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BBB
O FIMANTES DO
MAR
RIO DOCE
R E P O R T A G E M E S P E C I A L
771809 9870149
ISSN 1809-9874
9
●● M G : R $ 3 , 5 0 ●● N Ú M E R O 2 6 . 8 1 6 ●● 6 0 P Á G I N A S ●● F E C H A M E N T O D A E D I Ç Ã O : 2 0 H 3 0
B E L O H O R I Z O N T E , D O M I N G O , 1 2 D E J U L H O D E 2 0 1 5
w w w. e m . co m . b r
Assinaturas e serviço de atendimento: Belo Horizonte: (31) 3263-5800 - Outras localidades: 0800 031 5005Assinatura Uai: 0800 031 5000
WhatsApp: (31) 8502-4023
Da nascente à foz, EM percorre o Rio Doce e constata a agonia do manancial que já não deságua no Atlântico
Assoreamento e secatransformaram a foznuma lagoa (E),represada por faixade areia grossaem Regência Augusta,distrito de Linhares (ES)
É a primeira vez na história que o maior curso d’água do Sudeste deixa de correr na foz.A única saída do Doce para o oceano, atualmente, se restringe a um braço de areia a um
quilômetro do ponto original. Na verdade, consiste em avanço do mar rio adentro, mas quepode se fechar a qualquer momento. Uma tragédia ecológica resultante da superexploraçãoem toda a bacia, que tem 86% de sua área em território mineiro. Desmatamento, despejo de
esgoto e descargas químicas são algumas das agressões desde a nascente, em Minas Gerais, eque se estende pelos 850 quilômetros até a foz, no Espírito Santo.
Os repórteres Mateus Parreiras, Guilherme Paranaíba, Alexandre Guzanshe e Leandro Couriacompanharam a saga do leito que passa por margens sem mata ciliar, faz desvios em bancos deareia extensos como praias e serpenteia por manilhas de esgoto com caldos contaminados diantede morros devastados. Já na cabeceira, a água que forma o Doce é tomada pela poluição, naconfluência dos rios Piranga e do Carmo, na Zona da Mata. O Piranga foi o primeiro em Minas aentrar em estado de alerta devido à vazão reduzida. É o último estágio antes da restrição do uso deágua pela população, como mostra a primeira reportagem da série “Amarga agonia”.
PÁGINAS 17 A 19
ENDIVIDADOSJOVENS LIDERAM INADIMPLÊNCIA.IDOSOS SEGUEM O MESMO RUMO
Mais da metade das contasem atraso no país são deconsumidores entre 18 e
39 anos. Sufoco avança maispara quem passou dos 85.
PÁGINAS 10 E 11
AERONAVECAI E MATA 2PESSOAS EMDIVINÓPOLIS
PÁGINA 20
DA POLÍTICAPessoas comuns de diferentesperfis disputarão provas paraelaborar projeto de lei a serapresentado ao Congresso
Nacional, concorrendo a livros,cursos e viagens. Reality idealizado
por ONG vai durar três meses eserá exibido pela internet, com
interação dos usuários.PÁGINA 6
TRATAMENTO INOVADORCIENTISTAS GARANTEM CURADA CALVÍCIE EM 2018PÁGINA 16
CADEIRA DE RODASATLÉTICO REALIZA SONHO DEPORTADOR DE DOENÇA RARAPÁGINA 21
ALERTA AOS PAISO RISCO DOS ENERGÉTICOSAOS CORAÇÕES MAIS JOVENSPÁGINA 22
PETRÓLEO AINDA LONGE DE BANCAR A EDUCAÇÃOPROMETIDOS PELA PRESIDENTE DILMA COMO RECURSOS PARA ESCOLAS E UNIVERSIDADES, ROYALTIES ESTÃO EM QUEDA. CORTE DE INVESTIMENTOS PELA PETROBRAS AMEAÇA PLANOS DO GOVERNO
PÁGINA 3
RAPOSA BUSCANOVA REAÇÃO
‘NEYMAR NÃO ÉPELÉ OU MANÉ’
ENTREVISTA
Com o time novamente modificado porVanderlei Luxemburgo, Cruzeiro tenta maisuma vez se recuperar no Campeonato Brasileiroganhando os dois jogos consecutivos que faráem casa. O primeiro é hoje, às 16h, diante doGoiás, no Mineirão. PÁGINA 4
● RONALDINHO GAÚCHO ACERTA COMFLUMINENSE ATÉ FIM DE 2016. PÁGINA 2
Maestro da Seleção Brasileira tricampeãmundial em 1970, Gérson mantém, aos74 anos, o estilo objetivo com que ditava oritmo dos seus times em campo e resumeem três palavras o estágio atual do futebol dopaís: “Está uma porcaria”. Para o Canhotinhade Ouro, os fracassos no Mundial e na CopaAmérica eram previsíveis. PÁGINA 6
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NO Mix total
Mistura de texturas, bordados evolumes marca a semana dealta-costura de Paris, no fim datemporada outono-inverno.CAPA E PÁGINAS 6 E 7
Para doisEditora traz uma seleção dereceitas para serem preparadaspor casais, com dicas deutensílios. Sabores ajudam atemperar a vida conjugal. CAPA
No fornoBake off Brasil – Mão na massaestreia dia 25 na TV Alterosae vai premiar o melhorconfeiteiro amador do país.CAPA E PÁGINA 3
Só sorrisosPelo simples prazer de ajudar,profissionais e voluntáriosdedicam-se ao altruísmo. Comoos grupos que levam alegria ahospitais, não esperam nada emtroca. CAPA E PÁGINAS 3 E 4de
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Melchior Júnior FelipeTeixeira, de 19 anos,portador de doença rara,ganha do galo cadeira derodas motorizada parapoder ir à escola
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PÁGINA 21
GERAIS
ESTADO DE MINAS ● D O M I N G O, 1 2 D E J U L H O D E 2 0 1 5 ● E D I T O R : A n d r é G a r c i a ● T E L E F O N E S : ( 3 1 ) 3 2 6 3 - 5 2 4 4 / 3 2 6 3 - 5 1 0 5 ● E - M A I L : g e r a i s . e m @ u a i . c o m . b r W h a t s A p p : ( 3 1 ) 8 5 0 2 - 4 0 2 3
17
TÚLIO SANTOS/EM/D.A PRESS
inhares (ES), Rio Doce, Governador Valadares, Ai-morés e Ponte Nova – A agonia do maior curso d’á-gua do Sudeste brasileiro chegou ao patamar mais crí-tico da história. Sem força, as águas do Rio Doce, quenascem em Minas Gerais e atravessam o estado até oEspírito Santo não deságuam mais no Oceano Atlân-tico no ponto tradicional. Considerado pelo InstitutoBrasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) o 10º maispoluído do país, o manancial chegou a um estágio tãograve de seca e assoreamento que a foz – que se alarga-va por 380 metros de comprimento e tingia a costa ca-pixaba de sedimentos cor de barro – recuou 60 metroscontinente adentro e se encontra agora como uma la-goa, represada por uma faixa de areia grossa de doismetros de altura. O bloqueio ocorreu há dois meses,em Regência Augusta, um distrito do município de Li-nhares (ES). Mas o que ocorre no estado vizinho é ape-nas o estágio final de um mapa de degradação que co-meça já na cabeceira e se estende não só pelos 850 qui-lômetros do leito, mas também pela maior parte dabacia de 86 mil quilômetros quadrados. Segundo am-bientalistas, biólogos e hidrólogos, foram as agressõescomo desmatamento, despejo de esgotos e descargasquímicas em Minas Gerais, que comporta 86% da ba-cia, que levaram a essa situação de penúria.
A única saída do Rio Doce para o mar, atualmen-te, se restringe a um braço de areia a um quilômetroda foz original – que na verdade consiste em umavanço do mar rio adentro, mas que pode se fechar aqualquer momento, dependendo do regime das ma-rés. “Essa é uma tragédia ecológica que completauma situação de agressões ambientais que o Rio Do-ce vinha sofrendo. Nunca antes a foz havia se fecha-do completamente. E isso se deve à destruição dasmatas ciliares, que barravam sedimentos vindos deoutras áreas desmatadas, agora transformadas empastagens e outros cultivos”, afirma o secretário-exe-cutivo do comitê da Foz do Rio Doce, Carlos Sangá-lia, educador ambiental do Projeto Tamar, sobre a in-terrupção do rio, retratada pelo jornal A Gazeta, doEspírito Santo, em 23 de junho.
