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    In terveno do estad o sobre a pr opri edade privada

    Revista de Filosofia, Curitiba, v. 15 n.17, p. 55-61, jul./dez. 2003.

    INTERVENO DO ESTADO SOBRE APROPRIEDADE PRIVADA

    State In terven tion in Pr ivate Property

    Luiz Bernar do Dias Costa1

    ResumoO trabalho ora apresentado visa a estabelecer a influncia do pensam ento de Im m anuel K ant nos dias atuais,acerca da possibilidade do Estado intervir na propriedade privada sem ferir os direitos e garantias doscidados, considerando-se que o ordenam ento jurdico de um pas deve conform ar-se com os princpios dodireito e da m oral. Buscou-se apresentar, inicialm ente, um a evoluo histrica dos princpios fundam entaisdo direito, aplicados A dm inistrao Pblica, iniciando-se pelos ensinam entos de Kant at alcanarm os osdoutrinadores da atualidade brasileira que dissertam sobre o tem a. Pretendeu-se, ainda, a apresentao deum conceito de direito propriedade luz das lies de K ant em paralelo ao ordenam ento constitucionalvigente no Brasil. Por fim , buscou-se definir o conceito de interveno na propriedade, suas m odalidades,estabelecendo-se um liam e dentro da histria entre os ensinam entos de K ant e seus reflexos nos dias de hoje,apresentando-se algum as concluses para reflexo.PALAVRAS-CHAVE:Propriedade; Interveno; D ireito.

    AbstractThis paper has the goal to establish the influence of Im m anuel Kants thinkings now adays about the possibilityof State to intervene in private property w ithout interferring in the rights and guarantees of hum ans consideringthat the judicial system of a country m ust m atch w ith the principles of the right and m oral. At first, it w as show edan historic evollution of the right fundam ental principles used in public adm inistration, since Kant lessons untilthe Brazilian actual specialists that w rite about this subject. And also w as treated of the concept of the right toa property follow ed Kant thinkings and com paring w ith the actual constitutional system of Brazil. Finally, thedefinition of property intervention concept and its w ays w as presented in order to establish a link betw een Kantthinkinks and its reflects now adays, including som e conclusions to be thought.Keywords: Property; Intervention; Right.

    1 Professor de D ireito A dm inistrativo da Faculdade de Cincias Jurdicas da U TP-PR, m estrando do C urso de D ireito Econm icoe Social da PU CPR. luizbernardo@ terra.com .br

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    Luiz Bern ardo Di as Costa

    O presente estudo visa a estabelecer ainfluncia do pensam ento de Im m anuel Kant nosdias atuais, acerca da possibilidade do Estado in-tervir na propriedade privada sem ferir direitos e afelicidade dos cidados, esta aqui entendida nocom o a produo de aes estatais concretas paraauxiliar qualquer das classes de particulares, m as

    com o objetivo de produzir um todo harm onioso,com o tam bm o interesse do Estado, levando-seem considerao que o ordenam ento jurdico deum pas deve conform ar-se aos princpios do di-reito e da m oral.

    Apresentar-se- um a evoluo histricados princpios nodais do direito, voltados Adm i-nistrao Pblica, iniciando-se pelas lies de K ante focando o m oderno pensam ento dos doutrina-dores adm inistrativistas ptrios.

    Buscar-se-, ainda, fixar um conceito dedireito propriedade luz dos ensinam entos de

    Kant em paralelo ao ordenam ento constitucionalvigente no Brasil, dando-se seqncia a funosocial da propriedade em bases constitucionais.

    D efinir-se- o conceito de interveno napropriedade, suas m odalidades e buscar-se- esta-belecer um paralelo dentro da histria, apresen-tando-se ao final algum as concluses para refle-xo.

    Evoluo dos princpios fundamenta i s

    Para Kant (2003, p.153) o direito pblico um sistem a de leis criados para um povo ouconjunto de povos que se com unicam entre si,necessitando de um a condio jurdica sob um avontade que os una, portanto, de um a constitui-o que garanta seus direitos.

    N esta linha de raciocnio, im portante con-siderar que todo Estado para ter um perfeito equi-lbrio e bem atender os desgnios de um povoencerra trs poderes, dentro de si: o poder sobera-no que tem a responsabilidade de fazer as leis,

    representado na pessoa do legislador; o poderexecutivo que deve atuar de acordo com a lei,representado na pessoa do governante e o poderjudicirio, representado na pessoa do juiz, tendopor finalidade outorgar a cada um o que seu deacordo com a lei.

