Upload
nguyencong
View
215
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
II JORNADA DISCENTE DO PPHPBC (CPDOC/FGV)
INTELECTUAIS E PODER
Simpósio 5 | Arquivo, história e política
San Tiago Dantas e a Frente Progressista (1963-1964
Gabriel da Fonseca Onofre
Resumo:
A proposta do trabalho é reconstituir a formação da Frente Progressista por San Tiago Dantas,
com o aval do presidente João Goulart, com o objetivo de angariar apoio para o programa de
reformas sociais e evitar o isolamento político do governo no final de 1963 e início de 1964.
Entendendo que a queda da democracia brasileira não foi resultado tão-somente de um
movimento conspiratório dos setores conservadores, nem produto de uma transformação
estrutural, mas conseqüência de dinâmicas políticas internas que provocaram a agitação e a
crise política, busco romper, dessa forma, com a idéia de que esse radicalização
impossibilitava qualquer solução moderada, reformista e democrática. A análise da Frente
Progressista permite, portanto, apontar uma alternativa de negociação política, disponível a
Goulart, para o impasse que viveu o país.
Palavras-chave: Governo João Goulart – Frente Progressista - Golpe de Estado de 1
****
Mestrando em História pela Fundação Getúlio Vargas. Bacharel em História pela Universidade Federal
Fluminense. Bolsista de mestrado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).
No dia 01 de abril de 1964, um golpe civil-militar derrubou a democracia brasileira,
colocando o país, por 21 anos, na mais completa escuridão de intolerância e autoritarismo.
Desde a década de 1970, muitos estudos apareceram buscando explicar as razões para o
falecimento do sistema democrático que vigorou entre 1946 e 1964.1 Surgiram autores, como
Fernando Henrique Cardoso, Otávio Ianni e Francisco de Oliveira2, que relacionaram a queda
de João Goulart a fatores de ordem estrutural, explicando o golpe militar como resultado de
um processo de desenvolvimento econômico do país, marcado por um projeto de
industrialização dependente e concentrador de renda. Apesar de seu caráter inovador para o
período, essa análise estruturalista pecou por defender a idéia da inevitabilidade do golpe,
colocando os eventos políticos como conseqüências determinadas pelas mudanças macro-
econômicas.
Há outra vertente que explicou o movimento de 1964 como uma intervenção
preventiva para evitar que a crescente mobilização popular se refletisse em transformações
profundas da ordem política e econômica. São exemplos os trabalhos de Caio Navarro de
Toledo, Florestan Fernandes e Lucilia de Almeida Neves Delgado.3 Outros historiadores, por
outro lado, trabalharam com a hipótese de uma conspiração organizada pelos setores
conservadores para acabar com o governo reformista de João Goulart. Destacam-se, nesse
sentido, as análises de Moniz Bandeira, René Dreifuss e Heloísa Starling.4
Recentemente, um conjunto de historiadores deslocou o foco de análise para a esfera
política, ressaltando os aspectos conjunturais e os acontecimentos políticos que levaram ao
golpe civil-militar. Wanderley Guilherme dos Santos, em 1964: anatomia da crise (1986),
abordou as limitações e imposições do sistema político brasileiro ao afirmar que a crise de
1964 tem origem em uma situação de completo impasse e paralisia do sistema político.
Seguindo essa mesma linha, Argelina Figueiredo, em Democracia ou reformas? Alternativas
democráticas à crise política – 1961-1964 (1993), e Jorge Ferreira, em O governo João
Goulart e o golpe civil-militar de 1964 (2003), defendem que a queda da democracia
brasileira não é fruto de um movimento todo-poderoso e conspiratório dos setores
conservadores, nem resultado de uma transformação estrutural, mas conseqüência de
elementos políticos internos que provocaram a radicalização política e a crise de 1964. 1 Para uma análise mais profunda sobre as diferentes correntes historiográficas sobre o golpe civil-militar de 1964, ver: DELGADO, 2004. 2 Ver: Fernando Henrique Cardoso, Associated-dependent development: theoretical and pratical implications (1973); Otávio Ianni, Colapso do populismo no Brasil (1971); Francisco de Oliveira, Economia brasileira: a crítica à razão dualista (1975). 3 Para mais sobre esses autores: Caio Navarro de Toledo, O governo João Goulart e o golpe de 1964 (1981); Florestan Fernandes, Brasil em compasso de espera (1981); DELGADO, 1989. 4 Para a versão conspiratória, ver: BANDEIRA, 1978; DREIFUSS, 1981; STARLING 1986.
