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Ruy Barbosa Nogueira - Curso de Direito Tributário - 14 ed - 1995

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CURSO DE DIREITO TRIBUTÁRIO

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RUY BARBOSA NOGUEIRA Catedrático de Direito Tributário e Professor de Direito Tributário Comparado dos Cursos de Mestrado e Doutorado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. DIRETOR (mandato 1974/1978).

Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Tributário - USP

CURSO DE DIREITO TRIBUTÁRIO

14." edição. atualizada 1995

nl. Editora ~ Saraiva

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ISBN 85-02-00492-1

Dados Internacionais de Catalogaçlo na Publicação ICIP) ICAmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Nogueira, Ruy Barbosa, 1919-Curso de direito tributArio I Ruy Barbosa Nogueira. - 14. ed.

atual. - Slo Paulo: Saraiva, 1995.

Bibliografia.

1. Direito tributArio 2. Direito tributArio - Brasil I. Titulo.

94-3469 CDU-34: 336. 2

Indices para catAlogo sistemático:

1. Direito tributário 34:336.2

10271 ~=-... Avenida Marquês de São VICente, 1697 - CEP 01139-904 - Tel.: PABX 1011) 861-3344 - Barra Funda Caixa PostaJ 2362 - Telex: 1126789 - Fax (011) 861-3308 - Fax Vendas: (011) 861-3268 - S. Paulo - SP

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Dlatrtbuldorea ReglOIIIIla

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PARÁ/AMAPÁ Av. A1miranle TamancIaré. 933-A - C.P.: 777 Cidada V8fha Fone: (091) 222-9034 Fax: (091) 224-4617 - Belém PARANÁlSANTA CATARINA Rua Alferes Poli. 2723 - Parelin Fone: (041) 332-4894/ 332-5871 Fax: (041) 332-7017 - Curitiba PERNAMBUCO/PARAIBAIR. G. DO NORTEI ALAGOASlCEARÀlPIAUÚMARANHÃO Rua Gervésio Pires. 826 - Boa VIs1a Fone: (081) 421-4246/421-2474 Fax: (081) 421-4510 - Rec/le RIBEIRÃO PRETOISÃO PAULO Rua Lalalele. 94 - Cenlro Fone: (016) 610-S843/636-96n Fax: (016) 61o-B284 - RIbeIrão PrB10 RIO DE JANEIROIESpIRITO SANTO Av. Marechal Rondon. 2231 - Sampaio Fone: (021) 201-7149 - Farc (021) 201-7246 Rio de Janeiro RIO GRANDE DO SUL Av. Cearé. 1380 - 540 GeraldO Fone: (051) ~1467/343-7S63/ ~7469 Fax: (OS 1) 343-2986 - Porto Alegre SÃO PAULO Av. Marquês de $40 Vicente. 1697 (an1lga Av. dos EmlssénOS) - Barra Funda Fone: PABX (011) 861-3344 - sao Paulo

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PROF. RUY BARBOSA NOGUEIRA

LIVROS PUBLICADOS

Curso de direito tributário. São Paulo. Centro Onze de Agosto. 1957. Edição mimeo­grafada.

Da interpretação e da aplicação das leis tributárias. Tese para concurso à Livre· Docência. edição do Autor. 1963. 143 p.; 2. ed. rev. e aum. Revista dos Tribunais. 1965. Reprodução eletrofotoslática. São Paulo. Bushatsky. 1963.

Direito financeiro - curso de direito tributário. 1. ed. São Paulo. Bushatsky. 1964; 2. ed. 1969; 3. ed. 1971.

Teoria do lançamento tributário. TesetpB!'B1\.'cmc~ à Cátedra. edição do Autor. São Paulo. 1965. 246 p. Rc:produ~ dietll?lfbtoi&ática. São Paulo. Resenha Tribu­tária. 1973.

Direito tributário. I." Coletinea de Casos e Problemas Tributários. Direção e colabo­ração do Prof. Ruy Barbosa Nogueira. 3. tiro São Paulo. Bushatsky. 1969. 483 p.

Direito tributário. 2.* Coletinea de Casos e Problemas Tributários. Direção c colabo­ração do Prof. Ruy Barbosa Nogueira. São Paulo. Bushatsky. 1971. 378 p.

Direito tributário. 3." Co etânea de Casos e Problemas Tributários. Direção e colabo­ração do Prof. Ruy ~arbosa Nogueira. São Paulo. Bushatsky. 1971. 378 p.

Direito tributário. 4." Coletânea de Casos e Problemas Tributários. Direção e colabo­ração do Prof. Ruy Barbosa Nogueira. São Paulo. Bushatsky. 1971. 326 p.

Direito tributário comparado. São Paulo. Saraiva. 1971. 387 p.

Direito tributário. 5.* Coletânea de Casos e Problemas Tributários. Direção e colabo­ração do Prof. Ruy B.ubosa Nogueira. São Paulo. Bushatsky. 1973. 450 p.

Estudos tributários. Direçiio c colaboração do Prof. Ruy Barbosa Nogueira. São Paulo. Resenha Tributária. 1974. 513 p.

Teoria e prática do direito tributário. Ruy Barbosa Nogueira e Paulo Roberto Cabral Nogueira. São Paulo. Resenha Tributária. 1975.

Debates tributários. Ruy Barbosa Nogueira e colegas. São Paulo. Insti.tuto Brasileiro de Direito Tributário-Resenha Tributária. 1975.

Direito tributário aplicado. Ruy Barbosa Nogueira e Paulo Roberto Cabral Nogueira. São Paulo-Rio. Univ. São Paulo-Forense. 1976. 471 p.

Curso de direito tributário. 5. cd. reescrita e atualizada. São Paulo. Saraiva. sob os auspícios do Instituto Brasileiro de Direito Tributário. 1980; 14. cd. 1995.

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Direito tribut4rio atuaf. São Paulo. IBDT /USP-Resenha Tributária. 1982, v. 1 e 2; 1983, v. 3; 1984, v. 4; 1985. v. 5; 1986. v. 6; 1987/1988, v. 7 e 8; 1989, v. 9; 1990, v. 10; 1991/1992. v. )) e 12; 1994, v. 13. Estudos apresentados à Mesa Semanal de Debates, presidência e coordenação do Prof. Ruy Barbosa Nogueira.

Coleção IBDT /USP. dedicada ao estudo universitário e profissional de casos c pro. blemas tributários. Dirigida pelo Prof. Ruy Barbosa Nogueira, vol. I, Imposto de Renda, Paulo Roberto Cabral Nogueira, co-cdição IBDT /USP-Resenha Tribu. tária, São Paulo, 1984.

Direito tribut4rio aplicado e comparado. Rio de Janeiro, Forense, 1977. 2 v.

Estudos e pareceres n. 5. São Paulo, Resenha Tributária, 1981.

Relação mais detalhada das obras e publicações do Autor encontra-se nas páginas 551 a 566 do livro Direito tributário. Estudos em homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira. Brandão Machado (coord.). São Paulo, Saraiva, 1984. Esta obra, apre­sentando 20 monografias, dos maiores Autores da Europa e das Américas, contém cerca de 600 p.

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A MEUS ALUNOS,

aos quais devo esta vida de magistério e tantos anos de amizades universitárias.

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Livro publicado sob os auspícios do INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO TRIBUTÁRIO

Entidade Complementar à Universidade de São Paulo Sede: Faculdade de Direito do Largo São Francisco Secretaria: Av. Brig. Luís Antônio. 290 - 9.° andar 01318-902 - São Paulo - SP - Tel. 605-8206

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SESQUICENTENARIO ONZE DE AGOSTO

Na sala da Congregação dos Professores e Alunos da Facul­dade de Direito do Largo São Francisco, como símbolo de insti­tuição pátria, ornado pela devoção e reproduzido para leitura, encontra-se este fac-símile:

LlI Df II {Ir .,,,,~".:. (J[ IH; I

Este ano o Prof. Ruy Barbosa Nogueira, como Diretor da Faculdade, fez a abertura solene das comemorações históricas, culturais e artísticas que, por todo o calendário de 11 de agosto de 1976 a 11 de agosto de 1977, hão de assinalar a grande efe­méride do Sesquicentenário da Fundação dos Cursos Jurídicos no Brasil.

Para dar início às comemorações no setor tributário. esta Comissão, fazendo pesquisas históricas, verificou que o Autor

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vinha escrevendo trabalhos tributários desde estudante I e inau­gurou, em 1954, o primeiro curso curricular de Direito Tributário em Faculdade de Direito no Brasil.

Realmente nesse ano foi convidado e contratado pela Con­gregação da Faculdade de Direito da PUC em São Paulo e não s6 introduziu no programa, mas lecionou a disciplina naquela Faculdade de Direito, de 1954 a 1968.

Em 1957, por iniciativa dos estudantes do Largo São Fran­cisco, o Centro Acadêmico XI de Agosto procura o jovem docente e advogado tributarista Ruy Barbosa Nogueira. ex-aluno do Co­légio Universitário e do Bacharelado, antigo sócio do Centro, para ministrar-lhes Curso de Direito Tributário.

O Centro vinha promovendo cursos extracurriculares de Direito Tributário porque os pr6prios estudantes julgavam im­prescindível o estudo da nova especialidade que ainda não cons­tava do programa.

O curso foi realizado nas Arcadas, com freqüência de cen­tenas de alunos e o Centro dos estudantes teve o carinho de publicá-lo em edição mimeografada, 30 x 10, 106 páginas, como se vê da seguinte estampa:

Prof. RIJY WInsA IO;U[IRA

f'.

"-

"--OJRSO OE DIREllU 111 I BlTrAAIO

EnsAio de .... siste máÜca para faei Ii= taT dldaticamente 3 apreensão (' a com-proensão do DlREllU

TIl I BtrrAAIO BRAS I LEIHO

"-\

CEHI1IO ACAODotICO J J DF AGOSlO São Paulo. 1957

1. Vide estudo de Ruy Barbosa Nogueira. quando quarloanista da Faculdade. pu­blicado em 1944 na Revista Industrial de São Paulo. 1:66-7. sob o título A consulta como meio de harmonia fiscal. e na Revista de Direito Administrativo, 16:350-9. sob o título Problemas do imposto de consumo, conferência de 10 de novembro de 1948.

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Este curso sistemático seguido de outros extracurriculares, que o Autor lecionou nesta Faculdade, viriam influir, como deci­sivamente influíram, na criação oficial da disciplina, ocorrida em 1963, nesta Faculdade, e agora já desdobrada em Direito Tributário. Direito Tributário Aplicado e Direito Tributário Com­parado.

Comprovada assim a origem e influência marcante deste livro que o Autor declara ser apenas um pequeno compêndio para início dos estudos, esta Comissão quer ressaltar a grande importância do compêndio para ensino, como este, quando a habilidade do Professor é capaz de tornar fácil o aprendizado do que parece difícil e incutir nos alunos o espírito científico, metodológico e de pesquisa, com vistas à ampliação da auto­capacidade do estudante e desenvolvimento de sua criatividade.

Atualizando-o por várias edições, com rara didática, o Autor consegue sintetizar e tornar facilmente compreensíveis aspectos fundamentais da problemática i.ributária.

Por estas razões, na 191." reunião semanal da Mesa de Debates deste Instituto, hoje realizada, esta Comissão propôs e foi unanimemente aprovada a nova edição deste livro, como marco de suas comem:>rações ao "Sesquicentenário da Fundação dos Cursos J urídicosl0 Brasil".

Desta forma o 1 nstituto, como entidade complementar à USP e que já conta ;om cerca de quinhentos tributaristas do Brasil e do Exterior, não só presta homenagem à Faculdade, mas vem demonstrar como cs próprios estudantes influíram na criação da disciplina.

Mais ainda.

Tendo os estudantes ido buscar o Autor para ministrar-lhes este curso e outros que se seguiram, incentivaram-no a prestar os concursos de provas e títulos. através dos quais conquistaria, como conquistou. a livre-docência e a primeira cátedra da disci­plina.

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Entrando assim definitivamente para o ensino e regência das disciplinas jurídico-tributárias nesta tradicional Faculdade, que o recebera desde os bancos pré e acadêmicos, tem natural­mente o Prof. Ruy Barbosa Nogueira toda motivação que exte­rioriza, pois não só continuou sempre a ensinar, a escrever assi­duamente trabalhos e livros didáticos, mas também foi o ideali­zador e principal fundador deste Instituto científico.

Além do desdobramento dos estudos jurídico-tributários curriculares, que já estão concretizados na Faculdade, institu­cionalizou a Mesa de Debates em curso semanal permanente para os associados, como ainda organizou e fixou os cursos anuais de Direito Tributário, para todos os interessados, estendendo tam­bém, desta forma, estes estudos à comunidfJde.

Exemplo marcante é o do Curso Sesquicentenário de Di­reito Tributário que, como o do ano passado, foi aberto prlo IBDT e Reitoria da USP, como prestação de serviço à comuni­dade. Afora os cursos normais, sob sua regência, o Autor está pessoalmente lecionando este no Salão Nobre, dado o grande número, pois estão inscritos e o freqüentando 622 graduados ~ graduandos, de várias universidades.

fendo a Congregação dos Professores e Alunos eleito o Prof. Ruy Barbosa Nogueira Dirctor da Faculdade e Presidente da Comissão Geral das Comemorações do Sesquicentenário, seus colegas do Instituto deliberaram iniciar suas colaborações com o lançamento desta nova e atualizada edição.

Por quê?

Precisamente para fazê-la preceder desta expOSlçao histó­rica do nascimento e evolução dos estudos jurídico-científico­tributários na Faculdade e comprovar a marcante participação dos estudantes na composição dos programas.

Os laços da amizade e da alegria, "no Largo de São Fran­cisco, na velha e sempre nova Academia", estão na perenidade

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das suas tradições e na comunhão das inquietações de ensino de seus Mestres e de aprendizado de seus Alunos.

São Paulo, Arcadas, 11 de agosto de 1976.

COMISSÃO DE PUBLICAÇOES DO INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO TRIBUTÁRIO

José Nabantino Ramos Walter Barbosa Corrêa Alcides Jorge Costa

Antigos alunos da São Francisco. Atualmente docentes de Direito Tributário na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

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PREFACIO

Durante quarenta anos de trabalho no ensino jurídico e experiência não s6 profissional, mas na chefia do Departamento de Direito Econômico e Financeiro, na Diretoria da Faculdade. na Presidência da Comissão de Legislação e Recursos da USP. na responsabilidade por tantos cursos de extensão, de graduação. de especialização, de mestrado como de doutorado, constante­mente temos sido chamado a solucionar processos de transfe­rências de alunos, de uma para outra faculdade. como ainda de revalidação de dipl0I!las ou de reconhecimento de títulos ob­tidos ou de cursos realizados em diferentes estabelecimentos de ensino jurídico do Brasil ou de outros países.

Este trabalho nos tem permitido conhecer. em extensão e profundidade, a desarmonia das programações dos diversos esta­belecimentos de ensin(' jurídico. O que mais nos tem preocupado no desencontro de prl)gramas é o quanto isto tem prejudicado aos alunos e candidatos, pois ficam obrigados a longas adapta­ções ou não consegmm reconhecimento de seus estudos, pela deficiência ou marcan tes divergências entre os respectivos pro­gramas.

Eis um problema que, a nosso ver. somente a ciência, cons­ciência, companheirismo e altruística ou máxima doação da melhor intencionalidade dos professores universitários de cada ramo do Direito pode, até certo ponto, humana e humanistica­mente solucionar.

Há cerca de vinte anos, quando tivemos a idéia de reunir em nossa casa os primeiros colegas de ensino universitário, de profissão e alunos e que, após implementadas estas reuniões, as

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levamos para a Universidade, a título de Mesa Semanal de Deba­tes, dando origem à mais abrangente e, quiçá, mais duradoura instituição, que é o Instituto Brasileiro de Direito Tributário (entidade complementar à USP), sempre tivemos esse objetivo de convergência, não só do aprendizado para todos nós, como da harmonização das programações de ensino.

Se há cerca de quarenta anos vínhamos sozinho dando cursos extracurriculares a centenas de alunos e tivemos a ventura de obter a primeira cátedra de Direito Tributário, hoje podemos contar com o companheirismo de muitos colegas deste ensino dentro da Universidade e, já para os últimos cursos de extensão universitária, somos cerca de quinze professores voluntários den­tro do IBDT !USP, podendo agora ainda contar com os consócios fundadores, associados e sócios honorários deste Instituto, tanto do Brasil como do Exterior, dentro dessa união de esforços.

Todos estes companhei·ros, por suas qualificações e dedi­cação ao estudo e ao ensino da tributarística, estão igualmente empenhados não só na harmonização, unificação e maior expan­são, como aprofundamento gradativo desses estudos.

Acontece que, precisamente neste sentido, acabamos de re­ceber de um dos mais notáveis e d ~dicados professores de Direito Tributário deste orbe, Klaus TiI,ke, o seu completo e sempre atualizado compêndio sistematizado de Direito Impositivo (Steuer­recht - Ein systematischer Grundriss, 10. võllig überarbeitete Auflage, Kõln, Verlag Dr. Otto Schmidt KG, 1985, 710 p.), no qual o grande Mestre e consócio do IBDT !USP publica um acordo de Diretrizes, especificamente voltado para a harmoniza­ção e uniformização' da matéria tributária que deve ser objeto de ensino.

O que, sobretudo, é admirável nesse consenso, é que os Mestres da República Federal da Alemanha não se limitaram a convocar apenas seus patrícios, mas também eminentes colegas de vários outros países, dando assim a esse desideratum extensão mundial, a que aderimos.

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Vamos traduzir do original e aqui divulgar tais Diretrizes, ressalvando que, na parte dos tributos em espécie. procuramos adaptá-las ao quadro dos tributos vigentes no Sistema Tributário Nacional, e portanto o item 4 não é tradução, mas adaptação. Os grifos em relação à conscientização do Estado de Direito e outros também serão dessa tradução parcial, e não incluiremos o item 5 porque ele trata do exame escrito e oral, quando no Brasil, infelizmente, foi abolido o exame oral.

DIRETRIZES PARA O ENSINO JURlDICO-TRIBUT ÁRIa

(Diretrizes de Dümstein)

Nos programas dos estudos jurídicos e regimentos de exames dos Estados da República Federal da Ale­manha, atualmente a disciplina "Direito Tributário" é incluída como-disciplina de ensino e exames, num con­texto especial.

Para harmonizar e uniformizar a matéria a ser lecionada com as exigências feitas nos exames dessa disciplina, (Ioze professores universitários de Direito Tributário da República Federal da Alemanha. mem­bros da Sociedade Alemã dos Tributaristas, assessora­dos por tributaristas da Áustria. da Suíça. dos Paí­ses Baixos. ,10 Japão e da Suécia, num seminário em Dürnstein, perto de Viena, acordaram as diretrizes abai­xo reproduzidas. Outros oito professores universitários de Direito Tributário aderiram.

1. O ensino do Direito Tributário nas universi­dades deve introduzir, através de exemplos. no sistema, os princípios e métodos de aplicação do Direito Tribu­tário, tornar conscientes as exigências do Estado de Direito em relação à legislação tributária, apresentar fins e efeitos da intervenção tributária, dar uma visão geral dos impostos em espécie e do procedimento de

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tributação, bem como transmitir o conhecimento dos mais importantes tributos em espécie.

Deverá acentuar as correlsções do Direito Tributá­rio com outras partes da ordem jurídica.

2. Objeto de ensino do Direito Tributário são o Direito Tributário Geral e as partes essenciais do Direi­to Tributário Especial (tributos em espécie).

3. No Direito Tributário Geral. devem ser trans­mitidos conhecimentos sobre as bases constitucionais da tributação, a posição do Direito Tributário no siste­ma do Direito, a distinção dos impostos dos demais tri­butos, bem como os fins e efeitos da intervenção tribu­tária e dos incentivos ou benefícios fiscais.

Deve ser feita a introdução nas peculiaridades das fontes do Direito Tributário e dos métodos de interpre­tação e aplicação do Direito Tributário, devendo ser tratadas a estrutura do fato gerador tributário. inclusi­ve as exceções e isenções, bem como a relação jurídico­tributária e as peculiaridades do procedimento de tribu­tação.

Além disso. deve SE r desenvolvida a problemática específica do Direito TI ibutário Internacional.

4. No Direito Tributário Especial, devem ser tra­tados, aprofundadamente, o imposto de renda da pes­soa física. o imposto de renda da pessoa jurídica, o IPI e o ICMS.

Além disso, deve ser apresentada a estrutura do ISS e do imposto sobre herança e doações.

O tratamento da tributação das empresas deve formar um ponto principal de exemplo; para com­preensão do conceito de lucro, devem ser transmitidos a estrutura de um balanço, bem como os princípios gerais do balanço e da avaliação.

Em relação aos demais tributos, deve ser dada uma visão geral.

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Como o leitor poderá constatar deste nosso compêndio didá­tico, Curso de direito tributário, edição Saraiva, embora seja ele um manual de introdução, desde sua 1.a edição, e talvez porque estivemos sempre em contacto com aqueles Mestres, é que tam­bém tratamos dessas instituições básicas, agora constantes dessas magníficas "diretrizes" universais.

Neste sentido não podemos deixar de agradecer ao grande Mestre Klaus Tipke a recomendação que faz deste nosso com­pêndio didático, à p. 12 da Introdução (Einführung) de sua gran­diosa obra, incluindo-o dentro de sintética indicação de literatura estrangeira aos seus estudantes e leitores.

Todavia, também não podemos deixar de esclarecer por que este nosso manual não compreende a parte dos tributos em espécie:

Primeiro, porque no Brasil não é possível ao Autor de com­pêndio incluir no mesmo volume, também, o estudo pormenori­zado dos tributos em espécie, pois durante o período da própria impressão as alterações já foram tantas que esta parte já estará ultrapassada na data do lançamento do compêndio.

Segundo, porque a única forma de acompanhamento de tal avalanche somente pc de ser feita pelo método dinâmico dos "casos e problemas", como indicado no último capítulo deste livro.

Foi precisamente )ara podermos acompanhar pari passu as alterações dos tributos em espécie (que no Brasil têm sido quase diárias), que tivemos a idéia de, com colegas, fundar a Mesa Semanal de Debates de Casos e Problemas Tributários, onde muitas vezes discutimos com os textos antecipados pela imprensa diária e, após, com os dos diários oficiais, para depois publicar­mos os trabalhos revistos da Mesa, por meio de seguidas cole­tâneas sob a denominação igualmente dinâmica de Direito tribu­tário atual (São Paulo, Resenha Tributária-IBDT /USP), já publi­cado até o v. 13.

Sem dúvida os trabalhos de sistematização e harmonização, nesse campo tão casuístico, precisam da maior cooperação de

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todos e especialmente daqueles que, como professores desse en­sino e organizadores dos respectivos programas ou escritores de compêndios didáticos que procuram explicitar os programas, nun­ca se esqueçam, dentro deste país-continental e federativo, de que os alunos também se transferem não só de faculdade para faculdade, como de cidade para cidade, de Estado para Estado, e até de país para país e que a programação precisa ser o quanto possível harmonizada e uniformizada em torno do universo do Direito e da sua unidade.

Ruy Barbosa Nogueira

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(NDICE GERAL

PROF. RUY BARBOSA NOGUEIRA - LIVROS PUBLICADOS.. V SESQUICENTENÁRIO ONZE DE AGOSTO ....... . . . . . . . . . . . XI PREFÁCIO .............................................. XVII

Capítulo I

INTRODUÇÃO

I. A atividade financeira do Estado como objeto de estudo da Ciência das Finanças Públicas -e do Direito Financeiro .............. .

2. O fenômeno da tributação e sua gradativa disciplinação jurídica com base em índices de tributação ........................ 5

3. Extensão do Direito Tributário e a programação do seu estudo . . 13

Capítulo II

GENER&.L1DADES E METODOLOGIA

4. Ensino e estudo do ))ireito Financeiro e especialmente do Direito Tributário no Brasil .................................... 17

S. Relações entre a teoria e a prática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22 6. Método de estudo do Direito Tributário nas Faculdades de Direito 23

Capítulo I I I

INíCIO DA DOGMÁTICA

7. O Direito Tributário. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . 29 8. Autonomia e posição do Direito Tributário ............. . . . . 31

9. Sistema tributário na Constituição 37

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Capítulo IV

TRIDIMENSIONALlDADE E FONTES DO DIREITO TRIBUTÁRIO

10. A interligação fato-norma-valor na composição jurídica ~ as fontes do Direito Tributário ................................... 43

11. Fontes reais: os pres!iupostos de fato da tributação .... . . . . . . . 47 12. Fontes formais: o Direito Tributário Positivo (substantivo e adje-

tivo) ................................................ 49

Capítulo V

RELAÇOES. CONCEITOS. PRINCIPIOS. INSTITUTOS. SISTEMÁTICA

] 3. Relações "de fato" do Direito Tributário com outras ciências e relações "de direito" com os demais ramos jurídicos. . . . . . . . . . 63

14. Conceitos autônomos de Direito Tributário. Princípios e institu-tos compondo o sistema jurídico-tributário .. . . . . . . . . . . . . . . . . 74

Capítulo VI

VIGENCIA. APLICAÇÃO. INTERPRETAÇÃO. INTEGRAÇÃO

IS. Vigência, aplicação e interpretaçã(\ da legislação tributária. . . . . 71 16. Aspectos especiais na interpretaçh das normas tributárias: o co-

nhecimento da ciência e da técnica do Direito Tributário . . . . . . 96 17. A integração da legislação tributária: analogia. princípios gerais

e eqüidade ........................................... 99

Capítulo VII

RESUMO ANTECIPADO

18. Quadro de uma sistemática do Direito Tributário

~. Capítulo VIII

DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO

19. Poder tributário. sujeição a este poder e a disciplina jurídica

109

dessa relação ......... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.17

XXIV

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20. Sistema Tributário Nacional: princfpios gerais e limitações do poder de tributar ...................................... 118

21. Dos impostos da União ................................. 128 22. Dos impostos dos Estados e do Distrito Federal ............ 130 23. Dos impostos municipais ............................... 136 24. Da repartição das receitas tributárias ..................... 137

2- • Capítulo IX

DIREITO TRIBUTÁRIO MATERIAL

25. Relação jurídica ...................................... 139 26. Relação jurídica tributária ............................. 140 27. A obrigação tributária e os seus elementos: a lei, o fato, os sujei-

tos e o objeto ........................................ 141 28. Natureza da obrigação tributária e sua distinção da obrigação de

Direito Privado ........................................ 151

1 • Capítulo X

TRIBl:JTOS E SUAS ESpeCIES

29. O tributo, sua divisão em impostos, taxas e contribuições 155 30. As características do imposto, da taxa e da contribuição de me·

lhoria ..................................... . . . . . . . . . .. 157

). • Capítulo XI

. CATEGORIAS TECNICAS

31. Categorias especiais (Ia técnica de tributação: incidência, não-inci-dência, isenção. imuuidade e alíquota zero ................. 165

Capítulo XII

CONTRIBUlÇOES PARAFISCAIS

32. A para fiscalidade

~ .. ). Capítulo XIII

TRIBUTAÇÃO E REGULATIVIDADE

33. Poder de tributar e poder de regular

171

181

xxv

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34. A extrafiscalidade e a intervenção do Estado na vida econômica e social por meio da tributação ........................... 184

35. Os incentivos fiscais e os limites da extrafiscalidade . . . . . . . . . . 186

Capítulo XIV

PUNIBILIDADE EM MATERIA TRIBUTARIA

36. Do ilícito tributário .................................... 191 37. Direito Administrativo Tributário Penal. Classificação das infra-

ções fiscais. Tipos de sanções fiscais ..................... 193 38. Direito Penal Tributário ................................ 206

... Capítulo XV

DIREITO TRIBUT ARIO FORMAL

39. Organização administrativa tributária. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 219 40. O lançamento como procedimento administrativo ............ 220 41. Natureza jurídica do lançamento e suas conseqüências ........ 225 42. Função e modalidades do lançamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 230 43. O poder de fiscalizar. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 240

Capítulo XVI

PROCESSO ADMINISl RATIVO TRIBUTARIO

44. O processo administrativo tributário ...................... 245 45. O lançamento. o auto de infração e o procedimento contencioso 247 46. A consulta em matéria fiscal ............................ 254

Capítulo XVII

PROCESSO JUDICIAL TRIBUTARIO

47. O processo judicial tributário ............................ 259 48. A execução fiscal ...................................... 266 49. A ação anulatória do débito fiscal ........................ 273 50. O mandado de segurança contra a coação tributária ilegítima .. 276 51. A ação de repetição do indébito ......................... 283 52. A ação declaratória em matéria fiscal ..................... 284 53. A ação de consignação em pagamento .................... 286

XXVI

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Capitulo XVIII

O C~DITO TRIBUTÁRIO E SUAS VICISSITUDES

54. A constituição procedimental definitiva do crédito tributário, sua revisibiJidade administrativa e a suspensão da exigibilidade para este reexame. Demais suspensões ......................... 289

55. A exigibilidade administrativa do crédito tributário e sua exeqüi-bilidade judicial ....................................... 294

56. Garantias ou privilégios do crédito tributário ............... 298 57. A exclusão do crédito tributário .......................... 30 I

Capítulo XIX

A EXTINÇÃO DO CR~DITO TRIBUTÁRIO

58. Síntese da constituição definitivo-formal e das vicissitudes do cré-dito tributário, para esclarecer suas causas de extinção ...... 305

59. Causas de fato da extinção do crédito tributário ............ 309 60. Causas de direito da ex!inção do crédito tributário . . . . . . . . . .. 320

Capitulo XX

DIÁLOGOS, DEBATES, SEMINÁRIOS, PESQUISAS E TRABALHOS

61. Estudos de casos e problemas tributários .................. 339 62. Momentos de exemplificações e demonstrações .............. 340 63. Materiais indicáveis com antecedência e suas fontes .......... 341

rNDICE ALFAB~TICO-f~MISSIVO ......................... 343

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Capítulo I

INTRODUÇÃO

t. A atividade financeira do Estado como objeto de estudo da Ciência das Finanças Públicas e do Direito Financeiro.

2. O fenômeno da tributação e sua gradativa disci­plinação jurídica com base em índices de tribu­tação.

3. lxtensão do Direito Tributário e a programação do seu estudo.

1. A atividade finar. ceira do Estado como objeto de estudo da Ciência das Finanças Públicas e do Direito Financeiro. Ao estu­darem a Teoria Geral do Estado, os alunos já viram que a fina­lidade fundamental d) Estado é a realização do bem geral. tam­bém chamado de belt comum. A noção de bem comum é imen­samente complexa porque além dos interesses da massa de indi­víduos nem todos os interesses são idênticos, semelhantes, mas até muitas vezes conflitantes, compreendendo ainda não somente os interesses dos habitantes atuais, mas de gerações futuras.

Para a realização desse bem comum que é um desideratum, que envolve qualidades de argúcia, de percepção, de prudência, de previsão dos dirigentes, tem o Estado de desenvolver ati vi­dades múltiplas que no conjunto se chamam atividade estatal: é o esforço do Estado nas realizações de seus fins. Desses fins. uns são de natureza essencial. O Estado tem de realizá-los sob

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pena de não ser Estado, como a defesa externa, a manutenção da ordem interna, a atividade financeira, a função de dizer o Direito e essas funções são indelegáveis em razão da indisponi­bilidade do interesse público, isto é, têm de ser executadas pelo Poder Público.

A par das funções privativamente estatais há funções de natureza complementar que o Estado pode exercer por si, por terceiros ou deixar de exercer, como certas atividades de ordem econômica, de aperfeiçoamento etc., que não afetam a existência do Estado.

Também ao estudarem o Direito Constitucional verificaram que o Estado é organizado por meio de uma estrutura jurídica que não só o institui como pessoa de direitos e obrigações, mas submete este, seus agentes e os particulares ao império da lei, criando o Estado de Direito.

A atividade estatal é tão ampla e complexa que, além de ser no seu conjunto estudada especulativamente pela Teoria Geral do Estado e organicamente disciplinada pelo Direito Constitu­cional, ela é desdobrada em vários setores de atividades e cada setor é ainda objeto de estudo de ciências particulares.

Cada ciência tem seu obje:o próprio de estudo e o objeto pode ser tomado no sentido ma terial ou formal.

No sentido material, objeto significa o próprio assunto estu­dado. No sentido formal, significa o aspecto ou método pelo qual a respectiva ciência estuda o conteúdo ou matéria.

Assim, várias ciências podem ter como objeto material de estudo o mesmo assunto, desde que cada uma aprecie ou trate este sob aspectos ou prismas diferentes, isto é, de forma peculiar. As ciências que têm por objeto material de estudo o mesmo assunto são ciências afins, mas diferenciadas pela forma que cada uma estuda a matéria.

Neste sentido, entre as atividades estatais podemos destacar a atividade financeira que é objeto material de estudo de várias ciências particulares, entre as quais a Ciência das Finanças e o

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Direito Financeiro. Estudando o mesmo objeto material, isto é, a atividade financeira do Estado, a Ciência das Finanças e o Direito Financeiro são ciências materialmente afins, relacionadas, mas distintas pela forma diferente que cada uma trata o mesmo fenômeno.

A Ciência das Finanças estuda a atividade financeira do ponto de vista especulativo (speculari - observar). E. um estudo teórico. Estuda essa atividade para conhecê-la e pára aí. As suas observações poderão ser utilizadas, por exemplo, pelo Direito Financeiro, como dados ou informações.

Já o Direito Financeiro tem outra atribuição: visa discipli­nar, normativamente, a atividade financeira do Estado.

Em que consiste a atividade financeira do Estado?

De maneira geral, consiste em toda ação que o Estado desen­volve para obter, gerir e aplicar os meios necessários para satis­fazer às necessidades da coletividade e realizar seus fins. Essas necessidades são imensás e para atendê-las o Estado precisa de bens imóveis, móveis, serviços, pois necessita de terras, casas, estradas, ruas, pontes, navios, precisa manter a ordem, a defesa interna e externa, promover a justiça e demais atribuições. e tudo isto representa um m mdo de bens e serviços.

Com a ampliaçã,) do Estado intervencionista crescem essas necessidades e ainda aí se incluem a assistência. a previdência e a seguridade sociai:;, o desenvolvimento econômico, enfim, a promoção do bem co num.

Em última análise, dentro da economia monetária. isto sig­nifica necessitar de dinheiro e o Estado tem de obter receita, despender, orçar, fazer empréstimos e gerir toda essa atividade de economia pública ou finanças.

Portanto, cabe à Ciência das Finanças estudar toda essa atividade do ponto de vista especulativo, isto é, estudar essa matéria pela forma ou prisma da pesquisa e elaboração de prin­cípios diretores, de sistematização científica, para orientar a melhor forma de desenvolvimento da atividade financeira, que se desdobra em receita, despesa, orçamento e crédito públicos.

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Assim como a Economia Política estuda as relações econô­micas entre particulares, a Ciência das Finanças ou Economia Pública estuda as relações econômicas de caráter público que se desenvolvem dentro da atividade financeira: são as relações entre entidades públicas ou entre estas e os particulares. .

Enquanto as relações econômicas entre particulares se de­senvolvem fundamentalmente dentro da vontade individual, as relações econômicas de caráter público, embora econômicas, estão concomitantemente vinculadas a aspectos políticos e jurídicos do Estado. Disto resulta que a Ciência das Finanças. embora seja

ri

acentuadamente ciência econômica, não pode deixar, no seu estudo econômico, de apreciar, relacionadamente, os aspectos políticos e jurídicos que envolvem a economia pública ..

Isto não significa que a Ciência das Finanças se confunda com a Política ou com o Direito, apenas demonstra que a Ciência das Finanças, tendo por objeto material de estudo a atividade financeira do Estado, que também é objeto material daquelas ciências, mantém afinidades com elas, mas ao estudar a mesma matéria o faz de forma diferenciada, isto é, apenas sob o prisma teórico estuda esses fenômenos econômicos, considerando ao mesmo tempo suas colocações políticas e jurídicas.

Isto demonstra que as ciêrlcias não são isoladas, mas com­põem um conjunto de formas ou métodos para abranger todos os aspectos do conhecimento e alcançar a verdade.

Com esta explicação queremos ressaltar aos estudantes de Direito que a Ciência das Finanças, dada a sua forma de estudo especulativo de toda a atividade financeira, é informativa para os estudos e elaborações dogmáticas do Direito Financeiro, posto que este tem a missão de disciplinar, por meio de normas jurí­dicas, a mesma atividade financeira do Estado.

Quer no momento de elaboração da doutrina, quer da legis­lação ou da jurisprudência, o jurista especializado em direito financeiro não pode deixar de estar informado dos dados e con­clusões te6ricos da Ciência das Finanças.

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2. O fenômeno da tributação e sua gradativa disciplinação jurí­dica com base em índices de tributação. Desde os mais remotos tempos encontramos na história dos povos a tributação sob as mais variadas formas. O estudo das próprias denominações que foram tendo os tributos, em diferentes línguas, demonstra que foram com:iderados ora como auxílios. doações, presentes; ora como despojos de guerra. confiscos, e o soberano exigia de certas classes contribuições arbitrárias para armar cavaleiros, para casa­mentos e festas. para guerras e conquistas I.

A tal ponto chegou esta segunda evolução da tributação. que o povo contribuinte. para não suportar surpresas e excessos. impôs ao soberano que a tributação fosse realizada COl11 o con­sentimento dos próprios contribuintes, por meio de representação e previsão orçamentária, como é exemplo o caso que na Inglaterra resultou na histórica Magna Carta, até hoje documento funda­mental das instituições políticas inglesas e expressão da supre­macia constitucional em contraposição à vontade do rei e base do parlamentarismo. -

Podemos lembrar outro episódio como o da Revolução Fran­cesa. Outro movimento.de rebeldia. por causas várias. entre as quais também estão os excessos e arbítrios da tributação. foi o que provocou a ind !pendência das colônias norte-americanas. No Brasil tivemos a cllamada "derrama" como um dos pródromos da inconfidência mineira.

A tributação ou forma de obtenção da receita tributária foi assim. aos poucos, sendo disciplinada por normas. paralelamente à evolução do constitucionalismo e influindo sobremodo no ad­vento do Estado de Direito, hoje já alcançando a posição de Estado Social de Direito, no sentido de proteger. com mais inten­sidade, não apenas os direitos individuais, mas, igualmente, os sociais. Neste sentido veja-se que a própria Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro. de 1942, dispõe que "na aplicação da

I. A interessante evolução hisr6rico<timol6gicu da tribUlação pode ser lida na clássica obra de Edwin R. A. Seligman. Essays iII taxa/ion. 9. cd .. New Yorl:. Mac­Millan. 1923. ou na tradução francesD da 8. cd. americana. Essais sur /'inrp6t. feita por Louis Surct. Paris. Giard & Bri~re. 1914. Capítulo I.

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lei, o Juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exi­gências do bem comum" (art. 5.°).

Estado de Direito é aquele em que os homens são gover­nados pelo poder da lei e não pelo poder de outros homens. A lei é a proposição jurídica que trata igualmente todos que este­jam na mesma situação. A vontade da lei se impõe tanto aos particulares como aos agentes do Estado e ao próprio Estado como pessoa de direitos e obrigações.

Como esclarece Nawiasky, isto significa que o Estado não é superior ao seu próprio Direito. Em matéria tributária, para legislar e criar o tributo, o Estado é soberano, mas uma vez ins­tituído por lei o imposto, a função da soberania está esgotada e as relações que surgem entre o Estado e os particulares são rela­ções de direito e não mais de soberania, força ou poder

Assim o fenômeno da tributação passou a ser juridicizado e realizado dentro da legalidade.

Para um esclarecimento mais didático e fixação da evolução contrastante, observe-se que nos primórdios a prestação tribu­tária ficava ao arbítrio dos particulares, como um favor ou au­xIlio destes à comunidade; numa nova fase essa requisição foi passando para o arbítrio do soherano que ia exigindo sem cri­térios, apenas dentro da relação de força ou poder e, finalmente, dentro da evolução do Estado de Direito, foi passando a ser exigida por meio da relação jurídica, que significa em virtude de lei, na medida por esta prevista e fixada, com a possibilidade de a lei ser interpretada e aplicada. conclusivamente, pelo Poder Judiciário.

O tributo atingiu assim a situação atual de categoria jurí­dica e o obrigado o status de cidadão-contribuinte.

Aquele que é juridicamente obrigado o é nos termos e limi­tes da lei. Não precisa fazer doações, prestar simples favores ou auxílios, nem ficar sujeito a surpresas, excessos ou confiscos, mas deverá compulsoriamente contribuir para os gastos públicos na proporção de seus haveres, na medida e na conformidade da lei.

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o espírito reflexivo e indagativo do aluno, neste momento, levantará uma questão que nenhum sistema tributário ainda conseguiu dar solução plenamente satisfatória, e que pode ser desdobrada nas seguintes perguntas:

Qual a medida ou parâmetro para tributar na proporção dos haveres de cada um?

Como a lei pode estruturar a tributação dentro do conceito social de justiça, de maneira que cada um pague tributo propo~ cionalmente à sua capacidade e à dos demais?

Como apurá-Ia dentro da multiplicidade das situações eco­nômicas relacionadas com as pessoas?

Em primeiro lugar vamos, resumidamente, relatar através da história os diferentes índices que geraram a multiplicidade dos gêneros e das espécies dos tributos até hoje existentes, para vermos que, com todas as suas pesquisas, as ciências humanas especulativas ainda não conseguiram fornecer ao Direito esse parâmetro ideal, mas apenas o chamado princípio da capacidade contributiva.

Os índices de tribu-Jlção

A história da tributação revela que diversificadamente, no tempo e no espaço, ora com mais, ora com menos acentuação no sistema de cada p:>vo, até hoje foram utilizados cinco índices de tributação:

I. Indivíduo ou classe

o primeiro índice ou medida rudimentar da tributação foi, por assim dizer, o próprio indivíduo. Atendia-se ao número e cobrava-se o tributo por cabeça (per capita - imposto de capi­tação). Na sociedade primitiva, em que a propriedade é pouco desenvolvida, as diferenciações de situações econômicas são pouco acentuadas. Surge, em seguida, a discriminação por classes; no início da Idade Média aparece a tributação de capitação por

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classes. (Embora raro, até hoje temos impostos como, entre nós, o ISS que pagam, por exemplo, algumas classes profissionais.)

2. Patrimônio

Aquele tributo, a seguir, é completado ou substituído por um imposto sobre o patrimônio. Por muitos séculos essa tribu­tação vai ser quase a única, e como a propriedade privada con­sistia principalmente na terra e seus acessórios, essa tributação foi de modo geral sobre a propriedade imóvel. O imposto sobre a capitação diminuiu. Entretanto. essa nova forma de medir a capacidade contributiva demonstrou-se defeituosa. pois há uma diferença profunda entre o capital e o seu produto. A proprie­dade valerá mais ou menos também de acordo com a sua produ­tividade. Vai-se observando que deve haver diferença de trata­mento entre o rendimento do capital e o do trabalho. Outro defeito da tributação do patrimônio (propriedade) é não levar em conta o passivo. A tributação baseava-se no conceito jurídico da propriedade (direito sobre a coisa e seus atributos). sem levar em conta se os resultados da propriedade cabiam ou não ao proprietário; se pesavam ou não dívidas sobre a propriedade.

Enfim, reconheceu-se que a tributação sobre o patrimônio era insuficiente. (Observe-se que até hoje há impostos sobre a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis. Em certos países ainda há o imposto sobre o total do patrimônio. no fim do exercício.)

1. Despesa

Os chamados impostos indiretos sobre consumo, gastos ou despesas dos indivíduos surgiram no final da Idade Média, com o objetivo não só de fornecer ao Tesouro maior arrecadação para atender às necessidades financeiras do Estado, mas para alcançar tâmbém as classes privilegiadas (clero e nobreza) que não eram atingidas pela tributação direta. Devendo o imposto ser geral, todos devem pagá-lo de acordo com sua capacidade contributiva.

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A idéia de se tomar como índice de tributação os gastos ou consumos dos particulares foi a de que o maior ou menor gasto, despesa ou consumo é, até certo ponto, um índice de renda ou riqueza, pois que o indivíduo gasta ou consome em proporção às suas posses. O defeito dessa presunção está em não atingir a renda não gasta ou economizada.

Entretanto, essa tributação, que era inicialmente sobre cer­tos artigos de consumo, foi-se ampliando para atingir a quase­totalidade dos artigos de consumo e surgiram as grandes acusa­ções de que esse imposto é regressivo e vem assim onerar mais as class~s pobres, pois quanto mais se desce na escala social, a desproporção entre os ganhos e os gastos de consumo é maior. Uma família operária gasta talvez quase todo o seu g:mho em bens de consumo (alimentação, vestuário, habitação, tratamento médico etc.), enquanto os gastos dos mais abastados, em consu­mo, é de muito menor proporção em relação ao seu ganho ou riqueza.

Daí não servir o imposto de consumo como único ou pre­dominante índice, porque acabaria sobrecarregando os menos favorecidos da fortuna. (Veja-se que ainda hoje temos os im­postos de consumo como, entre nós, é exemplo o IPI, cujo nome era mesmo Imposto de Consumo, alterado confonne o art. 1.0 do Dec.-Iei n. 34, de 18-1-1966. E verdade que com a introdução de certas técnicas, como as da "seletividade" e "essencialidade" dos produtos, procur~l-se evitar a tributação dos artigos de maior necessidade e tributar mais fortemente os de luxo, vÍCio etc.'.)

4. Produto

Daí a idéia de se adotar como novo índice de capacidade contributiva o produto. E o imposto sobre a produção. Mas tam-

2. Para um estudo mais amplo. crítico c de sugestões à modificação do sistema b-osileiro deste imposto. vide a tese de doutoramento de Paulo Roberto Cabral No­gueira. defendida e oprovada em concurso de 1979, no FDUSP, sob o tftulo: Do :mposto sobre Produtos Industrializados (Produtos Selecionados), São Paulo, Saraiva­IBDT/USP. 1981.

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bém Jogo se verifica que um produto para ser obtido o é por custos de produção diferenciados; os produtos nem sempre alcan­çam os mesmos preços e nessa época se tributava a produção sem se atender ao que lucraria cada indivíduo. (Neste sentido hoje é raro o imposto sobre a produção.)

s. Renda

Com a Revolução Industrial surge então o último estágio que é o de medir-se a capacidade contributiva pela renda. Desde Adam Smith a idéia da renda do contribuinte constitui, sem dúvida, a melhor expressão da capacidade tributária individual e mais de acordo com as idéias modernas da tributação. Surge então o Imposto sobre a Renda 3.

Embora tenha surgido até a idéia do Imposto Único sobre a Renda, verificou-se que este critério s6 por si seria insuficiente.

'Veja-se, por exemplo, que o XIX Congresso Internacional de Direito Financeiro e Tributário, realizado em 1965, em Lon­dres, reconhece que "nenhum país conseguiu até agora elaborar uma definição completa e clara de renda para os efeitos tribu­tários" t.

Pode-se definir a renda, (orno se faz, para efeitos legais, mas não se atinge ao ideal para tributação justa. Um rendimento obtido, como juros, exclusivamente pelo emprego de capital e um rendimento igual, proveniente de um trabalho árduo, deverão ser igualmente tributados? Um celibatário que não tem nenhum encargo e um chefe de família onerado de encargos, percebendo um rendimento igual, deverão pagar o mesmo imposto?

Procura-se, por meio da técnica da tributação, adequá-la às várias situações, mas nem assim se consegue alcançar o ideal de justiça. Por isso o entusiasmo inicial do encontro da renda como

3. V. Fritz Neumark. Principios de la imposición (Grundsiitze gerechter und õkonomisch Steuerpolitik). Madrid. Instituto de Estudios Fiscales. 1974. p. 176.

4. The interpretation of tax laws with special reference to fonn ane! substance. in Studies on lnternational Fiscal Law. v. 50. p. 16.

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índice de capacidade econômica, e do pretendido imposto único sobre a renda, mesmo em doutrina, foi-se arrefecendo, de modo a se reconhecer que melhor atende à justiça a utilização conju­gada de várias das medidas ou índices de capacidade contributiva.

Embora cada critério tenha em si defeitos, possui cada qual certas vantagens que poderão ser utilizadas para se estabelecer um sistema tributário equilibrado. Nenhum sistema fiscal existe que tenha adotado o imposto único.

Assim, em países capitalizados, como são exemplo os Esta­dos Unidos, é mais acentuada a tributação do imposto de renda (income tax). Há mesmo uma classificação dos sistemas pela na­tureza dos impostos predominantes. O sistema envolve sempre organicidade. Não é suficiente a simples enumeração dos tributos para se ter um sistema. O sistema compreende princípios e defi­nições básicas como se vê do "Sistema tributário" disciplinado em nossa Constituição.

Quanto ao princípio da capacidade econômica ou contribu­tiva, é interessante notar que já na Constituição do Império do Brasil, de 1824, figurava esta sábia disposição no art. 179:

15.°) Ninguém será isento de contribuir para as despesas d) Estado, em proporção dos seus haveres.

Na Constituição de 1946 figurou como norma programá­tica, nestes termos:

Art. 2.J2. Os tributos terão caráter pessoal sem­pre que isso for possível, e serão graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte.

A Emenda Constitucional n. 18, de 1.0 de dezembro de 1965. suprimiu essa disposição que era expressa, porém esse princípio sempre foi considerado implícito dentro do Sistema. Agora, a Constituição de 1988 veio dispor, mais explicitamente, no seu art. 145:

"§ 1.0 Sempre que possível, os impostos terão ca­ráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade

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econOmica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos indi­viduais e nos termos da lei, o patrimOnio, os rendi­mentos e as atividades econômicas do contribuinte".

A Constituição italiana, art. 53, prevê expressamente que "todos são obrigados a concorrer para os encargos públicos na razão de sua capacidade contributiva" e que "0 sistema tribu­tário é informado pelos critériós de progressividade" li.

O princípio da capacidade contributiva é um conceito eco­nômico e de justiça social, verdadeiro pressuposto da lei tribu­tária. Como já se dizia na antigüidade, "onde nada existe, até o Imperador perdeu seu tributo". Se o imposto é captação de riqueza, só é possível levantar impostos das expressões de valor, dentro de limites técnico-juridico-econômicos e mesmo psicoló­gicos '.

Se esse levantamento tem de ser feito dentro do conceito de justiça social, deve ser medido pelo critério da capacidade contributiva. Griziotti propôs como conceito da capacidade de pagar imposto a soma de riqueza disponível, depois de satisfeitas as necessidades elementares da existência, que pode ser absor­vida pelo Estado, sem reduzir o padrão de vida do contribuinte e sem prejudicar as suas ativid.ldes econômicas.

Isto significa que o legislador, ao escolher os fatos ou rela­ções fáticas imponíveis, deve ter presente esse aspecto de pro­porcionalidade dentro do próprio sistema de tributação. A difi-

5. Sobre o tema, na It6Iia, vejam-se, Emilio Giardina. IA basi teoriche dei principio della cspGcit,) CO,.tribllti1Hl, Giuff~, 1961; Frederico Maffezzoni, II principio di captlcit,) co,.tribllli1Hl MI diritlo filltlllZituio, Unio!'le Tipografico-Editric:e Torinese, 1970.

6. Leia«: o capftulo "Os limita da tributaçio", no excelente livro de Günter Schm61dens, Teol'Úl pneral dei i".puesto, trad. Merino, Madrid, Editorial de Derec:ho Financiem, 1962, p. 91·110. Do original foi publicada nova edição (4.-): Allgemeine Steuerlehre, Berlin, Dunc:ker &: Humblot, 1965.

Ainda aob concepção moderna, veja·se o trabalho traduzido pelo Instituto Br. sileiro de Direito Tributário, de autoria de Huso von WaUis, sob o título: Há limites na tributaçio aobre rendimentos?, na c:oletlnea Imposto de Renda, São Paulo, Reaenha TribulÚill, 1981.

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culdade está em que, se na manifestação de vontade objetivada na lei este princípio não for adequadamente observado, a lei será economicamente imperfeita mas juridicamente válida, a não ser que ultrapasse, em determinado caso, os limites do razoável e at~nja as raias do confisco ou limitações constitucionais. A capa­cidade contributiva, como se vê, está inserida no sistema tribu­tário como um conceito jurídico indeterminado 7.

3. Extensão do Direito Tributário e a programação do seu es­tudo. Toda essa fenomenologia disciplinada pela legislação e re­gulamentos, pelo resultado dos julgados firmando jurisprudência e informada pela doutrina veio a constituir um sistema ou ramo do direito público obrigacional que, em razão de sua forma e conteúdo pr6prios, denomina-se Direito Tributário.

De grande relevância para a posição e reconhecimento do Direito Tributário como ramo autônomo na ordem jurídica do Brasil foi a estruturaçãõ e inclusão do Sistema Tributário Nacio­nal no texto e contexto da Constituição Federal, inaugurado pela Emenda Constitucional n. 18, de 1965.

Com vários acréscimos, a Constituição de 1988 conservou no Capítulo I do Tít ulo VI o Sistema Tributário Nacional. esta­belecendo princípio~ gerais, limitações do poder de tributar, discriminando os impostos federais, estaduais e municipais e dispondo sobre a repartição das receitas tributárias, conforme se vê dos arts. 145 a 162.

Com a maior vinculação constitucional, direta e indireta, a juridicização tributária ficou mais hierarquizada e a instrumen­talidade de controle das limitações do poder de tributar enrique­cida, especialmente para a apreciação dos atas fiscais pelo Poder Judiciário.

Para vermos ainda o reconhecimento, em nosso país, de que o Direito Tributário é um ramo autônomo do Direito, temos

7. Paro estudo do conceito jurldico indeterminado vejo·se Karl Engisch. Intro­dução ao pensamento ;urldico, trod. de Batista Machac'o. 3. ed .• LisboB. Calouste, 1972, p. 173.

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também o CTN, dispondo no Livro I sobre o Sistema Tributário Nacional e no Livro II sobre as Normas Gerais de Direito Tri­butário, além da legislação, regulamentação, jurisprudência e doutrina existentes no Brasil sobre a fenomenologia tributária.

Toda essa matéria das fontes reais e das fontes formais, que são manifestações do Direito Tributário, é que devem ser estudadas e compreendidas numa escola de formação científica e profissional 8.

A estruturação jurídica é escalonada não s6 por meio da hierarquia das normas, mas também dentro do maior ou menor grau de especificidade das categorias, conceitos ou elaborações doutrinárias.

Pela multiplicidade dos fatos de possível relevância jurí­dico-tributária, que exigem a pesquisa; pela extensão da norma­tividade que, mediante preceitos, disciplina aqueles fatos em relações jurídicas e pela amplitude das elaborações doutrinárias que estão sempre na pesquisa dos elementos fáticos e normativos para apurar, apreciar e mesmo criticar a validade ou não e os efeitos das pretendidas relações jurídicas, visando corrigi-las, sistematizá-las ou acrescer elaborações para o progresso dessa disciplina, vê-se que o conteúdo e a forma do Direito Tributário são extensos e peculiares.

Tendo em vista todo esse material, a programação do estudo jurídico-tributário, nesta Faculdade, inicia-se no oitavo semestre, quando os alunos já adquiriram conhecimentos de Direito Público e de Direito Privado.

Este pequeno livro é um manual escrito de acordo com o programa, constituindo um auxílio ou iniciação ao estudo do Direito Tributário.

Aqueles que desejarem se especializar na matéria terão, à sua disposição, nos dois últimos semestres do Curso de Gradua­ção, na área de Direito de Empresa, a disciplina Direito Tribu­tário Aplicado, que compreende o estudo casuístico dos tributos

8. Sobre a formação da escola científica do Direito Tributário em nosso país, vide nossa publicação Tullio Ascarelli e o direito tributário do Brasil. São Paulo, IBDT IUSP-Resenha Tributária. t 979.

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federais, estaduais e municipais, como se pode ver, por exemplo, do material contido nas cinco Coletâneas de casos e problemas tributários (edição Bushatsky) e do livro Direito tributário apli­cado (edição EDUSP jForense), também de acordo com o res­pectivo programa.

Finalmente, os já graduados, que desejarem formação de do­centes ou juristas especializados, terão à sua disposição, no Curso de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado), o estudo do Direito Tributário Comparado, cujos materiais, a título de exemplo, poderão ver no livro que preparamos sob o mesmo título Direito tributário comparado (edição Saraiva), trazendo como indicação, no final, um ensaio bibliográfico em seis idiomas, para auxiliar esse aprendizado.

O estudo jurídico-tributário, que agora já conta nesta Facul­dade com todas essas programações, vem ainda tendo a colabo­ração do Instituto Brasileiro de Direito Tributário. entidade complementar à Universidade de São Paulo, com sede nesta Faculdade e que. além da promoção de cursos extracurriculares, conferências e publicações. realiza, semanalmente, Mesa de Debates Tributárim, com a participação de professores, pós­graduandos. especia istas e assistentes, constituindo verdadeiro "laboratório jurídicc" para todos os participantes.

Os trabalhos aJresentados a essa Mesa Semanal, conside­rados de maior interesse e atualidade, vêm sendo publicados em coletâneas periódicas, sob o título Direito tributário atual, co­edição IBDT jUSP-Resenha Tributária, São Paulo. para consti­tuir um verdadeiro tratado ou repositório casuístico, de fácil consulta, em razão de seus índices geral e alfabético-remissivo. Desde 1982 até esta data já publicamos os v. 1 a 13, para tam­bém servirem aos alunos como material de estudo, dentro do sistema dinâmico dos "casos e problemas". Especialmente no estudo dos tributos em espécie poderá o aluno ir acompanhando, com seu professor, pari passu, não só o desenvolvimento da dou­trina. da legislação, como da jurisprudência tributária.

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Capítulo II

GENERALIDADES E METODOLOGIA

4. Ensino e estudo do Direito Financeiro e especial­mente do Direito Tributário no Brasil.

5. Relações entre a teoria e a prática.

6. Método de estudo do Direito Tributário nas Fa­culdades de Direito.

4. Ensino e estudo do Direito Financeiro e especialmente do Direito Tributário no Brasil. Em 1954, ao assumirmos a regência da cadeira de Ciên :ia das Finanças na Faculdade Paulista de Direito, elaboramos um programa de Direito Tributário. aprova­do pela Congregação, que lecionamos naquela Faculdade durante quatorze anos e qUI! deu origem à primeira edição linotipada deste livro.

Ao que saibamos, foi este o primeiro curso curricular in­cluído desde então no programa de ensino em Faculdade de Direito de nosso país.

Discorrendo sobre "A problemática do Direito Tributário no Brasil" tivemos oportunidade de acentuar, em 1960:

"O primeiro problema jurídico-tributário que se apresenta em nosso país é exatamente o da escassez do ensino e conseqüentemente da elaboração, quer doutri­nária, quer jurisprudencial, do Direito Tributário.

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Enquanto a realidade econômica e o fenômeno da tributação' se agigantam em nosso país, até hoje as Faculdades de Direito não criaram, no currículo aca­dêmico, a cadeira de Direito Tributário" I.

Em conseqüência da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases foi fixado em 1962, pela Comissão de Ensino Superior do Conselho Federal de Educação. um currículo mínimo a ser dado nas Faculdades de Direito, para formação do profissional e assim justificada a inclusão que fez do Direito Financeiro:

.. A autonomia da cadeira de Direito Financeiro resulta de um exame detido dos atuais desdobramen­tos da profissão de advogado, prestando assistência a empresas e orientando-as quanto a regulamentos fi­nanceiros e imposições fiscais" (Parecer n. 215, de 15-9-1962).

Como se vê, incluído o estudo da matéria sob a denomina­ção de Direito Financeiro, que correspondia então à sua colo­cação já autônoma na Constituição de 1946 (art. 5.°, XV, b, que se referia às "normas gerais de Direito Financeiro"), a justi­ficação não só se reportou à problemática dos regulamentos e imposições fiscais, mas parece (1ue ao acentuar as dificuldades tributárias ou fiscais já estava prevendo a extensa e nova legis­lação que haveria de sobrevir com a Reforma Tributária que se anunciava.

Com a Reforma Constitucional Tributária operada em 1965 pela Emenda n. 18, que com alterações foi incluída na Consti­tuição de 1967, pela primeira vez na história legislativa do Brasil passamos a ter uma Constituição com todo um capítulo tratando "Do sistema tributário", sendo desde então a Constituição do Brasil a mais detalhada Constituição sobre a disciplina da tribu­tação.

Não só o Direito Tributário é a parte mais importante e desenvolvida do Direito Financeiro, como é a que efetivamente

1. RT, lOS: 18.

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contém e trata da grande problemática entre fisco e contribuinte que dimana do fenômeno financeiro da receita tributária.

Como ressalta Dino Jarach, "embora certos autores afir­mem que se deve falar de Direito Financeiro porque o Direito Tributário é só uma parte daquele, na prática, quando tratam do Direito Financeiro, após um exame preliminar da matéria, o que examinam e aprofundam, em definitivo, é o Direito Tribu­tário. Esta é a prova positiva de que o Direito Financeiro,. como matéria jurídica em geral, não é suscetível de ser estudado de forma unitária" 2.

No Brasil, a inclusão do capítulo "Do sistema tributário" na Constituição e a promulgação do Código Tributário, tudo visando à estruturação de um Sistema Tributário Nacional, pas­saram a exigir que, de acordo com os dados científicos e a rea­lidade jurídica, se estude o mais completamente possível não s6 o Direito Financeiro, mas sobretudo o Direito Tributário, como ramo destacado daquele.

A Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo incluiu na sua programação, em 1963, o estudo do Direito Financeiro e logo, também destacadamente, o do Direito Tributário.

O Direito Finar ceiro, além de princípios próprios, estuda e se encarrega de aplicar normativamente muitos princípios teori­camente elaborados rela Ciência das Finanças. Enquanto a Ciên­cia das Finanças é u na ciência pura, especulativa da atividade financeira do Estado (despesa, receita, crédito e orçamento pú­blicos), o Direito Financeiro é uma ciência jurídica que, disci­plinando normativamente toda a atividade financeira do Estado, visa a uma aplicação ou prática jurídica.

Do ponto de vista do ensino, enquanto a Ciência das Finan­ças, que é ministrada nas Faculdades de Economia e Administra­ção, procura dar ao seu estudante uma formação científico­especulativa da Economia Pública ou Finanças no quadro de seus estudos, também a inclusão do ensino do Direito Financeiro

2. Dino 'arach, Curso superior de derecho tributaria, Buenos Aires, Liceo Pro­resional "Cima", 1957, v. 1. p. 11.

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e do Direito Tributário nas Faculdades de Direito constituiu preenchimento de uma lacuna curricular, pois são ramos do Direito Público e não podiam deixar de ser estudados, oficial­mente, nas Faculdades de Direito, para mais completa formação de seus futuros profissionais ou juristas"

O estudo ou disciplina jurídica da receita tributária, como já vimos, compreende hoje a parte mais desenvolvida e destaca­da do Direito Financeiro, chamada Direito Tributário, porque abrange todas as relações jurídicas entre a Fazenda Pública e o contribuinte, a que estão vinculados interesses essenciais do Estado e dos cidadãos.

Em muitos países, notadamente na Alemanha, Austria, Suíça, Itália, Espanha, França, Inglaterra e Estados Unidos, depois da I Guerra Mundial, o Direito Tributário vem se enri­quecendo em conseqüência de grande elaboração doutrinária, criação de cátedras universitárias, de associações de estudos tri­butários, de realização de congressos internacionais sobre tribu­tação, de codificações e instituição de tribunais judiciários fiscais.

Entre nós, até há pouco sequer nas Faculdades de Direito se haviam incluído as disciplinas Direito Financeiro e Direito Tributário.

Por isso mesmo nossa prod Jção doutrinária é ainda escassa e os mais intrincados e difíceis problemas jurídico-financeiros ou tributários vêm sendo lançados aos tribunais que, além de não terem especialização, dispõem de pouco material sistemati-

3. Incluindo estes estudos a partir do curso de graduação, a Faculdade de Direito vem fazer com que o estudante já vá adquirindo conhecimentos destas maté­rias básicas correlacionadamente com os demais ramos, o que é necessário para for­mação do jurista completo.

Tanto para concursos li Magistratura, ao Ministério Público. aos exames de ordem ou para o exercício da advocacia. são imprescindíveis esses conhecimentos.

t a necessidade de a escola profissional formar o jurista quanto possível para suas futuras atividades.

Neste sentido o Prof. Mauro Cappelletti mostra que a reformulação de leis na República Federal da Alemanha foi "inspirata ai fine di conservare la unitarietll deU'educazione dei 'Volljurist': ai fine cioe, di evitare una prematura specializzazione e di creare, per cosi dire. un tipo unico di giurista" (L'educazione dei ,iurista e la rilorrM dell'unillersità. Milano, Giuffre, 1974, p. 21).

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zado, quer legislativo, quer doutrinário ou jurisprudencial deste campo, e assim, fatalmente, as questões ainda sofrem o impacto das soluções contraditórias, decorrentes da falta de maior ela­boração e certeza do próprio estágio do estudo jurídico-tributário.

Sem dúvida, ainda temos vivido debaixo de soluções empí­ricas e ocasionais, neste ramo do Direito.

e dever da doutrina jurídico-financeira e fiscal a elaboração unitária, sobretudo para possibilitar a melhoria técnica da legis­lação, como fornecer conceitos mais seguros para a correta inter­pretação e aplicação das leis que atuam no importante e extenso campo da atividade financeira e tributária do Poder Público.

A instituição, em nosso país, do ensino do Direito Finan­ceiro e especialmente Tributário foi, pois, da maior relevância. Veio atender a um verdadeiro estado de necessidade'e abre pers­pectivas para que se possam estudar e debater, com amplitude, a Reforma Tributária já implantada e especialmente o Código Tributário Nacional; a melhor estruturação da Justiça Fiscal; a reestruturação da Administração Tributária, inclusive dos crité­rios ou normas para o preparo dos agentes de fiscalização na melhor orientação aos contribuintes, como também o do impor­tante campo repres~ ivo e de combate, tanto às falhas da própria fiscalização, como ás dos contribuintes'.

Enfim, o ensino do Direito Financeiro e Tributário nas Faculdades de Dire; to de todo o Brasil há de repercutir de um

4. Nu conclusões de nossa tese de cátedra. escrita em 1964, demonstramos a necessidade da modificação de nossa legislação tributária no sentido da desburocra­tização. da abolição da participação dos fiscais nas multas e da criação de uma escola de instrução dos funcion4rios fiscais. Com satisfação vemos que estas sugestões foram todas sendo aceitas. Hoje, o Governo Federal está editando leis de desburocratização; o m. 196 da Emenda n. 1/69 aboliu a uindústria da multa" e foi criada a Escola Superior de Administração Fazendária - ESAF. Cf. o Cap. XV de nossa tese, publi· cada sob o titulo T~ria do lIlnçamtmlO IribullÚio, São Paulo. 1965, e reprodução eletrofotosutica. São Paulo, Resenha Tributária, p. 228-41.

Nota para esta edição: pelo art. 55 da Lei n. 7.713, de 22 de dezembro de 1988, foi reintroduzido o sistema de participaçio dos Fiscais nas multas, a nosso ver contra os princfpios e preceitos da Constituição de 1988. V. nossa publicação a partir da p. 2700 do v. 10 da coletlnea Direilo IribuI4rio aluai, São Paulo, IBDT /Resenha Tribut4ria, 1990.

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modo geral na melhoria da legislação federal, estadual e muni­cipal, não s6 porque irá difundir o conhecimento dos textos, mas sobretudo porque entrando no campo da interpretação irá fazer o estudo reflexivo e crítico desses mesmos textos, provo­cando as correções ou melhor elaboração da legislação e dos institutos jurídico-tributários ou financeiros em geral 5.

S. Relações entre a teoria e a prática. J: comum ouvir-se, em tom de reprovação, o advogado excessivamente prático dizer: aquele é um te6rico, ou este: aquele é apenas um prático.

Na verdade, o ideal está no equilíbrio.

O campo integral de atuação do jurista é sempre o das operações de conhecimento do fato e da norma; de interpretação e aplicação da norma ao fato; de elaboração da norma para regular o fato.

Traçando mesmo alguns critérios que não são todavia exaus­tivos, a legislação alemã referiu que na interpretação tributária deverão ser tomados em consideração o entendimento comum, a finalidade e o sentido econôrnico das leis tributárias, como o desenvolvimento das relações, tanto na apreciação da norma como dos elementos de fato (Ste"-Jeranpassungsgesetz, itens 2 e 3, § 1.0).

Realmente não é possível a dissociação entre norma e fato, como não o é entre teoria e prática.

5. Em estudo penetrante e experiente exposição dos problemas tributários dos Estados Unidos da América do Norte - Taxation in the Uniled S/ates - Randolph E. Paul. no último capítulo, sob O título The responsibilities of tax experts. concIama:

"Gostaria de acrescentar algumas palavras sobre as responsabilidades daqueles que estão melhor qualificados em razão de estudo e experiência no processo crítico da educação do cidadão que é tão essencial nestes tempos difíceis. Nestas responsa­bilidades estão incluídos os economistas, muitos advogados, todos os especialistas do Direito Tributário, um amplo grupo de pessoas de pensamento que estão equipadas em um ou outro sentido, por um conhecimento peculiar, do que deva ser feito para sanar as falhas existentes e o que pode ser feito para adaptar a legislação tributária e a política fiscal às exigências económicas do futuro. Estas qualificações especiais implicam responsabilidades que não podem ser desobrigadas omissivamente" (Ran­dolph E. Paul. Taxa/ion in lhe Uni/ed S/ales, Boston, Líttle, Brown, 1957, p. 771).

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A teoria e a prática não se excluem, pelo contrário, exigem colaboração recíproca na solução das questões jurídicas.

Como ressalta Ferrara "a teoria, operando com conceitos abstratos, com a força lógica, é capaz de extrair os princípios gerais da lei e de lhes dar o máximo desenvolvimento de expan­são. Este trabalho, porém, é feito pela prática, para que surta mais completa e perfeita a aplicação do direito. A jurisprudência deve, pois, olhar a doutrina, ter em conta os resultados dos seus estudos, pô-Ios à prova na aplicação.

Mas a teoria recebe quotidianamente da prática ensinamen­tos e sugestões.

A prática, posta em face de hipóteses reais e das necessi­dades da vida, sente primeiro a solução jurídica, ao passo que a doutrina, trabalhando com hipóteses teóricas, não tem esta percepção pronta da realidade. E na jurisprudência, portanto, que a teoria deve ir coJher a expressão das necessidades sociais que se fazem sentir e batem à porta dos Tribunais. Além disso a variedade inexaurível das questões práticas freqüentemente revela problemas novos, ou novos lados de problemas jurídicos e abre novos campo') de estudo à dogmática. Às vezes um caso jurídico mostra exp< rimentalmente que uma teoria é errada ou unilateral, e por isso desmorona ao contacto dos fatos o edifício fadigosamente levanado pelas abstrações dos teóricos".

6. Método de estudo do Direito Tributário nas Faculdades de Direito. Como se sabe, o estudo do Direito Tributário que deve ser feito nas Faculdades de Direito é mais amplo do que o sim­ples estudo da legislação tributária.

Enquanto o estudo da "Legislação", que é o título da disci­plina nas escolas de Contabilidade, de Administração e de Eco­nomia, compreende o contacto ou conhecimento dos textos vi­gentes, nas escolas de "Direito" o estudo não deve ser apenas da "Legislação", mas do "Direito", ou melhor, da "Ciência do Direito".

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o estudo chamado "juridico" ou do "Direito" requer no mínimo quatro aspectos científicos:

1.0) Perquirição e apreciação dos elementos de fato para apurar sua relevância jurídica e neste estudo temos o Direito como ciência de pesquisa e dilucidação da relação fática.

2.°) Exame e controle dos textos legais vigentes (heurís­tica jurídica) e neste sentido temos o Direito como ciência do conhecimento sistematizado.

3.°) Exegese dos textos conhecidos, inclusive por meio de comparações com textos anteriores ou de outros países, aplicando os métodos da hermenêutica juridica e neste sentido temos o estudo do Direito como ciência da interpretação, da integração e da aplicação.

4.°) Mas a Ciência do Direito não compreende apenas a pesquisa e dilucidação da relação fática, o conhecimento, a interpretação e a aplicação. Ela é ainda a ciência da elaboração da lei. O jurista não tem apenas a missão de conhecer e aplicar a lei, mas ainda de fazer juízos de valor, criticar, sugerir ou aconselhar a elaboração ou correção da legislação. Exatamente neste campo é que surge a doutrina como a mais fértil fonte indireta do Direito. Para elabowr os conceitos e mesmo as regras do Direito, o jurista precisa, mL1itas vezes, se apoiar em funda­mentos filosóficos, sociológicos, políticos, econômicos, jurídicos, éticos etc., sem perder de vista os resultados da prática e os requisitos da técnica.

Como respectivamente para sua matéria em qualquer ramo do Direito, no Direito Tributário vamos encontrar uma elabo­ração científica que presidiu ao aparecimento e configuração de cada tributo, de tal maneira que cada imposto, taxa ou con­tribuição, que é criado por meio de uma lei, é fruto de uma certa construção teórica. Por isso não é possível estudar-se conclusiva­mente a menor questão que decorre da aplicação de uma lei fiscal, sem o conhecimento pelo menos dos dados essenciais dessa mesma ciência, neste caso, do Direito Tributário.

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Sendo o Direito Tributário a disciplina da relação entre fisco e contribuinte, concernente à imposição, fiscalização e ar­recadação dos impostos, taxas e contribuições, para bem com­preender a natureza e efeitos de cada instituto jurídico-tributário não podemos deixar de partir do estudo teórico dentro dessa mesma disciplina.

Cada ramo do Direito surge pela necessidade de regular especificamente certos tipos de relações sociais e por isso forma um conjunto de princípios, de institutos e até de uma sistemática própria, toda ela girando precisamente em tomo dos aspectos substanciais, que distinguem certo tipo de relações, isto é, exata­mente sobre aquelas relações que, por serem realmente diferen­tes, específicas, exigiram também uma elaboração especial ou diferenciada.

Por tudo isso, o indivíduo que deve estudar um problema tributário, não pode deixar de descer com ele aos pormenores dessa mesma especialidade, dentro da qual deverá armar ou extrair a solução. -

Entretanto, como a própria elaboração teórica do direito - que é uma ciência eminentemente teleológica ou finalística -também está a serviço da prática ou aplicação, é preciso con­trastar as conclusõe; teóricas não só com as exigências de vida, mas também com li casuística dos tribunais administrativos e judiciários.

A jurisprudência, por sua vez, ao mesmo tempo que con­sultada, deve também ser contrastada com as soluções teóricas apreendidas ou encontradas na doutrina, para podermos escolher os elementos mais adequados e os argumentos mais convil'lcentes.

Neste ponto, realmente surge uma indagação.

Qual será o elemento mais adequado ou o argumento mais convincente?

Esta avaliação é sem dúvida subjetiva, porém é somente o estudo ou cultura mais a prática ou vivência da casuística e da problemática que, a nosso ver, podem produzir, em maior ou menor intensidade, essa habilitação profissional.

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Sendo as Faculdades de Direito institutos que visam à for­mação cultural e sobretudo profissional, entendemos nós que, ao lado da teoria, é preciso o debate e discussão de casos e problemas práticos.

Como desenvolver este método nas aulas? Em primeiro lugar. achamos conveniente que a programa­

ção da matéria seja composta de duas partes: a primeira deve ser a geral, consistente no estudo sistemático, de forma a expor num quadro completo o panorama do Direito Tributário, tra­çando seus princípios, institutos e sistema e a segunda parte, especial, deverá tratar dos tributos em espécie.

Na execução do programa deve primeiro ser empreendido o estudo sistemático, porque ele é o fundamental, o pressuposto para o estudo das espécies.

Além de pressuposto, o estudo da parte geral, como um exame de conjunto, deve expor os aspectos teóricos de forma a relacionar os princípios e portanto dando-lhes sistematização, ou melhor, mostrando que eles se aplicam a várias situações, o que facilita ao aluno a compreensão lógica e sintética.

O que é compree~dido pela mente também é com mais naturalidade por ela conservado e os conhecimentos fundamen­tais serão como um facho de 1m: a clarear o estudo das espécies.

Embora dentro da normati\ idade jurídica, isto é, do Direito, possamos encontrar os fatos ou situações já juridicizados, indi­vidualizados ou qualificados, cada um e de per si como "fato jurídico", "fato gerador", "tipo" ou "modelo", eles são tantos e tão diferenciados entre si que essa variedade e quantidade toma difícil à mente humana compreender e memorizar todos e cada um. Entretanto, a função prática ou humana da teoria é exatamente reunir, classificar ou sistematizar os aspectos comuns ou fundamentais, criando os princípios que são as "proposições diretoras, características, às quais todo o desenvolvimento se­guinte deve estar subordinado".

Por isso mesmo, falando no campo jurídico, já salientara o Prof. Gerland que .. a memória retém com dificuldade o que é acidental; por outro lado, o intelecto desenvolve dia a dia o

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logicamente necessário, como conseqüência evidente por si mes­ma, de um princípio superior. A abstração sistemática é a lógica da ciência do Direito. Ninguém pode tomar-se efetivo senhor de disposições particulares sem primeiro haver compreendido a mi­límoda variedade do assunto principal na singeleza de idéias e conceitos da maior amplitude; ou, por outras palavras, na simples unidade sistemática".

