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Educação Educação Educação Educação Educação Porto Alegre/RS, ano XXX, n. 1 (61), p. 53-92, jan./abr. 2007 –––––––––––––––––––––––––––– –––––––––––––––––––––––––––– Roda de conversas – Excelência acadêmica Roda de conversas – Excelência acadêmica Roda de conversas – Excelência acadêmica Roda de conversas – Excelência acadêmica Roda de conversas – Excelência acadêmica é a diversidade a diversidade a diversidade a diversidade a diversidade A conversation – Academic excellence is diversity PETRONILHA BEATRIZ GONÇALVES E SILVA* NARA MARIA GUAZZELLI BERNARDES** RESUMO – Em roda de conversas, professores e pesquisadores de universidades nacionais, do Mali e dos Estados Unidos, trocaram idéias, levantaram indagações e ensaiaram encaminhamentos visando à redefinição do que seja excelência acadêmica, na perspectiva da diversidade social e étnico-racial que compõe as sociedades. Descritores – Diversidade; excelência acadêmica; ações afirmativas. ABSTRACT – In an informal plenary conversation, Brazilian teachers and educators and scholars from the national universities of Mali and the United States exchanged ideas, raised questions and sketched procedures aiming at the redefinition of what academic excellence means under the perspective of the social and ethnic-racial diversity that make up their respective societies. Key words – Diversity; academic excellence; affirmative actions. INTRODUÇÃO NTRODUÇÃO NTRODUÇÃO NTRODUÇÃO NTRODUÇÃO As organizadoras do dossiê temático do presente número da revista Educação, que versa sobre educação e diversidade, em parceria com a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), realizaram no dia 18 de setembro de 2006, no Teatro de Bolso da UFSCar (São Carlos, SP), uma Roda de Conversas com o objetivo de questionar, buscar definições, ––––––––––––––––––––– ––––––––––––––––––––– * Professora Titular de Ensino-Aprendizagem – Relações Étnico-Raciais da Universidade Federal de São Carlos. Pesquisadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da mesma universidade. Conselheira, mandato 2002-2006, da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação. E-mail: [email protected] ** Doutora em Educação. Professora da Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. E-mail: [email protected] Artigo recebido em: setembro/2006. Aprovado em: dezembro/2006.

Roda de conversas - Excelência Acadêmica é a Diversidade

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SILVA, P. B. G; BERNARDES, N. M. G. Em roda de conversas, professores e pesquisadores de universidades nacionais, do Mali e dos Estados Unidos, trocaram idéias, levantaram indagações e ensaiaram encaminhamentos visando à redefinição do que seja excelência acadêmica, na perspectiva da diversidade social e étnico-racial que compõe as sociedades.

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Educao Educao Educao Educao EducaoPorto Alegre/RS, ano XXX, n. 1 (61), p. 53-92, jan./abr. 2007Roda de conversas ... 53Roda de conversas Excelncia acadmica Roda de conversas Excelncia acadmica Roda de conversas Excelncia acadmica Roda de conversas Excelncia acadmica Roda de conversas Excelncia acadmica a diversidade a diversidade a diversidade a diversidade a diversidadeA conversation Academic excellence is diversityPETRONILHA BEATRIZ GONALVES E SILVA*NARA MARIA GUAZZELLI BERNARDES**RESUMOEmrodadeconversas,professoresepesquisadoresdeuniversidadesnacionais,doMaliedosEstadosUnidos,trocaramidias,levantaramindagaeseensaiaram encaminhamentos visando redefinio do que seja excelncia acadmica,na perspectiva da diversidade social e tnico-racial que compe as sociedades.Descritores Diversidade; excelncia acadmica; aes afirmativas.ABSTRACT In an informal plenary conversation, Brazilian teachers and educatorsandscholarsfromthenationaluniversitiesofMaliandtheUnitedStatesexchangedideas,raisedquestionsandsketchedproceduresaimingattheredefinitionofwhatacademic excellence means under the perspective of the social and ethnic-racial diversitythat make up their respective societies.Key words Diversity; academic excellence; affirmative actions.I II IINTRODUO NTRODUO NTRODUO NTRODUO NTRODUOAs organizadoras do dossi temtico do presente nmero da revistaEducao,queversasobreeducaoediversidade,emparceriacomaUniversidadeFederaldeSoCarlos(UFSCar),realizaramnodia18desetembro de 2006, no Teatro de Bolso da UFSCar (So Carlos, SP), umaRodadeConversascomoobjetivodequestionar,buscardefinies,* ProfessoraTitulardeEnsino-AprendizagemRelaestnico-RaciaisdaUniversidadeFederaldeSoCarlos.PesquisadoradoNcleodeEstudosAfro-Brasileirosdamesmauniversidade. Conselheira, mandato 2002-2006, da Cmara de Educao Superior do ConselhoNacional de Educao. E-mail: [email protected]**DoutoraemEducao.ProfessoradaFaculdadedeEducaodaPontifciaUniversidadeCatlica do Rio Grande do Sul. E-mail: [email protected]:setembro/2006.Aprovadoem:dezembro/2006.Educao Educao Educao Educao EducaoPorto Alegre/RS, ano XXX, n. 1 (61), p. 53-92, jan./abr. 200754 Petronilha Beatriz Gonalves e Silva; Nara Maria Guazzelli Bernardesesclarecimentoseencaminhamentosarespeitodaquestoexcelnciaacadmicafacediversidadequevemmobilizandoosmeiouniver-sitrios, diante das presses de jovens e adultos de grupos populares, negrose indgenas para ingresso no ensino superior.Estaatividadesitua-senocontextodasnovasdemandasquesecolocamparaaPontifciaUniversidadeCatlicadoRioGrandedoSul(PUCRS),particularmenteparaaFaculdadedeEducaoquenoanode2006criouumCursodePedagogiacomnfaseemEducaoPopular,apartirdasolicitaoqueseoriginounaAssociaodeEducadoresPopularesdePortoAlegreemparceriacomoConselhoMunicipaldosDireitosdasCrianasedoAdolescenteecomoConselhoMunicipaldeEducao.NaUFSCar,situa-senocontextodeencaminhamentoparadecisodoscolegiadossuperioresdeProgramadeAesAfirmativasdirigido a oriundos de escolas pblicas, a negros e a indgenas.1ARodadeConversasummeioprofcuodecoletarinformaes,esclareceridiaseposies,discutirtemasemergentese/oupolmicos.Caracteriza-se como uma oportunidade de aprendizagem e de exploraodeargumentos,semaexignciadeelaboraesconclusivas.Aconversadesenvolve-senumclimadeinformalidade,criandopossibilidadesdeelaboraesprovocadasporfalaseindagaes.NocasodestaRodadeConversas, o ambiente fsico do Teatro de Bolso, no qual o palco e a platiaformamumcrculo,propicioucondiesprivilegiadasparaastrocas.ARodadeConversasfoicoordenadapelasprofessorasPetronilhaeNara,cuja funo consistiu em provocar a conversa por meio de trs perguntasdesencadeadoras de manifestaes.Paraapresentarconsideraessobreoconceitodeexcelnciaacadmica,suaabrangncia,estratgiasparaavali-la,defini-la,redefi-ni-lafacesexignciasdoprogressodascincias,aosobjetivosdasinstituiesuniversitrias,snovasdemandasdosdiferentessegmentossociais, foram convidados os seguintes professores doutores: Joyce ElaineKing(GeorgiaStateUniversity/USA),MwalymuShujaa(MedgarEversCollegeUniversityofNewYork/USA),HassimiMaiga(UniversitduMali),SheilaMarBaptistaSerra(DepartamentodeEngenhariaCivilUFSCar),ValterRobertoSilvrio(DepartamentodeCinciasSociaisUFSCar),PedroManuelGalettiJnior(DepartamentodeGenticaUFSCar), Fbio A. Duro (UNICAMP), responsvel pela traduo e versoingls-portugus.AplatiafoiconstitudapelaVice-ReitoradaUFSCar,professoradoutoraMariaStelladeAlcantaraGil,peloDiretoreVice-Diretor do Centro de Cincias Humanas, os professores doutores ValdemirEducao Educao Educao Educao EducaoPorto Alegre/RS, ano XXX, n. 1 (61), p. 53-92, jan./abr. 2007Roda de conversas ... 55Miotello e Arthur Autran Franco de S Neto, pela Chefe do DepartamentodeMetodologiadeEnsino,professoradoutoraAidaVictriaGarcia-Montrone,pelacoordenadoradoNcleodeEstudosAfro-Brasileiros,professoradoutoraLuciaMariadeAssunoBarbosa,pelosprofessoresdoutoresCarlosVenturaDAlkaimedoDepartamentodeQumica,Francisco Alves (Chiquinho) do Departamento de Engenharia de Produo,pelarepresentantedaPrefeituraMunicipaldeSoCarlos,professoraRegina Conceio, pelo professor doutor Saddo Ag Almouloud da PUCSP,pelaprofessoraVanderliSalatiel,pelosocilogoCasemiroPaschoaldaSilva,dirigentedoGrupodeCulturaAfro-BrasileiraCongadadeSoCarlos,almdeestudantes,outrosprofessores,tcnicos-administrativos,militantes do movimento negro e outras pessoas interessadas.C CC CCAMINHOS AMINHOS AMINHOS AMINHOS AMINHOS DA DA DA DA DA CONVERSA CONVERSA CONVERSA CONVERSA CONVERSAPetronilhaBoatarde!umprazerreceb-losparaestaRodadeConversas. Aps a formulao de cada uma das perguntas, os convidados,na ordem que o desejarem, com o estilo de se expressar prprio de sua readeconhecimentoeseujeitodeser,apresentarosuasconsideraes.Naseqncia,osparticipantesdaplatiafarosuasintervenes.Todossintam-sevontade.Nsestamosquerendomesmoconversar.Ento,quem quiser comear...Nara Boa tarde! Eu desejo inicialmente agradecer a acolhida que aproposta teve por parte da Universidade Federal de So Carlos, agradeodofundodocorao.Petronilhaeeuelaboramosalgumasquestesparadesencadearaconversa.Aprimeiraaseguinte:Excelnciaacadmica,doquemesmoqueestamosfalando?AUFSCareaPUCRSparceirasneste evento, assim como aquelas universidades de onde provm os colegasquesedispuseramaconversarestatardetmsidoapontadascomoinstituiesdeexcelnciaacadmica.AUFSCarcomopropsitodeassumirradicalmentecompromissocomproduocientficaecomformaodeprofissionaise,tambm,comcompromissosocialestbuscandogarantirqueosistemadeingressodeestudantescontemplearepresentatividade de negros, indgenas e de pessoas de grupos populares.Essapropostatemsidoveementementerechaada.Noentenderdeseuscrticos, a diversidade tnico-racial e a presena mais numerosa de pessoasde grupos populares na universidade prejudicaria a excelncia acadmicaque baixaria de nvel. Ento cabe perguntar: O que mesmo excelnciaacadmica?Educao Educao Educao Educao EducaoPorto Alegre/RS, ano XXX, n. 1 (61), p. 53-92, jan./abr. 200756 Petronilha Beatriz Gonalves e Silva; Nara Maria Guazzelli BernardesJoyce Boa tarde. Essa pergunta me diz respeito tanto do ponto devista pessoal quanto profissional. Eu fui uma daquelas alunas originriasde famlia muito pobre e que conseguiu freqentar uma das universidadesmaisimportantesdosEstadosUnidosaUniversidadedeStanford.Quandoeuafreqentei,haviaoutros10alunosnegrosjuntocomigo,ocurrculoemquenosformvamos,nosoprimiaenquantonegros.DesdeentoaUniversidadedeStanfordsetornouumauniversidademaisdiversificada, onde a educao, conforme se diz, para todos.Euqueriacomearminhaparticipaonestaconversa,comumacitaoqueexplicaporqueadiversidadedizrespeitoatodos.UmdosestudiososmaisimportantesdaCulturaNegra,nosEstadosUnidos,DuBois, disse o seguinte: a degradao dos homens e das mulheres, temumcustotantoparaaquelesquesodegradadosquantoparaaquelesquedegradam.Considerandoocontedodestaafirmativa,aexceln-ciaacadmicanauniversidadetem,pois,detercomorefernciaapre-senadetodos,negros,indgenas,brancos...,paraasociedadecomoum todo.HassimiBoatarde.SouoriginriodoMali,nafricaOcidental.Souprofessorepesquisador,omeucampodepesquisaeducaodospovosafricanosdomundointeiro.AeducaodequeestamostratandonestaRodadeConversasfoilevadaansafricanospeloseuropeus,pormeiodaescola.Issoaconteceunosomentenospasesafricanoscolonizados, mas tambm nos Estados Unidos e no Brasil. Assim, quandosefaladeeducao,tem-seemmenteeducaoprimria,secundria,superior.Emoutraspalavras,oqueagenteentendeporeducaoaeducaoformal,predominantementeinstruo,arealizadanasescolas.Quando a maioria das pessoas diz educao est se referindo a processo deinstruo relacionado ao domnio de determinado assunto/tema, ensinadonas escolas. Assim, quanto mais escolaridade voc tiver, melhor conseguirdominar determinados assuntos, mais voc considerado um especialistanesteounaqueleassunto.Eissooque,hoje,setemchamadodeexcelncia acadmica. Mas, nesse processo de instruo do especialista, oserhumano,osersocial,deixadodefora.Ora,temosqueconvirqueeducao tem a ver mais do que com instruo; tem a ver com o domniodesiprprio.Odomniodesiprpriorevigoraaidiadeconhecerasiprprio: quem voc ? quem sua famlia? como o seu pas? Este aspecto,o domnio de si prprio, tem sido ignorado na prtica da educao. porisso que, mesmo havendo Universidades em todas as partes do mundo, aeducaoestemcrise.OscurrculosnosoflexveisosuficienteparaEducao Educao Educao Educao EducaoPorto Alegre/RS, ano XXX, n. 1 (61), p. 53-92, jan./abr. 2007Roda de conversas ... 