    D essum em -se dos ensinam entos de K ant(2003, p.156) alguns princpios que m ereceramdestaque em suas reflexes e com entrios que

    devero ser observados pelo Estado, com o v.g.oda legalidade, da igualdade, da m oralidade, da efi-cincia e da interveno na propriedade.

    A legalidade se fazia presente com a obri-gao das pessoas se subordinarem lei. N os diasde hoje, o princpio da legalidade encontra-se plas-m ado na Constituio Federal do Brasil no art. 37,

    caput, onde podem os traduzi-lo com o um a dasprincipais garantias de respeito aos direitos indivi-duais, um a vez que a lei ao m esm o tem po em queos conceitua, estabelece tam bm os lim ites da atu-ao do Estado que tenha por escopo a restrioao exerccio de tais direitos em benefcio da soci-edade. Portanto, o Estado s poder fazer o que alei perm ite.

    O princpio da igualdade era o atributoque o cidado se utilizava para no reconhecerentre os integrantes da sociedade ningum quelhe fosse superior dotado da faculdade m oral de

    obrig-lo juridicam ente de um m odo que o im -possibilitasse de obrigar outro. Atualm ente, a igual-dade se encontra contem plada no prem bulo daCarta Constitucional brasileira, sendo consideradacom o valor suprem o de um a sociedade fraterna,pluralista e sem preconceitos, fundada na harm o-nia social e com prom etida, na ordem interna einternacional, com a soluo pacfica das contro-vrsias.

    A igualdade ou isonom ia possibilita queo Estado nas suas aes volte-se sem pre para otodo e no to-som ente para um grupo de pesso-as, fazendo com que os integrantes da sociedadesejam tratados de m aneira uniform e, sendo conce-didas as m esm as oportunidades, respeitadas asdiferenas porventura existentes, entretanto, sem -pre preocupados em no excluir os seus integran-tes, que necessitam do Estado para sua m antenae desenvolvim ento sustentado.

    O princpio da m oralidade ou do senti-m ento m oral a possibilidade do ser hum ano sentirprazer ou desprazer a partir de estar ciente de quesuas aes so com patveis ou contrrias lei do

    dever. O s rom anos j afirm avam que nem tudoque era legal era honesto ou justo. Sendo assim ,nos dias atuais a m oralidade nas aes adm inistra-tivas deve guardar estreita relao com a obser-vncia da norm a legal, sob pena de no encon-trando consonncia, o agente pblico, o autor daao, portanto, venha a ser responsabilizado porato de im probidade adm inistrativa, ou seja, que o

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    dever m oral para com a sociedade deve estar pre-sente em todas as aes estatais. D eve o Estadorespeitar os bens de sua propriedade, com o tam -bm os direitos e bens dos m em bros da com uni-dade que se encontram atrelados a sua influncia,buscando-se com firm eza e dedicao o bem -es-tar social. Em sntese, com o bem afirm ou H eck

    (2000, p.25) a possibilidade de haver obrigaesjurdicas se deve, em Kant, ao fato de haver um aefetiva obrigatoriedade m oral.

    Agora, no que diz respeito ao princpioda eficincia K ant (2003, p.171) afirm ara que asociedade deseja que o funcionrio tenha com pe-tncia para a posio para a qual foi designado; eisto ele s alcanar aps ter passado um lapsotem poral de preparo e treinam ento. Portanto, osoberano, ou seja, a autoridade com petente nodeve ter poderes para nom ear e exonerar livre-m ente seus auxiliares, a qualquer m om ento, sob

    pena do tem po de treinam ento e qualificao serperdido em total prejuzo para o errio, um a vezque se requer que todos sejam capazes de ascen-der de cargos inferiores para superiores dem ons-trando plena com petncia.

    A Constituio Federal brasileira, apresen-tou expressam ente a eficincia com o princpio noart. 37,caput, no qual se busca a qualificao e oaperfeioam ento constante do Q uadro de agentespblicos, no af de prestarem servios com quali-dade, rendim ento e efetividade sociedade.

    O agente pblico depois de treinado,aperfeioado e qualificado dever ser avaliadoconstante e periodicam ente, com o propsito deaveriguar-se se est em condies de desem pe-nhar as funes de seu cargo ou em prego. Casono venha a dem onstrar aptido para o desem pe-nho das funes do cargo ou em prego que ocupapoder ser desligado do servio pblico, inobs-tante ter se subm etido a prvio concurso pblico,desde que observado o du e process of law.

