RUSKIN - A lâmpada da memoria

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    48 o John Ruekin{ < * *

    Tarefardua, semdvida, a leitura e anlisede sSeteLmpd,as ,aArquitetura; extremamente nspira-dora, por outro ado. De qualquer forma, inegvelquea obra apresentaum rico manancialde reflexesno ssobrea arquitetura. sua preservaEo o sculoXIX,mas principalmente - sobreos rumose dilemasatuaisque nos cabe enfrentar,a respeitodessesmesmosemas. A Lmpada

    John Ruskinda Mem 6ra

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    I. Entre as horas de sua vida que este escritor re-memora com peculiar gratido - por terem sido mar-cadaspor mais do que a habitual plenitude de alegria ouclareza de ensinamento -, est aquela passada, jh, aI-guns anos, perto do momento do por do sol, entre os ma-cios irregulares de floresta de pinheiros que orlam ocurso do Ain, sobre a aldeia de Champagnole,no Jura. um lugar que tem toda a solenidade, mas nada da sel-vageria, dos Alpes; onde existe uma sensao de umgrande poder comeando a manifestar-se na terra, e deuma harmonia profunda e majestosa no ascender daslongas e baixas linhas das colinas de pieiros; a primei-ra expresso daquelas poderosas sinfonias das.monta-nhas, que logo se elevaro mais alto e se despedaa-

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    ro de modo indmito contra as ameias dos Alpes. Masa sua fora ainda est contida; e os cumes distantes demontanhaspastoraisse sucedem uns aos outros, como alonga e suspirante ondulao que move guas tranqi_las vindas de algum distante mar tempestuoso.E existeuma profunda ternura perpassandoaquela vasra mono_tonia. As foras destrutivas e a expresso severa dascadeias centrais encontram-se igualmente recolhidas.Nenhum caminho de antiga geleira sulcado pela geadaou obstrudo pela terra perturba as macias pastagens doJura; nenhuma pilha estilhaada de escombros interrom_pe as fieiras regulares de suas florestas; nenhum rio fu_rioso, entrincheirado ou plido rasga seu percurso rudee instvel entre suaspedras.pacientemente,redemoinhopor redemoinho, as claras correntesverdejanresserpen_teiam em seus leitos bem conhecidos;e sob a quietudeescura dos pinheiros impassveis brota, ano aps ano, talquantidade de lores alegrescomo eu no conheo gualente as bnos da terra. Era primavera, tambm; e to_das estavam desabrochandoem cachos, apinhadas porpuro amor; havia espao para todas, mas elas impren_

    savam suas folhas nas mais estranhas formas, apenaspara ficarem mais prximas umas das outras. Havia aanmona dos bosques, estrela aps estrela, agrupando_se aqui e ali em nebulosas; e havia a oxaldea, tropa apstropa, como as procisses virginais do Ms de Maria,transbordando das escuras fendas verticais na pedracalcna como se fosse neve pesada, tocada pela hera nasbordas - hera to delicada e adorvel "o-o u vinha: e.

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    rle vez em quando, um jorro azul de violetas, e prmulasem lugares ensolarados;e nos espaosmais abertos, aervilhaca, o confrei, o mezereQ) os pequenos botescor de safira da Polgala Alpina, e o morango silvestre,apenas uma florescncia ou duas, tudo salpicado emmeio maeezadourada do musgo de uma cor de mbarquente e profunda. Eu ento atingi a beira do desfila-deiro: o murmrio solene das suas guas elevou-se su-bitamente de baixo, misturado com a cano dos tordosentre os ramos de pinheiro; e, do outro lado do vale, queparecia emparedado por penhascos cinzentos de cal-crio, um gavio voava lentamente sobre os cimos, qua-se os tocando com suas asas, co m as sombras do s pi -nheiros adejando sobre a sua plumagem; mas com aescarpa de cem braas sob o seu peito, e os poos en-crespadosdo rio verde deslizando e cintilando vertigi-nosamentedebaixo dele, suas bohas de espuma moven-do-se com ele em seu vo. Seria difc i l concebel pm acena menos,dependente de qu.qlqugr ou!r9 plgp-piita dqq,r" d sua prpria beleza sria e erna; mas o autor selembra bem do repentino vazio e frieza que foram lan-adossobreel a quando enlou.para dentificar mais pre-cisamente as fontes de sua magnificncia. imagin-lapor um momento como uma cena de alguma florestanativa do Novo Continente. As flores imediatamenteperderam seu brilho, o rio a sua msica; as colinas tor-naram-se opressivamente desoladas; o peso dos ramosda floresta escurecidamostrou quanto do seu poder an-terior dependera de uma vida que no era sua; quanto

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    da glria da imortal - ou continuamenterenovada* cri_ao um reflexo de coisas mais preciosas do que elapara serem lembradas, em sua renovao. Aqueias flo_res semprea desabrochare ribeires sempre a correr ti -nham siclo ingidos pelas cores profundas da persistn-cia, do valor e da virtude humanas; e as cristas da scolinas escurasdestacadascontra o cu vespertino me-receram una venerao mais profunda, porque suassombrasdistantesse projetavam a leste sobre a muralhade ferro de Joux, e sobre a torre quadrada de Granson.^ - , _ U, II. E como centralizadora e pr.otetoradessa inlun_r . - , -

    ,. ci a sagrada, qu e a Arquitetura deve se r considerada\ po r ns com a ma io r se r iedade .Ns podemosv ive rse m ela, e orar se m ela, ma s n o podemos rememorarse m ela. Como fria toda a histria, como se m vidatoda fantasia, comparada quilo qu e a nao viva es _creve, e o mrmore incorruptvel ostental _ quantaspginas de registros duvidosos n o poderamos n sdispensar, em troca de algumas pedras empihadasumas sobre as outras! A ambio do s construtoresdavelha Babel voltava-se diretamente para esse mundo:h apenasdois for:tes encedoresdo esquecimentodo shomens, Poesia e Arquitetura; e a ltima de algumaforma inclui a primeira, e mais poderosa na sua rea_lidade: bom te r ao alcance n o apenaso que os ho_

    1. Ao mencionar a fortaleza de Granson, Ruskin assinaa a presena hu-mana naquea regio. impregnando-a ce virtuces humanas _ imposs-veis de selem encontradas na natureza desoada do Novo Continente.

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    mens pensaram e sentiram' mas o que suas mos ma-nusearam, e sua fora forjou, e seus olhos contem-plaram, durante todos os dias de suas vidas. A pocacl e Homero est envolta em escurido, su a prpriapersonaliclade,em dvida. O mesmo no acontececoma poca de Pricles: e est prximo o dia em qu e n sadmitiremos ter aprendido mais sobre a Crcia atravsdos fragmentos esfacelados de suas esculturas do quede seus doces trovadores ou historiadores soldados.

