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AS PRIMEIRAS CONSTITUIÇÕES (ROMA SANTA EUFÊMIA 1536) Este artigo tem como objetivo refletir acerca da segunda Constituição dos Capuchinhos, que traz um valor espiritual imensurável para a nossa Ordem. Este trabalho envolve o empenho dos pós-noviços da Província de Nossa Senhora da Penha do Nordeste do Brasil, na pesquisa e problematização desse histórico tesouro franciscano capuchinho. 234. As primeiras constituições dos frades menores capuchinhos foram elaboradas e aprovadas em Roma durante o Capítulo Geral, que teve lugar no convento de Santa Eufêmia sobre Esquilino, perto da basílica de Santa Maria Maior, e se desenvolveu em duas sessões, a primeira em novembro de 1535, a segunda no mês de setembro do ano seguinte. A redação definitiva do texto foi confiada a uma comissão de frades, de que faziam parte, junto ao recém-eleito Vigário geral Bernardino de Asti, João de Fano, Francisco de Jesi e Bernardino Ochino. Mas, além das contribuições pessoais de cada um dos redatores, foi o capítulo em seu conjunto que definiu e depois promulgou as constituições. 235. As constituições de Roma Santa Eufêmia constituíram, por mais de quatro séculos, a carteira de identidade da “bela e santa reforma” e caracterizaram historicamente a forte dimensão espiritual interna e a sólida e uniforme estrutura externa da Ordem. Os valores que dela emergem e que tornaram a Reforma Capuchinha uma verdadeira fraternidade evangélica e franciscana são: a continuidade e a renovação do carisma do Pobrezinho de Assis; a escolha de uma vida humilde, pobre e austera; os fundamentos para uma verdadeira espiritualidade tipicamente cristocêntrica e seráfica, vivida em fraternidade e em atitude penitencial; o sereno equilíbrio entre uma vida dedicada à oração e à contemplação e às exigências dos empenhos de apostolado e do trabalho manual; a dedicação heroica aos doentes e aos empregados e o impulso missionário universal; o respeito pelos carismas pessoais suscitados pelo Espírito e a obediência incondicionada à hierarquia. Ao lado desses valores, colocavam-se escolhas precisas, ditadas pela vontade de ser fiéis ao espírito franciscano e disponíveis ao serviço da Igreja. Neste âmbito, as constituições sublinham a aceitação e observância do Testamento, a recusa dos privilégios que relaxam a Regra, a renúncia à isenção dos ordinários diocesanos, a confirmação da eleição do Vigário Geral por parte do Ministro Geral dos conventuais, as modalidades para depor o Vigário Geral incapaz. 236. Mais que um texto legislativo, composto por prescrições miúdas e pontuais normas jurídicas, as constituições de 1535-1536 são um verdadeiro código de formação e de espiritualidade franciscana. Seu conteúdo, que permaneceu quase intocado até 1968, foi retomado substancialmente nas redações sucessivas de 1552, 1575, 1608, 1643, 1909 e 1925. Com razão se escreveu: “Nenhum

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AS PRIMEIRAS CONSTITUIÇÕES

(ROMA – SANTA EUFÊMIA 1536)

Este artigo tem como objetivo refletir acerca da segunda Constituição dos Capuchinhos, que traz

um valor espiritual imensurável para a nossa Ordem. Este trabalho envolve o empenho dos pós-noviços

da Província de Nossa Senhora da Penha do Nordeste do Brasil, na pesquisa e problematização desse

histórico tesouro franciscano capuchinho.

234. As primeiras constituições dos frades menores capuchinhos foram elaboradas e aprovadas

em Roma durante o Capítulo Geral, que teve lugar no convento de Santa Eufêmia sobre Esquilino,

perto da basílica de Santa Maria Maior, e se desenvolveu em duas sessões, a primeira em novembro de

1535, a segunda no mês de setembro do ano seguinte.

A redação definitiva do texto foi confiada a uma comissão de frades, de que faziam parte, junto

ao recém-eleito Vigário geral Bernardino de Asti, João de Fano, Francisco de Jesi e Bernardino

Ochino. Mas, além das contribuições pessoais de cada um dos redatores, foi o capítulo em seu conjunto

que definiu e depois promulgou as constituições.

235. As constituições de Roma – Santa Eufêmia constituíram, por mais de quatro séculos, a

carteira de identidade da “bela e santa reforma” e caracterizaram historicamente a forte dimensão

espiritual interna e a sólida e uniforme estrutura externa da Ordem. Os valores que dela emergem e que

tornaram a Reforma Capuchinha uma verdadeira fraternidade evangélica e franciscana são: a

continuidade e a renovação do carisma do Pobrezinho de Assis; a escolha de uma vida humilde, pobre

e austera; os fundamentos para uma verdadeira espiritualidade tipicamente cristocêntrica e seráfica,

vivida em fraternidade e em atitude penitencial; o sereno equilíbrio entre uma vida dedicada à oração e

à contemplação e às exigências dos empenhos de apostolado e do trabalho manual; a dedicação

heroica aos doentes e aos empregados e o impulso missionário universal; o respeito pelos carismas

pessoais suscitados pelo Espírito e a obediência incondicionada à hierarquia.

Ao lado desses valores, colocavam-se escolhas precisas, ditadas pela vontade de ser fiéis ao

espírito franciscano e disponíveis ao serviço da Igreja. Neste âmbito, as constituições sublinham a

aceitação e observância do Testamento, a recusa dos privilégios que relaxam a Regra, a renúncia à

isenção dos ordinários diocesanos, a confirmação da eleição do Vigário Geral por parte do Ministro

Geral dos conventuais, as modalidades para depor o Vigário Geral incapaz.

236. Mais que um texto legislativo, composto por prescrições miúdas e pontuais normas

jurídicas, as constituições de 1535-1536 são um verdadeiro código de formação e de espiritualidade

franciscana. Seu conteúdo, que permaneceu quase intocado até 1968, foi retomado substancialmente

nas redações sucessivas de 1552, 1575, 1608, 1643, 1909 e 1925. Com razão se escreveu: “Nenhum

livro escrito por um religioso da Ordem, nenhum tratado de vida espiritual capuchinha através dos

séculos pode comparar-se as constituições de 1536, se se propõe apresentar os autênticos ideais da

fraternidade, ou configurar as intenções dos iniciadores da reforma, ou exprimir os valores que se

encontram na imitação de Cristo e de Francisco”.

Em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo começam as constituições dos frades menores ditos

capuchinhos.

237. Para que a nossa congregação, como vinha do altíssimo Filho de Deus, se conserve na

observância espiritual da evangélica e seráfica regra, pareceu bem ao nosso Capítulo Geral, celebrado

na alma cidade de Roma, em nosso local de Santa Eufêmia, no ano do Senhor de 1536, ordenar alguns

estatutos como sede da predita regra, a fim de que, como a inexpugnável torre de Davi, tenha suas

defesas, mediante as quais possamos defender-nos de todos os inimigos do vivo espírito de Nosso

Senhor Jesus Cristo e de todos os relaxamentos contrários ao ferventíssimo e seráfico zelo de nosso pai

São Francisco: os quais são estes.

CAPÍTULO PRIMEIRO

[Doutrina e vida de Jesus Cristo]

238. Primeiramente, quanto ao primeiro capítulo da Regra, ordena-se que, uma vez que a

evangélica doutrina toda pura, celeste, sumamente perfeita e divina, traduzida do céu para nós pelo

dulcíssimo Filho de Deus e por Ele mesmo promulgada e ensinada por obras e palavras; e até provada

e autenticada pelo seu Pai eterno no rio jordão e no monte Tabor quando disse: “Este é o meu Filho

dileto, no qual coloquei minha complacência, ouvi-o”, ensina-nos e nos mostra o caminho direto para

ir a Deus. Mas também todos os homens são obrigados a sua observância, máxime os cristãos que

prometeram o sagrado batismo, e tanto mais nós frades, pois São Francisco no começo e no fim de sua

Regra, faz expressa menção da observância do sagrado Evangelho; e sua Regra não é outra coisa

senão a medula do Evangelho; pelo que também disse no seu testamento que lhe tinha sido revelado

que deveria viver segundo a forma do santo Evangelho.

Entretanto, para que os frades tenham sempre diante dos olhos e de sua mente a doutrina e a

vida de Nosso Salvador Jesus Cristo e para que, a exemplo da virgem Cecília carreguem sempre no

seio de seu coração o Evangelho sagrado, ordena-se que, por reverência da altíssima Trindade leia-se

em cada local, três vezes por ano, os quatro Evangelho, isto é, a cada mês um.

[A Regra Espelho do Evangelho]

239. E porque a Regra de São Francisco é como um pequeno espelho no qual reluz a evangélica

perfeição, ordena-se que se leia todas as sextas-feiras em cada local, distintamente e com a devida

reverência e devoção, para que, impressa em nossas mentes, possa observar-se melhor. Leia-se também

alguma devotíssima lição para os frades exortando-os a seguir Cristo crucificado.

[Falar sempre de Deus e abolir leituras vãs]

240. Os frades também se esforcem sempre por falar de Deus, pois isso ajuda muito a inflamar-

se do seu amor. E para que a doutrina evangélica possa frutificar em nossos corações, para extirpar

cizânia, pela qual poderia ser sufocada, ordena-se que, em nossos locais, de modo algum sejam

mantidos livros não úteis ou vãos, perniciosos ao espírito de Cristo, Senhor e Deus nosso.

[Ler e estudar a palavra de Deus]

241. E porque as chamas do amor divino nascem da luz das coisas divinas, ordena-se que se leia

qualquer lição das sagradas Escrituras, expondo-a com santos e devotos doutores. Embora aquela

infinita, divina sabedoria seja incompreensível e alta, toda via em Cristo nosso Salvador abaixou-se

tanto que, sem outro meio, com o olho puro, simples, columbino e limpo da fé, os simples e idiotas

possam entende-la, mas proíbe-se a todos os frades que ousem ler ou estudar ciências impertinentes e

vãs, mas as Escrituras Sagradas, antes, o Cristo Jesus Santíssimo, no qual, segundo Paulo, estão todos

os tesouros da sabedoria e ciência de Deus.

[Observância da Regra]

242. E porque não foi só a vontade de nosso pai São Francisco, mas também de Cristo nosso

Redentor, que a Regra fosse observada simplesmente, à letra, sem glosas, como a observaram aqueles

nossos primeiros padres seráficos; assim como a nossa Regra é claríssima, para que seja observada

mais pura, santa e espiritualmente, renuncia-se a todas as glosas e a todas as exposições carnais,

inúteis, nocivas e relaxantes, que tiram a Regra da piedosa, justa e santa mente de Cristo Nosso Senhor

que falava em São Francisco. E aceitamos como singular e vivo comentário da nossa Regra as

declarações dos somos pontífices e a santíssima vida, doutrina e exemplos do nosso pai São Francisco.

[Testamento de São Francisco]

243. E para que, como verdadeiros e legítimos filhos de Cristo, Nosso Pai e Senhor, dados à luz

por Ele mais uma vez em São Francisco, sejamos participantes de sua herança, ordena-se que por

todos seja observado o testamento de nosso pai São Francisco, ordenado por ele, quando, próximo à

morte e marcado pelos sagrados estigmas, cheios de fervor e Espírito Santo, anelava sumamente pela

nossa salvação. E nós o aceitamos como glosa espiritual e exposição da nossa Regra como foi por ele

escrito para esse fim, para que se observasse melhor e catolicamente a Regra prometida.

Até, porque somos tantos mais filhos do seráfico pai quanto imitamos sua vida e doutrina, pelo

que o nosso Salvador disse aos Hebreus: “Se sois filho de Abraão, fazei as obras de Abraão” (Jo8,39)

assim, se somos filhos de São Francisco, façamos as obras de São Francisco. Mas ordena-se que cada

um se esforce por imitar esse nosso pai, dado a nós como Regra, norma e exemplo, e mesmo nosso

Senhor Jesus Cristo nele, não só na Regra e no Testamento, mas também em todas as suas ardorosas

palavras e amorosas obras: Portanto leia-se muitas vezes a sua vida e a de seus companheiros.

[Ao último lugar]

244. E porque nosso pai, todo divino, contemplava Deus em cada criatura, máxime no homem e

precipuamente no cristão, mas, sobre tudo nos sacerdotes e singularissimamente no sumo pontífice, que

na terra é vigário de Cristo Nosso Senhor e cabeça de toda a Igreja militante; por isso quis, segundo a

doutrina apostólica, que os seus frades, por amor daquele que se esvaziou por nosso amor, fossem

sujeitos a Deus em todas as criaturas; pelo que os chamou de frades menores, para que, não só com o

coração se reputassem inferiores a todos, mas até, convidados na Igreja militante para as núpcias do

Santíssimo esposo Jesus Cristo procurasse estar no último lugar, segundo o seu exemplo.

[Renúncia à isenção dos ordinários]

245. Entretanto, considerando que a liberdade que se tem para os privilégios e isenções de não

ser submetidos aos ordinários, não só é a soberba próxima, mas inimiga da humildade e minorítica

sujeição e muitas vezes, perturbando a paz, gera escândalo na Igreja de Deus; por isso, para nos

conformarmos ao humilde Cristo crucificado, que veio nos servir, feito obediente até a áspera morte de

cruz, não estando submetido à lei, mas senhor dessa quis submeter-se a ela e pagar o senso e tributo,

sendo livre: para evitar o escândalo renuncia-se por parte do Capítulo Geral aos privilégios de ser

livres e isentos dos ordinários. E aceitarmos como sumo privilégio, com o seráfico pai, ser submetido a

todos.

E Ordena-se que todos os vigários, em suas províncias, vão a seus ordinários diocesanos e

prelados ordinários, que são membros humildemente submissos ao romano pontífice, que é a cabeça e

superior de todos. E humildemente, por si e por todos os frades, ofereçam-lhes obediência e reverência

em todas as coisas divinas e canônicas, cedendo todo o privilégio que fizesse o contrário.