    Com efeito, esta m edida visa o m elhoratendim ento da sociedade envolvida, no sentido

    dela obter um a boa prestao de servios pbli-cos e a garantia dos direitos sobre a propriedade.Por fim e considerando o objeto do tem a

    Kant (2003, p.166) nos ensina que o soberano podeser considerado com o o suprem o proprietrio daterra, considerando que esta condio por si spossibilita ter coisas externas com o pertencentes asi prprio e o prim eiro direito adquirvel a possee uso de tais bens. Esta propriedade suprem a ser-

    ve para representar, em consonncia com concei-tos jurdicos, a necessria unio da propriedadeprivada de todos sob a responsabilidade de umpossuidor pblico geral, de m odos que a determ i-nao da propriedade particular de cada um estejaem harm onia com o necessrio princpio form alde diviso da terra.

    Kant (2003, p.167) afirm ou de outra sorteque caso corporaes ou ordens, proprietrias deterra venham a transferi-las, de acordo com certosestatutos, a geraes sucessivas para o uso exclu-sivo destas, o Estado pode repelir referidos estatu-tos a qualquer tem po, desde que indenize os so-breviventes.

    U m a ordem de cavaleiros ou a prpriaIgreja ao serem atingidas por reform as que vies-sem a retirar suas propriedades, no poderiam seopor, um a vez que a razo para a sua posse atento encontrava arrim o exclusivam ente na opi-

    nio do povo.Claro se afigura das lies acim a lana-

    das a viabilidade e a necessidade do Estado inter-vir na propriedade particular quando ocorrer oconflito de interesses entre o pblico e o privado,devendo preponderar, desde que legtim o o inte-resse da sociedade sobre o interesse de um parti-cular.

    concedido ao soberano a possibilida-de, j poca, de tributar os proprietrios particu-lares da terra, exigindo o pagam ento de im postosterritoriais, a sisa e os direitos alfandegrios ou,ainda exigir a prestao de servios, com o v.g.aproviso de tropas para o servio m ilitar, o quem odernam ente cham ado de requisio que m aisadiante ser tratado.

    A guisa de com plem entao do acim areferido, na histria brasileira as terras do nossoterritrio, quando do seu descobrim ento, passa-ram a pertencer integralm ente ao Estado de Portu-gal. A par disso inicia-se um a evoluo, no senti-do de buscar o desenvolvim ento daquela novacom unidade. Com isso, num prim eiro m om ento

    dividem -se as terras em capitanias hereditrias lan-ando-se o instituto das sesm arias, atravs da qualas glebas de terras pblicas eram concedidas aosparticulares interessados em cultiv-las, m edianteo pagam ento de um a renda calculada sobre osfrutos. Este procedim ento gerou os grandes lati-fndios, geralm ente inexplorados e im produtivos.

    A segunda fase, denom inada de ocupa-o, onde as pessoas tom avam posse e com ea-

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    Com o propsito de regularizar a situa-

    o das terras pblicas, evitar abusos no apossa-m ento e legitim ar as ocupaes, foi prom ulgada aprim eira lei de terras no Brasil Lei n 601, de18.09.1850.

    A quarta fase teve incio com a Constitui-o de 1891, que reservou para a U nio a porode terras indispensvel defesa das fronteiras, for-tificaes, construes m ilitares e estradas de fer-ro federais.

    N o atual ordenam ento constitucional bra-sileiro os bens da U nio esto elencados no art.20, englobando terras devolutas, ilhas fluviais e

    lacustres, recursos naturais da plataform a continen-tal, m ar territorial, terrenos de m arinha e seus acres-cidos, potenciais de energia hidrulica, recursosm inerais, terras tradicionalm ente ocupadas pelosndios, etc.

    Portanto, os bens de dom nio do Estadoso aqueles que preferencialm ente devam possuirum a afetao, um a destinao pblica, sendo con-siderados bens de uso com um do povo ou de usoespecial, que integram o seu patrim nio indispo-nvel; ficando os sem destinao pblica, bensdom iniais, em condies de ser alienados, com er-cializados.