Da nascente à foz, o caminho de degradação doRio Doce acompanha o histórico de desenvolvimen-to predatório na bacia. Inserida em um território on-de originalmente havia predomínio de 98% do bio-
ma Mata Atlântica – um dos mais ameaçados domundo –, o manancial hoje corre por um cenário demargens desprovidas de mata ciliar, faz desvios embancos de areia extensos como praias, serpenteia porentre manilhas de esgoto que cospem caldos conta-minados e diante de morros devastados, tomadospor pastagens e erosão.
Em Regência Augusta, os impactos de tudo que éfeito antes da foz trouxeram alerta à comunidade depescadores que chega a 1.200 habitantes. Quem viveda pesca não consegue mais zarpar pelo porto do RioDoce em direção ao mar, porque a nova desemboca-dura é rasa demais para a maioria dos barcos. “Nãotem mais como ir para o mar. Ou jogamos a rede noque sobrou do rio ou armamos na praia. A quantida-de de peixe, que já era pouca, diminuiu mais ainda.Para mim, a solução vai ser parar de pescar e traba-lhar fichado (com carteira assinada)”, lamenta o pes-cador Edmar de Morais, de 65 anos.
A falta de peixes, como percebeu o pescador, éoutro aspecto que preocupa ambientalistas. “Espé-cies como o robalo e a manjuba precisam subir domar para o rio para se reproduzir. O ciclo se rompequando os peixes não encontram caminho para oRio Doce”, alerta o assessor do projeto Tamar, HélioLuiz Alcântara. O Tamar é conhecido pela preserva-ção das tartarugas marinhas ao longo da costa brasi-leira, principalmente por incluir as comunidadestradicionais que antes matavam esse animal. Mas aspróprias tartarugas estão ameaçadas pelo bloqueiodo Rio Doce. “Os espécimes mais jovens se alimen-tam de peixes que nadam na foz. Agora terão de sedeslocar para encontrar mais comida. Fêmeas tam-bém podem botar seus ovos na área que está seca eonde pode voltar a correr água, perdendo toda a pos-tura”, afirma Alcântara. A espécie mais ameaçada é atartaruga-gigante ou de couro (Demochelys coria-cea), que tem exatamente na praia onde deságua oDoce a única área de desova em todo o litoral brasi-leiro, segundo Sangalia.
O recuo das águas já vinha trazendo problemaspara populações capixabas que dependem do ma-nancial. A captação de água de Regência Augusta erafeita no Rio Doce, mas a perda gradual de força dacorrente fez com que o sal do mar avançasse cerca de
20 quilômetros pelo continente. Com isso, a água,que já é poluída a ponto de chegar a cobrir as areiasda praia com garrafas de plástico e lixo, não pode serdessalinizada para que se torne potável, obrigando acompanhia de abastecimento e as escolas a recorrerà abertura de poços.
n AGREDIDOAO NASCER
Antes mesmo de o rio iniciar sua saga do Leste mi-neiro até o oceano, a água que vai formar o Doce já étomada por poluição na cabeceira, formada pela con-fluência dos rios Piranga e do Carmo. O Piranga foi oprimeiro rio mineiro a entrar em situação de alerta –o último estágio antes de restrições de captação – de-vido à vazão reduzida. Ao passar por Ponte Nova, ci-dade com 57 mil habitantes na Zona da Mata, o Pi-ranga recebe todo o esgoto da população, sem trata-mento. A ocupação é desordenada ao longo da calhae não é difícil encontrar manilhas de diferentes diâ-metros injetando resíduos dia e noite no curso d’á-gua. O Rio do Carmo, por sua vez, também recebecargas poluidoras poucos quilômetros depois deaflorar, em Ouro Preto, na Região Central.
O surgimento do Rio Doce também sofre com a es-cassez hídrica, em um ponto em que moradores lo-cais se lembram que a água era abundante. As pedrasaparentes indicam que a vazão é pouca e cerca de 200metros à frente, já como Rio Doce, o manancial come-ça a ser explorado por dragas de areia.
O secretário-executivo do Comitê da Bacia Hidro-gráfica do Rio Doce (CBH Doce), Luiz Cláudio Figueire-do, atribui a situação do rio na foz a um processo len-to de degradação em toda a bacia, aliado à falta de chu-vas e ao consumo de água, que se manteve normal,apesar da escassez. Ele se mostra preocupado com ofuturo, pois diz não ser possível estimar qual será ocomportamento das chuvas. “Da mesma forma queo que aconteceu na foz é resultado de um processolento, a reversão do quadro também é lenta, comações de longo prazo, como os planos de saneamentoe o programa de recuperação de nascentes. Então, senão chover muito no próximo período, o problemaainda vai se alongar por muito tempo”, adverte.
Fruto da superexploração em toda a bacia, que tem 86% de sua área em território mineiro,
Rio Doce deixa de correr na foz original e de desaguar no Atlântico pela primeira vez na história
MATEUS PARREIRAS E GUILHERME PARANAÍBA
Enviados especiais
LEIA MAIS SOBRE O RIO DOCEPÁGINAS 18 E 19
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O RIO, À ESQUERDA, SEPARADO DO MAR POR BANCO DE AREIA EM REGÊNCIA (ES): RESULTADO DE 850 QUILÔMETROS DE AGRESSÃO
RIO DOCE
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GUILHERME PARANAIBA
Enviado especial
Ponte Nova – O acompanhamento das va-zões em quatro dos seis principais afluentes doRio Doce em Minas Gerais não traz boas notíci-as para quem tem expectativa de melhoria dascondições da bacia hidrográfica. O último bole-tim divulgado pelo Instituto Mineiro de Gestãodas Águas (Igam) mostra que, das quatro esta-ções distribuídas entre os rios Piranga, SuaçuíGrande, Santo Antônio e Piracicaba, três apre-sentam estado de atenção e uma, de alerta. É oterceiro relatório seguido a disparar o alarmediante da baixa vazão na estação do Piranga emPonte Nova, na Zona da Mata. Trata-se do últi-mo estágio antes que seja determinada restri-ção do uso de água, que deve ter corte de 20%no caso do abastecimento humano, conformea Deliberação Normativa 49/15 do Igam.
A vazão medida semanalmente pelo Igamé comparada com a Q7,10 do manancial, que éo menor volume observado durante sete diasconsecutivos nos últimos 10 anos. No caso do
Piranga, todas as medições feitas entre 27 dejunho e 3 de julho estão abaixo do índice his-tórico, que é de 27,42 metros cúbicos por se-gundo (m3/s), o que mantém o estado de aler-ta. Se a vazão ficar abaixo de 70% do índice-ba-se por pelo menos sete dias, será decretado oestado de restrição de uso, atingindo os mu-nicípios de Ponte Nova, Diogo de Vasconcelos,Acaiaca, Guaraciaba, Rio Doce, Santa Cruz doEscalvado, Amparo do Serra e Oratórios, dis-tribuídos pelas regiões Central e Zona da Mata.
Em Ponte Nova, onde fica a estação quedisparou o alerta, o diretor do DepartamentoMunicipal de Água, Esgoto e Saneamento,Guilherme Resende Tavares, diz que a própriapopulação vem reduzindo o consumo dianteda necessidade, e que a prefeitura investiu R$5 milhões na modernização do sistema de dis-tribuição, o que gerou redução das perdas, de52% para 33%. “Reduzimos a captação de 200litros por segundo para 150 litros, sem com-prometer o abastecimento. Se for necessáriofazer o corte, já estaremos praticando a redu-ção necessária”, diz.
No Rio Suaçuí Grande, o relatório mais re-cente aponta estado de atenção para a EstaçãoVila Matias, que tem repercussões nos municí-pios de Governador Valadares, São José da Safi-ra, Marilac, Itambacuri, Frei Inocêncio, MathiasLobato, Jampruca e Campanário, todos no Valedo Rio Doce. O quadro é caracterizado quandoa vazão fica entre 100% e 200% da Q7,10. Ape-sar de a situação ser um pouco melhor do quea observada no Piranga, o quadro já preocupa,segundo a presidente do Comitê da Bacia Hi-drográfica do Rio Suaçuí (CBH Suaçuí), LucianeTeixeira. “Recebemos na sexta-feira um bole-tim elaborado pelo Serviço Geológico do Brasil(CPRM) dizendo que a vazão média do Rio Sua-çuí Grande na Vila Matias para o mês de junhoé de 53m3/s. Em junho deste ano, a vazão média
ficou em 15,9m3/s, bem perto da Q7,10 no localque é de 15,m3/s”, afirma Luciane.
“É preciso que os gestores públicos, empre-sas responsáveis pelo abastecimento, produ-tores rurais e a sociedade estejam atentos a es-sa situação. Ações para o uso racional da águadevem ser realizadas por todos, pois o perío-do de estiagem de 2015 deverá ser semelhan-te ou mais severo do que o de 2014”, comple-ta Luciane Teixeira. A situação do Rio SantoAntônio na Estação de Naque, no Vale do RioDoce, está um pouco melhor, apesar de tam-bém se colocar em atenção. As vazões entre 27de junho e 3 de julho estão mais distantes daQ7,10, da mesma forma que as medições fei-tas na Estação Mário de Carvalho, que fica noRio Piracicaba, no Vale do Rio Doce.
