Rituais de "pacificação": uma análise das reuniões organizadas pelos comandos das UPPs

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    Rev. bras. segur. pblica | So Paulo v. 8, n. 1, 24-46 Fev/Mar 2014

    Frank Andrew DaviesBacharel em Cincias Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e mestre pelo Programa de Ps-Graduao em Sociologia

    e Antropologia da mesma instituio (PPGSA/UFRJ). Atualmente professor, faz doutorado pelo Programa de Ps-Graduao em CinciasSociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPCIS/UERJ) e pesquisador do CIDADES - Ncleo de Pesquisa Urbana (UERJ).

    [email protected]

    Rituais de pacificao:uma anlise das reunies

    organizadas pelos comandosdas UPPs

    ResumoEste artigo apresenta reflexes acerca dos processos de regulamentao das reunies comunitrias organizadas e dirigidas

    pelos comandos militares das Unidades de Polcia Pacificadora (UPP) do Estado do Rio de Janeiro. Foram analisados smbolos,

    valores e temas suscitados nesses eventos, para o qual convergem diferentes representantes das esferas pblica, privada ede base local a fim de constituir no cenrio cotidiano dessas favelas verdadeiros rituais de pacificao. Conforme a pesquisa

    aponta, existem regularidades e formalidades que buscam conduzir a produo de novos valores morais e tambm renovar

    velhos mecanismos de controle sobre as dinmicas polticas desses espaos. Nesse escopo, a pacificao tem revelado mais

    permanncias do que rupturas no processo de promoo de cidadania aos moradores de favelas.

    Palavras-ChaveSegurana pblica; pacificao; UPP; participao; cidadania; favela; favelados.

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    Este artigo apresenta reflexes acerca dosprocessos de regulamentao das reuni-es comunitrias organizadas e dirigidas pelos

    comandos militares das Unidades de Polcia Pa-

    cificadora (UPP) no Estado do Rio de Janeiro.

    A pesquisa tem como base de anlise a observa-

    o direta de 14 encontros promovidos por qua-

    tro unidades em seus territrios no perodo dejaneiro a julho de 2013. As reunies ocorreram

    em Batan, So Joo, So Carlos e Manguinhos,

    sendo as observaes complementadas por da-

    dos obtidos de conversas com representante da

    Coordenadoria de Polcia Pacificadora (CPP)1

    e com dilogos com os comandantes e demais

    participantes desses encontros.

    Ao jogar luz sobre as reunies com repre-sentantes do poder pblico, setor privado e

    associaes comunitrias, o objetivo dessa in-

    vestigao refletir sobre os smbolos e valores

    que so partilhados nesses eventos, que temas

    so mobilizados, encaminhados e soluciona-

    dos e que sentidos so atribudos ao projeto

    das UPP. Em sentido mais aberto, pretende-se

    considerar o impacto dos encontros para a vida

    poltica local dessas favelas.

    Para tanto, a primeira seo deste tex-

    to pontua a nova poltica de segurana sobre

    algumas favelas da cidade; em seguida, anali-

    sam-se brevemente os padres de contato dos

    rgos pblicos com os moradores de favelas.

    Adiante, alguns dados sobre as reunies so

    apresentados e faz-se uma breve anlise que

    identifica esses encontros como rituais de pa-

    cificao2 com uma certa eficcia moral. Ao

    fim, sugerem-se certos efeitos dessas reunies

    para as dinmicas polticas locais.

    As UPP e suas expectativas

    As UPP tm sido sinalizadas como uma dasnovidades mais significativas no campo da segu-

    rana pblica brasileira. Desde 2008, um grupo

    selecionado de favelas cariocas tem sido ocupada

    pela polcia militar de modo permanente e osten-

    sivo. Essa prtica considerada policiamento de

    proximidade, em teoriadistinta da maneira usu-

    al de atuao da polcia nessas reas, tradicional-

    mente dada a estratgias de incurso que, por

    efeito negativo, geram ndices altos de letalidade.

    Ao contrrio da lgica da guerra, as UPP

    so apresentadas no espao pblico como fer-

    ramentas promotoras de paz para as favelas, e

    tambm para o conjunto da cidade (LEITE,

    2012). E de fato, um dos efeitos j acenados

    do projeto que mesmo no se relacionando

    necessariamente s reas com maior taxa de

    criminalidade, seu avano repercute positiva-mente sobre os ndices de violncia letal tanto

    nas reas de abrangncia das Unidades quanto

    em seu entorno (LAV, 2012).

    Alm da concepo de paz como direito

    segurana e, por consequncia, vida as

    UPP operam, na lei e nos discursos dos agentes

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    pblicos, com expectativas de integrao social

    e territorial das favelas e a ampliao de direi-

    tos de cidadania aos seus moradores.

    O Decreto-lei 42.787, de 6 de janeiro de

    2011, que regulamenta o funcionamento das

    UPP, afirma que um dos objetivos do progra-

    ma devolver populao local a paz e a tran-

    quilidade pblicas necessrias ao exerccio da ci-

    dadania plena,quegarantao desenvolvimento

    tanto social quanto econmico (grifo nosso)

    (RIO DE JANEIRO, 2011). Na lei, a Polcia

    Militar necessria e garantidora da cidadania e

    do desenvolvimento local, mas no sua promo-toraper se. Em entrevista concedida ao jornal O

    Globoem 2011, o Secretrio Estadual de Segu-

    rana, Jos Mariano Beltrame, declarou:

    Se no houver investimentos macios na digni-

    dade dos cidados, na gerao de perspectivas

    para aquelas pessoas, no digo que o progra-

    ma v dar errado, mas no a polcia que vai

    garantir o sucesso de tudo isso. A UPP criou

    um ambiente para a sociedade comear a pagar advida que todos temos com essas reas at ento

    excludas(O GLOBO, 2011,grifo nosso).

    Essas e outras falas de representantes do poder

    pblico mobilizam no imaginrio coletivo um

    forte repertrio de expectativas sobre as prximas

    melhorias a serem tomadas a partir da entrada

    da polcia. Em continuao, afirma o Secretrio:

    A UPP mexe com o que h de mais valiosonas pessoas, que a esperana. E a gente pre-

    cisa ter senso de responsabilidade. Essas pes-

    soas, com a chegada da polcia, podem come-

    ar a pensar que agora o Estado est presente

    ali. E esse Estado tem que se apresentar de

    forma mais palpvel, de um jeito forte (BEL-

    TRAME QUER PRESSA..., 2011).

    Se hoje as leis esto se tornando o padro

    de valor predominante e mais bem ajustado

    aos mundos sociais (HASTRUP, 2003), vale

    pensar os efeitos da poltica de pacificao

    para os moradores dessas localidades, em es-

    pecial representao de suas subjetividades,

    sensos de pertencimento e suas formas de rei-

    vindicao poltica.

    A despeito da fragilidade institucional da

    poltica das UPP sustentada apenas por de-

    creto-lei sua progresso na cidade tem sido

    notvel nos ltimos cinco anos, atingindo

    atualmente um contingente de 1,5 milho demoradores3. Apesar da sua progresso, estudos

    tm chamado ateno para a excepcionalida-

    de de algumas prticas legais atreladas s UPP,

    como parcerias com empresas privadas, forte

    gesto da sociabilidade local e adoo de novas

    prticas policiais criminosas, como o aumento

    do desaparecimento de pessoas4.

    A UPP se revela uma prtica legal de seguran-a de excepcionalidade, visto que, em mdia, a

    proporo policial-morador nas reas de UPP

    oito vezes maior do que a mdia estadual (LAV,

    2012). Alm disso, a gesto dos investimentos e

    servios pblicos aliados ao projeto tambm per-

    corre discricionariedades frgeis e de tipo espe-

    cfico: a prefeitura do Rio de Janeiro desenvolve

    desde 2011 o programa UPP Social, ao passo que

    o governo estadual, desde o mesmo ano, coor-dena o programa Territrios da Paz. Ambas as

    aes coordenam iniciativas das secretarias para

    as localidades, mas sem de fato ter surtido muito

    resultado (FLEURY, 2012; LEITE, 2012).

