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Edição PDF do Informativo AHSP nº37, dez.2014
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S.A.R.A. Brasil:
restituindo oMapa Topogrfico
do Municpio de So Paulo
breve histria da aerofotogrametria
nas cidades do Rio e So Paulo
na dcada de 1 920
Separata da
edio n 37
dezembro de 201 4
Separata do Informativo AHSP n 37: dez.201 4
S.A.R.A. Brasil : restituindo o Mapa Topogrfico do Municpio de So Paulo
Prefeitura de So Paulo
Secretaria Municipal de Cultura
Fernando Haddad
Prefeito da Cidade de So Paulo
Joo Luiz Silva Ferreira
Secretrio de Cultura
Alfredo Manevy
Secretrio Adjunto
Guilherme Varella
Chefe de Gabinete
Afonso Luz
Arquivo Histrico de So Paulo
Na capa, detalhe de fotografia area
vertical atribuda ao levantamento
realizado pela SARA Brasil, 1 930.
Escala 1 :5.000.
Na horizontal, trecho da
Av.Brigadeiro Luiz Antonio, prximo
Av.Paulista. Em diagonal,
esquerda, a Rua Treze de Maio.
Acervo AHSP
166.
222.222.
S.A.R.A. Brasil:
restituindo oMapa Topogrfico
do Municpio de So Paulo
breve histria da aerofotogrametria
nas cidades do Rio e So Paulo
na dcada de 1 920
Separata do Informativo AHSP n 37: dez.201 4
S.A.R.A. Brasil : restituindo o Mapa Topogrfico do Municpio de So Paulo
Para citao, adote:
MENDES, Ricardo.
S.A.R.A. Brasil: restituindo oMapa
Topogrfico do Municpio de So Paulo.
Informativo Arquivo Histrico de So
Paulo, ano 10, n 37, dez.2014.
Separata da edio em formato PDF
2
Sumrio
Apresentao
Anos 10: para o alto
As cidades vistas de aeroplano
Raids areos
Um novo olhar: fotogrametria
Prembulo necessrio: Rio de Janeiro
O Rio de Janeiro: a gesto Antonio da Silva Prado Junior
Mos obra: no ar e nos jornais
A Revoluo de 30
Os princpes britnicos no Rio
So Paulo: de volta ao debate
Do edital ao contrato
Os personagens: Umberto Nistri
Os personagens: os irmos Robba
Preparando terreno: a constituio da empresa S.A.R.A. Brasil
S.A.R.A. Brasil: incio das operaes em campo
Roma, primavera de 1930
A primeira folha: o Bom Retiro
No prelo, depois de alguns atrasos
Mistrios e desafios
Rumo a uma nova gerao de pesquisas
3
7
9
18
27
32
41
47
55
63
65
71
74
79
82
89
99
121
129
133
159
145
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S.A.R.A. Brasil : restituindo o Mapa Topogrfico do Municpio de So Paulo
201
Anexos
Etapas produtivas: Mapa Topogrfico do Municpio de
So Paulo
Edital da Prefeitura do Distrito Federal (PDF), 9 de janeiro
de 1928
Contrato entre The Aircraft Operating Company e PDF,
28 de maro de 1928
Proposta de lei para edital: So Paulo, 1 928
Edital da Prefeitura do Municpio de So Paulo (PMSP),
1 6 de agosto de 1928
Contrato entre S.A.R.A e PMSP, 14 de novembro de 1928
Notas
Fontes
Documentao primria
Fontes bibliogrficas
Livros, Peridicos, Internet
Agradecimentos
4
167
171
181
187
195
211
295
296
303
I
II
III
IV
V
VI
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S.A.R.A. Brasil : restituindo o Mapa Topogrfico do Municpio de So Paulo
Quase 90 anos marcam a realizao no Brasil das primeiras aplicaes
da aerofotogrametria em grande escala no mbito da gesto urbana com
a realizao dos levantamentos das cidades do Rio de Janeiro e So
Paulo. Esta edio do Informativo AHSP, a partir da documentao
custodiada transferida nos ltimos anos, traa um primeiro painel sobre
um marco da cartografia paulistana representado pelo Mapa Topogrfico
do Municpio de So Paulo, contratado pela municipalidade em 1928.
A contribuio original desta edio inserir essa produo no mbito de
iniciativas similares como a levada a cabo na antiga Capital Federal, na
gesto Antnio da Silva Prado Jnior (1926-1930).
Essas iniciativas definem uma mudana de escala e alcance da aero-
fotogrametria no Brasil, bem como caracterizam modos de produo em
parte distintos, com o emprego de restituidores automticos no caso
paulistano. Tal recurso introduziu ganho de produtividade efetivo no
setor, respeitados todos os parmetros de preciso, reduzindo equipes e
tempo de produo.
Nessa aproximao a esse marco na cartografia paulistana do sculo XX foi
possvel tambm estabelecer uma cronologia mais detalhada sobre as aes
da grande empreitada realizada empresa SARA Brasil e apresentar produtos
remanescentes fotos areas, fotomosaicos e cpias em tela transparente
para reproduo das pranchas em acervos paulistanos.
7
Apresentao
Logotipo da empresa italiana S.A.R.A.
em papel timbrado, 1 931 .
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S.A.R.A. Brasil : restituindo o Mapa Topogrfico do Municpio de So Paulo
8
Anos 10: para o alto
A Inglaterra no mais uma ilha, comentrio atribudo ao kaiser alemo
Guilherme II ao saber da travessia pioneira do canal da Mancha pelo
aviador francs Louis Blriot (1872-1936), em 25 de julho de 1909, marca
o fim de uma fase pioneira da aviao. Em menos de cinco anos, o voo de
aparelhos mais pesados conseguira avanar de percursos curtos, a poucos
metros do solo, possveis de serem realizados em hipdromos ou campos
abertos, para vencer um trajeto de quase 40 quilmetros sobre o mar.
Alberto Santos Dumont (1 873-1 932), figura de destaque no perodo, ,
no ano seguinte, em 1910, homenageado pelo Aero Club de France
com busto no campo de Bagatelle, onde h muito pouco, em 1906,
realizara o primeiro voo com o seu 14-Bis. Se o interesse pela aviao
torna-se uma febre mundial, acompanhada pela imprensa com des-
taque, objeto de orgulhos nacionais, a qual no escapariam os jornais
brasileiros, a presena proeminente do brasileiro Santos Dumont ser
um estmulo adicional para que essa atualizao ocorra pari passu ao
circuito internacional.
A dcada que se segue trar novos desdobramentos para a aviao.
Primeiro, na Europa e na Amrica, com a tentativa de estabelecer bases
comerciais para vrios segmentos que se deslumbram desde o incio da
aviao como o tranporte de passageiros, correio, uso militar etc. O frenesi
sobre o tema presente na imprensa reflexo e agente importante na
difuso e no incentivo explorao de potencialidades. A introduo do
cinema, em paralelo a esse processo, permitir que as notcias ganhem
nova forma. Cinema e aviao, dois dos traos mais visveis da moder-
nidade tecnolgica, ganham o mundo.
Mesmo no Brasil, cujos principais centros urbanos apenas ao final da dcada de1890 comeam a sentir o impacto de novas ofertas tcnicas como a distri-buio de energia eltrica, o transporte urbano com a introduo do9
Separata do Informativo AHSP n 37: dez.201 4
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automvel com motor exploso, do bonde eltrico etc, as cidades maisimportantes ainda apresentam traos urbanos que conflitam com o cresci-mento populacional e as novas demandas.
A exploso populacional nos principais centros brasileiros, notadamente
no Sudeste, gerada pela intensa migrao estrangeira cria, em paralelo,
dificuldades de toda espcie e passa a exigir adequaes e regu-
lamentaes. So Paulo, para ficar num exemplo prximo, v acontecer
em seu centro urbano aes pontuais da municipalidade, como
o realinhamento e alargamento de vias principais. A prpria mquina
administrativa, na velha Repblica, passar por vrias remodelaes,
titubeantes s vezes, para dar conta das demandas, iniciaticas sujeitas ao
panorama econmico e poltico local e mundial.
Os poucos anos que antecedem ao conflito mundial deflagrado em 1914
so assim um momento em que o interesse pelas conquistas tecnolgicas
dividem espao com noticirio poltico internacional em grande
mobilizao.
A fase pioneira da aviao ganha espao tanto na indstria e no comrcio
como no comportamento e imaginrio social. Em 1910, Raymonde de
Laroche (1882-1919) a primeira mulher a receber na Frana, do Aero-
Club de Paris, um brevet, sua autorizao para voo.
Cabe ao migrante, engenheiro e inventor prolfico, Dimitri Sensaud de
Lavaud (1882-1947), realizar em 7 de janeiro de 1910 em Osasco, ento
subrbio distante da cidade de So Paulo, o primeiro voo na Amrica
Latina
1
. Os jornais do cobertura imediata do fato. Seu avio "So
Paulo, desenhado por Dimitri e fabricado localmente, exposto em
teatro no centro da cidade
2
.
Rio de Janeiro e So Paulo, como outras cidades brasileiras, comeam a
receber tambm os primeiros aviadores estrangeiros que realizam voos de
1 0
demonstrao ou concorrem a prmios. Claro, chegam ainda por terra ou
mar. Entre tantos visitantes, o cinema, esse parceiro miditico da aviao,
registra em 1911 , numa produo da Serrador, as experincias realizadas
pelo italiano Germano Ruggerone em 6 de janeiro no Prado da Mooca.
Intitulado Ruggerone, os primeiros voos em aeroplano no Brasil, a fita com
quase 20 minutos exibida no velho Bijou, na Rua So Joo, no dia 13, e no
High Life, dia 20. Certamente a morte do aviador italiano Giulio Picollo,
dias antes no Veldromo, em evento em que ambos, participavam atraiu
mais interessados. As cenas so descritas em parte na imprensa local:
Alm de outros voos em que o clebre aviador foi acompanhado, v-
se a arrojada Senhorita Mlle Renata Crespi, filha do capitalista
Senhor Rodolfo Crespi, que com toda a coragem, deu diferentes
voltas em redor da pista, o distinto sportman Sr Guilherme Prates,
Sr Papini Menotti e outros que tambm demonstraram coragem e
serenidade. () Depois dos voos, apreciam-se as arquibancadas
cheias de tudo que So Paulo tem de melhor, isto , a elite paulistana
3
.
