1880, que se faz mais evidente em seus escritos sobre a Rússia. Em primeiro lugar, Marx dirige-se para além do quadro do capitalismo como diretamente progressista para uma apreensão mais realista das complexidades e contradições daquilo que, hoje em dia, chamaríamos de desenvolvimento dependente. Em segundo lugar, ele estende o multilinearismo para o futuro. Ao final dos anos 1870, Marx vislumbrou “uma série de vias de transformação social, em um quadro global de impactos mútuos e diferenciais”. O evolucionismo morrera. Esta revolução no quadro macro-histórico de Marx implicou, de modo correspondente, em uma reavaliação das lutas sociais nas formações periféricas. Marx mudou a sua posição quanto aos camponeses, os obshchina e quanto ao caráter das classes dominantes e às formas do Estado na periferia capitalista. Em agudo contraste com as próximas três gerações de Marxistas, o próprio Marx “começava a reconhecer, pelo que eles realmente eram, a natureza, os problemas e o debate relativo às sociedades ‘em desenvolvimento’ e pós-revolucionárias do século XX”.

A narrativa de Wada sobre o destino dos esboços da carta de Marx a Zasulich é um lembrete de que a luta pela alma de Karl Marx nunca foi um mero exercício acadêmico. A intervenção de Shanin ocorreu em boa hora, visto que ressurge um novo fundamentalismo Marxista [3]. A nossa principal objeção a Shanin é a de que ele faz demasiadas concessões aos tradicionalistas. Marx nunca foi um evolucionista tão consistente quanto a argumentação de Shanin implica. Além disso, as suas indicações quanto às estruturas específicas do capitalismo periférico já vinham de data bem anterior aos anos 1870. Estas não são questões escolásticas, pois afetam a nossa interpretação e a nossa avaliação política do legado de Marx como um todo.

Não é inteiramente irrelevante começar por um questionamento da caracterização do evolucionismo que Shanin apresenta, pelo menos no que diz respeito à sua variante Darwinista (que foi a única forma a impressionar Marx) [4]. Darwin certamente não acreditava em “desenvolvimento necessário por estágios pré-ordenados”. A essência dessa teoria é a mutação aleatória. As espécies sobrevivem porque, seja lá devido a quais razões acidentais, elas desenvolveram características que as adaptam ao seu ambiente – elas não adquirem essas características para se adaptarem. Esta última seria a visão Lamarckiana, não a Darwiniana. A teoria de Darwin era especificamente anti-teleológica (é em parte por isso que ela preocupou o clero), o que nos interessa por dois motivos. Em primeiro lugar, porque aquilo que o próprio Marx

* Derek Sayer: professor de sociologia, Universidade de Alberta; Philip Corrigan; professor de sociologia, Ontario institute for Studies in Education, Toronto.

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saudou em A Origem das Espécies foi precisamente, em suas próprias palavras, que “ela lança o sopro da morte sobre a teleologia nas ciências naturais” [5]. E, em segundo lugar, porque ao representar Darwin desse modo Shanin revela – e não é a única vez em seu artigo – o quanto ele continua a ler o Marx de O Capital, e de antes, através das lentes da ortodoxia. O desgastado paralelo entre um Marx Hegelianizado e um Darwin Lamarckianizado originou-se com Engels e com a Segunda Internacional e continua sendo a ração diária da Marxologia soviética até hoje. Quanto a isso, vale a pena chamar a atenção para a excelente demolição, empreendida por Margaret Fay, do bem conhecido mito de que Marx quis dedicar o Volume II de O capital ao grande biólogo [6].

De fato, apesar de Shanin, a hostilidade de Marx à teleologia em todas as suas formas foi aberta e de longa duração. Tal hostilidade é um motivo recorrente em A Ideologia Alemã, uma obra que Shanin parece considerar como um paradigma de grosseiro evolucionismo. Mas ali, Marx escreve claramente que qualquer noção segundo a qual “a história mais tardia...é a meta da história anterior” é “uma distorção especulativa”; “o que é designado pelas palavras ‘destino’, ‘meta’, ‘germe’ ou idéia nada mais é do que uma abstração, feita a partir da história mais tardia [7]”. A teleologia da “história providencial” de Proudhon foi impiedosamente maltratada no ano seguinte [8]. Porém, o mais notável em A Ideologia Alemã e em outras obras desse período é a rejeição, por parte de Marx, quase tão inflexível quanto a de sua famosa carta ao Otechestnenniye Zapiski, de qualquer “teoria histórico-filosófica” totalmente abrangente. Ao contrário, é apresentado um programa de investigação da história secular, real, de tipo manifestamente – alguns diriam embaraçosamente [9] – empirista. É nesse espírito que Marx e Engels advertem os seus leitores que o esboço de desenvolvimento histórico de A Ideologia Alemã, citado por Shanin, nada mais é do que “algumas...abstrações”, ilustradas “através de exemplos históricos” e que, “de modo algum, oferecem a receita de um esquema, como o faz a filosofia, para arranjar habilidosamente as épocas da história [10]”. Decerto podem ser encontradas passagens na obra de Marx que falam das realizações do capitalismo como um pressuposto do socialismo. Mas este parecer também pode ser encontrado no Marx tardio. Suas notas de 1874 sobre Estatismo e Anarquia, de Bakunin – um texto inexplicavelmente negligenciado por Wada e Shanin – insiste, a respeito da Rússia, que “uma revolução social radical...só é possível onde o proletariado industrial, com o desenvolvimento capitalista, ocupa uma posição ao menos minimamente importante na massa da população” e escarnece de Bakunin, por esperar este que a revolução social Européia, fundamentada na base da economia capitalista, ocorra entre os povos pastoris e agrícolas Eslavos ou Russos”. Marx escreveu isto após a suposta grande reviravolta em suas visões que, segundo vindica Wada, ocorreram após a leitura de Chernyshevsky. Ainda quanto a isto, Wada não consegue fundamentar satisfatoriamente a sua ponderação de que, por volta de 1881, Marx abandonara a sua opinião anterior de que um socialismo obshchina na Rússia exigiria uma bem sucedida revolução proletária no Ocidente. Wada não apresenta qualquer outro indício, a não ser o de Marx não ter reiterado esta afirmação nos esboços de sua carta a Zasulich, o que o leva a desconsiderar o explícito endosso de Marx de sua formulação prévia, no Prefácio de 1881 à edição Russa do Manifesto, sob o frágil e especulativo argumento de que Marx estava por demais abalado pela morte de sua esposa para perceber ou se preocupar com o que fazia. As reservas quanto a este Prefácio na carta explicativa de Marx a Lavrovo não podem ser seriamente lidas como relacionadas a algo mais que estilo. O que sabemos do estudo e correspondências de Marx em Dezembro de 1880 e Janeiro de 1881, além disso, sugerem que Wada está errado quanto às consequências da morte de Jenny Marx – se algo assim houve, Marx refugiou-se do sofrimento em seu trabalho, compilando nessa época a sua maciça cronologia da história mundial, enquanto cartas a Engels e a outras pessoas indicam um contínuo interesse em assuntos intelectuais e políticos [12]. Aqui, Wada se aproxima incomodamente da argumentação cujo ponto alto é a sugestão de que os esboços a Zasulich indicam que o Marx tardio aproximava-se da senilidade.

Há poucas dúvidas de que Marx acreditava que o socialismo requeria, pelo menos, os níveis de produção social que (até então) somente o capitalismo provara historicamente ser capaz de fornecer e continuou a acreditar nisto até o final da sua vida. Mas isto, por si só, não implica no restrito modelo de tempo fechado do evolucionismo atribuído a Marx por Shanin. É certo que Marx usou algumas vezes um vocabulário evolucionista, ao apresentar as suas conclusões, como no Prefácio de 1859. Porém, sugerimos que o principal motivo de se ver Marx, em qualquer momento, como um evolucionista, no sentido integral de Shanin, vem menos de qualquer escrito de Marx do que de um poderoso legado da interpretações herdadas, a partir de Engels. Porque persistimos em considerar como anomalias os constantes afastamentos de um suposto evolucionismo unilinear anteriores a 1870 ? Há outros “afastamentos”, em acréscimo àqueles admitidos por Shanin, como a admissão não problemática por Marx, em sua Introdução Geral de 1857, do caráter sui generis de uma sociedade, como a do Peru pré-Colombiano, em que são encontradas as mais elevadas formas de economia, como cooperação, desenvolvida divisão de trabalho, etc. mesmo não havendo qualquer forma de dinheiro [13].

Por fim, desejamos questionar a interpretação de Shanin da famosa passagem no Prefácio de Marx à edição de 1867 de O Capital, considerada por Shanin um indício incontroverso do evolucionismo de Marx. Citemos o que Marx efetivamente escreveu:

Nesta obra, tenho de examinar o modo capitalista de produção e as condições de produção e troca naquele modo. Até o presente, a sua base clássica é a Inglaterra. É por isso que a Inglaterra é utilizada como principal ilustração das minhas idéias teóricas. Se, contudo, o leitor Alemão der de ombros para a situação dos trabalhadores industriais e agrícolas Ingleses ou, de modo otimista, confortar-se com o pensamento de que na Alemanha as coisas não são tão más assim; eu terei de responder-lhes, “De te fabula narratur!”. Intrinsecamente, não é esta uma questão de maior ou menor grau de desenvolvimento dos antagonismos sociais

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que resultam das leis naturais da produção capitalista. Trata-se dessas próprias leis, dessas tendências operando com férrea necessidade em direção a resultados inevitáveis. O país mais desenvolvido industrialmente mostra, para o menos desenvolvido, a imagem do seu próprio futuro.