Dentro desses pressupostos, o próprio estudo da teoria geral por essa forma sistemática deverá também s(;r desenvolvido com a indicação das suas repercussões sobre casos e problemas prá­ticos, para suscitar não só a melhor compreensão do aluno, mas a sua motivação e sobretudo provocar o raciocínio próprio. Naturalmente este poderá ser de aceitação consciente ou de ajuizamento diverso. a que é fundamental é despertar a capa­cidade intelectiva própria e não a automatização. a aluno pre­cisa participar estudiosamente das aulas, sem o que não será um estudante.

Para que o aluno possa partIcIpar ativamente da aula é imprescindível que, da mesma fonna que o professor prepara a aula, o aluno também se prepare antecipadamente. Para isto é necessário que o ryrofessor indique com antecedência qual o assunto da próxima aula e o aluno também faça sua pesquisa e estudo desenvolveltdo seu próprio raciocínio e fique em con­dição de participar dos debates que o professor vai promovendo em classe. B o método socrático, com a utilização da maiêutka, tão empregada por Platão no diálogo - especialmente no Menon - por meio do qual pode extrair do raciocínio do aluno idéias que ele não sabia possuir.

a que mais se deseja obter é a conscientização do aluno e sua máxima auto-realização ' ..

6. Eis aqui a ver tagem e necessidade de haver um livro didático COrTeSpon­dente ao programa, em vez do arcaico sistema de apostilas que geralmente saem às vésperas dos exames. Embora o professor esclareça ou mesmo amplie o conteúdo do livro didático, este é um guia antecipado para o preparo do aluno ao melhor acompanhamento das aulas e orientação da pesquisa que este também deve fazer.

Esta preparação e pesquisa é que mais desenvolve e capacita o raciocínio do aluno que SÓ assim pode contribuir para a melhoria da aula dialogada-

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No exame da segunda parte do programa, que compreende os tributos em espécie, aumenta a freqüência da possibilidade do estudo conjugado, da teoria e da prática, pois o número de casos e problemas específicos é então muito maior e os alunos também já dispõem de maior conhecimento, não só da teoria, como da técnica tributária.

A nosso ver, considerando que o sistema jurídico brasileiro é de direito codificado, este método representa a soma, ou melhor, o equilíbrio entre o text system em que o professor apenas faz preleções teóricas, sem ilustração nem discussão prática e o case and problem system em que desde o início até o fim o professor somente examina casos e problemas práticos, deixando muito aluno perplexo por certo tempo, até que apreenda e compreenda os princípios, em conjuminando os casos e problemas.

O Direito Tributário é, sem dúvida, um dos ramos de maior casuística e problemática e ele está no Brasil sob um "Sistema" constitucionalmente estruturado e com suas normas gerais tam­bém codificadas. Parece-nos, pois, exigir um estudo conjugada­mente sistemático e -casuístico, para ser mais facilmente apreen­dido e compreendido.

Eis porque, somente depois de terminado o estudo de cada capítulo ou deste livro é que ooderemos passar para o sistema de casos e problemas, indicad) no último capítulo.

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Capítulo III

INICIO DA DOGMA TICA

7. O Direito Tributário.

8. Autonomia e posição do Direito Tributário.

9. Sistema tributário na Constituição.

7. O Direito Tributária. Como vimos, para atingir sua finali­dade de promover o bem comum, o Estado exerce funções para cujo custeio precisa de recursos financeiros ou receitas.

As receitas do Estado provêm de atividades econômico-pri­vadas dos entes púhlicos, de monopólios, de empréstimos. e principalmente da im Josição tributária (fiscal, parafiscal e extra­fiscal).

O direito de tri lutar do Estado decorre do seu poder de império pelo qual pc,de fazer "derivar" para seus cofres uma parcela do patrimônio das pessoas sujeitas à sua jurisdição e que são chamadas "receitas derivadas" ou tributos. divididos em impostos, taxas e contribuições.

Tanto o Estado, ao "exigir". como a pessoa sob sua juris­dição, ao "contribuir", devem obedecer a determinadas normas, cujo conjunto constitui o "Direito Tributário", também chamado .. Direito Fiscal" 1.

I. A nosso ver é preferível o apelativo "Direito Tributário" porque indica com mais precisão 8 disciplina (Direito) e seu conteúdo (tributos) - nomina sunl conse­quenlia rerum (Dante Alighieri. Vila nuova).

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o Direito Tributário cria e disciplina assim relações jurí­dicas entre o Estado na sua qualidade de fisco e as pessoas que juridicamente estão a ele sujeitas e se denominam contribuintes ou responsáveis.

Se para obter esses meios o fisco efetuasse arrecadações arbitrárias de bens junto às pessoas, escolhidas ao acaso, não se poderia falar de um Direito Tributário.

A característica de uma imposição sob os princípios do Estado de Direito está exatamente na disciplina da relação tri­butária por meio da norma jurídica.

A lei outorga ao Estado a pretensão ou direito de exigir de quem está submetido à norma, uma prestação pecuniária que chamamos de tributo, resultante do poder de tributar.

O Direito Tributário é assim um direito de levantamento pecuniário entre os jurisdicionados, porém, disciplinado sobre a base dos princípios do Estado de Direito.

Para maior facilidade didática podemos assim resumir: o Direito Tributário é a disciplina da relação entre fisco e contri­buinte, resultante da imposição, arrecadação e fiscalização dos impostos, taxas e contribuições.

No latim. /iscus era o apelativo d( um paneiro de pôr dinheiro. um cesto de junco ou vime. com asas e que. segund) Juvenal. era sinônimo de tesouro do prín­cipe ou bolsinho imperial.

Embora a palavra "fisco" corresponda hoje ao sujeito ativo da relação jurídico­tributária. vê-se que. historicamente. liscus. em contraposição ao tesouro público (Aerarium popu/i romani). era o tesouro privado do imperador. donde veio a palavra "confisco" (cr. Taxation. in Encyclopaedia 01 Social Sciences. dirigida por Seligman. New York. 1948).

Além disso a expressão "Direito Fiscal". embora corrente. tem levado muitos a entenderem restritivamente Que "Direito Fiscal" seria apenas a disciplina das nonnas de fiscalização. como também. num sentido amplo. outros compreendem como Direito Fiscal toda a disciplina jurídica do campo financeiro. tomando-a como sinônimo de Direito Financeiro.

Se em português usamos Direito Tributário e Direito Fiscal. como no espanhol Derecho Tributario e Derecho Fiscal. e no inglês Tax LAw e Fiscal LAw. já em italiano é apenas empregada a expressão Dirillo Tributario. Também em francês apenas se emprega a expressão Droit Fiscal.

Os alemães. com seu maior rigor vocabular. empregam Steuerrecltt cuja tradução exata é Direito do Imposto ou Direito Impositivo; Gebührenrecht para o Direito das Taxas ou Direito de Taxar. e para abranger impostos. taxas e contribuições Abga­berecht. que é Direito Tributário. e Finanzrecht paro o Direito Financeiro.

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8. Autonomia e poslçao do Direito Tributário. Foi especial­mente depois da I Guerra Mundial que o Direito Tributário veio alcançar a situação de ramo jurídico autônomo, pelo conteúdo e pela forma, que hoje incontestavelmente possui.

A grande elaboração jurídico-sistemática coube sobretudo aos escritores alemães e para isso também foi relevante a insti­tuição da Corte Fiscal do Império (Reichsfinanzhof) que, como órgão altamente especializado, tem produzido grande trabalho jurisprudencial (hoje Corte Fiscal Federal - Bundesfinanzhof).

Ainda muito importante foi a promulgação naquele país do famoso Código Tributário que é, sem dúvida, no gênero, o mais completo diploma tributário e que vem influindo nas codi­ficações de outros países %.

Uma nova codificação foi realizada na República Federal da Alemanha, conforme publicação oficial (Bundessteurblatt de 3-4-1976), que entrou e!J1 vigor dia 1.0 de janeiro de 1977. sob o título de Abgabenardnung (AO 1977). Com a colaboração de colegas do IBDT, fizemos a tradução para o português da AO 1977',

Atualmente a ci ~ncia jurídica tributária chegou a tal ponto que já surgiram inúJ rteras obras sobre a evolução dos sistemas tributários, em diferentes países, trabalhos de comparação, inclu­sive feitos por órgãm internacionais como a Internationa/ Fiscal Associatian, com sede em Haia, e mesmo a ONU tem publicado trabalhos especialmente no campo dos tratados e dos acordos fiscais internacionais.

2. Reich5abgabenordnung - (Ordenação Tributária do Império) - elaborada sob projeto de Enno Becker. ao tempo da democrática Constituição de Weimar. Esta ordenação encontra-se traduzida em francês. no Bu/lelin de Statislique el de Législa· lion Comparée. Paris. 1934. t. 115. Dentre os melhores comentários recentes em lín­gua alemã e atualizado pclo sistema dc Colhas substituíveis. destaca·se o Kommentar %ur Abgabenordnung und den Nebengesel:en. em ó volumes. dc Hübsehmann-Hcpp­Spitaler. 6. cd .. Schmidt. Koln. No Brasil esse Código Coi traduzido pelo Prof. Souza Diniz (cujo prefácio tivemos a honra de escrever) c publicado por Edições Finan­ceiras S. A .• Rio de Janeiro. 1965. sob o titulo: Códigos Tributários - alemão. mexi­cano e brasileiro.

3. Vide Novo C6digo Tribul6rio alemão. Rio-São Paulo, Forense-IBDT /USP. 1978. com notas e índices sistcmático e analítico (alfabético-remissivo).

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A Organização dos Estados Americanos, pelo Programa Conjunto OEA/BID, elaborou um Modelo de Código Tributá­rio e fez a análise comparativa entre o Modelo e os Códigos vigentes nos países membros da ALALC (Códigos Tributários da Argentina, Brasil, Chile, Equador. México e Peru), contri­buindo assim para a maior facilidade de estudo do Direito Tribu­tário Comparado'.

Ao findar 1972, com a colaboração de oitenta e seis dos mais eminentes juristas especializados da República Federal da Alemanha. sob a inspiração do Min. e Prof. Wilhelm Hartz, foi publicado em dois volumes, tamanho enciclopédia, com 1.390 páginas e 1.500 verbetes, como pioneiro pela sua extensão no gênero e profundidade, um Dicionário do Direito Tributário e das Ciências Fiscais (Handworterbuch das Steuerrechts und der Steuerwissenschaften) em Munique e Bonn, pela Editora Beck e Instituto Científico dos Tributaristas.

Esta obra, da mais alta elaboração, constitui um precioso avanço nos estudos tributários e excelente repositório do Direito Tributário germânico e imp.0rtante para os que, fora da Ale­manha, necessitem se infonnar no Direito Tributário comparado a.

E evidente que em qualquer elaboração científica do Direito Tributário não se podem perder de vista as relações que este ramo mantém com outros ramo~ do Direito ou com ciências afins.

E preciso não esquecer que estamos falando do Direito Tributário como um ramo autônomo, sem esquecer sua posição, integrado na unidade do Direito.

O Direito Tributário é a parte mais desenvolvida e desta­cada do Direito Financeiro.

Toda atividade financeira do Estado, quando reduzida à categoria jurídica ou submetida à metodologia da Ciência Jurí-

4. Por honrosa incumbência da Organização dos Estados Americanos, fizemos a tradução desse trabalho comparativo e o publicamos no livro Direito tributário com­parado, Saraiva. 1971.

5. V. Ruy Barbosa Nogueira, Apresentação do Dicionário Expositivo do Direito Tributário e das Ciências Fiscais. Revista da Faculdade de Direito,' 1972:37 e 8.,

1972, publicação da cadeira de Direito Tributário Comparado da Faculdade de Direito da USP.

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dica, assume o aspecto de Direito Financei.o: é uma ciéncia jurídica.

O Direito Fillanceiro a'orange tuelo quanto '.1a vi.da fir.an­ceira do Estad) seja suscetível de consK,eração jurídica. O Direito Financeiro é, t-ois, o ordenamento jurídico total das ativirlades financeiras do Estado, as quais compreendem a receita, .1 despesa, o orçamento e o crédito públicos. O Direito Tributário é capítulo destacado do Direito Financeiro e s~ refere àquela parte da receita que diz respeito ao fenômeno jurídico ua relação entre tesouro público e contribuinte.

Como muito bem acentuou Pugliese "o Direito Tributário constitui a parte mais importante do Direito Financeiro, por ter como objeto o estudo de todas as relações jurídicas ativas e pas­sivas que dimanam do fenômeno da tributação, com o qual se ligam interesses essenciais do Estado e dos cidadãos" g.

No campo da ciência jurídica, como aliás em todos os domí­nios científicos, tem-se verificado uma contínua fonnação de novas disciplinas, verdadeiras especializações, ora por motivo de ordem puramente didática, ora por motivo de ordem científica.

Autonomia didática

A separação por motivo puramente didático não pode ser considerada verdadeira autonomia, porque ela não é feita em razão de princípios específicos.

Assim, por exemplo, a divisão do Direito Civil' em direito de família, direito das coisas, direito das obrigaçóes, direito das sucessões é feita apenas por motivo prático. metodológico ou didático, pois são todos eles regidos pelos princípios de Direito Civil.

Cientificamente autônomo é o Direito Civil. O direito de fanu1ia, o direito das coisas, o direito das obrigações e o direito

6. Mario Pugliese. Instituciones de derecho /inanciero; derccho tributario, trad. Jo~ Silva, México. Fondo de Cultura Económica. 1939, p. 18.

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das sucessões são divisões metodológicas ou didáticas dentro do Direito Civil.

Autonomia científica

Toda vez que uma parte do Direito passa a ser estudada autonomamente, por necessidade científica, por diferenciação de princípios, é que podemos realmente falar de um ramo novo, porque existe u'a matéria a ser estudada por métodos próprios, constituindo então um sistema de normas jurídicas regidas por princípios diferentes dos princípios que regulam outros ramos jurídicos.

Este é o caso do Direito Constitucional como é o caso do Direito Administrativo; do Direito Financeiro; do Direito Tribu­tário; do Direito Penal; do Direito Processual; do Direito Civil; do Direito do Trabalho etc.

Todos eles têm um certo número de princípios específicos, só aplicáveis dentro de cada ramo, de tal forma que a aplicação de um princípio específico de um ramo, dentro de outro, condu­ziria a soluções errôneas.

Nesta mesma ordem de idéias, temos que o Direito Finan­ceiro, por ter princípios específicos, constitui um ramo jurídico cientificamente autônomo, porque se destacou do Direito Admi­nistrativo pela especificidade de regular a atividade financeira do Estado, naturalmente mantendo com aquela relações estreitas como de gênero para espécie. Este é o mesmo caso do Direito Tributário em relação ao Direito Financeiro pois deste foi desta­cada a importante parte da receita no que tange às relações jurí­dicas entre fisco e contribuinte e esta parte passou a ser disci­plinada por este:! ramo especial, denominado Direito Tributário.

Observe-se que a separação do Direito em ramos não cor­responde à distinção entre ciências, mas à de ramos de uma mesma Ciência. Ramos do Direito correspundem a uma especi­ficação ou subdivisão dentro da própria Ciência do Direito, para

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melhor elaboração e compreensão das normas que devem regular relações fáticas especiais, por formas jurídicas também especiais.

Como já vimos, muitas vezes a mesma relação fática com­porta regulatividade diferenciada por mais de um ramo. Assim, por exemplo, a propriedade é disciplinada pelo Direito Consti­tucional do ponto de vista de limitações e garantias político­sociais, de garantias individuais dos cidadãos; pelo Direito Civil do ponto de vista dos direitos e obrigações de ordem privada concernentes às pessoas. aos bens e suas relações e pelo Direito Tributário. para os fins da tributação juridicizada.

Um aspecto bastante típico do Direito Tributário e que dele tem exigido constantes alterações, especialmente legislativas. está no fato de incidir sobre relações econômicas em constantes trans­formações.

Como já assinalara Adolf Wagner. "qualquer variação do sistema econômico ocasiona de ordinário uma variação na forma da tributação" e a economia do mundo atual, estando sob inces­santes variações, vem exigindo conseqüentes reformulações tri­butárias.

Tal é o volume da tributação e a natureza específica das leis fiscais. que hoje SI ~ fala até no estágio do Estado Tributário. Para poder ordenar a vasta problemática tributária, estamos vendo a elaboração de princípios constitucionais tributários, nor­mas gerais de Direito Tributário, institutos jurídico-tributários, enfim sistemas tributá'·ios.

A chamada de atenção para esta autonomia relativa ou apenas como ramo do Direito é relevante não só para advertir que nenhum ramo se aparta da unidade da Ciência do Direito - unidade esta demonstrada pela Teoria Geral e sobretudo pela Filosofia do Direito - mas também para que o estudante tenha sempre presente que esta subdivisão, quando decorre da natureza diversa das relações fálicas que cabe a cada ramo estudar e disci­plinar por normas adequadas. saiba apurar os respectivos fatos e normas específicas. para não incidir no erro de aplicar normas, conceitos, princípios ou sistemas de um ramo em outro, em des-

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.;onfonnidade com a natureza das coisas (dos fatos) e com des­respeito à nonnatividade específica.

Objeto próprio, princípios especiais e autonomia científica

Se uma série de relações sociais com características fáticas comuns, para ser adequadamente regulada, exige nonnas apro­priadas a esse objetivo, é porque a natureza comum desses fatos requer uma normatividade especial. A comunidade desses fatos e a comunidade dessas normas especiais que os hão de regular compõem, por isso mesmo, ramos ou especializações da Ciência do Direito.

Foi precisamente tudo isto que determinou a fonnação do Direito Tributário. Se o Direito foi necessitando disciplinar dentro do ambiente social uma série acomunada de situações fáticas, indicativas de capacidade contributiva, não podia fazê-lo suficientemente apenas por meio de seus princípios gerais.

O Direito foi também elaborando princípios especiais, ade­quados e funcionais para esta tipologia. isto é. para regular a série dos fatos tributáveis. Daí a especificidade e autonomia científica do Direito Tributário. Em outras palavras: o Direito Tributário tem por objeto um estudo especial precisamente por­que lhe cabe a função de tributar especificamente as relações fático-econômicas indicativas de capacidade contributiva.

O problema da autonomia do Direito Tributário foi bas­tante discutido em vários países, notadamente na Áustria e Ale­manha, e é assunto superado. A discussão na França foi muito divulgada e conhecida no Brasil. devido a traduções aqui publi­cadas T.

A evolução científica do Direito Tributário foi tão rápida que essa discussão é hoje matéria pacífica. A problemática fiscal é tão intensa e extensa na vida atual que vem exigindo não apenas

7. V. François GEny, O particularismo do direito fiscal. RDA. 20:6/31. e Louis Trotabas. Ensaio sobre o direito fiscal. RDA, 26:34/59.

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um tratamento especial, mas uma vasta doutrina, legislação e jurisprudência específicas.

9. Sistema tributário na Constituição. Que significa sistema tributário?

Schmolders adverte que a simples justaposição dos tributos vigentes em um país não compõe por si só um conjunto ordenado e lógico, isto é, um "sistema tributário".

O conceito de sistema tributário exige certa coordenação dos diferentes tributos entre si, com o sistema econômico domi­nante e com os fins fiscais e extrafiscais da imposição.

Esta coordenação pode ser obra da ação deliberada do legislador ou resultado da evolução histórica. No primeiro caso. o sistema tributário se chama racional, político ou teórico e no segundo, histórico 8.

O sistema tributário do Brasil era fruto de evolução histó­rica, mas foi objeto de teorização ou racionalização. realizada com a reforma tributá"ia feita pela Emenda Constitucional n. 18. de 1965, que com oU! ras alterações foi inserida na Constituição de 1967 e ampliada la atuaI.

A idéia de racio[alização foi mesmo visada pelo legislador da Emenda n. 18, que esclareceu: " ... a Comissão procurou su­bordinar seus trabalhes a duas premissas que adotou como fun­damentais. A primeira delas é a consolidação dos impostos de idênticas naturezas em figuras unitárias, definidas por via de re­ferência às suas bases econômicas. antes que a uma das modali­dades jurídicas que pudessem revestir. A segunda premissa é a concepção do sistema tributário como integrado no plano econô­mico e jurídico nacional, em substituição ao critério atual e his-

8. Günler Schmoldcrs. Teoria general dei impueslo. Irad. de Martin Marino da 3. cd. de 1958. Madrid. Editorial de Derecho Financiero. 1962. § 27. Conccpto de "Sistema Tributario". No original, AIIRemeine Sleucrlellre. 4. cd .. Bcrlin. Duncker & Humblot. 1965. p. 209. § 28.

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tórico, de origem essencialmente política, da coexistência de três sistemas tributários autônomos, federal, estadual e municipal" p.

Porém, a maior novidade introduzida pela Emenda n. 18, de 1965, foi ter elevado as disposições básicas do Sistema Tri­butário Nacional ao nível constitucional, inspirada na legislação alemã. Neste sentido, veio criar maior instrumentalidade para impedir conflitos de tributação dentro da Federação e tomou mais efetivo o controle de constitucionalidade e legalidade pelo Poder Judiciário. Na introdução do grande Dicionário do Direito Tri­butário e das Ciências Fiscais da Alemanha, precisamente esta mesma colocação e relevância estão assim ressaltadas: "na Repú­blica Federal estruturada dentro do sistema federativo, a legisla­ção na criação das leis financeiras e tributárias é vinculada à ordem constitucional expressa na Lei Fundamental, especialmente às garantias individuais dos cidadãos. Os tribunais, principalmen­te a Corte Constitucional Federal, têm a atribuição de examinar se a legislação observou os seus limites constitucionais. Esta novi­dade da Constituição Federal é inestimável pela sua importância na estruturação e desenvolvimento do Direito Tributário moder­no". No Capítulo sobre o Direito Constitucional Tributário vere­mos como essa colocação não só veio reconhecer a grande impor­tância do Direito Tributário como ramo autônomo, mas também dar maior precisão, segurança e respeito às suas normas básicas, agora mais ampliadas pela Constituição de 1988, como se vê, especialmente, dos arts. 145 a 162, sob o título "Do Sistema Tri­butário Nacional".

Portanto, além das disposições do Capítulo denominado "Do sistema tributário", de vários outros dispositivos expressos sobre tributação contidos na Constituição e de princípios constitucio­nais implícitos, a própria Constituição previu a sistematização por meio de legislação complementar, que mais adiante veremos no CTN e suas alterações.

9. Primeiro Relatório da Comissão. publicado pela Fundação Getúlio Vargas. Comissão de Reforma do Ministério da Fazenda. Reforma tributária nacional, Rio de Janeiro, v. 17, p. 30.

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Se em nosso país temos um "sistema tributário" normativa­mente estruturado, em primeiro lugar deveremos procurar equa­cionar e resolver as questões dentro dessa estrutura sistematizada de direito positivo.

Como dissemos, o Direito Tributário tem "princípios" pró­prios.

Que são princípios?

Princípios são o "conjunto das proposições diretoras, carac­terísticas, às quais todo o desenvolvimento seguinte deve estar subordinado" .

Dentre os vários princípios tributários erigidos em norma pela Constituição, podemos ressaltar os expressos nos arts. 150 a 152 e outros que veremos mais particularizadamente.

O Direito Tributário tem ainda institutos jurídicos próprios.

Que é instituto jurídico?

As disposições do direito objetivo nada mais são que coman­dos. ordenações normativas, visando regular relações de fato.

Acontece que, às vezes, uma dada situação ou relação de fato exige várias disp< .sições legais para poder ser integralmente regulada. Embora essas disposições possam estar esparsas em vá­rias leis ou regulamentos, elas guardam afinidade, se entrelaçam e se completam no escopo comum de regular o mesmo objeto material.

São exatamente as normas girando em tomo da mesma rela­ção fática, ou melhor, visando a regular as mesmas relações hu­manas, que formam um todo lógico, denominado instituto jurídico.

Portanto, instituto jurídico é a disciplina integral da mesma relação de fato, pelas normas objetivas do Direito.

Dentre os vários institutos de Direito Tributário podemos citar como exemplos o do estatuto do contribuinte, o da relação jurídica tributária, o da personalidade tributária (fisco, contri­buinte, responsável). o do lançamento, o da consulta fiscal, o da solidariedade fiscal. o da declaração fiscal. o da execução fis-

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cal etc., todos eles com características próJ')rias e regidos por prin" cípios diferentes dos princípios dos demais ramos do Direito. Não poderiam, por exemplo, ser estudados do ponto de vista do Di­reito Civil, nem poderiam ser aplicadas a esses institutos as regras específicas do Direito Civil.

Portanto, possuindo um corpo próJ. rio de regras orientadas por vários princípios específicos e institutos próprios, constitui o Direito Tributário, científica e metodologicamente, um ramo ju­rídico autônomo.

Esta questão da autonomia, como já salientamos, não deve ser entendida de modo extremado; a autonomia é no sentido de ramo autônomo. O Direito é uno na generalidade. O que é ne­cessário ressaltar, e é relevante na prática, é que o Direito Tribu­tário tem muitos princípios e institutos próprios, não devendo o jurista procurar resolver as questões tributárias por princípios ou institutos de outros ramos., inadequados à natureza e finalidade do Direito Tributário.

E. preciso não se confundirem as hipóteses em que o Direito Tributário se serve de categorias ou institutos pertencentes a outros ramos do Direito apenas como suporte da incidência ou momento para a tributação (esses casos serão estudados adiante, quando tratarmos das relações do Dire "to Tributário com os demais ramos jurídicos), porque aí não significa que desapareça a autonomia do Direito Tributário. Neste caso o que ocorre é apenas um rela­cionamento dele com os outros ramos: há hipóteses em que ele apenas atinge atos ou institutos de outros ramos do Direito como atos tributáveis (fatos imponíveis) sem se confundir com outros ramos, da mesma forma que ao atingir u'a mercadoria, um bem material, uma riqueza, não estará se confundindo com a Econo­mia, mas apenas entrando em relação com essa outra ciência.

Há hipóteses em que o Direito Tributário apenas e tão-só se utiliza de categorias de outros ramos como veículo de tributa­ção (exemplos: compra e venda, doação etc.), a elas se referindo pelo nomen iuris e portanto tal como já vêm configuradas em seu próprio ramo.

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Ainda há hipóteses em que, aplicando princípios específicos e dentro das limitações constitucionais, chega a alterá-las para sua finalidade tributante.

Na primeira hipótese ocorrerá mera relação; na segunda ele estará modificando aquelas categorias para seus fins e neste caso afinnando a sua autonomia. Em outro ponto ainda veremos a elaboração de categorias próprias por exclusivas normas tribu­tárias.

No primeiro caso ocorrerá mera receptividade pelo Direito Tributário de institutos já configurados nos outros ramos, no se­gundo caso, apenas alterações ou adaptações de categorias de outros ramos para os fins da tributação e, no último, a modelação de institutos segundo a feição ou necessidade do Direito Tribu­tário.

A aceitação de categorias de outros ramos ou simples alte­rações não quer dizer que o Direito Tributário não seja autônomo, pois, como vimos, não há necessidade de que todos os princípios ou institutos sejam próprios. Bastará um certo número. Nenhum ramo do Direito (por isso mesmo são ramos) se utiliza somente de categorias e princípios próprios e já vimos até que há princí­pios jurídicos gerais aplicáveis indistintamente a todos os ramos jurídicos - são os F rincípios Gerais do Direito 10.

10. Por ocasião das Primeiras Jornadas lAtino-Americanas de Direito Tributário, realizadas em Montevidéo em 1956, foram aprovadas ns seguintes recomendações em relação à autonomia do Direito Tributário:

I.·) O Direito Tributário tem autonomia dentro da unidade geral do Direito, porquanto se rege por princípios próprios e possui institutos, conceitos e objetos também próprios.

2.') Por conseguinte a norma tributária deve precisar seus conceitos próprios, assinalando os elementos de fato contidos nelas; e, quando utilize os de outras disci· plinas, devc precisar o alcance que atribua nos mesmos.

3.') As normas jurídicas tributárias substantivas, formais e processuais devem ser agrupadas sistematizadamente em corpos jurfdicos orgânicos ... (V. Revista de Derecho Financiero y de Hacienda Pública, Madrid. Editorial de Derecho Financiero, 1956, p, 759.)

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Capítulo IV

TRIDIMENSIONALIDADE E FONTES DO DIREITO TRIBUT ARIO

tO. A interligação fato-norma-valor na composição jurídica e as fontes do Direito Tributário.

II. Fontes reais: os pressupostos de fato da tribu­tação.

12. Pontes formais: o Direito Tributário Positivo (substantivo e adjetivo).

10. A interligação fc.to-norma-valor na composição jurídica e as fontes do Direito Tributário. Ao tratarmos do estudo jurídico­tributário nas Faculdades de Direito, observamos que em várias outras escolas profissionalizantes é estudada a "legislação tribu­tária" como matéria complementar, pela necessidade prática de conhecimento das disposições normativas vigentes, correlaciona­das com as matérias objeto de estudo desses outros profissionais.

Porém, a formação do jurista exige não apenas conhecimen­tos práticos, atuais, mas sobretudo o estudo e aprendizado do Direito como ciência. Ciência no sentido de um método de con­vicções fundamentadas nas melhores evidências ou provas dispo­níveis 1. O jurista não tem apenas de estudar a legislação vigente

t. cc. Science is o method of bosing beliefs of the best available evidenee. Encyclopaedia 01 lhe Social Sciences. New York. MacMillan. 1948. verbete Method scientific.

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de seu país, mas muitas vezes a passada e a comparada, no tempo e no espaço. Tem que estudar a doutrina e a jurisprudência, adqui­rir cultura jurídica, sem o que não terá habilidade para investigar ou apreciar a relação fática, conhecer o conteúdo das normas, interpretá-Ias, integrá-Ias e aplicá-Ias ou ser capaz de elaborar a lei 2.

(Norma)

No sentido jurídico, que significa a palavra lei?

"Lei vem de ligar, porque obriga a agir" 3.

Se a lei é liame, ligação ou vínculo, qual o antecedente e o conseqüente?

O antecedente é o fato ou relação fática concreta a que a lei se reporta ou descreve e o conseqüente o efeito que a lei atribui à ocorrência fática. A lei, portanto, transforma para seus fins, o fato ou relação fática, em fato jurídico (gerador) ou relação jurí­dica. As disposições da lei, que assim criam categorias jurídicas, são normas categoriais, criadoras do direito substantivo, constitu­tivas de direitos e obrigações.

Vamos dar um exemplo s mplificado da lei tributária, para esclarecer a técnica legislativa. Imaginemos que uma lei muni­cipal disponha:

Art. [ ... ] Fica sujeita a 1 % sobre o valor venal a transmissão onerosa da propriedade. .. como defini­da na lei civil.

§ [ ... ] Contribuinte do imposto é o adquirente.

2. "A Ciência não importa discutir a natureza última dos conceitos ou postu­lados de que parte, mas importa a construção de teorias e sistemas operacionais. Nesse sentido, desde que não se perca a noção de relatividade e funcionalidade dos tennos empregados nada impede, antes, por muitos motivos, se justifica, o. uso de conceitos como o de habilidade, que parece atender hoje melhor às necessidades práticas do que o superado conceito de inteligência". Renato Di Dio, A estrutura da inteligência, São Paulo, Estudos e Documentos, 1975, v. 11. p. 257.

3. Dicitur enim lex a ligando, quia obligal ad agendum (Santo Tomás de Aquino, Summa, v. 9, Das leis, trad. Alexandre Correia, Odeon, 1936, p. 6).

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o antecedente é o fato transmissão onerosa e a conseqüên­cia é que, tendo esta ocorrido, o adquirente fica obrigado a pagar ao Município uma determinada quantia. A lei utilizou aquela re­lação fática para compor uma relação jurídico-tributária e assim criar direitos e obrigações de ordem fiscal.

Observem ainda que aquele mesmo fato também está dis­ciplinado pelo Direito Civil, configurando direitos e obrigações entre as partes contratantes. Já a lei tributária tomou o mesmo fato, porém sob o prisma fiscal. Donde se vê que uma relação fática pode muitas vezes ser regulada, ao mesmo tempo, por diferentes ramos jurídicos para produzir, dentro de cada um, os efeitos que lhe são próprios.

Neste capítulo, o que nos interessa é ressaltar a importância dos elementos fáticos e normativos (fontes materiais e formais) que devem ser valorados pela mente jurídica. O fato despido de relevância jurídica ou a nonna que descreva fato inexistível não têm nenhuma possibilidáde de valoração ou de conteúdo jurídi­co, não podem compor o Direito.

Quando se diz que o Direito é tridimensional, quer-se escla­recer que o jurídico se compõe de fato-nonna-valor, indissocia­velmente: valor corre 3ponde à demonstração da ligação, vínculo, "tensão" ou subjunçãJ da nonna ao fato ou subsunção do fato à norma '. A adequaçãe recíproca tem de ser exata, sem o que não pode haver efeito ou ,;onseqüência jurídica.

Cumpre ressaltar que, como estamos no campo de uma ciên­cia social, esta exatidão não é nem pode ser de natureza fonnal

4. Subsumir. Na doutrina de Kant considerar um individuo como compreendido numa espécie, um fato como submetido à aplicação de uma lei, uma idéia como de· pendente de uma idéia geral. No latim subsumere (tomar). No alemão Subsumieren, Un/erordnen. No inglês /0 subsume. Vide Vocabulaire de la philosophie de Lalande e Dicionário Caldas Aulete.

Para um exame mais aprofundado, veja-se o resumo feito pelo nosso saudoso Mestre Tul\io Ascarelli, quanto à naturezn do ato de raciocínio do juiz. Enquanto Calamandrei e outros O integram no esquema do silogismo, Calogero, como Beui demonstram que é ato de "subsunção" (em italiano sussun;;ione). Trabalho publi­cado cm francês, Dialectica, Revue ["terna/ionale de Philosophie de la Connaissance, Neuchátel, 1961. v. 16, n. 3/4, p. 453. Este volume é inteiramente dedicado ao estudo: O fato e o direito (te foi/ et le dToit).

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matemática e por isso mesmo ela se expressa pelo termo filosófi­co-jurídico valor, que bem sintetiza a busca da verdade, do bem jurídico, enfim, da Justiça.

A Lei deve ser a linha de prumo ou caminho reta do Direito na direção da Justiça. A Lei, o Direito e a Justiça são concepções da razão e do sentimento humanos".

Com esse desideratum, o Direito é elaborado dentro de uma ordem ou sistema racional hierarquizado (Stufenbau des Rechtsordnung), constituindo uma estrutura ou legalidade; mas como seu escopo último é a Justiça, segundo o grande jusfilósofo Engisch, "a lógica jurídica é uma lógica filosófica e não uma técnica" 0. Em outros termos e influenciado pela sua grande práti­ca judicante no sistema casuístico norte-americano, disse o Justice Oliver Holmes que "a vida do direito não tem sido lógica: tem sido experiência" 7.

A lei é sem dúvida instrumento primordial de elaboração do Direito, mas para alcançar a justiça, tanto na elaboração do Direito, como na sua interpretação e aplicação, é preciso entrar em linha de conta o trabalho racional, a lógica filosófica, quer na perquirição dos elementos de fato, como de direito, pois a ligação entre esses elementos precisa ser adequada. Uma vez elaborada a lei, seja ela SUSCf tível de demonstração.

Para mais fácil compreensão e para ficar bem ressaltada a relevância dos elementos de fato e de direito que devem ser va­lorados pelo jurista legislador e possam ser valorados pelo intér­prete e aplicador do Direito, passaremos a estudar, de per si, os

5. o insuperável gênio jurídico dos romanos já nos legou estas idéias funda-mentais de 'ustiça, Direito e Ciência do Direilo, como se vê do Digesto I, I, 10:

ULPIANUS, Iib. 1 Regularum. 'ustitia est constans et perpetua voluntas jus' suum cuique tribuendi. § 1. ,uris pracepta sunt haec: honeste vivere, alterum non laedere,

suum cuique tribuere - § 2. Jurisprudentia est divinarum, atque huma· narum rerum notitia: justi alque injusli scientia.

6. Introdução ao pellStlmento juridico [Ein/ührung in das juristische Denken] , Irad. da 3. ed. por J. Batista Machado, 3. ed. Lisboa, Calouste, p. 2.

7. The life of lhe law has nol bem logic: ii has been experience, The common law, 36. impr., Boston, Little Browns, 1944, p. 1.

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aspectos de fato e de direito, tratando das fontes reais e das fon­tes formais do Direito Tributário.

(Fato)

11. Fontes reais: os pressupostos de fato da tributação. De que se constituem as fontes reais do Direito Tributário?

As fontes reais se constituem dos suportes fáticos das impo­sições tributárias; é a subjacência sobre que incide a tributação, afinal a própria riqueza ou complexo dos bens enquanto relacio­nados com as pessoas e que depois de serem discriminados na lei tributária (patrimônio, renda, serviços, transferências) passam a constituir os "fatos tributáveis". As fontes reais ou materiais são também denominadas em doutrina "pressupostos de fato da inci­dência" ou "fatos imponíveis".

A relação entre fisco e contribuinte ou relação jurídico-tri­butária é uma relação obrigacional de direito público e por isso mesmo absolutamente vinculada a texto de lei, cuja vinculação se apura pelo meio técnico-jurídico do lançamento ou detenninação dos elementos "de fato" e dos elementos "de direito" que. somen­te quando "vinculadcs", compõem o "fato gerador". Vale dizer, por meio da apuraçãc da fonte real e sua subsunção à fonte for­mal dos textos da lex scripta material, e assim geradores dos di­reitos e obrigações pr ncipais.

(Valor)

Portanto, o que é relevante é apurar os estados de "fato" e de "direito" e constatar a ligação ou "vínculo" entre um e outro. Isto é "valorar", é apreender a juridicidade, em uma palavra, demonstrar a existência do "fato gerador", que é tridi­mensional.

Exemplifiquemos com o texto do CTN, art. 114:

Fato gerador da obrigação principal é

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1) a situação

2) definida em lei

3) como necessária e suficiente à sua ocorrência

Explicação

1) A situação é o fato ou relação fática ocorrida in concreto (fato ou fonte real).

2) Definida em lei, significa retratada descritiva e hipoteti­camente (in abstracto) no texto legal (norma ou fonte formal).

3) Como necessária e suficiente à ocorrência do fato gera­dor, é o vínculo ou elemento lógico-jurídico, normativo, que, pela implicação dupla "necessária e suficiente", esclarece que só se constitui o "fato gerador", se a situação ou fato concreto é o mesmo descrito ou definido no texto da lei (valoração jurídico­racional).

O fato como fenômeno natural constitui a base ou fonte real. Este, ao ser descrito pela lei de incidência tributária, evidente­mente não se. altera na sua faticidade, mas é formalizado para produzir efeitos jurídicos. Assim, do ponto de vista da natureza fática ou substância, continua como dado ou fenômeno sempre informativo.

Mas como o Direito o 10mou como base, revestindo esse acontecimento fático de forma jurídica, o formalismo do Direito acrescenta-lhe a potência juridicidade, de sorte que, ao se concre­tizar, além de fenômeno fático, será também fenômeno jurídico. porque o legislador fez uma qualificação jurídico-normativa dos fatos.

A formulação com que a lei reveste o fato natural dá-lhe conseqüências de direito ou a virtude de produzir efeitos jurí­dicos. Em palavras mais específicas, a legislação tributária cate­gorial, selecionando fatos naturais, de conteúdo econômico, in­jeta nesse acontecimento eficácia jurídica, e eles se transformam em categorias jurídicas. De apenas "fatos", passam a "fatos jurídicos", "fatos jurígenos" ou "fatos geradores".

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Sem a ocorrência ou realização dos elementos de fato (fonte real). não surge a obrigação tributária. ainda que ela já esteja prevista in abstracto na lei. Sem a previsã.:> legal também não nasce o fato gerador: é a realização em concreto da situação de fato previamente descrita na lei que dá nascimento à obrigação tributária.

Por isso que na interpretação científica do Direito Tributá­rio não se pode ter em conta apenas o texto da lei. o sentido puramente gramatical. mas para se chegar ao sentido completo é preciso fazer-se a apreciação também do estado de fato ou. em outras palavras. compreender a "situação" descrita pela lei como "necessária e suficiente" para a ocorrência do fato gerador. e. exatamente neste sentido que a legislação alemã, dispondo sobre a interpretação, manda se faça a "apreciação" não só da legisla­ção (fonte fonnal), como dos "estados de fato" (fonte real) des­cri tos na lei 8.

12. Fontes formais: o· Direito Tributário Positivo (substantivo e adietivo). As fontes formais do Direito, também por alguns cha­madas de formas de expressão do Direito, são os modos de exte­riorização do DireitC'. são os atos normativos pelos quais o Direito cria corpo e nasce r ara o mundo jurídico.

Assim as fontes formais do Direito Tributário nada mais são que o conjunte das nonnas que compõem esse ramo do Direito, ou seja, a dogmática do Direito Tributário.

Todas as disposições legislativas que disciplinam ou des­crevem "as relações fáticas", dando-Ihes juridicidade ou com­pondo o "fato gerador", são formas de expressão do Direito Tributário Material ou Substantivo.

Todas as disposições legislativas ou regulamentares que disciplinam o procedimento ou determinação, a apuração, ava­liação, controle e formalização do crédito tributário e das obri-

8. IÕ evidenle nessa disposição 8 innuência da leoria tridimensional, no sentido de que /alo-nornuJ-\Ja/or são indissociáveis na juridicidade. Daí a expressão jusfilo­sófiCll concreção empregada pelo Prof. Miguel Reale. V. Karl Engisch. Die ldee der Konkrelisierung in Recht und Rechlswis~nscllQfl unscrer Zeil, 2. cd., Heidelberg, 1968.

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gações acessórias são expressões do Di~eito Administrativo Tri­butário Formal ou Adjetivo.

Todas as disposições que disciplinam o processo da tutela jurisdicional tributária são fontes formais ou adjetivas do Direito Tributário Processual.

t fácil mostrar a importância do conhecimento das fontes, pois é sabido que o trabalho do jurista se desdobra em três operações:

1) Averiguar, dilucidar e apreciar o estado de fato ou relação fática que é objeto da dúvida ou controvérsia (fonte real - Fato).

2) Determinar a norma jurídica aplicável (fonte formal - Norma).

3) Pronunciar o resultado jurídico que deriva da subsun­ção do estado de fato aos princípios jurídicos ou da subjunção destes àquele (valoração).

Quadro das fontes formais

o conjunto das fontes formais compõe o Direito Positivo, aquele quod est in civitate positum.

Quais são as fontes formais do Direito Tributário?

De acordo com a Constituição e o Sistema Tributário Na­cional são a Constituição, as emendas à Constituição, as leis complementares desta, os tratados e as convenções internacio­nais, as leis ordinárias, as leis delegadas, as medidas provisórias convertidas em lei, os decretos legislativos e as resoluções (v. CF, arts. 59, 62, 5.°, § 2.°).

Como fontes formais secundárias temos ainda as normas complementares, a jurisprudência e a doutrina que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles per­tinentes.

1) A Constituição. Ato do Poder Constituinte, cuja parte tributária vem não s6 dispondo sobre o poder tributário, mas sobre a competência legislativa, traçando os limites fiscais, como

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também fazendo a distribuição entre os vários fiscos, federal, estaduais e municipais dos diferentes tributos, em harmonia com as próprias atribuições de encargos e competências. Será objeto de estudo no capítulo do Direito Constitucional Tributário.

2) As emendas à Constituição. Em face da evolução social é impossível a imutabilidade da Constituição. Ela é a lei funda­mentai e a mais estável. Deixá-Ia, porém. sem um processo de modificação é exigir-se revolução para sua alteração. Por isso mesmo. é prevista dentro da própria Constituição a forma consti­tucional de ser emendada e uma vez concluído o processo, a emenda a ela se incorpora. A vigente Constituição prevê, nos arts. 59 e 60, o processo legislativo constitucional para a sua emenda.

3) A lei complementar. A Emenda Constitucional n. 18. de 1965. ao dispor sobre a Reforma Tributária Constitucional, introduziu este ato na técnica legislativa brasileira.

A idéia que inspirou a criação da lei complementar no campo tributário foi exatamente a de obter um ato representa­tivo não apenas dos interesses da União, como fisco federal, mas do interesse de toda a nação.

Do ponto de vi ;ta formal legislativo ainda a Constituição exige quorum especial para aprovação da lei complementar. dis­pondo. no art. 69, ql e "as leis complementares serão aprovadas por maioria absoluta".

Entre os princípios gerais do sistema tributário. a Consti­tuição traça as atribuições da lei complementar. assim enume­radas:

Art. 146. Cabe à lei complementar:

I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados. o Dis­trito Federal. e os Municípios;

II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;

II I - estabelecer nonnas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

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a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;

c) adequado tratamento tributário ao ato coope­rativo praticado pelas sociedades cooperativas.

4) Os tratados e as convenções internacionais. Somente a União, como sujeito de direito público externo que é, tem com­petência para celebrar tratados e convenções com Estados estran­geiros (CF, arts. 21, I; 49, I, e 84, VIII). Em matéria tributária, os tratados e convenções internacionais são particularmente im­portantes no campo dos chamados Impostos sobre o Comércio Exterior (imposto sobre a importação e exportação) como são exemplo na Europa o caso do Mercado Comum Europeu (tratado de Roma), e entre nós a ALALC D, e também para evitar a chama­da bitributação internacional, muito freqüente especialmente em relação ao imposto de renda. Neste último caso são feitos para impedir que os cidadãos ou empresas de um país, que tenham domicilio ou sede, propriedades ou negócios em outro, fiquem sujeitos a duplicidade de impo~ ições.

5) As leis ordinárias. Estas são os atos especificamente cria­dores das obrigações tributárias. De acordo com a competência estabelecida na Constituição e disciplinada pela Lei Complemen­tar, o poder legislativo de cada esfera de governo decreta e o poder executivo sanciona a lei criadora do tributo; somente a lei devidamente emanada é fonte originária da obrigação tributária, caracterizando-a como "obrigação ex lege". O processo legislati­vo da Constituição previu no gênero das leis, abaixo da lei com­plementar, a lei ordinária, como ainda a lei delegada, o decreto

9. A ALALC é o Tratado de Montevideo de 1960. Foi aprovado pelo Congresso Nacional, conforme Decreto n. 50.656, de 24 de maio de 1961, e sem solução de continuidade substituído pelo Tratado de Montevideo de 1980, chamado ALADI, aprovado pelo Decreto Legislativo n. 66, de 16 de novembro de 1981.

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legislativo e a resolução. atos esses que, emanados regularmente sobre tributação, criam determinadas obrigações tributárias.

6) Leis delegadas. No processo legislativo a Constituição Federal previu as leis delegadas nos termos do art. 68.

7) Medidas provisórias. Tendo a Constituição de 1988 abo­lido o decreto-lei, criou esta novidade, nestes termos:

Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas pro­visórias. com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional, que, estando em re­cesso, será convocado extraordinariamente para se reunir no prazo de cinco dias.

Parágrafo único. As medidas provisórias perde­rão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de trinta dias, a partir de sua publi­cação, devendo o Congresso Nacional disciplinar as relações jurídicas delas decorrentes.

E muito importante verificar desde logo que legitimamente só existe como font;! formal primária do tributo a lei ou ato com força de lei, p )rque isso condiciona a solução de muitos problemas. E em ra;~ão dessa sua natureza que não pode. por exemplo, uma auto) idade administrativa instituir tributo me­diante um simples at:> administrativo (lançamento. circular. por­taria etc.); seria arbitrário, porque o tributo só é legítimo quando criado por lei. E o princípio de legalidade da tributação, pre­visto na Constituição (art. 150, I) e no CTN (art. 97).

Já que esclarecemos o aspecto dos elementos de "fato" e mostramos que não basta apenas o "fato" bruto mas também a "lei" que hipoteticamente o descreva, para que este ao ser realizado se torne suscetível de "valoração" jurídica ou seja "gerador", este momento é propício para um exemplo bem didá­tico e penetrante.

Suponhamos que por um simples ato administrativo, como

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é exemplo um lançamento tributário, á autoridarle fiscal exija imposto sobre um "fato" não descrito em i~i como tributado.

Este ato administrativo é simplesmente nulo porque, não existindo lei, isto é, a descrição geral e abstrata dl:t norma juri­dicizando o "fato", ofendeu diretamente a ordem legai"- confi­gura uma flagrante ilegalidade.

Suponhamos agora que por meio de um outro lançamento, a autoridade administrativa, apurando erroneamente o fato, exi­ge tributo previsto para fato diverso. Neste caso existe a lei, mas a apuração ou valoração do fato foi errada. O ato admi­nistrativo não infringiu a norma capitulada mas errou na con­figuração do estado de fato e tornou provisoriamente impossível a subsunção dentro do procedimento tal como foi instaurado.

Este ato administrativo tributário será nulo ou anulável?

Observe-se que o defeito apresentado é em relação ao fato concreto que permanece e poderá ser apurado autenticamente. Este ato administrativo é apenas anulável, isto é, o julgador, con­forme o caso, poderá mandar sanar o erro da valoração ou anular o ato para, se não tiver ocorrido decadência ou prescrição, poder ser refeita, corretamente, pela administração, a respectiva valo­ração.

"A nulidade deriva de una antijuridicidade absolutamente abstraIa (esclarecemos: pela ausência de norma ou estar contra a norma); a anulabil,idade deriva de uma antijuridicidade relati­vamente concreta (esclarecemos: de vício ou erro na apuração da concretização ou circunstâncias dos elementos de fato, em deter­minado caso)" 10.

Também, em face do princípio da legalidade tributária não terá valor uma confissão de dívida de tributo por declaração errônea do contribuinte se, em face da lei, o tributo não for devido.

lO. Nichligkeil foi!?,1 milhin aus einer absolul beslehenden abstrakten. Vermicht­barkeit aus einer konkrel bestehenden relaliven Rechlswidrigkeit. Wolff. Die NiclJlig­keit von Verwaltungsaklen. Monats&chrift D. R. 1951. p. 423.

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Aí está a natureza da obrigação tributária, ou, como diz Pugliese, "a obrigação tributária é uma obrigação de estrito direito público, absolutamente indisponível quer por parte da administração, como por parte do contribuinte, não compro­missível nem transigível.

O vínculo obrigatório não pode surgir se não existir uma norma de lei que determine o seu nascimento, em relação a um determinado fato jurídico, ao qual a lei atribua a eficácia de fazer surgir uma obrigação tributária. Portanto, se se pode admitir que em direito privado tenha eficácia uma confissão determinada por um erro de direito, não se pode absolutamente admitir em Direito Tributário que uma obrigação possa surgir sem uma norma positiva de lei que a crie, sem uma causa jurí­dica que a justifique, em virtude de uma simples declaração, voluntária ou involuntária, de um indivíduo.

Se um poder imposicional não existe, a errônea declaração do contribuinte não pode criá-lo, nem o caráter objetivo da ile­gitimidade do ato administrativo pode mudar pela defeituosa de­claração do contribuinte" 11.

A lei, pois, constitui a verdadeira e única fonte formal originária da obrig; ção tributária. .

Além de conhl.!cer os princípios constitucionais da tribu­tação deverá, portar to, o jurista conhecer o texto da lei tributá­ria, pois a lei descr\~ve a figura da própria incidência fiscal.

Uma vez criado o tributo, entretanto, vamos deparar com um extenso panorama de disposições, todas elas girando em torno da fonte principal e úteis à própria configuração ou com­preensão das incidências, isenções ou imunidades instituídas. Note-se bem que a precedência da lei, no caso, não é somente hierárquica, é também cronológica. Todas as disposições que vamos ver surgem e se colocam ao lado da Constituição e da lei para com elas comporem o que se chama Direito Positivo, e, assim, temos como fontes complementares:

II. Mario Puglicsc. La prova ncl processo tributaria. Padova. CEDAM. 1935, p.97.

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8) Os decretos regulamentadores. São atos baixados pelo Poder Executivo a fim de dar fiel execução às leis instituidoras dos tributos, quando os textos destas não sejam por si suficientes à sua execução. Como acentua W. Hartz, em seu trabalho sobre a Interpretação das Leis Tributárias 1", infelizmente no campo tributário é deixada em demasia ao Executivo a regulamentação da lei. No campo, por exemplo, do Direito Civil, raramente as leis precisam de regulamentação e isto é uma garantia mais ca­tegorizada e estável. Seria melhor se o texto da lei tributária fosse completo e não deixasse tanto para o Executivo explicitar. To­davia a Constituição, prevendo que apenas compete ao Executi­vo expedir decretos e regulamentos para a fiel execução da lei (art. 84, IV), as disposições do decreto, ao especificarem a regu­lamentação, não poderão, nessa especificação, ultrapassar os co­mandos da lei. O decreto não pode criar, alterar ou extinguir direitos e obrigações; estas são funções da lei.

Este é o sentido do CTN quando no art. 99 dispõe que "o conteúdo e o alcance dos decretos restringem-se aos das leis em função das quais sejam expedidos, determinados com observân­cia das regras de interpretação ... ".

Qualquer excesso do decreto, em relação à lei, constituirá um vício que pode ser submetido a controle jurisdicional, vício esse denominado ilegalidade.

A própria lei, em nosso regime, também está submetida às disposições mais gerais da Constituição e das leis complemen­tares desta. Qualquer excesso da .lei em relação à Constituição pode autorizar a invocação do controle jurisdicional, por ar­güição de inconstitucionalidade ou de conflito com a lei com­plementar.

Como o decreto está submetido à lei, pode acontecer mes­mo que ele, ao ultrapassar os preceitos da lei, também venha a desrespeitar limites constitucionais. Neste caso o decreto terá vício de ilegalidade e de inconstitucionalidade.

12. Die Auslegung von Steuergesetzen. Heme. 1!'56. p. 18-9.

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Ainda devemos ressaltar a importância do regulamento da lei quanto à vigência da própria obrigação instituída legalmente. Toda vez que a disposição da lei dependa de regulamento, ela somente poderá começar a vigorar a partir da regulamentação.

Na prática, os textos mais manuseados são exatamente os dos regulamentos, porque tendo obedecido à Constituição e à Lei, o decreto regularnentador especifica detalhadamente e assim vamos, uma vez feito o exame de constitucionalidade e de lega­lidade do regulamento. encontrar a explicitação dos direitos e obrigações fiscais ou tributários, nos regulamentos.

Fontes formais secundárias

9) Normas complementares. O CTN reuniu sob o título de nonnas complementares os vários atos e fatos administrativos que ocorrem na aplicação prática da legalidade tributária e acen­tuou a garantia que sua observância dá ao contribuinte:

Art. 100. São normas complementares das leis. dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos:

I - matos normativos expedidos pelas autori­dades administrativas;

II - as decisões dos órgãos singulares ou cole­tivos de jurisdição administrativa, a que a lei atribua eficácia nonnativa;

III - as práticas reiteradamente observadas pe­las autoridades administrativas:

IV - os convênios que entre si celebrem a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.

Parágrafo único. A observância das nonnas re­feridas neste artigo exclui a imposição de penalida­des, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo.

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Atos normativos, a que se refere o inciso I, são geralmente as circulares, portarias, instruções e ordens de serviço expedidas para obediência das repartições e agentes de fiscalização e orien­tação geral dos contribuintes.

A partir de J 970, o Ministério da Fazenda expediu uma Instrução Normativa (n. 26, DOU, 4 jun. 1970) criando um siste­ma de Pareceres Normativos para orientação às suas repartições e contribuintes, com louvável propósito de sistematizar essas orien­tações, mas na prática tem resultado um cipoal de contradições e conflitos, pois a natureza autenticamente geral e normativa é atribuição da lei e não dos atos administrativos. Estes não podem criar direitos e obrigações, quando de outro lado a maior parte da fiscalização os aceita como se fossem legislação, sendo mais uma fonte de conflitos, pois os contribuintes prejudicados são constantemente obrigados a se defender perante a própria admi­nistração ou intentar ações judiciais.

Na verdade esses pareceres normativos representam apenas a orientação fazendária mais preocupada, infelizmente, com a arcaica idéia de interpretação pro fisco do que pro lege, como deveria ser 13.

Decisões com eficácia normativa. Certos órgãos judicantes da administração proferem d !cisões definitivas na esfera admi­nistrativa e que passam a seI normativas, isto é, a solução não se aplica apenas a quem foi parte no processo, mas a todos os que estejam na mesma situação.

Evidentemente tal normatividade é de caráter administra­tivo, comportando sempre defesa por parte de quem se julgue prejudicado, por força do disposto na Constituição (a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a Direito - art. 5.°, XXXV). De outro lado, essa norma do CTN teve em vista também atender a disposições que procuram gene­ralizar o efeito de interpretações fiscais, sem agravamento, aos demais contribuintes, como é exemplo a disposição do Regu­lamento do I PI, que exclui a aplicação de penalidades, "enquan-

13. V. Erymá Carneiro, Erros e ilegalidades dos pareceres normativos. Brasília. Ebrasa, s. d.

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to prevalecer o entendimento, aos que tiverem agido ou pago o imposto de acordo com a interpretação fiscal constante de decisão irrecorrível de última instância administrativa, proferida em processo fiscal, inclusive de consulta, seja ou não parte o interessado" (Dec. n. 87.981, de 23-12-1982, art. 359, II, a).

Práticas reiteradas. O item I I I se refere aos "usos e costu­mes". Certamente sendo a obrigação fiscal ex lege não seria pos­sível acolher as práticas reiteradas dos contribuintes como norma complementar; porém, se a própria administração, embora erro­neamente, pratica certos atos reiteradamente e o contribuinte é induzido à mesma prática, não seria possível puni-lo. Neste caso não há exclusão do tributo devido mas das penalidades, juros de mora e correção monetária.

Para o Direito Tributário os usos e costumes dos contribuin­tes não constituem fonte de direito exatamente porque o Direito Tributário é um direito obrigacional público.

Esta prática reiterada das autoridades administrativas. como elemento de fato, e também com esta característica a prática dos contribuintes poderão ser invocadas para efeito de apreciação na aplicação da eqüidade ou do reconhecimento de erro escusável. Confronte-se CTN, aI t. 172, II e I V .

Veja-se por aí, cc mo o Direito Tributário tem características diferentes do Direito Privado, até nas fontes, pois, especialmente no Direito Comercial I! sabido que os usos e costumes têm grande importância como for.te, chegando a constituir um Direito Con­suetudinário, coligido pelos órgãos ou juntas comerciais, como assentamentos dos usos e costumes da praça, enquanto no Direito Tributário, os usos e costumes são pouco relevantes. Poderão, quando muito, ser invocados como elementos de fato.

Os convênios referidos no item IV. O CTN dispõe no art. 199 que a Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Fe­deral e dos Municípios prestar-se-ão mutuamente assistência para a fiscalização dos tributos respectivos e permuta de informações, na forma estabelecida, em caráter geral ou específico, por lei ou convênio.

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Neste sentido o Ministro da Fazenda e os Secretários de Fazenda celebraram um convênio em 15 de dezembro de 1970 criando o "Sistema Nacional Integrado de Informações Econô­mico-Fiscais". Isto significa que embora haja Fazenda federal, estadual e municipal, em matéria de serviços fiscais e especial­mente de fiscalização e informações considera-se a unidade na­cional e as informações ficam em vasos comunicantes, em tra­balho de colaboração. As disposições desses convênios, embora regulem matéria entre os fiscos, são consideradas pelo CTN como normas complementares em relação aos contribuintes.

A exclusão de agravações. A disposição do parágrafo único veio reconhecer e unificar os efeitos que algumas leis de impostos já previam e que o Poder Judiciário em várias decisões proclamou. E o princípio nemo potest venire contra factum proprium. Se a própria administração baixa os atos normativos, adota uma práti­ca reiterada ou subscreve com outro fisco um convênio, não pode punir ou onerar alguém por ter seguido as instruções ou orienta­ção, ainda que o fisco aOs venha repudiar. Vide o princípio da irretroatividade no caso da alteração dos critérios jurídicos no exercício do lançamento: art. 146 do CTN.

10) A jurisprudência. Por jurisprudência entendemos o con­junto das soluções dadas pelo Poder Judiciário às questões de direito; porém, especificamen ~e em cada caso, somente se pode caracterizar como jurisprudência a solução reiterada no mesmo sentido, isto é, a solução uniforme. E preciso, todavia, salientar a diferença entre a jurisprudência e os dispositivos legislados, quanto à compulsoriedade.

A solução legislada (constituição, lei, decreto) tem o cará­ter normativo, isto é, obriga a todos os casos que se possam enquadrar em sua parte dispositiva, enquanto a jurisprudência vale apenas como pr.ecedente, como exemplo de solução.

A sentença tem parte dispositiva e sua conclusão é imposta coativamente apenas às partes litigantes, ou melhor, nos limites subjetivos e ob}etivos dos efeitos da decisão.

Em geral o juiz decide de acordo com a jurisprudência;

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os funcionários fiscais, como os contribuintes. procuram aten­der à jurisprudência, porque ela retrata a solução judiciária que é casuística. Entretanto, o não-atendimento da jurisprudên­cia, só por si, não constitui uma infração. Infração ocorre. se o contribuinte desatende à lei, o funcionário não a cumpre ou. quando no caso do juiz. o fato de decidir contra texto de lei gera recursos especiais. Por isso é que se coloca a jurisprudência como fonte depois das disposições legisladas.

Ao tratarmos da jurisprudência queremos lembrar que o Su­premo Tribunal Federal passou à elaboração das súmu[as dos acórdãos que reiteradamente decidem num certo sentido. consti­tuindo uma sistematização da jurisprudência daquela Corte e de certa maneira facilita não s6 a pesquisa mas pode servir de fonte para possíveis alterações da legislação. Também outros tribunais têm elaborado e publicado suas súmulas. São, na verdade, resu­mos jurisprudenciais.

11) A chamada iuri~prudência administrativa. Especialmen­te no campo do Direito Tributário devemos também falar de uma quase jurisprudência, constituída pelas soluções dos órgãos fiscais de julgamento, órgãos esses da órbita administrativa. Estas soluções que do ponto de vista teórico são colocadas no final das fontes, porque o admilistrativo não decide conclusivamente. por­que os seus julgados não produzem, mesmo na espécie, a chama­da coisa julgada (qual idade que é encontrada na decisão judicial definitiva), entretanto têm muita importância prática em Direito Tributário, pois toda vez que esses 6rgãos decidem em última instância administrativa contra o fisco, praticamente fica estabi­lizada a decisão, porque pertencendo esses órgãos à própria Fa­zenda, não seria possível fosse ela pleitear ao Judiciário a modifi­cação de sua própria orientação: Nemo potest venire contra jactum proprium u. E o que reconhece atualmente o art. 156, IX, do CTN.

14. Cr. a clássica obra de Dircito Administrativo dc Ernst Forsthorr ao tratar dos princípios básicos da aplicação do Direito. I.ehrbuch des..J!erllla[tungsrcchts. 7. cd .• 1958. v. I. § 9.° - Grundcsatze der Rechtsanwendung. p. 157.-Na tradução em cas­telhano. da 5. ed. alemã. Tratado de derecho administrativo. § 9.0 - Princípios da aplicação do direito, p. 244.

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12) A doutrina do Direito Tributário. E a produção dos doutores, juristas e estudiosos do Direito Tributário constituída pela elaboração de conceitos, explicação de institutos jurídicos da tributação, métodos de interpretação, enfim, de sistematiza­ções que vamos encontrar na literatura tributária.

E evidente que a doutrina não pode ser considerada fonte criadora da obrigação fiscal porque esta é ex lege, mas elemento para sua compreensão e alcance.

René David, em seu notável livro sobre os grandes sistemas do Direito contemporâneo, lembra que, durante muito tempo, a fonte fundamental no sistema do Direito romano-germânico foi a doutrina; mas com o triunfo das idéias democráticas e da codifi­cação, foi substituído pelo primado da lei. Todavia, a importante função da doutrina continua se manifestando na elaboração do vocabulário jurídico e das noções do Direito para que o legislador faça uso e ainda é a doutrina que estabelece os métodos pelo qual o Direito é descoberto e as leis interpretadas, sendo ainda de acrescentar a influência que a doutrina pode ter sobre o próprio legislador. Muitas vezes o legislador não faz mais do que dar efeito às tendências doutrinárias. O primado da lei representou um progresso e necessidade para as condições atuais, mas há uma relação patente entre legislação e doutrina. Neste sentido a dou­trina é fonte indireta do Din ito e no tocante à aplicação da lei não se pode negar à doutrinl qualidade de fonte do Direito 1.5.

15. Les grands systemes de droit C'ontemporains. 6. cd., Paris, Oalloz, 1974, p. 146-7.

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Capítulo V

RELAÇÕES. CONCEITOS. PRINCIPIOS. INSTITUTOS. SISTEMA TICA

13. Relações de lalo do Direito Tributário com ou­tras ciências e relações de direito com os demais ramos jurídicos.

14. Conceitos autônomos de Direito Tributário. Prin­cípios e institutos compondo o sistema jurídico­trióutário.

13. Relações "de fat( " do Direito Tributário com outras ciên­cias e relações "de dirl'ito" com os demais ramos jurídicos. Não há compartimento esta'que no saber humano.

As ciências são in:itrumentos de pesquisa da verdade e como têm todas o mesmo obJetivo de alcançar o conhecimento da ver­dade, cada ciência compreende, por assim dizer, o estudo de uma face do grande problema do conhecimento.

Acontece, entretanto, que dada a face ou setor de seus estudos, depara-se cada ciência com vizinhos: são as ciências que estudam aspectos afins.

Dessa forma, vamos encontrar no Direito Tributário articu­lações íntimas quanto à matéria de fato, especialmente com a Ciência das Finanças, com a Economia, com a Contabilidade, com a Tecnologia, com a Merceologia etc., e quanto à matéria de direito, com os demais ramos jurídicos.

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Relações com outras ciências

Ciência das finanças. As relações do Direito Tributário com a Ciência das Finanças são muito estreitas. Como ressalta muito bem Ernst Blumenstein "a ciência das finanças encontra no Di­reito Administrativo Financeiro e no Direito Tributário, em pri­meiro lugar, uma sistemática elaboração do seu material de inda­gação" 1.

A Ciência das Finanças estuda os fenômenos financeiros especulativamente, do ponto de vista econômico, político e jurí­dico, porque os meios de que se serve o Estado para manter suas atividades financeiras são econômicos; as finalidades e os processos de sua atividade são políticos e finalmente os fenô­menos por ela estudados repousam na sistemática jurídica.

Portanto, é na Ciência das Finanças que o Direito Tribu­tário vai buscar muitos princípios econômico-financeiros para base da elaboração de seus institutos.

Economia política. Enquanto a Ciência das Finanças estuda o fenômeno econômico público ou financeiro (riqueza pública), a Economia Política estuda o fenômeno econômico privado (rique­za privada). Ora, o Direito Tributário tem relações com a Ciência das Finanças porque, como vimos. ele é um ramo do direito públi­co que disciplina uma parte jas finanças públicas, aquela parte relativa à imposição, arrecada.;ão e fiscalização dos tributos. Acon­tece que os tributos incidem sobre as relações econômico-privadas, isto é, que ocorrem entre os indivíduos. Essas relações atingidas pelo tributo é que ficam fazendo parte do fato gerador do tributo e todas elas são de conteúdo econômico (patrimônio - renda -serviço - transferência). Constitui também um princípio basilar do conceito moderno de tributação, o da capacidade econômica do contribuinte que é, afinal, uma categoria da Ciência Econô­mica.

Além dessas duas ciências com que mantém relações básicas, de princípios, outras ciências particulares e especificadamente no

1. Sistema di dirillo delle imposte, trad. de Franeesco Forte, Milano, 1954, p. 41, nota 35.

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campo de certos tributos vão colaborar com o Direito Tributário. Assim, por exemplo, no tocante ao imposto de renda. o conheci­mento da Contabilidade auxiliará o jurista a solucionar problemas de tributação, pois a lei fiscal estabelece tais modificações espe­cíficas para fins tributários no balanço comercial. que temos ba­lanço comercial e balanço fiscal; o I PI c os impostos aduaneiros, incidindo sobre produtos. muitas vezes para o aplicador da lei tributária decidir sobre a incidência ou não do imposto. terá que se socorrer da tecnologia e a própria lei fiscal a ela remete a solução das dúvidas técnicas o.

Não só a tecnologia. mas especialmente a merceologia' como ciência que estuda a classificação, nomenclatura ou especificação das mercadorias, é constantemente solicitada para esclarecer ele­mentos de fato no campo do Direito Tributário, relativamente aos impostos chamados aduaneiros (de exportação e importação). IPI e ICMS. Dada a imensa variedade. composição, mistura ou estru­tura das mercadorias, a djversidade de suas finalidades como o grau de essencialidade. há uma técnica de classificação pela na­tureza e neste sentido, para orientação aduaneira internacional. vários países acordaram na constituição de um Conselho de Coo­peração Aduaneira. c( m sede em Bruxelas. que elaborou e atua­liza uma nomenclatur.l de mercadorias para evitar conflitos de classificação. O Brasil, que assinou o protocolo, criou internamen­te o Comitê Brasileiro de Nomenclatura e com base naquela, conforme se vê dos art;. 154 e 155 do Decreto-lei n. 37, de 18 de novembro de 1966, é que elaborou a Nomenclatura Brasileira de Mercadorias (NBM) precedida de regras de classificação, e as atualiza, sendo adotada essa nomenclatura:

I - nas operações de exportação e importação;

2. Assim. por exemplo. a Lei n. 4.502. de 30 de novembro de 19b4, prevê: !lrt. 106. Os laudos do Laboratório Nacional de Anólises e do Instituto Nacional de Tecnologia. nos aspectos técnicos de competência desses órgãos. serão adotados pela Administração, nos processos fiscais. como nas consultas. salvo se comprovada sua improcedência perante o áutoridode julgadora.

3. V. Viltorio Villavccchio. Di::ionario di mercco{ogw e di chimica applicaJa. 5. cd., Milono, Hoepli, 1929, 4 v.

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II - no comércio de cabotagem e por vias in· temas;

III - na cobrança dos impostos de exportação, importação e sobre produtos industrializados;

IV - nos demais casos previstos em lei, decreto ou resoluções da Junta Nacional de Estatística.

Pelo item III do art. 155, acima transcrito, vê-se que a pró­pria norma remete a solução da matéria fática da classificação, para efeitos de aplicação daqueles impostos, à nomenclatura que são resultados ou conclusões da merceologia, acolhidos pela le­gislação. São elementos de fato que, até prova em contrário, vinculam dentro do Direito Tributário. Além do aspecto de rela­ção entre Ciências, o exemplo também serve para demonstrar a relevância para o jurista da apreciação dos estados de fato ou natureza das coisas e ainda para ressaltar que os tributos são diferentes não só pelos aspectos ou elementos de direito mas tam­bém pelos de fato. Isto é, no momento de examinarmos as dife­renças entre um tributo e outro, devemos lembrar que o "fato gerador" é tridimensional, não se compõe somente de fato, nem somente de direito, nem somente de vinculação abstrata, mas de jusconcreção.

Assim, quando o art. 4.' do CTN dispõe que "a natureza jurídica específica do tributo .~ determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação", devemos ter presente que a expressão "fato gerador", como categoria ou modelo tridimensional que é, deve ser pesquisado e demonstrado na sua integralidade de fato-norma­valor.

Relações com outros ramos do Direito

Muitas e importantes são as relações do Direito Tributário com os demais ramos do Direito.

Essas relações são freqüentes porque o Direito Tributário é sabidamente de elaboração mais recente, de forma que ao vir

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disciplinar certos atos ou fatos já encontrou uma elaboração jurí­dica da qual pôde aceitar princípios gerais e até mesmo certos institutos completos. Em certos pontos tem de alterar ou mesmo elaborar princípios específicos e institutos próprios. Assim como sua estruturação, por ser mais recente, aceita contribuição, tam­bém em certos pontos tem sido precursor. O Prof. Georges Ripert, renomado civilista francês, escrevendo sobre o instituto da em­presa, reconhece: "o que o direito privado não percebe ainda senão confusamente, o direito fiscal, em sua autonomia franca­mente afirmada, já o realiza (omissis). O direito fiscal faz aqui figura de precursor" '.

Há certos problemas de direito, cuja solução somente pode ser alcançada com a colaboração ou a interpenetração dos ramos; são pontos ligados que exigem solução jurídica integral dentro do campo do Direito, ou em outras palavras: da disciplinação ou qualificação jurídica dos fatos.

Assim como para a solução de certos aspectos de fato, qual­quer ramo da Ciência Jurídica precisa utilizar-se da colaboração de outras ciências, também para certos pontos de direito, um ramo do Direito precisa da colaboração de outros ramos jurídicos.

1: preciso, de UI 1 lado, corrigir-se a tendência ainda muito comum em nosso pa :s, especialmente dos julgadores e juristas não familiarizados cem o Direito Tributário, de resolver ques­tões tributárias por meio de puras concepções do Direito Pri­vado; mas também é preciso que os juristas do Direito Tribu­tário não queiram levar sua autonomia ao exagero de apartá-lo da unidade do Direito.

Vejamos, pois, rapidamente, algumas dessas relações com as demais disciplinas jurídicas:

Direito Constitucional. Em primeiro lugar, como já vimos no ponto relativo às fontes formais do Direito Tributário, estão na Constituição os princípios básicos da tributação, mas é sobre-

4. Aspectos jurfdicos do capitalismo moderno, trad. de Gilda de Azevedo. p.28+5.

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tudo aí que vamos encontrar a disciplina dos poderes do Estado, a . fixação de sua soberania no tempo e no espaço, enfim toda a orgânica estatal.

Os princípios constitucionais que incidem diretamente so­bre o campo tributário são mesmo princípios constitucionais tributários, comandos da tributação, mas além desses, há prin­cípios constitucionais não tributários e que estão relacionados, por suas conseqüências, com o Direito Tributário.

Assim, por exemplo, o princípio constitucional que garante o exercício de profissão lícita ou da livre iniciativa. O poder tributário não poderá impedir essa garantia, antes deverá ser exercido em harmonia com esse princípio. Outro exemplo é a garantia constitucional da propriedade; por isso um tributo não pode ter efeito confiscatório, daí se vê que são precisas as vincu­lações entre esses dois ramos jurídicos, pois a própria lei tribu­tária não terá valor, se for inconstitucional.

Direito Administrativo. Foi pelo princípio da especialização que deste ramo do Direito se destacou o Direito Financeiro e deste o Direito Tributário.

Assim, neste ponto, teremos que ver se além de ter ficado com parte desse próprio ramo, o Dir.eito Tributário mantém relações com o remanescentf. Não há dúvida. Mesmo a parte exclusivamente administrativa, que concerne especialmente à disciplina do funcionamento dos órgãos da atividade pública, mantém relações com o Direito Tributário, bastando lembrar que os funcionários fiscais, como as repartições e órgãos tribu­tários, têm o exercício de suas atividades impositivas, arrecada­doras e fiscalizadoras, disciplinadas pelo Direito Administrativo.

Direito Financeiro. Da mesma forma, podemos verificar que os campos do Direito Financeiro não cobertos pelo Direito Tri­butário mantêm ainda com este relações por terem princípios gerais comuns e afinal um e outro disciplinarem setores da mes­ma atividade: a atividade financeira.

Direito Processual. Na tela judiciária, as ações fiscais são regidas pelo CPC. Na tela administrativa, existe uma regulamen-

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tação dos procedimentos, regulamen~ação essa que é inspirada e se harmoniza mesmo com muitos institutos do Direito Processual, como veremos.

Direito Penal. O próprio Direito Penal configura delitos de ordem tributária como, por exemplo, o excesso de exação, assim previsto no CP:

"Art. 316 ... 5 •

Excesso de exação. § 1.° Se o funcionário exige tributo ou contribuição social que sabe ou deveria saber indevido, ou, quan­do devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza".

Direito Internacional Público. Dentro deste já se destacou o Direito Internacional Tributário como um ramo especial. No Trattato di diritto internazionale dirigido por Fedozzi e Santi Romano, editado em Padova, 1949, CEDAM, o 10.0 volume de autoria de Manlio Udina tem precisamente o título II diritto inter­nazionale tributario. Mais atual é o livro de Ottmar Bühler. edita­do pelo Bureau de Documentação Fiscal, com sede em Amsterdã. Princípios do direito internacional tributário (Prinzipien des in­ternationalen Steueruchts, 1964), trazendo no final vinte páginas de bibliografia 6.

Recentemente, epl nossa literatura, são de se destacar o livro Direito internacional do Brasil 1 e a tese de doutoramento na Fa­culdade de Direito do Largo São Francisco intitulada Interpreta­ção e aplicação dos acordos internacionais contra a tributação".

A principal base do Direito Internacional Tributário é cons­tituída do grande número de tratados entre países para evitar a bitributação o e nesse campo já assinalamos também os traba-

5. Redação do art. 20 da lei n. 8.137/90. 6. Em 1968 eSle livro foi lraduzido em caslelhano por Fernando Cervera TOIT)'on.

Madrid. Edilora de Derccho Financiero. 7. Alberlo Xavier. Edilora Resenha Tribulária. São Paulo. 1977. 8. Gerd W. ROlhmann. publicação mimeografada do aulor. São Paulo. 9. Em 1964 já assinalava Bühler o exislência aproximada de quinhenlos lratados.