[Reverencia pelos sacerdotes]

246. Até mais, como foi vontade de nosso pai, exorta-se todos os frades a apresentar sempre a

devida reverência a todos os sacerdotes. Exortam-se também os frades, a obedecer sempre com toda

possível reverência ao sumo pontífice, pai supremo de todos os cristãos, a todos os prelados e também a

toda criatura que nos mostrasse o caminho de Deus, sabendo quanto aquela pessoa, à qual se obedece

por amor de nosso Senhor Jesus Cristo, e mais vil tanto mais gloriosa é a obediência e mais grata a

Deus.

[Confirmação jurídica pelo geral dos conventuais]

247. Também se ordena que os frades não só sejam submissos a todos os seus vigários,

custódios e guardiães, mas também se determinou que o nosso padre Vigário Geral, quando for eleito,

apresente-se humildemente ou mando ao reverendo padre geral dos conventuais, pelo qual se deve ser

confirmado.

[Renúncia aos privilégios que relaxam a Regra]

248. E porque o nosso pai São Francisco em seu testamento, para evitar semelhantes

privilégios, manda a seus frades que não peçam a corte romana alguma carta para a preservação de

seus corpos: pois o Capítulo Geral renunciou a todos os privilégios que relaxam a Regra e, alargando

o caminho do espírito, se dão por satisfeito com o sentido.

Neste capítulo, destaca-se a busca pela vida evangélica inspirada no próprio Francisco de Assis, que

entendia o Evangelho não somente na literalidade dos textos sagrados, mas no agir do Espírito, que

transmite o próprio Cristo. Como nos confirma o Testamento do pai seráfico: “Depois que o Senhor me

deu irmãos, ninguém me mostrou o que eu deveria fazer, mas o Altíssimo mesmo me revelou que eu

devia viver segundo a forma do Santo Evangelho.” (Testamento 14).

CAPÍTULO SEGUNDO

[Discernimento e aceitação na Ordem]

249. Desejando que a nossa congregação cresça muito mais em virtude, perfeição e espírito do

que na multidão, sabendo que, como disse a verdade infalível, “muitos são os chamados, mas poucos os

escolhidos” [Mt 22,14] e que, assim como predisse o seráfico pai próximo à sua morte, nenhuma coisa

prejudica tanto a pura observância da regra quanto à multidão de frades inúteis, carnais e animais,

ordena-se que os vigários examinem diligentemente as suas condições e qualidades e que não os

recebam se não mostrarem que tem ótima intenção e fervorosa vontade.

Para evitar também toda admiração e escândalo, proíbe-se a recepção dos que não tiverem

completado 16 anos, ou então, seja já os tiverem ultrapassado bem, tiverem rosto pueril, para que

saibam por experiência o que prometem.

[Instrução conveniente para os clérigos]

250. Também se ordena que não se receba à profissão para clérigo alguém que não tiver as

letras convenientes para que, no persolver os louvores divinos, não ofenda, antes, por entender o que

diz, disso se nutra.

[Prova dos postulantes]

251. Ordena-se também que os que vão ser recebido nesta vida, antes de ser vestirem, sejam

experimentados em alguns dos nossos locais por alguns dias em todas aquelas coisas que são

observadas pelos frades, para que se veja a sua boa vontade, e eles, em negócio tão importante, assuma

com maior luz, maturidade e deliberação. O que também se entende dos religiosos que quiserem vir

para nossa vida.

E para que isso seja melhor observado, ordena-se que os vigários não recebam sem o conselho e

consentimento da maior parte dos frades que estiverem no local em que se encontrará.

[Expropriação dos noviços]

252. E porque Cristo, sapientíssimo Mestre, impôs ao adolescente que mostrava querer salvar-

se que, se queria ser seu discípulo, vendesse primeiro tudo que possuía, desse-o aos pobres e depois o

seguisse; o que o imitador de Cristo, Francisco, não só observou e ensinou com o exemplo em si e nos

que recebia, mas também o impôs na Regra: por isso, para conformar-nos a Cristo Senhor nosso e à

vontade do seráfico pai, ordena-se que não se vista ninguém, se antes (podendo) não tiver distribuído

tudo que era seu aos pobres, assim como convém a quem elege voluntariamente vida mendicante. E

nisso será possível ver, em parte, o seu espírito fervoroso ou tépido; e ele poderá servir a Deus com a

mente quieta e firme. E os frades, não tendo nenhuma ocasião de se intrometer nas coisas dele,

permanecerão sinceros na sua santa paz.

[Roupas seculares dos noviços]

253. Ordena-se também que as roupas dos noviços que vêm do século sejam guardadas até o dia

da profissão e as dos religiosos por alguns dias. E, depois, perseverado, as dos seculares sejam dadas

aos pobres por eles mesmos e as dos religiosos pelos vigários provinciais, imediatamente ou por meio

de alguma pessoa espiritual.

[Mestre e formação dos noviços]

254. E para que não nos possa ser dito o que Cristo santíssimo disse aos escribas e fariseus: “Ai

de vós que percorreis mar e terra para fazer um prosélito e depois fazeis com que seja um filho da

geena muito pior do que vós” [Mt 23,15], determina-se que, em toda província, os noviços sejam postos

em um ou dois locais aptos para o espírito, destinados a isso pelo capítulo.

E sejam-lhes dados os mestres entre os amis maduros, morigerados e iluminados do caminho de

Deus, os quais tenham diligente cuidado de ensinar-lhes não só as cerimônias, mas as coisas do

espírito, necessárias para imitar perfeitamente Cristo, nossa luz, caminho, verdade e vida. E mostrem-

lhes, com o exemplo e com palavras, em que consiste a vida do cristão e do frade menor. E não seja

recebido à profissão se primeiro não souber perfeitamente o que deve prometer e observar.

255. E para que, no sossego, na paz e no silêncio melhor se fortifiquem no espírito, ordena-se

que ninguém fale com eles prolixamente, exceto o padre guardião e o seu mestre. Também ninguém

entre em sua cela, nem eles na cela de outros sem especial licença.

[Pós-noviciado]

256. E para que aprendam melhor a carregar o jugo do Senhor, ordena-se que, mesmo depois

da profissão estejam sob a disciplina do mestre pelo menos por três anos, para que não percam

facilmente o espírito recentemente adquirido, mas corroborando-se sempre, caminhem se firmando e

enraizando mais no amor de Cristo, Senhor e Deus nosso.

[Preparação para a profissão]

257. E porque, segundo alguns doutores, os noviços, fazendo sua profissão no modo devido, são

restituídos à inocência batismal, ordena-se que os ditos noviços, antes de sua profissão, preparem-se

com grande diligência, com confissão, comunhão e muita oração, tendo feito a confissão geral, quando

ingressaram na religião para vestir-se do homem novo. E, ao receber esses noviços, tanto na religião

como na profissão, usa-se os modos e cerimônias costumeiros e aprovados em nossa Ordem.

[Austeridade no vestir]

258. E porque não foi sem motivo que Cristo recomendou a austeridade no vestir de São João

Batista, quando disse: “Os que se vestem de roupas finas estão no palácio dos reis” [Mt 11,8; Lc 7,25];

ordenou-se que os frades, que escolherem ser abjetos na casa de Deus, vistam-se com os panos mais

vis, abjetos, austeros, grosseiros e desprezados, que puderem ter comodamente nas províncias em que

estiverem. E recordem-se os frades de que os sacos, com os quais São Francisco quis se

recomendassem, e as cordas, com as quais quis que se cingissem, não são convenientes para os ricos do

mundo.

259. O Capítulo Geral também exorta todos os frades a se contentarem (podendo) com um só

hábito, como São Francisco expressou em seu Testamento sobre ele mesmo e seus frades, quando disse:

“E estávamos contentes com uma só túnica remendada por dentro e por fora” [Test 20-21]. Entretanto,

se os frades forem débeis de corpo ou mesmo de espírito, concede-se-lhes pela Regra uma segunda

túnica. E a esses não se concede a capa sem necessidade e sem licença de seu prelado, sabendo que um

frade sadio usa três vestes é sinal manifesto de que o espírito se extinguiu.

260. E para que a pobreza, tão dileta pelo Filho de Deus, e dada a nós por mãe pelo seráfico

pai, reluza em todas as coisas que usamos, ordena-se que as capas não ultrapassem a extremidade das

mãos e sejam sem capuz, a não ser em viagem; e não se usem sem necessidade.

Os hábitos não passem das juntas dos pés no comprimento, tenham onze palmos de largura, e

doze para os corpulentos. As mangas não sejam amis largas do que o necessário para o braço sair e

entrar e longas até a metade da mão ou um pouco mais. As túnicas sejam vilíssimas e grossas, com a

largura de oito ou nove palmos, e pelo menos meio palmo mais curtas do que o hábito.

E o capuz seja quadrado, assim como se vê que foram os de São Francisco, que ainda restam

como relíquias, e de seus companheiros; também aparece pelas pinturas antigas e está escrito nas

Conformidades, de modo que o nosso hábito seja em forma de Cruz, para que vejamos que estamos

crucificados para o mundo e o mundo para nós.

O cíngulo dos frades seja uma corda rude, vilíssima e grosseira, com nós simplicíssimos, sem

nenhuma curiosidade ou singularidade, para que, desprezados pelo mundo, tenhamos mais ocasião de

mortificar-nos. Mão usem barretes, nem chapéus, nem coisas duplas ou verdadeiramente supérfluas.

[Rouparia]

261. Haja também em cada local nosso um quartinho, onde alguém para isso designado

conserve as roupas da comunidade. Sejam por ele mantidas limpas e remendadas para a necessidade

dos pobres frades, os quais, uma vez que as tenha usado, segundo as suas necessidades, deverão

devolvê-las limpas, com ação de graças.

[Qualidade dos leitos]

262. E para que os nossos leitos sejam um tanto semelhantes àquela em que morreu Aquele que

disse: “As raposas têm suas tocas e os pássaros do céu os seus ninhos, mas o Filho do homem não tem

onde reclinar a cabeça” [Mt 8,20; Lc 9,58] e também para serem mais vigilantes e sólidos na oração e

conformes ao nosso pai São Francisco, para o qual a terra nua foi leito e também a Cristo, santo dos

santos, precipuamente no deserto, ordena-se que nenhum frade, se já não for enfermo ou muito débil,

durma senão sob tábuas nuas, esteiras, galhos, samambaias ou um pouco de palha ou feno, e não

durma sob os cobertores.

[Nudez dos pés]

263. Também se ordena que, a exemplo de Cristo, os frades jovens e os que possam andem

descalços, em sinal de humildade, testemunho de pobreza, mortificação de sensualidade e bom exemplo

para o próximo. E, não podendo, segundo a doutrina evangélica e para imitar os nossos antigos pais,

usem sandálias com a licença do prelado, mas simples, puras, vis e pobres, sem nenhuma curiosidade.

[Uso pobre]

264. E para que os frades ascendam para celsitude da altíssima pobreza, rainha e mãe de todas

as virtudes, esposa de Cristo Senhor nosso, e do seráfico pai, e nossa diletíssima mãe, exorta-se todos

os frades a que não queiram ter nenhum afeto na terra, mas sempre ter o seu amor no céu, usando

quase à força estas coisas baixas, parcimoniosamente, quanto é possível para a fragilidade humana,

reputando-se ricos por sua pobreza.

Contentem-se com um livreto espiritual, mormente do Cristo crucificado e de dois lenços com

duas ceroulas. E recordem-se que, segundo o seráfico pai, o frade menor não deve ser outra coisa

senão um espelho de toda virtude, maximamente da pobreza.

[Humildade nas viagens]

265. E para que corramos mais expeditamente pelo caminho dos preceitos divinos, ordena-se

que, em nossos locais, não haja nenhum animal nem se cavalgue; mas, em caso de necessidade, a

exemplo de Cristo e do seu imitador Francisco, se monte em um asno, para que nossa vida pregue

sempre Cristo humilde.

[Tonsura e barba]

266. Faça-se a tonsura de vinte em vinte dias, ou então uma vez por mês, com a tesoura. E não

se tenha bacias, mas só uma navalha para as ventosas. E use-se barba, a exemplo de Cristo santíssimo

e de todos os nossos antigos santos, pois é coisa viril e natural, rígida, desprezada e austera.

Há neste capítulo uma visível estruturação da recepção e formação daqueles que pretendam entrar para a

Ordem. Podemos destacar a influência camaldulense no uso da barba, além de inúmeros elementos da

própria ordem observante. É possível também destacar a vivência da austeridade: nudez dos pés, uso

pobre, a simplicidade no vestir, humildade nas viagens.

CAPÍTULO TERCEIRO

[Sobre o ofício divino e a missa]

267. Porque o nosso seráfico pai, todo católico, apostólico e divino, teve sempre especial

reverência à Igreja Romana, como juíza e mãe de todas as outras igrejas, como ordenou na Regra que

os clérigos rezassem o ofício divino segundo a ordem da santa Igreja Romana, no seu Testamento

proibiu que ele fosse variado de modo algum, determinou-se que os frades, unidos em espírito sob uma

mesma bandeira e chamados para um só fim, nos louvores divinos observem, quanto possível, os

mesmos ritos quanto ao missal, breviário e calendário os quais observa e usa a santa Igreja Romana. E

tanto os clérigos quanto os leigos façam os cinco ofícios pelos mortos, como se tem no calendário.

268. Os clérigos e sacerdotes não muito letrados preparem o que hão de ler publicamente na

missa e no ofício divino, para que, com injúrias das coisas divinas, não perturbem os ouvintes e não

provoquem contra eles mesmos, os santos anjos, que estão presentes nos louvores divinos.

E tanto nas missas quanto no ofício divino não se diga senão o que está nos missais e breviários,

com as devidas cerimônias.

[Celebrar “por mera caridade” e “com suma reverência”]

269. Exorta-se também os frades sacerdotes a que, celebrando, não tenham o olho da intenção

aberto para o favor ou glória humana, ou para coisa alguma temporal; mas, com o coração simples,

puro e limpo, olhem só para a honra divina, celebrando por mera caridade, com toda humildade,

reverência, fé e devoção.