    E se de ato hotwer algum proueito emF0RrsMO7.A Arquitetura deve seri,:'lj::l ':::":t,rosso ,o,rhecimento'o assad'o,u al'era hs ti lca e DeSe-vada como tal. guma alegria na dit de sermos em-brados no uturo, que possaortalecer o esforopresente,ou d,ar alento presente esgnao,h dois deueres mrela,oc nossaarquitetura nacional cuja import'nciampossuelupereslimar: primeiro^ ornar a arquileuroatual, histrca; e o segund'o,preseruar' como a mais pre-cosade todus as heranas,aquela das pocas assadas'

    III. E 9m-re+.*qao primeira dessasduas orienta-es que asgryOtilpode ser verdadeiramente

    conside-rada comol.glgxla l-impada da Arquitetura; pois,, aqse tornarem memoriais -moriumentaisque os edifcioscivis e domsticosatingem uma perfeio verdadeira; eisso em parte por eles serem, com tal intento, construdosde uma maneira mais slida, e em parte por suas deco-r"0" . t" * conseqentemente nsp iradas por umsisnificado histrico ou metafrico.

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    AFORISMO 8.A sant idade do ar, pa

    Com relao aos edifcios clomsticos, costumasempre haver uma certa limitao para intenes dessetipo nos poderes,assim como nos coraes,dos homens;mesmo assim s possoconsiderar como um mau pIesq4_gio para um povo quando suas casasso construdas p_qradurar por uma geraoapenas.Existe uma santidadenacasa de um homem de bem que no pode ser renovadaem qualquer moradia levantada sobre as suas runas; eacredito que os homens honradossentem sso, em geral:que, tendo vivido suas vidas fehz e honradamente, elesficariam desgostosos, o fim de seus dias, ao pensar queo lugar do seu domiclio terrestre, que testemunhou, epareceu mesmo compartilhar, sua honra, suas alegrias,ou seu sofrimento,- que esse ugar, com toda a histriaque revelava dees, e de todas as coisas materiais queeles amaram e possuram , e sobre as quais deixaram suamarca -. seria arrasado, assim que houvesse ugar paraeles no tmulo; que nenhum respeito seria demonstradopara com tal lugar, nenhuma afeio coriferida a ele, ne_nhum bem a ser extrado dele por seus filhos; que em_bora houvesse um monumento para eles na igreja, nohavia nenhum monumento afetuosoem seu lar e mora_dia; que tudo o que sempre prezaram seria desdenhado,e que os lugares que os abrigaram e confortaram seriamreduzidosa p. Eu penso que um homem de bem teme_ri a isso; e que, mais ainda, um bo m fiho, um descen_dente honrado, temeria fazer isso casa de seu pai.Creio que, se os homens uiuessemd,ecomo homens,suas casasseriam

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    templos - templos que ns nunca nos atreaeramos a uio-Iar, e que nos aram sagrados se nos ossepermitido mo'rar neles;e que deuehauer uma estranha d,issoluo oa,fetonatural, uma estr&nha ingratidd,o para com tudoque os lares propice,rqm e os pais ensinaram, uma estra-nha conscincia de que ns n,o omos fi'is honra denossos ais, ou de que as nossas rprias aidas n'o s'od,ignas d,e ornar /"rossd.slorad,ias sagradas p&ra nossosfilhos, quando coda homem se resignao construirpctro siprprio, e para a curta dura,o d'e sua prpria uida ape-nas. E olho para essas astimdueis concrees e cal e ar-gila que brotann,precocemente embolorad&s, dos carnposcomprimid,os em aolta da nossacapital - p&r(r essas cls'cas t,nas, instdueis, sem undaes, de lascas de madeirae imitoo d.e edra; para essasi'leiras esqutld,as c mes-quinhez ormalizada, semelhantessem diferena e senx so-lidaiedade, td,o solitdrias qyqnto !milayg;- - ndo apenascom a repugn,ncia ind,iferente da uisd,oofendida, nd'oa,penas otn, esar diante d,euma paisagem profanada,mas com urn penosopressentimento de que as razes d,enossagrandeza nacional dwem estarprofundamente c&r-comidas quando elas esto assim to frouxamente cra-uadas em seu solo natal; d.equ essas abtaessem con-forto e sem dignidade s,o os sinais de um grand,e ecrescenteesprito d,e d,escontentamento opular; de Eteind,icam um tem.poem que a aspirao de cadn homern estar ern qualquer esfera mais eleaado do que aquela quelhe natural, e qu.ea aid,apassada de cada homem seuol191qd9 &!pre-1t hg,btual quand'o os homens constroeL

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    na esperq,na e aband,onaros lugares qu cott^strur&tn,aiLemna esperanade esErcceros anos ErE 1)iaerarn;quan_dn o confortct, a paz, a religido do lar cessaramde ser sen_tidos; e as habitaes apinhadas d,eurna popula,o com_batiua e inqueta s diferern das tendas d,osdrabes ou closciganospor serenmennssaud,auelm.entebertas aosares d,ocu, e por xn merns;felie escolhade seu lugar na terra; pelaseu sacrifcio rJa liberdad.esem o ganho do repouso,e d,aestabilidade sem o priuilgio da mw,ana.IV . Esse n o um ma l insigniicante, se m conse_qncias; ameaador, nfeccioso, e frtil em outros

    er:rose in'ortnios. Quando os homens no amam seuslares, nem reverenciam a soleira de suas portas, umsinal de que desonraram a ambos, e de que nunca sederam conta da verdarieira universaidade daqueleculto cristo que deveria de fato superar a idoatria dopago, ma s n o su a devoo. Nosso Deus um Deusdo lar, tanto quanto do cu; Ele tem um altar na mora_da de cada homem; qu e os homens estejanr atentosquando destrurem-na levianamente e jogarem forasuas cinzas. No uma questo de mero deleite visual,no questo de orgulho intelectual, ou de caprichosofisticado e crtico, a maneira como, e co m qual as _pecto de durabilidade e de perfeio, as construesdomsticas de um a nao devem se r erguida.. u*daqueles deveres morais qu e n o deve se r negligen_ciado mais impunemerue - porque sua percep

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    62 e .Iohn RuskinMi t herzlichen VenrauenHa t JohannesMooter und Maria RubiDiesesHaus bauen assen.Der iebe Gott woll uns ber,,'ahrenVor allem Ungltick und Gefahren,[Jnd es n Segen assenstehnAuf der Reise durch dieseJammerzeitNach dem himmlischen Paradiese,Wo alle Frommenwohnen,Da wird Gott sie belohnenMit der FriedenskroneZu alLeErvigkeits.