O Piranga em Ponte Nova: leito está tão baixo que não atinge a régua de medição na margem
MÁ NOTÍCIACOMEÇA NASNASCENTES
Principal formador do Rio Doce, Rio Piranga foi o primeiro em Minas a entrar em estadoque antecede a restrição do uso de água pela população. Toda a bacia tem problemas
LEANDRO COURI/EM/D.A PRESS
DEGRADAÇÃO DA CABECEIRA À FOZBacia Hidrográfica do Rio Doce
Fatores de degradaçãoUnidades de Planejamento e Gestão de Recursos Hídricos (UPGRHs) mineiras
Degradação observada pela reportagem
MINAS GERAIS
Aimorés
DESVIO
¦ O rio não passa maisdentro da cidade. Ocurso natural só recebeas águas do RioManhuaçu, que se tornaum fio d'água, perdidoem uma imensidão depedras e areia
Marliéria
DESMATAMENTO
¦ Áreas de mataatlântica são derrubadasnos limites do ParqueEstadual do Rio Doce, àsmargens da LMG-760,para dar lugar achacreamentos,
formação de pastos,plantação de eucalipto eprodução de carvão
Governador Valadares
ESGOTO
¦ Os rejeitos da cidadesão lançados semtratamento no rio
¦ Lixo
¦ Grande volume dedetritos também chegaao manancial
¦ Desmatamento
¦ Arredores tiveram amata atlânticadevastada, impedindorecarga das nascentes epromovendo oassoreamento
Coronel Fabriciano
ESGOTO
¦ Lançado no Rio Docesem tratamento
Timóteo
ESGOTO
¦ Lançado no Rio Docesem tratamento
Ponte Nova
ESGOTO
¦ 100% dos detritos dacidade caem no RioPiranga, um dosformadores do Rio Doce
OS PROBLEMAS
ÁREA DE DRENAGEM:
86.715 quilômetros
quadrados, sendo 86% no
Leste de Minas e 14% no
Nordeste do Espírito Santo
EXTENSÃO:
850 quilômetros. O Doce
se forma no encontro do Rio
Piranga com o Ribeirão do
Carmo, em Rio Doce, na Zona
da Mata mineira. Sua foz é no
distrito de Regência, no
Espírito Santo
MUNICÍPIOS DA BACIA:
229 (203 em Minas Gerais
e 26 no Espírito Santo)
ESTIMATIVA DE POPULAÇÃO:
3,5 milhõesde habitantes
RioPi
rang
a
Esgoto
UPGRH 1
UPGRH 1
UPGRH 2
UPGRH 3
UPGRH 4
UPGRH 5
UPGRH 6
77MUNICÍPIOS
Agropecuária Silvicultura(Cultivo de árvores)
Mineração Assoreamento Rejeitosindustriais
Desmatamento Poluiçãoatmosférica
Erosão
Rio Santo Antônio
UPGRH 3
29MUNICÍPIOS
Rio Suaçuí
UPGRH 4
48MUNICÍPIOS
RioCa
ratin
ga
UPGRH 5
29MUNICÍPIOS
Rio
Man
huaç
u
UPGRH 6
28MUNICÍPIOS
Rio Piracicaba
UPGRH 2
21MUNICÍPIOS
Poluição atmosférica (emissão de 8 toneladas de fumaça pordia das indústrias do Vale do Aço)Assoreamento (causado por obras como mineroduto eduplicação da BR-381
Mineração (extração de areia)Assoreamento (causado pela mineração)
Assoreamento (visível em cidades comoIpanema e Conceição do Ipanema)
ESPÍRITO SANTOLinhares
ASSOREAMENTO
¦ Inúmeros bancos deareia se formaram noleito e o fundo do rio jáestá aparente.
Regência: (foz)
INTERRUPÇÃO
¦ O rio perdeu a força e não consegue mais chegar ao mar pela foz tradicional.Uma barreira de areia de 2 metros de altura por 60 de largura impede o deságue.Atualmente, só um pequeno trecho, a cerca de um quilômetro de lá, tem uma pequenasaída para o Oceano Atlântico. A situação prejudica a pesca e a vida aquática
Aimorés
Governador Valadares
Coronel Fabriciano
Ponte Nova
Timóteo
Marliéria
GERAIS
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O remo e o caiaque eram companheiros insepa-ráveis do médico Darildo Ferreira, de 63 anos, du-rante a década de 1990. De sua casa até o canal docórrego que levava ao Rio Doce eram apenas seisquarteirões. Mas, já naquela época, as agressões aomanancial que cortava sua cidade, Aimorés, na di-visa com o Espírito Santo, preocupavam ambien-talistas. “Resolvemos fazer então a primeira desci-da ecológica do Rio Doce, com biólogos, geógrafos,aventureiros e outros especialistas, para mapear osproblemas e chamar a atenção para a situação dorio”, conta. Nem mesmo as outras duas expediçõesdo grupo de ecologistas surtiram efeito.
O desmatamento e a poluição continuaram e,como um castigo para o médico, a chegada daUsina Eliezer Batista tirou o Rio Doce da cidade
de Aimorés. “Hoje só temos um esqueleto de pe-dras que corre como um filete, com o que restado Rio Suaçuí, que chega depois da usina. Os pei-xes nativos acabaram quase todos. Só sobrevive-ram espécies invasoras”, conta. “Uma das nossasesperanças é que a usina cumpra com o que pro-meteu e mantenha pelo menos um espelho d’á-gua no leito seco do rio”, diz.
Contudo, a Aliança Geração de Energia S/A,que controla a usina, informou que por razõestécnicas e de segurança da população, a manuten-ção de um espelho d’água que traria de volta a Ai-morés o Rio Doce é impossível. A empresa alegatambém que não retém água em barragem, poissua captação é em fio d’água, e que o desvio foifeito segundo licenciamento ambiental.
A situação de degradação do Rio Doce, de acordocom a Agência Nacional de Águas (ANA) “é de amploconhecimento, caracterizado pelo Plano Integradode Recursos Hídricos (PIRH), elaborado pela ANA, es-tados e aprovado pelo comitê de bacia”. De acordocom o especialista em recursos hídricos Ney Murtha,da agência, trata-se de processo histórico de ocupa-ção e uso do solo e da água. “As ações previstas noplano estão sendo implementadas pelo InstitutoBioatlântica, com verba originária da cobrança pelouso da água. São recursos de R$ 25 milhões por ano,insuficientes para ações estruturais de grande mon-ta, mas essenciais para ações conjuntas com municí-
pios, como projetos de saneamento”, diz. Sobre o re-cuo da foz principal do rio, o especialista minimizaimpactos. “O rio, por muitos meios, chega e conti-nuará a chegar ao mar. ” Sobre os lançamentos de es-goto em Governador Valadares, a prefeitura da cida-de informou que duas estações de tratamento de es-goto (ETEs) devem tratar 100% dos lançamentos. AETE Santos Dumont está em construção e a ETE El-vamar tem início de obra previsto para este ano.
Maior cidade da bacia joga no Doce todo tipo de rejeito, incluindo esgoto in natura. Resultadode séculos de degradação, manancial temido pelas enchentes tem hoje 1,2m de profundidade
DESCASODESPEJADONAS ÁGUAS
MATEUS PARREIRAS
Enviado especial
GUILHERME PARANAÍBA
Governador Valadares e Aimorés – Escor-rendo de manilhas de concreto e canalizaçõesabertas no meio do mato, o esgoto lançado semtratamento e o lixo descartado sem controletransformam a área de preservação da mata ci-liar do Rio Doce, em Governador Valadares, emuma espécie de mangue banhado por líquidocinzento, entre pneus velhos, vasos sanitários eentulho. Esse é o mais evidente retrato do desca-socomaconservaçãoambientaldentrodamaiorcidade da Bacia do Rio Doce, com 277 mil habi-tantes. O agravamento das condições do manan-cial e de seus afluentes chegou a levar ao municí-pio reunião da Assembleia Legislativa de MinasGerais para tratar da crise hídrica. Os participan-tes do encontro apontaram o desmatamento e aocupação desordenada do território, também vi-síveis em Valadares, como os impactos mais se-veros sobre a bacia do rio, que, represado por umgigantesco banco de areia, deixou de correr parao mar pela foz tradicional.