Mais adiante, Marx acrescenta na mesma veia:

E mesmo após uma sociedade ter entrado no trilho certo da descoberta das leis naturais do seu movimento – sendo o objetivo máximo desta obra expor a lei econômica de movimento da sociedade moderna – ela não pode nem apagar, nem cancelar por decretos, os obstáculos postos pelas fases sucessivas do seu desenvolvimento normal [14].

Para aqueles que já estão convencidos, é uma confirmação inegável do evolucionismo de O capital. Mas é assim mesmo ?

Em primeiro lugar, lembremo-nos do contexto. Marx publica na Alemanha um livro cujo material empírico é obtido da Inglaterra. Ele se mostra, compreensivelmente, preocupado em afirmar a sua relevância para as condições da Alemanha. Como a Alemanha é uma sociedade à qual o capitalismo já se estende, se poderia esperar de maneira razoável que o seu “desenvolvimento normal” iria seguir uma via, em termos gerais “Inglesa”. Mas isto não implica em qualquer necessidade de que as sociedades em que o capitalismo ainda não se estabeleceu farão o mesmo. Indícios internos ao mesmo texto, O capital I, sugerem ser altamente improvável que Marx esperasse, em 1867, que a Índia ou a Irlanda, digamos, simplesmente viessem a espelhar o padrão Inglês. Retornaremos ao assunto mais adiante. Mas observe-se também o que Marx efetivamente escreve. A única necessidade férrea de que ele fala diz respeito às consequências das “leis naturais da produção capitalista” e as únicas fases de desenvolvimento a que ele se refere são aquelas da “sociedade moderna”, i.e., o capitalismo. Nada do que ele diz se refere ao assunto separado de determinar se o capitalismo é uma fase necessária em um processo de desenvolvimento histórico geral regido por leis. E é a isto o que Marx procura dar nitidez, em seu esclarecimento (e é disso que se trata, não uma retratação) voltado contra Mikhailovsky:

Desse esboço histórico, o que poderia o meu crítico aplicar à Rússia ? Simplesmente o seguinte: Se a Rússia quiser se tornar uma nação capitalista, seguindo o exemplo dos países europeus ocidentais...uma vez arrastada para o remoinho da economia capitalista, ela terá de suportar as suas leis inexoráveis como as demais nações seculares [15].

É o fato de que a Alemanha já estava no “remoinho”, em 1867, não um modelo “fechado” geral, o que autorizou o “De te fabula narratur!” de Marx. Contudo, Wada provavelmente está correto quando diz que Marx pensava ser a Rússia análoga à Alemanha, em 1867 e que mais tarde ele mudou de opinião, quanto a este ponto específico.

Voltemo-nos agora para as apreensões de Marx quanto às estruturas do desenvolvimento dependente. Não podemos negar, nem por um momento, os impressionantes progressos dos seus textos tardios. Mas sugerir que o quadro do desenvolvimento capitalista sustentado por Marx até os anos 1870 é o de um progressivismo direto é uma caricatura dos fatos. Aqui, não nos referimos apenas às suas denúncias das brutalidades da expansão capitalista, mas à sua avaliação das consequências históricas da mesma. Marx sabia que o desenvolvimento capitalista podia manter, fortalecer ou mesmo criar formas de “atraso” em sua periferia, muito antes de estudar a Rússia. Vejamos alguns exemplo. A Miséria da Filosofia (1847) afirma existir uma relação íntima entre a “modernidade” de Lancaster e o barbarismo: “A escravidão direta é um pivot da indústria burguesa, tanto quanto a maquinaria, o crédito, etc. Sem a escravidão, não há algodão; sem algodão não há indústria moderna...A escravidão é uma categoria econômica da maior importância [16]”. Esse argumento é expandido nos escritos de Marx sobre a guerra civil Americana: os estados escravistas “cresceram e se desenvolveram simultaneamente ao monopólio da indústria algodoeira Inglesa no mercado mundial [17]”. Os mesmos artigos qualificam de modo severo as conclusões progressistas, mencionadas por Shanin, nos artigos de 1853 sobre a Índia:

A Inglaterra é punida agora pelo prolongado desgoverno daquele vasto império Indiano. Os dois principais obstáculos que ela tem agora de vencer, em suas tentativas de suplantar o algodão americano com o Indiano, são a falta de meios de comunicação e de transporte na Índia e o estado miserável do camponês Indiano, que o incapacita de desenvolver circunstâncias favoráveis. Por ambas as dificuldades, os Ingleses devem agradecer apenas a si mesmos [18].

O próprio Shanin menciona Marx, no que diz respeito à Irlanda. Por volta de 1867, estava claro para Marx que foi a Inglaterra que “abateu as manufaturas da Irlanda, despovoou as suas cidades e jogou o seu povo de volta para a terra.” “Sempre que a Irlanda estava para se desenvolver industrialmente, ela foi esmagada e reconvertida a um país puramente agrícola”, um país “forçado a contribuir com trabalho barato e capital barato para a construção da ‘grande obra britânica’ [19]”. Os mesmos manuscritos documentam o subdesenvolvimento da agricultura Irlandesa por um senhoriado*

predatório e ausente, cuja importância para a classe dominante Inglesa Marx sublinha em muitas cartas e discursos dessa época [20].

* landlordship

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Não queremos afirmar que Marx tinha uma teoria acabada do desenvolvimento dependente, por volta de 1867 (nem mesmo em 1883). Contudo, O Capital arrisca algumas generalizações pertinentes:

...assim que um povo, cuja produção ainda se move segundo as formas inferiores do trabalho escravo, da corvéia, etc. é arrastado para o remoinho de um mercado mundial dominado pelo modo capitalista de produção, tornando-se a venda dos seus produtos de importação o principal interesse, os horrores civilizados do sobre-trabalho são enxertados nos horrores bárbaros da escravidão, da servidão, etc. [21].

Os revolucionários russos deveriam ter tirado disso algumas lições, na medida em que Marx, mais adiante, utiliza como ilustração a experiência das Principalidades Danubianas do Império Tzarista. Ainda em O Capital, ele sugere ocorrer uma sistemática assimetria no desenvolvimento capitalista:

Uma nova divisão do trabalho, internacional, uma divisão adequada aos requisitos dos principais centros da indústria moderna brota, convertendo uma parte do globo principalmente em campo agrícola de produção, para suprir a outra parte, que permanece principalmente um campo industrial [22].

Esta observação conclui uma discussão da destruição forçada das manufaturas nativas na Índia, em Java etc., com a penetração capitalista e a conversão desses países em fornecedores de matérias primas para as indústrias metropolitanas. Longe de surgirem de repente do azul, para torpedear um seguro evolucionismo, os estudos Russos de Marx, dos anos 1870, adequam-se – ao mesmo tempo em que aprofundam – uma série de apreensões quanto às “estruturas específicas do capitalismo atrasado” que já estavam bem estabelecidas em sua obra.

2. Desenvolvimento capitalista e formação do EstadoA versão de Shanin sobre o Marx de 1870 talvez tenha algo de uma simplificação. Mas, nem por isso, os

desenvolvimentos dos escritos tardios de Marx sobre a Rússia, para os quais eles nos chamam a atenção, perdem em importância. Marx de fato assume posições radicalmente novas nesses textos, a maior parte delas em sentidos sobre os quais a corrente principal do Marxismo (a Segunda Internacional e o Bolchevismo) manteve silêncio, após a sua morte [23]. Agora, o que desejamos mostrar é que essas mudanças não se restringiram aos escritos Russos, mas que são encontradas também em outros textos “tardios”.

Antes de mais nada, com referência à periodização, há no Marx tardio uma real inovação. Mas uma característica não menos importante nesses textos tardios, é a reformulação dos enunciados, embora em termos bem mais concretos, em temas que já eram de importância central para o seu pensamento em meados dos anos 1840. A sugestão de E.P. Thompson de que os escritos maduros de Marx estão irremediavelmente emaranhados na trama da economia política, que eles combatem [24], é exagerada, mas contêm um grão de verdade no que diz respeito às preocupações mais explícitas de Marx. Seguramente, não é por acidente que as preocupações, que discutimos a partir deste ponto, tenham ocupado o primeiro plano nos dois períodos em que Marx mais se engajou na política, a saber nos anos 1840 e de 1864 em diante. Há uma continuidade de preocupações entre o Marx “inicial” e o “tardio” que foi obscurecida por um foco demasiadamente exclusivo em Grundrisse e O Capital. Esperamos que um dos resultados da “descoberta” do Marx tardio seja o de nos fazer levar mais a sério os seus vislumbres da anatomia da civilização burguesa em textos como A Ideologia Alemã, A Questão Judaica e os Manuscritos de Paris. Isto é particularmente importante, dada a atual popularidade de uma interpretação impenitentemente economicista de Marx, como a do livro de Gerry Cohen [25]. Mais ainda, esperamos chamar a atenção para os riscos de se efetuar uma periodização unilinear da obra de Marx.

