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Alexandre Herculano Cruzeiro
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1
UNIVERSIDADE DE BRASLIA INSTITUTO DE CINCIA POLTICA
Poltica e Valores Humanos: Tocqueville e a Espiritualizao da Poltica
Alexandre Herculano Cruzeiro Rueda
Braslia
2010
2
Alexandre Herculano Cruzeiro Rueda
Poltica e Valores Humanos: Tocqueville e a Espiritualizao da Poltica
Monografia de concluso de curso apresentada ao curso de Cincia Poltica, Instituto de Cincia Poltica, Universidade de Braslia, como requisito final para obteno do ttulo de Bacharel em Cincia Poltica.
Professor orientador: Prof. Paulo Roberto da Costa Kramer
Braslia 2010
3
Alexandre Herculano Cruzeiro Rueda
Poltica e Valores Humanos: Tocqueville e a Espiritualizao da Poltica
Monografia de concluso de curso submetida ao Instituto de Cincia Poltica, UnB, como requisito final para a obteno do ttulo de Bacharel em Cincia Poltica e apresentado seguinte banca examinadora
______________________________
Professor Joo Paulo Peixoto
(Universidade de Braslia)
_______________________________
Professor Paulo Roberto da Costa Kramer (Universidade de Braslia)
Braslia 2010
4
DedicoaoMestreJesus,aoProfessorPaivaNetto,aosmeuspaisOzainaeMrio,aomeuIrmo
Thiago,familiareseamigos.
5
AGRADECIMENTOS
Primeiramente agradeo a Deus, ao Cristo e ao Esprito Santo a oportunidade de
aprendizado e crescimento. Legio da Boa Vontade, ao seu Diretor-Presidente Jos de
Paiva Netto, muito grato pela amizade e pela confiana que sempre generosamente
depositou em mim. minha famlia que sempre me apoiou tanto o brao Cruzeiro de Minas,
quanto o brao Rueda de So Paulo, especialmente o Tio Tau e toda sua turma.
Universidade de Braslia, ao Instituto de Cincia Poltica e demais Institutos por
onde passei. Aos funcionrios do IPOL e aos professores, mais que profissionais
consagrados, so grandes seres humanos que abraaram a misso da educao com
grande denodo e amor. Meu agradecimento especial aos professores Paulo Kramer, Carlos
Henrique Cardim, Paulo Calmon, Lcia Avelar, Ricardo Caldas, Leonardo Barreto e Mathieu
Turgeon. Professor Kramer, obrigado pela amizade, pelas conversas e por ter aceitado ser
meu orientador.
Escola da LBV e sua diretora Professora Maria Sueli Periotto que se entusiasmou
quando lhe disse que faria um estudo sobre a escola. s funcionrias ssima Luz e
Elisangela Ferreira, com importantes informaes utilizadas no estudo. minha querida
amiga, voluntria e ex-aluna da escola, a historiadora Paula Sueli, que vai se casar com
meu amigo Josu.
todos que, direta ou indiretamente, fazem parte da minha trajetria. Sintam-se todos
abraados! Ao meu amigo Juliano Bento e sua famlia sempre me apoiando. Ao meu amigo
Gerdeilson Botelho por seu apoio imprescindvel. todos os meus amigos e amigas do
Editorial, de Braslia e de So Paulo, que se eu fosse citar um por um faltaria papel.
Enfim, agradeo a voc minha ilustre leitora e a voc meu preclaro leitor!
6
Governarensinarcadaum
agovernar asimesmo.
ALZIROZARUR (19141979)
7
Governareducaro
sentimentoparaobem.
PAIVANETTO
8
RESUMO
Este trabalho est dividido em trs captulos ao longo dos quais ser analisada a
importncia e a capacidade transformadora dos valores humanos na vida poltica e
social. No primeiro captulo, ser apresentada a contextualizao e a evoluo
histrica do assunto, bem como a exposio da problemtica trazida por Tocqueville.
No segundo, sero analisadas possveis solues, levando em considerao dois
dos elementos fundadores da civilizao anglo-americana apontados por
Tocqueville: o esprito de religio e o esprito de liberdade. Ainda no mesmo captulo,
ser analisada a contribuio de Robert Putnam questo. No terceiro, ser
apresentada uma contribuio brasileira, por meio de um estudo de caso dos Centros
Culturais e Educacionais da Legio da Boa Vontade, em que os valores ticos,
morais e espirituais possuem um papel de destaque em sua linha educacional
inovadora. Analisaremos tambm alguns dos resultados obtidos por essas escolas.
9
SUMRIO
INTRODUO .......................................................................................................... 10
1 CONTEXTUALIZAO HISTRICA E TERICA .............................................. 13
1.1 O mundo da antiguidade e a Era Axial ......................................................... 13
1.2 O mundo da modernidade e o contexto democrtico ................................... 15
2 QUANTO SUPERAO DOS PERIGOS DA DEMOCRACIA ......................... 19
2.1 Tocqueville e a sociedade norte-americana ................................................. 19
2.1.1 O Esprito de Liberdade ......................................................................... 19
2.1.2 O Esprito de Religio ............................................................................ 24
2.2 Putnam e a sociedade italiana ...................................................................... 28
2.2.1 A Comunidade Cvica ............................................................................. 28
2.2.2 O Capital Social...................................................................................... 32
3 ESTUDO DE CASO ............................................................................................ 36
3.1 O objeto de estudo: Escolas da LBV ............................................................ 37
3.2 As causas da evaso escolar ....................................................................... 38
3.3 Anlise e interpretao dos resultados ......................................................... 39
CONCLUSO ............................................................................................................ 43
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .......................................................................... 45
10
INTRODUO
Partindo-se do entendimento da Cincia Poltica como uma cincia que se
prope a resolver problemas empricos, o que tambm justifica seu carter cientfico,
todo seu arcabouo terico, mtodos, sistemas e processos passam a ser
compreendidos e at concebidos a partir de critrios de eficincia. No que tange
cincia do governo dos povos, esses critrios se traduzem em desempenho
institucional, segurana pblica, observncia s leis, garantia de direitos civis,
polticos e sociais, sade, educao etc. Ou seja, na busca da melhor distribuio do
poder, da melhor alocao de recursos pblicos de forma a se obter a maior utilidade,
ou o mais avanado e clere desenvolvimento scio-econmico e progresso
humano.
O papel do Estado e das instituies de inegvel relevncia, possuindo vasta
literatura dedicada ao tema, todavia, como destacou Alberto Almeida, "a sociedade
no menos importante. Nela, as percepes e opinies dos homens, suas crenas
(...) ajudam muito na compreenso do funcionamento da democracia" 1. Assim, o
presente trabalho surgiu da inquietao de que, no obstante todos os esforos,
sempre louvveis, o sofrimento da humanidade ainda muito grande, sobretudo
considerando o alto nvel de desenvolvimento cientfico-tecnolgico; e a demanda
pelos servios do Estado sobrecarregada, o que afeta a qualidade e a quantidade
dos servios ofertados. Ento, em face desse contexto desafiador, considerando as
contribuies trazidas pela Cincia Poltica e seus tericos a todos ao longo dos
1 Almeida, Alberto Carlos. A cabea do brasileiro. Rio de Janeiro: Record, 2 ed.,2007. pp.19.
11
sculos, de que forma a sociedade poderia contribuir com seu prprio bem-estar,
desafogando a demanda pelos servios do Estado?
Quando se fala em sociedade, uma das principais dimenses para o
entendimento de sua origem, formao e desenvolvimento diz respeito aos valores
humanos, sejam estes ticos, morais, ou espirituais, sob os quais a mesma se
constitui. Por valores, a definio adotada, a qual utilizada principalmente na
psicologia social e poltica, foi trazida por Shalom Schwartz: valores so crenas
abstratas sobre metas ou comportamentos desejveis que transcendem situaes
especficas, guiam a seleo e avaliao de aes, polticas, pessoas e eventos, e
so ordenados pela importncia relativa aos demais valores. 2
Para a presente investigao, a fundamentao da relevncia desse tipo de
estudo ser apresentada em uma breve anlise do perodo da histria humana que o
filsofo alemo Karl Jaspers (1883-1969) chamou de Era Axial. E a contextualizao
da problemtica envolvida utilizar como base terica principalmente as
contribuies de Alexis de Tocqueville (1805-1859) e Robert Putnam. Em
Tocqueville, a partir de dois fundamentos da civilizao anglo-americana (o esprito
de religio e o esprito de liberdade), sero analisados o papel das associaes nos
EUA e o papel do esprito de religiosidade. Em Putnam, os conceitos de comunidade
cvica e capital social sero explorados trazendo uma complementao emprica ao
pensamento de Tocqueville.