Os acordos que o Brasil tem realizado com outros países podem ser encontrados na publicação em folhas substituíveis. editado pelo Ministério da Fazenda. sob o título

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lhos publicados pela ONU, pela Ir:ternational Fiscal Associa­tion com sede em Haia, pelo International Program in Taxa­tion, da Harvard Law School nos EUA, pelo Mercado Comum Europeu, OEA/BID, ALALC e tantos outros organismos que se têm dedicado a esses assuntos internacionais tributários. Toda­via, neste ponto sobre relações dos demais ramos jurídicos com o Direito Tributário, o que é importante ficar ressaltado, em primeiro lugar, são os princípios gerais que acomunam os ramos na unidade do Direito e estes apenas se distinguem na especifi­cidade, ao disciplinarem relações fáticas diferenciadas. Vejamos um exemplo esclarecedor:

O Decreto Legislativo n. 62, de 1975, aprovou e o Decreto n. 76.975, de 1976, promulgou "a Convenção destinada a evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre a renda Brasil-Espanha". A simples leitura dos artigos ou cláusulas dessa convenção mostra que para disciplinar a matéria tributária são utilizados os princípios, conceitos, ins­titutos, sistema e a técnica específica do Direito Tributário (con­tribuinte, impostos, domicílio fiscal, estabelecimento permanente para fins fiscais, rendimentos de bens imobiliários para fins tri­butários, lucros de empresas no conceito fiscal, métodos para eliminar a dupla tributação etc.).

A matéria de convenção entre países é. de um modo geral, de Direito Internacional PúbLco, mas como se trata de assunto tributário, esse tipo de relação é disciplinado por normas de na­tureza jurídico-tributária. Deve ser elaborada por juristas e peri­tos da técnica tributária. Esta é, enfim, uma questão de especiali­zação dentro do Direito. Isto não quer dizer que exclua con­ceitos gerais do Direito e mesmo conceitos especiais de outros ramos, como do próprio Direito Internacional Público. Neste seno tido, também é exemplo o art. 27 que reza: "nada na presente convenção prejudicará os privilégios fiscais de que se beneficiem os funcionários diplomáticos ou consulares em virtude de regras

Legislação tributária - tratados. convenções e acordos. Ed. Plangef. Também a Resenhll Tribut4rill: Acordos e convenções internacionais do Brasil e Seção 1.4.

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gerais do Direito Internacional ou de disposições de acordos especiais" .

Por esse exemplo se vê que, conforme a natureza das coisas, emprega-se o tipo de legislação adequado ou específico, corres­pondente aos diferentes ramos. Sendo este assunto predominante e especificamente tributário, embora in genere internacional, seja matéria de Direito Internacional Tributário, nela colaboram ou se interpenetram, em auxílio mútuo, vários ramos do Direito para só assim poder regular integralmente todas as relações gerais e especiais.

Finalmente, vejamos as relações com o Direito Privado (Ci­vil e Comercia}), que são freqüentes.

Como já vimos, ao tratar das fontes reais do Direito Tribu­tário, o tributo incide sempre sobre fenômenos ou relações da economia privada (patrimônio - renda - serviço - transfe· rências).

Muitos desses fenôqlenos ou relações da economia privada já estão configurados pelo Direito Privado. Desta forma, o Direito Tributário, desejando atingir as relações ou fenômenos da eco­nomia privada, muitas vezes os arrola pelo nomen ;uris, já dado àquela relação ou fellômeno pelo Direito Privado.

Assim, por exen pio, para tributar o tipo de transmissão one­rosa de imóvel que uma pessoa faz a outra mediante um preço, a lei fiscal cita o nomen ;uris: "compra e venda".

Neste caso, o Direito Tributário aceita, para seus próprios fins, o instituto da "compra e venda" tal como está configurado, disciplinado, no Direito Privado.

Em tais hipóteses, a relação entre um e outro ramo é es­treita, pois o aplicador da lei tributária vai se socorrer do Direito Privado para estudar e compreender o instituto adotado pelo Direito Tributário, cuja estrutura dada pelo Direito Privado é integralmente vinculante dentro do Direito Tributário.

Outras vezes, o Direito Tributário indica a categoria do Direito Privado mas estabelece modificações para fins tributá­rios. tornando-a um instituto de configuração mista.

Nestes casos o intérprete terá de ir ao Direito Privado

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encontrar a compreensão original do instituto e acrescentar as correções do Direito Tributário. Neste particular é preciso sem­pre lembrar que, estando a própria lei tributária submetida às limitações constitucionais, não poderá o Direito Tributário, no intuito de alcançar uma categoria. operar modificação que acar­rete inconstitucionalidade.

Veja-se, por exemplo, que a Constituição autoriza aos Mu­nicípios cobrarem o Imposto sobre a Propriedade Predial e Ter­ritorial Urbana (art. 156, 1). Não poderá o Município, na sua lei tributária, ampliar o conceito de propriedade para efeito fiscal e isso porque a Constituição ao mencionar a categoria jurídica "propriedade" a mencionou tal como configurada no Direito Ci­viJ, pois a Constituição também citou o nomen juris, isto é, o instituto "propriedade" do Direito Civil, ao qual cabe regular esses diferentes tipos de relações, a saber, os direitos e obrigações de ordem privada concernente às pessoas, aos bens e às suas relações, de competência legislativa da União (CF, art. 22, 1).

Este exemplo serve não só para esclarecer como os ramos se diferenciam a partir da natureza diversa das relações fáticas que cabe a cada um regular, mas também para esclarecer a hie­rarquia das normas, em função da competência constitucional. E. precisamente dentro deste contexto que deve ser compreendido o disposto no CTN, ao estauir que "a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance dos institutos, concei­to e formas de direito privado utilizados, expressa ou implicita­mente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias" (art. 110).

Ficam assim esclarecido~, exemplificativamente, a nature· za, função e atribuições das normas de cada ramo, pois o exem­plo separa com nitidez a norma de Direito Constitucional em­pregada para atribuição de competência; a norma de Direito Civil que disciplina a propriedade e que foi adotada pela Cons­tituição e, ainda, esclarece que a norma de Direito Tributário não pode, sob pretexto de regular direitos e obrigações tribu-

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tárias. usurpar a função de atribuir competência. porque esta função é privativa da norma constitucional.

Não havendo esse problema de ordem constitucional. o Di­reito Tributário pode e muitas vezes toma a categoria de Direito Privado e nela opera alterações ou mesmo extensões. para os fins da tributação.

Exemplo bem didático encontramos na extensão do conceito de "pessoas jurídicas" para o efeito da técnica de tributação do imposto de renda. Após arrolar, pelo nomen juris. as pessoas jurídicas como contribuintes. acrescenta a legislação do imposto de renda (Decreto n. 1.041. de 11-1-1994):

Art. 127. As empresas individuais. para os efeitos do imposto de renda. são equiparadas às pessoas jurídi­cas (Dec.-Iei n. 1.706/79. art. 2.°).

§ 1.° São empresas individuais:

a) as firmas individuais (Lei n. 4.506/64, art. 41. § 1.0, a); ~

b) as pessoas físicas que, em nome individual. explorem, habitual e profissionalmente. qualquer ati vi­dade econé mica de natureza civil ou comercial. com o fim especu ativo de lucro. mediante venda a terceiros de bens ou serviços (Lei n. 4.506/64. art. 41. § 1.°. b);

c) as pessoas físicas que promoverem a incorpo­ração de prédios em condomínio ou loteamento de ter­renos, nos termos da Seção II deste Capítulo (Decs.-Ieis ns. 1.381/74, arts. 1.0 e 3.°, III, e 1.510/76. art. 10.1).

As firmas individuais. no Direito Privado. são pessoas na­turais ou físicas. O Direito Comercial as admite como um só sujeito de direitos e obrigações na pessoa do titular da firma.

A pessoa física ou natural. como dispõe o CC. é todo homem capaz de direitos e obrigações na ordem civil (art. 2.°) e portanto um só sujeito de direitos e obrigações nessa ordem. O Direito Tributário avança pelo conceito de empresa e para efeitos tributários cria mais esse tipo de pessoa jurídica, com a qualificação de "empresa individual". Para a aplicação do im-

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posto de renda, portanto, além do contribuinte "pessoa física", se esta pela sua atividade se qualificar também como "empresa individual", aparecem dois sujeitos passivos ou contribuintes desse imposto. Um representado pelo conceito jurídico-econô­mico-tributário de empresa individual (pessoa jurídica) e o outro como pessoa natural. A empresa individual pagará o imposto de renda pelo sistema de pessoa jurídica e a pessoa natural pelo sistema de tributação das pessoas físicas. Neste caso não se trata de bitributação, mas de sistema de arrecadação, pois a pessoa jurídica é, no sistema brasileiro, uma espécie de veículo ou agente de arrecadação 10.

As relações do Direito Tributário com o Direito Privado são muito extensas porque regulando este relações de ordem privada, dentre elas já se encontram muitas de conteúdo eco­nômico e o Direito Tributário necessita dessa disciplina para os fins da tributação. Em razão dessas afinidades, é natural que ocorra uma colaboração recíproca ou interpenetração que se distingue, em cada caso, pela função ou finalidade da norma de cada ramo: uma visando juridicizar a ordem dos direitos e obrigações entre particulares: a outra, a ordem jurídica entre particulares e Fazenda Pública.

14. Conceitos autônomos de Direito Tributário. Princípios e ins­titutos compondo o sistema jUTídico-tributário. As explicações acima relativas às relações do Direito Tributário com outras ciên­cias e com ramos jurídicos foram feitas com dois objetivos.

O primeiro ressaltar que, com as demais ciências, as rela­ções são no campo das considerações de ordem fática e, com os demais ramos jurídicos, no campo da normatividade ou das considerações de Direito.

O segundo objetivo foi esclarecer que a autonomia dos ramos jurídicos, em vez de aparente desunião dentro do Direito, mostra

10. Para estudo de lege ferenda, v. Henry Tilbery, Imposto de Renda. Integração entre Sociedade e S6cios, c:o-edição IBDT-Allas, São Paulo, 1985.

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que este é unívoco, ligado por princípios superiores e que a sub­divisão em ramos decorre da adequação com que o engenho hu­mano sabe se utilizar ou servir-se da multifária natureza das coisas.

Uma mesma coisa, fenômeno ou relação humana, pode, às vezes, ser utilizada em vários sentidos. Se o Direito tem de disciplinar esse uso e gozo e impedir o abuso, no convívio social, é racional que cada aspecto seja regulado por normas. também especiais que possam levar a cada finalidade. Assim, cada ramo jurídico corresponde a um caminho levando, dentro da ordem. a poder atingir o desideratum ou o efeito chamado bem jurídico. Para materializar em figura a função dos ramos do Direito, lem­bremos as fontes de onde nascem os ramos afluentes que vão levando suas águas especiais e formando o grande rio, cuja uni­dade geral das água vai alcançar omar.

Cabe a cada ramo do Direito captar na fonte material o aspecto ou coloração da relação fática, acrescentar-lhe suas nor­mas específicas ou coadjuvantes de outros ramos e, se necessário, as gerais do Direito, normas estas de valoração geratriz e cujos resultados são os efeitos jurídicos ou direitos e obrigações. Eis como o fato natural, pela virtude e qualificação do Direito. passa a fato jurídico, jurigeno ou "gerador".

~ fundamental para a composição de um ramo do Direito. isto é, para que ele {Iossa ser considerado um ramo individuali­zado, tenha princípie,s e institutos próprios, compondo seu sis­tema especial de normas.

Já vimos que é o caso do Direito Tributário ao tratarmos de sua forma, conteúdo e objeto próprios.

Para melhor compreensão basta lembrarmos que não só a Constituição Federal dá a este ramo o nomen juris Direito Tribu­tário e traz todo um capítulo de conteúdo constitucional tributá­rio, sob o título "Do sistema tributário", além de outras normas acolhendo princípios jurídico-tributários na própria ordem cons­titucional, mas que já possuímos um Código Tributário Nacional, contendo as Normas Gerais de Direito Tributário e compendian­do o Sistema Tributário Nacional.

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Tudo isto por quê?

Precisamente porque o Direito Tributário tem reconheci­damente princípios e institutos próprios, compondo um sistema especial de nonnatividade.

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Capítulo VI

VIG~NCIA. APLICAÇÃO. INTERPRET AÇÃO. INTEGRAÇÃO

15. Vigência. aplicação e interpretação da legislação tributária.

16. Aspectos especiais na interpretação das normas tributárias: o conhecimento da ciência e da téc· I]ica do Direito Tributário.

17. A integração da legislação tributária: analogia. princípios gerais e eqüidade.

15. Vigência. aplicdção e interpretação da legislação tributária. Depois de termos visto a natureza. a autonomia. as fontes e as afinidades do Direito Tributário, chegamos a esta matéria meto­dológica.

Vimos, pois, que o Direito Tributário é um direito obrigacio­nal público pela natureza das relações que regula entre o Tesouro Público e os contribuintes; que é um ramo jurídico autônomo porque tem um certo número de princípios e institutos próprios. compondo um sistema; que as fontes reais do Direito Tributário são os pressupostos de fato. isto é. os eventos da vidá atingidos pela lei fiscal que por isso mesmo passam a ser Catos geradores dos direitos e obrigações tributários; que as fontes formais são os atos emanados do próprio Estado, uns legislativos. tipificado­res das relações fáticas como fatos geradores, enquanto outros.

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regulamentares, administrativos, judiciários ou decorrentes da doutrina e especifica ti vos ou explicitadores do conteúdo das nor­mas criadoras; finalmente que no escopo de pesquisa da verdade as ciências se interpenetram e, especialmente aquelas que estudam o mesmo objeto material (naturalmente cada uma por um prisma e por isso se diferenciando pelo objeto formal), entram em con­tacto e colaboração e assim o Direito Tributário, além de dispor de seu material próprio, serve-se de vários dados, conclusões e elaborações de outras ciências como de outros ramos do Direito, para alcançar a sua função normativa da matéria tributária e poder reduzi-la a um sistema científico unitário.

Aí estão, em síntese, os elementos formativos e informativos desse ramo do Direito. Resta agora verificarmos como a lei entra em vigor, é interpretada, aplicada, ou seja, qual a norma? Está ela em vigor? Sendo a disposição legal uma "proposição jurídica" abstrata e geral para alcançar espécies fáticas iguais, estará a si­tuação específica de que se trata, nela induí<Ja? Isto é, existirá ou não o vínculo ligando os fatos à norma e aos sujeitos, produ­zindo conseqüências jurídicas?

Em resumo, agora deveremos ver a metodologia orientando o funcionamento do Direito que se compõe de comandos abstra­tos, de normas 1.

O trabalho do jurista con ,istirá agora na interpretação des­sas normas, para aplicar ao caso concreto a solução jurídica vigente e adequada.

O CTN, nos arts. 101 e 112, traz algumas disposições es­peciais sobre essa metodologia. Essas disposições não são exaus­tivas, pois, como já vimos nas fontes, esta matéria é, e continua a ser, predominantemente doutrinária. A maioria dos disposi­tivos sobre esta matéria é mais programática do que mandamen­tal, porque sendo a interpretação de natureza racional, basica-

1. Muitas são as obras sobre a Metodologia da Ciência do Direito. Com este título, em 1983. Karl Larenz publicou a 5. ed .• completamente reelaborada de sua magnífica Methodenlehre der Rechtswissenschalt. Berlin-Heidelberg-New York, Sprin­ger-Verlag, cuja tradução para o português foi realizada por José Lamego, 2. ed. da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1983.

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mente é a doutrina que estabelece os métodos pelos quais o direito é descoberto e as leis interpretadas.

Vigência

Começa o CTN, no art. 101, por dispor que .. a vigência, no espaço e no tempo, da legislação tributária rege-se pelas dis­posições legais aplicáveis às normas jurídicas em geral, ressal­vado o previsto neste capítulo".

Isto significa que a vigência da legislação tributária obedece às normas dos arts. 1.°, 2.° e 6.° da Lei de Introdução ao Código Civil, que são normas jurídicas gerais.e mais as disposições espe­ciais, das quais o CTN traz as seguintes:

Art. 102. A legislação tributária dos Estados, do Distrito Feder!ll e dos Municípios vigora, no País, fora dos respectivos territórios, nos limites em que lhe reconheçam extraterritorialidade os convênios de que participem, ou do que disponham esta ou outras leis de norma; gerais expedidas pela União.

Art. 103. Salvo disposição em contrário, entram em vigor:

I - os atos administrativos a que se refere o inc. I do art. 100, na data da sua publicação;

II - as decisões a que se refere o inc. II do art. 100 quanto a seus efeitos normativos, 30 (trinta) dias após a data da sua publicação;

III - os convênios a que se refere o inc. IV do art. 100 na data ndes prevista.

Art. 104. Entram em vigor no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que ocorra a sua publi­cação os dispositivos de lei, referentes a impostos sobre o patrimônio ou a renda:

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I - que instituem ou majoram tais impostos;

II - que definem novas hipóteses de incidên-cia;

I II - que extinguem ou reduzem isenções, sal­vo se a lei dispuser de maneira mais favorável ao contribuinte, e observado o disposto no art. 178.

O art. 102 trata da vigência das legislações estaduais, do Distrito Federal e dos Municípios fora de seus territórios no País, em razão do nosso sistema federativo, deixando claro que essa extraterritorialidade dentro da Federação depende dos convênios e das normas gerais federais. Normas gerais são precisamente aque­las de maior compreensão ou abrangência e por isso mesmo ela­boradas com maior abstração. Para sua aplicação aos casos con­cretos exige muito da doutrina e técnica ou do método de aplica­ção, especialmente para resolver conflitos de territorialidade e de direito intertemporal 2 •

Aplicação

O art. 105 prevê que "a legislação tributária aplica-se ime­diatamente aos fatos geradorfs futuros e aos pendentes, assim entendidos aqueles cuja ocor'ência tenha tido início mas não esteja completa nos termos do art. 116. Ao entrar em vigor, a lei tem eficácia imediata sobre as relações fáticas nela previstas e que se realizem a partir da data da lei, isto é, presentes e futuras, consumadas ou iniciadas.

Para efeito de ser aplicável a lei tributária, o CTN esclarece, com base na composição do "fato gerador", destacadamente, que se deve ir ao "fato" e à "norma". Isto é, se o fato gerador, como já vimos, é tridimensional (fato-norma-valor) ele somente se com­pleta com todos os elementos fáticos consumados e normativos vigentes e devidamente valorados. Mas se o elemento fático pre-

2. Sobre o tema da legislação tributária no tempo. v. Antonio Roberto Sampaio Dória, Da lei tributária no tempo, São Paulo, 1968.

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visto na lei, no momento de sua entrada em vigor, é uma "situa­ção" realizada ou em realização no tempo, para produzir os efei­tos que a lei previu, alcança a situação futura como a "pendente" no tempo e excepcionalmente determinadas situações já passadas. Como a "concretização" ou subjacência tributável nos termos do art. 114 é uma "situação" que pode ser tanto "de fato" (fenômeno natural) como "jurídica" (categoria jurídica), dispõe o art. 116 que, salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos:

I - tratando-se de situação de fato, desde o mo­mento em que se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios.

Esclareçamos este primeiro item por meio de um exemplo bem didático de lei que, ao entrar em vigor, encontra fato gerador pendente, isto é, aquele que não é instantâneo no tempo mas peri6dico ou complexo. Vejamos um imposto cujo fato gerador decorre de um fato material e que este esteja se realizando du­rante dias.

O imposto sol: re a importação de produtos estrangeiros tem como fato gerador a entrada destes em territ6rio nacional. Uma grande máquina foi transportada. desmontada. como contraban­do, durante três diés. No segundo dia entrou em vigor uma lei que aumentou a alíquota do imposto sobre a entrada dessa má­quina. Afora o problema criminal e as penalidades fiscais, qual a lei tributária (especialmente a base de cálculo e a alíquota) que se aplica? Em face deste item é a lei nova que entrou em vigor quando a relação fática do fato gerador da tributação já estava em começo de realização e pendente. e já se verificavam as circunstâncias materiais necessárias (embora não suficientes -art. 114 do CTN) à produção dessa entrada.

Já para o item seguinte, o art. 116 do CTN dispõe que, salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos:

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II - tratando-se de situação jurídica, desde o mo­mento em que esteja definitivamente constituída, nos termos do direito aplicável.

Antes de esclarecer essa disposição, queremos aproveitá-la para chamar atenção corno o Direito Tributário, na sua função de alcançar com a tributação o conteúdo econômico, usa na sua teoria e técnica do fato gerador, não só descrever diretamente fatos econômicos corno assento da tributação, mas também cate­gorias jurídicas que preferencialmente disciplinem relações eco­hômicas. Na verdade, o Direito Tributário, via de regra, se serve da categoria jurídica apenas corno forma ou estrutura para poder atingir o conteúdo econômico (o bem, a renda, o serviço, ou a transferência destes).

E precisamente por isto e para mais acentuar o aspecto fáti­co que o texto se refere não a "ato jurídico" mas a situação jurídica. E muito raro o imposto sobre o próprio ato formal, corno era exemplo no Brasil o abolido imposto federal do selo do p.apel. A tributação sobre atos jurídicos, como atos formais, tem o caráter de taxa ou emolumentos e não o de captação de riqueza.

Vejamos agora qual é o significado do texto do inciso II.

Quando a composição de fato gerador torna como concreti­zação ou base a realização de uma "situação jurídica", é no res­pectivo ramo do Direito e nos princípios gerais que o intérprete vai verificar se essa "situação jurídica" (ato ou negócio jurídico) já se constituiu, já está produzindo efeitos, pois enquanto não constituída, também não se completa o fato gerador que a tornou por causa material eficiente.

Exemplo bem típico de situação jurídica, que embora pen­dente só será fato gerador quando constituída definitivamente, temos no caso da herança, cujos bens estejam penhorados. Neste caso precisamos ir ao Direito Civil e ao Direito Processual Civil, para saber aplicar a tributação.

O art. 1.572 do CC dispõe que "aberta a sucessão, o domí­nio e a posse da herança transmitem-se, desde logo, aos herdeiros

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legítimos e testamentários". Por sua vez, o CTN dispõe que "nas transmissões causa mor/is ocorrem tantos fatos geradores distin­tos quantos sejam os herdeiros ou legatários" (art. 35, parágrafo único).

Se a algum dos herdeiros é atribuída a propriedade de bem litigioso, o imposto somente será exigível quando sentença a ele favorável passar em julgado. Este é o caso de bens da herança que estavam penhorados 3. Este exemplo é bem esclarecedor de "situação jurídica" tomada como fato gerador, de natureza pen­dente em razão de litígio a ser resolvido no tempo, isto é, "a situação definida em lei como necessária e suficiente" para a ocorrência do fato gerador, que no caso é a transmissão da pro­priedade da herança, que só estará "definitivamente constituída" nos termos do direito aplicável, com a "coisa julgada". No caso, portanto. de acordo com o Direito Civil e Processual. Observe-se que a tributação é sobre a transmissão do bem. do valor econô­mico que. entrando para o patrimônio do contribuinte. é índice de capacidade contributiva e possibilita ao contribuinte pagar o imposto.

Observe-se que nos termos do art. 1.572 do CC a transmis­são se opera na daa do falecimento do de cujus, inclusive o direito de ação. Pendente esta situação jurídica, o imposto só será exigível quando a sentença atribuir o quinhão ao herdeiro. A legislação a ser aplicada será a que estava vigente na data do falecimento. Assim, a base de cálculo ou valor e a alíquota deve­rão ser as vigentes na data do falecimento e não do pagamento.

Em matéria de retroatividade, também vamos encontrar al­gumas disposições tributárias especiais. A Constituição estabe­lece como princípio geral que "a lei não prejudicará o direito adquirido. o ato jurídico perfeito e a coisa julgada" (art. 5.°, XXXVI).

Entretanto, o CTN dispõe no art. 106 que:

3. V. acórdãos. RF. 64:72. Pontes de Miranda. De:: anos de pareceres, Francisco Alves, 1975, v. 5. p. 202-16.

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A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:

I - em qualquer caso, quando seja expressa­mente interpretativa, excluída a aplicação de penali­dade à infração dos dispositivos interpretados;

II - tratando-se de ato não definitivamente jul­gado:

a) quando deixe de defini-lo como infração;

b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo;

c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo de sua prática.

Se o princípio dominante na tributação juridicizada é o da legalidade (CF, arte 150, 1), que o próprio CTN repete e até se utiliza da teoria do fato gerador com sua tipicidade fechada (art. 97), como conciliar, dentro dessa estrutura constitucional da legalidade e da irretroatividade, a disposição do item I?

Em face das disposições constitucionais vigentes não pode existir lei interpretativa que, expressa ou implicitamente crie, retroativarnente, obrigações onerosas. Estas somente são válidas para o futuro. De outro lado a interpretação é função da doutrina e com o caráter decisório-definitivo somente dos tribunais (CF, arte 5.°, XXXV). O órgão legislativo, por meio da lei escrita, dispõe de modo geral e para o futuro. A Constituição não lhe dá competência, antes lhe veda, de modo expresso, dispor retroati­vamente contra as situações definitivas do direito adquirido, do ato jurídico perfeito ou da coisa julgada.

Dentro da metodologia, chama-se interpretativa a lei que interpreta outra. Se a interpretação está contida em ato do pró­prio órgão a que a Constituição atribui função legislativa, essa interpretação se chama autêntica, porque é o próprio órgão legi­ferante que emite o juízo interpretativo. Se interpreta o conteúdo

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e alcance de lei anterior há de ser necessariamente retroativa, pois sua função é precisamente esclarecer pbscuridades e ambi­güidades de lei pretérita. Esse tipo de lei foi muito utilizado em séculos passados. Na atualidade do Estado de Direito e dos regi­mes democráticos a lei interpretativa reveste-se de caráter excep­cional porque a função interpretativa conclusiva é reservada ao Poder Judiciário (CF, art. 5.°, XXXV).

Em face desse contexto, o legislador ordinário não pode criar tributo, penas ou ônus, retroativamente, prejudicando o direito adquirido, o ato jurídico perfeito ou a coisa jUlgada. Disso resulta que o item I do art. 106 somente pode ser enten­dido dentro do poder de autolimitação que tem o Estado, porque a interpretação autêntica, no campo tributário. somente pode esclarecer dúvidas sem qualquer agravo.

Em princípio não pode, retroativamente, criar ou majorar tributos, penalidades o~ ônus ao contribuinte. Em síntese não pode, gravosamente, retrooperar no campo dos elementos cons­titutivos do fato gerador que é de direito material, mas poderá como medida de política tributária e dentro da autolimitação dispor sobre aspect JS de eqüidade, remissão, anistia. enfim de suavizações, jamais de agravações retroativas em relação às obrigações tributári 3S principais.

Já em relação às obrigações acessórias, de direito formal. desde que não crie agravações, a interpretação autêntica é livre dentro da harmonia do sistema.

Neste sentido são bem claras as disposições das letras a, b e c do item II por esclarecerem hipóteses em que a lei tem efeito retroativo em relação a ato não definitivamente julgado, quando a lei não mais o define como infração ou deixe de tratá-lo como contrário a exigência de ação ou omissão (ressalvadas fraude ou falta de pagamento de tributo) ou comirie penalidade menos se­vera. Estes casos estão de acordo com o princípio da retroativida­de da lei mais benigna (lex mi/io,), previsto na Constituição (art. 5.°, XL).

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Interpretação

A inteligência, como faculdade de compreender, de intellige­re, ler dentro das coisas (intus legere), colhendo o que estas têm de suscetível de serem captadas pela nossa capacidade cognosci­tiva deve ser desenvolvida pela cultura no sentido de acrescer àquela faculdade da mente a habilidade.

Por mais inteligente que seja o homem, não pode ser piloto de aviação sem aprender esta arte, de tal forma a saber resolver situações no tempo e no espaço.

Assim também para bem interpretar e aplicar as leis que juridicizam as relações sociais, não basta a inteligência do ho­mem, é preciso que conheça a Ciência do Direito e tenha habili­dade de jurista.

Saber as leis não é apenas conhecer os termos delas, mas seu conteúdo e alcance ou, como ensina Celsus, no Digesto: Scire leges non (hoc) est, verba earum tenere, sed vim ac potestatem.

Para conhecer, cumprir ou bem aplicar a lei, é preciso captar seu verdadeiro significado e alcance: interpretá-la.

Como diz Heidegger, "chamamos interpretação ao desen­volvimento do compreender". Esse desenvolvimento é objeto de estudo da metodologia da interpretação.

Sendo o Direito uma ciimcia normativa, que visa a opera­ti vida de funcional da dogmática jurídica, dominada no Estado de Direito pelo princípio geral da legalidade, com o fim de rea­lizar a justiça e o bem comum, é necessário que o sistema do Direito atinja o próprio campo da interpretação não só por meio de normas adequadas, mas também pela doutrina e jurispru­dência, para impedir a Incerteza. ~, sem dúvida, um campo de difícil delimitação por colocar-se muitas vezes nos extremos da razão e da convicção humanas. Muitos são os autores que con­testam a legitimidade de regras fixas ou formais de interpre­tação.

A nosso ver é um campo em que a necessidade de cogência do direito sobre as relações fático-sociais, para atingir o valor

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jurídico, terá sempre de traçar normas gerais que permitam, quan­do necessário, os complementos dos vários ramos do Direito, da doutrina e dos julgados.

Neste sentido, observe-se como as normas gerais, ao mes­mo tempo que vão gizando um certo círculo de cogência, vão deixando ao intérprete e aplicador da lei, nos extremos, certa margem de colaboração racional ou de convicção, dentro da metodologia jurídica, como passaremos a ver.

Traçando o princípio geral de legalidade, a Constituição estatui que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei" (art. 5.°, II). Entretanto, nas situações mais duvidosas para o cumprimento é especial­mente convocada a teoria da integração e a da interpretação. Neste sentido rezam as normas da Lei de Introdução ao C6digo Civil:

Art. 3.° Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que -não a conhece.

Art. 4.° Quando a lei for omissa, o juiz deci­dirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princír ios gerais de direito.

Art. 5.° Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociai:; a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

Para o exercício jurisdicional, nessa matéria, dispõe o CPC:

Art. t 26. O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas le­gais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costu­mes e aos princípios gerais de direito.

Art. 127. O juiz s6 decidirá por eqüidade nos casos previstos em lei.

Corno se vê, na impossibilidade de traçar normas exausti­vas que pudessem dispor sobre todas as situações concretas.

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imprevisíveis, na verdade, a legislação remete aí o intérprete à Ciência do Direito, à metodologia da integração e da interpre­tação jurídicas.

Como estamos cuidando, neste compêndio, do Direito Tri­butário, vamos em rápido exame ver alguns dos métodos gerais de interpretação e aplicação da lei e verificar se serão todos aplicáveis integralmente ao campo do Direito Tributário, ou se o Direito Tributário também tem aspectos especiais dentro da teoria da interpretação, da integração e da aplicação do Direito.

Métodos de interpretação em geral

Os métodos clássicos podem, de um modo geral, ser resu­midos neste quadro:

1) gramatical, literal ou léxico: conforme o texto da norma;

2) lógico-sistemático: conforme o contexto;

3) teleológico: conforme a finalidade;

4) histórico ou genético: conforme o material que serviu de base para a elaboração da lei e seu his­tórico ou circunstâncias ocasionais.

Interpretação gramatical

A chamada interpretação gramatical ou literal costuma ser colocada como ponto de partida, mas isto é uma simples coloca­ção didática, no sentido de mostrar que sendo interpretação de um texto escrito, se ele não suscita dúvida, se as palavras não são ambíguas, se a compreensão é unívoca, o sentido literalmente apreendido, quando satisfaz à mente jurídica, presumivelmente será o certo.

Entretanto caberá sempre ao jurista desconfiar se essa cla­reza verbal não é apenas aparente e contrastá-la por meio de outros métodos, só a aceitando se realmente dela se cOQvencer.

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E. preciso não esquecer que na própria e correta interpreta­ção literal se utilizam a lógica da lingua" a lógica da matéria disciplinada e a lógica do Direito.

Como acentua Betti "a interpretação é sempre um processo e não é possível desintegrá-lo para efeito de só admitir-se uma interpretação literal ou gramatical estanque ou mecânica. Basta ter presente a incidibilidade entre a palavra e o pensamento que ela representa e refletir que a lei não é letra morta, mas a forma representativa do conteúdo espiritual, que é um conteúdo ilOr­mativo para fins de convivência social. para compreender-se o absurdo dessa corrente".

Portanto, a nosso ver, interpretação .gramatical dentro do Direito não deve significar apenas a interpretação do gramático, mas a interpretação gramatical quando esta coincida ou seja a mesma dentro da gramática e do Direito.

Como este diagnóstico cabe ao jurista, por se tratar de inter­pretação da norma, a ele cabe concluir se no caso está ou não havendo uma recepção do sentido ou conotação literal, Iingüísti­ca, filológica por parte do Direito.

A interpretaçã) gramatical dentro do Direito é assim cha­mada, brevitatis ca lsa, porque na verdade, no campo jurídico, ela contém um plus, tem de ser uma interpretação gramatical juridicizada, isto é, uma interpretação jurídico-gramatical, para ser válida.

Em tempos já remotos, chegou-se à afirmação de que as leis fiscais eram odiosas, excepcionais e que a interpretação da lei tributária deveria ser feita restritivamente, só comportando a in­terpretação literal. Isto já é arqueologia fiscal. como também fo­ram as chamadas interpretação in dubio pro fisco ou in dubio contra fiscum.

A tributação é imprescindível para a sobrevivência do Esta-

4. "Um esludo cientifico da ciência é um estudo da linguagem da ciência." Charles W. Mnrris, Fundamentos da teoria dos signos, Irad. de M. J. Pinto, EDUSP, 1976. p. 1 L

Veja·se ainda: J. Balmes, Filoso/ia da linguagem. São Paulo, Cultura Modema.

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do e um dos mais relevantes meios para a promoção do bem comum. No Estado de Direito, a tributação é disciplinada pela lei que a estrutura por meio de relações jurídicas e não admite relações de força ou poder, afastando o arbítrio. Lei é a propo­sição jurídica que trata igualmente todos que estão nas mesmas situações e desigualmente as situações desiguais e é oponível tan­to aos particulares· como ao próprio Estado no status de pessoa de direitos e obrigações.

Assim, a lei fiscal, integrada no Direito Tributário, não é odiosa e comporta, em princípio. a utilização de todos os mé­todos de interpretação, o que não exclui que em certos casos, especificamente para impedir excessos de exação, aflição de pe­nalidades, privilégios, analogias incabíveis, fraudes, sonegações, simulações e demais situações indesejáveis, também tenha à sua disposição, na própria ordem jurídica, como de resto tem todo o Direito, instituições da ciência e da técnica jurídica para impedi-los.

Por tudo isso, na moderna literatura jurídica, a interpreta­ção da lei tributária não é pro fisco nem pro contribuinte mas pro lege.

Neste ponto os estudantes haverão logo de perguntar:

Mas o próprio CTN não traz disposições especiais sobre a interpretação gramatical? estatuindo:

Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:

I - suspensão ou exclusão do crédito tributário;

II - outorga de isenção;

II I - dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias.

Não há dúvida. Todas as disposições do CTN sobre a inter­pretação não só não esgotam sequer as especificidades, mas são sobretudo normas de orientação e visam conduzir, como não po­deria deixar de ser, a descoberta da vontade objetivada na lei

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tributária e impedir distorções contra quaisquer das partes da relação jurídico-tributária. .

A suspensão ou exclusão do crédito. tributário, a outorga de isenção, como a dispensa do cumprimento d~ obrigações tributá­rias acessórias são situações especificadas e disciplinadas, dentro do Direito Tributário. Somente podem ser concedidas em casos expressos e sem ferir a isonomia constitucional.

As disposições do art. t t t são apenas uma espécie de lem­brete ou remissão aos arts. 97, VI, 113, § 2.°, e 176 do próprio CTN, pelos quais se vê que essas situações só podem decorrer de texto expresso de lei e não do resultado de induções, dedu­ções ou analogia. E um campo de direito estrito em que não pode, por exemplo, existir lacuna nem admitir a chamada inter­pretação integrativa nem analógica.

Interpretação lógico-sist~mática

o Direito não é escrito apenas por meio de textos mas tam­bém de contextos, ou textos interligados, compondo uma estrutu­ra ou sistema de ne rmas gerais, especiais e específicas.

As normas jurídicas têm um nexo, são todas membros de um único organismo. Por isso o intérprete não deve limitar-se a examinar apenas o texto de uma disposição, mas pesquisar em todo o sistema do )ireito. do respectivo ramo do Direito, das leis orgânicas. Códigos e dentro da própria estrutura da lei, para encontrar os dispositivos ligados ou correlacionados.

Muitas vezes um dispositivo faz remissão expressa a outro mas também às vezes não o faz e está relacionado por ser gênero· ou espécie um em relação a outro, por ser parte ou complemento de outro na regulação da mesma matéria de fato.

Às vezes, a extensão ou complexidade da relação fática, objeto da regulação, exige não apenas um dispositivo ou pro­posição jurídica, mas o concurso de várias e diversas disposições para a sua completa normatização.

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o conjunto das disposições "de direito" incidentes sobre uma mesma relação fática. que assim conjugadamente compõe o retrato ou figura normatizante da situação fática, é precisamente o instituto jurídico. Essas disposições estão entre si ligadas pelo nexo de regularem a mesma relação fática e esse retrato jurídico só se completa com todos os traços dos diferentes dispositivos.

Para poder descobrir todas as disposições conexas, inci­dentes sobre a relação fática, é necessário que o pesquisador das normas tenha antes encontrado. conhecido e compreendido inte­gralmente a situação de fato. Um perito, para constatar se o pintor retratou com fidelidade a fisionomia de alguém, de algu­ma forma precisa comparar a pintura com o original. Um perito grafotécnico não poderá, com sucesso, determinar a autoria de uma escrita sem contrastá-la com os traços da original.

Eis aqui a importância do cuidado e atenção prévia para com a natureza das coisas. Se o jurista não tiver interpretado e compreendido correta e suficientemente a situação de fato, não estará habilitado sequer a pesquisar e encontrar as normas per­tinentes. O seu trabalho, por erro de fato, será apenas uma logomaquia, porque indicará normas inadequadas, inaplicáveis ao caso concreto. Ao contrário, se interpretar e conhecer corre­tamente os fatos, já estará habilitado à segunda fase para en­contrar as respectivas norma:; de regulatividade. Para saber en­contrar as normas, precisa igualmente do conhecimento prévio da Ciência do Direito.

Partindo dos facti conhecidos, vai fazer a subsunção desses fatos à norma e partindo do conhecimento das normas vai fazer a subjunção ou aplicação aos fatos. A capacidade desta valora­ção constitui o cerne da habilidade do jurista. E exigida em todos os momentos da possibilidade do conhecimento dos fatos rele­vantes para o Direito e da possibilidade do conhecimento das normas adequadas, nos momentos da interpretação e aplicação do Direito, como nos momentos de elaboração da lei.

Neste último, se não tiver plena ciência e consciência dos fatos, não terá sequer aptidão para juridicizar as situações fá­ticas.

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Interpretação teleológica

Como ressalta Jhering, o fim é criador de todo o Direito. Por isso mesmo o sentido das leis é essencialmente determinado pelo fim (te[os). A apuração da finalidade da lei ou da proposi­ção jurídica se faz por meio do método teleológico de interpreta­ção das leis. A finalidade objetivada no texto e no contexto se revela nas peculiaridades das intenções contidas nos preceitos e conceitos jurídicos.

Assim, devemos ter em mente que o Direito Tributário tem por finalidade disciplinar a tributação com o escopo de obter receitas para o Estado e quando por meio do imposto que é captação de riqueza, conforme a capacidade contributiva; por meio da taxa dentro do conceito contraprestacional e de recu­peração do custo do exercício do poder de polícia ou do serviço público; por meio da contribuição de melhoria em razão da obra pública e da valorização imobiliária; por meio dos impos­tos extra fiscais o fim orâinatório ou de instrumento de regula­tividade. Se o intérprete tiver em mente, ao examinar a tipici­dade de cada tributo, a natureza e finalidade de cada um; se ao examinar cada i lstituto ou cada disposição tiver presente a finalidade objetivad a, muito facilitará a compreensão e alcance das respectivas normas. As normas tributárias visam. muitas vezes, mais acentuada ou consorciadamente, finalidades finan­ceiras, políticas, ec(,nômicas ou regulatórias.

G método teleológico no campo tributário consiste em cap­tar a função ou finalidade de cada disposição legal dentro da estrutura da ordem jurídico-tributária e sua harmonia ou conexão com as demais partes da ordem jurídica.

Um aspecto importante dentro da interpretação teleológica é o da chamada consideração econômica. Especialmente no campo dos impostos, tendo-se em vista que estes são instrumentos de captação de riqueza, que incidem quase sempre sobre fatos eco­nômicos por meio de categorias jurídicas, podem estas estar sendo distorcidas ou mal utilizadas com pretensões de reduzir ou elidir tributações legítimas. A consideração econômica poderá, em cer-

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tos casos, demonstrar a finalidade autêntica de dispositivos e im­pedir abusos.

De outro lado, a consideração econômica é também útil para demonstrar o uso legítimo de estruturações que permitem a chamada "economia de imposto", isto é, a faculdade que tem o contribuinte, dentro da ordem jurídica, de estruturar legiti­mamente suas atividades e não incidir repetitivamente em tribu­tações ou gozar de benefícios, opções, isenções, incentivos fiscais e outras mitigações da carga tributária.

A consideração econômica, dentro da interpretação teleoló­gica, deve ser correlacionada com o princípio da uniformidade da tributação, segundo o qual fatos iguais devem, em princípio, ser igualmente tributados. A consideração econômica dentro da teoria da interpretação do Direito não significa uma intromissão livre da ciência econômica dentro do Direito. Esta tem de ser e somente pode ser uma apreciação do conteúdo econômico e váli­da quando juridicizada ou admitida pelas disposições isoladas ou correlacionadas do Direito. Constitui um erro distinguir-se con­sideração "econômica" e "jurídica", pois a consideração econô­mica só é vinculante até onde tenha sido admitida pelas normas jurídicas; do contrário, constituiria um elemento de insegurança, em vez de instrumento de normatividade do Direito.

Interpretação histórica ou g\:nética

Uma lei ou disposição é rebultado de um processo histó­rico-cultural.

O Direito possui categorias universais e um vocabulário técnico que acomunam os juristas de todo o mundo, mas sua ela­boração e interpretação não podem prescindir das características e das circunstâncias vivenciais de cada povo.

Como acentuou Oliver Holmes, a vida do Direito não tem sido lógica, tem sido experiência.

Este destaque contrastante serve para ressaltar que sendo o Direito disciplina lógico-normativa da convivência social é

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influenciado na sua própria elaboração, como na sua interpre­tação e aplicação, pela experiência social concreta. Não é apenas construção teórica, mas teorização diretiva da conduta social. Não é fruto arbitrário de construções legislativas, porque estas nem sempre se apartam dos vínculos históricos, tradicionais. São elaboradas em momentos circunstanciais e segundo necessidades sociais a que visa dar soluções histórico-jurídicas.

Por tudo isso, no momento da interpretação, cabe ao jurista perquirir a occasio legis, saber dos elementos circunstanciais que deram origem à elaboração do texto, no contexto do sistema.

f. evidente que este elemento não é por si decisivo, pois pode descobrir que a lei ou disposição teve precisamente a finalidade de alterar a situação a quo, para inseri-la em nova orientação ou conservar a tradição.

O elemento histórico é mais um dado de informação que pode acrescer à convicção num determinado sentido, alcançado por intermédio de outros' critérios, pois eles se conjugam na pes­quisa da verdade jurídica. Esta é a voluntas legis non legislatoris, isto é. o que é relevante é descobrir-se a vontade objetivada na lei.

Se pelo elemen:o histórico se descobre, por projetos. atas e elementos dos debat.:s ou discussões que a vontade do legislador era outra que não a definida no texto e contexto, a pesquisa his­tórica serve para cor firmar a mutação que prevaleceu. Se coinci­dem a vontade objet! vada na lei e a vontade do legislador, a pes­quisa histórica será mais uma demonstração do ser.tido unívoco.

Jurisprudência, doutrina e Direito Comparado

Além da utilização dos métodos propriamente ditos, cabe ao intérprete a busca de precedentes na jurisprudência, bem como nos estudos e pesquisas da doutrina, inclusive do Direito Comparado.

Dificilmente é empregado apenas um critério de interpre­tação, porque os elementos conjugados dos vários critérios é que vão completar o quadro interpretativo.

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Em face do caso concreto, a própria c.scolha do método ou consorciação destes caberá à argúcia e habilidade do intérprete. pois este desenvolvimento do conhecer é a própria interpretação. O Direito, como ciência social, não pode, quer por meio de leis ou da doutrina, equacionar e dar soluções a priori para todos os casos imprevisíveis, porque não é ciência matemática.

O que é preciso ressaltar é que há questões que somente o verdadeiro jurista, aquele que realmente tenha cultura e vivência, consegue equacionar e resolver. Isto não é apanágio ou hermetis­mo da Ciência do Direito, acontece em todos os campos científi­cos. em todas as especialidades: somente os mais capazes, mais dedicados e qualificados é que estão habilitados a resolver os problemas mais difíceis.

Neste ponto, o que desejamos salientar aos estudantes d~ Direito é a importância e necessidade não somente da cultura jurídica, mas muito especialmente o estudo da metodologia da interpretação jurídica, pois esta é um dos principais instrumen­tos para o bom exercício da advocacia, do ministério público, da judicatura ou do ensino do Direito. Já nos tempos romanos. os grandes intérpretes eram os jurisconsultos.

16. Aspectos especiais na illterpretação das normas tributárias: o conhecimento da ciência J da técnica do Direito Tributário. Visto que a interpretação das leis tributárias está (como em todos os ramos do Direito) subordinada aos princípios da teoria geral do Direito e que dentro da dogmática jurídica são de primeira relevância hierárquica os princípios e normas constitucionais, cumpre esclarecer porque também há princípios e normas espe­ciais de cada ramo do Direito sobre a sua própria interpretação e aplicação.

Precisamente sobre isto, salienta Vanoni que, após vários estudos, "é doutrina pacífica que as regras a serem utilizadas na interpretação da lei não se podem considerar inteiramente idênticas em todos os campos do Direito.

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Há, de fato, de um lado, regras de interpretação ditadas pelo legislador ou elaboradas pela doutrina, que possuem uma validade universal, porque dimanam dos caracteres gerais da norma jurídica, encontrando portanto aplicação em todos os campos do Direito.

Outras normas de hermenêutica resultam, ao contrário, da diversa natureza das relações da vida social reguladas pelos ra­mos específicos do Direito e valem tão-somente para certas espé­cies de leis, não servindo a leis de índole diferente.

Neste caso, a norma, como observa Rocco, não é mais con­siderada segundo as suas características formais, mas, ao contrá­rio, encarada de acordo com o seu conteúdo substancial.

O intérprete, com efeito, deve levar em conta a natureza particular das relações reguladas e as características comuns, que delas decorrem, para as normas pertencentes ao ramo do Direito de que se trata, se quiser atingir um entendimento do verdadeiro alcance da norma"·.

o intérprete das lei 5 tributárias tem de conhecer a ciência e a técnica do Direito 1 'ributário

Se, do ponto d{ vista objetivo, as leis tributárias são elabo­radas tendo em conl a a natureza particular das relações fáticas que visam regular, também di) ponto de vista subjetivo do intér­prete é requisito necessário para a interpretação e a aplicação das leis tributárias o conhecimento da ciência e da técnica do Direito Tributário: já vimos que não basta a inteligêr,cia, mas é necessá­rio que o intérprete também tenha habilitação.

Exatamente por isso é que Trotabas, o maior Mestre do Di­reito Tributário em França, acentua que não se pode estudar utilmente o menor problema que decorre da aplicação de uma

5, Natura ed interpretazione delle leggi lributarie. in Opere giuridiche, Giuffre, 1961. v. \, p. 3, Em 1952. Rubens Gomes de Sousa traduziu e publicou entre nós este importante livro de Ezio Vanoni, como se pode ver de Natureza.! interpretação das leis tributárias, Rio, Ed. Financeiras. Nesta tradução cr. p. 11-2.

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lei de imposto, sem o conhecimento da ciência do Direito Tri­butário, pelo menos nos seus dados essenciais.

Existem vários impostos e cada um aplica, em condições muito diversificadas, a ciência do imposto. J: esta que importa, antes de tudo, estudar numa teoria geral do imposto para alcan­çar o conhecimento do sistema tributário, da técnica das leis fiscais e poder atingir a solução das principais dificuldades que suscita a sua aplicação o.

Passemos portanto a procurar, na legislação e na doutrina, regras especiais de interpretação do Direito Tributário e a es­tudá-las, para essa demonstração.

O CTN traz várias normas de interpretação, tais como as dos arts. 99, 118 e ainda sob o título "Interpretação e integra­ção da legislação tributária" colocou os arts. 107 a 112, como um capítulo.

Uma das críticas que se costuma fazer contra regras legisla­das de interpretação é que sendo esta matéria, por sua natureza, doutrinária, a fixação de regras impede a evolução. O exame e a discussão de cada caso concreto exigem o concurso de elementos tão diversificados que, difícil, senão impossível, é estabelecerem-se regras a priori que possam esclarecer adequada e suficientemente todas as relações de fato e de direito. A interpretação exige a pesquisa e o raciocínio lógico e estes são produções intelectivas que não podem estar presas a padrões superáveis.

Por isso, quando o art. 107 diz que" a legislação tributária será interpretada conforme o disposto neste Capítulo" quer sig­nificar que ocorrendo as hipóteses especiais previstas nas dispo­sições desse capítulo, por elas é que se resolvem esses casos, pois aí não estão todas as regras possíveis da interpretação, mas apenas algumas das chamadas normas peculiares do Direito Tributário e que são previstas de acordo com a estrutura deste ramo jurídico.

6. Cf. Prlcis de science et technique 'isca/es. 2. ed., Paris, Dalloz. 1960, p. 1.

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17. A integração da legislação tributária: analogia, princlplOs gerais e eqüidade. O sentido jurídico-lingüístico de integrar é de completar o todo, de incorporar apenas o complemento que a tentativa de demonstração do todo revela estar faltando e que a "tensão" de todos os elementos gerais e especiais, lógica, teleoló­gica e sistematicamente reunidos, exige a "construção" daquele complemento e o integra para completar a configuração.

Por isso a interpretação precede e possibilita ou não a inte· gração. A ausência de disposição pode ser "expressa" ou "ocul­ta··. Se oculta, especialmente, a interpretação, não apenas do texto, mas do contexto, demonstra não existir omissão ou lacuna porque da sistemática decorre a disposição. O problema existe. como refere o art. 107 do CTN, no caso de .. ausência de dispo­sição expressa". Para a solução no campo tributário o CTN indica o recurso à analogia, aos princípios gerais de Direito Tributário e Público e à eqüidade.

Vamos examinar as -disposições do CTN, 'mas queremos des­de já advertir que esses momentos de integração são muito raros no Direito Tributário, porque as peculiaridades deste. como di­reito de intervenção no patrimônio dos particulares. já levou o Estado de DIreito a dar muito maior importância ao texto legal. acentuando Strickrodt que o Direito Tributário vive do "dictum do legislador". Assirr. por exemplo. na matéria de configuração da obrigação tributár a é adotada pela própria legislação a tipici­dade fechada da teoria do fato gerador e este não pode ser am­pliado pela analogia.

~ curioso que o CTN, tratando especificamente desta ma­téria, cita. em primeiro lugar, a analogia, dando a impressão de que a analogia tem grande aplicação no campo tributário. Ao contrário, o próprio CTN se encarrega de restringir. por muitas disposições, o seu emprego. de modo que, a nosso ver. o que resta é apenas a possibilidade da analogia in lavorem ou no cam­po do Direito Tributário Formal, ou seja. jamais em relação aos elementos constitutivos da obrigação tributária. O tributo somen­te pode ser criado por lei e o próprio CTN especifica que somente

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a lei pode estabelecer os elementos constitutivos da obrigação material (CTN, art. 97, I a VI, e § 1.0) T.

Feita esta ressalva, vejamos em conjunto os dispositivos de­dicados à matéria da integração da legislação tributária.

Dispõe o CTN:

Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autorid,ade competente para aplicar a legislação tribu­tária utilizará sucessivamente, na ordem indicada:

I - a analogia; II - os princípios gerais de Direito Tributário; III - os princípios gerais de Direito Público; IV - a eqüidade. § 1.° O emprego da analogia não poderá resul­

tar na exigência de tributo não previsto em lei. § 2.° O emprego da eqüidade não poderá re­

sultar na dispensa do pagamento de tributo devido.

Que vem a ser a impropriamente chamada interpretação ana16gica?

Convém desde logo não confundir interpretação extensiva com aplicação da lei por an'llogia. Segundo esclarecimentos de Hensel e de Lions, podemos lssim expor:

Interpretação extensiva - a situação de fato é clara, mas a de direito obscura, ou incompleta. O intérprete procur~ fazer o texto alcançar a situação de fato; ele demonstra que um caso que não parece estar incluído na norma, nela está compreendido. ~ por isso chamada interpretação extensiva da lei. ~ uma apre­ciação do campo legal, que utiliza os elementos da metodologia da interpretação para demonstrar que a lei alcança o fato, em­bora o tex.to não pareça abrangê-lo com precisão.

7. A sustentação que há vários anos vimos fazendo, de que a QnQlogiQ em nosso sistema juridico-tributário só é admissível no direito formal e no material só em certos casos de mitigação (analogia ;n lavorem). encontramos agora, no mesmo sen­tido. em um dos melhores livros didáticos da literatura mundial: Tipke. Steuerrecht. Kô!n, 1975, p. 34.

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Analogia não é interpretação, mas integração, como veremos.

Aplicação anal6g:ca - ? situação de direito é clara, mas a de fato obscura, ou melhor, o texto descreve com clareza uma detenninada situação de fato e o intérprete pretende aplicar essa descrição a outra situação de fato, por ser concretamente análoga à descrita no texto. Portanto, a aplicação por analogia implica a apreciação do estado de fato legal e a comparação ou analogia deste com outro estado de fato concreto.

Na chamada interpretação por analogia fica patente:

a) que o caso não está compreendido no quadro da lei;

b) mas pretende que deve ser tratado como se estivesse, por ser concretamente análogo·.

Moacyr Lobo da Costa, antes da promulgação do CTN, em artigo intitulado Da analogia no Direito Tributário o. embora não fazendo a distinção que admitimos para aceitar a analogia so­mente in lavorem ou no~Direito Formal Tributário e assim con­ciliar a invocação da analogia pelo CTN, salienta que "não dis­pondo a lei sobre a incidência do tributo por ela criado a um detenninado ato ou fato ou negócio jurídico, de conteúdo eco­nômico, poderá o ar licador sujeitá-lo ao tributo, desde que seja análogo aos casos ex(,ressamente previstos na lei, sob o fundamen­to de se tratar de urr a omissão suprível pela analogia? Sustenta­mos que não. Pois ae miti-Io seria equiparar o intérprete ao legis­lador. Atribuir à obl igação tributária uma outra causa além da lei. Destruir a segurança firmada pela Constituição para introdu­zir o arbítrio em matéria fiscal".

Esclarece Blumenstein que, em conseqüência da sua confi­guração como relação jurídica, o tributo só deve ser aplicado de conformidade com a lei e acentua que em matéria de interpreta­ção, no Direito Tributário, é preciso atender-se à sua estrutura específica.

8. Apud Marcel Wurlod. Forme ;uridique el réalilé économique duns fapplication des lois fiscales, Lausanne, 1947, p. 12, nota 4.

9. RDA, 35:28.

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Se a obrigação somente pode decorrer de lei, não podem ser aplicados os métodos extensivos, por meio de analogia, pois a Constituição não autoriza essa ampliação.

Também assim não será admissível basear-se no escopo (ratio legis) para pretender-se restringir ou ampliar uma tributação pre­vista em lei.

A interpretação da norma material tributária deve, pois, ser estrita: não ampliar nem restringir. Se houver omissão da lei, deve ser sentenciada a inexistência da obrigação. Se a obrigação estiver prevista não deverá ser restringida: a aplicação deve ser estrita, tal qual disponha a lei tributária.

Os princípios gerais de Direito Tributário - que se entende por princípios gerais de Direito Tributário como fonte supletiva da lei?

Giorgio DeI Vecchio explica que "a harmonia das diver­sas partes çomponentes do sistema deve ser experimentada e confirmada a cada instante, aproximando-se as regras particu­lares entre si e relacionando-as com os princípios gerais a que se prendem. Só assim poderá o jurista compreender o espírito do sistema e observá-lo em suas aplicações particulares, evitando os erros que se produziriam se ele se contentasse em considerar, por um modo geral, apenas e:,ta ou aquela regra em si mesma. O jurista e especialmente o juiz devem, tanto quanto possível. dominar e, por assim dizer, reviver todo o sistema, compene­trando-se de sua unidade espiritual, desde os princípios remotos e subentendidos, até às mínimas disposições, como se fossem autores do todo" 10.

Princípios gerais de Direito Tributário no sentido de fonte supletiva da lei a que se refere o CTN são, portanto, os que resul­tam de todo o sistema jurídico tributário brasileiro e muitos estão na Constituição e no CTN. Os princípios gerais de Direito Públi­co também são os que decorrem de todo o sistema do Direito Público.

10. Les principes généraux de droit. Recueil d·éludes sur les sources du droil en I"lJonneur de F. Gény, v. 2.

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A eqüidade é a mitigação do rigor da lei. O Prof. Vicente Ráo compendia estas três regras fundamentais da eqüidade:

1) por igual modo devem ser tratadas as cousas iguais e desigualmente as desiguais;

2) todos os elementos que concorreram para constituir a relação sub judice, cousa, ou pessoa, ou que, no tocante a estas tenham importância, ou sobre elas exerçam influência, devem ser devidamente consideradas; .

3) entre várias soluções possíveis deve-se preferir a mais suave e humana, por ser a que melhor atende ao sentido de pie­dade e de benevolência da justiça; jus bonum et aequum.

As três regras citadas se traduzem, em última análise, no princípio da igualdade do trato das relações jurídicas concretas e, como conseqüência deste princípio, no preceito segundo o qual deve o Direito ser aplicado por modo humano e benigno II.

Alguns tribunais ad}ninistrativos fiscais, como é exemplo o Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo, têm com­petência em certos casos para dispensar multas fundados na eqüi­da de I:; também algumas leis federais dão essa competência ao Ministro da Fazenda, mediante proposta dos Conselhos de Con­tribuintes. Compendi; Indo e generalizando essa possibilidade do julgamento por eqüid<lde, quanto às penalidades, é que o § 2.° do art. 108 do CTN dis~ôs que o emprego da eqüidade não poderá resultar na dispensa dI) pagamento de tributo devido. Assim como somente por lei pode ser criado ou alterado o tributo, também somente a lei é que pode dispensar o pagamento do imposto devido. Como as normas gerais do CTN são em geral normas

II. o direito e a vida dos direitos. São Puulo. Mux Limonad. 1952. v. I. p. 88. :2. A nosso ver. por inCeliz e errônca modificação da legislação Coi restringido

e~sa importante competência do Tribunul e hoje seu regimento publicado no DOE. 12 jul. 1969. dispõe:

Arl. 5.° O Tribunal poderá cm suas decisõcs aplicar o princípio da eqüidade. limitado u prazos e condições processuais.

Arl. 6.° Somente nos casos expressamente previstos em lei. poderá o Tribunal relevar multas ou reduzi-los aquém do mínimo legaL

Hoje csta Caculdade de relevação ou redução de multo em relação 110 ICMS está disposto no ar!. 92 e §§ da Lei paulista n. 6.374/89.

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sobre as leis tributárias, o art. 172 prevê que "a lei pode autori­zar a autoridade adm.inistrativa a conceder, por despacho funda­mentado, remissão total ou parcial do crédito tributário", aten­dendo a condições que especifica, entre as quais "a considera­ções de eqüidade, em relação com as características pessoais ou materiais do caso" (item IV). Veja-se que no caso do art. 108, IV, a eqüidade pode ser aplicada como supletiva da lei para relevar penalidades ou obrigações acessórias mas não para a dis­pensa de pagamento de tributo, ao passo que no caso do art. 172, IV, a autoridade poderá dispensar por eqüidade o pagamento to­talou parcial do tributo baseada em lei que previamente permita essa consideração.

Princípios gerais de Direito Privado - o art. 109, ao dispor que "os princípios gerais de Direito Privado utilizam-se para pes­quisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos. conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários", teve dupla finalidade: afastou estes como meio su­pletivo da integração da lei fiscal e deixou esclarecido o aspecto das relações que o Direito Tributário mantém com o Direito Pri­vado. Isto significa que, quando as categorias do Direito Privado estejam apenas referidas na lei tributária, o intérprete há de in­gressar no Direito Privado J:ara bem compreendê-las, porque neste caso elas continuam sendo institutos, conceitos e formas de puro Direito Privado, porque não foram alteradas pelo Direito Tributário mas incorporadas sem alteração e portanto vinculan­tes dentro deste.

A disposição do art. 110 tem conexão com a matéria tratada no art. 109, mas na verdade não constitui propriamente regra de interpretação. E antes uma proibição e orientação dirigidas ao legislador ordinário, pois reza que "a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado utilizados, expressa ou implicitamen­te, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias".

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Por outras palavras, significa que a matéria de competência é constitucional e a lei ordinária não pode nem mesmo por essa forma indireta defini-la ou limitá-la. Também a contrario sensu o dispositivo deixa entendido que a lei tributária, respeitando a reserva constitucional e obedecendo às atribuições constitucionais pode em certos casos modificar e adotar para fins tributários, institutos, conceitos e formas de direito privado. Neste caso pas­sarão assim modificadas para o Direito Tributário. Aliás na reda­ção do projeto esse dispositivo correspondia ao parágrafo único do art. 76, que dizia: "a lei tributária poderá modificar expressa­mente a definição, conteúdo e alcance próprios dos institutos, conceitos e formas a que se refere este artigo, salvo quando expres­sa ou implicitamente utilizados. na Constituição ... "

"ln dubio pro reo"

Concluindo o capít!llo da interpretação, dispõe o CTN:

Art. 112. A lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto:

I - i. capitulação legal do fato;

II - à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão dos seus efeitos;

III - à autoria, imputabilidade ou punibilidade;

IV - à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação.

A equanimidade destas disposições está de acordo com prin­cípios modernos de que a dúvida afasta o agravo. São princípios de respeito ao ser humano.

Dentro desta temática e tendo em vista a nossa vivência advocatícia, queremos chamar a atenção para um aspecto de grande relevância e que temos visto mal compreendido pelos funcionários fiscais autuantes ou mesmo judicantes.

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Ao. capitularem isoladamente o disposto no art. 136 do CTN, sem compreendê-lo, e mais, omissivamente, por não o conjugarem com o disposto no item III do art. 112 acima trans­crito, pensam que o art. 136 criou entre nós a responsabilidade objetiva, o que veremos agora que não aconteceu.

O art. 136 estatui que,

"Salvo disposição d~·lei em contrário, a respon­sabilidade por infrações da legislação tributária inde­pende da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato".

Como mais explicitamente iremos ver no capítulo da impu­tabilidade e punibilidade, esta somente pode ocorrer nos casos de dolo ou de culpa do agente ou responsável.

Age com dolo o infrator que de1iberadamente infringe o dis­posto na lei, com a intenção de conseguir o evento ilícito.

Age com culpa o infrator ou responsável que, embora sem intenção, age ou se omite contra a lei, por negligência, imprudên­cia ou imperícia.

Pois bem.

O que o disposto no art. 136 veio estatuir como regra geral é que nem sempre é preciso oco 'rer o dolo ou intenção do agente ou responsável para ser caracterizada infração da legislação tri­butária.

Na generalidade, para ocorrência da infração fiscal, basta o grau da culpa, seja por neg1igência, imprudência ou imperícia, O requisito do dolo ou intenção para tipificação de infrações fis­cais é somente para certos casos mais graves, especificadamente configurados na lei como dolosos, como é exemplo o do crime de sonegação fiscal, pois este somente pode ocorrer se integrado pelo dolo. Não se configura como crime de sonegação a evasão apenas culposa, mas somente a dolosa.

Portanto, o que o art. 136, em combinação com o item III do art. 112, deixa claro é que para a matéria da autoria, impu­tabilidade ou punibilidade, somente é exigida a intenção ou dolo

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para os casos das infrações fiscais mais graves e para as quais o texto de lei tenha exigido esse requisito.

Para as demais, isto é, não dolosas, é necessário e suficien­te um dos graus da culpa. De tudo isso decorre o princípio fundamental e universal, segundo o qual se não houver dolo nem culpa, não existe infração da legislação tributária. Em outras palavras. não existe, em nosso sistema, a arqueológica "responsabilidade objetiva" ou a infração sem culpa.

Também o notável tributarista que foi catedrático em Colô­nia, Armin Spitaler, em comentário ao Código Tributário da Ale­manha, ressalta, nesse passo, que aquele famoso Código incluiu entre as garantias do cidadão-contribuinte "a já há muito alcan­çada remoção da barbaridade de uma pena sem culpa" (assim Ernst von Beling, Unschuld, Schuld and Schuldstufen, Leipzig, 1910. p. 15).

Isto é, punir alguém com base em "infração objetiva" ou sem culpa é impossível-no Estado de Direito, porque isso foi prática só adotada ao tempo da barbárie.

Acentua Blumenstein, citando a doutrina. a legislação e acórdãos da Suprema Corte da Suíça, "que o cometimento de uma infração de imr osto que pressupõe a culpa do autor é incontroverso na moderna literatura do Direito Tributário. A qualificação da infraçiio tributária como infração objetiva como era antes (BGE 36.1 ~;.340) já foi abandonada (vgl. BGE 39.1 S. 401 fO. No mínimo é garantido ao acusado o direito de provar a exclusão de culpa (vgl. ZG 75 Abs. 3, § 23 II t)" 12.

O ilustre Professor Ricardo Lobo Torres, após transcrição do art. t 36, dizendo que o CTN aderiu, "em princípio, à teoria da objetividade da infração fiscal", assim concluiu: "Mas a tese objetiva admite temperamentos, como hoje aceita a maior parte da doutrina brasileira e estrangeira, e o próprio Supremo Tribu­nal Federal. Se o contribuinte age de boa-fé não pode ser penal-

13. Grundr;$J des~hwe;zer;schen Sleuerrechls, Band I, 3. cd., Zürich. Schul· thess Polygrophíscher Verlag A. G., 1971. p. 325.

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mente responsável pelo ato. Demais disso. o CTN é conflitante. pois o próprio art. 112 diz que a lei que define infrações. ou lhes comi na penalidades. interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado. em caso de dúvida quanto à capitulação legal do fato ou à natureza ou às circunstâncias materiais do fato ou à natureza ou extensão dos seus efeitos" 14.

14. Curso de direito !iflllftceiro e tributário. Rio de Janeiro, Ed. Renovar, 1993, p.218.

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Capítulo VII

RESUMO ANTECIPADO

18. Quadro de uma sistemática do Direito Tribu· tário.

18. Quadro de uma sistemática do Direito Tributário. Recorde­mos algumas noções anteriores para traçar, antecipadamente, um quadro sintético, bastante útil para uma antevisão de conjunto.

Cada ciência tem seu objeto próprio.

O objeto pode ~er material ou formal.

O que distingue uma ciência da outra é o seu objeto for­mal, que é a maneira pela qual ela estuda o objeto material: ~

o seu método e alcance de sistematização.

A mesma realid:: de pode ser objeto de estudo de mais de uma ciência e cada uma a estudará sob feições diferentes, empre­gando por isso mesmo sistemas ou métodos diferenciados I.

Cada sistema científico deve adaptar-se à sua matéria, ao seu objeto material. de tal modo que faça ressaltar com clareza as características. Esta finalidade ou síntese deve ser conseguida pela formulação dos conceitos e relações fundamentais (carac­terísticas comuns, princípios, conceitos, categorias, institutos).

I. Cr. Miguel Reale, Filosofia do direi/o, Saraiva, 1972, p. 67. A partir da p. 134, v. "método e objeto". Na 10.- edição, de 1983, vide item 23.

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o sistema deve não s6 tomar possível um resumo geral de uma determinada matéria, mas também ser capaz de apresentar, em relação a ela, uma compreensão integral.

A reunião das finalidades em cada sistemática exclui o caráter apriorístico, isto é, torna-a comprovada e facilita ainda mais a rápida apreensão e compreensão da matéria.

Aqui, no caso de ensino do Direito Tributário, para que possa ser feita uma exposição cientificamente sistemática, de­vemos dirigi-la no sentido de indicar as linhas fundamentais, comuns, contidas nas leis, na doutrina, na jurisprudência e nos costumes tributários.

~ o que procuraremos fazer, agrupando características.

A finalidade da exposição sistemática não é reproduzir o conteúdo das diferentes leis, mas antes abrir caminho para sua compreensão unitária ou da generalidade 2.

Vejamo-Ia:

Direito Constitucional Tributário

Todos os ramos do Direito têm seu capítulo geral no Direito Constitucional, posto que no Es:ado constitucional a organização jurídica do Estado é feita pela Constituição e para o Direito Tri­butário os princípios constitucionais sobre a tributação são, por sua estrutura formal e material, Direito Constitucional Tributário.

Para maior clareza, expliquemos com outras palavras. Cada ramo do Direito parte do tronco que é o Direito Constitucional. Este é a "tête de chapitre" de todos os ramos jurídicos, compro­vando a própria unidade do direito positivo. Como estamos tra­tando do ramo Direito Tributário, partamos agora de seu respec­tivo cerne, que é o poder de tributar nos termos previstos pela Constituição. Em que consiste esse poder?

2. CC. Albert Hensel. Steuerrecht. 3. ed .• Berlin, 1933, p. 3. ou na trad. de Dino larach, Dir;,to tributario, MiJano, 1956, p. 5.

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o poder tributário é uma das expressões de manitestação do poder de império do Estado, da sua força ou potestade para exigir os tributos, mas, no Estado constitucional moderno, esse poder não é livre ou arbitrário, só pode atuar por meio do Di­reito, dentro do campo e limitações deste.

Procuremos compreender quais os aspectos sobre a tribu­tação que cabem ao Direito Constitucional Tributário estatuir, como verdadeiras premissas da ordem jurídico-constitucional­tributária.

Assim. comecemos por relembrar que a característica fun­damental do Direito Tributário é ser um levantamento de recur­sos para o Estado, submetido aos princípi05 do Estado de Direito e portanto por intermédio da norma jurídica.

Se a tributação fosse feita sem obedecer a esse princípio fundamental não poderíamos falar em "Direito" Tributário.

Os contribuintes e~tariam submetidos apenas a uma rela­ção de força ou poder e não a uma relação jurídica.

Os princípios jurídicos tributários fundamentais e (;omuns, aplicáveis tanto à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Territórios como ao~ Municípios e aos contribuintes em nosso Estado Constituciom.l Federativo, vamos encontrá-los, em pri­meiro lugar, num quadro verdadeiramente claro, dentro da Constituição Federal.

Esses princípios constitucionais da tributação mostram que o Direito Tributário conserva, nos seus traços principais. o ca­ráter que conquistou no seu incessante desenvolvimento para­lelo ao constitucionalismo: garantias e proporcionalidade para os cidadãos, por meio de limitações ao poder tributário. Numa palavra: o advento do cidadão-contribuinte e a transformação do "poder de tributar" no "direito de tributar".

Com esta explicação torna-se fácil compreender que o Di­reito Constitucional Tributário é o conjunto de normas e prin­cípios que delimitam o conteúdo e alcance do próprio poder tributário, outorgando faculdades e distribuindo competências

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às pessoas jurídicas de direito público, para estas poderem criar, alterar ou extinguir tributos, exercer funções de administração direta ou indireta e de jurisdição, tudo com base nas normas e princípios de garantia e limitações de ordem constitucional.

Neste sentido é bem sugestiva, entre nós, a denominação do livro de Direito Constitucional Tributário do Prof. Aliomar Baleeiro: Limitações constitucionais ao poder de tributar, cujo estudo recomendamos.

Direito Tributário Material ou Substantivo

Ressaltemos agora, dentre os princípios constitucionais, este dirigido aos poderes públicos:

" ... é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça" (CF, art. 150, 1).

E o princípio da legalidade da tributação: nenhum tributo sem lei. A obrigação tributária é ex lege: nullum tributum sine lege scripta 3.

Qual será o meio tecnico-jurídico para se apurar essa vin­culação legal da imposição?

Essa vinculação se obtém provisoriamente pela atividade administrativa da determinação ou declaração pelo lançamento dos elementos do "fato gerador do tributo", c1lja conc1usividade é suscetível do controle judicial de legalidade.

A lei tributária configura o fato gerador como sendo aquele elemento concreto que, uma vez ocorrido, tal como está previa­mente descrito na lei, dá nascimento à obrigação tributária.

3. "Nur die lex scripla verbürgl aber die rür die Eingriff5verwallung erforder­Iiche Rechl5sicherheil. a150: nullum lribulum sine lege scripla" (Tipke. Sleuerrecht, Kõln. Verlag Oito Schmidl, 197 j, p. 74).

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Portanto não basta apenas a existência da norma de leI descritiva do fato, mas é preciso que além da norma in abstracto e prévia, o fato previsto ocorra com todos os elementos descritos na lei e possa ser demonstrada essa vinculação ou juridicidade por meio do ato de subsunção do fato à lei ou sua subjunção pela norma tipificadora.

f a realização do fato gerador que, em face da lei prévia, cria entre o Estado e o particular uma relação jurídica - e de que natureza?

Uma relação obrigacional de direito público.

Eis porque o CTN diz que "fato gerador da obrigação prin­cipal (a de dever o tributo) é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência" (art. 114), pois somente ocorre ou nasce a obrigação a favor da Fazenda quando realizado o fato descrito na lei, como seu pressuposto.

O conjunto dessas relações obrigacionais de direito público corresponde ao conceito- de Direito Tributário Material.

Daí temos, em segundo lugar, dentro da sistemática, que cabe à parte geral do Direito Tributário Material expor os ele­mentos comuns de todas as várias leis tributárias enquanto disci­plinem o fato geradc r da obrigação principal.

Direito Administrath·o Tributário

A ocorrência da relação fática, embora prevista na lei, não basta para que o Estado possa administrativamente exigir ou judi­cialmente executar ou excutir as pretensões que lhe derivam dessa concretização por parte do contribuinte ou responsável.

A exação da pretensão em sentido amplo compete à admi­nistração tributária do Estado.

Neste particular o Direito Administrativo está finalistica­mente subordinado ao Direito Material. isto é, o Direito Admi­nistrativo nesta parte é meio para apuração e exigibilidade dos créditos que lhe são outorgados pelos mandamentos do Direito Tributário Material.

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Como vimos acima, dentro do direito material está a norma descritiva do fato gerador (lei no sentido material) e a realização em concreto deste, pelo contribuinte, é que dá nascimento à obri­gação tributária. Mas até o momento em que, nos casos de tribu­tos lançados, não esteja concluído o lançamento pelo último ato da notificação ou aviso, o quantum ainda não é exigível ou oponível.

O CTN separa com bastante nitidez o nascimento da obri­gação e a constituição formal do crédito tributário.

A obrigação nasce com a realização do fato gerador (art. 114) e o crédito se formaliza com a conclusão do lançamento (art. 142). A lei tipificadora ou descritiva do fato gerador e a ocorrência deste são elementos constitutivos ou criadores da obri­gação e portanto de direito material, ao passo que o lançamento, como mecânica de apuração e avaliação daqueles elementos é apenas matéria administrativa e de direito formal.

O destaque dessas duas matérias é relevante, como veremos melhor mais adiante, porque os efeitos da ocorrência do fato gerador, criando um direito material, e do lançamento, apenas um direito formal, separam, também, certas conseqüências. Assim, por exemplo, o reconhecimento administrativo de um erro de lançamento ou a decretação judicial de um vício formal deste, invalidam o crédito (quantum), mas deixam intacta a obrigação (direito creditório) que, enquanto não extinta, poderá ser de novo apurada, avaliada e exigida com a reconstituição formal do cré­dito (requantificado).

Assim, o Direito Administrativo Tributário trata especial­mente da organização administrativa tributária, do lançamento e do controle administrativo ou fiscalização, dispondo também so­bre as relações entre funcionários fiscais e contribuintes.

Direito Administrativo Tributário Procedimental

As obrigações tributárias lançadas e notificadas são. por

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sua natureza administrativa, executórias'. Por isso, aquelas que independem de lançamento oficial devem ser auto-executadas e as lançadas, cumpridas nos prazos marcados, pois elas são exi­gidas desde a via administrativa.

Ainda, administrativamente, podem ser apuradas infrações e impostas sanções administrativas.

Entretanto, ainda na mesma tela administrativa, as obriga­ções fiscais exigíveis poderão ser injustas e desconformes com a lei e então o Estado, nessa mesma órbita administrativa, ofe­rece uma certa tutela jurídica ao contribuinte, embora ainda não definitiva, consistente em um procedimento legal.

Os princípios informativos desse direito instrumental são expostos pelo instituto do Procedimento Administrativo Tribu­tário.

Direito Tributário Processual

Ainda pode o Fisco, em razão do inadimplemento das obrigações já lançadas e finda a instância administrativa. me· diante coação por ml io de constrições administrativas e sanções políticas (estas sançõ.:s são inconstitucionais, como veremos) ou execução forçada em juízo. exigir as pretensões ou mesmo amea­çar exigi-Ias, podend(I, eventualmente, serem elas injustificadas.