    Com interesse em desvendar aspectos dos

    contatos entre rgos pblicos e moradores de

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    favelas na contemporaneidade, esta investigao

    privilegia a observao das reunies organiza-

    das pelos comandos das UPP. Antes de apontar

    alguns dados e reflexes da pesquisa, situam-se

    elementos que contam a histria desse processo.

    O Estado para os favelados

    As favelas compem a paisagem carioca des-

    de o fim do sculo XIX, mas s so reconheci-

    das legalmente em 1937, quando o Cdigo de

    Obras do Distrito Federal as define5e as senten-

    cia extino do tecido urbano. Ainda que te-

    nham vencido, resistido e se multiplicado sobre

    a cidade, o statusde ilegalidade fez legtimo ummodo especfico de atuao poltica sobre esses

    espaos. Seguindo as regras do jogo democr-

    tico, instituies governamentais estimularam

    o associativismo local6 atrelado formao de

    redes assistencialistas e clientelistas e, nutrindo

    mediaes polticas verticalizadas, fez desenvol-

    ver e consagrar a poltica-da-bica-dgua, que

    tambm converteu lideranas das favelas em

    cabos eleitorais, alastrados por agentes partid-rios (MACHADO DA SILVA 1967).

    As dcadas de 1960 e 1970 revelam conti-

    nuidades nesse mecanismo de controle ao pas-

    so que acumula perdas maiores aos favelados.

    O agravo do quadro de remoes dificulta o

    dilogo com representantes do poder pblico

    e, como efeito perverso, produz ainda mais

    favelas. Em consequncia, se reformula nodiscurso e na prtica do Estado o que seria o

    problema da favela: para alm de espaos de

    carncia, acentuada a sua tipificao como

    zona perigosa. A gramtica da violncia mar-

    ca at hoje as representaes e as realidades

    das favelas enquanto espaos da cidade cario-

    ca. Essa sujeio negativa tambm recai sobre

    os moradores, e no fortuitamente, muitas de

    suas associaes so suspeitas de vnculos com

    as redes de narcotrfico (MACHADO DA

    SILVA; SILVA; ROCHA, 2008).

    Apesar desse processo, desde a dcada de

    1980 rgos pblicos e organizaes de base

    tm se aproximado a fim de cumprir precei-

    tos constitucionais de promoo da cidadania

    (DINIZ, 1982). Contudo, estudos apontam

    que esses contatos ainda seguem um formato

    clientelista, no qual lderes locais so coopta-

    dos administrao pblica. A embaralhada

    aproximao entre polticos, agncias gover-namentais e associaes comunitrias no se

    restringe ao campo eleitoral, todavia ocorrem

    interferncias tambm sobre as formas de ges-

    to das associaes e sobre suas atribuies,

    de modo que recorrentemente ficam respon-

    sabilizadas por atividades do servio pblico.

    Um exemplo claro a organizao dos traba-

    lhadores para as obras, os conhecidos mutires

    (MACHADO DA SILVA, 2002; PANDOL-FI; GRYNSZPAN, 2002; BURGOS, 2006).

    , portanto, no bojo da metfora da guer-

    ra que se legitima a premncia da polcia pa-

    cificadora, ainda que pouco se entenda o sig-

    nificado prtico desse termo (LEITE, 2012).

    No cenrio atual, parece pertinente considerar

    como tm se dado as relaes entre agncias

    pblicas e os moradores dessas favelas.

    Como acenado em perspectiva histrica, a

    omisso inicial do poder pblico sobre as fave-

    las foi seguida por investidas por controle e dis-

    ciplina de seus moradores. Tal retrospecto tem

    assentado a concepo sociolgica das favelas

    como margens do Estado (DAS; POOLE,

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    2008), espaos sociais e territoriais a que se atri-

    bui um aspecto selvagem e insolidrio para as

    quais as aes do poder pblico se fazem, para-

    doxalmente, sempre necessrias e incompletas.

    As margens so entendidas como zonas

    de desordem, contraditrias ao senso da ordem

    a que se associa a representao do Estado. Isso

    no quer dizer que as margens devem ser per-

    cebidas como resqucios de um passado a civi-

    lizar, ao contrrio: as margens se cristalizam

    como condio estruturante reproduo co-

    tidiana do fenmeno estatal:

    O Estado concebido como umprojeto sem-

    pre incompleto que deve ser constantemente

    enunciado e imaginado, invocando o selva-

    gem, o vazio e o caso que no s faz por fora

    dos limites de sua jurisdio, mas que, alm

    disso, uma ameaa desde dentro (DAS; PO-

    OLE, 2008, p. 22, traduo e grifo nossos).

    A invocao ao selvagem e ao vazio legitima

    formas particulares de atuao do Estado sobreas margens, mais do que em espaos territoriais,

    pois nas margens se justificam redefinies nos

    modos de governar e legislar. Nesse sentido, na

    presente pesquisa entende-se que as reunies or-

    ganizadas pelos comandos das UPP constituem

    prticas excepcionais do Estado para as favelas pa-

    cificadas, o que reverbera a interpretao dessas

    localidades como margens. Nessas reas, o poder

    pblico despende tecnologias governamentais detipo variado e pouco afeitas s institucionalidades

    formalizadas, aplicadas ao resto da cidade.

    As reunies como rituais de pacificao

    As reunies comunitrias organizadas

    pelos comandos militares possuem frequncia

    mensal e costumam agrupar representantes de

    diferentes rgos pblicos, do setor privado e

    de organizaes comunitrias, alm de outros

    moradores e o comando da polcia.

    Foram analisados 14 encontros organizados

    regularmente por quatro UPP no perodo de ja-

    neiro a julho de 2013. As reunies observadas

    ocorreram em Batan (5 encontros), So Joo

    (4), So Carlos (3) e Manguinhos (2). A seleo

    seguiu as possibilitadas de acesso pelo pesquisa-

    dor a partir de redes de vnculo nessas favelas.

    A escolha tambm pretendeu levar em conta a

    heterogeneidade espacial, social e histrica den-

    tro do conjunto maior de reunies organizadaspelas UPP7. Na Tabela 1 possvel identificar as

    localidades com UPP e, entre elas, as que orga-

    nizam as reunies comunitrias. Essas infor-

    maes foram identificadas em conversa com a

    CPP e com a rede de informantes.

    Esses encontros estruturam um formato es-

    pacial que dualiza espectadores e protagonistas,

    dispondo cadeiras para a audincia, em grandeparte composta por moradores. Invariavelmen-

    te, os comandantes da Polcia Militar que or-

    ganizam o evento e mediam as participaes

    iniciam a reunio com uma fala prolongada, po-

    sicionando-se de p no centro do espao. Nessa

    fala costuma ser mencionada a presena das

    instituies pblicas, privadas e comunitrias,

    e aps o discurso, iniciam-se as apresentaes e

    inscries dos demais presentes. Nesse segundoprocesso, costumam se identificar e posicionar

    representantes das associaes de moradores, do

    poder pblico e do setor privado. Moradores

    de outras filiaes associativas ou mesmo sem

    vnculos s se apresentam quando pedem para

    falar. Seus nomes, como o de todos os outros,

    so registrados nas atas dos encontros.

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    Quadro 1 - Unidades de Polcia Pacificadora - at Julho de 2013

    Data de instalao LocalidadeH reunio realizada

    pela UPP?

    1 19/12/08 Santa Marta2 16/02/09 Cidade de Deus

    3 18/02/09 Jardim Batan Sim

    4 10/06/09 Babilnia/Chapu Mangueira Sim

    5 23/12/09 Pavo-Pavozinho e Cantagalo

    6 14/01/10 Tabajaras e Cabritos

    7 26/04/10 Providncia

    8 07/06/10 Borel

    9 01/07/10 Formiga

    10 28/07/10 Andara Sim

    11 17/09/10 Salgueiro

    12 30/09/10 Turano Sim

    13 30/10/10 Macacos

    14 31/01/11 So Joo, Matriz e Quieto Sim

    15 25/02/11 Coroa, Fallet e Fogueteiro Sim

    16 25/02/11 Escondidinho e Prazeres Sim

    17 17/05/11 So Carlos Sim

    18 03/11/11 Mangueira e Tuiuti

    19 11/01/12 Vidigal e Chcara do Cu Sim

    20 Meses 04 a 05/2012 Complexo do Alemo

    21 Meses 06 a 08/2012 Complexo da Penha

    22 20/09/12 Rocinha Sim

    23 16/01/13 Manguinhos Sim

    24 16/01/13 Jacarezinho Sim

    25 12/04/13 Complexo do Caju

    26 12/04/13 Barreira do Vasco

    27 04/06/13 Cerro Cor e Guararapes

    Fonte: elaborao prpria.