57integrartodosospovos.Poristonstemosmuitoquefazercomopesquisadores.Mwalymu Boa tarde. Eu tive o privilgio de ter sido o orientadorde19tesesdeDoutorado.Doutoradoumdiplomafinal,representaograultimo,aserconquistadonavidaacadmica,deexcelnciaacadmica.Umavez,umdemeusdoutorandos,professordeumaboauniversidade, procurou-me logo aps eu haver cortado o cabelo; at entousava um longo hastafari. Ao abrir a porta de minha sala, saudou-me coma expresso: Que belo cabelo!. Vocs sabem o que significa ter um bomcabelo ou um cabelo ruim nas comunidades negras nos Estados Unidos?Ocabeloencaracolado,maisprximodocabelonegro,consideradocabelo ruim; o cabelo que fino, que liso, o cabelo do modelo europeu, considerado o cabelo bom. Vejam o que diz uma cano de blues: Euno quero uma mulher que tenha os cabelos como as gotas da chuva, maseu quero uma mulher que tenha um cabelo como a crina de um cavalo.Como uma pessoa, prxima a obter o mais alto grau acadmico, podeno ter conscincia do seu prprio meio cultural? Essa pessoa educada?Tem educao? Pode ser considerada uma pessoa educada aquela que notem conhecimento algum a respeito da sua prpria histria cultural, masest imbuda completamente da histria cultural do grupo dominante, dogrupo que ocupa a posio do poder? Isso a justamente o que aborda olivro,de1933,deCartWoodson,quefoiasegundapessoa,osegundonegro, nos Estados Unidos a obter um Doutorado.PedroBoatarde.EusouoPedroGaletti,doDepartamentodeGentica.Euconfessoquequandofuiconvidadoparaparticiparfiqueiextremamentetemerosodenopodersequerfalar.Denoterabsolu-tamente nada a dizer aqui sobre esse tema, porque no sou estudioso doassunto. Eu confesso que muito pouco tenho lido e experenciado sobre otema, mas essa primeira questo me chamou a ateno. Eu na verdade jhavia pensado sobre isso, se fosse indagado sobre excelncia acadmica,comquestesrelacionadasetnia,oqueeupoderiadizer?Emboranosendogeneticistahumano,nodomeuconhecimentoquehajaalgumbomtrabalho,cientificamentedepeso,quedemonstreaexistnciadealgumadiferenaintelectual,deinteligncia,dememriaouatmesmode comportamento, que possa dividir a raa humana pelas etnias. H sim,obviamente,diferenasraciaisrelacionadasaosalelosqueflutuamnaspopulaes, mas nesse ponto em particular, com esse tipo de abordagemque significa ter uma pessoa mais capacitada do que a outra, sob o pontoEducao Educao Educao Educao EducaoPorto Alegre/RS, ano XXX, n. 1 (61), p. 53-92, jan./abr. 200758 Petronilha Beatriz Gonalves e Silva; Nara Maria Guazzelli Bernardesdevistaexclusivamentedagenticanohnada.Absolutamentenada,que permita uma discusso desse tipo. No entanto, como geneticista, mesoamuitoestranho,algumquererdiscutirexcelnciaacadmicaversusdiferenas raciais ou diversidade racial. O que pode haver, talvez... E issoseguramente h, que algumas etnias, dadas suas caractersticas histrico-culturais, tm um conhecimento tradicional que, com certeza, enriqueceriaaexcelnciaacadmicadequalqueruniversidade.Nessesentido,talvezreconhea algum papel das diferenas tnicas na excelncia acadmica.Masemoutroaspecto,oquensestamosabordandoaqui,eunovejo como discutir este tema, eu no acho que haja diferenas tnicas emrelao a isso. claro que, no precisa ser especialista para saber que h,sim, diferenas de aprendizado. No de facilidade de aprendizado, mas deoportunidades de aprendizado nas diferentes camadas sociais. Isso obvio!Euachoquetodosnsqueemalgummomentopensamosnisto...Obviamente este aspecto o que nos vem mente.Ento,sensdiscutirmosaquiexcelnciaacadmicaperanteasdiferenassociaiseuachoqueasimnspodemosencontraralgumcaminhoparatransitar.Noqueascamadasmenosfavorecidassejammenosexcelentes,masqueelastmobviamente,seguramente,menosoportunidades. E eu acho que por isso que est todo mundo aqui reunido,para tentar buscar espao para que isso deixe de existir, especialmente noBrasil.Ento,realmente...euouviostrscolegasquemeantecederametodos eles abordaram questes sobre a excelncia acadmica e expressaramaconcordnciadequeprecisoincluiredequenohnadaquepossaefetivamente demonstrar que essa incluso leve a um prejuzo da excelnciaacadmica.Eudiriaoseguinte:Eunoconsigo;eu,PedroGaletti,noconsigo nem sequer iniciar uma discusso colocando excelncia acadmicaversusadiferenaracialouadiversidaderacial.Porquenovejocorrelao, isso uma correlao zero, beirando ao zero porque no temabsolutamente nada a ver, pelo menos demonstrado sob o ponto de vista...Eu no sei se, sob o ponto de vista social, tem algum trabalho nessa direo,mas seguramente sobre aquilo que nos mais fundamental que so os nossogenes no tem absolutamente nada.Sobretudo,bomquesediga,queessetipodeanlisegenticamuito simplista e tambm muito equivocada. Eu no quero transformar aminha fala aqui em uma anlise de geneticista, at porque, especificamente,essascaractersticascomplexasrelacionadasaoaprendizadoeaodesen-volvimentosociointelectualtmumvetorsocialextremamentegrande.Educao Educao Educao Educao EducaoPorto Alegre/RS, ano XXX, n. 1 (61), p. 53-92, jan./abr. 2007Roda de conversas ... 59Ento a questo social talvez seja mais importante do que a questo racial,porque a raa se define pelos genes, mas como esses genes se expressam sedefine pelo meio, pelo ambiente. Ento, eu diria o seguinte: se h algo quedefatopodemodificaraexcelnciaacadmica,essealgosedevemuitomais ao ambiente do que base gentica, porque sob esse aspecto somosrealmente muito parecidos e todos muito iguais. Bom, eu no sei se eu fuicompreendido?!Sheyla Boa tarde a todos. Meu nome Sheyla, sou professora aquidaFederaldeSoCarlos,desde1994.H3anossouCoordenadoradoCurso de Engenharia Civil, e h dois anos sou representante do Conselhode Ensino Pesquisa e Extenso da nossa Universidade. Eu acho que essasminhas duas ltimas experincias me colocaram em evidncia para poderestar aqui, pela participao que eu tenho tido na Universidade. Eu no souestudiosadoassunto,masagradeooconvite,aoportunidadedeestarcolocando aqui um pouco do meu sentimento em relao a esse assunto eum pouco da experincia que a gente tem tido em estar discutindo nessesrgos colegiados dos quais eu fao parte. Discutir excelncia acadmicanaUniversidadeFederaldeSoCarlosmeparecebastantefcil,porqueaqui,reconhecidonacionalmente,umlocaldeexcelnciaacadmica.Estou enganada? Quem discorda? Mas se a gente colocar o dedo na nossaferida,poisapesardesermosreconhecidos,temosalgunsproblemas.Eesses problemas eu percebo enquanto professora, enquanto pesquisadora.Ns temos um nvel muito bom, mas ns enfrentamos problemas e essesproblemas que ns enfrentamos, muitas vezes, esto servindo de pano defundo ou de pretexto para discriminar as Aes Afirmativas. isso que euentendo,comopessoa.Osproblemasqueagentetemencontradoaquieso os que nos levam a estar refletindo mais tempo sobre esse assunto, soproblemasquejexistemecujassoluespodemsermelhoradas.Emrelao, por exemplo, permanncia na Universidade. Ns j sabemos quea Universidade formada por jovens que tm problemas financeiros e quedependemdaUniversidadeparasemanter.AUniversidadeprocuraresolver e resolve, na medida do possvel, mas nossos alunos receberam asbolsas somente em maio. Eles ficaram trs meses impossibilitados de estartranqilos, fazendo os cursos, desempenhando nas disciplinas, fazendo asprovas. Como conseqncia, o que a gente tem? Tm ndices de reprovaoaltssimos. Ns temos um programa de apoio acadmico, a tutoria, h doisanos, e tem funcionado bem. Tem o potencial muito grande de aumentar oseu alcance; j atingiu um ndice de aprovao da disciplina de Clculo I,de54%.excelnciaacadmica?.OsalunosqueestoaquipassaramEducao Educao Educao Educao EducaoPorto Alegre/RS, ano XXX, n. 1 (61), p. 53-92, jan./abr. 200760 Petronilha Beatriz Gonalves e Silva; Nara Maria Guazzelli Bernardespelocrivodovestibular.Hojeeufizenquetenaminhasaladeaula,dospresentessdoisnotinhamfeitoocursinho,umestudounoCOCeooutro estudou no Objetivo.Para poder ver onde a gente quer chegar nessa discusso, ns estamosaquirepresentandodiferentesCentros.Eurepresentoumgrupodediscusso que foi montado no Centro de Cincias Tecnolgicas com oitopessoas,paradiscutiroplanejamentomaisadequadoaoProgramadeAes Afirmativas da UFSCar. A gente discorda que est sendo veementerechaadoesteprograma,masachoquetemqueserveementementediscutido,porqueopapeldainstituiodemocrticatemquesereste:discutir para poder depois decidir com base no voto, na opinio da maioria. esta que tem que ser a discusso.Valter Boa tarde a todos, boa tarde a todas. Eu gostaria de agradeceroconvite.EusouValter,doDepartamentodeCinciasSociaisdaUniversidadeFederaldeSoCarlos.Euqueriacomeardizendoqueespecialistas na discusso sobre excelncia acadmica, eu avalio que sopoucos. Em seguida me pergunto o porqu da discusso sobre excelnciaacadmica. Em nosso pas, a excelncia acadmica, , de alguma maneira,umacriaononossosistemadePs-Graduao,apartirdosanos70,quandosedincio,comoprocessosistemtico,amensuraodaprodutividadedasinstituiesedosseuspesquisadores.Eoqueconsideradoexcelenteaquiloquenaverdadeatendeagendadaspesquisasdasagnciasdefomentonacionaiseinternacionais.Eupensoqueessadiscussosofreuumainflexo,apartirde1983,quandoodocumentointituladoNossaDiversidadeCriadora,2escritoporJavierPerezdeCuellar,entomembrodaOrganizaodasNaesUnidas,levanta a questo do desenvolvimento e de como o desenvolvimento haviasidopensadoatadcadade70,quandoocorreuachamadacrisemundial.DurantetodoosculoXX,sefortaleceumaidiadedesen-volvimento colada idia de progresso, que por sua vez ligada idia deOcidente, especialmente do Ocidente Europeu e Norte Americano. Ento,toda a discusso sobre excelncia acadmica que temos voltada para essetipo de desenvolvimento que exclui vrios saberes. Quer dizer, um nicosaber e uma nica noo de progresso que vigora. Isso s se altera quando,em 1983, sai esse documento que faz um balano crtico, salientando quetodaacinciavoltadaparaodesenvolvimento,chegouapontodeserabsolutamente excludente de vrias populaes e de vrios saberes. A partirda, a reflexo sobre excelncia acadmica passa a se alterar.Educao Educao Educao Educao EducaoPorto Alegre/RS, ano XXX, n. 1 (61), p. 53-92, jan./abr. 2007Roda de conversas ... 