E preparem-se, quanto suportar sua fragilidade, pois é maldito aquele que faz as obras de Deus

com negligência. Sendo esse ato mais divino que os outros, desagrada sumamente quando faz

irreverentemente.

270. E, para celebrar, não queira receber na terra prêmio algum, a exemplo de Cristo, sumo

sacerdote, que sem nenhum prêmio para si ofereceu-se por nós na cruz. Também reconheçam que, por

isso, cresceu sua obrigação para com Deus.

Também se exorta aos outros frades, que estiverem presentes junto aos sacerdotes que celebrem

os divinos mistérios, que assistam com suma reverência, com mente angélica, na presença de Deus, e

celebrem espiritualmente, e comunguem e ofereçam a Deus o gratíssimo sacrifício.

[Condições para admitir nas ordens sacras]

271. E porque celebrar é coisa de suma importância, determina-se que nenhum clérigo seja

ordenado sacerdote se não tiver passado dos vinte e quatro anos, assim como deseja as sanções

canônicas. E os ordenados se abstenham de celebrar enquanto não tiverem o referido tempo.

Também se ordena que nenhum clérigo seja promovido ao sacerdócio se, além do bom espírito,

não tiver inteligência mediana, para que possa e saiba proferir e entender quando celebrar, as palavras

que diz. E, em todas as suas missas e orações, lembre-se dos benfeitores orando a Deus para que os

remunere na vida presente e futura.

[Solicitude no coro]

272. Ordena-se também que os clérigos e sacerdotes, que não estiverem legitimamente

impedidos, quando ouvirem o primeiro sinal do sino para o ofício divino, reúnam-se no coro o mais

depressa que puderem para preparar os seus corações para o Senhor; onde, com devoção, composição,

mortificação, quietude e silêncio, pense que estão diante de Deus, onde devem assumir o ofício angélico

de persolver os louvores divinos.

[Ofício divino dos clérigos e dos leigos]

273. Ordena-se também que se diga ofício divino com a devida devoção, atenção, maturidade,

uniformidade de voz e consonância do espírito, sem caldas ou cantos duplos, com voz não muito alta ou

baixa mais mediana. E os frades se esforçarão para salmodiar a Deus mais com o coração do que com

a boca, para que não se possa dizer a nós como se foi dito ao nosso dulcíssimo Salvador aos hebreus:

“Este povo me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim” [Mt 15,8.,Mc7,6].

274. Ordena-se também que os leigos reúnam-se no começo das matinas, das vésperas e das

completas e para o Te Deum Laudamus e, feita a preparação comum, possam retirar-se em qualquer

parte segundo a sua devoção e dizer os pai-nossos, como é imposto na Regra.

Também se ordena que, em todas as festas, os leigos e clérigos, não impedidos por causas

razoáveis, reúnam-se nas vésperas e em todas as missas que puderem.

[´´ não se recebam mortos``]

275. Ordena-se também que, para evitar coisas que poderiam ofender a altíssima pobreza, a

quietude espiritual e a tranquila humildade, e para conservar a paz com os outros clérigos e

sacerdotes, e evitar toda impureza, que, com o tempo, poderia macular nossa congregação, que em

nossos locais não se recebam mortos, exceto se for tal que pela pobreza não tivesse quem o quisesse

sepultar. Nesse caso, deve-se abrir para ele as entranhas da caridade.

276. Proíbe-se também que, em nossos lugares, façam-se sepulturas, nem para os seculares nem

para os nossos frades. Antes, limpíssimo deve haver toda limpeza, sepultem-se mortos, mas em algum

lugar honesto, perto das igrejas, ou então no claustro.

E os frades, visitando os enfermos, guardem-se não só de induzi-los a sepultar-se nos nossos

locais, mas ate, se quiserem, não consintam de modo algum. E para que isso não seja ocasião de

escândalo pela novidade, para os que não sabem as causas razoáveis disto, será possível informa-los e

torna-los verdadeiramente capazes.

[“E rezem pelos mortos”]

277. Morrendo algum de nossos frades, os outros, com piedoso afeto de caridade, se esforçarão

por recomendar sua alma a Deus e cada sacerdote, que estiver na província onde estiver morrido, diga

ele uma missa, os clérigos as vigílias de nove lições e os leigos cem pai-nossos. E cada sacerdote diga

também todas as semanas uma missa por todos os frades os nossos frades defuntos.

[Tempos da oração mental]

278. E porque a oração é a mestra espiritual dos frades, para que o espirito da devoção não se

arrefeça nos frades, mas, ardendo continuamente non altar do coração, acenda-se cada vez mais, como

desejava o seráfico pai também que o verdadeiro frade menor espiritual sempre ore, ordena-se nada

menos que para isso sejam determinadas para as tíbias duas horas particulares, uma depois das

completas durante todo o ano, a outra da páscoa ate a exaltação da santa cruz, imediatamente depois

da nona, exceto que nos dias de jejum se transfira para depois da sexta; e da Exaltação da Santa Cruz

ate a pascoa, depois das matinas.

[Oração mental e ladainha dos santos]

279. E lembrem-se os frades de que orar não é outra coisa senão falar a Deus com o coração;

por isso não ora quem fala a Deus só com a boca. Cada um se esforçará por fazer oração mental e

segundo a doutrina de cristo, ótima mestre, adorar o pai eterno em espirito e em verdade, tendo

diligente cuidado de iluminar a mente e inflamar o afeto, mais do que forma palavras.

E, antes da oração, depois da nona ou matinas, ou então em dia de jejum, depois da sexta diga-

se sempre as ladainhas, invocando todos os santos para orar a Deus conosco e por nós. E não se

acrescente outro oficio no coro, exceto o de Nossa Senhora, para que os frades tenham mais tempo

dedicar ás orações particular e mental, muito mais frutuosa que vocal.

[Oração de intercessão]

280. E porque nosso pai, como aparece no principio e no fim da Regra, quis que se tivesse

especial reverência pelo sumo pontífice, como vigário de Cristo, nosso Deus, e assim por todos os

prelados e sacerdotes, ordena-se que, além da oração comum, todos os frades, em suas orações

particulares suplique a divina bondade pelo feliz estado da Igreja militante e por sua santidade, que lhe

dê a graça de saber claramente, querer eficazmente e fazer poderosamente todas as coisas que são para

a hora e gloria de sua divina majestade, salvação do povo cristão e conversão dos infiéis.

Semelhantemente, por todos os reverendos cardeais, bispos e prelados sujeitos ao sumo pontífice, pelo

sereníssimo imperador, por todos os reis e príncipes cristãos e por todas as pessoas, precipuamente por

aqueles a quem somos obrigados.

Ordena-se também que benfeitores digam-se os cinco ofícios colocados no calendário, como foi

dito acima.

[Silêncio evangélico]

281. E porque o silêncio é custódia do judicioso espírito e segundo São Tiago, vã é a religião de

quem não refreia sua língua, ordena-se que sempre, quanto suportar nossa fragilidade observe o

silêncio evangélico, sabendo que, como disse o infalível verdade Cristo Jesus, vamos prestar contas de

toda palavra ociosa. É tanta influência das coisas divinas que não é pequeno erro que o frade, dedicado

ao culto divino, fale com a sagrada boca das coisas do mundo.

[Silêncio regular]

282. E quanto o silêncio regular, seja perpétuo na igreja, no claustro e no dormitório, mas no

refeitório desde o primeiro sinal da mesa até que seja rendidas as graças, e em todo lugar, desde que

forem ditas as completas até que toque para a prima: e da páscoa até a Exaltação da Santa Cruz,

depois da sexta, faça-se o sinal do silêncio até que, depois da nona, seja acabada a oração. E quem

romper o silêncio diga no refeitório com os braços em cruz cinco pai-nossos e cinco ave-marias.

E os frades se esforcem sempre em todo lugar e tempo, por falar de Deus com voz submissa e

humilde, com modéstia caridade.

[“Quando os frades vão pelo mundo”]

283. Ordena-se também que os frades não viagem sozinhos, mas com o companheiro, a exemplo

dos santos discípulos do altíssimo Salvador. E observada a evangélica correção, não se emendando,

denunciem a seus prelados os defeitos um do outro.

Nem vão sem a obediência scriptis do seu prelado, marcada com o carimbo do padre vigário ou

então do lugar. Por isso, ordena-se que todo local tenha o seu carimbo, como é costume antigo dos

religiosos.

Também não se separem pelo caminho, nem contendam entre si, mas, com toda humildade e

caridade, a exemplo de Cristo bendito, cada um se esforce por obedecer e servir espiritualmente ao seu

companheiro, considerando que são irmãos em Cristo.

[Saudação evangélica]

284. E porque São Francisco, em seu Testamento, diz que lhe foi revelado pelo Senhor que,

saudando as pessoas, devêssemos, a exemplo de Cristo: “o Senhor vos dê a paz”, ordena-se que os

frades usem sempre essa saudação evangélica.

[Fé na providência e bom exemplo]

285. E porque os verdadeiros frades devem depender de seu piedoso e ótimo Pai celeste,

ordena-se que em viagem não levem nem frascos, nem carne, nem ovos, nem alimentos delicados ou

preciosos, deixando todo cuidado de si mesmo a Deus, que alimenta não só os animais, mas também

aqueles que sempre o ofendem.

Nas cidades, ou vilas, que estiverem próximos de nossos locais, os frades não parem para

dormir ou comer fora desses locais, sem grade necessidade.

E porque quem se deleita facilmente se macula, ordena-se que os frades não vão as festas a não

ser para pregar a palavra de Deus, a exemplo de Cristo, nosso único mestre, que, convidando para a

festa não quis aceitar, mas foi depois para pregar. Recordando-se que, segundo Paulo apóstolo, somos

um espetáculo para Deus, os anjos e os homens do mundo, esforcem-se por dar tal exemplo que por

eles Deus seja glorificado e não blasfemado.

[Austeridade nas comidas e nas bebidas]

287. E porque a substinência, austeridade e rigidez, principalmente nos santos, são louvadas,

uma vez que a exemplo de Cristo e de São Francisco, escolhemos uma vida apertada, exorta-se os

frades a fazer as santas quaresmas que São Francisco costumava fazer, embora o frade penitente jejue

sempre. E não se façam desjejum excessivos ou supérfluos e nem ordinárias. Nas quartas-feiras, não se

coma carne.

288. E para colocar termo à voracidade do ventre, à mesa não se dê senão uma espécie de sopa.

Mas, no tempo do jejum, ajunte-se uma salada cozida ou crua. E pensem que pouca basta para

satisfazer a necessidade e coisa alguma para contentar a sensualidade.

289. E para que, segundo a doutrina do santíssimo Salvador, os nossos corações não fiquem

pesados, pela crápula e embriagues, mas nossas mentes estejam sempre sinceras e mortificados os

sentidos, ordena-se que na mesa não se ponha vinho senão muito bem aguado. O que também deve ser

para eles delícia sensual, considerando, que, segundo o seráfico São Boaventura, nosso pai São

Francisco não ousava beber água fria suficiente para mitigar o ardor da sede. E costumava dizer que é

difícil satisfazer a necessidade sem obedecer os sentidos.

Será doce para eles se pensarem que Cristo foi negada a água sobre a cruz e foi lhe dado vinho

com mirra ou vinagre e fel. E São Jerônimo escreve que, no seu tempo, também os monges doentes

bebiam água fria e come alguma coisa cozida era reputado luxúria.

[Pobreza, caridade e leitura à mesa]

290. Ordena-se também que, à mesa, não se faça especialidade para ninguém, exceto para os

enfermos, viajantes, velhos ou muitos débeis como busca e quer a caridade.

E se algum frade quiser abster-se do vinho, carne, ovos, outros alimentos ou jejuar mais

frequentemente, se o prelado não achar que lhe faça muito mal, não impeça, antes o exorte a

prosseguir, contanto que como junto com os outros.

E em sinal de pobreza à nossa mesa não se use toalhas, mas uma pobre toalhinha por frade. E

porque não só o corpo, mais muito mais o espírito se alimentem, ordena-se que, à mesa, sempre se faça

uma leitura espiritual.

291. Ordena-se também que os frades não recebam comidas preciosas, que não convém ao

nosso estado pobre. Também não se usem temperos, exceto quando for necessário para os enfermos,

para os quais deve-se usar toda caridade possível, como quer a Regra e toda lei justa, a exemplo de

nosso pai seráfico, que não se envergonhava de ir procurar carnes publicamente para os enfermos.

E se for mandado alguma alimento supérfluo, agradecendo com humildade, o recusarão, ou

então, com o seu consentimento o darão aos pobres.

[Hospitalidade “com toda caridade”]

292. E porque alguns dos antigos patriarcas mereceram receber anjos por sua hospitalidade,

ordena-se que em todo local seja carregado um, que tenha o diligente cuidado de receber os forasteiros

com toda caridade possível. E, a exemplo do humilde Filho de Deus, lavar-lhe-ão os pés, reunindo-se

para esse ato de caridade todos os frades. Dirão, no tempo que estiverem lavando, algum hino ou salmo

devoto, julgando-se, porém, sempre servos inúteis, mesmo que fizéssemos toda coisa a nós possível.

[Tempos das “disciplinas costumeiras”]

293. E para que o nosso corpo não recalcitrem contra o espírito, mas lhe seja obediente em

tudo, e em memória daquela acerbíssima paixão e especialmente da penosíssima flagelação do nosso

dulcíssimo Salvador, ordena-se que as disciplinas costumeiras, isto é, nas segundas, quartas e sextas-

feiras, não se deixe mesmo nas grandes solenidades e sejam feitas depois das matinas, exceto quando

for muito grande o frio, façam-se de tarde. E na semana santa façam-na todas as tardes.

E, disciplinando os frades, pensem com o coração piedoso em seu doce Cristo Filho de Deus

amarrado na coluna. E se esforcem por sentir uma pequena parte de suas penosíssima dores. E, depois

da salve regina, digam-se cinco devotas orações.