Anos 1 0: para o alto
11
O voo pioneiro de Dimitri Sensaud
de Lavaud, em Osasco, municpio de
So Paulo, em aeronave por ele
desenvolvida o tema do livro
1910: o primeiro voo do Brasil
(2010), de Suzana Alexandria e
Salvador Nogueira.
Separata do Informativo AHSP n 37: dez.201 4
S.A.R.A. Brasil : restituindo o Mapa Topogrfico do Municpio de So Paulo
Ao cinema, ao raid automobilstico, ao ciclismo e outras novidades vm
se juntar como novo divertimento as exibies aeronuticas. Os novos
esportistas, endinheirados ou amantes da velocidade, tornam-se eles
tambm parte do noticirio.
Com a incorporao das
demonstraes de voo
ao rol dos eventos pblicos,
surgem ofertas ou referncias
nova prtica social.
Em anncio na nova publicao
A Cigarra, em seu nmero 8, de
1 de agosto de 1914,
o representante local do
"afamado fabricante Zeiss"
oferece com destaque binculos
"para corridas, aviao, foot-
ball, etc", todos estes novos
costumes incorporados
ao cotidiano das grandes
cidades do Sudeste.
Aqui, detalhe da ilustrao
do anncio.
Acervo Arquivo Pblico do
Estado de So Paulo
Logo, outra parceria ganha espao nos jornais: fotografia e aviao. Em
1912, a capital federal realiza sua primeira semana de aviao e recebe
entre seus participantes o francs Roland Garros (1 888-1918). O aviador,
que tivera sua prtica inicial como piloto em 1909 num modelo
Demoiselle, desenvolvido por Santos Dumont, tem sua participao
registrada no Cine Jornal Brasil n1
4
, exibido nos cines Bijou e High-
Life em 5 de fevereiro, como descreve a imprensa:
Titulo dos quadros: () 4. Primeira semana da aviao no Rio.
5. O Sr. Presidente da Repblica visita os aviadores no hangar
6. Garros no seu monoplano Bleriot. 7. Conduzindo o monoplano
para o campo da aviao 8. Voos de fantasia pelo arrojado aviador
Garros. 9. Do Jockei Clube a Niteri. 10. Sobre a Baa da
Guanabara. 11 . Evoluo sobre a cidade de Niteri. 12. Do Rio a
Terespolis, Garros vencedor do prmio de 50:000$000.
(O Estado de S. Paulo, 6 de fevereiro de 1912, p.9)
No so as fotos realizadas pelos profissionais da imprensa, carioca e
paulista, que interessam aqui, mas sim aquelas que ilustram, em 10 de
fevereiro, a Revista da Semana, peridico carioca, em grande formato, um
dos principais do perodo
5
. Num oferecimento do piloto, a revista publica
fotos feitas por ele a partir do seu avio Blriot, rumo a Petrpolis.
O mosaico com 4 imagens constituem, provavelmente, as mais antigas
imagens areas conhecidas do Rio, capital federal, feitas de aeroplano. Nova
surpresa, trao contemporneo, surge agora: so pares estereoscpicos que
revelam a vista das montanhas cariocas, parte da cauda do avio e
finalmente, Petrpolis, numa tomada que apresenta a cidade serrana em
forma de mapa, como informa o texto
6
.
As grandes travessias ganham espao na imprensa brasileira j no
incio da dcada de 1 91 0. Atraindo pilotos estrangeiros e brasileiros,
estimulados ainda por prmios em dinheiro, prtica presente desde da
virada do sculo, elas crescem em nmero e distncia a percorrer.
Anos 1 0: para o alto
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Separata do Informativo AHSP n 37: dez.201 4
S.A.R.A. Brasil : restituindo o Mapa Topogrfico do Municpio de So Paulo
1 4
O aviador francs Roland Garros envia fotos
estereoscpicas feitas durante voo do Rio a
Petrpolis Revista da Semana, publicadas
na edio de 10 de fevereiro de 1912.
Das imagens de balo feitas por Botelho em
1905, bastaram poucos anos para surgir
nova vertente: o Rio visto do alto.
Entre as quatro imagens publicadas, apenas
esta parece cobrir trecho litorneo.
As demais apresentam trechos serranos e
a vista da cidade de Petrpolis.
Acervo Biblioteca Nacional
Ao lado, detalhe de papel de carta
com timbre da Escola de Aviao Curtiss.
Processo 40.667/21 , nov.1 921
Acervo AHSP
Em 1912, por exemplo, o piloto brevetado no ano anterior na Frana,
o paulista Eduardo Pacheco Chaves (1887-1975), originrio de famlia de
grandes cafeicultores, realiza o trajeto, ida e volta, de So Paulo a Santos.
Dois anos depois, em 5 de julho, partindo da Mooca, Edu Chaves, realiza
em 6 horas o voo, pioneiro, entre So Paulo e Rio de Janeiro, a uma
velocidade de 80 km/h, alcanando a altitude de 2.000 metros.
A primeira escola de aviao surge no Rio de Janeiro o Aero Club
Brasileiro, fundado em 1911 pelo tenente Ricardo Kirk, mas em atividade
efetiva apenas em 1916. Associaes do gnero se sucedem nos anos
seguintes, mas as escolas de origem militar marcam presena. Trs anos
depois, em 1914, tem incio as atividades da Escola da Aviao da Fora
Pblica, de So Paulo, primeira de carter militar, baseada no Guapira,
campo do aviador Edu Chaves, ao norte da capital. No mesmo ano surge
a Escola Brasileira de Aviao EBA, no Campo dos Afonsos, no Rio,
onde tambm funcionava o Aero Club
7
. Em 1916, surge a Escola de
Aviao Naval
8
, tambm no Rio, e trs anos depois a Escola de Aviao
Militar, do Exrcito, na mesma cidade.
Em muitas das iniciativas particulares, mas tambm nas militares, participam
de incio pilotos estrangeiros, muitos dos quais nos anos seguintes tm
destaque em vrios setores do campo da aviao.
Anos 1 0: para o alto
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Separata do Informativo AHSP n 37: dez.201 4
S.A.R.A. Brasil : restituindo o Mapa Topogrfico do Municpio de So Paulo
Em So Paulo, apenas em 1921 surgem iniciativas particulares para
estabelecer escolas de pilotagem como a Escola de Aviao Curtiss.
Tentativas de criao de um aeroclube ocorrem na mesma poca, forma
de compartilhamento e difuso adotada ento.
Com a deflagrao da Grande Guerra, em 1914, esse panorama agitado d
lugar entre ns a um momento de pausa. A reduo do ritmo mundial da
economia e o esforo de guerra levam a pesquisa e explorao da aviao
para o campo de batalha. De incio como meio de observao, mas pouco a
pouco como elemento ativo no bombardeio, ao lado dos grandes dirigveis.
Mesmo no Brasil, essa nova funo, alm da prpria implantao das
escolas de aviao militares, tem presena. Em abril de 1914, o aviador
Cicero Marques, um dos participantes pioneiros da Escola da Aviao da
Fora Pblica de So Paulo, oferece-se ao Exrcito para participar nos
combates da Guerra do Contestado (1912-1916), conflito em regio do
Paran que mescla explorao econmica por grandes grupos e
resistncia de movimentos populares. O desinteresse do Ministrio da
Guerra em oferecer um aeroplano adequado frusta a iniciativa. No ano
seguinte, o Exrcito conta com 2 avies de reconhecimento na regio,
mas a empreitada ter pouco flego, terminando com a morte em
acidente areo do Tenente Ricardo Kirk.1 6
Um Zeppelin manobra sobre Anturpia
dias antes da queda da cidade frente s
tropas alems.
A Cigarra, de 29 de outubro de 1914,
traz imagem realizada pelo
correspondente da revista The Sphere,
de Londres.
Acervo Arquivo Pblico do
Estado de So Paulo
Anos 1 0: para o alto
Separata do Informativo AHSP n 37: dez.201 4
S.A.R.A. Brasil : restituindo o Mapa Topogrfico do Municpio de So Paulo
As cidades vistas de aeroplano
1919, em 1 de junho, o magazine A Cigarra, revista de maior circulao no
estado, como se apresenta, anuncia em O Estado de S.Paulo, o lanamento
na segunda-feira seguinte da nova edio
9
que traz com destaque pela
primeira vez no Brasil" imagens da cidade vista do alto
10
.
Nessa edio, alm de imagens do centro e do Brs, a primeira feita em
voo do qual participou o prefeito Washington Lus (1914-1919),
o articulista Delpes comenta o uso estratgico que teve a fotografia na
I Guerra na observao de tropas e a necessidade de aprimorar a tcnica
para vencer no s a camuflagem, mas as dificuldades usuais do registro
fotogrfico areo:
Mas no foi s contra a dissimulao que teve que lutar a fotografia.
Forma-se muitas vezes sobre a terra uma espcie de fumaa tnue e
azulada, invisvel de baixo para cima, mas que, vista do alto,
assemelha-se a imenso vu estendido sobre a paisagem,
1 8
A novidade contamina at mesmo as vinhetas.
A Cigarra, 6 de julho de 1915.
prejudicando a nitidez dos detalhes e tornando necessrio o uso de
lentes finssimas. E na guerra a artilharia antiarea obriga os avies
a planarem sempre grande altura, de modo que os aparelhos
fotogrficos so providos de grande foco para aproximar a objetiva.
Isso faz com que certos aparelhos, com cerca de dois metros de
comprimento, mais se assemelhem a um canho do que a uma
mquina fotogrfica. Torna-se mesmo necessrio o uso da
telefotografia, que no nem mais nem menos do que uma mquina
fotogrfica instalada no fundo de um culo de alcance.
Como a fotografia comum no d ideia exata das dimenses, devido
perspectiva que aumenta o tamanho dos objetos prximos e
diminiu o dos mais distantes, os aparelhos so calculados
rigorosamente, para que as fotografias tiradas de uma certa altura
corresponda exatamente a uma determinada escala. Ainda mais,
a mquina tem que fotografar ao mesmo tempo que a paisagem,
a posio de duas pequenas pendulas de vidro graduadas, que esto
no interior da cmara escura e que indicam a inclinao lateral e
longitudinal do aeroplano no momento em que foi tirada
a fotografia. Essas indicaes, que so indispensveis, tm por fim
facilitar uma verdadeira arte que a restituio fotogrfica e so
obtidas por um engenhoso dispositivo formado por pequenas lentes
que desviam os raios luminosos da objetiva.