Por representar a escola uma espcie de laboratrio social que reproduz a
vida em sociedade, mesmo que em proporo reduzida, ser desenvolvido tambm
2 Schwartz, Shalom H. 1994. Are There Universal Aspects in the Structure and Contents of Human Values? Journal of Social Issues 50. pp.20.
12
um estudo de caso dos Centros Culturais e Educacionais da Legio da Boa Vontade
(LBV). Tais escolas, a partir de uma pedagogia prpria criada por Paiva Netto,
desenvolvem uma linha educacional inovadora que prima por valores ticos, morais e
espirituais. Tal esforo tem por finalidade estimular um desenvolvimento mais
eficiente, solidrio, cvico, crtico e participativo dos educandos, que em sua maioria
provm de comunidades de risco e vulnerabilidade social. Sero analisados tambm
alguns dos resultados obtidos por essas escolas.
Espera-se, ao final do trabalho, a partir dos resultados obtidos, constatar se
uma sociedade com valores humanos, ticos e espirituais realmente favorece um
governo com melhor desempenho e se, a partir desses valores que fortalecem a
sociedade civil, esse fortalecimento benfico para a democracia e promove o
bem-estar coletivo como sinalizou Tocqueville.
13
1 CONTEXTUALIZAO HISTRICA E TERICA
1.1 O mundo da antiguidade e a Era Axial
O filsofo alemo Karl Jaspers identificou um perodo da histria humana,
o qual denominou de Era Axial, entre aproximadamente 800 e 200 a.C., em que o
homem como ele hoje nasceu 3. Uma poca de extraordinrio desenvolvimento
nos diversos campos do saber humano em que surgiu, quase simultaneamente
em regies distintas do planeta, as grandes tradies mundiais da humanidade,
embora uma no soubesse da existncia da outra. Na China, surgiu o confucionismo
e o taosmo; na ndia, o hindusmo e o budismo; na Palestina, os profetas hebreus
e o monotesmo; no Ir, o zoroastrismo; na Grcia, o racionalismo filosfico.
Em resumo, como destaca Karen Armstrong: A Era Axial foi um dos perodos
mais seminais da mudana intelectual, psicolgica, filosfica e religiosa que a histria
registra, e acrescenta que nunca ocorreria nada de tamanha magnitude at a
Grande Transformao Ocidental, que instituiu nossa modernidade cientfica e
tecnolgica. 4
Esse perodo de tanta efervescncia cultural, filosfica e espiritual do mundo
antigo deixou como legado espcie humano muitas das bases, valores e tradies
que, de muitas formas, ajudaram a definir e moldar o mundo e a cultura
hodiernos. Ainda h de se destacar que nesse perodo marcado pela agitao do
esprito humano, o indivduo ganhou conscincia de si mesmo e, a partir de ento,
3 Jaspers, Karl. The Axial Age of Human History. Commentary, 6 (1948). pp. 430. 4 Armstrong, Karen. A Grande Transformao: o mundo na poca de Buda, Scrates, Confcio e Jeremias. So Paulo: Companhia das Letras, 2008. pp. 12.
14
uma batalha erigiu em seu interior. As opinies e costumes que outrora eram
tacitamente aceitos, passaram a ser questionados, testados, transformados e at
extintos.
Toda essa transformao da condio do homem pode ser chamada de uma espiritualizao. Um impulso que surge das profundezas inexploradas da vida desprendida dos esteios da existncia, a transformar polaridades estveis em antinomias e conflitos. O homem no era mais autossuficiente. Ele tinha se tornado inseguro de si, e assim se abriu para possibilidades novas e ilimitadas. 5
Ento, como colocou Jaspers, na Era Axial acontece a descoberta do que
mais tarde ser chamado de razo e personalidade. E, a partir dessa possibilidade de
insubmisso do pensamento, agora independente, abria-se precedente para
demandar maiores liberdades. Esse desenvolvimento do indivduo e da sociedade
tinha por base o conflito, logo no transcorreu de uma maneira simples,
ascendente e contnua, todavia foi complexo, movido tanto por foras criativas,
como destrutivas.
Ademais, essa espiritualizao que explorava as mais elevadas aspiraes
humanas se inseria num contexto bastante elitizado, do qual as massas estavam
muito distanciadas. Por conta disso, tal desenvolvimento nunca teve suas
potencialidades plenamente realizadas 6. Ou seja, a prpria excluso das massas
desse processo constitua um fator restritivo sua completa consecuo. Mas ao
final, como ponderou o autor, no obstante o distanciamento das massas das novas
possibilidades que se abriram ao ser humano, o que o indivduo se tornou,
5 Jaspers, Karl. Op. cit., pp. 431. 6 Ibidem. pp. 433.
15
indiretamente modificou todas as coisas e a humanidade como um todo deu um salto
adiante. 7
A Era Axial legou ao gnero humano importantes produtos como as categorias
bsicas do pensamento que continuam a ser utilizadas, sobretudo o racionalismo
filosfico grego, e os primrdios das religies mundiais, cujos valores e preceitos,
diretamente ou indiretamente, ainda hoje so adotados por grande parte das
pessoas. Isto , estes legados, advindos de pocas remotas, sobreviveram ao
contnuo movimento que se registrou na histria de decadncia dos grandes imprios
e fundao de novos, o que evidencia a relevncia do tema e tambm como os
valores so constitutivos dos indivduos e por conseguinte das sociedades que estes
venham a formar. 1.2 O mundo da modernidade e o contexto democrtico
A degenerao dos governos estejam estes sob a responsabilidade de uma
pessoa, de poucas, ou de um grande nmero de pessoas de que nos fala
Aristteles8 no exclusividade do mundo antigo. Mesmo assim, a democracia,
com seus defeitos e virtudes, , como diria o estadista britnico Winston
Churchill (1874-1965), o pior dos regimes, exceo dos demais. Assim, se
no mundo antigo com todas as restries de possibilidades que recaa sobre os
povos, especialmente sobre as massas , os costumes, os valores, as tradies e
as crenas que se desenvolveram quela altura foram fundamentais para a formao
7 Jaspers, Karl. Op. cit., pp. 432. 8 Aristteles. tica a Nicmacos. Braslia: Editora UnB. 2001. pp.165 . & Aristteles. Poltica. Braslia: Editora UnB, 1997. pp.123.
16
e o desenvolvimento do mundo atual, muito maiores e ilimitadas so as
possibilidades que se configuram no presente, sobretudo em face do contexto
democrtico em que o governo da democracia faz com que a idia de direitos
polticos desa at o menor dos cidados. 9
A conceituao de democracia a qual utilizaremos foi extrada por Raymond
Aron (1905-1983) ao analisar a obra e o pensamento de Alexis de Tocqueville:
A seus olhos, a democracia consiste na igualizao das condies. Democrtica a sociedade onde no subsistem distines de ordens e de classes; em que todos os indivduos que compem a coletividade so socialmente iguais, o que no significa que sejam intelectualmente iguais, o que absurdo, ou economicamente iguais, o que, para Tocqueville, impossvel. A igualdade social significa a inexistncia de diferenas hereditrias de condies; quer dizer que todas as ocupaes, todas as profisses, dignidades e honrarias so acessveis a todos. 10
Essa conceituao de democracia associada igualdade de oportunidades,
traz em si um carter meritocrtico importante para a manuteno do sistema
democrtico, pois que pelo trabalho e esforo de cada um que se alcana as
distines nas sociedades democrticas. Contudo, como asseverou Tocqueville, o
individualismo de origem democrtica e ameaa desenvolver-se medida que se
igualam as condies 11. Ou seja, medida que as condies vo se igualando, as
disparidades vo se reduzindo e os indivduos passam a duvidar do seu poder e
capacidade de exercer grande influncia sobre a sorte de seus semelhantes 12.