Este trabalho segue essa abordagem, considerando o golpe civil-militar produto da
agitação de setores das esquerdas e das direitas que não possuíam comprometimento com as
instituições democráticas, permitindo, dessa forma, o rompimento da ordem constitucional em
1964. Busco, dentro da perspectiva de que os extremismos das direitas e das esquerdas
ocasionaram a paralisia do sistema político, romper, no entanto, com a idéia de que essa
radicalização impossibilitava qualquer solução moderada, reformista e democrática. A partir
da análise da Frente Progressista de Apoio às Reformas de Base, organizada pelo deputado
petebista San Tiago Dantas, a pedido do presidente Goulart, pretendo demonstrar a existência
de uma alternativa política disponível no momento capaz de evitar o golpe militar. A idéia da
Frente Progressista era elaborar um programa mínimo de reformas que fosse aprovado por
diferentes forças políticas com o compromisso de formar uma “frente ampla” para sustentar o
governo e por fim ao impasse político que assolava o país no final de 1963 e início de 1964.
Tomando como referência as teorias do movimento neo institucionalista, analiso as
instituições políticas da República de 46, seus impactos sobre o jogo político, bem como o
comportamento e estratégias adotadas pelos atores naquela conjuntura. Não pretendo esgotar
a reflexão sobre o assunto, bastante complexo e debatido pela literatura acadêmica, mas dar
uma pequena contribuição ao interpretar o golpe civil-militar a partir das ações políticas
estratégicas dos atores sociais, enfocando a existência de uma esquerda reformista
democrática, dentro de um contexto de crescente radicalização política.
A arquitetura institucional da República de 1946
A República de 1946 é responsável pela criação dos fundamentos institucionais da
moderna democracia brasileira. O presidencialismo, o federalismo, o bicameralismo e o
sistema proporcional são destaques da Carta de 46. Nesse momento, apareceram os primeiros
partidos nacionais, ocorrendo também um vertiginoso processo de incorporação político-
eleitoral.5 Durante toda a Primeira República o comparecimento eleitoral não ultrapassou a
marca de 5% da população adulta, subindo para 13,4% em 1945 e chegando, nas eleições de
1962, à marca de 20% (NICOLAU, 2002). 6
Fundada a sombra da ditadura estadonovista, a Segunda República inaugurou um
vigoroso princípio de separação de poderes que, comparado com o sistema político pós- 5 LAVAREDA(1991) analisa o processo de nacionalização do sistema partidário do período, destacando a
importância das disputas estaduais para a definição do formato do sistema. 6 Citado em SANTOS, 2007.
Constituição de 1988, apresenta um maior equilíbrio de forças entre o Legislativo e o
Executivo. Como demonstra Argelina Figueiredo, elementos disponíveis hoje ao Executivo,
caracterizando uma maior centralização do poder em detrimento do Legislativo não existiam
em 1946. Atualmente, os poderes legislativos do presidente são maiores, vide a possibilidade
de legislar por meio de medidas provisórias, tendo iniciativa exclusiva em matérias
orçamentárias; há também o fortalecimento dos líderes partidários que, através do colégio de
líderes, controlam a pauta de trabalhos, definindo a agenda de trabalhos legislativos
(FIGUEIREDO, 1999: 19-39).
Para Fabiano Santos, o traço institucional básico a diferenciar a experiência política do
período pré-1964 do contexto atual está no poder exercido pelo Legislativo na política
alocativa da União, muito mais forte no primeiro caso que no segundo (SANTOS, 2007: 39-
72). Isso permitia uma atuação independente do Congresso em matéria de política
orçamentária.
É dentro deste arcabouço institucional, marcado pela menor predominância do
Executivo na produção legislativa, comparado ao que ocorre hoje em dia, que acontece as
ações parlamentares e os debates políticos em torno do tema das reformas no início da década
de 1960.
O governo Goulart (1961-1964)
No dia 7 de setembro de 1961, João Goulart assumia a presidência. Com a sua posse, a
esperança e os anseios de grande parte da população eram depositados no novo presidente.