Nas grandes alturas em que voam os avies o frio intenso, s vezes
de 40 graus abaixo de zero, o que diminui a sensibilidade das
chapas, tornando-se necessrio aquecer eletricamente o aparelho
fotogrfico. Existem tambm dispositivios para evitar os fenmenos
de condensao e tornar automtica a substituio das chapas.
Porm a ltima palavra o aparelho cronofotogrfico que
sincronizado ao aeroplano e que comporta uma geratriz de corrente
eltrica, uma caixa de conexo e um comando mecnico.
Dispondo-se as engrenagens do aparelho de acordo com a altura e
a velocidade do avio em relao ao solo, podem obter-se centenas
de fotografias formando um nico panorama.
Anos 1 0: para o alto
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As imagens do alto nada tm de inocente nessa descrio, ainda que
ilustrem uma revista de variedades: so frutos da guerra. As tomadas
oblquas do centro da cidade, realizadas pelo tenente observador Dorsaud
(Dorsand), acompanhando os voos dos capites Etienne Lafay e Eduardo
Verdier, todos participantes de misso francesa de treinamento do Exrcito
brasileiro, espalham-se pela imprensa. No apenas vistas de So Paulo
11
,
mas do Rio em especial
12
.
20
As primeiras imagens da cidade, a partir de aeroplano, surgem em 1919,
como anuncia A Cigarra, de 1 de junho.
Aqui, v-se o centro histrico. Na parte baixa, o Teatro Municipal.
Com destaque, quase ao centro da imagem o Mosteiro de So Bento e
o novssimo viaduto de Santa Ifignia. Ao fundo, o Parque do Carmo,
com os bairros do Pari e do Brs, ao fundo.
Acervo Arquivo Pblico do Estado de So Paulo
Tomadas similares, agora em movimento, ganham espao no
documentrio O Rio em aeroplano, produo da Omnia Filme, a partir
do avio pilotado, mais uma vez, por Lafay, instrutor na Escola de
Aviao mantida pelo Exrcito, rara produo cujas imagens foram
preservadas
13
. Exibida nos cines Royal e Central em 20 de setembro de
1921 , a pelcula comentada pela imprensa:
Vistas animadas de 50 a 1. 250 metros de altitude. Pela primeira vez
um operador ousou registrar num filme completo. Os aspectos novos,
curiosos e originais das belezas do Rio de Janeiro. Glorioso
documento reunindo a coleo de 14 ascenses: No Campo dos
Afonsos, a partida Os subrbios e o Instituto de Manguinhos
Aspectos do cais do porto, arsenal, Ilha das Cobras
O deslumbramento da baa e os vasos de guerra Avenida Central,
as ruas do centro, o Monroe, os Arcos, etc Dominando o cume do
Corcovado e abrindo voo do Corcovado at o Po de Acar.
Topografia do Flamengo, Glria, Botafogo, Copacabana e as demais
avenidas beira mar Vises das ilhas Governador, Fiscal,
Enxadas, Viana e outras.
(O Estado de S.Paulo, 20 de novembro de 1921 , p.1 3)
No apenas os voos retomam ento, com o fim do grande conflito
mundial, mas o panorama de atividades cresce em escala, frente ao pr-
guerra, e traz novos temas. Entre eles, a discusso de um cdigo do
ar apresentado pelo [ministro Afrnio] de Mello Franco no congresso.
Eco raro, considerando a rea de ao, a rplica na nascente imprensa
especializada em fotografia, ainda de curto alcance, que critica
a clasula 44 do projeto por proibir o uso, pelos tripulantes ou
passageiros, de qualquer aparelho fotogrfico ou mquina que sirvam
para a fixao de imagens. Publicado na Illustrao Photographica,
em junho de 1919, o foco da contestao garantir a liberdade de ao
dos profissionais da fotografia, de modo a impedir restries a novos
usos como a fotografia erea
14
.
Anos 1 0: para o alto
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Separata do Informativo AHSP n 37: dez.201 4
S.A.R.A. Brasil : restituindo o Mapa Topogrfico do Municpio de So Paulo
O interesse pela aviao cresce aceleradamente. Agora, em um quadro
mais complexo, com novos agentes. Econmicos por um lado, como
representantes de fabricantes de aeronaves, escolas etc, e, por outro, novos
participantes, no mais restritos a interessados originrios da burguesia
local, mas tcnicos formados nas escolas de aviao, mecnicos e todos
os demais operadores necessrios para implantar, ainda que de forma
incipiente, uma estrutura para a aeronutica civil.
Datam tambm desse perodo longas sries de decretos federais
concedendo permisses a interessados em estabelecer servios de trans-
porte de carga e passageiros. Como exemplo, o que faz o decreto
1 3.567, em 26 de abril de 1919, concedendo a Joo Varzea permisso
desses servios entre as principais cidades do Brasil e entre estas e
o estrangeiro
15
. Apenas em 1927, porm, comeam a funcionar no pas
servios regulares
16
.
A aviao como espetculo continua como tema importante na
imprensa, no cinema, na vida em sociedade. Agora, porm, como
fennemo de massa, tendo como fundo especial as prprias comemo-
raes do Centenrio da Independncia.
O cinema, mais uma vez, pode ser usado aqui para indicar marcos
simblicos. Em 1920, exibido no Teatro Salesiano, em 2 de outubro,
a grande produo, em 5 (ou 6) partes, filmada com trs operadores
Festejos ao Prncipe Aimone. A recepo em So Paulo sua alteza real
italiana registrada em todos os pontos da cidade visitados pela comitiva,
da Estao da Luz ao piquenique no Parque Antrtica, e a soberba
manifestao no campo do Palestra. Sem deixar de mencionar, o que nos
interessa em especial por introduzir novos personagens: os arrojados
voos dos aviadores Edu [Chaves] e irmos Robba
17
.
Semanas depois, o cine Congresso, exibe em 19 de outubro o filme, em
5 partes Os reis da Blgica em So Paulo. Produzido e realizado pelos
22
aviadores italianos Robba e Domingos Bertoni (?-1 924), o filme sucede
produo similar, da Fox, sobre a passagem das altezas reais pelo Rio de
Janeiro. Os festejos, na produo carioca, so filmados por 3 operadores,
um deles Joo Etchebehere, de avio, e outro, A. Junqueira, em auto-
mvel e no mar
18
. A novidade explorada por vrias produes, em
especial na chegada dos aviadores portugueses Sacadura Cabral e Gago
Coutinho, em 1922, tema da fita Raid Lisboa-Rio: (. . .) 6 operadores em
vo pela cidade do Rio multiplicaram os seus esforos com o fim de dar
ao pblico toda a beleza da realidade
19
.
As tardes de aviao, eventuais antes da Grande Guerra, retomam com
fora. Os voos realizados no Parque Antrtica ou no Prado da Mooca
ganham agora espaos prprios: os aerdromos.
O jornal Rossi Atualidades, produo da Rossi Filme, em sua edio 23,
exbida em 15 de novembro de 1922, no Cine-Teatro Repblica, entre
recepes ao Presidente da Repblica, inauguraes de estrada de rodagem
etc, inclui cenas da tarde de aviao no aerdromo da gentil sota Tereza de
Marzo. Quase um ms aps, o mesmo jornal Rossi Atualidades, agora na
edio 25, exibida em 12 de dezembro, destaca entre suas notcias:
Inaugurao do novo aerdromo dos irmos Robba
20
.
Thereza de Marzo (1903-1986) e Ansia Pinheiro Machado (1904-1999)
so as primeiras brasileiras a receber licena para pilotagem, em 1922,
tendo ambas como treinador Fritz Roesler (?-1971 ), com o qual a primeira
se casar, abandonando a aviao. Ansia ganha fama ao ser pilota
pioneira a fazer a travessia solo entre So Paulo e Rio em setembro de
1922, cinco meses aps receber a licena
21
.
Foi no Aerdromo Brasil, no Ipiranga, que Thereza inicia seu treinamento
com os irmos Robba: Joo e Henrique
22
. Logo depois a aviadora
inaugura seu prprio aerdromo e escola, que tm pouca durao.
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S.A.R.A. Brasil : restituindo o Mapa Topogrfico do Municpio de So Paulo
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Anesia Machado, sobrinha do General Pinheiro Machado, posa
com seu instrutor, tenente Reynaldo Gonalves, nas instalaes
da Escola de Aviao Curtiss, no aerdromo de Indianpolis.
A Cigarra, 1 5 de fevereiro de 1922.
Acervo Arquivo Pblico do Estado de So Paulo
Na zona norte, Edu Chaves tinha seu campo particular no Guapira
desde a dcada de 1 91 0, sem mencionar as instalaes iniciais
do Campo de Marte, tradicional rea na vrzea do Tiet, que recebe na
dcada de 1 920 as primeiras ocupaes pela aviao. Data do mesmo
periodo, com o crescimento explosivo do nmero de interessados,
a implantao do Aero Club de So Paulo, que surge com diferentes
denominaes na imprensa.
Os irmos Robba, alm de manter o campo de aviao e as aulas,
buscam novas oportunidades comerciais. Em fevereiro de 1922, a revista
A Cigarra registra viagem a Ribeiro Preto de grupo formado por Joo
Robba, o tenente engenheiro Giuseppe Cornetto e o mecnico, e futuro
piloto, Vasco Cinquini (1 900-1930), todos apresentados como associados
ao Aerdromo Brasil. O propsito era avaliar a implantao de rotas
areas comerciais
23
. Os Robba continuariam a procurar novas frentes
24
.
As tardes de aviao so, nesse contexto, um empreitada comercial,
momento publicitrio por excelncia. Essas aes se mesclam ainda com
eventos muito prximos como homenagens e participaes em paradas
militares nas datas nacionais. Um exemplo acontece no domingo, 1 de
abril de 1923, no Aerdromo Brasil, em homenagem misso fascista
italiana a So Paulo, como indicam notas sobre o filme O fascismo em
So Paulo, da Rossi Filme, exibido no Repblica no dia 9 seguinte.
o tema tambm da produo da Ubirajara Filme, exibida no mesmo
cinema no dia 16 Uma bela tarde de aviao
25
:
Um admiravel filme tirado em S.Paulo.
