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28 Fisioter Pesq. 2008;15(4):326-32 Riscos biomecânicos posturais em trabalhadores de uma serraria Biomechanical risks in sawmill worker postures André Gustavo Soares de Oliveira 1 , Hanne Alves Bakke 2 , Jerônimo Farias de Alencar 3 Estudo desenvolvido no Depto. de Fisioterapia do CCS/UFPB – Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB, Brasil 1 Fisioterapeuta Especialista 2 Fisioterapeuta Ms. 3 Prof. Dr. do Depto. de Fisioterapia do CCS/UFPB ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA André Gustavo S. de Oliveira R. Epitácio Pessoa 4880 apto.1003 Cabo Branco 58045-000 João Pessoa PB e-mail: [email protected] APRESENTAÇÃO jul. 2008 ACEITO PARA PUBLICAÇÃO fev. 2009 RESUMO: Os trabalhadores em serrarias estão sujeitos a riscos biomecânicos advindos das posturas adotadas durante suas atividades laborais. Este trabalho visou avaliar as posturas adotadas por esses trabalhadores por meio do método de avaliação rápida do corpo inteiro (REBA, rapid entire body assessment), buscando detectar e classificar os riscos biomecânicos. Participaram 15 trabalhadores do setor de produção de uma serraria em João Pessoa, PB, do sexo masculino, com idade média de 44±10,9), avaliando-se quatro posturas: flexão anterior do tronco com levantamento de carga, agachamento profundo, flexão ântero-lateral do tronco e corpo estendido para mover uma prensa. Sintomas musculoesqueléticos foram identificados no mapa corporal de Corlett. Um questionário semi-estruturado levantou os dados demográficos, ambientais e as funções executadas. Pelo REBA, a flexão anterior de tronco apresentou nível de risco muito alto e as posturas de agachamento profundo, flexão ântero-lateral do tronco e movimento do corpo em extensão, nível de risco alto. Uma alta proporção (73,3%) deles queixaram-se de dor ou desconforto na coluna e 26,8% na região dos ombros. Considerando os níveis de riscos apresentados, requerem-se intervenções ergonômicas preventivas no posto de trabalho para adoção de posturas que melhor propiciem a execução das atividades com menor risco à saúde do trabalhador. DESCRITORES: Biomecânica; Fatores de risco; Postura; Saúde do trabalhador ABSTRACT: Workers in sawmills are exposed to biomechanical risks due to the postures adopted during their activities. The purpose here was to assess postures adopted by these workers by using the rapid entire body assessment (REBA), in order to detect and classify possible biomechanical risks. Fifteen male workers from the production section of a sawmill in João Pessoa, PB (mean age 44±10.9 years old) were assessed as to the postures adopted at work. A semi-structured questionnaire collected demographic and environmental data as well as functions in the workplace. Musculoskeletal symptoms were identified using Corlett’s body map. Four postures were evaluated: anterior trunk flexion with weight lifting, deep crouching, anterior trunk flexion with lateral inclination and extended body to move a press. The REBA method showed a very high risk level for the anterior trunk flexion; the other postures – deep crouching, anterior trunk flexion with lateral inclination, and extended body to move a press – were shown to bear a high risk level. Accordingly, 73.3% of the workers complained of back pain or discomfort and 26.8% of pain in the shoulder area. Considering the risk levels assessed, there is a need for ergonomic and preventive interventions in the workplace so that workers adopt postures that best suit their work activities with lesser risk to their health. KEY WORDS: Biomechanics; Occupational health; Posture; Risk factors Fisioter Pesq. 2009;16(1):28-33 Fisioterapia e Pesquisa, São Paulo, v.16, n.1, p.28-33, jan./mar. 2009 ISSN 1809-2950

Riscos biomecanicos em trab serraria

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28 Fisioter Pesq. 2 009; 16( 1)Fisioter Pesq. 2008 ; 15 (4) : 326-32

Riscos biomecânicos posturais em trabalhadores de uma serrariaBiomechanical risks in sawmill worker postures

André Gustavo Soares de Oliveira1, Hanne Alves Bakke2, Jerônimo Farias de Alencar3