Segundo Jorge Ferreira, ao assumir o governo, Jango teve que responder ao programa
histórico das esquerdas, defendido por ele mesmo desde o início de sua carreira política nos
anos 50: as reformas de base. Sob a expressão “reformas de base” estava reunido um conjunto
de iniciativas que tinham como objetivo revolucionar as estruturas políticas, econômicas e
sociais do país, promovendo o desenvolvimento econômico independente e a justiça social.
Entre as reformas destacaram-se: as reformas bancária, urbana, administrativa, fiscal,
educacional, e agrária (FERREIRA, 2007: 545-546).
Dessa forma, a ascensão de João Goulart à presidência era a chegada ao poder de uma
esquerda cada vez mais ambiciosa por transformações importantes nas estruturas do país. Nas
palavras de Maria Celina D’Araujo, o próprio PTB radicalizava crescentemente seu discurso,
buscando acompanhar o movimento sindical e nacionalista. No entanto, se houve uma
esquerda entusiasmada com a perspectiva de mudanças, da mesma forma esteve presente uma
direita receosa com o novo governo. Palavras como trabalhismo, reformas de base,
nacionalizações e comunismo povoavam o imaginário das direitas. A grande hostilidade em
relação a Goulart podia ser observada com as frustradas tentativas de impedi-lo de assumir a
presidência com a renúncia de Jânio Quadros.
Elevado ao poder, João Goulart não decretou as reformas de base. Procurando fazer
um governo de conciliação, aproximou-se do PSD ao oferecer postos no governo. Seu
objetivo era formar uma ampla coalizão de centro-esquerda atraindo inclusive parlamentares
progressistas de outros partidos. Essa coalizão política seria o meio encontrado por Jango para
aprovar as reformas. A vontade de Jango em unir a centro-esquerda foi se mostrando, no
entanto, rapidamente uma estratégia de difícil aplicação. Em primeiro lugar, fruto dos ataques
da esquerda que não aceitava um presidente disposto a moderar as reformas por exigência de
setores pessedistas. Em segundo lugar, por causa de setores das direitas cada vez mais
intransigentes em discutir as reformas. Agravando esse contexto, ocorria um processo de
crescente radicalização, das direitas e das esquerdas, que extrapolava a arena parlamentar
passando a atingir as mais diferentes camadas da sociedade.
No final de 1963, após a rebelião dos sargentos em Brasília, a radicalização política
agravou-se. Pressionado pelos militares, Goulart envia ao Congresso o pedido para a
aprovação do estado de sítio. A oposição veio das direitas e das esquerdas. Tanto um lado
como o outro se via como alvo do estado de emergência. O resultado no Congresso foi a
derrota calamitosa do governo.
A paralisia decisória
Sem desprezar a importância dos fatores de natureza econômica e social, entendo que
as variáveis políticas devem ser consideradas para explicar o golpe de 1964. As instituições
contam. Dessa forma, para compreender os dilemas e alternativas da crise do governo
Goulart, precisamos analisar o sistema político da época, assim como o comportamento e as
estratégias adotadas pelos atores sociais. Seguindo o raciocínio de Wanderley Guilherme dos
Santos (2003:195-200), o sistema político nacional experimentava uma crise de paralisia
decisória. Na sua visão, entre o final da década de 1950 e o ano de 1964, ocorre a
transformação do sistema político de um pluralismo moderado para um pluralismo
polarizado.7 Neste momento, o centro se fragmenta e desaparece, colocando todos os polos
7 A análise inspira-se, não sem críticas, na tipologia de sistemas políticos proposta por Giovanni Sartori.
como centros de gravidade. É a ausência desse centro estabilizador e operativo condição para
o pluralismo polarizado.
Concordando com Wanderley Guilherme dos Santos quanto ao diagnóstico da
paralisia decisória, pretendo demonstrar, no entanto, que havia alternativas políticas para
romper com o impasse. De acordo com Argelina Figueiredo, após a derrota do pedido de
estado de sítio, tornou-se premente a reconstrução do centro, a partir de uma política de
reaproximação do governo com o Partido Social Democrático (PSD) (FIGUEIREDO,
1993:136). Ao fracasso da emenda governista de reforma agrária, seguem-se eventos que
contribuem ainda mais para distanciar o governo da esquerda e do PSD. A nomeação de Nei
Galvão para o ministério da Fazenda desagrada os setores de esquerda reunidos na Frente de
Mobilização Popular8. Para Brizola, “Nei Galvão representa os setores de extrema-direita do
país e sua nomeação contraria as forças de esquerda”.9 Da mesma forma, o Decreto Supra é
recebido no PSD com grande hostilidade10. Assim, com o isolamento do governo, surge a
ideia de formação de uma coalizão de centro-esquerda para apoiar o governo e aprovar as
reformas sociais.