Acrisenabaciapareceaindamaisgravequan-do se considera que as enchentes frequentes doRio em Valadares fizeram até com que o ServiçoGeológico do Brasil (CPRM) instalasse na baciauma das três únicas redes de monitoramento fe-deral de níveis da água do Brasil – as outras duasficamnopantanalmato-grossenseeemManaus.Agora, a estiagem e a falta de recarga do rio peloassoreamento e a seca das nascentes reduziramtanto a vazão que até a semana passada o Rio Do-ce na região tinha apenas 1,2 metro de profundi-dade, um terço da capacidade da calha, de acordocom a medição do CPRM. “Aqui está assim. Todomundosabequenãopodejogarlixonamargem,mas entra dentro da mata e joga. Os esgotos sãodespejados dentro da rede pluvial. O desmata-mentonãopara.Quandochovereorioestiverra-so, a água vai parar aonde? Na minha casa”, recla-maocomercianteOrestesGarcia,de37anos,quemora na beira do rio em Valadares e é obrigado aconvivercomomaucheiroetemepelasenchen-tes quando a chuva voltar.
O biólogo e especialista em recursos hídricosRafael Resck diz que é inadmissível, atualmente,tolerardespejodeesgotoemcursosd’água.“Oes-gotointerferediretamentenaqualidadedaágua.Se o recurso for de má qualidade, fica facilitada atransmissão de doenças e perde-se uma grandequantidade da biodiversidade. A água contami-nada por esgoto favorece o crescimento de pou-
cos organismos, que não contribuem para omeio ambiente”, diz Resck.
Problemas que se agravam ainda mais com afalta de chuvas dos últimos dois anos, que regis-traram60%abaixodamédiahistórica,segundoaAgência Nacional das Águas (ANA). Enquanto is-so, o esgoto não para de fluir e tanto o desmata-mento quanto a ocupação desordenada deixamo solo exposto para que mais sedimentos sejamarrastados para o leito na próxima estação chu-vosa. “O processo não ocorreu repentinamente.A ocupação da bacia com substituição das mataspor pastagens degradadas e o carreamento dossedimentos, que provocam o assoreamento, sesomam à falta de estações de tratamento de es-goto em Governador Valadares, Timóteo e Coro-nel Fabriciano”, cita a presidente da Câmara Téc-nica de Gestão de Eventos Críticos do Comitê deBacia do Rio Doce, Luciane Teixeira.
■■ A CACHOEIRAVIROU HISTÓRIA
Ao longo do rio, na direção do Espírito Santo,o que se vê pelas margens da BR-381 são terrasdesmatadas, com valas escavadas pelas chuvase morros sem a área de cume preservada. Amaior parte dessas áreas serve para a formaçãode pastos. O reflexo é visto não apenas nos riosassoreados, mas também nas nascentes que for-mam os mananciais.
Em Resplendor, a localidade de Cachoeira re-cebeu esse nome devido a uma queda d’água demais de 15 metros que era aproveitada para lazere abastecia o Rio Doce. Hoje, a água mal escorrepelas pedras. Segundo Rogério Marcos Andrade,de55,quenasceunaregiãoehojetrabalhanapro-priedade rural onde ficava a queda d’água, trêsnascentesqueabasteciamoriachosecaram.“Ovi-zinho cortou a mata e a capoeira. Plantou capim.Agora,aáguanãobrotamais”,constata.Acachoei-ra seria a principal atração de um hotel que vemsendoconstruídonafazenda.Comacrisehídrica,o empreendimento tem futuro incerto.
O biólogo Rafael Resck diz que o ciclo das chu-vasédiretamenteproporcionalàrecargadasnas-centes. Os efeitos da precipitação serão mais oumenos efetivos de acordo com a cobertura vege-tal do solo. “A chuva em uma área de vegetaçãomais densa mantém o solo mais úmido e, conse-quentemente, essa água vai brotar em uma nas-cente. Quando o solo é mais exposto, boa parteda água que vem pela chuva evapora devido àmaiordificuldadedepenetraçãonosolo,oudesá-gua direto em um rio, sem permanecer na áreadepois que a chuva passa”, explica o biólogo.
A CIDADE QUE PERDEU SEU RIO
Acima, o rio castigado ao passar por Valadares. Abaixo, médico Darildo Ferreira observa oleito árido que sobrou depois do desvio do curso, em Aimorés: castigo
ANA: NÃO EXISTE SOLUÇÃO À VISTA
Confira no portal imagens dadegradação do Rio Doce e daseca na foz
FOTOS: ALEXANDRE GUZANSHE/EM/D.A PRESS
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ISSN 1809-9874
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●● M G : R $ 2 , 5 0 ●● N Ú M E R O 2 6 . 8 1 7 ●● 2 ª E D I Ç Ã O ●● 3 4 P Á G I N A S ●● F E C H A M E N T O D A E D I Ç Ã O : 2 3 H 3 0
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FLAGRANTE DEVASTAÇÃOEM registra derrubada de vegetação nativa da mata atlântica, agressão que acelera a degradação do curso d’água
Ação clandestina ocorre nos flancos do Parque Estadual do Rio Doce, a maior reservade mata atlântica remanescente em Minas Gerais. Ao percorrer o maior manancial do
Sudeste para mostrar a agonia de um rio sem forças para chegar ao mar,o Estado de Minas se deparou com evidências e cenas do desmatamento. Primeiro, o
ronco de motores no meio da vegetação densa. Depois, o ruído de motosserrase a visão de árvores sendo derrubadas.
A reportagem se valeu de imagens de satélites que mapearam a região. Só no entorno doparque, são 19 áreas devastadas entre 2014 e 2015, somando 114 hectares ou 281 campos defutebol nos municípios de Marliéria, Dionísio e Timóteo, no Leste do estado. Num desseslocais em Marliéria, trator foi usado para abrir caminho na floresta, fazendo rota para ointerior da mata (foto). Lá dentro, dois funcionários serravam as árvores, numa clareira quenão podia ser vista de estradas vicinais.
MUDANÇA NOS PLANOSMEC RECUA E GARANTE VERBAPARA CURSOS DE PÓS-GRADUAÇÃOPÁGINA 16
TEMPOS DE CRISE
‘Malabarismo’para enchercofres públicosArrecadação em queda obrigaestados e municípios arecorrerem a fórmulas paralevantar recursos. Há fila deespera no STF para julgamentode ações em relação ao uso dedepósitos judiciais. Aumento deimposto é velha tática degestores. PÁGINA 4
A G O N I A D O R I O D O C E
PÁGINAS 13 E 14
Mercado de cavalos devemovimentar em 2015 mais que odobro do ano passado, quandoforam faturados R$ 8,5 bilhões.Segundo especialistas, há razãopara o setor desconhecer crise: apaixão pelo animal. PÁGINA 12
Rock fazCrianças de até 6 anos são principais vítimas deviolência doméstica atendidas no Hospital dePronto-Socorro João XXIII, em BH.Representam 36,7% de um total de 1.152 casosde agressão. Dados analisados em tese dedoutorado mostram que pouco mudou nos 25anos do Estatuto da Criança e do Adolescente(ECA), completados hoje. PÁGINA 15
● Aniversário ocorre em meio àpolêmica da redução da maioridadepenal, medida que desagrada aosdefensores do estatuto. PÁGINA 2
NADA ACOMEMORAR
PECHINCHASCOMERCIANTES REDUZEMPREÇOS PARA SEGURAR VENDAS
De comida a carro e apartamento,consumidor pode garimpar produtoscom valores bem abaixo da média.Vale tudo para convencer o cliente agastar em plena retração econômica.PÁGINA 8
ALEXANDRE GUZANSHE/EM/D.A PRESS
ALÍVIO PARA A RAPOSACeará e Joel foram surpresas de Vanderlei Luxemburgo na escalação do Cruzeiro ontem à tarde, no Mineirão. Comcruzamento do primeiro e gol de cabeça do segundo, o time venceu o Goiás por 1 a 0 e subiu uma posição, da 12ª
para a 11ª, na tabela do Brasileiro, afastando-se da zona de rebaixamento. O técnico agradeceu o apoio da torcida eespera que ela faça o mesmo diante do Avaí no próximo domingo, também na Pampulha. CAPA E PÁGINA 2
O Brasil subiu três vezes ao topo do pódio ontem.No segundo dia oficial de competições dos JogosPan-Americanos, conquistou o ouro no judô, com CharlesChibana (esq), na patinação artística (dir), com MarcelSturmer, e no tiro, com Felipe Wu (ao lado). Faturoutambém duas medalhas de prata (patinação artísticafeminina e canoagem) e quatro de bronze (ginásticaartística feminina, hipismo de adestramento por equipe,rúgbi de 7 feminino e judô). No quadro geral, o Brasil ocupao quinto lugar entre os países na disputa. PÁGINA 6