    Di rei to propr i edade

    Kant (2003, p.167) nos ensina que o povoadquire a posse sem apresentar provas ou qual-quer ato que estabelea seu direito, porque o par-ticular adquire pela lei. Via de conseqncia al-cana im unidade pblica em relao a reivindica-es, isto , segurana na posse do particular por

    fora da lei, visto que no necessita produzir pro-vas assum indo sua posio na posse ininterrupta.M as o fato de qualquer aquisio num estado denatureza ser apenas provisria, no tem base naquesto da segurana da posse daquilo que ad-quirido e que deve preceder a aquisio.

    Pois bem , m odernam ente a Constituiobrasileira de 1988 consignou expressam ente emseu art. 5, inciso II: garantido o direito de pro-

    priedade. O m andam ento indica que o legisladorno pode extrair esse direito do ordenam ento jur-dico positivo. Pode, sim , definir-lhe os contornose fixar-lhes lim itaes, m as nunca deixar o direi-to de figurar com o objeto da tutela jurdica.

    H istoricam ente, a propriedade constituiverdadeiro direito natural, sendo guindada a direi-

    to fundam ental nas declaraes de direito da po-ca do constitucionalism o.

    Atualm ente se tem assegurado a existn-cia da propriedade com o instituto poltico, m as ocerne, a base do direito de propriedade sofre in-m eras lim itaes do direito positivo, tudo com opropsito de possibilitar que o interesse privadono se sobreponha aos interesses m aiores da cole-tividade.

    Com efeito, a propriedade no m ais secaracteriza com o direito absoluto, com o ocorriana poca m edieval. H oje o direito de propriedade

    s se justifica diante do pressuposto que a Consti-tuio estabelece para que a torne suscetvel detutela: funo social. Se a propriedade no estcum prindo sua funo social, deve o Estado inter-vir para am old-la a essa qualificao. E essa fun-o autoriza no s a determ inao de obrigaesde fazer, com o deixar de fazer, sem pre para im pe-dir o uso individualizado e anti-social da proprie-dade. D estarte, o direito de propriedade consi-derado relativo e condicionado.

    Funo social da propr iedade. Sua base

    constitucional

    A inspirao m ais prxim a do princpioda funo social a doutrina social da Igreja, talcom o trazida a lum e nas EncclicasMater et Magis-tra, do Papa Joo XXIII, e Populorum Progressio,do Papa Joo Paulo II, nas quais se associa a pro-priedade a um a funo de servir de ferram entapara a criao de bens necessrios subsistnciade toda a hum anidade.

    O Ttulo II da C onstituio Federal de1988, ao tratar dos direitos e garantias fundam en-tais, disciplina que a propriedade dever atender asua funo social.

    Im portante frisar que em term os de Pol-tica U rbana, o cum prim ento da funo social dapropriedade nos dias de hoje se opera quandoatende s exigncias fundam entais de ordenaoda cidade expressas no plano diretor.

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    J, quanto a Poltica Agrcola e Fundiria eda Reform a Agrria, cum pre-se quando a proprieda-de rural atende, sim ultaneam ente, o aproveitam entoracional e adequado; a utilizao adequada dos recur-sos naturais disponveis e preservao do m eio am bi-ente; a observncia das disposies que regulam asrelaes de trabalho e a explorao que favorea o

    bem -estar dos proprietrios e dos trabalhadores.Assim , cum prida e observada a funo

    da propriedade, pelo particular, o Estado no ne-cessita intervir, devendo to-som ente exercer suacom petncia de fiscalizao sobre os bens circuns-critos ao territrio brasileiro.

    Concei to de in terveno n a propr iedade

    N a gesto da propriedade toca ao Estadoo direito de adm inistrar a sua econom ia, as finan-as e a polcia. Cum pre-se destacar, que nas liesde K ant (2003, p.168) indicava que era funo dapolcia garantir com odidade e segurana, um a vezque a tarefa do governo de orientar o povo porm eio das leis facilitada quando o sentim ento dedecoro, no destrudo por aquilo que ofende osentim ento m oral.

    A vontade geral do povo se fundiu num asociedade a ser preservada indefinidam ente, e paraeste objetivo se subm eteu autoridade interna doEstado, com o objetivo de sustentar aqueles m em -

    bros da sociedade incapazes de m anter a si m es-m os. O Estado o far m ediante a coero im pon-do a tributao pblica e intervindo na proprieda-de para alcanar o interesse do povo.

    D e m aneira abreviada, pode-se conside-rar interveno do Estado na propriedade toda equalquer atividade estatal que, am parada em lei,tenha por escopo ajust-la aos diversos fatores exi-gidos pela funo social a que est condicionada.