    VII. Em edifcios pblicos a inreno histrica de-veria ser ainda mais precisa. !g1g das vantagensda.ul-quitetrJra.gtica us o o termo gtico no sentido maisamplo de oposiogenrica ao clssico - que ela ad-mi te uma r iquezade reg is t ros o ta lmen te l im i rada .Suas decoraesescultricas minuciosas e mltiplasproporcionam meios cle expressar,seja simblica ou li-teralmente, tudo o que precisa ser conhecido do senti-mento ou das realizaesda nao. Mais decorao,defato, ser requerida do que preciso para to eevadofim; e muito, mesmo no s perodos mais austeros, oideixado liberdade de imaginao, ou constituiu de

    5. Em alemo no origina: Com afetuosa confi,ana / Jolrunnes Mooter eMaria Rubi / Fizeram construir esta cas(r, / Queru nosso antad,o Deusn,os proteger / De tod,a a infelicidace e ;terigos, / E mant-Ia [a casa]abenoad,a. / Na agem atraus d,e.ste ale. de kigrimas / Ao paraso ce-Ieste, Onrle habitam todos os piedasos, Ld Deu os recompemard, / Coma coroa da paz, / Por toda a eternd,atle (N. da T., que agradece pauoM. Kh e Lucia Becker Carpena pea traduo do texto alemo).

    II

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    meras repeties de algum smbolo ou emblema nacio-nal. , entretanto, geralmente insensato abdicar dopoder e do privilgio da variedade que o esprito daarquitetura gtica admite, mesmo em meros ornamen-tos de supedcie; mais ainda em elementos mportan-te s - capitis de colunas ou pedras-chave6, frisos, e,naturalmente, em todos os baixos-relevos visvei..-prg{g{yel a obra mg-iq gd.e,que cglta fma histria ou 1^:t:_Clllq um fato. do que a mais ricg- sel-9!g1ifi9ldo-r 'tNo se deveria colocar um nico ornamento em gran- |des edifcios cvicos, sem alguma inteno intelectua|. JA representao eal da histria tem sido, em temposmodernos, impedida por uma dificuldade, banal defato, mas permanente; u u9g!*g!gjgd.S" il7: toda-via, atravs de um tratamento imaginativo suficiente-mente corajoso,e franco uso dos smbolos, odos essesobstculos podem ser vencidos talvez no no grau ne-cessriopara produzir escultura satisfatria por si s,mas de qualquer modo para habilit-la a tornar-se umgrandioso e expressivo elemento da composio arqui-tetnica. Consideremos,por exemplo, o tratamento dos

    6. Usuamente traduz ida po r re levo, ou bossagem, a pa lavra oss or i -ginalmente empregada aqui definida com o significado especlicode pedra-chave por Augustus Weby Northmore Pugin, em The TruePrincples of Pointed or Christan Architecture, London, Henry G.Bohn, 1853. p. 6 (N . da T ') .

    7. No original, unmanageable costume. Ao que parece, no contextodeste pargrafo, Ruskin se refere dificuldade - tantc tcicaquanto expressiva - dos escutores contemporneos seus no trata-mento das roupas e panejamentos (N. da T.).

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    capitis do palcio ducal em Yeneza. A histria, propria-mente dita, fora efetivamente confiada aos pintores deseu interior, mas cada capitel de suas arcadas foi carre-gado de significado. Aquele grande - a pedra angulardo conjunto, prximo entrada -, fo i dedicado a simbo-lizar a Justia Abstrata; sobre ele encontra-se uma es-cultura do Julgamento de Salomo, notvel pela bela sub-misso de seu tratamento sua inteno decorativa. Asfiguras, se o tema fosse unicamente compostopor elas,teriam interrompido de modo inbil a linha do ngulo, ediminudo sua fora aparente; por isso no meio delas, in-teiramente sem relao com elas, e exatamente entre ocarrasco e a me suplicante, irrompe o tronco rugoso deuma volumosa rvore, que refora e continua o fuste dacouna do ngulo, cujas folhas acima dominam e enri-quecem o conjunto. O capitel, abaixo, porta entre sua fo-lhagem uma figura entronizada da Justia, Trajano fazen-do justia viva, Aristteles oochedie legge,,B, um oudois personagens atualmente irreconhecveis devido deteriorao. Os capitis seguintes representam suces-sivamenteas virtudes e os vcios, mantenedoresou des-truidores da paz e do poder nacionais, terminando coma F, com a inscrio "Fides optima in Deo est,,. V-seuma figura do outro ado do capitel, adorando o sol. De-pois desses,um ou dois capitis so decoradosde modoB. Em italiano, com essa grafia no original; textuamente, a expressosignifica "Aristtees que deu a ei,,, no sentido de Aristteles queformula, que enuncia, que ministra a lei (N. da T., que agradeceLuciano Migliaccio e Simona Salvo peos escarecimentos).

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    imaginosocom pssaros Prancha 5), e, ento, vem umasrie representando,primeiro as vrias frutas, a seguiros trajes nacionais, e, por fim, os animais dos vrios es-tados sujeitos ao domnio de Veneza.IVIII. Agora, para no falar de outros edifcios p-blicos mais importantes, imaginemos a nossa prpriaIndia House adornada dessa maneita, co m esculturasimblica ou histrica: maciamente construda) paracomear; depois esculpida co m baixos-relevos sobrenossas batalhas indianas, e ornada com entalhes de fo-lhagem oriental, ou com incrustaes de pedras orien-tais; os mais importantes elementos de sua decoraocompostosde grupos da vida e da paisagem ndianas,destacandode modo proeminente os fantasmasdo cultohindu em sua submisso Cruz. No seria uma tal obramelhor do qu e mil histrias? Se , entretanto' n o pos-sur:rnos inventividade necessriapara tais esforos,ouse - o que constitui provavelmenteuma das mais nobresdesculpas que ns podemos oferecer para nossa de -ficincia em tais assuntos -, temos menos prazer emfalar sobre ns prprios, mesmo atravs do mrmore,do que as naes continentais, pelo menos n o temosdescupa para qualquer falta de zelo nos aspectos queasseguram a durabilidade do edifcio. Como essaquesto de grande interesse em suas relaes quan-to escolha da s vrias formas de decorao, sernecessrio abord-la co m certo detalhe.

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    IX . Os cuidados e propsitos benevolentes da smassashumanas raramente se estendem para alm dasua prpria gerao. Elas podem olhar para a posteri_dade como uma audincia, podem esperarpo.sua aten_o, e trabalhar para seu louvor: podem confiar em seureconhecimento de mritos at ento desapercebidos,e exigir su a justia pelos erros contemporneos.Ma studo isso mero egosmo e no envolve o menor res_peito ou considerao pelos interesses daqueles cujonmero incluiramos com prazer no crculo de nossosaduladores, e cuja autoridade ns de bom grado invo_caramos em defesa de reivindicaes ora contestadas.FFoRrsM,r.