9 Tocqueville, Alexis de. A democracia na Amrica. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; So Paulo: Ed. USP, 1987. pp.185. 10 Aron, Raymond, As Etapas do Pensamento Sociolgico. Lisboa: Dom Quixote, 1992. pp.221. 11 Tocqueville. (1987) Op. cit., pp.386. 12 Ibidem. pp. 387.
17
Ao passo que, o incremento de sua condio os torna relativamente autossuficientes.
Logo, somados esses dois fatores, os indivduos tenderiam a se dedicar
exclusivamente sua pequena sociedade particular, composta por familiares e
amigos, e a se isolar da sociedade como um todo, renegando o esprito pblico.
Outro aspecto que Tocqueville considerou representar perigo aos povos
democrticos o materialismo. Para ele, A democracia favorece o gosto pelos
prazeres materiais 13 e a liberdade proporcionada por esta permite aos
indivduos mais facilmente busc-los, o que at certo ponto extremamente positivo,
pois uma forma de exerccio da liberdade, todavia, como exps o autor,
caso se tornasse excessivo o gosto por tais prazeres, isso levaria a crer que tudo
se resume matria. Ento, esse crena uma vez incorporada como valor,
em uma sociedade democrtica, traria efeitos nefastos: indivduos que
preocupados apenas com o cuidado de fazer fortuna, no mais percebem o estreito
lao que une a fortuna particular de cada um deles prosperidade de todos 14.
Ainda coloca o autor, que, eliminada essa percepo de ligao do indivduo com a
sociedade, via de regra, aqueles que desenvolvem a paixo pelos bens materiais
acabam por descobrir na liberdade um estorvo ao seu bem-estar, antes de perceber
como a liberdade serve para proporcion-lo. 15
Igualmente lhes parece contratempo o exerccio de seus deveres polticos,
pois consome seu precioso tempo. Tal percepo errnea da liberdade tambm
tornaria propcia a ascenso de usurpadores autoritrios ao poder. Pois, enquanto
cada qual quer cuidar apenas dos seus interesses particulares, algum precisa tratar
13 Tocqueville. (1987) Op. cit., pp. 416. 14 Ibidem. pp. 412. 15 Ibidem. pp. 413.
18
do que comum a todos. Assim, a partir do exposto fica claro que de maneira
anloga ao que ocorre com os medicamentos, em que a dose pode determinar a
diferena entre o que um remdio benfico e o que danoso ao organismo humano
, para a democracia, a igualdade e a liberdade precisam ser administradas de tal
sorte que a sade do regime democrtico no seja comprometida.
19
2 QUANTO SUPERAO DOS PERIGOS DA DEMOCRACIA
2.1 Tocqueville e a sociedade norte-americana
Em sua profunda anlise da sociedade norte-americana de sua poca,
Tocqueville salientou a importncia de se considerar os costumes como uma
das "grandes causas gerais s quais se pode atribuir a conservao da repblica
democrtica" 16 . Por costumes, tinha um entendimento mais amplo, ligado ao
sentido antigo da palavra mores, que alm dos costumes propriamente ditos,
aplica-se tambm "s diferentes noes que os homens possuem, s diversas
opinies que correm entre eles e ao conjunto das idias de que se formam os hbitos
do esprito". 17
Tocqueville ainda enfatizou que um entendimento mais acurado da civilizao
anglo-americana s possvel tendo por ponto de partida, e este deve estar
presente sem cessar no pensamento 18, que ela produto de dois elementos
perfeitamente distintos: o esprito de religio e o esprito de liberdade. O primeiro,
teria por caracterstica a classificao, a coordenao e a previso de tudo. No
segundo, tudo seria agitado, contestado e incerto. Este dois aspectos da vida
humana, apesar de diferentes, no seriam necessariamente contraditrios, e teriam
sido, de alguma forma, harmonizados pelo povo norte-americano, atingindo-se at o
apoio mtuo entre esses dois elementos. 19
2.1.1 O Esprito de Liberdade
16 Tocqueville. (1987) Op. cit., pp. 221. 17 Idem. 18 Ibidem. pp. 42. 19 Idem.
20
Dentre os valores e costumes analisados que considerava favorveis
manuteno da democracia, sobretudo em face do individualismo que a igualdade
faz levantar, Tocqueville apontou a liberdade como o nico remdio eficiente 20. E
uma das formas pelas quais os americanos exerciam a liberdade era por intermdio
das instituies livre, concedendo nao inteira uma representao de si mesma
e dando uma vida poltica a cada poro do territrio 21 , o que multiplicava
enormemente as oportunidades para os cidados se encontrarem e participarem em
conjunto da poltica do pas. Portanto, tal participao, bem como o constante
exerccio dos direitos polticos se mostrariam eficientes contra o individualismo
justamente por essa prtica manter viva a idia de vida em sociedade, de
interdependncia entre os pessoas, enfim de que a participao traz resultados
que beneficiam a todos. E esse indivduo participativo, seja por benevolncia ou no,
A todo momento, dirige o seu esprito para a idia de que o dever, tanto quanto o
interesse dos homens, tornarem-se teis aos seu semelhantes. 22
Ainda no que se refere ao exerccio da liberdade como um fator de
sustentao da democracia, em detrimento do individualismo, Tocqueville tambm
asseverou que Depois da liberdade de agir sozinho, a mais natural ao homem a
de combinar os seus esforos com os esforos de seus semelhantes e agir em
comum 23. Certamente, sempre haver assuntos e atribuies, afora as questes
estratgicas e de segurana nacional, em que a administrao do Estado se far
imprescindvel. Tanto que, para ilustrar, em Memoir on Pauperism (1997),
Tocqueville, possuidor de fortes restries ao permanente dos governos no que
20 Tocqueville. (1987) Op. cit., pp. 391. 21 Ibidem. pp. 389. 22 Ibidem. pp. 391. 23 Ibidem. pp. 149.
21
tange a caridade pblica pois acreditava que o carter permanente desta poderia
levantar mais misrias, bem como a dependncia dos favorecidos , reconhecia,
mais que a utilidade, a necessidade deste tipo de ao ao se tratar de determinadas
questes 24 . Alm do mais, tal ao est sujeita burocracia estatal a qual
geralmente a torna exclusiva aos que esto inscritos em determinada jurisdio, e
so possuidores de residncia fixa e de toda uma leva de documentos requisitados, o
que acabaria por excluir os mais necessitados. Ento, sem liberar o Estado de
qualquer responsabilidade para com a sociedade, sobretudo num contexto de
elevada demanda, o que afeta a qualidade, a quantidade e a abrangncia dos
servios ofertados, h de se elevar mais alta considerao o papel que a sociedade
pode e deve desempenhar.
Sobre o assunto, um destaque especial foi feito por Tocqueville capacidade
dos americanos de se associarem na vida civil e poltica:
Os americanos de todas as idades, de todas as condies, de todos os espritos, esto constantemente a se unir. No s possuem associaes comerciais e industriais, nas quais todos tomam parte, como ainda existem mil outras espcies: religiosas, morais, graves, fteis, muito gerais e muito particulares, imensas e muito pequenas; (...) associam-se para dar festas, fundar seminrios, construir hotis, edificar igrejas, distribuir livros, (...) criam hospitais, prises, escolas. Trata-se, enfim, de trazer luz ou se desenvolver um sentimento pelo apoio de um grande exemplo, eles se associam. (...) Assim o pas mais democrtico da terra verifica-se ser aquele onde os homens mais aperfeioaram (...) a arte de procurar em comum o objeto dos seus comuns desejos e aplicaram ao maior nmero de objetos essa cincia nova. 25
Tendo em vista a mensurao dos efeitos decorrentes do fenmeno da
associao, uma dimenso qualitativa sobre os diferentes tipos de aes que as mais
24 Tocqueville, Alexis de. Memoir on Pauperism. London: Civitas, 1997, pp. 37-38. 25 Tocqueville. (1987) Op. cit., pp. 391-392.