    Por bvio, a interveno revela um po-der jurdico do Estado, baseado em sua prpriasoberania. verdadeiro poder de im prio, a ele

    devendo sujeio os m em bros da coletividade.

    Modal i dades de in terveno n a propr i e-

    dade. Um par alelo com o passado

    M odernam ente, por serem bastante diver-sificados os fins colim ados pelo Estado para as-

    segurar a harm onia social e a ordem pblica, in-m eras sero as form as de interveno do Estado napropriedade. D e acordo com as lies de CarvalhoFilho (2003, p.603), podem -se adm itir duas form asbsicas de interveno, considerando a natureza eos efeitos desta em relao propriedade.

    A prim eira delas denom inada de inter-

    veno restritiva, com o sendo aquela em que oEstado im pe restries e condicionam entos aouso da propriedade, sem , no entanto, retir-la deseu proprietrio. Este no poder utiliz-la a seuexclusivo critrio e conform e seus prprios pa-dres, devendo subordinar-se s im posies em a-nadas pelo Estado. Entretanto, conservar a pro-priedade em sua esfera jurdica. As m odalidadesdesta interveno, que sero a seguir brevem entecom entadas so: a) servido adm inistrativa; b) re-quisio, c) ocupao tem porria; d) lim itaesadm inistrativas e e) tom bam ento.

    N o que diz respeito servido adm inis-trativa, ela definida por D i Pietro (2003) com o ainstituio de direito real de natureza pblica, im -pondo ao proprietrio a obrigao de suportar umnus parcial sobre o im vel de sua propriedade,em benefcio de um servio pblico; afeta a exclu-sividade do direito de propriedade, porque trans-fere a outrem faculdades de uso e gozo; excepcio-nalm ente afeta apenas o carter absoluto, quandoim plica obrigao de no fazer; acarreta gravam em aior do que a ocupao tem porria, porque temo carter perptuo.

    Para D i Pietro (2003, p. 131) requisio ato adm inistrativo unilateral, auto-executrio eoneroso, consistente na utilizao de bens ou deservios particulares pela A dm inistrao, para aten-der a necessidades coletivas em tem po de guerraou em caso de perigo pblico im inente.

    A ocupao tem porria, conform e nosensina D i Pietro (2003, p. 128), a form a de lim i-tao do Estado propriedade privada que se ca-racteriza pela utilizao transitria, gratuita ou re-m unerada, de im vel de propriedade particular,

    para fins de interesse pblico.As lim itaes adm inistrativas, segundoleciona Carvalho Filho (2003, p. 617) so deter-m inaes de carter geral, atravs das quais o Po-der Pblico im pe a proprietrios indeterm inadosobrigaes positivas, negativas ou perm issivas, parao fim de condicionar as propriedades ao atendi-m ento da funo social.

    Por derradeiro, deparam o-nos com a fi-

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    gura do tom bam ento que nas palavras de D i Pie-tro (2003, p.134) o procedim ento adm inistrati-vo pelo qual o Poder Pblico sujeita a restriesparciais os bens de qualquer natureza cuja conser-vao seja de interesse pblico, por sua vincula-o a fatos m em orveis da histria ou por seu ex-cepcional valor arqueolgico ou etnolgico, bibli-

    ogrfico ou artstico.A segunda denom inada de interveno

    supressiva, que gera a transferncia da proprieda-de de seu proprietrio para o Estado, acarretando,via de conseqncia, a perda da propriedade. Essaform a a desapropriao.

    A desapropriao nas lies de D i Pietro(2003, p.153) o procedim ento adm inistrativo peloqual o Poder Pblico ou seus delegados, m edianteprvia declarao de necessidade pblica, utilida-de pblica ou interesse social, im pe ao proprie-trio a perda de um bem , substituindo-o em seu

    patrim nio por justa indenizao.O s m eios de interveno, na proprieda-

    de acim a narrados, encontram guarida nas liesde Kant, quando aclarou que ao Estado concedi-do o direito de adm inistrar, de gerir os bens queenvolvam o interesse pblico, buscando sem pre om elhor para sociedade interna, sem se olvidar dasquestes externas, envolvendo pases estrangeiros.Kant j propugnava o bem -estar do povo, com odever do Estado, assegurando-se ao cidado aobedincia nica lei (liberdade legal), a igualda-de civil e a preservao dos seus prprios direitose poderes com o m em bros da sociedade (indepen-dncia civil). N o se olvidando, por certo, do in-disfarvel apreo que K ant concedia a auto-satis-fao que o sentim ento de respeito pela lei m oraltraz ao hom em . Portanto, sem pre que houvesseum legtim o conflito de interesses entre o pblicoe o privado, deveriam ser atendidos os auspciosda sociedade em detrim ento do particular, confor-m e contido no ordenam ento jurdico.