A Frente Progressista
A Frente Progressista de Apoio às Reformas de Base, apelidada por alguns de Frente-
Dantas, foi formada por iniciativa do deputado petebista San Tiago Dantas com o objetivo de
construir um grupo político de apoio ao presidente e às reformas de base. Para San Tiago
Dantas, a organização de um movimento de união nacional, em defesa das instituições
representativo-democráticas e das reformas de base era a alternativa política oferecida a Jango
para deter as conspirações civil-militares e reagrupar as forças de centro-esquerda em apoio
ao seu governo (FERREIRA, 2007: 574).
Na opinião do deputado petebista, havia um grupo de esquerda interessado em
promover uma agitação política contra a ordem democrática, o que estaria provocando o
reagrupamento das forças de direita contra o governo do PTB. Para o ex- ministro da fazenda,
8 A nomeação é vista pela esquerda como uma manobra para uma reaproximação do Brasil com os EUA, além
da continuação, do que chamavam, de “política de conciliação” de Goulart. Para a FMP, o nome apropriado era
o do líder gaúcho Leonel Brizola. Ver: Correio da Manhã, 12 de dezembro de 1963, p. 1, “Brizola só aceita pasta
da Fazenda”. 9 Correio da Manhã, 21 de dezembro. p. 12. 10 Para os motivos da objeção do PSD, ver: FIGUEIREDO, Op.cit, p. 140.
essa seria a chamada “esquerda negativa”, em contraposição a uma considerada esquerda
“positiva”. A primeira seria composta pelos núcleos do PTB radical e de outros agrupamentos
de esquerda, como o PCdoB e as Ligas Camponesas, tendo como principal instrumento
política, a Frente de Mobilização Popular, e liderança, o deputado Leonel Brizola. Essa
esquerda estaria interessada nas reformas a todo custo, não interessando as conseqüências
políticas. Daí, pretenderem as reformas, como dizia Brizola sobre a reforma agrária, “na lei ou
na marra”. A radicalização dessa esquerda, para San Tiago Dantas, enfraquecia Jango, pois
além de fomentarem agitações que desrespeitavam as vias democráticas, também contribuíam
para o recrudescimento das conspirações golpistas. Por isso, era necessário fortalecer a
chamada esquerda “positiva” para apoiar o governo e evitar qualquer tipo de golpe de Estado,
seja de direita ou de esquerda. É nesse sentido que San Tiago decide formar a Frente
Progressista, buscando reagrupar os setores de centro-esquerda, do PTB moderado ao PCB,
passando pelo PSD, em torno de um programa comum de reformas.
É importante frisar que se a Frente tinha o objetivo político claro de afastar os radicais
de direita e de esquerda, havia também a idéia de formar um apoio político substancial à
aprovação das reformas de base pelas vias democráticas. Dessa forma, num contexto, no qual
esquerdas e direitas pareciam abandonar qualquer tipo de preocupação com as instituições
legais, formou-se no final de 1963, uma frente política para a execução das reformas
necessárias, mas sem desprezar a democracia. Como estava escrito nos primeiros documentos
sobre a frente, distribuído aos líderes partidários: “A primeira preocupação da Frente consiste
na luta intransigente em defesa das liberdades públicas e contra quaisquer forças que desejem
interromper o processo democrático para instituir formas ultrapassadas de poder pessoal ou
impedir que se efetivem as reformas de base” (FIGUEIREDO, 1993:145).
A idéia de San Tiago era que a Frente se tornasse um instrumento de mobilização não
só na esfera parlamentar, mas também extra-parlamentar, em apoio ao governo. O objetivo
era formar uma frente ampla de apoio parlamentar e popular às reformas de base, permitindo,
assim, sua implementação dentro do processo legal-democrático, possibilitando o
desenvolvimento econômico do país e a consolidação de seu regime democrático.
A alternativa política
Segundo Wanderley Guilherme dos Santos, a última oportunidade de Goulart para
conseguir o apoio do centro e da centro-esquerda foi com o Plano Trienal. A partir do fracasso
político do plano de Celso Furtado e San Tiago Dantas, o processo de radicalização crescente
minou qualquer tentativa de solução constitucional. Em suas palavras, o final do governo
Jango é marcado pela completa paralisia do Congresso e as tentativas do presidente de
construir uma coalizão de apoio fora do Congresso para pressioná-lo a aprovar as reformas
(SANTOS, 2003: 232-240).