Agora, nos concentramos em alguns outros textos negligenciados dos anos mais tardios de Marx, os dois esboços e o texto final de A Guerra Civil na França. Marx viu bem mais do que o heroísmo de uma causa perdida, na Comuna de Paris. Esta foi “a maior revolução deste século” [26; todas as citações de páginas, daqui em diante, dizem respeito a esta referência]. A Comuna foi, além disso, um descobrimento social da mais profunda significação, “a forma política finalmente descoberta, sob a qual operar a emancipação econômica do trabalho”.

O que mais excitou Marx na Comuna não foram as suas medidas, enquanto governo (que ele viu como “não possuindo nada de socialistas” e atuando principalmente no sentido de “salvação da classe média” – pp. 162, 159), mas as suas potencialidades como forma política. “Quaisquer que sejam os méritos de cada medida da Comuna isoladamente, a sua maior medida foi a sua própria organização” (p. 153). Para Marx, decerto, “as formas políticas...se originam nas condições materiais de vida [27]”. Portanto, ele não saudou a Constituição da Comuna em abstrato, mas apenas na medida em que ela foi um meio de emancipação do trabalho: “exceto por essa última condição, a Constituição Comunal teria sido uma impossibilidade e um engodo.” ( p. 76). A isto retornaremos mais adiante. Mas o que é mais novo, e bem menos notado nesses textos, é a dependência contrária:

A classe trabalhadora sabe que terá de passar por diferentes fases da luta de classe. Sabe que a superação das condições econômicas da escravidão do trabalho pelas condições do trabalho livre associado só pode se dar com o trabalho progressivo do tempo...Mas sabe, ao mesmo tempo, que grandes passadas poderão ser dadas de uma vez só, através da forma Comunal de organização política (pp. 154-5).

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A Comuna “fornece o meio racional através do qual a luta de classes pode atravessar as suas mais diversas fases, do modo mais humano e racional” (p. 154).

O reverso disso é uma advertência que os socialistas mais vezes violaram do que observaram:

A classe trabalhadora não pode simplesmente lançar mão da maquinaria de estado já pronta e manejá-la tendo em vista os seus propósitos. O instrumento político da sua escravidão não pode servir como instrumento político da sua emancipação (p. 196). A primeira condição para a tomada do poder político é transformar a maquinaria de trabalho e destruí-la – um instrumento de governo de classe (p. 196).

A emancipação econômica e social do trabalho requer formas políticas por si só emancipadoras. Este enunciado é reforçado por um século de experiência, desde a morte de Marx, durante o qual o socialismo foi deformado repetidas vezes pelo estatismo (quer sob forma Bolchevique ou Social-Democrata). Que esta conclusão foi considerada por Marx tanto extremamente importante, quanto um avanço definitivo para as suas próprias idéias, é indicado não só pela frequente reiteração da mesma no segundo esboço e no texto final de A Guerra Civil, mas acima de tudo pelo fato de que Marx e Engels novamente a citam, como auto-crítica, em seu Prefácio à reedição de 1872 do Manifesto Comunista [28]. Este Prefácio endossa os “princípios gerais” do Manifesto, com a ressalva de que a sua aplicação dependerá das condições históricas. Segue-se então uma correção específica. “Nenhuma ênfase especial”, dizem Marx e Engels, deve ser dada às “medidas revolucionárias” propostas no texto original. Pois

...em vista da experiência prática adquirida, primeiro na Revolução de Fevereiro e, ainda mais em seguida, na Comuna de Paris, onde o proletariado, pela primeira vez, sustentou o poder político por dois meses, este programa tornou-se antiquado em alguns detalhes. Uma coisa em particular foi provada pela Comuna: que “a classe trabalhadora não pode simplesmente lançar mão da maquinaria de estado já pronta e manejá-la tendo em vista os seus propósitos”.

Os leitores são então remetidos ao texto de A Guerra Civil, “onde esse aspecto é mais extensamente desenvolvido. O tema dominante das “medidas revolucionárias” do Manifesto, às quais esta passagem se referem, é precisamente a “centralização...nas mãos do estado [29]”. Mais tarde, Engels emitiu o mesmo julgamento quanto a um texto contemporâneo do Manifesto. A conclamação em 1850, sua e de Marx, aos “partidos realmente revolucionários [na Alemanha] para empreender a mais estrita centralização” é, agora (1885), visto como “baseado em um engano” da história Francesa. Em certa época, eles consideraram “progressista” a máquina administrativa centralizada Francesa. Mas agora, Engels argumenta que “o auto-governo local e provincial” é “a mais poderosa alavanca da revolução”, ao passo que a centralização de Napoleão fora “um puro instrumento da reação, desde o começo [30]”.

Isto nos leva ao coração do argumento de Marx. Muito simplesmente, a Comuna foi uma forma de emancipação do trabalho precisamente na medida em que ela não foi um Estado, mas especificamente montada para esmagá-lo. Ele mostra esta oposição de modo inconfundivelmente claro:

A verdadeira antítese do próprio Império – isto é do poder estatal, do executivo centralizado, do qual o Segundo Império foi apenas a fórmula exaustiva – foi a Comuna...Tratou-se portanto, não de uma revolução contra esta ou aquela forma de Poder Estatal, legítima, constitucional, republicana ou Imperialista. Foi uma revolução contra o próprio Estado, este aborto sobrenaturalista da sociedade, uma retomada pelas pessoas, para as pessoas de sua própria vida. Não foi uma revolução para transferi-lo de uma fração das classes dominantes para outra, mas uma Revolução para romper essa própria maquinaria horrível de dominação de classe...O Segundo Império foi a forma final dessa usurpação Estatal. A Comuna foi a sua negação definida e, portanto, o início da Revolução social do século XIX (pp. 150-1).

Para entender a significação completa dessas passagens (que, argumentamos, não foi apreendida pelo marxismo em geral) [31] precisamos examinar, em detalhe, o que os esboços e o texto de A Guerra Civil têm a dizer sobre o Estado e sobre a sua antítese, a Comuna. Ao fazer isto, destacamos uma das piores lacunas deixadas pelos comentadores de Marx; esses textos contêm a mais completa discussão do Estado feita por Marx, desde meados dos anos 1840. Trata-se também daquela área em que O Capital mais necessitava, segundo o próprio Marx, de uma suplementação a ser feita por ele mesmo [32].

A Guerra Civil apresenta, além de um esboço histórico da evolução do Estado Francês, uma teoria implícita do Estado moderno. Na França, “as raízes da “maquinaria estatal centralizada que, com os seus ubíquos e complicados órgãos militares, burocráticos, clericais e judiciários, penetra (imiscui-se) pela sociedade civil viva, como uma Boa constrictor” remontam ao período do Absolutismo. Inicialmente, ele foi forjado como “arma da nascente sociedade moderna em sua luta de emancipação do feudalismo”: privilégios senhoriais foram “transformados em atributos de um poder estatal unitário”, séquitos feudais substituídos pelo exército permanente, dignitários feudais foram suplantados por funcionários estatais assalariados e a variegada anarquia dos poderes medievais foi sucedida pelo plano regulado do poder estatal, com uma divisão de trabalho sistemática e hierárquica (p. 148).

A revolução de 1789 expandiu “a organização e centralização do poder estatal”. “Dada a sua tarefa de fundar a unidade nacional (criar a nação)”, “ele tinha de romper qualquer independência local, territorial, citadina e provinciana”.

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Ao expandir “o alcance e os atributos do Estado, a revolução também aumentou a sua independência e o seu domínio sobrenaturalista da sociedade real.” (p.148). A unidade nacional que se sucedeu, observa Marx, “mesmo tendo surgido originariamente através da força política” tornou-se “um poderoso coeficiente de produção social” (p. 75). O Império Napoleônico aperfeiçoou esta “parasítica [excrescência sobre] a sociedade civil” (p. 148). Internamente, ele “serviu à subjugação da Revolução e para aniquilar todas as liberdades populares”, no exterior “foi um instrumento da Revolução Francesa...de criação para a França, no Continente, ao invés de monarquias feudais, um número maior ou menor de estados à imagem da França” (p.149).

Assim, “esse poder estatal garantiu a formação da classe média, primeiro como meio de romper o feudalismo, depois como meio de esmagar as aspirações emancipatórias dos produtores, a classe trabalhadora” (p. 150). Aqui, este segundo aspecto vem para o primeiro plano, na descrição de Marx:

...a moderna luta de classes, a luta entre o trabalho e o capital, assumiu figura e forma, a fisionomia do poder estatal sofreu uma notável mudança...Com a entrada da própria sociedade em uma nova fase, a fase da luta de classes, o caráter da sua força pública organizada, o poder estatal, não podia senão mudar também...e cada vez mais desenvolve o seu caráter de instrumento do despotismo de classe e motor político, forçosamente perpetuando a escravidão social dos produtores de riqueza pelos que desta se apropriam, do domínio econômico do capital sobre o trabalho. (p. 197)

Sucessivas revoluções populares (1830, 1848) serviram apenas para transferir o poder estatal de uma fração da classe dominante para outra, enquanto a cada revolução “o caráter repressivo do poder estatal mais completamente se desenvolvia e mais impiedosamente era usado” (p. 149). O mesmo se deu com a carga financeira do estado sobre as pessoas, constituindo uma “segunda exploração” (p. 149). Em suma, “todas as revoluções apenas aperfeiçoaram a máquina estatal, em vez de eliminar esse mortífero íncubo” (p. 149).