É importante frisar no presente capítulo, o espírito de oração, devoções, onde cada frade deve esforçar-

se para que o ócio não apague o espírito mais genuíno da oração. Também como parte do carisma

capuchinho, a missão deve ser vivenciada no desapego das coisas terrenas, na confiança da providência

divina, como nos ensina o próprio Jesus no evangelho (Cf. Mt 6).

CAPÍTULO QUARTO

[Os nossos procuradores e advogados]

294. Sabendo o nosso pai São Francisco que, segundo a doutrina apostólica, a cobiça é raiz de

todo mal, querendo extirpá-la totalmente do coração de seus filhos, mandou na Regra que, de modo

algum, os frades recebessem dinheiro ou pecúnia, por si ou por pessoa interposta; e repete isso três

vezes na Regra, para melhor imprimi-lo na mente dos frades, como coisa que lhe estava muito no

coração. Por isso também Cristo Senhor nosso dizia: “Guardai-vos de toda avareza” [Lc 12,15]. Mas

nós, querendo satisfazer íntegra e plenamente a piedosa intenção e mente de nosso pai, inspirado pelo

Espírito Santo, ordenamos que os frades não tenham de modo algum síndico, procurador ou alguma

pessoa na terra, seja como for chamada, que tenha ou receba pecúnia ou dinheiro para os frades, ou

por sua instância, requisição, pedido, ou em nome deles, por algum respeito ou causa deles.

Mas o nosso procurador e advogado seja Jesus Cristo, nosso Deus, e a sua dulcíssima Mãe seja

a nossa substituta e advogada e todos os anjos e os outros santos sejam nossos amigos espirituais.

[Exortação à pobreza]

295. E porque a altíssima pobreza foi a esposa dileta de Cristo Filho de Deus e de nosso pai São

Francisco, seu humilde servo, deve os frades pensar que não pode ser violada sem que se desagrade

sumamente a Deus e quem a ofende, ofende a pupila de seus olhos.

O seráfico pai costumava dizer que os seus verdadeiros frades não deviam estimar mais a

pecúnia e o dinheiro do que o pó e até fugir deles com horror, como de uma serpente venenosa.

Quantas vezes o piedoso e zeloso pai, prevendo em espírito que muitos frades, relaxando essa

pérola evangélica, haveriam de relaxar-se para receber legados, testamentos e esmolas supérfluas,

chorou a sua condenação, dizendo que estava próximo da perdição o frade que estimava mais a

pecúnia que o barro.

296. A experiência pode fazer ver a todos: logo que o frade afasta de si a pobreza, cai em todo

outro vício enorme. Mas os outros frades se esforcem, a exemplo do Salvador do mundo e de sua dileta

Mãe, por ser pobres das coisas do mundo, para que sejam ricos da graça divina e das santas virtudes e

celestiais riquezas.

E em tudo guardem-se de, ao visitar algum enfermo, induzi-lo direta ou indiretamente a deixar-

nos coisa alguma temporal; antes, se eles quiserem fazê-lo, não consistam, mas rejeitem quanto

puderem justamente, pensando que não se pode possuir ao mesmo tempo riquezas e pobreza.

Nem aceitem legados.

[Recurso aos amigos espirituais]

297. Da mesma forma, ordena-se, quanto aos amigos espirituais, para possuir mais

seguramente este precioso tesouro da pobreza, que nenhum modo de recorra a eles, mesmo para coisas

necessárias, quando puderem tê-las comodamente de algum outro modo permitido na Regra.

E para não sermos pesados para os amigos, nenhum frade faça comprar alguma coisa de preço

notável ou satisfação sem licença do padre vigário provincial. Concede-se, porém, o recurso a eles

para coisas realmente necessárias, que de outro modo não se poderia ter, mas sempre com licença dos

superiores, de maneira que todo recurso haja sempre a verdadeira necessidade e a licença.

298. E porque somos chamados a esta vida para que, mortificando este nosso homem extrínseco,

vivifiquemos o espírito, exortamos os frades a se acostumarem a sofrer a penúria das coisas do mundo,

a exemplo de Cristo que, sendo em tudo Senhor, escolheu por nós ser pobre e padecer.

[Guardar-se da falsa pobreza]

299. E guardem-se os frades do demônio meridiano, que se transfigura em anjo de luz; isso

acontece quando o mundo, por ter devoção por nós, aplaudimos e faz festa honrando-nos e dando-nos

de suas riquezas; essas coisas, muitas vezes, foram a causa de muitos males para a religião.

E não queiram ser daqueles falsos pobres, dos quais diz o devoto Bernardo que há alguns

pobres que querem ser pobres de maneira que não lhes falte coisa alguma.

O capítulo nos exorta no cuidado e no uso dos bens materiais. Para que todas essas coisas não apaguem

em nós o espírito da pobreza, que é ponto fundante na vivência da Regra. Devemos, pois, saber

administrá-los bem para não sermos administrados por ele. Note-se a preocupação dos frades que

elaboraram as constituições em assegurar a continuidade austera da anterior constituição de Albacina.

Para eles, o espírito de radicalidade evangélica deve perpassar toda a vida do frade, como escolha livre

de submissão ao Cristo pobre do presépio.

CAPÍTULO QUINTO

[Deus último fim]

300. Considerando que nosso último fim é Deus, para o qual deve cada um tender e anelar,

tratando de se transforma nele, exortamos todos os frades a dirigir todos os sentidos para esse alvo e

para ele voltar todas as nossas intenções e desejos, com todo ímpeto de amor que for possível, para

que, com todo o coração, mente e alma, forças e virtudes, com atual, continuam intensão e puro amor,

nos unamos ao nosso ótimo Pai.

[Meios para ir a Deus]

301. E porque sem meios não se chega ao fim, esforce-se cada um por colocar de lado todas as

coisas, que, como são úteis e perniciosas, retraia ou impeçam o caminho de Deus. E, não se importando

com os não penitentes, escolham as coisas que são úteis ou necessária para ir a Deus, elegendo entre

as que mais servem, assim como a altíssima pobreza, a ilibada castidade, a humilde obediência e as

outras virtudes evangélicas, que nos forem ensinadas pelo filho de Deus com palavras e exemplos em si

mesmo e em seus santos.

[Modo e tempo de trabalhar]

302. Mas, porque é coisa difícil que o homem esteja sempre todo elevado em Deus, para evitar o

ócio, raiz de todo mal, dar bom exemplo ao próximo, e para não serem pesados para o mundo, a

exemplo do apóstolo Paulo, que pregando trabalhava, e de outros santos, para observar a admoestação

de trabalhar dada na Regra do nosso pai São Francisco e nos conformar-nos nisso com isso com sua

santa vontade, expressa no Testamento, determina-se que, quando os frades não estiverem ocupados em

exercícios espirituais, trabalhem manualmente em qualquer exercício honesto; mas não deixando de

citar-se nesse tempo também com a mente em alguma meditação espiritual, quanto o permitir a

fragilidade humana.

Mas ordena-se que, enquanto se trabalha, sempre ou se fale de Deus ou se leia algum livro

devoto.

[Modalidades do trabalho]

303. E guardem-se os frades de pôr o seu fim no trabalho colocar nele algum afeto, ou ocupar-

se tanto que extingam, ou diminuam ou retardem o espírito, ao qual devem servir todas as coisas. Mas,

tendo sempre os olhos abertos para Deus, andem pelo caminho mais alto e breve, para que o exercício

dado ao homem por Deus, aceito e recomendado pelos santos para conservar a devoção do espírito,

não seja para eles ocasião de distração ou de falta de devoção.

[Sentido da pobreza evangélica]

304. Por outra parte, todo frade pense que a pobreza evangélica consiste em não ter afeto por

coisa terrena, usar estas coisas do modo com a maior parcimônia, quase a força, obrigado pela

necessidade, e para a glória de Deus, ao qual devemos reconhecer que tudo pertence; e para glória da

pobreza dar aos pobres aquilo que nos sobra.

Recordem-se também os fardes que estamos na hospedaria e comemos os pecados do povo. Mas

de tudo haveremos de prestar contas.

[Fugir do ócio]

305. E porque, como diz o devoto São Bernardo, nenhuma coisa é mais preciosa do que o tempo

e nenhuma hoje é tida como a mais vil; e o mesmo também diz que todo o tempo que nos é dado

seremos sutilmente examinados sobre como o gastamos: exortamos todos os nossos irmãos que jamais

estejam ócios, nem gaste seu tempo em coisas de poucas ou nenhuma utilidade, nem em palavras vãs ou

inúteis, lembrando-se sempre da tremenda sentença da verdade infalível: que de toda palavra ociosa

vamos dar contas no dia do juízo [Mt12,36].

Mas usem todo o tempo em exercícios espirituais ou corporais louváveis, honestos e úteis, para

honra e glória da divina majestade e para a edificação e bom exemplos dos nossos próximos e irmãos,

religiosos e seculares.

Nesse capítulo podemos destacar o modo de trabalhar dos frades, que o nosso pai São Francisco tanto

admoestou sobre a graça do trabalho dada na Regra, além de chamar a atenção dos frades no tocante a

ociosidade, onde os mesmos deveriam gastar o seu tempo trabalhando e fazendo desse trabalho uma

oração. Dessa forma, o trabalho é entendido em sua dimensão espiritual e humana, onde o exercício

santifica aquele que o realiza de boa vontade.

CAPÍTULO SEXTO

[Pobreza vivida na imitação de Cristo]

306. O nosso seráfico pai São Francisco, considerando a altíssima pobreza de Cristo, Rei do

céu e da terra, o qual, quanto ao morar, nascendo também numa hospedaria, não teve um pouco de

lugar, vivendo como peregrino, morou na casa dos outros e, morrendo, não teve onde reclinar a

cabeça; ruminando também quanto foi sempre paupérrimo em todas as outras coisas; para imitá-lo

mandou na regra aos seus frades que não tivessem coisa alguma própria, para que, mais expeditos,

como peregrinos na terra e cidadãos no céu, corressem com espírito fervoroso pelo caminho de Deus.

Mas nós, querendo então nobre exemplo imitar Cristo em verdade e realmente observar o

seráfico preceito da celeste pobreza, para demonstrar de fato que não temos nenhuma jurisdição,

domínio, propriedade, posse jurídica, usufruto, nem uso jurídico de coisa alguma, mesmo daquelas que

usamos por necessidade.

[Precariedade dos locais]

307. Determinou-se que, em todo local, tenha-se um inventário, onde sejam escritas todas as

coisas de valor notável, emprestadas por seus donos para o uso necessário e simples.

E, dentro da oitava do seráfico pai, cada guardião vá primeiro ao dono do local e,

agradecendo-lhe pelo lugar a eles emprestado no ano pretérito, roguem humildemente que se digne

emprestá-lo aos frades também por um outro ano. Quando consentir, poderão aí morar com

consciência segura. Mas quando não quiser, sem nenhum sinal de tristeza, até de coração alegre,

acompanhados pela divina pobreza, irão embora reconhecendo-se agradecidos pelo tempo que lhes foi

emprestado, e não ofendidos se, sendo seu, ele não emprestar de novo, não sendo obrigado.

E façam o mesmo com todas as outras coisas de valor notável, elevando-as também aos seus

donos, quando o puderem fazer comodamente, como cálices e coisas semelhantes. Ou pelo menos

prometam que vão levá-las, quando não as quiserem emprestar mais. E quando não forem aptas para

serem usadas, sejam devolvidas aos seus donos do jeito que estiverem, ou peçam licença para dá-las

aos pobres.

[Modo de fundar locais novos]

308. Ordena-se também que, quando os frades quiserem pegar um local novo, segundo a

doutrina do humilde Francisco, primeiro vão falar com o bispo, ou seu vigário, e peçam licença para

poder pegar aquele local em sua diocese. E obtida a licença, vão com sua bênção à comunidade, ou ao

senhor, e peçam que queiram emprestar-lhes um pouco de lugar.

309. E guardem-se os frades de pegar algum local com obrigação de mantê-lo. Aliás, impõe-se

que não o aceitem sem o protesto expresso de poder deixá-lo toda vez que lhes parecesse oportuno para

a pura observância da Regra, para que, ocorrendo deixá-lo, não haja escândalo.

[Habitações pobres]

310. E porque, como peregrinos, a exemplo dos antigos patriarcas, deveremos viver em

pequenas cabanas, tugúrios e coberturas, exortam-se os frades a recordarem-se das palavras do

seráfico pai em seu Testamento, onde proíbe que de modo algum recebam as igrejas e habitações que

foram fabricadas para eles, se não estiverem segundo a forma da altíssima pobreza; pelo que se pode

intuir que muito menos é lícito aos frades consentir que sejam construídas suntuosamente, ou construí-

las.

Os frades não devem, para dar prazer aos senhores do mundo, desagradar a Deus, violar a

Regra, escandalizar o próximo e ofender a pobreza evangélica prometida. Deve haver uma grande

diferença entre os grandes palácios dos ricos e os pequenos tugúrios dos pobres mendigos, peregrinos e

penitentes.

Mas ordena-se que não recebam locais, que sejam feitos para nós ou para outros, e muito menos

que se fabriquem. E os frades não permitam que sejam fabricados para eles, se não forem de acordo

com a santíssima pobreza, que prometemos.

[Pequeno modelo para a fábrica]

311. Para essa finalidade foi feito um pequeno modelo, segundo o qual se construirá. As celas

não tenham mais do que nove palmos de comprimento e de largura. Na altura, dez; as portas sete

palmos de altura e dois e meio de largura. As janelas dois e meio de altura e um e meio de largura. O

corredor do dormitório com a largura de seis palmos. E assim as outras oficinas sejam pequenas,

humildes, pobres, abjetas e baixas, para que tudo pregue humildade, pobreza e desprezo do mundo.

As igrejas também sejam pequenas, pobres e honestas. E não queiram que elas sejam grandes

para poder pregar, porque, como disse São Francisco, dá-se melhor exemplo pregando nas igrejas dos

outros do que nas nossas, maximamente quando se ofende a santa pobreza.