Estudo desenvolvido no Depto.de Fisioterapia do CCS/UFPB –Centro de Ciências da Saúde daUniversidade Federal daParaíba, João Pessoa, PB, Brasil

1 Fisioterapeuta Especialista

2 Fisioterapeuta Ms.

3 Prof. Dr. do Depto. deFisioterapia do CCS/UFPB

ENDEREÇO PARA

CORRESPONDÊNCIA

André Gustavo S. de OliveiraR. Epitácio Pessoa 4880apto.1003 Cabo Branco58045-000 João Pessoa PBe-mail:[email protected]

APRESENTAÇÃO

jul. 2008ACEITO PARA PUBLICAÇÃO

fev. 2009

RESUMO: Os trabalhadores em serrarias estão sujeitos a riscos biomecânicos advindosdas posturas adotadas durante suas atividades laborais. Este trabalho visou avaliaras posturas adotadas por esses trabalhadores por meio do método de avaliaçãorápida do corpo inteiro (REBA, rapid entire body assessment), buscando detectar eclassificar os riscos biomecânicos. Participaram 15 trabalhadores do setor deprodução de uma serraria em João Pessoa, PB, do sexo masculino, com idademédia de 44±10,9), avaliando-se quatro posturas: flexão anterior do tronco comlevantamento de carga, agachamento profundo, flexão ântero-lateral do tronco ecorpo estendido para mover uma prensa. Sintomas musculoesqueléticos foramidentificados no mapa corporal de Corlett. Um questionário semi-estruturadolevantou os dados demográficos, ambientais e as funções executadas. Pelo REBA,a flexão anterior de tronco apresentou nível de risco muito alto e as posturas deagachamento profundo, flexão ântero-lateral do tronco e movimento do corpo emextensão, nível de risco alto. Uma alta proporção (73,3%) deles queixaram-se dedor ou desconforto na coluna e 26,8% na região dos ombros. Considerando osníveis de riscos apresentados, requerem-se intervenções ergonômicas preventivasno posto de trabalho para adoção de posturas que melhor propiciem a execuçãodas atividades com menor risco à saúde do trabalhador.DESCRITORES: Biomecânica; Fatores de risco; Postura; Saúde do trabalhador

ABSTRACT: Workers in sawmills are exposed to biomechanical risks due to the posturesadopted during their activities. The purpose here was to assess postures adopted bythese workers by using the rapid entire body assessment (REBA), in order to detectand classify possible biomechanical risks. Fifteen male workers from the productionsection of a sawmill in João Pessoa, PB (mean age 44±10.9 years old) were assessedas to the postures adopted at work. A semi-structured questionnaire collecteddemographic and environmental data as well as functions in the workplace.Musculoskeletal symptoms were identified using Corlett’s body map. Four postureswere evaluated: anterior trunk flexion with weight lifting, deep crouching, anteriortrunk flexion with lateral inclination and extended body to move a press. The REBAmethod showed a very high risk level for the anterior trunk flexion; the other postures– deep crouching, anterior trunk flexion with lateral inclination, and extendedbody to move a press – were shown to bear a high risk level. Accordingly, 73.3% ofthe workers complained of back pain or discomfort and 26.8% of pain in theshoulder area. Considering the risk levels assessed, there is a need for ergonomicand preventive interventions in the workplace so that workers adopt postures thatbest suit their work activities with lesser risk to their health.KEY WORDS: Biomechanics; Occupational health; Posture; Risk factors

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Fisioterapia e Pesquisa, São Paulo, v.16, n.1, p.28-33, jan./mar. 2009 ISSN 1809-2950

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Oliveira et al. Riscos biomecânicos em uma serraria

INTRODUÇÃOA saúde do trabalhador, definida no

Brasil como uma área da saúde públicae de responsabilidade do Sistema Úni-co de Saúde, tem como missão o estu-do, a prevenção, a assistência e a vigi-lância aos agravos à saúde relacionadosao trabalho1.

Atualmente, por parte de empresas,há uma preocupação com o desenvol-vimento de doenças ocupacionais, dis-túrbios osteomusculares relacionados aotrabalho, bem como com o controle dosacidentes de trabalho. O governo vemtambém tomando medidas importantesna área, a exemplo da Política Nacionalde Saúde do Trabalhador, em vigor des-de 2004. A medida tem como foco aredução e controle de acidentes e do-enças relacionadas ao trabalho1.