22
diversas associaes desenvolvem levantada por Francis Fukuyama: Embora
ligas de boliche (...) sejam, como sugere Tocqueville, escolas de cooperao e
esprito pblico, elas so obviamente instituies muito diferentes do US Marine
Corps ou da Igreja Mrmon 26. Para ele, ento, as ligas de boliche se diferenciariam
enormemente das outras associaes citadas por sua capacidade de atuao e pelo
tipo de ao que promovem. E completa: uma liga de boliche, para dizer o mnimo,
no capaz de invadir de sbito uma praia 27. Contudo, independentemente de uma
associao realizar uma ao maior ou menor, de importncia, ou influncia,
relativamente superior ou inferior do que outras associaes, depreende-se que, para
Tocqueville, o mais relevante o efeito das associaes na vida social como um
todo, o combate ao isolamento dos indivduos que a igualdade faz levantar na
democracia. O que est amparado em sua afirmativa: Os sentimentos e as idias
no se renovam, o corao no cresce e o esprito no se desenvolve a no ser pela
influncia recproca dos homens uns para com os outros. (...) E somente as
associaes so capazes de faz-lo. 28
Assim, sem sombra de dvida, as aes de maiores propores trazem
maiores repercusses, como dedutvel da terceira Lei de Newton. E para fins
metodolgicos de mensurao essa considerao trazida por Fukuyama de grande
valor. No entanto, indo alm do mencionado aspecto qualitativo, o que mais
ressaltado por Tocqueville a resultante da coexistncia dos mais distintos tipos de
aes que as mais diferentes associaes realizam. Alm disso, a participao em
associao pode se tornar bastante complexa, o que afeta sua mensurao,
26 HARRISON, Lawrence E.; HUNTINGTON, Samuel P. (editors), et al. Culture Matters: how values shape human progress. New York: Basic Books, 2000. In: Francis Fukuyama, Social Capital, pp. 101. 27 Idem. 28 Tocqueville. (1987) Op. cit., pp. 393.
23
pois uma mesma pessoa pode ser concomitantemente membro de vrios grupos, o
que promove direta e indiretamente a troca de experincia, ou at parcerias entre as
associaes diferentes.
Como apontaram Christian Welzel e Ronald Inglehart, a essncia da
democracia est em empoderar os cidados comuns, mas apenas assegurando
eleies no se atinge isso. Requer mais que a simples aprovao de leis que
formalmente estabelecem direitos polticos para empoderar as pessoas 29. Assim, a
cincia da associao, a qual Tocqueville chamou de a cincia me na democracia30,
empodera a sociedade na medida em que mobiliza as pessoas de forma organizada
para promover o bem-estar coletivo. Ou seja, os cidados por si prprios se
apercebem da fora que podem adquirir unindo-se e realizam suas vontades
comuns sem depender do Estado, e, de fato, passam a exercer seu poder na
sociedade, seja de maneira positiva ou negativa. Portanto, Nada h que a
vontade humana se desespere de atingir pela ao simples do poder coletivo dos
indivduos. 31
Contudo, afirmou Tocqueville, Penso que no h principio, apesar de bom,
que toda consequncia possa ser considerada boa 32. E as associaes no seriam
exceo ao seu pensamento, pois a liberdade poltica ilimitada tambm pode trazer
efeitos negativos. Entre esses efeitos, Fukuyama apontou que alguns grupos podem
promover a intolerncia, o dio e at mesmo a violncia contra os que no so
membros33, ou que no se enquadrem ou partilhem de valores defendidos pelo
grupo. Entre os que promovem um ou mais dos efeitos mencionados esto:
29 WELZEL, Christian; INGLEHART, Ronald. The Role of Ordinary People in Democratization. Journal of Democracy. Vol.19, n. 1, Jan. 2008. The Johns Hopkins University Press. pp.128. 30 Tocqueville. (1987) Op. cit., pp. 394. 31 Ibidem. pp. 147. 32 Tocqueville. (1997) Op. cit., pp. 36. 33 HARRISON, Lawrence E., et al. Op. cit., 2000. In: Francis Fukuyama, Social Capital, pp. 100-102.
24
a Ku Klux Klan, os Skinheads, as mfias, no que se refere ao caso brasileiro, as
gangues, as associaes criminosas que promovem o trfico de drogas, armas e
seres humanos; enfim, os grupos criminosos e/ou terroristas em geral. Talvez, por
antever a possibilidade de ocorrncias dessa natureza, teria Tocqueville alertado:
de modo nenhum acredito que uma nao seja sempre senhora de deixar aos cidados o direito absoluto de se associar em matria poltica, e duvido mesmo que, em qualquer pas e em qualquer poca, fosse prudente no opor limites liberdade de associao. 34
2.1.2 O Esprito de Religio
Para Tocqueville, o esprito de religio o qual definiu como um dos dois
fundamentos da civilizao anglo-americana, a combinar-se com o esprito de
liberdade , por suas caractersticas, seria considerado como salvaguarda dos
costumes e os costumes, como garantia das leis e penhor da sua prpria
preservao 35. Desta forma, aps a exposio de algumas das implicaes que
diferentes combinaes da liberdade com a igualdade podem suscitar
especialmente a apatia social decorrente do individualismo e do materialismo, bem
como os aspectos negativos da liberdade de associao , uma dimenso
tico-espiritual se coloca necessria manuteno da democracia.
no conveniente acreditar que, em tempo algum e seja qual for o estado poltico, a paixo dos gostos materiais e as opinies que se prendem a ela podero bastar a todo um povo. O corao do homem maior do que o supomos; pode encerrar, a um tempo, o gosto pelos bens da terra e o amor aos do cu; s vezes, parece entregar-se perdidamente a um dos dois; mas nunca fica muito tempo sem pensar no outro. 36
34 Tocqueville. (1987) Op. cit., pp. 400. 35 Ibidem. pp. 42. 36 Ibidem. pp. 416-417.
25
Logo, da natureza humana, como afirma o educador Paiva Netto, por mais
que os indivduos tenham saciadas suas necessidades materiais, as espirituais e
intelectuais igualmente precisam ser preenchidas. O contrrio tambm verdadeiro,
preenchidas as necessidades espirituais e intelectuais, mas faltando-lhes os meios e
os recursos materiais para agir, os indivduos de maneira anloga no estaro
plenamente satisfeitos.
se os governos do mundo inteiro, num ato milagroso, resolvessem todos os problemas sociais de seus povos, as massas continuariam insatisfeitas, porque no somos apenas crebro, estmago, sexo; todavia, algo mais, muito mais, somos Esprito! E este tem aspiraes situadas alm das do corpo. Somos tambm sentimento refinado, vontade de descobrir novos campos, novas eras, novas dimenses. Somos Almas livres em Deus e no admitimos algemas.37(...) Na verdade, o Ser Humano, sabendo ou no, procura instintivamente o equilbrio, que s pode advir do exerccio da Fraternidade, a grande esquecida como lamentava Dom Joo Bosco (1815-1888) da trilogia da Revoluo Francesa (Libert, galit, Fraternit). 38
E concluiu a respeito da falta de fraternidade e dos abusos cometidos em
nome da liberdade, que a tanta gente guilhotinou na citada revoluo.
Liberdade sem Fraternidade condenao ao caos. 39
Assim, a partir dos aspectos levantados, as religies seriam, de maneira geral,
modos simples e prticos de ensinar a imortalidade da alma, de chamar a ateno
37 Paiva Netto, Jos de. Somos Todos Profetas. So Paulo: Elevao, 1991. 43 Ed. pp.154. 38 Paiva Netto. Jos de. Urgente Reeducar!. So Paulo: Elevao, 2000. pp.46. (grifos no original) Documento remetido em diversos idiomas, aos chefes de Estado, alto comissariado, representantes do setor privado e sociedade civil de mais de 100 pases, reunidos pela ONU em sua sede, em Viena, ustria, durante o High-Level Segment 2000, do Conselho Econmico e Social das Naes Unidas (Ecosoc), no qual a instituio presidida pelo autor, a LBV, possui status consultivo geral. 39 Paiva Netto. Jos de. Cidadania do Esprito. So Paulo: Editora Elevao, 2001. pp.95.