Considero, todavia, a Frente Progressista como uma alternativa de negociação política
viável até o início de março de 1964. As primeiras reuniões para a organização da frente
pareciam bastante promissoras. De imediato, houve a adesão da ala moderada do PTB e do
PCB. O Partido Trabalhista Brasileiro, apesar de ser o partido que tinha atuado com maior
unidade nas votações no Congresso (SANTOS, 1986), não pode ser analisado como um bloco
monolítico. Nas palavras de Ângela da Castro Gomes, o PTB do início dos anos 1960
encontrava-se dividido, doutrinária e organizacionalmente, em duas correntes principais: a
“esquerda moderada”, que defendia a adoção das reformas de forma conciliatória para
assegurar a manutenção da ordem constitucional e uma “esquerda radical”, que aprofundava
as demandas por reformas, não aceitando os limites impostos pelos partidos ou pela
Constituição (GOMES, 1994: 133-160). O primeiro grupo era ligado à figura de San Tiago
Dantas e tinha como principal liderança o presidente João Goulart. O segundo grupo, liderado
por Brizola, teve uma posição dúbia com relação à frente, ora participando das negociações,
ora fazendo críticas contundentes.11
O Partido Comunista Brasileiro acolheu imediatamente a proposta de San Tiago,
passando a desempenhar um papel ativo na formação da Frente Progressista.12 Abandonando
as teses “revolucionárias” dos manifestos de janeiro de 1948 e agosto de 1950, o PCB
fortaleceu suas posições nacionalistas, defendendo a aliança entre a burguesia e o proletariado
para a vitória da revolução democrática brasileira. Dentro dessa linha, o partido ganhou
visibilidade nacional, tendo como destaque Prestes que durante o governo Goulart tinha livre
trânsito junto às elites governamentais. Contribuía para o apoio a disposição da Frente em
legalizar o partido.
Cabia, agora, a San Tiago Dantas conquistar o apoio dos setores de centro. O deputado
petebista sabia da importância estratégica do PSD para o sucesso de sua proposta. Detentor da
11 Ver: Correio da Manhã, 8 de fevereiro de 1964: “Brizola possui uma posição de expectativa crítica”. O líder
da FMP, apesar das objeções à frente proposta por San Tiago, não podia se colocar, de forma definitiva, em
oposição sob pena de se isolar e perder a liderança do movimento nacionalista e popular. 12 “Os comunistas têm uma posição definida manifestada na formação de uma frente ampla de todas as forças nacionalistas e democráticas, visando à realização das reformas de base necessárias ao progresso e emancipação nacional” (Jornal comunista, “Novos Rumos”, 28 de fevereiro – 5 de março de 1964). Citado em: DELGADO, Op.cit, p.251.
maior bancada no Congresso, o apoio do partido era essencial para a aprovação das reformas.
Os setores mais progressistas do partido, os chamados “agressivos”, que contariam com um
grupo em torno de 30 deputados, começam a mobilização pelo apoio às reformas.
Somam-se a eles, a Bossa Nova da UDN que vê com simpatia o movimento.13 Um dos
principais nomes da UDN, Afonso Arinos descreve aquele momento: “Se uma maioria sólida
fosse aí [no Congresso] formada [...] a democracia brasileira poderia ser salva e nosso futuro
provavelmente garantido. Já o fizemos antes, inclusive em 1961 e 1962.” (FRANCO, 1965: 15-
16).14
Para Afonso Arinos, a crise política tinha solução, mas dependia de habilidade
política, de negociações. Portanto, diversos setores e atores políticos apoiaram as iniciativas
de solução constitucional. O momento era de paralisia decisória, de radicalismos das direitas e
das esquerdas, mas também de emergência de um movimento partidário e extrapartidário15
com o objetivo de aprovar um programa mínimo de reformas, respeitando as instituições
democráticas.
O programa da Frente Progressista
Em fevereiro de 1964, a versão final do programa da frente foi divulgada ao público.
Distinguia-se a forma como as propostas seriam implementadas. Desse modo, havia as que
exigiam mudanças constitucionais, as que poderiam ser executadas por meio de legislação
ordinária e as que seriam “Atos do Executivo”.