61EcomoumpontapinicialnanossaRodadeConversas,proponhoque se discuta a prpria idia de universidade. Pois a universidade, tal comoaconhecemos,estsendopostaemquesto.EstaUniversidadequensconsideramosexcelenteacademicamenteumaUniversidadequeseconstituiu durante, especialmente o sculo XX, excluindo uma pluralidadedesaberes.Diantedisso,autorescontemporneos,estofazendoessareflexo,como,porexemplo,BoaventuradeSouzaSantosquetemnoschamandoatenonosentidodequeosculoXXIsejaosculodapluriversidade e no mais da universidade. Ou seja, que a universidade queexcelentenopontodevistaacadmico,temqueserplural,temqueacolher e conter diferentes saberes.Eu gosto muito dessa proposta de Boaventura, porque talvez seja essaa possibilidade de a gente pensar uma forma de cincia e desenvolvimentoquesejamespecialmenteinclusivos.EcreioquenoBrasil,nosEstadosUnidos, na frica do Sul, na ndia, que so quatro pases em que h muitapluralidade tnico-racial, esta questo est colocada. Est posta de maneiracontundente, de um lado, dado o grau de excluso social que existe nessespases; de outro, em virtude do potencial de desenvolvimento acadmicocientfico que tambm est ali presente e ignorado. Ento, como se v, um grande desafio ns construirmos uma universidade que de fato d vazoaesteconhecimentoqueest,digamos,empotencial,masquensnoconseguimos desenvolver. Ns conseguimos apenas desenvolver um nicotipo de conhecimento e ele no tem sido suficiente para incluir o conjuntoda populao, nestes estados nacionais.Aindaquerodizerquenaminhaopinio,oGalettilevantaumaquestoimportante.Antesdemaisnada,salientoquetenhoumacon-cordncia de fundo com os argumentos do professor Galetti. Mas, tenho dedestacarqueforamnecessriasquatrodeclaraesdaUNESCO,nodecorrer de quase 20 anos para que a gente pudesse ter, por meio de umaDeclarao,oreconhecimentodequeasdiferenasraciais,asdiferenastnico-raciais inatas foram transformadas, ao longo do processo colonial,emdiferenas,emdesigualdadesefetivas...Foiprecisoumadeclaraointernacional para que passassem a ser questionadas.Eu acho que a gente vive um drama na atualidade. Ao mesmo tempoquenssabemosqueosfatoresgenticossocondicionadosaosfatoressociais, ns ainda trabalhamos com uma imagem construda pelo processocolonialdequeosfatoresgenticossoinatosesoarazodasnossasdesigualdades.Ento,eupensoqueestatensooperanaquiloquenspesquisadoresestamoschamando,pesquisadoresdestarea,deracismoEducao Educao Educao Educao EducaoPorto Alegre/RS, ano XXX, n. 1 (61), p. 53-92, jan./abr. 200762 Petronilha Beatriz Gonalves e Silva; Nara Maria Guazzelli Bernardesinstitucional.Oracismoinstitucionalseoperacionaliza,porexemplo,atravs do currculo escolar, em qualquer nvel de ensino.Joyce Quero dar dois exemplos de diversidade de pensamento e deconhecimento,paraprovarqueadiversidadetnico-racial,elaaexcelncia. Quando a gente pensa na China, a primeira imagem que tem que no h diversidade. Em 1987, estive na China e fui visitar um curso deformaodeprofessoresemPequim.Estavampresentesprofessoresdos57gruposdeminoriasdaChina,gruposquefalamumalnguaprpriaeque tm uma cultura prpria. Representantes destes 57 grupos estavam noInstitutoNacionaldeFormaodeProfessores,paraaprenderaculturadominante, voltar para as suas comunidades e ali ensinar. Mas ensinar deacordo com a prpria cultura de cada um. Eles, durante o curso, vestiam asroupasprpriasdeseusgrupos.Fisicamenteeramparecidosunscomosoutros,maseramdiferentes,emborafossemtodoschineses.Osegundoexemplo o de uma Escola de Medicina nos Estados Unidos. Os mdicosrecebem dois diplomas, o outorgado pela Universidade da Califrnia e umsegundoconcedidopelacomunidade.TemumaEscoladeMedicina,emLos Angeles, a Universidade de Carls True, que uma Escola de Medicinahistoricamentenegra.Assistiacerimniadeformatura.Haviaentreosconcluintes do curso, afro-americanos e mexicanos-americanos. O decanodisse para eles: Vocs receberam ontem um diploma, o da Universidade daCalifrnia,masvocsaindanoestoprontos.Somenteestaroprontosparaserviremacomunidadequandoacomunidade,elamesma,derparavocs um diploma.H quem pense que diversidade diz respeito apenas aos negros; queteriasidoinventada,adiversidade,parabeneficiaracomunidadenegra.No entanto, pode-se ver que a diversidade, no caso da escola de medicinaquereferi,umgraumaiordeexcelncia.Melhordizendo,spodeserconsiderada excelente a formao dos mdicos, se estes forem capazes deutilizaroqueaprenderam,emdiferentescomunidades,seforemcapazesdedialogar,paraorientarpessoasdegrupospopulares,dediferentespertencimentostnico-raciais,einclusiveparacomelasaprender.aatuao nessas comunidades e sua capacidade de com elas interagir, a provadefinitiva da excelncia da formao recebida.DAlkaime Creio que ns, na UFSCar, somos referncia acadmicapara o Brasil e para a Amrica Latina, mas agora para o mundo no sei sesomos uma referncia acadmica; mas isso um outro problema. Estamosfalando, neste caso, em referncia acadmica dos professores. Quando asEducao Educao Educao Educao EducaoPorto Alegre/RS, ano XXX, n. 1 (61), p. 53-92, jan./abr. 2007Roda de conversas ... 63pessoas se opem adoo da poltica das cotas, aqui na universidade, meparece que se referem a um fato bem concreto; eles pensam que os alunosque vo vir no podero seguir os cursos desta Universidade.Na realidade, quero ser franco, se eu tomo seriamente o preparo dosalunos, melhor dizendo, se no trato de suprir deficincias ou dificuldadesdos alunos quando chegam ao meu curso, reprovo mais de 50%, reprovoat mesmo 80%. No entanto, sou a favor das cotas.Voumeexplicar.Qualoproblemadosmeusalunos?Abasequeeles tm no um problema dos mais srios. O que querem fazer da vida?Esta uma questo central, no meu entender. A maioria dos meus alunosno tem a menor idia do que querem fazer da vida. O que eu espero, seadotarmosapolticadascotasreceberoutrostiposdepessoas.Qualesse tipo? So pessoas das classes populares, oriundas das escolas pblicas.Haver, assim uma mudana na composio do nosso alunado, comearhavermaiornmerodeestudantesquevemdaescolapblica.Hoje,conformelevantamentofeitopelaComissodeAesAfirmativasdaUFSCar, a maior parte de nossos alunos cursaram o ensino mdio em escolaprivada. Isto tem de ser invertido, pois somos uma universidade pblica.Eu noto nos meus alunos, eles provm da classe mdia, classes mdiae alta. Eles no sabem o que querem da vida. Como vou ensinar algo paraum cara que no sabe o que quer fazer? O que pretende fazer da sua vidanofuturo?Eudisse,outrodiaemumdebate:Porfavor,medemumaluno que tenha um projeto, eu o transformo, eu o ajudo para chegar l.Ora,semedoumalunoquenosabeoquequerfazerdavida,nodpara transform-lo em nada, no d para ajud-lo a se formar.Ns teremos que adotar as cotas, porque ns temos um srio problemana Universidade Federal de So Carlos e em outras universidades, mas eumepreocupocomesta,pelaquallutoevivo.Queoseguinte:existeapossibilidade de se ns abrirmos para as cotas, o ingresso de outros tiposdealunos.Hoje,sopoucososquevmdasclassespopulares.Medesculpem para aqueles que se ofendem com este tema, que se incorporamaos ideais das classes que hoje predominam na universidade.Eu venho notando, particularmente entre alunos que oriento na inicia-o cientfica, o desejo de se transformar em classe mdia. E se transformamem classe mdia, mesmo que no tenham dinheiro para comer todos os dias.Nsnecessitamosaumentaronmerodeestudantesdasclassespopulares, para qu? Para que os caras mantenham sua histria e ns, ento,vamos ter excelncia acadmica assim. Mas falando o que em excelnciaacadmica. A nossa excelncia acadmica so os nossos estudantes.Educao Educao Educao Educao EducaoPorto Alegre/RS, ano XXX, n. 1 (61), p. 53-92, jan./abr. 200764 Petronilha Beatriz Gonalves e Silva; Nara Maria Guazzelli BernardesOquetemosquediscutiremrelaoscotasnoaexcelnciaacadmicanossadeprofessores.Amim,mepareceextraordinriooscomentriosqueforamfeitossobreamodificaodauniversidadeparapluriversalidade. Mas o que temos que discutir aqui sobre as cotas e paravencer a luta para que as pessoas se convenam das razes objetivas quelevaramauniversidadeabuscaraprovar,pelosrgossuperiores,estapoltica. O que vai ocorrer com esse cara das classes pobres que entrar, vaiquerer subir na vida, vai querer aumentar sua capacidade, vai querer algo,viver por algo. Vai querer agir melhor, com mais competncia, ento voupoderensinar,comomuitosdensvopoder.Ento,porissoqueascotastmqueserabertas,estcerto?!Enonosenganemos,issoumproblema paliativo, mas tem que ser paliativo, para corrigir desigualdadeshistricas.Ascoisastmqueseresolverafundo,poucoapouco.Nomomento, no serve lavar as mos e dizer: No, vamos resolver amanh!.J faz muitos anos que vamos fazer a reforma agrria amanh. E terminaresta interveno quero citar um maravilhoso romance de Silvina Bulrich,uma escritora argentina, intitulado Maana, digo basta!. Nesta obra, eladestacaqueamanhnoexiste,onicoqueexisteohoje.Gostariadeabrir as portas da universidade, hoje! Novas caras na universidade! Novascaras que vm de outras camadas sociais e raciais! Vai ser fundamental quenegrospretosepardos-,quendios,quepobresestejamaqui.Assim,vamos transformar a composio social dos estudantes da Federal de SoCarlos sem a qual... para que serve esta qualidade acadmica? Qualidadeacadmicaquenoserveparaconstruirumpas,pessoas,comunidadesno serve para nada.Chiquinho o seguinte, a minha questo... eu costumo conversarcom os meus alunos, sempre, sobre a maravilha do que ser humano. Temumaquestomuitoimportante:todosnssomosigualzinhos,temosdoisolhos,umaboca,umnariz.Etambmsomoscompletamentediferentes,no tem um igual ao outro. Ento, ai est, ao mesmo tempo, a glria e adesgraadoserhumano.Porqueumaglriaserdiferente.Eeuficopensandooqueexcelnciaacadmica,quandoeuacompanhoamaiorparte dos professores de ps-graduao na universidade, que eu conheo,nestepas,quepriorizaoigual.Seagentefizerumlevantamentodosprogramas de ps-graduao dessa Universidade e dou mais um exemploda USP. Eu estive em duas festas super importantes da USP, aqui de SoCarlos, foram os 40 e 50 anos da USP nesta cidade. Todos os professoresqueforamhomenageadosforamosprofessoresquefizeramtodaasuacarreira acadmica na USP: graduao, mestrado e doutorado. No foi maisEducao Educao Educao Educao EducaoPorto Alegre/RS, ano XXX, n. 1 (61), p. 53-92, jan./abr. 2007Roda de conversas ... 65porque l no tem pr-escola. Se a gente fizer um levantamento aqui nosprogramas de ps-graduao, a quantidade de alunos que so... que fizeramtambm graduao com a gente, iniciao cientfica com a gente, mestradoe doutorado um nmero surpreendentemente alto em todos os programas.Comosev,agentepraticaumadiscriminaododiferente,querdizer,qualquer pessoa que no igual, porque no tem o privilgio de se formarnesta universidade tem menos chance de entrar no nosso programa de ps-graduao,porqueumapessoadefora.Istoaconteceemtodososprogramas. Ento, eu fico pensando, ser que ns temos a capacidade desermos excelentes academicamente quando produzimos somente o igual?Igualzinho a gente.Tem aluno meu para quem afirmo: Eu no te aceito no doutorado,porque seno voc vai ser formado em Chiquinho. E ele no tem nenhumacapacidade de pesquisar sozinho, de pensar sozinho. Um pouco na direodoDAlkaimequefalou:Oqueelequer?Qualoseudesafioparafazerpesquisa?Nosabem.Elesesperamqueagenterespondaessasperguntasparaeles.Eagentefazisso,porqueestpressionadoparaserexcelncia acadmica. O que, na fala do Valter ficou claro, significa que agentetemdeproduzirmais,quetemdegerarmaisemaisresultadosesperados.Istosignificaqueagentetemdepublicarepublicaremumadeterminadadireo,naquelaqueprecisoseguirparaterosartigosaceitos.Paraconseguirseraceitoparamuitaspublicaes,agentevaiaceitar alunos cada vez mais iguais.Portantofalar,nestauniversidade,queagentevaicolocarcotas,significaquevaiexpandir.Viroalunosdaredepblicacomdiferencialtnico-racialeaspessoasseassustamcomisso:Pera,aexcelnciaacadmica vai cair! Por que a excelncia acadmica tem que ser medidapelo igual? Por que os diferentes ameaariam a excelncia acadmica? Eeu acho que a gente est buscando a diferena, para ser excelente. Para serexcelente tem que ser crtico, e a gente no est formando pessoas crticas.Seelassoiguais,qualacrticaquevofazer?Eacinciasavanaquando tiver crtica, e a gente est a produzindo a igualdade, a no-crtica,a ausncia de crtica.PetronilhaAgradeoaosprofessoresDAlkaimeeChiquinho.Eformuloasegundaperguntadestarodadeconversas.Aexcelnciaacadmicatemsidoavaliadacombaseemcritriosepistemolgicosetericos,mastambmideolgicos.OsMovimentosSociais,particular-mente nos ltimos anos, lutam pela incluso de critrios sociais e tnico-raciais. No se trata de propor critrios de carter assistencialista, mas queEducao Educao Educao Educao EducaoPorto Alegre/RS, ano XXX, n. 