RODRIGO CLEMENTE/EM/D.A PRESS
EE★★MM
Trinta anos atrás, acultura jovembrasileira explodiuao som dosroqueiros, com 13álbuns queconquistaram fãs.EM convida oleitor a eleger osdiscos e bandasmais queridos dopúblico. CAPA E PÁGINA 6
história
Lucro chega
a galope
TRINCA DE OUROS
COB/
DIV
ULG
AÇÃO
LELIS
QUE VENHAM
MAISMaior ganhador de ouros, com 12, o nadador minas-tenista Thiago Pereira sóprecisa de dois pódios, nas oito provas que disputará, para ser o maior medalhistado país, com 19. Com mais cinco, será recordista absoluto. PÁGINA 5
PED
ROPA
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THIAGO BERNARDES/ESTADÃO CONTEÚDO
Crianças de até seis anossão as principais vítimas deagressão domésticaatendidas no Hospital JoãoXXIII, revela pesquisacomandada pela assistentesocial Fernanda Flaviana
VIOLÊNCIA CONTRAMENORES MAPEADA
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GERAISESTADO DE MINAS ● S E G U N D A - F E I R A , 1 3 D E J U L H O D E 2 0 1 5 ● E D I T O R : A n d r é G a r c i a ● T E L E F O N E S : ( 3 1 ) 3 2 6 3 - 5 2 4 4 / 3 2 6 3 - 5 1 0 5 ● E - M A I L : g e r a i s . e m @ u a i . c o m . b r W h a t s A p p : ( 3 1 ) 8 5 0 2 - 4 0 2 3
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CRISTINA HORTA/EM/D.A PRESS
LEIA MAISSOBRE ORIO DOCEPÁGINA 14
DESMATAMENTOASSOLA O RIO DOCE
Reportagem do EM flagra devastação da mata atlântica no entorno do parque estadual da região,considerado a maiorreserva do bioma em Minas.Agressão à floresta reduz volume de nascentes e acelera degradação do curso d’água
Veja vídeo sobre desmatamentoda mata atlântica no ParqueEstadual do Rio Doce
MATEUS PARREIRAS E GUILHERME PARANAIBA
Marliéria, Dionísio e Timó-teo – Dois roncos de motoresacelerando rompem a vegetaçãodensa, de onde apenas o pio estri-dente das seriemas escapava.Movimentando a correia de lâ-minas contra os troncos de pero-bas, vinháticos e coqueiros, duasmotosserras vão pondo abaixoas espécimes da mata atlântica,uma das florestas mais devasta-das do mundo e detentora damaior biodiversidade do país. Acena flagrada pelo Estado de Mi-nas ocorre nos flancos do ParqueEstadual do Rio Doce, a maior re-serva de mata atlântica remanes-cente em Minas Gerais, com35.970 hectares e a um dia de aunidade completar 64 anos – 14de julho. O absurdo se torna ain-da mais evidente porque, apesarde o bioma ser protegido por lei,o desmatamento se dá em áreade proteção ambiental. Dentrodo parque, nascentes e cursosque alimentam o Rio Doce de-pendem de conservação e mos-tram que a devastação da florestaacelera a degradação do manan-cial que, de tão combalido, nãochega sequer ao mar por sua fozoriginal, como mostrou ontem areportagem do Estado de Minas.
As mazelas da mata atlânticae do Rio Doce são causadas pelosmesmos problemas, de acordocom o coordenador regional doInstituto Mineiro de Gestão dasÁguas (Igam), Wyllian Giovanede Melo. “A devastação da mataatlântica – que é o bioma quepredomina em 98% da Bacia doRio Doce – teve 95% de sua exten-são dizimada”, disse. Contudo, afalta de repressão contra quemdestrói a mata permite que aindaocorram desmatamentos emáreas emblemáticas, como o par-que estadual.
Para encontrar essa devasta-ção a reportagem do EM se valeude imagens de satélites que ma-pearam a cobertura florestal daregião. Ao conferir comparativa-mente a extensão dessa vegeta-ção ao longo dos últimos 10 anosfoi possível identificar grandesclareiras sendo abertas recente-mente em áreas antes de selvafechada. Só no entorno do par-que, esse levantamento permi-tiu identificar 19 áreas devasta-das entre 2014 e 2015, somando114 hectares ou 281 campos defutebol, nos municípios de Mar-liéria, Dionísio e Timóteo, no Les-te de Minas.
A mata derrubada das árvoresabre espaço para chacreamentos,loteamentos, plantações de euca-liptos e pastagens. A vegetaçãoserrada no pé tem destinos dife-rentes, segundo a reportagemapurou junto às serrarias dessasregiões. Algumas são misturadas
a eucaliptos e vendidos a fornosde carvão, enquanto outros car-regamentos de exemplares no-bres da flora nacional são incine-rados nas próprias fazendas, semqualquer temor de fiscalização.
Num desses espaços abertosem Marliéria, primeiro um tratorfoi usado para abrir caminho nafloresta, fazendo uma estrada pa-ra dentro da mata. Lá dentro, doisfuncionários serravam as árvoresabrindo uma clareira que não po-dia ser vista de estradas vicinais,como a LMG-760. Os troncos cor-tados eram empilhados e depoistransportados por caminhões.Segundo apurado, parte ia parafornos da propriedade e outroseram vendidos.
O biólogo e especialista em re-cursos hídricos, Rafael Resck, ele-ge o assoreamento, reforçado pe-la ausência de vegetação ciliar,como o pior problema do RioDoce. Esse tipo de agressão é vis-to de forma bastante clara na re-gião de Ipatinga, segundo Resck.“Os sedimentos são carreados pa-ra dentro do rio, que não tem aproteção das matas ciliares. Qual-quer água ganha o poder de levarmaterial sólido para o leito do rio.A principal função da mata ciliaré conter as forças da água emépoca de chuva. Você encontraessa situação de extrema degra-dação em cidades como Resplen-dor, onde são pouquíssimos osfragmentos de mata nativa”, afir-ma o especialista.
IRREGULARES Resck lembratambém que a falta de chuvas fezcom que o problema ganhasseuma abordagem mais direta,mas acredita que essa conta nãopode ser paga apenas pela esti-agem. “Se olharmos o exemplodo Rio São Francisco, em uma dasmargens que está mais preserva-da o volume de água dos tributá-rios é maior. O assoreamentotem impacto direto na reduçãode volume de nascente e, alémdisso, estamos contribuindo comentrada de sólidos na água o tem-po todo”, complementa.
De acordo com a Secretaria deEstado de Meio Ambiente e De-senvolvimento Sustentável (Se-mad), os empreendimentos con-sultados pela reportagem nãotêm licenças para derrubar matanativa, apenas plantações deeucaliptos. A Semad informouainda que, em razão do aniversá-rio do parque, um levantamentocom áreas mais sensíveis ao des-mate seria divulgado hoje.
Na zona rural de Marliéria, que fica dentro de área de proteçãoambiental, estrada foi aberta no meio da floresta
Impunidade estimula cortes de espécimes do bioma, comoeste na região do Parque Estadual do Rio Doce
FOTOS: ALEXANDRE GUZANSHE/EM/D.A PRESS
❚❚ FLAGRANTE DO EMCENAS MOSTRAM MOMENTO EM QUE HOMEM DERRUBA ÁRVORE NOENTORNO DO PARQUE. VEJA NOS DETALHES DAS IMAGENS
GERAIS
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GUILHERME PARANAIBA
Enviado especial
Ponte Nova e Rio Doce – Seas regras estipuladas pelo Institu-to Mineiro de Gestão das Águas(Igam) para o uso dos rios de Mi-nas Gerais fossem aplicadas aocurso do próprio Rio Doce, cujocontrole é feito em nível federalpela Agência Nacional de Águas(ANA), em pelo menos um pontodo manancial a situação seria dealerta, último estágio antes darestrição de uso. A conclusão es-tá no Acompanhamento da Es-tiagem na Região Sudeste do Bra-sil, documento produzido men-salmente pelo Serviço Geológicodo Brasil (CPRM), e mostra que amédia das vazões de junho na Es-tação Cenibra do Rio Doce, entreIpatinga e Naque, no Vale do RioDoce, ficou abaixo da Q7,10 des-se ponto, caracterizada como omenor valor observado em setedias consecutivos nos últimos 10anos. Porém, como o Rio Doce éum curso d’água federal, poiscorta Minas e Espírito Santo, nãoexiste a necessidade de se restrin-gir o uso caso as vazões fiquemabaixo de 70% do valor da Q7,10,como ocorre nos mananciaismonitorados pelo Igam.