O Segundo Império de Napoleão III foi “o último triunfo de um Estado separado da sociedade e dela independente.” (p. 151). “À primeira vista, aparentemente [em outra passagem Marx escreve: para o olho do não iniciado...’- p.150] a ditadura usurpadora do corpo governamental sobre a sociedade ergue-se acima de todas as classes, humilhando-as, mas ele de fato se tornou, pelo menos no Continente, a única forma estatal possível pela qual a classe dos que se apropriam da riqueza pode prosseguir em seu domínio sobre a classe produtora (p. 196)”. Declarando basear-se na massa produtora da nação, o campesinato, e reivindicando estar acima do conflito trabalho/capital, o Império “despojou o poder estatal de sua forma direta de despotismo de classe” (p. 198). Chegamos agora a uma distinção delicada, mas crítica, na análise de Marx. Por um lado, o estado realmente tornara-se tão independente da própria sociedade que um aventureiro grotescamente medíocre, tendo atrás de si um bando esfaimado de bandidos, era suficiente para dominá-lo” (p. 149). Mas, por outro lado, ele não era menos por isso um estado burguês. “Aparentemente, a vitória final do poder governamental sobre a sociedade...mas de fato foi apenas a mais degradada e única forma possível daquele domínio de classe” (p. 150). Esta é uma crítica importante e implícita do modelo do “Bonapartismo” que os Marxistas seguidamente tiraram do Dezoito Brumário, um estado genuinamente independente, repousando sobre um empate de forças de classe. No passado, tal modelo foi utilizado para “explicar” tanto Hitler quanto Stalin!

Marx escreve aqui sobre a França e não vê as formas do Estado Francês como universais do capitalismo. Ele nota que “circunstâncias históricas peculiares” permitiram à Inglaterra “completar os grandes órgãos centrais do Estado através de conciliábulos corruptos, conselheiros por empreitada, ferozes guardiães da lei dos pobres, nas cidades e magistrados virtualmente hereditários nos condados” (p. 75). Apesar disso, Marx de fato vê a França como representando o “desenvolvimento clássico...da forma burguesa de governo” (p. 75). Aplicações mecânicas desta noção tiveram, algumas vezes, uma funesta influência sobre a historiografia Marxista Inglesa; o que nos faz lembrar que todas as histórias são “peculiares”, e não que as peculiaridades sejam desvios de um modelo de outro modo “normal” [33]. Mas essas qualificações não devem nos cegar quanto aos frutíferos elementos de uma teoria geral do estado burguês a ser encontrada nos textos acima citados.

Que o Estado é um instrumento – ou melhor, uma forma de organização – do poder de classe é lugar-comum das teorias Marxistas. Mas outros temas, análises passagens de Marx, em geral ganham muito menos proeminência nos comentários, especialmente onde elas tocam nas raízes da formação do Estado moderno como tal. A corrente principal do Marxismo, partindo do Anti-Duhring de Engels, identifica o Estado com governo das pessoas (em oposição a governo das coisas) em geral e o vê como co-extensivo com sociedade de classes [34]. Mas aqui o uso de Marx (embora nem sempre, em seus escritos) é notavelmente mais preciso historicamente. Estados, no sentido em que Marx usa o termo, são invenções modernas. O Estado moderno como tal é especificamente uma forma de organização do poder de classe da burguesia, forjada em lutas, primeiro contra o feudalismo e, em seguida, contra a classe trabalhadora. Isto não significa dizer que não houvesse governança coercitiva antes da burguesia, mas apenas que estas não tomaram a forma específica de um Estado no sentido presente de Marx.

A contrapartida disso é igualmente importante. Tudo o que Marx diz em A Guerra Civil torna evidente que, para ele, a formação do Estado era inseparável – e mesmo indispensável – da construção do modo capitalista de produção. O Estado é uma relação essencial da sociedade burguesa [35], não uma “superestrutura” em qualquer sentido normal deste termo infeliz. O Estado não é uma cobertura política, disposta sobre o bolo econômico, mas um dos seus ingredientes mais importantes. Com isto, recupera-se um dos temas fundamentais dos escritos dos anos 1840 de Marx: que a

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“sociedade civil” – aqui significando sociedade burguesa [burgerliche Gesellchaft] – “que a sociedade civil em suas relações externas como nacionalidade e, internamente, deve se organizar como Estado [36]”. Na França, isto ocorreu através do desenvolvimento de uma burocracia Estatal centralizada quase independente; na Inglaterra, através da transformação gradual, durante um período bem mais longo, de formas e recursos existentes, o que resultou em uma continuidade mais aparente (e deixando os historiadores Marxistas com o problema de descobrir o “equivalente” Inglês de 1789). Mas, em ambos os caso, a organização estatal nacional daqueles que Max Weber chamou classe dos cidadãos nacionais [37] foi essencial à formação do capitalismo moderno.

O que dá ao Estado esta especificidade histórica, e que de fato o constitui como Estado, é a sua própria separação da “sociedade civil”. A novidade da organização burguesa do seu poder coletivo de classe repousa no exercício desse poder em uma arena distinta de interesses gerais, cuja contrapartida é a sociedade civil despolitizada, o reino do individual, particular e privado. Marx chamou atenção para isto em 1843:

O estabelecimento do estado político e a dissolução da sociedade civil em indivíduos – cujas relações recíprocas dependem da lei, assim como as relações entre os homens nos sistemas de guildas dependiam do privilégio ... são realizados por apenas um e o mesmo ato [38].

Esta separação entre Estado e sociedade civil – e é instrutivo observar que Marx continuou a usar este último termo em seus escritos tardios – é de importância central, tanto para a análise do Estado em A Guerra Civil, quanto na insistência de Marx quanto à necessidade, para o socialismo, de esmagá-lo. A crescente separação do Estado, até o ponto em que ele se torna “elaborado até dar a impressão de independência em relação à sociedade” (p. 151), é um dos temas principais do esboço histórico acima resumido. Repetidas vezes, Marx associa esta separação às divisões sociais de trabalho mais abrangentes, características da sociedade burguesa.

É “o estado, na medida em que ele se forma através da divisão de trabalho, um organismo especial separado da sociedade” (só para citar um outro texto “tardio”) [39] que forma o alvo específico da sua crítica. O que há de novo nos escritos dos 1870, contra aqueles dos 1840, é o caráter mais intensamente materialista da apreensão por Marx dessa divisão de trabalho.

Está claro, a partir da análise de Marx sobre o Segundo Império, que esta independência do Estado em relação à sociedade civil é real, em um sentido bem material. A especialização da maquinaria do Estado de fato permitiu a sua captura por um “aventureiro”. Esta especialização dá a chave para a disjunção que Marx reconheceu existir entre o caráter geral do Estado como uma organização burguesa e particularidades como a de quem comanda os seus aparatos em qualquer momento determinado. Esta independência institucional do Estado permite a possibilidade de seu controle, em diferentes momentos, por frações burguesas concorrentes ou mesmo por forças não burguesas (como na análise – dúbia – de Marx da Constituição Britânica, em que a “aristocracia” manejou o poder do Estado) [140]. Este reconhecimento é fundamental para a riqueza empírica da sociologia política de Marx, na qual o Estado, claramente, não é uma ferramenta burguesa maleável. Ela também dá espaço para os interesses específicos dos servidores do Estado. Mas isto não deve ser confundido com independência do Estado ante as relações burguesas, em nenhum sentido mais amplo. Marx é igualmente inflexível ao sustentar que, independentemente de quem controla o estado momentaneamente, o Estado moderno, como tal, permanece burguês. Permanece burguês precisamente em virtude da sua forma, em virtude da sua relação com a sociedade civil.

A forma do Estado moderno, como tal, é intrinsecamente burguesa porque as fronteiras entre político e privado, entre o geral e o pessoal, coletivo e individual, por ele pressupostas e articuladas, são aquelas correspondentes à produção de mercadorias. A maioria das decisões referentes à alocação de recursos, por exemplo, são externas à esfera política (no máximo, o Estado “intervém” sobre “A Economia”). Estas fronteiras circunscrevem aquilo que pode ser considerado como política, e assim ser praticado, o que ocorre não apenas conceitualmente, mas materialmente, através dos meios de ação que elas ou tornam possíveis ou recusam. As divisões de trabalho, através das quais o estado é construído, constituem e limitam tanto a esfera permitida de debate e ação políticos quanto os modos de participação política disponíveis para grupos e indivíduos diferencialmente localizados. Falamos aqui, é claro, mais sobre o que é tentado do que sobre aquilo que é conseguido: esta geografia social é um campo de luta. Mas o aspecto que desejamos enfatizar é que, neste contexto mais amplo, qualquer “independência” do Estado é puramente ilusória. Longe de ser independente da sociedade, o Estado é uma forma essencial de organização da própria burgerliche Gessellschaft. É por isso que ele não pode ser usado pelo trabalho para a sua própria emancipação.