Entre as medidas que exigiam alterações na Constituição, há as seguintes: a)
ampliação do direito de voto aos analfabetos; b) fim do sistema de cátedras vitalícias nas
universidades; c) direito de todos os eleitores, com exceção dos analfabetos, de poderem
assumir cargos políticos (reivindicação dos setores subalternos das Forças Armadas); d)
desapropriação de terras com base no interesse social, e o pagamento da indenização com
títulos de dívida pública.
Já entre as medidas que podiam ser feitas por legislação ordinária: a) negociação do
artigo da lei de segurança nacional que restringia o registro de partidos políticos (medida que
13 Correio da Manhã, 21 de janeiro de 1964, p. 6. 14 Citado em SANTOS, 2003, p. 232. 15 San Tiago Dantas conversou com o CGT, a PUA, o CNTI, a Ação Popular, entre outros grupos. Ver: Correio
da Manhã, 21 de janeiro de 1964, p. 6; Correio da Manhã, 28 de fevereiro de 1964, p. 1.
interessava ao Partido Comunista); b) aprovação de uma legislação de greve; c) reforma no
sistema tributário; d) reajuste periódico e geral dos salários16; e) anistia dos prisioneiros
políticos.
E a terceira seção de medidas, intitulada de “Atos do Executivo”, abordava as
reformas de base e também outras propostas como: regulamentação da lei das remessas de
lucros; a preservação da política externa independente; a contenção do déficit público e da
inflação (FIGUEIREDO, 1993: 145-152).
Apoiada e elogiada por muitos quando lançada, a Frente Progressista, aos poucos,
sentiu a resistência dos diferentes grupos políticos, incapazes de abandonar suas posições e
convicções. Em um período marcado por expressões radicais e sectárias, discursos
conciliatórios tinham pouco terreno para florescerem.
O fracasso da frente
Aos sucessos em algumas negociações, somam-se entraves à formação da Frente
Progressista. A radicalização da Frente de Mobilização Popular e o fortalecimento dos setores
conservadores dentro do PSD tornam cada vez mais difícil a tarefa de San Tiago. A FMP
inicia uma série de criticas ao PSD e à frente ao afirmar que “não adianta um programa de
reformas, as esquerdas devem compor o governo para executá-lo”.17 Outros grupos também
complicam as articulações ao impor restrições à participação.18À radicalização das esquerdas,
respondiam no mesmo tom os setores conservadores. Se Brizola não aceitava sentar e
conversar com o PSD, Amaral Peixoto declarava que não participava de uma frente ampla que
incluísse blocos extraparlamentares, recado direto para a FMP, a CGT e a PUA (DELGADO,
1989: 239).
A partir da recusa à participação na Frente, uma avalanche de acontecimentos afastou
o PSD do governo. Começou com a renúncia de Amaral Peixoto ao ministério extraordinário
para a reforma administrativa, terminando com o rompimento formal com o governo em 10 de
março de 1964. Sem o apoio da centro-esquerda, Goulart temendo perder o apoio e a
liderança das forças populares, aproximou-se da esquerda radical. Segundo Jorge Ferreira, no
momento em que Jango decidiu se alinhar com a esquerda revolucionária, ele passou a
16Medida sugerida pelo Partido Comunista. O PCB foi o único partido a apresentar formalmente sugestões ao primeiro programa da Frente, lançado em janeiro. 17 Última Hora, 21 de janeiro de 1964, p. 1. 18 Por exemplo, as conversas entre a frente e o MRT. Correio da Manhã, 18 de fevereiro de 1964, p 6.
compartilhar a crença de seus aliados: no momento do “desfecho”, as forças populares sairiam
vitoriosas; era hora de enfrentar os conservadores (FERREIRA, 2005: 336).
A estratégia do confronto tinha hora e local para começar: 13 de março na Central do
Brasil. Daí em diante, uma espiral de eventos agravou a situação política do país, fomentando
a polarização entre os radicais de esquerda e direita. Primeiro, o envio de uma Mensagem ao
Congresso. Nela era proposto: o voto dos analfabetos, praças e sargentos; um plebiscito sobre
a reforma de base; a reforma universitária; a reforma agrária; a delegação dos poderes do
Legislativo ao Executivo; e, por último, a revisão do capítulo das inelegibilidades, sendo
substituídos pela frase “são elegíveis os alistáveis”, abrindo espaço para que tanto Brizola
quanto Goulart pudessem concorrer nas eleições de 1965 (FERREIRA, 2005: 336).