Entretanto. o Direito Tributário continua ordenado segun­do os princípios do Estado de Direito e então. em contrapeso à exigência e à coação unilateral do Fisco, é posto à disposição do obrigado um processo definitivo, por meio de vários remédios jurisdicionais disciplinados pelo próprio Estado, que outorgam ao obrigado uma tutela jurídica adequada para poder opor-se à exigência que considere injustificada.

Encontramos, então, disciplinadas e esclarecidas as várias ações cabíveis nas relações jurídico-tributárias, tais como a exe­cução fiscal, a ação anulatória do débito fiscal, a ação de repe-

4. V. adianle a nOla n. 10. à p. 244.

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tição do indébito. a ação declaratória em matéria fiscal. o man­.dado de segurança contra tributação ilegítima. ameaçada ou efe­tivada. a ação de consignação em pagamento e outras medidas judiciais. compondo no seu conjunto o Processo Tributário Ju­diciaI.

Direito Administrativo Tributário Penal e Direito Penal Tributário

Apesar da ampla organização da administração tributária. o Fisco nem sempre pode contar com a completa satisfação de suas pretensões. pois motivos de culpa ou de dolo do contri­buinte. do funcionário ou de terceiro podem levar à insatisfa­ção das obrigações tributárias. Por isso o legislador provê tam­bém as normas tributárias de sanções administrativas e mesmo de sanções judiciárias.

~, respectivamente, ao Direito Administrativo Tributário Penal e ao Direito Penal Tributário que cabe a exposição siste­mática destas matérias.

Nascimento, vicissitudes e extil1 ção da obrigação e do crédito tributários

Finalmente, no interesse da estabilidade das relações entre o Estado e os obrigados - entre fisco e contribuinte - no Direito Tributário iremos encontrar o campo do nascimento, vicissitudes e extinção da obrigação e do crédito tributários. Como veremos especialmente nos Caps. XVIII e XIX, é a disci­plina do nascimento, itinerário e fim das pretensões e dos cré­ditos tributários.

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Capítulo VIII

DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUT ARIO

19. Poder tributário. sujeição a este poder e a disci­plina jurídica dessa relação.

20. Sistema Tributário Nacional: princípios gerais e limitações do poder de tributar.

21. Dos impostos da União.

22. .Dos impostos dos Estados e do Distrito Federal.

23. Dos impostos municipais.

24. Da repartição das receitas tributárias.

19. Poder tributário. sujeição a este poder e a disciplina jurídica dessa relação. A sobfrania fiscal é parte da soberania do Estado.

Em razão da se berania ou poder de império que o Estado tem sobre as pessoas e coisas de seu território. tem ele também a possibilidade. de direito e de fato. de exigir tributos.

Essa possibilidade ou exercício do poder de tributar. no Estado de Direito Constitucional. está submetido em primeiro lugar à disciplina da Constituição. dentro da qual. explícita ou implicitamente. encontramos as bases do Direito Constitucional Tributário Positivo.

Num sentido mais amplo. o Direito Constitucional Tribu­tário é o conjunto de princípios e nonnas que regulam o poder tributário do Estado; disciplina não só o poder tributário. mas também o seu exercício, ou manifestação da competência tribu-

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tária das entidades públicas em relação à instituição, exigência e arrecadação das rendas tributárias, como das garantias ao devido processo legislativo, administrativo e jurisdicional do "cidadão-contribuinte" e do fisco.

As constituições escritas, em geral, fixam apenas as regras principais, não s6 porque com maior abstração podem abranger mais, como também porque, sendo breves, podem ter maior valor educativo. Também é um princípio geral de necessidade que as leis sejam claras e compreensíveis, o que se pode sinte­tizar na sugestiva expressão de Neumark como o princípio da transparência. Sendo a Constituição a lei fundamental, deve ser a primeira a conter e a orientar, sinteticamente, os requisitos intrínsecos e extrínsecos da formulação das leis, dos conceitos e do sistema de operatividade do Direito ao qual ela dá as bases.

Disciplinando o exercício do poder de tributar, cabe à Cons­tituição do Estado federativo catalogar, outorgar e distribuir competências tributárias, delimitá-las, classificar os tributos, dis­por sobre sua partilha e arrecadações, impedir conflitos de com­petências e garantir o status do cidadão-contribuinte.

20. Sistema Tributário Naciollal: princípios gerais e limitações do poder de tributar. Se, como vimos em lições anteriores, os estudos universitários e a elaboração cien-tífica do Direito Tribu­tário no Brasil se iniciaram com bastante atraso em relação aos países mais avançados, de outro lado, com a reforma tributária implantada pela Emenda Constitucional n. 18, de 1965, viemos a ter a estruturação do Sistema Tributário Nacional em nível constitucional, dando a esse ramo do Direito não s6 a mais ele­vada estrutura dentro da hierarquia vertical das leis, mas também procedendo à sua ordenação em um sistema, que significa orga­nicidade. Esta ampla vinculação à ordem constitucional criou maior instrumentalidade, especialmente para a invocação, mani­festação e controle do Poder Judiciário.

A Constituição de 1967 e suas emendas conservaram com alterações esse sistema, mas a faculdade de o Presidente da

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República expedir decretos-leis alcançou tal volume de abusos e até de pacotes de decretos-leis, que o sistema tomou-se uma colcha de retalhos. Neste sentido, leia-se o nosso trabalho. am­plamente publicado, sob o título "Constituição no país da epi­demia das normas" I.

A Constituição de 1988 veio ampliar as disposições cons­titucionais sobre o Sistema Tributário Nacional. mas eliminando o decreto-lei, substituiu-o pelas chamadas medidas provisórias (arts. 62, parágrafo único, e 84, XXVI) que. embora com mais freios, a nosso ver só poderão produzir bons efeitos se realmente não forem utilizadas pelo Poder Executivo com abuso e o Con­gresso exercer efetivamente suas funções legislativas.

Especialmente tendo em vista a estrutura em sistema, vamos expor e acompanhar os textos com breves comentários e sempre que necessário correlacionar disposições para podermos ressaltar inter-relações e harmonização do contexto. A legislação siste­matizada não dispõe somente por textos isolados. mas sobretudo pela conjugação dos vários textos formando o contexto e o orde­namento.

Quais são os tributos admitidos pela Constituição dentro do Sistema TributálÍo Nacional?

São impostos, \axas. contribuição de melhoria. contribui­ções sociais e empn'stimos compulsórios, cujos conceitos vere­mos no capítulo dos tributos e suas espécies.

Sendo no regime federativo vários os entes políticos. pode­riam todos instituir, indiferentemente. esses tributos? .: evidente que não, pois causaria conflitos, sobreposições, enfim o caos tributário.

Em razão da soberania que o Estado exerce em seu terri­tório. dentre outros poderes, tem ele o poder de tributar. Porém. no Estado democrático de Direito. onde todo o poder emana do povo. cabe aos constituintes como representantes deste juridkizar o exercício do poder, de tal sorte que. no caso da tributação, o

1. ln Direito tributtírio atual, IBDT·Resenha Tribulária, São Paulo. 1986, v. 6. p. 1265-80.

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poder de tributar se convola em direito de tributar, ou seja, no caso da Federação, cada esfera de governo somente poderá ins­tituir o tributo para o qual recebeu da Constituição a respectiva competência, competência esta que terá que ser exercida dentro das limitações do poder de tributar. Observe logo o aluno que o capítulo do Sistema Tributário Nacional estatui, na seção I, dos princípios gerais, na seção I I, das limitações do poder de tributar e a seguir especifica em espécie os impostos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e ainda dispõe sobre a rep;iJrtição das rendas tributárias.

Dos princípios gerais

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Fede­ral e os Municípios poderão instituir os seguintes tri­butos:

I - impostos; II - taxas, em razão do exercício do poder de

polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;

III - contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.

Observe-se que o item I se refere simplesmente à categoria impostos, porque as competências individualizadas para a insti­tuição de cada imposto em espécie, isto é, da União, dos Estados e do Distrito Federal, como dos Municípios, já estão discrimi­nadas respectivamente nos arts. 153 e 154; 155 e 156.

Quanto às taxas, tal como estão conceituadas no item II, sendo contraprestacionais, não há discriminação de competências porque podem ser instituídas pelo respectivo governo que efe­tiva e competentemente exerça o poder de polícia, preste o ser­viço ou o tenha posto à disposição do contribuinte.

Também em relação à contribuição de melhoria não há discriminação, porque a competência será do ente político que realizar a obra pública, da qual irá decorrer a melhoria.

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Capacidade contributiva

o art. 202 da Constituição de 1946 dispunha:

"Os tributos terão caráter pessoal sempre que isso for possível, e serão graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte".

Esse texto foi eliminado pela Emenda n. 18, de 1965, e o § 1.0 do art. 145 da atual Constituição revigorou esse princí­pio, com acréscimo, nestes termos:

"Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade eco­nômica do contribuinte, facultado à administração tri­butária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos indivi­duais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimen­tos e as atividades econômicas do contribuinte".

Para impedir a instituição de impostos rotulados como taxas, o § 2.° do art. 145 dispõe que:

.. As ta lItas não poderão ter base de cálculo própria de imposto:;".

Parece evidente que o significado dessa expressão é o de que nenhuma taxa pc·ssa utilizar-se de umCi base de cálcufo per­tencente a imposto, competentemente já instituído.

Neste sentido a redação do § 2.° do art. 18 da Constituição anterior era mais expressiva e mais clara, pois estava assim redigida:

.. Para cobrança de taxas não se poderá tomar como base de cálculo a que tenha servido para a inci­dência de impostos".

Também o CTN no parágrafo único do art. 77 dispõe que "a taxa não pode ter base de cálculo ou fato gerador idênticos

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aos que correspondem a imposto, nem se cale lh!a em função do capital das empresas".

Precisando o conteúdo cie competência e função da leJisla­ção complementar da Constituição em matéria tributária, assim especifica a Lei Fundamental:

Art. 146. Cabe -à lei comple~ehtar:

I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Dis­trito Federal e 0& Municípios; -

II - regular as limitações constitucionais ao po­der de tributar;

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

a) definição de tributos e de suas espécIes, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência t-ributários;

c) adequado tratamento tributário ~o ato coope­rativo praticado pelas sociedades cooperativas.

Dispondo sobre a competência legislativa para a criação dos impostos nos territórios federais e tc.ndo em vista que o art. 155 já atribui ao Distrito Federal os mesmos impostos esta­duais, reza o art. 147:

Competem à União, em Território Federal, os impostos estaduais e, se o Território não for dividido em Municípios: cumulativamente, os impostos muni­cipais; ao Distrito Federal cabem os impostos muni­cipais.

Atribuindo à União os empréstimos compulsórios, a Cons­tituição :issim di~põe sobre as hipSteses e condições:

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An. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir emprésti.nos compulsórios:

I - para at~nder a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência;

II - no caso de investimento público de caráter urgente ~ de relevante interesse nacional, observado o disposto no art. 150, III, b.

Como se vê, só na hipótese do item II é que a instituição do empréstimo compulsorio não pode ser exigida no mesmo exer­cício financeiro em que haja sido publicada a lei que o instituiu ou aumentou.

Contribuições sociais

Quais são as contribuições sociais e de quem é a competên­da para instituí-las?

Estatui literalmente a Constituição:

Art. 1 ~9. Compete exclusivamente à União ins­tituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômi ::as, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6.°, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.

Como se vê, incluídas estas contribuições sociais dentro do Sistema Tributário Nacional e dependentes das normas gerais em matéria de legislação tributária (art. 146, III) e mais das normas tributárias do art. 150, I e I II, a Constituição as trata como tributos, isto é, estas contribuições sociais de intervenção no domínio económico e de interesse das categorias profissio­nais ou econômicas estão submetidas ao regime dos tributos.

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Após estas explicações sob o título "Contribuições sociais", observamos em edições anteriores deste compêndio que, estando as contribuições destinadas à seguridade social também tratadas dentro do capítulo desta (art. 195), essa modalidade de contri­buição não teria sido incluída no regime dos tributos. Acontece, entretanto. que, como acima anteriormente já exposto e como se vê do texto do art. 149 transcrito. este artigo é a própria matriz da competência legislativa e exclusiva da União para todas essas contribuições. e esse art. 149 está incluído dentro do Sistema Tributário Nacional.

Assim, todas essas contribuições. inclusive as destinadas à seguridade social, foram incluídas pelo legislador constituinte sob o regime tributário.

Portanto. a partir da Constituição de 1988 todas essas con­tribuições passaram, indubitavelmente. a fazer parte do Sistema Tributário Nacional como tributos.

Das limitações do poder de tributar

Como acentua Laufenburger. o tributo é um dever impera­tivo. corresponde a uma nec~ssidade vital. Se fosse suprimido, acarretaria o fim da vida coletiva e a paralisação da vida indi­vidual, tendo em vista o elevado grau em que os serviços públi­cos, cujo funcionamento é assegurado pelo tributo, fazem parte da economia contemporânea. O tributo é, portanto, uma despe­sa individual tão essencial como a que é consagrada à habitação. à alimentação e ao vestuário.

O Justice Oliver Holmes chegou mesmo a declarar: "Gosto de pagar impostos, com eles compro civilização".

Acontece, porém, qUt! .·de um lado está o Estado-Fisco. o possível credor, dispondo do poder de tributar. e é necessário que a Constituição não só disponha sobre as normas fundamen­tais mas sobretudo delimite esse poder.

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Este título das limitações, agora inserto no capítulo consti­tucional do Sistema Tributário Nacional, bem sintetiza a função fundamental da Constituição no campo nonnativo da tributação. Aliomar Baleeiro já escreveu, precisamente sob o título Limita­ções constitucionais ao poder de tributar, a mais completa mo­nografia brasileira sobre esta matéria, na qual arrola e comenta as várias limitações expressas e implícitas do Sistema Tributário Nacional, estruturado .dentro da Constituição (v. edição Forense. Rio, 1977).

Dada agora a novidade da reunião dessas limitações nos arts. 150 a 152, após a sua leitura em conjunto, vejamos em destaque alguns desses dispositivos.

O item I do art. 150 estatui o princípio fundamental da legalidade ou reserva da lei, pois o tributo somente pode ser criado por meio de lei. A obrigação tributária principal somente tem por fonte a lei categorial. V., também, a sua explicitação complementar no art. 91 do CTN.

O item II é específico sobre isonomia ou igualdade de tra­tamento perante a tributação.

Já o item III, m letra a. proíbe a cobrança de tributos ante­cipados, isto é, o tributo somente pode ser cobrado sobre as situa­ções ou fatos geradores ocorridos depois do início da vigência da lei que criou a hipótese de incidência; na letra b só admite que a cobrança sobre tais novas hipóteses de incidência seja feita a partir do exercício seguinte ao da publicação da lei que instituiu ou aumentou o tributo. Este é o princípio da anualidade.

O item IV veio estatuir, com redação muito clara, que o tributo não pode ser utilizado com efeito de confisco.

Tanto é confisco tributário a absorção. pelo tributo, da tota­lidade do valor da situação ou do bem tributado, como qualquer parcela que exceda à medida fixada legalmente. Na Encyclopaedia 01 the Social Sciences (New York, MacMillan, 1948, v. 4, p. 138), encontramos a seguinte definição universal:

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"CONFISCO: é um princípio reconhecido por to­das as nações que os direitos de propriedade não po­dem ser transferidos pela ação de autoridades públicas, de um particular para outro, nem podem eles ser trans­feridos para o tesouro público, a não ser para uma finalidade publicamente conhecida e autorizada pela Constituição" .

Ressalvando o pedágio, e assegurando a liberdade de loco­moção de pessoas e bens, o item V proíbe que por meio de tri­butos interestaduais ou intennunicipais se estabeleçam barreiras fiscais dentro do território nacional.

Já o item VI, limitando-se aos impostos, dispõe sobre os casos da chamada imunidade ao poder imposicional. A imuni­dade é categoria muito mais ampla que a da isenção. Enquanto a isenção exc1ui apenas o crédito tributário (CTN, art. 175, 1), a imunidade exc1ui o próprio poder de instituir imposto sobre detenninados bens ou situações que, por sua natureza e por interesse público, não devem ficar sujeitos a impostos.

O art. 151, I, dispõe sobre a unifonnidade dos tributos federais em todo o território nacional e admite a concessão de incentivos fiscais destinados .1 promover o equilíbrio do desen­volvimento socioeconômico entre as diferentes regiões do P~ís. Esta exceção à unifonnidade tributária em razão de diferencia­ções regionais é a dos chamados incentivos fiscais geográficos.

O item II proíbe que a União tribute as obrigações da dívida pública dos entes periféricos, como das remunerações dos agentes públicos destes. em níveis superiores aos que fixar para essas mesmas situações da União.

Já no item III deparamos com uma novidade expressa da atual Constituição. Confonne dispunha o § 2.° do art. 19 da Constituição anterior, mediante lei complementar e atendendo a relevante interesse social ou econômico nacional. a União

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podia conceder isenções de impostos estaduais e municipais. Era uma interferência na competência tributária dos entes perifé­ricos. Agora o item III veio, expressamente, vedar à União ins­tituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Dis­trito Federal ou dos Municípios. Esta medida constitucional veio fortalecer a competência tributária dos entes periféricos.

Em harmonia com o princípio da uniformidade da tribu­tação federal no território nacional, prevista no art. 151, I, o art. 152 também reproduziu princípio tradicional de que é ve­dado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabe­lecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer na­tureza, em razão de sua procedência ou destino. Impede even­tual guerra tributária e afirma a unidade geográfica do território !1acional.

Discriminação dos impostos em espécie

Como já acentuamos anteriormente, sendo o imposto o tri­buto cuja obrigação tem por fato gerador uma situação indepen­dente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao con­tribuinte, e por isso 'TIesmo sendo o imposto dentre os tributos aquele que mais se Cé racteriza como captação de riqueza. enfim o gênero tributário m.lis rentável e ainda sendo numa Federação vários os entes candidatos dessas arrecadações, é imprescindível que a Constituição proceda à catalogação dos impostos e à partilha ou discriminação das respectivas competências impositivas.

Para essa partilhà dos impostos entre as diversas esferas de poder dentro da Federação, o constituinte deve ter em vista não só a natureza de cada imposto. em espécie. mas também a sua adequação em relação às respectivas atribuições e encargos de cada esfera de governo. O imposto é captação de riqueza, mas também pode ser instrumento jurídico de regulatividade. Para mais fácil compreensão do aluno, vejamos, dentro da pró­pria partilha de competências impositivas, um exemplo bem es­clarecedor. O art. 153, VI, outorga competência privativa à União para instituir imposto sobre a propriedade territorial rural.

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embora cinqüenta por cento do produto dessa arrecadação perten­ça aos Municípios, relativamente aos imóveis neles situados. Por que a competência para instituir esse imposto e sobre ele legislar é privativa da União? Porque, nos termos do art. 22, I, compete privativamente à União legislar sobre direito civil (a propriedade) e esse imposto, além da sua função arrecadatória, deverá discipli­nar o próprio uso desse direito de propriedade, pois o § 4.° do art. 153 estabelece que ele "terá suas alíquotas fixadas de forma a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas".

21. Dos impostos da União. Os impostos federais, de compe­tência privativa da União, estão assim previstos:

Art. 153. Compete à União instituir imposto sobre:

I - importação de produtos estrangeiros;

II - exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados;

III - renda e proventos de qualquer natureza;

IV - produtos industrializados;

V - operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos (lU valores mobiliários;

VI - propriejade territorial rural;

VII - grandes fortunas, nos termos de lei com­plementar.

A Emenda Constitucional n. 3, de 17 de março de 1993, autoriza a União a instituir, até dezembro de 1994, o imposto sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira.

A Lei Complementar n. 77, de 13 de julho de 1993, acabou por instituir o referido imposto - IPMF.

O imposto sobre grandes fortunas é uma novidade da atual Constituição, pendente de legislação complementar. Os dos de­mais itens já estavam previstos na anterior, cuja legislação com­plementar, no que não foi alterada, pode ser consultada no CTN:

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para o item I, arts. 19 a 22; item II. art:>. 23 a 28; item 111. arts. 43 a 45; item IV, arts. 46 a 51; item V, arts. 63 a 67: e item VI, arts. 29 a 31.

As alíquotas dos impostos de Importação, Exportação, IPI e IOF poderão ser alteradas pelo Poder Executivo, estatui o § LU do art. 153.

O § 2.° do art. 153, em relação ao imposto de renda, esta­belece que será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade e exclui da incidência os proventos da aposentadoria dos maiores de sessenta e cinco anos que recebam apenas rendimentos do trabalho.

O § 3.° conservou, em relação ao I PI, a disposição de que ele será seletivo, em função da essencialidade do produto, e não será cumulativo.

Quanto ao IPTR, o § 4.° estatui que terá suas alíquotas fixadas de forma a desestimular a manutenção de propriedade improdutiva e mantém a -antiga imunidade em relação a peque­nas glebas rurais, quando as explore, s6 ou com sua família, o proprietário que não possua outro im6vel.

No art. 154, a Constituição ainda confere à União compe­tência para instituir:

I - rnediante lei complementar. impostos não previstos n,) artigo anterior, desde que sejam não­cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo pr6prios dos discriminados nesta Constituição;

II - na iminência Ou no caso de guerra externa, impostos extraordinários. compreendidos ou não em sua competência tributária, os quais serão suprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua criação.

Quanto ao item I, cumpre ressaltar que, nesse passo, a Constituição está concedendo exclusivamente à União a possi­bilidade da instituição dos chamados impostos de competência residual. porém sob duas restrições bem especificadas, a saber: o eventual imposto não poderá ser do tipo cumulativo, isto é, somente imposto unifásico, e não poderá coincidir com nenhum

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outro dos impostos já previstos na discriminação da Constitui­ção. Como prevê o art. 4.° do CTN, a natureza jurídica especí­fica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, e o dispositivo constitucional condiciona, no caso, que o novo imposto não poderá ter fato gerador ou base de cál­culo próprios dos já discriminados na Constituição, o que signi­fica que não poderá ser idêntico a qualquer dos impostos já constantes da partilha constitucional.

22. Dos impostos dos Estados e do Distrito Federal. Quanto aos impostos cuja instituição é da competência privativa dos Estados e do Distrito Federal, estão eles assim elencados na Constituição de 1988, redação dada pela EC n. 3, de 17 de março de 1993:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Fe­deral instituir impostos sobre:

I - transmissão causa mortis e doação, de quais­quer bens ou direitos;

II - operações relativas à circulação de merca­dorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

III - propriedade de veículos automotores. Após essa especificação dos impostos estaduais, a Consti­

tuição passa a estatuir certos princípios específicos e mesmo regras e requisitos sobre alguns desses impostos, sobretudo para evitar conflitos e disciplinar a própria partilha.

Imposto sobre transmissão "causa mortis" e doação

Em relação a bens imóveis e respectivos direitos, a com­petência é respectivamente do Estado ou do Distrito Federal em que estiver situado o bem (art. 155, § 1.0, 1). Quanto aos bens móveis, títulos e créditos, a competência depende de onde (Estado ou Distrito Federal) se processar o inventário ou arrola­mento, ou tiver domicílio o doador (art. 155, § 1.0, II).

Para as hipóteses em que o doador tiver domicílio ou resi­dência no exterior e em que o de cujos possuía bens, era residente

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ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior, a competência para a instituição desse imposto estadual terá que ser previamente regulada por lei complementar (art. 155, § 1.°, III, a e b).

Finalmente, outra delimitação em relação à instituição desse imposto é quanto à previsão da sua alíquota. As alíquotas má­ximas deverão ser fixadas pelo Senado Federal (art. 155, § 1.0, IV).

Imposto sobre circulação de mercadorias e prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação

Desde quando o antigo imposto federal de vendas mer­cantis foi alterado para imposto sobre vendas e consignações e atribuído, na partilha dos impostos, aos Estados e Distrito Federal, surgiram os conflitos ou guerra tributária entre Estados. provocando não s6 danos aos contribuintes, mas avolumando-se os processos. A última reforma tributária, alterando o imposto de vendas e consignações, que era cumulativo, para o .-imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias, estrutu­rou-o como não-cumtlativo. Dentre os maiores, objetivos dessa reforma no campo deste imposto, foi mesmo acentuado pela Comissão da Reforma que essa nova estruturação do ICM procu­rou evitar a chamada guerra tributária entre os Estados.

Todavia, até hoj~, tem havido conflitos e reclamações em relação a este imposto, sobretudo entre Estados produtores e Estados consumidores.

Tendo em vista ainda a queixa dos Estados em relação à escassez que a Constituição lhes atribuía na partilha, a atual Constituinte não s6 ampliou as participações dos entes perifé­ricos, mas facultou novos impostos, e no caso do ICM não s6 ampliou seu campo de incidência, como, pelas inúmeras dispo­sições em que se desdobra o § 2.° do art. 155, estatuiu uma séri~ de disposições, talvez até excessivamente minuciosas dentro de uma Constituição.

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Sendo este imposto o de maior arrecadação em nosso país e de maior relevância també!ll para os Estados, passemos a exa­minar o amplo texto do citado § 2.°, o qual determina que esse imposto atenderá ao seguint(.:

"Será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal" (item 1).

Matéria que comportou grandes polêmicas, expeclição de muitos atos fiscais e sobretudo procedimentos administrativos e

';>leitos judiciais, foi a questão do crédito ou do estorno n0S casos de isenção ou não-incidência.

põe: Agora, o próprio texto constitucional especificamente dis-

II - a isenção ou não-incidência, salvo determi­nação em contrário da legislação:

a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações se­guintes;

b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores;

Outra questão que se discutiu em doutrina foi a de se saber se o ICM, tal como estava previsto na Constituição e na legislação complementar, poderia ser ou não seletivo. Agora, a Constituição veio estatuir expressamente:

III - poderá ser seletivo, em função da essen­cialidade das mercadorias e dos serviços;

Esta disposição é dirigida ao legislador estadual, dando­lhe, dentro da competência para instituir esse imposto, mais &

faculdade de acrescentar a essa categoria fiscal ou de arreca­dação, a função extrafiscal da regulatividade, ou seja, por mei"

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da não-incidência, da isenção, da diferenciação de base de cál­culo, de alíquota, incentivos ou benefícios fiscais etc. e em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços, esta­belecer tratamentos diferenciados. A consideração e decisão de essencialidade no caso é matéria de política fiscal do legislador. A nosso ver, a essencialidade de mercadorias e serviços deve estar a serviço do bem comum, cujo atendimento é missão do Estado em seu todo. Esta possibilidade de seleção por meio do ICMS, que é imposto est3dual, parece não poder ser efetivada isoladamente por um Estado-Membro dentro da Federação. Neste sentido, parece claro que tal providência terá sempre que ser conjuntural e obedecer aos termos da lei complementar a que se refere o item XII, g, do mesmo citado § 2.° do art. 155.

Tendo em vista que as operações e prestações interestaduais estão ligadas a interesses da ordem federativa e as de exportação se inserem no quadro da economia nacional, as alíquotas apli­cáveis serão estabelecidas pelo Senado Federal (ite"m I V). o qual é composto de representántes dos Estados e do Distrito Federal (art. 46).

Já em relação às 'operações internas, isto é, aquelas realiza­das dentro de cada t :rritório do Estado-Membro ou do Distrito Federal, a Constituiç.io faculta ao Senado estabelecer alíquotas mínimas (item V, a) e fixar alíquotas máximas para resolver conflito específico qU! envolva interesse de Estados (item V, b).

Em princípio, as alíquotas internas não poderão ser inferio­res às previstas para as operações interestaduais. a menos que os Estados e o Distrito Federal, nos termos do disposto na letra g do item XII, deliberem em contrário (item VI).

que No item VII dispõe ainda a Constituição, com minúcia,

"em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á:

a) a alíquota interestadual, quando o destinatá­rio for contribuinte do imposto;

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b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele".

Na hip6tese da letra a acima, a diferença entre a alíquota interna e a interestadual caberá ao Estado da localização do des­tinatário (item VIII).

Ainda, mais uma vez, para impedir discussões anteriores que ocorreram no campo do ICM, veio a Constituição dispor que este imposto

IX - incidirá também:

a) sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, ainda quando se tratar de bem destinado a consumo ou ativo fixo do estabelecimento, assim como sobre serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o estabelecimento des­tinatário da mercadoria ou do serviço;

b) sobre o valor total da operação, quando mer­cadorias forem fornecidas com serviços não compreen­didos na competência tributária dos Municípios.

A seguir o item X dispõe que não incidirá:

a) sobre operações que destinem ao exterior pro­dutos industrializados, excluídos os sem i-elaborados de­finidos em lei cOnl?lementar;

b) sobre operações que destinem a outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica;

c) sobre o ouro, nas hipóteses definidas no art. 153, § 5.°.

Observe-se que da imunidade prevista na letra a a atual Constituição excluiu, dentre os produtos industrializados, os serni­elaborados definidos em lei complementar. Não há dúvida de que quanto mais trabalhado ou acabado o produto exportado, o País estará exportando não só produção, mas com ele o resultado do trabalho. Entretanto, o conceito de produto semi-elaborado é

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muito relativo e talvez a única forma concreta para tal definição irá ser a de uma lista, para evitar a insegurança de um conceito indeterminado 2.

O item XI manda excluir da base de cálculo do ICMS o montante do IPI quando a operação configure fato gerador dos dois impostos. Está de acordo com a idéia de que, em princípio, um imposto não deve incidir sobre o quantum de outro, espe­cialmente quando, como no caso, o IPI é constitucionalmente imposto seletivo e o ICMS pode ser ou não seletivo.

Se, como já referimos, essa disciplinação constitucional des­se imposto estadual é excessivamente pormenorizada, procurando impedir a chamada guerra tributária, pode-se ainda observar que, entre Estados, esse imposto continua, em seus traços fundamen­tais, prefigurado no texto e contexto da Constituição e de sua legislação complementar. Neste sentido, as últimas disposições desta seção sobre o ICMS reforçam certas observações, pois o item XII estabelece que cabe à lei complementar:

a) definir seus contribuintes;

b) dispor sobre substituição tributária;

c) dis ::iplinar o regime de compensação do im­posto;

d) fix:ir, para efeito de sua cobrança e definição do estabelecimento responsável, o local das operações relativas à circulação de mercadorias e das prestações de serviços;

e) excluir da incidência do imposto, nas expor­tações para o exterior, serviços e outros produtos além dos mencionados no inciso X, a;

/) prever casos de manutenção de crédito, relati­vamente à remessa para outro Estado e exportação para o exterior, de serviços e de mercadorias;

2. Como previmos na edição anlerior. sobreveio agora a lei Complemenlar n. 65. d(" 15 de abril de 1991. eslawindo em seu IIr!. 2.0 • II. que ao Confllz (Conselho Nacio­nal de Polllica Fazend.iriu) caberá elaborar essa Iisla como lambém alualizá·la.

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g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.

Reservando à lei complementar, que é de caráter nacional. dispor sobre todos esses itens básicos do ICMS. vê-se que a Constituição Federal previu a maior concentração e unificação da disciplina desse imposto que. embora pertença aos Estados e ao Distrito Federal. é prioritariamente regido por legislação na­cional, por deliberação conjunta dos Estados e do Distrito Fe­deraI. pouco restando à criatividade legislativa dos Estados. de per si.

O § 3.° do art. 155. com redação dada pela Emenda Cons­titucional n. 3. de 1993. prevê que. à exceção dos impostos de que tratam o inciso II do caput deste artigo e o art. 153, I e II, nenhum outro tributo poderá incidir sobre operações relativas a energia elétrica. serviços de telecomunicações. derivados de petróleo. combustíveis e minerais do País.

23. Dos impostos municipais. Discriminando os impostos reser­vados aos Municípios. estatui o art. 156:

"Compete aes Municípios instituir impostos so-bre:

I - propriedade predial e territorial urbana;

II - transmissão inter vivos, a qualquer título. por ato oneroso. de bens imóveis. por natureza ou acessão física. e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia. bem como cessão de direitos à sua aqui­sição;

I II - serviços de qualquer natureza, não com­preendidos no art. 155. II, definidos em lei comple­mentar (Redação da EC n. 3/93)".

Como novidade jamais prevista em constituições anteriores. o § 1.° do art. 156 veio dispor que o IPTU poderá ser progres-

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sivo, nos termos de lei municipal, de forma a assegurar o cum­primento da função social da propriedade.

Quanto ao imposto sobre a transmissão inter vivos, o item I do § 2.° prevê que não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em reali­zação de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.

O imposto sobre a transmissão inter vivos compete ao Mu­nicípio da situação do bem (§ 2.°, II).

Concluindo a seção dos impostos dos Municípios, dispõe o § 3.° do art. 156, com redação dada pela Emenda Constitucional n. 3, de 1993:

"Em relação ao imposto previsto no Inciso III. cabe à Lei Complementar:

I - fixar as suas alíquotas máximas;

II - excluir da sua incidência exportações de serviços p lra o exterior".

24. Da repartição c/as receitas tributárias. Além do sistema de discriminação dos impostos de competência da União, dos Esta­dos, do Distrito Federal e dos Municípios acima examinados, a Constituição prevê que pertencem aos Estados. ao Distrito Fe­deral e aos Municípios o imposto da União sobre rendimentos pagos por eles, suas autarquias ou fundações (arts. 157, I, e 158, 1). No caso de a União instituir os chamados impostos de com­petência residual, prevista no art. 154, I, 20% pertencerá aos Estados e ao Distrito Federal (art. 157, II).

Do produto da arrecadação do imposto da União sobre a propriedade rural, 50% da arrecadação relativa aos imóveis situados em cada Município pertencerá a cada respectiva muni­cipalidade (art. 158, II). Também os Estados entregarão a cada

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respectivo Município 50% da arrecadação do imposto sobre a propriedade de veículos automotores licenciados no respectivo território municipal (item III). Do ICMS também cada Muni­cípio receberá 25% (item IV).

Ainda o art. 159 determina que a União entregará ao Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal e ao Fundo de Participação dos Municípios porcentagens da arreca­dação do IR e do IPI. Enfim. dos arts. 157 a 162 a Constituição prevê essas várias repartições de receitas provenientes das arre­cadações de impostos e as regras e critérios dessas repartições.

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Capítulo IX

DIREITO TRIBUT ARIO MATERIAL

25. Relação jurídica.

26. Relação jurídica tributária.

27. A obrigação tributária e os seus elementos: a lei, o fato os sujeitos e o objeto.

28. Natureza da obrigação tributária e sua distinção da obrigação de Direito Privado.

25. Relação jurídica. O homem é um ser relacionado. As mais variadas relações lig 3m os homens: relações de afeto, de política. de religião, de parer tesco etc. O Direito, como sistema social de normas, disciplina grande parte dessas relações, especialmente por normas legisladils. Diz mesmo o preceito constitucional que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei" (CF, art. 5.0 , II).

As relações humanas atingidas pelo Direito passam, por isso mesmo, a constituir relações jurídicas porque este lhes injeta efi­cácia. Assim estas relações humanas se transformam em rela\iões juridicamente vinculantes. Daí podermos distinguir ne relação jurídica a matéria e a forma. A matéria provém da relação huma­na, a forma decon-e da lei 1.

1. Para melhor estudo leia-se Teoria dei rapporti giuridici, às p. 295 e s. do TraI/aIo di dirillo civi/t: ilaliano, de Francesco Ferrara, v. I (único publicado).

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Exatamente nesta parte geral do curso, em que estamos pro­curando fazer um estudo sistemático, devemos lembrar que o conceito de relação jurídica constitui um dos princípios basilares do sistema do Direito.

A norma jurídica disciplina o complexo dos direitos e obri­gações que vinculam os indivíduos e este liame é, substancial­mente, bilateral, pois ao dar direito a um, impõe ao outro o dever de cumpri-lo. B exatamente este vínculo, entre o sujeito do direito e o sujeito do dever, que produz a relação jurídica. Giorgio DeI Vecchio a define como "um vínculo entre pessoas, em razão do qual uma parte pode pretender algo a que a outra está obrigada" e prossegue: "advirtamos que a relação jurídica tem sempre um substrato real nas coisas e nas pessoas. O Direito não cria os· elementos ou termos da relação, encontra-os já naturalmente cons­tituídos e não faz mais do que determiná-los, discipliná-los: re­conhece algo preexistente, ao qual dá ou imprime sua forma, fi­xando os limites da exigibilidade recíproca. A miúdo, a relação é dupla e complexa, isto é, a mesma pessoa que está investida da faculdade e do direito. está também investida de uma o1:-riga­ção e vice-versa" 2.

26. Relação jurídica tributária. Partindo do conceito geral aci­ma e especificando, temos qUi: a relação fático-econômica "'tingida pelo Direito Tributário constitui uma relação jurídico-tributária.

Vamos então esclarecer e exemplificar o que é a ·relação jurídico-tributária: o indivíduo, entrando em relação com outro ou outros, pratica atos como, por exemplo, um contrato de com­pra de uma casa. Ao praticar esse ato, essa relação negocial, com ela incide no campo da lei tributária, porque a lei tributária previamente declara incidente no imposto a compra e venda de imóvel.

A ocorrência dessa relação humana que incide na lei tribu­tária, isto é, que produz efeitos jurídico-tributários, faz surgir

2. Filoso/la dei derecho, 3. ed., revista por Legaz & Lacambra, Barcelona, Bosch, 1942, p. 358.

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entre o Estado e o indivíduo direitos e obrigações recíprocos, for­mando o conteúdo de uma relação específica chamada relação jurídica tributária.

Dada esta rápida idéia ja relação jurídica em geral e espe­cificada a relação jurídica tributária, podemos agora, e na mesma ordem do geral para o particular, dar primeiro uma breve noção da obrigação e em se~uida da obrigação tributária.

A obrigação

Obrigação é a relação jurídica pela qual uma pessoa (cre­dora) tem o direito de exigir de outra (devedora) uma prestação.

A pessoa que tem o direito de exigir a prestação, a credora, denomina-se sujeito ativo; a pessoa que está obrigada à presta· ção, a devedora, denomina-se sujeito passivo; a prestação deno­mina-se objeto; o funda_mento de direito atribuído ao sujeito ativo denomina-se causa.

27. A obrigação tri'.Jutária e os seus elementos: a lei. o fato. os sujeitos e o objeto . . \ssim, particularizando mais, podemos colo­car as figuras tribut.írias e teremos que a obrigação tributária é uma relação de Direito Público prevista na lei descritiva do fato pela qual o Fisco I sujeito ativo) pode exigir do contribuinte (sujeito passivo) umél prestação (objeto).

Elementos da obrigação tributária

A Lei

Como vimos anteriormente, o exercício da competência tri­butária é outorgado pela Constituição que discrimina e partilha os tributos e em nosso sistema atual é a legislação complementar desta que traça o conceito dos fatos geradores e afinal a lei ma­terial do poder competente descreve n:inuciosamente todos os

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elementos do fato gerador por meio das "hipóteses de i!lcidên­cia". Esta é a técnica pela qual o tributo pode ser criado. Assim como para o nascimento da obrigação de Direito Privado é essen­cial a manifestação de vontade das partes (obrigações ex volun­tate), para o nascimento da obrigação tributária é essencial a manifestação de vontade da lei (obrigação ex lege). A manifesta­ção de vontade da lei tributária para a criação do tributo é feita por meio da descrição hipotética do fato que assim juridicizado, ao ser realizado em concreto, se torna gerador. Mas tal é a legali­dade dos tributos que ainda não poderão ser cobrados no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou (CF, art. 150, ~1I, b).

Assim, indicaremos por lei o conjunto dessas providências legislativas como o primeiro elemento para que possa existir a obrigação tributária.

o fato gerador

No sentido integral, "fato gerador do tributo ~ o conjunto dos pressupostos abstratos descritos na norma de direito mate­rial, de cuja concreta realização decorrem os efeitos jurídicos previstos" .

Portanto, não basta a :;ó existência abstrata da descrição dos pressupostos feita pela lei ou legislação, para que ocorram os efeitos jurídicos ou a obrigação tributária. A lei cria hipoteti­camente a figura ou modelo e a conseqüência tributária somente surgirá se a situação descrita for praticada, por alguém, dentro da jurisdição, num dado momento,· submetida a uma base de cálculo e alíquota se se trata de tributo avaliável ou apenas de tm quantum se o tributo é fixo.

Todos estes últimos aspectos estão ligados à substância ou cerne do fato gerador (situação descrita), sendo certo que o CTN destacou logo o elemento cerne que é o material (situação -arts. 114 e 115) e foi tratando dos aspectos, separadamente, em outros dispositivos, mas sempre relacionando-os.

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Assim, o fato gerador integral compreende o cerne objetivo, e os aspectos subjetivo, espacial, temporal e quantificativos que passaremos a examinar:

1.°) Elemento objetivo (situação descrita).

E. a sua consideração material, ou seja, quando encarado pela situação de fato que a lei descreve. Por este lado é que foi confi­gurado pelo CTN: "a situação definida em lei como necessária e suficiente para a ocorrência da obrigação principal" (cf. art. 114). Por questão de método o Código entendeu suficiente restringir-se aí ao elemento material ou cerne do fato gerador e passou a espe­cificar os aspectos (subjetivo, espacial, temporal e quantificati­vos) nas respectivas disposições. Portanto isso não quer dizer que abandonou os demais elementos da teoria do fato gerador. Pelo contrário, estruturou-os dentro de um sistema nonnativo.

O elemento objetivo do fato gerador pode-se compor de apenas um fato ou de vários, daí poder ser simples ou complexo. Além disso, a lei, ao descrever a situação, às vezes emprega ter­mos específicos e às vezes genéricos, dependendo freqüentemente da natureza da situação a ser alcançada.

Vejam-se estes dois exemplos, respectivamente:

A) O imposto ~ obre a importação de produtos estrangeiros tem como fato gerador a entrada destes no território nacional.

B) O imposto sJbre a renda e proventos de qualquer natu­reza tem como fato !:erador a aquisição da disponibilidade eco­nômica ou jurídica:

I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

II - de proventos de qualquer natureza, assim entt!ndidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso ante­rior.

De accrdo com o sistema da legislação. aí estão descritos apenas os elementos objetivos dos fatos geradores, e os aspecto" são encontrados noutras disposições da respectiva legislação. Mas como se vê dos exemplos acima, em virtude de a "situação'·

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base do imposto de importação ser mais simples, também a ex­tensão e a complexidade das normas exigidas para sua explici­tação e regulamentação são menores, comparadas com as da legislação do imposto de renda.

Quanto mais específica a descrição do fato, tanto maior certeza e segurança dará às relações tributárias; quanto mais genéricas, maiores serão as exigências de interpretação.

2.°) Aspecto subjetivo (sujeitos ativo e passivo).

Sujeito ativo da obrigação tributária é aquele que recebe competência, mas a própria determinação da competência se pode apurar mediante a atribuição ou não de fatos geradores-(defini­ção de competência, casos de invasão de competência e bitribu­tação).

Somente a União, os Estados, o Distrito Federal e os Muni­cípios podem ser sujeito ativo da obrigação tributária, porque sujeito ativo dessa obrigação somente pode ser a pessoa jurídica de direito público titular de competência para criar a obrigação e exigir o seu cumprimento (CTN, art. 119).

Há certas autarquias, órgãos paraestatais ou profissionais como os sindicatos, que são beneficiários de arrecadações. Neste caso arrecadam por delegação, mas não têm competência para o exercício do poder de tribut, r. Este exercício compreende o de emanar leis materiais tributá'ias e somente às pessoas jurídicas de direito público a Constituição conferiu a qualidade de sujeitos ati vos da obrigação tributária.

Sujeito passivo da obrigação tributária, em princípio, deve ser aquele que praticou a situação descrita como núcleo do fato gerador, aquele a quem pode ser imputada a autoria ou titulari­dade passiva do fato imponível. Como objetivamente a situação fática é de conteúdo econômico, o titular ou beneficiário do fato deve ser em princípio o contribuinte, mesmo porque é com o re­sultado da realização do fato tributado que ganha para pagar o tributo ou manifesta capacidade contributiva.

De acordo com a teoria do fato gerador, deve ser a pessoa ligada à situação descrita como fato gerador. Em princípio a

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própria pessoa que o realizou, mas se condições técnicas P.X1g1 rerr a eleição de outrem, ainda assim deverá ser alguém vinculad? àquela mesma situação.

O CTN no art. 121 qualifica dois tipos possíveis de sujeitu passivo: o contribuinte ou o responsável.

1) Contribuinte - quando tenha relação pessoal e direta com a situação ou substância do respectivo fato gerador.

Observe-se que esta qualificação da pessoa decorre da subs­tância ou matéria e não da forma: é a pessoa ligada materialmen­te ao evento tributado. Este é o melhor obrigado em razão de sua vinculc.ç10 pessoal e direta com o fato imponível. Por isso mes­mo é que o art. 121 o indica em primeiro lugar.

Para maior clareza lembremos que a qualidade de contri­buinte é um atributo de quem realiza o fato típico ou cerne do fato gerador. Se pensarmos no aspecto econômico da tributação, é fácil compreendermos a razão ou necessidade desta vinculação do contribuinte ou responsável ao fato econômico tributado, não só porque a vantagem ou resultado dele decorrente é que vai possibilitar o pagamento do tributo ao fisco, mas ainda porque assim a lei atenderá ao princípio fundamental de justiça tributá­ria, segundo o qual se deve atingir a capacidade econômica do contribuinte (capaci,lade contributiva).

Portanto a qual idade de contribuinte é uma decorrência da realização do fato gtrador, ou em outras palavras, a pessoa que realiza o fato previste na lei como tributável adquire o status de contribuinte. Na literatura jurídica alemã, este fenômeno é cha­mado de Zurechnung 3, que poderíamos trad.lzir por responsabi­lidade pela conta ou quantia, por atributividade do débito, pois Zurechnungsfiihigkeit é a responsabilidade pessoal ou imputabi­lidade.

3. Albert Hensel, Steuerrecht. cit.. p. 80. sob o tCtulo Die Zurechnung. 3. ed .• Kõln. Adde: Klaus Tipke. Steuerrecht. 5. ed .. Koln Ed. Dr. 0uo Schmidt. 1978. p. 125. Esta edição já está de arordo com o novo Código Tributário alemão, em cuja tradução, co-edilada por IBDT-Forense, 1978, veja-se o § 39.

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Essa atributividade é assim uma relação ou vínculo que imputa a autoria do fato tributado à pessoa que o realizou e cómo conseqüência lhe dá a qualidade de contribuinte ou deve­dor do tributo.

Outra expressão técnica empregada na literatura tributária francesa é l'appartenanc.e fiscale ou na italiana la appartenenza g;uridica tributaria ou ainda tedesca steuer/iche ZugelWrichkeit, que podemos traduzir por atributividade jurídico-tributária.

Essa responsabilidade ou atributividade é pessoal nos casos em que o sujeito está submetido à soberania ou competência territorial do ente tributante ou ainda em razão da sede da em­presa ou da cidadania do contribuinte.

Pode ser também fático-econômica quando se refere a certos interesses econômicos do contribuinte dentro da jurisdição.

Exemplo da sujeição à competência territorial encontramos no ICMS, quando uma empresa estabelecida no Estado de São Paulo faz uma venda de mercadoria dentro do território de outro Estado-Membro. Se a operação é realizada, digamos, no Estado de Mato Grosso, em relação a esta operação a empresa é contri· buinte daquele Estado porque lá foi realizada e por isso está sujeita à tributação daquele Estado e é o Município dentro do qual foi a operação realizada que tem direito à participação no resultado do ICMS cobrado Centro de seus lindes·.

Dependendo da natureza de cada imposto, em certos casos a localização da sede da empresa, do estabelecimento ou do do­micílio do contribuinte também pode ser básico para a atributi­vidade fiscal.

Veja-se, por exemplo, que para o imposto sobre prestação de serviço (lSS) estatui o Decreto-lei n. 406, de 31 de dezembro de 1968:

Art. 10. Contribuinte é o prestador do serviço . • • • • • • • • • • • • • ••• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • a

4. Cf. caso concreto da aplicação desse princípio em nosso Direito tributdrio, 5.- coletânea, São Paulo, Bushatsky, 1971, p. 18, itens XVI e XXVII.

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Art. 12. Considera-se local da prestação do ser­viço:

a) o do estabelecimento prestador ou, na falta de estabelecimento, o do domicílio do prestador;

b) no caso de construção civil o local onde se efetuar a prestação.

No plano internacional, a questão é mais delicada em razão da soberania fiscal de cada país. Para ser evitada a bitri­butação internacional são usados critérios como o da localização da sede ou do estabelecimento da empresa; o do local da pres­tação ou produção e, em relação às pessoas físicas também, do domicílio, residência ou cidadania. Estes casos são em geral resolvidos por meio de acordos e convenções internacionais'.

Na impossibilidade de atingir o contribuinte natural, o le­gislador admite ainda, como sujeito passivo, o

2) Responsável - .quando, sem revestir a condição de con­tribuinte\.. sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.

Observe-se que o responsável é um terceiro em relação ao contribuinte, mas não alheio ao fato gerador. O art. 128 do CTN prevê que seja uma I essoa vinculada ao fato gerador da respecti­va obrigação e que mdicado o responsável a lei pode excluir a responsabilidade do contribuinte ou atribuir a este, em caráter supletivo, o cumprimento total ou parcial da referida obrigação.

Observe-se que ,) art. 128, ao se referir à "pessoa vinculada ao fato gerador", com!>reende a vinculação tanto "de fato" como "de direito", pois não as distingue e no projeto estava mesmo "vinculada de fato ou de direito ao respectivo fato gerador" (art. 164 do projeto) e foi apenas resumida a redação.

3.°) Aspecto espacial (lugar).

5. V. os últimos concluídos pelo Brasil com vários países e reunidos em publi­caçõcs da Editora Resenha Tributária: Acordos e convenções internaciotlais do Brasil para evitar a bitributação de rendimentos. 1973. e Acordos e com'ençües internacionais em matéria de imposto de renda. 1976. Também em rolhas substituíveis. 1'. o grande volume Legislação 'ributdr;a. tratados. convenções e acordos. Ministério da Fazendo. Secretaria da Receita Federal, Plangef.

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o lugar onde se realiza o fato qualificado como gerador do imposto (situação descrita), via de regra, .determina a lei aplicável. ~ por isso muito importante na solução da bitributa­ção, tanto internacional como interna.

A questão do lugar varia conforme a natureza dos impos­tos. Em certos casos de impostos pessoais, às vezes o lugar é considerado o do domicílio do contribuinte; já nos impostos reais o critério mais comum é o territorial.

4.°) Aspecto temporal (momento).

O momento da ocorrência do fato gerador obietivo é da maior importância porque é neste momento que nasce a obrigação tributária e portanto se aplica a lei vigente à data de sua realiza­ção. A base de cálculo. a alíquota, as deduções, as condições pes­soais para gozo de isenções etc. são todas as existentes na data da consumação do fato gerador. O CTN fixa no art. 116 o momento de sua ocorrência, declarando que a partir desse momento é que se consideram existentes os seus efeitos.

5.°) Aspectos quantificf!tivos (base de cálculo e alíquota).

A situação descrita na lei como fato gerador, ocorrendo, tem de ser medida ou avaliada de acordo com uma base também pre­viamente estabelecida em lei e que se denomina base de cálculo (CTN, art. 97, IV). A base df cálculo do tributo representa legal­mente o valor. grandeza ou I.!xpressão numérica da situação ou essência do fato gerador e sobre a qual se há de aplicar a alíquota; é, por assim dizer, um dos lados ou modo de ser do fato gerador. Este aspecto é tão importante para os efeitos da tributação que o CTN o destacou não só para estabelecer que a base de cálculo somente pode ser fixada por lei, mas, ainda que sendo exigida lei para aumento do tributo, equipara-se à majoração a modifica­ção da sua base de cálculo que importe em torná-lo mais oneroso (art. 97, II, IV, e § 1.0).

Entre os requisitos que a lei material deve conter para criar o tributo está o da alíquota (art. 97, IV), que é a tarifa prefixada para os tributos fixos ou a percentagem que nos tributos variá-

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veis deve ser aplicada sobre a base de cálculo, para se obter o quantum.

Contribuinte de direito e contribuinte de fato

Do ponto de vista econômico cos.tuma-se distinguir o cha­mado contribuinte de direito do contribuinte de fatt). O primeiro corresponde ao que o CTN designa de sujeito passivo da obriga­ção principal e o subdivide em contribuinte e responsável, por­que esses são juridicamente os devedores, são eles que respondem pelas obrigações perante o fisco.

Entretanto, embora o contribuinte e o responsável sejam os que efetuam o pagamento dos tributos, especialmente no caso de impostos indiretos, como IPI, ICMS etc., pelo fenômeno da re­percussão aqueles, ao venderem as mercadorias ou efetuar negó­cios, transladam, expressa ou implicitamente, o quantum dos im­postos que, afinal, vão ser suportados pelos últimos comprado­res ou consumidores finais. Estes são então chamados contribuin­tes de fato.

A figura do contribuinte de fato tem hoje interesse no cam­po do Direito Tribut irio, especialmente no capítulo da prova de quem assumiu o encugo, para efeito de legitimação à restituição, direta ou por representação (CTN, art. 166).

A base de cálculo e a alíquota são portanto categorias técni­co-jurídico-tributárias de quantificação ou fixação do montante do tributo. Têm a função de medir a substância (situação) ou núcleo do "fato gerador" e por isso mesmo sua aplicação está no final da seqüência dos atos do procedimento de lançamento; no final ou conclusão, para darem o resultado matemático: o quan­tum.

Se tivermos presente que o tributo se expressa, em última análise, em uma quantia devida, e que quantia no Direito é um dos raros conceitos absolutamente determinados·, vemos que a

6. "Por conceito indeterminado entendemos um conceito cujo conteúdo e e:l:ten­são são em Inrga medidn incertos. Os conceitos absolutamente detenninados sõo muito racos no Direito. Em todo caso devemos considerar como conceitos absolutamente

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base de cálculo e/ou aJiquota são elementos fundamentais ou matemático-quantificadores da essência do fato gerador.

Isto explica porque a Constituição Federal se refere no art. 154, I, ao fato gerador e base de cálculo para distinguir os possíveis "outros impostos" que a União pode criar, destacada­mente dos privativos.

Observe-se que a expressão "fato gerador" nesse texto da Constituição está sendo tomada apenas como sinônima da "situa­ção" definida em lei como necessária e suficiente à ocorrência do fato gerador da obrigação principal. Isto é, a Constituição brevitatis causa se reportou à categoria jurídica do Direito Tri­butário, já conceituada no art. 114 do CTN, porque sendo o texto constitucional genérico ou sintético deixa a explicitação conceituaI para a lei complementar e a especificação para a lei ordinária.

Objeto

~ a prestação a que está obrigado o sujeito passivo.

A prestação pode consistir em pagamento de uma soma que é o débito do tributo. Nesse caso se tratará da obrigação principal ou poderá na obrigação acessória consistir em cum­primento de uma formalidade positiva ou omissiva. Assim, por exemplo, escriturar um livn ou abster-se de praticar um ato.

No que se refere ao objeto, não deve o legislador pretender excesso de prestação, deve procurar tributar proporcionadamente de acordo com a capacidade contributiva; também o aplicador não pode exigir mais do que o devido nos termos da lei e na obrigação acessória não deve exigir o impossível, o impraticável 7.

delenninados 05 conceitos numéricos (especialmente em combinação com os conceitos de medida e os valores monetários: 50 km. prazo de 24 horas. 100 reais)". Karl Engisch. Introdução ao pensamento jurídico. tradução da 3. cd. do original de 1964, por Balista Machado, Lisboa. 1972, p. 173.

7. Tratando do princípio da praticabilidade. ensina Henrich Beisse. baseado em jurisprudência da Corte Constitucional da Alemanha. que "constitui corolário do Es· tado de Direito o princípio da proporcionalidade entre meios e fins (proibição do excesso). que possui categoria constitucional (v. Tribunal Federal Constitucional 19. 342, 348 e s.). Este é importante para a interpretação de dispositivos dos quais

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A lei não poderá tampouco tributar de forma a produzir efeito confiscató~io da propriedade. feriria a Constituição que garante a propriedade. Também não poderá tributar até ao ponto de impedir ou aniquilar uma atividade lícita. pois a Constituição garante a livre iniciativa e seria uma restrição à liberdade. que ultrapassaria o próprio limite constitucional autorizado tanto ao poder de tributar quanto ao poder de regular.

28. Natureza da obrigação tributária e sua distinção da obriga­ção de Direito Privado. Já tivemos ocasião de verificar que. de acordo com a Constituição. a obrigação tributária principal. isto é. o direito de o fisco exigir o tributo e o conseqüente dever de o contribuinte satisfazê-lo. somente surge em virtude de lei (art. 150. 1). Daí decorre a sua natureza de obrigação de estrito Direito Público, uma obrigação ex lege.

~ uma obrigação de Direito Público quanto ao sujeito. pois o sujeito ativo é o Estado na sua qualidade de fisco. entidade de caráter eminentemente público; quanto ao objeto basta verificar que os tributos ou prestações exigidas são meios de utilidade pú­blica; e, finalmente. pela sua causa que formalmente só pode ser a lei. ato do poder >úblico e. mesmo, materialmente. não basta só a ocorrência de tatos mas que esses fatos sejam os prévia e hipoteticamente especificados em ato do poder público. ou seja, na lei tributária.

Algumas distinções entre a obrigação de Direito Privado e a obrigação tributária

Dessa natureza decorrem diferenças específicas entre a obrigação de direito privado e a obrigação tributária, entre as quais podemos ressaltar as seguintes:

resultam obrigações formois que devem ser cumpridas no interesse da tributação. Sua extensão deve estar numa relação razoável com a finalidade da tributação. Assim, a~ exigências Ceitas a uma contabilidade nio devem ser exageradas (v. acórdãos da Corte Fiscal Federal 58, 70; 62, 220; 72. 126; 86, 118)". ln Estudos tributários. direção e colaboração Prof. Ruy Barbosa Nogueira, São Paulo, Resenha Tributária, 1974, p. 48.

lSI

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t) Quanto ao nascimento - A obrigação de direito priva­do, via de regra, nasce com base na manifestação de vontade das partes, por acordo bilateral, verbal ou escrito, por isso mesmo é ex voluntate: "negócio jurídico". A obrigação tributária nasce somente da manifestação de vontade da lei escrita, promulgada, sancionada, publicada, vigente e eficaz. Por isso é uma obriga­ção ex lege: "pretensão de Direito Público" '.

Como se vê, e é relevante memorizar esta idéia, a descrição do fato gerador ou da lattispecie legal da obrigação tributária é a forma de manifestação da lei (ex lege) , ao passo que na obri­gação de Direito Privado essa manifestação de vontade é das partes (ex voluntate).

2) Quanto à apuração - A obrigação de direito privado pode ser apurada por atos das próprias partes e em caso de con­flito por arbitragem de terceiros nos termos do contrato ou ainda pela invocação do Poder Judiciário, em juízo cível. A apuração da obrigação tributária é feita por meio do procedimento admi­nistrativo de lançamento que, em caso de conflito, pode ser dis­cutido no processo administrativo fiscal ou submetido ao controle de legalIdade do Poder Judiciário.

3) Quanto à exigibilidade e coercibilidade - A obrigação de direito privado, via de regra, livremente pactuada, gera direi­tos e obrigações entre as partes, mas a sua validade e eficácia para ser deduzida coativamf.-nte exige a provocação facultativa por parte de quem tenha interesse e legitimidade; ao passo que a obrigação de direito tributário nasce com a realização do fato gerador e a atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional. Concluída a determinação do crédito tributário, não pago na via administra­tiva, são também obrigatórias a inscrição da dívida ativa da Fa­zenda e a cobrança judicial.

4) Quanto à inderrogabilidade - No Direito Privado o titular do direito de crédito pode dispor livremente de seu crédito,

8. cr. Negozio giuridico. in Dizionario Pra,ico dei DirillO Priva'o de Scialoja. ed. Vallardi.

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praticar liberalidade, fazer doação, transigir, concordar em com­promisso ou arbitragem ainda que não prevista no contrato etc. Entretanto, a obrigação tributária, por ser de Direito Público e só poder ser criada pela lei, não permite que, sem autorização legal, o fisco, o contribuinte ou terceiros possam transigir, desis­tir, fazer compromisso ou alterar os termos da obrigação.

Por tudo isso a própria confissão de dívida do contribuinte, se não estiver de acordo com a lei, nenhum valor terá para o juízo tributário, como veremos melhor mais adiante.

Em relação ao fisco, o CTN, no art. 123, dispõe expressa­mente: "salvo disposição de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modi­ficar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tribu­tárias correspondentes".

Em relação aos funcionários, o parágrafo único do art. 142 reza que a atividade administrativa é vinculada (isto é, não pode ser exigida sem o devido processo legal, nem em quantia dife­rente da legal) e obrigatoriamente (ex of/icio), sob pena de res­ponsabilidade funcional.

5) Quanto às (onseqüências puníveis, do inadimplemento - Na obrigação de C ireito Privado, o não-cumprimento acarreta, em geral, conseqüênc ias puramente cíveis de reparação de dano, p.ois mesmo as multa~ previstas em contratos são de caráter inde­nizatório e não punitivo. Quando as estipulações privadas exce­dam as raias da reparação cível, são corrigíveis por meio dos tribunais. O descumprimento das obrigações tributárias, além da indenização do quantum do tributo devido, acarreta em geral multas ou penalidades exemplares ao infrator da ordem público­tributária.

6) Quanto à executoriedade - A não ser em casos espe­ciais, baseados em títulos que dão ação executiva, em geral o credor da obrigação de direito privado necessita primeiro propor ação de cognição para obter sentença exeqüível, ao passo que o débito tributário, formalizado pelo lançamento e pela inscrição

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da dívida ativa da Fazenda Pública gera título executivo extra­judicial, que goza da presunção juris tantum de liquidez e certeza e concede ao fisco, desde esse momento, a legitimação para propor a execução judicial fiscal (CPC. art. 585, VI), que começa pela penhora de bens do contribuinte. E verdade que, como veremos em outro capítulo, neste caso é garantida ao executado ampla defesa. porém já dentro da execução fiscal.

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Capítulo X

TRIBUTOS E SUAS ESP':'CIES

29. O tributo, sua divisão em impostos, taxas e con­tribuições.

30. As características do imposto, da taxa e da con· tribuição de melhoria.

29. O tributo, sua divisão em impostos, taxas e contribuições. Os tributos, como já vimos, são as receitas derivadas que o Estado recolhe do patrimônio dos indivíduos, baseado no seu poder fiscal (poder de tributar, às vezes consorciado com o poder de regular), mas disciplinado por nonnas de direito público que constituem o Direito Tributário. As outras receitas chamadas originárias e provenientes do próprio patrimônio do Estado. como já vimos, nada têm que ver com o Direito Tributário. este direito somente disciplina as receitas derivadas, provenientes da exigência sobre a economia dos particulares e que são os tributos.

Os tributos, na nomenclatura constitucional. como vimos no capítulo do Direito Constitucional Tributário. são o imposto, a taxa, a contribuição de melhoria, as contribuições sociais, as extrafiscais, as parafiscais, a contribuição do salário-educação, o empréstimo compulsório, os impostos extraordinários e outros impostos da competência residual da União.

Tributo é a denominação genérica que compreende todas as espécies acima citadas.

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o CTN diz no art. 3.° que tributo é toda prestação pecu­niária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilicito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

Na sua função de lei complementar da Constituição, visando a disciplina jurídica do Sistema Tributário Nacional no Livro I e traçando as normas gerais de Direito Tributário no Livro II, o CTN tem como conteúdo "regras jurídicas sobre tributos e sobre conflitos d~ competência entre as entidades estatais, bem como sobre limites constitucionais do poder tributário". Observe-se bem que o CTN não é lei de tributação, mas sim lei sobre leis de tri­butação, e em relação aos conflitos de competência tributária, como lei complementar da Constituição, tem a alta missão de afastar dúvidas ou interpretações discordantes 1.

O CTN tem a natureza de lei orgânica, de lei quadro ou como se diz na terminologia francesa loi cadre ou alemã Rahmen­gesetz. Nosso CTN não é um Código sinônimo de lei ordinária integral ou uma consolidação de legislação ordinária como entre nós é exemplo a Consolidação das Leis do Trabalho ou os Códigos Civil. Comercial, Penal etc. Uma das leis orgânicas sobre leis tributárias daquela natureza e que serviu de uma das fontes prin­cipais do CTN foi precisamente a Ordenação Tributária (Abga­benordnung, abreviadamen.e AO) da Alemanha.

Observem que, por isso mesmo, quando procuramos resu­mir os princípios constitucionais da tributação no capítulo do Direito Constitucional Tributário, fomos explicitando-os com os complementares do CTN, porque este é lei complementar da Constituição.

Assim, fica bem esclarecido que, além da Constituição, temos o CTN, com suas alterações, como complementação ou instrumento de explicitação da ordem constitucional tributária e de garantias do cidadão-contribuinte. Tanto a Constituição

1. cr. Pontes de Miranda, Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1 de 1969, 2. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1970, t. 2, p. 383.

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como a legislação complementar. como vimos. ora por normas gerais. ora especiais e mesmo específicas. traçam a ordenação do Sistema Tributário Nacional.

Assim, ao definirem o tributo, oferecem o modelo geral para impedir que a título de tributo o poder público possa requisitar prestações que o não sejam ou que por cc..,fusão se apliquem regras tributárias, por exemplo, aos preços públicos.

E uma estruturação do geral para o particular. inclusive por meio de conceitos.

Do conceito de tributo do art. 3.° podemos ressaltar várias características.

A primeira é a compulsoriedade.

Uma prestação a título facultativo ou negocial não será tributo, não decorre do poder de tributar. Entende-se como pres­tação pecuniária não apenas a em dinheiro. mas também aquela que possa ser expressa em termos de moeda; o tributo não pode ser empregado como sanção, não tem o caráter punitivo; somente pode ser criado mediante lei material e a sua cobrança tem que ser feita por meio de atividade administrativa plenamente vincu­lada, vale dizer, por meio do lançamento e da cobrança fiscais.

30. As características do imposto, da taxa e da contribuição de melhoria.

Imposto

Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador (nuclear) uma situação independente de qualquer atividade esta­tal específica, relativa ao contribuinte. Essa é a definição do art. 16 do CTN.

As duas características fundamentais do imposto estão im­plícitas nessa definição. quais sejam, a de cobrança geral e a de não ser contraprestacional.

Com efeito.

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o imposto que é a viga mestra da arrecadação tributária é um levantamento pecuniário junto aos particulares, baseado apenas em uma medida geral de capacidade econômica ou con­tributiva e em virtude da competência tributária.

O contribuinte do imposto é devedor independente do fato e da medida em que a administração pública lhe tenha apro­veitado.

O imposto não corresponde a preço por vantagens que o Estado conceda ao obrigado, mas a captação de riqueza para o tesouro público.

Somente o imposto que seja organizado segundo princípios idênticos para todos que estejam vinculados às mesmas situações, isto é, de proporcionalidade à capacidade econômica de cada um, responde ao princípio de igualdade de direito e de justiça fiscal.

E usual distinguirem-se os impostos em impostos pessoais e impostos reais, conforme se refira a uma pessoa ou coisa.

Essa divisão, entretanto, não é uma classificação jurídica, não se baseia em critério jurídico. Já vimos que o crédito de imposto se funda sempre numa obrigação pessoal, pois a lei, ao tributar, sempre obriga um determinado sujeito vinculado ao fato gerador, que se chama comribuinte ou responsável. A pessoa do contribuinte pode ser desigrada diretamente (exemplo no imposto de renda) mas o que é tributado é o rendimento; ou de uma ma­neira indireta quando a lei tributa a prática de atos pelas -pessoas (exemplo no ICMS), ou ainda se refira ao indivíduo por ele ser o proprietário ou ppssuidor de determinados bens (impostos pre­dial e territorial).

Em qualquer caso, sempre o Estado toma como contribuinte a pessoa que é responsável pela situação tipificada ou titular de direitos e obrigações e ela responderá pelo imposto não só com o bem que tenha sido alcançado, mas com toda sua fortuna (a pessoa física com todos os seus bens, a pessoa jurídica, também com todos os seus bens, tudo dentro do alcance do instituto da responsabilidade fiscal). Compare art. 184 do CTN.

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Outra distinção usual é a de imposto direto e imposto indi­reta e esta distinção tem relevância dentro do sistema tributário.

O imposto direto tem a virtude de poder graduar diretamen­te a soma devida por um contribuinte, de conformidade com sua capacidade contributiva. Exemplo típico de imposto direto é o imposto sobre a renda pessoal.

O imposto indireto, diferentemente, liga o ônus tributário a um evento jurídico ou material e não dispõe de um parâmetro direto para dÍ>urar a capacidade econômica do contribuinte. So­mente de modo teórico e genérico poderá graduar a tributação por meio do sistema ad valorem e em razão de índices de capa­cidade econômica. Já a personalização ou adequação pessoal da carga tributária em cada caso específico não se pode obter por meio do imposto indireto. Citemos alguns exemplos para faci­litar a compreensão: são impostos indiretos, entre outros, o IPI e o ICMS, o imposto de importação etc.

Se um indivíduo comprar uma mercadoria, seja abastado ou pobre, pagará o mesmo quantum. Todavia, mediante certas cate­gorias da técnica de tributação, o legislador procura corrigir esses aspectos por meio de não-incidências, isenções, imunidades ou graduação das alíquI.tas de incidências, como vimos, em razão da natureza e destinilção dos produtos ou mercadorias.

Portanto, tratando-se de imposto, o Estado não precisa criar nenhum serviço, nem dispor de qualquer atividade especial para oferecer ao contribuÍilte em troca do que este irá pagar, pois não há, no imposto, a contrapartida que vamos encontrar na taxa. Basta que a pessoa jurídica de direito público tenha competência, crie o imposto por lei, naturalmente escolhendo, em boa técnica, as situações que revelem, direta ou indiretamente, capacidade contributiva.

Taxa

De acordo com a Constituição a taxa é de competência comum federal, estadual ou municipal, mas somente pode ser

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arrecadada para custear o gasto com o exercício regular do poder de polícia ou com serviços públicos de respectiva atribuição, espe­cíficos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos efetiva­mente à sua disposição.

Para a cobrança de taxas não poderão tomar como base de cálculo a mesma base que tenha servido para a incidência dos impostos (CF, art. 145, § 2.°; CTN, art. 77, parágrafo único).

Exatamente porque o imposto não é contraprestacional. no sistema federativo, com a coexistência de vários fiscos, é necessário que a Constituição não só qualifique cada imposto, mas ainda faça a divisão dos mesmos entre os vários fiscos, senão haveria verdadeira corrida destes para exigirem impostos e se estabeleceria o caos impositivo.

Já em relação às taxas a competência é comum, porém cada pessoa jurídica de direito público poderá cobrá-las em razão de exercício regular do poder de polícia, isto quer dizer. somente quando exercer poder de polícia que lhe tenha sido conferido pela Constituição e em relação aos serviços prestados ou postos à disposição haverão de ser somente os que a Consti­tuição atribui ao respectivo governo tributante. Se o exercício do poder de polícia não for regular ou o serviço não for de atribuição da entidade trib'Jtante, a taxa será ilegítima.

Neste sentido pode-se dizer que também, em relação à taxa, existe uma certa distribuição de competência, não diretamente pela fixação do fato gerador de cada uma e sua partilha, mas em razão do respectivo poder de polícia e das respectivas atri­buições dos diferentes governos.

Como se vê, a disciplina para a instituição da taxa, entre nós, é hoje bastante rigorosa e isto porque, antes da reforma. eram freqüentes as invasões de competência e os conflitos em razão de indiscriminada criação de verdadeiros impostos, rotu­lados com a denominação de taxas e que fraudavam a disciplina dos impostos.

Que vem a ser poder de polícia?

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Em sua clássica obra sobre esse poder, Freund sintetiza que é o poder de promover o bem público pela limitação e regu­lamentação do uso da liberdade e da propriedade 2.

Nosso Código (CTN, art. 78), no intuito de afastar dúvidas ou controvérsias, deixou bem especificado, para os fins da regu­lamentação da taxa: considera-se poder de polícia a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção d.-: fato, em razão de intere.:)se público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pú­blica ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente, nos limites da lei apli­cável, com observância do yrocesso legal e, tratando-se de ati vi­dade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.

Que vem a ser o requisito da "observância do processo legal"?

A atividade da administração pública está sempre submetida à legalidade e ela deVI: mesmo ser essencialmente realizadora do direito, estando o seu modo de proceder, de executar as suas funções, também regu!ado por normas legais. A "observância do processo legal" corresponde à cláusula do due process of law que a Constituição norte-americana assegura aos cidadãos como uma garantia em relação ao modo de proceder da administração pública. Portanto o poder de polícia só será legítimo se o órgão executante tiver competência, agir dentro dos limites desta e empregar meios também autorizados por lei.

2. Ernst Freund, The poliee power. Publie palie}' and eonstitutional rights, Chicago, Cnl'agham, 1904, Adde, Police powcr, in Encyclopaedia 01 the Social Scienees, Macmillan Co., v. 12. Crclclla Júnior, Direito administrativo do Brasil, Revista dos Tribunais, 1%1, v. 4, Poder de poHcia. Hcly Lopes Meirclles, Direito administrativo brasileiro, 4. cd., São Paulo, Rt"visla dos Tribunais, 1976, Poder de polícia, p. IOJ..14.

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Que se entende por atividade discricionária? E preciso desde logo observar que discricionária não quer

dizer arbitrária. Dentro do estado de direito não há lugar para o arbítrio. O que acontece é que as situações de fato são muitas e a lei às vezes institui mais de uma forma de proceder, dando à administração a faculdade de escolha. Neste caso, todas as for­mas facultadas são legais, tendo a administração o poder de opção e este ajuizamento configura o exercício do poder discri­cionário. Essa opção ou escolha há de ser entre um dos meios permitidos. Não poderá a autoridade administrativa se desviar para escolher fora do campo já múltiplo da lei, nem exceder o meio ou método escolhido porque no primeiro caso haverá um desvio de poder e no segundo um abuso ou excesso do próprio poder discricionário.

Que vem a ser serviço divisível e específico como elemento da taxa? '

O Estado, na sua missão de atender ao bem comum, já presta serviços gerais à coletividade, cujos gastos são cobertos sobretudo pela receita dos impostos. Serviço divisível, necessário para a instituição da taxa, é o suscetível de utilização individual pelo contribuinte, e específico é o destacável em unidade autônoma. Não há, assim, possibilidade de confusão com os serviços gerais 3.

Convém também es( larecer que esse serviço específico é aquele que somente pode !·er prestado pelo Estado, isto é, serviço administrativo ou jurisdicional. Só ao Estado compete prestá-lo aos seus jurisdicionados como desempenho de atribuições públi­cas e como decorrência do jus imperii.

Uma atividade civil, comercial ou industrial que possa ser prestada dentro da relação negocial não tem a natureza dessa atividade estatal específica. Esse serviço específico há de decor­rer do exercício do poder de regular (poder de polícia), do poder de tributar ou da consorciação destes e sempre, para cada pessoa

3. Para maiores esclarecimentos v. nosso parecer e acórdãos que tem julgado inconstitucionais cobranças de taxas por várias Prefeituras sobre o serviço de i1umi· nação das vias públicas. Publicado em Outros tributos; estudos. São Paulo. Resenha Tributária, 1991, v. I. p. 115-57.

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jurídica de direito públ~co, em razão do exercício de atribuições constitucionais de cada governo.

Que significam as expressões "pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos", "prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição" (CF, art. 145, II)?

Neste caso o Poder Público cria o serviço que, do ponto de vista tributário, é compulsório. Utilizado ou não pelo contri­buinte, a taxa será devida, mas o essencial é que o Poder Público efetivamente o tenha criado e que ele seja suscetível de utilização.

O CTN no art. 77 empregou a expressão "utilização efetivn ou potencial" e a Comissão esclareceu que isto ela o fez na revisão para ficar "claro que a qualificaçfJO efetiva ou potencial refere-se à utilização do serviço pelo contribuinte, e não, como poderia parecer pelo texto original, à sua prestação por parte do poder tributante: a não ser assim, com efeito, poderia ser pretendida a cobrança de taxas em razão de serviços de criação futura e hipotética".

Portanto, neste caso, para que o Poder Público possa exigir a taxa é preciso que o serviço esteja em efetivo funcionamento, de modo que se o contribuinte dele não se utilizar, tem que contribuir para a SU2 manutenção. Exemplo comum desta hipó­tese é o caso do con tribuinte que tem rede de serviço de á.gua à sua porta e não o utiliza porque prefere a 'água de um poço ou mina e no entantc" compulsoriamente, deve a taxa porque o serviço está à sua dhposição.

Finalmente devemos esclarecer bem que enquanto a taxa cobrada em razão da utilização de serviço público pelo contri­buinte ou posto à sua disposição é diretamente contraprestacional porque beneficia a ele, utente do serviço, a taxa cobrada para o custeio do gasto com o exercício do poder de polícia não é dire­tamente contraplestacional, porque quem se beneficia da regula­mentação é essencialmente a sociedade e nã.o o contribuinte su­jeito ao poder de polícia, à fiscalização ou regulamentação'.