[Responsabilidade dos construtores]

312. Também para evitar todas as coisas que poderiam ofender a pobreza, ordena-se que os

frades de modo algum se intrometam nas construções, exceto para demonstrar àqueles a quem foi

confiado tal negócio a forma pobre do modelo, solicitar-lhes e manualmente prestar-lhes ajuda.

Os frades também se esforçarão em fazer, quanto for possível, aquele tão pouco de vime e barro,

canas, tijolos crus e matéria vil, a exemplo de nosso pai e em sinal de humildade e pobreza. E tenham

como seu espelho as pequenas casas dos pobres e não as habitações modernas.

313. E para evitar toda desordem, determine-se que não se aceite ou deixem nenhum local, nem

se edifiquem ou destruam, sem licença do Capítulo Provincial e do padre Vigário Geral. E nenhum

guardião possa edificar nem destruir, senão segundo lhe for ordenado pelo seu vigário provincial, o

qual, com alguns frades aptos para isso, vá dizer o modo de ditos edifícios.

[Distância dos centros habitados]

314. E para que os seculares possam servir-se de nós nas coisas espirituais e nós deles nas

temporais, ordena-se que os nossos locais não sejam tomados muito longe das cidades, castelo ou vilas;

mas também não muito próximos, para não sofrerem detrimento pela presença demasiada deles. Basta

que regularmente sejam distantes uma milha e meia mais ou menos, aproximando-se sempre mais

depressa (a exemplo dos santos padres e precisamente do nosso) dos desertos solitários que das cidades

deliciosas.

[Hospedaria]

315. Também ficou determinado que, nos nossos locais, haja (se for possível) uma pequena

salinha com lareira para receber, quando preciso, os peregrinos e forasteiros, como pede a caridade e

suporta a nossa pobreza.

[Uma ou duas pequenas celas eremíticas]

316. Ordena-se também que, em todo o lugar, onde comodamente se puder, no bosque ou

terreno concedido aos frades, haja uma ou duas pequenas celas afastadas da habitação comum dos

frades e solitárias, para que, se algum frade quiser levar vida anacorética (para isto julgado idôneo

pelo seu prelado), possa quietamente, em solidão, com vida angélica, dar-se todo a Deus, segundo o

instinto do Espírito Santo.

E nesse tempo, a fim de que possa, em quietude, fruir Deus, ordena-se que não se fale com ele, a

não ser o seu padre espiritual, que lhe será como mãe para provê-lo, segundo a piedosa mente de nosso

seráfico pai, como lemos nas Conformidades.

[Fé na providência, mendicância e pobreza]

317. Ordena-se também que, se nos lugares que se tomaram houver videiras ou árvores

supérfluas, não sejam cortadas, mas, com o consentimento dos donos, dêem-se os frutos aos pobres. E

as videiras sejam arrancadas e sejam dadas para plantar-se em outros lugares, ou para dar-se para os

pobres.

318. E porque, segundo a doutrina evangélica os cristãos e máxime os pobres frades de São

Francisco, que especialmente assumiram seguir Cristo, sumo imperador e espelho sem mancha, pelo

caminho da altíssima pobreza, devem pensar que seu Pai celeste saiba, possa e queira governá-los, e,

portanto, tem especial cuidado por eles: mas não como os gentios, que não creem na divina

providência, devemos, com ânsia e supérflua solicitude, procurar essas coisas do mundo, que o sumo

Deus concede com mão larga até aos animais brutos. Mas como filhos do Pai Eterno, pondo de lado

toda solicitude, carnal, devemos em tudo depender daquela divina liberalidade e entregar-nos na

infinita bondade.

Por isso, ordena-se que, em nossos locais, não se faça provisão de coisa alguma, mesmo

necessária para o sustento humano, máxime daquelas que se podem mendigar cotidianamente, mais do

que por dois ou três dias, e, no máximo, por uma semana, segundo a exigência dos tempos e lugares.

As frutas não podem ser guardadas a não ser por pouco tempo, segundo o julgamento do

provincial.

319. E para fechar o caminho da supérflua provisão humana, ordena-se que, nos nossos locais,

não haja nem barricas nem barris, mas apenas algumas pobres cabaças ou frascos. As lenhas, máxime

para o tempo do inverno, poderão ser guardadas por dois ou três meses.

320. E para que a mendicância dos frades não seja rica e delicada, de nome e não de fato,

ordena-se que não busque (mesmo no carnaval) carne, ovos, queijo nem peixes nem outras comidas

preciosas, não convenientes ao nosso pobre estado, exceto para os doentes; mas, dados sem ser

pedidos, poderão ser recebidos, contanto que não se ofenda a pobreza.

[Exemplo de São Francisco]

321. E sobretudo guardem-se os frades de abandonar a sua santíssima mãe pobreza, tendo em

abundância as esmolas pelo favor dos grandes e pela fé dos povos e devoção do mundo, como não

legítimos filhos de São Francisco. Mas recordem-se daquelas belas palavras de seu pai, que costumava

dizer, com ardentíssimo afeto de amor: “Agradeço a Deus, porque, por sua bondade, sempre conservei

a fidelidade a minha dileta esposa pobreza. Nunca fui ladrão de esmolas, pois sempre peguei menos do

que precisava, para que os outros pobres não fossem defraudados de sua porção, porque fazer o

contrário é furto diante de Deus” (2Cel 151;LM14,4;LP111;EP12).

[Esmolar pelos pobres em tempo de carestia]

322. Ordenou-se também que, no tempo de carestia, para acudir à necessidade dos pobres,

façam-se as buscas pelos frades que tiverem sido designados para isso por seus prelados, a exemplo de

nosso tão piedosíssimo pai, que tinha grande compaixão pelos pobres. Pois, se lhe era dada alguma

coisa por amor de Deus, não a queria senão com este pacto de poder dá-la aos pobres, encontrando

alguém mais pobre do que ele. Muitas vezes, como se lê, para não ficar sem a veste nupcial e

evangélica da caridade, despojou-se das próprias roupas e deu-as aos pobres; aliás, foi despojado pelo

violento ímpeto do amor divino.

[Pobreza e desapego]

323. E porque a pobreza voluntária não tem nada e é rica de tudo e feliz e não teme nem desejar

nem poder perder coisa alguma, tendo posto seu tesouro em lugar seguro; porém, para arrancar fora

realmente e na verdade as raízes das ocasiões de toda propriedade, ordena-se que nenhum frade tenha

chave de cela, caixa, escabelo ou outra coisa, exceto os oficiais para conservar as coisas que têm que

dispensar para a comunidade dos frades, como é justo e razoável.

324. E porque nada possuímos neste mundo, a nenhum frade seja lícito dar coisa alguma aos

seculares, sem licença de seus guardiães; os quais também não podem dispensá-las senão para coisas

mínimas e vis, sem licença de seus vigários provinciais.

[Cuidado dos frades doentes e das vítimas da peste]

325. E para satisfazer aos enfermos, conforme dita a razão manda a Regra e buscar a caridade

fraterna, ordena-se que, ficando enfermo algum frade, imediatamente lhe seja designado pelo padre

guardião um frade apto que lhe sirva em todas as suas necessidades. E, quando for conveniente, que

mude de lugar, proveja-se subitamente.

E todo frade pense no que quereria que fosse feito para ele em semelhante caso. Uma mãe terna

e sensitiva não é tão obrigado ao seu filho único quanto cada irmão, como expressou nosso piedoso pai

na nossa Regra.

E porque para os que não têm amor na terra é coisa doce, justa e devida morrer por quem

morreu por nós na cruz, ordena-se que, em tempo de peste, os frades sirvam, conforme dispuserem os

seus vigários, os quais em caso semelhante se esforçarão por ter abertos os olhos da discreta caridade.

O aspecto das casas (conventos) deve ser orientado segundo a realidade pobre dos pobres. Numa rápida

problematização, a pobreza deve ser vista aqui não somente como austeridade, mas do mesmo modo

como enculturação. Só se sente a realidade extrema da pobreza, quando se vive como o Cristo pobre e

crucificado.

CAPÍTULO SÉTIMO

[Confessar os seculares]

327. Ordena-se em primeiro lugar, para evitar o perigo dos súditos e dos prelados, que nenhum

frade confesse seculares sem licença do capítulo ou do padre vigário geral, para que tal ofício, que

além da boa consciência e suficiência, pedem também a devida experiência, não seja exercido pelos que

não são idôneos.

E aqueles que são designados como confessores, não confessem ordinariamente, mais em casos

particulares, quando forem obrigados pela caridade. E isso para evitar todo perigo e distração da

mente, para que, restrito e recolhidos em Cristo, possam correr para a pátria celeste mais seguramente,

sem impedimento.

[Reconciliação e Eucaristia]

328. Também se ordena que os frades se confessem no mínimo duas vezes por semana,

comunguem a cada quinze dias ou mais frequentemente quando quiserem e seu prelado julgar que lhe

seja oportuno. Mas no advento e na quaresma comunguem todos os domingos.

E cuidem, segundo a admoestação apostólica de examinar primeiro muito bem a si mesmos, seu

nada e indignidade, e, por outro lado, o nobre dom de Deus dado com tanta caridade, para que o

receba não para o juízo de suas almas, mas para o aumento de luz, graças e virtudes.

E este altíssimo e divino sacramento no qual o nosso dulcíssimo Salvador digna-se tão

docemente morar continuamente conosco, em todas as nossas igrejas seja mantido um lugar limpíssimo

e tido por todos em suma reverência, diante do qual estejam e orem como se estivessem na pátria

celeste, junto com os santos e anjos.

329. Conceda-se aos frades que, em caso de necessidade quando estiverem fora de nossos

locais, possam confessar-se com outros sacerdotes.

[Hospitalidade e caridade]

330. E para nutrir a caridade, mãe de todas as virtudes, ordena-se que, com toda a possível

humanidade cristã, recebam-se pessoas que vierem aos nossos locais, precipuamente os religiosos,

como pessoas mais peculiarmente deputadas ao divino obséquio, como o exortava o nosso pai na sua

primeira Regra.

[Misericórdia dos ministros que pecam]

331. Ordena-se também que, nos casos reservados, os delinquentes poderão, quanto antes, dar

na vista e com comodidade, recorrer humildemente aos seus vigários, nos quais possam e devam

confiar.

E os prelados, se os virem verdadeiramente contritos e humilhados confirme propósito de

emendar-se e preparados para a penitência condigna, com doçura, a exemplo de Cristo nosso

verdadeiro Pai e Pastor, recebam-nos no modo que foi recebido pelo piedosíssimo Pai o filho pródigo.

E com Cristo esforcem-se com alegria por trazer de volta nos próprios ombros a ovelhinha perdida

para o ovil angélico.

[Exortação de São Francisco]

332. Recordem-se também de que o nosso pai São Francisco costumava dizer que, se quisermos

levantar alguém que estivesse caído, precisamos agir por piedade, como fez Cristo, piedosíssimo

Salvador, quando lhe foi apresentada a adúltera e não estar com rígida crueldade sobre o pecador. E

mais: Cristo, filho de Deus, para salvar-nos, desceu do céu sobre a cruz e aos pecadores humilhados

mostrou toda doçura possível.

Pense também que, se Deus tivesse julgar-nos com justiça rígida, poucos ou nenhum se salvaria.

E ao por a penitência, tenham sempre os olhos abertos para salvar e não para perder a alma e a fama

daquele pobre frade, por cujo pecado nenhum frade deve escandalizar-se, envergonhá-lo, fugir dele ou

ter terror por ele; antes, deve ter compaixão para com ele e amá-lo tanto mais quanto tem mais

necessidade, sabendo que, como dizia o pai São Francisco, todos nós faríamos muito pior se Deus não

nos preservasse com sua graça.

333. E mais: deixando no mundo como pastor universal, em seu lugar, São Pedro, disse-lhe que

queria que perdoasse o pecador mesmo que pecasse setenta vezes sete. Mas São Francisco disse, em um

de suas cartas, na qual queria que, se o frade pecasse quanto era possível, vistos os olhos do prelado,

não fosse embora sem misericórdia, quando a buscasse humildemente; e se não a buscasse, queria que

o prelado lha oferecesse; e se depois de mil vezes ou que recordasse seu pecado, até, para atraí-lo para

Cristo, nosso piedosíssimo Senhor, o amasse com o coração, em verdade, sabendo que p arrepender-se

de coração com firme propósito de não pecar mais e exercitar-se em ações virtuosas, basta diante de

Deus. Mas Cristo, quando dava a penitência, costumava dizer: Vá em paz e não queiras mais pecar.

[Misericórdia com justiça]

334. Por outro lado, considerem que não punir quem peca é abrir a porta de todos os vícios aos

tristes e convidá-los a erros semelhantes; mas, segundo a Regra, imponham-lhes com misericórdia a

penitência condigna. Para isso, a fim de que a propriedade do Senhor seja preservada por boa cerca,

ordenamos que, nas nossas coisas e especialmente nas correções e punições dos frades, não se observe

a sutileza da lei, ou então as intrigas judiciais.

[Carregar a cruz da penitência]

335. E segundo a concessão de Bonifácio VIII, de feliz memória, de Inocêncio e de Clemente, a

nenhum frade seja lícito apelar de seus prelados fora de nossa congregação, sob pena de excomunhão

latae sententiae e do cárcere e de ser expulso da congregação, porque não viemos para a religião para

litigar, mas para chorar a cruz da penitência seguindo Cristo.

E para que os maus, no tempo que virá, não sejam impedimento para os bons, sejam punidos

com misericórdia pelos prelados.

336. E porque todos os cristãos e máxime nós frades de São Francisco devemos sempre ter a

íntegra e ilibada fé apostólica da santa Igreja Romana, mantê-la firmemente e pregá-la sinceramente e

para sua defesa estar preparados para derramar o próprio sangue até a morte, ordenamos que, se

algum frade, por tentação diabólica, se encontrasse – Deus nos livre! – manchado por algum erro

contra a fé católica, seja posto em cárcere perpétuo. E para punir esses delinquentes e outros

semelhantes, haja em alguns dos nossos locais os cárceres fortes, mas humanos.