    ---)Aidia de auto_rennciaem nome daiA tea um eeado na-llr*,i,, .r",1"" "1"-iposteridade,de praticar hoje a econo-Lo:q*99 -lmia etn nome cle crerloresque aind,ano nasceram,d,e lantar florestas em cuja sombra pos_sam uiaer nossosdescendentes, u de construir cid,ad,esparcl serem habitadas por futuras naes,nllnca, crelo eu,irclui-se de ato entre os motipos cl.e mpenhopublicamen_te reconhecidos. Tod,auia, esses o deixam de ser nossosdeueres;nem serd nossoquinh.o sobre a terra ad.equad.a_

    mente munliclo, se o escopode nosso retenclid,oe d,elibe-rado proaeio no inclu,ir opencrsos companheiros,mastumbm os sucessorese nossaperegrinao. Deus nosemprestou a terc&para nossa uid,a; unta grande res-ponsabilid,arle.EIa perteruceanto quelesque uir,od,e_pois de ruis,e cujosnomesd esto escritas o liuro d.acria_d,o,como a ns; e ndo telnos direito, por qualquer coisaquefaamos ou negligenciernos, d,eenuolu-losem preju_

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    zos desruecesstrios,u priat-los d,e beneftcoscujo legadonos compele.E sso anto mais. porque consti!ai uma dascondiesprescritrasdo trabalho humano que a plenitudeda fruta seja proporconal ao tempo transcorrido entre oplantio d,assementese a colheita; e que geralmente, por-tanto, (luanto mais distante colocarmos nossa metcl, equanlo menosaspirarrnos testemurrltar. s mesmos^resultado de nosso rabalho, tarutomais abrangente e ricaserd a medida do nosso ucesso.O; hemerusn'osdo cq-pazgsde benefi,car quelesque estd,o otn elgs anto quontopodem benefi,cia,r s que uir,o depois deles; e de Lodoso$plpitos & partir dos quais a aozhum,ana se az ouuir, d'enenhum ela alcana td,o onge qu&nto do tmulo.

    X. No h, de fato, qualquer prejuzo paa o pre-sente, a esse respeito, em favor do futuro. Toda a aohumana ganha em honra, em graa, em toda a verda-deira magnificncia, po r sua considerao pelas coi-sa s que viro. a viso distante, a pacincia serenaeconfiante, que, acima de todos os outros atributos, dis-tancia o homem do homem, e o aproxima de seu Cria-dor: no ex is te ao ou are . cu ja grandezano possaser medida po r essecritrio. Assim, quando construir-mos, lembremo-nos de que construmos para sempre.Qu e no seja para o deleite presente, nem para o usopresente apenas; qu e seja uma obra tal qu e nossosdescendentesnos sejam gratos por ela; que ns pen-semos, enquanto colocamos peclra sobre pedra, quevir um tempo em que aquelas pedras sero consi-

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    deradassagradasporque nossasmos as tocaram, e queos homens diro ao contemplar a obra e a matria tra-balhada, "Vejam! Nossos pais fizeram isso po r ns',.F"-^'. l{ Pois, d,e ato, a nlaior glria d,e um ed,ifi,cioI nd,o estti em suas ped,ras,ot Lem se u ouro,Sua glria estri em sua ldad,e, e naquela profund,a sen-sad,od,e resson,ncia,de uigil.nci(t senere, d,e misrerio_sa compaixd,o, at mesmo de aproaado ou condenad,o,que sentimos em pared,esque hd tempos s,o anhadcrspelas ond,aspassageiras da humanitlad,e. [Sua gtria]Estd no seu testemunhodurad,ouro diante d,oshomens,no seu serenocontraste com o cartter transitrio de fo_das as coisas, na fora que - atraus da passagem d,asestaese d,os empos, e d,od,eclnio e nascimento d,asd,i_nastias, e da mud,ana d,a ace da terra, e dos contornosd,omar - mcLntm ua forma esculpida por um tempo in_superduel,conectaperod,osesqueciclos sucessiuosnsaos oLr,tros, constitui eftLparle a id,entid,ade, or con_centrar a afinid,acle, das naes. E naquela manchadourada do lempo qu e deuemo,procuro, a uerd.adeiralw, a cor e o ua,lorda arquitetura; e somentequand,o um

    ediftcio iuer assumidoesse ardter openas uando ,l etiuer se imbud,o d,a ama d,oshomens, e se santifircadnpelos seus eitos; q,penasquand,o suasparedes tiaerempresenciado o sofrimento, e seLrsilares ascend,eremd,assombra.sdu morte - sua existncia, mais duracJoura doque a dos objetos naturais d.o mundo ao seu redor, pod,e-rd, ser agraciada com os mesnlosdons d,e inguagem .ed,eaida que essesossuem.

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    XI. Com vistas a tal durao, portanto, que deve-mos construir; no, certamente, recusando a ns mesmosa alegria da concluso oportuna-do edifci_q,nem hesi-iu"ao

    "*conferir-lhe aquelas caractersticas que depen-

    dem da delicadeza de execuono mais alto grau poss-vel de perfeio,mesmo que saibamosque no curso dosanos ais detalhes orosamente esaparecero as cui-dando para que em obra desse ipo nenhuma qualidadeduradoura seja sacrificada, e para que o efeito geral doedifcio no dependa de nada que seja perecedouro.Essa seria, de fato, a lei de boa composio em qualquercircunstncia, pois a disposio das massasmaiores sempre uma questo mais importante do que o trtamen-to das menores; mas, em arquitetura, muito desse mes-mo tratamento deve ser habilmente proporcional justaconsiderao dos provveis efeitos do tempo: e (o queainda mais importante considerar) h uma beleza na-queles efeitos em si prprios, que nada mais pode subs-tituir, e que sensato evar em consideraoe ambicio-nar. Pois embora, at aqui, estivssemos falando dosentimento da idade apenas, h uma beleza real em suasmarcas, to grande que em com freqncia constitudoo assuntopreferido de certas escolasde arte. e que im-primiu nessas escolas o carter usual e vagamente ex-pressopelo termo oopitoresco". importante para o nos-so propsito atual determinar o verdadeiro significadodessa expresso, al como hoje geralmenteusada; poisexiste um princpio oriundo desse uso que, ao mesmotempo em que tem implicitamente constitudo a base de