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    Os comandantes proferem discursos pro-

    longados, comumente dotados de orientaes

    morais s condutas dos moradores. No Batan,

    em 26 de abril, o encontro se iniciou com um

    discurso do Capito, que destacou o valor da

    participao dos locais para a resoluo dos

    problemas. A reunio comunitria ento

    apresentada como o momento mais propcio

    para o exerccio desse papel resolutivo, j que

    ali se apresentam (cara a cara) os agentes do

    poder pblico municipal e estadual. Os mora-

    dores devem exercer a funo de cobrar dos

    representantes nesse espao privilegiado pro-

    movido pela UPP.

    Em outra medida, operaes policiais rea-

    lizadas pelas UPP coibindo o trfico de dro-

    gas e a circulao de veculos irregulares, por

    exemplo, so episdios que os comandantes

    relatam a fim de reforar o compromisso de

    denncia por parte da populao local; para

    tanto, os moradores devem confiar na polcia

    e trabalhar em parceria com ela. Os tipos dedemandas e o contedo dos discursos so mais

    bem definidos na prxima seo.

    Vale acentuar que nem todos os comandos

    das UPP promovem reunies comunitrias.

    Das 27 favelas arroladas no projeto8, apenas 12

    contam, atualmente9, com a iniciativa desses es-

    paos. Apesar disso, a CPP afirma ter emitido em

    junho de 2013 uma resoluo orientando todosos comandos das unidades policiais a participa-

    rem ou organizarem encontros comunitrios,

    com regularidade, no mnimo, trimestral10.

    A Coordenadoria afirma que o estmulo

    aproximao com a comunidade uma ne-

    cessidade percebida h pouco tempo, e que,

    por ora, no tem se preocupado em regular a

    forma como cada uma das UPPs efetiva ou

    efetivar essa aproximao. Fica a critrio dos

    comandos militares, portanto, aderirem a en-

    contros j existentes ou promoverem novos e,

    nesses casos, definirem suas caractersticas e

    formatos.

    O posicionamento da CPP em relao

    s reunies assevera a constatao de que as

    UPP so uma poltica de segurana sem cri-

    trios muito definidos aos procedimentos

    da polcia. No plano emprico, sobressai a

    autonomia dos comandos militares, em quecritrios diferentes so aplicados por coman-

    dantes diferentes para as mesmas situaes

    (LAV, 2012). Assim, as reunies surgem e se

    desenvolvem conforme interesses e possibili-

    dade de dilogo dos comandos militares com

    moradores, associaes e demais parceiros do

    setor pblico e privado.

    Alm disso, percebem-se algumas varia-es entre os formatos das reunies observa-

    das, como a oferta ou no de mesas de

    caf e lanche, e a escolha dos locais de en-

    contro. As UPP do So Carlos e do Batan

    preferem realizar encontros na prpria sede

    policial de fato, o Batan reveza entre encon-

    tros na sua sede e em uma quadra na locali-

    dade Fumac; j o comando policial do So

    Joo prefere encontros itinerantes, enquantoem Manguinhos utilizado o anfiteatro de

    uma biblioteca recm-inaugurada. Algumas

    reunies possuem caractersticas especficas,

    como as do Batan, onde se reserva o hbito

    de compor uma mesa de representantes11.

    Essa variedade relativa de formatos de encon-

    tro reflete sua baixa institucionalizao, mas

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    Quadro 2 - Localidade, Local, Data e Horrio das reunies etnografadas

    Localidade Local DataDia de

    semanaHorrio

    1 Batan Fumac Quadra da Amizade 25/01/13 Sexta-feira 18hs

    2 Batan UPP Batan 22/02/13 Sexta-feira 9h00

    3 Batan Fumac Quadra da Amizade 22/03/13 Sexta-feira 9h00

    4Complexo So Joo -Queto (ou Sampaio)

    Entrada do Queto/Sampaio

    18/04/13 Quinta-feira 10h00

    5 Batan UPP Batan 26/04/13 Sexta-feira 10h00

    6 Complexo So Carlos UPP So Carlos 30/04/13 Tera-feira 9h00

    7Complexo So Joo Morro So Joo

    Praa no acesso aoSo Joo

    09/05/13 Quinta-feira 10h00

    8 Complexo So Carlos UPP So Carlos 28/05/13 Tera-feira 9h00

    9Complexo Manguinhos DESUP

    Teatro da Biblioteca-Parque

    12/06/13 Quarta-feira 9h00

    10Complexo So Joo Matriz

    Entrada da Matriz 13/06/13 Quinta-feira 10h00

    11 Batan UPP Batan 27/06/13 Sexta-feira 9h00

    12 Complexo So Carlos UPP So Carlos 10/07/13 Tera-feira 9h00

    13Complexo So Joo Queto

    Entrada do Queto/Sampaio

    11/07/13 Quinta-feira 10h00

    14Complexo Manguinhos DESUP

    Teatro da Biblioteca-Parque

    18/07/13 Quinta-feira 10h00

    Fonte: elaborao prpria.

    tambm o controle poltico da polcia sobre

    esses espaos de participao, uma vez que,

    sem exceo, so os policiais que promovem edefinem esses encontros.

    As reunies organizadas pelas quatro UPP

    acontecem mensalmente, em dias teis, no

    turno da manh. Todas, com regularidade,

    agregam representantes das associaes de

    moradores, comandantes das UPP e gestores

    de programas e servios pblicos, de mbito

    municipal e estadual, com relativa gerncia

    sobre a regio.

    As reunies atendem ao interesse explcito

    de encaminhar demandas locais aos represen-

    tantes do poder pblico, em especial quando

    envolvem questes de lixo, conservao dos

    espaos pblicos, servios de fornecimento de

    luz, gua e problemas no trfego. Em segun-

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    do plano, os encontros se revelam espaos deoportunidades ofertadas por agentes privados

    como representantes do Sistema S e de orga-

    nizaes nogovernamentais (ONG)12. O tema

    da segurana e do trabalho da polcia pouco

    enfatizado, e ser abordado mais adiante.

    A compreenso dessas reunies como ritu-

    aisremonta tradio antropolgica, como um

    conceito para anlise dos eventos sociais. Porevento entendem-se acontecimentos sociais

    tangveis de tipo then and there, que produ-

    zem revelaes e perplexidades de acordo com

    a relao que possuem com outros elementos

    da dinmica social. Seguindo essa perspectiva:

    Os rituais so tipos especiais de eventos,

    mais formalizados e estereotipados e, portanto,

    Quadro 3 - Caratersticas das localidades e reuniescomunitrias etnografadas

    Fonte: elaborao prpria.

    Batan So Joo So Carlos Manguinhos

    Regio da cidade Oeste Norte Centro Norte

    Incio das reunies1osemestrede 2011

    Agosto de2012

    Janeiro de 2013 Abril de 2013

    Modelo deencontro

    Itinerante ItineranteFixo(mas quer ser itinerante)

    Fixo

    Frequncia mdiade pblico

    40 80pessoas

    20 40pessoas

    10 30 pessoas40 70pessoas

    Dispe mesa decaf / lanche? No Sim Sim No

    Regularidade(todos pelamanh)

    6as-feiras 4as-feiras 3a-feiras 5as-feiras

    mais suscetveis anlise porque j recortadosem termos nativos. Em outras palavras, tanto

    eventos ordinrios, quanto eventos crticos

    e rituais partilham de uma natureza similar,

    mas os ltimos so mais estveis, h uma or-

    dem que os estrutura, um sentido de aconte-

    cimento cujo propsito coletivo, e uma per-

    cepo de que eles so diferentes. (PEIRANO

    2003, p. 8, grifo nosso).