Além da baixa constatada emIpatinga, o Estado de Minasmostrou ontem que a falta deágua impede que o rio alcance o
mar por seu caminho natural, noEspírito Santo. A soma de agres-sões como desmatamento, asso-reamento e despejo de esgotosem tratamento ao longo dosmais de 86 mil quilômetros qua-drados drenados pela bacia, dosquais 86% em Minas, criou umcenário que torna o Rio Doce umdos mananciais mais degradadosdo estado. Na cabeceira, morado-res também reclamam da dimi-nuição do nível, o que mostraque as vazões estão reduzidas emtodo o segmento. A queda naquantidade de chuvas que vemse repetindo há pelo menos trêsanos ajuda a reforçar os efeitosda destruição ambiental nasáreas banhadas pela bacia.
No relatório de junho doCPRM constam informações de40 estações indicadoras, sendotrês no Rio Doce: uma entre Ipa-tinga e Naque, no Vale do Rio Do-ce, outra em Governador Valada-res, na mesma região, e a últimaem Colatina, já no Espírito Santo.Nos terminais de Valadares e Co-latina, o monitoramento apon-tou vazões médias de junho des-te ano entre 100% e 200% daQ7,10 de seus respectivos pontos,o suficiente para enquadrá-los noestado de atenção, caso fossemseguidas também no rio federalas normas estaduais. Para o pro-fessor do Departamento de Enge-nharia Hidráulica e Recursos Hí-
dricos da Universidade Federalde Minas Gerais (UFMG), NiloNascimento, a situação registra-da pelo CPRM na calha do Rio Do-ce sugere que é necessário umagestão para a situação de criseque pode ser semelhante ao quejá é adotado pelo Igam. “Estamoschegando ao meio do período se-co e as coisas tendem a se agra-var, já que não temos chuvas atéoutubro”, afirma.
O professor Carlos BarreiraMartinez, que coordena o Centrode Pesquisas em Engenharia Hi-dráulica e Recursos Hídricos da
UFMG, lembra que é necessárioestabelecer uma política de ou-torgas que privilegie o uso daágua beneficiando todos os usuá-rios, visando diminuir o impactoambiental. “O grande problema éque os corpos técnicos, muitasvezes competentes, enfrentamingerências políticas que nãocontribuem para resolver os pro-blemas devidamente de formatécnica e observamos todos osimpactos”, analisa.
MERGULHO SEM VOLTA O parâ-metro de comparação da quan-
tidade de água disponível noponto onde se forma o Rio Doce,no município de mesmo nome,na Zona da Mata mineira, é mo-tivo de tristeza para a dona decasa Maria Quinta de SouzaGuedes, de 64 anos. Há 16 anos,no local onde os rios Piranga, oprimeiro do estado a entrar emalerta pela baixa vazão, e do Car-mo se encontram, formando ocurso d’água que já não temmais força para chegar ao mardo Espírito Santo, ela perdeu umdos cinco filhos. Ele era acostu-mado a mergulhar em um pon-to onde hoje a água bate na altu-ra da canela. “Ele mergulhava eficava muito tempo debaixo d’á-gua. Até que nesse dia acheimuito estranho, pois ele não su-bia. De repente, apareceu comum ferimento na cabeça, porquedeve ter batido em alguma pon-ta, e já não estava mais vivo”, dizdona Maria. Esse é o marco quefaz com ela afirme categorica-mente: “Hoje não temos maisquase nada de água perto doque eu já vi nesse lugar”, diz.
Com a pequena Ingrid, de 2anos, nos braços, ela teme que aneta não veja mais o mesmo vo-lume de água que já correu na-quele ponto, ligando o alerta dacrise hídrica na porta de casa. Orelato de dona Maria, que moraem uma propriedade bem pertode onde começa a correr o Rio
Doce, deixa claro que a situaçãoenfrentada pelo manancial emsua foz, no Espírito Santo, não éum fato completamente diferen-te do que ocorre onde ele se for-ma. “Com pouca água no rio ficadifícil até para furar cisterna. Te-nho uma em casa, mas não estouusando, porque pode queimar abomba graças ao barro acumula-do no lugar da água. Só enche umpouco quando chove e o rio au-menta”, diz dona Maria.
MONITORAMENTO Segundo aAgência Nacional de Águas(ANA), a bacia hidrográfica do RioDoce é uma das bacias nas quaisa ANA tem atuado com ações demonitoramento, financiamentode estações de tratamento de es-gotos, apoio institucional ao fun-cionamento do Comitê da Baciae de sua agência de bacia, o Insti-tuto Bioatlântica (IBIO). “As va-zões predominantes neste anoestão muito próximas das verifi-cadas no ano passado e são tam-bém muito próximas das vazõesmínimas dos nossos registroshistóricos. Não se pode atribuiras baixas vazões apenas à degra-dação da bacia hidrográfica. Pas-samos por um biênio em que osregistros de chuvas e de vazõesmostram-se bastante inferioresàs médias históricas”, diz o espe-cialista em recursos hídricos daANA, Ney Murtha.
Além de também sofrer com afaltadeáguaqueseespalhaporto-da a Bacia Hidrográfica do Rio Do-ce, o ponto em que o curso d’águase forma recebe o esgoto carrega-do pelos seus dois formadores: oRio Piranga e o Rio do Carmo. O Pi-ranga,cujabaciadrenaaáreade77municípios, recebe resíduos gene-ralizados, que chegam a assustarpelo tamanho da agressão aomeio ambiente. Em Ponte Nova,últimocentrourbanoantesdafor-mação do Rio Doce, as manilhasdespejam o esgoto dos 57 mil mo-radores 24 horas por dia sem tra-tamento adequado.
Emabrildoanopassado,emsé-riedereportagenssobreasituaçãodas nascentes dos rios mineiros, oEstado de Minas mostrou que oRio Doce já nascia com 5.172% decoliformestermotolerantesacimadolimitepermitidopeloConselhoNacional do Meio Ambiente (Co-nama).AdegradaçãoambientaldoPiranga também contribui para aperdadovolumequechegaaoDo-
ce, graças ao assoreamento. No lu-gar de uma vegetação capaz deproteger o manancial, é possívelver lixo, e os muros de casas, quesão construídas quase no leito, emPonte Nova. A variedade de canose manilhas é grande, todos expe-lindo um líquido de aparência vis-cosa. O esgoto deixa a água com acorverdeepioraaindamaisaqua-lidade em um momento de escas-sez,poissemisturaemumaquan-tidademenordorecursohídrico,oquedificultaadepuração,segundoo biólogo e especialista em recur-sos hídricos, Rafael Resck.
“OretratogeraldoRioDocepo-deseranalisadonaregiãoondeelecomeça a correr. Não podemosquerer que um rio que sofre tan-tos problemas desde o seu iníciochegue naturalmente à sua foz. Émuito esgoto urbano e industrialdespejado, captações desconheci-das dos órgãos públicos e minera-ção ao longo de toda a bacia”, afir-ma o especialista.
Segundo o diretor do Departa-
mento Municipal de Água, Esgotoe Saneamento de Ponte Nova,Guilherme Resende Tavares, omunicípio já concluiu o seu planomunicipal de saneamento e estáelaborando o projeto da Estaçãode Tratamento de Esgoto (ETE) domunicípio. Ele estima que emdois anos já seja possível tratar pe-lo menos parte do esgoto. A capa-cidade será de 192 litros por se-gundo, o que excede a demandada cidade. O presidente do Comitêda Bacia Hidrográfica do Rio Pi-ranga (CBH/Piranga), CarlosEduardo Silva, diz que das 77 cida-des da bacia, 56 foram escolhidaspara elaboração dos planos de sa-neamento e 30 já tiveram seusplanos concluídos.
IRRIGAÇÃO Segundo o secretário-executivo do Comitê de Integra-ção da Bacia Hidrográfica do RioDoce (CBH/Doce), Luiz Cláudio Fi-gueiredo, os investimentos em sa-neamento somam R$ 21 milhões,fruto da cobrança pelo uso da
águanabacia.Dos228municípiosem toda a área de Minas e EspíritoSanto,156estãoincluídosparaela-boraçãodosplanosetodosdevemconcluir os estudos até o fim doano. Além disso, Figueiredo cita oinvestimentodeR$2milhõesparaa aquisição de 240 irrigâmetros,equipamentos desenvolvidos pe-la Universidade Federal de Viçosa(UFV) para otimizar o processo deirrigação ao longo da bacia.