[Correções dos frades apóstatas]

337. E para que alguns frades, odiando nossa solidão e quietude, não voltem para a carne do

Egito, tendo sido libertados da fornalha da Babilônia, sejam excomungados e denunciados como

excomungados pelo nosso Vigário Geral e por todo o capítulo, pela presente constituição, todos os que

apostatam da nossa congregação, remetendo ao dito Vigário Gera e aos provinciais a qualidade e

quantidade das penas com que devem ser punidos os ditos apóstatas e todos os outros delinquentes.

Esses vigários devem puni-los segundo a qualidade dos excessos, a humildade dos louváveis

costumes de nossa Ordem.

Nessas coisas, porque diz o exímio doutor Agostinho que, ou punindo ou perdoando, sempre se

faz para esse fim, para que a vida do homem seja corrigida, assim será temperada a justiça com a

misericórdia, que o rigor da disciplina não falte e não se exceda por demasiada crueldade, mas seja

cuidado o enfermo de punição e nela se encontrem sempre justas a misericórdia e a verdade e por isso

elejam-se para nossos prelados irmãos maduros, discretos, que tenham ciência, consciência e

experiência e, em todas as coisas, procedam com o conselho dos irmãos mais antigos.

[Não revelar os segredos da Ordem]

338. E, para que as punições, que entre nós se fazem com bom zelo, não sejam impedidas ou

sinistramente julgadas e ainda seja maior a liberdade de proceder contra os delinquentes, proibimos

que os segredos da Ordem sejam manifestados; antes, devemos conservar a fama de todos, quanto for

possível, seguindo sempre as coisas que são para o louvor e glória de Deus, ocasião de paz, edificação

e salvação de todos os nossos próximos.

Nesse capítulo podemos destacar dois sacramentos importantíssimos para nossa vida de

verdadeiros Cristãos Católicos: a Confissão e a Eucaristia. A confissão que nos coloca aos pés do

sacerdote, onde humildemente confessamos nossas misérias e pecados, e nesse gesto, nos reconciliamos

com Deus. A Eucaristia que até os dias de hoje Cristo vem até nós, presente na hóstia consagrada,

presença real no meio de nós. Quando compreendemos tal mistério, tão doce alimento, devemos sempre

buscá-lo e recebe-lo, pois, é Ele e nEle onde encontramos forças para caminharmos com alegria e

perseverança.

CAPÍTULO OITAVO

[Autoridade com serviço]

339. E porque, segundo a doutrina de Cristo, humilde Senhor nosso, os prelados cristãos não

devem ser como os príncipes gentis, que nas dignidades se engrandecem, antes devam tanto mais se

abaixar quanto tem maior peso sobre os seus ombros, e pensar que, enquanto os outros frades têm que

obedecer ao seu prelado, eles têm que obedecer a todos os frades, como lhes é imposto por obediência

pelo capítulo que os elege, e servi-los e ministrá-los em todas as suas necessidades, máxime nas

espirituais, a exemplo de Cristo, que veio para nos servir, ministrar e dar por nós sua própria vida.

Por isso exorta-se todos os prelados a serem ministros e servos de todos os seus frades; o que

farão se, segundo a doutrina do seráfico pai, ministrarem espírito e vida aos seus súditos, pelo exemplo

e pela doutrina.

[Humildade e simplicidade nas eleições]

340. E, em toda eleição, proceda-se pura, simples e santa e canonicamente, esforçando-se,

segundo a doutrina de Cristo, piedoso Senhor nosso, convidados para as suas núpcias, por estar no

último lugar com ele e não com Lúcifer, no primeiro; sabendo que os primeiros serão os últimos e os

últimos os primeiros. E fugindo da dignidade com Cristo, não aceitem, se não forem chamados por

Deus com Aarão, por uma santa obediência.

[Capítulos gerais e provinciais]

341. Ordena-se, quanto ao capítulo geral que seja feito a cada três anos na festa de Pentecostes,

por ser muito cômoda para tão grande negócio, designa pelo nosso seráfico pai; e os provinciais, todos

os anos, na segunda ou terceira sexta-feira depois da páscoa.

[Renúncia dos ministros]

342. E em sinal de humildade e para demonstrar seu ânimo sincero, longe de toda espécie de

ambição, tanto o Vigário Geral no Capítulo Geral como os provinciais nos capítulos provinciais,

renunciarão livremente aos seus ofícios com toda autoridade, nas mãos dos definidores eleitos pelo

capítulo; e, em testemunho de perfeita resignação, porão os selos nas mãos dos preditos definidores.

[Se o geral morrer]

343. E se acontecesse que o padre Vigário Geral morresse no seu triênio determina-se que, em

tal caso, o primeiro definidor do capítulo pretérito seja comissário geral e, por acaso ele tivesse

morrido, seja o segundo e assim com os outros.

E seja obrigado, quanto antes, a convocar o capítulo para Pentecostes ou por perto, ou em setembro,

onde já for determinado ou lhe parecer expediente, com o conselho dos outros definidores, quando

puderem ter-se comodamente.

[Se o geral for inapto]

344. Ordena-se também, para dar um modo certo, seguro e fácil para depor o geral, quando não

for idôneo como São Francisco impõe em sua Regra, que os três primeiros definidores do capítulo

pretérito, obtida a provável e suficiente informação de sua insuficiência, possam e devam, onde e como

lhe parecer conveniente, convocar os frades para o Capítulo Geral, onde deverá ser discutido se é

digno ou não de ser deposto.

E se o geral tentasse impedir essa convocação para o capítulo queremos que seja privado do

ofício. E, no caso em que o capítulo julgar que o geral não merece ser deposto e que os referidos três

definidores tiverem causado tal comoção na congregação sem justa causa, sejam punidos gravemente a

arbítrio do capítulo, por terem procedido tal indiscretamente.

[Eleição dos definidores]

345. Determina-se também que na eleição dos definidores, tenha voz passiva todos os frades que

se encontrarem no local do capítulo. E os vigários, em tal eleição tenham voz ativa: o geral no Capítulo

Geral e os provinciais nos capítulos provinciais.

Também se determina que, no Capítulo geral, sejam eleitos seis definidores entre os quais

poderão estar no máximo dois do que tiverem sido eleitos no capítulo próximo passado. E, nos

capítulos provinciais, elejam-se quatros definidores, dos quais semelhantemente dois no máximo podem

ser dos do ano próximo passado.

[Pausa no governo]

346. Também se ordena que os provinciais fiquem livres depois do seu triênio pelo menos por

um ano, se já não parecesse diferentemente ao padre Vigário Geral, por causa razoável.

[Orações durante o capítulo]

347. E, no tempo em que se celebra o Capítulo Geral, façam-se contínuas e fervorosas orações

por todos os frades de nossa congregação e, no tempo do capítulo provincial, por todos os frades da

província, pedindo que a divina clemência digne-se colocar todas as nossas coisas segundo o seu

beneplácito, para louvor, honra e glória da sua Majestade e para utilidade de sua santa Igreja.

No presente capítulo destacamos a exortação que o nosso pai Francisco faz no que diz respeito a

realização dos Capítulos Gerais, e a forma como o ministro deve servir aos seus frades, e ordena que a

cada três anos depois da Pascoa, deve ser realizado o Capitulo Geral para eleger o ministro, podendo

assim o mesmo renunciar livremente o seu ofício, além de mostrar como devem agir caso ocorra a morte

do ministro dentro do triênio.

CAPÍTULO NONO

[Evangelização a escolha dos pregadores]

348. E porque evangelizar a Palavra de Deus, a exemplo de Cristo, mestre da vida, é dos mais

dignos, úteis, altos e divinos ofícios que há na Igreja de Deus, do que depende principalmente a

salvação do mundo, ordena-se que ninguém pregue se, primeiro, examinado e aprovado pelo Capítulo

Geral ou pelo padre Vigário Geral, como quer a Regra, não lhe for concedido.

Não se lhes dê tal ofício se não virem que são de vida santa e exemplar, claro e maduro juízo,

forte e ardente vontade, porque a ciência e eloquência sem caridade não edificam, muitas vezes até

destroem.

E os prelados cuidem diligentemente, ao impor tal ofício, que não façam acepção de pessoas,

nem se movam por amizade ou favor humano, mas, simplesmente, por amor de Deus, preferindo mais

rapidamente que sejam poucos e bons pregadores do que muitos e insuficientes, a exemplo de Cristo,

suma sabedoria, que no meio de uma turba tão grande de hebreus só escolheu doze apóstolos e setenta

e dois discípulos, tendo primeiro rezado largamente.

[Pregar Cristo crucificado]

349. Impõe-se também aos pregadores que não preguem frioleiras, nem novidades, poesias,

histórias ou outras ciências vãs, supérfluas, curiosas, inúteis e perniciosas, mas, a exemplo de Paulo

apóstolo, preguem Cristo crucificado, no qual estão todos os tesouros da sabedoria e da ciência de

Deus.

Esta é aquela divina sabedoria que Paulo santíssimo pregava entre os perfeitos, depois que se

tornou um viril cristão; porque, quando era um hebreu pueril, pensava, sabia e falava como uma

criança, sobre as sombras e figuras do Velho Testamento.

Nem deveriam alegar outra coisa senão Cristo (cuja autoridade prevalece a todas as pessoas e

razões do mundo) e os santos doutores.

[Pregar por redundância do amor]

350. E porque para o nu e humilde Crucificado não são convenientes as palavras polidas,

enfeitadas e artificiosas, mas palavras nuas, puras, simples, humildes e baixas, mas assim mesmo

divinas, afogueadas e cheias de amor, a exemplo de Paulo, vaso de eleição, que pregava não na

sublimidade de sermão e de eloquência humana, mas em virtude do Espírito.

Por isso exortam-se os pregadores a imprimir-se Cristo bendito no coração e dar-lhe posse

pacífica de si, para que, por redundância de amor, seja Ele que fale neles, não só com as palavras, mas

muito mais com as obras, a exemplo de Paulo, doutor dos povos, que não ousava pregar a outros

alguma coisa, se Cristo não operava primeiro nele; como também Cristo, perfeitíssimo mestre, nos

ensinou não só com a doutrina, mas com as obras. E estes são grandes no reino do céu, que primeiro

operam para si e depois ensinam e pregam aos outros.

[Pregar assiduamente]

351. Nem pensem que fazem o suficiente, se apenas pregarem a quaresma ou o advento, mas

esforcem-se assiduamente por pregar, pelo menos, em todas as festas, a exemplo de Cristo, espelho de

toda perfeição, que andava pela Judéia, Samaria e Galiléia, pregando pelas cidades, vilas e, alguma

vez, só para uma mulher, como se lê sobre a Samaritana.

[Volta à Solidão]

352. E quando, por praticarem com seculares, sentirem diminuir-se o espírito, retornem para a

solidão e lá estejam tanto que, repletos de Deus, mova-os ímpeto a espargir as graças divinas no

mundo.

E assim, sendo ora Maria ora Marta, numa vista mista, seguirão a Cristo, que, tendo orado no

monte, descia ao templo para pregar; até desceu do céu à terra para salvar as almas.

[Viver pobremente]

353. Proíbe-se aos pregadores que recebam refeições, mas que vivam como pobres e mendigos,

como prometeram voluntariamente por amor a Cristo. E, acima de tudo, guardem-se de todo tipo de

avareza, para que, pregando Cristo livre e sinceramente, lucrem fruto em maior abundância.

Pelo que se proíbe que façam pedidos, quando estão pregando, por si ou pelos frades, para que,

segundo a doutrina apostólica, seja por todos sabido que não buscam suas coisas, mas de Jesus Cristo.

[Método e conteúdo da pregação]

354. E como quem não sabe ler Cristo, livro da vida, não tem doutrina para poder pregar, mas

deve estuda-lo, proíbe-se aos pregadores que levem muitos livros, uma vez que me Cristo encontra-se

tudo.

E por ser este bendito ofício de pregar tão excelente e aceitíssimo para Cristo, nosso Deus, que

o demostrou quando ele mesmo, com tanto fervor daquela sua divina caridade, pela salvação de nossas

almas, quis exercê-lo, propiciando-nos a salubérrima doutrina evangélica; para poder, portanto,

imprimir melhor no coração dos pregadores a norma e modo que deverão ter, para que mas

dignamente possam evangelizar Cristo crucificado, pregar o reino de Deus e operar fervorosamente a

conversão e salvação das almas, como que replicando e de certa forma inculcando, acrescentamos e

impomos que em sua pregação usem a Sagrada Escritura e precipuamente o Novo Testamento, mas

máxime o Evangelho, de modo que, sendo nós pregadores evangélicos, tornemos evangélicos também

os povos.

[Pregação a penitência]

355. E ponham de lado todas as vãs e inúteis questões e opiniões, os cantos que causam

pruridos, a sutileza inteligível por poucos, mas, a exemplo do santíssimo precursor João Batista, dos

santíssimos apóstolos e de outros santos pregadores, inflamados de amor divino, aliás, a exemplo de

nosso dulcíssimo Salvador, preguem: fazei penitencia, aproxima-se o reino do céus.

E segundo o nosso pai seráfico, que admoesta na Regra: anunciem os vícios e as virtudes, a

pena e glória com brevidade de palavra; não desejando nem procurando nada mais que a gloria de

Deus e a Salvação das almas, remida com o preciosíssimo sangue do cordeiro imaculado Cristo Jesus

bendito.

[Pregação “examinada e casta”]

356. E seu modo de falar seja examinado e casto e não desçam a nenhuma pessoa particular,

porque, como diz o glorioso São Jerônimo, falar em geral não ofende a ninguém, exprobrando

certamente os vícios, mas horando na criatura a imagem do seu Criador.

E como nos exorta o seráfico pai em seu Testamento, esforcem-se por temer, amar e honrar os

venerados sacerdotes, os reverendos bispos, os reverendos cardeais e acima de todos o santo e sumo

pontífice, vigário de Cristo na terra, cabeça geral, pai e pastor de todos os cristãos e de toda a Igreja

militante, e todos os outros do estado eclesiástico, que vivem segundo a ordem da santa Igreja Romana,

e estão humildemente sujeitos à nossa predita cabeça, pai, senhor, isto é, o sumo pontífice.