    Destacados e diferenciados das situaes

    do cotidiano, os rituais so episdios que am-

    pliam, focalizam, destacam e justificam o que

    usual ao grupo social. Entretanto, categori-

    zar as reunies como rituais merece uma dose

    de cuidado: trata-se de uma definio apenas

    relativa e de carter metodolgico. O que se

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    pretende aproximar a anlise dos ditosefeitos

    dos nativos, contemplando a temporalidade

    do evento, a criatividade do vivido, da perda

    e do ganho inevitveis do instante histrico

    (PEIRANO 2003, p. 10).

    Se as aes sociais so tambm aes de po-

    der, a etnografia permite trazer tona a efic-

    cia das falas e de seus efeitos como atos perfor-

    mativos, ou seja, como enunciaes que por si

    s se tornam realizaes13. Se as falas tambm

    so atos, considerar os discursos em contextos

    necessrio para a compreenso antropolgica

    do fenmeno social aqui, as relaes entre osrgos pblicos, privados e os moradores nas

    favelas pacificadas do Rio de Janeiro.

    Em outra mo, cientistas sociais tm tra-

    dicionalmente contribudo nos estudos jur-

    dicos para a compreenso dos processos in-

    formais de pequena escala, destinados a iden-

    tificar como se materializa no plano vivido o

    estado do Estado (MOORE, 2001, p. 108).Assim, acredita-se que as reunies encenam

    no plano ritualstico a possvel eficcia ou o

    manado projeto de pacificao, aquilo que

    o Secretrio Beltrame chamou de comeo

    do pagamento da dvida de todos com essas

    favelas. Agregando diferentes agentes, os en-

    contros reproduzem o pressuposto do contro-

    le policial para a atuao dos rgos pblicos

    e privados nas favelas. O retorno do Estadoa esses espao da cidade um recurso argu-

    mentativo que justifica o no pagamento da

    dvida em tempos anteriores, em vista do do-

    mnio das faces criminosas14sobre essas lo-

    calidades. Nesse espectro discursivo, as UPP

    esto identificadas como uma chance indita

    de romper a histria.

    Considerando o iderio de integrao social

    aventado pelas UPP, as reunies comunitrias

    podem ser sinalizadas como rituais que repre-

    sentam, na vida local, os smbolos e caractersti-

    cas da pacificao. Um dos smbolos que esto

    presentes e que vo alm das falas o protago-

    nismo dos comandantes locais das UPP. Esses

    personagens assumem a centralidade poltica do

    espao pblico dos encontros, coordenando fa-

    las, definindo a sequncia dos fatos e sugerindo

    os temas que sero abordados. Eles tambm de-

    sempenham papis disciplinadores, intervindo

    sobre conflitos e indicando modos de ser e fazer,

    em especial para os moradores.

    Os convites aos representantes das Secre-

    tarias e demais agncias pblicas so feitos

    pelas prprias UPP. O setor de comunicao

    social (os P5 ou relaes pblicas, RP

    da tropa) entra em contato com esse grupo,

    identificado por vontades manifestadas em

    outras reunies. Em casos considerados de

    maior relevncia, os comandantes afirmamfazer o convite pessoalmente.

    Os policiais tambm convocam as associa-

    es locais e redigem as atas dos encontros. De

    acordo com relatos, as atas seriam outro instru-

    mento de vocalizao dos moradores, visto que

    registram textualmente todas as reclamaes fei-

    tas posteriormente, que so encaminhadas pela

    polcia aos referidos rgos de competncia.

    Alm da liderana dos comandantes no es-

    pao das reunies, outra participao tambm

    consolidada dos representantes dos servios

    pblicos. Nas diferentes reas frequente a

    presena de agentes locais de sade (Clnica

    da Famlia), assistncia social (Centros de Re-

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    ferncia da Assistncia Social Cras), limpeza

    e conservao (Secretaria Municipal de Con-

    servao) e programas de interlocuo com

    as pastas municipais (UPP Social) e estaduais

    (Territrios da Paz). Outros representantes

    tambm participam dos encontros observados,

    mas de maneira pontual.

    Alm disso, mediadores polticos de repre-

    sentatividade local comparecem s reunies,

    como assessores de vereadores, deputados esta-

    duais, funcionrios das subprefeituras e regies

    administrativas, e tambm da superviso regio-

    nal da secretaria do governo estadual. A plura-lidade de agentes pblicos evidencia o quadro

    de fragmentao e complexificao do Estado

    na forma como se apresenta aos moradores no

    momento de reivindicao por servios pbli-

    cos. Esse quadro fragmentado dificulta a apro-

    ximao e a resoluo das demandas, como

    ser visto mais adiante.

    A participao desses agentes estatais reificaa ideia de reparao que se constata na fala j

    referenciada do Secretrio Beltrame. A adeso

    voluntria desses representantes aos encontros

    associada discursivamente pelos comandan-

    tes promoo de cidadania, a que tambm

    se reporta o decreto-lei das UPP. Trata-se de

    um tipo de ritual que busca dar forma e senti-

    do ao reconhecimento dignidade dos mora-

    dores e sua condio de cidados. As reuniesento so rituais permeados e justificados por

    uma ideia de eficcia moral, sustentada espe-

    cialmente pelas prticas da esfera pblica.

    Para tanto, vale lembrar que a obriga-

    o do Estado no apenas hermenutica,

    mas tambm performativa (BORNEMAN,

    1997, p. 105, traduo nossa) e que, portan-

    to, suas prticas se sustentam pela funo de

    agente regulador de toda a comunidade. Os

    dispositivos legais se desenvolvem nessa di-

    nmica, assim como se formam os sistemas

    legais. Distinta do princpio da racionalida-

    de, a ideia de justia obrigao formalmen-

    te atribuda esfera pblica , por exemplo,

    no est orientada a clculos objetivos, mas

    aos valores morais e de legitimidade, que por

    seu turno no tm base em eficincia, mas em

    variados padres culturais (BORNEMAN,

    1997, p. 101, traduo nossa).

    As reunies so eventos de tipo especfi-

    co que cristalizam aperformancedo Estado e

    dos setores privados e locais no contexto da

    pacificao dessas favelas. Conforme sa-

    lientado at aqui, esse ato performativo ca-

    racteriza-se pelo protagonismo policial e pela

    participao voluntria de agentes pblicos.

    Vale retomar a forma de participao das ins-

    tituies privadas e do terceiro setor. Agentesde ONG e do Sistema S, por exemplo, so

    coadjuvantes desses encontros, ocupando no

    jogo ritualstico no o momento principal,

    mas o espao de recados. Apesar disso, eles

    apresentam um objetivo especfico: so pro-

    motores da inscrio desses espaos urbanos

    na economia produtiva formal, tanto no que

    se refere ao registro das empresas quanto

    qualificao profissional dos favelados e nasua insero no mundo do trabalho. Nesses

    rituais, as organizaes no governamentais e

    instituies do terceiro setor se inscrevem

    no como agentes polticos per se, mas par-

    ceiros do comandante e das melhorias para a

    localidade. Ser abordado mais adiante como

    se encena essa parceria.

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    Alm da autoridade policial e das institui-

    es privadas, as reunies se revelam rituais

    vinculados tambm atuao das associaes

    de moradores. Ainda que deslegitimadas desde

    a dcada de 1990, as organizaes de base se

    mantm como instncias importantes de me-

    diao das favelas, em especial na relao com

    o poder pblico15.

    Tambm esto presentes moradores desvin-

    culados das associaes, membros ou no de

    outras formas de organizao local, como co-

    misses ou fruns, o que varia conforme a re-

    gio em vista de seu histrico associativo. Emgeral, os moradores que frequentam as reunies

    so homens e mulheres, adultos e idosos. H

    uma relativa circularidade na participao, em

    grande parte motivada pela oportunidade de

    encaminhar demandas circunstanciais aos r-

    gos pblicos. As reunies observadas tiveram

    pblico entre 10 e 70 pessoas, com mdia de

    participao de 30 pessoas, sendo o Batan a lo-

    calidade com maior qurum.