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    muito do que verdadeiro e justo em nosso ulgamentode arte, nunca fo i compreendido de forma a tornar-severdadeiramente proveitoso at agora. provavelmentenenhuma outra paavra da lngua (com exceo de ex_presses eolgicas) se tenha tornado o alvo de contro_vrsia to freqente ou to prolongada; mesmo assim,nenhuma pernanece to vaga em seu significaco; assim,parece-me de no pouco interesse investigar a essnciadaquea dia de que todos compartilham, e (ao que pa_rece) em relao a coisas semelhantes,mas da qual to_das as tentativas de definio resultaram, acredito, ou namera enumerao dos efeitos e objetos aos quais o termofoi aplicado, ou ento em ensaios cle abstrao mais vosdo que quaisquer outras malfadadas nvestigaesmeta-fsicas. Um crtico de Arte, por exempo, h pouco expsseriamentea eoria de que a essnciado pitt_,rescoon_siste na expressoda .odecadnciauniversal,'. Seria cu_riosover o resultadode uma tentativade ilustrar essa diado pitoresco, numa pintura de {lores motas e frutasestragadas; gualmente curioso seria traar o clesenvol_vimento de qualquer raciocnio que, baseaclo m ta teo_ria, explicasseo carter mais pitoresco de um filhote deasno, quando comparado a um potrinho. Mas h muitasdesculpaspara o completo fracassode raciocnios clessetipo, uma vez que o assunto, d,e ato,um dos mais obs_curos entre todos os que podem legitimamente ser sub_metidos razohumana; a idia ela prpria to varia_da nas mentes de diferentes homens, conforme seustemas de estudo,que no se pocleesperarque nenhuma

    A Lmpada da Memria . 7l

    definio abarque mais do que um certo nmero de suasinfinitamente variadas formas.

    XII. Aquela caractersticapeculiar, entretanto,quedistingue o pitoresc

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    Assim, duas idias so essenciaispara o pitoresco aprimeira, aquela da sublimidade (pois abeleza pura no nada pitoresca, e s assume al carter na medida emque o elemento sublime se mistura com ela); a segunda,a posio subordinada ou parasitria de tal sublimida-de. Portanto, claro que quaisquer caractersticas delinha, ou sombra, ou expresso,que produzam sublimi-dade, produziro tambm o pitoresco; quais so essascaractersticas o que tentarei demonstrar detalha-damente, daqui po r diante; mas, entre aquelas usual-mente reconhecidas, posso mencionar linhas angularese quebradas,oposiesvigorosasde luz e sombra, e co-res escuras, profundas, ou fortemente contrastadas; o-das essas caractersticas produziro efeito em grau ain-da maior, quando - por semelhanaou associao elasnos relembrarem de objetos nos quais a sublimidade ver-dadeira e essencial existe, como rochedos e montanhas,nuvens tempestuosas u ondas. Agora. se essascarac-tersticas,ou quaisquer outras de uma sublimidade maisalta e mais abstrata, forem encontradas no prprio ma-go e substncia daquilo que ns contemplamos- assimcomo a sublimidade de Michelangelo depende da ex-presso da qualidade mental de suas figuras, muito maisdo que das prprias linhas nobres de sua disposio -,a arte que representa tais qualidades no pode ser cor-retamente chamada de pitoresca: mas, se elas forem en-contradas nas qualidades acidentais ou externas, o re-sultado ser o inconfundvel oitoresco.

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    XIII. Assim, no tratamento das feies da face hu-mana por Francia ou Anglico, as sombras so emprega-das apenaspara tomar os contomos das feies claramen-te percebidas; para essasmesmas feies que a atenodo observador exclusivamentedirigida (isto , para ascaactersticasessenciaisda coisa representada)'Toda afora e toda a sublimidade residem nelas; as sombras sousadas apenaspara destaque das feies' Ao contrrio'em Rembrandt, Salvator, ou Caravaggio,as feies sousadaspor causa d'as ombras; e a ateno dirigida' as-sim como a energia do pintor, pam caractersticasde luz esornbra acidentais, lanadas sobre aquelas feies' ou emtorno delas. No caso de Rembrandt, encontra-se freqen-temente, alm do mais, uma sublimidade essencial eminveno e expresso,e sempre um alto grau dela na luze na prpria sombra; mas se trata, na maioria das vezes'da subiimidade parasitria ou enxertada em relao aotema da pintura, e, nessamesma medida, pitoresca'

    XIV. Por outro lado, no tratamento das esculturasdo Partenon,a sombra freqentementeempregadaco-mo um campo escuro sobre o qual as formas so dese-nhadas.Esse visivelmente o caso nas mtopas'e deveter sido praticamente o mesmo no fronto' Mas o uso da-quela sombra se destina inteiramente a mostrar os limi-tes das figuras; para as s&os inhas, e no para as for-mas das sombras atrs delas, que a arte e o olho sodirigidos. As prprias figuras so concebidas' tantoquanto possvel, em plena luz, auxiliadas por reflexos

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    brilhantes; so desenhadas exatamentecomo as figurasbrancas sobre fundo escuo, nos vasos; e os escultoresdispensaram - ou mesmo se esforaram paa evitar -,todas as sombras que no fossem absolutarnenreneces-sriaspara a explicitao da forma. Ao contrrio, na es_cultura gtica, a sombra torna-seela prpria o objeto deateno. consideradacomo uma cor escura,a ser dis-posta em determinadas massasagradveis; as figuras somuito freqentemente executadas de forma suborclina_da disposio das suas reas: seu traje enriquecidoem detrimento das formas recobertas, para aumentar acomplexidade e a variedade dos pontos de penumbra.Existem, assim, tanto em escultura quanto na pintura,duas escolasopostas,po r assim dizer, da s quais um abusca como tema as formas essenciais clas coisas, e aoutra, as luzes e sombras acidentais sobre elas. H vriosestgiosnessaoposio:graus intermedirios, como nasobras de Correggio,e todas as gradaesde nobrezaoudegradaonas mais variadas formas: mas a primeira semprereconhecidacomo a escolapura, e a outra, comoa escolapitoresca. Partes de tratamento pitoresco seroencontradasem obras gregas,e de puro e no-pitorescono gtico; e em ambas h inumerveis exemplos, entreos quais se destacam as obras de Michelangelo, nosquais as sombras se tornam valiosas como meio de ex-pressoe, portanto, alinham-se entre as caractersticasessenciais.Sobreessasnumerosasdistines e exceesno posso alongar-me agora, desejandoapenas provar aampla aplicabilidade da definio gera.