Dentre o vasto universo de ativida-des ocupacionais, encontram-se as rea-lizadas em serrarias e marcenarias. Asmáquinas e ferramentas utilizadas nes-ses locais propiciam a realização de ati-vidades com sobrecargas físicas e riscosbiomecânicos2-5. Associado a esse aspec-to, existe um baixo grau de instrução dotrabalhador, que desconhece os riscos àsua saúde, contribuindo para a ocorrên-cia de doenças e acidentes de trabalho6.Há ainda outros fatores ambientais queinteragem com os trabalhadores, a citaro conforto térmico e a iluminância4.

É importante destacar que boas con-dições de trabalho são associadas nãoapenas ao cumprimento de normas tra-balhistas e à luta contra as doençasocupacionais, mas também à promoçãode melhores condições de vida no am-biente de trabalho, tendo em vista queo homem despende, constitucionalmen-te, cerca de 8 horas diárias no trabalho,equivalendo a um terço de seu tempo7.

Tendo em vista a influência dos fato-res pessoais, biomecânicos, organi-zacionais e psicossociais relacionadosao trabalho, a avaliação desses fatores énecessária para o estabelecimento daassociação entre estes e a possibilidadede surgir e/ou agravar um quadro de si-nais e sintomas no trabalhador8. Combase na identificação dos fatores de ris-co e de suas características moduladoras,podem ser tomadas medidas e interven-

ções ergonômicas e preventivas para apreservação da saúde desses indivíduos9,para melhor adaptar o trabalho ao ho-mem10. Do ponto de vista biomecânico,os riscos caracterizam-se pelo levanta-mento de cargas, frequência e intensi-dade de execução das tarefas, repetitivi-dade, uso excessivo de força, vibrações,compressões mecânicas, geralmente as-sociadas com posturas inadequadas11.

Um fator importante na avaliação deuma atividade executada é a investiga-ção das posturas adotadas pelos traba-lhadores. Estas, caso inadequadas, po-dem trazer conseqüências e sequelasincapacitantes para o funcionário. Pelaavaliação postural, más posturas even-tualmente detectadas podem serminimizadas por meio de treinamentosdirecionados à adoção de posturas cor-retas, seguras e confortáveis3.

Uma forma de fazer essa avaliação épelo método de avaliação rápida do cor-po inteiro (rapid entire body assessment,REBA). Esse método foi desenvolvido porHignett e McAtamney12 como uma fer-ramenta de avaliação de posturas dinâ-micas e estáticas, para identificar riscosbiomecânicos, a existência de mudan-ças bruscas posturais ou posturas instá-veis adotadas durante a atividade reali-zada. Essa avaliação envolve os mem-bros superiores e inferiores, tronco epescoço, considerando os fatores cargaou força manuseada e tipo de garra, in-dicando a necessidade de implantaçãode medidas corretivas e a urgência deintervenção12.

De acordo com os autores, o métodoREBA foi desenvolvido a partir de outrastécnicas – como a proposta pelo NationalInstitute for Occupational Safety andHealth dos Estados Unidos, o sistema deanálise de posturas ocupacionais(working postures analyzing system,OWAS), a avaliação rápida dos membrossuperiores (rapid upper limb assessment,RULA) e a pesquisa de desconforto empartes do corpo (body part discomfortsurvey) – no sentido de estabelecer asamplitudes dos segmentos do corpocom base no diagrama da RULA. Pelaassociação de várias posturas e interaçãocom cargas foram estabelecidos critéri-os de classificação do nível de risco egrau de intervenção necessária. Sua apli-cação classifica o risco de lesões mus-

culoesqueléticas associado a uma pos-tura em: desprezível (1 ponto), baixo (2-3 pontos), médio (4-7 pontos), alto (8-10 pontos) e muito alto (11-15 pontos).O método propõe quatro graus de inter-venção, que se relacionam ao nível derisco, a saber: não necessária; pode sernecessária, necessária, necessária oquanto antes e imediata, respectivamen-te12. Trata-se, portanto, de uma ferramen-ta útil e de fácil aplicação para preven-ção de riscos, indicando condições detrabalho inadequadas. O programa dométodo encontra-se disponível on-line:www.ergonautas.upv.es/metodos/reba/reba-ayuda.php13.