3. A construção do socialismo como luta contra o Estado.Tudo isto nos traz de volta à Comuna, que foi precisamente, para Marx, “a forma política da emancipação

social, da liberação do trabalho” (p. 154). O que é então esta esfinge, tão torturante para a mentalidade burguesa ?Um modo de leitura de A Guerra Civil é simplesmente o de um manifesto de democracia política extrema.

Nesse caso, o foco está no entusiasmo de Marx pelas realizações de representação real da Comuna: “Jamais foram as eleições tão seletivas, nem houve delegados representando de forma mais completa as massas de onde saíram” – p. 147); aqui se inclui também a genuína responsabilidade, assegurada pelo caráter aberto das sessões, a publicação de atas e a

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revogabilidade dos representantes. Cabe aqui observar que também o pessoal administrativo e judicial era de caráter eletivo e revogável (pp. 140, 153, 200). Aqueles com inclinações materialistas lembrarão que essa democratização da governança viria a ser protegida pela dissolução do exército, o armamento do povo e o pagamento dos funcionários Comunais com um salário de trabalhador. Se acrescentarmos a condição de que tudo depende da “expropriação dos expropriadores”, chegamos ao argumento de Lênin no livro O Estado e a Revolução – uma leitura que não se pode ignorar, dada a sua autoridade [41]. O comentário de Lênin ressalta os silêncios e distorções dos Marxistas da Segunda Internacional, lembra-nos da correção por Marx do Manifesto Comunista e, acima de tudo, insiste em que, para Marx, o Estado devia ser esmagado. Apesar disso, para Lênin (que, aliás, não conheceu os esboços), A Guerra Civil continuou sendo um texto sobre “a reorganização do estado, a reorganização puramente política da sociedade [42]”. A linguagem é reveladora.

Para Lênin – que escrevia, notemos, na Rússia Tzarista, autocrática – o Estado era simplesmente “corpos de homens armados, prisões, etc.”, “uma força especial para a supressão de uma classe particularizada” encarnada “na máquina burocrático-militar [43]”. Daí que “a democracia introduzida do modo mais completo que se possa conceber [44]” é equivalente ao esmagamento do Estado, na medida em que desfaz tal força especial. Lênin é explícito:

A Comuna ... parece ter substituído a máquina de estado esmagada ‘apenas’ pela mais completa democracia ... Mas ... este ‘apenas’ significa uma substituição gigantesca de certas instituições por outras instituições de tipo fundamentalmente diferente. Este é exatamente um caso de “transformação da quantidade em qualidade” ... [45]

“É nesse sentido”, continua Lênin, “que o estado começa a definhar” [46]. Marx não usou a formulação perigosamente branda do “definhar” (esta vem de Saint-Simon, através do Anti-Dühring) [47], ele falou da necessidade de, ativamente, esmagá-lo. E ele tinha em mente bem mais do que Lênin percebe.

Marx estabelecera o contraste entre emancipação humana e política, em seu ensaio de 1843 sobre a questão judaica, um texto que Lênin ignora em O Estado e a Revolução (se é que conhecia o seu conteúdo). Essa linha de argumentação é levada um pouco mais além em A Ideologia Alemã, somente publicada após a morte de Lênin. O conhecimento desses materiais e dos esboços de A Guerra Civil poderiam talvez ter levado Lênin a pensar de outra maneira. A experiência histórica, desde 1917, certamente deve nos levar a pensar de outra maneira.

A substância da argumentação de Marx é a seguinte: se a existência de uma esfera política separada atesta por si mesma a alienação dos poderes sociais humanos, então qualquer emancipação meramente política permanece parcial (ainda que desejável):

Somente quando o homem tiver reconhecido e organizado as suas “forces propres” como forças sociais e, consequentemente, não mais separar o poder social de si mesmo, sob a figura do poder político, é que a emancipação humana será realizada. [48]

Para Marx, o que se precisa não é obter emancipação política, mas emancipar-se da política, entendida como a especialização de interesses sociais gerais em conjuntos particularizados de atividades, ocasiões e instituições – não importando o quão democráticas sejam estas. Os Estados pressupõem e regulam as relações segundo as quais os indivíduos não podem controlar coletivamente as condições das suas vidas reais na “sociedade civil”. O Estado é uma “comunidade ilusória”, que existe ali onde a comunidade real não existe [49]. Sendo assim, esmagá-lo compreende mais que simplesmente romper com os óbvios aparatos do domínio de classe. A questão não é apenas aquela do conteúdo de classe do poder estatal, mas alienação inerente à forma do Estado, enquanto tal.

Isto leva Marx a uma série de ênfases diferentes daquelas de Lênin. O significado primordial da Comuna está em ser uma forma social pela qual essa alienação pode ser desafiada. Ela é – e aqui há um contraste revelador – “uma Revolução contra o próprio Estado ... uma retomada pelas pessoas, para as pessoas, de sua própria vida social” (p. 150). Ela foi:

A reabsorção do poder do Estado pela sociedade como sua própria força social, ao invés de forças que a controlam e subjugam, pela próprias massas populares, formando a sua própria força, ao invés da força organizada da sua própria supressão – a forma política da sua emancipação social, ao invés da força artificial (apropriada por seus opressores, que é a sua própria força a elas oposta e contra elas organizada) da sociedade manejada por seus inimigos para a sua opressão (p.152).

Talvez isto pareça um pouco abstrato, mas é importante apreender o sentido geral visado pela análise de Marx (e perceber a continuidade com 1843). Entretanto, o modo como ele desenvolve a sua argumentação é nitidamente materialista.

Contra o absurdo Anarquista de que o Estado pode ser eliminado por decreto, Marx argumentou com a necessidade de transformar aquelas condições materiais da sociedade civil que a sustentam. A Comuna “não tinha qualquer Utopia pré-fabricada para ser introduzida par décret du peuple” (p. 77). Muito tempo e uma longa luta de

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classes seriam precisos para o trabalho libertar-se do mofo das eras [50]. A Comuna foi nada mais que um “meio racional” para essas lutas:

Assim como a maquinaria do Estado e o parlamentarismo não são a vida real das classes dominantes, mas apenas os órgãos gerais organizados do seu domínio, as garantias políticas, formas e expressões da velha ordem de coisas, do mesmo modo a Comuna não é o movimento social da classe trabalhadora e de uma regeneração geral da humanidade, mas os meios organizados de ação. A Comuna não elimina as lutas de classes, através da qual a classe trabalhadora se esforça em abolir todas as classes ... (p. 154).

Marx vai adiante, estabelecendo um paralelo (que Mao Tse Tung teria aprovado [51]) entre as lutas de classes da construção do socialismo e as seculares lutas pelas quais a escravidão foi transformada em feudalismo e o feudalismo em capitalismo (pp. 154-155). Esta ênfase dada à complexidade e extensão da luta de classes após qualquer coisa que possa ser chamada de “a” revolução socialista é uma característica geral dos escritos tardios de Marx [52].

Mas isto não legitima o absurdo Bolchevique de que se poderá fazer uso de um “Estado proletário” que, em seguida, “definhará” ou “poderá ser descartado.” [53]. Passados já sessenta anos desde a Revolução de Outubro, já não era tempo de os socialistas abandonarem esta fantasia agradável, mas homicida ? Não há um traço sequer disso em A Guerra Civil na França. A Comuna pode ser uma forma apropriada da auto-emancipação do trabalho porque – e na medida em que – ela é um desafio material e presente às relações que perpetuam a subordinação do trabalho. De importância central para esta última é a separação entre um Estado especializado e uma sociedade civil sem controle social. Portanto, o rompimento dessa separação não é, para Marx, um dos objetivos remotos do comunismo, mas uma parte indispensável de qualquer meio concebível para a sua consecução. O que é preciso compreender é que Marx, neste ponto, é tão materialista quanto em sua crítica aos Anarquistas. Se o objetivo é a auto-emancipação do trabalho, os meios têm de ser “prefiguradores”, pois estes são os únicos que funcionarão.

A generalização dos princípios da eleição e da revogabilidade dos funcionários administrativos e jurídicos, por exemplo, é significativa nesse contexto como uma extensão da esfera do controle social para além do domínio da governança, como habitualmente entendida. O mesmo se dá no caso da violação, pela Comuna, da anterior “jurisdição privada” dos empregadores em “suas” fábricas e usinas, uma das poucas medidas que Marx saudou como sendo para a classe trabalhadora (p. 138). Em Crítica ao Programa de Gotha, ele também dá atenção a essa necessidade de incursões despóticas no direito burguês [54]. De modo mais geral, Marx celebrou o fato de que “a iniciativa em todos os assuntos da vida social [foi] reservado à Comuna” (p. 200). O que fez com que este não tenha sido um projeto do agigantamento totalitário de um Estado central fortalecido é que as formas pelas quais este “controle social” foi exercido não foram, nem um pouco, de tipo estatal, mas parte de uma revolução mais ampla, interior à sociedade civil e contra qualquer alienação dos poderes sociais. Marx não se refere ao controle da sociedade pelo Estado, mas a um controle consciente, coletivo e igualitário da sociedade pelos seus membros – uma situação que, ao seu ver, tornaria os Estados tanto impossíveis quanto desnecessários.