Por fim, o edital de um progra-ma de recuperação de nascentes eáreas de proteção permanente es-tá sendo elaborado, cujo objetivoé escolher uma empresa para de-senvolver as ações necessárias pa-ra melhorar a recarga do sistemahídrico nesses locais. “Essas açõessão referentes ao quadriênio de2012 a 2015. Nesse segundo se-mestre começarão as discussõespara a aplicação de recursos nospróximos quatro anos e certa-mente a questão da escassez seráa principal norteadora”, afirma osecretário. (GP)
Se normas estaduais fossem aplicadas ao Rio Doce,cujo controle é em nível federal,manancial teria ao menos um ponto de alerta,último estágio antes da restrição de uso
DEGRADAÇÃO DACABECEIRA À FOZ
Publicada ontem e hoje peloEstado de Minas, a série AmargaAgonia mostrou que o Rio Docedeixou de correr na foz original ede desaguar no Atlântico pelaprimeira vez na história. Asreportagens relataram ainda adevastação estimulada pelaimpunidade no entorno da baciae que nascentes e cursos quealimentam o manancialdependem de conservação.
EXPEDIENTE: ●● Reportagem: Mateus Parreiras, Guilherme Paranaiba, Alexandre Guzanshe e Leandro Couri ●● Edição: Roney Garcia e Tetê Monteiro ●● Projeto gráfico: Carlos Pereira ●● Artes: Marcelo Monteiro●● Diagramação: Carlos Pereira ●● Revisão: Ademar Fulgêncio
Além de baixavazão do RioPiranga,moradores dePonte Novaainda têm queconviver comdespejo deesgoto semtratamento
FALTA ÁGUA, SOBRA ESGOTO
ALERTA
Q7,10Média das vazões em junho na
Estação Cenibra, entre Ipatinga e Naque.
Esse é o menor valor observado
em sete dias nos últimos 10 anos
SALVO PELAS REGRAS
Dona Maria Quinta, com a neta Ingrid, lamenta a baixa vazão noencontro dos rios Piranga e Carmo, em Rio Doce: filho morreu ao
mergulhar no local e bater a cabeça em alguma ponta
FOTOS: LEANDRO COURI/EM/D.A PRESS
O retrato geral do Rio Doce pode seranalisado na região onde ele começa acorrer. Não podemos querer que umrio que sofre tantos problemas desdeo seu início chegue naturalmente à
sua foz. É muito esgoto urbano eindustrial despejado, captações
desconhecidas dos órgãos públicos emineração ao longo de toda a bacia
■■ Rafael Resck, biólogo e especialista em recursos hídricos
Computados os gastos demotoristas de táxi (foto)e do Uber, parceiros doaplicativo têm custos maispesados, especialmentea longo prazo
A BATALHA NAPONTA DO LÁPIS
PÁGINA 15GERAIS
ESTADO DE MINAS ● T E R Ç A - F E I R A , 1 4 D E J U L H O D E 2 0 1 5 ● E D I T O R : A n d r é G a r c i a ● T E L E F O N E S : ( 3 1 ) 3 2 6 3 - 5 2 4 4 / 3 2 6 3 - 5 1 0 5 ● E - M A I L : g e r a i s . e m @ u a i . c o m . b r W h a t s A p p : ( 3 1 ) 8 5 0 2 - 4 0 2 3
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LEANDRO COURI/EM/D.A PRESS
LEIA MAISSOBRE A CRISEHÍDRICAPÁGINA 14
Depois de denúncias de série do EM, Secretaria de Estado do Meio Ambiente anuncia operaçãopara combater desmate clandestino que contribui para que o Rio Doce não chegue mais ao oceano
MATEUS PARREIRAS E GUILHERME PARANAÍBA
Os desmatamentos que ameaçammatas ciliares, áreas de recarga e nascen-tes do Rio Doce, sobretudo nas reservasde mata atlântica da região do Parque Es-tadual do Rio Doce, serão alvo de opera-ção da Secretaria de Estado de Meio Am-biente e Desenvolvimento Sustentável(Semad) nas próximas semanas. A fiscali-zação é uma reação às denúncias do Es-tado de Minas de que áreas nos flancosdas unidades de conservação estão sen-do devastadas de forma criminosa paradar lugar a empreendimentos imobiliá-rios, plantações de eucalipto e pastos,com as árvores se tornando carvão. O Mi-nistério Público (MP) do estado tambéminformou que aguarda receber informa-ções de levantamento da Agência de De-senvolvimento Metropolitano do Valedo Aço para atuar em chacreamentos eloteamentos que destroem a mata pro-tegida por lei. Atualmente, 18 empreen-dimentos se encontram embargados poresse motivo. De acordo com o comitê dabacia hidrográfica (CBH-Doce), com oInstituto Mineiro de Gestão das Águas(Igam) e com ambientalistas, esse tipo depressão é um dos principais motivos pa-ra o assoreamento e a escassez hídricaque levaram o maior manancial do Su-deste brasileiro a não mais atingir o marem sua foz tradicional, em Regência, dis-trito do município de Linhares (ES), comomostra o EM desde domingo.
A Semad informou que dispõe de umpelotão da Polícia Militar no interior doParque Estadual do Rio Doce, que é amaior unidade de conservação da mataatlântica no estado, com 35.970 hectares– e que hoje completa 64 anos. Dentrodo parque estão concentradas 104 lagoasmarginais do Rio Doce, que são pontosde reprodução de peixes e outros ani-mais. De acordo com a secretaria, asações de fiscalizações são rotineiras e se-riam antecipadas em razão dos flagran-tes de tratores abrindo estradas dentrodas áreas preservadas e motosserras der-rubando a vegetação em clareiras aber-tas nesses espaços, que formam umadas principais áreas de recarga hídrica dorio. Informações extraoficiais dão contade que esses espaços, nos flancos do par-que, eram considerados “áreas pacifica-
das”, nas quais a ação de desmatadoresera tida como controlada. No ano passa-do, por exemplo, uma construtora res-ponsável pela derrubada de 1.597 árvo-res do bioma, perto da rodovia MG-452,foi multada em R$ 180 mil.
Mas o assunto parece longe de serresolvido, uma vez que as ações de re-cuperação são lentas e os desmatado-res, insistentes. Apenas pelo levanta-mento feito pela reportagem do EM pa-ra encontrar áreas devastadas da mataprotegida foram identificados 19 espa-ços de 114 hectares derrubados. En-quanto isso, no ano passado, o Institu-to Estadual de Florestas realizou o ca-dastramento e a implantação de recu-peração de 600 hectares, atendendo 306produtores, com mourão, arame, gram-po e adubo. As áreas beneficiadas foramnascentes, áreas de preservação perma-nente e outras áreas degradadas, com adoação de 50 mil mudas.
A secretaria informou também que
está “apurando a situação da bacia doRio Doce. As agressões encontradas sãogeneralizadas e contribuem para que orio não consiga alcançar mais a foz, noestado do Espírito Santo”, mesmo sendoo rio de domínio da União. Segundo a Se-mad, a atuação do IEF “tem como um deseus focos principais recuperar áreas de-gradadas e manter o equilíbrio ambien-tal, garantindo a diversidade biológica, aprodução da água, o equilíbrio climáticoe a qualidade do solo. O fomento tam-bém tem como função reduzir a pressãosobre as florestas nativas”.
PRESSÃO Para o coordenador regionaldas promotorias de Justiça de Meio Am-biente da Bacia do Rio Doce, LeonardoCastro Maia, a maior pressão atualmen-te sobre o Parque Estadual do Rio Doce éimobiliária. “O problema do desmata-mento existe e a fiscalização está aquémdo necessário. O MP atua, mas sozinhonão consegue informações que deve-
riam ser repassadas por órgãos fiscaliza-dores do estado”, disse Maia. “Estamosatuando na questão da reserva legal edas Áreas de Proteção Permanente, deforma coercitiva e ajuizando ações pararecuperar essas áreas”, afirma.
O secretário-executivo do Comitê daBacia Hidrográfica do Rio Doce (CBH Do-ce), Luiz Cláudio Figueiredo, mostra-sepreocupado com o futuro. “Da mesmaforma que o que aconteceu na foz é re-sultado de um processo lento, a reversãodo quadro também é lenta, com açõesde longo prazo, como os planos de sa-neamento e o programa de recuperaçãode nascentes”, afirma.
Uma das ações importantes do comi-tê tem sido investir as verbas de R$ 56milhões originárias da cobrança pelouso da água da Bacia do Rio Doce, queocorre desde 2011, em fomento a proje-tos. Desse total, R$ 21 milhões foram in-vestidos na elaboração de planos muni-cipais de saneamento para 156 das 228
cidades da bacia, sendo que até o final doano todos estarão concluídos. O investi-mento em preservação de nascentestambém é importante e tem sido priori-dade do CBH-Doce no Rio Suaçuí, que éum dos principais tributários, e umaparceria com o Instituto Terra para recu-peração de mais olhos d’água e surgên-cias vem sendo negociada.
No Espírito Santo, uma das lutas paraconservar o Rio Doce pleiteia a implanta-ção de unidades de preservação como aReserva Biológica de Comboios, em pro-cesso de criação, o Corredor da MataAtlântica Socongo e o Mosaico das Unida-des de Conservação da Foz do Rio Doce.