1 (61), p. 53-92, jan./abr. 200766 Petronilha Beatriz Gonalves e Silva; Nara Maria Guazzelli Bernardessejam oriundos da insero da Universidade na realidade social em toda asuaamplitude.Ouseja,aexcelnciaacadmicanodevebasear-seunicamentenarealidadedeterminadaporumgruposocial,umgrupotnico-racialquesequersuperiorhegemnico,dominante.Oqueuniversidades,consideradasdeexcelnciaacadmica,devemlevaremconsiderao se no quiserem permanecer desvinculadas da sociedade emtoda a sua diversidade?HamissiEssaquestomuitoimportanteporqueelanoslevaapensar em todos os graus da educao, do primrio at a educao superior,comoancorados,embasadosnasociedade.Athoje,aescolasemprepreocupou-seemlidarcomoaspectoepistemolgico,aepistemologiasempre esteve no cerne do currculo. Mas a epistemologia apenas partedo desenvolvimento humano. O que dizer da ontologia? A ontologia estrelacionadaaodesenvolvimentodoprprioserhumano.Aontologiasepreocupa com o que , o que ser essa menina ou esse menino. O que osaflige? Quais so os interesses dele, e os dela? Isso muito importante etem de ser levado em considerao, ao se discutir execelncia acadmica.O que fazer com o aluno que est dormindo em sala de aula, que estcomsonoouquenoestinteressadoemalgumasdisciplinas?Porqueessas matrias no esto tocando o aluno? Essas matrias esto mostrandopara ele(a) como pode participar da sociedade? Da cincia? A matemticaque considerada universal, tem o lado humano a ser considerado, quandose pretende realmente ensin-la. Se num livro didtico de matemtica, umestudante africano v a imagem de um negro, ele se sente mais motivado aaprender a matemtica, do que se ele vir apenas a imagem de um branco.No Mali, no Curso de Qumica, foi includo um personagem maliensenolivrodidticoetodososalunosficaraminteressadospeladisciplina.Eles entenderam que aquela cincia tambm lhes dizia respeito. por issoquenssabemosquemesmoumadisciplinaconsideradauniversaldeveser humanizada, isto , todos os grupos humanos, a comear pelas crianase pelos jovens devem entender que lhes diz respeito, devem entender quedela no esto excludos, e que tambm lhes cabe produzir conhecimentosnaquele domnio.Umaoutradimensomuitoimportante,paratratardeexcelnciaacadmica,daaxiologia.Quandoascrianasvoparaaescolapelaprimeira vez, no Mali, no sabem falar francs, eles no sabem como contar(1, 2, 3...) em francs. Mas eles sabem usar o dinheiro, pois sabem contarmuitobemnasuaprprialngua.Apesardisso,osprofessoresdemoramum ano para ensinar-lhes a contar em francs de 1 a 20. incrvel! Ento,Educao Educao Educao Educao EducaoPorto Alegre/RS, ano XXX, n. 1 (61), p. 53-92, jan./abr. 2007Roda de conversas ... 67no Mali, quando chega sala de aula, o aluno tem que colocar tudo o queelesabedelado,tudoqueaprendeudoconhecimentoprticoprpriodoseugrupotnico-racial,etemdecomeardozero,nofrancs.Porissotudo muito difcil, uma vez que a escola no leva em considerao todosaquelesvalores,todasaquelasexperinciasqueosalunosjtrazemdasprprias comunidades. Eis o motivo pelo qual os alunos ficam completa-mente perdidos, confusos.Espero,comestesexemplos,terconseguidoexplicarporqueconsideroqueaeducao,hojeemdia,nopodeservistaapenasnasuadimensoepistemolgica,mastambmnaontolgicaenaaxio-lgica.MwalymuNadireodoquedisseoHassimi,queroinsistirnafragilidade da idia de que haja apenas um conhecimento vlido. Quandoanteriormenteconteiareaodoestudantededoutoradodiantedemeuscabelos, pretendi justamente mostrar que uma pessoa pode estar muito bemeducada em um tipo de conhecimento e estar muito mal educada em outrotipo.OprofessorChiquinhoeoprofessorValterenfatizarambastanteaidia da diversidade, que importante a diversidade da e na universidade.Ento,oqueeupretendoagoraproblematizaressaquestointocvelarespeitodoconhecimentonico,desseconhecimentoocidental,queestna base de todos os currculos de todas as universidades.Essa discusso que estamos fazendo aqui, parte da pressuposio daexistncia de uma excelncia acadmica que estaria ameaada se a UFSCarvieraadotarumprogramadeAesAfirmativas,comreservadevagaspara estudantes negros, indgenas e economicamente carentes. Tal enten-dimento deve ser questionado, e ao faz-lo se estar pondo em questo osfundamentos dos conhecimentos que servem de base para a constituio daprpria universidade.Conheopessoasdetradiesdiferentesdaseuropias,predomi-nantesnasuniversidades,quevoparaasalasdeaulaequeacabamassumindo a superioridade do ocidente europeu, subjacente nos discursoscorrentesnauniversidade.Nestecontexto,forma-seaidiadequehajaumaperiodicidadenicaparaahistriadetodahumanidade.AIdadeMdia tambm chamada Idade das Trevas, o Renascimento, etc., vale paratoda humanidade?! Sem o conhecimento da histria dos povos da frica,da sia, das Amricas antes da chegada dos europeus, os estudantes ficamcom a impresso de que o mundo inteiro entrou em uma era das Trevas,Idade Mdia. Quantos no so os alunos que aceitam que na chamada IdadeMdia europia, a humanidade toda estaria em trevas. No entanto, naqueleEducao Educao Educao Educao EducaoPorto Alegre/RS, ano XXX, n. 1 (61), p. 53-92, jan./abr. 200768 Petronilha Beatriz Gonalves e Silva; Nara Maria Guazzelli Bernardesperodo, em outros continentes, vrias outras sociedades e culturas estavamno auge da sua prosperidade.Quantos de vocs conhecem o trabalho do Cheikh Anta Diop?3 Nstodos deveramos conhec-lo. Esse autor muito importante, porque psem questo a idia de que haveria apenas um bero nico para o surgimentodahumanidade,dacivilizao.EsteimportanteestudiosodeHistria,Antropologia, Arqueologia senegals chamou a ateno para o fato de quea civilizao egpcia que habitava o Vale do Nilo era anterior europia eera negra. Esse trabalho de Anta Diop gerou uma comoo to grande, umestardalhaotogrande,queaUNESCOconvocouumareunioparasedeterminar se realmente o povo, a civilizao egpcia era uma civilizaonegraounobrancacomoatentosedivulgara.Osprotocolosdetodaessadiscussoforampublicadosemumacoleode8volumesdaUNESCOsobrehistriadafrica.4Noentanto,aindahoje,esseconhecimento no foi trazido para dentro da universidade. Pergunta-se: porqu? surpreendente que, ainda hoje, quando a africanidade do Egito jfoi amplamente reconhecida, seja muito pouco divulgada; que os trabalhosdoCheikhAntaDiopnoestejamacessveis.Isso,odesconhecimentodessepesquisadoredosresultadosdeseusestudos,podeserconstatadonestasala,poisfoireduzidoonmerodepessoasquelevantouamo,quandopergunteiseconheciamoautoreseustrabalhos.Estedes-conhecimento est relacionado quilo que o professor Chiquinho falou emrelao endogenia dentro das universidades. Enquanto as universidadesficarem se perpetuando atravs de processo endognico no vai acontecerdifusodeoutrosconhecimentos,vindosdeforadopensamentoalidominante e dos conhecimentos ali valorizados. Ento, para a universidadeescapar dos esquemas que a aprisionam numa metanarrativa ocidental, terdeescapardesiprpriaeincorporaroutrasmetanarrativasquepossamcontribuirparaumaverdadeiraexcelnciaacadmica,tantodosalunosquanto da prpria formao de seus professores.Valter Eu tive uma experincia recente no Ministrio da Educao,duranteumanoemeio.Eduranteestaexperincia,euacompanheiumacomitivaquefoiatumacidadenaregiodefronteiradoEstadodoAmazonas. Na oportunidade, no decorrer da cerimnia de inaugurao deuma escola indgena, um nativo ndio passava perto da comitiva e dizia oseguinte: Mas se a tribo no ficar redonda no adianta nada! Eu fiqueiintrigado, s mais tarde que eu fui compreender o que ele estava dizendo...Estavachamandoaateno:Olha,noadiantavocstrazeremescolas,no adianta vocs discutirem a questo bilnge da educao indgena se aEducao Educao Educao Educao EducaoPorto Alegre/RS, ano XXX, n. 1 (61), p. 53-92, jan./abr. 2007Roda de conversas ... 69nossa estrutura social no estiver representada de acordo. Isto , o sistemade organizao do espao fsico e simblico da tribo um sistema circular,diferentedaqueleaqueestamosacostumadosnascidades.Estefatomemarcouprofundamente,noadiantaintervirparaassimilar.Ametatemque ser dialogar, para crescermos juntos.Eu acredito que as ponderaes do Hassimi e tambm as do Mwalimivonomesmosentido.Nodequeaepistemologia,osaspectosepis-temolgicosetericosdosconhecimentosqueproduzimosedosqueensinamos na universidade so, o tempo todo, proclamados em funo daexcelncia acadmica. Agora, a ideologia que est por trs desses aspectosepistemolgicos e tericos que uma ideologia que valoriza o ocidental edesqualifica o que no o , nunca posta em evidncia, para ser criticada.O que est em jogo hoje na UFSCar, ao ser discutido o Programa deAes Afirmativas, a meu juzo, exatamente isto: a possibilidade de voctrazer para dentro da universidade, conhecimentos que at mesmo j foramapropriadosporpesquisadores,masoforamdeumamaneiratalqueostransformou, mas no no interesse do prprio grupo que os gerou. Passarama ser centralizados por pesquisadores, pelas universidades e outros centrosdepesquisacomosetivessemalisidoconstrudos.Noatoaqueumautor chamado Geoffrey Barraglouch escreveu um livro que se chama AEuropaeosPovossemHistria,noqualdescreveoprocessodecolonizaocomoumprocessodeapagamentodahistriadessespovos,dos conhecimentos que haviam produzido. Os colonizadores apropriaram-sedosconhecimentosdoscolonizados,passaramadivulg-loscomosefossem de seus construtores, e trataram de apagar ou esconder a sua realorigem. Ento ns estamos nesse nvel, na verdade.Ento,esseoprocessoquensvivemoshojenaUniversidade.AdiscussesemtornodoProgramadeAesAfirmativastemdeavanarpara alm da questo de se os alunos ingressantes pelo sistema de reservadevagassobonsounosobons;seosalunostmmritoounotmmrito. O Programa de Aes Afirmativas da UFSCar, tal como est posto,abreapossibilidadedeconstruirmosumauniversidade,oumelhor,euprefirodizerpluriversidade,emquehajapossibilidadesdedocenteseestudantes conhecerem experincias vividas e conhecimentos produzidospor vrias civilizaes existentes pelo mundo afora.Convmlembrarqueessabuscafoietemsidointensaemdiversasinstituies nos Estados Unidos e que um autor importante chamado HaroldBloom,queescreveusobreocnonocidental,criticaveementementeaspossibilidadesdesepensaradiversidadenointeriordasuniversidades.Educao Educao Educao Educao EducaoPorto Alegre/RS, ano XXX, n. 1 (61), p. 53-92, jan./abr. 200770 Petronilha Beatriz Gonalves e Silva; Nara Maria Guazzelli BernardesExatamente porque refora essa idia de que existe um cnon e que foradaquele cnon no h a possibilidade de voc ter outros saberes. No meuentenderhumreconhecimentobastanteexplcitonacomunidadeinternacionaldequeseincorporarmosessadiversidadeconstitutivadasociedadenasuniversidades,aspossibilidadesdeproduodeconhe-cimentosqueincorporeasdiferentespopulaesdogloboestaremquestionamento.Porquetodososindicadoressociaisdemonstramqueembora ns estejamos produzindo muitos papers (a maioria no no Brasil,poissomosresponsveisporapenas1,5%dessestrabalhos),todosessesconhecimentosalidivulgadosnotmrevertidoeminclusosocialemelhoriadascondiesdevidanomundotodo.Ento,comosev,hproblemascomessemodelodeuniversidade,comessaproduodoconhecimento.Outra questo que eu gostaria de levantar diz respeito necessidadede reconhecer que nossa produo do conhecimento sempre muito lenta.S agora comea a ser percebido que todo o processo de desenvolvimentono Brasil, sustentado por um certo tipo de produo de conhecimento, levoua uma concentrao absurda de renda, a uma concentrao absurda de plosde produo desse conhecimento. E hoje se comea a discutir a importnciadeterconhecimentoscontextualizados.Aidiadaproduodeumconhecimentocontextualizado,deumaformaocontextualizadanadamais do que o reconhecimento explcito de que esse saber, esse conhe-cimentodesenvolvidonoBrasil,nosltimos30/40anospelosnossossistemas de ps-graduao, deixaram de considerar a diversidade ecolgicado pas, de considerar a diversidade tnico-racial e de considerar, em ltimaanlise, a dimenso ontolgica dos vrios grupos que esto aqui presentes.Ento, me parece que este o momento sim, de a gente rever essa agendade produo do conhecimento e de incorporar, a essa agenda, a pluralidadecomo uma dimenso, no seu fazer cotidiano.nestecontextoqueestamoshquasetrsanosincentivandoadiscussocomvistasaumProgramadeAesAfirmativas,aquinauniversidade.Comdiscussesabertas,paraquesepossaaderiraessaescolha,comcompromisso.Poissemlevaremconsideraoasne-cessidades que esto postas para o sculo XXI, em termos de pluralizaodo conhecimento, ns podemos estar incorrendo em problema da seguintenatureza:abrirparaapluralidade,masmanterumcurrculo,queumcurrculo excludente, que exclui inclusive os alunos que j aqui esto. Bastaveradificuldadequevriosdelespassamduranteocurso,porquetmexperinciasanterioresdiferentesdaquelasqueoscurrculospretendemEducao Educao Educao Educao EducaoPorto Alegre/RS, ano XXX, n. 1 (61), p. 53-92, jan./abr. 2007Roda de conversas ... 