    De modo sinttico, possvel afirmar que

    as reunies encenam performances com ao

    menos quatro aspectos comuns: (1) so orga-

    nizadas autonomamente por cada UPP, com

    especial nfase centralidade da figura do co-

    mandante; (2) objetivam aproximar agentes

    pblicos, privados e comunitrios; (3) envol-

    vem necessariamente a participao das asso-ciaes de moradores; (4) esto fundamenta-

    das discursivamente em valores progressistas,

    visando melhorias vida comum e regulao

    da ordem local.

    Antes de se consolidarem como rituais, ou-

    tras reunies j haviam sido feitas no contex-

    to das UPP16, alm de ter sido relatada a ocor-

    rncia de encontros locais com os comandos

    em vrias reas desde o incio das UPP, mas

    apenas como medidas extraordinrias, fora

    da rotina. As reunies promovidas por um

    comando de UPP tornaram-se regulares no

    Batan no primeiro semestre de 2011, a partir

    do interesse de um comandante poca. Em

    conversa com este policial, a experincia dos

    conselhos comunitrios de segurana17no seu

    Batalho de origem foi importante referncia

    para dar valor continuidade dos encontros.

    Segundo relatado, j haviam ocorrido reu-

    nies no Batan antes de 2011, mas sem essapreocupao de torn-la regular18.

    As reunies comunitrias dos comandos

    militares tm ganhado adeses com o tempo,

    espraiando-se para outras reas. Atualmente, a

    iniciativa est replicada em 12 favelas e esti-

    mulada pela CPP, como mencionado.

    Os quatro casos analisados revelam alteri-dades, mas tambm consonncias que possibi-

    litam a interpretao de que as reunies so um

    ritual nico, dotado de uma formalidade tpica.

    A seguir analisam-se aspectos da sua possvel efi-

    ccia, e se esses eventos conseguem fechar as

    contas abertas pela dvida com as favelas.

    Demandas e eficcias: urbanizao, se-

    gurana e controle negociadoNa pauta reivindicativa dos moradores pre-

    valecem questes de conservao, urbanizao

    e manuteno da ordem pblica das favelas.

    Temas como educao, por exemplo, no so

    abordados. Os moradores e as associaes

    acessam as reunies a fim de relatar problemas

    como escadarias mal conservadas, vazamentos

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    de esgoto, coletas de lixo em reas de entulho,

    casas em reas de risco, abusos na cobrana de

    conta de luz e perturbao do sossego.

    Nesse sentido, as reunies revelam, no con-

    texto das UPP, a percepo da urbanizao

    como uma bandeira legtima dos moradores

    de favelas. E essa uma demanda antiga aqui

    continuada. O investimento em melhorias

    urbanas nas favelas, poltica em curso desde

    a dcada de 1980, teria operado como uma

    estratgia do poder pblico de conteno do

    risco social diante do fenmeno crescente da

    territorializao da violncia (CAVALCANTI,2009). A pacificao no rompe ou afeta o

    valor consensual dessa modalidade de reivin-

    dicao, ao contrrio: talvez nos encontros essa

    pauta se fortalea a partir da mediao policial.

    Seja como for, as reunies se vertem em ca-

    nais para reivindicaes essencialmente pontu-

    ais, pouco afeitas a uma problemtica poltica

    mais abrangente, que transborde, por exem-plo, os limites da prpria localidade.

    Nesse escopo, pouco espao conferido a

    outras demandas alm da urbanizao, salvo

    reivindicaes sobre segurana, com especial

    ateno s demandas por ordem pblica. Assim,

    moradores ocasionalmente aproveitam o ensejo

    para reclamar da falta de policiamento em cer-

    tos locais e horrios, solicitam atitudes dianteda perturbao do sossego (som alto fora do

    horrio permitido, por exemplo), denunciam a

    circulao de veculos irregulares, etc.

    Contudo, apenas no Batan parece haver, por

    parte dos moradores, um posicionamento mais

    assertivo na regulao e no monitoramento da

    atividade policialper se, aquilo que se revela um

    dos objetivos do policiamento comunitrio19.

    Nessa regio o comandante acentua esse aspecto

    do encontro, explicitando nas falas a disposio

    escuta de denncias e o resguardo identidade

    do denunciante. Muitas vezes o comandante di-

    vulgou seu contato telefnico pessoal, da Uni-

    dade e do Disque-UPP20.

    Ainda que no ocorra em todas as reas com

    UPP, as reunies comunitrias expressam no

    plano simblico uma disposio formal escuta

    por parte das foras de segurana. Entretanto,

    o controle sobre o policiamento se revela umassunto desconfortvel nesta e em outras reu-

    nies. O espao pblico dos encontros no se

    apresenta como momento oportuno aos mora-

    dores, ao passo que suscitam o conflito algo

    que parece ser evitado a todo momento.

    Como j apontado, o objetivo de encami-

    nhar demandas acompanhado de certas efic-

    cias morais, direcionadas dos agentes externospara os locais. Nas observaes de campo, a

    atuao frequente dos comandantes se desta-

    cou, mas tambm de outros agentes pblicos e

    privados no sentido de orientar os moradores

    sobre o que deve se pedir ao Estado, e como

    tais pedidos devem ser feitos. Na reunio da

    UPP So Carlos em 28 de maio, um represen-

    tante da associao de moradores criticou o

    servio da Secretaria de Conservao que, alipresente, responde estar em fase de reorgani-

    zao. A fim de facilitar o encaminhamento,

    pede que enviem e-mail ou telefonem, a seguir

    passando contatos. Porm, o gestor conclui de

    forma enftica: os [moradores] nervosos vo

    ser tratados como caso de polcia. Nesse mo-

    mento, o comandante intervm para mediar o

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    caso e afirma entender a cobrana e tambm

    os limites da Secretaria. Segundo ele, no come-

    o da sua atuao na UPP considerava haver

    abandono do poder pblico da regio, e que

    hoje isso est mudando. A mensagem final re-

    fora a ideia de que o morador deve ter educa-

    o ao cobrar demandas.

    Outro exemplo de disciplinamento por

    parte da polcia e de seus parceiros aconteceu

    na mesma reunio em So Carlos. Um mo-

    rador observou que o representante da Light

    no estava presente e o comandante justificou,

    considerando ser mais difcil convocar empre-sas privadas, em especial para o caso de pri-

    meira abordagem da UPP o que parecia ser.

    Segundo ele, em geral as agncias tm receio

    do contato direto com os moradores porque

    eles agem com olhos de lince. O comandante

    afirmou j ter sido vtima desse modo de sus-

    peio por parte dos moradores. Entretanto, a

    autoridade considerou importante que ambas

    as partes se compreendessem para a resoluodas demandas, sem perder de vista o valor da

    continuidade do dilogo. Um argumento pa-

    recido foi empregado pelo comandante da

    UPP Manguinhos na reunio de 12 de junho.

    Tendo em vista investidas agressivas de alguns

    moradores, o comandante contemporizou,

    afirmando: ningum vem aqui obrigado.

    Se o dilogo policial caminha para um or-denamento moral da ao poltica dos mora-

    dores, nas relaes com outros agentes pblicos

    os xitos no parecem maiores. Estes enfren-

    tam dificuldades para responder s demandas.

    Raramente um mesmo representante participa

    de reunies consecutivas, por exemplo. Quan-

    do isso acontece, no necessariamente h com-

    prometimento em trazer respostas s ltimas

    reivindicaes o que nos encontros chamam

    de devolutiva do problema. Esse o quadro

    usual de todas as reunies observadas. Nesse

    sentido, as reclamaes quase nunca se rever-

    tem em solues prticas, ou seja, esses rituais

    promovem uma participao bastante limitada

    da populao em relao ao que podem alcan-

    ar e obter de resposta efetiva por parte dos

    representantes do Estado.

    Pensando os processos de regulamentao

    das prticas legais sobre as favelas cariocas,

    possvel aproximar a dinmica desses rituaiss caractersticas de um padro de mediao

    consolidado entre o Estado e as organizaes

    comunitrias definido como controle negociado

    (MACHADO DA SILVA, 1967, 2002). Nesse

    espectro, a perspectiva histrica revela que o

    problema da favela, em sua dimenso habita-

    cional e urbana, tem sido conduzido por pol-

    ticas pblicas que buscam no a tentativa de

    soluo definitiva, mas simples formas de con-trole, reduo e regulao de conflitos (MA-

    CHADO DA SILVA, 2002, p. 225). Dessa

    forma, os dilogos com os rgos estatais tem

    feito oscilar os movimentos dos moradores de

    favelas entre a autoconcepo de categoria so-

    cial com interesse prprio e a percepo de si

    mesmos como clientela carente de melhorias.