26
para os prazeres imateriais 40. Trata-se, portanto, do resgate de uma caracterstica
inata ao indivduo: o sentido de religiosidade, que se expressa das mais variadas formas altrusticas. 41
Tal sentido existe independentemente da adeso formal a uma denominao
religiosa, logo inerente ao indivduo, mesmo quando este se declara ateu42. Pois,
at uma pessoa que diga no acreditar em uma Causa causarum, ou em um princpio
inteligente criador do Universo e de todas as formas de vida que nele se encontrem,
tambm chamado por Deus, h de nutrir, para dizer o mnimo, bons sentimentos por
seus familiares, amigos e mestres, e de ter uma preocupao, por menor que seja,
com o futuro das geraes subsequentes sua prpria. E, a conseqncia social de
se negligenciar esse sentido de religiosidade, como colocou Paiva Netto, que:
Sem o proverbial estmulo da Solidariedade ensinada pelo Cristo e pelos luminares das crenas e pensadores de escol, o progresso humano sempre ficar aqum das expectativas do coletivo. 43
Desta forma, a preocupao poltica com o futuro do pas no deixa de ser uma
maneira de fortalecer o sentido de religiosidade, o qual leva os indivduos a pensarem
sobre os destinos da nao, que pas as prximas geraes encontraro e
principalmente acerca do que pode ser feito para melhorar o cenrio futuro. Por
conseguinte, as aes passam a ser tomadas de maneira mais refletida, logo mais
eficiente, considerando suas repercusses e possveis consequncias. Sobre o
40 Tocqueville. (1987) Op. cit., pp. 416. 41 Paiva Netto. (2000) Op. cit., pp.31. (grifo no original) 42 Paiva Netto, Jos de. Diretrizes Espirituais da Religio de Deus Vol.3. So Paulo: LBV,1994. pp.62. 43 Paiva Netto. (2000) Op. cit., pp. 40.
27
assunto assim se expressou Tocqueville: Em todos os tempos, importante que
aqueles que dirigem as naes se conduzam em vista do futuro. E acrescentou a
isso: Assim agindo, os chefes das democracias no s fazem prosperar os negcios
pblicos mas ainda, pelo seu exemplo, ensinam aos particulares a arte de conduzir os
negcios privados 44. Portanto, de maneira antagnica lgica que o excesso pelos
gostos materiais desencadeia, essa espiritualizao da poltica, por seu efeito
pedaggico na conduo da vida privada, acaba por fortalecer o lao entre os
indivduos e a sociedade.
Embora no seja difcil notar a importncia para democracia de fazer reinar as
opinies espiritualistas 45, no campo prtico, tal intento no dispe de semelhante
facilidade. Aps analisar vrias possibilidades, com intrepidez, concluiu Tocqueville:
Neste caso, que meios restam autoridade para conduzir os homens para as opinies espiritualistas ou para mant-los na religio que as sugere? O que vou dizer certamente ir prejudicar-me aos olhos dos polticos. Creio que o nico meio eficaz de que se podem servir os governos para fazer respeitar o dogma da imortalidade da alma, agir todos os dias como se eles mesmos cressem nele. 46
Levantada por Tocqueville essa questo moral e pedaggica do exemplo,
depreende-se que em poltica os indivduos que possuem mais visibilidade,
conseguem dar maior projeo a suas aes, passam a ser vistos como arqutipos
a serem seguidos e, com isso, invocam para si maiores responsabilidades perante
os demais. Como j dizia Napoleo Bonaparte (1769-1821): As palavras indicam o
caminho, mas os exemplos arrastam. Assim, tendo em conta essa perspectiva,
44 Tocqueville. (1987) Op. cit., pp. 419. 45 Ibidem., pp. 417. 46 Idem.
28
iremos analisar as repercusses advindas das aes e de seus valores norteadores
os quais os governantes e as diferentes comunidades propagaram na Itlia. Ou em
outras palavras, que valores e de que forma estes interferem na sociedade.
2.2 Putnam e a sociedade italiana
Enquadrando-se entre os cientistas sociais de inclinao neotocquevilleana,
Robert Putnam desenvolveu seu trabalho explorando as evidncias empricas de
que a qualidade da vida pblica e o desempenho institucional so fortemente
influenciados pelas normas e redes de engajamento cvico. do seu entendimento
que para um bom desempenho uma instituio democrtica tem de ser sensvel s
demandas do eleitorado e, ao mesmo tempo, tem de ser eficiente na utilizao dos
recursos limitados ao atender essas demandas 47.
Para atingir suas concluses, examinou a relao entre o desempenho
institucional e a natureza da vida cvica, que chamou de comunidade cvica,
e est ligado ao que Tocqueville analisou acerca da relao entre os costumes e
as prticas polticas de uma sociedade. Para o entendimento dos efeitos dessa
natureza cvica na sociedade, o conceito utilizado foi o de capital social, cuja idia
central que as redes e as normas de reciprocidade generalizada, assim como
outros tipos de capital, possuem valor e este pode ser mensurado.
2.2.1 A Comunidade Cvica
Suas pesquisas sistemticas sobre a comunidade italiana mostraram que a
qualidade da governana era determinada pela longa permanncia das tradies
47 Putnam, Robert D. Comunidade e Democracia: a experincia da Itlia moderna. Rio de Janeiro: Fundao Getlio Vargas, 1996. pp. 25.
29
de engajamento cvico, ou pela ausncia das mesmas (as regies cvicas e as
no-cvicas). Em seu entendimento, a comunidade cvica diz respeito aos padres de
participao cvica e solidariedade social. Assim, alm da participao nos
negcios pblicos, a cidadania nesse tipo de comunidade implica direitos e deveres
iguais a todos, a igualdade poltica, e tambm implica maiores nveis de
solidariedade, confiana e tolerncia. O que no quer dizer que esta esteja livre de
conflitos, h o debate acalorado das questes pblicas com opinies firmes e
divergentes, porm igualmente h a tolerncia e o respeito entre os oponentes. Aps
examinar a relao entre desempenho institucional e conflito nas diferentes regies
da Itlia, Putnam no encontrou nenhuma correlao entre conflito e comunidade
cvica 48. Outro importante aspecto destacado pelo autor a existncia de certas
estruturas e prticas sociais que incorporam e reforam as normas e os valores da
comunidade cvica, tratando-se, portanto, das associaes to destacadas por
Tocqueville. 49
Para mensurar o nvel de civismo nas comunidades italianas, o autor formou
um ndice composto, o que metodologicamente implica em um padro mais
significativo e coerente, pois utilizando um indicador apenas pode se chegar a uma
concluso errnea. Entre os indicadores de engajamento pblico que compem seu
ndice de comunidade cvica, tem-se o comparecimento s urnas com (1) o voto
preferencial em eleies gerais e (2) o comparecimento a referendos; outro indicador
analisa (3) o pblico leitor de jornais; e o ltimo, (4) a participao em sociedades