As medidas em que Lênin se concentra, no sentido de democracia política completa, são uma parte importante, é claro, mas não em (ou por) si mesmas – nem mesmo, poderíamos acrescentar, quando meramente suplementadas pela expropriação dos capitalistas, se o programa de construção do socialismo que a isto se seguir fizer uso de formas Estatistas de regulação econômica (ou outras), como no caso Bolchevique [56]. O que Lênin negligencia, e que Marx examina em detalhe – sobretudo nos esboços – é o contexto mais amplo do revolucionar as circunstâncias e os egos que, por si mesmo, torna essas medidas em elementos significativos de transformação socialista. Para Marx, estava claro que a Comuna simbolizava toda redução na escala, poder e custo de qualquer autoridade societária central. Aqui, a abolição do exército permanente se reveste de significados múltiplos. Quando menos, ela desarma a contra-revolução. Mas, igualmente importante para Marx, foi esta “a primeira conditio sine qua para todas as melhorias sociais, eliminando de uma só vez esta fonte de impostos e débitos estatais” (p. 152). Marx via a Comuna como um augúrio de “toda a França organizada em comunas de auto-trabalho e auto-governo ... com a remoção de parasitas estatais ... [e] as funções de estado reduzidas a umas poucas funções de propósitos nacionais gerais” (p. 154). O que se buscava era “a unidade política da sociedade Francesa através da organização Comunal” em vez “daquela centralização que prestou serviços contra a feudalidade, mas que se tornou a mera unidade de um corpo artificial, apoiada em gendarmes, exércitos negros e vermelhos, reprimindo a vida real da sociedade” (p. 167-168). Aqui, estamos distantes do modelo de “centralismo democrático” que Lênin extrai, algo casuisticamente, do texto final de A Guerra Civil [57]. Fica assim abundantemente demonstrado, a partir dos esboços, que Marx aprovava uma forma de sociedade altamente descentralizada, sendo as comunas locais soberanas em tudo, exceto umas poucas funções genuinamente “exigidas pelas necessidades gerais e comuns do país” (p. 100).

Deixamos para o final o traço mais importante da descrição de Marx. O meio para tudo isso foi um ataque permanente às divisões de trabalho que constituem a administração e o governo como “mistérios, funções transcendentes a serem confiadas às mãos de uma casta treinada” (p. 153). É da máxima importância, primeiro, que Marx considera isto, inequivocamente, como “um engodo” (p. 153) e, em segundo lugar, que é um engodo que pode e deve ser materialmente desafiado imediatamente, e não no além do comunismo. O rompimento desta faceta do central e constitutiva da divisão mais ampla da divisão de trabalho no capitalismo não era algo que devesse esperar o “desenvolvimento das forças

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produtivas”, nem exigir, por um lado, níveis de educação popular e, por outro lado, a sofisticação técnica da maquinaria de governo central, como O Estado e a Revolução mais que sugere [58]. A Comuna foi este desafio e, por isso, Marx a saudou como um descobrimento social com significado monumental para a emancipação do trabalho. Quanto a isto, ele é claro:

O engodo de tratar a administração e o governo político como se fossem mistérios, funções transcendentes, a serem confiadas apenas às mãos de uma casta treinada – parasitas estatais, sicofantas e sinecuristas ricamente pagos, nos mais altos postos, absorvendo a inteligência das massas e fazendo com que estas, nas posições mais baixas da hierarquia, voltem-se contra si mesmas. Trata-se de desfazer de uma vez a hierarquia estatal e da substituição dos arrogantes senhores do povo por servidores removíveis a qualquer momento, uma responsabilidade simulada por uma responsabilidade real, na medida em que aqueles atuam continuamente sob supervisão do público. Pagos como trabalhadores habilidosos ... Toda a simulação dos mistérios e pretensões estatais foi desfeita [com] pela Comuna, que consistia em sua maioria de simples trabalhadores ... fazendo o seu trabalho publicamente, simplesmente, sob as mais difíceis e complicadas circunstâncias, e fazendo-o ... por umas poucas libras, atuando em plena luz do dia, sem pretensões de infalibilidade, sem se esconder em escritórios, sem envergonharem-se de confessar enganos, corrigindo-os. Tornando as funções públicas – militares, administrativas, políticas – funções de trabalhadores reais, ao invés dos atributos de uma casta treinada ... Quaisquer que tenham sido os méritos da Comuna, a sua maior medida foi a sua própria organização ... provendo a sua vida a partir da sua vitalidade, confirmando as suas teses com a sua ação ... dando corpo às aspirações da classe trabalhadora de todos os países (p. 153).

4. O materialismo de Marx – continuidades e contradiçõesO significado pleno dos escritos mais tardios de Marx sobre a Rússia somente emerge quando estes são vistos

no contexto adequado – o contexto imediato dos outros escritos dos anos 1870 e 1880) e das experiências políticas que os originaram) e o contexto mais amplo do desenvolvimento total do seu pensamento. Wada efetivamente ignora o primeiro, enquanto Shanin, de acordo com a nossa visão, faz uma ultra-simplificação do segundo. Os artigos de Wada e Shanin são, em muitos sentidos, pioneiros. Eles documentam desenvolvimentos reais e importantes no pensamento de Marx a respeito de camponeses, obshchina e do capitalismo periférico, derivando em boa hora implicações relevantes para quanto às leituras evolucionistas, progressistas de Marx. Mas as suas negligências e simplificações quanto ao contexto também levam Wada e Shanin, paradoxalmente, a subestimarem a importância do “Marx tardio”.

Quando lida contra o pano de fundo dos escritos de Marx sobre a Comuna de Paris, por exemplo, o que há de mais notável na carta de Marx a Vera Zasulich (o que é virtualmente ignorado por Wada e Shanin) é um interesse exatamente paralelo na importância central do Estado para o desenvolvimento do capitalismo, por um lado, e a adequação da obshchina como forma através da qual o trabalho pode se emancipar, por outro lado. Novamente, o cenário de Marx é o de uma revolução comunal contra o Estado. Marx detecta um “profundo dualismo” [59] na comunidade aldeã Russa, de tendências privadas e comunitárias. Isto permite “um desenvolvimento alternativo” [60] quer em direção à desintegração da comunidade, quer em direção ao socialismo, dependendo inteiramente do ambiente histórico. Há uma alternativa promissora:

A posse comunal do solo provê [à comunidade aldeã] uma base natural para a apropriação coletiva; o seu ambiente histórico, a existência contemporânea da produção capitalista, lhe dá todas as condições materiais para o trabalho coletivo, organizado em escala ampla. A comunidade pode assim adotar as realizações positivas elaboradas pelo sistema capitalista, sem ter de passar por seus infortúnios ... ela pode se tornar o ponto direto de origem do sistema econômico, em cujo sentido se desenvolve a sociedade econômica e pode deixar a sua velha pele sem antes cometer suicídio [61].

“Isto se daria apenas, é claro, como mudança gradual, a começar pelo estabelecimento do estado normal da comunidade em sua forma presente [62]”. Existe de antemão uma base para a transformação socialista no “modo coletivo de produção” em pastagens de posse conjunta, ao mesmo tempo que a familiaridade do camponês com o artel “facilitaria muito a transição da agricultura em parcela individual de terreno para a agricultura coletiva [63]”.

Mas esta possibilidade, de fato a própria existência da obschina, é ameaçada por uma conspiração de poderosos interesses:

O que ameaça a vida da comunidade Russa não é nem a necessidade histórica, nem uma teoria social: é a opressão pelo Estado e a exploração por intrusos capitalistas, que se tornaram poderosos às expensas e custo dos camponeses, graças a esse mesmo Estado [64].

O Estado atuou como “estufa” [65] do desenvolvimento capitalista. Desde a emancipação de 1861, “a comunidade Russa foi posta pelo Estado em uma situação econômica anormal” e esta “opressão a partir de fora” deslanchou conflitos internos à própria comunidade [66]. Aqui não há “necessidade histórica”, mas luta de classes. Do

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mesmo modo, Marx sustenta que são antes os “grilhões estatais”, e não qualquer primitivismo a elas inerente, o que perpetua o isolamento das comunidades [67]. O que é preciso então, em primeiro lugar e acima de tudo, é uma revolução contra esta “coincidência de influências destruidoras”:

Se esta revolução ocorrer em tempo, se concentrar todas as suas forças para assegurar o livre desenvolvimento da comunidade rural, esta última logo se tornará o elemento regenerador da Sociedade Russa e o fator capaz de torná-la superior aos outros países escravizados pelo sistema capitalista [68].