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    XV. Por outro lado, pode-se encontrar uma distin-o, no apenas entre formas e sombrascomo temas deescolha,ma s entre formas essenciaise no-essenciais'Encontra-se uma das principais distines entre as es-colas de escultura dramtica e pitoresca no tratamentodo cabelo. Este era consideradopelos artistas do tempode Pricles um a excrescncia, ndicada po r poucas erudes linhas, e subordinada,em cada detalhe, s carac-tersticas principais da pessoa. Quo competamenteessaera uma idia artstica, e no nacional, desneces-srio provar. Precisamos apenas embrar da atividade dosLacedemnios, elatada pelri espio persa na vsperadabatalha das Termpilas, ou lanar um rpido olhar emqualquer descrio homrica da forma ideal, para verquo puramenle escultural era a norna que restringia arepresentaoda cabeleira, afim de que, daclasas des-vantagens nerentes ao material, ela no interferisse naclarezadas formas pessoais.Ao contrrio, na esculturaposterior, os cabelos recebem quase todas as atenesdo artfice; e, enquanto as feies e os membros sodesajeitaclae toscamenteexecutados,os cabelos so ca-cheados e tranados, recortados em salincias audazese sombrias, e arranjados em nassasornamentaiselabo-radas: existe verdadeira sublimidade nas linhas e no ca-ro-escuro dessasmassas, mas ela , em rcIao criatu-ra representada, parasira, e portanto pitoresca' Nomesmo sentido, podemos compreender a aplicao dotermo modema pintura de animais, que se tem distin-guido por uma peculiar atenos cores,brilho, e textu-

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    ra do plo; no somente na arte que a definio se pro-va adequada. Nos prprios animais, quando sua subli-midade depende de suas forrnas ou movimentosmuscu-lares, ou de outros atributos necessriose principais,como acontece principalmente com os cavalos, n o osdenominamospitorescos,mas os consideramos particu-larmente aptos a serem associadoscom temas puamen-te histricos. Exatamente na proporo em que seu ca-rter sublime se revela em excrescncias- na juba, comono leo; nos chifres, como no veado; na pelagemspera,como no acima mencionado exemplo do filhote de asno;nas listras, como na zebra; ou na plumagffi -, eles setornam pitorescos, e so assim na arte exatamente naproporo da proeminnciadessascaractersticassecun-drias. Muitas yezes,pode ser muito conveniente quesejam to proeminentes;com freqncia h nelas o maisalto grau de majestade, como nas caractersticasdo leo-pardo e do javali; e nas mos de homens como Tintorettoe Rubens, tais atributos se tornam meios de aprofundaras mais altas e as mais ideais impresses.Mas o sentidopitoresco de seus intentos sempre claramente reconhe-cvel como aderente superfcie, caracterstica menosessencial, e desenvolvendo da uma sublimidade diver-sa daquela da prpria criatura; uma sublimidade que, de certa forma, comum a todos os objetos da criao,e sempre a mesma nos seus elementosconstituintes, se-jam eles procurados nas rugas e dobras das pelagenshirsutas, ou nos abismos e fendas das rochas, ou no vi-cejar do mato nas encostas das colinas, ou nas alter-

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    nncias de vivacidade e tristeza no colorido da concha,da pena, ou da nuvem.

    XVI. Agora, reto-lando o nosso assuntoprincipal'ocorre que, em arquitetura, abe\eza acessriae aciden-tal muito freqentemente incompatvel com a preser-vao do carter original fda obra]; o pitoresco assimprocurado na runa, e supe-seque consistana deterio-rao. Sendoque, mesmo buscadoa, trata-seapenasdasublimidade das fendas, ou fraturas, ou manchas, ou ve-getao,que assimilam a arquitetura obra da Nature-za, e conferem a ela aquelas particularidades de cor eforma que so universalmente caras aos olhos dos ho-mens. Na medidaem qu e issoacarreta desaparecimen-to das verdadeiras caractersticas da arquitetura, trata-se do pitoresco, e o artista que presta mais ateno nahaste da hera do que no fuste da coluna rediza com maisousadoatrevimento a preferncia do escultor decadentepela cabeleira em vez do semblante' Mas na medida emque possa tornar-se compatvel com o carter inerenteda arquitetura, o pitoresco ou a sublimidade extrnsecater exatamente essa funo, mais nobre nela do que emqualquer outro objeto: a de evidenciar a idade do edif-cio - aquilo que, como j foi dito, constitui sua maior gl-ria; e, portanto, os sinais exteriores dessa glria. tendopoder e finalidade mais importantes do que quaisqueroutros pertencentes a sua mera beleza sensvel, podemcolocar-se entre suas caractersticas mais puras e essen-ciais; to essenciais,em minha opinio, que penso que

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    78 . John Ruskin

    no se pode considerar que um edifcio tenha atineidosua plenitude antes do decurso de quao o, ci.rco s_culos; e que todas as escolhase disposio de seus de-talhes fconstrutivos] deveriam levar em conta sua a'a_rncia depois de um tal perodo, de rnodo a nao admitirnenhum que fosse suscetvel ao dano material necessa_riamente imposto por esse lapso de tempo, seja pelasmanchasde exposios intempries, seja pelo desgas_te mecnico.

    XVII. Nao minha inteno abordar nenhuma dasquestesque a aplicao desseprincpio envolve. Elasso de um interesse e uma complexidade grandes demaispara serem apenas tocados dentro de rne1rspresentes li_mites; mas se deve genericamentenotar que aqueleses_tilos de arquitetura, que so pitorescos no sentido expli-cado acima a respeito da escultura, isto , cuja decoraodepende da disposio dos pontos de sombra mais doque da pureza de contorno, no apenas no so prejudi-cados, como, ao contrrio, geralmente se beneciam deriqueza de efeito quando seus detalhes so parcialmen-te desgastados; por isso tais estilos, principalmenteaqueles do gtico francs, sempre devem ser adotadosquando os materiais a serem empregados forem sujeitosa deteriorao, ais como o tijolo, o arenito, ou a maciapedra calcria; e os estilos dependentes em qualquergrau da pureza da linha, como o gtico italiano, devemser totalmente executados em materiais duros e nodegradveis, ais como o granito, a serpentina e os mr_

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    mores cristalinos. No pode haver dvida de que a na-tureza dos materiais disponveis tea inluenciado a for-mao de ambos os estilos; e ela deveria determinar commais autoridade ainda nossa escolha entre ambos.