Segundo Argelina Figueiredo, a oposição a partir desse momento se apoderou da
bandeira da legalidade. Se João Goulart não considerava mais os canais democráticos,
propondo plebiscitos e alterando as regras das próximas eleições, supostamente a direita teria
o caminho livre para desrespeitar o presidente (FIGUEIREDO, 1993:185) Os papéis estavam
invertidos. Quem defendera a ordem legal e constituída em 1961, passava para a ofensiva. Os
conspiradores de ontem, tornavam-se os cínicos guardiões da democracia.
Aparentemente sem o apoio do PSD, Goulart temendo perder a liderança das forças
populares, aproximou-se da esquerda radical. A opção foi escolhida: era a hora do confronto.
A partir desse momento, retiravam-se da mesa as propostas moderadas, vencendo o discurso e
a estratégia do radicalismo político. Falecia a Frente Progressista e com ela uma oportunidade
de aprovar as reformas por meio da negociação política.
BIBLIOGRAFIA
BANDEIRA, Moniz. O Governo João Goulart. As lutas sociais no Brasil (1961- 1964).
Brasília: UnB, 2001.
D'ARAUJO, Maria Celina. Sindicatos, carisma e poder. O PTB de 1945-65. Rio de Janeiro:
FGV, 1996.
DELGADO, Lucília de Almeida Neves. PTB: do getulismo ao reformismo (1945-1964). São
Paulo: Marco Zero, 1989.
________________________________. “1964: Temporalidade e interpretações”. In REIS,
Daniel Aarão, RIDENTI, Marcelo & MOTTA, Rodrigo Patto Sá (org.). O golpe e a ditadura
militar: 40 anos depois (1964-2004). Bauru: EDUSC, 2004.
DREYFUSS, René. 1964: a conquista do Estado. Petrópolis: Vozes, 1981.
FERREIRA, Jorge. & AARÃO, Daniel (orgs). As esquerdas no Brasil. Nacionalismo e
reformismo radical (1945- 1964), volume 2. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
_______________. O imaginário trabalhista. Getulismo, PTB e cultura política popular
1945-1964. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
_______________. “A estratégia do confronto: a Frente de Mobilização Popular.” In: Revista
Brasileira de História. São Paulo: ANPUH, vol.24, n° 47, 2004.
FIGUEIREDO, Argelina Cheibub. Democracia ou reformas. Alternativas democráticas à
crise política (1961–1964). São Paulo: Paz e Terra, 1993.
__________________________ . & LIMONGE, Ferando G.P. Executivo e Legislativo na
Nova Ordem Constitucional. Rio de Janeiro: FGV, 1999.
FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Evolução da crise brasileira. São Paulo: Nacional, 1965.
GOMES, Angela de Castro (org.). Vargas e a crise dos anos 50. Rio de Janeiro: Relume-
Dumará,1994.
____________________________. & D'ARAUJO, Maria Celina. Getulismo e trabalhismo.
São Paulo: Ática, 1989.
HIPPOLITO, Lúcia P. De raposas e reformistas. O PSD e a experiência democrática
brasileira (1945-64). Rio de Janeiro: Paz e terra, 1985.
LAVAREDA, Antonio. A democracia nas urnas. Rio de Janeiro: Iuperj/Rio Fundo, 1991.
NICOLAU, Jairo M. A história do voto no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.
REIS, Daniel Aarão. Ditadura militar, esquerdas e sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.
________________; RIDENTI, Marcelo; MOTTA, Rodrigo Patto Sá (orgs.). O golpe e a
ditadura militar: 40 anos depois (1964-2004). Bauru: EDUSC, 2004.
SANTOS, Wanderley Guilherme dos. O Cálculo do Conflito. Belo Horizonte: Editora
UFMG, Rio de Janeiro: IUPERJ, 2003.
_______________________________. 1964: anatomia do golpe. São Paulo: Vértice,1986.
SANTOS, Fabiano. A República de 46: separação de poderes e política alocativa. In: MELO,
Carlos Ranulfo & SÁEZ, Manuel Alcántara (orgs.). A Democracia Brasileira. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2007.
STARLING, Heloísa. Os senhores das Gerais: os novos inconfidentes e o golpe de 1964.
Petrópolis: Vozes, 1986.