Os escritos tardios de Marx podem ser vistos como uma permanente reflexão – ou melhor, um momento altamente focalizado e produtivo em uma vida de reflexão, informado pelo profundo envolvimento de Marx nas lutas políticas da sua época – sobre as formas apropriadas da transformação socialista. Uma pesquisa, por um lado, de formas sociais interiores aos atuais modos de vida e luta capazes de fazer avançar a emancipação do trabalho, uma pesquisa daquilo que, hoje em dia, chamaríamos de formas prefiguradoras, não com qualquer sentido utópico, mas como meios materiais e efetivos de fazer avançar a transformação socialista. Por outro lado, trata-se de uma sóbria identificação da miríade de formas e relações sociais – que vão além das manifestas relações de propriedade [69], como o Estado, a divisão de trabalho e as formas de classificação e identidade social – que barram a emancipação e agrilhoam a transformação.

Esta preocupação não é exclusiva dos escritos posteriores a O Capital, embora esteja aqui mais desenvolvida. Seu elogio do potencial emancipador da Comuna de Paris (apesar daqueles numerosos erros, por ele identificados [70] ) ou da obshchina (não obstante o seu “lado privado”) tem antecedentes em seus elogios ao sucesso do Projeto das Dez Horas e ao movimento cooperativo, no Discurso Inaugural à primeira Internacional [71] – embora ele bem soubesse das limitações das cooperativas em um mundo capitalista e não fosse nenhum amante do direito. Fazendo um breve recuo, encontramos este relevante comentário quanto às atividades das trade unions:

Para apreciarmos corretamente o valor das greves e associações, não podemos nos deixar cegar pela aparente insignificância dos seus resultados econômicos, mas nos atermos acima de tudo às suas consequências morais e políticas [72].

A estes, Marx chama de “grandes fatos” pró socialismo, vitórias prefiguradoras – conquanto contraditórias e comprometidas – da economia política do trabalho (“a produção social controlada pela previsão social”) sobre a economia política do capital [73]. Tais formas igualitárias e coletivas de vida social, formas que permitem o seu controle democrático e consciente por todos, no interesse de todos, são o ponto de partida do socialismo no aqui e agora.

O outro lado disso, igualmente importante nos seus textos mais tardios, é a crítica de Marx às formas da civilização burguesa que não apoiam a auto-emancipação do trabalho e que, portanto, não podem ser tratadas instrumentalmente. Dentre estas, o Estado é preeminente, assim como as divisões de trabalho mais amplas na sociedade burguesa, das quais o caráter separado do Estado é apenas uma expressão. Mas este argumento é de aplicação mais ampla, como bem posto por Raymond Williams:

Há um nível em que podemos dizer que uma forma específica foi historicamente produtiva e, portanto, historicamente valiosa – neste sentido, ela foi uma grande contribuição à cultura humana. Mas também temos de ser capazes de dizer, de um modo distinto embora ligado ao primeiro, que foi uma contribuição desastrosamente poderosa. Do mesmo modo, é possível reconhecer-se a capacidade produtiva da sociedade burguesa, ou as suas instituições políticas, ainda que se afastando delas, como criações que, não apenas mais tarde vieram a se tornar, mas sempre foram, em seu próprio modo de constituição, barreiras à liberdade humana ou mesmo ao progresso humano. Quem não puder fazer o primeiro tipo de juízo, faz toda a história se transformas em moralidade corrente*, cessando de existir qualquer história. Mas se o segundo tipo não for feito, então não sei dizer o que significa para mim a afiliação à classe trabalhadora [74].

Aqui, seria pertinente voltarmos à demonstração de Wada e Shanin das crescentes (embora já antes perceptíveis, conforme demonstramos) reservas de Marx, em seus últimos textos, quanto às formas efetivas tomadas pelo desenvolvimento capitalista. Ela nos obriga a questionar a nossa leitura de O Capital, por demais progressista, economicista; do mesmo modo, as considerações de Marx sobre o Estado e a divisão do trabalho em seus textos tardios deveriam nos levar a reler os seus textos marginalizados dos anos 1840.

Seria uma pena se as vindicações de Shanin quanto ao “Marx tardio” (acopladas, talvez, à classificação de Grundrisse e O Capital como ‘anti-Economia Política” por Thompson) tivessem o mesmo tipo de efeito sobre as percepções de O capital que a periodização de Marx por Althusser tiveram sobre as avaliações dos “escritos iniciais”. Não defendemos que exista uma continuidade na obra de Marx, no sentido de negar que houve genuínas descobertas, nos escritos dos anos 1870 e 1880. Houve muita novidade, levando mesmo, em certos momentos, a auto-críticas implícitas ou explícitas. Mas há uma continuidade de interesses, sendo que a importância real dos textos tardios para o seu legado é a

* current

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de nos ajudar a compreender melhor onde está essa continuidade. Para nós, os escritos tardios não deixam dúvida quanto à centralidade daquilo que foi, cedo demais, rejeitado como elementos utópicos presentes no pensamento de Marx até o fim dos seus dias. Marx nunca foi um socialista utópico, menos ainda um Anarquista. Ele travou amargas lutas contra os Anarquistas, nos anos 1870, no curso das quais ele destacou o “indiferentismo político” com ironia Swiftiana [76]. Mas ele também não foi um instrumentalista, um desprezível “Realpolitiker”. Ele foi um crítico tão apaixonado do “socialismo de estado” de Lassalle, quanto de Bakunin ou de Proudhon. O indiferentismo político não consegue lidar com os fatos do poder burguês. Mas a Realpolitik apenas aparenta faze-lo, porque os meios por ela empregados são, por eles mesmos, formas de dominação burguesa. Este último caso, em nossos tempos, parece ser a lição mais pertinente. Podemos aprender muito a partir da concentrada atenção dada por Marx às formas.

Notas1. T. Shanin, “Marx and the Peasant Commune”, e H. Wada “Marx and Revolutionary Russia”, History Workshop (12) 1981.

Reimpresso em T. Shanin (ed.), Late Marx and the Russian Road (London: Routledge, 1983). Uma versão muito reduzida do presente artigo poderá ser encontrada nessa última fonte, junto com a nota biográfica “Marx tardio”, por Derek Sayer.

2. K. Marx, “The British Rule in India” e “Future Results of the British Rule in India”, em Marx/Engels Collected Works (daqui por diante citado como MECW) vol. 12; MECW 11, pp. 187-8.

3. Representado em diferentes áreas, por exemplo, por G. Cohen, Marx’s Theory of History: a Defense (Oxford: Oxford University Press, 1978); B. Warren, Imperialism: Pioneer of Capitalism (London, Macmillan, 1980).

4. Sobre Engels e o Darwinismo, ver Benton, “Natural Science and Cultural Struggle”, J. Mepham e D. Ruben (eds.), Issues in Marxist Philosophy (Brighton, 1979) vol. 2.

5. Marx a Engels, 16 de janeiro de 1861. Em Marx/Engels, Selected Correspondence (Moscow, 1975; daqui por diante citado como SC). Edward Thompson apresenta o mesmo argumento em seu The Poverty of Theory and Other Essays (London: Merlin, 1978) pp. 255-6)

6. Margaret Fay, “Did Marx Offer to Dedicate Capital to Darwin ? A Reassessment of the Evidence”, Journal of the History of Ideas, vol XXXIX, no. 1 (1978).

7. The German Ideology, MECW 5, p. 50. Compare com Grundrisse (Harmondsworth: Penguin, 1973) p. 106.8. The Poverty of Philosophy, MECW 6, pp.173-4.9. Quanto a injunções tipicamente “empiristas”, ver, Interalia, MECW 5, pp. 31,35,43; MECW 6, p. 170; O Capital, vol. 3

(harmondsworth: Penguin, 1981) pp. 927-8; Pós-escrito a O Capital, vol. 1 (London: Lawrence and Wishart, 1970), p. 19; notas marginais a Textbook... de A. Wagner, em Value: Studies by Marx (London: New Park, 1976) p. 214 e passim. Althusser estáentre aqueles que consideraram esse “empirismo” como perturbador; ver os seus apontamentos a “Works of the Break”, de Marx, em seu For Marx (Harmondsworth: Penguin, 1969) pp. 31-8.

10. MECW 5, p. 37.11. Em The First International and After (ed. Fernbach, Harmondsworth, Penguin, 1974; daqui por diante citado como FI); primeira

publicação Inglesa em Cahiers de l’ISEA, 91, serie S, no. 2, Paris (1959).12. Ver D. Sayer. “Karl Marx 1867-1883: A Biographical Note”. Em T. Shanin (ed.) Late Marx, op. Cit.13. Grundrisse, p. 102.14. Capital I, pp. 8, 10.15. Carta a Otechestvenniye Zapiski, (?) Novembro 1877 (ver Wada). SC, pp. 291-4).16. MECW, 6, p. 167.17. K. Marx and F. Engels, The Civil War in the United States (New York: International Publishers, 1974) p. 84.18. Ibid., p. 19. O texto repete a análise de Poverty of Philosophy sobre o caráter indispensável da escravidão negra para a indústria

algodoeira Inglesa.19. “Outline of a Report on the Irish Question”, em K. Marx and F. Engels Ireland and the Irish Question (Moscow, 1978) pp. 139,

142, 143.20. Ver, por exemplo, “Notes for An Undelivered Speech on Ireland” (Ireland and the Irish Question pp. 130-5) e as cartas sobre a

Irlanda reunidas em FI, pp. 158-171.21. Capital I, p. 236.22. Ibid., p. 451. Veja também K. Mohri, “Marx and Underdevelopment”, Monthly Review, vol. 31, no. 11, 1979. Devemos lembrar

aqui da formulação de Marx sobre aquilo que ele (atipicamente) se referia como “A lei geral absoluta da acumulação capitalista”, Capital I, pp. 643-4.