    XVru. No faz parte de meu presente plano entrarem alongadas consideraessobre a segunda categoriade deveresque mencionei anteriormente:a preservaoda arquitetura que possumosO;mas algumas poucas pa-lavras podem ser desculpadas,por serem especialmen-AroRlsN{o31.A assim chamada Res-t a u r o a p i o r f o r m aDestru

    e necessrias nos tempos modernos.em pelo pblico, nenxpor aquelesen-

    gados dos monumentospblicos,o aerdadeiro signifi,cad,o da palaura rest&urad,o com'-preendido. Ela signifi.ca a mais total destrui,o que umedif,cio pod,esofrer: uma d'estrud'o a qual no se salaanenhunx uestgio: uma d,estruioacompanhada pela fal-sa descrio da coisa destrudalr. Nd,o nos d,eixemosen-go.nar nessa nxportante qu.est'o,' impossvel, tdo impos-suel quanto ressuscitar os mortos, Testclurarqualquercoisa que d tenha sido grandiosa ou bela em arquitetu-ra. Aquilo sobreo ryn irci"sti acima como sendo a uida daconjunto, aquele esprito que s pode ser dado pela mnou pelo olhar do artfi.ce, nd.opode ser restitudo nunca.0 . Como se v, Ruskin refere-se ainda ao Aforismo 27; assim, tudo oqu e aborcloua agoradiz respeito primeira categoriade deveresa sugerida, sto , tornar histrica a arquitetura contemporneaN.da T.).11. Falsa, tambm, como um pardia, - a mais odiosa orma de falsi-dade (Nota do Autor acrescentada edio de 1880).

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    78 . John Ruskin

    no se pode considerar que um edifcio tenha atingidosua plenitude antes do decurso de quatro ou cinco s_culos; e que todas as escolhase disposiode seus de-talhes [construtivos] deveriam levar em conta sua apa_rncia depois de um tal perodo, de modo a no admitirnenhum que fosse suscetvel ao dano material necessa_riamente imposto por esse lapso de tempo, seja pelasmanchasde exposios intempries, seja pelo desgas_te mecnico.XVII. Nao minha inteno abordar nenhuma dasquestesque a aplicao desse princpio envolve. Elas

    so de um interesse e uma complexidade grandes demaispara serem apenas tocados dentro de meus presentes li_mites; mas se deve genericamentenotar que aqueleses_tilos de arquitetura, que so pitorescos no sentido expli_cado acima a respeito da escultura, isto , cuja decoraodepende da disposio dos pontos de sombra mais doque da pureza de contorno, no apenas no so prejudi_cados, como, ao contrrio, geralmente se beneficiam deriqueza de efeito quando seus detalhes so parcialmen-te desgastados;por isso tais estilos, principalmenteaqueles do gtico francs, sempre devem ser adotadosquando os materiais a serem empregados forem sujeitosa deteriorao, ais como o tijolo, o arenito, ou a maciapedra calcria; e os estilos dependentes em qualquergrau da pureza da inha, como o gtico italiano, devemser totalmente executados em materiais duros e nodegradveis, tais como o granito, a serpentina e os mr_

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    mores cristalinos. No pode haver dvida de que a na-tureza dos materiais disponveis tenha inluenciado a for-mao de ambos os estilos; e ela deveria determinar commais autoridade ainda nossa escolha entre ambos.

    XVilI. No faz parte de meu presente plano entrarem alongadas consideraessobre a segunda categoriade deveres que mencionei anteriormente: a preservaoda arquitetura que possumoslO;mas agumas poucas pa-lavras podem ser desculpadas,por serem especialmen-AFORISI\4ol.A assim chamada Res-t a u a o a p i o r f o r m ade

    necessriasnos tempos modernos.pelo pblico, nem por aqueles en-gados dos monumentospblicos,o zterdadeiro signifi,cad,o da palaura rest&ura,d,o com-

    preendido. Ela sgnffica a mais total destrui,oque umedifcio pode sofrer: uma destruio d,a qual nd,o se salaanenhum uestgo: uma destruid,oacompanhada pela fal-sa descrio da coisa destrudalr. N,o nos d,eixemosen'ganar nessa mportq,ntequ,estd,o,'mpossvel, to irnpos-sael quanto ressuscitar os mortos, restaurar qualquercoisaque d tenha sdogrand,iosa ou bela em arquitetu-ra. Aquilo sobre o que insisti acma com,osenda a aidn d'oconjunto, aquele esprito que s pode ser dado pela mnou pelo olhar d,o artffice, n.opode ser restitudo nurlca.10. Como se v, Ruskin refere-se ainda ao Aforismo 27; assim, tudo oque abordou at agor diz respeito primeira categoria de deveresa sugerida, sto , tornar histrica a arquitetura contemporneaN.da T.).l l . Falsa, tambm, como um pardia, - a mais odiosa orma de falsi-dade (Nota do Autor acrescentada edio de 1880).

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    B0 . John Ruskin

    Umn outra alma podc ser-Ihe d,ad,apor utn oro tempo, eserd,eo trn'L nruoed,ijtcia; rnos o esprito do artftce mar_to nn podn ser rnocoda, e intimado a d,irigir outros m.ase outros pensanxentos E quanto , cpia d,ireta e sirnples,ela materiohmente impossael. Como se pod,em copiar su-perficies que se desgastaram ern nxeia polegad,a? Tod,ooacabarnento d,a obra estaua naquela meia polegad,a quese oi; se aoc tenlar restaurar aquele acabameno, uocofard por conjecturas; seaoccopiar o qun pernlancce - od,-mitinda ser possuel a fidelidade (t q* cuid,ad,o,ou pre-cau,o,ou d,espesa od,egarantir isso?) -, conxopod,eanoaa obra ser melhor do que o, antigd? Hauia ainda naantiga alguma uid,a, alguma sugest,omisteriosa do q*elaforq e do Erc ela perd,era; alguma d,oura nas linhassturaesEtn a chwa e o sol laararam. No pode haaer ne-nhuma na d,urezabruta da noua talha. Obserueos ani-mais qtrc apresentei na Prancha 14, coma um exemplo dcobra uiaa, e suponha qtrc, tendo sid,oapagad,aso,s narceldas escamnse d,opelo, ou as dobras d,a ronte, quem seriacapoz d,e estaurd,-Ias?O primciro po,sso ara a, restaura_d,o(jd, o testemunhei ud,rias nezes rn Batistrio de pisa,na Cosa d'Oro em Vencza,rm Cated,ral dc Lisicux,) 6 d,es-ped,aar a obra aiga; o segundn, taunlm,ente, ergunr airnitad,o mais ordind,ria e aulgar qu possaescapar dcteco, m,asem todns os cosos, r mais cuid,odosa,epormais elnborod,a que seja, sempre uma imitan, uln mo-d,elo rio daEtnlas partes que podem ser mod,elad,as, omadies conjeturais; minha experinria nxeaporlta apenosum nico caso, aqu,eleda Pakrin dc Justia dc Roucn, na