E como o nosso predito santo pai nos ensina no mesmo Testamento, devemos honrar e venerar a

todos os pregadores, que nos administram as santíssimas palavras divinas, como aqueles que nos

administram o espirito e a vida.

[Necessidade da oração]

357. E para que, pregando aos outros, não se tornem réprobos, deixem, de vez em quando, de

frequentar as pessoas e, dulcíssimo Salvador, subam ao monte da oração e contemplação e lá se

esforcem por inflamar-se do amor divino como serafins, para que, sendo eles bem quentes, possam

aquecer os outros.

[Livros e biblioteca]

358. E, como já foi dito não levem consigo muitos livros para que possam mais assiduamente ler

no excelentíssimo livro da cruz.

E Porque sempre foi intenção de nosso doce pai que os livros necessários dos frades fossem

tidos em comum e não em particular, para observar melhor a pobreza e remover do coração dos frades

todo afeto e particularidade, ordena-se que, nem nosso local, haja uma pequena sala, na qual tenha-se

a escritura sagrada e alguns santos doutores.

Mas os livros inúteis dos gentios, que mais depressa tornam o homem pagão do que cristão

(como foi dito acima no primeiro capitulo) não sejam mantidos em nossos locais. Mas, se acontecer que

haja algum, seja dado aos pobres, segundo a disposição dos padres vigários, geral e provinciais.

[Estudo das letras e das Escrituras]

359. E porque a quem deve pregar dignamente e com a devida ordem, é necessário que tenham,

além da vida religiosa e aprovada, também algum conhecimento das Sagradas Escrituras, que,

evidentemente, não se pode ter senão mediante alguma ciência de estudo literal, e para que tão nobre e

frutuoso exercício que é o pregar ( em nossa congregação) não diminua, com grandíssimo prejuízo das

pobres almas dos seculares, ordena-se que haja alguns devotos dos santos estudos, redundantes de

caridade e humildade, tanto na gramática positiva quando nas letras sagradas.

Para esse estudo possam ser providos os frades, que, segundo o juízo do vigário provincial e dos

definidores, forem de fervorosa caridade, de costume louváveis humilde e santo comportamento. Em

segundo lugar, que sejam de tal modo aptos para aprender que, depois, com vida e doutrina, possam

ser úteis e frutuosos na casa do Senhor.

[Exortação aos estudantes]

360. E não busquem os estudantes adquirir ciência que infla, mas a iluminativa e incendiadora

caridade de Cristo, que edifica a alma. Nem jamais mergulhamos tanto no estudo literal que, por isso,

tenham que deixar de lado o estudo sagrado da oração, porque agiriam expressamente contra a

intenção do seráfico pai, que não queria nunca que por algum estudo de letras se deixasse a santa

oração.

Mas, para melhor poder ter o espírito de Cristo, esforçar-se-ão tanto os lentos quanto os

estudantes, por dar maior força ao estudo espiritual que ao liberal, e, fazendo assim, tanto maior

proveito obterão no estudo quando mais derem atenção ao espirito que à letra; pois sem o espírito não

se adquire o verdadeiro sentido, antes a mera letra, que cega e mata.

[Estudar em pobreza e humildade]

361. Mas esforçar-se-ão juntos, com a santa pobreza, por não deixar jamais o caminho régio

que conduz ao paraiso, a santa humildade, recordando-se frequentemente do dito de Jacopone, que

ciência adquirida – dá mortal ferida – se não for revestida – de coração humilhado.

Será ainda para eles causa de humilhar-se se reconhecerem ter acrescentado uma nova

obrigação para com Deus por terem sido promovidos ao estudo e feitos dignos de ser introduzidos na

verdadeira e suave inteligência das sagradas letras, sob o sentido das quais está escondido aquele, cujo

espírito sopra o mel e é doce para quem o saboreia.

[Primeiro a oração, depois a lição]

362. E toda vez que entrarem na lição, exortamos a que se recordem, in spirito humilitatis et in

animo contrito1, por elevar sua mente a Deus e dizer:

Domine, iste vilissimus servus tuus et omni bono indignus, vult ingredi ad videndum thesauros tuos.

Placeat tibi ut ipsum indignissimum introducas et des sibi in his verbis et sancta lectione tantum te

diligere quantum te cognoscere, quia nolo te cognoscere nisi ut te diligam, Domine Deus Creator meus.

Amen.2

O capitulo exposto impele ao frade que o oficio da pregação seja antes de tudo com uma

vivencia correspondente a imitação, mas genuína do cristo, e depois seja a pregação verbal. Exorta ainda

que os frades usem de palavras curtas e sabias que só preguem em um território com a autorização do

bispo local. Sejam moderados, e cautelosos no seu discurso, pedi firmemente que os frades prelados em

suas homilias evitem fabulas, poesias, e outras ciências...

Que a pregação seja com uma vivencia evangélica e depois usem as palavras preguem cristo

crucificado no qual estão todos os tesouros da sabedoria e da ciência de Deus.

1 Trad.: em espirito de humildade e ânimo contrito. 2 Trad.: Senhor, este vilíssimo servo teu, indigno de todo bem, quer entrar para ver teus tesouros. Que te apraza introduzir a ele, indigníssimo, e lhe concedas que nestas palavras e santas lições, tanto te amar quanto te conhecer, porque não quero te conhecer senão para te amar, Senhor Deus, Criador meu. Amém.

CAPÍTULO DÉCIMO

[Visita e exortação dos ministros aos frades]

363. Ordena-se que o padre Vigário Geral se esforce, em seu triênio, por visitar pessoalmente

todos os locais e frades de nossa congregação e que os vigários provinciais sempre vão visitar os seus

irmãos.

E tanto eles como os guardiães não cessem de exortar caridosamente os súditos para a perfeita

observância dos preceitos e conselhos evangélicos e divinos e da Regra prometida e das presentes

ordenações e, especialmente, da altíssima pobreza, firmíssimo fundamento de toda a observância

regular.

E corrijam os delinquentes com toda humildade e caridade, sempre misturando o vinho da

justiça severo com o óleo da doce misericórdia.

[Humilde obediência dos frades]

364. E os frades súditos obedeçam com toda humildade aos seus prelados em todas as coisas em

que, sem dúvida nenhuma, não vão conhecer a ofensa divina.

E tenham para com seus prelados, como vigário de São Francisco e mesmo de Cristo, nosso

Deus, a devida reverência; e, quando forem repreendidos e corrigidos por eles, segundo o louvável

costume de nossos antigos e humildes padres e irmãos, ajoelhem-se humildemente e suportem

pacientemente toda repreensão e correção; e não lhes respondam soberbamente e, de modo algum,

ousem falar ao prelado, máxime no capítulo ou no refeitório, se primeiro não tiverem pedido o obtido a

licença. E, se nisso agirem contrariamente, façam a disciplina diante dos frades pelo espaço de um

Miserere.

E todos os frades esforcem-se com toda diligência por emendar-se de seu defeitos e, com os

frequentes atos virtuosos adquiri as virtudes celestiais e, com os bons costumes, vencer os maus.

365. E guardem-se os prelados de prender as almas de seus súditos com preceitos obedienciais,

se não forem obrigados pela piedade divina ou pela caridosa necessidade.

[Acolhimento fraterno e bênção do superior]

366. Também se ordena que os frades forasteiros sejam recebidos com toda caridade, e que,

como verdadeiros filhos do Eterno Pai, visitem primeiro a sua igreja e, feita alguma reverência e

oração, apresentem-se ao prelado, mostrando-lhe as suas obediências, sem as quais a nenhum frade

seja lícito andar fora de nossos locais.

E também os frades do mesmo local, quando vão para algum serviço, peçam antes a bênção ao

seu prelado e façam o mesmo quando retornarem.

[Obediência e devoção]

367. E para que tudo se faça com o mérito da santa obediência e com a devida religiosidade,

nenhum frade presuma tomar nenhuma refeição, tanto dentro como fora dos nossos locais, sem a

licença e a bênção do prelado ou do mais antigo padre ou irmão.

368. E todos os frades se esforcem por evitar os discursos supérfluos e vãos. E nem queiram ir a

outras igrejas para as indulgências, tendo muitos sumos pontífices concedido maior quantidade para as

nossas.

[Aceitação dos frades fugitivos]

369. Também ordenamos que nenhuma frade fugitivo de uma província seja aceito em outra,

sem a licença por escrito do padre Vigário Geral e, se agirem de outra forma, sua recepção seja nula e

quem o recebeu seja gravemente punido ao arbítrio do padre Vigário Geral.

[Permissão para escrever ou receber cartas]

370. E para evitar os possíveis inconvenientes, ordena-se que nenhum frade jovem mande ou

receba carta sem licença do seu prelado.

[Humildade e reverência]

371. E todos os frades sempre devam desejar ser súdito e obedecer, antes do que ser prelado e

mandar, a exemplo de nosso Senhor Jesus Cristo e do nosso seráfico pai. Mas aqueles a quem forem

postas as prelaturas por obediência, não sejam pertinazes em refutá-las, mas, com toda humildade e

solicitude, cumpram o ministério que lhes foi confiado.

372. E exortamos ainda a todos os nossos frades a que, segundo a admoestação de nosso pai, no

décimo capítulo da Regra, guardem-se de toda soberba e vanglória, inveja e avareza, cuidado e

solicitude deste século, de toda detração e murmuração, máxime dos prelados eclesiásticos, do clero e

de pessoas religiosas, especialmente da nossa religião; mas prestemos reverência a cada um segundo o

seu grau, tendo a todos como nossos pais e maiores em Cristo Jesus, nosso Salvador.

Destacamos neste capítulo, a humilde obediência à importância da acolhida, o cuidado no que

diz respeito às correções para que seja feita com humildade e caridade, com justiça e misericórdia, e

percebemos também o valor da benção, pois é um gesto que tem ficado para traz, mas as constituições

nos convidam a usar esse gesto que tem de perdi a benção ao nosso prelado, mostrando assim

reverência.

CAPÍTULO DÉCIMO PRIMEIRO

[Não aceitar cuidado de mosteiros]

373. Porque, segundo a sentença de santos doutores, máxime de São Jerônimo, os servos de

Deus devem evitar e fugir, com santa cautela, da familiaridade mesmo de santas mulheres, por todo

este nosso Capítulo Geral, com grandíssima maturidade, conselho e deliberação, faz-se esta presente

constituição para ser inviolavelmente observada por toda a nossa congregação: que por nossos frades,

de modo algum, nem sob qualquer desculpa de bem, virtude ou santidade, nem de confrarias nem de

alguma congregação de homens ou de mulheres nem se lhes dêem confessores e não tenham nenhum

cuidado deles, crendo, nisto, mais nos vivificantes exemplos de Cristo nosso Salvador e nas

salubérrimas doutrinas dos santos do que nas persuasões humanas.

[Não entrar nos mosteiros]

374. E porque cabe aos verdadeiros religiosos e servos de Deus fugir não só dos males e

pecados evidentes, mas também de qualquer coisa que possa pretender alguma espécie de mal,

queremos que os frades não vão a mosteiros algum ou a outras casas em que estejam mulheres

religiosas em congregação, sem licença do vigário provincial, que nisso seja vigilante e advirta muito

bem que não conceda facilmente tal licença, senão a frades provados e, em caso de necessidade ou de

grande piedade, porque dizia o nosso pai São Francisco que Deus nos havias tirado as esposas, mas o

demônio tinha arranjado as freiras para nós.

[Prudência e discrição com as mulheres]

375. E porque, sendo limpos de coração, vemos Deus com os olhos da fé sincera e ficamos mais

aptos para as coisas celestiais, mais aptos para as coisas celestiais, não tenham os frades consorcio

suspeitos com mulheres, nem conversação supérflua, nem parlamentações prolixas e desnecessárias

com elas.

E, sendo obrigados pela necessidade a falar com elas para dar um bom exemplo ao mundo,

sempre estejam em lugar aberto para serem vistos pelo companheiro, para serem com odor para Jesus

Cristo em todo lugar, conversando com pureza, discrição e honestidade, recordando-se daquele

memorável exemplo que lemos em nossas crônicas, do frade santo que, esmagando um pouco de palha,

disse: “ Quando ganhar a palha com o fogo, tanto faz o religioso servo de Deus com as mulheres”.

De São Luís, bispo, frade nosso, diz o papa João XX [sic] na sua canonização que o amor da

castidade, desde a sua infância, estava tal modo enraizada no coração que, para fiel guarda dela, fugia

de qualquer modo dos consórcios com mulheres, tanto que, em tempo algum, jamais falava a sós com

elas, se não fosse com sua mãe e as suas irmãs; pois ele tinha aprendido que a mulher é mais amarga

do que a morte.

E São Bernardo diz que são duas as coisas que vituperam e confundem os frades: a

familiaridade com as mulheres e a especialidade dos alimentos.

[Clausura]

376. Também não queremos que nos nossos locais entrem mulheres sem grande necessidade ou

por excessiva devoção, quando não se pudesse negar sem escândalo. E, entrando, tenham a modesta

companhia de homens e de mulheres. Mas antes de admiti-las, tenha-se primeiro o consentimento dos

frades do local.

E sejam encarregados dois frades maduros e santos para acompanhá-las, falando sempre de

coisas edificantes, em Cristo Senhor nosso, e sobre a salvação da alma, com toda honesta religiosidade

e ótimo exemplo.

E, não só com mulheres, mas também com homens seculares, nossa conversa seja rara, porque

muita familiaridade com eles é nociva para nós.

Zelando pela integridade moral dos frades, este capítulo se debruça em restringir prudentemente

o contato dos frades com mulheres e – também podemos dizer – com homens que não estejam entre os

irmãos de “hábito”. De qualquer forma, a constituição não encerra a possibilidade de contato e de até

permanência de mulheres (algo historicamente necessário para uma época de frequentes guerras e

perseguições). Não podemos fazer juízo com as lentes de hoje da existência de praticamente todo um

capítulo dessa constituição somente para alertar sobre as mulheres; porém entenda-se quão austera era a

vivência (entendimento) dos votos naquela época, e assim sendo, não poderia ser diferente com o voto

de castidade.