23. Sobre a segunda Internacional, ver o brilhante ensaio de Lucio Colletti “bernstein and the Marxism of the 2nd International”, no seu From Rousseau to Lenin (London: New Left Books, 1972); sobre o bolchevismo, ver Philip Corrigan, Harvie Ramsay, Derek Sayer, Socialist Construction and Marxist Theory (London: Macmillan; new York, Monthly Review Press, 1978) e “Bolshevism and the USSR”, New Left Review No. 125 (1981).

24. É o que Thompson sugere em Poverty of Theory, pp. 247 f. Mesmo em Grundrisse há extensas passagens sobre assuntos como legalidade, individualidade e subjetividade na civilização burguesa que vão bem além dessa “anti-Economia Política”, não obstante a forma Hegeliana da obra. Mas ocorreram algumas mudanças importantes entre Grundrisse e O Capital, por nós comentadas em outros textos. Ver Derek Sayer, Marx’s Method (Harvester, 2nd ed. 1983), ch. 4.

25. Op. Cit., nota 3, acima.26. H. Draper (ed.) Writings on the Paris Commune (New York: Monthly Review Press, 1971).27. Prefácio de 1859 a A Contribution to the Critique of Political Economy (London: Lawrence and Wishart, 1971) p. 20.28. The Manifesto of the Communist Party (Moscow, 1973) pp. 7-9.29. Ibid., pp. 74-5.

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30. MECW 10, pp. 285-6n.31. Veja a nota 23, acima. Uma grande exceção é Mao Tse Tung. Ver Philip Corrigan, Harvie Ramsay, Derek Sayer, For Mao

(London: Macmillan, 1980).32. Escrevendo quanto aos seus planos para O Capital a Kugelmann, em 28 de Dezembro de 1862, Marx disse que o volume sobre

“o capital em geral” era “a quintessência” e que “o desenvolvimento do restante (com exceção talvez das relações entre diferentes formas de estado com as diferentes estruturas econômicas da sociedade) poderiam ser facilmente concluídas por outros, dada a base já apresentada” (Letters to Dr. Kugelmann, London: Martin Lawrence, n.d.). marx sempre pretendera que sua obra discutisse o Estado: os esboços de A Guerra Civil são o que há de mais próximo disso, após 1867, a que ele conseguiu chegar; estes provêem o meio de avaliar a continuidade, ou não, em seu pensamento sobre os principais temas da análise do Estado que ele desenvolvera nos anos 1840.

33. Ver o brilhante “Peculiarities of the English”, de E.P. Thompson, reimpresso em The Poverty of Theory.34. F. Engels, Herr Eugen Dühring’s Revolution in Science (Anti-Dühring) (New York: International Publishers, 1972). Pp. 306-8.35. Ver MECW 5, p. 52; Corrigan, Ramsay, Sayer, “The State as a relation of Production”, em Philip Corrigan (ed.), capitalism, State

Formation and Marxist Theory (London: Quartet, 1980).36. MECW 5, p. 89.37. Veja-se a sua General Economic History (New York: Collier, 1966) p. 249 e Parte 4, passim.38. On the Jewish Question, MECW 3, p. 167. Cf. pp. 32, 197-9. Discutimos a obra de Marx referente ao direito -–assunto

intimamente relacionado – em detalhe, em Corrigan and Sayer, “How the Law Rules”, em B. Fryer, et al. (eds.) Law, State and Society (London: Croom Helm, 1981).

39. Critique of the Gotha Program, in FI, p. 356.40. “The British Constitution”, in MECW 14, p. 53-6.41. Selected Works in 3 volumes (Moscow, 1970) vol. 2, pp. 312-27.42. Ibid., p. 318.43. Ibid., pp. 292, 317, 313.44. Ibid., p. 317.45. Ibid., p.pp. 316-17.46. Ibid., p. 31747. Anti-Dühring, p. 307. A antítese “governo das pessoas/administração das coisas” vem de Saint-Simon. O perigo que há nisso

sobrevem quando as pessoas passam a ser administradas como coisas, em nome dos Estados que deverão definhar.48. MECW 3, p. 168.49. MECW 5, p. 83.50. Esta imagem vem de A Ideologia Alemã: MECW 5, p. 53.51. Ver, antes de tudo, as suas “15 Theses”, em On Kruschev’s Phoney Communism ... (Peking, FLP, 1964).52. Compar-se com Critique of the Gotha Program, FI, pp. 346-7, and passim.53. Ver por exemplo a conferência de Lênin sobre o Estado, de 1919, em seus Collected Works vol. 19, p. 488.54. FI, pp. 346-7. Ver Corrigan and Sayer, “How the Law Rules”, op. cit.55. Veja, por exemplo, o seu uso em O Capital I (Hamondsworth: Penguin, 1976, translated) p. 412. A expressão encontrada na

edição Moore e Aveling, usada no presente artigo é “Controle pela Sociedade” [Control on the Part of Society].56. Ver Corrigan et al., Socialist Construction and Marxist Theory, chs. 2, 3 and passim, e a notável coletânea Lenin on the Soviet

Apparatus (Moscow, 1969).57. The State and the Revolution, pp. 323-5.58. Ibid., pp. 322-3. Leitura a ser feita em conjunto com a passagem da conferência sobre o Estado, citada na referência 53.59. Carta a Zasulich, 2nd draft, in P. Blackstock and B. Hoselitz (eds.), The Russian Menace to Europe (London: Alen & Unwin,

1953) p. 223. Cf. 3rd draft pp. 220, 221.60. Ibid., 3rd draft, p. 221.61. Ibid., pp. 221-2.62. Ibid., 2nd draft, p. 224.63. Ibid.,64. Ibid.,65. Ibid., 1st draft, p. 225. Marx também usou a imagem da estufa em uma famosa passagem, em O Capital I (tradução de Moore e

Aveling), p. 751., concluindo que a força (do Estado) “é por si só um poder econômico”. 66. Carta a Zasulich, 1st draft, p. 225.67. Ibid., 2nd draft, p. 225.68. Ibid., 1st draft, p. 226. Aqui é pertinente lembrar que, na URSS, os camponeses finalmente foram coletivizados à força, a partir de

cima, com consequências políticas e produtivas previsivelmente desastrosas.A coletivização só foi bem sucedida quando procedeu de elementos cooperativos previamente existentes na comunidade camponesa, como Marx sugere aqui, e este foi o caso , na China. Ver Jack Gray, “The Two Roads”, em S. R. Schram (ed), Authority, Participation and Cultural Change in China (Cambridge, 1973), ou então For Mao, Part 2, Essay 2.

69. Sobre as relações de propriedade, conforme a visão de Marx, ver Poverty of Philosophy, MECW 6, p. 197; “Moralising criticism, idem, p. 336; German Ideology, MECW 5, p. 46, que vê a propriedade como “o poder de dispor do trabalho dos outros” e afirma “a divisão do trabalho e a propriedade privada são, afinal, expressões idênticas”.

70. Ver as cartas de Marx a Liebknecht, de 6 de Abril de 1871; a Frankel e Varlin, de 13 de Maio de 1871; a Beesly, de 12 de Junho de 1871 e a Domela-Nieuwenhuis, de 22 de Fevereiro de 1881, todas em Draper (ed.), Writings on the Paris Commune.

71. Em FI, pp. 73-81.72. “Russian policy agains Turkey – Chartism”. MECW 12, p. 169.

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73. Discurso inaugural à Primeira Internacional, FI, pp. 78-9. Marx usa por duas vezes a mesma formulação, nos esboços de The Civil War. Writings on the Paris Commune, pp. 138, 155.

74. Raymond Williams, Politics and Letters (London: New Left Books, 1979) p. 307.75. O artigo relevante pode ser encontrado em FI, pp. 327-332.76. Ver a carta de Marx a Kugelmann, de 23 de Fevereiro de 1865 (em FI, pp. 148-153): “Lassalle apenas imitou os cavalheiros da

Associação Nacional. Mas, enquanto estes invocaram a ‘reação’ prussiana, no interesse da classe média, ele apertou a mão de Bismarck no interesse do proletariado. Aqueles cavalheiros são mais justificáveis do que Lassalle, na medida em que a burguesia está acostumada a considerar os interesses que aparecem imediatamente, diante do seu nariz, como a ‘realidade’... enquanto a classe trabalhadora, pela própria natureza das coisas, deve ser honestamente ‘revolucionária’ (p. 150).

Referência completa:Sayer, D. & Corrigan, P. (1987) Revolution against the state: the context and significance of Marx’s later writings. Dialectical Anthropology 12: 65 – 82.

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