4. Para um exame mais amplo, v. A. Theodoro Nascimento, Tralado d~ dir~ilo Iribulcfrio brasileiro, Forense, 1977, v. 7. p. 120 e s.

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Contribuição de melhoria

A vigente Constituição dispõe que compete à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir "contri­buição de melhoria, decorrente de obras públicas" (art. 145, III).

Como se vê cada Fisco tem competência constitucional par3 criar e exigir contribuição de melhoria, em relação às suas res­pectivas obras.

Entendemos que a contribuição de melhoria continua le­vando em conta a obra pública, que, uma vez concretizada, provoque valorização dos imóveis por ela atingidos. Vale dizer: a contribuição de melhoria continua vinculada à valorização imobiliária. Ocorre que nem sempre a obra pública provoca be­nefícios (valorização) aos imóveis por ela tangenciados. Depen­dendo da sua natureza, poderá até provocar uma depreciação dos referidos imóveis. Nestes casos, não terá ocorrido, evidente­mente, o fato gerador da contribuição de melhoria, porque não houve benefício algum aos proprietários.

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Capítulo XI

CATEGORIAS TÉCNICAS

31. Categorias especiais da técnica de tributação: incidência, não-incidência, isenção, imunidade e aliquota zero.

li. Categorias especiais da técnica de tributação: incidência, não-incidência, isenção, imunidade e alíquota zero. Uma das prin­cipais funções da doutrina jurídica é a elaboração de conceitos ou categorias que facilitem a elaboração das leis e orientem a sua interpretação e aplicaçlo.

Embora o Direito Tributário, como ramo científico e com a autonomia de contelÍdo e forma com que hoje se apresenta, tenha surgido por volta de 1919, especialmente com a promul­gação da Ordenação Tributária da Alemanha ao tempo da demo­crática Constituição dt: Weimar (RAO, hoje AO), a sua evolu­ção e desenvolvimento têm sido tão rápidos que já conta com verdadeiro vocabulário específico.

Neste sentido a expressão máxima é o Dicionário do direito tributário e das ciências fiscais (Handworterbuch des Steuerrechts und der Steuerwissenschaften) , publicado em fins de 1972 na República Federal da Alemanha, a que já fizemos referência.

Evidentemente, no campo jurídico, quando os conceitos ou cate~orias se encontram configurados em textos expressos ou resultam da conjugação de várias disposições, temos categorias de direito positivo.

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Há, entretanto, conceitos jurídico-tributários que, embora não integralmente incorporados ao texto das leis nen. resultantes de disposições implícitas do contexto destas, para o sistema do Direito são complementos ou subsídios doutrinários de relevân­cia, quando elaborarlos dentro da harmonia do sistema.

Entre nós, por exemplo, se examinarmo'i os repertórios da doutrina e da jurisprudência fiscal, podemos constatar que já houve muita confusão entre os conceitos de não-incidência, isen­ção e imunidade '. Após a promulgação do CTN e certa elabo­ração doutrinária, estes conceitos vêm-se aperfeiçoando e reve· lando sua utilidade.

Passemos, pois, a estudar estes conceitos, que são da mais ampla e útil aplicação na solução de muitos problemas fiscais.

Incidência - é o fato de a situação previamente descrita na lei ser realizada e incidir no tribulo. dar nascimento à obri­gação tributária. Neste caso a situação está incluída no campo da tributação. Tecnicamente se diz que é a ocorrência do fato gerador do tributo, ou que o tributo, como expressão da lei, incide na relaç~) fática previamente tipificada e efetivamente realizada.

A expressã) incidênci 1 tributária, em nosso país, pode-se dizer histórica, pois com os trabalhos de Gaston Jeze (Jait .gene­rateur d'impõt), aqui muito divulgados e mesmo traduzidos 2 e a inclusão nos textos do CTN de 1966 e na Constituição, da ex­pressão "fato gerador", hoje mais tecnicamente se diz "ocorrên­cia do fato gerador", em vez de incidência. Todavia, especialmente nos textos e capítulos "da incidência", continua ~m nossas leis e regulamentos fiscais. Bem expressiva, neste sen' ido, é a conser­vação, no art. 104, II, do CTN, da expressão r.ip6teses de inci­dência.

I. Em palestra pronunciada em 1948 e que se encontra publicada na RDA, 16:350-9, já tivemos oportunidade de chamar atenção para este problema.

2. Vide por exemplo a tradução de Paulo da Mata Machado, O fato gerador do imposto, RDA, 2(1):50, 1945 ..

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Não-incidência - é o inverso, isto é, o fato de a situação ter ficado fora dos limites do campo tributário, ou melhor, a não-ocorrência do fato gerador, porque a lei não descreve a hipó­tese de incidência.

Isenção - com base no art. 175, I, do CTN, que qualifica a isenção como exclusão do crédito tributário, referimos que seria a dispensa do pagamento.

Entretanto, mais do que isso, como bem esclarece Ricardo Lobo Torres, à p. 249 de seu magnífico Curso, já citado, "na isenção ocorre a derrogação da lei de incidência fiscal. ou seja, suspende-se a eficácia da norma impositiva. A isenção opera no plano da norma e não no plano fático. Sabemos que a expressão fato gerador é ambígua, podendo tanto se referir à definição hipo­tética da lei, quanto ao fato que venha a ocorrer no mundo real. Para que nasça a obrigação tributária é necessário que ocorra na realidade aquela circunstância hipoteticamente prevista na no~a. Ora, com a isenção o fato-abstrato deixa de existir e assim não pode nascer nenhuma obrigação tributária".

Imunidade - é, no dizer de Amilcar Falcão, "uma forma qualificada ou especial de não-incidência, por supressão, na Cons­tituição, da competêr.cia impositiva ou do poder de tributar, quando se configuram certos pressupostos, situações ou circuns­tâncias previstos pelo e5tatuto supremo. Esquematicamente, poder­se-ia exprimir a mesma idéia do modo seguinte: a Constituição faz, originariamente, a distribuição da competência impositiva ou do poder de tributar; ao fazer a outorga dessa competência, condiciona-a, ou melhor, clausula-a, declarando os casos em que ela não poderá ser exercida. A imunidade é, assim, uma forma de não-incidência pela supressão da competência impositiva para tributar certos fatos, situações ou pessoas, por disposição consti­tucional" .

Alíquota zero - para a ocorrência do fato gerador é im­prescindível que prévia e abstratamente a lei tenha descrito todos os aspectos do fato gerador (objetivo, subjetivo, temporal. quan­titativos: alíquota e base de cálculo). Enquanto reduzida a zero

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a aIíquota. não existirá tributação, por falta de um dos elementos do fato gerador. O efeito da alíquota zero ao suspender a tribu­tação assemelha-se ao da isenção. Entretanto, enquanto a isenção suspende todos os elementos do fato gerador, a alíquota zero apenas nulifica um dos elementos do fato gerador.

A alíquota zero é especialmente utilizada no caso do IPI e do imposto de importação.

Sendo a visualização precisamente a "transformação de con­ceitos abstratos em imagens real ou mentalmente visíveis" 3, para clareza didática costumamos representar esses conceitos como campos tributários, por uma figura que, desde o início de nossa advocacia, traçamos em um recurso judiciário e obtivemos ganho de causa. f a seguinte:

IMUNIDADE

A isenção. sendo uma suspensão da incidência, ou como declara o CTN no art. 175, I, exclusão do crédito tributário, é uma parte excepcionada ou liberada do campo da incidência, que poderá ser aumentada ou diminuída pela lei, dentro do campo da respectiva incidência.

Por sua vez, o campo da incidência poderá ser ampliado pelo legislador ordinário competente, de modo a abranger mais fatos do campo da não-incidência. Mas este nunca poderá transpor a barreira da imunidade, porque o legislador ordinário não tem competência para imunizar; ao contrário lhe é proibido invadir

3. Dicionário Aurélio.

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o campo da imunidade porque este é reservado ao poder consti­tuinte; a imunidade é categoria constitucional, é precisamente limitação de competência, mais genericamente, é exclusão do próprio poder de tributar.

Em face da natureza jurídica da obrigação tributária, é de grande alcance a distinção dessas figuras, pois quase todo o pro­blema da casuística fiscal gira em tomo de se saber se ocorre ou não a incidência; se ocorrida a incidência, se existe ou não isenção ou se a "situação" de que se trata está excluída do pró­prio poder tributário, por imunidade constitucional.

Também é preciso notar que sendo a obrigação fiscal ex lege. de natureza pública, não são permitidos os processos de integração (CTN. art. 108) para ampliação ou redução do campo da inci­dência. A interpretação é estrita no que se refere à alteração, cria­ção ou extinção da obrigação tributária, como se vê dos arts. 111 e 97 do CTN.

Como a isenção também é vinculada, igualmente não se pode julgar isenta uma situação fora dos termos estritos da lei.

Já a imunidade é problema de constitucionalidade e pre­fixada na Constituiçilo.

A falta de con lecimento de noções como estas tem cau­sado erros de aprecia;ão e mesmo de julgamento.

Infelizmente airlda é comum depararmos com a confusão entre "isento", "não tributado" ou "imune" e essa confusão tem gerado erros de legislação, de interpretação e de aplicação das leis tributárias, que devem ser evitados.

Tanto a incidência, como a isenção ou a imunidade podem­se subdividir em sub;etivas, ob;etivas e sub;etivas-ob;etivas.

Subjetiva é a incidência. isenção ou imunidade prevista em razão da pessoa: ratione personae.

Objetiva é a incidência, isenção ou imunidade prevista em razão do objeto tributado: ratione materiae.

Sub;etiva-objetiva - na amplitude casuística das situações, às vezes deparamos com disposições que levam em conta não só

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aspectos objetivos mas, concomitantemente, subjetivos. Nem sem~ pre é fácil destacar a predominância ou maior carga de um de;ses dois aspectos. Se na vontade objetivada na lei ordinária ou na Constituição transparecem ambos é porque estes aspectos ~tão consorciados.

A imunidade como categoria de limitação da competência foi mais amplamente examinada no capítulo do Direito Constitu­cional Tributário e a incidência, como é a ocorrência do fato ge­rador. também já foi estudada no capítulo sobre a obrigação tributária.

Resta-nos, pois, ver agora aspectos mais específicos da

Isenção •

A isenção também é instituto de grande relevância jurídica e de muitas conseqüências práticas. O CTN dispõe específica e normativamente sobre esta, nos arts. 176 a 179, que passaremos a estudar.

A isenção somente decorre de lei.

Mesmo quando prevista em contrato, a isenção é decorrente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo o caso, o prazo de sua duração.

Isenção geográfica

A isenção pode ser restrita a determinada região do terri­tório da entidade tributante, em função de condições a ela pecu­liares.

Esta disposição do CTN precisa não ser confundida com as limitações constitucionais dos arts. 151, I, e 152 da Cons­tituição.

4. Para estudo mais amplo. recomendamos ° livro Isenções tributárias, de José Souto Maior Borges, São Paulo, Sugestões Literárias, 1969.

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o inciso I do art. 151 proíbe que a União institua tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que im­porte distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município e o art. t 52 veda aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua proce­dência ou destino.

No item I do art. t 5 t está a chamada uniformidade geo­gráfica da tributação federal e no art. t 52 a proibição do esta­belecimento de barreiras alfandegárias dentro do País: são prin­cípios de igualdade dentro da unidade econômica do País.

A isenção permitida pelo parágrafo único do art. 176 do CTN é exatamente para compensar desigualdade em função de condições peculiares. Exemplo de isenções em função de condi­ções geográficas peculiares temos nos casos dos Incentivos Fis­cais para Desenvolvimento Econômico Regional e Setorial (v. RIR, arts. 557 a 574~Dec. n. 1.041/94).

Taxas e contribuições de melhoria

A não ser por disposição especial de lei, as isenções não alcançam as taxas e contribuições de melhoria (CTN. art. t 77, 1). Este princípio é !vidente em razão da natureza. respectiva­mente, contrapresta( ional direta ou indireta e indenizatória, dessas espécies de tr~butos.

Isenção em branco

Também a isenção não alcança os tributos (inclusive im­postos) instituídos posteriormente à sua concessão (CTN, art. 177, II). Esta norma parece óbvia mas o seu efeito é para que não se concedam isenções em branco ou de indeterminados e futuros tributos. A isenção só é concedida por lei especifica­dora de condições e requisitos, portanto necessariamente de tri­butos já existentes.

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Revogação ou modificação de isenção com prazo certo e condições

Assunto delicado e que envolve a questão do "direito adqui­rido" é o disposto no art. 178 do CTN que reza:

.. A isenção, salvo se concedida por prazo certo e em funçao de determinadas condições, pode ser revo­gada ou modificada por lei, a qualquer tempo, obser­vado o disposto no inciso III do art. 104" (com a redação do art. 13 da Lei Complementar n. 24/75).

Esta parte final relaciona-se com a questão da anualidade. Assim. revogada no meio do exercício uma isenção, a data da revogação começará no primeiro dia do exercício seguinte.

O Supremo Tribunal Federal, pela Súmula 615. admitiu uma exceção a esta regra, ao estabelecer que "o princípio cons­titucional da anualidade (§ 29 do art. 153 da CF de 1969) não se aplica à revogação de isenção do ICM".

Vejamos porque a lei garantiu a isenção concedida por prazo certo e sob condição.

A isenção é concedida por lei tendo em vista não o inte­resse individual, mas o interesse público. Assim, a isenção outor­gada às pessoas como aos l:ens é concedida em função da situa­ção em que essas pessoas ati esses bens se encontram em relação ao interesse público, exigi,ldo ou justificando um tratamento isencional.

Isto quer dizer que é a própria lei que descreve objetiva­mente essas situações e considera que essas pessoas ou bens enquadrados dentro delas estão numa situação diferente das de­mais e por isso devem ter também um tratamento diferente, em atenção mesmo ao princípio de isonomia ou igualdade 5.

Por isso, quando a isenção não é concedida por prazo certo .e sob condição, é admitido que o poder concedente possa reexa-

5. V. Francisco Campos, Igualdade de todos perante a lei, RDA, 10:376. Di· reito constituao1llll, Rio-São Paulo, Freitas Bastos, 1956, v. 2, p. 7. O principio de isonomia em direito administrativo, Freitas Bastos, 1958, v. 2, p. 179.

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minar a qualquer tempo o fundamento da isenção, para modi­ficá-la ou revogá-la.

Mas quando a isenção é concedida por prazo certo e em função de determinadas condições. considera-se que o próprio legislador está predeterminando no tempo e na forma a relação de interesse público no caso concreto.

Quando a lei fixa prazo e condição. o legislador está reco­nhecendo que, enquanto o contribuinte cumpra a condição e o prazo não se esgote. coexistem os fundamentos de interesse pú­blico que justificaram a isenção concedida ao titular e portanto integrado como direito subjetivo seu este direito.

Direito adquirido à isenção

A doutrina aponta como necessários para o nascimento de um direito subjetivo os seguintes elementos:

1) uma lei material Que;

2) tendo em vista determinada situação de fato;

3) é expedida em benefício de certas pessoas. para satis­fação destas e não semente do interesse coletivo;

4) com a conslqüência de poder ser imediatamente invo­cada pelos interessados. a fim de obter determinado comporta­mento das autoridades administrativas.

Neste sentido salienta Bühler que "direito público subje­tivo é a posição do sujeito perante o Estado. que lhe permite. com base em um ato jurídico ou norma jurídica obrigatória. promulgada em defesa de seus interesses individuais. fazer-se valer frente à administração e poder exigir ou fazer algo em relação ao Estado" a.

Indício seguro da existência de direito subjetivo público é a possibilidade de acionar a Administração. que tenha o titular. Em seu magnífico comentário à Constituição da República Fede-

6. Altes und Neues über Begrirr und Bcdculung dcs subjckliven orrenllichcn Rechlc. Gedãchlnisschri/I /ür Walter fellineck. p. 274. Addc. ibidem. Bachof. p. 294. Ainda Wolff. Verlllallungsrechl. I. 2. cd .• p. 197.

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ral da Alemanha, os Profs. Theodor Maunz e Günter Dürig salientam que "enquanto o direito de ação for expresso e in­dubitavelmente reconhecido, não pode pairar nenhuma dúvida quanto à qualificação de um direito subjetivo" T.

Isenção geral e especial

A isenção concedida em caráter geral pode ser gozada por todos aqueles que se encontrem na situação descrita pela lei, independentemente de requerimento.

Já a isenção especial "é efetivada, em cada caso, por des­pacho da autoridade administrativa, em requerimento com o qual o interessado faça prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei ou contrato para sua concessão" (CTN, art. 179).

Ainda no caso de tributo lançado por período certo de tempo, esse despacho terá que ser renovado antes da expiração de cada período, cessando automaticamente os seus efeitos a partir do primeiro dia do período para o qual o interessado deixar de promover a continuidade do reconhecimento da isenção. O § 2.° do art. 179 do Código estatui que este despacho não gera direito adquirido.

Funções da incidência, não-i ncidência, isenção e imunidade

A incidência, não-incidência, isenção e imunidade são ca­tegorias especiais da técnica de tributação.

Técnica é a adaptação dos meios aos fins.

Ora, o Estado, como vimos, ao mesmo tempo que visa levantar dinheiro entre seus jurisdicionados, para acorrer às des­pesas das funções que lhe são atribuídas, deve atender também às funções regulatórias do tributo, e à função de distribuição do ônus em razão da capacidade contributiva, para só assim atingir a igualdade social da tributação.

7. Grundgesetz Kommenlar, C. H. 8ek'sche Verlagsbuchhandlung, München und Berlin, 1966, art. 19, Abs. IV.

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Daí dispor de toda a instrumentalidade da tributação, dis­ciplinada pelo Direito e servir-se de meios técnicos, dentre os quais estão as inúmeras categorias da técnica de tributação.

Essas categorias são utilizadas pelo legislador e por isso o intérprete e aplicador da lei precisa conhecê-las.

O legislador vai eleger os eventos da vida aptos à tributação e fazê-los incidir. Daí a incidência. Entretanto, ao arrolar os eventos pelo gênero, alguns da mesma natureza têm finalidades diversas e não deveriam ser atingidos; daí a isenção para dispen­sá-los. Os que não deverão incidir ficarão no campo da não-inci­dência. Os imunes já foram previstos na Constituição e não poderão ser alcançados.

Por isso, em geral, vamos encontrar. na estrutura da regula­mentação de cada tributo, em primeiro lugar a configuração da incidência e em seguida a enumeração das isenções. S6 será pos­sível isentar o que a priori foi tributado, daí em geral, para a isenção, ocorrerem duas especificações: a primeira de incidência, a segunda de dispensa ou isenção. As isenções, muitas vezes, são colocadas na lei apenas como elemento de adequação para al­cançar s6 o que deva 5er tributado.

Assim, por exemplo, as chamadas deduções do imposto de renda na verdade não são isenções, mas formas de apurar o rendimento líquido qU! deva ser tributado como índice de capa­cidade contributiva.

Por meio da isenção se impede, muitas vezes, a sobreposição de incidências - veja-se, por exemplo, que antes do atual sistema de dedução do IPI pago sobre as matérias-primas, que agora se adotou para evitar-se a sobreposição de incidências (valor acres­cido), isto era feito por meio de isenções do imposto de consumo sobre certas matérias-primas, que iam apenas evitar o chamado overlap tributário ou sobreposição de incidências.

São, pois, categorias da técnica de tributação, cujo conhe­cimento prévio facilitará a compreensão da legislação de cada tributo federal, estadual ou municipal, ao ser examinada.

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Capítulo XII

CONTRIBUIÇõES PARAFISCAIS

32. A parafiscalidade.

32. A parafiscalidade. A expressão "parafiscal" apareceu na linguagem financeira da França, no inventário Schuman, para designar certos tributos que ora são verdadeiros impostos, ora taxas e às vezes um misto destas duas categorias e que por dele­gação são arrecadados por entidades beneficiárias.

Na doutrina brasileira são chamados de "contribuições pa­rafiscais" e são exerr. pios as arrecadações de institutos de inter­venção e direção da economia, como do Instituto do Açúcar .; do Álcool; de entidades de categorias profissionais, como os sindicatos, a Ordem dos Advogados etc.

A Constituição os denomina apenas de "contribuições" e dá competência privativa à União para instituí-Ias tendo em vista intervenção no domínio econômico ou de categorias pro­fissionais. Incluiu-as assim expressamente no capítulo do Sistema Tributário.

Estas "contribuições parafiscais" são, pois, tributos, mas nada têm que ver com a "contribuição de melhoria". Como a natureza específica de cada tributo é determinada pelo fato gera­dor da respectiva obrigação (CTN, art. 4.°) é o exame do fato gerador de cada espécie de contribuição que poderá demonstrar.

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em cada caso, se se trata de um imposto, de uma taxa 0 1) de consorciação destas duas categorias 1.

O que acima apontamos é o estado da legalidade parafiscal entre nós. Na verdade a disciplina jurídica das exações para­fiscais não chegou à sistematização alcançada pelas exações fiscais.

Como vimos, as exações parafiscais são contribuições co­bradas por autarquias, órgãos paraestatais de controle da econo­mia, profissionais ou sociais, para custear seu financiamento autônomo.

Essas contribuições foram-se avolumando e são tão diver­sificadas que até hoje não comportaram uma sistematização.

Como vimos, tal é sua complexidade que o próprio legis­lador do Sistema Tributário Nacional resolveu deixar a "para­fiscalidade" à sua sorte, tendo o Decreto-lei n. 27, de 1966, vindo declarar a sua continuação e a incluiu no Sistema Tribu­tário Nacional, dela afastando certos princípios tributários, para considerar "as patentes implicações das mencionadas contribui­ções no tocante à Paz Social, que se reflete necessariamente na Segurança Nacional". Assim o fez para poder convalidar aquelas contribuições que a legislação conceituai e precisa do sistema tributário abalara.

E o conflito com a realidade ou, como expõe Duverger, entre "a concepção sócio-econômica da parafiscalidade" e a di­fícil "noção jurídica da parafiscalidade", o que levou Trotabas a indagar e responder: "no final de toda essa evolução poder-se-á submeter a parafiscalidade à mesma legalidade do imposto? Não parece possível a resposta afirmativa".

Essas arrecadações representam grande parcela em relação às arrecadações fiscais? Financiam elas muitas atribuições esta­tais descentralizadas?

1. V. nosso trabalho: Contribuições parafiscais. Qual sua natureza jurídico­tribut4ria?, RT, 321:88. Sobre as contribuições para fiscais de natureza social, v. nossos pareceres publicados sob o título Contribuições sociais e empresas urbanas e rurais, São Paulo, IBDT/USP, 1985, ou na Revista de Previdência Social, São Paulo, n. 59 e 60, 1985.

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Se fosse feito um levantamento no Brasil do volume de toJas as arrecadações não nominalmente incluídas no quadro dos impostos, taxas e contribuições de melhoria, surpreendente­mente se poderia ver que talvez excedam ao volume destes.

Em 1962, Maurice Duverger apontava que na França havia 101 exações parafiscais a favor de 75 organismos distintos.

O problema mais difícil da para fiscalidade e que o governo enfrenta é o do controle da boa aplicação do dinheiro arrecadado pelos inúmeros organismos.

As funções desses órgãos são funções estatais descentrali­zadas ou de interesse público e essas arrecadações são as cha­madas finanças paralelas porque via de regra não são recolhidas ao tesouro público, não entram para o orçamento do Estado.

Devido às crescentes funções intervencionistas do Estado, este não pode prescindir da colaboração desses organismos que, cada vez mais, se desenvolvem e atuam ao lado das funções estatais, isto é, são paraestatais.

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Capítulo XIII

TRIBUTAÇÃO E REGULATIVIDADE

33. Poder de tributar e poder de regular.

34. A extrafiscalidade e a intervenção do Estado na vida econôrnica e social por meio da tributação.

35. Os incentivos fiscais e os limites da extrafisca­lidade.

33. Poder de tributar e poder de regular. Em razão da soberania que o Estado exerce sobre as pessoas e bens de seu território. ele pode impor. sotre as relações econômicas praticadas por essas pessoas e sobr.: esses bens. tributação {soberania fiscal}. como também impor-lhes regulamentação (soberania regulatória). Daí o poder de tribUl ar e o poder de regular.

Ambos esses pcderes. em nosso regime politico. fundam­se em disposições constitucionais de outorga de competência tributária ou de atribuição de funções aos agentes de governo - federal. estadual ou municipal - umas expressas. outras decorrentes do sistema.

Que vem a ser. porém. o poder de regular. e por que exa­miná-lo em paralelo com o poder de tributar?

O poder de regular, também conhecido como o "poder de policia" (police power) é o poder de promover o bem público pela limitação e regulação da liberdade. do interesse e da proprie­dade.

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Chamamos atenção para não confundirem este poder de regular, que é um poder legislativo de criar disciplina por meio de normas categoriais, com o simples poder de regulamentar do Poder Executivo, que dá regulamentação às leis por meio de decretos 1.

Regular é estabelecer regras, dirigir, governar. Quem pode regular pode impedir, restringir ou favorecer. Pode lançar mão dos meios necessários. Entretanto, é preciso desde logo não esquecermos que o próprio poder de regular, partindo da Cons­tituição, tem, por sua vez, o seu exercício limitado pelas dispo­sições constitucionáis" quer na sua extensão, como no meio a ser empregado. .

O poder de regular encontra-se referido em muitos tratados sobre tributos, exatamente porque o tributo é também um instru­mento, um meio de regular.

Por meio do tributo o poder público poderá fomentar uma atividade, como poderá restringi-la ou até impedir uma atividade ilícita.

Essas funções do tributo deverão estar em harmonia, em paralelo, com o poder de regular, pois não deverá, por exemplo, um tributo prejudicar uma atividade lícita.

Por isso mesmo encontramos autores de Direito Constitu­cional, de Direito Adminisl rativo e de Direito Tributário, tra­tando paralelamente: "o poder de polícia e o poder tributário" ~.

Exemplo de que o poder de tributar deve estar em harmo­nia com o poder de regular, encontramos em nossa Constituição Federal, que, ao discriminar os tributos, ou melhor, ao fazer a distribuIção de competências ou, ainda, atribuir poder de tri-

I. No sentido de regulamentação da lei Cederal por parte do Poder Executivo, dispõe a Constituição no art. 84. IV. que compete privativamente ao Presidente da República expedir decretos e regulamentos para a liel execução da lei.

2. Por exemplo: Henry Campbell Black, Handbook 01 American Constitutional Law St. Paul, 3 .. ed., Cap. 15: The power oC taxation n. 71 taxation under the poli ce power; Otto Mayer. Derecho administrativo alemán. t. 2; Poder de policia y poder tributario. trad. Heredia e Krotoschin, Buenos Aires.

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butar, especificadamente, aos vários fiscos (arts. 153 a 156), o faz em harmonia com o poder de regular que dá a cada esfera de governo.

Tal é a relação entre o poder d~ regular e o poder de tributar que Cooley, em seu tratado sobre tributação " chegou a classificar os tributos pela sua finalidade, dividindo então os tributos em duas categorias: os que têm em vista um fim eminentemente fis­cal, isto é, de apenas proporcionar arrecadação ao fisco, e que, segundo ele, estão fundados no poder de tributar; e os tributos que visam principalmente a um fim político, econômico ou social e que, segundo ele, estão fundados no poder de regular ou poder de polícia. E uma classificação teleológica, que separa os tributos pela sua finalidade jurídica.

Entretanto, como classificação para os fins financeiros e econômicos, essa forma teleológica mostrou-se insuficiente. pois acentua Seligman que há uma série de tributos com exclusivo fundamento no poder de tributar e que tem finalidades sociais ou políticas de que é exemplo o imposto aduaneiro. que também tem fins de proteção à indústria nacional; o imposto sobre a renda do celibatário, com finalidade de fomentar o casamento: os impostos sobre b.!bidas, que indiretamente combatem o al­coolismo etc.'.

Assim sendo, Seligman salienta que a distinção entre o poder de tributar e () poder de regular é muito importante do ponto de vista jurídico, para se' poder apurar conseqüências em face da harmonia que dentro do sistema da Constituição deve haver entre as duas competências, a de tributar e a de regular.

Entretanto, adverte que para efeito da classificação dos tri­butos não se deve ter em vista o grau de regulação (fins jurídicos) que ela possa eventualmente conter, mas sim o seu conteúdo

J. Thomas M. Cooley, A /realise on lhe lall' 01 taxa/ion. 5. ed .. Chicago. 1924. Um resumo da tributação nos EUA com finalidades extrariscais pode ser encontrado sob o titulo Taxation lor purposes beyond lhe revenue, da p. 64J a 66J, no livro Taxa/ion in lhe Uni/ed Slales. de Randolph E. Paul. Little, Brown, 1954.

Nestes últimos 20 anos a literatura sobre esta temática tomou-se muito extensa. 4. Seligman, op. cit., v. 2, p. 129.

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economlco ou financeiro, ou seja, a vantagem particular (taxa) ou geral (imposto) que cada categoria encerra.

Assim, como já vimos, a distinção que o CTN faz entre as espécies tributárias está precisamente na diferença dos fins eco­nômicos ou financeiros de cada espécie: imposto, art. 16, taxa, art. 77, e contribuição de melhoria, art. 81, bem como as demais contribuições, tendo em vista intervenção no domínio econô­mico, previdência, educação.

34. A extrafiscalidade e a intervençüo do Estado na vida eco­nômica e social por meio da tributação. Um dos fatos mais evi­dentes ocorridos na vida das nações, nesta metade do século, é sem dúvida a transformação das funções e deveres do Estado. Assistimos a uma crescente e constante intervenção do poder pú­blico em quase todos os setores da atividade dos particulares, principalmente na esfera econômica.

Este intervencionismo estatal direto no domínio econômico resultou na reformulação total da noção, alcance e conceito de finanças públicas. O Estado liberal do século passado, da pre­missa do laissez-faire, laissez-passer, foi substituído pelo Estado intervencionista, o Estado providência. O Estado atual não ne­cessita de recursos somente para cobrir suas despesas de adminis­tração.

Como salienta Maurice Duverger "para este Estado mo­derno, as finanças públicas não são apenas um meio de assegurar a cobertura de suas despesas de administração; mas também, e sobretudo, constituem um meio de intervir na vida social, de exercer uma pressão sobre os cidadãos, para organizar o conjunto da nação" 1;.

Esta intervenção, no controle da economia, é realizada pelo Estado sobretudo por meio de seu poder impositivo. I!, pois, no campo da Receita, que o Estado transforma e moderniza seus métodos de ingerência. O imposto deixa de ser conceituado como

S. Institutions /inoncieres, Paris, 1960, p. 2.

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exclusivamente destinado :.& cobrir as llecessidades financeiras do Estado.

B também, conforme o caso e o poder tributante, utilizado como instrumento de intervenção e regulamentação de atividàdes. B o fenômeno que hoje se agiganta com a natureza extrafiscal do !mposto.

Mas este conceito moderno de finanças públicas que tem no imposto seu mais eficaz instrumento de atuação poderá e deverá ser aplicado indistintamente por todas as categorias de Governo da Federação e em relação a quaisquer impostos?

Em um Estado federativo como o nosso competirá aos entes menores, Estados-Membros e Municípios, a tarefa de regular e controlar a economia nacional? Parece evidente que essa função é meramente supletiva e limitada a aspectos regionais ou locais e em harmonização coadjuvante.

O mesmo insigne mestre francês, ao cuidar do problemil das finanças públicas das çoletividades regionais e locais (Esta­dos-Membros e Municípios) e dos estabeleçimentos públicos lem­presas nacionalizadas e organizações públicas autônomas). justi­ficando a sua existência, em virtude do desenvolvimento da descentralização, é caleg6rico: .

"A evolução das 1 inanças públicas tem conseqüências muito diferentes nestas duas formas de descentralização, como se verá. Ela tende a restringir a descentralização territorial. a limitar a autonomia financeira das coletividades locais: é somente no qua­dro nacional, com efeito, que podem ser tomadas as decisões visando em talou qual direção a atividade econômica ou social, e não é admissível que a orientação financeira das coletividades locais venha contrariar estas decisões nacionais; na prática a des­centralização financeira se atenua. e uma grande parte das finan­ças locais é alimentada de fato pelos recursos centrais" (grifos da tradução) 0.

Mai5 adiante, ao examinar a diferença das despesas locais com as do poder central, observa que antigamente não se fazia

6. Op. cit., p. 12.

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qualquer diferença, uma vez que se tratava sempre de assegurar o funcionamento dos serviços públicos, e judiciosamente acres­centa:

"Nas finanças modernas, ao contrário, existe uma diferença essencial:

Somente o poder central pode desempenhar, por meio de intervenções' financeiras, o papel de regulador econômico e social que oonstitui para o futuro o objetivo essencial das finanças modernas.

Somente a nação constitui um quadro econômico, uma unidade econômica, no interior dos quais os poderes públicos intervêm por meio de procedimentos financeiros. As coletivida­des locais não têm esta natureza. Suas despesas têm portanto um caráter secundário ao mesmo tempo que um caráter subor­dinado. As finanças públicas modernas tendem a restringir 9

autonomia local: somente o poder central deve levar em consi­deração a conjuntura econômica e mesmo tomar decisões de orientação das despesas públicas;, é preciso que as despesas das coletividades locais sigam esta o .. ·ientação geral" 7.

35. Os incentivos fiscais e os limites da extrafiscalidade. Os estímulos fiscais no Brasil encontram larga aplicação, como são exemplos os dados pela União por meio do imposto sobre a renda para o desenvolvimento da regiã.o da SUDENE e da SUDAM ou para o desenvolvimento da pesca, do turismo, do florestamento, do reflorestamento etc.

Por meio de medidas fiscais, que excluem total ou parcial­mente o crédito tributário, o Governo Central procura provocar a expansão econômica de uma determinada região ou de deter­minados setores de atividade.

Estas exonerações fiscais de finalidade intervencionista têm sido fonte de longos debates e estudos, em face do seu emprego

7. Op. cit., p. 74.

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hoje generalizado, pela maioria dos países. Veja-se por exemplo a publicação que apresenta o resumo dos incentivos fiscais ofe­recidos em 55 "países em vias de desenvolvimento"".

Se várias são as opiniões sobre o problema, no entanto, em um ponto, existe unanimidade. 1: o de que estas medidas, por si s6s, não são suficientes para provocar o resultado desejado. Somente quando acompanhadas por outras medidas, criando condições econômicas e sociais favoráveis, é que poderão atingir o seu objetivo. Basta citar o "Mercado Comum Europeu", criado pelo Tratado de Roma em 1957, de cujos 248 artigos constam apenas 5 (arts. 95 a 99) sobre "disposições fiscais", sendo no entanto a tônica do Mercado Comum uma medida fiscal. qUI;: consiste em eliminar as barreiras alfandegárias entre os países­membros.

O fato é que as exonerações tributárias de cunho extra­fiscal, por meio de incentivos - sejam elas chamadas isenções, reduções, favores, estímulos ou devolução do imposto. pago -são expedientes que, acompanhados de outras medidas, só se completam quando adotados pelo poder nacional ou estejam dentro do contexto deste.

Assim, quando c legislador constituinte desejou proceder à reforma agrária nat ional deu à União, como um dos instru­mentos efetivos para Implantá-la e regulá-la, competência para legislar sobre o imposto territorial rural, competência essa que se conserva até hoje oe, § 4.° do arte 153 da Constituição vigente. Neste sentido, foi bem elucidativo o seguinte esclarecimento da Comissão que elaborou o projeto da Emenda Constitucional n. 18, cujo relator foi Rubens Gomes de Sousa:

"Como é sabido, este imposto, a princípio estadual, depois transferido aos municípios pela Emenda Constitucional n. 5,

8. Taxalion and the developing nalions - Intcrnational chamber of commerce, Paris, 1959.

O CTN não contém um s6 dispositivo sobre os incentivos fiscais. A AO-1977 contém lodo um capítulo, §§ 51 II 68. Sobre a sua sistematizaçiio v. o livro de 1974: Syslematisieruns der Steuervergünstigungen, do jovem e talentoso Joachim Lang, assis­tente, cm Colônia, do Prof. Tipke, Ed. Duncker & Humblot, Berlin.

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foi atribuído à União pElo art. 2.° da Emenda Constitucional n. 10, para servir como instrumento da reforma agrária, somente concebível em base6 nacionais. Essa atribuição é mantida pelo dispositivo ora comentado, com aquele mesmo caráter instru­mental de finalidades extrafiscais" u.

Exemplo interessante e elucidativo é o do seguinte caso:

A Lei n. 614 do Município de Americana, no caput de seu art. 1.°, institui um imposto de ordem fiscal, descrevendo seu fato gerador e a base de cálculo. Nos §§ 1.° a 3.°, modifica-o, atribuindo-lhe função regulatória ou ordinatória (na expressão dos autores alemães Ordnungsteuer), mediante o agravamento da base de cálculo, de forma a obrigar os proprietários, indireta­mente, a fazerem calçadas, muros ou remover ruínas ou recons­truir.

Neste primeiro caso do art. 1.° e parágrafos, o Município empregou legitimamente o imposto como instrumento eficaz· de regulamentação urbanística que lhe compete elaborar, expedir e fazer cumprir (art. 15, II, b, combinado com o art. 24 da EC n. 1/69).

Assim como por meio de leis cabe ao Município regular diretamente o planejamento da cidade, estabelecendo regras de urbanismo, também ele o pode fazer e efetivamente o faz, por meio de impostos municipais. Precisamente falando sobre esse aspecto, no volume "Taxation in Brazil " , Henry Gumpel e Rubens Gomes de Sousa, sob o título "City planning through real property taxes", mostram que o Município pode empregar o imposto territorial, como no caso dos parágrafos do art. 1.° da Lei de Americana, com funções de regulamentação urba­nística:

"By local ordinance, cities and towns sometimes use real property taxes as a means of city planning. For example, they may institute penalty rates for land oc~upied by structures which are regarded as unsuita-

9. Reforma tributária nacional, Rio de Janeiro, da Fundação Getúlio Vargas, 1966. \'. 17. [l. ,

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ble in that location, for untended vacant 10ts, for aban­doned building in a state of decay, or for tenements, warehouses, or factories located in areas which have become residential districts" 10.

Entretanto, já no art. 2.°, o Município de Americana não s6 criou um outro imposto, com fato gerador e base de cálculo fora de sua competência, como, por meio desse novo tributo a que deu nome falso de "adicional", regula e sanciona o exercício do direito de propriedade, cuja óisciplina ou poder de regular todas as Constituições do Brasil sempre outorgaram, privativamente, à União.

Com efeito.

O art. 2.° e suas letras a a e, sob a denominação completa­mente errônea de adicional, criaram um imposto territorial ur­bano proporcional e progressivamente agravado em razão do número ou quantidade de lotes de terrenos que possuam os pro­prietários.

Além do desvirtuamento e descaracterização da natureza jurídica do imposto territorial urbano, essa disciplinação, ou regulação do direito ('e propriedade, feita pelo Município de Americana, constituiu Ilão s6 um abuso, ou excesso, mas uma flagrante usurpação de .:ompetência legislativa que, sem qualquer competência supletiva ( ue não foi dada nem mesmo aos Estados, a Constituição atribui privativamente à União.

Realmente, a Constituição Federal vigente estabelece:

Art. 22. Compete privativamente à União legis­lar sobre:

I - direito civil ...

Outorgando competência exclusiva à União para legislar sobre Direito Civil, a Constituição inclui a matéria da proprie-

10. World Tax Series, Harvard Law School, Inlemalional Progrnrn in Taxation, Bolton, 1957, p. 67.

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dade ou posse, em toda sua extensão, sob o único e privativo poder da União.

Tendo a União o poder de legislar sobre a propriedade ou posse, a esta é que cabt: regular, em toda sua extensão, o uso, gozo ou exercício desse direito, observadas ainda as limitações com que a própria Constitui-;ão restringe o exercício dos poderes. Nem sequer a União pode restringir o direito de propriedade fora dos casos expressamente previstos na Constituição.

Ora, se nem mesmo a União que tem a competência privativa de regular a propriedade pode restringi-Ia fora dos casos cons­titucionalmente previstos, como seria possível ao Município in­vadir a área privativa da União e restringir o direito de proprie­dade ou posse? 11

Não cabe aos vereadores e ao Prefeito de uma Comuna, por meio de tributos ou qualquer outro meio legislativo, ditar as normas da propriedade ou posse, porque se trata de assunto na­cional. O direito de propriedade no Brasil é uniformemente regu­lado para todos, em toda a extensão do território brasileiro. O contrário seria admitir que o Direito Civil, entre nós, não teria mais unidade nacional, posto que poderia ser fragmentado pelos milhares de municípios em que se subdivide nosso território 12.

11. V., neste particular, as inovações trazidas pelo art. 182, § 4.°, I, II e III, da Constituição de 1988.

12. V. este nosso trabalho publicado em Direito tributário, 1.& coletinea, 3. tir .• Bushatsky, 1973. p. 119 a 129. sob o título Função fiscal e extrafiscal dos impostos.

Posteriormente elaboramos novo parecer sobre esta temática e o publicamos juntamente com o Acórdão definitivo do STF que julgou inconstitucional o art. 2.° da Lei n. 614/64 do Município de Americana. V. p. 413 a 452 do livro Direito tribu­'tário aplicado, Ruy Barbosa Nogueira e Paulo Roberto Cabral Nogueira, Rio-São Paulo. EDUSP-Forense, 1976.

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Capítulo XIV

PUNIBILIDADE EM MATffilA TRIBUTARIA

36. Do ilícito tributário. 37. Direito Administrativo Tributário Penal. Clas­

sificação das infrações fiscais. Tipos de sanções fiscais.

38. Direito Penal Tributário.

36. Do ilícito tributário. Um exame dos ilícitos tributários nos dará um amplo quadro ~m que iremos encontrar desde as simples infrações administrativds regulamentares até os crimes contra as arcas do Tesouro.

Tendo em vista a própria legislação vigente, podemos veri­ficar que certos ilícitos tributários estão configurados apenas em leis administrativas fiscais e são em princípio de apreciação dos órgãos administrativos fiscais.

Outros, além de constituírem infração fiscal e quanto a esta estarem sujeitos a julgamento administrativo, incidem tam­bém no Direito Penal (CP, leis penais e Lei das Contravenções Penais) e neste último aspecto submetidos à competência judi­ciária.

Finalmente, certos ilícitos tributários constituem exclusiva­mente crimes tributários e como tal serão apreciados e julgados somente pelo órgão judiciário.

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Por isso é que certos autores falam mesmo em um Direito Administrativo Tributário Penal e em um Direito Penal Tribu­tário para distinguirem-se os ilícitos tributários abrangidos e punidos pelo próprio Direito Tributário dos configurados e san­cionados pelo Direito Penal.

Vejamos um exemplo de cada uma das três situações:

1.°) Um contribuinte do IPI classifica erroneamente seu produto numa posição da tabela, dá saída ao produto, escritu­rando a operação e recolhendo o imposto. A fiscalização verifica que houve erro de classificação. Instaura procedimento adminis­trativo e afinal, apurada diferença de imposto, esta é exigida com multa.

Trata-se de uma infração puramente tributária, com sanção administrativa fiscal.

Corre somente um procedimento administrativo e a ques­tão poderá ir ao Judiciário cível para discussão definitiva.

2.°) Outro contribuinte do IPI falsifica U!Da guia de reco­lhimento. Perante a lei tributária administrativa ficará sujeito a um procedimento administrativo com a obrigação de indenizar o imposto não pago e a multa administrativa, sem prejuízo da ação penal porque também incidiu no CP, em razão da falsifi­cação.

Neste caso estamos em face de um ilícito penal que cons­titui cumulativamente infração fiscal e crime.

Além do procedimento administrativo, cuja questão poderá ir ao Juízo cível para discussão ou cobrança executiva do cre­dito, correrá um processo judicial para imposição da pena judi­ciária.

3.°) Um funcionário consciente de que um imposto é in­devido exige seu pagamento. O CP configura esse ato como crime (art. 316, § 1.0, na redação da Lei n. 8.137/90).

Neste caso, o ilícito tributário constitui crime só punível pelo CP, não incidindo em lei tributária. Só haverá um processo

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judiciário criminal. Poderá haver um processo administrativo com relação à situação funcional do agente, mas não um processo tributário.

37. Direito Administrativo Tributário Penal. Classificação das infrações fiscais. Tipos de sanções fiscais. A legislação tributária cria as obrigações principais e acessórias que devem ser cumpri­das pelas partes. As ações ou omissões contrárias aos disposi­tivos da legislação tributária é que constituem infrações fiscais.

Portanto as chamadas infrações fiscais são os desatendi­mentos das obrigações tributárias principais ou acessórias e a comi nação de penalidades para essas ações ou omissões está prevista nessa mesma legislação administrativo-tributária. Estas penalidades são impostas e julgadas pelas autoridades fiscais administrativas por meio do procedimento de lançamento. O Poder Judiciário poderá ser chamado a interferir no controle de legalidade do procedimento-de lançamento ou da lesão de direito. podendo anular no todo ou em parte o lançamento, mas na ver­dade ele não opera o lançamento que é ato privativo da admi­nistração.

Por isso, esta m~ téria é de Direito Administrativo Tribu­tário Penal. Observe-se que, diferentemente, no Direito Penal Tributário a disciplina contra o crime é mais rigorosa ou des­tacada. Em boa técnica é expedida uma lei configurando o crime e cominando a pena; \'eja-se por exemplo o crime de sonegação previsto pela Lei n. 4.729, de 1965, cujo art. 3.° estatui: "so­mente os atos definidos nesta lei poderão constituir crime de sonegação fiscal". As chamadas infrações fiscais estão espalha­das por campo muito mais amplo e as suas configurações decor­rem mais freqüentemente da conjugação de vários dispositivos.

Até profissionalmente poderemos ver na prática esta sepa­ração: o advogado tributarista em geral trata das questões tribu­tárias que envolvem via de regra a imposição de multas ou san­ções fiscais, ao passo que os casos de crimes tributários consti­tuem matéria dos penalistas, sendo certo que o estudo da crimi-

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nalística tributária exige conhecimento de Direito Tributário, como a discussão da aplicação de sanções fiscais exige tambétn a colaboração do Direito Penal. São naturalmente matériàs que se interpenetram.

Portanto todas as ações ou omissões contrárias aos dispo­sitivos das leis tributárias materiais ou formais caracterizadas como infrações fiscais e punidas com sanções administrativas estão no campo do Direito Administrativo Tributário Penal. Passemos por isso a uma classificação dessas infrações e, em seguida, a uma reunião, embora exemplificativa, dos tipos de sanções fiscais.

Classificação das infrações fiscais

La) Classificação em razão da natureza:

lnfrações substanciais e formais

Como já tivemos ocasião de verificar, ao tratar das obriga­ções tributárias, temos na relação jurídica tributária primeira­mente uma obrigação principal: é aquela cujo conteúdo obriga­cional prevê a satisfação d" próprio tributo.

Girando em tomo da principal, vamos encontrar uma série de obrigações acessórias, decorrentes de disposições regulamen­tares, ou seja, medidas de ordem, de procedimento ou de forma, que deverão ser obedecidas pel~s partes (tanto fisco como con­tribuinte), a fim de que a obrigação principal seja cumprida na medida e na forma legais.

Daqui temos as duas grandes c1assés das infrações fiscais: a infração será substancial quando um dos sujeitos desatender elementos da obrigação princip~1. Exemplos: a omissão da exi­gência ou excesso de cobrança pelo funcionário ou a falta de pagamento ou pagamento a menos pelo devedor. A infração será formal quando um dos sujeitos agir contra a forma prescrita,

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isto é, contra os requisitos de procedimento, as chamadas forma­lidades regulamentares.

Feita esta divisão, poderemos verificar ainda que as infra­ções substanciais vão atingir diretamente o poder de tributar, enquanto as infrações formais vão atingir diretamente o poder de regular e de regulamentar.

As infrações substanciais são punidas de modo a ser tam­bém indenizado o tributo não pago, ao passo que as infrações formais acarretam somente uma punição disciplinar.

2.8 ) Classificação em função do grau de culpabilidade:

ln/rações Fiscais

objetivas

subjetivas-

culposas

dolosas

{negligência imprudência imperícia

{sonegação fraude conluio

Como salienta Ernst Blumenstein 1 a ocorrência de uma in­fração tributária pressupõe no mínimo a culpabilidade do agente. o que hoje é incontroyerso na moderna literatura tributária. Já foi abandonada a velha idéia de que a infração fiscal era pura­mente objetiva. Em qualquer hipótese (salvo naturalmente a pre­sunção juris et de jure), cabe ao acusado o direito de provar exclusão de culpa.

t exatamente com fundamento no princípio da boa-fé, e, portanto, pela exclusão de culpa, que não pode o contribuinte

I. System dcs Steuerrechts. cit., 1951. p. 267. ou. na Irad. iI.. Sistema di diri/lo delle imposte. p. 303. A sua viúva e nOlável lribulorisla suíça. Prof.- Irene Blumcns­lein, reelaborou em 3.- edição. publicada pela mesma Editora Schultncss. Zürich. 1971, esta obra considerada o testamento científico do esposo e neste novo original esta mat~ria se encontra à p. 325 com extensa fundamentação jurisprudenciaI.

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ser punido quando agiu baseado em instrução ou informação da autoridade competente, quando sob consulta oponível ou quando eficazmente autodenuncia. Entre nós, há mesmo textos de lei, farta jurisprudência administrativa e até acórdãos do Supremo Tribunal, neste mesmo sentido.

O próprio CTN reconhece que quando o contribuinte ob­serva as normas complementares (orientações normativas) fica livre da imposição de penalidades, juros de mora e correção monetária (art. 100, parágrafo único); reconhece ainda que ao contribuinte que consultou dentro do prazo legal para pagamento do crédito não se aplicam mora, penalidades nem quaisquer me­didas de garantia (art. 161, § 2.°) e ainda reconhece a exclusão da responsabilidade por infração, pela denúncia espontânea (art. 138).

Em uma segunda classificação feita em razão do grau de respon:>abilidade do agente temos:

1.°) ln/rações objetivas. Seriam as infrações involuntárias aqúdas em que o agente ou responsável, embora não tendo culpa nem intenção de praticar, no entanto era responsabilizado .for­rn:dmente vela lei. E uma barbaridade odiosa que o legislador urdinário não deve contemplar, como já vimos no final do Capítulo VI.

2.°) ln/rações culpos, IS. Quando o infrator, embora sem intenção, agiu ou se omitiu por negligência, imprudência ou im­perícia, sendo portanto culpado.

Exemplo de infração formal culposa: um comerciante, ao vender um produto sujeito ao ICMS, por si ou por meio de seu mandatário ou empregado, emite uma nota fiscal de modelo errado. Ocorrerá uma infração regulamentar, pela qual ele é res­ponsável porque a praticou ou porque foi praticada por seu preposto, e ele preponente responde neste caso pelo ato do pre­posto, por culpa: foi ele que escolheu o empregado (culpa in eligendo) , a ele incumbia fiscalizar seu empregado (culpa in vigilando).

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Exemplo de infração substancial culposa: o contribuinte, obrigado a pagar um imposto, paga-o erradamente, por erro dt.~ cálculo, de interpretação sua etc.

3.°) ln/rações dolosas. Quando o infrator age de-!lberada­mente contra a lei, com intenção de conseguir o evento ilícito.

Dentre as infrações dolosas mais típicas, previstas na legis­lação, estão as figuras da sonegação, fraude e con/uio.

O Decreto n. 87.981, de 23 de dezembro de 1982, no Título X, dispõe sobre infrações e penalidades do [PI e traz o seguinte conceito de sonegação, no art. 354:

Sonegação

"Sonegação é toda ação ou omlssao dolosa ten­dente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, o conhecimento por parte da autoridade fazendária (Lei n. 4.502/64-, art. 71):

I - da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, sua natureza ou circunstâncias materiais;

II - d IS condições pessoais dei contribuinte. sus­cetíveis de é,Jetar a obrigação tributária principal ou o crédito tributário correspondente".

Observe-se bem que a sonegação somente pode ocorrer em relação a fato gerador já realizado. O que na verdade é "sone­gado", escondido, é o conhecimento ao fisco da realização do fato gerador, da sua natureza ou das suas circunstâncias mate­riais ou das condições pessoais de contribuinte. Somente depois de realizado o fato gerador é que pode nascer objetivamente a obrigação e ser subjetivamente atribuída a alguém. Não pode cometer sonegação quem não chegue a realizar o fato gerador, porque somente com ele nasce a obrigação.

E oportuno, neste momento, chamar a atenção do estu­dante para a conotação com que está sendo empregada a ex-

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pressão "fato gerador" nestes dispositivos: significa ou é sinô­nimode "nú~leo ou substância do fato gerador". é a relação fática qualificada normativamente como fenômeno básico da incidência (ex f~cto oritur i~s).

No mesmo citado Regulamento'do IPI. o art. 355 contém a seguinte conceituação de

Fraude

"Fraude é toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar. total ou parcialmente. a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal. ou a excluir ou modificar as suas características essenciais. de modo a reduzir o montante do imposto devido, ou a evitar ou diferir o seu pagamento" (Lei n. 4.502/64. art. 72).

Observe-se que na figura da fraude a ação ou omissão visa escamotear o pagamento do imposto devido - reduzi-lo. evi­tá-lo. ou retardá-lo. A sonegação. digamos assim. impede a apuração da obrigação tributária principal enquanto a fraude impede o pagamento do tributo já devido. A obrigação nascida e o crédito apurado e formalizado constituem, respectivamente, direito material e formal da Fazenda.

Qual o elemento para distanciar a chamada "economia de imposto" de que adiante falaremos. da sonegação ou da fraude? E a realização ou não do fato gerador. Já vimos que com a realização do fato gerador nasce a obrigação e com o lança­mento se constitui formalmente o crédito. Antes de ocorrer o fato gerador não existe sequer obrigação fiscal. Portanto a cha­mada "economia de imposto" é legítima por estar antes da ocor­rência do fato gerador, quando o direito do fisco ao tributo ainda se encontra na fase abstrata, apenas em descrição hipo­tética na lei, não concretizada porque o fato gerador não ocor­reu, nem individualizada em relação a um fato e a um con­tribuinte determinado. A realização do fato tributável é uma faculdade do contribuinte e. se ele não a realizar. não terá dado

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origem ao direito, daí a chamada economia de imposto ser legí­tima se o contribuinte licitamente não praticar ou realizar a situação prevista como imponível.

O mesmo regulamento, no art. 356, assim conceitua o

Conluio

"Conluio é o ajuste doloso entre duas ou mais pessoas, naturais ou jurídicas, visando os efeitos da sonegação ou da fraude" (Lei n. 4.502/64, art. 73).

A multa de mora

A simples mora de pagamento não deve ser considerada como infração 2.

No Direito Tributário encontramos comumente a figura da chamada multa de mora. -

O contribuinte incide em multa de mora quando não paga ou vai pagar o imposto fora do prazo marcado e a lei tenha assim sancionado esse atras).

Incide então em um acréscimo. Essa multa de mora, entre­tanto, não tem o cará .er de punição, mas antes o de indenização pelo atraso do pagamt:nto. Quem está em mora, nada mais é que um devedor em atras.) de pagamento.

A multa de mora ocorre especialmente nos impostos de lançamento direto e lançamento misto ou por declaração, em que o fisco, tendo concluído o lançamento, remete notificação com prazo para o pagamento. Se o contribuinte não paga no prazo incorre em um acréscimo: seu ato constitui u'a mora e não uma infração, pois o tributo já está lançado, não há risco fiscal, a falta de pagamento dará, nesse caso, ensejo à execução e não ao auto de infração.

2. V. adiante a nota 2 do Cap. XVIII.

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No t;2S0, porém, dos impostos de autolançamento ou lan­çamento por homologação, como são os casos do IPI eO do ICMS, é preciso distinguir duas situações: se o contribuinte atrasa o recolhimento do imposto e antes de qualquer proce­dimento fiscal ele procura a repartição para recolher o imposto em atraso, a legislação prevê a possibilidade de ele recolher o imposto com um acréscimo moratório escalonado de acordo com o atraso. Aqui, entretanto, estamos dentro da possibilidade da autodenúncia de infração que exclui a penalidade e permite a cobrança de juros moratórios (CTN. art. 138). Neste caso dos impostos autolançados, a falta de recolhimento nos prazos mar­cados constitui infração fiscal, porque embora sujeito a ulterior homologação, o quantum devido já existe e a falta de seu reco­lhimento aos cofres públicos põe em risco o pagamento. Por isso, se não recolhido, nem espontaneamente sanada a falta, essa omissão constituirá infração sujeita a multa punitiva e não ape­nas moratória porque não houve sequer lançamento.

Economia de imposto

E preciso não confundir com infração a hipótese conhe­cida como de economia de imposto ou impropriamente de eva­são legal (que os norte-amt~ricanos chamam de tax planning e os alemães de Steuereinspal ung, em que o contribuinte escolhe legalmente as situações menos onerosas).

Não é pelo fato de se encontrarem, às vezes, dois contri­buintes exercendo atividades semelhantes e pagando, um, menor imposto que o outro, que fatalmente haverá infração por parte do que paga menos.

Às vezes pode estar errado o que vem pagando mais em conseqüência de má organização, de errôneas classificações ou pela falta de se enquadrar em vantagens fiscais, isenções ou mesmo incentivos fiscais.

Uma empresa pode ser organizada de forma a evitar ex­cessos de operações tributadas e conseqüentemente diminuir a

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ocorrência de fatos geradores para ela e perante a lei desneces­sários, como poderá procurar funcionar por modalidades legais menos tributadas.

Fica ao contribuinte a faculdade de escolha ou de planeja­mento fiscal.

Se é exato que o fisco tem direito de exigir os tributos, entretanto, ele somente pode exigi-los dentro dos limites legais traçados. A lei tributária, mesmo quando entra em relação com as leis do Direito Privado, não vai a ponto de dispor ou inter­ferir no direito substantivo privado, nas relações entre particu­lares, posto que a lei tributária disciplina outro tipo de relação, a relação entre fisco e contribuinte.

Daí, desde que o contribuinte tenha estruturado os seus empreendimentos, as suas relações privadas, mediante as formas normais, legítimas do Direito Privado e com essa estruturação incida em menor tributação, ele estará apenas se utilizando de faculdades asseguradas peta ordem jurídica. O fisco não pode influir na estruturação jurídico-privada dos negócios do contri­buinte para provocar ou exigir maior tributação.

Entre nós temos 'listo, às vezes, certos funcionários fiscais. no exame de contratts, desdobrarem atos de Direito Privad0 que são unos, para multiplicar incidências. € um excesso fiscal que leva o intérprete 1 lindes não autorizados sequer ao legis­lador, pois a lei tribUlária, na sua função e natureza, regula a relação entre fisco e contribuinte e jamais as relações entre par­ticulares. Se a forma jurídico-privada é legítima, o fisco tem de respeitá-la.

Entretanto, se o contribuinte, abusando do direito ao uso das formas jurídico-privadas, empregar formas anormais, formas inadequadas, na estruturação de suas relações, com o intuito de impedir ou fraudar a tributação, tributação esta que, ao contrá­rio, se o contribuinte tivesse seguido o caminho jurídico-privado correto, seria devida, estaremos frente ao caso do abuso de for­mas com o fito de evasão, nesse caso inoponível ao fisco.

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Não se deve, pois, confundir este caso com a hipótese em que a estrutura jurídico-privada, ou mesmo a tributária, por meio de opções, ofereça várias formas jurídicas e o contribuinte es­colha a menos onerosa.

Neste caso não haverá desvio, mas apenas escolha de uma das formas legítimas, também chamada, corretamente, "plane­jamento tributário".

Mesmo na Alemanha, onde o texto de lei reza: "A obriga­ção tributária não poderá ser evitada ou diminuída por meio de abuso, quer das formas, quer das possibilidades de adaptações do Direito Civil" \ tanto os autores como a jurisprudência reco­nhecem o direito à economia de imposto e sua distinção, tanto da evasão abusiva como da fraude.

O Professor e na época Ministro Presidente da Corte Fede­ral de Justiça Fiscal (BFH), Hugo von Wallis, comentando essa disposição, ressalta que "em princípio o Código Tributário per­mite ao contribuinte fazer uso na sua vida profissional das pos­sibilidades de economizar impostos e de dirigir suas atividades conforme os preceitos tributários. Ninguém é obrigado a esco­lher, entre várias formas possíveis, aquela que seja sujeita a impostos mais altos ( ... ), pois a possibilidade de uma estrutu­ração, que em face da legislação tributária seja mais favorável. corresponde ao interesse ju~ to do contribuinte, reconhecido pela ordem jurídica ... " 4.

Tipos de sanções fiscais

Quanto aos tipos de sanções fiscais, variam de conformi­dade com a natureza dos tributos, podendo os principais ser

3. "Durch Missbrauch von Formen und Gestaltungsmõglichkeiten des bürgeli­chen Rechts kann die Steuerpflicht nicht umgangen oder geminden werden" (§ 6 Steueranpassungsgesetzes).

Na nova codificação (AO·1977). este dispositivo. com redação aperfeiçoada, foi incluído no § 42. V. novo Código Tributário alemão, trad. IBDT, Rio-São Paulo. Forense·IBDT. 1978.

4. Sobre este tema da "economia de imposto". v. jurisprudência e extensa biblio­grafia que citamos na nota de rodapé n. lO, à p. 25, de nosso livro Direito tributtúio

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reunidos em penas pecuniárias, apreensões, perda de mercado­ria, sujeição a sistema especial de fiscalização e interdições.

1.°) Penas pecuniárias. A principal pena pecuniária con­siste em impor a lei uma percentagem sobre o próprio imposto não pago ou sonegado ou mesmo um múltiplo deste.

As penas pecuniárias também são fixadas como multas, em quantias preestabelecidas. ou entre um mínimo e máximo.

Geralmente, para as infrações formais é adotada esta última modalidade.

2.°) Apreensões. Várias leis fiscais estabelecem. especial­mente para os impostos que incidem sobre objetos. ou documen­tos, a apreensão dos objetos, dos veículos que os transportarem e dos documentos, em trânsito. No caso de objeto apreendido em conseqüência de infração ou garantia do crédito, para poder ser liberado, será necessário o pagamento do imposto devido e ainda o depósito de quantia igual à multa máxima cominada, ou fiança idônea.

3.°) Perda de mercadoria. Há hipóteses como especialmen­te a prevista na legislação do I PIou do imposto de importação em que a mercadoria objeto de contrabando é apreendida. O fundamento jurídico c essa perda não é tl confisco; a mercado­ria ilicitamente entraoa no País não tem título de legitimação ou propriedade e eSSí1, aquisição pela Fazenda visa impedir a formação de título ilt: gítimo.

4.°) Sujeição a sistema especial de fiscalização. Quando o contribuinte reincide mais de uma vez em infração da legisla­ção tributária, revelando-se contumaz e pondo em risco a arre­cadação. a legislação prevê. às vezes. este tipo de sanção, subme­tendo o contribuinte a regime especial de controle, tais como, rotulagem de produtos, numeração, uso de documentos e livros especiais, prestação de informações periódicas. plantão de fis­calização etc.

comparado. Saraiva, 1971. Em nosso livro Da interpretação e da aplicação das leis tributárias. reprodução da Ed. BU5hatsky, 1974. v. à p. 64 e 5.: Oponibilidade ao fisco das fonnas legítimas do Direito Privado e o abuso das fonnas do Direito Privado, com o fito de evasão. A economia de imposto, a evasão abusiva e a fraude fiscal.

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5.°) Interdições. A legislação federal prevê ainda certas sanções que a lei fiscal denomina de "medidas para a defesa do crédito fiscal", pelas quais os contribuintes que não pagam o débito, inclusive seus fiadores, são declarados devedores remis­sos e proibidos de transacionar, a qualquer título, com as re­partições públicas ou autárquicas federais e com os estabeleci­mentos bancários controlados pela União.

Estas medidas, encontradas somente na órbita do fisco fe­derai. apareceram com a edição do Decreto-lei n. 5, de 13 de novembro de 1937. alterado pelo Decreto-lei n. 42, de 6 de de­zembro de 1937, e interpretado pelo Decreto-lei n. 3.336, de 10 de junho de 1941. Ainda hoje, a legislação de determinados tri­butos as prevê expressamente: IPI, Lei n. 4.502/64, art. 88; Imposto de Renda, Decreto n. 1.041, de 1994, arts. 927 e segs.

São as chamadas sanções contra os devedores remissos. São sanções políticas visando a coagir o obrigado antes do processo executivo e por isso mesmo de certa forma odiosas, porque vão impedir o exercício das próprias atividades lícitas.

~ um privilégio, e sobremodo discriminatório entre os pró­prios fiscos, pois só o possui a Fazenda Federal, que no caso se vale do poder de regular atividades, que cabe à União, de modo geral.

São injunções oblíqua) que coagem o contribuinte antes da própria manifestação judicial, o que corresponde a sancionar o direito da Fazenda Federal, apenas presumido e ainda não reco­nhecido em Juízo.

A dívida ativa da Fazenda, uma vez inscrita, tem a presun­ção juris tantum (que admite prova em contrário) de liquidez e certeza.

No caso, cabe à Fazenda a formação do título de seu cré­dito, para a execução forçada por meio do Poder Judiciário, como se vê do trecho do acórdão transcrito adiante.

Portanto, a favor da Fazenda existe uma presunção, mas ainda não um reconhecimento judicial de sua pretensão e, no

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entanto, já antes da própria inscrição da dívida, a lei vem per­mitir a aplicação da sanção política ou constrições administra­tivas ao presumido devedor.

Parece que dispondo o fisco do privilégio da execução fis­cal, que desde logo se inicia pela penhora dos bens do devedor. as chamadas sanções políticas não passam de resquícios ditato­riais, que deveriam desaparecer de nossa legislação, pois no Estado Democrático de Direito não nos parece que seja justo a administração fazer uma verdadeira execução de dívida por suas próprias mãos e, ness~ caso, ela efetivamente a faz, pois não convoca o Poder Judiciário e muitas vezes corresponde mutatis mutandis a verdadeira pena de morte, ou seja, ruína econômica de empresas, antes do julgamento pelo Poder Judiciário.

No RE 33.523, publicado na RTf, 2:524, o Supremo Tri­bunal decidiu perfeitamente legal essa medida do Decreto-lei n. 5, reformando acórdão do Tribunal Federal de Recursos que decidira em contrário. Os argumentos do Supremo nesse acór­dão não convenceram. Convincente foi o voto do relator no Tri­bunal Federal de Recursos, o eminente Min. Aguiar Dias que. apoiado em Castro Nunes, concedera o mandado de segurança com os seguintes fun, lamentos:

"o fisco dispõe de meios eficientes, rápidos. para co­brar do negc1ciante faltoso e não pode. sem autorização constitucional, que não existe, impedir o exercício de atividade lícita. A atividade comercial, em si. é lícita. Só se admite o impedimento do exercício da atividade comercial quando o comerciante se vale dessa ativi­dade para mascarar atividade ilícita. Mas não quando essa falta pode ser saneada mediante cobrança execu­tiva".

Essas sanções administrativas ou "constrições", também chamadas sanções políticas e que o fisco federal vem ampliando cada vez mais e delas se utilizando de maneira a prescindir da convocação do Poder Judiciário, não se coadunam com as ga­rantias constitucionais outorgadas pelo Estado Democrático de

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Direito à liberdade de trabalho, de comélcio ~ ao direito ao de­vido processo legal (due process of law). Essas constriçóes da administração federal são, na verdade, mais ·do que um julga­mento pelas própiias mãos: a imposição de penalidades sem forma de processo ou execução manu milltari. São inconstitu­cionais porque visam excluir do Poder Judiciário a apreciação da lesão de direito individual (CF, art. 5.°, XXXV).

Ultimamente o Poder Judiciário vem concedendo seguida­mente "liminares" em mandados de segurança contra essas inter­dições, baseado na Súmula da Jurisprudência Predominante do Supremo Tribunal Federal n. 70, que assim conclui:

~ inadmissível a interdição de estabelecimento co­mo meio coercitivo para cobrança de tributo~. V. tam­bém Súmula 547.

18. Direito Penal Tributário. Um primeiro aspecto a ressaltar é o de que, em nosso país, até há poucos anos não existia a con­figuração de específicas infrações fiscais como crime. Afora algumas figuras conexas com a matéria tributária, contidas no Código Penal, especialmente no tocante a falsificação, contra­bando, excesso de exação etc. Na verdade não havia no Brasil uma legislação tipificando crimes tributários.

A consciência populaJ reluta em admitir que as infrações fiscais possam configurar um ilícito criminoso, vendo antes na ação ou omissão contrária às leis fiscais uma forma de defesa da liberdade natural contra as coações fiscais (cf. Blumenstein, Sistema, p. 287, Nova edição do original suíço, p. 310).

Certos autores, que defendem a inflição de pena privativa da liberdade nos chamados crimes de sonegação, ressaltam que nesses casos ela se justifica, em primeiro lugar, porque se está punindo o delinqüente pela desobediência às ordens do Estado; mais ainda, a dívida fiscal que deixa de ser paga fraudulenta-

5. Referencia: LEF, arts. 1.0 e 6.°, RE 39.933, de 9 de janeiro de 1961. RMS 9.698, de J 1 de julho de 1962. DI. 29 novo 1962, p. 791.

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mente é afinal dinheiro público destinado a aplicação em fina­lidades do bem-estar coletivo e aquele que descumpre esse dever cívico não só prejudica a comunidade, mas também os contri­buintes honestos que por isso mesmo vão ficando mais onerados. Daí essa penalidade não dever ser confundida com a da simples prisão por dívida.

Entretanto, se essas razões de ordem pública são por esse lado procedentes, o fato é que essa pena, ao mesmo tempo que visava tutelar esses valores públicos e sociais, em verdade também punia o não-pagamento da dívida ao fisco, tanto que a legislação previa até recentemente certas hipóteses em que o pagamento elidia a criminalidade.

Por tudo isso, na mente e sentimento do povo contribuinte, jamais essa pena deixou de estar associada à idéia da prisão por dívida e, de modo geral, repugnar à consciência.

De outro lado tanto a extensão como a complexidade das obrigações tributárias impostas por meio de uma legislação não só muito instável, mas sobretudo complexa e referta de dúvidas, causando um generalizado estado de incerteza, poderiam auto­rizar o mesmo Poder Público, principal responsável por essa si­tuação, a exigir o cu mprimento por meio de penas privativas da liberdade?

Mesmo nos país~ em que se configuram e se punem crimes tributários, a jurisprudência revela escassa aplicação e grande cautela dos órgãos fisc..ais e tribunais judiciários nessa imposição de pena privativa da liberdade.

Mais recomendável do que a inflição de penas tão graves seria a melhoria da legislação, dos serviços de fiscalização e orientação consultiva, da justiça fiscal, da conscientização dos obrigados e, sobretudo, a da boa aplicação dos dinheiros pú­blicos.

Vejamos as primeiras leis penais tributárias que começaram a surgir em nosso país e que, na verdade, pelo acima exposto e em razão de suas próprias estruturas, têm tido escassa aplicação.

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Crime de sonegação fiscal

Definindo o crime de sonegação fiscal e dando outras pro­vidências, foi promulgada a Lei n. 4.729, de 14 de julho dI! 1965, que dispõe:

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"Art. 1.0 Constitui crime de sonegação fiscal:

I - prestar declaração falsa ou omitir, total ou parcialmente, informação que deva ser produzida a agentes das pessoas jurídicas de direito público inter­no, com a intenção de eximir-se, total ou parcialmente, do pagamento de tributos, taxas e quaisquer adicionais devidos por lei;

II - inserir elementos inexatos ou omitir rendi­mentos ou operações de qualquer natureza em docu­mentos ou livros exigidos pelas leis fiscais, com a in­tenção de exonerar-se do pagamento de tributos devi­dos à Fazenda Pública;

III - alterar faturas e quaisquer documentos relativos a operações mercantis com o propósito de fraudar a Fazenda Pública;

IV - fornecer ou emitir documentos graciosos ou alterar despesas, majorando-as, com o objetivo de obter dedução df tributos devidos à Fazenda Pública, sem prejuízo das sanções administrativas cabíveis;

V - exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário da paga, qualquer percenta­gem sobre a parcela dedutível ou deduzida do imposto sobre a renda como incentivo fiscal.

• Inciso acrescentado pela Lei n.O 5.569, de 25 de novembro de 1969.

Pena: Detenção, de seis meses a dois anos, e multa de duas a cinco vezes o valor do tributo.

§ 1.0 Quando se tratar de criminoso primário, a pena será reduzida à multa de 10 (dez) vezes o valor do tributo.

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§ 2.° Se o agente cometer o crime prevalecendo­se do cargo público que exerce, a pena será aumentada da sexta parte.

§ 3.° O funcionário público com atribuições de verificação, lançamento ou fiscalização de tributos, que concorrer para a prática do crime de sonegação fiscal, será punido com a pena deste artigo, aumentada da terça parte, com a abertura obrigatória do competente processo administrativo.

Art. 2.° (Revogado pela Lei n. 8.383, de 30-12-1991).

Art. 3.° Somente os atos definidos nesta lei po­derão constituir crime de sonegação fiscal.

Art. 4.° A multa aplicada nos termos desta lei será computada e recolhida. integralmente. como re­ceita pública extraordinária".

O art. 5.° alterou os parágrafos do art. 334 do CP que ficou redigido:

"Art. 334. Importar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito 011 imposto devido pela entrada. pela saída ou pelo com;umo de mercadoria:

Pena -- reclusão de um a quatro anos.

§ 1.° Incorre na mesma pena quem:

a) pratica navegação de cabotagem. fora dos ca­sos permitidos em lei;

b) pratica fato assimilado, em lei especial, a con­trabando ou descaminho;

c) vende. expõe à venda. mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou indus­trial, mercadoria de procedência estrangeira que intro­duziu clandestinamente no País ou importou fraudulen-

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tamente ou que sabe ser produto de introdução clandes­tina no território nacional ou de importação fraudulenta por parte de outrem;

d) adquire, recebe ou oculta, em proveito pró­prio ou alheio, no exercício de· atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira, desa­companhada de documentação legal, ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos.

§ 2.° Equipara-se às atividades comerci;is, para os efeitos deste artigo, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, inclusive o exercido em residências.

§ 3.° A pena aplica-se em dobro, se o crime de contrabando ou descaminho é praticado em transporte aéreo".

"Art. 6.° Quando se tratar de pessoa jurídica, a responsabilidade penal pelas infrações previstas nesta lei será de todos os que, direta ou indiretamente liga­dos à mesma, de modo permanente ou eventual, tenham praticado ou concorrido para a prática da sonegação fiscal.

Art. 7.° A~ autoridades administrativas que tive­rem conhecimento de crime previsto nesta lei, inclusive em autos e papéis que conhecerem, sob pena de res­ponsabilidade, remeterão ao Ministério Público os ele­mentos comprobatórios da infração, para instrução do procedimento criminal cabível.

§ 1.° Se os elementos comprobatórios forem su­ficientes, o Ministério Público oferecerá, desde logo, denúncia.

§ 2.° Sendo necessários esclarecimentos, docu­mentos ou diligências complementares, o Ministério Público os requisitará, na forma estabelecida no Có­digo de Processo Penal.

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Art. 8.° Em tudo o mais em que couber e não contrariar os arts. 1.° a 7.° desta lei, aplicar-se-ão o Código Penal e o Código de Processo Penal.

Art. 9.° (Revogado pela Lei n. 8.021, de 12-4-1990) ...

Equiparação de certas infrações fiscais ao crime de apropriação indébita

A Lei n. 4.357, de 16 de julho de 1964, estabeleceu:

"Art. 11. Inclui-se entre os fatos constitutivos do crime de apropriação indébita, definido no art. 168 do Código Penal, o não-recolhimento, dentro de 90 (noventa) dias do término dos prazos legais:

a) das importâncias do imposto de renda, seus adicionais e empr~stimos compulsórios, descontados pe­las fontes pagadoras de rendimentos;

b) do valor do imposto de consumo indevidamen­te creditado nos livros de registro de matérias-primas (modelos 21 e 21-A do Regulamento do Imposto de Consumo) e deduzido dos recolhimentos quinzenais, referentes a Botas fiscais que não correspondam a uma efetiva oper"ção de compra e venda ou que tenham sido emitida~ em nome de firma ou sociedade inexis­tente ou fictícia;

c) do valor do imposto do selo recebido de ter­ceiros pelos estabelecimentos sujeitos ao regime de ver­ba especial.

§ 1.0 (Revogado pela Lei n. 8.383, de 30-12-1991).

§ 2.° (Revogado pela Lei n. 8.383, de 30-12-1991) .

§ 3.° Nos casos previstos neste artigo, a ação

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penal será iniciada por meio de representação da Pro­curadoria da República, à qual a autoridade julgadora de primeira instância é obrigada a encaminhar as pe­ças principais do fato destinadas a comprovar a exis­tência de crime, logo após a decisão final condenatória proferida na esfera administrativa.

§ 4.0 Quando a infração for cometida por so­ciedade, responderão por ela os seus diretores, admi­nistradores, gerentes ou empregados cuja responsabi­lidade no crime for apurada em processo regular. Tra­tando-se de sociedade estrangeira, a responsabilidade será apurada entre seus representantes, dirigentes e empregados no Brasil".

O Decreto n. 57.609, de 7 de janeiro de 1966, disciplinou a ação das autoridades administrativas federais em casos de crimes de sonegação fiscal e de apropriação indébita, previstos nas Leis ns. 4.729/65 e 4.357/64.

