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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS - UNISINOS
UNIDADE ACADÊMICA DE GRADUAÇÃO
CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL: PUBLICIDADE E PROPAGANDA
RODRIGO JOAQUIM DA SILVA
O MITO EM DARTH VADER: A IDENTIFICAÇÃO COM O VILÃO
SÃO LEOPOLDO
2013
2
RODRIGO JOAQUIM DA SILVA
O MITO EM DARTH VADER: A IDENTIFICAÇÃO COM O VILÃO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
Como requisito parcial à obtenção do título de
Bacharel em Comunicação Social: Habilitação
em Publicidade e Propaganda da Universidade
do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS.
Professora orientadora: Profª. Letícia Gomes da Rosa
São Leopoldo
2013
4
AGRADECIMENTOS
Tal qual a intenção deste trabalho em procurar não abordar apenas limitados
aspectos sobre o tema, tratando a pesquisa como uma grande interligação de
fatores comunicacionais e sociais, os agradecimentos também não podem ser
limitados, pois foi interligação com muitas pessoas que ajudou a tornar possível a
realização deste trabalho.
Primeiramente quero agradecer aos meus pais e minha irmã pelo suporte e
confiança depositados durante o longo período universitário que culmina com o
término deste trabalho.
Aos amigos e colegas de trabalho que sempre estiveram por perto para
brindar conquistas e para ajudar nas piores horas, que acompanharam a longa
jornada acadêmica desde o início sempre ouvindo minhas descobertas assim como
minhas reclamações.
À minha namorada Carla, que sempre acompanhou minha paixão por Star
Wars (fator decisivo pelo qual decidi namorar com ela) e que torna possível a
discussão de qualquer tema por aceitar as inúmeras possibilidades que a vida
apresenta, tornando-me um homem cada vez mais rico em conhecimento somente
pelo fato de estar em sua companhia. Era a primeira a ouvir os bons e os maus
rumos que a pesquisa tomava, participando assim das minhas alegrias tanto quanto
apoiando meus piores momentos.
Aos professores que fizeram a diferença no meu crescimento acadêmico
não somente com conteúdo, mas principalmente apresentando maneiras diferentes
de pensar. Talvez nas aulas isso pudesse passar despercebido, mas olhando para
trás vejo que as contribuições de Guilherme Caon, José Reckzigel, Lisiane Cohen,
Magda Ruschel, Márcia Molina e Sérgio Trein foram muito importantes no meu
caminho.
E, finalmente, agradeço à minha orientadora Letícia da Rosa por ter me
guiado neste caminho acadêmico, por sempre exigir mais e por todo o conhecimento
que dividiu comigo nas aulas e nas orientações.
5
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo apresentar um estudo sobre a observação
do vilão cinematográfico Darth Vader, da saga Star Wars, e analisar alguns casos de
âmbito comunicacional e social com a intenção de buscar compreender como este
vilão é uma influência presente em diferentes situações sociais. Para este fim,
buscaremos compreender o que é um vilão, qual o seu papel em um cenário pós-
moderno e como ele se relaciona com o espectador através do cinema.
Utilizaremos uma pesquisa exploratória bibliográfica realizada através do
levantamento de autores do âmbito sociológico, como Joseph Campbell, Mircea
Eliade, Paul Ricoeur, David Harvey, Edgar Morin, Joan Ferrés, Michel Maffesoli,
Roland Barthes, Zygmunt Bauman. E na análise documental observaremos
materiais que ainda não receberam tratamento analítico, apresentados na forma de
casos.
A metodologia utilizada para a análise dos casos foi a Sociologia
Compreensiva, de Michel Maffesoli. Partindo das pressuposições teóricas deste
autor, buscamos observar casos sociais onde o vilão se faz presente de alguma
forma e, assim, descobrimos que a pós-modernidade permite que um vilão
cinematográfico possa ser percebido das mais diferentes maneiras de acordo com a
situação em que está inserido.
Palavras-chave: Vilão, Darth Vader, Mitologia, Pós-modernidade, Cinema
6
ABSTRACT
This work aims to present a study on the observation of the film villain Darth
Vader, from the Star Wars saga, and analyze some cases of communication and
social context intending to understand how this villain is an influence present in
different social situations. To accomplish this, we will seek to understand what is a
villain, what is its role in a post-modern as it relates to the viewer through the film.
We will use an exploratory research literature conducted by surveying
authors of sociological context, as Joseph Campbell, Mircea Eliade, Paul Ricoeur,
David Harvey, Edgar Morin, Joan Ferres, Michel Meffesoli, Roland Barthes, Zygmunt
Bauman. And in document analysis we will observe materials that have never been
treated analytically presented in the form of cases.
The methodology used to analyse the cases was the Michel Meffesoli's
Comprehensive Sociology. Starting from the theoretical assumptions of this author,
we seek to observe social cases where the villain is present in some way and thus
discovered that postmodernity allows a cinematic villain to be perceived in many
different ways according to the situation in which it is inserted.
Keywords: Villain, Darth Vader, Mythology, Postmodernism, Cinema
7
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Aparição na tela do cinema em 1979...................................38
Figura 2 – Esboço de criação...............................................................39
Figura 3 – Esboço Roupas....................................................................39
Figura 4 – Esboço Capacete.................................................................40
Figura 6 – Vader e o público.................................................................43
Figura 7 – Anúncio para venda de Máscaras.......................................44
Figura 7 – Cartum de Bob Englehart....................................................46
Figura 8 – Cartaz de Divulgação...........................................................46
Figura 9 – Revista MAD........................................................................47
Figura 10 – Capa Revista TIME, 19 de Maio de 1980..........................48
Figura 11 – Grotesco de Darth Vader...................................................57
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................... 9
1 HERÓI VS. VILÃO ..................................................................................... 12
1.1 MITO E MITOLOGIA ........................................................................... 12
1.2 HERÓI ................................................................................................. 17
1.3 O MAL ................................................................................................. 21
1.3.1 O Mal na pós-modernidade ........................................................ 24
1.4 VILÃO .................................................................................................. 28
1.5 CINEMA COMO INFLUÊNCIA ............................................................ 31
1.6 VILÃO ESCOLHIDO: DARTH VADER ................................................ 36
1.6.1 O visual ........................................................................................ 37
1.6.2 A voz............................................................................................. 40
1.6.3 O nome ......................................................................................... 42
1.6.4 Vader e o público ........................................................................ 43
2. ANÁLISES ............................................................................................... 49
2.1 METODOLOGIA.................................................................................. 49
2.2 CASOS ................................................................................................ 52
2.2.1 Bombeiros e Halloween .............................................................. 53
2.2.2 O lado negro da Catedral ............................................................ 56
2.2.3 Sariah junta-se ao lado negro .................................................... 59
2.2.4 Volkswagen e a Força ................................................................. 63
CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................... 68
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................ 71
ANEXO A ..................................................................................................... 73
9
INTRODUÇÃO
A mitologia é um dos meios que as sociedades encontraram para se
comunicar com as pessoas ao longo de sua existência. É através dela que tornou-se
possível passar para inúmeras gerações muitas histórias dos modos como
antepassados atravessaram determinadas provações ou obstáculos para que os
ouvintes da mitologia possam estar onde eles se encontram. Também é na mitologia
que os seres humanos encontram as bases para criar e executar os seus rituais.
Junto com Eliade (1969), veremos como as sociedades antigas buscavam criar
rituais para repetir o que outros já fizeram anteriormente na mitologia. Dessa forma o
ritual, sempre por buscar repetir os atos de deuses ou heróis, tem ligação direta com
o que é considerado sagrado, pois como diz Eliade “...seu conteúdo é arcaico e
refere-se a sacramentos, isto é, atos que pressupõem uma realidade absoluta, extra-
humana”. (ELIADE, 1969, P. 42). Assim buscaremos compreender a importância do
mito e da mitologia para tornar-se possível construir um vilão.
Sempre aflito por questões que não consegue responder, o ser humano
encontra-se em uma eterna busca por respostas. Algumas respostas já foram
obtidas através da ciência já outras, em sua maioria de cunho ético/filosófico,
permanecem sem resposta desde o que conhecemos como o início da civilização
ocidental. Vida e morte. Tão comum para todos, mas sempre levantaram as maiores
questões da humanidade. De onde surge a vida e o que acontece após a morte.
Para responder essas perguntas o homem criou os Deuses e neles depositou todas
as respostas que ainda não havia conseguido responder. Para abordarmos este
momento de questões dualistas do ser humano contamos com Joseph Campbell
que, após descrever o que ele chama de “Jornada do Herói”, encontra as etapas
necessárias para que um herói inspire outras pessoas a seguir este caminho através
de rituais que elas crêem ser sagrado, e logo, uma manifestação do que é
compreendido por Bem. Dessa forma buscaremos compreender o papel do herói
para assim começar a compreender o papel do vilão.
O Bem e o Mal estão presentes na história da humanidade desde os tempos
imemoriais. Divisão esta que provavelmente se tornou mais conhecida no mundo
ocidental pelo maniqueísmo, que apresentava claramente essa dualidade em um
viés religioso. Porém neste trabalho abordaremos com mais ênfase somente o Mal,
10
mesmo cientes da inegável relação Bem X Mal, queremos observar com mais
atenção as características individuais deste Mal que é fonte necessária de
conhecimento uma vez que buscaremos compreender o conceito de vilão para
poder aplicar no nosso objeto. E em Paul Ricoeur (1988) que encontramos esta
visão mais específica sobre o Mal e sobre como pensar o Mal como um conceito
aberto e relativo que depende da circunstância observada.
Tendo então uma separação entre luzes e trevas, certo e errado, Bem e Mal,
anteriormente se definiam as atitudes do herói como alguém que procura o Bem e
se classifica o vilão como um obstrutor dessa busca, mas na pós-modernidade essa
visão pode ser menos dual. Em Bauman (2009) e Harvey (2001) poderemos
observar a reação das ideias pós-modernistas em relação ao modo moderno que a
sociedade busca seguir para encontrar uma ordem segura. E em Maffesoli (2006) e
Bataille (1975) veremos que a reação que busca transpor estes paradigmas é uma
reação natural humana, que pode ser usada para equilibrar a relação entre o Bem e
o Mal, não permitindo que somente um deles torne-se unânime. Neste momento,
buscaremos compreender o conceito de Mal e contextualizá-lo para que possamos
observar nosso objeto sobre este prisma.
A partir dessa desconstrução de antigos valores encontramos no texto a
possibilidade de um vilão, que mesmo tendo sua construção embasada em cima de
conceitos dualistas e simplificados sobre o Mal, na pós-modernidade pode ter suas
atitudes justificadas e até identificadas pelo público. Identificadas pelo espectador de
cinema segundo o complexo de projeção-identificação de Morin (1983), onde
veremos que este espectador pode se identificar tanto com seu similar quanto com
seu oposto. Sendo como objetivo destes capítulos mostrar a importância e a
influência do cinema e de um vilão cinematográfico nos espectadores.
Com estes capítulos de levantamento bibliográfico que formaremos a base
para analisar quatro casos de corpo social através da Sociologia Compreensiva de
Maffesoli (1988) e observar as diferentes percepções do nosso objeto de estudo em
diferentes momentos. Nosso objeto de estudo é o vilão Darth Vader, e ele não foi
escolhido por acaso. Ele é personagem fundamental de Star Wars (Guerra nas
Estrelas, no Brasil), definida popularmente como uma ópera espacial épica
americana de uma franquia de filmes criados por George Lucas. Essa franquia de
filmes se desdobrou em outros meios além do cinema, assim como livros, série de
televisão, jogos de computador e vídeo-games e histórias em quadrinhos. Ao todo
11
foram seis longa metragens para o cinema, sendo o primeiro lançado em 25 de maio
de 1977 e o último lançado em 19 de maio de 2005, totalizando uma arrecadação de
mais de 4 bilhões de dólares no total. Em 26 de outubro de 2012, a Walt Disney
Company comprou a produtora de George Lucas, a Lucasfilms, por 4,05 bilhões de
dólares, visando assim perpetuar a rentável e lucrativa saga espacial atualmente
consagrada na cultura pop1. Apesar de começar mostrando alguns números para
provar a importância da saga num cenário econômico, o personagem escolhido para
o estudo é rico também em conceitos mitológicos. Assim sendo, nosso grande
objetivo é observar como o mito está presente em Darth Vader e como este vilão
pode ser capaz de causar identificação com espectadores.
.
1
Link notícia compra da Lucasfilm pela Walt Disney. Disponível em: <http://thewaltdisneycompany.com/disney-news/press-releases/2012/10/disney-acquire-lucasfilm-ltd> Acesso em: 02 jun. 2013.
12
1 HERÓI VS. VILÃO
1.1 MITO E MITOLOGIA
Para apresentar o conceito de mito e definir herói e vilão, a escolha de
Joseph John Campbell (1904 -1987) pode ser a mais coerente, tanto por ser uma
das maiores referências no campo da mitologia no século XX, quanto pela
proximidade que ele tinha com George Lucas, seu aluno na University of Southern
California (USC). Lucas também fora o primeiro cineasta a creditar Campbell como
influência na criação dos seus filmes, além de mencionar que obras como O Herói
de Mil Faces e As Máscaras de Deus – Mitologia Primitiva foram fundamentais para
iniciar o roteiro de Star Wars.
Com um estudo comparativo das mitologias do mundo, Campbell (1992)
apresenta indícios de que a história cultural da humanidade tem uma unidade.
Velhos temas de antigas civilizações reaparecem séculos depois em outras
civilizações, porém com uma roupagem diferente, reorganizados e reinterpretados
de acordo com as necessidades dessa outra civilização.
Porém, com tantas evidências dispersas pelo mundo e também por causa da
magnitude de seu campo, abordar cientificamente a mitologia foi uma tarefa difícil
até o final do século XIX devido a conflitos entre autoridades, teorias e opiniões. Um
exemplo pode ser a comparação que foi feita entre duas vertentes do conhecimento
erudito: os clássicos e a bíblia. Enquanto os gregos Héracles, Teseu e Perseu eram
estudados como parte da literatura, os hebreus Noé, Moisés e Jesus deveriam ser
estudados como história factual. O que não se sabia até então era que elementos
comuns a essas duas tradições provinham da precedente civilização mesopotâmica
da Idade do Bronze. Mas isso só foi possível descobrir depois do desenvolvimento
da moderna ciência da arqueologia. (CAMPBELL, 1992)
Línguas, religiões, mitologias e modos de pensamento de vários povos
puderam ser comparados a partir daí, e mais semelhanças foram encontradas como,
por exemplo, entre o panteão védico da antiga Índia, o panteão dos Edas da Islândia
medieval e o panteão olímpico dos gregos.
13
Descobertas como esta e o encontro de tantas semelhanças nas
comparações da mitologia grega com a bíblia foram alguns dos motivos de
discussões entre autoridades científicas e religiosas no século XIX, pois já não se
podia mais aceitar a história mitológica da Criação, do Velho Testamento, como
literalmente verdadeira. (CAMPBELL, 1992)
Daí em diante, o saber que antes era restrito, havia se tornado uma ampla
ciência, devido ao reconhecimento da universalidade dos temas mitológicos. E a
preocupação do homem passou a ser, como disse Campbell (1992, p. 25):
... se tais temas mitológicos como a morte e a ressurreição, o nascido de uma virgem e a criação a partir do nada deveriam ser racionalmente rejeitados como meros vestígios da ignorância primitiva (superstições), ou, pelo contrário, interpretados como transmitindo valores que estão além da faculdade racional (símbolos transcendentes).
.
Ainda em “As Máscaras de Deus”, John Campbell (1992) cita as “Ideias
Elementares” ou “Primordiais” e as “Ideias Étnicas” como sendo aspectos que ele e
Adolph Bastian encontraram ao término do estudo:
Podemos, por tanto, considerar qualquer mito ou rito como uma pista para o que pode ser permanente ou universal na natureza humana (nesse caso, nossa ênfase será psicológica, ou talvez mesmo metafísica) ou, por outro lado, como uma função do cenário local – a paisagem, a história e a sociologia do povo em questão – nesse caso, nossa abordagem será etnológica ou histórica. (CAMPBELL, 1992, p. 372)
Campbell também compara a mitologia como um caminho através do qual o
indivíduo se transforma ao cruzá-lo, pois este caminho vai conduzi-lo a uma
experiência que ele chama de inefável, e vai desprendê-lo de suas condições
históricas atuais. Anos mais tarde, em “O Poder do Mito”, quando entrevistado por
Bill Moyers, o autor diz que:
A mitologia tem muito a ver com os estágios da vida, as cerimônias de iniciação, quando você passa da infância para as responsabilidades do adulto, da condição de solteiro para a de casado. Todos esses rituais são ritos mitológicos. (CAMPBELL, 2002, p. 12)
Dessa forma ele busca contextualizar o conceito de mitologia na atualidade.