Completa reportagem da grande festa que os aviadores fascistas
italianos efetuaram h dias no Aerdromo Brasil. (. . .) Chegam ao
campo as mais distintas famlias da Pauliceia A formidvel
assistncia daquele dia. - Os primeiros voos Sotas e ases: Thereza
de Marzo e Fritz Roessler Ansia P. Machado e Reynaldo
Gonalves O Tenente Musa O conde Matarazzo e o dr. Fonseca
Anos 1 0: para o alto
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S.A.R.A. Brasil : restituindo o Mapa Topogrfico do Municpio de So Paulo
Cotching O corajoso aviador Umberto R recebe felicitaes
Bombas lanadas pelos aviadores explodem em pontos previamente
marcados O glorioso s fascista R Umberto e seus companheiros
posam para a Ubirajara Filme. Aprestos para a partida
A aplicao do paraquedas Alando voo A mil metros de altura
A dois mil metros Afinal a trs mil metros A grande prova do dia
Um extraordinrio salto no vcuo! Debaixo do cu de anil de
nossa ptria cruzam-se, num fraternal abrao, a gloriosa bandeira
brasileira, o sagrado pavilho da Itlia e o emblema vitorioso do
'fascismo' de alm-mar!
(O Estado de S. Paulo, 1 6 de abril de 1923, p.8)
26
26
Amisso a Ribeiro Preto empreendida em fevereiro de 1922 pelo piloto Joo
Robba, o tenente Cornetto e o mecnico Cinquini registrada na imprensa.
Aqui, em A Cigarra, do dia 15, mas o mesmo flagrante da equipe junto ao avio
reproduzido na revista carioca O Malho, do dia 18, ambas notificando
a inteno de implantao de rotas areas comerciais.
Acervos Arquivo Pblico do Estado de So Paulo e Biblioteca Nacional
Raids areos
To populares quanto a matriz automobilstica da dcada anterior, os raids
areos ganham por sua vez nova escala, agora de alcance global. Edu
Chaves, que realizara a travessia So Paulo-Rio em 1914, completa em
janeiro de 1921 o raid Rio-Buenos Aires. Em 1923, noutro exemplo,
o Brasil recebe os aviadores Pinto Martins, brasileiro, e Walter Hinton,
norte-americano, que fazem a ligao Nova York-Rio.
Em 1927, os italianos Francesco De Pinedo (1 890-1 933), Carlos Del
Prete (1 897-1 928) e Vitale Zacchet, realizam voo partindo de Roma e
percorrendo longo percurso pelas Amricas; no mesmo ano
o brasileiro Joo Ribeiro de Barros (1 900-1 947), que, com o avio
Jah, completa a travessia Genova-So Paulo. No ano seguinte,
o italiano Del Prete realiza a faanha de fazer o percurso sem escalas
entre Roma e Touros, no Rio Grande do Norte, num total de pouco
mais de sete mil quilometros. A cidade do Rio de Janeiro, em especial,
torna-se ponto de passagem obrigatria; ao lado claro de cidades no
Nordeste, pontos fundamentais para voos vindos da Amrica do Norte,
Europa e frica.
Datam do incio da dcada de 1 920 os principais marcos que sinalizam
o crescente interesse do pblico, talvez os primeiros grandes
fenmenos de massa da cidade. A recepo nas cidades brasileiras aos
aviadores portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral, pioneiros da
travessia do Atlntico Sul em 1922, ganha dimenses inusuais.
Antecedendo a chegada do rdio no pas, cuja primeira transmisso
teria lugar meses depois, a populao acompanha atravs de telegramas
na imprensa os desdobramentos do raid desde a partida em 30 de
maro de Lisboa chegada ao Rio em 17 de junho de 1 922.
A imprensa local, em especial os veculos cariocas e paulistanos que desde
a dcada anterior tm na fotografia um novo recurso visual, explora o evento.
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28
A Cigarra faz homenagem a Edu Chaves em
janeiro de 1921 quando vence o raid Rio-
Buenos Aires. O Malho, grande magazine
carioca, exalta em maio de 1927 a tripulao do
Jah, sob comando de Ribeiro de Barros, ao
completar a travessia Genova-So Paulo.
Acervos Arquivo Pblico do Estado
de So Paulo e Biblioteca Nacional
Ao lado, multido acompanha as notcias do
raid do Jah, na porta da redao do jornal
carioca A Patria. Como de hbito, fotos e
telegramas de notcias recentes eram expostos
nas vitrines e entradas dos jornais.
O Malho, 7 de maio de 1927.
Acervo Biblioteca Nacional
A revista A Cigarra, por exemplo, publica imagem de logradouro da cidade
de So Paulo tomado pelo pblico logo aps a divulgao da chegada dos
aviadores ao Rio
27
. Festas e comemoraes diversas esperam os aviadores
portugueses, que se estendem a So Paulo no ms seguinte. Num sbado,
8 de julho, o Aero Club de So Paulo realiza evento com provas de aviao
no Prado da Mooca, oportunidade nica para os adeptos e personalidades
locais tomarem parte
28
. L esto o tenente Reynaldo Gonalves, primeiro
lugar na prova de aterragem de preciso, Edu Chaves, primeiro lugar em
velocidade, Ansia Machado e Henrique Robba. A Cigarra publica com
destaque mosaico de fotos dos participantes e inclui ao centro o retrato de
Joo Robba, primeiro lugar em acrobacia
29
.
Anos 1 0: para o alto
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Fenmeno de massa, em sintonia miditica, ser a recepo ao hidroplano
Jah, em 1927. Comemorando a travessia entre Cabo Verde e Fernando de
Noronha realizada em 28 de abril, So Paulo recebe o piloto e sua
equipe
30
. O fato atrai grande multido, como descreve, num tom frio, mas
em excepcional registro, o relatrio da diretoria da The So Paulo
Tramway, Light & Power, empresa responsvel pelo sistema de bondes
eltricos e fornecimento de energia eltrica para a capital:
A maior ocorrncia relacionada com o material circulante ocorreu
em 1 de agosto, quando mais de 100.000 pessoas sairam para
receber o hidroavio 'Jah' chegando da Europa. A recepo teve
lugar no Reservatrio de Santo Amaro, cerca de 16 quilmetros da
cidade propriamente dita.
O Trfego cuidadosamente organizou os carros em grupos de
acordo com as caractersticas da via. Os grupos de carros
deixariam o Largo da S em determinados intervalos ()
Os passageiros em vrios carros foram contabilizados ao longo
do dia numa mdia de 371, sendo 75 no telhado, 155 nos estribos
e 141 dentro dos veculos. Embora os carros tenham sido
projetados e construdos para suportar apenas de 65 a 90
passageiros, transportaram ao longo do dia uma sobrecarga entre
400 e 500%. O equipamento resistiu maravilhosamente, sem
qualquer defeito mecnico ou eltrico
31
.
A figura herica do aviador faz parte assim das dcadas de 1910 e 1920 de
forma nica, expresso individual de uma indstria complexa. oportuno
comentar, marco importante nessa construo, que menos de um ms aps
o raid do Atlntico Sul pelo Jah, Charles Lindbergh (1902-1974), realiza
entre 20 e 21 de maio a travessia entre o estado de Nova York e Paris em
seu voo solitrio no Spirit ofSt Louis
32
.
Completando esse fenmeno miditico, em especial nas aproximaes
entre aviao e cinema, seria oportuno comentar o lanamento em 31 de
30
outubro de 1925 do longa-metragem brasileiro: Hei de vencer. Produo de
grande porte da Guanabara Filme, sob coordenao de Antonio Tibiri,
tem como operador Lus de Barros (1893-1982), importante diretor nas
dcadas seguintes.
O filme de aventuras, realizado no Rio e So Paulo, tem como centro mais do
que o enredo esperado, as aventuras dos aviadores
33
. Com destaque na
imprensa para a participao dos aviadores Joo Robba, Reynado Gonalves
e Ansia Pinheiro Machado, todos eles representantes conhecidos do periodo,
so as acrobacias mirabolantes que ganham espao nos anncios e no cartaz
com cenas de batalha area. Em 7 de fevereiro, como anuncia a imprensa
local
34
, o ator Antonio Sorrentino salta a 200 metros de altura entre os avies
pilotados por Joo Robba e Ansia Machado sobre o Campo de Marte!
Fico e realidade, numa expresso clssica, parecem se misturar, ou
encontram, talvez, seu ponto de confluncia ideal.
Anos 1 0: para o alto
31
Cena do filme Hei de vencer "apanhada" em pleno voo sobre o Campo de Marte:
aviao e cinema constituem campo irradiado de valores de uma modernidade tcnica.
A Cigarra, 1 5 de fevereiro de 1924.
Acervo Arquivo Pblico do Estado de So Paulo
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S.A.R.A. Brasil : restituindo o Mapa Topogrfico do Municpio de So Paulo
Um novo olhar: fotogrametria
Em menos de quinze anos aps o vo baixo sobre o campo de Baga-
telle, a aviao constituia-se como espao de grande investimento
material e simblico. Indo alm do desenvolvimento de aeronaves,
formao de equipes de uma vasta gama de especialidades e implan-
tao de infraestrutura civil e militar, novos usos e funes comeam
a tomar forma.
A fotogrametria, em aplicao prtica desde as duas ltimas dcadas
do sculo XIX, no parece ter registro no Brasil at o incio do sculo
XX. Idealizada a partir da interpretao analtica de fotografias,
o processo permitia registrar a volumetria de determinados terrenos em
forma cartogrfica. Realizada a partir de fotos tomadas em pontos
elevados e mesmo a partir de navios, a fotogrametria tinha uso estabe-
lecido na Europa e Amrica do Norte.
No que seu uso fosse desconhecido dos engenheiros e tcnicos brasileiros
da dcada de 1890. Um exemplo disso a resenha, em 1896, de Louis
Cruls (1 848-1908), atuante desde meados dos anos 1870 no Observatrio
Imperial do Rio de Janeiro, sobre a obra de Glio Towne, editada no
mesmo ano em Paris pela Livraria E. Bertaux. O livro, intitulado Astrono-
mie, Astrophysique, Godesie, Topographie et Photogrammtrie pratique,
escrito em dois volumes, recebe apreciao positiva, embora com pequenas
ressalvas sobre seu carter eminentemente prtico
35
.