orfenicas e clubes de futebol. Quanto a adoo desses indicadores h de se
mencionar que o voto em eleio geral na Itlia para escolher uma nica chapa
48 Putnam, Robert D. (1996) Op.cit., pp. 130. 49 Ibidem. pp. 97;101-105.
30
partidria, mas h a possibilidade do voto preferencial, isto , o voto que indica a
preferncia por um determinado candidato desta chapa. Assim a incidncia desse
tipo de voto um indicador do personalismo e de clientelismo. O comparecimento
em referendo uma boa medida de civismo, porque a motivao principal de quem
vota o interesse pelas questes pblicas, j que esse mecanismo constitucional
no traz as mesmas possibilidades de vantagens pessoais que uma eleio geral
poderia oferecer. Por ser o meio que reserva maior espao para as questes da
comunidade, o nmero de leitores de jornais reflete o interesse pelos assuntos
comunitrios. Quanto ao ltimo, a associao um indicador bsico para se medir
o civismo e as associaes desportivas e culturais constituem um indicador
importante para o caso italiano. 50
A partir dos resultados medidos nas vinte regies que compem a Itlia,
Putnam constatou o seguinte a respeito das regies cvicas, que estariam localizadas
predominantemente ao norte do pas:
Em muitas regies da Itlia existem muitas sociedades orfenicas, clubes de futebol (...). A maioria dos cidados dessas regies acompanham atentamente os assuntos comunitrios nos jornais dirios. Eles se envolvem nos negcios pblicos, mas no devido poltica personalista ou clientelista. Confiam em que todos procedam corretamente e obedeam lei. Nessas regies, os lderes so razoavelmente honestos. Acreditam no governo popular e dispem-se a entrar em acordo com seus adversrios polticos. (...) As redes sociais e polticas se organizam horizontalmente e no hierarquicamente. A comunidade valoriza a solidariedade, o engajamento cvico, a cooperao e a honestidade. O governo funciona. No admira que nessas regies o povo esteja contente! 51
50 Putnam, Robert D. (1996) Op.cit., pp.105-113. 51 Ibidem. pp.128.
31
E sobre as regies no-cvicas, as quais estariam predominantemente
situadas ao sul do pas, constatou o seguinte:
Nelas a vida a vida pblica se organiza hierarquicamente, em vez de horizontalmente, e o prprio conceito de cidado deformado. Do ponto de vista do indivduo, a coisa pblica problema dos outros i notabili, os chefes, os polticos e no meu. Poucos querem tomar parte das deliberaes sobre o bem pblico, e poucas oportunidades existem para isso. A participao poltica motivada pela dependncia ou ambio pessoais, e no pelo interesse coletivo. A afiliao a associaes sociais e culturais inexpressiva. (...) A corrupo geralmente considerada a norma (...). Presos nessa cadeia de crculos viciosos, quase todos se sentem impotentes, explorados e infelizes. Considerando tudo isso, no de admirar que nessas regies o governo seja menos eficaz do que nas comunidades mais cvicas. 52
Por conta de as regies que hoje so cvicas serem industrializadas e de
serem mais desenvolvidas socialmente e economicamente do que as regies
no-cvicas, poderia se pensar que esse desenvolvimento fosse o sustentador da
cultura cvica. Contudo, contrariado essa tese, a anlise de dados histricos
constatou que as regies cvicas no comearam mais ricas e nem sempre foram
ricas, mas permaneceram mais cvicas desde o sculo XI 53. Alm disso, ao utilizar
as tradies cvicas e o desenvolvimento socioeconmico registrados no passado
para prever o atual desenvolvimento econmico, constatou-se ser o civismo um
prognosticador muito melhor desse desenvolvimento atual do que o prprio
desenvolvimento registrado no passado 54. Por fim, Putnam chegou seguinte
concluso: De fato, as anlises histricas sugeriram que estas redes de
52 Putnam, Robert D. (1996) Op.cit., pp. 128. 53 Ibidem. pp.162. 54 Ibidem. pp.166.
32
reciprocidade organizada e solidariedade cvica, longe de serem um epifenmeno da
modernizao socioeconmica, foram uma precondio para isto 55.
2.2.2 O Capital Social
Estabelecendo uma analogia com o que representa as ferramentas para o
capital fsico e o treinamento para o capital humano, assim definiu Putnam: capital
social se refere s caractersticas da organizao social tais como redes, normas
e confiana social que facilitam a coordenao e a cooperao para benefcio
mtuo 56. Desta forma, compartilhar valores e normas pura e simplesmente no
produz capital social, se o que se partilha no promove esse incremento das relaes
sociais. Isso pode ser notado, por exemplo, no sul da Itlia que, apesar de possuir
fortes normas sociais, uma regio caracterizada pela escassez de capital social e
de confiana generalizada. Por sua vez, a confiana nas relaes sociais, como
destacou Fukuyama: funciona como um lubrificante que faz qualquer grupo ou
organizao proceder de modo mais eficiente 57.
Por no ser homogneo, o capital social se apresenta sob as mltiplas
dimenses, assim sendo Putnam destacou que algumas formas podem ser mais
formalmente organizadas com grupos que tenham um presidente, obrigaes que os
membros devem cumprir, podem at ter abrangncia nacional; e outras formas
podem ser bem mais informais, como acontece com um grupo que se rene todas as
quintas-feiras em um bar. No entanto, os dois casos constituem redes que podem,
55 Putnam, Robert D. Bownling Alone: Americas Declining Social Capital. Journal of Democracy, 6:1, Jan 1995, pp.66. 56 Putnam, Robert D. (1995) Op.cit., pp.67. 57 HARRISON, Lawrence, et al. (2000) Op. cit., In: Francis Fukuyama, Social Capital, pp. 98.
33
sem dificuldades, desenvolver a reciprocidade e trazer ganhos. Ilustrando com dois
casos extremos, de um lado poderia se ter formas de capital social densamente
entrelaadas, como um grupo de metalrgicos que trabalham juntos todo dia em uma
fbrica, jogam boliche juntos aos sbados e frequentam a mesma igreja todo
domingo. Num outro extremo, pode se ter formas muito tnues, quase invisveis, de
capital social, como aquele aceno com a cabea para uma pessoa que mal conhece,
mas encontra ocasionalmente no supermercado 58. Apesar de essas formas mais
casuais aparentarem no ter muita importncia, Putnam alertou que elas no devem
ser menosprezadas. Existem boas evidncias experimentais de que se voc acena
com a cabea para as pessoas, elas esto mais propensas a ir ao seu socorro se
voc tiver uma doena repentina ou um ataque cardaco, do que se no acenasse
para elas, mesmo sem conhec-las. 59
Sobre a dinmica que envolve o capital social, Putnam exps que a confiana
e outras formas de capital social, como as normas e cadeias de relaes sociais,
opostamente ao que acontece com o capital fsico, por exemplo, multiplicam-se com
o uso e se reduzem quando no utilizadas. A partir disso, concluiu que a criao e a
dilapidao do capital social se caracterizam por crculos virtuosos e crculos viciosos.
E a respeito do caso italiano asseverou que A progressiva acumulao de capital
social uma das principais responsveis pelos crculos virtuosos da Itlica cvica60.
Assim, os sistemas da participao cvica, como os mencionados nos indicadores de
comunidade cvica e a confiana to necessria cooperao, representam uma
forma essencial de capital social, e quanto mais se desenvolvem maiores se tornam 58 Putnam, Robert D. Social Capital Measurement and Consequences. Canadian Journal of Policy Research, 2(1), 2001, pp. 42.
59 Putnam, Robert D. (2001) Op. cit., pp. 42. 60 Putnam, Robert D. (1996) Op. cit., pp.179-180.
34
as probabilidades de cooperao para o benefcio mtuo. Pois, os crculos virtuosos
favorecem equilbrios sociais com altos nveis de cooperao, confiana, bem-estar
coletivo, reciprocidade e civismo. Enquanto, a desconfiana dos crculos viciosos
obstaculiza qualquer forma de cooperao voluntria. Alm disso, os estoques de
capital social em uma sociedade ajudam a reduzir os custos transacionais custos
de monitorao, contratos, julgamentos e de execuo dos acordos formais61 pois
h maior possibilidade de conciliao e maior vontade de resolver os problemas. E,
tambm no que se refere aos dilemas da ao coletiva, por ter a caracterstica da
participao social em que o respeito s leis e s normas cvicas um valor
socializado, mais fcil identificar e punir a eventual ovelha negra, de modo que a
transgresso torna-se mais arriscada e menos tentadora 62.
Os efeitos promovidos pela acumulao de um estoque substancial de
capital social em uma comunidade so os mais diversos, resumindo-os assim se
expressou Putnam:
Em primeiro lugar, redes de engajamento cvico alimentam fortes normas de reciprocidade generalizadas e encoraja a emergncia da confiana social. Tais redes facilitam a coordenao e a comunicao, amplifica reputaes, e assim permite que dilemas da ao coletiva sejam resolvidos. Quando negociaes econmicas e polticas esto inseridas em densas redes de colaborao, interao social, os incentivos ao oportunismo so reduzidos. 63
Assim, em termos tocquevilleanos, o esprito de liberdade que se encontra na
participao cvica, o qual estimula a cooperao e a confiana social, associado ao
61 HARRISON, Lawrence, et al. (2000) Op. cit., In: Francis Fukuyama, Social Capital, pp. 99. 62 Putnam, Robert D. (1996) Op. cit., pp. 188. 63 Putnam, Robert D. (1995) Op. cit., pp. 67.