Outros exemplos de rituais mitológicos presentes na sociedade contemporânea são
as cerimônias de casamento, cerimônias de posse presidencial, o alistamento de
14
jovens garotos no exército. Até mesmo o silêncio e o ato de levantar-se quando um
juiz entra no tribunal são rituais mitológicos, pois estas reações não são para ele
como indivíduo, e sim para o que ele representa.
Quanto ao mito, Campbell (2002) o sintetiza brilhantemente em poucas
palavras “Mitos são pistas para as potencialidades espirituais da vida humana”
(CAMPBELL, 2002, p. 6). Para ele o mito está fundamentalmente relacionado ao
conhecimento e às experimentações interiores do indivíduo. Também para
contextualizar os mitos na atualidade, Campbell (2002) fala de quatro funções
básicas: uma função mística, que busca nos tornar conscientes da maravilha que é o
universo, do mistério imensurável que é a vida que vivenciamos através de todas as
coisas; uma função cosmológica, que é ocupada pela ciência, que busca mostrar
como funciona o universo, mas que ainda assim faz crescer o mistério de “o quê é?”
o universo; uma função sociológica, que depende completamente do local que se
está inserido, pois varia de lugar para lugar; e uma função pedagógica, que ensina
como viver uma vida humana em qualquer circunstância.
Para resumir o pensamento de Campbell sobre mito e mitologia é possível
dizer que os mitos seriam as ideias e as mitologias seriam os caminhos. Ambos
tornam a pessoa um órgão dentro de um organismo, parte de um sistema maior que
si, eles a ligam ao seu grupo social. E este grupo social se torna consciente de que
também faz parte de um organismo maior ainda, junto com outros grupos sociais, o
mundo. E é através dos mitos e das mitologias que os indivíduos se identificam, se
ligam a uma sociedade em particular, na qual fazem parte todos os que passaram
pelos mesmos rituais, esperando algum dia poder transcender a estrutura física à
sua maneira.
Deixando um pouco de lado o viés quase arqueológico de Joseph Campbell,
agora convido Roland Barthes (2003) para se unir na significação e definição de mito
e mitologia. Deixando claro que não pretendo com este trabalho decifrar mitos, mas
somente conceitualizá-los. Por ser uma ciência das formas, não fazendo distinção
entre qualquer que seja o conteúdo da mensagem, a semiótica estuda as
significações. Por isso o discípulo de Saussure, escritor, sociólogo, semiólogo e
filósofo francês, foi escolhido para dialogar com os autores, pois esta bagagem
semiótica nos facilitará relacionar o mito e a mitologia ao cinema e à publicidade.
Nos primeiros parágrafos de MITOLOGIAS, Barthes (2003) já resume
simplificadamente que o mito é uma fala. Em suas próprias palavras “o mito é um
15
sistema de comunicação, uma mensagem” (BARTHES, 2003, p. 199). Ou seja, ele
não é a forma, ele é a ideia.
Sendo tão amplo, ele mesmo questiona se então dessa forma tudo pode ser
mito? E, na sua visão, sim, tudo pode ser mito, pois nada nos proíbe de falar sobre
qualquer coisa. Fica a nosso critério determinar os limites históricos e, de certa
forma, escolher o que nos cativa, o que permanece, o que desaparece e o que o
substitui para ser elevado a mito. Dessa forma a mitologia pode ser considerada
como a maneira de falar escolhida pela História, considerando que é ela que
transforma o real em discurso.
Tomando a fala como uma mensagem, como sugere Barthes (2003), ela não
precisa necessariamente ser oral,
pode ser formada por escritas ou representações: o discurso escrito, assim como a fotografia, o cinema, a reportagem, o esporte, os espetáculos, a publicidade, tudo isso pode servir de apoio à fala mítica. (...) a fala mítica é formada por uma matéria já trabalhada em vista de uma comunicação apropriada: todas as matérias-primas do mito – quer sejam representativas, quer gráficas – pressupõem uma consciência significante, e é por isso que se pode raciocinar sobre elas, independente da sua matéria. (BARTHES, 2003, p. 200)
Logo, tendo o mito como uma ideia e a mitologia como a forma, podemos
relacionar o bem, ou o mal, como ideia e um personagem como sua forma; assim
como podemos relacionar a ideia de bem, ou de mal, onde o filme é a sua forma.
Voltando à semiótica, para explicar o mito semiologicamente Barthes (2003)
relembra os três termos que devemos considerar no sistema semiológico: o
significante, o significado e o signo, que é a soma das associações dos dois
primeiros termos. Para exemplificar rapidamente, o autor cita o exemplo do buquê
de rosas que é dado para a pessoa amada, onde a rosa é o significante da planta, o
significado é a paixão e o signo é quando o conjunto de rosas endereçadas a
alguém concretizam amor e carinho por ela.
O mesmo acontecerá com o mito, porém um pouco mais elaborado, pois ele
se apropria de uma cadeia de elementos que já existem antes dele, como se o
conjunto de signos encontrados na mitologia, ao se juntar em uma espécie de signo
global. E é essa mensagem maior que será o mito.
Como vimos até agora com Campbell e Barthes mito e mitologia estiveram
presentes desde onde exista uma sociedade que queira passar adiante uma ideia
através da historia. Ainda temos temas como “herói” e “vilão” para tratar, mas por
16
enquanto podemos concordar que a mitologia foi o meio encontrado para contar
determinado evento que simbolizava uma lição, um aprendizado ou, novamente,
uma ideia. Passados através da história através de muitas formas como pintura,
escultura, cerâmica e literatura, todos eles advinham de um lugar comum, da mente
humana. Para adentrar nesse assunto que termina este capítulo, Carl Gustav Jung
foi escolhido para falar sobre o inconsciente coletivo.
O próprio Jung (2000) menciona que nenhum outro conceito seu encontrou
tanta incompreensão quanto o inconsciente coletivo. Em seu livro “Os arquétipos e o
inconsciente coletivo” ele define o inconsciente coletivo diferenciando do
inconsciente pessoal:
Enquanto o inconsciente pessoal é constituído essencialmente de conteúdos que já foram conscientes e, no entanto desapareceram da consciência por terem sido esquecidos ou reprimidos, os conteúdos do inconsciente coletivo nunca estiveram na consciência e, portanto não foram adquiridos individualmente, mas devem sua existência apenas à hereditariedade. Enquanto o inconsciente pessoal consiste em sua maior parte de complexos, o conteúdo do inconsciente coletivo é constituído essencialmente de arquétipos. (JUNG, 2000, p. 53)
Apesar de ter sido tão incompreendido por alguns, foi por meio desta
definição de Jung sobre o inconsciente coletivo que escolhi suas teorias.
Acompanhado dos textos de Campbell e Barthes, concordamos em aceitar Jung
(2000) quando ele fala sobre uma existência que não parte apenas da experiência, e
sim da hereditariedade. Este trabalho não tem a pretensão de passar por assuntos
biológicos, mas em se tratando dos seres humanos como é o nosso caso, por
estarmos falando do mito e da mitologia – que por eles foram criados – não
podemos desconsiderar o instinto como um exemplo de hereditariedade psicológica.
Dessa forma, assim como os arquétipos “... os instintos não são vagos e
indeterminados por sua natureza, mas forças motrizes especificamente formadas,
que perseguem suas metas inerentes antes de toda conscientização, independendo
do grau de consciência” (JUNG, 2000, p. 54).
Como vimos que o mito é atemporal, não existem registros de quando
começaram e até hoje alguns são seguidos e a grande maioria são motivos de
estudo; e que a mitologia é o meio específico que representa estes mitos durante a
história, variando de acordo com a cultura, o local e a data; então, quero neste
trabalho mostrar a importância dos mitos e como os mitos se fazem presente no
17
inconsciente coletivo e relacioná-los com os arquétipos, estes elementos primordiais
herdados psicologicamente. E essa relação pode ser reforçada pelo historiador e
mitólogo Mircea Eliade quando afirma que nos mitos
um objeto ou uma ação só se tornam reais na medida em que imitam ou repetem um arquétipo. Assim, a realidade só é atingida pela repetição ou pela participação; tudo o que não possui um modelo exemplar é desprovido de sentido, isto é, não possui realidade. (ELIADE, 1969, p. 49)
Com seus estudos sobre a história e cultura de inúmeras civilizações
antigas, Eliade constatou que é através da imitação de arquétipos passados que os
homens abandona sua posição comum na sociedade para se inserir no mundo do
divino. É através da história que as civilizações contam como seus deuses ou
antepassados realizaram determinado ritual ou sacrifício, logo é através da repetição
que o homem buscava alcança-los. Juntamente com os autores que até aqui foram
apresentados podemos crer que é por toda essa imitação, por toda essa repetição
pela busca do divino ter feito parte das civilizações que descendemos, que existe um
inconsciente coletivo e que os arquétipos representados nos mitos estão presentes
nele.
Então, se estivermos cientes de que pelo mito podemos ter acesso aos
aspectos culturais e aos valores de determinada civilização ou determinada época,
também estaremos cientes de que nos mitos se fazem presente o ser e o não-ser, o
bem e o mal, a vida e a morte, pois estes são modelos primitivos do inconsciente
humano. E é através do conceito de inconsciente coletivo que podemos entrar nos
próximos capítulos que tratam de personagens muito presentes nos mitos que
expressam o modelo primitivo da dualidade do bem e do mal no inconsciente
humano: os heróis e os vilões. Como o próprio Jung relembra em seu livro
“arquétipos são determinados apenas quanto à forma e não quanto ao conteúdo”
(JUNG, 2000, p. 91), ou seja, o importante para a definição não são os destinos
deles, mas sim os ideais que os guiarão durante o percurso.
1.2 HERÓI
18
Para atender algumas questões éticas ou filosóficas, e também para
exemplificar condutas morais, o homem criou os heróis e os semideuses, figuras
arquitípicas que reúnem atributos e capacidades necessárias para transpor
determinados problemas de magnitude ímpar ou realizar tarefas humanamente
impossíveis. Na linguagem homérica, o herói é filho de um deus e uma mulher ou de
uma deusa e um homem. Não é um imortal, porém sua condição semidivina lhe
proporciona algumas propriedades sobrenaturais. Então é falível e mortal, mas
através da força e virtudes épicas, os mitos desses heróis inspiraram os homens nas
suas conquistas através das histórias contadas ao longo dos séculos defendendo
princípios nobres e altruístas como a liberdade, a justiça e a paz.
Ideais estes que somente precisariam ser defendidos ou alcançados caso
estivessem ameaçados. Para por em xeque tais ideais e fazer com que os heróis
cumprissem a sua missão de inspirar e guiar os homens ao enfrentarem situações
adversas, era necessário que algo antagônico estivesse atrapalhando o caminho da
virtude. A competição é a situação que melhor cria o cenário necessário para que o
heroísmo seja colocado em prática. Para haver competição é preciso que existam
dois lados, no mínimo. Dois lados que discordem, que entrem em divergência. Um
exemplo típico seria uma guerra. Os campos de batalha foram berço de muitos
heróis e atitudes heroicas, onde a situação ou o ambiente demanda que seja
realizado um feito extraordinário, grandioso.
Dentre os primeiros e mais conhecidos heróis registrados pela história
ocidental podemos mencionar Hércules, Ulisses, Teseu e Aquiles. Cada um deles
protagonista de atos heroicos e portadores de virtudes incomparáveis. Hércules,
com sua força e coragem derrotou criaturas como a Hidra de Lerna e acorrentou o
mastim do mundo inferior, Cérbero. Ulisses, com sua inteligência e estratégia ajudou
os gregos a vencer a batalha de Tróia construindo um cavalo de madeira, que tornou
possível a tomada da cidade com o exército que dentro dele estava. Teseu, unindo
força e inteligência, derrotou o minotauro dentro do labirinto de seu palácio. E
Aquiles, com um corpo quase invulnerável (exceto pelo seu calcanhar) e dotado de
um beleza fora do comum, maior guerreiro da Ilíada, de Homero, também lutou na
batalha de Tróia, porém contra Ulisses. O caso onde dois lados opostos contavam
com dois heróis divergentes, mas com virtudes exemplares, mostrando que o
conceito de herói pode ser mudar de uma cultura para outra, pois para uma cultura
pacífica podemos hoje considerá-lo um anti-herói. Muito antes do pós-modernismo,
19
o conceito de anti-herói já poderia ser encontrado na mitologia grega se olharmos
para trás com esta perspectiva.
A professora, Doutora e pesquisadora Maria Beatriz Furtado Rahde, em seu
texto “Iconografia e comunicação: a construção de imagens míticas”, devido à sua
necessidade de também buscar a origem dos registros destas e outras histórias tão
antigas, fala:
O conhecimento que possuímos desses deuses e heróis está centrado nas suas imagens plásticas na expansão da antiga Grécia, em torno dos séculos VI e VII, com os aristocratas patrocinando as artes. (...) narrando feitos e ideias pela comunicação imagística e garantindo o conhecimento para culturas posteriores, uma vez que são escassos os documentos da história e da escultura grega. É assim que podemos dizer que as criações no campo das artes plásticas representam uma comunicação visual bem mais exata e anterior que a palavra, podendo também afirmar que as artes foram e ainda são meios de comunicação, de informação, de cultura. (RAHDE, 2002, p. 11)
Tão importante quanto a origem é a função desses personagens.
Retomando Campbell, em o “Herói de Mil Faces”, faz a comparação que falamos
sobre o herói não ser apenas um exemplo a ser seguido, mas ele poder também ser
compreendido como um caminho para a evolução do ser humano:
A função primária da mitologia e dos ritos sempre foi a de fornecer os símbolos que levam o espírito humano a avançar, opondo-se àquelas outras fantasias humanas constantes que tendem a levá-lo para trás. (CAMPBELL, 1993, p. 9)
Um fato que também ocorre é a transformação de um personagem histórico
em herói mítico, segundo Eliade (1969). Não apenas pelos fatos sobrenaturais
presentes na história do personagem, mas também porque a história busca relatá-lo
à semelhança do herói de algum mito. Por vezes através de um nascimento
miraculoso, como nos poemas homéricos onde um dos pais, pelo menos, era um
deus. E outras vezes através de uma viagem que se assemelha à subida aos céus
ou uma descida aos infernos. Isso se deve à historicidade não conseguir resistir à
ação da mitificação, pois por muito tempo a história era passada através das artes
(literatura, poesia, escultura, pintura, entre outros), que na antiguidade não se
preocupava com a veracidade dos fatos executados pelo personagem e sim com o
talento e criatividade do artista que a criava. Nas próprias palavras de Eliade, após
afirmar que os acontecimentos históricos somente permanecem na memória popular
se este acontecimento lembra um modelo mítico, diz que:
20
Isso se deve ao fato de a memória popular ter dificuldade em reter acontecimentos individuais e figuras autênticas. Ela recorre a outras estruturas: categorias em vez de acontecimentos, arquétipos em vez de personagens históricas. A personagem histórica é assimilada ao modelo mítico (herói, etc.) e o acontecimento é integrado na categoria das ações míticas (lutas contra um monstro, combate entre irmão, etc.). Mesmo quando alguns poemas épicos conservam o que se pode chamar “verdade histórica”, essa “verdade” não diz quase nunca respeito a personagens e acontecimentos determinados, mas a instituições, costumes, paisagens (ELIADE, 1969, p. 58)
.
E foi durante seu trabalho pesquisando a estrutura dos mitos que Campbell
(1993) observou uma noção muito importante – e chave para este trabalho: a
narrativa mitológica sempre gira em torno das aventuras de um herói. A partir daí o
autor desenvolveu a estrutura do que ele chamou de “A Jornada do Herói”. Dividida
em três fases principais: separação, iniciação e retorno, e estas três fases
subdivididas em um total de dezessete etapas, essa estrutura cita os eventos pelos
quais seria necessário alguém transpor para se tornar um herói. Claro que este é um
esquema padrão que pretende abranger o máximo de possibilidades, e o próprio
autor fala que nem sempre todas as etapas estarão presentes, tampouco é
necessário que estejam em ordem. Algumas vezes as etapas podem aparecem
misturadas umas com as outras e até mesmo se repetir, se for o caso. O propósito
de apresentar A Jornada do Herói aqui é somente para entender o conceito e
mostrar que ele se faz presente nos estudos mitológicos e arquetípicos. Neste
trabalho não irei entrar detalhadamente em todas as etapas do meu personagem
escolhido, pretendo apenas utilizar A Jornada do Herói para apresentar e entender o
conceito, mostrar que ele se faz presente nos estudos mitológicos e arquetípicos e
usá-lo como base no confronto dualista entre o Bem e o Mal para demonstrar com
mais clareza a antagonia entre herói e vilão e tentar entender como este
personagem está relacionado no inconsciente coletivo atual.