71quetenhamtido.Ento,nomeuentender,adiscussosobreasaesafirmativas traz tambm a necessidade de rever os parmetros pelos quaisse tem pensando tanto a excelncia acadmica quanto o currculo. Isso oque o debate sobre as Aes Afirmativas pode nos trazer de contribuio.Mas diferentemente de algumas posies, eu sou daqueles que no acreditasernecessrioprimeirodiscutirocurrculo,mudarocurrculoparaquedepoisabrirasportas,no.Euachoqueasportasdevemserabertasejustamenteessapopulaonovaquevaitrazeroxignioparadentrodauniversidade, que vai levar necessidade de alteraes no nosso currculo.Joyce Temos que reconhecer que essas questes so muito difceis.QueroreconhecertambmquenosEstadosUnidosessesproblemasnoforam resolvidos, no viemos aqui como especialistas com respostas paravocs. O que eu queria era fazer o contrrio, fazer uma pergunta para vocs,no contexto brasileiro; a mesma pergunta que estamos fazendo hoje nosEstadosUnidos.NosEstadosUnidos,nsestamosvivenciandoagoraosefeitosposterioresimplantaodeProgramasdeAesAfirmativas,como se fosse um tiro pela culatra, um efeito bumerangue das coisasque esto sendo discutidas aqui. Esse efeito bumerangue, por assim dizer,notemnadaavercomaidentidaderacialdapessoa.Tmnegros,nosEstadosUnidos,quesocontraaquiloquensestamosdiscutindoaquihoje,porqueelespensamquesuasprpriasqualificaesvoserpostasem dvida. Isto quer dizer que todos ns temos que ser pensadores crticosa respeito da sociedade na qual nos inserimos.O que quero questionar o seguinte: Qual deveria ser o objetivo daeducaonumasociedadecomoabrasileiraqueutilizaexpressescomoessa Dia de trabalho um dia de branco?. Quando fomos do hotel paraorestauranteondealmoamos,vimosumhomemnegronarua,deitado,muito sujo, com a barriga para fora, as roupas abertas e to sujas que pareciaque nunca tinha tomado banho na vida. Isso mostra de um dia de branco?Issoeuestouperguntandoparavocs.Elenoestavatrabalhando,eleestava na rua sujo, deitado. Ento, se o que vimos parte da realidade quensvemosaquinoBrasil,qualoobjetivodaeducaodentrodessasociedade? A questo para ns aqui : para quem a universidade? E paraqu a universidade? para nos preparar para passar por cima do corpodessehomemnegroqueestdeitadonarua?Auniversidadeparanosfazermaishumanos,apontodequefiquemospreocupadoscomessasituao?Eu dou uma tarefa especial para os meus alunos: eles tem que acharalgum na comunidade para ser parceiro de aprendizado. A tarefa explicarEducao Educao Educao Educao EducaoPorto Alegre/RS, ano XXX, n. 1 (61), p. 53-92, jan./abr. 200772 Petronilha Beatriz Gonalves e Silva; Nara Maria Guazzelli Bernardesparaesseparceirodeaprendizadoaquiloqueelesestoaprendendonauniversidade. E a tarefa tambm ouvir o que a pessoa da comunidade tema dizer a respeito daquilo que eles esto aprendendo na universidade, e osdois juntos avaliam o conhecimento do curso. Para avaliar, para determinarse aquele conhecimento da universidade est ajudando o aluno a solucionaros problemas da comunidade.Sheyla Vocs me desculpem, mas eu vou falar como engenheira, ecomo engenheira, s vezes, a gente sai um pouco da discusso. Eu estougostando muito desse momento, da oportunidade de estar aqui aprendendo.Ento eu gostaria de trazer uma outra viso.Quando a gente fala da educao na sociedade, acho que a sociedadeest bem atenta na questo da responsabilidade social. Algumas empresascomeamabuscarselosqueasfaamserreconhecidascomopratican-tesdeaesderesponsabilidadesocial.NoBrasilnstemosaABRIC(Associao Empresa Amiga da Criana) que coloca o qu? Um selo nosprodutosdaquelasempresasqueseafiliamquelaassociao.Oselomostra,garantequeparaaquelaproduonofoiutilizadootrabalhoinfantil, uma realidade presente ainda no nosso Brasil. Ento ns podemosestar escolhendo um produto no mercado que tem o selo da ABRIC. Nasempresas, de um modo geral, est sendo adotado o selo de responsabilidadesocial. Esse selo, como j se viu, no contempla s a questo tnico-racial,mastambmoutras,comoaquestodegnero,oqueestlevandoincluso de mulheres nos quadros dessas empresas.AprofessoraPetronilha,emoutraoportunidade,jcomentouaquesto de ser negra e de ser mulher. Ento, o problema que a gente sente,queeujsentinareadaEngenharia,porsermulher,nofoipequeno.Quandoeumeformei,mulhernopodiatrabalharemobra,porqueachavam que trabalhando em obra ia tirar a ateno do operrio. Ento agentenopodia,spodiatrabalharemescritrio.Hojejseevoluiu,asvantagensdesetrabalharcomasmulherestmsidoobservadasedestacadas.Atnatelevisobrasileirasepodemverpropagandasmostrandoempresasquepraticamadiversidaderacialeadegnerotambm. Assim sendo, a universidade no pode ser contra a diversidade.Emvistadisso,oqueagenteprecisaconstruirinstrumentosdeesclarecimentoseatdeconvencimento.Porqu?Porquesvezesaspessoasnoestosabendoouviralinguagemqueagenteestfalando.Douumexemplodaminharea.Eutrabalhocomaconstruocivil,operrios da construo civil. Vocs sabem o nvel de escolarizao dessesoperrios? Trabalhando com sade do trabalhador, em segurana e sadeEducao Educao Educao Educao EducaoPorto Alegre/RS, ano XXX, n. 1 (61), p. 53-92, jan./abr. 2007Roda de conversas ... 73dotrabalhador,nsvimosrecentementenosjornaisnotciasobreumoperrio que estava no andaime e jogou uma bituca de cigarro dentro deumalatadetinner.Oqueaconteceu?Explodiu,ocaravoou,eocom-panheiro tambm porque no estava amarrado. Com esse exemplo, queroilustrarotipodeproblemaqueagenteencontranaconstruocivil.svezesnoseconsegueterumaconversacomessetrabalhador,umaconversa que o leve a realmente entender o que precisa ser feito. Claro queissonosomenteproblemadostrabalhadores,mastambmhem-presrios que no reconhecem a importncia das prticas de segurana, desadedotrabalhador.Masnosepodedeixardereconhecerquehoproblema da dificuldade de comunicao.Quando a gente se comunica predominantemente com operrios que namaioria nem terminaram o ensino fundamental, se tem que usar linguagemadequadaparaele,umalinguagemqueconsigareproduziremformadefiguras e de grficos, de fotos aquele conhecimento que se quer apresentar.Ento,adiversidadedequeestamosfalandonestedebatetrazpro-blemas. Isto porque o conhecimento pode estar na cabea da gente, mas precisobuscarnovasalternativasparatransmiti-lo,senonovaichegarnaquele que, de fato, queremos atingir.No meu entender, nas cidades, a gente encontra um indigente no meioda rua. Mas isto no nem questo de gnero, de raa. Existe no Brasil umproletariadomuitogrande,agentetemquesabertrabalharcomelenaquesto (voltando para a minha rea) de moradia, ao que as pessoas estosujeitas nas favelas. Mas voltemos aqui para dentro da nossa universidade.Penso que a gente tem que considerar essa questo da diversidade sim, sque temos que construir esses instrumentos...Eu participei de debates, me convenci, me esclareci, mas infelizmente,nemtodomundoestesclarecidodanecessidadedadiversidadetnico-racial,dareservadevagasdecartersocial.Creioquepontopacfico,umcompromissonacionalqueinclusiveestnoCongressoNacional,paraservotado,istoa.Masagentetemqueestarconstruindoisto,oacolhimento dos diferentes.Eufuiestudaraquestoeconstateique,emAlagoas,temreservatnico-racialereservadegnero,60%dasvagastnico-raciaissoparamulheres. Por qu? Porque aquela realidade, aquele momento que elesesto vivendo l.PedroEugostariadecolocaraminhafala,especificadamentenofinal da pergunta formulada pela Petronilha. Ou seja, naquele ponto queindaga: o que fazer na universidade?Educao Educao Educao Educao EducaoPorto Alegre/RS, ano XXX, n. 1 (61), p. 53-92, jan./abr. 200774 Petronilha Beatriz Gonalves e Silva; Nara Maria Guazzelli BernardesAnossauniversidade,recentemente,pormeiodaComissores-ponsvelpelaelaboraodeprojetodeProgramadeAesAfirmativas,lanou uma proposta que est em debate. Penso que seja essa a propostaque ns temos a para efetivamente debater. Mas pessoalmente eu no seisens...Seessaseria,defato,amelhorpropostaparaqueagentecomeasse a construir uma soluo para o problema. Novamente, eu lembroque no sou especialista no assunto, mas falo como cidado, obviamentecomo um acadmico.Euavalioquetudooquefoiditoaquifoimuitovlido,real,euconcordo. Houve uma fala que sintetizou claramente que toda a questo defundo simples, que a diversidade a excelncia. Eu concordo em gnero,nmeroegrau,atporqueagenticaestudaadiversidadeenoseriaoestudo da vida diferente do estudo do comportamento da sociedade. Nssomos... estas coisas esto muito relacionadas, ento bvio se eu acreditona diversidade gentica, eu acredito efetivamente na diversidade humana esei que ela fundamental. Portanto, para mim, essa frase resumiu toda anfase nesse debate.Mas, por conta disso, refletindo sobre a proposta atual que ns temosaqui no campus, no me parece que ali se tenha previsto a forma melhor dese atingir essa diversidade. Talvez seja o caminho mais curto de pelo menospromoveraabertura,ecomisso,comodisseaquioValter,criarumproblema.Eutambmconcordoquesvezesprefervelcriarumproblemapara que todo mundo possa efetivamente repensar, encontrar solues, mastalvez haja outros caminhos. Me ocorre agora, vou voltar rapidamente aoprimeiro ponto que abordei nesta conversa e que no meu entender est nopensamento e na fala de todos que me antecederam, e que diz respeito aoconhecimento tradicional, cultura que os povos tem e pela qual precisamdefatoser...nosreconhecidos.Masprecisamsobretudoteraopor-tunidadededivulgarsuaculturaquelesquenoaconhecem,precisampormeiodosconhecimentosquetmseengrandecerenquantopessoa,enquanto homem. nesse sentido de busca da diversidade que eu realmente avalio noser suficiente colocar uma tabula rasa e definir ou por nvel social, ou poretnias ou por isto, ou por aquilo. Qual o nosso percentual de cota por istoou por aquilo? Eu acho que no isto que ns devemos buscar. O caminhotalvez seja mais difcil, mas eu preferiria trabalhar no sentido de identificar,neste pas, quais so realmente os locais ou quais so de fato os pontos...Me desculpem est faltando a palavra agora... Teramos de identificar aondeEducao Educao Educao Educao EducaoPorto Alegre/RS, ano XXX, n. 1 (61), p. 53-92, jan./abr. 2007Roda de conversas ... 