    Consideraes fi nais

    O s detentores do poder, segundo B ob-bio (1999, p.66ss), so aqueles que tm a foranecessria para fazer respeitar as norm as que de-les em anam . Assim , a fora um instrum ento ne-cessrio para o exerccio do poder.

    Em se entendendo que o D ireito funda-do no poder coercitivo, que recorre fora, e sen-

    do ele (D ireito) um conjunto de regras com efic-cia reforada, isso pode significar que um ordena-m ento jurdico no possvel sem o exerccio dafora, ou seja, sem um poder.

    D estarte, os poderes colocados nas m osdos atuais dirigentes dos Estados devem ser en-tendidos com o ferram entas, instrum entos que pos-

    sibilitem o desenvolvim ento da sociedade, isto ,que obriguem as autoridades com petentes a inter-vir na propriedade privada de m aneira a se buscara produo da justia social, respeitando-se a par-ticipao igualitria dos cidados, devendo-se exi-gir dos particulares que observem no apenas anorm as gerais, m as tam bm as exigncias espec-ficas direcionadas unicam ente a eles, sendo assimconsiderada um a virtude do hom em .

    Cum pre-se aqui m encionar que quandoScrates buscou dem onstrar que a justia um avirtude; m as para funcionar neste argum ento, a

    justia deve ser no s um a virtude da alm a, m as asua virtude caracterstica e determ inativa. Para um avirtude fazer com que um a coisa execute bem asua funo, preciso que ela corresponda fun-o de tal coisa, com o a afiao do gum e funode cortar e a agudeza da vista funo de ver.

    Portanto, in casupara que as autorida-des pblicas, os chefes de governo possam exigiro cum prim ento da funo social da propriedade,por parte dos particulares detentores da proprie-dade, o Estado dever agir com eficincia e dem aneira a atender os princpios da legalidade e dam oralidade. O Estado ainda deve gerir seus benscom justia, oportunizando o m elhor benefciopossvel aos integrantes da sociedade e, quandonecessrio, agir com rigor e coero vindo a inter-vir nas situaes em que o particular no estejacum prindo a funo social da propriedade.

    Percebe-se, destarte, que os ensinam en-tos de Kant trazidos em sua obra na segunda m eta-de do sculo XVIII, se encontram atuais conside-rando-se que ao povo resguardado o sagrado di-reito propriedade e, ao Estado, o dever de adm i-

    nistrar e intervir na propriedade particular toda avez que o interesse pblico assim o exigir, respei-tando-se os princpios plasm ados na Constituio.

    D as palavras de K ant (2003, p.184), anica constituio de Estado que persevera aconstituio na qual a prpria lei governa e nonecessita de nenhum a pessoa privada. o escopofinal do direito pblico, a nica condio na quala cada um pode ser destinado definitivam ente o

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    que seu, alcanando com isso a felicidade. Feli-cidade que, conform e a natureza do hom em , ide-alizada por Kant no se satisfaz e term ina com aposse e o gozo da propriedade, um a vez que odesejo de satisfao da sociedade perm anece in-sacivel. O s hom ens buscam constantem ente afelicidade, m as no sabem ao certo o que desejam

    e realm ente querem . Portanto, necessitam do apoiodo Estado com o im plem ento de aes firm es, se-guras, votadas ao todo em consonncia com osprincpios garantidores do equilbrio social, consi-derando-se que o hom em reconhece a lei m oral,que segundo H eck (2000, p.149) no por ela pres-supor um tipo de sensao ou por expressar osm elhores sentim entos, m as por conferir-lhe o sen-tim ento m oral.

    Assim , em o Estado agindo voltado sem -pre para a busca do bem com um , poder-se- en-contrar paz, harm onia e desenvolvim ento no cam -

    po, perm anecendo as cidades em nveis suport-veis e equilibrados de bem -estar, via de conseq-ncia acarretando um crescim ento equnim e e sus-tentvel das naes que integram o planeta Terra.

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    Recebido em19/09/2003Aprovado em25/11/2003

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