As atividades ocupacionais realizadasem serrarias e madeireiras apresentamrisco ocupacional grau 3, de acordo coma classificação nacional de atividadeseconômicas e o nível de risco de aci-dente do trabalho associado14. No setorde serraria, percebe-se uma escassez deestudos acerca dos riscos biomecânicosposturais adotados no exercício das ati-vidades, aos quais estão sujeitos os tra-balhadores.

Assim, este artigo busca avaliar asposturas adotadas pelos trabalhadores deuma serraria, mediante a utilização dométodo REBA, com o objetivo de detec-tar possíveis riscos biomecânicos à saú-de do trabalhador.

METODOLOGIAO estudo foi realizado com 15 traba-

lhadores do sexo masculino envolvidosexclusivamente no setor de produção deuma serraria em João Pessoa, PB, queexerciam funções variadas em razão doposto de trabalho e adotavam posturasdiferenciadas, de acordo com a ativida-de executada. Foram excluídos aquelesque exerciam outras atividades não-re-lacionadas à produção, como trabalha-dor do setor administrativo, motorista eauxiliar de serviços gerais. Os aptos aintegrar a pesquisa foram informadossobre os objetivos, a metodologia equanto à aceitação de participação. To-dos concordaram e assinaram o termode consentimento livre e esclarecido. Oprojeto foi aprovado pelo Comitê de Éti-ca de Pesquisa em Seres Humanos daUniversidade Federal da Paraíba.

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As posturas adotadas pelos trabalha-dores foram registradas por uma máqui-na fotográfica digital (modelo A502 –Samsung). As queixas musculoesqueléti-cas foram assinaladas no diagrama cor-poral de Corlett15. A análise dos níveisde risco das posturas selecionadas foirealizada pela ferramenta de análisepostural REBA. Os dados referentes aoambiente de trabalho, aos funcionários,à linha de produção, função e tempo nafunção foram coletados por meio de umquestionário semi-estruturado.

A pesquisa foi realizada pela aborda-gem in loco no decorrer de cinco visi-tas, durante o horário normal de expe-diente e sem interrupção do processo deprodução. Inicialmente foi feita a coletados dados pelo questionário semi-estruturado, envolvendo idade, grau deescolaridade, tipo de atividade, jornadade trabalho, tempo nas funçõesexercidas na linha de produção e tiposde equipamentos e máquinas utilizadasno setor. Os trabalhadores ainda foramindagados acerca do ambiente de tra-balho, quanto a nível de ruído (muitobarulhento, barulhento, agradável e si-lencioso), temperatura (muito quente,quente, agradável, frio e muito frio) e ilu-minação (agradável, muito claro comreflexão de luz, e escuro). A seguir, pro-cedeu-se ao registro da indicação doslocais das queixas musculoesqueléticasutilizando o diagrama corporal deCorlett e, posteriormente, foram captu-radas imagens das posturas adotadas poreles durante a atividade nos postos detrabalho.

A seleção das posturas a serem anali-sadas foi baseada na freqüência das res-postas à pergunta: “Das posturas quevocê adota no trabalho, qual(is) a(s) quemais incomoda(m)?” Foram relatadas eselecionadas para registro fotográfico asseguintes posturas: flexão anterior dotronco com semiflexão dos joelhos comcarregamento de carga; agachamentoprofundo; flexão ântero-lateral do tron-co; e uso do corpo estendido comoapoio (Figura 1).

Os dados coletados pelo questioná-rio semi-estruturado e pelo diagramacorporal de Corlett foram analisadosdescritivamente; a avaliação biomecâ-nica das posturas citadas como mais in-cômodas foi realizada pela aplicação dosoftware REBA, que indica o grau de ris-co biomecânico e a necessidade de in-tervenção de acordo com a pontuaçãoapresentada no programa.

RESULTADOSOs trabalhadores da serraria estuda-

da apresentaram idade variando entre 29e 65 anos (média=44±10,9 anos) e tem-po médio na função de 14,9±8,5 anos.O nível de escolaridade foi muito bai-xo: 92,3% tinham ensino fundamentalincompleto e 7,7% eram analfabetos.