Mesmo sabendo agora que alguns personagens históricos podem se tornar
heróis míticos devido ao fato da história ser modificada por quem a conta e também
sabendo que é possível roteirizar a vida de alguém até se tornar um herói, ainda
temos exemplos de homens e mulheres reais que, inspirados por estas e outras
histórias, tomaram decisões e atitudes tipicamente heroicas e entraram para a
história como William Wallace (herói da resistência escocesa) e Joana D‟Arc
(heroína da resistência francesa), por exemplo. Diferente dos heróis mitológicos que
21
enfrentavam criaturas também mitológicas, estes heróis reais enfrentaram exércitos
reais, porém guiados pela mesma coragem e desejo de liberdade que os heróis
mitológicos eles puderam transmitir a mensagem de força e perseverança aos
homens.
Avançando alguns séculos, mais especificamente no século XX, o homem
recria alguns de seus modelos exemplares de heróis mitológicos na forma de
histórias em quadrinhos. Rahde (2000) lembra que este popular meio de
comunicação, muitas vezes ignorado pela história da Arte, nasceu como imagem
narrativa e passa a repetir o paralelo mítico dos heróis. Superman, vindo de outro
planeta recebe poderes sobre-humanos ao entrar em contato com a atmosfera
terrestre, luta e defende a Terra e seus habitantes. Capitão América, super soldado
criado pelo exército com força acima do normal, luta contra o nazismo e outros
algozes que ameaçam a liberdade e da paz.
Não há aqui a necessidade de citar os inúmeros outros heróis deste panteão
das histórias em quadrinhos. Importante é entender como a linguagem visual das
histórias em quadrinhos são extremamente narrativas e cênicas. E, para comunicar
e compreendê-la de maneira tão eficaz, foi preciso que desenhistas e roteiristas
conseguissem tornar estes novos heróis em homens da sua época, porém sem
perder as qualidades fundamentais do período clássico, como a coragem, a fé, a
força (Rahde).
Até aqui a ideia é mostrar que os heróis tanto na mitologia, quanto na
história precisam percorrer caminhos onde serão demonstradas suas virtudes
exemplares aos homens. E nestes caminhos eles travarão batalhas com seus
antagonistas, com os vilões propriamente ditos, que são peça chave para que estes
eventos possam acontecer, afinal só temos sombra quando acendemos alguma luz.
1.3 O MAL
Para esclarecimento, a abordagem deste tema neste capítulo tentará ser
histórica, filosófica e teológica. De maneira alguma buscaremos estudar o mal como
manifestação metafísica, mas sim como um conceito da mente humana. Em meio as
leituras realizadas para construção deste capítulo, podemos adiantar que não se
22
encontram definições absolutas e encerradas sobre este tema que permanece em
constante discussão entre estudiosos, filósofos, historiadores e religiosos.
Um provável motivo pelo qual se encontra dificuldade de fixar um conceito
geral sobre o mal pode ser devido às inúmeras atribuições que ele recebeu durante
a história da humanidade. Improvável que possamos afirmar com certeza qual foi a
primeira definição dada para o mal, mas podemos presumir através das leituras
realizadas para esta pesquisa que o maniqueísmo foi uma das tradições mais
antigas e influentes no ocidente quando se trata da definição do bem e do mal.
Fundado por Manes, ou Mani, no século III d.C., o maniqueísmo estabelecia
um universo dividido entre duas divindades supremas: o Bem, o Deus, e o Mal, o
Diabo. Neste reino da luz o Bem era representado pelo espírito, pelo encontro com
Deus e no reino da sombra o mal era representado por tudo que fosse matéria. Toda
satisfação carnal e tudo que fosse físico não poderia se encontrar com o Bem.
Anos mais tarde Santo Agostinho – teólogo e filósofo de grande importância
no pensamento ocidental, também muitas vezes citado durante as pesquisas deste
tema – procura uma resposta que possa esclarecer de onde vem o Mal, se tudo
provém de Deus, e Deus representa apenas o Bem? (AGOSTINHO, 1995, p. 16).
Ele encontra no filósofo Plotino uma possível solução, afirmando então que o Mal
não é um ser, mas sim uma privação, uma deficiência provocada pela finitude do
ser. A partir daí ele divide o Mal em 3 níveis:
O Mal metafísico-ontológico, onde o mal não existe, mas apenas graus
inferiores à infinita bondade de Deus. E mesmo aquilo que aparentemente parece
uma falha (que poderia ser considerada como Mal), torna-se sem importância
quando comparado ao conjunto universal onde o todo é imensamente maior e tudo
está interligado.
O Mal moral, que é o pecado, o resultado da fraqueza do ser humano por
não ter conseguido alcançado o bem. Para Santo Agostinho a natureza humana
tende ao Bem, logo este Mal moral foi apenas uma escolha pobre pelo “bem
inferior”, que se encontra um pouco mais distante do Bem supremo do que o “bem
superior”. O livre-arbítrio que Deus deu aos seres humanos seria o grande Bem e
Mal seria a má utilização dele.
E o Mal físico, que são as doenças, o sofrimento e a morte, para ele são
consequências do mal moral advindo do pecado original. (AGOSTINHO, 1995)
23
Quando nos encontramos com Paul Ricoeur (1988), importante filósofo e
pensador francês, ele já contextualiza o Mal como sendo um desafio à filosofia e à
teologia, já que se faz necessário questionar as concepções que o mundo ocidental
tem de Deus, que vimos como onipotente e absolutamente bom até agora. Esse
questionamento é uma tarefa nada simples, uma vez que para isso será necessário
superar essa clara contradição entre a existência de um Mal (o sofrimento, a dor, a
morte) junto com a existência de um Deus (o Bem absoluto).
Ricoeur (1988), ao estudar o discurso mítico de Rudolf Otto, Mircea Eliade e
George Dumézil, encontrou apenas a presença da ambivalência do sagrado como
sendo a razão do Mal, mas não a origem do Mal. Os mitos relatam apenas a origem
do Mal no âmbito cósmico, mas não falam nada sobre o Mal individual:
Rapidamente o mito deve mudar seu registro: torna-se necessário não só „contar‟ as origens, para explicar „como‟ a condição humana em geral se tornou o que ela é, mas „argumentando‟, para explicar „por que‟ ela é assim, de modo diferente, para cada ser humano (Ricoeur, 1988, p. 29).
Encontraremos este Mal individual em Santo Agostinho somente se
considerarmos a queda do paraíso como fato. E é apenas aceitando esse Mal
individual do sofrimento injusto e sem merecimento como um resultado do pecado
original que podemos obter uma resposta.
Ricoeur (1988) afirma que a ideia do surgimento do mal através do ser
humano quando este foi expulso do paraíso é uma ideia puramente moral, que serve
apenas para justificar o sofrimento e a punição infligidos nas pessoas que nada
fizeram para merecê-los. É meramente uma saída fugidia que busca explicar algo
que a razão ainda não encontrou a resposta:
A primeira e a mais tenaz das explicações oferecidas pela sabedoria é a da „retribuição‟: todo o sofrimento é merecido porque é a punição de um pecado individual ou coletivo, conhecido ou desconhecido. Esta explicação tem pelo menos a vantagem de compreender seriamente o sofrimento enquanto tal, como pólo distinto do mal moral. Mas esforça-se logo em anular esta diferença, fazendo da ordem das coisas uma ordem moral. (Ricoeur, 1988, p. 29)
Esta ideia de nascer manchado por um pecado original não é aceita por
Ricoeur, pois para ele é necessário que exista antes uma consciência do Mal
cometido para então haver um julgamento. Frente à isso Ricoeur (1988) repetidas
vezes mostra achar desnecessário especular se a causa do Mal vem de Deus, ou se
ele faz parte da existência do Mal. Para ele também é desnecessário se discutir “De
24
onde vem o Mal?”, pois acha mais produtivo esclarecer o “Por quê o ser humano
pratica o Mal?”. Para buscar esclarecer isso não é possível continuar vendo o Mal
como um conceito fechado, mas sim como um desafio crescente entre pensadores e
estudiosos.
Neste ponto, para continuar a pesquisa deste trabalho, torna-se necessário
considerar o Mal como um conceito em aberto e, além disso, relativo. O que é
considerado Mal em um determinado contexto de tempo e lugar, pode não ser
considerado mal dentro de um contexto diferente. A teoria heliocêntrica apresentada
por Galileu Galilei, por exemplo, vista pela Igreja do século XVII como uma heresia,
uma afronta à criação de Deus que colocou a Terra e o homem no centro de todas
as coisas (Teoria Geocêntrica ou Antropocêntrica), hoje é tida não só como teoria,
mas como fato científico.
Não podemos, entretanto, tomar o Mal como subjetivo apenas por ser
relativo. A ideia de Mal continua existindo, mudando apenas as circunstâncias em
que é observada. E a ideia de Mal é de que ele se encontra na ausência do Bem. O
Mal, de acordo com o contexto inserido, é o errado, é o que vai contra o senso
comum e a moral. É uma condição humana e, por ser humana, pode ser controlada,
pois não advém de um ser misterioso ou mitológico.
Então, como pensar o Mal na contemporaneidade? No próximo capítulo
vamos contextualizar o Mal na pós-modernidade apontando comparações com a
modernidade – já que veremos que para compreender a pós-modernidade é preciso
compará-la com a modernidade.
1.3.1 O Mal na pós-modernidade
David Harvey (2001), em “Condição Pós-Moderna”, admite que o próprio
sentido de modernismo já é confuso em si, logo esta posição de afastamento ou
esta reação contrária ao modernismo colocada pelo pós-modernismo, torna sua
definição duplamente confusa. Em seu livro, Harvey cita o crítico literário Terry
Eagleton (1987) para tentar definir o pós-modernismo:
25
Talvez haja consenso quanto a dizer que o artefato pós-moderno típico é travesso, auto-ironizador e até esquizoide; e que ele reage à austera autonomia do alto modernismo ao abraçar impudentemente a linguagem do comércio e da mercadoria. Sua relação com a tradição atual é de pastiche irreverente, e sua falta de profundidade intencional solapa todas as solenidades metafísicas, por vezes através de uma brutal estética da sordidez e do choque. (Terry Eagleaton, in David Harvey, 2001, p. 19)
Não podemos negar que o momento vivido na contemporaneidade ainda é
alicerçado em bases de pensamento moderno. Zymunt Bauman (2009) diz que
aspectos altamente definidos na modernidade tais como a beleza, a limpeza e a
ordem não foram abandonados na pós-modernidade. A cultura da modernidade foi
quem preparou os seres humanos para serem obrigados a apreciar a beleza, a
limpeza e a ordem, já que não se pode observar claramente uma pré-disposição
natural dos seres humanos que os façam cultivarem o que é belo, manterem-se
limpos e respeitarem a ordem. Neste ponto Bauman (2009) lembra o que disse
Freud sobre isso: “A civilização se constrói sobre a renúncia ao instinto” (in. Bauman,
2009, p. 8). E a cultura da pós-modernidade busca negociar a liberdade dos
prazeres da vida que se tornaram reféns da civilização moderna, que era satisfeita
com o preço do mal-estar natural que pagava para desfrutar de uma ordem imposta.
Por isso, diz Maffesoli (2006) que a pós-modernidade pegou de surpresa
aqueles que pensaram que a civilização permaneceria em constante evolução, no
sentido de superar sempre a si mesma. Estes não imaginaram que a civilização
voltaria para quebrar as certezas dentro de si. Para ele isso configura uma das
características da pós-modernidade que é o retorno exacerbado ao arcaísmo, que
acontece paralelamente com a busca desenfreada pelo novo, uma característica
herdada e ainda remanescente da modernidade.
Definitivamente a modernidade foi marcada pela busca desenfreada pelo
novo, pois foi o período onde aconteceram os maiores avanços científicos e
tecnológicos que causaram as maiores transformações no planeta. Um
desmatamento excessivo tirou o lugar de grandes florestas para aumentar o espaço
urbano ou aumentar o espaço das fazendas de gado. Um descontrole na eliminação
de dejetos e resíduos poluiu o meio ambiente de forma ameaçadora. E um
conhecimento científico avançado aplicado na indústria bélica permitiu a construção
de bombas atômicas e armas biológicas. Estes são apenas alguns exemplos que
ilustram a maneira como a toda vida (ser humano e natureza) foi deixada em
segundo plano para não cruzar a frente do progresso moderno. Essa doutrina
26
moderna praticamente pregava um dualismo maniqueísta para conseguir impor sua
ordem. A ordem representava o Bem, o correto, e a desordem representava o Mal, o
errado. Assim a limpeza representava o Bem e a sujeira representava o Mal. O
avanço tecnológico a qualquer custo representava o Bem, a evolução, o avanço, e
não participar dele, ou querer impedi-lo era um atraso, era o Mal. Porém, como já
vimos na tentativa de conceitualizar o Mal abordada anteriormente neste capítulo,
Bem e Mal podem ser relativos dependendo do contexto que se inserem. O avanço
tecnológico, por exemplo, poder ser o Bem quando aplicado na medicina, mas pode
ser o Mal quando possibilita a criação de novas e mais potentes armas de guerra.
Mesmo que elas fossem utilizadas apenas com o propósito de defesa – que poderia
classificar como uma boa-intenção – ela estaria ferindo, causando dor ou matando
alguém.
Logo, se essa ordem imposta pela civilização moderna como acabamos de
ver, retira a liberdade do ser humano, ameaça a natureza e a própria vida do ser
humano, podemos concordar com Maffesoli (2006) quando ele diz que a sociedade
pós-moderna desabrochará em uma crise ética, em uma desestruturação social.
Para lutar contra essa alienação moderna os meios que a sociedade pós-moderna
utiliza são a zombaria, a ironia, o riso, tudo que pode ir contra essa domesticação
em prol da ordem: “O riso e a ironia são explosões de vida, ainda que e sobretudo
quando esta é explorada e dominada”. (Maffesoli, 2006, p. 99)
Esta forma frívola e superficial da pós-modernidade que torna possível
qualquer forma de agregação nos grupos sociais. Diferente da modernidade que,
enquanto permitiu multiplicar a possibilidade das relações sociais, acabou também
por esvaziá-las uma vez que os grupos sociais eram muito segregados, a pós-
modernidade favorece a agregação da pluralidade com naturalidade. Essa
agregação faz com que o ser humano se recolha no grupo que participa e aprofunde
a relação deste com outros grupos. (Maffesoli, 2006)
Será necessário dizer, como convém, que os grupos que constituem as massas contemporâneas não têm ideal? Talvez fosse melhor observar que eles não têm uma visão daquilo que, em termos absolutos, deve ser uma sociedade. Cada grupo é, para si mesmo, seu próprio absoluto. Esse é o relativismo afetivo que se traduz, especialmente, pela conformidade dos estilos de vida. (Maffesoli, 2006, p. 152, 153)
Como já abordamos o mal e a pós-modernidade até aqui, agora é hora de
uni-los. E o autor escolhido para representar o pensamento do mal na pós-
27
modernidade é Georges Bataille. Segundo Bataille (1975) não se pode mais reduzir
a atividade humana somente entre a reprodução e a conservação, pois a
característica mais importante para entendermos a despesa é o consumo, que o
autor separa em duas partes. A primeira parte ele chama de redutível, que engloba o
que é estritamente necessário para viver. E a segunda parte, uma oposição à
primeira parte, são as despesas improdutivas. Elas são atividades que não tem outro
fim senão em si mesmas. Entre elas o autor cita: os luxos, os enterros, as guerras,
os cultos, os jogos, os espetáculos, as artes e as atividades sexuais perversas. E é
nas despesas que o autor mostra que estão os resíduos, os dejetos, ou seja, as
negatividades – que ele chama de “parte maldita” em seu texto – são produtos
inerentes à natureza humana. Nas sociedades humanas essa parte maldita precisa
fazer parte da convivência para, dessa forma, alcançar um equilíbrio e evitar que
haja um perigoso acúmulo. Pois, para Bataille (1975), um acúmulo interno excessivo
dessa “parte maldita” pode acarretar em uma explosão tão violenta que viria ser
substancialmente pior do a liberação desse mal em doses menores. Dessa forma
podemos enxergar o Mal na pós-modernidade como uma parte necessária para
equilibrar o Bem, não mais um opositor do Bem como na modernidade.
Podemos voltar ao Maffesoli para complementar essa ideia que Bataille nos
fala da “parte maldita” e da produção e consumo de despesas improdutivas.