A série de reportagens espe-ciais que desde o domingo mos-tra o quadro de degradação quelevou ao secamento da foz do RioDoce em Linhares (ES) provocougrande repercussão nas redes so-ciais. Mais de 500 pessoas com-partilharam e curtiram as maté-rias, que mostram que as agres-sões sofridas pelo manancial emMinas são responsáveis pela si-tuação no litoral.
A reportagem “Rio Doce deixade correr na foz original e de de-saguar no Atlântico pela primei-ra vez na história” recebeu maisde 390 compartilhamentos. Osinternautas exibiram, por meiodos comentários, a preocupação
com a situação do maior cursod’água do Sudeste brasileiro, quejá começa a correr poluído, noencontro do Rio Piranga com oRibeirão do Carmo. “O rio estámorrendo. Os cidadãos têm quese mobilizar para mudar esta si-tuação com urgência. Socorro!”,comentou Neiva Carmo.
O problema da estiagem foilembrado pelo leitor Ferdinan-do. “Vem aí a maior estiagemde todos os tempos e todomundo está fazendo de contaque nada vai acontecer! A águapotável vai faltar e só aí o ho-mem vai se lembrar de que osrios deram o alerta há muitotempo”, comentou o leitor.
ESPANTO E ALERTANAS REDES SOCIAIS
ÓRGÃOS AMBIENTAISREAGEM À DEVASTAÇÃO
ALEXANDRE GUZANCHE/EM/D.A PRESS
Área derrubadarecentemente aolado de mataprotegida:autoridadesconsideravam aregião ‘pacificada’
GERAIS
E S T A D O D E M I N A S ● T E R Ç A - F E I R A , 2 1 D E J U L H O D E 2 0 1 5
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● A terça-feira começacom sol em todo oestado de MinasGerais. Com aaproximação de umafrente fria, anebulosidadeaumenta sobre aRegião Sul e chove apartir da tarde naregião, comtrovoadas. Nasdemais áreas, amassa de ar secomantém o tempofirme, o solpredomina e não háprevisão de chuva. Amanhã começa comtemperatura amena,mas faz calor à tarde.
O TEMPO HOJE
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47%6h29 17h35 6/8 15/7 24/7 31/7
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▲▲ 28°C▼▼ 15°C
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▲▲ 26°C▼▼ 16°C
▲▲ 24°C▼▼ 8°C
ATENÇÃO
VOLTA A CHOVERNO SUL
A aproximação deuma frente fria
aumenta anebulosidade eprovoca chuva a
partir da tarde noSul de Minas.
21/6 a 23/9
SION
Morador reclama de iluminaçãoLeonardo Costa – por e-mailLâmpadas de postes em minha rua, a Costa Rica, no BairroSion, Região Centro-Sul de Belo Horizonte, estão queimadas hátempos, e as que ainda restam estão praticamente apagadas,deixando o lugar cada vez mais perigoso. Eu e meus vizinhosjá fizemos várias reclamações, mas nada foi resolvido. Asatendentes sempre informam que as lâmpadas serãosubstituídas no prazo de sete dias úteis, mas isso não ocorreuaté a presente data. O quarteirão, por estar às escuras, tornou-se um risco permanente de assaltos.
CEMIG RESPONDE
Em atenção ao leitor Leonardo Costa, a Companhia Energética deMinas Gerais informa que enviou uma equipe à Rua Costa Rica, noBairro Sion, Região Centro-Sul de Belo Horizonte, e normalizou oserviço de iluminação pública. Informamos também que estamosà disposição para atender reclamações do tipo.
ASS
IMV
IVEM
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“O que é preciso para falar aomicrofone no meio da rua?Bem, tem de ter muita corageme um pouco de voz. A minha dápara quebrar o galho”
Mário Lúcio Santos, de 32 anos, é locutor de ofertas emuma loja de roupas da Avenida Paraná, no Centro deBelo Horizonte. Paralelamente, escreve músicas e cantaem um grupo de rap. “Corra e aproveite nossos 80% dedesconto”, convoca ele, da calçada. (Sandra Kiefer)
MÁRIO LÚCIO
●● Excepcionalmente hoje não são publicadasas seções Notas do dia e Agenda
TÚLIO SANTOS/EM/D.A PRESS
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Após denúncia do EM, fiscalização pune degradação no entorno de parque
Flagrantes de devastação❚ RIO DOCE /
ANDREA ZHURI, COORDENADORADO GRUPO DE ESTUDOS EM TEMÁTICASAMBIENTAIS DA UFMG
PALAVRA DE ESPECIALISTA
As áreas de amortecimento damata atlântica e os parquesdevem ser protegidos deatividades ilegais, mas o quevemos são órgãos ambientaiscom corpo de fiscais malequipado, sem aparelhos deGPS para fazer mapeamento,sem treinamento. Com isso,mal se consegue impedir adevastação ambiental.Licenciamentos ambientais degrandes empreendimentostambém acabam não sendoconferidos. Problemas comoesses são ainda piores em umabacia como a do Rio Doce, queestá tão seca que não chegamais ao mar.
Falta apoio àfiscalização
MATEUS PARREIRAS
Ações de desmatamento deárvores nobres da mata atlânticae de seus sub-bosques nas áreasde amortecimento do Parque Es-tadual do Rio Doce (Perd), no Les-te do estado, foram alvo de umaoperação de fiscalização da Secre-taria de Estado de Meio Ambien-te e Desenvolvimento Sustentá-vel (Semad), que terminou nasexta-feira e encontrou não ape-nas supressão vegetal, mas tam-bém fornos de carvão, loteamen-tos, queimadas e intervençõesem recursos hídricos. A açãoocorreu depois de a série de re-portagens “Amarga agonia”, doEstado de Minas, mostrar, na se-mana passada, a devastação am-biental na região, que é de extre-ma importância para a recargado Rio Doce.
O manancial se encontra tãoassoreado e seco que não chegamais a desaguar no mar em suafoz original, em Linhares, no Es-pírito Santo. Ambientalistas e in-
tegrantes do Comitê da Bacia Hi-drográfica do Rio Doce (CBH-Do-ce) apontam ser a destruição damata atlântica uma das princi-pais causas dessa situação. Os re-sultados da ação de fiscalizaçãoainda estão sendo consolidados,mas responsáveis por pelo me-nos duas áreas mostradas pelareportagem vão ser multadosem cerca de R$ 30 mil, no total, eautuados por crime ambiental.
Em uma delas, a equipe de re-portagem flagrou o momentoem que dois homens com motos-serras derrubavam a mata emuma fazenda do município deMarliéria, a 194 quilômetros deBH. Segundo a Polícia Militar, odestino da lenha de mata nativaera alimentar os fornos de carvão,misturada ao eucalipto que oproprietário tinha licença paraextrair e queimar. Ainda de acor-do com a ocorrência, o fazendei-ro tentou justificar a abertura daestrada, dizendo que se tratava deum “aceiro preventivo” – um es-paço aberto na mata para evitar
que uma queimada fuja ao con-trole –, mas, pelas característicasobservadas no local pelos milita-res, tratava-se mesmo de uma es-trada aberta na mata. A multa nafazenda será de cerca de R$ 16 mil.
Com o auxílio de um helicóp-tero, equipes de oito fiscais e qua-
tro policiais também confirma-ram outra agressão mostrada nareportagem, na quel o proprietá-rio derrubou eucalipto mistura-do à vegetação de mata atlântica.Sobraram apenas os tocos dos es-pécimes protegidos. A madeiraderrubada seguiu com o carrega-
Estrada aberta na mata atlântica, perto de unidade de preservação
ALEXANDRE GUZANSHE/EM/D.A PRESS
mento de eucalipto, como se fos-se proveniente de silvicultura. Aárea devastada foi extensa, che-gando a 24 hectares. A multa foiestimada em R$ 15 mil.
Outros quatro espaços foramfiscalizados no entorno do Perd.Usando o histórico de imagensde satélites, o EM localizou pelomenos 19 locais na região emque a mata nativa foi derrubadanos últimos dois anos, chegandoa uma área de 114 hectares, ou281 campos de futebol.
Segundo a coordenadora dafiscalização, Marina Dias, as áreasfazem parte da mata de amorte-cimento do Perd, e são funda-mentais. “Muitas nascentes e re-cursos hídricos vêm dessas áreaspara o parque. Os animais tam-bém têm nessas matas o territó-rio que percorrem”, disse. A ma-ta atlântica – bioma predomi-nante em 98% da Bacia do RioDoce – teve 95% de sua extensãodizimada na Região Leste, deacordo com o Instituto Mineirode Gestão das Águas (Igam).