As principais atividades executadaspelos trabalhadores são: serrar, furar, li-xar e montar os produtos comerciali-zados, como portas, janelas, esquadriase deques em madeira. Também foi ob-servado que, nos postos de trabalho, os

trabalhadores fazem muito levantamentode carga, ao transportar e manipular osprodutos fabricados. Os equipamentosutilizados com freqüência são:aparadora, coladeira de bordas, desen-grossadeira, esquadrejadeira, furadeira,lixadeira de cinta, desempenadeira,prensa, serra circular, seccionadora, ser-ra de fita, torno manual e tupia. Todos(100%) os trabalhadores queixaram-sedo esforço físico para operá-los e da in-tensidade de vibração em várias regiõesdo corpo, principalmente nos membrossuperiores.

O início das atividades começa comtoras de madeira que serão cortadas eseparadas para os mais diversos fins emuma jornada de trabalho de 8 horas/dia.Essas atividades são distribuídas entre osfuncionários, que ficam responsáveis porcada etapa da linha de produção, con-forme a Tabela 1.

Quanto aos dados ambientais sobretemperatura, ruído e iluminância, 80%informaram ambiente quente, 40% re-

Figura 1 Posturas avaliadas pelo método REBA. A = Flexão anterior do tronco com semiflexão dos joelhos e carregamento decarga; B = Agachamento profundo; C = Flexão ântero-lateral do tronco; D = Uso do corpo estendido como apoio

Função n % Marceneiro 4 26,7 Operador de máquina 3 20,0 Auxiliar 4 26,7 Serrador 2 13,3 Marceneiro 1 6,7 Encarregado 1 6,7 Total 15 100,0

Tabela 1 Distribuição das funções entreos trabalhadores da serraria

A B C D

Fisioter Pesq. 2008 ; 15 (4) : 326-32Fisioter Pesq. 2 009; 16( 1) : 28-33

31Fisioter Pesq. 2 009; 16( 1)

lataram como barulhento e 20% alega-ram ser escuro.

As posturas adotadas que apresenta-ram mais incômodos foram: 40,0%flexão anterior do tronco com semiflexãodos joelhos com carregamento de car-ga; 13,3% agachamento profundo;13,3% flexão ântero-lateral do tronco;13,3% corpo estendido como apoio; e20,0% não relataram nenhuma posturadesconfortável. Os trabalhadores, pelodiagrama corporal de Corlett, referirampresença de desconforto em várias regi-ões corporais, principalmente na colu-na vertebral (73,3%) – dos quais 46,7%na região lombar – e na região dos om-bros (26,7%).

As quatro posturas submetidas à aná-lise pelo método REBA receberam umaclassificação variada quando relaciona-das ao nível de risco biomecânico à saú-de do trabalhador (Tabela 2). A aplica-ção do método REBA permitiu constataro nível de risco biomecânico e a neces-sidade de intervenção. Na flexão ante-rior do tronco com semiflexão dos joe-lhos com levantamento de carga, o ris-co é muito alto, exigindo intervençãoimediata; as demais posturas estudadas,com risco alto, também requerem inter-venção.

DISCUSSÃOA problemática central do estudo são

os riscos biomecânicos das posturasadotadas pelos trabalhadores de umaserraria durante a execução de suas ta-refas.

O uso do método REBA mostrou queexistem riscos biomecânicos nas postu-ras estudadas e necessidade de interven-ção. Esses dados assemelham-se aos deum estudo desenvolvido em marcenari-as, usando a ferramenta OWAS, que

identificou riscos biomecânicos em ope-radores de diferentes máquinas, demons-trando a necessidade de intervenções4.Além disso, foram evidenciadas em ou-tros estudos sobrecargas físicas em tra-balhadores desses ambientes2,3,5.

Em quase todo o processo de produ-ção da serraria associado às posturasinadequadas ocorre o manuseio e levan-tamento de carga, que pode contribuirpara o surgimento de desconforto e ris-co biomecânico, principalmente na co-luna lombar, devido ao estresse biome-cânico produzido, pois os movimentosdo tronco parecem ser combinados commovimento da coluna gerado pela mas-sa do objeto16. Essas atividades não so-brecarregam apenas a coluna vertebral:os membros superiores são igualmenteexigidos para manter, transportar e le-vantar essas cargas. Essa sobrecarga éproduzida por mudanças na configura-ção postural e utilização de força exces-siva17.