Falamos que a busca da libertação da ordem autoritária é uma característica do pós-
modernismo, isso acaba fazendo com que o hedonismo se torne mais presente e,
nas palavras de Maffesoli (2006), faz com que a sociedade atual busque
Usufruir no dia-a-dia, ter o senso do presente, aproveitar esse presente, tomar a vida pelo lado agradável, é o que todo analista não demasiadamente desconectado da existência corriqueira pode observar em todas as situações e ocorrências que pontuam a vida das sociedades. (Maffesoli, 2006, p. 102)
Essa filosofia relativista do “Não sei se amanhã ainda estarei aqui” –
baseada no medo de uma guerra repentina e no medo da violência urbana diária –
aliada com a busca do prazer próprio e auto-satisfação se tornam agentes
provocadores importantes do que Bataille (1975) fala sobre o consumismo excessivo
de mercadorias, de lazer, de sexo e de prazer. O sentimento de que pode-se ter
pouco tempo e a grande variedade de opções de consumo faz com que o homem
pós-moderno queira “tudo” para “agora”.
28
Esse sentimento pode ser tido como base da angústia que o ser humano
experimenta no cotidiano. Por viver em um mundo ainda com bases modernas de
obrigação – se alguém não trabalha e não se sacrifica na ordem, esse alguém não
obtém os meios necessários para viver, por exemplo – surge uma vontade de fugir,
extravasar, escapar dessa prisão. Dessa forma, junto com a angústia, se cultiva a
ansiedade e a insatisfação por não poder aproveitar tudo que é oferecido
diariamente. Portanto, se a transgressão do método modernista é a única saída para
o ser humano, ele assume esse novo papel de ser bom e mau ao mesmo tempo,
permitindo a ele não se sentir mal por estar apenas seguindo sua natureza.
Observamos então, junto com os autores, que o modo como encaramos o
Mal atualmente sofreu uma forte quebra de paradigmas causada pela pós-
modernidade. Não se faz essencialmente necessário separar o Bem do Mal, mas
sim conseguir achar um equilíbrio saudável na companhia de ambos. Então,
podemos situar nosso vilão, Darth Vader, como pós-moderno uma vez que, ciente
de um balanço necessário entre o Bem e o Mal no universo – ou o “Equilíbrio da
Força”, como é dito nos filmes da saga – tomou para si toda a parte sombria e
escura – o chamado “Lado Negro da Força” – permitindo que seus filhos
desfrutassem do bem e da luz, sem a necessidade de sofrer ou prejudicar outras
pessoas, tal qual aconteceu com ele.
Este é apenas um breve comparativo de um aspecto do seu comportamento
analisado agora junto com as referências absorvidas dos autores. No próximo
capítulo vamos abordar o que se faz necessário para criação de um vilão.
1.4 VILÃO
Vilões, um termo utilizado desde a idade média para identificar quem não
era da nobreza. Na narrativa heroica é utilizado para identificar aquele que pratica
atos indignos e contrários ao herói. Nos mitos os quais a principal ideia era
demonstrar a doutrina das virtudes do herói, o antagonista não tinha algum
destaque, aparecia apenas como perturbador da paz e obstrutor do bem. Já na
contemporaneidade, onde a desconstrução de paradigmas é objeto central, o algoz
ganha destaque e, muitas vezes, a simpatia de quem conhece o enredo da história.
29
O processo de comunicação dos mitos populares aparece modificado na visualidade
pós-moderna (Rahde, 2002).
Mas antes de seguir neste conceito já formado de vilão, quero resgatar um
pouco a origem não do termo em si, mas das qualidades que compõem este ser que
não se aproxima do sagrado tal como o herói o faz. Traremos novamente Eliade
(1969) em o “Mito do Eterno Retorno” quando ele fala sobre os arquétipos das
atividades profanas. E profano é exatamente o termo que buscamos, pois no latim
Pro significa „diante de‟, „fora‟. E Fanum, templo, igreja, lugar sagrado. Assim temos
algo como “aquele que não pertence ao sagrado”. Eliade fala que a distinção feita
pelas civilizações anteriores às judaico-cristãs era meramente entre deus e o
homem. Todas as atividades que eram exemplares, que seguiam um modelo com
um determinado significado ritual eram sagradas, e as atividades triviais, que não
continham significado mítico eram tidas como atividades profanas. Acredito que
muitas vezes podemos relacionar esse conceito de profano ser diabólico, fazer
referência a uma entidade antagônica à algum deus, mas o caso aqui é bem mais
simples. Entretanto, pensar neste conceito não é de forma alguma um erro, pois ele
também exprime algo que não faz parte do sagrado, por isso o associamos tantas
vezes como sendo o antagônico do bem. Neste ponto que cria forma o nosso vilão,
aquele que se distancia do herói por não fazer parte do sagrado. E por se aproximar
dos humanos dessa forma é que podemos entender por que nunca houve na
mitologia um destaque para o vilão, afinal quem seguiria seus exemplos para
continuar sendo humano se o que o ser humano almeja é evoluir e buscar ser como
um deus?
Neste mesmo livro, Eliade (1969) fala como a dança era um exemplo de
atividade sagrada por seus movimentos imitarem um animal totémico, almejando
alcançar a incorporação do homem naquele animal. Poderia também ser utilizada
em rituais para honrar os mortos. De qualquer forma, se ela carregasse um
significado maior, isso a tornava sagrada. Nas palavras do autor “... as danças
imitam sempre um gesto arquetípico ou comemoram um momento mítico. Em suma,
são uma repetição e, por consequência, uma reatualização „daquele tempo‟”
(ELIADE, 1969, p. 43). Talvez por essa desvalorização do profano, que estamos
relacionando com o vilão, é que não se encontra tantos materiais quanto sobre o
sagrado, que está relacionado ao herói e que autores como Joseph Campbell
chegaram a “roteirizar” sua jornada, por assim dizer.
30
Já citado o papel do vilão na história, fazendo sempre com que o herói
demonstre toda sua virtude, o vilão no cenário contemporâneo além de ganhar mais
espaço, ganha fãs, admiradores e seguidores. Em seu artigo, Rahde cita Maffesoli
(2001) para afirmar que esta nova cultura contemporânea é coletiva, vinculando-se
aos grupos humanos e servindo de alimento aos sonhos construídos por esses
grupos. Logo, com o crescente número de fãs de vilões, o próprio número de vilões
existentes aumenta. E, devido ao rápido desenvolvimento das tecnologias do
imaginário, como a televisão, o cinema, os vídeos e as inúmeras possibilidades de
novas visualidades imagísticas computacionais vêm estimulando cada vez mais a
imaginação contemporânea (Rahde), fazendo com que, além de aumentar o número
de vilões, cada um deles tenha uma história particular.
Este crescimento no número de fãs dos vilões do imaginário pós-moderno
pode ser mensurado através, não só através da publicidade, mas principalmente na
alta venda de bens de consumo relacionados a eles, como camisetas, canecas,
pôsteres e outros. Outra vez o imaginário coletivo mostra a identificação do homem
agora não mais apenas com heróis, mas também com os vilões. A
espetacularização dos vilões por quase todos meios de comunicações faz com que
eles ditem a moda, fazendo com que o consumidor, esperançoso de se transformar
em algo maior e mais poderoso, espelhe-se nele.
Evidente que o imaginário coletivo repercute no indivíduo de maneira particular. Cada sujeito está apto a ler o imaginário com certa autonomia. Porém, quando se examina o problema com atenção (...) vê-se que o imaginário de um indivíduo é muito pouco individual, mas sobretudo grupal, comunitário, tribal, partilhado. (Maffesoli, 2001, p. 80)
Se o herói pós-moderno não é mais aquele herói completamente bom da
modernidade, e sim um herói que tem dúvidas, medos e incertezas, o vilão pós-
moderno também não é mais aquele vilão completamente mal da modernidade, mas
é agora um vilão que justifica seus atos na busca de sua liberdade ou prazer próprio.
Logo isso acaba sendo uma característica importante na identificação do público
com ele.
Estando o vilão e o espectador pós-modernos cada vez mais próximos
através dessas semelhanças, Morin (1989) abre um precedente fundamental para
descobrirmos um pouco mais sobre uma provável causa da identificação do público
com Darth Vader quando ele fala sobre James Dean que
31
...em busca do absoluto, acaba por encontrar a sua morte. Sua morte significa que ele foi destruído pelas forças hostis do mundo, mas também que, nessa derrota, ele finalmente atinge o absoluto: a imortalidade (Morin, 1989, p. 113).
Ciente de sua finitude, o espectador pós-moderno também sabe que poderá
encontrar sua morte através das forças hostis do mundo, do mesmo modo que
Vader encontrou um fim hostil quando deu sua própria vida para salvar o seu filho.
Antes do vilão atingir a imortalidade através da morte da qual Morin fala, Vader pede
para que seu filho retire a sua máscara, o que podemos ler como a representação
de sua completa redenção ao se libertar da prisão escura que maligna que o
encarcerava. Torna-se assim possível imaginar agora que o espectador pós-
moderno possa enxergar isso como o desejo que ele também tem de se tornar livre
das prisões malignas em que se encontra.
1.5 CINEMA COMO INFLUÊNCIA
Tendo passado por conceitos que constroem o mito, a mitologia, o
inconsciente coletivo, o herói e o vilão, nos falta ver como isso tudo pode se
relacionar com o cinema de maneira que nos trará base para melhor compreender o
vilão escolhido, já que ele é um produto cinematográfico. Já abordamos alguns dos
conceitos chave que fazem parte da construção de personagens, nosso próximo
passo será relatar o processo de influência do cinema sobre seus espectadores.
Inicialmente utilizaremos um dos principais pensadores contemporâneos,
antropólogo, sociólogo e filósofo francês Edgar Morin, que no seu texto “O Cinema
ou o Homem Imaginário” do livro “A Experiência do Cinema”, organizado por Ismail
Xavier, fala que: “A projeção é um processo universal e multiforme. As nossas
necessidades, aspirações, desejos, obsessões, receios, projetam-se, não só no
vácuo em sonhos e imaginação, mas também sobre todas as coisas e todos os
seres”. (MORIN, 1983, p. 145)
E a projeção da nossa imaginação se deforma de acordo com quem a
observa. Duas pessoas podem observar algo simples, como a estatura de alguém e
mesmo assim entrar em divergência quanto à percepção do que foi observado. Isso
32
porque um observador terá um referencial cultural e emocional muito particular,
diferente do outro observador que por sua vez terá igualmente o seu próprio
referencial ímpar. Assim, muitas vezes atribuímos características à maneira com que
nós as vemos e não como elas realmente seriam. De uma forma simples
poderíamos relembrar aqui a frase de conhecimento popular “a beleza está nos
olhos de quem vê”, pois Morin mesmo fala que as nossas percepções “são, ao
mesmo tempo, confundidas e trabalhadas pelas nossas projeções”. (MORIN, 1983,
p. 146)
E sobre a identificação o autor é muito sucinto em definir que “o sujeito, em
vez de se projetar no mundo, absorve-o” (MORIN, 1983, p. 146). Ou seja, não é
mais quando alguém expõe a sua percepção carregada de projeções próprias, e sim
quando esse alguém escolhe trazer para si as características de outrem. Morin
(1983, p. 146) também define a identificação como o simples “eu me ponho no seu
lugar”. A pessoa se imagina na mesma situação que a outra e procura compreendê-
la.
Tendo visto separadamente a projeção e a identificação podemos agora
naturalmente compreender porque o conceito projeção-identificação é interligado e
que há uma transferência recíproca entre eles, responsável por deformar a
realidade, como diz Morin (1983, p. 147):
É o complexo projeção-identificação-transferência que comanda todos os chamados fenômenos psicológicos subjetivos, ou seja, os que traem ou deformam a realidade objetiva das coisas, ou então se situam, deliberadamente, fora desta realidade (estados de alma, devaneios).
Estes processos de projeção-identificação se desenvolvem na nossa vida
cotidiana. Por isso Morin (1983) diz que a nossa personalidade é “pré-fabricada”
quando vestimos nossas projeções-identificações como quem veste uma roupa.
Pois, para o autor o vestuário é como um disfarce, o rosto é como uma máscara e as
palavras são uma convenção desse espetáculo que fazemos do dia-a-dia. Assim,
quando representamos um papel, não só perante outros, mas sobretudo para nós
mesmos, Morin (1983) define isso como projeções-identificações imaginárias. E o
motivo pelo qual trazemos para o nosso cotidiano estas projeções-identificações que
identificamos entre o cinema e a vida real é porque “há um mecanismo de projeção-
identificação na origem da percepção cinematográfica”, segundo Morin (1983, p.
33
151), que usa como exemplo disso o susto dos espectadores de L’Arrivée d’un train
en gare de La Ciotat no cinematógrafo Lumière (1895), quando viram o trem vindo
em sua direção, tal era a semelhança da imagem projetada com a realidade.
Estas imagens projetadas rapidamente em sequência no écran não
demoraram muito para se tornar um espetáculo, pois como nos esclarece Morin
(1983, p. 154):
O Cinematógrafo veio determinar um espetáculo porque excitava já a participação. Como espetáculo institucionalizado, mais ainda a excitou. O poder de participação formou bola de neve; veio revolucionar o cinematógrafo e, ao mesmo tempo, projetá-lo para o imaginário.
E é nesse momento que o espectador, privado de participações práticas – o
tipo de participação que poderia modificar o rumo da representação – ele interioriza
psiquicamente e afetivamente as suas emoções e angústias: “A ausência de
participação prática determina portanto uma participação afetiva intensa: operam-se
verdadeiras transferências entre a alma do espectador e o espetáculo da tela”.
(MORIN, 1983, p. 154)
Apenas para termos uma comparação com o cinema, já que ambos se
tratam da narrativa de uma história com atores situados em um cenário, no teatro é
notável que o comportamento ou a presença de um espectador específico pode
fazer com que o ator se distraia ou esqueça suas falas. Isso pode acontecer
propositalmente ou sem intenção alguma, mas, independente de qual modo, o
espectador sabe que quem está em cima do palco é também um ser humano dotado
dos mesmos defeitos e limitações que ele e, desta forma, isso é imediatamente
assimilado inconscientemente. Almejando amplificar o poder do objeto escolhido
para o trabalho, essa comparação serviu para deixar um pouco mais claro que o
cinema passa a exercer significativas mudanças na percepção humana através da
indissociável ideia de que o espectador já sabe antecipadamente que nada que ele
possa fazer mudará o rumo da história que está sendo projetada, tornando-o assim
um receptáculo aberto para receber e internalizar o que é visto no écran: “...quando
os canais de ação se fecham, abrem-se então as comportas do mito, do sonho e da
magia.” (MORIN, 1983, p. 156)
A partir desta definição que acabamos de encontrar em Morin (1983),
podemos aliar e fortificar a influência do cinema e de seus personagens com o que
Joan Ferrés (1998) chama de caráter pseudo-religioso da sedução – assunto que
ele aborda no capítulo A Sedução das Estrelas, em Televisão Subliminar – onde ele
34
fala que a sedução ocorre quando o espectador tornado receptáculo na sala de
cinema se abre mais ainda para encontrar, fora de si mesmo, a plenitude que lhe
falta:
O homem anda sempre buscando, no que é, algo que lhe falta. Na origem de toda experiência religiosa, há sempre um reconhecimento da própria finitude, uma experiência de insatisfação, uma assunção dos próprios limites. (...) Toda veneração é um reconhecimento da própria insuficiência (FERRÉS, 1998, p. 119).
Depois disso, como em uma religião, o espectador comparado ao crente,
confessa sua insuficiência através da veneração do elemento sedutor, o
personagem agora objetificado, pois ele é visto como a possibilidade de plenitude
que ele não encontra em si. Tal qual os fiéis que veneram as imagens sagradas da
sua religião, os espectadores espalham pôsteres em seus quartos. Essa veneração
similar a de uma religião é que leva a manifestações como as convenções de fãs de
um determinado filme ou gênero fílmico.
É dessa forma, caso o espectador-receptáculo esteja buscando suprir a
necessidade de preencher seu vazio, que a sedução faz com que haja uma
comunhão entre ele e o filme, como diz Ferrés (1998, p. 120):
O seduzido se alimenta com o sedutor, preenche com ele suas mais íntimas necessidades. Mas ao fazê-lo, transforma-se nele, assume tudo o que representa. Neste jogo de transferências produz-se o processo de socialização, em que desembocam os mecanismos pseudo-religiosos da sedução.
Iniciado pela carência, este processo se transforma em veneração, e de
veneração ele passa à imitação ao buscar transformar-se no personagem. A partir
da sedução, dos processos de identificação e das projeções que o cinema ativa, é
que Ferrés fala que o mimetismo é uma das mensagens fundamentais do cinema.