O Regulamento do Imposto sobre a Renda, Decreto n. 1.041, de 11 de janeiro de 1994, dispõe no art. 303 sobre a dedutibilidade dos "prejuízos por desfalque, apropriação indé­bita e furto".

Outros crimes contra a ord:m tributária

A Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de 1990, ampliando as figuras acima já transcritas, veio trazer outras, das quais desta­camos as seguintes:

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II Dos crimes praticados por particulares

Art. 1.0 Constitui crime contra a ordem tributá­ria suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:

I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;

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II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fis­cal;

III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, du­plicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;

IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;

V - negar ou deixar de fornecer, quando obri­gatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efeti­vamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 {cinco) anos, e multa.

Parágrafo único. A falta de atendimento da exi­gência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias. que poderá ser cc nvertido em horas em razão da maior ou menor comp lexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência. caracteriza a in­fração previs:a no inciso V.

Art.2.0 Constitui crime da mesma natureza:

I - fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra frau­de, para eximir-se, total ou parcialmente. de paga­mento de tributo;

II - deixar de recolher, no prazo legal. valor de tributo ou de contribuição social. descontado ou co­brado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;

III - exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem so-

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bre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal;

IV - deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de im­posto liberadas por órgão ou entidade de. desenvolvi­mento;

V - utilizar ou divulgar programa de processa­mento de dados que permita ao sujeito passivo da obri­gação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública.

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Dos crimes praticados por funcionários públicos

Art. 3.° Constitui crime funcional contra a or­dem tributária, além dos previstos no Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal (Título XI, Capítulo 1):

I - extraviar livro oficial, processo fiscal ou qualquer documento, de que tenha a guarda em razão da função; soneg~í-Io, ou inutilizá-lo, total ou parcial­mente, acarretand) pagamento indevido ou inexato de tributo ou contrituição social;

II - exigir, solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de iniciar seu exercício, mas em razão dela, vantagem indevida; ou aceitar promessa de tal vantagem, para deixar de lançar ou cobrar tributo ou contribuição social, ou cobrá-los parcialmente;

Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.

III - patrocinar, direta ou indiretamente, inte­resse privado perante a administração fazendária, va­lendo-se da qualidade de funcionário público.

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Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa".

Os arts. 8.° e s. da lei supracitada estabelecem critérios para a tixação das multas, ao passo que o art. 12, I, confere ao juiz a faculdade de agravar de 1/3 até a metade as penas pre­vistas nos arts. 1.° e 2.°, se as condutas ocasionarem graves danos à coletividade.

Por outro lado, o art. 14 que permitia a extinção da possi­bilidade dos crimes descritos nos arts. 1.0 a 3.° - quando o agente promovia o pagamento do tributo ou contribuição social antes do recebimento da denúncia - foi expressamente revo­gado pelo art. 98 da Lei n. 8.383/91, artigo este que também revogou os §§ 1.° e 2.° do art. 11 da Lei n. 4.357/65 e o art. 2.° da Lei n. 4.729/65 que admitiam iguais benefícios.

Para concluir este capítulo, transcrevemos o final da aula do eminente penalista Prof. José Frederico Marques e que a nosso convite deu a aula e.. seminário de "Direito Penal Tribu­tário" no Curso realizado para 447 graduados, pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário, em 1975:

"Se o legislador considera crime o não-cumpri­mento de obri ~ação de pagar em dinheiro, infringência não há com is, o do art. 153, § 17, onde vem estatuído que 'não haverá prisão civil por dívida, multa ou custas', pois D<) caso a prisão não será civil. e a causa do encarceramento ou custódia não residirá no inadim­plemento do devedor, e sim, numa conduta típica ou delituosa, levaóa a efeito antijuridicamente e de modo culpável. Se este argumento pudesse prosperar, algu­mas figuras do CP teriam de desaparecer, por incons­titucionalidade, tanto mais que a significação do vocá­bulo dívida é elástica, ampla e equívoca.

Não vamos descer ao estudo particular das figu­ras existentes na legislação penal, de crimes tributários.

Ficaremos, como até agora, no plano das consi­derações genéricas. E quanto a isso. convém lembrar

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que esses crimes, por se situarem dentro do Direito Penal, somente se consideram crimes quando o fato punível for contrário à ordem jurídica, pela existência nele da antijuridicidade, e cometido culpavelmente, isto é, de maneira reprovável.

De início, há a assinalar, portanto, que sem dolo não há crime contra o Fisco, salvo se em alguma lei especial vier prevista expressamente modalidade de crime culposo. De qualquer modo, porém, inadmissí­vel será (ao reverso do que pode acontecer no campo estritamente jurídico-tributário) a existência de crime, com apenas a responsabilidade objetiva do agente, o que está banido de nosso Direito Penal.

Por outra parte, cumpre ainda recordar que se o autor do fato punível o tiver praticado por erro de fato, crime não haverá. E isto, no caso, é de suma importância, uma vez que o erro relativo a direito extrapenal se equipara ao erro de fato. Assim sendo, se o contribuinte, por exemplo, comete o ilícito penal por escusável erro sobre o entendimento da lei de Direito Tributário 8, punível não será o ato que pra­ticou, pela ocorrência de erro de fato.

Imprescindh el será, portanto, para que exista cri­me fiscal penalmtnte sancionado, que a conduta típica se apresente também como antijurídica e culpável. O enquadramento dessa conduta na descrição típica da lei não é suficiente, como é óbvio, para a existência do crime e aplicação da pena. Sobre o fato típico, descerá, depois, juízo de valor sobre a ilicitude e sobre a culpabilidade, a fim de que se verifique se realmente houve crime.

8. o conhecimento enciclopédico do Direito por parte do Prof. José Frederico Marques pode. neste trecho. mostrar que S. Exa. é também um tributarista. pois o CTN prevê até a remissão total ou parcial do crédito tributário. atendendo "ao erro ou ignorância escusáveis do sujeito passivo, quanto à matéria de (ato" (art. 172, 11).

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Por último, pedimos licença para reiterar o que atrás afirmamos: o legislador deve ser muito sóbrio no campo do Direito Penal Tributário. Para punir o ilícito fiscal, recursos e instrumentos lhe sobram na esfera do Direito Tributário Penal, pelo que deve, na repressão do ilícito fiscal, dar preferência e preponderância às providências extrapenais".

Em face do disposto no art. 5.°, LXI, da vigente Consti-tuição, que reza:

"ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei"

ficou extinta a possibilidade da prisão administrativa a que o Mi­nistro da Fazenda, como os Secretários Estaduais da Fazenda, procediam.

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Capítulo XV

DIREITO TRIBlIT ARIO FORMAL

39. Organização administrativa tributária.

40. O lançamento como procedimento administra­tivo.

41. Natureza jurídica do lançamento e suas conse­qüências.

42. Função e modalidades do lançamento.

43. O poder de fiscalizar.

39. Organização admir istrativa tributária. A administração tri­butária é estruturada no Brasil de conformidade com as atribui­ções de competências e funções que a Constituição Federal, as Constituições dos Estad(Is, as Leis Orgânicas do Distrito Federal e dos Municípios distrit uem.

Cada jurisdição de governo tem a sua própria organização administrativa e dentro dessa estrutura vamos encontrar no âm­bito Jederal o Ministério da Fazenda, no estadual a Secretaria da Fazenda e no municipal, cujo desenvolvimento comportar, a Secretaria das Finanças ou apenas uma secção de tributação.

A administração tributária é assim estruturada por meio de leis especiais de organização administrativa tributária.

Essa legislação embora em primeira linha contenha matéria de Direito Administrativo, entretanto regendo órgãos com fUD-

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ções e competências tributárias, quais sejam, as de administra­ção, de lançamento, de fiscalização, de julgamento administra­tivo tributário, tem relevantes implicações tributárias. O próprio CTN estabelece várias normas gerais sobre a Administração Tri­butária, especialmente em relação à fiscalização, à dívida ativa e às certidões negativas (Tít. IV do Liv. II).

Para o tributarista, a consulta a essa legislação é muito importante, especialmente quando vai discutir ou examinar uma questão e precisa saber se o funcionário tem as atribuições para os atos que praticou; quais os órgãos de competência adminis­trativa tributária a que dirigir petições, reclamações, defesas ou impugnações e recursos; qual a organização desses mesmos ór­gãos e se nesse setor é necessário consultar os regimentos internos dos órgãos ou tribunais administrativos fiscais.

40. O lançamento como procedimento administrativo. Vimos no Direito Material que para nascer a obrigação tributária é preciso, como ponto de partida, que exista uma lei prevendo a incidência (qualificando normativamente o fato como gerador).

A lei menciona, em abstrato, que a ocorrência de um deter­minado evento. da vida incide no tributo e que a pessoa com ele relacionada será obrigada ao pagamento.

Assim, vejamos o exe nplo da abertura de um escritório de advocacia:

A lei estabelece, em abstrato, que o exercício da profissão está sujeito a um imposto anual, denominado Imposto sobre Ser­viços.

Se, como no exemplo dado, a situação oe fato tributada é o exercício de uma atividade profissional, especificamente no caso o exercício da advocaci5i,' o profissional faz a sua inscrição preenchendo um formulário pelo qual o órgão fiscal toma conhe­cimento da ocorrência do fato tributável.

O Imposto sobre Serviços em relação às profissões liberais é fixo, isto é, já está especificado ou calculado numa tabela. Bas-

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tará então o órgão lançador verificar na tabela o quantum, iden­tificar o contribuinte e expedir-lhe o aviso de lançamento, consig­nando o prazo e as condições de pagamento. Há municípios, como o de São Paulo, que passaram esta hipótese para autolançamento.

Vejamos um segundo exemplo de imposto variável: a legis­lação de certos municípios prevê que um prédio construído na zona urbana está sujeito a um imposto predial de 1,2 % sobre o seu valor venal. O valor venal é, neste caso, a base de cálculo sobre a qual deverá ser aplicada a alíquota de 1,2 %. A legisla­ção exige que o proprietário, titular do domínio útil ou pos­suidor do imóvel, faça a inscrição do mesmo, preenchendo for­mulário com vários dados. De posse de todos os elementos, o órgão lançador apura a base de cálculo, de acordo com uma planta de valores, e aplica a alíquota sobre esta base, e. identi­ficando o contribuinte, expede-lhe o aviso de lançamento com prazo e condições para pagamento do imposto devido.

Ao receber a notificação ou aviso de lançamento com a quan­tia fixada e o vencimento, e:.tá este definitivamente concluído ou consumado. Pois no "lançamento regularmente notificado ao su­jeito passivo" (CTN, art. 145) a notificação é o último ato do procedimento de constituição formal do crédito tributário que o torna oponível ao contribuinte.

Veremos melhor eita matéria nos capítulos sobre as vicis· situdes e a extinção do crédito tributário.

Vejamos agora em que consiste o lançamento.

J: um instituto específico do Direito Tributário e por isso vamos ver a sua definição legal, estudar a sua estrutura, apurar sua natureza e seus efeitos jurídicos.

O lançamento é uma atividade privativa da administração, embora, como veremos, comporte a colaboração do contribuinte e/ou de terce.iros.

O CTN define normativamente o lançamento como "o pro­cedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente para determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o

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sujeito passivo e, sendo o caso, propor a aplicação da penalidade cabível".

Que vem a ser procedimento?

O -procedimento, segundo Emílio Betti, consiste em varlOs atos jurídicos sucessivos visando à mesma finalidade, dos quaL, todo ato que segue pressupõe necessariamente o precedente, pre­parando e prenunciando o seguinte. A forma mais completa dt procedimento se encontra no campo do Direito Público, nas figuras do procedimento jurisdicional e administrativo 1.

Matéria tributável, que vem a ser?

~ a situação descrita pela lei como pressuposto material do fato gerador, precisamente é o elemento objetivo do fato gerador. Não basta que o órgão fiscal tome apenas conhecimento da ocor­rência do fato mas precisa confrontá-lo com a lei criadora para se certificar se este se enquadra perfeitamente no modelo da lei. Às vezes esse elemento é muito complexo e exige apreciação da relação fática. Aqui está o cerne da tipologia.

Calcular o montánte do tributo devido significa que, se for o caso de tributo avaliável, deve utilizar-se da base de cálculo que a lei também instituiu para aquele tipo e sobre ela aplicar a alíquota legal.

Identificar o sujeito passivo quer dizer resolver a imputa­bilidade da situação e nOLficar o verdadeiro obrigado, sem o que não pode ficar concluído o lançamento, nem ter exigibili­dade.

Sendo um procedimento administrativo já está, por esta sua natureza, submetido genericamente ao princípio de legalidade.

"Todas as atividades da Administração Pública são limi­tadas pela subordinação à ordem jurídica, ou seja, à legalidade. O procedimento administrativo não tem existência jurídica se lhe falta, como fonte primária, um texto de lei. Mas não basta que tenha sempre por fonte a lei. ~ preciso, ainda, que se exerça

I. TraI/ato di dir;I/O civile italiano. dirigido por Filippo Vassali. 2. ed., v. 15, t. 2, Teoria generale deI negozio giuridico.

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segundo a orientação dela e dentro dos limites nela traçados. Por outro lado, sendo a função administrativa que constitui o objeto das atividades da Pública Administração, essencialment~ realizadora do Direito, não se pode compreender seja exercida sem que haja texto legal autorizando-a ou além dos limites deste" :.

Mas além do princípio genérico da legalidade dos atos da administração, o Sistema Tributário Nacional submeteu especifi­camente o lançamento a princípios expressos de vinculação e obrigatoriedade administrativa.

Assim, além de várias outras referências a estes princípios o CTN estabelece no parágrafo único do art. 142 que "a ativi­dade de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de res­ponsabilidade funcional".

Que é atividade vinculada?

~ a atividade que não pode se separar da legalidade, tanto no que respeita ao conteúdo, quanto à forma.

Mas como então explicar que na atividade de lançamento a legislação prevê casos de discrição?

Assim, por exemplc, o art. 148 do CTN dispõe que no cálcu­lo do tributo baseado en I preço ou valor, se omissos ou desmere­cedores de fé os dados do contribuinte, mediante processo regu­lar poderão ser arbitrados, ressalvada, em caso de contestação, avaliação contraditória, administrativa ou judicial.

Em primeiro lugar, embora se empregue o adjetivo "arbitra­do", como se vê, não se trata do arbítrio no sentido de contrário à lei, mas de estimativa mediante "processo regular".

Exatamente neste passo, convém lembrar que a adminis­tração, quando autorizada a agir discricionariamente, o faz por­que a própria lei lhe traça mais de um caminho, todos legais, regrados, e ela, em face da situação de íato, pode ado ta r um dos métodos ou critérios legais que a lei lhe faculta.

2. Seabra Fagundes, O conlrole dos aios administrativos pelu Poder ludicidrio, 3. cd., Revista Forense, 1957, n. 51.

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Além disso, como muito bem salie::lta Blumenstein, a chama­da providência discricionária dentro do lançamento é uma figura diferente da discrição do restante do Direito Administrativo, pois aqui ela não é subtraída da apreciação jurisdicional.

O lançamento resultante da chamada providência discricio­nária é submetido integralmente à revisão dos tribunais admi­nistrativos fiscais ou do Poder Judiciário. Aliás isso tudo está previsto no próprio texto do art. 148, citado como caso per­missivo de discricionariedade que não revogue o princípio da legalidade contrastável.

E que vem a ser atividade obrigatória?

Obrigatória quer dizer que deve ser procedida de ofício, não é facultativa, mas imperativa, não pode deixar de ser cumprida pelo administrador.

Portanto, quer a apuração quer a apreciação estão estrita­mente vinculadas à exatidão do fato e aos limites da lei.

Para poderem, tanto a Administração como o contribuinte, controlar a exatidão do lançamento, é ele explicitado em do­cumento escrito. Aqui está a função documental do lançamento. Este requisito é necessário por evidente função de garantia e certeza dos direitos e obrigações.

O contribuinte é, então, notificado do lançamento e lhe é concedido prazo para con "eri-Io e pagar o quantum. Dentro do prazo poderá, se inconformado, opor reclamação, impugnação ou defesa.

Se impugnar irá dar nascimento à instância ou discussão do débito, que embora já fixado ficará com a "exigibilidade sus­pensa" (CTN, art. 151, III). O lançamento continua válido, ape­nas com a eficácia suspensa.

Se não opuser contestação no prazo legal ou assinado, o resultado do lançamento com plena eficácia constitui título de dívida a favor do fisco, cujo pagamento deverá ser efetuado no prazo que também já virá prefixado no aviso, de conformidade sempre com o disposto na lei tributária.

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o elemento primário que permite o nascimento da obriga­ção tributária é, pois, em abstrato, a lei, elemento relacionado com o ente público que pode ditá-la em razão da sua compe­tência constitucional.

O outro elemento, a ocorrência do fato econômico gerador, está relacionado com o contribuinte, ele é que pode dar ensejo à realização do fato imponível. Finalmente, o terceiro elemento é apenas a mecânica e está relacionado com o órgão fiscal (Admi­nistração Pública) que deve operar o lançamento.

41. Natureza jurídica do lançamento e suas conseqüências. Mas qual é a natureza jurídica do lançamento?

Se o lançamento é apenas um procedimento que vem depois da lei e da realização do fato tipificado na lei, ele é somente de­claratório, pois os elementos constitutivos do crédito lhe são ante­riores. Esta é exatamente a natureza jurídica do lançamento: um procedimento administrativQ declaratório.

Ato constitutivo em Direito é aquele que cria, modifica ou extingue direitos.

O ato constitutivc produz efeitos "ex nunc", isto é, a partir de sua ocorrência.

Ora, o lançamento não pode criar, modificar ou extinguir direitos, ele é apenas declaratório da obrigação tributária apura­da em face da lei e frellte à ocorrência do fato típico. Os efeitos do ato declaratório são II ex tunc", isto é, eles retroagem (CTN, art. 144).

Alguns autores, sobretudo italianos, ainda sustentam a na­tureza constitutiva do lançamento'; em geral os alemães, suíços e demais não concordam em que tenha efeito constitutivo.

Blumenstein, na Suíça, esclarece: "O vínculo do lançamen­to do imposto com o Direito Tributário Material caracteriza-se

3. Em monografia que passa em revista várias opiniões dos especialistas, Gaetano Liccardo conclui pela natureza constitutiva. V. L'occertamento tributario, Napoli, 'ovcnc, 1956.

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na resposta à pergunta se o lançamento faz parte ou não dos fundamentos do nascimento do crédito tributário. Embora a esta pergunta se respondesse afirmativamente na mais antiga litera­tura do Direito Tributário, hoje a doutrina e prática são de opinião oposta. Os elementos materiais do nascimento do cré­dito de imposto (sujeição subjetiva ao poder de imposição t!

relação com o fato típico do imposto) existem desde o princípio e, por isso, ao lançamento do imposto como tal, não pode caber nenhum efeito de produção do nascimento (efeito constitutivo)".

Prosseguindo, lembra que na verdade a fixação administra­tiva do crédito é feita por meio do lançamento, pelo qual se vai apurar a sua existência e o seu conteúdo e essa fixação é um motivo e uma possibilidade para fazê-lo valer, que não havia antes do lançamento. Neste sentido, do ponto de vista técnico, o lançamento tem uma função de aperfeiçoamento ou de formaliza­ção do crédito tributário, embora já ele existisse como decorrên­cia da obrigação criada pelo direito material.

Por isso ao crédito tributário na sua situação de pretensão ex lege (obligatio ex lege) é preciso vir juntar-se o ato de lança­mento para sér exigido e neste sentido se fala que o lançamento é um complemento (OUo Mayer) ou provimento de configuração (Fleiner, Nawiasky).

Em face do nosso direito positivo esta discussão está inte­gralmente superada, pois o ,:TN filiou-se à corrente dominante, estabelecendo:

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Art. 144. O lançamento reporta-se à data da ocorrência do .fato gerador da obrigação e rege-se pe­la lei então vigente, ainda que posteriormente modi­ficada ou revogada.

§ 1.0 Aplica-se ao lançamento a legislação que, posterionnente à ocorrência do fato gerador da obri­gação, tenha instituído novos critérios de apuração ou processos de fiscalização, ampliado os poderes de in­vestigação das autoridades administrativas, ou outor­gado ao crédito maiores garantias ou privilégios, ex-

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ceto, neste último caso, para o efeito de atribuir res­ponsabilidade tributária a terceiros.

§ 2.0 O disposto neste; artigo não se aplica aos impostos lançados por períodos certos de tempo, des­de que a respectiva lei fixe expressamente a data em que o fato gerador se considera ocorrido.

Para melhor compreensão, vamos desde já especificar mais um pouco esse assunto e dentro do sistema do lançamento, da cobrança e da execução fiscal brasileiros. ver se podemos tomar a matéria mais clara. tanto do ponto de vista teórico, como prático.

Voltemos à estrutura formativa do débito tributário e vamos ver a formalização do direito de crédito da Fazenda e do seu d:reito de cobrança por intermldio dos elementos que assim po­dem ser colocados:

1) a lei - criadora do direito em abstrato;

2) a situação - é o elemento concreto descrito na lei, no sentido de que, uma vez de fato ocorrido, e tal como está especi­ficado na lei, dá origem ao crédito, isto é, à constituição do direito creditório;

3) o lançamento .- é procedimento de apuração e aprecia­ção do fato qualificado como gerador. para perfeccionar o crédito tributário, pois embon não seja ato constitutivo (uma vez que os elementos c0r.stituti"lOS do direito de crédito tributário são a lei e o fato típico), entretanto, o lançamento tem uma função complementar, ou seja, de configuração formal do crédito, e esta formalização é condição para a própria validade e eficácia ma­teriais previstas na lei. O lançamento é o procedimento adminis­trativo pelo qual se apura o an debeatur (se devido) e o quantum debeatur (a quantia devida), os aspectos subjetivos, temporais, espaciais, e se exterioriza pela notificação. Uma vez operado o lançamento, como ato administrativo válido e terminado, o crédito é exigível desde logo na via administrativa, de modo que, se se trata de autolançamento, o contribuinte deve, no prazo legal, antes do prévio exame da autoridade, efetuar a satisfação do dé-

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bito e se, lançamento de ofício ou misto.· deve satisfazê-lo no prazo que lhe é assinado no aviso ou intimação. Não o satisfa­zendo, o crédito já criado, formalizado por uma das modalidades de lançamento e vencido, passará à fase da

4) exigibilidade ou cobrança - esta, conforme a legislação específica, pode ser cobrança amigável ou constritiva (adminis­trativa) ou então, após esta, ou na sua ausência, desde logo ins­crito o débito como dívida ativa da Fazenda e cobrado por execu­ção forçada em Juízo.

Vê-se, pois, que o lançamento não é constitutivo, porque ele não cria direito material, apenas vai dar configuração formal, formalizar ou constituir formalmente o cr"édito já previsto na lei. O lançamento, pois, dá a forma mas não cria a matéria. Ele é, evidentemente, de grande relevância, pois o lançamento é que vai esclarecer se devido e quanto devido, sem o que o credor ou o devedor não poderiam fazer valer seus direitos e obrigações, porque não estariam determinados.

O lançamento é, portanto, a formalização do crédito como requisito prévio e necessário para a cobrança administrativa.

Para a cobrança judicial, porém, não basta o formalismo do lançamento; é preciso ainda outra formalização específica que é a inscrição da dívida (CTN, ~rts. 201 a 204, e CPC, art. 585, VI), assunto que será objeto de e ;tudo quando examinarmos a execu­ção' fiscal.

Efeitos da natureza jurídica do lançamento

Estudada previamente a natureza jurídica do lançamento, como ato declaratório, vejamos agora, como comprovação de que ele tem a natureza declaratória, a implicação ou efeitos dessa mesma natureza. Dela resultam conseqüências ou efeitos jurídi­cos de grande importância teórica e prática, sobre as obrigações tributárias para a aplicação da lei no tempo, pois é nesse campo do Direito Intertemporal que deveremos ter em conta sempre a

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data do fato gerador e não a do lançamento, no que diz respeito ao momento da criação, modificação ou extinção da obrigação tributária.

Assim, todos os índices de cálculo para a apuração da obri­gação tributária, como os valores de incidência e alíquotas, de­vem ser contemporâneos ao fato gerador e não ao lançamento.

Vamos dar alguns exemplos para esclarecer melhor:

- ao fazer a avaliação de bens de um inventário, o lança­dor não poderá tomar por base o valor dos bens na data do lança­mento, mas sim na data da ocorrência da morte do de cujus (neste sentido, RF, 122: 166, contrário RT, 170:252);

- ao fazer o lançamento atrasado, de imposto predial, o lançador terá que tomar o valor venal do respectivo exercício e não o da data do lançamento;

- ao apurar uma diferença de sisa na venda de imóvel, o funcionário terá que se reportar ao valor contemporâneo à data da venda e não ao do momento em que revê o lançamento.

Em todos esses casos em que é base de tributação o valor, a apuração ou avaliação terá que se reportar à data do fato qualificado como gerador.

Também a percel tagem a ser aplicada sobre o valor, isto é, a alíquota do tributo eleve ser a prevista na lei vigente à data da ocorrência do fato trit'-utável.

Assim, por exem:>lo, em todas as hipóteses acima mencio­nadas, determinado o '/alor contemporâneo ao fato gerador, tam­bém a alíquota a ser aplicada sobre a base de cálculo deverá ser a prevista na lei vigente ao tempo da ocorrência do fato ou situa­ção descrita.

Pela mesma razão, se um contribuinte pratica um ato tri­butado e antes de feito o lançamento falece, nem por isso deixa de ser devido o tributo; será feito o lançamento e cobrado dos herdeiros, dentro da força da herança, pois, mesmo que se trate de ato pessoal, na data do fato gerador ele existia como sujeito

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da obrigação, cujo ato por ele mesmo foi praticado e constituiu o elemento gerador °da incidência tributária.

Também certas condições pessoais relacionadas com a inci­dência ou isenção, como o casamento, número de filhos, o exer­cício de profissão etc., obedecerão sempre à data da realização dos pressupostos fáticos.

A revogação da lei, por isso mesmo, também não é causa de extinção das obrigações fiscais, cujo fato gerador já ocorrera e apenas penda de lançamento, a menos que a lei tenha expressa­mente declarado a extinção dos débitos fiscais anteriores.

E comum encontrar-se lançamento feito hoje baseado em lei já revogada, mas relativo a fato gerador ocorrido na vigência da lei tributária e que apenas fora omitido pelo contribuinte.

O início da decadência, o chamado termo inicial da deca­dência do direito de lançar é contado a partir da data do fato gerador, isto é, da ocorrência da relação fática que, em face da lei, dá nascimento à obrigação tributária.

Esta regra é tão precisa que o § 2.° do art. 144 do CTN deixa também claro que quando se tratar de impostos lançados por períodos certos de tempo, como é o caso do imposto de renda lançado, considera-se a data do fato gerador a fixada pela lei respectiva.

Assim, por exemplo, para o início da decadência no caso do imposto de renda em razã0 de ordem técnica e específica da­quele tributo (sistema de ano-base), a lei do imposto de renda fixa como termo inicial da decadência do direito de proceder ao lançamento a .. expiração do ano financeiro a que corresponder o imposto".

42. Função e modalidades do lançamento. "Uma das mais im­portantes missões do Estado no âmbito de sua soberania é servir à Justiça. Neste sentido também cabe ao Estado como relevante e difícil tarefa a de garantir aos cidadãos uma tributação justa . ..

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Tomando-se em consideração o fato de que, nesta função, o Esta­do é portador de direitos de soberania e se reveste de meios de grande força e o cidadão se apresenta como subordinado ao po­der, entretanto, no estado de direito tem de predominar a ten­dência de dar a cada um (tanto à comunidade como a cada indi­víduo) o que é seu" •.

No estado de direito, somente a lei material outorga ao fisco (como credor) o direito a uma determinada prestação tributária, desde que certo evento da vida, previsto na lei, se realize e possa ser atribuído a alguém (como devedor).

Não só para que a Fazenda tenha possibilidade de apurar e exigir o seu crédito, mas também para que essa atividade não se opere arbitrariamente e sim dentro de proteções jurídicas ao ci­dadão-contribuinte, no estado de direito, a lei formal traça o mé­todo pelo qual as repartições fiscais podem e devem investigar e fixar o direito creditório da Fazenda, para tomá-lo exigível.

No interesse da apuração da verdade material, como da garantia de justiça, no próprio método de apuração, como ainda de economia dos trabalhos administrativos, a lei admite e mes­mo exige, em certos casos, o auxílio dos contribuintes, como até de terceiros, no lançamento.

O maior ou me 10r concurso dos obrigados, na atividade de lançamento, é, na uralmente, previsto pela lei. mas esta, ao disciplinar este concurso, tendo em vista a natureza das coisas, gradua-o conforme a~ necessidades práticas e assim poderemos verificar que, conforr.le a natureza de cada tipo de tributo, tam­bém são maiores ou menores as exigências dessa colaboração.

Tendo em vista o grau de colaboração entre fisco e con­tribuinte na atividade de lançamento, pode este ser dividido em três tipos: autolançamento ou lançamento por homologação; lançamento misto ou por declaração e lançamento direto ou de ofício.

4. Hübschrnann-Hepp-Spitoler. em Kommenlor zur Abgobenordnung und den Nebengeselzen. 8and III, Verla8 Schmidt. Koln. Vor. § 228.

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Lançamento por homologação ou auto:ançamento (CTN, art. 150)

No primeiro caso, do chamado autolançamento, o próprio contribuinte, ou terceiro obrigado, apura a obrigação, o quantum devido e efetua o pagamento sem prévio exame da repartição.

Recebendo o tributo e tomando assim conhecimento dessa atividade do contribuinte, sem que nos prazos legais instaure revisão ou lançamento de ofício, a repartição homologa o lan­çamento e opera-se a extinção do crédito tributário.

No Brasil, o maior volume da arrecadação se faz. e cada vez mais, por meio deste tipo de lançamento. Como exemplo podemos citar o autolançamento do IPI, do ICMS, do imposto de renda antecipado e do retido na fonte.

Há autores que pretendem dizer que no Brasil, tendo esse lançamento sido denominado pelo CTN de "lançamento por homologação", não mais existe o autolançamento ou mesmo que ele ni'io é lançamento, porque não seria ato administrativo.

A nosso ver não têm razão.

A sugestiva expressão autolançamento, que dá a idéia de partido do contribuinte, porque ele é que tem a iniciativa, é conservada e largamente con~inua utilizada na doutrina e legisla­ção mundiais: autoliquidació'1. ou autodeterminaci6n, auto-accer­tamiento, self-assessment, Selastveranlagung ou Selbstberechnung, Selfaanslag.

Quanto a sustentarem que o autolançamento não seria ato administrativo e não se encaixaria no art. 142 do CTN, este próprio Código contesta tal afirmação, porque, estando ele des­crito no art. 150, está classificado entre as três "modalidades de lançamento" da Seção II, Cap. II, do Tít. III.

O fato de o contribuinte antecipar no autolançamento o pagamento, sem prévio exame da autoridade administrativa, não quer dizer que não fique sujeito ao controle genérico de fisca­lização e à homologação expressa ou tácita. O ato é adminis-

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trativo, é ato de lançamento sujeito a homologação expressa ou ficta.

Embora o CTN tenha colocado em último lugar, na classi­ficação que fez, o lançamento por homologação (art. 150) ou autolançamento, ele é, em nosso país, o de maior ocorrência. A utilização do autolançamento também é uma das características predominantes da tributação norte-americana ".

O chamado autolançamento é aplicado de preferência aos impostos indiretos e instantâneos, cujo fato qualificado como ge­rador se realiza em cada ato, fato ou situação, pois seria na práti­ca impossível que, a cada momento, a repartição efetuasse direta­mente, ou mesmo com base em declaração do contribuinte, um lançamento. Correspondendo o imposto a cada evento, o próprio contribuinte faz um lançamento provisório ou sujeito a homolo­gação e paga o tributo. Todavia uma coorte de registros, guias, livros etc. fica em mãos deste contribuinte ou do fisco para exte­riorizar os autolançamentos e possibilitar o controle a posteriori.

Lançamento misto (CTN, m. 147)

No segundo tipo de lançamento, chamado lançamento mis­to ou por declaração, cooperam, desde o início, de um lado o contribuinte ou terceil"O obrigado e de outro a repartição fiscal. Dentro de prazos previstos, o contribuinte ou o terceiro obri­gado apresenta declaré:ção que é apreciada pela repartição fiscal.

Este segundo tipJ ou subdivisão da atividade jurídica de lançamento representa a reunião, desde o início, do autolança­mento e do lançamento oficial (por isso mesmo se chama lança­mento misto).

5. Cf. Internal revenue code. including. 1962. Amendmcnl~. Income tax regu· lations as 01 /atlUary 15. 1963. Ambos editados pela Commeree CIC<lring House, Inc.

Escrevendo sobre "a protcção jurídica no Direito Tributário none·americano", na coletãnea Vom Rechtsschutz im Steuerrecht. Düsseldorf, 1960, p. :>44. Helmut Debatin ressalto. o que assim traduzimos:

"Característico distintivo do lançamento tributário americano é o princípio do autolançamento. Em princípio. tem o contribuinte de calcular por si próprio a sua divida tributária e incluí-Ia na sua dcclarnção de imposto".

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Do ponto de vista procedimental. o lançamento misto é o mais completo.

Tanto o obrigado como a administração fiscal desempe­nham, no lançamento misto, atividade própria. E verdade que a atividade da administração é que prevalece, pois ela tem não só a direção do procedimento, mas também é quem determina defi­nitivamente o crédito tributário.

O contribuinte tem direito subjetivo de participar desse lan­çamento, nos termos em que a lei regula essa sua participação e especialmente no sentido de cooperar para que o nascimento do crédito tributário seja conforme os pressupostos de fato, pre­vistos na lei material.

Este tipo de lançamento permitindo, pelo seu método, um trabalho conjunto, garante, desde o início e durante o seu curso elaborativo, a investigação e a apreciação em todos os sentidos. das características do fato que sejam decisivas para a formali­zação do crédito tributário.

No exercício da atividade de lançamento a repartição fiscal deve investigar os casos sujeitos à tributação e apurar as rela­ções de fato e de direito que sejam essenciais para a obrigação tributária e fazer o cálculo do tributo, tendo o contribuinte o dever e o direito de participar dessa atividade. Se de um lado fica o contribuinte com par1:e da responsabilidade de um lança­mento justo, responsabilidade essa que dá à repartição a reserva de exame de ofício do resultado dessa mesma participação. de outro lado permite ao contribuinte uma vigilância mais próxima ou direta de seus interesses.

Estas características do lançamento misto apontam-no, den­tro do moderno Direito Tributário, como o método que assegura maiores garantias formais e enfim o mais indicado para a me­lhor justiça da tributação 8.

6. Cf. Ernst Blumenstein, Grundriss des schweizerischen Steuerrechts, Band I. S)'stem des Steuerrect1ts, zweite neu bearbeitete Aunage, Polygraphischer Verlag, A. G. Zürich, 1951, p. 290.

Na 3.a edição. revista e ampliada por sua viúva Prof.- Irene Blumenstein, vinte anos após (1971), v. p. 352.

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Se do ponto de vista jurídico-formal o lançamento misto representa o procedimento de lançamento mais completo, entre­tanto nem sempre é possível empregá-lo.

De acordo com a natureza e ocorrência dos fatos básicos de certos tributos, especialmente dos instantâneos, a multiplici­dade e volume da ocorrência de fatos geradores tomam impos­sível somente o trabalho administrativo e requerem o autolan­çamento, pelo qual cada obrigado procede ao pagamento do tri­buto, sem o prévio exame da autoridade fiscal.

Também nos casos de inadimplemento dos obrigados ao autolançamento ou ao próprio lançamento misto, só é possível a função reparadora do lançamento ex olficio.

Se, em grande parte, é a natureza de cada tributo que con· diciona a utilização dos métodos de lançamento, é bem de ver que especialmente num país de regime federativo como o nosso cuja discriminação constitucional de rendas é feita na sua quase· integralidade pela forma nominal e privativa, pouca escolha de métodos fica ao legislador. ordinário.

Como já vimos, os tributos sujeitos ao autolançamento ou ao lançamento misto também podem e em determinados casos têm de ser lançados ex olficio.

Além disso há t 'ibutos que, embora sob uma única deno­minação, incidem sobre fatos diversificados. Por exemplo, o imposto sobre a rend,l incide sobre vários tipos de rendimentos e proventos. A lei estabelece as deduções cabíveis em cada tipo para apurar-se o rendimento líquido tributável.

Também conforme a natureza do rendimento é aplicado um dos três métodos de lançamento.

Assim, de um modo geral, encontramos dentro do imposto de renda o lançamento por declaração ou misto, para os rendi· mentos de pessoas físicas e/ou jurídicas; o autolançamento para os recolhimentos antecipados (da fonte pagadora, dos profissio­nais liberais e de locações) e o ex olficio para os inadimplemen­tos a um ou ao outro dos lançamentos.

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Mas a aplicação de cada modalidade de lançamento, ainda que dentro do mesmo tributo, tem de obedec~r não só ao prin­cípio da adequação, mas também ao da igualdade tributária.

O lançamento é, pois, um dos temas de maior significação teórica e conseqüências práticas no campo do Direito Tributário.

Lançamento de ofício (CTN, art. 149)

O terceiro tipo de lançamento é o chamado lançamento ofi­cial porque é feito exclusivamente pelo órgão fiscal, sem a cola­boração nonnal do contribuinte, de modo que concluída a apura­ção e fixado o quantum, no prazo legal, a repartição expede ao contribuinte a notificação do lançamento.

Este tipo de lançamento comporta, desde logo, uma distin­ção sobretudo apoiada em nosso Direito Tributário Positivo, que é a seguinte:

Em primeiro lugar podemos verificar que ele existe como tipo nonnal de lançamento direto, apenas para poucos tributos, em geral diretos, lançados por períodos certos de tempo e ligados a atividades ou situações que a administração já tem de cadastrar ou sobre eles exercer controle de polícia administrativa.

Assim, neste primeiro caso, está a maioria dos tributos municipais, como o imposto territorial urbano, predial etc.

Mas é em decorrência cio princípio que mais o caracteriza, qual seja o da oficialidade, que o lançamento ex ollido exerce sua maior função: nos casos em que os obrigados ao autolança­mento ou às declarações e informações para o lançamento misto deixam de cumpri-Ias ou as cumprem incompletamente.

Neste ponto é que se pode explicar mais satisfatoriamente a ratio essendi do lançamento ex of/ido: sendo o lançamento, como já vimos, ao tratar da sua natureza jurídica, um procedimento administrativo vinculado e obrigatório, o seu exercício não é fa­cultativo mas obrigatório e está adstrito aos tennos da lei.

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Ora, se é verdade que no a'ltolançamento, como no lan­çamento misto, é de um lado convocada para a elaboração do lançamento a atividade do contribuinte ou de terceiro obrigado, temos de outro lado que estes não são funcionários da adminis­tração. Não sendo funcionários, não estão sob o estatuto legal dos funcionários públicos. Assim sendo, sua omissão ou ação infratora das obrigações desse procedimento tributário não cons­titui desobediência a deveres funcionais, mas sim a obrigações tributárias acessórias.

Disso decorre que se o contribuinte ou o terceiro obrigado não cumpre as obrigações de seu concurso no lançamento, além de continuar integral a necessidade de apuração da obri­gação principal, acresce à função do próprio lançamento a de élpurar também o descumprimento dessas obrigações acessórias.

E. exatamente neste momento que a qualidade que o lança­mento tem de procedimento privativo da autoridade administra­tiva mais se caracteriza e se exterioriza.

Realmente aqui se pose constatar que na verdade a ativi­dade do contribuinte ou do terceiro obrigado, no procedimento de lançamento, é apenas de colaboração ou cooperação e se é de grande auxílio aos trabalhos administrativos. como de inte­resse do próprio con ribuinte para melhor vigilância de sell~

direitos, entretanto ela não chega a ser imprescindível. Essa ati­vidade é, pois, admini~trativa e essencialmente privativa da auto­ridade fiscal.

Por isso mesmo .J participação do particular na atividade de lançamento não é elemento caracterizador da natureza jurí­dica do lançamento, pois essa participação não faz parte da sua essência.

Isto, evidentemente, não quer dizer que do ponto de vista formal não tenha importância essa colaboração. Tanto é impor­tante deste ponto de vista, que o maior ou menor grau dessa colaboração serve até para separar, metodologicamente, os lan­çamentos em três tipos. Essa separação, que é útil do ponto de

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vista sistemático, é predominante na doutrina e se conforma com o Direito Tributário Positivo brasileiro.

Mas, como vimos, não estando o próprio contribuinte ou o terceiro obrigado sujeito ao princípio da oficialidade, a sua falta de cumprimento das obrigações no lançamento, além de consti­tuir infração tributária formal, acarreta, ipso facto, o abandono dessa colaboração à administração, passando esta a operar uni­lateralmente o lançamento, que por isso mesmo se denomina lan­çamento ex oflicio.

No dizer de Spitaler, a lei fiscal impõe às autoridades o dever de investigar as situações de fato e de direito. Nunca a autoridade deve ser obrigada a capitular diante da obscuridade da relação de fato. Se ninguém conhecer o montante de determi­nados rendimentos, a autoridade deve ser capaz de verificá-lo por avaliação 7.

O lançamento misto e sobretudo o autolançamento, este de grande relevância e de maior extensão em nosso país, na realida­de são também psicologicamente sancionados pela imanência su­pletiva do lançamento ex ol/icio. Este é como que a sentinela da­queles, pois além da função de apurar unilateralmente o crédito tributário, também tem a função específica de apurar a ação ou omissão que dê lugar à aplicação de multas fiscais (CTN, arts. 142, in fine, e 149).

Pela sua função supletiva. o lançamento ex oflicio tem so­bretudo a missão de apurar a integralidade da verdade material tributária.

Já o Código Tributário da Alemanha chamava a atenção da administração para a imanência da oficialidade, como para a obrigatoriedade e a lealdade da atividade administrativa de lançamento, nestes termos:

§ 204

1) A repartição fiscal deve investigar os casos sujeitos a

7. Cf. Ruy Barbosa Nogueira. O C6digo Tributário da Alemanha e sua tradução. Revista dos Tribunais. v. 352.

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tributação e apurar ex DI/ido as relações de fato e de direito que sejam essenciais para a obrigação tributária e para o cálculo do imposto. Ela deve examinar as declarações dos contribuintes também a lavor destes'.

A nosso ver, o princípio da lealdade, que se expressava no final desse dispositivo e tão ressaltado pelos autores alemães como necessário à pesquisa da verdade material. mandando o órgão fiscal "examinar as declarações dos contribuintes também a favor destes", não foi lembrado pelos legisladores de nosso Código, embora a Comissão elaboradora do projeto tenha referido que no uso de subsídios "a primazia coube à Reichsabgadenordnung alemã, em seu texto original elaborado por Enno Becker" p.

O novo Código Tributário da República Federal da Ale­manha, nestes temas de tanta relevância, trouxe agora os seguin­tes dispositivos mais precisos e explícitos:

§ 88

Princípio Inquisitivo

(t) A autoridade fiscal apura de ofício o fato tributário. determina o modo e a (xtensão dessa apuração e não se vincula às alegações e provas das partes. A extensão desses deveres da autoridade é estabet.!cida segundo as circunstâncias do caso concreto.

(2) Deve a autoridade fiscal considerar todas as circuns­tâncias relevantes para o caso concreto, inclusive quando favo­ráveis às partes.

8. Das Finanzaml hol die sleuerpnichligen Falle lU erforschcn und von Aml5 wegen die talSBchlichcn und rechllichcn Verh!lltnisse lU ermitteln. die für die Steuer· pflichl und die Bernessung der Sleuer wescntlich sind. Es hOI Angoben der Steuer· pflichtigen auch zugunslen der Sleuerpflichligen lU prufen.

9. cr. Trabalhos da Comissão Especial do Código Tributário Nacional. Minis­tério da Fazenda, 1954, p. ·9&-9.

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§ 89

Orientação, Informação

Deverá a autoridade fiscal sugerir a apresentação de decla­rações, o uso de petições ou a retificação de declarações ou petições, quando tiverem sido apresentadas manifestamente in­corretas ou omissas, em razão de simples equívoco ou ignorân­cia. Informará, tanto quanto necessário, sobre os direitos e de­veres que cabem às partes no processo administrativo.

~ certo, todavia, que o princípio da lealdade decorre do sistema jurídico, pelo menos para ser deduzido, afinal, se pre­ciso, perante o Judiciário.

43. O poder de fiscalizar. A tendência modema em matéria de controle fiscal é organizar a mecânica do cumprimento da obri­gação tributária sobre base de colaboração entre fisco e contri­buinte.

Podemos verificar que essa tendência se manifesta:

- de uma parte, pela presunção de boa-fé, em favor do contribuinte, que se encontra na instituição dos lançamentos baseados em declarações e, mais ainda, nos chamados autolan­çamentos;

- de outra parte, peh. criação de órgãos consultivos e julgadores, em matéria fiscal, com a participação de represen-tantes dos contribuintes. .

No capítulo anterior, ao darmos as espécies de lançamen­tos, mostramos e exemplificamos que, exatamente tendo em vista o grau de colaboração entre fisco e contribuinte, podíamos divi­dir os lançamentos em: lançamentos de ofício ou diretos, em que o fisco age por iniciativa própria; lançamentos por declaração ou mistos, em que o contribuinte é que presta as informações sobre a ocorrência dos pressupostos de fato da incidência, para que o fisco opere o lançamento; e, finalmente, os autolançamentos, em que o próprio contribuinte diligencia o lançamento e antecipa o pagamento para que a autoridade os homologue.

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Quanto à segunda parte, relativa aos órgãos fiscais, iremos ver, em capítulo seguinte, que na tela administrativa as questões fiscais são decididas em primeira instância por chefes de repar­tições ou por comissões julgadoras compostas exclusivamente de funcionários, mas que, em segunda instância, os julgamentos de questões tributárias são feitos por órgãos coletivos: conselhos ou tribunais fiscais paritários, isto é, compostos por membros representantes do fisco e do contribuinte.

Acontece, entretanto, que essa colaboração desejável nem sempre é conseguida, ou mesmo, tendo em vista as próprias difi­culdades de conhecimento, interpretação e aplicação das leis e medidas tributárias, tomam-se necessários certa orientação e con­trole fiscais.

Essa orientação e controle são ainda imprescindíveis em face dos princípios da igualdade tributária que deve haver entre os próprios contribuintes e da obrigação vinculada que incumbe ao fisco, segundo a qual os lançamentos devem ser exatos e na me­dida prevista pela lei tribu_tária.

Daí então o poder de fiscalizar que cabe ao fisco, pelo qual deve controlar não só os lançamentos efetuados, mas descobrir os porventura omitidos ou erróneos.

A fiscalização tri JUtária é exercício de poder administra­tivo, que compreende todos os atos de verificação e controle, devendo examinar perante a legislação se os atos fiscalizados guardam conformidade com ela.

Onde e como estiÍo dispostos a competência e os poderes das autoridades fiscalizé\doras da legislação tributária?

O art. 194 do CTN determina qUI;! a legislação fiscal obser­vará o nela disposto e regulará, em caráter geral ou especificada­mente em função da natureza do tributo de que se tratar, a com­petência e os poderes das autoridades administrativas em matéria de fiscalização da sua aplicação.

Por que em função da natureza do tributo?

Porque conforme a natureza da relação fática ou subjacên-

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cia do fato gerador. também os métodos de fiscalização. espe­cialmente de investigação. precisam ser adequados.

Assim, na fiscalização de um imposto cor_lO o que incide sobre o lucro operacional das empresas. precisam ser investi­gadas operações contábeis, examinados documentos e a lei per­mitir o exame de escrita e autorizar métodos específicos de apuração.

Se o tributo é o IPI. exige recursos à tecnologia. perícias etc., de conformidade com a natureza das operações industriais e assim por diante.

Qual é a extensão dos poderes de fiscalização, isto é, quais são as pessoas sujeitas ao controle fiscal?

Diz o parágrafo único do mesmo artigo que es~ão sujeitas à fiscalização todas as pessoas naturais ou jurídicas, contribuin­tes ou não, e mesmo aquelas q1Je gozem de imunidade tributária ou de isenção de caráter pessoal.

Não só o contribuinte é obrigado a prestar informações sobre fatos de interesse fiscal, mas também pessoas que a lei designe. em razão de cargo, ofício, função, ministério, atividade ou pro­fissão, excetuadas as informações sobre fatos de que essas mes­mas pessoas estejam legalmente obrigadas a observar segredo (CTN. art. 197, parágrafo único).

Problema que durante muito tempo provocou discussões foi o do sigilo assegurado pelo art. 17 do CCom., e da dispo­sição geral do sigilo da correspondência garantido pela Cons­tituição.

De outro lado desenvolveu-se a compreensão de que esse sigilo é em relação a terceiros e não em relação aos comunheiros do negócio.

Neste sentido, o tesouro tendo verdadeira participação, por meio do tributo, no resultado das atividades econômicas, afas­taram-se esses impedimentos e afinal o CTN veio declarar no art. 195 que "não têm aplicação quaisquer disposições legais. excludentes ou limitativas do direito de examinar mercadorias,

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livros. arquivos. documentos. papéis e efeitos comerciais ou fis­cais dos comerciantes. industriais ou produtores. ou da obriga­ção destes de exibi-los". mandando o parágrafo único deste ar­tigo que esses registros sejam conservados para efeitos fiscais até que ocorra a prescrição dos créditos tributários decorrentes das operações a que se refiram.

De outro lado. para garantir os contribuintes contra a divul­gação de segredos ou interesses. o art. 198 do CTN estabeleceu que sem prejuízo do disposto na legislação criminal. é vedada a divulgação, para qualquer fim, por parte da Fazenda Pública ou de seus funcionários, de qualquer informação, obtida em razão de ofício, sobre a situação econômica ou financeira dos sujeitos passivos ou de terceiros e sobre a natureza e o estado dos seus negócios ou atividades.

Em razão mesmo do critério de ir transformando o sistema tributário, que era estanque entre os fiscos federal, estaduais e municipais, o art. 199 autorizou a assistência mútua entre eles na fiscalização de seus tributos, bem como a permuta de infor­mações, na forma estabeleeida, em caráter geral ou específico, por lei ou convênio.

Para garantir o exercício da fiscalização, ainda, o CTN permitiu às autoridades fiscalizadoras federais, estaduais ou mu­nicipais demandarem •. Imas das outras, a requisição de força quando vítimas de embaraço ou desacato no exercício de suas funções, ou quando necessário à efetivação de medida prevista na legislação tributária .linda que não se configure fato definido em lei como crime ou <.ontravenção.

Como deverá agir, ~m princípio, o agente, no exercício da função fiscal?

O agente fiscal, ao apurar qualquer irregularidade, terá que a relatar, isto é, lavrar um auto, representação ou intimação, conforme a hipótese, em que descreverá a falta que presume ter ocorrido, e irá então. com base nessa peça, ser iniciado ou revisto um lançamento. ~ a instauração do procedimento administrati­vo, que poderá dar ensejo à discussão.

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o poder de fiscalizar decorre do Poder Administrativo e por isso o seu exerdcio é feito por meio de procedimentos jurí­dicos semelhantes aos do Direito Administrativo. o que significa por atos privilegiados: atos de ofício e executórios quando con­cluídos.

O exercício desse poder é ato de ofício. o que quer dizer obrigatório; e as decisões proferidas pelos órgãos fiscais são executórias, privilégio que decorre da natureza dos atos adminis­trativos válidos e terminados 10.

Mas essa qualidade dos atos administrativos ainda não basta para o controle fiscal.

Por isso a lei prevê ainda sanções para tornar esse controle mais eficaz. Assim, pois. vamos ver que, além de resultar da própria lei o poder fiscalizador do cumprimento da legislação tributária. esta institui ainda uma série de penalidades em que incorrerão todos aqueles, contribuintes. funcionários ou terceiros. que deixarem de cumprir as obrigações principais, funções fiscais ou obrigações acessórias.

Este aspecto punitivo já foi examinado no capítulo sobre o ilícito tributário.

10. Neste sentido, em acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, ficou ressaltado:

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"Constitui qualidade inerente aos atos juridicCkldministrativos a sua exigi­bilidade, ou seja, a qualidade de produzir os dei tos de confonnidade com o nele constante e nos termos previstos em lei. Na verdade, a idoneidade jurí­dica dos atos administrativos de serem exigíveis deflui da presunção, que trazem em si, de legitimidade, por emitidos pelo Poder Público. Essa presun· ção só pode ser desconhecida ante prova em contrário. Constitui norma funda­mentaI do Direito Administrativo dos povos cultos, denominada no Direito francês Privilege du préalable, a c1;spensa do Juizo preventivo probatório do titulo público. Embora fonnado unilateral e administrativamente pela entidade de Direito Público. obriga terceiros. Por vezes essa exigibilidade é total. quando compete à própria Administração Pública fonnar o título e proceder à sua execução, através de sua autotutela. Já, em outros casos, é parcial, quando lhe cabe apenas fonnar o título, mas a execução se processt. perante a autori­dade judici4ria" (RDA, 62: 114).

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Capítulo XVI

PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTARIa

44. o processo administrativo tributário.

45. O lançamento. o auto de inCração e o procedi­mento contencioso.

46. A consulta em matéria fiscal.

44. O processo administrativo tributário. As obrigações tribu­tárias, quer principais, quer acessórias, estão sempre previstas na lei, devendo em princípo ser normalmente exigidas ou cumpridas tanto pelo fisco como j)elo contribuinte ou por aquelas pessoas a quem a lei transfere ou incumbe essas obrigações.

Assim. o fisco de"e proceder aos lançamentos. à fiscaliza­ção e à arrecadação, c.)mo o contribuinte fazer as declarações, os autolançamentos e p~gar os tributos devidos, na forma e nos prazos legais.

Entretanto, por vários motivos, entre os quais a incerteza, a insolvabilidade, a impontualidade, enfim. mesmo por atos cul­posos ou dolosos, às vezes deixa de ser cumprida a obrigação ou é cumprida de forma contrária à lei, ou incompletamente.

As diferentes hipóteses precisam então ser examinadas pe­rante a lei. Para esse fim existe o procedimento e o processo.

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Como já vimos, o procedimento tributário é uma seqüência ordenada de atos tendentes a verificar a ocorrência do fato ge­rador da obrigação correspondente, determinar a matéria tribu­tável, calcular o montante do tributo devido, identificar o su­jeito passivo e, sendo o caso, propor a ap1icação da pena1idade cabível.

O procedimento é assim a forma administrativa de exame e apuração das possíveis obrigações e, como elas, igualmente regulado por lei e, por isso mesmo, a própria forma de proceder constitui um direito assegurado às partes. E. o "devido processo legal".

Para que a solução não venha a ser errônea ou resulte em injustiça, a lei prevê um método, uma certa ordem.

O procedimento fiscal é, pois, um ordenamento do modo de proceder para que tanto a imposição, como a arrecadação e a fiscalização sejam feitas na medida e na forma previstas na lei.

Para que seja atingido o fim, é preciso empregar-se o meio. Para cumprir-se a lei material, criadora da obrigação tributária. é necessária a lei formal, criadora do modo de proceder.

Qual é a natureza jurídica das chamadas medidas de ordem, ou melhor, do procedimento tributário, se afinal o procedimento é uma questão de forma?

A solução está exatameIlte no problema da legitimidade do ato jurídico.

Quando a forma for prescrita em lei, a não-observância acarretará, em princípio, a nulidade do ato formal praticado. Devem, assim, as partes, fisco e contribuinte, obedecer à forma legal processual, e isto porque as partes têm um direito público subjetivo à legitimidade do ato jurídico.

Para certos atos processuais, não essenciais, e para os quais a lei não prescreva forma especial, há outras sanções, como, por exemplo, a perda de faculdade (preclusão) ou então, mesmo, re­médio, como a possibilidade de serem sanados ou supridos.

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o processo tributário, assim compreendida toda forma de discussão, seja da obrigação principal, seja da obrigação aces­sória, pode desenvolver-se em duas ou uma só esfera. Na ins­tância administrativa e em seguida na judiciária ou apenas em uma delas, pois se a solução administrativa dada pela Fazenda é favorável ao contribuinte, ou este se conforma com a solução, o caso termina só com a atividade administrativa.

Assim também quando o contribuinte, desde logo, ab~n­donando a esfera administrativa, dirige-se diretamente ao Judi­ciário, ou espera a ação judicial da Fazenda, só haverá a dis­cussão numa tela, a judiciária.

O procedimento administrativo tributário, como vamos ve­rificar, é fundamentalmente de elaboração e discussão de lança­mento. Por meio dele se vai fazer o "acerto" e o controle de legalidade da obrigação tributária, seja principal, seja acessória, ou ambas.

Vejamos o procedimento de lançamento privativo da auto­ridade administrativa:

45. O lançamento, o auto de infração e o procedimento conten­cioso. Quando estudamos o lançamento, tendo em vista o próprio grau de colaboração en re fisco e contribuinte, resumimos os lan­çamentos em três grup JS: o primeiro, do lançamento direto ou de ofício em que o fisco age por iniciativa própria; o segundo, denominado lançamento por declaração ou misto, em que o fisco recebe informações do contribuinte para efeito de operar o lan­çamento, e, finalmente, o chamado lançamento por homologação ou autolançamento, em que o próprio contribuinte opera o lan­çamento e antecipa o pagamento, sob o controle genérico de fis­calização e a condição da homologação expressa, ou tácita.

Pois bem, nos dois primeiros casos, o fisco, após fazer o lançamento, expede ao contribuinte uma notificação ou aviso de lançamento e cobrança.

Se o contribuinte estiver de acordo com o lançamento e

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pagar no prazo ássinado, estarão extintos a obrigação consti­tuída pela realização do fato gerador e o crédito fixado ou for­malmente constituído pela conclusão do lançamento regularmen­te notificado.

Se, porém, ele não concordar, poderá apresentar uma

Impugnação, reclamação ou defesa - esta é uma petição dirigida à autoridade administrativa lançadora, d.iscordando do lançamento. Para bem preparar sua defesa o contribuinte tem à sua disposição vista do processo (art. 15 e parágrafo único do Dec. n. 70.235/72).

A reclamação, nos termos do art. 151, III, do CTN, sus­pende apenas a exigibilidade do crédito tributário válido. Isto é, apenas suspende a eficácia e não a sua validade.

Algumas legislações municipais, notadamente do Município de São Paulo, erroneamente exigem em muitos casos o pagamento do tributo como condição para reclamação, defesa ou impugna­ção, adotando o odioso princípio do solve et repete (paga e depois repete). O § 2.° do art. 157 do Projeto de Código Tribu­tário deste Município tinha proposto a correção desta desobe­diência ao CTN, por meio da seguinte disposição: "a impugnação terá efeito suspensivo da cobrança e instaurará a fase contenciosa do procedimento".

No caso dos impostos não lançados, ou melhor, de auto­lançamento, por meio de fiscalização, o fisco, constatando eva­são, omissão ou mesmo infra~ão formal, lavra um auto de infra­ção, de que deixa uma cópia ou uma intimação ao contribuinte, e que corresponde ao aviso de início ou de transformação do procedimento de autolançamento em lançamento de ofício.

Mesmo nos outros casos de lançamento podem ainda ser constatadas "infrações fiscais", e neste caso igualmente lavrado ato de ofício que pode ser, segundo o tipo de tributo ou situação, um auto de infração. de apreensão de mercadoria, de documento ou livro ou de começo de despacho aduaneiro de mercadoria importada (exemplo: Dec. federal n. 70.235, de 6-3-1972, art. 7.°, I a III).

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o CTN só f'emlite esse início por forma documental (prin­cípio documental do procedimento) e com fixação de prazo má­ximo para a conclusão dessas diligências de fiscalização (art. 196). O Decreto federal n. 70.235/72 estabelece o prazo de "sessenta dias prorrogáveis" (art. 7.°, § 2.°).

O CTN considera esses atos como "início do procedimento" (art. 196) e, no art. 142, final e parágrafo único, estatui que a autoridade administrativa - neste caso o agente de fiscalização - tem ainda a função de "propor a aplicação da penalidade cabível".

A nosso ver, infringindo o CTN, que é lei complementar da Constituição, muitas leis ordinárias e regulamentos têm atribuído aos agentes fiscais a lavratura de autos de infração e atos seme­lhantes, com a função de já impor penalidades e dar prazos com a oferta de redução das multas, para coagir o contribuinte a não contestar ou não procurar a via judicial.

Isto constitui atribuição de competência e de poder errôneos e inconstitucionais.

Como se vê do texto -do art. 194 do CTN, o agente fiscal, como autoridade administrativa, tem apenas competência e po­deres em função da natureza do tributo, para a matéria de fisca­lização da aplicação da legislação tributária. O agente fiscal não é agente ou órgão de a )licação da lei ou do Direito. Ele não tem competência nem pode ·es judicantes (cognitivos, declaratórios ou executivos).

Não só aqueles F receitos do CTN são expressos, como a Constituição dispõe en .re os direitos e garantias individuais que "a lei não exçluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito" e que "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o con­traditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela ineren­tes" (art. 5.°, XXXV e LV).

O auto de infração ou início do procedimento de lançamento nada mais deve ser do que um relatório da ocorrência que o agente presume constituir infração e a materializa em um ato

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descritivo para levar ao conhecimento da autoridade julgadora e assim instaurar a instância contenciosa 1.

O processo fiscal, para apuração de infrações, conforme a legislação de cada tributo, tem por base um ato de ofício (auto, representação etc.).

A legislação do IPI como a do ICMS e ISS previram que o agente fiscal pode impor desde logo, na peça de acusação que é o auto de infração, a multa (passando a designar essa peça de auto de in/ração e de imposição de multa), e se o contribuinte não a discutir e pagar dentro do prazo assinado terá abatimento. Como já salientamos, tais disposições ferem os princípios de jus­tiça, transformando agentes fiscais em árbitros e coagindo o contribuinte. Este não é o "processo regular", não obedece sequer ao princípio do contraditório, que o CTN assegura ao contribuin­te mesmo nas hipóteses mais delicadas do seu art. 148. O auto de infração, a representação etc. nada mais são do que atos de instauração de lançamento de ofício ou de revisão de lançamento: apenas início de procedimento.

Ainda certas leis prevêem a possibilidade de particulares apresentarem denúncia de infrações fiscais, o que a nosso ver é instituto da Idade Média, que tem servido muito mais a vin­dietas ou chantagens do que a interesses do tesouro e da harmonia fiscal 2 •

No caso de auto ou repr,!sentação, lavrado por falta ou insu­ficiência do autolançamento, há uma transformação do autolan­çamento em lançamento de ofício. Neste caso, a iniciativa do lançamento passa para o fisco que inicia o processo para a dis-

I. V. no pequeno livro Teoria e prática de direito tributdrio, Ruy Barbosa No­gueira e Paulo Roberto Cabral Nogueira, Resenha Tributária, 1975, p. 43 e s., a questão sob o título: Fiscal pode propor mas não impor multa.

2. Se examinarmos na literatura comparada os escritos específicos sobre a mora­lidade fiscal, como é exemplo o trabalho do grande Ministro da Suprema Corte Tribu­tária da República Federal da Alemanha, Prof. Wilhelm Hartz, poderemos ver que a denúncia de particulares é inquisitori'll, amoral e inadmissível dentro dos princípios do Estado Democrático de Direito: Sittichkeit, Rechtssicherheit und Gewaltenteilung. ais Elemente des Rechtsstaats. Verlag Otto Schmidt, Kõln, 1959. V. ainda Treu und Glauben im Steuerrecht, Dr. Gehard Mattern, Stuttgart, 1958.

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cussão. o auto de infração instaura a instância e mesmo que o contribuinte concorde ou não se defenda, deve obrigatoriamente haver julgamento. Se o contribuinte não se defende, deverá assim mesmo haver julgamento, embora à sua revelia, podendo até ser favorável ao contribuinte ou reconhecida a nulidade. de ofício J.

Com a impugnação o contribuinte deverá juntar as provas documentais. Para certos tributos que dependem de classificação de mercadorias, como o aduaneiro e o IPI etc. poderá requerer análise do produto; poderá ainda requerer diligências, exame de escrita etc. (v. como exemplo, para a impugnação na órbita fe­deral, arts. 14 a 22 do Dec. n. 70.235/72).

Se a reclamação ou a defesa é julgada procedente, no todo ou em parte, as leis estabelecem em geral que, sendo a redução ou cancelamento acima de uma certa quantia, a autoridade .de primeira instância recorrerá de ofício ao tribunal ou autoridade de segunda instância.

Poderá assim o órgão superior confirmar ou reformar a de­cisão de primeira instância. Se confirmar a solução favorável ao contribuinte, de modo gerai estará findo o processo administra­tivo.

3. Conlra a nalurcUI do procedimenlo que visa o alcance da verdade e da jusliça. o simples Decreto n. 70.235/72. alterado pela Lei n. 8.748/93. veio dispor para o processo adminislralivl fiscal da União:

Ar!. 21. Não senlO cumprida nem impugnada a exigência. a autoridade preparadora declarará a revelia. permanecendo ('I processo no órgiio preparador. pelo prazo de 30 (Irinll) dias. para cobrança Amigável.

§ 2.° A aUloridad: preparadora. após a declaração de revelia e findo o prazo previslo no caput desle arligo. procederll. em relação às mercadorias e oulros bens perdidos em rnziio de exigência não impugnada. na forma do art. 63.

Ao conlrário desse odioso critério. que nega julgamenlo e considera o reve\ con­fesso e sem defesa. represenlando um retroces.~o da legislação fiscal brasileira. o art. 157 do Decrelo-Iei n. 7.404/45, bem mais de acordo com o espírilo de justiça, dispunha:

"Quando ~e tratar de infrator rel'e/ será lavrad('l o respectivo termo de revelia e. sem outro qualquer informação (que era ii 2.' acusação ou contesta­ção do autuanle II defesa). subirá o processo o julgamento".

Com este sistema. teria o revel a 'possibilidade de recurso e tudo hoje lhe é negado. Muitas vezes o contribuinte. neste imenso Brasil, perdeu um prazo de defesa em primeira instância por motivos os mais humanos e toda possibilidade de ser ouvido ou defendido, no processo fiscal administrativo. fica-lhe trancada! Condenação sem julgamento é ato absolutamente nulo (CF, art. 5.°, LlV e LV).

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Se a reclamação ou a defesa não é atendida. no todo ou em parte, pelo julgado de primeira instância. poderá o contribuinte apresentar

Recurso voluntário - este recurso consiste em uma petição de contestação à decisão recorrida. dirigida ao órgão fiscal de segunda instância, geralmente um tribunal ou conselho, composto de membros representantes do fisco e do contribu~te.

O recurso deve ser apresentado dentro de um prazo previsto na respectiva legislação federal, estadual ou municipal, ou mes­mo em cada regulamento, que também dispõe sobre a necessida­de ou não de efetuar-se a garantia de instância.

Atualmente, em razão da correção monetária dos débitos fiscais, foi em geral dispensado o depósito em dinheiro para re­curso, mas para que o contribuinte não sofra a correção terá que efetuar depósito em dinheiro (Dec. n. 70.235/72, art. 43, § 1.°). O julgamento em segunda instância, na órbita administrativa fe­deral, está previsto no art. 37 e a competência nos arts. 25, II, e seguintes do mesmo Decreto n. 70.235/72. Devem também ser consultados os regimentos dos Conselhos de Contribuintes.

Recurso especial - pelo Decreto n. 83.304, de 28 de mar­ço de 1979, foi instituída no Ministério da Fazenda a Câmara Superior de Recursos Fiscai" com competência para julgar re­curso especial. Este, conforme o art. 3.°, pode ser interposto pelo Procurador da Fazenda Nacional "de decisão não-unânime de Câmara, quando for contrária à lei ou à evidência da prova" e pelo contribuinte "de decisão que der à lei tributária interpreta­ção divergente da que lhe tenha dado outra Câmara ou a própria Câmara Superior de Recursos Fiscais". O recurso especial será interposto no prazo d~ 15 (quinze) dias, contados da ciência da decisão. Interposto o recurso, o despacho de recebimento será publicado no Diário Oficial, assegurando-se ao interessado o pra­zo de 15 (quinze) dias para oferecer contra-alegações, findo o qual os autos serão remetidos à Secretaria da Câmara Superior de Recursos Fiscais.

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o Regimento Interno da Câmara Superior de Recursos Fis­cais foi aprovado pela Portaria n. 334, de 3 de maio de 1970, do Sr. Ministro da Fazenda, que se encontra publicadá na íntegra no DOU de 7 de maio de 1979, p. 6285 a 6289.

No Estado de São Paulo, a segunda instância é o Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo, cuja regulamenta­ção e regimentos devem ser consultados.

Quanto aos Municípios, apenas os maiores têm órgãos co­legiados de segunda instância. Em São Paulo, havia o Conselho Municipal de Impostos e Taxas, que como retrocesso foi extinto. Atualmente tramita na Câmara Municipal de São Paulo projeto, recriando esse órgão paritário.

Com o recurso, o contribuinte apresentará as provas do­cumentais que possuir, podendo ainda comparecer à sessão de julgamento e produzir a sustentação oral de suas razões. Nesse órgão mantém o fisco um representante ou advogado da Fazend", que também poderá pronunciar-se oralmente sobre a pretensão fiscal.

A decisão do órgão de segunda instância, se favorável ao contribuinte e unânime, em geral tennina a questão.

Quando não unânime, poderá em geral o procurador repre­sentante da Fazenda, ~ e entender a solução contra a prova dos autos ou contra a lei, recorrer, se federal, à Câmara Superior de Recursos Fiscais, com(1 já vimos; se estadual, ao Secretário da Fazenda; se municipal, há recurso de ofício ao Secretário das Finanças no caso do Município de São Paulo.

Nestes casos pode o contribuinte contra-arrazoar.

Se a decisão for contrária ao contribuinte, há várias orien­tações.

O fisco estadual paulista, neste caso, dá por finda a instân­cia administrativa, salvo se não for unânime ou ocorrer conflito de jurisprudência. Em caso de conflito de jurisprudência, admite recurso de revisão.

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o projeto de Código Tributário do Município de São Paulo previa hipóteses de recursos, que poderemos chamar hierárqui­cos, ao Secretário das Finanças, porque de coJegiado para julga­mento singular da autoridade superior (art. 164 do projeto).

46. A consulta em matéria fiscal. Sendo a tutela do direito uma das obrigações elementares do Estado, deve o indivíduo ter ga­rantia à certeza do Direito.

A certeza, em última instância, a certeza conclusiva só é dada pelo Poder Judiciário, do qual, estabelece a Constituição, nenhuma lei pode retirar a apreciação da lesão ou ameaça a direito (art. 5.°, XXXV).

Entretanto, encontrando-se o contribuinte perante o qua­dro legal de obrigações que lhe impõe a legislação tributária e cujo cumprimento lhe é exigido pelo fisco desde a via adminis­trativa, deve, nessa mesma via, o fisco, que é afinal órgão do Estado, garantir-lhe também certeza administrativa de como deva agir nos casos em que tenha dúvida.

Se por este lado tem o contribuinte um verdadeiro direito subjetivo público à certeza, de outro lado o próprio fisco tem razões de boa política tributária nessa instrução, porque a falta de certeza do Direito, como acentua Calamandrei " constitui po­tencial inobservância do mes no, enquanto o restabelecimento da certeza do direito é em si \l ma garantia para sua observância.

~ por isso que o CTN, seguindo a orientação já antiga de nossa legislação fiscal, previu, no § 2.° do art. 161, que a consul­ta formulada pelo devedor dentro do prazo legal para pagamento do crédito, enquanto pendente, evita a cobrança de juros mora­tórios, a imposição de penalidades ou a aplicação de medidas de garantia.

Como já salientamos, as normas do CTN são mais acentua­damente normas gerais dirigidas "aos legisladores federal, esta-

4. Piero Calamandrei, Instituciones de derecho procesal civil según el nuevn Cddigo, trad. Melendo, Buenos Aires, 1943. p. 72.

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duais e municipais. A cada governo, de acordo com a Constitui­ção e a legislação complementar e dentro da atribuição de com­petência legislativa e de atribuições de funções, é que compete criar seus tributos por leis materiais e também disciplinar suas normas administrativas fisco-procedimentais.

Neste sentido, já vimos o quanto possível, neste compêndio didático, os tributos de cada um, suas participações e um pano­rama dos procedimentos de lançamentos.

O Instituto da Consulta Fiscal Administrativa também é matéria de procedimento que afinal pode antecipar a interpreta­ção de cada fisco em relação ao cumprimento de suas pretensões, pelos contribuintes, por solicitações destes. Para os contribuintes é importante saber, com antecipação, a interpretação administra­tiva fiscal em relação a casos concretos a que estejam vincu1ados.

Quando ainda quartanista de Direito, tivemos oportunidade de escrever, em 1944, um trabalho intitulado A consulta como meio de harmonia fiscal precisamente ao tempo em que, como Solicitador Acadêmico, tínhamos escritório advocatício com nos­so saudoso Mestre Tullio Ascarelli, com quem discutimos a im­portância deste assunto.

No 19.0 Congresso anual de Direito Financeiro e Tributário realizado em 1965 em T~ondres, pela lnternational Fiscal Associa­tion que tem sede na 10landa e da qual temos a honra de ser membro desde 1945, foi amplamente discutido o instituto da consulta fiscal e publicado um volume trilíngüe sobre esse insti­tuto e que constitui ex;elente repertório para comparações 6.

Em nosso país, infelizmente as consultas têm sido não só respondidas com atraso que as tornam quase inúteis para os res­pectivos consulentes, mas especialmente na órbita federal o sis­tema de pareceres normativos, de que já demos notícias, tem prejudicado sobremodo a especificidade e utilidade prática da orientação prévia e casuística.

S. Advance rulings by the tax authorilies aI lhe request oe a laxpayer. in S'udies on in'ernational fiscal iQw, v. L, letra b.

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Todavia a União a disciplinou nos arts. 46 a 58 do Decreto n. 70.235/72; o Estado de São Paulo no seu Decreto n. 52.594/70 e o Município de São Paulo prometia essa disciplina nos arts. 178 a 184 do já referido projeto de Código Tributário do Município de São Paulo.

No relatório geral do Congresso. que representa o pensamen­to e sentir jurídico dos mais qualificados tributaristas dos gover­nos, das Universidades, das profissões liberais, enfim dos cida­dãos-contribuintes, assim foram resumidas, como recomendações para melhorar a já citada harmonia fiscal:

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1) os contribuintes devem ter a possibilidade de obter prontamente e por custos mínimos orientações prévias sobre as conseqüências fiscais das transações que de boa-fé eles tenham projetado e cuja importân­cia financeira deva ser tomada em consideração;

2) estas orientações prévias deverão ser dadas por órgãos suficientemente qualificados para julgar im­parcialmente as questões que lhe são submetidas;

3) a possibilidade de obter orientações prévias não se limitará a determinados problemas nem somen­te a certos tributos, mas, em princípio, deve ser possí­vel obter orientações prévias sobre todas as questões de ordem fiscal;

4) as orientações prévias vincularão - de fato e de direito - as autoridades fiscais, na medida em que o contribuinte se comporte na conformidade dos fatos que tenham sido pressuposto da orientação dada;

5) quando a orientação prévia tenha sido dada com efeito vinculante somente por um prazo ou pe­ríodo delimitado, essa orientação ou solução não po­derá ser afetada por nenhuma modificação eventual da jurisprudência em desvantagem do contribuinte;

6) é desejável que, em determinados casos, os contribuintes tenham a possibilidade de recorrer ou

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pedir reformulação das orientações prévias recebidas na medida em que, do ponto de vista do empreendi­mento ou da organização empresarial. a praticabilida­de o exigir e.

6. Estas recomendações do Congrc:s50 da International Fiscal Association já e5tão inOuenciando novas elaborações. V., por exemplo, o relatório espe::ial da Ale­manha, no citado volume do Congrcs5o e comparem-se noi AO 1977 os §§ 204 a 207 (compromissos vinculantes baseados em fiscalização externa) e também o § 89 (orien­tação e informação),

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Capítulo XVII

PROCESSO JUDICIAL TRIBUT ARIO

47. O processo judicial tributário.

48. A execução fiscal.

49. A ação anulatória do débito fiscal.

50. O mandado de segurança contra a coação tri-butária ilegítima.

51. A ação de repetição do indébito.

52. A açjo declaratória em matéria fiscal.

53. A ação de consignação em pagamento.

47. O processo judidal tributário. Estudando o procedimento administrativo de lançamento vimos que ele consiste em uma ati­vidade vinculada e ob "igatória dos agentes e órgãos da adminis­tração fiscal, sob pena de responsabilidade funcional, atividade esta tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obriga­ção correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido. identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível e" que, para opo­nibilidade e exigibilidade exterioriza esse resultado em uma noti­ficação ou aviso de lançamento, com prazo para que o contri­buinte cumpra a obrigação (CTN, arts. 142 e 145).