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    qual mesmosso o mais alto grau d'ei'd'elid,ad'eoss-ael -, tenha sidoatingido, ou sequer entad,o.XIX. Nnfalernos, pois,de restauraa.Truta-sed'euma Mentira d,ocomeo o i'm. Voc odc azer un'Lno-d,etode um ed'ifciocomotam,bm .eum cad'd'aer, o seumnd,eloode contero contornodas antigaspared'es cn-tro d,ele,assimcomoo seum,old,eod,econtero esqtteleto,sernEtB eu possa erou apreciarqualqu,er antagemnis-so.Mas o antigo ed'ifi'cioestarddestrudo,de uma ormn'mak completa impied,osa'oEn se tiaesse'uabadnnuma,nxontoad,o'e erra, ou d,erretid,ounxanxassa''ebano:

    maispod,e ser esgatad,o 'a deuastadaNneuedn que a'mais o serd' ,a ecorwtrudaMil,o.Mas, diz-se,pode sernecessria resaurao! ue seja.Encare al necessi-dade com coragem'e compreendao seu verdadeirosig-nificado. ,rma necessidade e destruio'Aceite-acomo alouase edifcio, amontoe uaspedrasem can-tos esquecidos,ransforme-as m cascalho,ou argamas-sa, se voc quiser; mas o faafrancamente,e no colo-que uma Mentira em seu ugar. Encare tal necessidadecom coragemantesque ela surjaoe vocpoderevit-Ia. O princpio vigentenos temposmodernos um princ-pio que, acredito,pelo menosna Frana, em sido sis'e-maticam.enteraticad,o el,osed'reiros, om o objetivoderranjar trabalhopara si, tal comona abadiade St' Ouen,que foi demolida pelas autoridadesda cidade para darocupao algunsvagabundos) o de descurardos edi-fcios primeiro, e restaur-los epois.Cuidebem de seus

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    monumentos, e.no precisar restaur-los. Algumas cha-pas de chumbo colocadas a tempo num telhado, algu-mas folhas secas e gravetos removidos a tempo de umacalha, salvaro tanto o telhado como as paredes da ru-na. Zele por um edifcio antigo com ansioso desvelo; pro-teja-o o melhor possvel, e a qualquer custo, de todas asameaasde dilapidao. Conte as suas pedras como sefossem as ias de uma coroa; coloque sentinelas em vol-ta dele como nos portes de uma cidade sitiada; amarre-o com tirantes de ferro onde ele ceder; apie-o com es-coras de madeira onde ele desabar; no se importe coma m aparncia dos reforos: melhor uma muleta do queum membro perdido; e faa-o com ternura, e com reve-rncia, e continuamente, e muitas geraesainda nas-cero e desaparecero sob sua sombra. Seu dia fatal porfim chegar; mas que chegue declarada e abertamente,e que nenhum substituto desonrosoe falso prive o mo-numento das honras fnebres da memria.

    XX. De destruio mais arbitrria ou ignorante [doque a restaurao] intil falar; minhas palavras noatingiro aqueles que as cometeml2, e mesmo assim, ou-vido ou no, no posso deixar de declarar essa verdade:que a nossa opo por peservar ou no os edifcios dostempos passados no uma questo de convenincia ou12. No, de ato! - De paavras mais desperdiadasdo que as minhasao ongo da vida, ou po lanado em guas mais amargas,nuncaouvi faar. Este ltimo pargrafo do sexto captulo o melhor, creio,no ivro, - e o mais vo (Nota do Autor edio de lBB0).

    A Lmpada da Memria . 83de simpatia. Ns n.o emos qualquer d,ireito d,e ocd,-los.Eles no so nossos. Eles pertencem em parte quelesque os construam, e em parte a todas as geraes dahumanidade que nos sucedero. Os mortos ainda tmseu direito sobre eles: aquilo pelo qual trabalharam, aexaltao da faanha ou a expresso do sentimento reli-gioso, ou o que quer que exista naqueles edifcios quetencionavam pe{petuar, no temos o direito de obliterar.O que ns mesmos construmos, temos a liberdade dedemolir; mas o direito sobre aquilo pelo qual outros ho-mens deram sua fora e riqueza e vida para realizar, noexpira com a morte deles; menor ainda o nosso direitode dispor daquilo que eles legaram. Essa herana per-tence a todos os seus sucessores.Milhes, no futuro, po-dem lamentar ou serem prejudicados pela destruio deedifcios que ns dispensamos evianamente, em nomede nossa presente convenincia. Tal pesar, tal perda, notemos o direito de infligir. Pertenceria a catedral deAvranches mais plebe amotinada que a destruiu doque a ns, que perambulamos com tristeza sobre suasfundaes? Do mesmo modo, neum outro edifcio per-tence ral que o violenta. Pois de ral que se trata, esempre ser; no importa se enraivecida, ou em loucuradeliberada; se agrupada em nmeros incontveis, ou emcomisses;as pessoasque destroem qualquer coisa demaneira infundada so ral, e a Arquitetura sempre destruda de modo infundado. Um belo edifcio semprevale o terreno sobre o qual foi construdo, e sempre va-ler, at que a f.ica Central e a Amrica se tornem to

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    populoss quanto o Middlesex: no h jamais qualquermotivo vlido para sua destruio. Se alguma vez che-gou a haver, certamente no o ser agom, quando o lu-gar tanto do passado como do futuro se encontra dema-siadamente usurpado em nossas mentes pelo presenteagitado e insatisfeito. A prpria serenidade da natureza graduamente arrancada de ns; milhares fde pessoas]que? outrora, em viagens necessariamente demoradas,foram submetidos influncia do cu silencioso e doscampos adormecidos, mais efetiva do que advertida ouconfessada, agora carregam consigo, at mesmo l, a fe-bre incessante de suas vidas; ao longo das veias de ferroque atravessam o arcabouo do nosso pas, batem efluem os pulsos gneos de seu esforo, mais quentes emais rpidos a cada hora. Toda a vitalidade se concen-tra atravs dessas artrias pulsantes em direo s cida-des centrais; o campo transposto como um mar verdepor pontes estreitas, e somos ogados em multides cadavez mais densas sobre os portes da cidade. I'd, a nicain{luncia que pode de alguma forma tomar o lugar da-quela dos bosques e campos, o poder da Arquiteturaantiga. Nao a andone em troca da praa formal, ou dopasseio cercado e ajardinado, ou da rua vistosa, ou doamplo cais. O orgulho da cidade no est a. Deixe-ospara a multido; mas, lembre-se de que certamente ha-ver algum dentro do permetro dos muros desassosse-gados que preferiria outros lugares que no esses parapercorer; outras formas para contemplar com familiari-dade: como aquele que se sentou com tanta freqncia

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    onde o sol batia do oeste, para observar os contornos dodomo de Florena recortados contra o cu profundo, oucomo aqueles, seus Anfitries, que se permitiam diaria-mente, dos aposentos de seu palcio, a contemplaodos lugares onde seus antepassados descansam, nos en-contros das ruas escuras de Verona.

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    Prancha 5. Capite da arcada inferior do Palcio do Doge em Veneza.

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