Passamos assim pelo comportamento do espectador, descobrindo que é
através do cinema que ele se projeta, se identifica e põe em prática no seu dia-a-dia
algumas das características que prometiam preencher sua vida quase
religiosamente. No fim, ele mimetiza o que ele busca no cinema. Podemos agora
ficar à vontade para começar a entender o que pode levar um personagem a gerar
mais ou menos identificação.
Tendo anteriormente falado sobre o inconsciente coletivo, não é de maneira
alguma desconexo trazer para a luz deste trabalho os estereótipos do coletivo social.
35
Ferrés (1998, p. 135) é simples em suas palavras ao definir que “Os estereótipos
são representações sociais, institucionalizadas, reiteradas e reducionistas”. Como
representações sociais institucionalizadas podemos comparar com o preconceito,
pois é também uma visão que um coletivo social compartilha entre si sobre outro
coletivo social. Reiteradas devido ao fato de que se permite ilimitada repetição –
assustador fator pelo qual podem acabar parecendo naturais. E reducionistas
porque assim facilita a assimilação para maior parte do coletivo social, tornando
simples o que é complexo. (Ferrés, 1998, p. 136)
Se anteriormente vimos que o objeto sedutor fazia com que o espectador se
espelhasse devido ao fascínio, agora vemos que os estereótipos enviam uma
mensagem errônea ao espectador por ser reduzidamente simples.
“Os estereótipos são, ao mesmo tempo, verdadeiros e falsos” (FERRÉS,
1998, p. 136). A parte verdadeira deve-se ao aspecto parcialmente verdadeiro em
que ele se baseia para conter o mínimo de verossimilhança e convencer o
espectador. Porém são definitivamente falsos devido à generalização que simplifica
a realidade complexa. É nessa “parte verdadeira” que os estereótipos
intencionalmente selecionam uma dimensão negativa específica da realidade para
que o espectador possa associar essa negatividade ao todo e, como resultado,
completar a construção de realidade, ainda que erroneamente. E por esta realidade
estereotipada parecer tão completa para o espectador é que ele vai internalizá-la
sem questionar, devido a sua aparente obviedade.
Para esclarecer porque esta visão reducionista da realidade é facilmente
assimilada, Ferrés (1998) explica como o espectador prefere economizar energia
quando necessita interpretar a realidade quase sempre complexa:
As crianças tem a tendência ao pensamento binário, a rotular as pessoas conforme dualidades simples: boas e más, vivas e tolas, ricas e pobres, altas e baixas, gordas e magras... Esta tendência simplificadora facilita-lhes a interpretação da realidade e, ao mesmo tempo, garante a fácil identificação com personagens absolutamente positivos e a projeção de sentimentos hostis em relação a personagens absolutamente negativos. A ambiguidade, a complexidade ou a ambivalência dos personagens dificultariam estes processos. Na idade adulta, estes mecanismos continuam a se produzir. Manifesta-se a tendência a estereotipar. Os adultos colocam de manifesto esta tendência quando tomam partido diante de determinadas profissões, nacionalidades ou etnias, classes sociais, sexos, idades... (FERRÉS, 1998, p. 138)
36
Partindo do princípio que demoraríamos uma vida inteira para contar
fielmente a história de alguém, podemos compreender que quando o cinema quer
contar uma história (ou mais) com vários personagens, inúmeros cenários e que
algumas vezes se passa em diferentes períodos de tempo, o estereótipo acaba
sendo uma ferramenta auxiliadora para economizar aquelas poucas horas que o
filme dispõe. Porém, na realidade humana, geralmente não é uma tarefa fácil
diferenciar o bem e o mal, afinal a natureza humana é complexa. Exatamente o
oposto do estereótipo. Acontece que ele facilita o envolvimento emocional do
espectador por ser simples e dual, já que para facilitar a assimilação o inconsciente
humano tende a simplificar as emoções.
A cada passo que foi dado em direção à compreensão do conceito de
estereótipos podemos observar que eles sofrem de uma simplicidade maniqueísta,
que satisfaz rapidamente o espectador ao dividir os personagens em completamente
bons e completamente ruins. Se a narrativa já dividiu os bons e os maus
personagens, o processo natural agora é dividir outra característica do processo de
socialização que o filme e o espectador estão inseridos culturalmente há séculos
entre: prêmio e castigo.
Nas narrativas audiovisuais convencionais, levando em consideração que o bom e o mau representam valores narrativos, ideológicos e éticos contrários, quando se castiga narrativamente o mau, estão sendo potencializados os efeitos ideológicos e éticos que se conseguem premiando o bom. (FERRÉS, 1998, p. 153)
Com o que observamos até aqui podemos concluir que há uma relação de
retroalimentação entre cinema-espectador. Para maximizar e facilitar a compreensão
da sua mensagem, o cinema utiliza recursos de fácil compreensão para o público.
Às vezes, mais do que abertos, ansiosos para preencher o vazio interno, o
espectador se alimenta, propaga e perpetua o que recebeu. Assim, da mesma
forma, como um reflexo da cultura que está inserido, o cinema utilizará aquilo que o
público expõe no cotidiano após ter assimilado facilmente, pois sabe que o
expectador não quer complexidade.
1.6 VILÃO ESCOLHIDO: DARTH VADER
37
No artigo “Iconografia e comunicação: a construção de imagens míticas”
Rahde (2002) fala sobre o mito Elvis Presley (1935 – 1977) e como ele não caiu no
esquecimento após a sua morte, pois “a música e o iconográfico uniram-se no
processo arte/comunicação” (RAHDE, 2002, p. 27). A casa onde Elvis residiu, em
Graceland, transformou-se em um museu, os antigos LP‟s foram regravados no
formato digital, sites na internet abastecem os fãs curiosos em busca de
informações. Tudo isso e mais os produtos oficiais, livros, biografias, fazem com que
esse conhecimento sobre o músico jovem e rebelde das décadas de 50, 60 e 70
seja acessível às novas gerações, permanecendo na memória coletiva e ainda
“reforçando a sedução comunicativa do mito” (RAHDE, 2002, p. 27).
Podemos traçar vários paralelos comparando a descrição desse deus-herói
Elvis Presley de Rahde (2002) e o personagem da série de filmes Star Wars (Guerra
nas Estrelas), Darth Vader. Vader também poderia ter caído no ostracismo depois
dos filmes terem saído de cartaz no cinema, mas como foi com Elvis, foi também
com ele. Neste caso o cinema e o iconográfico uniram-se no processo
arte/comunicação.
A primeira aparição visual de Darth Vader deu-se em 1977, no filme Star
Wars – A New Hope, criado e dirigido por George Lucas. Surgindo no final de um
corredor, em meio à fumaça de um recente tiroteio de pistolas de lazer, uma figura
de quase 2 metros de altura, toda vestida de preto (exatamente ao contrário da
roupa toda branca de Elvis Presley, para constar) surge no écran para entrar para a
história como eterno ícone do mal. O que o público ainda não se sabia na época era
o quão importante Darth Vader seria para a mitologia, não só da saga Star Wars,
como para a mitologia contemporânea.
As informações referentes à Darth Vader que traremos nos próximos
capítulos foram coletadas de um guia definitivo e autorizado pelos criadores e
detentores dos direitos de reprodução (George Lucas e Lucasfilms) chamado Star
Wars: The Complete Vader, de Ryder Windham e Peter Vilmur (2009).
1.6.1 O visual
38
“Two meters tall. Bipedal. Flowing black robes trailing from the figure and a
face forever masked by a functional if bizarre black metal breath screen.” (Tradução
livre: Dois metros de altura. Bípede. Túnica preta à sua direita e o rosto sempre
coberto por uma bizarra máscara metálica para respiração). (WINDHAM & VILMUR,
2009, p. 9)
Figura 1 - Aparição na tela do cinema em 1979
Fonte: Windham e Vilmur (2009)
Essas foram as primeiras linhas que descreveram o vilão na novelização do
roteiro de George Lucas, publicada no final de 1976. Antes do filme, antes do livro e
antes mesmo de começar a escrever o roteiro George Lucas já começava a escolher
quais elementos juntar para montar algo que seria amedrontador, maligno e o
distinguisse de qualquer laço humano de bondade para melhor representar o mal
deste personagem. Junto com Ralph McQuirre – desenhista técnico que havia
trabalhado para a Boeing Aircraft Company e feito animações das missões lunares
Apollo para o canal de tv americano CBS –, John Mollo – expert em uniformes
militares – e Ron Beck – supervisor de figurino –, George Lucas começou a dar
forma para o vilão. (WINDHAM & VILMUR, 2009)
39
Figura 2 – Esboço de criação
Fonte: Windham e Vilmur (2009)
A cor era predominantemente preta nas suas roupas para representar ao
máximo o lado sombrio, o obscuro, o medo.
Figura 3 – Esboço Roupas
Fonte: Windham e Vilmur (2009)
No seu peito, alguns aparatos eletrônicos indicavam que parte dele seria
operada por chips, remetendo-o à ideia de um androide. Luvas pretas escondiam
40
suas mãos para não deixar claro se haveria partes humanas no personagem. O
capacete lembrava os dos antigos guerreiros samurais japoneses, indicando que
estaria pronto para um confronto próximo com armas. (WINDHAM & VILMUR, 2009)
Figura 4 – Esboço Capacete
Fonte: Windham e Vilmur (2009)
E, por fim, a sua máscara inspirada nas máscaras de gás utilizadas por
soldados alemães na Segunda Guerra Mundial, foi modernizada para que, além de
insinuar que ele poderia precisar de ajuda para respirar, serve para esconder do
público durante todo o filme a real identidade, a verdadeira face do mal que ele
representava.
Máscaras frequentemente fazem parte do ritual mítico e com Darth Vader
isso não é diferente, pois sua máscara é essencial no momento que esconde quem
ele realmente é e externa a persona demoníaca que quer representar.
1.6.2 A voz
41
Agora que o Lorde Negro dos Sith já tinha forma, ele precisava de voz. Para
dar o suporte necessário ao visual intimidador, sua voz não poderia ser diferente.
Seria preciso encontrar uma voz de comando e imponente, uma vez que ele seria
Comandante Supremo de um império galáctico, com quase 2 metros de altura e
vestido de preto dos pés à cabeça.
O versátil ator e dublador James Earl Jones é quem empresta sua voz para
Vader em todos os momentos do filme em que ele se encontra usando a máscara. E
na equipe de George Lucas, o sonoplasta Ben Burtt foi responsável por encontrar,
criar, gravar e editar os ruídos e chiados que interfeririam na voz de Jones.
Para encontrar o que eles estavam procurando, Burt utilizou gravações da
sua própria respiração com aparelhos de mergulho em alto mar para encontrar tais
ruídos metálicos, frios e mecânicos e sincroniza-los com a dublagem sobre o filme.
Com a identidade e forma definidas, a voz de Vader deveria permanecer
sem qualquer sentimento, permanecer fria e ser a mais próxima possível do robótico
para se distanciar o máximo do calor humano e toda a bondade que isso pode
despertar no espectador. (WINDHAM & VILMUR, 2009)
A técnica sobre gravar aquela voz foi delimitar muito bem os limites de inflexão, pois não se poderia iluminar a sua voz usando de sensibilidade. De fato, meu trabalho foi retirar qualquer sensibilidade da voz de Darth Vader – tirar toda humanidade
2 (WINDHAM & VILMUR, 2009, p. 21, tradução
nossa).
Na citação acima constam as palavras do próprio James Earl Jones sobre
seu trabalho para construir e dublar a voz do vilão.
Um fato curioso é que Jones pediu para ter o seu nome retirado dos créditos
do filme, alegando que o mérito do personagem deveria ser somente de quem vestiu
sua armadura e o interpretou em frente as câmeras. Com uma frase muito
interessante ele exalta a imagem do vilão como sendo o elemento mais importante
na criação da imagem mental do espectador, deixando em um distante segundo
plano a sua voz que, por não carregar nenhuma emoção, deixa a cargo do
espectador criar uma imagem em volta dela:
2 Texto original: “The technique about recording that voice was to keep it within very strict boundaries
of inflection, and there was no way to enlighten the voice with awareness. In fact, my job was to keep awareness out of Darth Vader‟s voice – take all humanity out of it”.
42
Eu acho que a performance está na sua cabeça. Vader é uma boa prova de que se você ficar for a do caminho de um personagem, ele segue em frente. Se você ficar fora do caminho, um bom diálogo, eficaz, evocará no espectador ou ouvinte todos os tipos de coisas maravilhosas que vêm da mente do espectador
3 (WINDHAM & VILMUR, 2009, p. 21, tradução nossa).
1.6.3 O nome
Lucas testou muitos nomes, combinações, variações e jogos de palavra para
escolher o nome de cada personagem do filme, com Vader não foi diferente.
O nome Darth Vader acabou aparecendo na minha cabeça. Eu tinha muitos Darth isso e Darth aquilo, e Dark Lord of the Sith (Lorde Negro dos Sith). O primeiro nome era, na verdade, Dark Water (Água escura). Então eu adicionei vários sobrenomes, Vaders e Wilsons e Smiths, e acabei com a combinação Darth e Vader. (...) Darth é uma variação de dark (escuro). E Vader é uma variação de father (pai - em alemão Vater). Então é basicamente Pai Escuro
4 (WINDHAM & VILMUR, 2009, p. 5, tradução
nossa).
O nome Darth Vader, junto com o figurino e com a voz robótica, encaixa
perfeitamente as peças necessárias para criar esse vilão que procurava representar
em si qualquer antagonia humana. A predominância da cor negra representava a
ausência de luz necessária para vida, o medo do que não se pode ver e está
escondido no escuro. A máscara escondia sua identidade, seu quem, e também
encobria o rosto que o identificaria com outros seres humanos e que por meio dele
expressaria suas emoções. Não é possível ler um rosto coberto por uma máscara, e
isso pode afligir medo quando não se consegue saber as intenções dessa pessoa.
Uma voz rouca, metálica, ruidosa, imponente e sem alternância de tons em nada
nos lembra uma voz macia, calorosa e composta por inúmeros tons quando nos
comunicamos com parente, amigos ou colegas.
3 Texto original: “I think that performance is in your head. Vader is good proof that if you stay out of the
way of a character, it‟ll come through. If you stay out of the way, good, effective dialogue will evoke in the viewer or listener all kinds of wonderful things that come from the viewer‟s mind” 4 Texto original: “The name Darth Vader sort of appeared in my head one day. I had lots of Darth this
and Darth that, and Dark Lord of the Sith. The early name was actually Dark Water. Then I added lots of last names, Vaders and Wilsons and Smiths, and I just came up with the combination of Darth and Vader. (…) Darth is a variation of dark. And Vader is a variation of father. So it‟s basically Dark Father.”
43
E, foi com essa mistura de elementos obscuros e que remetem ao medo e
ao desconhecido, que em 25 de maio de 1977, Darth Vader saiu das telas de 32
cinemas americanos para ganhar a simpatia de fãs no mundo inteiro.
1.6.4 Vader e o público
Figura 5 – Vader e o público
Fonte: Windham e Vilmur (2009)
Após o lançamento de Star Wars – A New Hope nos cinemas americanos,
Darth Vader se tornou o homem de frente para representar e divulgar o filme em
todos os eventos publicitários, shoppings centers, lojas de brinquedo, estações de
rádio e premiers do filme. O furor dos fãs era tanto que não é exagero comparar as
aparições públicas do Lorde dos Sith com a turnê de um astro do rock. Fãs gritando,
limusines, sessões de autógrafo e até mesmo groupies.
Sem esquecer que tudo isso já ocorreu na sua primeira aparição e que não
haviam sido lançados mais nenhum outro Star Wars e construir essa saga não
44
passava de uma aposta do diretor. Ou seja, mesmo sem saber o que o futuro
reservava para o vilão, os fãs já tinham o personagem alta estima.
Se apenas a comoção dos fãs em suas aparições não parece algo sólido
para confirmar seu carisma com os fãs, a venda de produtos licenciados não deixa
nenhuma dúvida. “O filme estreiou em 25 de maio e, nesse mesmo dia o telefone
começou a tocar todos os dias”5 (WINDHAM & WILMUR, 2009, p. 31, tradução
nossa) disse Don Post Jr, filho do dono da primeira empresa autorizada a fabricar as
máscaras do filme, a Don Post Studios. Chegavam a ser mais de cem ligações por
dia e, dentre todas, a mais pedida era a máscara de Vader. Ele completa: “A
máscara de Darth Vader é provavelmente a mais vendida por qualquer um. Eu
ficaria muito surpreso se algum dia outro personagem se comparasse a ele em
vendas”6 (WINDHAM & VILMUR, 2009, p. 31).