CAPÍTULO DÉCIMO SEGUNDO

[Número dos frades nos locais e vida fraterna]

377. Para observar melhor a pureza da Regra com a ordem devida, junto com a altíssima

pobreza, ordenamos que nos nossos locais não estejam menos de seis frades nem mais de doze, os

quais, congregados no nome do doce Jesus, sejam um só coração e uma só alma, sempre se esforçando

por tender à maior perfeição.

E, para serem verdadeiros discípulos de Cristo, amem-se cordialmente, suportando os defeitos uns dos

outros, exercitando-se sempre no amor divino e na caridade fraterna, esforçando-se sempre por dar

ótimo exemplo um ao outro e a toda pessoa, fazendo também contínua violência às próprias paixões e

inclinações viciosas, porque, como diz nosso Salvador, o reino dos céus padece violência e os violentos,

isto é, os que fazem força e violência, isto é, a si mesmos, arrebatam-no.

[Sinos e alfais da igreja]

378. Também se ordena que nas nossas igrejas haja um só sino pequeno, de cento e cinquenta

libras pequenas, mais ou menos.

E, nos nossos locais, não haja outra sacristia senão um armário, ou uma arca, com uma boa

chave, que um frade professo deve levar sempre consigo; nesse armário ou arca, guardem-se as coisas

necessárias para o culto divino.

Tenham-se dois cálices pequenos, um de estranho e outro só com a copa de prata. E não se

tenha mais do que três paramentos pobres, sem ouro, prata, veludo ou seda, ou outra preciosidade ou

curiosidade, mas com grande limpeza.

As cobertas do altar sejam de pano não preciosos; os candelabros de madeira e os nossos

missais e breviários, como também todos os outros livros, sejam pobremente encadernados e sem

marcadores curiosos, para que, em todas as coisas que estão ao nosso uso pobre, resplandeça a

altíssima pobreza e se ascenda à preciosidade das riquezas celestes, onde estão todo o nosso tesouro,

delícias e gloria.

[O Evangelho e a tradição da Ordem]

379. E porque é coisa impossível ordenar a lei e estatutos para todos os casos particulares que

podem acontecer, não havendo nenhum número determinado deles, exortamos na caridade de Cristo

todos os irmãos a que, em tudo que fizerem, tenham diante dos olhos o sagrado Evangelho, a Regra

prometida a Deus, os santos louváveis costumes e os sagrados exemplos dos santos, dirigindo todo o

seu pensamento, palavras e atos para a honra e a gloria de Deus e a salvação do próximo; e o Espirito

Santo será seu mestre em todos as coisas.

[Uniformidade nas cerimônias]

380. Para uniformidade das cerimonias, tanto no coro como em qualquer outro lugar, leia-se a

doutrina de São Boaventura e as ordenações de nossos antigos pais.

E, para melhor conhecer em todas as coisas a mente do nosso seráfico pai, leiam-se os seus

Fioretti, as conformidades e os outros livros que falam sobre ele.

[Missão e missionários]

381. E porque a conversão dos infiéis esteve muito no coração de nosso pai seráfico, por isso,

para a gloria de Deus e a salvação deles, ordena-se, segundo a Regra, que, se alguns frades perfeitos,

inflamados pelo amor de Cristo bendito e pelo zelo de sua fé católico, quiserem, por divina inspiração,

ir pregá-la entre eles, recorram aos vigários provinciais ou ao padre Vigário Geral e, sendo julgados

idôneos, vão com sua licença e benção para tão árdua empresa.

Mas não queiram os súditos julgar-se presunçosamente idôneos para negócios tão difíceis e

perigosos, mas, com todo temor e humildade, remetam seu desejo ao juízo dos seus prelados.

Poder-se-á ainda fazer diferente entre infiéis bastante cordatos dóceis e dispostos a receber

facilmente a fé cristã, como são aqueles recentemente encontrados por espanhóis ou portugueses nas

Índias, e, entre os turcos e agarenos, que, apenas com armas e aplicação de tormentos, sustentam e

defendem sua maldita seita.

Os prelados não considerem que os frades são poucos nem se doam pela partida dos bons, mas,

colocando toda sua solicitude e afã naquele que tem continuo por nós, façam em todas as coisas como

ditar o Espirito de Deus e disponham tudo com caridade, que não faz mal nenhuma coisa.

[Pobreza e limpeza]

382. E, para que a santa esposa de Cristo nosso Senhor e por nosso pai amada pobreza

permaneça sempre em nós, guardem-se os frades de que, nem nas coisas pertinentes ao culto divino

nem em nossos edifícios nem nos utensílios que usamos, se encontre alguma curiosidade, superfluidade

ou preciosidade, sabendo que Deus prefere em nós a nossa obediência, prometida na santa pobreza, do

que sacrifícios; e, como diz Clemente na declaração, mais se ama com um coração limpo e por santas

operações do que nas coisas preciosas e mais ornadas.

Entretanto, em nossa pobreza, deve resplandecer toda limpeza.

[Animação dos ministros na obediência]

383. E porque o nosso Salvador começou primeiro a fazer para depois ensinar os outros, assim

todos os nossos prelados sejam os primeiros a observar as presentes constituições e depois, com toda a

santa e eficaz ousadia, esforcem todos os súditos a observá-las inviolavelmente. E , se por acaso,

algumas coisas parecerem difíceis no começo, o santo costume vai torná-las facílimas e agradáveis.

E para melhor se imprimam na mente dos frades e as observem, todos os guardiães façam com

que sejam lidas à mesa pelo menos uma vez por mês. E embora não tencionemos, por estas

constituições, obrigar os frades a pecado algum, queremos, entretanto, e ordenamos que os

transgressores delas sejam gravemente punidos. E, se os guardiões forem negligentes em observá-las e

fazê-las observar e em punir os delinquentes, sejam punidos mais gravemente pelos seus vigários

provinciais e eles, pelo padre Vigário Geral.

[Ordenação gerais e uniformidade]

384. E porque as presentes constituições foram compostas com grandíssima diligencia e madura

deliberação e aprovadas por todo o nosso Capítulo Geral e também pela Sé Apostólica, não sejam

mudadas sem consentimento do Capítulo Geral.

E semelhantemente, exortamos os nossos padres e irmãos presentes e futuros que não mudem,

mesmo nos capítulos gerais, as presentes constituições, porque, como vimos por experiência, tantas

mudanças de constituições deram grande detrimento à religião.

E não se façam constituições provinciais constituições provinciais, mas, sucedendo outros casos

particulares, proveja-se e ordene-se nas tábuas dos capítulos gerais e deixem-se estas firmes, segundo

as quais tenha que viver e ser regulada com santa uniformidade toda a nossa congregação.

[Benção de São Francisco aos frades zelantes]

385. E porque nosso pai seráfico, estando para morrer, deixou a ampla benção da santíssima

Trindade aos zeladores e verdadeiros observadores da Regra e acrescentou também a sua benção

paterna, por isso entendemos diligentemente e observemos com afeto e amor perfeição a nós

demostrada e ensinada nessa Regra e em nossa Ordem, deixando de lado qualquer negligência.

[Servir a Deus com amor filial]

386. E porque servir sem outra intenção senão escapar da pena pertence somente aos espíritos

servis e mercenários, mas agir por amor de Deus e para fazer coisas agradáveis a sua Majestade por

divina graça e glória e para dar bom exemplo de si ao próximo, e por muitas causas semelhantes, isto

diz respeito só aos verdadeiros filhos de Deus, guardem-se sumamente os frades de transgredir as

presentes constituições como não obrigatórias a alguma culpa; mas, leis, sanções e estatutos da

religião, para que se acrescente graça a sua cabeça e mereçam, mediante este obséquios da divina

clemência, e sejam conformes ao Filho de Deus, que, não sendo obrigado às leis feitas por Ele, quis

observá-las para a salvação de todos.

Mantenham, portanto, o sublime estado da religião e sejam causa de muitos bens no próximo.

Aos bons servidores certamente cabe não somente cumprir as coisas que lhe mandam os seus patrões

ou senhores ameaçando-os, mas também querer agradá-los em muitas outras coisas.

[Exortação à observância comum]

387. Portanto, seguindo estas coisas, dirigimos nossos olhos para o nosso redentor, para que,

tendo conhecimento o seu divino beneplácito, nos esforcemos por agradar-lhe, não só não desprezando

as presentes constituições (pois o desprezo seria pecado grave) mas, por seu amor, também não usar

nenhuma negligência ao observá-las.

Essas constituições, observando-as, ajudarão a cumprir não só a integra observância da Regra

prometida, mas também a lei divina e os conselhos evangélicos e a graça de Deus por Jesus Cristo vai

libertá-los dos perigos.

Nas fadigas ainda abundarão por Jesus Cristo a nossa consolação e poderemos todas as coisas

naquele que nos conforta, isto é, Cristo onipotente, e em todas as coisas nos dará compreensão aquele

que é virtude de Deus e Sabedoria e Salvador, que dá a cada um abundantemente e não impropera;

subministrará também as forças aquele que é Virtude e Verbo, que traz todas as coisas.

[Pregação de São Francisco]

388. Recordemo-nos muitas vezes, padres e irmãos caríssimos, daquele sagrado e memorável

tema sobre o qual nosso seráfico pai fez uma soleníssima pregação a mais de cinco mil frades.

“Grandes coisas prometemos a Deus, mas Deus nos promete coisas maiores. Sirvamos,

portanto, a estas que prometemos e, com ardente desejo, suspiremos por chegar àqueles bens que nos

foram prometidos. Os prazeres deste mundo são breves, mas a pena infernal que se adquire por seguir

as delicias é perpetuas. A Paixão que sustentamos por amor de Cristo e a penitencia que fazemos por

ele durarão pouco, mas a gloria que, por isso, nos será dada por Deus será infinita. Muitos foram os

chamados ao reino da vida eterna, mas poucos são os escolhidos, porque pouquíssimas pessoas seguem

Cristo em verdade coração. Mas, por ultimo, Deus dará a cada um a retribuição segundo as suas

obras, tanto os bons como aos tristes ou a glória ou a geena” [Fior 18, 2Cel 191].

[Aspiração à perfeição]

389. Estas coisas que prometemos, embora sejam grandes, não são nada em comparação

daquela retribuição eterna que Deus quer dar, se formos fieis observadores.

Ajamos, portanto, virilmente e não desconfiemos das forças porque aquele ótimo Pai que nos

criou e nos deu observar a perfeição evangélica, que conhece de que somos feitos, não só nos dará

forças com a sua ajuda, mas ainda dará os seus dons celestiais em tanta quantidade e abundancia que,

superados todos os impedimentos, não só poderemos obedecer ao seu dulcíssimo Filho, mas também

segui-lo e imita-lo com grandíssima alegria e simplicidade de coração, desprezando perfeitamente estas

coisas visíveis e temporais e anelando sempre por aquelas que são celestes e eternas.

[Por Cristo ao Pai no Espírito]

390. Em Cristo, portanto, que é Deus e homem, luz verdadeira esplendor de glória e calor da

luz eterna, espelho sem mancha e imagem de Deus, que foi constituído pelo Pai Eterno juiz, legislador e

salvação dos homens, sobre quem o Espirito Santo deu testemunho, assim como nele estão os nossos

méritos, exemplo de vida, auxiliares, favores e prêmios, assim ainda nele estejam nossa meditação e

imitação, no qual todas as coisas são e expectativa do povo, fim da lei, salvação de Deus, Pai do século

futuro, nossa esperança final, feita por Deus para nós sabedoria e justiça, santificação e redenção, o

qual como o Pai e o Espirito Santo co-eterno, consubstancial, co-igual e um Deus, vive e reina, ao qual

seja louvor sempiterno, honra, majestade e glória, nos séculos dos séculos. Amém.

Finalizando as constituições, em uma divisão simbólica de 12 capítulos (a importância

religiosa/bíblica do número 12: os doze apóstolos), este capítulo faz um apanhado bastante variado de

temas que provavelmente foram problematizados durante a elaboração do documento, e foi reunido

neste último capítulo. O tema liturgia aparece nas orientações dadas acerca dos objetos e vestimentas

litúrgicas que devem ser tidos com sobriedade nas igrejas da Ordem, assim como a uniformidade nas

cerimônias. Temas como missão, pobreza, obediência mais uma vez são tocados. Num destaque

importante pela espiritualidade própria franciscana, palavras (pregações) do pai seráfico São Francisco

são introduzidas como busca fiel à perfeição evangélica.

Contudo fazer memoria do passado, nos preparar para o futuro, assim constituições foram e

sempre será um convite a refletir e retornar ao pensamento de nosso pai seráfico, o qual queria que a

fraternidade se governasse mais pelo espirito do que pela letra da lei, a mesma ainda nos ensinar e nos

mostrar o verdadeiro caminho direto, para ir a Deus. E como hoje, as condições mudaram radicalmente

não só na Igreja e na Ordem como também em tantos outros campos. Lembremos que estamos no

mundo mais não somos do mundo (Cf. Jo17, 14), não podemos esquecer de que nós como Frades

Capuchinhos temos valores a propor, pois somos depositários de um carisma capaz de transformar o

mundo3, assim lembremos sempre de que é preciso fazer o caminho de voltar às fontes e descobrir nela

aquilo que tantos confrades descobrirão, pois a mesma nos ajuda a reconhecer as verdades a cerca de

nós mesmo nos ajudando assim a descobrir o “tesouro escondido”, recordemos então daquilo que diz o

livro do profeta Isaias (cf. 45,3) “dar-te-ei os tesouros escondidos e as riquezas encobertas, para que

saibas que eu sou o Senhor, o Deus de Israel”.

3 Carta Circular a todos os Frades da Ordem sobre a Missão: A missão no coração da Ordem (Prot. N. 00782/09).