O método REBA evidenciou que apostura mais crítica foi a flexão anteriordo tronco. Essa postura induz o traba-lhador a adotar uma postura da cabeçaque produz aumento da lordose cervicalpara melhorar sua acuidade visual, alémde aumentar a cifose torácica e a retro-versão pélvica, com retificação dalordose lombar, interferindo na funçãofisiológica dos músculos do tronco econtribuindo para o processo de produ-ção de forças sobre os discos interver-tebrais, causando lombalgias. Estas secaracterizam por um distúrbio dolorosoque gera transtorno à saúde e alta inci-dência de absenteísmo relacionado aotrabalho, nas ocupações que exigemesforço físico pesado, repetitivo ou con-tínuo. Recomenda-se que se evite essaposição durante atividades por tempoprolongado18, principalmente porque alesão tecidual pode ocorrer em resposta

às forças externas, mesmo em níveisbaixos e modulados, com freqüênciaexcessiva19.

No presente estudo, como evidenci-am os resultados, essa postura é a queproduz mais incômodo (40,0%) ou des-conforto, sendo os trabalhadores maisacometidos por dores na coluna verte-bral, em especial a região lombar, ratifi-cando a presença de risco biomecânicoevidenciado pelo método REBA comexigência de intervenção imediata.

O agachamento profundo foi outrapostura avaliada, citada por 13,3% dostrabalhadores como provocando des-conforto. Nesta, a linha de gravidade sedesloca posteriormente ao eixo do joe-lho, aumentando o torque flexor20,21. Osisquiotibiais promovem estabilização nojoelho mediante uma tração posterior natíbia, para contrapor a força anteriorimposta pelo quadríceps22. Se a ampli-tude de flexão do joelho ficar acima de50º, haverá aumento das forças decisalhamento anterior na articulaçãotibiofemoral. Se essa postura é adotadacom a utilização de cargas externas, asforças de cisalhamento tendem a aumen-tar23. A permanência por um longo perí-odo de tempo e repetitivo poderá pro-mover lesões articulares ou mioten-díneas, síndromes por uso excessivo24,que podem se tornar crônicas e mesmolevar à incapacidade funcional.

Outra postura freqüente relatadacomo incômoda foi a flexão ântero-la-teral do tronco. Esta é muito fatigante,pois exige trabalho estático da muscu-latura de membros inferiores e do tron-co para sua manutenção. Mantê-la exi-ge contrações contínuas e prolongadasda musculatura envolvida, o que afeta ofluxo sanguíneo muscular e, conseqüen-temente, o transporte de oxigênio e nu-trientes, bem como a remoção dos resí-

Oliveira et al. Riscos biomecânicos em uma serraria

Tabela 2 Riscos biomecânicos das posturas avaliadas pelo método REBA

Postura Item 1 2 3 4

Lado do corpo Esquerdo Direito Esquerdo Direito

Nível de risco Muito alto (11-15) Médio (4-7) Alto (8-10) Médio (4-7) Alto (8-10) Alto (8-10) Pontuação 12 7 8 6 9 10

Intervenção: Grau 4 2 3 2 3 3 Necessidade Imediata Necessária O quanto antes Necessária O quanto antes O quanto antes

Posturas: 1 = flexão anterior do tronco com semiflexão do joelho e carregamento de carga; 2 = agachamento profundo; 3 = flexão ântero-lateral dotronco; 4 = uso do corpo estendido como apoio