35
esprito de religio que motiva a continuao dessa participao mesmo quando os
interesses econmicos e financeiros j tenham sido parcialmente ou totalmente
atendidos pois este remete imaterialidade, eternidade, aos valores espirituais,
intelectuais e culturais esses dois promovem mais que a manuteno, o
desenvolvimento da democracia. O que acaba por redundar no fenmeno que
Tocqueville havia mencionado e Putnam tambm: Finalmente, redes densas de
interao provavelmente alargam nos participantes o senso do si mesmos,
desenvolvendo o Eu em Ns, ou (em linguagem dos tericos da escolha racional)
aumenta o gosto dos participantes por benefcios coletivos 64
64 Putnam, Robert D. (1995) Op. cit., pp. 67.
36
3 ESTUDO DE CASO
O contexto brasileiro marcado pela diversidade cultural; por uma sociedade
complexa e dividida, como colocaria Putnam, com tendncias cvicas e no-cvicas.
Enfim, "O pas no um bloco monoltico" 65. No entanto, consensual que a
educao primordial em qualquer mudana efetiva e duradoura que se pretenda
em uma sociedade. Putnam colocou que a educao um dos fatores que mais
influenciam o comportamento poltico 66. E, o educador Paiva Netto, quanto
gravidade do assunto, asseverou, que:
enquanto no prevalecer o ensino eficaz por todos os de bom senso almejado, qualquer nao padecer cativa das limitaes que a si mesma se impe. 67
Assim, por representar a escola uma espcie de laboratrio social,
representativo dos valores e das relaes sociais que iro se reproduzir na vida em
sociedade, alm de ser, aps o lar, a instituio, na qual crianas, adolescentes e
jovens passam (ou deveriam passar) a maior parte do tempo, que se optou por
analisar este tipo de instituio. Sobre os problemas da educao, a evaso escolar e
a violncia figuram entre os piores. E seus efeitos so sentidos pela sociedade:
As conseqncias da evaso escolar podem ser sentidas com mais intensidade nas cadeias pblicas, penitencirias e centros de internao de adolescentes em conflito com a lei, onde os percentuais de presos e internos analfabetos, semi- alfabetizados e/ou fora do sistema de ensino quando da prtica da infrao que os levou ao encarceramento margeia, e em alguns casos supera, os 90% (noventa por cento). Sem medo de errar, conclui-se que a falta de educao, no sentido mais
65 Almeida, Alberto Carlos. Op cit. pp. 25. 66 Putnam, Robert D. (1996) Op. cit., pp. 131. 67 Paiva Netto, Jos de.(1991), pp. 191.
37
amplo da palavra, e de uma educao de qualidade, que seja atraente e no excludente, e no a pobreza em si considerada, a verdadeira causa do vertiginoso aumento da violncia que nosso Pas vem enfrentando nos ltimos anos. O combate evaso escolar, nessa perspectiva, tambm surge como um eficaz instrumento de preveno e combate violncia(...) 68
3.1 O objeto de estudo: Escolas da LBV
Os Centros Culturais e Educacionais da Legio da Boa Vontade (LBV) e mais
especificamente, para efeitos de delimitao, o Instituto de Educao Jos de Paiva
Netto (IEJPN) 69, que a escola-modelo localizada na capital paulista, foi escolhido
como objeto desse estudo. A escola oferece educao infantil, ensino fundamental,
mdio, educao para jovens e adultos e cursos preparatrios para supletivo. Atende
cerca de 1300 alunos. Da Educao Infantil ao 7 ano, o perodo integral das 8h s
18h, o 8 ano e 9 ano, das 8h s 16h, e no Ensino Mdio, das 7h s 15h40. H de
se destacar que se trata de uma instituio privada de utilidade pblica, que oferece
educao de qualidade e gratuita a alunos de baixa renda, que constituem a maior
parcela do corpo discente. Portanto, a instituio cnscia de que se insere num
contexto scio- econmico complexo, no qual a educao e a instruo ofertadas so
fatores determinantes para a vida pessoal e profissional dos educandos.
Por fim, a escolha se deveu ao fato de as escolas da rede de ensino da LBV
possurem ndice de evaso zero e de constiturem um ambiente de no-violncia.
Nessas escolas tambm se incentiva a participao social e o voluntariado. Assim, o
68 DIGICOMO, Murillo Jos (2005). Evaso escolar: no basta comunicar e as mos lavar. pp. 01. Disponvel em: http://www.mp.ba.gov.br/. Acesso em: 05 mar. 2010. 69 Todas as informaes relativas s escolas da LBV foram obtidas junto direo, com o apoio da diretora Professora Maria Sueli Periotto; das funcionrias ssima e Elisangela; da voluntria, ex-aluna e historiadora Paula Sueli; e pelo site: http://www.iejpn.com.br.
38
estudo de caso proceder investigando, a partir de algumas das principais causas da
evaso escolar, os fatores que favoreceram a escola analisada na obteno de seus
resultados, os quais so almejados por toda e qualquer escola.
3.2 As causas da evaso escolar
recorrente separar as causas da evaso em funo de sua origem:
estudante, escola, famlia e meio social. No que tange ao aluno, tem-se
principalmente: a falta de auto-estima, de recursos para comprar material escolar,
desinteresse, gravidez, etc. No que se refere escola, entre as causas esto: a falta
de condies adequadas da mesma (salas, carteiras, sanitrios, refeitrios/ cantina);
professores com baixos salrios, despreparados e/ou desinteressados.
Na verdade, falta um tratamento digno aos professores, que so rfos de um sistema econmico desumano, que vigora em vrias regies do mundo. Para argumentar, podemos dizer que onde lhes so permitidas melhores condies de existncia material lhes negado o direito de pensar e sentir e onde no lhes vedada a ao de pensar no lhes concedido sobreviver decentemente...70
Acerca da famlia, h causas relacionadas a problemas familiares
propriamente (por exemplo, uma doena que acomete um familiar e o aluno tem que
se desligar da escola para cuidar do mesmo, ou para levantar recursos financeiros); o
desinteresse, a falta de acompanhamento e de incentivo dos pais e/ou responsveis.
Quanto s causas relacionadas ao meio social, tem-se muitas vezes o desvio por
70 Paiva Netto. (2000) Op. cit., pp. 48
39
ms companhias; o abandono escolar por incompatibilidade com o trabalho;
agresso entre os alunos, a violncia das gangues. 71
Assim, a evaso escolar pode advir das mais variadas motivaes, inclusive
de muitas que sequer foram citadas. Uma causa sozinha pode at levar evaso, ou
no, mas todas elas de alguma maneira se relacionam, no so excludentes, e se
somam, contribuindo para que, como resultado da equao de diversos fatores, o
aluno termine por abandonar a escola antes da concluso do ano letivo. E uma vez
evadido da escola esse aluno poder se enquadrar nas seguintes situaes:
Muitos dos alunos evasores nunca mais voltam escola. O que poderia ser um profissional preparado se continuasse nos bancos escolares, vai ser um trabalhador sem qualificao, com baixos salrios ou ainda pior, um marginal, um desempregado a mais, na vida adulta, pois no encontra trabalho pelo fato de no ter se preparado. Entretanto, h casos que no chegam a esta situao. Alguns evasores das escolas voltam a estudar, fazem um curso supletivo, quando evadem do ensino regular. Ou ento procuram outros meios de aprender alguma coisa para trabalharem e produzirem o suficiente para uma vida, embora modesta e honesta. 72
3.3 Anlise e interpretao dos resultados
Da mesma maneira que um conjunto de fatores favorecem a evaso, um
conjunto de fatores favorecem a evaso zero e o ambiente de no-violncia. No que
se refere escola e sua estrutura, alm de salas de aula e laboratrios bem
equipados, o colgio dispe de quadras poliesportivas, biblioteca, brinquedoteca e
ambientes para artes, ingls, carat, bal, xadrez e expresso corporal. O quadro de
funcionrios composto de 235 profissionais entre direo, auxiliares, professores,
71 Bissoli, Ana Cristina; Rodrigues, Rosngela Mazzia. Evaso Escolar: o caso do Colgio Estadual Antonio Francisco Lisboa. pp.6-8. Disponvel em: http://www.repositorio.seap.pr.gov.br. 05 mar. 2010. 72 Bissoli, Ana Cristina; Rodrigues, Rosngela Mazzia. Op. cit., pp.8-9.