    Trata-se da adoo por parte do poder p-blico de estratgias de convencimento na rela-

    o com os moradores e as associaes comu-

    nitrias. Nesse contato acontece o encapsula-

    mento poltico destes ltimos, simbolizado

    pela cooptao de lideranas s instncias da

    administrao pblica e das estruturas parti-

    drias. Nas relaes entre favelados e agentes

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    pblicos, o papel atribudo ao primeiro grupo

    recorrentemente limitado pelos modelos de

    ao tutelar do Estado e no mbito local das

    decises polticas; o controle negociadolimita as

    possibilidades de interlocuo com os morado-

    res e, em muitos casos, a participao dos locais

    restrita a discusses mais pontuais, declaradas

    de natureza administrativa e tcnico-financei-

    ra. O que esse cenrio poltico conflagra a

    identidade da burguesia favelada como uma

    fora social ativa, porm condicionada s re-

    gras do jogo (PANDOLFI; GRYNSZPAN,

    2002; SILVA; ROCHA, 2008; ROCHA,

    2011; RIBEIRO; OLINGER, 2012).

    Assim, limitadas pelas possibilidades de par-

    ticipao, as organizaes locais operam na re-

    lao com o Estado frequentemente por meio

    da lgica da racionalidade instrumental, o que

    permite aventar a hiptese de que, no contexto

    atual, as associaes de moradores das reas de

    UPP esto se aproximado dos comandos poli-

    ciais e aderindo s reunies a fim de tentar al-canar seus objetivos mais pragmticos21.

    Na reunio da UPP So Joo de 18 de abril,

    o dirigente de uma associao local que parti-

    cipa regularmente do encontro pediu a fala e

    argumentou que no ano anterior houve elei-

    es para a direo da associao de moradores

    e somente uma chapa se candidatou. Ele diz

    que, uma vez eleito, adotou como estratgiareunir foras e se aproximar de outras asso-

    ciaes de moradores do Complexo So Joo.

    Segundo ele, o objetivo maior da luta das as-

    sociaes a realizao de obras. J em 28

    de maio, na UPP So Carlos, o presidente de

    uma das quatro associaes que frequentam a

    reunio disse que, quando assumiu o cargo, a

    primeira coisa que fez foi reunir todo mundo

    [as outras associaes da regio] para o meu

    lado. A unio entre as associaes no surgiu,

    contudo, para esperar da UPP, mas que [para

    que] cada um lutasse por todos. As falas dos

    representantes locais foram bastante elogiosas

    ao comando da UPP, que recebia na ocasio a

    visita de uma equipe da CPP.

    comum s quatro favelas a congregao de

    diferentes associaes de moradores, acenando

    um alinhamento discursivo com as UPPs. Re-

    velam-se nesses espaos falas e posturas de par-

    ceria entre os representantes das associaes eos comandantes. Contudo, possvel conside-

    rar que um dos efeitos do protagonismo policial

    nesses processos locais recai sobre a representa-

    o e a capacidade de mobilizao poltica dos

    moradores de favelas, efeito esse representado na

    ideia de intercmbio de papis entre as UPP e

    as associaes (RODRIGUES et al., 2012).

    Por certo, a observao dessas reunies re-velou vozes contrrias ao movimento de ajuste

    entre as associaes e os comandos militares,

    o que ocorre sob o signo da parceria para

    sucesso da pacificao. Em especial no Ba-

    tan e em Manguinhos, esse papel subversivo

    foi desempenhado por representantes de ou-

    tros coletivos de base territorial, divergentes

    das associaes22. As intervenes desses ato-

    res jogam dvidas sobre o alinhamento entreorganizaes de base e UPP como estratgia

    poltica das primeiras e, alm disso, questiona

    o trabalho de mediao feito pela polcia.

    Em uma reunio em Manguinhos, um in-

    tegrante de um coletivo local questiona a con-

    vocao desses encontros pelo comando. Para

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    ele, a ordem em Manguinhos deveria ser como

    em outros bairros, onde o policial est fazen-

    do o seu papel. Em 12 de junho, um grupo de

    moradores sem vnculos com as associaes in-

    siste que as instituies comunitrias deveriam

    promover reunies para dilogo com as agn-

    cias pblicas, no lugar do comando policial.

    De acordo com essas pessoas, as associaes j

    fazem isso h mais tempo do que a UPP. Dian-

    te do conflito, um dirigente de associao de

    moradores procura contemporizar. Afirma que

    todos esto vivendo um processo de adapta-

    o, tanto a polcia como os moradores.

    O comandante concorda que faz papel de

    mediador nos encontros, mas no assente

    militarizao das polticas pblicas, crtica

    elaborada momentos antes por um morador.

    Segundo o comandante, no h hierarquia ou

    desequilbrio de autoridade entre a polcia e os

    rgos pblicos. Aos moradores que criticam

    a reunio da UPP, o policial admite ser uma

    figura poltica por representar a UPP Mangui-nhos, mas pessoalmente no gosta disso. Est

    interessado apenas em trazer desenvolvimen-

    to para a comunidade, para o morador.

    A anlise desses rituais da pacificao em

    Manguinhos deflagra um quadro de crticas e

    suspeio por parte de alguns moradores em re-

    lao ao trabalho de mediao institucional feito

    pela UPP. Como pano de fundo, denuncia umcontrole policial mais forte na regio, que destoa

    de como l fora, conforme disse um morador.

    Entrevistas com moradores da Cidade de

    Deus revelam que por l a atuao da UPP

    tem gerado a sensao ao menos inicial de

    suspenso dos limites de domnio das faces

    criminosas; ao mesmo tempo, a pacificao

    sentida como uma forma de gesto da so-

    ciabilidade local pelo aparato policial, que re-

    gula a realizao de eventos e a circulao de

    moradores em especial dos jovens, colocados

    constantemente em situao de suspeio (RO-

    CHA, 2011). Esse controle territorial se revela

    tambm nas falas de alguns moradores de Man-

    guinhos no mbito das reunies, e em alguns

    casos pontua-se a violncia policial na rea, as-

    sociando-se tais casos s reunies, consideradas

    por esses moradores como espaos de controle

    poltico sobre a vida associativa da favela.

    interessante apontar que so moradores

    distantes das associaes que fomentam esse

    quadro de inflexo e denncia sobre o possvel

    controle sociopoltico posto em prtica pela

    UPP. Nenhuma associao de moradores ou

    organizao no governamental questionou,

    nas quatro favelas, a legitimidade dos coman-

    dos em realizarem os encontros.

    Consideraes finais

    Ainda que com variaes, as reunies co-

    munitrias se revelam espaos dotados de cer-

    ta formalidade e regularidade que mobilizam

    uma performanceque materializa os ideais da

    pacificao. Alm disso, apresentam um pro-

    psito claro, ou como diria a tradio antropo-

    lgica, uma eficcia: aproximar moradores e

    representantes do Estado e do setor privado nointuito de encaminhar problemas e necessida-

    des para, a partir disso, solucion-los. Contu-

    do, a anlise de quatro casos de reunies co-

    munitrias de UPP constata a continuidade

    de um modelo de interlocuo que ajusta para

    baixo os limites da possibilidade de participa-

    o dos moradores na esfera pblica.

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    Estudos sobre as favelas devem tom-las

    por pressuposto como localidades, o que na

    acepo de Anthony Leeds (1978) quer dizer

    compreend-las alm de meros espaos terri-

    toriais, mas como pontos nodais de interao

    providos de configurao e autonomia poltica

    prpria. Nesse escopo, a compreenso histri-

    ca das favelas da cidade apresenta as associa-

    es de moradores como organizaes ativas

    motivadas a aumentar as vantagens extradas

    dos rgos supralocais e, ao mesmo tempo,

    frear tenses entre tais rgos e o conjunto

    dos moradores. Contudo, se no h obteno

    de ganhos polticos (ou obras) a partir dasreunies, uma pergunta feita por um morador

    do Batan soa pertinente para essa investigao:

    para que ento servem esses encontros?