75estesteconhecimentotradicional.Nssabemosqueastribosindgenastm conhecimento tradicional, ns sabemos que vrias comunidades negrastm conhecimento tradicional importantssimo.Ento,seauniversidadetalvezdesenvolvessemecanismosdeidentificarestes...quaisseriamesseslocais,esseslcus,easimtrazeresses lcus para dentro da universidade. Criar o problema porque nossoscurrculos realmente no so currculos capacitados/voltados para lidar comisto, ns vamos ter que resolver este problema. Mas criar o problema dessamaneira,realmenteidentificandoesseslcusetrazendoparacosseusrepresentantes para que... no estou dizendo o representante aquele que eleito l, mas trazer para c parte desta comunidade que possa realmente...,nolevarconhecimentoocidentalparal,massimtrazerparacoconhecimento deles para que ns possamos ter uma excelncia acadmicadiferente. Ento, de proposta efetiva eu acho que... eu creio que seja muitodifcilfazeristo,eunotenhoasoluo.Maseupensoqueissoseriamelhor do que simplesmente passarmos uma tabula rasa e dizer....Me desculpem se falo de novo na gentica e vou falar. A populaobrasileira uma populao miscigenada, sob o ponto de vista gentico umnmero muito grande dos brasileiros tem genes negros, na caso da reservadevagasparanegros,qualopercentualdegenenegroquensvamosdefinir? Se eu tiver 30% dos meus genes de origem negra ou 15% ou 5%,como que ns vamos definir isto? Porque h algo.. uma quantidade... amiscigenao aqui fantstica, isso que nos faz um pas talvez at melhor.Ento eu acho que essa tbula ficaria complicada e eu acho prefervel criaroproblemaaquideoutraforma,trazerdefatooconhecimentoquensqueremos e precisamos.Maria Stella vice-reitora Eu queria dizer que, desde maio de 2005,quando foi constituda a Comisso de Aes Afirmativas (neste momentoestoufalandoemmeunome,pessoal,exclusivamente)temsidoumprivilgio conviver semanalmente com essa Comisso: Joeverson, Danilo,Chiquinho, Petronilha, o Valter, a Lcia, a Tnia, a Patrcia, a Cristina e oMarco Zani.Odesafiotemsidonosdiscutiraquiloquecadaumdenscompreende como diversidade, universidade, papel social da universidade,funosocialdauniversidade,excelnciaacadmica,excelnciaquesepretende ou qualidade da universidade, mas tambm a discusso sobre asformas de tornar isto operacional. Como que da discusso se passa para aoperacionalizao?Eaofazeristo,queriscocorremos?Quebenefciostemos?Educao Educao Educao Educao EducaoPorto Alegre/RS, ano XXX, n. 1 (61), p. 53-92, jan./abr. 200776 Petronilha Beatriz Gonalves e Silva; Nara Maria Guazzelli BernardesTem sido um privilgio poder aprender tanto neste perodo todo e poristoeumearrisco,hoje,aalgumasreflexesquesodecorrnciadaparticipao nesse frum e, tambm, do fato de ser professora de PsicologiadoDesenvolvimentoMoralque,obrigatoriamente,depara-secomasquestesdasdiferenasindividuaise,aomesmotempo,daproduodeleisuniversaisquepossamresponderpelatrajetriadodesenvolvimentohumano. O desenvolvimento humano est calcado no repertrio de algumquecompostodoseuplantelgentico,masumplantelgenticoquesetransforma a partir do momento que esta criana sai do ventre materno epassa viver em sociedade.Essasquestesnosfazemrefletire,peloandardestaRodadeConversas,parece-mequeestsubjacenteaidiadequeaexcelnciaacadmica perderia com a diversidade ou a excelncia acadmica ganhariacomadiversidade.Masaagentepoderiadizer:excelnciaacadmicaversusdiversidade;nsestaramoscolocandodoisplosparasecontraporem. Eu acho que talvez a gente pudesse refletir em outras direestambm, alm daquelas que tm sido postas aqui.Quantoadiversidadecontribuiparaaexcelnciaacadmica?Namedida em que considero excelncia acadmica, estou falando basicamentede conhecimento. Se falar de conhecimento como uma entidade, como algoque est pronto e acabado e dado a cada um absorver, eu estarei pensandode uma maneira em relao ao que a diversidade, a diferena, a contradioeacrticapodemtrazerparaesteconhecimentoqueproduzidonocotidiano e acumulado por milnios.Mas eu tambm posso pensar que o conhecimento ... uma resultanteda ao do homem. Se o conhecimento resultado da ao do homem e oque a gente quer o melhor conhecimento, quando a gente est falando deexcelnciaacadmica,provavelmente,agenteestarfalandodomelhorconhecimento.Seomelhorconhecimentoprodutodaaohumana,adiferena,adiversidade,apossibilidadedeolharesdiversosparaosmesmosobjetosextremamenteenriquecedoraporqueagentevaiterachancede,aolongodotempo,trabalharcomoquevairesultardestaconfrontao,queaconfrontaodoprodutodaaohumanacomaprpriaprticadohomem.Trata-sedaproposiodateoriaedoseuconfrontocomoqueacontecenocotidiano.Seaexcelnciaacadmicatem a ver com o conhecimento e com a apropriao desse conhecimento, eumaapropriaodoconhecimentoquenoporqualquerum,porquetambm excelncia acadmica a formao da cidadania, a possibilidadedacidadania.Quandoagentefaladaexcelnciaacadmica,damelhorEducao Educao Educao Educao EducaoPorto Alegre/RS, ano XXX, n. 1 (61), p. 53-92, jan./abr. 2007Roda de conversas ... 77excelncia acadmica, eu me pergunto: ser que a gente no est falandode eqidade de oportunidades? Portanto, a gente est desviando o foco dadiscusso do que melhor para o que mais eqitativo. Se eqidade umvalor forte e se um dos valores da excelncia eqidade de oportunidades,sinto-meavontadeparadizer:porquensnovamoslidarcomessaeqidade j? Repito um pouco o que o professor DAlkaime disse: por quens vamos esperar para lidar com a eqidade, se uma universidade quequeraexcelncia,seumauniversidadequeprezaaexcelnciaeaconstruodacidadania?Nossauniversidadetemrepetidoetentado,mostradoisso.Outroaspectoquemechamamuitoaatenooreconhecimento da diversidade com valor positivo. Quando assim, a genteno quer que os alunos, que os estudantes, que os cidados venham para aUniversidadeparaseremiguais,paraseremnormalizadosmedianteumaregra que est posta de antemo. Mas a gente quer que eles venham para aUniversidade para transformar esta Universidade, ou seja, para transformaresse conhecimento.Paraqueesseconhecimentoqueprodutodaaodealgunssejaproduto da ao diversa de muitos. A gente tem que pr o p no cho, agente sabe que universidade pblica, neste pas, universidade de elite, para poucos, so poucas vagas e teremos poucas pessoas, mas por que noa eqidade neste corpo que, ainda assim, pequeno? Ento, acho que se agente pensar no conhecimento como resultante ou produto e no como algoqueestprontoequeagenterecebepronto,sempodertrat-loetransform-lo,sepensarmosnessaperspectivaasperguntasso:estamosraciocinando no bom caminho quando colocamos a excelncia acadmicaparaalmdasaesdonossocotidiano,paraalmdasnossasimpossi-bilidadesdereceberosnossosco-cidadosnordestinosereconheceracultura que peculiar... que de um pas? Ento, como que a gente vailidar com isto tudo?Eu sei que eu estou trazendo um pouquinho de farinha para este angu,masnstemossimestadiversidadenopas.Esteumpascontinental,diferente de pases da Europa. O contato com culturas diferentes muitoraro, as oportunidades so pequenas. Quantas oportunidades ns temos deconviver com a comida do Norte? Ns paulistas confundimos os nortistascom os nordestinos, para a gente tudo o mesmo, centro-sul, norte-nordestetudoigual.No!Ento,oreconhecimentodadiversidadeestmuitomais prximo do que a gente pode imaginar. A necessidade de olhar e dizer: bom ser diverso! bom experimentar a cultura do outro, inclusive, paraconstruirasuaprpriaidentidade,precioso.ConstruirasuaprpriaEducao Educao Educao Educao EducaoPorto Alegre/RS, ano XXX, n. 1 (61), p. 53-92, jan./abr. 200778 Petronilha Beatriz Gonalves e Silva; Nara Maria Guazzelli Bernardesidentidadenonegaradooutro,reconhecerdiferenas.Crianapequenafazisto,obebcomoitomesescomeaareconhecerqueelediferente do outro, que ele no o outro, e, no entanto, precisa do outro,elevivepormeiodooutro.Entoeuachoquetemalgomuitopositivoneste debate, e que a gente precisa partilhar com a Universidade toda, que mudar as referncias; tenho clareza tambm que isso uma mudana dementalidade, ela no rpida e ela no fcil. Agradeo mais uma vez aoportunidade de estar partilhando com vocs dessa Roda de Conversa e deter a oportunidade de continuar a fazer esses debates at quando tivermosque tomar decises objetivas e concretas.Valter Eu no sou geneticista, mas por razo de ofcio eu tive queleralgunstextossobreagentica.Oqueeuachointeressantequeagentica esteve em dois momentos, no Brasil, normatizando o pensamentosocial.Numprimeiromomento,nofinaldosculoXIXatadcadade1930,agenticaassegurouquehaviaumadiversidaderacialequeessadiversidaderacialcolocavaaidiadeseressuperioreseinferiores.Portanto,seconstruiuumasociedadetotalmentehierarquizadacombasena posio da gentica. No momento em que ns temos a possibilidade dereverter,socialmente,aconstruodagentica,elapassa,novamente,ainterferir no debate atravs do principal geneticista do pas para dizer quens somos, geneticamente, todos iguais. Esta postura social da gentica extremamente importante e interessante neste momento do debate.No incio do sculo XXI, a gentica passa a cumprir o mesmo papelqueelacumpriunofinaldosculoXIX,detentarnormatizarodebatesocial.Istoalgosobreoqualagentetemquerefletirprofundamentequandoelaasseguraqueumgrandepercentualdosbrasileirosgene-ticamente misto ou miscigenado. Este dado fundamental para que a gentepercebaoprpriocondicionamentosocialparaodesenvolvimentodacinciaedasenunciaesqueacinciafaznosmomentoshistricos,detodas! De todas as cincias! Mas eu estou chamando a ateno em relao gentica, porque a gente tem isto muito vivo. No a toa que o principaldossi, dos ltimos anos, sobre racismo no Brasil, lanado no final do anopassado, pela Universidade de So Paulo, na Revista da USP, abre com umartigo de um geneticista. Esta a primeira questo.A segunda questo que eu no sei se concordo que ns vivemos emum paraso racial. Eu acho que a idia de democracia racial enquanto meta,umaidiadedeveserbuscada.Agora,nsnovivemosemumpasmiscigenadoemquetodostemosasmesmasoportunidades,porquensvivenciamosumcertogradienteemquensvamosobservarqueoploEducao Educao Educao Educao EducaoPorto Alegre/RS, ano XXX, n. 1 (61), p. 53-92, jan./abr. 2007Roda de conversas ... 79brancoconsideradopositivoeoplonegroconsideradonegativo,quantomaisprximoaoplonegro,ouplopretosepreferirem,maisdifcilaspossibilidadesdemobilidadesocial.Noatoaqueodebatesobre cidadania passou a incorporar duas dimenses fundamentais.Acidadanianopodeserpensadaapartirdeumaperspectivaassexuada,nemsemapossibilidadedeconsiderarcor,raa.Acidadaniacontemporneapensadanestachave.Spossvelagentepensarcidadania, se ns incorporarmos a efetiva realizao de direitos. Mulheres,negros e ndios quando reivindicam estarem nas universidades, por direito, exatamente porque no consideram que a produo de conhecimento feitanesses espaos pblicos, alimentados por todo o pblico, seja espao quegere conhecimentos que so do seu interesse. Quanto prpria produodo conhecimento, essa produo em relao s comunidades tradicionaisvm sendo feita na universidade h muito tempo. H reas no conhecimentodedicadasaisto,tantonafarmacologiaquantonaantropologiansvamosobserv-lo.Oproblemaamaneiracomoesseconhecimentoinstrumentalizado:nuncaretorna,enquantoumvalor,paraasprpriascomunidades. Ele apropriado, instrumentalizado e utilizado para outrosfins e no para a prpria comunidade. Acho um risco, realmente eu achoum risco, se apropriar, ainda mais, do conhecimento dessas comunidades,poristoeuqueroosmembrosdessascomunidadesnosbancosuniversitrios. Eu acho que, ao considerar a diversidade como valor maior,a universidade tem obrigao de se adaptar a essas comunidades e no ocontrrio.Ocontrriosempreexistiu,acinciaproduzidaapartirdasrealidades cotidianas, no uma abstrao, no nasce das nossas brilhantescabeas,acinciaproduzidaapartirdaobservaodocotidiano,daproduodoconhecimentoqueessascomunidadestradicionais,histori-camente, fizeram. O problema como este conhecimento pode ser revertidoembenefciodasprpriascomunidadestradicionais.Sparaagenteteruma idia, o prprio CNPq reconheceu isto quando lanou um edital paraascomunidadesquilombolas.Oproblema:quemfarestetrabalhoecomo este trabalho ir retornar? Parece-me que este um impasse em quensestamoscolocados,noBrasil:sensqueremosefetivamenteapluriversidade,osmembrosdessascomunidadesteroqueestaraquidentro, trazendo seus saberes e alterando nossa prpria percepo de comooperacionalizar saber. Porque ns sabemos opera-cionalizar saber para umanica