Ainda assim o desenvolvimento do campo seria objeto da bibliografia
tcnica que os engenheiros brasileiros na virada para o sculo XX
dispunham, como tambm tinham contato em seus programas curri-
culares. O Brasil, alm disso, interessava a aqueles que pretendiam
explorar comercialmente o sistema. Ao menos, quanto garantia de
patentes. Assim, os registros publicados nos Dirios Oficiais, da Unio,
permitem acompanhar os avanos no setor.
32
Em 26 de dezembro de 1906, por exemplo, Theodor Scheimplug (1865-
1911 ), domiciliado em Viena, ustria, apresenta, atravs de representante
legal no Rio de Janeiro, um memorial descritivo sobre novo processo de
obteno de cartas topogrficas para registro de privilgio de uso no pas.
Seu processo, objeto de longa argumentao, sem descrio precisa de
equipamento ou metodologia, busca garantir a preciso no uso de foto-
grafias obtidas por bales e pipas, como tambm de navios e pontos
elevados, atravs da determinao exata do ponto de tomada e reti-
ficao, estabelecendo a transposio da imagem em perspectiva central
para projeo ortogonal, permitindo ento a gerao de mapas. O processo
possibilitava a retificao pelos mtodos atuais da fotogrametria
(anlticos e geomtricos) como do stero-comparador de Pulfrich
36
,
produzido pela casa Zeiss, de Jena. O privilgio concedido sob o nmero
4.836 e publicado em 20 de fevereiro de 1907
37
.
Longo perodo, parte devido ao tempo de desenvolvimento das pesquisas e
parte pelas dificuldades impostas pela Grande Guerra, se estende at novo
registro do gnero. Em 17 de agosto de 1921 , o Ministrio da Agricultura,
Indstria e Comrcio, d privilgio de exclusividade por 15 anos a
Umberto Nistri (1895-1962), oficial do Exrcito italiano, estabelecido em
Roma, que solicita registro de patente para um novo processo fotogra-
mtrico para levantar plantas, e um aparelho para esse fim, conforme
registro publicado em 7 de setembro sob nmero 12.192
38
.
Um memorial extenso explica o conceito do processo e do equipa-
mento proposto por Umberto Nistri, sendo publicado na edio do
dia 21 do mesmo ms
39
. O sistema, como outros que lhe so con-
temporneos, introduz uma alternativa, o que veremos adiante, aos
mtodos empregados pela fotogrametria, de natureza analtica-
geomtrica, utilizando equipamentos que permitem, numa expres-
so da poca, a obteno automtica das pranchas cartogrficas
com curvas de nveis. Associavam-se desse modo ganho de produ-
tividade e maior acuracidade.
Anos 1 0: para o alto
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S.A.R.A. Brasil : restituindo o Mapa Topogrfico do Municpio de So Paulo
Contribuio promissora para o uso entre ns da fotogrametria ocorre em
outra esfera, atravs das aes do Estado no setor militar. no Ministrio da
Guerra, no incio da Repblica, que ato legal cria o Servio Geogrfico.
Embora seja longo e moroso o processo de sua efetiva implantao, como
veremos, sua produo conhecida de seus contemporneos
40
.
Sinal disso, artigo publicado em julho de 1927, sobre navegao
fluvial, que transcreve projeto apresentado Camara Federal por Aaro
Reis, deputado pelo Par. Seu escopo o servio de navegao e
a necessidade de intensificao e desenvolvimento do setor nas bacias
dos rios Paran e Paraguai. Citando fala do deputado, que prev em sua
proposta o uso de hidroavies, com base em Corumb, fica claro
o conhecimento das atividades do Servio Geogrfico:
Alm disso, ser possvel, desde logo, utilizar os avies daquela
linha, sem prejuzo do trfego regular, e, com pequena despesa, nos
servios de levantamento topogrfico daquela vasta regio,
empregando o mtodo 'aero-estreo-fotogramtrico', com tanto
sucesso e proficincia j aplicado pelo excelente 'Servio Geogrfico
do Exrcito', que, em pouco tempo, poder-nos- preparar, assim
a cartografia definitiva do trecho do rio Paraguai sob nossa
jurisdio e da regio adjacente
41
.
Meses aps a proclamao da Repblica, o decreto federal n 451 -A, de
31 de maio de 1890, reorganizava o Observatrio do Rio de Janeiro
42
e
subordina-o ao Ministrio da Guerra
43
. Cria-se ento o servio
geographico, cujo regulamento consta daquele ato legal, estabelecendo
seu perfil como unidade de produo e formao especializada em
cartografia
44
. Meses depois, novo decreto, n 859, em 13 de outubro, cria
no Observatrio uma escola de astronomia e engenharia geogrfica.
A proposta do Servio Geogrfico no foi, tudo indica, implantada
em termos prticos. Suas funes voltam a ser reividicadas em 1 900
34
no mbito das discusses sobre o Projeto da Carta Geral do Brasil.
H grande nfase nas argumentaes sobre o mapeamento do terri-
trio quanto s fronteiras e, em especial, na regio do Rio Grande do
Sul, palco de grandes conflitos enfrentados no sculo XIX com
os pases platinos.
Quase duas dcadas depois, em meados da I Guerra Mundial, em 1 91 7,
tem incio aes efetivas para organizao do ento Servio
Geogrfico Militar, subordinado, como diversos outros ncleos de
apoio tcnico, diretamente ao Estado-Maior do Exrcito. Naquele ano,
em 6 de junho, o decreto n 1 2.503 abre crditos diversos entre eles
para maquinismos, sendo 1 5:000$ para trabalhos preliminares de
organizao e execuo do servio geogrfico militar, concernente
estereofotogrametria e topografia militar, 500:000$. Mais adiante, em
4 de setembro, o decreto n 1 2.631 destina mais 50$000 para
trabalhos preliminares de organizao e execuo do servio geo-
grfico militar
45
.
O setor instalado, em 1917, na antiga fbrica no Morro da Conceio,
rea central da capital federal, edifcio que se encontra quase em runas,
mas, ressalva o relatrio, em condies de uso. As atividades se
encontram organizadas, de incio, em grupos especializados: geodsia,
topografia, estatstica regional, estereofotogrametria e topografia expe-
dita. Essa organizao ganha com o tempo novas configuraes.
Nos anos seguintes pouco se sabe sobre aquela unidade, porm
46
.
Em 1921 , as atividades registradas no relatrio anual indicam
a ampliao das instalaes com a compra do Palcio do Arce-
bispado e anexo, no Morro da Conceio. Mais importante, o texto
registra que somente nesse ano foi possvel receber elementos
essenciais de trabalho, encomendados no exterior
47
. A nfase,
ento, entre 1 91 7 e 1 921 foram as obras nas instalaes e os traba-
lhos de instruo das diversas equipes.
35
Anos 1 0: para o alto
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S.A.R.A. Brasil : restituindo o Mapa Topogrfico do Municpio de So Paulo
O relato, relativamente extenso, alm da nfase em organizao e
treinamento, indica um planejamento a mdio prazo, como faz crer
o tpico Cartografia brasileria. Estudo do seu programa
48
. Curto,
contudo, o texto convive com digresses sobre o uso da fotogrametria,
que a elegem como a modalidade tcnica que deve predominar nos
anos seguintes.
O tpico Mtodos e processos de levantamento assim inicia:
A experincia tem consagrado sem restrio a fotogrametria (terrestre,
martima e aeronutica) em todas as suas modalidades, como
o principal recurso de execuo e elemento primordial de organizao
do servio geogrfico militar. Cauteloso, porm, o texto aponta que
frente a uma eventual falta de recursos os mtodos tradicionais, como
a topografia militar, devem ser mantidos.
Existe, neste momento, um ncleo especializado em servios de
aerotopografia, tpico que revela um marco importante: o levan-
tamenteo areo do Distrito Federal. A nota, quase indireta, surge ao
informar que a instruo tcnica est sendo ministrada em paralelo
execuo desse trabalhos.
Esse levantamento foi feito com 22 voos realizados somente em 16
dias, nos quais o servio de aviao militar pde dispor de avies
eficientemente preparados.
Num percurso areo de 748 km, a uma altura de 2. 500 metros, foram
expostas 948 chapas fotogrficas tiradas com eixo tico vertical
cobrindo uma rea de terreno de 1. 345 km
2
aproximadamente
49
.
Quase certo, deste primeiro levantamento realizado no Brasil, aplicado a
reas urbanas em grande extenso, que deveria gerar uma cartografia em
escala 1 :50.000, pouco mais revelado nos relatrios. Dados como
equipamentos utilizados, produo de fotocartas controladas, procedimentos
como retificao, so ignorados. Teriam as equipes condies de realizar
36
37
ento a transposio para pranchas cartogrficas ou seriam as fotocartas
meras referncias para os mtodos cartogrficos tradicionais?
O relatrio, logo adiante, volta a a afirmar sua previso, aqui de modo
especfico, que a estereofotogrametria aeronutica ser modalidade
predominante. Menciona-se ainda a organizao de estudos para
produo de equipamentos nas oficinas do Servio Geogrfico Militar,
sem indicar a natureza dos mesmos, como tambm registra-se o estudo
sobre as caractersitas a satisfazer para um tipo de avio-anfbio
destinado a essas operaes
50
.
O ano de 1922 traz alguma novidade. H meno direta s instalaes
transitrias destinadas estereofotogrametria no Morro da Conceio,
bem como o projeto para um servio, tambm transitrio, de impresso
cartogrfica
51
. Mais importante a meno ao transporte de estereo-
autografo para o Servio Geogrfico sediado no Morro da Conceio.
Infelizmente, pela natureza irregular desses relatos, no existem
referncias concretas sobre o equipamento e seu uso efetivo, agora e nos
prximos anos pesquisados.