40
pedagogos, psicopedagogos, psiclogos, assistentes sociais, enfermeiros e
nutricionistas. Os estudantes contam com o apoio desses profissionais e de
voluntrios que atuam na escola da maneira integrada, para promover a melhoria da
qualidade de vida. A escola oferece trs refeies dirias: caf da manh, almoo e
lanche da tarde (no perodo integral, janta). O material escolar provido pela LBV 73,
h tambm atividades extracurriculares e atendimento ambulatorial mdico.
Enfim, no que se refere estrutura fsica e ao corpo de profissionais a escola
muito atrativa e bem equipada, o que instiga o interesse dos alunos. No entanto,
apesar de esse aspecto ser contabilizado entre as causas de reduo de evaso
escolar, no se pode atribuir tal resultado exclusivamente a isso, pois muitas escolas
dispem de estrutura semelhante ou at melhor, mas no dos mesmo resultados.
Putnam constatou em suas pesquisas que a relao entre a performance
educacional e o capital social muito mais forte do que, por exemplo, os gastos com
a escola ou qualquer outro fator considerado como favorvel ao aumento do
desempenho educacional 74. Para atingir sua performance e garantir as redes e
normas de confiana social, a Instituio faz uso de uma pedagogia inovadora, a
Pedagogia do Cidado Ecumnico. Essa proposta do educador Paiva Netto aplicada
na rede de ensino e nos programas socioeducacionais da LBV d especial destaque
aos valores espirituais, ticos e morais, por compreend-los como ferramentas
essenciais para a formao do carter e para uma convivncia fraterna e saudvel
em sociedade. Assim, essa linha educacional tem por finalidade estimular um
desenvolvimento mais eficiente, solidrio, democrtico, ecumnico, crtico e
participativo dos educandos.
73 A LBV promove todo ano a campanha Criana Nota 10 Sem Educao no h futuro que entrega milhares de kits escolares a meninos e meninas da baixa renda atendidos pela Instituio. 74 Putnam, Robert D. (2001) Op. cit., pp. 49.
41
Alm da qualificao eficiente dos alunos para colocao no mercado de
trabalho, a Pedagogia da LBV se preocupa com o engajamento cvico. Desta forma, a
escola oferece condies para que o aluno se aperceba como parte integrante de um
grupo social, esse grupo por sua vez tambm um meio de interao, fonte de
estudo e informaes. Mais que incentivar a pesquisa e prover contedo, a escola
tambm prima pela participao dos alunos e pela socializao de seus
conhecimentos e experincias, seja em sala, em exposies na prpria escola,
colquios, mostras ou feiras culturais, manifestaes artsticas e culturais etc.
Somando-se a esse fatores, h na grade escolar aula de Convivncia, que leva sala
de aula temticas atuais, tal como o Bullying; questes de sade e sexualidade, como
gravidez na adolescncia, Doenas Sexualmente Transmissveis; e tambm h a
disciplina de Cultura Ecumnica, que promove, sem proselitismo, o estudo, a reflexo
e, sobretudo, o respeito s crenas de cada indivduo, isto , cultiva o sentido de
religiosidade como fomentador da cidadania. Na viso da pedagogia em questo,
A escola imprescindvel, mas no substitui o lar. O Estado e a sociedade tm de, unidos, gerir solues para que as famlias criem e eduquem dignamente os seus filhos. 75
E, por conta dessa preocupao com a famlia, agente fundamental no
processo de formao constante do indivduo, o Instituto da LBV, por meio de
palestras educativas, cursos e atividades esportivas, abre suas portas para o
envolvimento da famlia e tambm da comunidade nesse processo.
Trata-se, portanto, de um processo educacional completo, pois alm de dar
maior visibilidade aos resultados da aprendizagem, o que fornece melhores
75 Paiva Netto.(2000) Op. cit., pp. 36.
42
indicadores de eficincia do processo, eleva a auto-estima do educando, orgulha e
fortalece as famlias, pois estas testemunham junto comunidade a evoluo e o
desenvolvimento do aluno; e proporciona a satisfao ao educador de ver os frutos
de seu trabalho reconhecidos e valorizados pela sociedade. Ou seja, a escola
articulou uma comunidade cvica, o que aumentou o seu estoque de capital social,
responsvel pelos crculos virtuosos que redundaram na evaso zero, no ambiente
de no-violncia, entre outros resultados.
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CONCLUSO
O principal objetivo desta monografia foi verificar se uma sociedade com
valores humanos, ticos e espirituais realmente favorecem um governo com melhor
desempenho e se, a partir desses valores que fortalecem a sociedade civil, esse
fortalecimento benfico para a democracia e promove o bem-estar coletivo. E de
que maneira isso se processaria.
Com esse intuito, ao longo do trabalho, foi apresentada a contextualizao e a
justificativa histrica da relevncia desse tipo de estudo a partir da Era Axial de que
falou Karl Jaspers. Tambm levantou-se a problemtica que envolve a democracia
no contexto da modernidade adotando-se Tocqueville como referencial terico.
Prosseguiu-se explorando possveis solues para o individualismo e o materialismo,
apontados por Tocqueville como perigos democracia. Complementando a teoria de
Tocqueville, explorou-se a contribuio de Putnam com suas investigaes empricas
da relao entre o desempenho institucional e a natureza da vida cvica. Por fim,
desenvolveu-se um estudo de caso acerca das Escolas da LBV, analisando os
resultados dessas escolas e como elas alcanaram evaso escolar zero e ambiente
de no violncia.
Quanto ao carter pedaggico da participao poltica, Tocqueville destacou
que o povo no conseguiria misturar-se aos negcios pblicos sem que o crculo das
suas idias viesse a estender-se e sem que visse o seu esprito sair de sua rotina
ordinria 76. Essa expanso da conscincia social decorrente do envolvimento com
76 Tocqueville. (1987) Op cit. pp.188.
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a vida pblica foi constatada tanto nas associaes nos EUA, nas comunidades
cvicas da Itlia e nas Escolas da LBV.
A concluso do trabalho foi que Tocqueville estava certo e uma sociedade com
costumes e valores humanos favorece um bom governo. Pois esses valores
fortalecem e favorecem o civismo e a confiana social, cria capital social para a
comunidade cvica que, por seus prprios esforos, desafoga a demanda pelos
servios do Estado. Ou como colocou Putnam: Eles exigem servios pblicos mais
eficazes e esto dispostos a agir coletivamente para alcanar os seus objetivos
comuns 77. Enfim, a colaborao e a reciprocidade generalizada vigoram. E pelo
lado da oferta, o desempenho do governo tambm favorecido, pois uma
comunidade cvica ao mesmo tempo que exige de seus governantes, faz a sua parte,
d o exemplo, com isso governos ineficientes que se distanciem dos valores e
costumes vivenciados pelos cidados no encontram base de sustentao.
As possibilidades que se desdobram no contexto democrtico, como foi visto
ao longo do trabalho, so variadas e podem ser boas ou ruins. Cabe, portanto, aos
cidados escolherem que futuro desejam. Mais cvico, tolerante, confiante, solidrio e
participativo; ou menos cvico, intolerante, desconfiado e individualista?
Aparentemente uma escolha bvia, mas talvez por conta do contexto
scio-econmico complexo do Brasil, na prtica, a escolha pela primeira opo no
o que se observa de maneira disseminada. Isso nos remete necessidade de
mudana do comportamento poltico e social, o que imprescindivelmente exige
educao de qualidade para todos.
77 Putnam, Robert D. (1996) Op. cit., pp. 191.
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