Figura 6 – Anúncio para venda de Máscaras
Fonte: Windham e Vilmur (2009)
5 Texto original: “The movie opened on May 25th, and the phones started ringing that very day”
6 Texto original: “Darth Vader is probably the most saleable mask ever produced – by anybody. And
I‟d be surprised if any other ever matches it”.
45
A máscara de Darth Vader era tão vendida que recebia maior espaço e
destaque nos anúncios da loja Don Post Studios.
Porém a carreira de Vader nos meios de comunicação começou um pouco
mais lentamente do que os produtos licenciados – talvez devido a capacidade dos
produtos licenciados de gerar lucro –, mas indubitavelmente teve um papel
fundamental para sua inserção na lembrança de todos. Devido a suas
características visuais como a alta estatura, a máscara preta, a capa preta e a roupa
de couro preta, ele parecia ter sido feito sob medida para o trabalho de ícone do mal.
Potencialmente simbólico e de fácil reconhecimento ele caiu nas graças dos
cartunistas e ilustradores de jornais e revistas.
O cartunista Bob Englehart é um dos primeiros exemplos, ao ter publicado
no Journal Herald, em 1977, um cartum como crítica à crise do petróleo que os
Estados Unidos enfrentou na era do presidente Jimmy Carter. A ilustração era uma
clara paródia a um dos mais famosos cartazes do filme Star Wars, como podemos
comparar logo mais. Nele, Darth Vader está usando um boné onde se lê “Big Oil”,
uma referência às gigantes companhias de petróleo que eram vistas pelo povo
americano como as culpadas pelo aumento do preço da gasolina. Dessa forma, as
vilãs econômicas do povo eram representadas pela mais nova imagem de vilão
presente na cultura. (WINDHAM & VILMUR, 2009)
46
Figura 7 – Cartum de Bob Englehart
Fonte: Windham e Vilmur (2009)
Figura 8 – Cartaz de Divulgação
Fonte: http://arolemodel.com/wp-content/uploads/2013/01/Star-Wars-Movie-Poster-
1977-original.jpg
47
As críticas que comparavam políticos com Darth Vader não pararam por aí,
depois do presidente Carter, Ronald Reagan também foi merecedor de
comparações, porque ele, em 1982, comparou a União Soviética com o Império do
Mal de Darth Vader em um de seus discursos. Logo após surgiram inúmeros cartuns
onde Vader era representado como líder da União Soviética e, algumas vezes,
representado como Reagan dependendo da posição política do cartunista. Mas as
paródias não se limitaram apenas ao âmbito político, Vader foi o personagem
favorito de revistas de humor como MAD (mostrado no exemplo abaixo), Cracked e
Crazy, que exploravam a imagem sinistra dele como comédia.
Figura 9 – Revista MAD
Fonte: Windham e Vilmur (2009)
Tampouco só de comédia se resumiu a imagem de Vader na mídia
impressa. Abaixo encontramos uma imagem para mostrar que o Lorde Negro dos
Sith foi capa da revista Rolling Stone por 2 vezes e capa da revista TIME por 3
vezes, geralmente para divulgar o lançamento de novos filmes da saga Star Wars.
48
Figura 10 – Capa Revista TIME, 19 de Maio de 1980
Fonte: http//www.time.com/time/covers/0,16641,19800519,00.html
Independentemente se o propósito era noticiar ou fazer humor, o status de
“garoto das capas” serviu para reforçar a sua imagem no inconsciente coletivo e
contribuir para a construção do seu mito na mente do público.
49
2. ANÁLISES
2.1 METODOLOGIA
Estamos cientes de que nossa proposta neste trabalho é ambiciosa e
arriscada, pois estamos caminhando em terreno sensível. E sensível é exatamente a
palavra que define este terreno, porque buscamos um olhar do social através dos
sentimentos, dos sentidos, das percepções.
Pode-se perceber com clareza que a maioria dos autores utilizados como
referência para este trabalho são ou autores da área da sociologia ou autores com
um viés sociológico. Por estudar na área das ciências humanas e tendo uma
preferência particular por compreender o campo social através da observação de
fatos e circunstâncias sociais que optei por estes autores e pela Metodologia da
Sociologia Compreensiva de Michel Maffesoli (1988).
Observar e analisar circunstâncias sociais através de uma certa visão de
dentro, como fala Maffesoli (1988), é uma tarefa delicada e perigosa, porém tão
gratificante e engrandecedora que torna-se merecedora deste risco. Digna de
qualquer risco não apenas pelos resultados, mas principalmente pelo caminho
trilhado em busca destes.
Juntamente com Maffesoli (1988) concordo que para conseguir uma análise
mais rica de alguma circunstância social é imprescindível não trata-la como um
sistema fechado, mas sim como uma integração de múltiplas explicações
pertencentes à complexidade do mundo. “Não há uma Realidade única, mas
maneiras diferentes de concebê-la” (Maffesoli, 1988, p. 31).
Lembramos aqui que não buscamos de forma alguma invalidar, descartar ou
refutar qualquer outra metodologia, senão poderíamos acabar caindo em
contradição, afinal acabamos de defender a existência de um universo complexo e
com múltiplas explicações. O que buscamos é encontrar harmonia com outros
métodos e/ou autores para nos tornarmos capazes de enxergar cada vez mais
possibilidades dentro de um complexo tão heterogêneo quanto a sociedade tem se
apresentado para nós.
50
Se neste trabalho não encontrarmos ideias ou resultados que repousem em
certezas absolutas é porque acreditamos, como Maffesoli (1988), que “Ao deixarmos
um problema em aberto (após propormos suas linhas gerais), suscitamos debate e
proposições contraditórias, estas coisas que tão bem se quadram à diversidade
social” (p. 39)
Procuramos ser audaciosos neste ensaio de observar e buscar compreender
circunstâncias sociais com cuidado para não perdermos as rédeas e acabar
tornando este trabalho demasiadamente autoral. Por este motivo que o próprio
Maffesoli (1988) lembra que é necessário saber equilibrar essa visão pessoal com o
racionalismo que permitirá alcançar a percepção do lógico e do “não-lógico” que
modelam o dado social. Concordo com essa visão do autor e, particularmente, tenho
grande identificação quando ele propõe não fazer discriminações quanto ao objeto e
rejeitar o dualismo do método para encontrar uma organicidade social e natural.
Devido então a este já manifestado interesse particular por uma observação
social mais ampla e menos específica que escolhemos 4 casos advindos de
espaços sociais diferentes para, justamente, ampliar a visão dos caminhos
perpassados pelo nosso vilão objeto dentro da sociedade. Para isso utilizamos o
método de Antônio Carlos Gil (2002) que classifica esta pesquisa como exploratória,
pois com um planejamento flexível é que possibilitamos a consideração dos mais
variados aspectos relativos às circunstâncias sociais que o nosso objeto está
inserido. Essa pesquisa exploratória, por sua vez, envolve uma pesquisa
bibliográfica realizada através do levantamento de livros de referência, em sua maior
parte, livros de leitura corrente e artigos científicos de autores do âmbito sociológico.
E para análise utilizaremos a análise documental, também de Antônio Carlos
Gil (2002), que consiste na observação de materiais que ainda não receberam um
tratamento analítico e estão apresentados neste trabalho na forma de casos. Um
dos motivos da escolha da análise documental é pela riqueza de dados sociais que
ela pode apresentar. Outro importante motivo desta escolha é justamente pela
característica de não se propor exclusivamente a responder definitivamente um
problema, mas sim pela capacidade de poder proporcionar novas visões e hipóteses
sobre ele.
Dessa forma, observando nossa pesquisa bibliográfica, vimos com Morin
(1983) e Ferrés (1998) que o cinema é uma mídia de relação muito próxima com o
espectador, uma relação íntima de troca, até mesmo de retroalimentação. O cinema
51
tem uma força possível até mesmo de penetrar no inconsciente coletivo para
abastecê-lo enquanto, concomitantemente, algumas vezes depende da utilização do
que já faz parte do inconsciente coletivo para ser mais bem compreendido ou mais
facilmente assimilado.
Por fazermos parte da porção que se encaixa como “espectadores”,
aceitando o cinema como nossa influência e influenciado por nós, essa pesquisa
sobre um vilão de origem cinematográfica compreende que o que temos em nosso
inconsciente coletivo faz parte do objeto de pesquisa tanto quanto a própria
pesquisa. O cinema e o vilão fazem parte de nós “seja fantasmática, seja realmente
(o que, neste caso, tem pouca importância), somos parte integrante (e interessada)
daquilo que desejamos falar”. (MAFFESOLI, 1985, P. 43)
Então, ao observar o que ocorreu com este produto do cinema e que
manifesta-se no nosso inconsciente coletivo estamos estabelecendo uma interação
entre nós, pesquisadores, e o vilão, objeto em estudo. Apoiado nos autores citados
até aqui é que podemos ter uma base sólida para analisar o objeto junto com as
nossas percepções como espectadores, como parte da mesma sociedade que o
objeto está inserido. Nossa visão, nossa percepção, nosso envolvimento e até
mesmo nossa empatia com o objeto estará sempre apoiada nos conceitos e
definições desses autores.
Com Eliade (1969) e Jung (2000) entendemos que mitos antigos ainda
permeiam o inconsciente coletivo. Com Campbell (1993) entendemos que o herói
era aquele que trilhava o caminho do Bem. Com Campbell (1993) e Eliade (1969)
conseguimos ver que o vilão não era apenas quem obstruía o caminho do herói,
mas também aquele que se distancia do que é tido como sagrado para encontrar-se
com sua própria natureza. E, finalmente, com Bataille (1975), Bauman (2009),
Harvey (2001) e Ricoeur (1988) entendemos que a pós-modernidade veio alterar os
paradigmas do que se entendia por Bem e Mal, que ainda se encontram alicerçados
nesta base da modernidade.
Acreditamos que os novos tempos, a pós-modernidade, a quebra de
paradigmas agem de modos diferentes na estereotipação, quebrando a dualidade e
criando uma matiz de inúmeros tons diferentes para não mais apenas exaltar os
bons e punir os maus, mas sim para agora poder colorir individualmente o ponto de
vista de quantos indivíduos houver.
52
Dessa forma buscaremos compreender de que maneira um vilão construído
pelo cinema com as bases mitológicas necessárias para representar o Mal pode
sofrer tamanha ambiguidade quando se tenta defini-lo como bom ou mau, e como
pode ser percebido de formas diferentes.
Para este fim, o objeto de pesquisa que utilizaremos é o personagem Darth
Vader, da saga cinematográfica Star Wars, já apresentado nos capítulos anteriores.
Para a análise foram escolhidos quatro casos relacionados com este personagem.
Não serão analisados somente comerciais de TV, também serão analisados casos
de âmbito social que envolvem pais, filhos e até mesmo a Igreja Anglicana. E é com
base no que apresentamos até então que buscaremos encontrar nestes casos como
o objeto manifesta socialmente na prática uma relação com as teorias apresentadas.
2.2 CASOS
- O primeiro caso é, na verdade, a união de dois casos, duas situações que
ocorreram nos Estados Unidos entre o final da década de 70 e a década de 80:
enquanto algumas crianças começaram a nutrir medo dos bombeiros devido a
semelhança das suas máscaras com a máscara de Darth Vader, outras crianças
acabaram com os estoques de máscaras do Darth Vader nas lojas para usar no
Halloween;
- O segundo caso tem relação com a Igreja Anglicana dos EUA: a presença
de Darth Vader como escultura na torre da Catedral de Washington. No final da
década de 80 a Catedral de Washington fez um concurso entre as crianças para
descobrir o que representava o Mal na visão delas. Darth Vader foi a resposta de
Chris Rader e desde então um vilão cinematográfico possui uma escultura sua na
torre de uma catedral nacional;
- O terceiro caso é sobre a gravação amadora de um pai filmando a filha em
um espaço temático sobre a saga Star Wars no parque da Disney: Sariah Gallego
Joins the Dark Side (tradução livre: Sariah Gallego se junta ao Lado Negro);
- O quarto e último caso que traremos é o caso que deu origem a este
trabalho, um caso que despertou minha curiosidade pessoal e me fez buscar
algumas respostas nos autores presentes neste trabalho: o comercial “The Force” da
53
Volkswagen que anunciava o Passat 2012, veiculado pela primeira vez em 6 de
fevereiro de 2011 no intervalo do Super Bowl, onde uma pequena criança aparece
completamente fantasiada de Darth Vader durante todo o comercial.
2.2.1 Bombeiros e Halloween
Neste primeiro caso demonstraremos com nosso vilão, Darth Vader, alguns
dos conceitos vistos até agora, como por exemplo, a projeção-identificação de Edgar
Morin (1983), já citada anteriormente neste trabalho. Como vimos, a projeção é um
processo universal que projeta nossas aspirações, desejos, obsessões e receios,
não somente em nossos sonhos e na nossa imaginação, mas também sobre tudo o
que vemos, sendo capaz até mesmo de distorcer a realidade observada por duas
pessoas diferentes.
A crítica histórica ou psicológica do testemunho revela-nos que as nossas percepções, por mais elementares que sejam, como a percepção da estatura de alguém, são, o mesmo tempo, confundidas e trabalhadas pelas nossas projeções (MORIN, 1983, p. 146)
Como já havíamos mencionado, este primeiro caso conta com duas
situações curiosas que os autores Windham e Vilmur trazem em seu livro Star Wars:
The Complete Vader (2009). A primeira é uma inesperada consequência da
crescente penetração de Vader no inconsciente coletivo que chamou a atenção da
Parent Teacher Association (Associação de Pais e Mestres, daqui para frente iremos
nos referir como PTA) nos EUA, na década de 80. Descobriu-se nos treinamentos
contra incêndios realizados nas escolas que as crianças mais jovens ficavam
aterrorizadas quando viam bombeiros equipados com capacete e máscara de
oxigênio. O motivo: simplesmente porque eles achavam os bombeiros muito
parecidos com Darth Vader.
Então, de maneira que não se poderia permitir que as crianças
continuassem com medo dos bombeiros, ou pior, que se escondessem deles em
algum caso de real emergência, a PTA sentiu a necessidade de lançar uma
campanha, autorizada e apoiada pela Lucasfilm – detentora dos direitos de
reprodução de qualquer elemento relacionado à saga Star Wars –, pedindo aos pais
54
para convencer seus filhos de que bombeiros estavam ali para ajudar e que não
eram maus, apesar de usar uma máscara e um capacete que poderia lembrar o
terrível Lorde Sith que eles tanto temiam por causa do filme.
A necessidade da realização de uma campanha social que visava ajudar as
crianças a distinguir os profissionais do corpo de bombeiros de um vilão
cinematográfico nos parece uma clara representação da projeção que Morin nos
fala, onde a percepção de um mesmo objeto sofre distorções entre diferentes
observadores.
Ao mesmo tempo em que projeções como essa ocorreram entre algumas
crianças, a segunda situação relatada no livro torna-se muito interessante quando
aliada à situação que acabamos de contar: “Ninguém quer ser o herói” (WINDHAM &
VILMUR, 2009, p. 32) disse o dono de uma loja da Carolina do Sul, ao jornal
Columbia Records, no Halloween de 1977, quando as máscaras de Vader sumiram
das prateleiras das lojas por serem a primeira opção de fantasia que as crianças
pediam aos pais para comprar.
Como já citamos anteriormente, Morin (1983) diz que não podemos isolar a
projeção de um lado e a identificação de outro, e com estes dois casos podemos
observar que ele está correto em sua afirmação. Enquanto havia uma projeção da
imagem dos bombeiros distorcida por algumas crianças que os enxergavam como
se fossem o Lorde Negro dos Sith, havia também a identificação com Darth Vader, a
absorção do vilão por outras crianças através do uso das máscaras e roupas dele.
Podemos relacionar a distinção entre as reações das crianças nestes dois
casos com o complexo projeção-identificação que Edgar Morin afirma ser
responsável por essa subjetividade nos fenômenos psicológicos. Morin ainda fala
que é este complexo que trai e deforma a realidade objetiva das coisas. Pois,
segundo o autor, a projeção-identificação é responsável também pelo complexo dos
fenômenos mágicos: do duplo, da analogia, da metamorfose.
Dessa forma podemos relacionar mais uma vez as crianças que temiam os
bombeiros com os conceitos de Morin: o complexo de projeção-identificação conta
com um momento em que a projeção alienada, fetichizada, se coisifica. E é neste
momento que o estado subjetivo faz crer que estes duplos realmente existem, que
eles estão metamorfoseados na realidade (MORIN, 1983, p. 147).