Oportuna meno, ao relacionar os projetos em andamento, confir-
mar a organizao efetiva do servio geogrfico militar em 191 8. Entre
os trabalhos, para 1 922, constam o Preparo dos elementos de trabalho
(pessoal e material) para o levantamento do Distrito Federal na escala
de 1 :50.000 com 4 turmas de geodsia, 2 de estereo-fotogrametria, 1 de
aerotopografia e 1 0 de topografia"
52
.
1 923 e os anos seguintes trazem notcias preocupantes. O longo relato, de
seis pginas, sobre a unidade revela a continuidade das tarefas e nfase
sobre treinamento das equipes
53
, mas h atraso nas obras das instalaes,
parcialmente ocupadas ento. As aquisies de material tcnico no exterior,
que inclui trens estereofotogramtricos, aqui entendido na acepo
genrica do termo 'trem, enfrentam os atuais preos exorbitantes
54
.
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38
O item Estereofotogrametria revela que o treinamento dos oficiais
da seo est sendo feito por tcnico especialmente contratado e
prev para setembro de 1 924 o incio de trabalhos de campo para
levantamento estereofotogramtrico do municpio de Niteri.
A seo dedicada aerotopografia, provvelmente responsvel pela
fase dos voos, realizou em janeiro alguns voos em aparelho
Caudron, complementares ao levantamento do Distrito Federal, e
organizou o anteprojeto do Estado do Rio
55
. Mais adiante acres-
centa: Em maro iniciou-se a confeco dos registros de negativos,
de cpias e de fotocartas referentes aos voos no Distrito Federal,
servio j ultimado.
Os anos de 1924 e 1925, como revelam os relatos especficos so
desalentadores. Os eventos subversivos de julho a Revoluo de 1924
geram interrupes graves dos servios, embora o tom dos relatrios procure
atenuar o fato evidente. H perda de praas da unidade e decide-se por investir
no treinamento dos oficiais. o que ocorre em 1925 quando realizado um
curso sobre estereofotogrametria. A seo de aerotopografia menciona voos de
instruo para oficiais no Campo dos Afonsos e experincias com aparelhos
aerotopogrficos. O destaque dado produo de publicaes, entre elas
Apontamentos de estereophotogrammetria, quase certo uma das mais antigas
do gnero no pas.
A impossiblidade de acesso no momento a relatrios para o perodo de
1926 e 1933 permite especular sobre eventual recuperao. Sempre,
claro, a temer as consequncias das revolues de 1930 e 1932 sobre
a unidade
56
. O relatrio para o ano de 1934 desalentador. Trs
pargrafos apenas so destinados ao, agora, Servio Geogrfico do
Exrcito. Alm da meno reorganizao geral do Ministrio, sabe-se
que a 2 Diviso de levantamento, sediada no Rio, ficou sem efetivo.
Ainda assim, comemora-se a organizao da 1 Diviso, sediada em
Porto Alegre, regio de fronteira, cuja demanda de servios cartogrficos
h muito uma prioridade militar.
39
O pioneirismo do Servio Geogrfico na formao e treinamento de
equipes estveis para emprego da aerofotogrametria no quadro de suas
atribuies evidente nos breves relatos anuais do Ministrio da Guerra.
A correta extenso dos servios e efetiva contribuio so aspectos que
demandaro esforos para traar um quadro mais preciso sobre o tema.
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40
Prembulo necessrio: Rio de Janeiro
Em 1928, quando Prefeito da cidade de So Paulo Jos Pires do Rio
(1 880-1 950)
57
, promulgada a lei n 3 .203 , de 1 7 de julho, que o
autoriza a contratar o levantamento topogrfico do municpio, pelo
processo que julgar mais conveniente e mediante concorrncia
pblica, conforme ementa. O texto legal lacnico. Seus quatro
artigos pouco informam, alm de autorizar a entrar em acordo com
o governo estadual para eventual parceria no empreendimento. E,
no houvesse registro alternativo, mascararia assim as discusses e
proposies por trs dele. Voltemos um pouco mais no tempo,
fazendo uso dos anais da Cmara Municipal, aos primeiros dias de
maro daquele ano.
A sesso da casa legislativa, em 3 de maro, registra a entrada do ofcio
n 265, do Senhor Prefeito, em que solicita autorizao para contratar
a empresa Junkers Flugzeugwerk A. G. para realizar o levantamento
aerotopogrfico do municpio. Segue em anexo ao ofcio a carta pro-
posta apresentada no dia primeiro
58
pelos representantes da companhia
sediada em Dessau na Alemanha
59
. O oficio encaminhado pelos
responsveis pela sesso para apreciao das comisses de Justia,
Obras e Finanas.
O parecer das comisses, datado de 22 de maro, apresentado na
sesso da Cmara de 14 de abril. Assinado por seis vereadores, entre eles
Goffredo Teixeira da Silva Telles (1 888-1980)
60
, o texto chama a ateno
pelo debate dos aspectos tcnicos da proposta, no qual a participao
deste parlamentar parece ser fundamental
61
.
Um embate legislativo, tumultuado, ameaa de incio tomar conta do
debate, provocado pela forma improvisada do Executivo ao justificar
a solicitao. Feita a ressalva pelos participantes das comisses, sur-
presos com o fato, o debate toma outro rumo
62
.
41
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O texto, em seu conjunto, surpreende por analisar os detalhes, contestar
e propor novos produtos. E, antes de tudo, por justificar, ele mesmo,
a necessidade do levantamento topogrfico como instrumento de
planejamento e controle fiscal, por exemplo, bem como a adoo do pro-
cesso aerofotogramtrico, que se somam aos adotados nos trabalhos da
municipalidade.
No h negar o interesse de um rigoroso levantamento topogrfico
do municpio.
Bem o compreenderam sempre os poderes municipais. Para
a consecuo desse objetivo tendem, h longos anos, os esforos
louvveis, mas forosamente lentos, da Seo de Cadastro e
Urbanismo. A planta oficial de So Paulo, fruto de um trabalho
consciencioso, vai-se esboando por partes, j se achando
reunidos interessantes elementos de estudo para vrios setores
centrais da cidade.
Contudo, no ser exagero afirmar que a tarefa. . . ainda est por
principiar.
Ante o vulto do que resta por fazer, bem pequena, de fato, parece
a obra executada. Por desvelados e altamente proficientes que se
tenham revelado, em vrias ocasies, os engenheiros daquela
repartio tcnica, poucos como so eles, e sobrecarregados de
um exaustivo expediente burocrtico, no lograram at hoje,
obstar a que a morosidade seja a principal caracterstica de seus
trabalhos topogrficos. Morosidade, sobretudo, flagrante, em
confronto com os processos de vertiginosa metamorfose por que
vai passando a paisagem urbana da capital. Como efeito natural
dessa lentido, o cadastro da Prefeitura tem o vcio inicial de
nascer velho. Rigoroso, embora, geometricamente exato, mas
velho. Enquanto se organizam as plantas trecho por trecho, nos
escritrios oficiais, as vias pblicas e as construes das reas
levantadas saem de seus alinhamentos primitivos. Quando
o trabalho concluido aparece, tarde. As poucas folhas cadastrais42
que se acham estampadas j valem como recordao do passado,
no registrando mais os aspectos atuais de S. Paulo. E, j hoje,
portanto, quando se quisesse cuidar das folhas ainda inditas,
cumpriria tambm, como trabalho de igual urgncia, proceder
reviso das que se davam por feitas.
No s a escassez dos nossos quadros tcnicos concorre para
a lentido dos servios cadastrais.
inegvel que os processos correntes de levantamento
topogrfico, usados ainda em So Paulo, como o foram, at
ontem, em todos os pases, no autorizam, pelas dificuldades
naturais em que esbarram, a esperana de resultados prontos e,
sobretudo, econmicos.
Comprovam essa assero as longas testativas (sic) levadas a efeito
no Rio de Janeiro, desde quase os primeiros tempos da Repblica,
para o levantamento do Distrito Federal, empresa em que se
consumiram, sem resultado compensador, quase duas dezenas de
milheiros de contos.
Cingir-se, pois, a administrao paulista ao emprego nico do
teodolito e do taquemetro, quando j hoje o sistema dos
levantamentos areos permite decuplicar, com muito menor
dispndio, a rapidez e a eficincia dos processos geodsicos,
protelar sem motivo um servio de primordial importncia que
o progresso da capital torna cada vez mais necessrio.
, de fato, na aerofototopografia que se encontra a soluo prtica
do problema.
Compreendeu-o, em bora hora o ilustre sr. Prefeito.
As comisses regimentais da Camara, sem embargo das objees
que vo opor proposta do eminente chefe do executivo municipal,
dirigem-lhe seus aplausos pela iniciativa com que to
oportunamente suscitou a discusso do assunto.
(CMSP, Anais 1928, p.21 5-216)
43
Prembulo necessrio: Rio de Janeiro
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S.A.R.A. Brasil : restituindo o Mapa Topogrfico do Municpio de So Paulo
Surpreendente acordo e comunho de interesses mereceriam discusso
prolongada. Dois argumentos podem ser utilizados, por ora, para
compreender o ocorrido de forma breve. O primeiro, motivo da parte
inicial deste ensaio, o impacto em si da aviao na sociedade
contempornea, seja pelos avanos tcnicos, seja pela funo simblica
dentro da experincia urbana moderna. O segundo diz respeito ao campo
particular dos estudos de planejamento urbano. Nos anos 10, as estruturas
oficiais em seus diversos nveis comeam a dar espao a uma gerao de
especialistas, que iro pensar servios e polticas para as prximas
dcadas. Para ficar num exemplo de fcil compreenso, basta lembrar
a figura do engenheiro Francisco Prestes Maia (1896-1965). Atuando de
incio em setores dedicados viao e obras pblicas nos governos
estadual e depois municipal, responde por plano de reestruturao da
capital em larga escala, uma das tantas iniciativas que desde meados
da dcada de 1910 ocorrem em diferentes configuraes nas cidades do
Rio de Janeiro e So Paulo.
Se h acordo no parecer sobre a necessidade do levantamento e sobre
o mtodo adotado, h por outro lado uma longa srie de contestaes.
A primeira dela diz respeito ao controle de qualidade que o projeto deve
respeitar: Um cadastro faz f ou no existe
63
. Prossegue o texto apontando
pontos crticos, que esclarecem tambm aspectos sobre as diferentes etapas
do processo, que encontraro, na forma final da lei ali proposta,
detalhamento tcnico pertinente
64
.