viso, unilateral e unidimensional. Ns precisamos operacionalizarsaber pluridimensionalmente e pluriversamente. Este parece ser o grandeEducao Educao Educao Educao EducaoPorto Alegre/RS, ano XXX, n. 1 (61), p. 53-92, jan./abr. 200780 Petronilha Beatriz Gonalves e Silva; Nara Maria Guazzelli Bernardesdesafioparaumauniversidadeseelaquiserefetivamentesetransformaremumainstituioqueatendaaoconjuntodaspopulaesexistentesnoestadonacionalounumaregio.Pensoquefaz-loexpropriando,novamente, no o melhor caminho. Exatamente por qu? Esse caminhoj se mostrou invivel do ponto de vista do retorno a quem nos alimenta.Parece-me, portanto, que a perspectiva colocada de construir a alterao daprpria produo do conhecimento com aqueles que, historicamente, foramexcludosdeveriaserumametatambm,talcomoaconstruodademocracia. O que ns vivemos hoje um paradoxo. O estado brasileiro, oestadonacional,vemsedemocratizandoeauniversidadenoconsegueseguir no mesmo ritmo porque ela no consegue se abrir para a diversidade.NaraAuniversidadetemsemostradoreticentepresenadadiversidade social e tnico-racial, a no ser como objeto de estudo. Comoredimensionaraexcelnciaacadmica?Comodesconstruir,reconstruireconstruiraexcelnciaacadmicaincluindoasperspectivashistricas,culturais, econmicas, sociais, dos negros, dos indgenas e das pessoas dosgrupos populares?Joyce King Agradeo a vocs que decidiram ficar, aps o intervalo,apesar do adiantado da hora.De certa forma, ns j falamos sobre essa questo antes. A idia de aUniversidade ter resistido diversidade, a no ser como objeto de estudo,nos diz algo sobre a prpria natureza da universidade. Como eu disse antes,temosdenosperguntar:paraquemaUniversidade?Aofazermosestapergunta ns podemos abrir espao, no apenas para outras perspectivas,mas para outras pessoas. Porque ns vivemos em um mundo muito capazde fazer uso da cultura de outras pessoas, mas, ao mesmo tempo, deix-lasdefora.NosEstadosUnidos,nsdizemosqueosamericanossoculturalmente negros mesmo que eles no se dem conta disto. No Brasil,issoverdadeironoapenasgeneticamentecomoculturalmente.Vocsesto comendo comida africana, esto danando danas africanas, cantandocanes africanas, esto praticando religies africanas, mas a universidadeutiliza palavras diferentes para referir-se a isso. Ento, quando ns lemos arespeito da cultura brasileira, muitas vezes o carter africano simplesmentedesaparece.OValterpergunta:quemfarestetrabalhodetornardisponveloconhecimento de outras culturas? Vou formular a pergunta de uma maneiradiferente: para quem a universidade? Em minha prpria experincia comouma pessoa oriunda das classes mais baixas dos Estados Unidos, quandoEducao Educao Educao Educao EducaoPorto Alegre/RS, ano XXX, n. 1 (61), p. 53-92, jan./abr. 2007Roda de conversas ... 81fui para a universidade percebi que era esperado que eu me tornasse umaoutra pessoa. Viesse a falar de forma diferente, andar de forma diferente.Existe um corpo branco e eles esperavam que eu me tornasse esse corpobranco,piordoqueisto,euqueriaser,queriatornar-me...paraserumapessoa com educao, para ser uma pessoa aceita.Eu conclu a graduao em 1965. Neste ano, havia uma aluna de ps-graduao na minha classe que me disse: Muito obrigada porque agora eusei que posso fazer uma pesquisa que interessa prpria comunidade. Em40 anos no mudou muito! Eu perguntei para uma aluna minha: Para quemvocvaifazeressapesquisasenoparaacomunidade?Eladisse-meque estava com medo, porque no tinha certeza de que isso no iria criarmuitos problemas. Minha resposta a essa pergunta outra pergunta: Comons sabemos que a excelncia acadmica foi alcanada na universidade? por que voc passou no curso? Passou em alguma prova? Escreveu algumatese?Arespostatemdevirapartirdeumaparceriacomacomunidade.Dareiumltimoexemplo.H,naWashingtonStateUniversity,umprogramadeEstudosNativo-Americanos,emnvelmestradoemAdministraoPblica,dirigidoaindgenasnorte-americanos,comafinalidadedecapacit-losparaexercercargospblicos.Nesteprograma,dirigidoporumprofissionalindgena,humgrupodeconselheiroscomposto por ancios das prprias comunidades de onde os estudantes sooriundos. Este Conselho Nacional de Ancios, formado por ndios norte-americanos, decide se o aluno est pronto ou no para receber o diploma.Osalunosdevempassaremtodasasprovasacadmicas,mastambmdevem se reunir com esse Conselho Nacional de Ancios e responder suasperguntas, para poder ser aprovados e ocupar um cargo de gesto (um cargopblico) nas reservas indgenas.Oquetemacontecidocomaeducaooqueumpesquisadordenominou de processo de subtrao: voc vai para a universidade e deixavocprpriodefora.Nsestamosfalandodopatamarmaisaltodeaprendizadoedeconhecimento:auniversidade.Logo,quandovocforpara a universidade, se voc for por inteiro, levando a si mesmo por inteiro,voc voltar da universidade com mais do que quando voc foi.Mwalymu A idia que a professora Joyce acabou de mencionar, deir para a universidade e de se deixar de fora da universidade, uma idiacrucialparaestarsendodiscutidaaqui,porqueauniversidadenoquerreceber aquilo que as pessoas tm para trazer, no quer receber as pessoaspor inteiro.Educao Educao Educao Educao EducaoPorto Alegre/RS, ano XXX, n. 1 (61), p. 53-92, jan./abr. 200782 Petronilha Beatriz Gonalves e Silva; Nara Maria Guazzelli BernardesDesculpem, se no consigo manter a continuidade do raciocnio, porcausadafalatocortada,paraqueoFbiopossa,naseqncia,fazeratraduo... Se a minha educao no tivesse sido to limitada... pois foi eeusfaloingls,nofaloportugus...Estasituaoqueestouvivendoaqui,serveparaexemplificarumadasformasdehegemoniaculturalepolticaqueimperanauniversidade,nasociedade,segundoaqualnoimportante voc ser capaz de se comunicar com outras comunidades. NosEstados Unidos, as pessoas se chamam de americanas e negam o fato deque a Amrica um continente com vrios pases. Uma idia que apareceuaquiadequesomentequandosabemosemquesociedadedesejamosviver,podemossaberqueeducaoqueremos,dequeuniversidadenecessitamos. Neste contexto, a idia de se desconstruir o entendimento deuniversidadeestrelacionadaformulaodequestesquedesafiampressuposiesquenstemosarespeitodauniversidade,idiasquenstemos sobre a universidade.Eu ouvi Paulo Freire dizer, em uma palestra nos Estados Unidos, quetudooquesereshumanostenhamconstrudo,podeserdesconstrudo.Auniversidadeumadessasconstrues,elafoifeitacomointentodepreservar uma determinada viso de mundo, uma certa forma de conceberomundo.Nestesentido,muitodifcilmudarauniversidade,porqueaprpriauniversidadetemseusmecanismosdedefesaqueaprotegemdamudana. Isto no significa que no haja necessidade de mudana, apenasqueestamudanaserdifcil.Umacoisaquensestamosfazendoaqui,hoje, que, no meu entender um mrito, pr em questo, as nossas pr-concepes a respeito do que seja a universidade. Conseguimos, tambm,demonstrar que existem outras formas de conhecer, outras formas de saberque no so as acadmicas e podem ter seu lugar na universidade. Entre osaspectosdiscutidos,osquestionamentosfeitos,umdizrespeitoaoutrasformas de conhecimento no consagradas pela academia e que por isso sosimplesmenteaparadasoureelaboradasdemaneiraanelaseencaixar.Questionamos tambm se a universidade ser capaz de se transformar paraacolhertaisformasdeconhecimentoseintegr-lasaoconceitodeexcelncia. Este um trabalho de reconstruo da universidade. Precisamosperguntar: Se no formos ns, quem o far? A habilidade de reconstruoest ligada ao processo de desconstruo. A desconstruo e a reconstruodenossoentendimentodeUniversidadeumprocessoquegeranovaspossibilidadesdeconhecimentos.EstesnovosentendimentospermitempensarsobrenovasformasdeconstruiraUniversidade,construirnovasconcepesenovasformasdeacessoaoconhecimento,tornandoaEducao Educao Educao Educao EducaoPorto Alegre/RS, ano XXX, n. 1 (61), p. 53-92, jan./abr. 2007Roda de conversas ... 83Universidadecapazdecaptar,compreender,aceitarnovasformasdeconhecimento.Muitosexemplosdadosnodiadehojesoexemplosdeaesquejforamouqueestosendoimplementadosemuniver-sidades.Nenhumadestassolues,porsis,representaumasolu-oauto-suficiente,maspartedeumanovaconstruodauniversi-dade.Sheylaalgomuitosriooqueagenteestdiscutindo,queadiversiddecomoobjetodeestudo.Comoeufalei,nosoudarea,soucuriosa, fui ler, fui estudar porque em tudo o que gosto de participar, gostodeentender.Semprequeestudei,asrefernciasqueagenteachasooprofessor Valter e a professora Petronilha, so os grandes estudiosos, quens temos aqui na universidade, que esto discutindo este assunto no Brasil.Outras universidades j pegaram os artigos e os textos dos seus trabalhos ej tm implementado a diversidade racial h muito tempo. Enquanto a genteestdiscutindonanossauniversidade,naUniversidadeFederaldeSoCarlos,agentepodeperceberquenoBrasilessemovimento,estaconscientizao em relao questo da Ao Afirmativa vem acontecendoaos poucos. A gente vai vendo que no to reticente assim a percepodasuniversidades.Algumasjcomeamafaz-loedeformaatbemprodutivaecommuitosresultadospositivos,que,inclusive,podemsertrazidos e colocados para ns.NaUniversidadeFederaldeSoCarlos,agoraqueagenteestdiscutindo. Quando pensei sobre isso, pensei em vocs dois, pensei: comoeles devem estar se sentindo? H aquele ditado casa de ferreiro, espeto depau,tambmpenseiemoutro,oprofetanuncaouvidonasuaterra,santodecasanofazmilagre.Fiqueipensandonasperspectivashis-tricas. Como trazer esse material, esses estudos que eles tm feito, paranossa universidade? A gente tem procurado colocar, na discusso do nossogrupo, alguns elementos bem prticos, que levem ao que a professora Joycefalou.Paraqueoalunofiqueinteiroaquinauniversidade,elenopodeficar preocupado com o leite que vai ter que dar para o filho dele porquemuitos, s vezes, vo estar aqui... No momento em que a gente abrir paracotas,nsvamosestarcriandooutrotipodealunado,agentevaiestarconvivendo com outra realidade.Quando eu cheguei em So Carlos, como eu j falei, sou oriunda daUniversidade de Juiz de Fora, no estado de Minas. L, 90% dos alunos soda minha cidade, aqui o contrrio, 10% so da cidade. A gente tem queestar fazendo poltica..., deveria estar fazendo h muito mais tempo, polticaafirmativa para os jovens daqui. Por que a Universidade no faz um outdoorEducao Educao Educao Educao EducaoPorto Alegre/RS, ano XXX, n. 1 (61), p. 53-92, jan./abr. 200784 Petronilha Beatriz Gonalves e Silva; Nara Maria Guazzelli Bernardesedivulgaaquinacidade,suniversidadeprivadaqueprecisafazerpropaganda? Ou a gente precisa tambm estar mostrando para o jovem quepode fazer a universidade. Mas, s vezes, a gente tem que estar mostrandoparaosjovens,deoutroslocaisdanossacidade,paraqueelespossamacreditar que podem vir fazer aqui seus estudos superiores. uma realidadequeagentetemaquinanossauniversidade,queagenteprecisaestarbuscando.Ojovemqueestaquinacidadeteriacondiesmelhores,svezes at econmicas, de sobreviver, de poder estar inteiro dentro da nossauniversidade, do que aquele que fosse de fora, que tivesse que estar numalojamento, tendo de conviver em um ambiente diferente, um ambiente dadiversidade, no s a diversidade social. Estar fora de casa para um jovemde 18 anos muito difcil, ele est saindo da barra do pai e da me, a gentetem que pensar no aspecto que a professora falou, da Psicologia, tambm.Eu queria dizer, para agradecer o convite de estar aqui, a oportunidade deestaraprendendo,deestardiscutindo,queagentetemumarespon-sabilidade paternal ou maternal com esses jovens que a gente quer colocardentro do Programa de Aes Afirmativas. Por qu? Porque eu sou me efico assim preocupada com o futuro que a gente quer dar aos filhos. Entoagentetemqueterumaresponsabilidadeemrelaoaessejovemporinteiro, indo nesta direo que a professora Joyce falou. A gente tem quecriar aqui condies econmicas, acadmicas.A Universidade tem sua responsabilidade de estar, no tutelando, masacolhendo esses jovens e dando-lhes condies para que fiquem aqui porinteiro. Obrigada pela oportunidade.ValterOprofessorMwalymudemonstroumuitoclaramentequeachaquesuaformaotemalgumaslacunasporquenofalapor-tugus. Aqui no Brasil, especialmente nesta universidade, um dos critriospara entrar em alguns cursos de ps-graduao saber ingls, no precisasaberportugus(risos).Istoindicaumacertainversodequeolocal,osaberlocal,notoimportantequantonsimaginamos.Imaginaistoestendido,paratransmitirconhecimentosemcomunidadestradicio-nais.Querodizerqueadiversidadepropiciaapossibilidadedefalaremdiferentes linguagens, que isso importante, tem que ser considerado comovalor, mas tambm em termos da produo do conhecimento. E a eu queriame recordar um pouco de um autor que eu tenho estudado um pouco, lidoum pouco, que se chama Bicu Parek. Tambm, no faz parte dos autoreslidosaqui,elehindu,daamplacomunidadehinduquefalainglse,portanto,umcientistapolticoquejpassoupelasprincipaisuni-Educao Educao Educao Educao EducaoPorto Alegre/RS, ano XXX, n. 1 (61), p. 53-92, jan./abr. 2007Roda de conversas ... 