Sendo assim podemos supor que, depois das crianças terem visto Darth
Vader nos cinemas, ele instalou-se no inconsciente, na parte subjetiva delas. Então,
55
talvez devido ao fato das crianças não estarem habituadas à ver máscaras todos os
dias, no momento em que elas viram aqueles bombeiros mascarados seus
inconscientes desprovidos de uma gama maior de referências podem ter projetado
neles a lembrança que elas tinham do vilão, pois a semelhança do que foi visto nos
cinemas e estava no inconsciente delas agora se materializava de maneira
distorcida devido ao complexo de projeção-identificação.
Já quanto às crianças que queriam vestir a máscara do vilão, abordaremos o
processo de identificação, o qual Morin fala que: “Torna-se visível que o espectador
tende a incorporar-se e a nele incorporar as personagens da tela em função de
semelhanças físicas ou morais que nelas encontre”. (MORIN, 1983, p. 162) Mas
como poderiam essas pequenas crianças, provavelmente sem a maldade ou a
estatura necessária para identificarem-se com o vilão, buscaram vestir-se como ele
num claro processo de identificação? A continuação do conceito de identificação de
Morin pode nos esclarecer essa dúvida: o processo de identificação é ilimitado,
devido às distâncias estelares que a identificação com estrelas de cinema consegue
transpor, o espectador já não escolhe mais se identificar apenas com personagens
fáceis de assimilar. (MORIN, 1983)
E, como também vimos em Morin (1983), a “participação afetiva” – aquela
participação que é interiorizada junto com as nossas emoções devido à falta de
“participação ativa” – mostra agora sua força através do cinema fazendo com que
possa também existir uma identificação com desconhecidos, ignorados,
desprezados e até mesmo com os odiados. Temos motivos suficientes para trazer
também o conceito de Bataille agora, pois é para saciar a “parte maldita” citada pelo
autor, que satisfazemos os nossos mais profundos desejos através dos maus atos
cometidos pelos vilões nos filmes.
O filme excita assim, tanto uma identificação com o semelhante como uma identificação com o estranho, sendo „este segundo aspecto o que quebra nitidamente com as participações da vida real‟, os “malditos” vingam-se na tela. Ou antes, a nossa parte maldita. O cinema, como o sonho, como o imaginário, acorda e revela vergonhosas e secretas identificações... (MORIN, 1983, p. 164).
Nestes dois casos foi possível perceber com clareza os conceitos definidos
por Morin e como eles se aplicaram na relação entre o nosso objeto de pesquisa e
as crianças. Apesar de ser o mesmo vilão visto nos cinemas por todas essas
crianças, a maneira como o inconsciente absorveu o vilão e a maneira como essa
56
absorção foi devolvida na forma de percepção da realidade foi diferente entre as
situações: alguns o temiam e projetaram um temor distorcido em um objeto que era
semelhante e alguns se identificaram a ponto de vesti-lo para saciar uma parte da
sua natureza.
2.2.2 O lado negro da Catedral
Já falamos sobre a estereotipação que ocorre com personagens do cinema,
então podemos agora dar um exemplo mais claro e aplicado ao vilão que estamos
estudando, Vader.
Anexamos o vídeo para aqueles que não conhecem uma das maiores,
senão a principal catarse de toda trilogia desta saga. Acontece no final do filme Star
Wars VI – O Retorno de Jedi, quando Darth Vader, que fora o vilão durante este e os
dois primeiros filmes, é responsável por uma reviravolta surpreendente. Apesar de
representar todo o mal através do Lado Negro da Força, Darth Vader volta-se contra
o imperador Palpatine e, para derrota-lo, salvar seu filho e toda a raça humana, dá
sua vida em sacrifício pelo bem de todos (ANEXO 1).
O caso que utilizaremos para ilustrar isso é contado também no livro de
Windham e Vilmur, autorizado pela produtora Lucasfilms, Star Wars: The complete
Vader (2009) e está gravado no telhado da torre noroeste da Catedral Nacional de
Washington, também conhecida como Igreja Catedral de São Pedro e São Paulo,
como podemos ver na imagem abaixo.
57
Figura 11 – Grotesco de Darth Vader
Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Darth_vader_grotesque.jpg
Aconteceu no final dos anos 80, quando a construção da Catedral estava
próxima de terminar, foi lançado uma espécie de concurso cultural nacional para
crianças, organizado pela Revista Mundo National Geographic (National Geographic
World Magazine). O concurso tinha em vista escolher 3 personagens, ou figuras, ou
símbolos, ou qualquer outra coisa que representasse o Mal na visão delas.
A escolha de um concurso que buscava algo que representasse o Mal se
devia ao fato de que essas representações do Mal se tornariam gárgulas ou
grotescos na ainda inacabada torre noroeste da Catedral.
Terminado o concurso, o garoto do Nebraska de 13 anos, Chris Rader, ficou
com o 3º lugar ao enviar um desenho do amedrontador vilão Darth Vader. Em
entrevista coletiva na Catedral, Rader disse “Eu li que grotescos geralmente eram
demônios ou monstros. Darth Vader é muito parecido com um demônio. Ele é mau,
por isso pensei que seria uma boa escolha” (WINDHAM & VILMUR, 2009, p. 161). E
nesta mesma entrevista, Richard T. Feller, responsável pela construção da Catedral
durante três décadas, comentou a decisão da escolha “Há séculos, as figuras
grotescas das catedrais tinham a intenção de simbolizar o mal que existia fora da
igreja. Hoje, Darth Vader é um excelente exemplo do mal na nossa época”
(WINDHAM & VILMUR, 2009, p. 161). O grotesco de Darth Vader está localizado na
torre noroeste da Catedral que, por coincidência ou não, é o lado onde o Sol não
ilumina, é o lado escuro da Catedral.
58
“Ele é mau”, foi o que disse o garoto de 13 anos na década de 80. Com essa
idade podemos imaginar que ele disse isso sem se importar com definições
conceituais filosóficas ou teológicas, esse era o conceito que o menino carregava
dentro de si e que exteriorizou na entrevista. Com o que vimos anteriormente em
Bauman (2009) e Harvey (2001), podemos observar em uma análise que, tanto a
escolha do garoto quanto a decisão da Catedral, estão baseados nas ideias
modernas e dualistas onde algo que fosse Mal sempre seria Mal, sem a
possibilidade de diferentes tons dentro dessa definição, pois não levam em conta a
ação do último ato de vida de Darth Vader, que mostramos no vídeo da cena final do
filme e que contamos no início do capítulo. E em uma observação seguinte podemos
dizer que a ideia do conceito que ambos tem de Darth Vader é devida a construção
de estereótipos que vimos com Ferrés: as representações sociais reducionistas que
um coletivo social detém sobre outros (FERRÉS, 1998).
A base de rigidez e de reiteração, os estereótipos acabam parecendo naturais; o seu objetivo é, na realidade, que não pareçam formas de discurso e sim formas de realidade. Finalmente, são reducionistas porque transformam uma realidade complexa em algo simples (FERRÉS, 1998, p. 135).
Ora, se observamos durante a apresentação dos conceitos neste trabalho
que o cinema, devido ao seu curto espaço de tempo para contar uma história
precisa se apropriar de conceitos simplificados – como a simples divisão entre o bom
e o mau, o rico e o pobre – para tornar mais fácil a assimilação dos espectadores,
então é provável que George Lucas tenha utilizado de estereótipos para construir
Darth Vader e contar com a possibilidade de dar um final surpreendente à sua saga.
Como vimos que toda a criação do vilão foi baseada nas sombras e na escuridão, é
também somente esta parte escura e sombria que permaneceu gravada no
inconsciente coletivo transmitido através do cinema, pois a tendência do espectador
é sempre simplificar a realidade (FERRÉS, 1998) e não pensar no contexto
complexo de alguém que pode ter passado a maior parte de sua vida nas trevas
para que outros possam desfrutar da luz, trazendo assim o equilíbrio que é proposto
na história do filme.
Neste sentido, os estereótipos assemelham-se aos processos de sedução, porque jogam com a percepção seletiva: selecionam intencionalmente uma dimensão isolada da realidade (no caso dos estereótipos, normalmente negativa), polarizando a atenção do receptor sobre esta dimensão, com a intenção de que o receptor realize um processo de globalização, transferindo a parte negativa para o todo. Pretendem, então, que a
59
dimensão negativa se transforme, para o receptor, em uma representação da realidade completa (FERRÉS, 1998, p. 136).
Quando comparamos o último ato do vilão na cena final do filme com a
declaração do garoto – “Ele é mau” – e o consentimento da catedral à esta
declaração quando escolhe Darth Vader para representar o Mal em forma de um
grotesco, torna-se claro o conceito de estereotipo trazido por Ferrés. A parte
negativa da construção do vilão tomou conta do mesmo generalizando-o na visão
destes espectadores. Nem mesmo uma atitude nobre e de auto sacrifício, como
vista muitas vezes nas histórias contadas pela própria Igreja, foi capaz de impedir a
transferência de toda a negatividade para a lembrança que estes espectadores
carregam do vilão.
Não temos como saber se toda a complexidade da história deste vilão foi
levada em consideração por estes espectadores quando deram suas declarações,
mas se continuarmos apoiados em Ferrés, podemos concluir que não, pois na visão
do autor ele nos diz que “Para o receptor, a realidade estereotipada parece tão óbvia
que não fará esforços para questioná-la ou, pelo menos, para atenuá-la.” (FERRÉS,
1998, p. 137) Sendo observado desta maneira é bastante claro que Darth Vader
continuará sendo visto como pertencente ao lado de fora da Catedral, na condição
de representação do Mal.
2.2.3 Sariah junta-se ao lado negro
Podemos dizer que este próximo caso trata-se de um ritual. Uma simulação
de ritual, um ritual de faz-de-conta para entreter crianças em um parque de
diversões.
No parque de diversões da Disney, na Flórida (EUA), existe uma área
chamada Jedi Training Academy (Academia de Treinamento Jedi) onde as crianças
podem brincar dentro da saga Star Wars. Em torno de 16 crianças são escolhidas
para participar de uma sessão de treinamento com um ator representando o
guerreiro chamado “Mestre Jedi”, que tem como missão ensinar as crianças a lutar
pelo bem. Estas crianças recebem vestimentas iguais às utilizadas pelos guerreiros
60
Jedi dos filmes da saga e recebem também o chamado “Sabre de Luz”, uma espada
específica do universo Star Wars. Acabando o treinamento dado para as crianças,
agora elas devem defender o Bem enfrentando atores vestidos como os vilões dos
filmes (Darth Vader e Darth Maul) em uma batalha coreografada onde duelam com
seus sabres de luz na frente do público do parque. Após uma rápida encenação os
vilões recuam e saem do palco, mostrando-se derrotados, enquanto as crianças
recebem o simbólico título de Padawans (nome que se dá ao guerreiro Jedi ainda
jovem na saga), devolvem as roupas e o sabre de luz e recebem um diploma pela
participação.
Foi em fevereiro de 2011 que Ernie Gallego levou sua filha Sariah Gallego
de 8 anos, uma pequena fã de Star Wars, para conhecer esta Academia de
Treinamento Jedi. O pai de Sariah gravou um vídeos do treinamento dela na
Academia Jedi, postou o vídeo no site YouTube e agora já conta com mais de 4,7
milhões de visualizações pois, quando chegou a vez de Sariah enfrentar o vilão
Darth Vader, algo não saiu como o esperado.
O vídeo começa com Sariah em cima do palco sendo acompanhada por um
dos Mestres Jedi da Academia no parque e que a leva ao encontro do vilão. Quando
ambos se aproximam dele, o vilão fala para o Mestre Jedi “If you do not turn to the
Dark Side, perhaps she will” (tradução livre: Se você não se juntar ao Lado Negro,
talvez ela se juntará) e ele responde “I don‟t think so” (tradução livre: Eu acho que
não) e sinaliza para a pequenas Sariah que este é o momento de enfrentá-lo.
Como já explicamos anteriormente, este é o momento em que as crianças
devem duelar contra o vilão, mas esta não parece ser a vontade de Sariah, pois ela
apenas fica imóvel em frente a ele. Surpreso com a atitude de não duelar, o Mestre
Jedi começa a ficar confuso e se aproxima para perguntar o que está havendo. No
vídeo não é possível ouvir a voz de Sariah, ouvimos apenas o Mestre Jedi
perguntando “What‟s that? Are you kidding? You will?” (tradução livre: O que foi?
Você está brincando? Você vai?). Sem parecer se importar com as perguntas do seu
Mestre Jedi, Sariah ajoelha-se em frente à Vader reverenciando-o, mostrando que
não quer combatê-lo, mas sim aliar-se a ele.
A atitude inesperada provoca risos e palmas na plateia enquanto seu Mestre
Jedi fica visivelmente desconcertado. Sem saber o que fazer com a garota ele ainda
pergunta à ela “So, you don‟t want to fight Darth Vader? You want to join Darth
Vader?” (tradução livre: Então você não quer lutar com Darth Vader? Você quer se
61
juntar à ele?). Com a resposta afirmativa de Sariah para estas perguntas o Mestre
improvisa uma brincadeira para retirá-la do palco “Let m eshow you where the Sith
Academy is” (tradução livre: Deixa eu te mostrar onde fica a Academia Sith). A
afirmação é uma brincadeira porque não existe uma Academia Sith – guerreiros
rivais dos Jedi que representam o Mal na saga Star Wars (ANEXO 2).
Este é um ritual fantasioso, apenas para entreter as crianças, porém é visível
que almeja inseri-las o máximo possível dentro do universo Star Wars já que utilizam
nomes, roupas, máscaras, armas, trilha sonora e os mesmos personagens da saga.
Um ritual de faz-de-conta, mas que parece desejar chegar muito próximo da
realidade para as crianças.
Em Eliade (1969) vimos que todos os rituais tem um modelo divino com base
nas repetições que os povos primitivos realizavam.
Diga-se de passagem que entre os „primitivos‟ não só os rituais tem um modelo mítico, como toda a ação humana adquire significado na medida em que repete exatamente uma ação realizada no princípio dos tempos por um deus, um herói ou um antepassado (ELIADE, 1969, p. 36 e 37).
E sempre que algum conflito se repete, é para imitar um modelo arquetípico
de algum herói mitológico que travou uma importante batalha ou que realizou um
notável feito. O autor acrescenta ainda que nas sociedades tradicionais os seres
humanos repetem até o infinito os gestos exemplares e paradigmáticos dos deuses
ou heróis (ELIADE, 1969).
Então, apesar de ser uma atividade para entreter as crianças, esta
Academia Jedi pode se encaixar como um ritual, pois já tendo imitado as roupas,
acessórios e personagens dos filmes da saga Star Wars, ainda repete um ciclo de
ações voltadas à dualidade do combate entre o Bem e o Mal, buscando como nos
rituais primitivos repetir a ação realizada pelos seus antigos heróis. A criança deve
treinar como o herói da saga treinou e deve enfrentar o Mal representado pelo vilão
Darth Vader como o herói da saga enfrentou. E este caso é apresentado aqui
exatamente pela decisão da garota em não repetir este ritual como lhe foi ensinado
e como fizeram outros antes dela.
Ainda acompanhados por Eliade (1969) lembramos que ele define as
atividades que não são sagradas como profanas devido a sua falta de significado
mítico, pois são atitudes banais que não imitam heróis ou deuses.
62
Um objeto ou uma ação só se tornam reais na medida em que imitam ou repetem um arquétipo. Assim, a realidade só é atingida pela repetição ou pela participação; tudo o que não possui um modelo exemplar é „desprovido de sentido‟, isto é, não possui realidade (ELIADE, 1969, p. 49).
Assim Eliade (1969) afirma que o ser humano das culturas tradicionais que
busca o sagrado por meio de rituais, apenas encontra a si próprio quando repete o
outro, quando imita os gestos dos deuses ou heróis.
Se, para alguns os rituais são importantes ao ponto de fazer com que eles
sintam-se reais e próximos do sagrado, para outros como Sariah isto não parece ser
o mais importante. De acordo com as teorias de Eliade (1969) poderíamos até
mesmo dizer que Sariah tornou-se profana ao quebrar a repetição do ritual, pois
dessa forma ela distancia-se do sagrado buscado através da repetição e não repete
os gestos do herói da saga Star Wars que nos filmes duela com Darth Vader.
Se agora trouxermos os conceitos apresentados por Bauman (2009) e
Harvey (2001) nos capítulos anteriores podemos classificar a atitude de Sariah como
um reflexo da pós-modernidade desconstrutora dos determinismos modernos
alicerçados, neste caso, na forma do ritual da Academia Jedi, que visa apenas
repetir o que foi feito nos filmes e não procura descobrir as motivações e aspirações
das crianças que ali estão participando.