Entre os riscos de ordem tcnica, para essa classe de levantamentos,
existem, por exemplo, o das derivaes que falseiam os planos,
motivadas pela falta de perpendicularidade dos aparelhos; o das
inobservncias da altitude prefixada, que determinam erros de escala
s aparentemente corrgiveis com ampliaes ou redues dos positivos
fotogrficos, o da inexatido das cotas de nvel ocasionada pela
insuficincia dos trabalhos de ateli em que se procede 'restituio'
das chapas, ao preparo das provas e composio das plantas.
44
Sabem quantos se ocupam do assunto que as fotografias do operador
devem ser obtidas verticalmente, frente ao solo, afim de registrar
a imagem deste na mesma posio e forma em que ele deve ser
posteriormente representado na planta. Sabem, alm disso, que
os negativos fotogrficos no devem apenas seguir-se uns aos
outros, mas sobrepr-se, recortando-se uns nos outros de modo
a que a rea abrangida por cada um seja parcial e paralelamente
recoberta pela area fixada nos negativos vizinhos.
Qualquer inobservncia desses preceitos elementares, preceitos que
no s retardam como encarecem notavelmente as operaes,
conferiria eiva de suspeio aos resultados obtidos.
(CMSP, Anais 1928, p.216-217)
Resta assim municipalidade garantir a indiscutvel idoneidade tcnica
do proponente a Junkers Flugzeugwerk , pois no figura no processo
qualquer documentao tcnica comprobatria. Exigem ainda os avalistas
mudanas em vrios tpicos.
Sobre as coordenadas de referncia de nvel e altitude, por exemplo,
necessrias para a etapa de triangulao, que a proponente requer,
o parecer recomenda que os dados sejam fornecidos sem responsa-
bilidade da municipalidade, frente insuficincia dos trabalhos
topogrficos executados at hoje (CMSP, Anais 1928, p.21 8).
A preocupao sobre controle de qualidade nas diferentes fases avana
em diversos momentos do parecer.
Parece depreender-se da proposta em apreo que os trabalhos de
ateli (restituio das chapas, retificaes de escala, operaes com
o cartgrafo, acerto ageral, acerto de detalhes, passagem tinta,
redao das plantas, etc. ) sero executados em So Paulo sob
as vistas dos engenheiros municipais. , porm, indispensvel que
figure, no contrato, clusula mais precisa sobre o assunto. Alm do
interesse de um controle direto e fcil desses trabalhos, por parte da 45
Prembulo necessrio: Rio de Janeiro
Separata do Informativo AHSP n 37: dez.201 4
S.A.R.A. Brasil : restituindo o Mapa Topogrfico do Municpio de So Paulo
Prefeitura, bvia a convenincia de serem, desde o princpio,
zelosamente guardados e mantidos em So Paulo os documentos
originais (chapas, folhas de campo, etc) com que se vo organizar
as plantas oficiais do municpio.
J muito que se permita, e isso por falta de oficinas adequadas
entre ns, a gravao da planta e a tiragem da edio em pas
estrangeiro.
(CMSP, Anais 1928, p.21 8-219)
Por fim, exige-se que o levantamento adote os mtodos da fotografia area
(fotorestituio e estereofotogrametria), combinados com os sistemas da
geodsia e topografia comum
65
.
O foco passa agora para a discusso dos produtos finais a serem entregues.
Contesta-se da proposta original feita pela Junkers a execuo de duas
plantas: a primeira na escala de 1 :5.000, cobrindo rea de cerca de 12.000
hectares (120 km
2
), relativa parte central, urbana e suburbana de So
Paulo; a segunda, na escala de 1 :20.000 abrangendo todo o municpio.
Como alternativa prope-se, como de maior urgncia, a produo de uma
planta de urbanismo em escala grande, compreendendo a cidade e
o subrbio prximo (CMSP, Anais 1928, p.219).
A primeira verso da lei para o edital, apresentada no parecer, prev apenas a
produo de um levantamento na escala 1 :2.000, cobrindo rea aproximada
de 12 a 15 mil hectares (120 a 150 km
2
). Assumiria a contratada o compro-
misso da realizao de outros levantamentos em escalas a definir, nas
mesmas condies de tcnica e preo
66
.
Prev-se ainda que as pranchas do levantamento seriam entregues na
forma de fotocartas, com 10 exemplares cada, alm do mapa-ndice
67
.
A tiragem impressa da transcrio cartogrfica corresponderia a 150
exemplares por prancha, alm de um verso para decalque permitindo
assim a obteno de cpias de trabalho por transparncia.46
Toda a memria de trabalho seria entregue municipalidade, como
estabelece o artigo 18 da proposta de lei. Incluem-se a negativos,
provas, fotocartas, folhas e cadernetas de campo, devidamente
numerados, catalogados e acondicionados, passando a ser exclusiva
propriedade municipal, no sendo permitido contratante fornecer a
terceiro qualquer original ou cpia (CMSP, Anais 1928, p.222).
Aspecto chave, o custo da proposta ganha relevncia, sem porm ser
analisado de forma explcita. Revela, porm, na perspectiva deste ensaio,
aspecto surpreendente. A comisso exige que a proponente respeite
os preos por hectare sensivelmente mais mdicos apresentados por
ela na concorrncia pblica para o levantamento do Distrito Federal.
Ainda assim orienta que o edital no retire a qualquer outra entidade,
nacional ou estrangeira a possibilidade de concorrer com melhor oferta
mantidas as garantias de idoneidade tcnica e financeira.
Ao final da sesso, o vereador Goffredo Telles pede adiamento da
discusso por oito dias. Aproveitaremos aqui essa pausa para recuperar
as aes desenvolvidas pelo governo do Distrito Federal para realizar
o levantamento cartogrfico do seu territrio com o emprego da aero-
fotogrametria. nesse contexto, novo na historiografia sobre o Mapa
Topogrfico do Municpio de So Paulo, que ser possvel conhecer
o horizonte da produo cartogrfica naquele momento histrico no
quadro de usos e fins propostos.
O Rio de Janeiro: a gesto Antonio da Silva Prado Junior
Prefeito nomeado, Antonio da Silva Prado Junior (1 880-1955) assume
a administrao do Distrito Federal em novembro de 1926, com o incio
do mandato presidencial de Washington Lus (1 869-1957).
Engenheiro, de tradicional famlia paulista ligada agricultura cafeeira,
com grande presena na poltica, filho do conselheiro Antonio Prado
47
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(1 840-1929), que fora o primeiro prefeito da capital paulista, Antonio
Prado Junior exerce seu mandato na administrao do Distrito Federal
at outubro de 1930, quando irrompe a Revoluo de 1930.
Reveste-se, com grande expectativa, sua primeira mensagem ao
Conselho Municipal em primeiro de junho de 1927
68
. O quadro apresen-
tado nesse discurso ao mesmo tempo um balano da situao
encontrada e um conjunto de aes para sua gesto. Destas aes,
o primeiro segmento traz um extensa relao de obras virias na cidade,
mas so dois itens finais do bloco II Obras e Viao, que tm
relevncia aqui.
O primeiro Urbanismo diz respeito ao convite feito ao urbanista
francs Alfred Agache (1875-1959) para realizar algumas conferncias
afim de desenvolver o interesse pblico pelos problemas de urbanismo,
criando assim, uma atmosfera favorvel execuo de melhoramentos
na cidade. (. . .). Entre as conferncias programadas, embora no men-
cionada na transcrio nos jornais, incluia-se aquela intitulada A fotografia
area e as plantas da cidade (PAMPLONA, 2014, p.30).
O Sr. Alfred Agache, arquiteto laureado, secretrio geral da
Sociedade Francesa dos Urbanistas, e autor consagrado de vrias
obras sobre a construo e reconstruo de cidades, aldeias e
cidades-jardins, possui, pelos seus trabalhos executados com xito,
a autoridade cientfica para nos explicar, no s como o problema de
urbanismo se apresenta aos tcnicos, mas, tambm, para indicar
o modo mais prtico de atacar esse problema, passando depois ao
estudo do plano regulador e, enfim, como dever funcionar,
no futuro, a direo desse mesmo plano.
As conferncias do Sr. Agache sero feitas: - umas para o pblico;
outras para os tcnicos, arquitetos, engenheiros, etc. ; e mais outras para
as autoridades municipais e funcionrios da diretoria de obras e viao.
(O Paiz, RJ, 3 de junho de 1927, p.1 )
48
O ltimo item do bloco introduz por fim a proposta daquela que ser
a primeira cobertura topogrfica de grandes centros urbanos brasi-
leiros por meio da aerofotogrametria. Ainda em sua fase inicial,
a transcrio integral do tpico permite identificar os produtos
programados e agentes envolvidos. A sua gnese, em ao paralela ao
convite a Agache, e o contexto do discurso do Prefeito indicam
minimamente a ambio das obras propostas e o investimento em
instrumentos de apoio.
Carta Cadastral
69
Levantamento estereofotogramtrico
No sentido de organizar, de modo rpido e exato, a planta
topogrfica do Distrito Federal com os precisos detalhes,
compreendendo o assinalamento e a localizao dos prprios
municipais, entrei em conversao preliminar com o Sr. capito
Ronald Mac Nell (sic) a respeito do respectivo levantamento pelo
mtodo estereofotogramtrico com o auxlio de avies.
O capito Mac Nell prope-se a fornecer, dentro de menos de um
ano, seis grupos de plantas fotogrficas da rea urbana e
suburbana do Distrito Federal, de mais ou menos 300 quilmetros
quadrados nas escalas de 1:2. 000 e de 1:5. 000, bem como uma
planta fotogrfica de toda a rea do Distrito Federal na escala de
1:50. 000.
Excusado me parece encarecer a necessidade e importncia desse
servio e, em tempo oportuno, uma vez examinada a proposta do Sr.
Mac. Nell tratarei do assunto em mensagem especial.
Sobre o capito Mac Nell Ronald Frank Rous McNeill
70
, nova
referncias surgem mais a frente. A presena britnica na aviao ,
coincidentemente, foco de artigo na imprensa local. O peridico carioca
Wileman's Brazilian Review, em sua edio de 9 de junho, comenta
o progresso britnico no setor
71
. Entre as reas do setor com crescente
interesse comercial destacaram-se em 1926 as voltadas para levantamentos
areos (air survey).