85versidades do mundo, inclusive, Harvard, mas que ns ainda no tivemos aoportunidadedel-loemnossoscursosdeCinciaPolticaoudeSociologia.Esteautor,numlivrochamadoRepensandooMulticulturalismo,chamaaateno,emumdeseuscaptulos,paraumadiscussoentreosasiticossobreaDeclaraodosDireitosdoHomem,nassuasperspectivas... os asiticos e a Declarao dos Direitos do Homem. Para oque ele chama ateno? Ele chama ateno para o fato de a Declarao dosDireitos do Homem ser uma declarao feita por ocidentais, dentro de umalgica ocidental que desconsidera a idia de comunidade.Ora, ao desconsiderar a idia de comunidade est se desconsiderandoa idia de que nem todos os grupamentos humanos organizam-se a partirda idia de indivduo. Portanto, muitos dos problemas que temos no interiordauniversidadequeaquichegamjovensquedefatonosabemmuitobem o que querem, mas que vm com uma experincia comunitria, muitasvezes, com uma experincia de comunidades mais amplas, e que aqui soobrigadosadeixarsuacondiocomunitriaesuaprpriaexperinciahumana para sairem profissionais. Ento, ns formamos engenheiros, nsformamospedagogos,nsformamossocilogosesisso.Nsnoformamos homens e mulheres que vo exercer esses saberes a partir de suacondio de homem e de mulher.Almdisso,nsformamosindivduosquenoprecisamretornarqualquer tipo de conhecimento para a comunidade, porque a concepo totalmente centrada no eu. Tanto que a mensurao, do ponto de vista daexcelncia acadmica, quantos papers cada um de ns produz ao longoda carreira. Isto est em questionamento... se ns no conseguirmos reverteressatendncia,colocaradiversidadeenquantoumvaloretrazerparaauniversidade conhecimentos outros que se estruturam a partir da idia decomunidade; mas no a comunidade cientfica que individualiza e atomizao conhecimento, que torna-o fragmentos que so realizados por indivduos.Eu realmente espero que a gente possa, no caso desta universidade, a partirdeste evento, levar em considerao que outros grupos tem outras formasdeseorganizarequeaquestodoindivduonocentral,massimaquesto da comunidade...Talvezumadasdiferenasquensencontramos,pelomenosnumncleo desta universidade, que ns nos organizamos muito mais a partirdaidiadecomunidadedoqueapartirdaidiadeindividualidadesqueproduzem conhecimentos para si prprios, muitas vezes sem perceber, semter o retorno da comunidade.Educao Educao Educao Educao EducaoPorto Alegre/RS, ano XXX, n. 1 (61), p. 53-92, jan./abr. 200786 Petronilha Beatriz Gonalves e Silva; Nara Maria Guazzelli BernardesEupensoquedavemaresistnciadauniversidade,noBrasil,desofrer qualquer avaliao que no seja dos seus pares. Eu acho que o queestcolocado,exatamenteoquedestacaaprofessoraJoyce,ouseja,aimportnciadaavaliaodacomunidadeesobretudodaquelascomu-nidadesque,historicamente,estiveramexcludasdequalqueracessoaoconhecimento que lhe retirado, mas que no lhe retornado. Eu acho que isto que est em jogo neste debate, hoje, no Brasil.HassimiEuqueriadesenvolvereilustrarapartirdaquiloqueoValterfalou.Elefalousobrequemfarotrabalhoderedimensionaraexcelnciaacadmicaemencionouquevocprecisafalarmaisdeumalngua. muito importante que se diga, com toda a nfase, que ningumvaiserencarregadodessetrabalho,ningumvaisereleitoparafaz-lo.Estetrabalhodependedeengajamentopessoalcomoprofessor,comopesquisador,comoalgumpreocupadocomasituaodosalunos.Voufalar da minha prpria experincia. (Mostra o desenho de um diagrama eaponta seus elementos). Este o diagrama, um esquema, este o smbolodamulheremminhaprprialngua,songhoy,doMali.Aquisetemosmbolo do homem, ali o smbolo de Deus. Esta uma entidade que meiohomem e meio deus, que est entre o mundo dos homens e o mundo divino.Este aqui o instrumento de produo, para sobreviver no planeta Terra.Isto a origem da cosmologia do Mali. Este tambm a origem do sistemade escrita. Vocs vero que este signo quer dizer escrita do homem e escritadamulher.NosculoXVI,noMali,houveumimperadorAskyaMohammedquedifundiuareligiomuulmana,atornouareligiodoEstadodeSonghoy.Osmuulmanosinstrudosrecebiamospostosmaisdestacados do imprio e eram conselheiros dos imperador. Eles escreverammanuscritos, alguns dos quais fazem parte da biblioteca da universidade deTombouctu,quesedesenvolveunoMali,tendoatingidoseuapogeunosculo XVI. Assim sendo, at hoje no Mali, ns temos que entender e falarrabe.Quandoestivenaescola,algunslivrosdidticoseramescritosemrabe. Muitos dos nossos pesquisadores e intelectuais sabem ler e escreverem rabe.Em 1887, a partir desta data, ocorreu o domnio francs em Mali. Nstivemos que aprender francs, rabe e songhoy. Voc tem que saber maisde uma lngua. Uma pessoa com toda a formao que traz a aprendizagemde lnguas pode no ter um diploma universitrio, ser apenas alfabetizadoemsonghoy.Eutivesortesuficienteparaaprenderfrancs,inglse,tambm, conhecer e escrever em trs lnguas africanas.Educao Educao Educao Educao EducaoPorto Alegre/RS, ano XXX, n. 1 (61), p. 53-92, jan./abr. 2007Roda de conversas ... 87Oconhecimentoquevocvaiutilizarhojeestenraizadopri-meiramentenasuavidaeistooqueaescolanoestvalorizando.importantesabercomonsfomoseducados,saberarespeitoda-quiloquenssabemos.Sensnosabemoscomofomoseducados,noseremoscapazesnemdedesconstruirenemdereconstruirauni-versidade.fundamentalqueaspessoassevoltemparaasuaprprialngua,suaprpriaexperinciapararecuperaraquiloqueelastinhamantesdeingressarnosistemadeensinoescolar,universitrio.Voudizeraltimafrase:importanteparaqualquerpessoasaberalngua,acultura,oscostumestradicionaisdeondeveio.Porquesemesseconhecimentopermaneceremos nus e sem defesa perante o mundo.Joyce(Aproxima-sedaPetronilhaeentrega-lheumlivro).HmuitosanostenhovindoparaoBrasile,tambm,vrioscolegasotmfeito. Em nome, no apenas do trabalho que voc tem feito para o Brasil,masdotrabalhoquevoctemfeitoportodosns,pelacomunidadenegrainternacional,estouentregando-lheestelivro.Olivrointitula-seEnsinandoasCrianasNegras:SeteConstruesdeEnsinoRealemEscolas Urbanas.5 As escolas urbanas, nos Estados Unidos, so s vezescomoescolasdefavelas.Estelivrofoiescritoporprofessoresuniver-sitrios, professores dessas escolas e a comunidade, trabalhando juntos paraproduziresteconhecimento.Eupensoqueistosimbolizaotrabalhodaprofessora Petronilha.Petronilha Eu agradeo muito a Joyce. O professor Pedro Galettigostaria de falar?PedroNaverdade,eugostariasdereiterarosmeusagra-decimentos,agrandeoportunidadedeterpresenciadoevivenviadoestemomento. Eu preferia at ouvir falar mais, agora, e deixar o meu tempopara que vocs possam concluir a fala.PetronilhaObrigada.Eutenhotrsinscritos:oChiquinho;oCasemiroPascoaldaSilvaquedaUSPdeSoCarlos,conhecidoeimportantemilitantedomovimentonegrodeSoCarlosedepoisoprofessor D Alkaime. Nesta ordem ento, pode passar o microfone, fazfavor.Chiquinho H tantas idias, mas eu vou tentar sintetizar. Eu achoquenoprimeiropontoqueagentediscutiu,decertaformanestaRoda,conseguiu-se,pelomenos,construirumconsensoemtornodaidiadeEducao Educao Educao Educao EducaoPorto Alegre/RS, ano XXX, n. 1 (61), p. 53-92, jan./abr. 200788 Petronilha Beatriz Gonalves e Silva; Nara Maria Guazzelli Bernardesexcelncia acadmica ou qualidade acadmica: crescer com a diversidade.Querdizer,adiversidadecomoumpassotantoparaaqualidadequantopara a excelncia acadmica.Euachoque,comrelaoaosegundoponto,agente,tambm,conseguiu ir na direo de que a excelncia acadmica tem sido avaliadafundamentalmenteporpadresideolgicosemuitomenospelacontri-buio de cada comunidade sobre o qu excelncia acadmica. Eu penso,entretanto,queparaesteltimopontoemdiscusso,agentecorreumenorme risco. Quer dizer, o risco que a gente tem, de um lado, de trazer odiverso para a universidade enquanto objeto.Enquanto objeto, ele no vai ser parte da universidade, no sentido decontribuirparaaconstruodeumsaberuniversal.Euestimoquedadecorra a idia universalista da universidade, ela tem que dar idia de saberuniversal.Portando,elenovaicontribuir,masvaidarumaidiadedescartvel.Dizendodeoutromodo,agentetrazparaauniversidadeeextraitudooqueeletemdeconhecimentoedepoisjogaforaporquejpegou o que se julga essencial desse conhecimento.Isto coloca, para ns, uma outra dificuldade, cada vez mais presentenoBrasil,quesoosmovimentossociaisorganizandoassuasprpriasuniversidades.O MST criou a sua universidade. H iniciativas de outros movimentossociaiscriando,humainiciativaquilombolade,tambm,criarumauniversidade,osndiosevriasetniasdendios,igualmente,decriaremsua prpria universidade. Isto coloca um desafio e tem uma histria: se agente no se aproxima do diverso, o diverso tambm no vai se aproximardens.Portanto,agentepodeterumconhecimentomuitomenoscom-partilhado no sentido da construo desse conhecimento universal. Ento,eu avalio que este um dos desafios que esta terceira questo posta para onosso debate, nesta tarde.CasemiroAssistindoaestedebate,soulevadoadizerqueelefruto de uma trajetria de aproximadamente 30 anos do movimento negrodesta cidade. O fato de ns estarmos discutindo aqui a questo racial, compersonalidades importantes, nacional e internacionalmente, faz-me lembrarde pessoas, que fizeram parte dos quadros desta universidade, como o, so-cilogo, teatrlogo, Professor Eduardo Oliveira Oliveira, prematuramentedesaparecido. Lembro tambm do ento aluno Valdemar, que foi o primeiroaluno negro desta universidade, um dos primeiros do curso de Enfermageme que trouxe, na dcada de 1970, para esta Universidade, para esta cidade,para este pas, a discusso da anemia falciforme. Esse era um negro, porta-Educao Educao Educao Educao EducaoPorto Alegre/RS, ano XXX, n. 1 (61), p. 53-92, jan./abr. 2007Roda de conversas ... 89dordaanemiafalciformeeeleinaugurou,naquelemomento,estadis-cussodefundamentalimportnciaparaquensproduzssemospol-ticaspblicasnareadasade,nasquaisarealidadenegrafossecontemplada.Nadcadade1970,particularmenteem1979,EduardoOliveiraOliveira, socilogo negro, (do qual, prematuramente desaparecido, temosograndeprazerdeteroacervobibliogrficoedocumentaldoadoUniversidade Federal de So Carlos),6 j trazia a discusso no sentido deesta universidade, a UFSCAR, ser pioneira para alavancar essa discussodefundamentalimportncia,nosdiasdehoje.Desdeaquelapoca,erapostanapautadasdiscussesdeestudanteseprofessornegrodestauniversidadeaproblemticadaapropriaodoconhecimento,daapro-priaodacultura,dosaberafricanopelauniversidade,mantendo-seeladistante da comunidade negra. Da importncia da comunidade negra estarpresente no interior da universidade. E ns estamos assistindo, nesta tarde,parte da realidade concreta e objetiva desse nosso sonho.Hoje, estamos aqui assistindo um debate dessa questo polmica queso as aes afirmativas ou a cota