Podemos ainda especular, com base nesta atitude de Sariah, que o
estereótipo explicado por Ferrés (1998) referente a uma generalização rápida e dual
que simplifica a assimilação do vilão Darth Vader não foi interpretada pela garota da
mesma forma que foi interpretada pelas crianças que o enfrentaram, afinal ela quis
aliar-se a ele. Ou seja, provavelmente pode ter havido uma identificação de Sariah
com Vader, como Morin (1983) explica que pode ocorrer na participação afetiva do
espectador com o complexo projeção-identificação.
A mais banal „projeção‟ sobre outrem – o „eu ponho-me no seu lugar‟ – é já uma identificação de mim com o outro, identificação essa que facilita e convida a uma identificação do outro comigo: esse outro tornou-se assimilável (MORIN, 1983, p. 146).
E, se a identificação com Vader não ocorreu devido às semelhanças físicas
com Sariah, segundo Morin (1983) pode ter acontecido justamente pela quebra das
semelhanças com a vida real que o autor afirma ocorrer quando, mesmo não
63
aprovando moralmente as atitudes do vilão, seus atos satisfazem os mais profundos
desejos naturais.
Se aqui neste trabalho, junto com Maffesoli (2006) e Battaile (1975),
aceitamos a possibilidade do Mal ser uma parte necessária em um cotidiano
influenciado cada vez mais pela pós-modernidade uma vez que visa não permitir um
arriscado excesso de Bem que poderia não ser saudável, aqui também podemos
encaixar Sariah como uma representante do equilíbrio entre o Bem e o Mal, ou como
é dito na saga Star Wars, ela “pode trazer o equilíbrio para a Força”.
2.2.4 Volkswagen e a Força
No terceiro caso veremos o caso que deu origem a este trabalho, o
comercial da Volkswagen “The Force” (A Força) onde é anunciado o carro
Volkswagen Passat 2012. Pensamos se tratar de um comercial importante devido ao
fato do anunciante ser a Volkswagen, uma multinacional com mais de 75 anos; por
utilizar um personagem cinematográfico presente até agora em quatro dos seis
filmes de uma saga que conta com fãs pelo mundo inteiro; pelo comercial ter sido
veiculado pela primeira vez no intervalo da final do SuperBowl (campeonato de
futebol americano) onde o valor aproximado de uma veiculação de 30 segundos é
de 4 milhões de dólares, segundo a Revista Forbes; por ter sido utilizado como
referência no comercial da Marvel que divulga o lançamento do seu filme “Thor”; e
finalmente pelo fato do vídeo deste comercial postado no canal oficial da
Volkswagen no site YouTube contar com mais de 57,4 milhões de visualizações.
Antes de começarmos a descrever o comercial, achamos importante
apresentar rapidamente o conceito dessa chamada Força, que seria um elemento
metafísico criado por George Lucas e presente em todos os filmes da saga Star
Wars, para que se possa entender melhor do que se trata e por que é importante.
No filme Star Wars IV – Uma Nova Esperança (1979), o personagem Obi-Wan
Kenobi (Alec Guinness) descreve a Força como um campo de energia criado por
todas as coisas vivas, que envolve e penetra os seres vivos e mantém a galáxia
unida. Ou seja, uma fonte sobrenatural de energia que concede poderes a quem
consegue entrar em contato com a natureza e o Universo. George Lucas disse em
64
entrevista a WIRED Magazine, em maio de 2005, que a ideia de uma Força vinda do
contato com a natureza e o Universo é vista por algumas pessoas a mais de 13.000
anos.
Agora podemos descrever o comercial de forma que se possa compreender
a importância da Força, que inclusive dá nome ao comercial. Com a trilha sonora
original dos filmes da saga Star Wars, a primeira cena do comercial inicia com a
câmera subindo e revelando um “pequeno Darth Vader” caminhando em um estreito
corredor branco, muito parecido com alguns dos corredores das naves que Vader
passou nos filmes. Logo após o “pequeno Darth Vader” aparece em frente a uma
bicicleta ergométrica, apontando as suas mãos para ela buscando imitar o Vader do
cinema que tinha a capacidade de mover objetos através da já explicada Força.
Nesta cena é que descobrimos que o “pequeno Darth Vader” está em casa e não em
uma nave, pois ele se encontra em uma sala junto com uma bicicleta ergométrica e
descobrimos também que ele se trata de uma criança, pois agora podemos comprar
seu tamanho com o restante do cenário e podemos ver que suas mãos são as mãos
de uma criança. A tentativa da criança de utilizar a Força se repete quando ele tenta
mover o cachorro, na cena seguinte, a máquina de lavar, a boneca e o seu lanche
nas cenas posteriores. Cada vez mais nota-se a decepção do garoto por descobrir
que não possui a Força. Então, quando ele ouve seu pai chegar, ele corre ao
encontro do carro, pois era o único objeto que ele ainda não havia tentado mover na
esperança de possuir a Força. O pai, ignorado pelo garoto, entra em casa e, ao lado
da mãe que também assiste a tentativa do filho de mover o carro através da Força,
aciona o motor do carro através do controle da chave para a surpresa do garoto que
agora parece confuso em acreditar que finalmente possui a Força (ANEXO 3).
Nesta rápida descrição do comercial, percebemos que o garoto está vestido
como Darth Vader porque busca possuir a Força. Vemos isso em todas as cenas,
mas somente no final, com a ajuda de seu pai e do Passat Volkswagen é que o
garoto “encontra” a Força. Encontra entre aspas porque como espectadores
podemos observar que é o pai que aciona o carro através do controle da chave, mas
sem saber que seu pai teria uma tecnologia capaz de acionar o carro à distância, o
garoto acaba se surpreendendo por verdadeiramente acreditar ter encontrado a
Força que tanto buscava. Particularmente podemos dizer que dessa forma a
Volkswagen consegue dizer em seu comercial que quem possui um Volkswagen
Passat é quem realmente possui a Força.
65
Analisando este caso podemos perceber o complexo projeção-identificação
de Morin (1983) desempenhando o papel da participação afetiva no cotidiano, porém
agora o espectador está vendo isso acontecer em um vídeo. Esta é uma projeção-
identificação dentro do comercial e que, segundo Morin (1983), nesse momento o
espectador está consciente da ausência da realidade prática do que está sendo
representado. E é como participação afetiva que o espectador cristalizará isso tudo
como subjetividade e sentimentos em um reino de necessidades e aspirações
(Morin, 1983). De acordo com isso, vemos neste caso uma busca do espectador por
também obter a Força, seja identificando-se com o pequeno Darth Vader ou
identificando-se com o pai que possui o carro.
Devemos abordar também na análise deste caso que parte da intensificação
destes desejos e identificações se dá, segundo Morin (1983), pelo fato da câmera
sempre enquadrar e dar destaque para o elemento emocionante, no nosso caso o
garotinho vestido de Vader. “Pode sempre focar em função da mais alta intensidade.
As circunvoluções, as suas múltiplas preensões (diferentes ângulos de visão) em
volta do sujeito, realizam, por outro lado, uma autêntica envolvência afetiva” (Morin,
1983, p. 158)
Buscando fortalecer a esta intensificação, o comercial alia essa envolvência
visual com a trilha sonora musical original do filme referência e que é tema das
aparições de Darth Vader. Para Morin a trilha envolve e embebe a alma.
Os seus momentos de intensidade equivalem e muitas vezes coincidem com o primeiro plano. É ela que determina o tom efetivo, que dá o lá, que sublinha com um traço (bem grosso) a emoção e a ação (Morin, 1983, p. 159)
Garantindo assim que o espectador esteja realmente situado no universo do
filme. As cenas semelhantes às cenas do filme aliadas à trilha sonora deste
comercial buscam ao máximo transportar as possíveis lembranças do espectador
situando-as no universo do filme, visando assim firmar a sua participação junto ao
legado que o filme deixou no inconsciente coletivo.
Chegamos agora ao momento que pode nos levar a formular uma resposta
para uma das perguntas que deu origem a este trabalho ates mesmo de saber que
ela poderia acabar se transformando nesta pesquisa: Por que utilizar uma criança
vestida de Darth Vader para vender um carro para um público? Esperamos
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encontrar a resposta quando convergirmos os conceitos dos autores vistos
anteriormente na gama antropológica das projeções-identificações de Morin.
Morin (1983) fala que um dos aspectos da gama antropológica das
projeções-identificações é que o espectador tende a incorporar-se em um
personagem e também incorporar em si este personagem. Ou seja, o espectador
projeta a si mesmo no personagem que esta vendo e, ao mesmo tempo, identifica
este personagem consigo em função das semelhanças morais que possa encontrar.
O outro aspecto que Morin (1983) aborda e do qual também já falamos em
capítulos anteriores é o da identificação com os desconhecidos, os ignorados, ou
mesmo os odiados. É um jogo mais complexo do que parece, pois nele o espectador
pode se identificar por ser justamente o oposto do personagem, apesar de, quando
necessário devido à negatividade perante a sociedade, moralmente reprovar
algumas atitudes que muitas vezes satisfazem seus mais profundos desejos. “...este
segundo aspecto o que quebra nitidamente com as participações da vida real. Os
„malditos‟ vingam-se na tela. Ou antes, a nossa parte maldita.” (Morin, 1983, p. 164)
Se, com as definições abordadas nos capítulos anteriores por Bauman
(2009) e Harvey (2001), podemos comparar a imagem do pai do garoto no comercial
com a modernidade organizada e limpa, pois este aparentemente é empregado fixo,
monogâmico, possui um automóvel e uma casa, podemos então comparar o garoto
com a pós-modernidade desconstrutora da organização moderna vista em Maffesoli
(2006) e Bataille (1975), pois ele abraça um personagem de cinema que é
complexo, que é estereótipo do Mal, que carrega consigo fortes traços profanos e vis
aparentemente para satisfazer um profundo desejo natural da sua parte maldita que
busca o controle de todas as coisas da casa através da Força.
Podemos assim dizer, e aqui não nos importamos se foi intencionalmente ou
não, que o comercial conseguiu possibilitar que dois tipos de público se
identificassem com ele: um tipo de consumidor moderno, conservador, e um tipo de
consumidor pós-moderno, desconstrutor e que busca quebrar paradigmas calcados
no cotidiano.
Como resultado dessa busca podemos observar que a quebra de valores
impostos como determinantes pode ser a solução para preencher o vazio deixado
pela antiga ordem redundante de trabalho e consumo na qual o espectador parece
estar preso perpetuamente. A identificação do adulto com uma criança fantasiada de
vilão se torna a projeção deste que busca um poder fora do seu alcance, tal qual a
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criança que busca a Força. Vestido como um vilão a criança busca alcançar seu
poder enquanto sacia a vontade do adulto de também expor os desejos interiores da
sua parte maldita. E talvez – somente talvez – o espectador pode buscar satisfazer
tudo isso no bem material mais próximo ao seu alcance: o carro anunciado no
comercial.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
No primeiro caso vimos que, segundo o complexo projeção-identificação de
Morin a percepção do espectador pode sofrer distorções devido ao seu inconsciente,
devido à sua subjetividade, e que a identificação pode ocorrer até mesmo em casos
onde não exista nenhuma aparente semelhança como entre os pequenos e jovens
espectadores que se identificaram com o grande e ameaçador vilão apenas para
alimentar a natureza íntima.
O segundo caso demonstra a força do estereotipo que Ferrés fala. Neste
caso a estereotipação de Darth Vader como vilão chegou ao ponto de descartar a
sua lembrança de salvador do seu filho nos cinemas para apenas uma
generalização dele como representação do Mal. A partir deste segundo caso é
possível realizar uma observação particular entre o complexo projeção-identificação
de Morin e o estereótipo de Ferrés: é possível que este complexo e a estereotipação
andem lado a lado em meio às percepções dos espectadores. Alguns garotos
generalizaram a máscara, não questionaram as sua funções e utilidades e a
estereotiparam como algo Mal, que apenas vilões usam, distorcendo assim as suas
visões sobre os bombeiros. Enquanto outros talvez pela imagem, talvez pela voz,
talvez pelos seus atos anteriores acabaram generalizando Darth Vader apenas
como vilão apesar de morrer por uma causa nobre, criando uma visão reducionista
dele.
O terceiro caso é onde podemos observar com mais clareza a influência de
uma ideia de pós-modernidade desconstrutora de conceitos deterministas. Mesmo
participando de um ritual que pode ser considerado uma prática presente desde as
civilizações mais primitivas e com milhares de anos de influência sobre a cultura e a
sociedade atual, e que foi repetido por todas as crianças do parque buscando imitar
os ideais heroicos dos personagens da saga Star Wars, não impediu a garota de
tomar uma decisão contrária da maioria. Os ideais pós-modernos que buscam
desconstruir determinadas atitudes que vem sendo repetidas durante muito tempo,
tendo em vista apenas a continuidade de uma ordem, podem ser vistas no caso
apresentado quando a garota se recusa a combater o vilão, desobedecendo assim a
ordem que lhe havia sido ensinada anteriormente pela Academia Jedi. E no reflexo
de atitudes desconstrutoras como essa que podemos crer na possibilidade de uma
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diferente percepção do Mal, se a identificação da garota com o vilão torna-se um
fato. Através do complexo de projeção-identificação de Morin podemos observar
mais uma vez a identificação de um espectador sem semelhança aparente com o
vilão e que, ao quebrar um ritual que busca imitar um herói para encontrar-se com
um ideal sagrado, acaba indo contra uma ideia moralmente aceitável pela sociedade
para alcançar a auto-realização.
E no quarto caso temos a mais rica identificação e a maior presença dos
conceitos abordados pela pesquisa bibliográfica. A representação de um ritual por
meio dos gestos simbólicos da criança que repetia os gestos do vilão nos filmes da
saga em referência à busca dela se tornar o vilão através da imitação. Uma quebra
no conceito de vilão aponta claramente uma ideia pós-moderna de humor quando
satiriza o estereótipo reducionista moderno que generaliza o vilão ao torna-lo infantil
e inofensivo. Uma projeção-identificação representada dentro do comercial, por
mostrar uma criança que vestia-se de vilão buscando obter seus poderes, e que
acaba sendo uma dupla projeção-identificação quando o espectador do comercial
identifica-se com a criança por também procurar algo que não tem, algo que busca a
auto-realização.
O fato de buscarmos casos fora do contexto unicamente publicitário para as
análises foi justamente pelo intuito de enriquecer uma pesquisa que, em poucas
palavras, pode ser vista como uma observação da maneira que um vilão se
comunica com seu espectador. E nestas análises foi possível observar que ele pode
se comunicar através do ritual, da imitação, da estereotipação, da projeção-
identificação e da possibilidade de superar paradigmas. Dessa forma tornou-se
possível observar as diferentes maneiras como o espectador pode perceber essa
comunicação. Sendo este, para nós o resultado mais importante, pois é ele que
corrobora com nossa percepção de sempre buscar não delimitar qualquer aspecto
de forma dualista, mas sim de acordo com a situação específica em que ele esteja
inserido.
Ao tomarmos o exemplo do comercial analisado no quarto caso e
percebermos que, se a publicidade se alimenta de inúmeros fatos de âmbito social,
para enriquecê-la devemos estudar não somente a publicidade, mas também o
combustível que a abastece: a sociedade. E é com este pensamento que chegamos
aqui satisfeitos com a direção tomada por este trabalho.
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Em uma percepção particular posso afirmar que os resultados das análises
são tão importantes quanto a pesquisa realizada para encontra-los. E é a
oportunidade da “não delimitação” de probabilidades que possibilita que uma
pesquisa cada vez mais rica retorne resultados ainda mais ricos. Pessoalmente creio
que uma pesquisa que gere novas questões é uma pesquisa que contribui para a
ciência tanto quanto a pesquisa que gera respostas determinantes, pois ela permite
que o estudo se mantenha em movimento, fazendo com que o mesmo pesquisador,
ou vários outros, cresçam e enriqueçam o assunto abordado e a si mesmos.
Somente chegando neste ponto podemos enxergar que a curiosidade sobre
uma pesquena questão desenvolveu-se em uma grande trama de assuntos não
antes imaginados. A paixão por este vilão cinematográfico transformou este trabalho
em uma tarefa onde cada dúvida despertava mais interesse em compreender novos
conceitos e conhecer novos autores.
Acabamos com a sensação ainda mais forte da existência de uma
interligação entre todos os elementos da sociedade e que a sua importância em
cada aspecto no entorno do tema deve ser levada em consideração na hora de
estudá-lo, pois a percepção encontra-se de acordo com a experiência, vivência e
compreensão particular de cada elemento individual.
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