Vimos ainda que, embora esse procedimento seja privativo da autoridade administrativa, como o contribuinte tem melhor

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ciência e consciência das situações fáticas ou das concretizações. porque é ele quem as realiza ou está a elas vinculado, o contri­buinte não só é obrigado a registros, escriturações, informações e esclarecimentos no seu próprio interesse e do Fisco, mas tam­bém a colaborar em maior ou menor grau na atividade de lan­çamento, conforme o tipo de tributo. Na apuração dos fatos, como parte, tem o dever de expô-los conforme a verdade e não se exime do dever de colaborar com a administração para o des­cobrimento da verdade, como se vê dos arts. 195 e 197 do CTN. Estes são princípios universais, também consubstanciados no processo judicial, como se pode ver dos arts. 14, I, e 339 do CPC.

Esta participação ou colaboração do particular, seja con­tribuinte, responsável ou terceiro, justifica-se por necessidade e garantias recíprocas, e por isso foi juridicizada, especialmente como obrigações acessórias ou deveres processuais.

Em relação à matéria de direito e tendo-se em vista que a obrigação tributária é ex lege, de direito público e que a ati vida­de de lançamento compete privativamente à autoridade adminis­trativa, vinculada à lei e obrigatória; mas ainda, que a adminis­tração pública é até certo ponto fautriz e promotora do direito e especialmente executora deste; mas também que a juridicidade se impõe a todos (ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que a não conhece - Lei de Introdução ao CC, art. 3.°); de outro lado temos, dentro dos direitos e garantias individuais, o princí­pio constitucional de que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei" (CF, art. 5.°, II).

Sendo ainda a tributação um setor de interferência do Estado­Fisco na vida e especialmente no patrimônio do cidadão, o prin­cípio da estrita legalidade da tributação é ainda destacado espe­cificamente no art. 150, I, da Constituição, e até o CP configura e penaliza o excesso de exação no art. 316, § 1.0.

O CTN explicita a legalidade da tributação nos arts. 9.° e 97.

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Em face de toda essa problemática e do desideratum que já no campo administrativo a determinação e exigência dos cré­ditos tributários seja cumprida de fato e de direito, espontanea­mente ou em diálogo procedimental entre a administração e o particular, nem sempre essa massa casuística se conclui satisfato­riamente no âmbito administrativo.

A conciliação de interesses ou composição de conflitos por intermédio das próprias partes nunca deixa de exigir, mesmo dentro dos preceitos jurídicos, uma certa dose de concessões mútuas em holocausto à convivência em paz. Esta concepção talvez seja mesmo a mais humanizadora do Direito como instru­mento de harmonia entre os homens, tanto assim que os roma­nos, sacerdotes do Direito, ensinavam que os preceitos deste são: viver honestamente, não prejudicar aos outros e atribuir a cada um o que é seu.

Acontece, porém, que, embora a tributação seja uma louvá­vel partilha da soma dos gastos que o Estado tem de fazer para manutenção do seu mecanismo e promoção do bem comum, é um "domicílio" muito grande e de governo muito complexo. Mais do que o pater fami/ias, o Estado dispõe de soberania e potestade. No Estado moderno este poder é disciplinado por um estatuto orgânico. elaborado em assembléia constituinte que prevê até o processo legítimo de mas próprias alterações. Seja porém como for. o sentimento e a consciência livres do ser humano e social já concluíram que o rlelhor é o império da lei no sentido de go­vernar e tratar a tode s por meio da vontade nela objetivamente transparente. de modo que o Estado seja expressão da democra­cia. seja o governo da lei que trate igualmente as situações iguais e corrija as desigualdades. Neste sentido. no campo da tributação, tem de predominar o princípio dentro da proporção dos haveres, de acordo com a capacidade econômica ou contributiva de cada um, enfim dentro da justiça social. Para isso temos disciplinado, a partir da Constituição, um Sistema Tributário Nacional.

Assim, considerando-se que uma das mais importantes mis­sões do Estado, dentro de sua soberania, é servir à Justiça, para alcançá-Ia, no setor da tributação, o governo tem de expedir

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normas justas e assegurar que a sua própria administração tam­bém se exerça com justiça.

Acontece que essa administração ou fisco, sendo o próprio Estado e parte na relação jurídico-tributária, nos casos de con­flitos com o particular, embora vinculada à legalidade, a admi­nistração ainda se encontra na disponibilidade de grande força e o obrigado subordinado à sua autoridade. Por isso, no estado de direito desenvolveu-se a idéia de que os atos administrativos não devem ser definitivos. Ao administrado deve-se conceder proteção contra eventuais medidas arbitrárias ou injustificadas da administração.

Como assegurar ao particular essa garantia, no caso, contra possíveis excessos da administração fiscal?

Por meio de um poder independente e eqüidistante: o Poder Judiciário. Neste sentido dispõe a Constituição que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito" (art. 5.°, XXXV).

Mas acontece que, se a ordem jurídica impõe à adminis­tração fiscal esse dever de obedecer à legalidade material e formal tributária, para limitar a potestade desta aos termos da lei, de outro lado é preciso que a administração possa exigir do cidadão-contribuinte o exato cumprimento da vontade objetivada ou transparente na lei.

Por isso cabe igualmer te à administração provocar a ma­nifestação do mesmo Poder Judiciário, todas as vezes que, esgo­tados os meios administrativos, o obrigado deixe de cumprir a lei, cumpra-a deficientemente ou a infrinja.

Portanto é ao Judiciário que, como um dos três poderes inde­pendentes e harmônicos na tripartição dos poderes do Estado, cabe prestar a tutela jurisdicional quando a parte ou o interessa­do a requerer, por meio do devido processo legal (due process of law), procurando obter a solução definitiva, ou conclusiva, na composição dos possíveis conflitos. Eis a ratio essendi do Poder Judic~ário.

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A legislação que disciplina o Direito Processual é de com~ petência da União (CF, art. 22, I) e o processo civil vigente está consubstanciado no CPC (Lei n. 5.869, de 11~1~1973).e a1te~

rações.

Como este curso não é específico de Direito Processual. vamos tã~somente estudar certos aspectos de relevância tribu~ tária, de algumas das ações disponíveis e cabíveis para a com­posição de conflitos tributários.

Este exame servirá também para demonstrar que há ações para solucionar relações jurídic~tributárias e que o próprio pr~ cessualista, seja Advogado, Membro do Ministério Público ou Magistrado, que não conhecer a ciência e a técnica do Direito Tributário ou, às vezes, de cada tributo em espécie, não terá su~ ficiente habilidade para equacionar ou resolver problemas típicos da tributação.

Se o processo é meio instrumental, há aspectos interligados, de substância e de forma que, em certas passagens, autorizam mesmo a concepção de que o Direito Processual não é apenas direito formal. Muitas vezés estão interligados aspectos formais e materiais dentro do procedimento judicial.

Só para citar um exemplo, no próximo capítulo cuidaremos de aspectos da extinçf o do direito de imposição (decadência) e da extinção do direito dE: ação para cobrar o crédito tributário (pres­crição), que são. nitidamente, matéria de substância e de forma, consorciadas ou inter Jenetradas.

Se todo o procec imento do lançamento tributário. inclusive do aparelhamento do título extrajudicial da execução fiscal. são funções privativas das autoridades administrativas, por que o Po­der Judiciário precisa conhecer, no sentido jurídico-científico e no sentido judicante-cognitivo, todo esse mecanismo fiscal - de fato e de direito?

Esta indagação didática é aqui feita para chamar a atenção do estudante e fazê-lo entender, bem nitidamente, as premissas esclarecedoras e diferenciadoras das atribuições da Administra­ção, das atribuídas ao Poder Judiciário.

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As autoridades fiscais têm a incumbência de administrar o campo fenomenológico tributário. Concreta e especificamente essa atividade se exerce por meio do lançamento tributário. Já vimos e explicamos que "a atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória. sob pena de responsabilidade funcional" (CTN, art. 142, parágrafo único).

Vamos agora aprofundar um pouco mais aqueles esclare­cimentos, para destacar a essência ou a tônica da função admi­nistrativa de lançamento, em confronto com a função judicial.

Tratando especificamente dos princípios fundamentais da tributação e dos meios de prova, a AO-1977 dispõe no § 88 sobre o princípio da oficialidade, estatuindo:

I) A repartição fiscal apura de ofício a situação de fato. Determina a espécie e extensão das apurações; nesta função não está vinculada à apresentação de prova, nem a pedidos de prova feitos pelas partes. A extensão destas obrigações depende das circunstâncias do caso concreto.

2) A repartição fiscal deve levar em considera­ção todas as circunstâncias relevantes para o caso con­creto, inclusive as favoráveis às partes.

Ainda no § 89 do mesmo subcapítulo, tratando da função administrativa fiscal de orientação e informação (em nosso siste­ma já vimos as obrigações d(~ informações dos sujeitos passivos e de terceiros, como o direito à consulta fiscal e também o dever de informações dos órgãos fiscais) dispõe:

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A repartição fiscal deve estimular a entrega de declarações e apresentação de requerimentos e de suas retificações, quando eles, obviamente, só não foram feitos, ou eventualmente foram apresentados com erros devido a simples engano ou desconhecimento. A re­partição fiscal fornecerá, na extensão necessária, infor­mações sobre direitos e obrigações das partes, no pro­cesso administrativo.

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Por tudo isso se vê que a função administrativa fiscal é essencialmente de apuração de fatos. de declaração de direitos e obrigações e de prestação de esclarecimentos.

O lançamento é apenas ato declaratório e a função das autoridades fiscais é. em última análise, exigir ou afirmar "pre­tensões".

Embora haja em nosso sistema órgãos administrativos judi­cantes. são órgãos da própria administração e, portanto, mesmo suas decisões, em relação aos obrigados. são deliberações de uma das partes da relação jurídica. Não poderiam ser definitivas contra a outra parte e muito menos constitutivas de direitos. Tudo é ma­téria de lançamento. de atos declaratórios. basicamente fáticos, que vinculam o fisco quando aceitos pelo contribuinte ou quando a este favoreçam. pelo princípio nemo potest venire contra factum proprium.

Diferentemente. o Poder Judiciário. como poder indepen­dente (que não é parte da relação jurídico-material), tem a função de prestar a tutela jurisdicional a pedido da parte ou interessado. Não tem a função de operár o lançamento que é ato administrati­vo, nem de prestar informações ou simples orientação, mas deci­dir e exercer integral controle de legalidade, não só do próprio lançamento como ate formal, mas de toda a contextura e subs­tância da relação juro dica. Não só proferir, conforme o caso. de­cisões dec1aratórias, constitutivas ou condenatórias, mas como atos definitivos (cois. julgada).

Assim, à pergunta apenas didaticamente formulada, por que os juízes togados têm que ser versados na ciência do Direito Tributário. quando existe toda uma administração fiscal e até órgãos administrativo-fiscais judicantes, e, ainda, por que têm que julgar essa matéria até pôr um ponto final. a resposta está na competência específica do Poder Judiciário:

"A competência da justiça ordinária vai até onde vai a legislação, e, portanto desde que haja uma lei a aplicar, sobre a aplicação desta lei se pode instaurar, perante a justiça comum, juízo contencioso, de caráter

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final e conclusivo, e, conseqüentemente, de efeitos obrigatórios para os demais poderes" 1.

Vejamos, pois, um panorama das principais ações postas à disposição das fazendas públicas ou dos particulares, quando tenham interesse e legitimidade para o exercício do direito de ação.

Comecemos pela ação proponível pela Fazenda, para ex­cutir o crédito tributário exeqüível.

48. A execução fiscal. A base para a execução forçada, no atual sistema do CPC, é o título executivo judicial ou extrajudicial, como se vê do seu art. 583.

O CPC baseou-se no princípio nulla executio sine titulo.

Entre os títulos executivos extrajudiciais, incluiu "a certi­dão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, Estado, Distri­to Federal, Território e Município, correspondente aos créditos inscritos na forma da lei".

A figura da dívida ativa tributária, os requisitos da sua ins­crição e da certidão a que se reporta o CPC estão no CTN e na Lei de Execução Fiscal (Lei n. 6.830, de 22-9-1980), que logo a seguir veremos. Antes precisamos lembrar que concluído inter­namente pela administração o lançamento, como previsto no art. 142 do CTN, para ter oI,onibilidade ao contribuinte é neces­sário que ele seja notificado do resultado fixado, por meio de um ato de ciência, que é a notificação, com prazo para pagamento ou impugnação.

Mas, se regularmente notificado o devedor tributário, ven­cido o prazo, e exigido o crédito por meio de todas as constrições administrativas, ou até em certos casos pela chamada "cobrança amigável" (v., p. ex., para o Imposto de Renda, os arts. 897 e segs. do RIR, Dec. n. 1.041, de 11-1-1994), não for satisfeito o paga-

1. Francisco Campos. Direito administrativo, Rio de Janeiro. Imprensa Nacional. 1943, p. 6.

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lT'ento nem impugnado, o crédito é inscrito corno df~idfJ ativa, para formalização do título executivo fiscal.

Portanto, além da exigibilidade na fase administrativa, para a exeqüibilidade, excussão ou execução judicial do crédito tribu­tário é necessária mais uma formalização ou aparelhamento do título executivo fiscal'.

Transcrevemos a seguir os arts. 201 a 204 do CTN, os quais são repetidos quase integralmente pela lei n. 6.830, de 22 de setembro de 1980 (arts. 2.° e 3.°).

"Art. 201. Constitui dívida ativa tributária a proveniente de crédito dessa natureza, regularmente inscrita na repartição 2dministrativa compl!tente, de­pois de esgotado o prazo fixado, para pagamento, pela lei ou por decisão final proferida em processo regular.

Parágrafo único. A fluência de juros de mora não exclui, para os efeitos deste artigo, a liquidez do crédito.

Art. 202. 0 termo de inscrição da dívida ativa, autenticado pela autoridade competente, indicará obri­gatoriamente:

I - o nome do devedor e, sendo caso, o dos co­responsáveis, bem como, sempre que possível, o domi­cílio ou a ~esidência de um e de outros;

II - a quantia devida I! a maneira de calcular os juros de mora acrescidos;

III - a origem e a natureza do crédito, mencio­nada especificamente a disposição da lei em que seja fundado;

2. Antes de inscrever " crédito como divido ativa. o Procuradoria Fiscal deve fazer IJm controle complementar da leeolidade do lançamento. a fim de verificar a constitucionalidade e legalidade da sua "constituição fonna)" ou cartular. Cc. Bernardo Ribeiro de Moraes. Divida aliva da fazenda. edição Fundação Prefeito Faria Lima. São Paulo, 1979, p. 30-1. Também neste sentido, no Estodo de São Paulo, detennina II Portaria 4/77-GPF, publicado no DOE dc 1.0 out. 1977: "Sempre que se constatar vCdo de ilesa/idade ou forma, será determinada o não-inscrição na dIvido ativo. em despacho fundamentado".

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IV -, a data em que foi inscrita;

V - sendo caso, o número do processo admi­nistrativo de que se originar o crédito.

Parágrafo único. A certidão conterá, além dos requisitos deste artigo, a indicação do livro e da folha da inscrição.

Art. 203. A omissão de quaisquer dos requisitos previstos no artigo anterior ou o erro a eles relativo são causas de nulidade da inscrição e do processo de cobrança dela decorrente, mas a nulidade poderá ser sanada até a decisão de primeira instância, mediante substituição da certidão nula, devoI ~ido ao sujeito passivo, acusado ou interessado, o prazo para defesa, que somente poderá versar sobre a parte modificada.

Art. 204. A dívida regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez e tem o efeito de prova pré-constituída.

Parágrafo único. A presunção a que se refere este ar~igo é relativa e pode ser ilidida por prova ine­quívoca, a cargo do sujeito passivo ou do terceiro a que aproveite."

E conveniente repetir aqui, que sendo o lançamento ato pri­vativo da administra'ção (CT N, art. 142), não cabe ao Judiciário exercer a atividade de lançamento, mas sim o controle formal e material de sua legalidade, isto é, o Judiciário pode anular no todo ou em parte o lançamento, como reconhecer ou não a exis­tência total ou parcial da própria obrigação, em face do direito material.

O que significa a expressão "efeito de prova pré-constituí­da" que o art. 204 do CTN dá ao título do crédito fiscal, repre­sentado pela certidão da dívida, regularmente inscrita?

Estas disposições do CTN não são apenas de diretrizes ou normas de elaboração de leis fiscais (federais, estaduais ou mu­nicipais), mas disposições categoriais de eficácia plena.

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o CPC já qualificou a execução fiscal como execução I'vr título extrajudicial (arts. 583 e 585, VI). O título executivo fis­cal origina-se do procedimento administrativo de lançamento que é privativo da administração (CTN, art. 142) e se aparelha com a inscrição da dívIda ativa na repartição administrativa compe­tente, certidão etc. (CTN, arts. 201 a 204; Lei n. 6.830/80, arts. 2.° e 3.°).

Dispondo sobre as provas, estatui o CPC que "salvo dis­posição especial em contrário, as provas devem ser produzida':) em audiência" (art. 336). Aquela disposição do CTN é, pois, especial, no sentido de que uma vez inscrita a dívida espelhada na certidão, ela não tem que ser produzida em audiência, é título produzido na forma legal, fora do juízo, ou seja, pela administração. O CPC qualifica essa certidão como "título exe­cutivo extrajudicial" pelo art. 585, VI, precisamente porque nos termos do art. 204 do CTN ela tem "o efeito de prova pré­constituída". Já instrui a inicial, com essa natureza jurídico­formal.

Também os arts. 204, parágrafo único, do CTN e 3.° da Lei n. 6.830/80 dispõem que a dívida regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez, mas que essa presunção é relativa e pode ser ilidida por prova inequívoca, a cargo do sujeito passivo ou (O terceiro a que aproveite.

Esta passagem nos serve para esclarecer, didaticamente, o instituto da presunç 10.

Que é presunç 10 em Direito, qual a sua função e quais suas espécies?

Como já ensinava Paula Batista no capítulo das provas, "pre­sunção é a conseqüência, que a lei, ou o juiz, tira de um fato certo como prova de um outro fato, cuja verdade se quer saber" ,.

Pela graduação de sua força probante, temos em seqüências as presunções legais absolutas Uuris et de jure); as presunções

3. Compêndio de teoria prática do prQcesso ch'iI comparado com o comercial e de hermenêutica juridica. 7. ed., 1910, p. 128.

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legais condicionais ou relativas (juris tantum) e as presunções comuns (hominis).

Pela clareza do grande praxista brasileiro Paula Batista, tantas vezes elogiado por nosso Prof. Liebman, leiamos em seu citado compêndio, estes esclarecimentos:

Presunções legais absolutas e legais condicionais

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§ 140. Dizem-se legais absolutas as presunções que a lei tira de certos atos, ou fatos, e as tem por verdades, ainda que haja prova em contrário; e por isso, como dizem alguns, são mais uma disposição de lei do que prova; desta categoria é aquela que resulta da coisa julgada.

Dizem-se legais condicionais as que a lei tem como verdades, enquanto não há prova em contrário: o seu efeito, por conseguinte, é dispensar de ônus da prova aquele que as tem em seu favor, e remeter esta obriga­ção para a parte contrária, que as pode destruir com provas plenas e líquidas. Lei de 11 de maio de 1770, § 5.°, de 4 de agosto de 1773 e Decreto de 25 de no­vembro de 1859, art. 186; e tais são aquelas pelas quais se têm como /ilhos legítimos os havidos de justas núp­cias, e como paga a dívida, quando o devedor se acha de posse do título dela etc.

PRESUNÇOES COMUNS

§ 141. Dizem-se comuns as que o homem tira da­quilo que ordinariamente acontece. Podem ser violen­tas, graves e leves, segundo é necessária, natural, ou assaz falível a ligação do fato sabido com o que se pro­cura saber. Na impossibilidade de se regularem os di­versos graus de sua força probante, e visto que o con­curso delas, quando graves, precisas e concordantes,

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pode fazer uma prova integral, capaz de convencer qualquer espírito justo e ilustrado, fica livre ao juiz deduzi-las e apreciá-las com critério f': prudência, nos ca­sos em que é admissível a prova testemunhal, Código Civil da França, art. 1.353, da Holanda, art. 1.945, de Gênova; e Decreto de 25 de novembro de 1850, arts. 187 e 188 t.

Embora com todos esses pressupostos de presunção relativa de certeza e liquidez da dívida inscrita e efeito de prova pré­constituída da certidão, no capítulo da prova, o controle e apre­ciação judicial são integrais. A natureza ex lege da obrigação e do crédito tributário não se altera. Essa comodidade dada à Fa­zenda no capítulo da prova decorre, como já vimos, da idonei­dade exemplar, do dever funcional, do próprio princípio da fé pública e tantos outros inerentes à administração.

Mas, e por isso mesmo, se a administração erra de fato ou de direito ou infringe a legalidade, em vez de guardiã desta, estará deixando de cump~ir sua função.

Neste sentido, o exercício do controle de legalidade, do Po­der Judiciário, é a última ratio para manter a confiança dos jurisdicionados no império e boa aplicação da lei, de modo que, seja nas ações prop< 'stas pelo particular ou na própria execução fiscal proposta pela Fazenda, a tutela jurisdicional deverá ser prestada pro lege.

A Lei n. 6.830, de 22 de setembro de 1980, processou subs­tanciais alterações lia execução fiscal. Com a sua vigência, o Código de Processo Civil de 1973, que regulava a matéria, passou a ter aplicação em caráter supletivo. A nova lei editou normas especiais sobre a cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública, as quais têm como suporte processual as regras do Código de Processo Civil.

Vejamos rapidamente o ajuizamento e o procedimento da execução fiscal, fundados na referida Lei n. 6.830/80.

4. Op. cit., p. 129.

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A Fazenda Pública credora apresenta em juízo uma peti­ção, nos termos do art. 6.0 , instruída com o título (a certidão da dívida ativa com os requisitos já vistos), no foro do domicílio do réu ou conforme as hipóteses previstas no art. 578 e pará­grafo único do CPC, pedindo a citação do devedor para, no prazo de cinco dias, pagar a dívida com os juros e multa de mura e encargos, ou garantir a execução, com a observância das normas. pertinentes (art. 8.0 ).

A petição inicial e a certidão de dívida ativa poderão cons­tituir um único documento, preparado inclusive por processo eletrônico (art. 6.0 , § 2.0 ).

O despacho do juiz que deferir a inicial importa em ordem para citação, penhora (se não for paga a dívida nem garantida a execução por meio de depósito ou fiança), arresto (se o execu­tado não tiver domicílio ou dele se ocultar>. registro da penhora ou do arresto (independentemente do pagamento de custas) c avaliação dos bens penhorados ou arrestados. Outro efeito desse despacho é o previsto no art. 174, parágrafo único, I, do CTN: interrupção da prescrição (art. 8.0 , § 2.0 ).

Ao executado é dado o direito de garantir a execução fiscal, efetuando depósito em dinheiro, oferecendo fiança bancária, nomeando ber,s próprios à penhora ou indicando à penhora bens oferecidos por terceiros.

Se o executado pagar in~ontinenti, com a satisfação integral do débito, tem a quitação e liquidação da dívida. Se, porém, não paga e nem garante a execução, a penhora será realizada em quaisquer dos seus bens, na ordem indicada no art. 11, respeita­das as exceções legais.

O executado poderá se defender da execução fiscal por meio dos embargos. que serão oferecidos no prazo de trinta dias, con­tados: do depósito, da juntada da prova da fiança bancária ou da intimação da penhora. O executado poderá alegar toda maté­ria útil à defesa, requerer provas e juntar aos autos os documen­tos e rol de testemunhas (art. 16). Recebidos os embargos, a Fazenda terá trinta dias para impugná-los. Em seguida, será de­signada a audiência de instrução e julgamento. Se os embargos

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versarem sobre matéria de direito ou, sendo de direito e de fato, a prova for exclusivamente documental, não se realizará audiên­cia, sendo proferida sentença no prazo de trinta dias (art. 17, parágrafo único).

Havendo audiência, a instrução e o julgamento obedecerão os preceitos dos arts. 450 a 457 do CPC.

A sentença é recorrível sempre por meio de apelação, salvo as proferidas em execuções de valor igualou inferior a certa quantia, que só admitirão embargos infringentes e de declaração. Os embargos infringentes da execução fiscal não correspondem ao recurso previsto no CPC. Deverão ser deduzidos perante o mesmo juízo, no prazo de dez dias, em petição fundamentada. Ouvido o embargado em igual prazo, serão os autos conclus05 ao juiz, que os rejeitará ou reformará a sentença (art. 34 e pará­grafos).

Os embargos declaratórios serão opostos em petição, sem audiência da parte contrária, na forma do disposto nos arts. 464 e 465 do CPC. -

Do acórdão do Tribunal de segunda instância, se ocorrer qualquer das hipóteses do art. 102, III, da Constituição Federal, caberá recurso do vencido ao Supremo Tribunal Federal, pela via do Recurso Ex raordinário etc.

Estes são tra<,.os gerais. Para informação e estudo mais completo, recomendamos a excelente obra do Prof. José da Silva Pacheco 6.

49. A ação anulatório do débito fiscal. Tendo a Fazenda apura­do o crédito fiscal e terminada a órbita administrativa, como vi­mos, poderá ela inscrever a dívida e iniciar em juízo a execução fiscal contra o obrigado ou responsável que não satisfez o débito.

Entretanto, pode também o devedor tomar a frente indo a juízo, e, após garantir a instância, propor uma ação de rito ordinário, visando a anular o lançamento ou a decisão adminis-

5. Comenldrios à Nova Lei de Execução Fiscal, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 1985.

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trativa, por entender que o ato é ilegal, isto é, que está causando lesão ao seu direito, e com fundamento genérico no item XXXV do art. 5.U da Constituição provocar o controle' de legalidade do Poder Judiciário sobre o ato administrativo.

O Decreto n. 20.910, de 6 de janeiro de 1932, menciona no art. 1.° que "todo e qualquer direito ou ação contra a Fa­zenda Federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natu­reza, prescreve em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originar".

Entretanto, especificamente para "a ação anulatória da de­cisão administrativa que denegar a restituição", o art. 169 do CTN encurtou esse prazo para dois anos.

Assim, enquanto não seja iniciada a execução fiscal e não tenha passado o prazo de cinco anos ou, no caso da ação anu­latória. ser contra decisão administrativa denegatória de resti­tuição. dentro de dois anos. o contribuinte titular desse direito pode ir a juízo propor contra a Fazenda ação anulatória, cabível contra quaisquer das Fazendas federal, estadual ou municipal.

Entretanto, tratando-se de tributo federal, como já vimos, a Fazenda Federal dispõe de outro elemento de coação contra o devedor. que são as chamadas sanções políticas (proibição de transacionar com as repartições federais, Lei n. 4.502/64, art. 88, e Dec. n. 1.401/94. art. 938), e por isso mesmo na prática é mais comum o contribuinte anteci lar-se por meio da anulatória quan­to aos tributos federais, para poder impedir essas sanções dita­toriais.

Já vimos que entre outras as Súmulas 70 e 547 do Supremo Tribunal Federal já consolidaram a jurisprudência, segundo a qual são ilegítimas tais sanções políticas. Já deviam ter sido expurgadas pelo legislador, pois constantemente a Fazenda Fe­deral se vale dessas coações, obrigando a impetração de man­dados de segurança ou de outras providências judiciais.

Também a garantia de instância, na propositura da ação ordinária, toma-se necessária, porque o CPC dispôs no art. 585, § 1.°:

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.. A propositura de ação am.1atória de débito fis­cal não inibe a Fazenda Pública de promover-lhe a cobrança".

Como o CTN dispôs no art. 151. II. que suspende a exigibi­lidade do crédito tributário "o depósito de seu montante inte­gral". com a garantia da instância na ação anulatória é evidente que a execução ficará impedida. Não só não seriam admissíveis duas ações simultâneas sobre uma mesma relação jurídica. como a garantia suspende a própria exigibilidade do crédito. Crédito inexigível não pode ser executado.

Na ação anulatória a discussão é ampla, podendo ser re­vista a solução do ato administrativo. Aliás, as decisões admi­nistrativas não têm nenhuma eficácia vinculante para o Poder Judiciário; elas poderão ser aceitas pelo seu conteúdo de verda­de, como o pode um parecer; nenhuma lei poderia excluir do Judiciário o poder de apreciar qualquer lesão de direito, diz a Constituição (art. 5.°, XXXV).

Mas, proposta a ação anulatória com prévia garantia de instância, quid juris se a Fazenda Pública intentar a execução fiscal? Ela o pretendeu por várias vezes, mas o Supremo Tribunal já firmou jurisprudência de que precedendo o contribuinte com a anulatória e devi( lamente garantida a instância, fica trancada a via executiva, po's haveria evidente litispendência (v. Castro Nunes, A fazenda p'íblica em juízo, p. 377). O próprio Decreto­lei n. 147, de 3 d~ fevereiro de 1967, art. 20. § 3.°, reconhece essa litispendência ~,e tiver sido efetuado o depósito garantidor da instância.

O Judiciário tem decidido também que o contribuinte pode propor a ação anulatória sem garantir previamente o juízo (RT, 219:571 e decisões do STF aí citadas). Porém, de acordo com o § 3.° do art. 20 do Decreto-lei n. 147, de 1967, a anulat6-ria com falta de depósito não induz litispendência e a Procuradoria da República poderá propor o executivo fiscal, razão por que na prática é imprescindível que o juízo seja garantido para que possa utilmente prosseguir a ação anulatória.

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Quanto ao procedimento, o contribuinte apresentará uma petição inicial co!J1 os requisitos dos arts. 282 e 283 do CPC, juntando as provas dentre as quais a de garantia da instância.

Pode o juiz, de ofício ou a requerimento, requisitar certi­dões ou o processo administrativo para translado de peças pro­batórias, conforme o art. 399 do CPC.

Após contestação, re!'"alvadas as hipóteses do art. 329, se a questão de mérito for unicamente de direito. ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência ou, se tiver ocorrido revelia, o juiz conhecerá di reta­mente do pedido, proferindo a sentença. Caso contrário, haverá despacho saneador e diligências necessárias e realizada a audiên­cia de instrução e julgamento, na qual, havendo, serão ouvidos testemunhas, peritos etc. As partes poderão produzir defesa oral ou entregar memoriais e a decisão será proferida na audiência ou em outra marcada dez dias após, para a leitura da sentença (art. 456). Da sentença favorável ao contribuinte o juiz recor­rerá de ofício, como também pode o Procurador da Fazenda apelar. Se a sentença for contrária ao contribuinte, este poderá apresentar o recurso de apelação. Nestes casos os recursos serão dirigidos, se federal o tributo, ao Tribunal Regional Federal, se estadual ou municipal, ao Tribunal de Alçada ou de Justiça, conforme o Estado. Poderá ir a questão ao Superior Tribunal de J us~iça, nos casos previstos .Jelo art. 105, I II, da Constituição Federal e ainda ao Supremo Tribunal, mediante recurso extraor­dinário, se ocorrer uma das hipóteses previstas no art. 102 da mesma Constituição.

Salvo incidentes processuais, aí estão os traços gerais da ação anulatória.

50. O mandado de segurança contra a coação tributária ilegíti­ma. O mandado de segurança é uma ação judiciária criada pelo Direito brasileiro, muito característica na sua natureza, função e desenvolvimento.

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No campo da execução das obrigações surge um probl~ma de difícil solução: as obrigações se dividem em obrigações de dar e obrigações de fazer ou não fazer.

A satisfação específica das obrigações de dar se alcança com relativa facilidade, pois a prestação devida é bem material. de modo que mesmo contra a vontade do obrigado, é possível conseguir-se para o credor a própria coisa devida, porque ela é independente do sujeito devedor; é um bem do mundo exterior, podendo ser atingido e entregue ao credor.

Entretanto, já nas obrigações de fazer ou não fazer. a pres­tação devida é uma atividade ou abstenção do obrigado e o seu cumprimento está na dependência da sua vontade de praticar ou abster-se.

Como então obter-se especificamente· essa prestação?

A primeira dificuldade está em que parece insubstituível a vontade do obrigado, ao mesmo tempo que a doutrina jurídica reage contra a idéia de constrangimento ou emprego da força contra a pessoa do obrigado. Admite-se, sem dificuldade. por exemplo, a penhora de bens, mas repugna-se a prisão do obri­gado.

Por isso, formou-se o princípio tradicional de que o ina­dimplemento das obrigações de fazer ou não fazer, em geral. resolve-se por inde lização ou perdas e danos '.

Entretanto, é preciso lembrarmo-nos de que, quando a obri­gação de fazer ou n 30 fazer consista em uma prestação de Direito Público (relação ju:.publicista), o seu cumprimento é da vontade autêntica do obrigado, o Estado de direito.

O inadimplemento que estiver ocorrendo, nada mais repre­sentará que a desconformidade ou desobediência por parte da autoridade (órgão executor e não volitivo) em relação à vontade do verdadeiro obrigado que é o Estado, vontade essa já mani­festada objetivamente na lei.

6. cc. Specific pcrfonnance. in Enc:yclopaedia 01 lhe Social Sciences. dirigida por Seligman. New York. MacmilIan.

7. Cc. Prof. Enrico Tullio Liebman. Processo de execução. Saraiva, p. 333-4.

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o cumprimento preciso ou específico do conteúdo da von­tade do Estado, expressa na lei, representa não apenas a satisfa­ção correta da prestação devida, mas também o interesse visado pela estrutura legal que o Estado instituiu e deve tutelar.

Daí o mandado de segurança que outorga ao titular de pres­tação a possibilidade de obtê-la in specie.

Por meio desta ação o Poder Judiciário não apenas pode suspender liminarmente o ato atacado, como determinar à auto­ridade exorbitante o cumprimento específico da prestação -praticar ou abster-se de praticar o ato - debaixo de sanções da lei penal.

Examinando embora rapidamente a natureza da ação do mandado de segurança, e especialmente depois de termos estu­dado a execução fiscal, precisamos esclarecer agora um ponto para que não haja confusão.

Para a execução fiscal vimos que o CTN presume líquida e certa a dívida regularmente inscrita. A execução fiscal pres­supõe o título líquido e certo, e isto no mesmo sentido que em­prega o CC, ao tratar da liquidação das obrigações:

"Art. 1.533. Considera-se líquida a obrigação certa, quanto à sua existência, e determinada, quanto ao seu objeto".

Tanto na execução fisc 11 (dívida líquida e certa) como no CC (obrigação líquida: certa e determinada), a liquidez, que exi­ge a certeza (an debeatur), e a determinação (quantum debeatur) são elementos de configuração formal de crédito, isto é, elemen­tos caracterizadores de títulos de crédito.

Em tema de mandado de segurança, entretanto, a expressão "direito líquido e certo" não tem esse mesmo sentido, pois aqui no mandado de segurança essa expressão não foi empregada para caracterizar títulos de crédito, mas sim para caracterizar direitos subjetivos públicos. Aqui não existe o problema da apuração de quantia. de sorte que, como acentua o Prof. Buzaid 8, "direito

8. Prof. Alfredo Buzaid, Do mandado de segurança, RT, 258:42.

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líquido e certo é aquele insuscetível de contestação. Este conceito tem dois aspectos: o positivo caracterizado pela existência de um direito certo e atual; e o negativo caracterizado por sua incontes­tabilidade. O Poder Público não tem possibilidade de impugnar séria e validamente o direito reclamado pelo impetrante da se­gurança".

Instituído como direito e garantia individual pela Consti­tuição de 1934, ela se referia mesmo a "direito certo e incon­tes tá vel " .

A vigente Constituição reza, no art. 5.°, LXIX:

"Conceder-se-á mandado de segurança para pro­teger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ile­galidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público".

Este momento da exposição é muito pertinente para um es­clarecimento bem didáticó e da maior importância em tema de mandado de segurança. Corno a relação jurídica é tridimensional (fato-norma-valor), a expressão "direito líquido e certo" significa "fato líquido e dirt ito certo", isto é, cabe a proteção rápida do mandado de segura. Iça nos conflitos em que não haja necessidade de apuração da relação fática, porque ao ser impetrada a ordem, o fato já é líquido ou transparente, bastando ao juiz fazer a sua subsunção às normas vigentes e eficazes. Em outras palavras, basta-lhe demonstrar a qualificação normativa do fato líquido e reafirmar o direito certo, determinando ao inadimplente sua ob­servância, sob as penas da lei.

A dúvida, omissão, coação, incerteza ou infringência da autoridade coatora foi contra a ordem jurídica preestabelecida e, em face da liquidez da relação fática e de sua qualificação normativa, não tinha procedência ou legitimidade. Daí a neces­sidade e utilidade desse tipo de ação para restabelecer de pronto e proteger a ordem jurídica.

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Vejamos, por alguns traços, o desenvolvimento do pro­cesso.

O processo do mandado de segurança encontra-se hoje re­gulado pela Lei n. 1.533, de 31 de dezembro de 1951, e alte­rações.

Em resumo, processa-se assim: é apresentada uma petição inicial com os requisitos dos arts. 282 e 283 do CPC, em duas vias, acompanhada a primeira dos originais dos documentos que a instruírem e, na segunda, repetidos estes por cópia.

O juiz, ao despachar, mandará notificar a autoridade coa­tora, remetendo-lhe a segunda via e respectivas cópias dos do­cumentos para que ela preste informações dentro do prazo de 10 dias.

Nesse mesmo despacho, se entender relevantes os funda­mentos do pedido e verificar que poderá tomar-se inócuo o mandado, se vier a ser procedente, concederá medida liminar de suspensão do ato, se requerida. Findos os 10 dias, o juiz ouvirá com mais 10 o Ministério Público, findos os quais os autos vão conclusos para sentença em 5 dias.

Sendo a sentença pela concessão, por ofício, o juiz a trans­mitirá à autoridade coatora.

Da sentença negando ou concedendo o mandado caberá re­curso de apelação. Poderão as partes produzir sustentação oral perante o Tribunal ad quem.

Toda vez que conceda o mandado, o juiz recorrerá de ofício, não tendo os recursos, quer voluntário, quer de ofício, efeito suspensivo.

O direito de requerer mandado de segurança extingue-se em 120 dias contados da data da ciência do ato impugnado.

Como se vê, o mandado de segurança é de rito sumarÍs­simo, e pode ser utilizado em matéria de cobrança de tributos toda vez que do ato ilegal da autoridade pública, que fira direito líquido e certo, não caiba recurso administrativo suspensivo ou quando o caiba, o seja com exigência de garantia de instância.

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Veja-se bem, desde logo, que são pressupostos para impetrá­lo, seja ele contra ato ilegal de autoridade e que esse ato seja executório; não cabe contra ato de particular nem contra ato simplesmente declaratório, ato de expediente, ato preparatório.

:e verdade que a própria lei diz caber contra ato ilegal, quan­do alguém sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la. :e o caso em que cabe o chamado mandado preventivo. Mas, mes­mo o preventivo há de ser contra ameaça de ato execut6rio.

Assim, por exemplo, não poderia o contribuinte impetrar o repressivo contra um lançamento em elaboração, não notificado. Porém se notificado, com prazo para cumprimento e recurso ad­ministrativo com efeito suspensivo, precisará esperar vencer o prazo ou renunciar expressamente a este para tomar-se ato exe­cutório e só então impetrar dentro do prazo de 120 dias da data em que se tomou executório 0.

Quando o lançamento for terminado, expedido o seu aviso, vencido o prazo de recurso e, executório ou iminente a cobrança, ou não houver recurso administrativo com efeito suspensivo ou este depender de caução Qll garantia de instância. caberá o man­dado se se tratar de infringência a direito líquido e certo.

Também não se deve esquecer, como acima já ressaltamos, a liquidez quanto af) fato.

No mandado je segurança não cabe apreciação de fato, pois ele não tem fuse probatória intercorrente; não existe nele o procedimento de apuração de fatos, deve o fato. do qual de­corre o direito, ser líquido, não carecer de apuração. :e evidente que podem ser juntadas as provas documentais pré-constituídas e que já demonstreIT' a liquidez do fato.

9. o direito de requerer mondado de se1Urnnça extin1Uir·se·á decorridos cenlO e vinte dias contados da ciência. pelo interessado. do ato impugnado (Lei n. 1.533/5\, art. 18).

Esclarece Pontes de Miranda: "A contagem do prazo preclusivo não se inicia antes do ofensa à esfera

jurídica da pessoa. Noutros lennos: começa a correr o prazo prcclusivo desde que surgiu ao oCendido a ação concernente ao direito líquido e certo; porque. ainda que haja o direito e a pretensão. se essa não é aciondvel não pode correr o prazo preclusivo contra quem não pode agir" (Comentários à Constituição de 1967. Revisto dos Tribunais. 1968. t. 5. p. 352).

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E preciso prestar atenção para não se generalizar. Embora haja matéria de fato, se esta já puder ficar esclarecida com provas documentais pré-constituídas, de modo a não precisar ser ela objeto de apuração, não obstará por si a impetração.

O mandado é proposto contra a ilegalidade do ato da autoridade ou contra o seu abuso de poder.

Mesmo proposto contra um ato de cobrança tributária ele não exige garantia de instância. Por isso mesmo, pelo fato de ser impetrado um mandado de segurança, não fica a Fazenda, em princípio, impedida de propor a ação executiva fiscal.

O que acontece é que o processo do mandado deve ser mais rápido do que o início da execução fiscal (a que nem sempre acontece) podendo, além disso, o juiz conceder desde logo a suspensão liminar do ato atacado pelo mandado. Quando con­cedida a medida liminar, já não poderá ser proposta a execução fiscal, enquanto estiver suspenso o ato impugnado, pois durante o prazo de validade da liminar fica suspensa a exigibilidade do crédito tributário (CTN, art. 151, IV).

Mais uma peculiaridade do mandado de segurança é que ele não impede sejam, por ação própria, pleiteados os direitos e efeitos patrimoniais pelo requerente, como ainda, sempre que não resolva o mérito, poderá ser repetido enquanto não extinto o direito a impetração.

Dos mandados denegacos pelos Tribunais de Justiça, Alçada ou pelo Tribunal Regional~ederal pode caber recurso ordinário ao Superior Tribunal de Justiça (CF, art. 105, II, b) ou extraor­dinário nas hipóteses do art. 102, III, da Constituição 10.

A atual Constituição, pelo item LXX do art. 5.°, veio admitir o mandado de segurança coletivo, que também é cabível em matéria tributária.

10. Recomendamos o estudo sucinto, mas de grande utilidade, sobretudo pro­fissional, do livro Mandado de segurança, açilo popular. açilo civil pública, mandado de in;unção. "habeas data", de Hely Lopes MeireUes, 12. ed .• Revista dos Tribunais, 1989. Sobre o mandado de segurança o autor trata da p. 3 à 81.

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51. A ação de repetição do indébito. Quando ainda não se havia chegado ao pleno conhecimento da natureza ex lege da obrigação tributária e os aplicadores da legislação fiscal, à míngua mesmo de dispositivos especificamente tributários, aplicavam erronea­mente certos preceitos de Direito Privado para solução de casos tributários, era exigido, para a restituição de tributo indevida­mente pago, que" o contribuinte fizesse prova de tê-lo pago por erro, sem o que via de regra era negada a restituição. Isto levava, habitualmente, o contribuinte, a toda vez que, coagido a paga­mentos, procurasse fazê-lo sob protesto. Hoje estes aspectos estão inteiramente superados, pois o que vale é a vontade da lei e não a das partes. O tributo só é devido se legal.

Selucionado de vez esse engano, ao tratar do pagamento indevido, o CTN dispôs no art. 165 que "o sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu paga­mento" (com ressalvas em relação' às estampilhas), nos casos de:

.. I - cobrança ou pagamento espontâneo de tri­buto indevido oú maior que o devido em face da legis­

. lação tributária aplicável, ou da natureza ou circuns­tâncias materiais do fato gerador efetivamente ocor· rido;

II - erro na identificação do sujeito passivo. na determina,;ão da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento;

III - reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória".

Restituição de impostos indiretos

Problema que suscitou muita discussão perante os tribunais foi saber se no caso dos imp<?stos indiretos, como são exemplos o IPI e o ICMS, cujo ônus é transladado expressa ou implicita-

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mente dentro do preço da mercadoria e suportado pelo consu­midor final (contribuinte de fato), o pagamento indevido daria direito à restituição ao contribuinte de direito '~ue o recolheu.

O CTN resolveu este problema, estabelecendo que "a res­tituição de tributos que comportem, por sua r atureza, transfe­rência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente auto­rizado a recebê-Ia" (art. 166) ".

Prazo para propositura da ação de repetição

De outro lado, o CTN estabeleceu que o direito de pleitear a restituição de tributos extingue-se com o decurso do prazo de 5 (cinco) anos a contar das hipóteses que menciona nos itens I e II do art. 168.

Assim a ação de re·petição do indébito, que é uma ação ordi­nária, mutatis mutandis semelhante à ação anulatória, deverá ser proposta dentro do prazo de 5 anos na forma prevista no art. 165 do CTN.

52. A ação declaratória em matéria fiscal. O CPC estabelece no art. 3.° que "para propor ou contestar ação é necessário ter inte­resse e legitimidade" e no ar~. 4.° previu que "o interesse do autor poderá limitar-se à declaraçio:

I - da existência ou da inexistência de relação jurídica;

II - da autenticidade ou falsidade de documento.

Parágrafo único. ~ admissível a ação declarató­ria, ainda que tenha ocorrido a violação do direito".

II. V. estudo casuístico deste tema in Direito tributário. Ruy Barbosa Nogueira. 5.- Coletânea. Bushatsky, p. 71·86. Sobre a inconstitucionalidade do citado art. í66 do CTN, v. o aprofundado estudo de Brandão Machado, "Repetição do indébito no direito tributário", constante de p. 59-106 do livro Direito tributário - Estudos em homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira. São Paulo. Saraiva, 1984.

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Quando tratamos do instituto da consulta no processo admi­nistrativo fiscal, mostramos que nele havia uma certa função de garantia de certeza administrativa, e que o fisco, exigindo o cum­primento das obrigações fiscais desde a fase administrativa, sendo ele órgão do Estado, está na obrigação de esclarecer as possíveis dúvidas, mesmo porque a certeza dos direitos e obrigações é um elemento potencial para seu cumprimento.

Agora, ao chegarmos à ação declaratória, deparamos exata­mente com a ação que tem por função, entre outras, a de escla­recer o direito em tese e daí ser de grande utilidade no Direito Tributário, que é precipuamente um direito obrigacional.

Por meio da ação declaratória pode o sujeito passivo com­parecer a juízo para obter certeza conclusiva, definitiva, da exis­tência ou inexistência de uma obrigação tributária, seja principal, seja acessória, afastando assim, definitivamente, qualquer dúvida fiscal.

A ação declaratória é uma ação ordinária cujo rito é seme­lhante ao da anulatória e, como seu objeto é apenas declarar em tese o direito, não existe gárantia de instância.

Assim, o contribuinte provando desde logo o seu interesse e legitimidade, por uma petição devidamente instruída, submeterá o caso à apreciação contraditória.

Em geral, em matéria tributária, o contribuinte ingressa em juízo visando obter uma sentença declaratória negativa, isto é, a inexistência de uma relação jurídica, ou seja, a negação de preten­sa obrigação fiscal ou. então, que determinada obrigação é menor ou diversa da pretendida e isto porque o contribuinte. em geral. utiliza-se da ação declaratória como meio de prévia defesa.

Entretanto, em face de dúvidas, às vezes pode ocorrer que para não ficar em posição de responsabilidade, especialmente no tocante aos tributos indiretos. em que é contribuinte de jure. debitando o imposto pago (mas ficando responsável pelo paga­mento a menor), pode ir a juízo para obter certeza conclusiva. isto é, final, com os efeitos dé coisa julgada e assim pode ocorrer

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que o próprio contribuinte tenha interesse em obter decisão, ainda que para recolher mais, porém, ter um títülo oponível aos seus próprios compradores.

Em geral, o autor ao propor, mesmo uma ação dedaratória, já entra com seu pedido sustentando um determinado sentido, entretanto, poderá também apenas submeter à apreciação do juiz a dúvida para que ele declare o direito em tese.

Esta ação, como o próprio nome indica, visa apenas decla­rar a certeza jurídica. Pode assim ser proposta preventivamente, mas quando exista no administrativo um lançamento ou um auto de infração, nada impede que independentemente da discussão administrativa em espécie, seja a tese submetida ao Judiciário, por meio da ação declaratória. O interessado poderá, obtendo coisa julgada, utilizar-se da sentença como título para que o próprio órgão julgador administrativo adote o julgado na tese (v. coisa julgada, CPC, arts. 470 e 474).

A ação declaratória, portanto, pode ser utilizada pelo con­tribuinte, visando obter a certeza jurídica perante o Poder Judi­ciário, cuja solução definitiva terá a eficácia de coisa julgada.

Antes de chegar a questão ao Judiciário poderá o contri­buinte, por meio da ação declaratória, obter um verdadeiro pre­julgado no tocante à relação jurídica anteriormente duvidosa, como se presumir com as garantias da coisa julgada contra even­tual pretensão, mesmo em Juízo, pois assim dispõe o CPC:

"Art.474. Passada em julgado a sentença de mé­rito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as ale­gações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido".

53. A ação de consignação em pagamento. Muito se discutiu nos tribunais se a ação de consignação em pagamento. hoje regu­lada pelos arts. 890 a 900 do CPC, poderia ser utilizada no campo tributário.

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Veja-se, por exemplo, o extenso acórdão do Supremo Tri­bunal Federal, publicado na Revista Forense, 211:80-91, onde são citadas várias tentativas rejeitadas.

O CTN, entretanto, resolveu normativamente a questão, estabelecendo as hipóteses dentro do próprio Direito Tributário material, em que se permite o uso daquela ação, nestes termos:

"Art. 164. A importância do crédito tributário pode ser consignada judicialmente pelo sujeito passi­vo, nos casos:

I - de recusa de recebimento, ou subordinação deste ao pagamento de outro tributo ou de penalidade. ou ao cumprimento de obrigação acessória;

II - de subordinação do recebimento ao cum­primento de exigências administrativas sem funda­mento legal;

III - de exigência, por mais de uma pessoa jurí­dica de direito público, de tributo idêntico sobre um mesmo fato gerador.

§ 1.° A consignação só pode versar sobre o cré­dito que () consignante se propõe pagar.

§ 2.0 Julgada procedente a consignação, o pa­gamento se reputa efetuado e a importância consig­nada é co 1Vertida em renda; julgada improcedente a consignação no todo ou em parte, cobra-se o crédito acrescido de juros de mora, sem prejuízo das penali­dades cabíveis".

Entre essas disposições, desejamos chamar atenção para o disposto no item III, porque nos oferece um exemplo bem didá­tico do próprio sistema do CTN, em relação à teoria do fato gerador, matéria várias vezes examinada neste compêndio.

Observe-se que o texto é um verdadeiro ensinamento ao contribuinte, pois diz-lhe em outras palavras: se dois fiscos lhe estão exigindo tributo idêntico, isto é, ambos lhe estão exigindo

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tributo sobre o mesmo fato gerador, um deles lhe está cobrando o indevido, pois salvo exceção constitucional, não podem existir duas pessoas jurídicas titulares de um tributo cujo fato gerador seja o mesmo. Veja-se o que o art. 4.0 estatui: "a natureza jurí­dica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação". A definição do fato gerador está no art. 114 do CTN e, portanto, nos termos <;lo item III do art. 164 não pague a ambos, mas faça a consignação em juízo e peça tutela jurisdicional que o Judiciário decidirá se devido e quem terá direito de receber o crédito, para serem extintos a pretensão e o débito.

Observe-se também que o art. 156, VIII, do CTN incluiu entre as modalidades de extinção do crédito tributário "a consig­nação em pagamento, nos termos do disposto no § 2.0 do art. 164". Este § 2.0 estatui que "julgada procedente a consignação, o pagamento se reputa efetuado e a importância consignada é convertida em renda tO; significa que produz o efeito da extinção, como está previsto no citado item VIII do art. 156.

Portanto, a questão da, consignação judicial em pagamento, da importância do crédito tributário, não comporta mais dúvida, sendo admitida em todos os casos acima transcritos do CTN. Esta ação encontra-se inteiramente regulada pelo CPC, entre os "procedimentos especiais de jurisdição contenciosa", arts. 890 a 900.

Além das ações mais específicas acima tratadas, devemos esclarecer que a Ação PúUica Civil, classificada entre as ações coletivas e prevista pelo art. 129, III, da CF, nos termos do art. 81 da Lei n. 8.078/90, pode alcançar as lesões causadas pela exigência de tributos inconstitucionais. Também a Ação Direta de Inconstitucionalidade e a Ação Declaratória de Constitucio­nalidade, que nos termos do art. 102, I, a, da Constituição (com a redação da Emenda n. 3/93) são processadas e julgadas, origi­nariamente, pelo Supremo Tribunal Federal, dentre outras tam­bém podem ter por objeto certas situações tributárias.

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Capítulo XVIII

O CRÉDITO TRIBUT ARIO E SUAS VICISSITUDES

54. A constituição procedimental definitiva do cré­dito tributário. sua revisibilidade administrativa e a suspensão da exigibilidade para este reexa­me. Demais suspensões.

55. A exigibilidade administrativa do crédito tribu­tário e sua exeqüibilidade judicial.

56. Ga,antias ou privilégios do crédito tributário.

57. A exclusão do crédito tributário.

54. A constituição procedimental definitiva do crédito tribu­tário, sua revisibilidade administrativa e a suspensão da exigibi­lidade para este re'!xame. Demais suspensões. O art. 139 do CTN dispõe que "o crédito tributário decorre da obrigação prin­cipal e tem a mesma natureza desta".

Tal disposição precisa ser bem entendida como verdadeira premissa de toda colocação que o CTN faz da obrigação e do crédito, dentro da teoria dualista, que separa a obrigação en­quanto pretensão e responsabilidade (Haftung) do crédito já como dívida (Schuld).

A pretensão é prévia e hipoteticamente prevista na lei. No momento em que a pessoa realiza o fato previsto, nasce o vínculo, imputabilidade, atributividade e responsabilidade (Haf-

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tung) pela prestação a ser apuraqa (débito, Schuld). Nesse mo­mento também nasce a qualidade de sujeito passivo da obrigação que será, após a determinação, a de devedor.

Isto é claro porque a prestação é um quantum a ser apura­do e fixado em dinheiro para 'Ser pago dentro de um prazo pre­determinado na lei ou que será assinado na notificação.

A obrigação enquanto "pretensão" nasce no momento da realização do fato previsto mas tem de ser determinada, isto é, declarada na sua existência, "quantum", identificação do obri­gado (CTN, art. 142) e prazo legal ou assinado de vencimento, do quê? Do crédito para a Fazenda ou débito para o sujeito passivo. Este será integralmente configurado, instrumentalizado em ato de ciência, aviso ou notificação, como se vê dos arts. 142 e 145 do CTN 1.

O CTN deixa clara a definitividade procedimental do lan­çamento regularmente notificado, dentre outros, pelos arts. 145. 160 e 82, § 2.°. Para todos os efeitos legais, considera-se o cré­dito tributário formalmente constituído na data do ato admi­nistrativo de sua notificação ao sujeito passivo. Nesta data é constituído formal e validamente, corno ato administrativo de­finitivo. O fato de ser excepcionalmente revisível (art. 149) não lhe tira o caráter de ato administrativo formal e definitivo.

Mas se o lançamento é apenas declaratório, não haveria algum engano no texto do art. 139 quando diz que "o crédito tributário dl"\corre da obrigélção principal e tem a mesma nature­za desta"?

Não. Observe-se que não é o lançamento que o Código diz ter a mesma natureza da obrigação principal. O Código diz que

1. Veja-se a clareza da AO·1977:

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§ 155 Lançamento do imposto I. Os impostos são lançados. salvo disposição em contrário, pela auto­

ridade fiscal. através da notificaçiio de lançamento. A notificação de lançamento é o ato administrativo comunicado de acordo com o § 122, inciso I.

§ 122 Comunicação do ato administrativo I. Um ato administrativo deve ser comunicado à parte à qual se destina

ou que por ele for atingida.

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é o crédito. Isto porque "a obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador e tem por objeto as prestações", dis­põe o § 1.° do art. 113. O crédito é a prestação, é o próprio direito creditório "quantificado" e decorrente da apuração da obrigação principal; tem a mesma natureza da obrigação, por­que ele é a própria obrigação depois de apurada e matematica­mente expressa em conceito absolutamente determinado, ou seja, em quantia.

O crédito tributário, em substâ!lcia, tem a mesma natureza da obrigação, por ser dela decorrente ou extraído. Há entre eles uma sepanção no tempo ou em dois momentos: a obrigação nasce com a lei e a realização do fato tributável como "preten­são"; o crédito decorre da obrigação, mas depende para sua determinação de um procedimento administrativo ou de consti­tuição formal, isto é, de declaração de sua existência. quantia, identificação do devedor, e para sua exigibilidade ou eficácia depende da notificação deste ao devedor para pagar o débito no prazo legal ou assinado. A obrigação, enquanto pretensão. é indeterminada, ao passo que o crédito é a sua própria deter­minação.

Como todos os elementos constitutivos têm que ser apura­dos e declarádos pc r meio de um procedimento, que é uma se­qüência de atos em adeados no espaço e no tempo, mas podem ser apurados ou dellarados erroneamente pelo lançamento. isto é, não corresponder!m à verdade ou autenticidade do tridimen­sionalismo jurídico, são feitas estas ressalvas:

Em relação ao lançamento: o lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente (CTN, art. 144). Em outras palavras, isto significa que legalmente o lançamento é apenas ato declaratório, não cria substância mas apenas dá forma ao corpo: ao crédito de­corrente da obrigação.

Em relação ao crédito: as circumtâncias que modificam o crédito tributário, sua extensão ou seus efeitos. ou as garantias ou os privilégios a ele atribuídos. ou que excluam sua exigibili-

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dade, não aletam a obrigação triLIltária que lhe deu origem (art. 140). Em ol,ltras palavras, as vicissitudes (modificativas, di­mensionais, de ~ficácia, de garantias, de privilégios ou apenas da exigibilirlade) do crédito tributário não atingem a obrigação tributária que deu origem a esse crédito, enquanto vicissitudes ou circunstâncias ocasionais. Mas se o crédito for extinto, com ele extinguir-se-á a obrigação (art. 113, § 1.0).

Embora o art. 139 estatua que o crédito tributário tem a mesma natureza da obrigação que lhe deU origem, aqueles outros dispositivos, dentro da harmonia do sistema, ou da teoria do fato gerador, demonstram que a obrigação é "pretensão", é con­ceito indeterminado e que a constituição formal do crédito é aparelhamento para a "exação". O crédito é conceito absoluta­mente determinado, ou seja, a própria obrigação, quando já ex­pressa matematicamente ou no seu quantum. As vicissitudes, a demora ou circunstâncias ocasionais ou os erros desse expres­sionismo não podem afetar a imagem verdadeira da obrigação pintada pela vontade objetivada na lei, porque esta só se cria, só se modifica ou só se extingue por meio do pincel e tinta do legislador, que também demarca o tempo de vida do direito.

Quando examinarmos mais adiante as extinções por causa de fato (pagamento, compensação etc.) e as extinções por causa de direito (decadência e prescrição), melhor poderemos compreen­der essa autonomia entre obrigação e crédito, que ocorre apenas durante o itinerário do pro .::edimento de determinação da obri­gação em crédito, quantia (lU montante em dinheiro.

Portanto, nascida a obrigação e constituído formalmente o crédito pelo lançamento regular, concluído com a notificação ao sujeito passivo. a partir da data desta ciência, está procedimen­tal e definitivámente constituído o crédito.

A partir desta data em que a Fazen_~a exerceu seu direito. apurou, fixou e dele notificou o sujeito passivo, é que cessa de correr o prazo fatal de caducidade para "constituir o crédito tri­butário", como dispõe o caput do art. 173.

A partir desse mesmo dia começa a correr o prazo de pres-

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crlçao da "ação para a cobraTlça do crédito tributário", pois, confonne dispõe o caput do art. 174, os cinco anos para pres­crição da "ação para a cobrança do crédito tributário" são "con­tados da data da sua constituição definitiva" e esta, procedimen­talmente, consuma-se com a notificação.

Mas acontece que, embora definitivamente constituído o crédito, o prazo assinado na notificação, ou na lei, é prazo para cumprimento ou para impugnação, defesa, reclamação etc. Como princípio de liberdade, facilitação e de não-oneração dos meios de defesa, o CTN não admite o odioso princípio do pague para depois discutir ou pedir a restituição do indevido (solve et répe­te). A cobrança ou exigência pode ser legítima, excessiva ou errônea para o sujeito passivo, como também pode estar sendo incompleta ou errônea para a Fazenda. Pode ainda a autoridade lançadora ter de recorrer de ofício.

Daí, embora concluído o lançamento e regularmente noti­ficado o sujeito passivo, permite o art. 145 seja excepcionalmente revisto ou corrigido o lançamento por provocação decorrente de:

I - impugnação do sujeito passivo;

II - - recurso de ofício;

III -- iniciativa de ofício da autoridade admi­nistrativa nos casos previstos no art. t 49.

Este retomo a J lançamento não significa que ele deixe de ser procedimento definitivo e válido. Não, ele continuará defi­nitivo e válido, apenas com sua eficácia paralisada para possi­bilitar o reexame que poderá reafirmá-lo in totum, corrigir de­feitos ou invalidá-lo integralmente.

Para possibilitar essa revisibilidade ou reexame do lança­mento é que o art. 151, III, suspende a exigibilidade do crédito tributário. Nada mais.

Este reexame é feito pela atividade administrativa de lan­çamento, exercida pelas repartições ou órgãos administrativos

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fiscais, singulares ou coletivos, zom funções de apuração como de julgamento de fato e de direito, com colaboração ou não dos próprios contribuintes ou seus representantes, pois todos estão integrados na atividade administrativa de lançamento e subme­tidos aos prazos procedimentais. Os chamados tribunais admi­nistrativos fiscais nada mais são do que órgãos revisores ou sa­neadores de lançamentos tributários.

Partindo da notificação que já superou o incômodo prazo fatal da decadência, a revisão do lançamento tem que estar con­cluída dentro do prazo de prescrição que, precisamente para possibilitar o trabalho procedimental de reexame, suspende a exigibilidade por tempo considerado pela vontade objetivada na lei, não só corno suficiente para terminá-lo (cinco anos), mas ainda com a flexibilidade da sua interrupção judicial, se neces­sária, para ser terminado esse trabalho. Sem esse prazo deter­minado, essa atividade poderia eternizar-se. Eis a função do prazo de prescrição da ação de cobrança que examinaremos mais a fundo adiante, no item 60, ao tratarmos da extinção do crédito por causas de direito, bem como das suspensões dos arts. 151 a 155.

55. A exigibilidade administrativa do crédito tributário e sua exeqüibilidade judicial. O que é importante deixar bem fixado neste item é em que mom( nto se considera o crédito tributário da Fazenda definitivamente constituído para os efeitos procedi­mentais da exigibilidade ou cobrança administrativa e em que momento, esgotada esta fase, sem êxito ou independentemente dela, deve ser feita a inscrição administrativa como dívida ativa para a exeqüibilidade judicial.

Concluído o lançamento original ou revisado, pela respec­'tiva notificação ao sujeito passivo ou, nos casos de inadimple­mento do autolançamento (não transformado em lançamento de ofício), vencido o tempo de pagamento (art. 160), o crédito pas­sa a ser exigível c: entram em funcionamento os meios adminis-

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trativos de cobrança amigável ou de constrições administrativas. tais como: juros de mora (art. 161) sem prejuízo das penalidades cabíveis (como exemplo nos casos dos impostos de autolança­mento), correção monetária e certas garantias e privilégios do crédito tributário (CTN, Cap. VI, Tit. II 1).

Portanto, é esse o momento da exigibilidade administrativa, da cobrança administrativa pelos meios legais.

Já vimos que alguns diplomas legais instituíram dentro da administração fiscal federal as chamadas sanções políticas para, já na órbita administrativa, dificultando o acesso ao Poder Ju­diciário, impor interdições ao devedor em mora. A nosso ver essas disposições estão revogadas pelo CTN, pois este, tendo disciplinado o sistema tributário como legislação complementar da Constituição, não as reproduziu, nem mesmo dentro das nor­mas gerais de Direito Tributário.

Quando o art. 183 do CTN reza que .. a enumeração das garantias atribuídas neste Capítulo ao crédito tributário não exclui outras que sejam expressaJ1lente previstas em lei, em função da natureza ou das características do tributo a que se refiram", não as placitou, nem as poderia ter placitado. Não só porque o STF, soberanamente, já :IS julgou inconstitucionais, como porque não constituem garantia; nem privilégios do crédito tributário. O atual Regulamento do Irr. posto de Renda as compendiou nos arts. 707 a 710, sob o título "Das medidas de defesa do crédito fiscal".

Também não I) são. São apenas medidas ditatoriais, eivadas do máximo vício jurídico-formal que é a ilegitimidade constitu­cional já decidida pelo Supremo Tribunal Federal. O devedor em mora não é infrator.

O não-pagamento dentro do prázo configura mora, com as conseqüências desta, mas não configura infração, pois não está mais em risco ou perigo o descumprimento da obrigação tributária (Haftung) já apurada, fixada no seu quantum (Schuld). Nesta fase o fisco não está mais fazendo oponibilidade ao gene­ricamente obrigado, mas ao especificameJ;lte identificado como

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devedor. O devedor está no tempo e no espaço em mora de paga­mento e não em infração da legalidade fiscal 2.

O devedor em mora está sujeito à execução forçada judicial dentro do due process of law, com as garantias constitucionais do contraditório e jamais pode ser entregue à execução nas mãos do próprio credor. Essas sanções políticas são resquícios do ancien régime anterior à Revolução Francesa. Não têm cabimen­to dentro do atual Sistema Tributário Nacional.

Essa forma manu milita'; de cobrança administrativa é, pois, absolutamente ilegítima e não deve ser mais tentada pelo fisco federal, porque já foi excluída da ordem jurídico-tributá­ria, por uma torrente uniforme de julgados e pelo CTN que a não acolheu.

Na verdade a cobrança administrativa, quer seja a chama­da amigável ou mediante as constrições fisco-administrativas le­gítimas não é sequer obrigatória, mas antes questão de comodi­dade, rapidez e conveniência da administração, pois, em geral, o próprio obrigado, quando prima facie a entende legítima, não só tem dever, mas interesse em pagar o devido. A discussão é onerosa e muitos são os percalços. Dificilmente discutirá sem interesse econômico ou moral, tanto mais em face do sistema de atualização monetária dos débitos fiscais. Assim como o con­tribuinte não precisa esgotar os meios administrativos de dis­cussão, podendo ir diretamente ao Judiciário por meio das res­pectivas ações, também a Fazenda Pública, esgotado o prazo

2. Já em 1948 tratamos deste tema, assim concluindo:

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Enno Becker. o autor do projeto convertido no Código Tributário da Ale· manha. considerado o mais perfeito diploma fiscal do mundo. comentando este Código, aborda o problema. negando a possibilidade da autuação em tais casos.

Terminando a argumentação, após citar ainda decisão do Supremo Tribu­nal da Prússia, diz: "como expõe com razão Jadesohn, em Steuerarchiv (Ar­quivo Tributário), 1925, p. 373, contraria diretamente a opinião corrente. assi­nalar·se como infração u'a mora no pagamento".

Aliás, se a falta de pagamento pode ser porque o contribuinte tenha querido aplicar o dinheiro de outra forma. pode ainda ter sido por insolvabilidade ou mesmo porque, entendendo não devido o tributo, queira escolher a forma de defesa por embargos ao Executivo.

(V. Problemas do imposto de consumo, RDA. 16:350-9. especialmente p. 358.)

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fixado pela lei ou por decisão final em processo regular, diz o art. 201 do CTN, inscreve o crédito como dívida ativa tributária para, como já vimos no item 48 deste compêndio, aparelhar o título executivo extrajudicial e promover a execução fiscal em juízo.

Portanto, a exeqüibilidade do crédito tributário nasce a par­tir do momento em que a repartição competente extrai do termo de inscrição da dívida ativa a certidão prevista no parágrafo úni­co do art. 202 do CTN, a qual, como já vimos, goza da presunção relativa de certeza e liquidez e tem o efeito de prova pré-consti­tuída. € nesse momento que, formalizado o título executivo ex­trajudicial (CTN, arts. 201 a 204, e CPC, art. 585, VI), nasce a exeqüibilidade ou possibilidade de a Fazenda Pública apresen­tá-lo em Juízo e com base nesse título pedir a tutela jurisdicional para a legítima execução fiscal do devedor inadimplente ou em mora. O devedor tributário em mora está sujeito às conseqüên­cias da mora e forçado a responder por essas em juízo cível e não mais à autuação, multas punitivas e muito menos a sanções polí­ticas ou interdições ditatoriais. A mora de pagamento não é in­fração da legalidade, é situação de fato no contexto do regime monetário e perante o próprio direito creditório o credor dispõe do aparelhamento iudicial para excutir o débito.

O próprio legi ,lador ordinário tem que obedecer ao preceito constitucional de q ue a lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário a esão ou a ameaça a direito (art. 5.°, XXXV).

Ora, os dispm itivos compendiados nos arts. 927 e segs. do RIR, oriundos dos Decretos-leis n. 5, 42, 3.336 e outros, são inconstitucionais. purque pretendem substituir o Poder Judiciá­rio pela auto-execução fiscal, pelo meio oblíquo de interdições de estabelecimentos e atividades da ordem econômica e da livre iniciativa garantidos pela Constituição (art. 170).

Portanto, a exeqüibilidade do crédito fiscal somente advém da dívida ativa inscrita e não pode ser feita por meio daquelas sanções políticas de "devedor remisso", mas somente por meio do Poder Judiciário, a quem pode ser pedida a tutela jurisdicional da execução fiscal já examinada.

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56. Garantias ou privilégios do crédito tributário. Este é o títu­lo do capítulo que compreende os arts. 183 a 193 do CTN.

Desde logo cabe uma interrogação. Se o fisco é uma das partes na relação jurídica; se o Estado soberano ao legislar esgota o ato de seu poder na estrutura jurídica, de modo que a relação jurídica passe a tratar igualmente todas as partes dessa relação e na relação jurídico-tributária as partes são o fisco e o cidadão­contribuinte, como se pode entender que além de garantias uma das partes goze de privilégio?

Maurice Lauré, em seu Tratado de política fiscal, Capítulo XX, sob o título "Primado das relações humanas" 3, compendia uma série de excessos, vantagens e privilégios que o Estado­fisco se arroga e não concede correspondentes ao contribuinte, demonstrando a falta de fair play da própria legislação fiscal.

Também é notável o prefácio que o grande civilista Georges Ripert, autor da clássica obra A regra moral nas obrigações ci­vis • faz ao livro Teoria da fraude em direito fiscal neste mesmo sentido, demonstrando que muitas leis fiscais têm apenas a apa­rência de leis, porque sendo discricionárias em certos pontos, nesses são mais "ordem do soberano que regra legal" e provo­cadoras da fraude; que o legislador deve dar o bom exemplo, porque "o desrespeito à regra jurídica é sem dúvida uma falta moral. mas é ainda necessário que a ordem do Estado soberano também esteja de conformidade com a regra moral":;.

Exemplo de legislação discriminatória, entre nós, já apon­tamos no item anterior, como as de interdições de atividades do devedor em mora, e realmente é necessária a correção de excessos e privilégios ilegítimos que perturbam a justiça e harmonia fiscal.

Mas no caso deste capítulo, serão mesmo "privilégios", ou apenas disposições decorrentes da natureza do interesse público, da destinação pública dos tributos?

3. Traité de politique fiscale. Paris. Presses Universitaires de France. 1957. p. 383-407.

4. La regle morale dans les obligalions cil'i1es. Paris. Librairie Générale. 1925. 5. Gaston Lerouge. Théorie de la fraude en droil fiscal. Paris, Librairie Géné­

rale. 1944. Préface, p. IX a XVII.

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Na verdade, o próprio CTN traça o fundamento ou ratio essendi dessas garantias ao crédito fiscal, dizendo que elas se legitimam somente quando "expressamente previstas em lei, em função da natureza ou das características do tributo a que se refiram" (art. 183).

Assim, por exemplo, o art. 184 dispõe que "sem prejuízo dos privilégios especiais sobre determinados bens, que sejam pre­vistos em lei. responde pelo pagamento do crédito tributário a totalidade dos bens e das rendas, de qualquer origem ou nature­za, do sujeito passivo, seu espólio ou sua massa falida, inclusive os gravados por ônus real ou cláusula de inalienabilidade ou impenhorabilidade, seja qual for a data da constituição do ônus ou da cláusula, excetuados unicamente os bens e rendas que a lei declare absolutamente impenhoráveis".

Essa disposição de garantia do crédito tributário deixa claro que se de um lado o tributo na sua tipificação fática, para nasci­mento, está vinculado a determinados eventos ou realizações do sujeito passivo, ou esclarecendo melhor, por meio de exemplos: se um cidadão compra um imóvel. paga um imposto sobre o ato da transmissão onerosa; se recebe um imóvel em inventário, paga um imposto sobre a transmissão gratuita; se recebe honorários, paga imposto sobr ~ esse rendimento. Porém, para efeito da res­ponsabilidade do ~ agamento não é apenas a quantia ou bem que ingressou para seu patrimônio que responde, mas a totalidade de seu patrimônio. o que é justo e necessário como garantia do crédito tributário.

Também esse dispositivo altera o regime de preferência do direito privado. Assim, por exemplo, o CC, nos arts. 1.554 a 1.571. tratando do "concurso de credores", estabelece as regras "das preferências e privilégios creditórios", mas essa disposição do CTN a ela se sobrepõe, com a disposição do art. 184, pelo caráter de direito obrigacional público do crédito tributário.

Vejamos outra disposição. Diz o art. 185:

.. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo

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em débito para com a Fazenda Pública por crédito tri­butário regularmente inscrito como dívida ativa em fase de execução".

Esta medida não é só de defesa do crédito tributário, mas também justa, pois protege contra a fraude o crédito que já tem a presunção de liquidez e certeza, já instrumentalizado em título executivo extrajudicial e exeqüendo. f uma precaução não só para a Fazenda, mas para que o fraudador, com suas artimanhas, não prejudique a própria comunidade dos demais contribuintes, não fraude a própria execução fiscal judiciária ".

Nos arts. 186 a 193 trata mais minuciosamente das prefe­rências. dispondo logo o art. 186 que "o crédito tributário prefere a quaisquer outros. seja qual for a natureza ou o tempo da cons­tituição destes. ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho". Esta medida demonstra que o Estado, mesmo pondo em paralelo o seu interesse fiscal, dá preferência ao crédito resul­tante da relação de emprego. f influência da justiça social. Toda­via o mesmo CTN, no momento de disciplinar o fato gerador do imposto de renda, incluiu para os efeitos da incidência como renda tributável "o produto do trabalho" como os "proventos de qualquer natureza" (art. 43, I e II). f certo que "determinados créditos decorrentes da legislação do trabalho" ao serem recebi­dos incidem no imposto. Mas a tributação da renda do trabalho ou de proventos incide err função da capacidade contributiva que também é critério de j Jstiça social.

O art. 187 exclui a cobrança judicial do crédito tributário do concurso de credores ou da necessidade de habilitação em falência, concordata, inventário e arrolamento, e no parágrafo único desse artigo institui o concurso de preferência somente entre pessoas jurídicas de direito público.

Em primeiro lugar o crédito tributário da União; em se­gun~9 lugar o dos Estados, Distrito Federal e Territórios, con-

6. A Lei n. 8.397, de 6 de janeiro de 1992, instituindo medida cautelar fiscal. criou ainda maiores privilégios à Fazenda Pública.

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juntamente e pro rata; em terceiro o dos Municípios, conjun­tamente e pro rata.

A expressão latina é pro rata parte. que significa em pro­porção. Geralmente se empregam só as duas primeiras palavras. pro rata. e entrou para o vocabulário jurídico, significando que num rateio cada um paga ou recebe a parte que lhe toca na pro­porção desse cálculo. Rateio vem de ratu. particípio passado do verbo latino reo, que significa calcular. Portanto, pro rata ou rateio é cálculo proporcional.

57. A exclusão do crédito tributário. Diz o art. 175 do CTN:

Excluem o crédito tributário:

I - a isenção;

II - a anistia.

Dentro do princípio de que as vicissitudes do crédito tri­butário. dentre elas as ql.1e excluem a exigibilidade do próprio crédito. "não afetam a obrigação tributária que lhe deu origem" (art. 140), o parágrafo único do art. 175 dispõe que a isenção e anistia, embora e) cludentes do crédito tributário, não dispensam do cumprimento c.as obrigações acessórias que decorrem da obri­gação principal. cujo crédito seja excluído. ou conseqüente da mesma obrigação.

Isto está não só de acordo com a autonomia ou separação que já vimos entre a obrigação e o crédito. mas demonstra que, sendo a obrigação mais genérica do que o crédito. ou seja. sendo o crédito uma especificação quantitativa da obrigação. desta di­manam regras gerais ou normativas permanentes. Isto é. a exclu­são do crédito, quer por meio da isenção, quer por meio da anistia, é concedida dentro de determinadas ou eventuais regras, condi­ções. tempo. cláusulas etc .. controlados por meio das chamadas obrigações acessórias, previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos (§ 2.° do art. 113 do CTN). Assim sendo, embora o obrigado seja titular de isenção ou de anistia,

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continua preso a certas obrigações acessórias. Já tem mesmo ha­vido casos de exclusões em que o favorecido deixa de usufruí-las, por preferir não ficar sujeito às obrigações acessórias. Certas leis deixam até, expressamente, à escolha do obrigado. Neste sentido dispõe, por exemplo, o art. 41 do Regulamento do IPI (Decreto n. 87.98], de 23-12-1982):

"E facultado ao titular da isenção renunciar ao benefício, mediante prévia comunicação à unidade local da Secretaria da Receita Federal".