: 326-32:28-33

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duos do metabolismo local que, ao se-rem acumulados, causam dor aguda efadiga muscular10. Para manter a postu-ra ereta, a principal carga que atua nacoluna vertebral é a axial, requerendo osinergismo dos músculos do tronco parasua manutenção. Tendo em vista que osbraços de força dos músculos extensoresdo tronco são relativamente pequenosem relação às articulações vertebrais,esses músculos devem gerar grandes for-ças para neutralizar os torques produzi-dos ao redor da coluna, pelos pesos dossegmentos corporais e das cargas exter-nas. Durante a flexão lateral e torçãoaxial do tronco, são necessárias ativaçõesmais complexas dos seus músculos pararealizarem os movimentos de flexão eextensão da coluna vertebral, gerandoforças de compressão discal25. Essas for-ças aumentam com o acréscimo do pesodo corpo acima do disco vertebral(membros superiores, tronco e cabeça)24.Os movimentos de flexão anterior e tor-ção axial repetidos ou em excesso, es-pecialmente com carga, aumentam aprobabilidade de incidência de hérniasde disco, ocasionando sintomas de dor.As duas posturas relacionadas à flexãodo tronco ratificam nossos dados, de que73,3% dos trabalhadores se queixam dealgias na coluna.

Finalmente, em uma postura adota-da para facilitar a execução de uma ta-refa, o trabalhador usa o corpo paramover a alavanca de uma prensa damadeira. Conforme a postura adotada,o indivíduo usa seu próprio peso parapuxar a prensa, com apoio anterior dosmembros inferiores em semiflexão doquadril e joelho bilateralmente, com

membros superiores estendidos susten-tando a prensa próximo à linha dosombros ou 90º de flexão, adotando ummomento extensor do corpo. A capaci-dade do indivíduo de empurrar e puxarobjetos depende do peso de seu corpo,da postura usada, da freqüência, dura-ção da atividade, da força exercida, daestabilidade dos pés e da habilidade emtransferir energia do corpo para o objeto.A força para puxar é dirigida posteriormen-te e aumenta consideravelmente o mo-mento extensor e a força dos músculoseretores da coluna, devido ao curto braçode alavanca desse grupo muscular. Dessaforma, a carga sobre o disco intervertebraltambém é aumentada26.

Um recente estudo epidemiológicomostrou que o ato de empurrar e puxarcarga são fatores de risco para descon-forto musculoesquelético, principalmen-te para queixas na coluna lombar e om-bros. Porém tornam-se necessários maisestudos para reconhecê-los como fato-res de risco para as lombalgias eartralgias no ombro27. A freqüência e aseveridade do desconforto agudo e crô-nico no ombro podem estar relaciona-dos à tensão postural na qual está ex-posto durante o trabalho com uso deferramentas pesadas e em ambiente detrabalho que não oferece condiçõesbiomecânicas ou ergonômicas adequa-das28. Os distúrbios de ombro podempropiciar a saída precoce do trabalhodevido a seu quadro clínico disfuncionale têm alto impacto na utilização dos ser-viços de atenção primária e secundáriada saúde29.

A gravidade dos riscos biomecânicosinerente às posturas adotadas por esses

trabalhadores foi indicada pelos esco-res do REBA, apontando para a necessi-dade de intervenção. Esses distúrbiospodem ocasionar diferentes graus deincapacidade, sendo também responsá-veis por gastos com afastamentos, inde-nizações, tratamentos e processos dereinclusão no trabalho. O trabalho nãodeve ter ênfase apenas na produtivida-de e no lucro da empresa, mas tambémna saúde daquele que executa a tarefa.

Embora o objetivo deste trabalho te-nha sido cumprido, reconhecem-se al-gumas limitações. A principal está rela-cionada à ausência de uma avaliação,por instrumentos, das condições ambientais(temperatura, ruído e iluminância); outradiz respeito à limitação da pesquisa àlocalização da região de desconfortomusculoesquelético, não investigandoseu grau de intensidade, frequência efatores que agravam ou melhoram a dorrelatada. Estudos por meio de medidasdiretas são necessários para quantificaro grau de risco biomecânico e melhorfundamentar os processos de interven-ção preventiva e ergonômica.

CONCLUSÃOOs resultados obtidos, de que 100%

das posturas selecionadas e avaliadaspelo método REBA apontam para riscosbiomecânicos, indicam a necessidade dese fazerem intervenções ergonômicas epreventivas nas atividades executadaspelos trabalhadores da serraria,direcionando-os para uma correta ado-ção de posturas que favoreçam o me-lhor desenvolvimento de suas funções,com menor risco à sua saúde.

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Referências (cont.)

Oliveira et al. Riscos biomecânicos em uma serraria

: 326-32:28-33