    As associaes de moradores parecem ade-

    rir pela credibilidade que o ritual lhes confe-

    re na representao da pacificao: so elas

    as vozes legtimas dos moradores de favela.

    Paralelamente, os agentes pblicos encenamum papel conhecido nesses espaos, papel esse

    que reifica a dual percepo de igualdade do

    regime de cidadania brasileiro. As prticas do

    poder pblico so orientadas pelo senso de

    igualdade de tratamento diferenciado que

    converge no cotidiano constitucionalidades e

    discricionariedades e faz com que as aes do

    Estado sejam frequentemente percebidas pelos

    cidados como atos arbitrrios (CARDOSODE OLIVEIRA, 2010, p. 462, grifo nosso).

    Nesse jogo que repete papis histricos das

    associaes locais e dos agentes de servios p-

    blicos, a novidade parece ser a atuao dos co-

    mandos policiais, que mobilizam e se interessam

    pela continuidade dos espaos. Diante de crti-

    cas, defendem a continuidade e perante acusa-

    es de ineficincia, replicam a positividade do

    dilogo. Contudo, que interesses envolvem os

    comandantes das UPPs na mobilizao desses

    encontros regulares e no seu protagonismo?

    A anlise de 14 reunies realizadas em 2013

    sob iniciativa de quatro comandos das UPP re-

    verbera o que afirmaram outras investigaes

    com foco nos recentes fruns da UPP Social

    (RODRIGUES et al., 2012; LEITE, 2012;

    FLEURY, 2012). Estaria em curso um modelo

    de mediao negociada, que, como visto, invia-

    biliza em sua estrutura a discusso poltica so-bre o projeto de pacificao e as demais aes

    de desenvolvimento em curso. possvel ento

    concordar que a participao pacificada:

    Nesses espaos, permitido vocalizar angs-

    tias e desejos sobre a ao governamental,

    mas no h brecha real para definir priorida-

    des e ao substantivas das polticas pblicas.

    Em suma, essas instncias consistem em ins-

    trumento apaziguador dos conflitos, procu-rando referendar as decises j vinculadas

    poltica em curso. (FLEURY, 2013).

    preciso lembrar que as reunies comu-

    nitrias, como aqui apresentadas, so espaos

    iniciados apenas em certas localidades, apa-

    rentemente condicionados s possibilidades de

    dilogo com os grupos locais e aos interesses

    dos comandos policiais. A realizao desses en-contros no esgota outras formas de mediao

    entre representantes do Estado e os moradores,

    ao contrrio: condensa e interpenetra diferen-

    tes institucionalidades pblicas, privadas e das

    organizaes de base para a realizao de um

    ritual que sedimenta valores no grupo por meio

    de atos performativos.

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    Vale retomar a funo do ritual, na com-

    preenso de Victor Turner a partir de seu estu-

    do clssico sobre a sociedade ndembu:

    os smbolos dominantes no agregado de obje-

    tos e atividades simblicos associados a cada

    ritual no refletem ou expressam os princi-

    pais aspectos da estrutura social, mas antes

    os valores que todos os ndembus possuem

    em comum []. A unidade primordial dos

    ndembus se expressa na composio das as-

    sembleias rituais. (TURNER, 1996 apud

    CAVALCANTI, 2012, p. 114, grifo nosso).

    A perspectiva de Turner de que os rituaisno refletem a unidade poltica, mas sim a co-

    eso moral do grupo. Ao utilizar esse conceito

    para compreender as reunies comunitrias, a

    investigao aponta a promoo desses eventos

    como uma estratgia de convencimento e ade-

    so a valores que pretendem, em especial, sensi-

    bilizar os moradores para um novo momento e

    uma nova moralidade. A assessora de um verea-

    dor, em So Joo, no dia 18 de abril, disps-se aser um canal de reclamaes e encaminhamento

    de problemas, pontuando que o trabalho do ve-

    reador cobrar e fiscalizar as prticas do poder

    executivo municipal. Nesse aspecto, a assessora

    louva a iniciativa de reunio da UPP, acentu-

    ando que, apesar de promovida pela polcia, a

    reunio dos moradores e que eles, nesse novo

    momento, devem se acostumar s leis do as-

    falto, tendo conscincia no trato com o lixoe em relao perturbao do sossego. Afirma a

    assessora: ajudem a UPP que ela ajuda a vocs

    e ns ajudaremos a vocs.

    Assim como a fala dessa assessora, outras

    registradas em diferentes reunies remetem a

    uma estratgia de convencimento moral da

    pacificao que, por sua vez, submete a rei-

    vindicao por cidadania ao primado da pre-

    servao da ordem urbana. O padro moral

    propagado de forma normativa nas reunies

    confere novos significados polcia e redimen-

    siona o que os moradores devem considerar

    como mau e errado. Considerando o contexto

    do predomnio do narcotrfico, a dualidade

    bandido x trabalhador contempla a cons-

    truo de uma moralidade relativamente aut-

    noma nas favelas, em que se conjugam valores

    ticos s condutas criminais e atribuem-se va-

    lores de forma mais relacional e pessoalizada

    (ZALUAR, 1985). No bojo da pacificao,rituais como as reunies organizadas pelas

    UPP se cristalizam em modos encenados de

    comunicao para fins de adeso a novos pa-

    dres morais, alinhados aos interesses de con-

    trole dos agentes pblicos, em especial s for-

    as policiais.

    Um processo de despolitizao do debate p-

    blico sobre a favela vem ocorrendo desde a dca-da de 2000 (RIBEIRO; OLINGER, 2012), e no

    contexto das UPP talvez este processo esteja se

    intensificando. Trata-se de uma despolitizao

    que na verdade repolitiza os agentes em me-

    diao, convertendo dualidades em parcerias,

    desfigurando o aspecto conflitivo dos processos

    polticos e renovando velhos conchavos.

    A participao pacificada encontra seulcus privilegiado nas reunies comunitrias

    das UPP, tendo em vista que nesses rituais o

    protagonismo dos comandos militares refora

    a lgica de convencimento moral nos discur-

    sos, mas tambm na constituio do prprio

    espao, distribuio de papis e legitimao

    das pautas que vo ao debate.

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    As tendncias desse processo sem dvida

    variam conforme contextos e arranjos locais,

    e as consideraes aqui feitas referem-se ape-

    nas ao universo investigado. As reunies co-

    munitrias das UPP, mesmo que iniciadas h

    mais de dois anos no Batan, s esto sendo

    replicadas na maior parte das outras reas h

    poucos meses. Atualmente 12 favelas contam

    com a organizao desses espaos, e possvel

    que diferentes dinmicas polticas conflagrem

    arranjos de caractersticas distintas, inclusive

    das que foram relatadas no presente estudo.

    No entanto, o desempenho da mediao po-

    ltica a partir da autoridade policial desafia as

    interpretaes sobre as relaes entre os mo-

    radores de favela e o Estado, em especial no

    acesso aos direitos de cidadania para a socie-

    dade brasileira.

    1. Instncia da Polcia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ) que coordena as aes das UPP.

    2. A pacificao aqui tomada em termos nativos, visto que assim identificado por agentes pblicos, privados e comunitrios o

    momento e as aes em prtica a partir da ocupao militar dessas favelas.

    3. Dados da Coordenadoria de Polcia Pacificadora divulgados no website oficial . Acessado em: 1 set. 2013.

    4. A relao pblico-privado comentada no relatrio da LAV (2012), que tambm constata a sensao comum, por parte dos

    moradores, de controle policial. Pesquisas em curso tm abordado o interesse de empresas privadas no nicho da pacificao, e o

    caso do desaparecimento do pedreiro Amarildo de Souza na Rocinha tem acentuado crticas forma de policiamento realizada nas

    UPP.

    5. As favelas so consideradas aberraes pelo referido Cdigo.

    6. Chefiado por Jos Arthur Rios, o Servio Especial de Recuperao de Favelas e Habitaes Anti-higinicas (SERFHA) contribuiu para

    a fundao de 75 associaes de moradores entre 1961 e 1962. Apesar de as associaes serem eleitas pelos moradores, tinham

    atribuies conferidas pelo Estado, a partir da mediao com o prprio SERFHA.