Quanto ao estudo da isenção. já o fizemos às p. 169-75. Examinemos a anistia. O art. ]80 dispõe que "a anistia

abrange exclusivamente as infrações cometidas anteriormente à vigência da lei que a concede".

Que vem a ser anistia?

A palavra anistia, de origem grega, no latim era amnestia. significando esquecimento. Por ato da indulgentia principis, da­va-se em certas circunstâncias a anistia, que assim veio ingressar para o vocabulário jurídico-penal como perdão, graça, indulto. extinguindo a punibilidade. Como ressalta Francisco Campos na Exposição de Motivos do CP de 1940, "deve dizer-se ... com acerto, que o que cessa é a punibilidade do fato, em razão de certas contingências ou por motivos vários de conveniência ou oportunidade política. A anistia é, pois. um dos casos de extin­ção de punibilidade".

Em seu excelente livro sobre a teoria do ilícito fiscal, Ange­lo Dus demonstra a diferença substancial entre "Direito Penal" e "Direito Tributário Penal". No primeiro a pena tem caráter essencialmente aflitivo e preventivo; no segundo intervém so­bretudo a razão fiscal. Traçando a natureza do ilícito fiscal, res­salta que este lesa o direito subjetivo patrimonial do ente político e infringe a potestade do direito de tributar, constituindo uma ofensa ao interesse fiscal do Estado ou ente público 7.

7. Teoria generale del/'iIIecilo fisca/e. Milano. Giufre, 1957, respectivamente p. 16, 8, e 60.

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Qual, pois, o fundamento genérico da anistia em Direito Tributário Penal?

Mais do que no Direito Penal. é basicamente razão de polí­tica fiscal e atendimento de certas conjunturas e circunstâncias também não só de ordem econômica, como em razão de calami­dades. A leitura dos arts. 180 a 182 bem o demonstra, traçan­do regras gerais, excepcionando atos qualificados como crimes e contravenções, dolosos, fraudulentos ou simulados, permitindo, por exemplo, anistia regional em função de condições peculiares etc.

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Capítulo XIX

A EXTINÇÃO DO CR':'DITO TRIBUTARIO

58. Síntese da constituição deFinitivo-formal e das vicissitudes do crédito tributário. para esclare­cer suas causas de extinção.

59. Causas de fato da extinção do crédito tributário.

60. Causas de direito da extinção do crédito tribu­tário.

58. Síntese da constituição definitivo-formal e das vicissitudes do crédito tribut( rio, para esclarecer suas causas de extinção. Vimos que a lei estatui hipóteses de incidência (cf. CTN, arts. 104, II, e 114) e que o indivíduo, realizando o fato típico, incide no tributo DU pretensão da Fazenda Pública.

A pretensão desta é apurada e fixada pelo lançamento re­gular que termina por um ato de comunicação do débito para que o devedor o pague em determinado prazo ou, se não estiver de acordo, o conteste.

Este prazo é necessário para dar espaço de tempo para o obrigado poder pagar ou elaborar sua impugnação.

O ato administrativo regular é válido e eficaz. Se o devedor satisfizer o débito ficam extintos a obrigação e o crédito.

Se o devedor dentro do mesmo prazo contesta, o ato regu-

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lar e válido fica com sua eficácia suspensa para poder ser revisto o lançamento.

Se a Fazenda notificou o sujeito passivo dentro do prazo de decadência do direito de lançar, exerceu tempestivamente seu direito. Não há mais falar no prazo fatal ou cronológico de ca­ducidade, porque a Fazenda já o superou. Começa porém a cor­rer, da data da notificação, o prazo interrompível da prescrição da ação de cobrança do crédito (art. 174). Durante a suspensão da exigibilidade continua a correr o prazo de prescrição contra a Fazenda credora porque o ato administrativo de lançamento é imputável ou cabe à administração, privativamente (art. 142). Se o lançamento é irregular, sua revisibilidade é uma oportunida­de de saneamento que a lei confere à administração e ela está obrigada por lei a operar essa convalidação dentro do prazo de cinco anos, judicialmente interrompível por parte da própria credora.

Se dentro do prazo de prescrição (salvo interrupção judicial promovida pela Fazenda ou reconhecimento do devedor), a Fa­zenda por seus órgãos lançadores (autoridades fiscais, órgãos ou tribunais administrativo-fiscais) não terminar esse saneamento com a notificação regular do lançamento revisado, extingue-se por prescrição a ação para cobrança do crédito tributário (seja lançamento direto, misto ou autolançamento), nos termos do art. 174.

Se o devedor notificado dentro do prazo prescricional, do lançamento revisado, não pagar nem contestar; vencido o prazo de pagamento ou recurso, o ato válido, que estava com sua efi­cácia suspensa durante o prazo que &uspendeu é1 exigibilidade, passa a exigível pelos meios das constrições administrativas de cobrança (juros de mora, correção monetária etc.) ou inscrição da dívida ativa, tornando o crédito exeqüível judicialmente.

Feita esta síntese das situações mais gerais e comuns, veja­mos também, de modo geral, as causas de extinção.

Para maior clareza didática, procuremos agrupar os casos de extinção, pelo que tenham de comum na sua natureza, pes-

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quisando na própria formação do crédito os elementos essenciais e acidentais do fato gerador que são suficientes, cada um, para causar a extinção do crédito.

Já vimos que primeiramente tem que existir em abstrato a descrição da hipótese de incidência no texto da lei material para existir a pretensão; que o sujeito passivo realize em concreto o fato típico (elementos constitutivos de direito material) e que o lançamento. que é de direito formal, apure e declare a obrigação em quantia e notifique o devedor. do quê? Do crédito ou quan­tum e de seu vencimento.

Se para essa "constituição formal" do crédito concorrem elementos de fato. de direito material e formal. é evidente que esses diferentes elementos componentes estejam sujeitos a vicis­situdes substanciais ou formais que, conforme a natureza de cada circunstância, produzam conseqüêncic:s circunstanciais ou defi­nitivas. São elementos fáticos ou normativos.

Em razão da natureza e estrutura de Direito Público da obrigação tributária (ex lege), as causas de sua extinção são pre­vistas ou enumeradas na lei. Assim como vige o princípio nullum tributum sine lege scripta para proteção do cidadão-contribuinte devêdor, também para a proteção do crédito tributário, na extin­ção continua vige ldo o correspondente princípio de que 'não há extinção sem pre\isão legal. As causas de fato da extinção, po­deríamos dizer para efeito de esclarecimento. são tipificação de efeito negativo nt' sentido de que extinguem o direito ou reco­nhecem o fato c(mo modalidade de satisfação da pretensão e desobrigam definitivamente o devedor.

Tendo-se em vista essa estrutura de Direito Público, pode­mos com clareza destacar os aspectos de fato e os de direito. As situações fáticas operam por si, isto é, pela sua própria ocorrên­cia ou porque houve de fato adimplemento (exemplo. o paga­mento) ou porque condições exteriores excluíram a atuação da lei (exemplo, a confusão). Veja-se que para estas situações fáli­cas, excludentes, não é mais necessária nova e especial disposi­ção de lei. Não há, por exemplo, dispositivo do CTN dispondo

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sobre a confusão, nem é necessário porque de fato se confundem na mesma pessoa titular as qualidades de credor e devedor. Como o direito nasce do lato (ex facto oritur jus), tirada a causa, cessa o eleito (sublata causa, tollitur eflectus) 1. Isto tudo é evidente, porque os fatos se subsumem, ou não, à norma. Se o fato deixa de existir, ipso facto se extingue a relação jurídica que o tinha por subjacente, porque desaparecem o fato e o vínculo.

Também tendo-se presente a estrutura jurídico-tridimensic­nal, podemos com clareza ver que as causas de direito da extin­ção são o desaparecimento do direito (norma). Só existe em decorrência de texto expresso. E o caso de decadência ou da prescrição. E imprescindível, no caso tributário, que haja um texto de lei prefixando o tempo de vida do direito de impor e o tempo de vida do direito de ação para cobrar o crédito tributário.

O texto da legislação material diz que o direito de imposi­ção é de cinco anos calendário, a começar do nascimento desse direito. Se ele não é válido e oponivelmente exercido dentro des­se prazo fatal, caduca, morre por caquexia da senectude.

A legislação formal, que regula o direito de ação, diz que o prazo de prescrição da ação de cobrança é de cinco anos a contar da constituição do crédito, interrompível por ato judicial do credor ou de reconhecimento do devedor. Se dentro dessas cLldições legais a ação judicial de cobrança não se inicia, fica prescritl. ~. ação de cobrança, porque extinguiu-se no tempo o direito de ação.

Assim como o desaparecimento do fato ou relação fática impossibilita a subsunção, o desaparecimento do direito (norma) impossibilita a subjunção. O fato pode subsistir como fenômeno, mas não tem mais imputabilidade legal, porque o direito (norma) desapareceu.

Assim, no instituto da extinção poderemos, para clareza, subdividi-la em conseqüência de eventos e situações de fato atri-

1. Na ordem privada. dispondo sobre os ereitos das obrigações. no capitulo sobre a confusão. eSlatui o CC: "Art. 1.049. EXlingue-se a obrigação. desde que na mesma pessoa se conrundam as qualidades de credor e devedor". Veja·se que a expressão "desde que" apenas se reporta ao fato superveniente: confusão.

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buíveis ao devedor e em virtude de disposições de direito subs­tantivo ou procedimental, decorrentes da vontade objetivada na lei e, no caso, do poder de autolimitação do próprio Estado.

Assim sendo, temos: 1.°) Causas de lato da extinção: extinção em virtude de

eventos ou situações de fato, supervenientes.

2.°) Causas de direito da extinção: extinção decorrente de disposições legais - umas atingindo o próprio direito material ou substantivo (fato gerador) ou mesmo' a lei em abstrato (hipó­tese de incidência) e extinguindo o próprio direito de tributar, de lançar, enfim o próprio direito subjetivo; outras atingindo o direito formal e extinguindo o único e definitivo meio de cobran­ça, ou seja, o direito de ação para cobrar o crédito tributário. (A cobrança amigável ou pelo meio indireto de constrições admi· nistrativas,' já vimos, não é fonnalidade sequer obrigatória, ou melhor, é faculdade ou medida opcional (discricionária) da admi­nistração fiscal; a obrigatória e conclusiva é a ação judicial. Extinta a possibilidade desta, está ipso jure extinta a cobrança administrativa) 2.

59. Causas de fato da extinção do crédito tributário. Das dez causas enumeradé s no art. 156 do CTN, são causas ou modali­dades de direito ~Jmente as do item V - a prescrição e a deca­dência; as demais são modalidades ou causas de fato.

Examinemos, primeiramente, cada uma das nove modalida­des de 6xtinção pl)r causa de fato, neste § 59, itens I a IV e VI a X, para examinannos, em seguida, o item V, no § 60, a pres­crição e a decadência.

I - O pagamento

o pagamento é a fonna nonnal de satisfação da obrigação principal. Dispõe o §. 1.0 do art. 1 13 que a obrigação principal

2. DeWe a edição mimcografada e editada pelo Centro XI de Agosto, em 1957, p. 91 e S., deste compêndio, como na .. " edição linotipada, Bushatsky, 1964, p. 153 a 174, expusemos esta temática, que agora procuramos desenvolver.

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"tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniá­ria e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente". Para operar a extinção, o pagamento tem de ser integral. A im­posição de penalidade não ilide o pagamento integral (art. 157), e, se não pago integralmente o crédito no vencimento, é acrescido de juros de mora, sem prejuízo de penalidades cabíveis ou de medidas de "garantias (art. 161). Se a lei ordinária não dispuser de modo diferente, a taxa dos juros de mora será de um por cen­to ao mês. Se dentro do prazo de pagamento o devedor tiver feito consulta cabível, na pendência ou tempo que a repartição demorar para respondê-la, não vencerão os juros moratórios (arts. 161, § 2.°, e 100, parágrafo único).

Quando a legislação tributária não dispuser a respeito, o pagamento é efetuado na repartição competente do domicílio do sujeito passivo (art. 159). A dívida é portable, isto é, o devedor é que tem de levar o pagamento ao credor. A legislação permi­tiu, em vários casos, ,~ue mediante autorização, os bancos pos­sam arrecadar tributos por incumbência das respectivas reparti­ções. Temos assim a inclusão da rede bancária no serviço de arrecadação, o que muito facilita ao contribuinte, que antes aguardava em filas intermináveis, à espera do serviço burocráti­co de arrecadação.

Diferentemente do Direito Privado em que no pagamentc por cotas periódicas a quitação da última estabelece, até prova em contrário, a presunção dt estarem solvidas as anteriores (CC, art. 943), o pagamento de um crédito tributário não importa em presunção de pagamento, quando parcial, das prestações em que se decomponha, nem quando totaI, de outros créditos referentes ao mesmo ou outros tributos (CTN, art. 158).

Quanto ao tempo de pagamento, dispõe de modo geral o art. 160 que quando a legislação tributária não fixar o tempo d~ pagamento, o vencimento do crédito ocorre trinta dias depois da data em que se considera o sujeito passivo notificado do lan­çamento, podendo a legislação tributária conceder desconto pela antecipação do pagamento, nas condições que estabeleça.

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Cometendo verdadeiro abuso contra o princípio de liberda­de, garantia e facilitação dos meios de defesa dos acusadol:>, já vimos que certas leis fiscais vêm concedendo descôntos de meras pretensões de crédito apenas acusadas em autos de infração e levantamentos fiscais para que o contribuinte. "renunciando" à defesa, os pague sem discutir. Não é para essa finalidade de cer­ceamento de defesa que o CTN autoriza tais descontos. Já vimos que nesse sentido não pode a lei ordin~ria instituÍ-los porque tais medidas são coercitivas, são expressão de fiscalismo contra o livre acesso ao Poder Judiciário e ao da ampla defesa.

Se até na ordem privada a Constituição prevê a "repressão ao abuso do poder econômico", não é crível que o Estado-fisco exacerbe o quantum das multas para, apenas lavrada a acusação fiscal. acenar com descontos para que o sujeito passivo, atemo­rizado pelas quantias, correçã.o monetária e outros ônus, se veja impedido de discutir, premido entre a liberdade de pedir justiça e o abuso econômico de oferecimento de desconto antes de apu­rado, definitivamente, o crédito.

Assim, por exemplo: o Decreto-lei federal n. 34, de 18 de novembro de 1966, sobre IPI, que é imposto indireto, em que o contribuinte de direito é um arrecadador por obrigação acessória semelhante ao ml nus público, além de prever "multa básica de 150% do valor dI) imposto", e da correção monetária, dispõe:

Arl. 9.° Iniciado o procedimento fiscal. median­te a la\ ratura do competente auto, representação ou peça análoga, será o acusado intimado a efetuar, no prazo dt 30 dias, o pagamento da multa em que houver incorrido. bem como do imposto, cujo débito houver sido apurado (silecet, apenas acusado) ou apre­sentar defesa escrita no mesmo prazo.

§ 1.° O acusado gozará de 50% (cinqüenta por cento) do valor da multa s~ liquidar o débito exigido no prazo fixado na intimação, perdendo o direito à mesma se procurar a via judicial para contraditar a exigência.

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Infelizmente este exemplo que é uma distorção da per­missão do CTN, pois este apenas permite desconto por anteci­pação de pagamento de crédito devido e não apenas para pre­tensão constante de mero ato inicial de acusação, já tem sido seguido por Estados e Municípios em suas legislações tributá­rias, mas precisam ser eliminados por constituírem flagrantes inconstitucionalidades. .

Tendo o art. 3.° conceituado como tributo "toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir" ___ , o CTN· afastou da natureza jurídico-formal tri-butária a prestação em espécie, a que o vocabulário jurídico deu o nomen juris de munus. As prestações em espécie eram nos primórdios e ainda são hoje, entre si1vícolas, tributos in natura e tributos in labore.

Todavia, convém deixar esclarecido que o Estado jamais abriu mão das pretensões em espécie, sejam in natura ou in labore. Assim, além dos tributos propriamente ditos (impostos, taxas e contribuições) do sistema tributário, que já examinamos especialmente no Direito Constitucional Tributário, o Estado continua a exigir dos particulares bens e sobretudo serviços em espécie, mas não lhes dá mais a estrutura de tributos, mesmo porque sendo recebidos em espécie, não necessitam da técnica do lançamento. Já são valores em espécie por si e em si já espe­cificados e recebidos em unidades de prestação. Estão no regime de múnus público, assim já registrados nos dicionários:

"Múnus púb!ico. O que procede de autoridade pública ou da lei, e obriga o indivíduo a certos encar­gos em benefício da coletividade ou da ordem social" (Dicionário Aurélio).

Munus é precisamente o singular de munera, que nos tem­pos romanos era a denominação e conceito de tributos. Quem não estava sujeito ao tributo tinha immunitas, que veio dar origem a ~osso termo imunidade 3. Já vimos ser hoje a imunidade

3. "Sous les bas empire romain. par exemple. lorsque les chargcs locales appe­lées numera devinrent écrasantes. ii était accordé aux particuliers toute espece de privi-

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categoria constitucional, de exclusão do próprio poder de tribu­tar (v. Imunidade).

Pois bem.

Se é verdade que criada a moeda como medida de valor das trocas, o tributo passou a ser recebido em pecúnia e por isso o art. 3.° do CTN estatui que o "tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir"; em harmonia com o art. 3.°, o art. 162 dispõe que o pagamento do crédito tributário é efetuado:

I - em moeda corrente, cheque ou vale postal;

II - nos casos previstos em lei, em estampilha, em papel selado, ou por processo mecânico.

Portanto, está claro que o crédito tributário é só em moeda e que o Direito Tributário formalmente não disciplina as presta­ções em espécie, a não ser as chamadas obrigações acessórias.

Isto, todavia, não quer dizer que as autênticas prestações em espécie não continuam a existir. Continuam muitas a existir e a serem exigidas, além dos tributos em pecúnia.

Exemplo ben nítido estava no texto literal da anterior Cons­tituição, isto é, a .>restação em espécie e o tributo, até como alter­nativa:

Art. 178. As empresas comerciais, industriais e agrícolc:s são obrigadas a manter o ensino primáriQ gratuito de seus empregados e o ensino dos filhos des­tes, entre os sete e os quatorze anos,

ou

a concorrer para aquele fim, mediante a contribuição do salário-educação, na forma que a lei estabelecer.

I~ges plus au moins iIIegilimes, lanl el si bicn que I'exemplion d'impôl - immullitas ou exonéralion du munus pnrliculier - devinl J'expression désignanl I'exemplion général el s'esl perpéluée dans nolre moI modeme immullité. E. Seligman, L'im~t lur le rcvellu, Paris, 19\3, p. 27.

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Se como vemos da primeira parte do art. 178 essa prestação do serviço de ensino é compulsória e gratuitamente exigida em espécie pelo Estado, é um tributo em espécie que hoje se deno­mina, e é disciplinado, como múnus público.

Aliás, já ao tempo da Carta Magna, o scutage nada mais era do que um tributo pago por quem não queria prestar o serviço de cavaleiro annade.·. Hoje ainda na Suíça o cidadão pode prestar o serviço militar ou pagar um tributo substitutivo dessa obrigação, confonne Lei federal de 12 de junho de 1959~. O Decreto-Iei n. 1.034, de 21 de outubro de 1969, instituiu no Brasil o serviço ostensivo de vigilância dos estabelecimentos .de crédito, mantido, compulsoriamente, às expensas daqueles esta­belecimentos, no interesse da segurança nacional. A Lei n. 7.102, de 20 de junho de 1983, que revogou o referido Decreto-lei, ampliou os preceitos relativos à segurança compulsória dos esta­belecimentos financeiros. A prestação de serviço gratuito nas eleições, no júri, no serviço militar e tantas outras são prestações em espécie ou de múnus público.

Ainda tratando do pagamento, o art. 163 dispõe sobre a imputação. Na relação privada, estatui o CC sobre a imputação do pagamento nos arts. 991 a 994 e 1.023. Sendo o crédito tri­butário de Direito Público, suas regras são especiais.

Assim reza o CTN:

Art. 163. Existindo simultaneamente dois ou mais débitos vencidos ,io mesmo sujeito passivo para com a mesma pessoa jurídica de direito público, relativos ao mesmo ou a diferentes tributos ou provenientes de pe­nalidade pecuniária ou juros de mora, a autoridade administrativa competente para receber o pagamento determinará a respectiva imputação, obedecidas as se­guintes regras, na ordem em que enumeradas:

4. Do latim Scutum, escudo. No Direito Feudal: tributo cobrado de um habi· tante, a título de taxa de cavaleiro (taxa militar), como substituição da prestação do serviço militar (Webster Dictionary: Scutage).

5. V. Militirpflichtersalz, in System des Steuerrechts, 3. ed., 81umenstein, 1971. p. 291.

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I - em primeiro lugar, aos débito;; por obrigação própria, e em segundo lugar aos decorrentes de respon­sabilidade tributária;

II - primeiramente, às contribuiç5es de melhoria, depois às taxas e por fim aos impostos;

III - na ordem crescente dos prazos de prescri-ção;

IV - na ordem decrescente dos montantes.

II - A compensação

Compensação é um encontro de contas. O CC sobre ela dis­põe, nos arts. 1.009 a 1.024. Em que consiste?

"Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem­se, até onde se ,:ompensarem" (CC, art. 1.009).

Tendo em vista a natureza especial do crédito tributário, o CTN dispõe, para os efeitos da extinção do crédito tributário, nestes termos:

Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as ga­rantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir ;1 autoridade administrativa, autorizar a com­pensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo con­tra a Fazenda Pública.

Parágrafo único. Sendo vincendo o crédito do su­jeito passivo, a lei determinará, para os efeitos deste artigo, a apuração do seu montante, não podendo, po­rém, cominar redução maior que a correspondente ao juro de 1 % (um por cento) ao mês pelo tempo a de­correr entre a data da compensação e a do vencimento.

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lU - A transação

Dispondo sobre esta figura, esclarece o CC que:

E lícito aos interessados prevenirem, ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas (art. 1.025).

Para fins fiscais, o CTN, que tem base no art. 146 da Cons­tituição, veio traçar as seguintes normas gerais ao legislador ordi­nário federal, estadual ou municipal, sobre a transação, nestes termos:

Art. 171. A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, impo!'te em terminação de litígio e conseqüen­te eXi.inção de crédito tributário.

Parágrafo único. A lei indicará a autoridade com­petente para autorizar a transação em cada caso.

Como se vê, o CTN não previu a possibilidade da transa­ção preventiva, pois a incluiu como modalidade de extinção do crédito, portanto é somente sobre o crédito já constituído. O momento preponderante da transação, no próprio direito pri­vado, como acentua Clóvis Beviláqua, é mesmo o extintivo de obrigação e no caso já é sobre esta, quantificada como crédito.

IV - A remissão

Já estudamos a natureza jurídica da obrigação e do crédito tributário e vimos suas características ex lege. A própria ativi­dade de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de res­ponsabilidade funcional. Como, então, será possível a remissão para extinguir o pràprio crédito tributário?

As vezes podem ocorrer situações em que razões econômi­cas, de força maior, de justiça ou de eqüidade, exijam a extinção do crédito.

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Daí o CTN vir traçar regras gerais para orientar os legis­ladores ordinários sobre a remissão, para efeito de extinguir o crédito tributário, mediante certas condições:

Art. 172. A lei pode autorizar a autoridade ad­ministrativa a conceder, por despacho fundamentado, remissão total ou parcial do crédito tributário, aten­dendo:

I - à situação econômica do sujeito passivo;

II - ao erro ou ignorância escusáveis do sujeito passivo, quanto a matéria de fato;

III - à diminuta importância do crédito tribu­tário;

IV - a considerações de eqüidade, em relação co:n as características pessoais ou materiaÍs do caso;

V - a condições peculiares a determinada região do território da entidade tributante.

Parágr-afo único. O despacho referido neste artigo não gera direito adquirido, aplicando-se, quando cabí­vel. o disposto no art. 155.

O art. t 55 é "elativo à moratória, que é causa de suspensão, a qual estudarem( s mais adiante.

v - A conversão de depósito em renda

O depósito na repartição fiscal, em juízo ou em certos estabelecimentos, do montante integral do crédito tributário, à disposição da Fazenda, para efeito de discussão, garantindo a solvabilidade, nos termos do art. 151, II, suspende a exigibili­dade até que fique resolvido o litígio. Uma vez procedente, total ou parcialmente, o crédito,. é feita pela administração a con­versão da quantia reconhecida devida, em renda, e esta opera a satisfação do pagamento devido, com efeito definitivo de ex­tinção do crédito. ~ o que significa o disposto no item VI do art. 156.

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VI- o pagamento antecipado e a homologação do lançamento, nos termos do disposto no art. 150 e seus §§ 1.° e 4.°

Ao estudarmos o lançamento por homologação ou auto­lançamento já vimos que nos termos do caput do art. 150 a atividade do sujeito passivo consiste em autolançamento, ou seja, a própria lei diz que o sujeito passivo é obrigado a praticar por si a atividade de lançamento descrita no art. 142 (mutatis mu­tandis) e, antecipando-se ao próprio exame da atividade admi­nistrativa, recolher no prazo legal o quantum que apurou devido. Que a autoridade, tomando conhecimento da atividade assim (legalmente) exercida pelo obrigado, expressamente a homologa, isto é, a ratifica ou a incorpora à atividade administrativa. Ho­mologada essa atividade funcional que a lei atribuiu ao próprio sujeito passivo, esse pagamento antecipado "extingue o crédito, sob condição resolutiva da ulterior homologação do lançamento" (art. 150, § 1.0).

Esta disposição final é mais uma cautela de proteção ao cré­dito tributário, no sentido de poder ser revisto ou saneado o lan­çamento. Mas como essa situação não pode se eternizar, por uma questão de celeridade das relações tributárias e respeito às garan­tias do obrigado, o § 4.0 estatui prazo de extinção do crédito, que já examinamos e iremos aprofundar um pouco mais no item 60, dentro da ordem sistemática que estamos procurando seguir para conseguir gradação expositiva e facilitar a compreensão.

e interessante observar que embora a Fazehda transfira essas obrigações da própria admiristração, como acessórias mas onero­sas, da atividade de lançamento ao sujeito passivo, por outro lado e para proteção do crédito, nos casos de tributos de auto­lançamento, são estabelecidas várias cautelas. Além de o obrigado ficar sempre sujeito aos controles da fiscalização externa junto aos estabelecimentos e interna das repartições, o § 2.0 do art. 150 estatui:

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Não influem sobre a obrigação tributária quais­quer atos anteriores à homologação, praticados pelo sujeito passivo ou por terceiro, visando à extinção total ou parcial do crédito.

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Qual o significado e alcance desta disposição?

Significa que a matéria da extinção, como já vimos, é ex lege. Não é por ato do particular, mas só em decorrência de fatos previstos na lei ou em razão de dispositivos legais, que o crédito tributário pode modificar-se ou extinguir-se total ou parcialmen­te. O ato de homologação é que transforma o autolançamento em ato administrativo e portanto a partir desse momento é que vincula a administração. Antes a atividade é apenas paraadmi­nistrativa, delegada sob cautelas.

Por isso mesmo, logo a seguir, o § 3.Q diz que aqueles atos anteriores à homologação, praticados pelo particular na ati vida­de do paralançamento ou autolançamento, que tenham visado a extinção do crédito, serão considerados na apuração do saldo por­ventura devido e, sendo o caso, na imposição de penalidade, ou sua graduação. Suponha-se que antes da homologação o sujeito passivo tenha, por exemplo, se creditado no sistema do imposto de valor acrescido· OPI, ICMS), de quantias a maior, extinguindo por pretendido crédito, quantias. Essa sua atividade, antes de homologada, não produz a extinção e pode ser revisada, sem oponibilidade à Fazenda. Foi ato praticado unilateralmente, por conta e risco do sujeito passivo. Porém, se confirmada pela homo­logação, os efeite 5 serão os de ato de responsabilidade da admi­nistração.

VII - A consigllação em pagamento nos termos do disposto no § 2.° do art. 164

A inclusão deste item VII I no art. 156, que especifica as modalidades de extinção, visou dar sistematização, reportando­se aos efeitos da consignação judicial do pagamento para a qual o § 2.° do art. 164 já reza: "julgada procedente a consignação, o pagamento se reputa efetuado e a importância consignada é convertida em renda". Neste sentido a disposição do item VII I já está contida no item VI - a conversão do depósito em renda. Quanto ao estudo da consignação em pagamento, já a vimos no item 53 deste compêndio.

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VIII - A decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória

Esta disposição do CTN veio dissipar dúvida sobre a de­finitividade de certas decisões administrativas em relação à Fazenda. Em várias causas sustentamos que, em razão do prin­cípio nemo potest venire contra factum proprium, quando ter­minada definitivamente na órbita administrativa a solução fiscal de uma questão. sendo solução da própria administração. ela não poderia pretender anulá-la perante o Judiciário, isto é. ficava vinculada por fato próprio, a não ser, naturalmente. em casos especialíssimos. como os de certas nulidades. A questão não era pacífica, pretendendo alguns que o Judiciário sempre poderia dizer a última palavra.

Em face da disposição ora comentada, da legislação com­plementar da Constituição, que veio dar até efeito de extinção do crédito tributário à decisão administrativa irreformável e a conceituação, como sendo aquela que não mais possa ser objeto de ação anulatória (evidentemente por parte da Fazenda que a proferiu e se vinculou aos termos de sua própria decisão), a questão não comporta mais dúvida. Não só é definitiva, extingue o crédito, mas em tais casos a Fazenda não tem legitimatio ad causam nem interesse de agir. O próprio crédito já foi extinto.

IX - A decisão judicial pi ssada em julgado

Esta modalidade de extinção foi naturalmente incluída por mera questão de método da codificação . .t. evidente: a coisa julgada é de efeito absoluto. Nem mesmo a lei poderá prejudicar a coisa julgada, proclama o item XXXVI do art. 5.° da Cons­tituição Federal. O CPC dispõe sobre a coisa julgada, especial­mente, dos arts. 467 a 475.

60. Causas de direito da extinção do crédito tributário. O art. 156 do CTN incluiu, entre as modalidades de extinção do crédito tributário, as seguintes causas de direito:

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x - A prescrição e a decadência

Já estudamos e demonstramos porque estas duas modalida­des de extinção do crédito tributário são causas de direito da extinção; e que só existem quando a lei escrita as prevê.

A decadência é um prazo de vida do. direito, dentro do qual deve ser exercido. Começa com o nascimento do direito e ter­mina fatalmente no termo calendário do prazo. Se o titular não exercer durante esse lapso de tempo fatal o seu direito, após seu vencimento nenhum direito mais lhe assiste. Deixa de ser titular do direito que a ordem jurídica lhe conferiu para que o exercesse dentro do prazo de vida desse direito. Se o não exerceu, não tem mais direito: dormientibus non sucurrit jus.

A prescrição é um prazo para o exercício do direito de ação. Nasce a partir do dia em que o direito apurado e oponível pode ser acionado, ressalvada a impossibilidade por lato pró· prio. O prazo de prescrição da ação pode ser interrompido por ato judicial diligenciado pelo titular da ação, como se vê para o caso tributário, dos itens i a III do parágrafo único do art. 174 do CTN, ou por ato inequívoco. ainda que extrajudicial. do de­vedor, que importe em reconhecimento do débito. Para o caso tributário, item n' do mesmo parágrafo único do art. 174.

Vejamos mai.'; alguns aspectos relevantes.

Decadência do direito de lançar

O CTN, como legislação complementar da Constituição, especificando enumerativamente as "modalidades de extinção". incluiu nominalmente, dentro do art. 156:

V - A prescrição e a decadência

Pois bem. Vejamos em primeiro lugar a decadência.

Ao conceituar a modalidade do lançamento por homologa­ção, no caput do art. 150, deixou claro que o chamado autolan-

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çamento somente adquire a qualidade de ato administrativo (co­mo define o art. 142) e se torna operativo ou definitivo com a homologação, ou em seus termos "o lançamento por homologa­ção. .. opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expres­samente a homologa".

Para prefixar no tempo calendário o prazo decadencial do exercício desse direito da Fazenda de operar o lançamento por meio da homologação, estatuiu:

§ 4.° Se a lei não fixar prazo à homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gera­dor; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lança­mento e definitivamente extinto o crédito, salvo se com­provada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.

Por essas disposições se vê claramente que sendo o lança­mento um procedimento privativo da administração (art. 142), o tempo ou prazo fatal de cinco anos para que ele seja realizado e concluído (salvo dolo, fraude ou simulação na relação fática) é imputável à Fazenda porque ela P. a titular indisponível ou sujeito ativo desse direito e passivo dessa obrigação de lançar. A participação ou colaboração do contribuinte ou obrigado no procedimento de lançamento é somente quanto à matéria de fato. Assim, por exemplo, o art. 147 esclarece que o lançamento é efetuado com base na dec· aração do sujeito passivo ou de ter­ceiro que "presta à autoridade administrativa informações so­bre a matéria de fato". Embora no autolançamento o contribuinte antecipe o pagamento, a sua atividade de lançamento fica na de­pendência da homologação.

Logo, é incontestável que, se a Fazenda, no prazo fatal de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador, não efetiva a homologação, esse seu direito de lançar-se extingue por caduci­dade.

Para os outros casos de lançamentos, direto ou misto, sob o título demais modalidades de extinção, estabeleceu no art. 173:

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II

"O direito de a Fazenda Pública constituir o cré­dito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, ... "

Pelas disposições infra-ordenadas, assim especificou: contados:

I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;

II - da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado.

Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela no­tificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida pre­paratória indispensável ao lançamento".

A proposição jurídic_a do caput precisa, antes de mais nada. ser bem compreendida.

Na sua função verdadeiramente didática, as duas cláusulas gramaticais do cap.lt, postas em outra ordem, estão dizendo: "o direito da Fazenda de constituir o crédito tributário, extingue-se após 5 (cinco) ano:;" ou, ainda, "extingue-se em 5 (cinco) anos o direito que a F82enda Pública tem de constituir o crédito tri­butário".

Mas em que consiste o direito de constituir o crédito tri­butário?

Se "o crédito tributário decorre da obrigação principal e tem a mesma natureza desta" (art. 139), cabe à Fazenda Pública constituir o crédito como obrigação ou pretensão? Ou melhor, cabe à Fazenda Pública instituir, criar ou constituir para si o crédito como sinônimo de direito, de obrigação tributária prin­cipal, de tributo em tese? E evidente que não. Esta é função reservada à lei, como estatui a Constituição no art. 150, item I.

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Neste sentido o próprio CTN é especificativo no art. 97, em relação a todos os elementos e aspectos do fato gerador que "somente a lei pode estabelecer".

Mas então o que significa, ou qual a conotação do verbo "constituir", empregado no caput do art. 173 do CTN?

A toda evidência foi ali empregado 'esse verbo brevitatis causa com ó significado de exercício administrativo do direito de determinar o tributo, que se opera por meio do lançamento. Assim sendo, se pelo lançamento é que começa o exercício do direito de formalizar o direito creditório, e se o direito tem de se extinguir pelo cumprimento ou tempo, em relação ao tempo basta, juridicamente, desaparecer ou caducar o direito de lançar, para que extinta fique qualquer possibilidade desse exercício.

Eis porque, ao instituir o prazo de decadência do exercício administrativo do direito de tributar, é suficiente e necessário que a lei faça decair, com o término ou decurso do prazo fatal, o direito de lançar.

Precisamente por isso é que, constantemente, neste compên­dio, ao nos referirmos à expressão do art. 142 do CTN (que trata do lançamento): "Compete privativamente à autoridade ad­ministrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento", sempre nos preocupamos em esclarecer que nesse artigo está im­plícito que '\;onstituir" é apenas e tão-só "constituir formalmen­te o crédito"; "procedimentnl" e não materialmente como direito ou obrigação. Lançar não é legislar mas apenas e tão-só exercer o direito de tributar, enquanto este direito estiver com vida.

Em que data nasce o direito de a Fazenda lançar o tributo?

Se uma lei prévia e abstratamente tipificou ou qualificou normativamente uma determinada relação fática como hip6tese de incidência, nasce o direito de lançar para o sujeito ativo a partir do momento em que o sujeito passivo pratica ou realiza o fato tipificado.

Se o fato é simples ou instantâneo, nenhuma dúvida crono­lógica surge, pois é a partir do momento de sua ocorrência que

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está criado o direito de lançar. Exemplo: o dia da saída de uma mercadoria do estabelecimento vendedor - ICMS.

Se o fato é uma situação tributável compreensiva de um pe­ríodo, por exemplo, do lucro operacional de uma empresa resul­tante das operações do ano-base, a lei estabelece que esse começa no primeiro dia do exercício seguinte, isto porque a relação fática compreende todo o período de um ano e é preciso estabe­lecer a data de sua consumação para efeito de marcar, no tempo, o dia em que nasce o direito que tem a Fazenda de lançar o imposto de renda sobre o lucro operacional da empresa.

Portanto, o que marca o início da vida do direito de lançar é o momento em que, "salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos" (CTN, art. 116). Neste artigo a expressão fato gerador é tomada no sentido substancial ou nuclear de relação fática (Sachverhalt) ou situação tipificada, pois "fato gerador" da obrigação princi­pal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência (CTN, art. 114).

Acontece que esse direito da Fazenda assim nascido pela ocorrência do fato tipificado é ainda uma pretensão a ser apura­da ou determinad: por meio de um procedimento que nada mais é do que um inst-umental de formalização e expedição de um título de crédito. "Jois o lançamento é um "procedimento admi­nistrativo" tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação corresptmdente. determinar a matéria tributável. cal­cular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo (CTN, art. 142). Uma vez concluído. para oponibilidade e exi­gibilidade desse seu direito creditório. agora determinado, tem de notificar regularmente (isto é, com as especificações da iden­tificação, quantia. lugar de pagamento, prazo etc.), o sujeito passivo ou devedor (CTN. art. 145).

O lançamento é apenas ato declaratório porque ele não cria direito ex novo mas apenas declara, explicita, ou formaliza os elementos previamente constantes da relação fática e os subsume

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à qualificação nonnativa dos textos legais de maneira a fazer o acerto ou detenninação que espelha num título ou notificação·.

Pois bem.

Qual é o prazo de vida ou duração desse direito de lançar?

E de cinco anos calendário, como se vê do § 4.0 do art. 150 e do art. 173 do CTN.

A quem compete, privativamente, proceder ao lançamento ou exercer o direito subjetivo público de lançar ou detenninar? E óbvio já pela potestade e pela própria natureza de direito pú­blico e pela outorga constitucional de competência que somente cabem esse direito e seu exercício indelegáveis à Fazenda.

Surge aqui uma questão de alta indagação.

Para que a Fazenda exija esse direito creditório é preciso que tenha chegado à constituição fonnal do título, isto é, con­cluído o lançamento e dele notificado regulannente o devedor tributário dentro do prazo fatal de cinco anos - decadência.

Pergunta-se: se o lançamento não foi concluído dentro desse prazo e regularmente notificado o contribuinte (CTN, art. 145), o direito de a Fazenda lançar ou concluir o lançamento caducou? Não há nenhuma dúvida que caducou.

Entretanto, se dentro desse prazo foi o contribuinte regu­lannente notificado do lançamento com prazo para pagamento ou contestação e dentro de prazo de reclamação ou recurso o impugna, não deixando, portanto, que o lançamento se torne definitivo, o prazo decadencial do direito de lançar continua a correr?

Alguns doutrinadores e certos julgados têm entendido que não. Têm entendido que nesse caso já teria havido um "lança­mento provisório" e como o art. 151, III, estatui que a recla­mação ou recurso "suspendem a exigibilidade do crédito tributá-

6. Compare-se no Direito Privado o chamado Direito Cartular que, em tema de título de crédito, vai se fonnalizar no documento ou chartula. (Cf. Tullio Ascarelli, Teoria geral dos titulos de crédito, Saraiva, 1943, p. 21.)

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rio", não poderia mais correr o prazo de decadência porque es­tando suspensa a exigibilidade do crédito a Fazenda não teria direito de ação.

A nosso ver a questão está mal colocada.

O direito de ação realmente não existe. mas não porque a exigibilidade administrativa continua suspensa para a revisão administrativa; o ~ireito de ação não existia e continua não exis­tindo porque não havia, como continua a não haver, lançamento definitivo. A ocorrência da relação fática e a hipótese de inci­dência dão ao fisco uma pretensão indeterminada para que ele a declare e a determine, no prazo de cinco anos fatais, por meio do lançamento definitivo. Este, o lançamento, é de atribuição privativa da administração fiscal, isto é, fato do fisco que tem o dever de formalmente "constituir o crédito tributário" (CTN, art. 142) precisamente no sentido de lhe vir a dar os efeitos jurídicos da certeza e da exigibilidade (an et quantum debeatur). Antes do lançamento concluído só existe a pretensão indetermi­nada, exigindo o procedimento como ato declaratório de determi­nação da quantia e da fonnalização do título do crédito tributá­rio. Enquanto não corporificado instrumentalmente o título lí­quido e certo como uma espécie de direito público "cartular", o próprio direito su )jetivo não se aperfeiçoou em figura de crédito exigível.

'Como bem esclarece Amílcar de Araújo Falcão, "alguma eficácia ou virtud,! inovadora tem o ato declaratório, seja na eli­minação de um es :ado de dúvida e con5eqüente criação de um es­tado de certeza, seja na energia que empresta a direitos preexis­tentes e que importa na inoculação de um efeito positivo sobre a eficácia desses mesmos direitos". Ainda mais adiante explica o notável e saudoso professor: "O efeito resultante do lançamento tem que ver com a exigibilidade da prestação que constitui obje­to da obrigação tributária - ou seja, com a exigibilidade do pagamento do tributo" 1.

7. o lato gerador da obrigação tributária, 2. ed., São Paulo, Revista dos Tribu­nais, 1971, p. 101 e 103.

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Portanto, o que o art. 151, II I, significa é que a reclamação ou recurso apresentados dentro do prazo suspendem a exigibili­dade do crédito impugnado, defeituoso, mas não suspendem o procedimento de lançamento que é atividade vinculada e obriga­tória da autoridade administrativa, sob pena de responsabilidade funcional (CTN, art. 142 e parágrafo único).

Assim sendo, é evidente que o prazo fatal de decadência do direito de lançar continua a fluir. Se a administração não concluir definitivamente o lançamento e dele notificar o obriga­do dentro dos cinco anos, extinto por decadência estará o seu direito de lançar, pois o procedimento de lançamento é privativo da administração e a ela cabe impulsioná-lo, "salvo se comprova­da a ocorrência de dolo. fraude ou simulação" (§ 4.° do art. 150 do CTN). O STF, em 1978, pelo acórdão no RE 89.765 de Santa Catarina confirmou sentença cuja ementa está assim redigida:

"A Fazenda Pública dispõe de 5 (cinco) anos para resolver em definitivo, na esfera administrativa, o cré­dito fiscal impugnado sob pena de ocorrer sua extinção pela decadência".

Vejamos agora o inciso I I, encartado como acessório do art. t 73, cujo caput institui o prazo de decadência. Este inciso não tem sentido, porque, tratando de fixar o dia do início do pra­zo de decadência do exercício do direito de lançar, não se reporta ao dia da realização do fato gerador, que é o do nascimento do direito~ Pois, ressalvados c~'sos de dolo, fraude ou simulação, o dia do na~cimento do direito é o da ocorrência do fato gerador, como aliás prevêem todos CiS dispositivos sobre esse nascimento, inclusive para os impostos de autolançamento (art. 150, § 4.°).

Ora, o inciso I I diz que o início do prazo de caducidade do direito de lançar é contado:

"da data em que tornar definitiva a decisão que houver anulado. por vício formal, o lançamento ante­riormente efetuado".

Em primeiro lugar esse mero inciso acessório, usando a pala­vra genérica decisão, compreende tanto a decisão administrativa,

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como a judicial (v. itens IX e X do art. 156 onde o CTN empre­ga "decisão administrativa" e "decisão judicial").

Até aí não há dificuldade, porque tanto a administração co­mo o Judiciário podem anular o lançamento.

Referindo-se, porém, a "decisão que houver anulado", está se reportando apenas ao ato anulável e não ao ato nulo.

O ato anulável é anulado por decisão, ao passo que o nulo é apenas e tão-só declarado ou reconhecido nulo pela decisão.

Mas o que demonstra que esse inciso I I não tem sentido e está contra o texto do próprio caput e de todo o sistema, é que sua parte dispositiva pretende retrotrair a data da decisão anula­tória contra o prazo fatal e recriar prazo inicial de decadência. o que é impossível em matéria de prazo calendário já passado.

Tal disposição jamais poderia ser acessória do art. 173 que institui prazo de decadência. Se houver lançamento anterior, irre­gular, por vício formal; se a forma lançamento é privativa da administração (art. 142); como se falar em novo prazo de deca­dência a começar, não da data do fato gerador. mas da decisão que anulou o lançamento? O fato gerador decorre da lei e da rea­lização do fato típico e jamais de decisão.

Observe-se ~ue. quando uma decisão de maior relevância. como a que decl< ra ou reconhece nulo o lançamento (não apenas anulável). repõe a descoberto, no tempo. apenas a data da ocor­rência do fato gerador que é a mesma do início da decadência, é porque o lançamento foi reconhecido inexistente.

Neste caso, se decidiu antes do termo final de cinco anos, é evidente que a Fazenda poderá refazer o lançamento; mas se já tiver passado o prazo de cinco anos da decadência do direito de lançar, não poderá mais fazê-lo porque este direito já se extinguiu.

Como então ser possível, no simples caso de anulabilidade efetiva, por vício formal. poder renascer prazo de decadência?

A sentença que tinha anulado o lançamento por vício for­maI. ainda que definitiva, não tem o efeito de recriar direito de lançar, porque este só é instituído por lei e não por ato judicial.

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Logo, o inciso II, como acessório do art. 173 que institui prazo de decadência, não tem validade jurídica, pois nada institui em matéria da decadência prevista no caput do próprio art. 173 e a sua interpretação é tão-só ab-rogante 8.

Decadência do direito de pleitear restituição

Dispõe o art. 168 do CTN:

o direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contados:

I - nas hipóteses dos incisos I e II do art. 165, da data da extinção do crédito tributário;

II - na hipótese do inciso III do art. 165, da data em que se tomar definitiva a decisão administra­tiva ou passar em julgado a decisão j~dicial que tenha reformado, anulado, revogado ou rescindido a deci­são condenatória.

Estas disposições são claras e servem para confirmar a sis­temática já exposta em relação à fixação do dia em que se inicia

8. .. A chamada interpretação ab-rogante. Por último. a interprc;tação pode levar a um resultado extremo a negar sentido e

valor a uma disposição de lei. quando se verifica a sua absoluta contraditoriedade e incompatibilidade com outra norm~ supra-ordenada e principal.

As antinomias e os desacertos nãe são raros nos nossos sistemas legislativos, filian­do-se muitas vezes a defeitos de coo 'denação e em esquecimentos. Ora, quando en­fre duas disposições há uma contradição absoluta e não se descobre nenhum meio de as conciliar. a interpretação devp. logicamente eliminar a norma contradicente. repu­tando-a letra morta. vazia de conteúdo. Em tal caso fala-se de interpretatio abrogans, não já porque o intérprete ab-rogue a lei, mas porque da interpretação resulta que a norma é ab-rogada por incompatibilidade. .

Neste conflito deve-se ter etn conta o diverso grau de importância das normas contraditórias. Pois trntando-se de preceitos igualmente principais e antagônicos, a contradição leva à sua elisão recíproca: nenhum deles sobrevive. Mas o caso é raro. Se pelo contrário a incompatibilidade tem lugar entre uma disposição principal e uma disposição secundária e acessória, então leva à ineficácia da última, deixando firme a disposição fundamental".

Interpretação e aplicação das leis, Francesco Ferrara, trad. de Manuel de Andra­de, São Paulo, Saraiva, 1973, p. SO-1. No original veja-se: Trattato di diritto civile italiano, Athenaeum, Roma, 1921, v. I, p. 222.

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e do dia em que termina o prazo de decadência do direito de pleitear a restituição.

O art. 165 assegura o direito à restituição durante cinco anos, dentro do qual o titular desse direito pode exercê-lo, isto é, o prazo de vida desse direito.

Conforme inciso I do art. 165, se a cobrança efetuada não tem autorização legal ou se o contribuinte pagou espontaneamente tributo não previsto pela lei, ou seja, cuja hipótese de incidência não foi prevista na lei, o cobrado ou espontâneo tem direito à restituição porque o imposto só é devido em face da previsão legal.

Se a relação fática, efetivamente ocorrida, não corresponde à mesma natureza ou circunstâncias da tipificação legal. esta comprovação gera o direito à restituição.

Também conforme o inciso II, gera o direito à restituição o erro: quanto à pessoa do devedor; da alíquota; do cálculo da soma ou da elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento do tributo.

Para todos estes casos o direito à restituição deve ser exer­cido dentro do prazo de cinco anos a começar do dia da extinção do crédito tribut;lrio: vale dizer, do dia da ocorrência de qualquer das hipóteses er umeradas de I a VIII do art. 156, cuja mais comum é o paga nento em dinheiro.

Também geram direito à restituição, confonne item III do art. 165, a reforna, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória. A decisão condenatória de restituição, seja admi­nistrativa ou judicial, é constitutiva de título de crédito do titular do direito contra a Fazenda Pública. A primeira, ao se tomar definitiva e a segunda, ao passar em julgado. Neste dia ou data começa a correr o prazo de cinco anos para o exercício desse direito creditório constante do título e esse prazo, sendo de deca­dência, corre fatalmente pelo calendário. Não há nenhuma inter­rupção, porque é prazo preclusivo.

Assim como não há para o chamado cidadão-contribuinte nenhuma alteração ou contramarcha da fatalidade do prazo deca-

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dencial, não pode, como não poderia haver. no contexto da rela· ção de direito entre partes (Fisco e Contribuinte), diferenciação na fatalidade de prazo calendário. Eis mais uma razão jurídica a demonstrar a inanidade do inciso II em relação com a própria instituição da decadência do caput de ~eu artigo supra-ordenado, que é o art. 173 do CTN.

Prescrição da ação de cobrança do crédito tributário

Tendo o CTN incluído no capítulo da "extinção do crédito tributário", entre as "modalidades de extinção". o art. 156, que estatui:

"Extinguem o crédito tributário: V - a prescrição ... "

Dispôs o Código, logo a seguir:

"Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva.

Parágrafo único. A prescrição se interrompe:

I - pela citação pessoal feita ao devedor;

II - pelo protesto judicial;

III - por qt alquer ato judicial que constitua em mora o devedor;

IV - por qualquer ato inequívoco ainda que ex­trajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor".

Tendo em vista tudo que já expusemos sobre esta matéria, resta, apenas, dentro deste pequeno compêndio didático, esclare­cer assunto que ultimamente tem sido debatido e publicado em estudos, nem sempre concordantes e que nos parece simples, des­de q1!e firmados os pressupostos. não só da ordem jurídica vigen· te no Brasil, mas alicerçada nos maiores mestres.

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Queremos nos referir ao fato de que a suspensão da exigibi­lidade do crédito tributário (art. 151, I II), para os efeitos das excepcionadas e eventuais revisibilidades ou alterabilidades do lançamento, enumeradas no art. 145, não interfere com as únicas interrupções admissíveis da prescrição da ação para cobrança do crédito tributário e especificadas nos itens I a IV do parágrafo único do art. 174.

Para essa demonstração iremos ver agora um pouco mais a fundo a natureza jurídica desses diferentes atos e especialmente porque é necessária e suficiente a simples suspensão da exigibili­dade, durante a revisão do lançamento e não a da interrupção da prescrição; que o lançamento, sendo ato privativo da autoridade administrativa (art. 142), como atividade vinculada e obrigatória (art. 142, parágrafo único) deve ser regular; que a esse "deve-ser" de obrigação da administração, quando faltoso, ainda se lhe dá a possibilidade revisional, com ou sem a colaboração "de parte" do obrigado no supremo interesse da verdade e da legalidade.

A revisibilidade na~a mais é do que uma nova possibilidade dada à administração para saneamento de possíveis defeitos do seu lançamento. € simples ato continuado ou de complementação do mesmo e um único procedimento de lançamento.

Em resume, se o lançamento terminado pela notificação de seu resultado ao obrigado, terminado por fato da administração. e esta ainda tem de se servir de colaborações ulteriores - infor­mações, contestações, não importa, da outra parte ou de tercei­ros - é para corrigir defeitos ou aperfeiçoar o crédito, é evidente que a eficácia ou ~xigibi1idade tem de ficar paralisada para poder receber toda essa colaboração de saneamento.

Embora o lançamento seja atividade ou fato da administra­ção, o sujeito passivo lo! quem realiza o fato típico, a relação fática subjacente e, por isso mesmo, é quem tem a melhor ciência e consciência desses mesmos fatos informadores. O fisco não faz favor em suspender a exigibilidade para possibilitar o check-up ou expurgo de possíveis defeitos do crédito, em todos os casos em que, tais defeitos ou vícios sanáveis, possam ser escoimados.

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Eis a ratio essendi da revisibilidade.

Mas qual a instrumentalidade jurídica que pennite alcançar a definitividade procedimental do lançamento, a sua validade e separadamente suspender a exigibilidade ou a eficácia do ato, sem interromper, s6 por s6, o prazo já extenso de cinco anos da pres­crição?

Nada mais, nada menos do que a separação nítida, no tem­po, entre validade e eficácia, já elaborada como instrumento para objetivos como estes.

O crédito notificado regulannente é ato válido e a partir da data da sua notificação, que é ato de exteriorização e ciência, co­meça a sua eficácia ou oponibilidade ao sujeito passivo o.

Vàlidade e eficácia podem ter mClmentos diferentes.

O ato válido pode ter a sua eficácia paralisada por vicissi­tudes, sem se invalidar.

Já vimos que os tributos são de lançamento direto, misto ou de autolançamento. Este também chamado pelo CTN de lança­mento por homologação. Sendo o lançamento procedimento pri­vativo da autoridade administrativa (CTN, art. 142), o crédito tributário formal e definitivamente constituído, pela conclusão 'do lançamento, é ato válido (si et in quanto) como ato interno (intra muros). Para tornar-se oponível, é imprescindível seja no­tificado ao obrigado. A nOI, ficação regularmente feita ao sujeito passivo (CTN, art. 145), ist) é, comunicado o quantum, a forma e o prazo dentro do qual aquele débito deva ser pago, toma o crédito exigível. Vencido o prazo e não pago (embora sob as cons­triçóes administrativas), o crédito tem que ser inscrito como dívi­da ativa e tomar-se exeqüível (CTN, art. 201).

9. Estatui com clareza meridiana, a Abgabenordnung - 1977: § 24 Eficácia do ato administrativo

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1. Um ato administrativo toma-se eficaz, em relação àquele a quem for destinado ou que por ele for atingido, no momento em que lhe for comunicado. O ato administrativo toma-se eficaz na medida do conteúdo com que for comunicado.

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A exigibilidade. ou melhor. a exação, inclusive a chamada cobrança amigável e a inscrição da dívida ativa são feitas por meios administrativos; já quanto à exeqüibilidade, vimos que a execução fiscal é feita pelos meios judiciais (v. Execução fiscal).

Se a exigibilidade, dentro do prazo, continuar suspensa por uma das hipóteses enumeradas no art. 151 do CTN. o ato conti­nuará válido, mas apenas com a exigibilidade paralisada: ou por­que ouve prorrogação do prazo de pagamento (moratória); ou porque a eventual legitimidade do pagamento está garantida (de­pósito integral do montante); ou porque se tornou contestatório o formalismo do lançamento ou o conteúdo da pretensão (recla­mação, recurso); ou porque foi suspensa pela concessão de limi­nar em mandado de segurança.

Todas estas hipóteses são circunstanciais ou vicissitudes que suspendem a eficácia.

Excetuada a moratória que prorroga o prazo de pagamento, as demais são apenas suspensões da exigibilidade para exame da validade antes do aperfeiçoamento do crédito.

~ elementar a disti~ção entre validade e eficácia 10.

Não há que se confundir a fase da validade da obrigação com a da sua exiE ibilidade, que já é matéria da eficácia que nasce com a determina.:ão do crédito.

O ato, embora inválido, especialmente dentro do procedi­mento, continua ;1 existir, enquanto não seja declarada sua nuli­dade ou decretada sua anulação. Se reconhecido, ou declarado nulo por vício material. o ato é nenhum; se anulável (vício for­mal), poderá ser saneado ou refeito, salvo se já extinta a possibi­lidade.

lO. Veja-se, em f'rancisco Cnmpos, Direito constitucional, Rio, Forense, 1942, p. 145.

Veja-se ainda como esclnrece o Mestre dos Mestres, Bcmhard Windscheid, em Lehrbuch des Pandektenrechts. 5. ed., 1882. p. 220. § 82:

"O conceito da invalidade é mais restrito do que o da sua exigibilidade. Um negócio jurídico pode ser inexigível, porque seu defeito suspendeu a sua potellcialidade (Der Begriff der UngueItigkeit ist daher enger, ais der der Unwirksamkeit, ein Rechtsgcschaeft kann unwirksam sein auch ohne dass dursch seine Mangelhaftigk.eit sein Koennen gelaehmt ist).

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No sistema tributário brasileiro, o lançamento como ato admi­nistrativo tem de estar procedimentalmente terminado e notifica­do dentro do prazo decadencial de cinco anos. A suspensão da exigibilidade é apenas para possibilitar a prorrogação do paga­mento (prazo de vencimento do débito) ou para possibilitar a re­visão do lançamento e a determinação do crédito.

Como o CTN proíbe o medieval sistema do solve et répete (art. 151, 111), ele determina a suspensão da exigibilidade para possibilitar a revisão ou a continuação da discussão do lança­mento.

Somente com a notificação regular do crédito definitivamen­te determinado e dentro do prazo de cinco anos é que fica supera­da a decadência, porque se constitui o crédito exigível. A partir dessa notificação é que começa a correr o prazo de prescrição da ação para cobrança. Esta pode ser interrompida pelo Fisco por uma das três hipóteses enumeradas de ns. I a III pelo parágrafo único do art. 174 do CTN. Se a Fazenda não diligenciar a inter­rupção da prescrição da ação para a cobrança do crédito tributá­rio, por uma das providências judiciais dos incisos I a III do parágrafo único do art. 174, ou não sobrevier ato inequívoco do devedor, que importe em reconhecimento do débito (art. 174. parágrafo único, IV), as simples suspensões da exigibilidade. pre­vistas no art. 151, II, III e IV, não interrompem a prescrição. E uma medida certa para que as repartições e órgãos judicantes administrativos não eterniz(~m os procedimentos de lançamento.

Tanto assim é que o parágrafo único do art. 155 do CTN excepciona que "o tempo decorrido entre a concessão da morató­ria e sua revogação não se computa para efeito da prescrição do direito à cobrança do crédito" e que a revogação da moratória "só pode ocorrer antes de prescrito o referido direito".

Sendo a moratória apenas prorrogação do prazo de paga­mento e um dos casos do capítulo da "suspensão do crédito tri­butário" (Título III - Crédito Tributário, Capítulo III - Sus· pensão do Crédito Tributário, art. 151, Seção II - Moratória. art. 155, parágrafo único), é evidente que essa prorrogação legal

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da pretensão ou vida do direito e não simplesmente procedimen­tal suspende a prescrição, porque a credora embora já tendo constituído o crédito não pode legalmente agir. Ao passo que, nas suspensões para revisão, é de interesse público que esse tempo de procedimento fique sujeito à prescrição, para impulsionar o an­damento e evitar a procrastinação do procedimento revisional. Se por culpa da Fazenda administradora, lançadora e titular da pre­tensão, o tempo for escasso, ela poderá interromper a prescrição acionando os instrumentos judiciais que lhe faculta o parágrafo único do art. 174.

Observe-se que os incisos I a IV do parágrafo único do art. 174 do CTN foram transcritos do art. 172 do CC.

O prazo de prescrição da ação para a cobrança do crédito ocorre em cinco anos, contados da data da notificação da sua constituição definitiva (CTN, art. 174).

O tempo que as repartições ou os tribunais administrativos fiscais consomem na atividade de lançamento (determinação ou discussão entre as partes) corre dentro do prazo de decadência, pois o crédito não foi ainda determinado.

Sem dúvida há muita atividade inerte de lançamento nos escaninhos de re partições, de conselhos ou tribunais administrati­vos. que já ultn-passaram os cinco anos e, portanto. caduco está o direito de lançar. Deveriam os respectivos fiscos tomar nesse sentido medida !:eral de saneamento para não permitir que sejam negadas as decrt tações ou reconhecimentos da caducidade e pas­sar assim uma esponja no passado.

Seria medida de desobstrução da máquina administrativo­burocrática; seria medida de descongestionamento das reparti­ções fiscais, órgãos judicantes fisco-administrativos e do próprio Poder Judiciário, hoje reconhecidamente afogado. inclusive pela massa de casos caducos e de ações de cobrança de créditos fis­cais já prescritas.

Enfim, cumprimento da legalidade transparente nos textos vigentes da própria legislação complementar da Constituição, co­mo apontados.

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Denegação de restituição, prescrição da respectiva anulatória

Finalmente, devemos ap~nas lembrar que o CTN também estabeleceu prazo de prescrição, de apenas dois anos, contra o direito de ação do contribuinte para propor, contra a Fazenda Pública, ação anulat6ria visando invalidar a decisão administra­tiva que lhe tenha negado a restituição do pagamento de imposto indevido (art. 169 e parágrafo único).

Tratando-se de prazo de prescrição, dispôs também sobre a interrupção desse prazo, por efeito da propositura dessa ação. Como se vê, assim como a Fazenda Pública somente pode, por meio de atos jurisdicionais, interromper a prescrição (art. 174, parágrafo único, I, II e 111), também neste caso s6 a propositura da ação judicial pelo particular, titular da pretensão, interrompe o prazo prescricional.

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Capítulo XX

DIALOGOS, DEBATES, SEMINARIOS, PESQUISAS E TRABALHOS

61. Estudos de casos e problemas tributários.

62. Momentos de exemplificações e demonstrações.

63. Materiais indicáveis com antecedência e suas fontes.

61. Estudos de casos e problemas tributários. Conforme escla­recemos no item 6, uma Faculdade de Direito é estabelecimento destinado ao ens 'no juridico, para formação científica e profissio­nal. Tem que er.sinar a Ciência do Direito.

O estudant'~ que procura uma Faculdade de Direito não pode nem deve fisar apenas a obtenção do diploma de gradua­ção que, dentro do princípio documental, se lhe expede. como conclu~do do curso. Este é, no contexto das profissões regula· mentadas, apenas uma prova formal de habilitação profissional. Porém, no ambiente das provas do saber jurídico. o diploma é apenas presunção juris tantum ou condicionada aos embates da competição, onde só o desideratum da Justiça, a inteligência e o saber podem vencer, pela potência da habilidade.

Assim como o diploma, também não é o tempo cronológico ele escolaridade que conta. O tempo que importa na vida do ho­mem é o dedicado às boas ações, aquele que se integra ao ser, entre os quais está o de seu próprio aperfeiçoamento. Na vida

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cultural é o tempo de estudo, compreensão, conhec!mento, refle­xão crítico-valorativa, extensão do homem e de sua criativiciade. Pouco adiantarão os livros, escolas e professores, na sua missão de informar, orientar e formar, se o estudante não se predispõe: ao aprendizado, não se prepara para a abertura e receptividade reflexiva 1.

Já esclarecera Kant que "o objetivo da educação consiste em desenvolver no indivíduo toda a perfeição de que é suscetí­vel". Ser suscetível também implica estar predisposto e prepa­rado para aprender, entender a avaliar reflexivamente. Não adianta decorar ou repetir como autômato. Sobretudo na fase uni­versitária, o aluno precisa preparar-se por meio de sua própria pesquisa, para ficar em condições crítico-valorativas e também colaborar, especialmente nos diálogos.

Eis no campo do Direito a função importante do estudo por meio de "casos e problemas".

62. Momentos de exemplificações e demonstrações. Quando concluir uma exposição teórica, o Professor já deve ir ilustran­do, especialmente por meio de exemplos, a força de compreen­são genérica dos princípios, isto é, demonstrar a aplicabilidade destes aos casos especiais ou concretos.

Porém, ao examinar caSI)S e problemas, procederá de for­ma inversa, isto é, partindo do fato, deve ir demonstrando a sua subsunção à proposição normutiva, ao~ princípios, aos institutos, ou à harmonia do sistema.

1. Bem ressaltou aos estudantes, o eminente Mestre Miguel Reale. em sua oração na abertura do ano das Comemorações do Sesquicenlenário da Fundação dos Cursos Jurídicos no Brasil. dia 11 de agosto de 1976. no Salão Nobre da Faculdade do Largo São Francisco. ao concluí-Ia. nestes tennos:

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"O tempo, em si mesmo. nada é quando contado pelo tempo unifonne do relógio. O tempo nada é quantitativamente apreciado em termos de anos, séculos ou segundos. O que interessa é o tempo existencial, o que interessa é o tempo vivido com a riqueza de nossas intencionalidades, o tempo que interessa é o tempo de nossa dedicação, é o tempo que nós transformamos em momentos de nossa vida, é o tempo que se incorpora em nossa personalidade. E é esse tempo da Faculdade de Direito, que é tempo e templo da naciona­lidade".

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Em razão da multiplicidade e variedade dos "fatos tribu­táveis", que podem ou não ter sido juridicizados por meio das "hipóteses de incidência", é vasta a casuística fiscal. Por isso mesmo, é da maior utilidade didática esse tipo de exercício na Faculdade, sobretudo no ciclo profissionalizante e no de espe­cialização.

Na verdade, para o estudante. este método corresponde a uma antecipação do muito que irá defrontar na sua futura vida profissional em que, como advogado, como colaborador da ad­ministração ou da empresa. como membro do Ministério Públi­co, como magistrado ou como professor. terá de esclarecer ou resolver, no campo do Direito Tributário.

O ensino por meio de "casos e problemas tributários" já pode ir sendo realizado pelo professor, concomitantemente com o desenvolvimento da parte geral, especialmente ao tenninar a explicação de cada capítulo, para servir como demonstração da aplicação prática do ponto estudado.

Todavia, após concluído o programa da parte geral. é que. especialmente no exame dos tributos em espécie, melhor poderá desenvolver este método socrático, por meio da tarefa de tra­balhos práticos, illdividuais ou em equipe, diálogos e debates de casos e problema i, em aulas ou seminários.

63. Materiais indicáveis com antecedência e suas fontes. Os materiais (casos e problemas) devem ser indicados com antece­dência, para que os alunos tenham tempo para estudá-los e vol­tem motivados· por idéias próprias ou dúvidas. resultantes dos primeiros contatos com as questões, casos ou problemas.

O professor pode e deve escolher em repertórios. revistas. coletâneas. ou, ainda melhor, elaborar por meio de fonnulação própria questões, casos e problemas, em face da doutrina, da jurisprudência ou do sistema tributário positivo e nesse sentido solicitar trabalhos que demandem pesquisas, estudos e, afinal, auto-realização dos alunos.

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Afora jurisprudência, legislação e trabalhos doutrinários es­parsos em revistas, que o professor deverá previamente indicar, alguns problemas e casos atuais encontram-se reunidos no livro Direito tributário aplicado 2, como também nas Coletâneas (l.a

a 5.a) de Direito tributário 3, que procuramos preparar ou reunir, especialmente para esse sistema de estudo e de verdadeira ante­cipação do exercício profissional.

Desde 1982 iniciamos a publicação dos casos e problemas tributários apresentados e discutidos na Mesa Semanal de Deba­tes do IBDT /USP, considerados de maior interesse e por meio de coletâneas seguidas, para também conformar um repertório de casos e problemas sempre atualizados para este sistema de estudo. Já foram publicados os volumes 1 a 13, totalizando até agora 3.574 páginas, sob o título Direito tributário atual (São Paulo, co-edição IBDT-Resenha Tributária, 1982 a 1994).

No livro Direito tributário comparado, também reunimos materiais desse tipo, como ainda ensaio bibliográfico, que po­derão auxiliar esses estudos casuísticos 4.

Finalmente, vejam-se as vinte monografias contidas no li­vro Direito tributário - Estudos em homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira, coordenador Brandão Machado, São Paulo, Saraiva, 1984, 600 p., estudos esses destinados a leituras em nível de extensão universitária e de pós-graduação, escritos pelos mais notáveis Mestres munlJiais do Direito Tributário.

2. São Paulo-Rio, EDUSP-Forense, 1976, Ruy Barbosa Nogueira e Paulo Roberto Cabral Nogueira.

3. São Paulo, Bushatsky, colaboração e direção do Prof. Ruy Barbosa Nogueira. 4. São Paulo, Saraiva, ,1971. Ruy Barbosa Nogueira. Reunimos de p. 3 a 236

"estudos de casos e problemas com auxilio do Direito Tributário Comparado"; de p. 331 a 388 "ensaio de um catálogo bibliográfico para facilitar estudos e pesquisa· de Direito Tributário, em português. espanhol. italiano. francês. inglês e alemão".

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INDICE ALF ABE.TICO-REMISSIVO

(Os números referem-se u páginas.)

Ação - anu)atória do débito fiscal: 273 - declaratória em matéria fiscal: 284 - de consignação em pagamento: 286 - de repetição do indébito: 283

Análise de produto - como prova: 251

Analogia: III Anistia: 302 Aplicação da legislação tributária: 80 Apropriação indébita: 211 Atividade

- discricionária: 162 - financeira do Estado como objeto

de estudo: I - obrigatória. o q1le é: 224 - vinculada. o qu . é: 223

Ato - anulável: 54 - nulo: S4

Atos normativos adm nistrativos: 57 Auto de infração: 24i Autonomia

- cienÚfica: 34 - didática: 33

Bem comum, noção:

Capacidade contributiva: II. 121 Ciência das Finanças

- estudo especulativo: 3 - suas relações com o Direito Tribu-

tário: 64 Ci~ncia do Direito

- o estudo "jurídico": 24 Classiricação das infrações fiscais: 194

Código Tributário alemão e sua tradu­ção: 290

Compensação: 315 Conceitos autônomos de Direito Tribu­

tário: 74 Confissão elTÔnea em Direito Tributá-

rio: 54 Conluio: 199 Consignação em pagamento: 319 Consulta em matéria fiscal: 254 Contribuições sociais: 123 Contribuinte de dire.ito e contribuinte

de fato: 149 Cony~nios entre União. Estados. Distri­

to Federal e Municípios - como norma complementar: 58 - para troca de informações: 60

Conversão do depósito em renda: 317 Crédito tributário c suas vicissitudes:

289

Decisão - administrativa irreformável: 320 - judicial passada em julgado: 320

Decisões com eficácia normativa: 58 Decretos regulamenl8dores: 56 Defesa: 248 Descontos inconstitucionais para coagir

renúncia de defesa: 311 Despesa

- como índice de tributação: 8 Diálogos. debates. seminários. pesquisas

e trabalhos: 339 Dicionário do Direito Tributário. publi­

cado na Alemanha: 32 Dilig~ncias como provas no proceuo

fiscal: 251

343

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Direito - Administrativo: 68 - Administrativo Tributário: 1\3 - Administrativo Tributário Penal:

113 - Administrativo Tributário Proce-

dimentar: 115 - adquirido à isenção: 173 - Constitucional: 67 - Financeiro: 68 - Internacional Público: 69 - Penal: 69 - Privado: 71 - Tributário

- sua extensão: 13 - programa de seu estudo: 14 - ramo autônomo: 13, 31 - ensino do, nas Faculdades de

Direito: 23 - ou direito fiscal: 29 - quadro de uma sistemática do:

112 - material: 112 - formal ou procedimental: 219 - processual: 115 - doutrina do: 62

Economia de imposto: 198, 200 Economia politica, suas relações com o

Direito Tributário: 64 Empréstimos compuls6rios: 122 Eqüidade: 103

- e caso de orientação errônea do fisco: 59

Erro escusável: 59 Estado de Direito: 6 Exame de escrita requerido como pro-

va: 251 Exclusão de agravações: 60 Exclusão do crédito tributário: 301, 305 Execução fiscal: 266

- seu procedimento: 271 Extinção do crédito tributário

- causas de fato e de direito: 309

Fato gerador: 113 Fato gerador e seus elementos: 142 Fontes formais: 49 Fontes formais secundárias, normas

complementares: 57

344

Fontes reais, os pressupostos de fato da tributação: 47

Fraude: 198

Hipótese de incidência: 142

I1fcito tributário: 191 Imposto: 157

- direto e indireto: 159 - pessoal e real: 158

Impostos da União: 128 Impostos dos Estados e do Distrito Fe-

deraI: 130 Impostos municipais: 136 Impugnação: 248 Imputação para extinção de crédito: 315 Imunidade: 167 Incentivos fiscais: 186 Incidência: 166 (ndices de tributação: 5, 7

- despesa: 8 - indivíduo ou classe: 7 - patrimônio: 8 - produto: 9 - renda: 10

Indivíduo ou classe, como índice de trio butação: 7

ln dubio pro reo: 105 Infrações objetivas, culposas e dolosas:

196 Instituto jurídico

- explicação do: 39 Integração: 99 Interdição de estabelecimento: 206

Interpretação: 86 - consideração econômica: 94 - extensiva: 100 - gramatical: 88 - hist6rica ou genética: 94 - jurisprudência, doutrina e Direito

Comparado: 95 - lógico-sistemática: 91 - métodos de, em geral: 88 - teleológica: 93

Interpretação do fisco e seus efeitos vin· culantes: 59

Isenção: 167 - com prazo certo e sob condição:

172 - geral e especial: 174

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Jurisprudência administrativa: 60 Jurisprudência, noção e súmulas: 60

Lançamento: 233 _ autolançamento ou por homologa­

çõo: 232 - como procedimento adminislT8ti-

vo: 220 - direto ou de ofício: 236 - efeitos do: 228 - (unção e modalidades do: 230 - misto ou por declaração: 233 - natureza jurídica do: 225

legalidade da tributação: 260 Legalidade e irretroatividade: 84 lei complementar: 51 lei complementar e sua abrangência:

122 leis

- delegadas: 53 - ordinárias: 52

limitações ao poder de tributar: 124

Mondado de segurança contra coação tributária: 276

Medidas provisórias: 53 Mercado Comum Europeu: 187 ~

Mcrceologia - suas relações com o Direito Tribu­

tário: 65 Multo de mora: 199

Não-incidência: 167 Normas categoriais, criadoras do direi­

to: 44 Normas complementa~: 50

Obrigação: 141 Obrigação tributária e s\:a distinção da

obrigação de Direito Privado: 151 Observância de normas e exclusão de

multas, juros e correção monetária: 57 Observância do processo legal: 161 Operações do trabalho do jurista: 50 Organização administrRtiva tributária:

219 Outros ramos do direito e suas relações

jurídicas com o Direito Tributário: 66

Pagamento: 309 - antecipado e homologação: 318

Pareceres normativos: 58 Património, como índice de tributa-

ção: 8 Planejamento fiscal: vide Economia de impo!to Poder de fiscalizar: 240 Poder de polícia: 160 Poder de regu:ar: 182 Poder de tributar: 181 Poder Judiciário: 262 Práticas reiteradas das autoridades: 57 Prescrição e decadência: 321

- prescrição da açiio de cobrança do crédito: 332

- prescrição do direito de pleitear restituiçõo: 330

Presunção: 269 Principios, o que são: 39 Princípios gerais de Direito Privado: 104 Princípios gerais de Direito Tributário:

102 Procedimento, que vem a ser?: 222 Procedimento contencioso: 247 Processo administrativo tributário: 245 Produto, como índice de tributação: 9 Punibilidade em matéria tributária: 191

Quadro das fontes formais: 50

Receitas tributárias, suo repartição: 137 Reclamação: 248 Recurso de ofício da fazenda: 251 Recurso especial: 252 Recurso voluntário: 252 Relação jurídica: 139 Relação jurídica tributária: 140 Relações "de fato" do Direito Tributá·

rio com outras ciências e "de direito" com outros ramos jurídicos: 63

Remissão: 316 Renda, como índice de tributação: 10 Restiluição denegada e prescrição da

respectiva anulatória: 338

Serviço especifico e divisivel: 162 Sigilo e exame de documentos fiscais:

242 Sistema tributário e sua elevação a nível

constitucional: 38 Sistema Tributário Nacional: 118 Sonegação: 197

- crime de: 208

345

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Sujeito passivo, contribuinte ou respon­sável: 144

Súmulas da jurisprudência: 61

Taxa: 159 Taxas, não poderão ter base de cálculo

própria de imposto: 121 Tecnologia, suas relações com o Direito

Tributário: 65 Teoria e prática

- relações entre: 22 Tipos de sanções fiscais: 202 Transação: 316

346

Tratados e convenções internacionais: 52

Tributação e regulatividade: 181 Trílouto e suas esp6cies: 155 Tridimensionalidade e fontes do Direi-

to Tributário: 43

Valor, valoração, para apuração dos ele­mentós de falO e de direito: 47

Vigência: 79 Vigência, aplicação e interpretação da

legislação tributária: 77

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ISBN 85-02-00492-1

9 788502 004924

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