    7. O Batan se localiza na Zona Oeste da cidade, ao passo que Manguinhos e So Joo esto na poro Norte e So Carlos, mais

    ao centro. Ainda que seja um aspecto relevante, esse texto no aborda os precedentes histricos dessas reas, focando-se nas

    reunies.

    8. poca da redao do presente artigo, a Secretaria Estadual de Segurana afirmou existirem 33 UPP, mas algumas unidades

    contam com bases avanadas pulverizadas sobre a favela, enquanto em alguns casos uma mesma localidade conta com mais

    de uma UPP. Privilegiando a anlise sobre as favelas, e no sobre as UPP, foram identificadas 27 localidades, sendo algumas

    pontuadas como agregados de favelas, como no caso do Complexo da Penha e do Alemo.

    9. Este artigo foi concludo em setembro de 2013, sendo essa a data de referncia.

    10. Apesar dos pedidos do pesquisador, a representante da CPP no disponibilizou a resoluo emitida aos comandantes.

    11. No Batan, o comando policial local convoca no incio da reunio os presidentes das associaes e os gestores e gerentes de servios

    pblicos presentes para se sentarem mesa. O objetivo dessa conduta, afirma o comandante, dar visibilidade ao grupo e melhorar

    o encaminhamento de demandas. Agentes privados, como membros do Sistema S e de organizaes no-governamentais, no so

    convidados mesa.

    12. considervel o nmero de projetos sociais de grandes empresas, como a Coca-Cola, que atuam especificamente nas reas pacificadas

    e sob o argumento da qualificao profissional. O Sistema S tem aes especficas para essas reas, como o Sesi nas Comunidades e o

    Senac nas UPP. O Sebrae tambm tem forte atuao com os micro e pequenos empresrios dessas regies.

    13. Um exemplo dado por Peirano (2003, p.11) o Eu prometo.

    14. O decreto que regulamenta as UPP define: So reas potencialmente contemplveis por UPP [...] aquelas compreendidas por

    comunidades pobres, com baixa institucionalidade e alto grau de informalidade, em que a instalao oportunista de grupos criminosos

    ostensivamente armados afronta o Estado Democrtico de Direito. Entre as quatro localidades a que essa pesquisa se restringe, trs

    estavam sob coao de faces de narcotraficantes, ao passo que o Batan o nico caso das 27 localidades em que o domnio ocorria

    por uma quadrilha de milicianos (CANO; DUARTE, 2012).

    15. As associaes de moradores so atualmente pontos de mediao tambm para a implementao do Programa de Acelerao do

    Crescimento (PAC) (TRINDADE, 2012; CAVALCANTI, 2013), e dos programas municipais de urbanizao Morar Carioca e Bairro Maravilha.

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    16. De julho de 2011 a novembro de 2012, a equipe do programa municipal UPP Social realizou um circuito itinerante de fruns entre as vrias

    reas com UPP, tendo o ltimo ocorrido na Rocinha. A realizao dos fruns marcou o comeo da fase da UPP Social sob o escopo da

    Prefeitura de fato, o programa comeou de forma tmida em 2010, na estrutura burocrtica do governo estadual. Os fruns marcam, ento,

    o lanamento do que seria o brao social das UPP. Apesar das iniciativas, os fruns da UPP Social se revelaram episdios limitados no

    tempo, restritos ao momento de apresentao das equipes nas favelas. Em pouco mais de um ano esses fruns se esgotaram e pararam de

    acontecer (FLEURY, 2012; LEITE, 2012).

    17. Os conselhos comunitrios de segurana foram institudos por lei estadual em 1999 e objetivam congregar em encontros mensais

    representantes da polcia civi l, da militar e membros da sociedade civil. Circunscritos s reas Integradas de Segurana Pblica (Aisp), os

    cafs comunitrios ocorrem desde 2003 e tm como objetivo estimular a participao de todos no direito segurana. Costumam ser

    dirigidos pelo comandante do batalho e o delegado mais antigo da Aisp, e tm uma diretoria constituda, que ocupa uma mesa durante

    os encontros (SENTO-S et al., 2012). A influncia dos cafs comunitrios sobre as reunies das UPP se revela no caso pioneiro do Batan

    no apenas por conta da sua regularidade mensal, mas tambm no seu formato, que at hoje preserva a formao de uma mesa com as

    autoridades.

    18. Outras favelas tambm contaram com reunies promovidas pela UPP nesse perodo, mas apenas como aes pontuais em resposta a

    problemas localizados.

    19. Este artigo no se debrua sobre o tema, mas considera relevante contrastar a experincia das UPPs com a perspectiva terica que

    embasa o iderio de policiamento comunitrio ou de aproximidade. De acordo com a literatura sobre o tema, o que orientaria essa

    forma de policiamento seria: (1) a preveno do crime tendo com base a comunidade, (2) a reorientao do policiamento para servios

    no-emergenciais; (3) a descentralizao dos comandos por rea; (4) a participao da populao nas atividades de monitoramento e

    planejamento da atividade policial (Cf. BAYLEY, 2002).

    20. O Disque-UPP foi criado em agosto de 2012 para acolher, anonimamente, sugestes, crticas e denncias sobre o policiamento realizado por

    essas Unidades.

    21. Esses objetivos variam conforme os contextos de poder nas favelas e, em especial, os interesses dos dirigentes das associaes de

    moradores, visto que prevalece a referncia ao presidente do que associao como corpo coletivo (PANDOLFI; GRYNSZPAN, 2002).

    22. No caso do Batan e de Manguinhos tratam-se de coletivos de moradores descolados das associaes, fundados por oposio s mesmas

    e vinculados a redes externas da sociedade civil, em especial por contato com pesquisadores e instituies acadmicas. Se inserem na

    pluralidade do novo associativismo e alheios tambm ao modelo de associao por ONGs.

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    Rev. bras. segur. pblica | So Paulo v. 8, n. 1, 24-46 Fev/Mar 2014

    Rituais de pacificao: uma anlise das reuniesorganizadas pelos comandos das UPPs

    Frank Andrew Davies

    Rituales de pacificacin: un anlisis de las reuniones

    organizadas por los comandos de las UPPs

    Este artculo presenta reflexiones acerca de los procesos de

    reglamentacin de las reuniones comunitarias organizadas

    y dirigidas por los comandos militares de las Unidades de

    Polica Pacificadora (UPP) del Estado de Ro de Janeiro. Se

    analizan smbolos, valores y temas suscitados en estos

    eventos, en el que convergen diferentes representantes de

    las esferas pblica, privada y de base local con el fin de

    constituir verdaderos rituales de pacificacin en el escenario

    cotidiano de esas favelas. Conforme apunta la investigacin,

    existen regularidades y formalidades que pretenden conducir

    la produccin de nuevos valores morales y tambin renovar

    viejos mecanismos de control sobre las dinmicas polticas

    de esos espacios. Con ese objetivo, la pacificacin ha

    revelado ms consolidaciones que rupturas en el proceso de

    promocin de ciudadana para los habitantes de favelas.

    Palabras clave: Seguridad pblica; pacificacin; UPP;

    participacin; ciudadana; favela; habitantes de favelas.

    Resumen

    Pacification rituals: an analysis of the meetings

    organized by the command of the UPPs

    This paper presents some reflections on the process of

    regulating the community meetings organized and conducted

    by the military command of Pacifying Police Units (UPPs) in

    the State of Rio de Janeiro. The symbols, values and themes

    raised by the participants in these meetings were analyzed.

    The attendees included representatives of both the public

    and private sectors, in addition to local community members.

    The goal of these meetings was to help instill pacification

    rituals into the daily lives of the people living in these

    slums. This study suggests that the effort of creating new

    moral values and renewing old mechanisms to control the

    political dynamics in these communities emerged in patterns

    of regularity and formality. In this respect, pacification

    efforts have preserved rather than disrupted structures in the

    promotion of citizenry amongst slum dwellers.

    Keywords: Public safety; pacification; UPP; participation;

    citizenship; slum; slum dwellers.

    Abstract

    Data de recebimento: 24/09/2013

    Data de aprovao: 23/02/2014

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