49
Prembulo necessrio: Rio de Janeiro
Separata do Informativo AHSP n 37: dez.201 4
S.A.R.A. Brasil : restituindo o Mapa Topogrfico do Municpio de So Paulo
O articulista cita expressamente o envio previsto para dezembro de 1927
de equipe da Aircraft Operating Company (AOC) ao norte da Rodsia,
ex-colnia britnica hoje dividida entre Zimbawe e Zmbia, para
registrar 20.000 milhas quadradas quase 52 mil km
2
, o equivalente
rea do estado do Rio Grande do Norte para a Minerals Separation
Company, bem como preparar mapas de reas selecionadas na regio de
ocorrncia de jazidas de cobre, em suas 52 mil milhas quadradas.
O artigo menciona ainda as atividades da Aerofilms Company,
subsidiria da AOC, com trabalhos de cobertura fotgrafica finalizados
em 1927 na Inglaterra e futuros contratos na Malsia.
Com alguma presteza o Prefeito Antonio Prado Junior envia a mensagem
n 618 ao Conselho Municipal em 31 de agosto de 1927. O texto breve:
solicita crdito especial at o valor de dois mil contos (2.000:000$000).
Como justificativa sumria consta a meno comisso organizada em
1893 pelo Prefeito Cndido Barato Ribeiro (1 843-1910), primeiro a
ocupar o cargo no Distrito Federal, entre 1892 e 1893. Por sete anos, at
sua extino, a comisso designada organizou as plantas oras
existentes
72
. Fica expressa na mensagem a adoo na presente proposta
dos mtodos fototopogrficos pela agilidade e custos reduzidos frente
aos tradicionais, argumentos que veremos adiante.
O debate parlamentar foi severo como indicam as notas esparsas na
imprensa carioca at j aneiro do ano seguinte. No s pelos gastos
no levantamento ou na contratao de Alfred Agache, mas
certamente pelo conjunto de obras urbanas propostas. O contexto
poltico imediato, num primeiro ano de mandato, indica problemas
a curto prazo.
Apenas nos primeiros dias de 1928, o oramento municipal aprovado.
No dia 5 de janeiro, o decreto legislativo n 3.268 autoriza o crdito
solicitado pelo Prefeito
73
. Com agilidade, o edital assinado no dia 9,
sendo publicado em seguida
74
.
50
Com data-limite para apresentao das propostas at 1 5 de fevereiro,
o edital estabelece os termos para produo do levantamento topo-
grfico da cidade pela combinao dos mtodos foto-areo e terrestre,
bem como a reviso da rede de nivelamento. Nota na imprensa
descreve os principais objetos do edital: Dentre outros servios
contam-se: a planta topogrfica da cidade, na escala de 1 :1 .000, em
folhas uniformes da parte central da cidade, e outra de 1 :2.000 para
a zona suburbana e rural; planta geral e completa na escala de 1 por
20.000 e, finalmente, a reviso da rede de nivelamento com referncias
de nivel e demais detalhes"
75
.
Cinco propostas so apresentadas
76
, sendo outras duas recusadas, no
caso a da Compagnie Arienne Franaise, em desacordo com edital, e
da Companhia Aeronutica Brasileira, que exibiu comprovante de
depsito de cauo, mas no conseguiu elaborar a tempo sua
proposta
77
.
Surpreende o nmero de empresas considerando a brevidade do prazo.
Estavam aptas duas empresas alems: Photogrametric Geselschaft
M.H.R, de Munique, representada pela Companhia Constructora
Nacional, e a Junkers Flugzeugwerk A. G, de Dessau, mediada por
Othmar Gamilischeg (sic). E, por fim, a empresa britnica The Aircraft
Operating Co. Ltda, de Londres, por Ronald Frank Rous Mac-Neill,
representante mencionado no ano anterior na mensagem do Prefeito
como seu contato inicial sobre o servio.
A notcia chega a So Paulo, sem muito alarde aparente, em registro na
imprensa do dia 17 de maro, que transcreve telegrama recebido de
Londres: Anuncia-se que uma firma de avies de Londres, conseguiu o
contrato para o levantamento de um plano areo, bem minucioso, da
cidade do Rio de Janeiro e arredores
78
. Dias depois, em 28 de maro de
1928, ambas as partes The Aircraft Operating Co. e o governo do
Distrito Federal assinavam contrato
79
. 51
Prembulo necessrio: Rio de Janeiro
Separata do Informativo AHSP n 37: dez.201 4
S.A.R.A. Brasil : restituindo o Mapa Topogrfico do Municpio de So Paulo
Oportuno lembrar que a Junkers Flugzeugwerk apresentara
Prefeitura de So Paulo em 1 de maro de 1 928, proposta de servio
assemelhado. Seria certamente oportuno empresa a realizao
concomitante dos servios, considerando a presena de equipe tcnica
estrangeira, economia de escala etc.
novamente a mensagem anual do Prefeito na instalao do Conselho
Municipal, em 1 de junho de 1928, que permitir conhecer um pouco
mais sobre a deciso final. Atendendo lei orgnica do Distrito Federal,
Antonio Prado Junior faz o balano da administrao no ano anterior;
comenta as obras de melhoramentos nas reas do Castelo e no
Calabouo, regio de expanso do centro urbano, e avana:
A concorrncia pblica para o levantamento aereofototopogrfico
da cidade provocou, tambm, severas apreciaes.
Das cinco propostas apresentadas, a da The Aircraft Operating
Company Limited, de Londres, foi a nica que pediu preos
unitrios, em obedincia s disposies do edital de concorrncia e
que melhor garantia ofereceu para a execuo do servio.
Acresce que essa empresa foi, tambem, a nica que enviou um
representante, tcnico idneo, para examinar e estudar 'in loco'
as condies topogrficas das superfcies a levantar.
Partidrio das concorrncias pblicas, levo, entretanto, muito em linha
de conta a idoneidade do concorrente. No poucas vezes deixo mais me
influenciar por ela do que propriamente pelas diferenas de preos.
Assim que no vacilei em contratar servio de tamanha
importncia com a empresa que mais slidas garantias morais
oferecia
80
.
A mensagem, transcrita pela imprensa local
81
, avana detalhando no
apenas a concorrncia em questo, polmica desde sua apresentao no
ano anterior, como relaciona os trabalhos encomendados a Alfred Agache.
52
Esse trecho permite compreender a oportuna ao sincronizada das duas
propostas, embora no necessariamente interligadas
82
. , porm, o trecho
que relata as contestaes ao levantamento topogrfico o mais relevante
83
.
Primeiro aspecto significativo da mensagem reafirmar o uso corrente
at ento dos levantamentos cadastrais que datavam da gesto municipal
de Cndido Barata Ribeiro (1 892-1893).
Segundo dado, de maior interesse, permitir identificar o emprego da
cartografia resultante dos esforos do Servio Geogrfico em 1921 . E,
a partir disso, a ocorrncia da crtica comum aos editais realizados
pelas governos das cidades do Rio e So Paulo em 1928: a eventual
contratao do Servio Geogrfico Militar para execuo dos
levantamentos a custos menores.
(. . .) a acusao principal consistiu em afirmar a existncia de uma
excelente carta cadastral do Distrito, carta utilizada at pela prpria
Prefeitura por ocasio do ltimo recenseamento escolar.
Trata-se, evidentemente, do mapa do Distrito Federal, organizado
pelo Servio Geogrfico Militar, em escala de 1:10. 000, ampliao
do original na escala de 1:40. 000, no qual figuram arruamentos
incompletos e sem denominao, com largura exagerada, em
relao escala. Esse mapa, a que se chamou pomposamente de
CARTA CADASTRAL, organizado por diversos processos, inclusive
o estereofotogramtrico, baseado, justamente, na carta cadastral
da Prefeitura. No se podia, outrossim, aproveitar o trabalho na
escala de 1:40. 000, reduzido para a de 1:50. 000, e ampliado para
1:20. 000 e 1:10. 000, com a representao dos arruamentos.
()
Insinou-se, tambm, que se poderia ser contratado o trabalho em
questo com o Servio Geogrfico Militar, ignorando-se que, alm
de outras razes, as funes desse instituto dificilmente
53
Prembulo necessrio: Rio de Janeiro
Separata do Informativo AHSP n 37: dez.201 4
S.A.R.A. Brasil : restituindo o Mapa Topogrfico do Municpio de So Paulo
permitiriam o arranjo de uma frmula para tal contrato, sem falar
na posio em que ele ficaria, sujeitando-se a uma fiscalizao
tcnica por parte da Prefeitura.
A mensagem do Prefeito, em contraste com as notas da Prefeitura
mencionadas anteriormente, permite obter um quadro mais
completo sobre as propostas. Aspecto relevante, no mencionado no
momento, diz respeito autorizao dada ao Prefeito para
a realizao do edital, conforme sua mensagem apresentada em 31
de agosto de 1 927, que estabece um limite de despesas de 2 mil
contos. Assim ao comparar os valores, fica evidente que todas
as propostas parecem extrapolar esse patamar, alm de no obede-
cerem aos parmetros que exigem preos unitrios. Na sua lacnica
resposta eventual manipulao da concorrncia o Prefeito acaba
deixando em aberto espao para futuros embates
84
.
Em resumo, os valores dos oramentos apresentados chegam a superar
2.900:000$000. o caso da proposta da francesa Compagnie Arienne
Franaise, que foi desconsiderada por no obedecer aos parmetros do
edital. Um pouco menos 2.800:000$000 foi o valor solicitado pela
Enterprises Photo-Ariennes, tambm desconsiderada por ter sido
a proposta apresentada fora do prazo. Apenas a Junkers teria oferecido
proposta na faixa de 1 .900:000$000, mas a empresa desistiria do projeto
durante a fase de anlise das propostas.
Antonio Prado, infelizmente, esquece em sua mensagem, momento
to importante para avaliao de sua gesto perante o conselho
municipal, de apresentar dados sobre os demais concorrentes:
Photogrammtrie G. M. B. H. e The Aircraft Operating Company
Limited. Surge a AOC como nica candidata a respeitar a exigncia
de preos unitrios e com salvaguardas tcnicas e morais. Esse fato
cobrar seu preo mais adiante.
54
Mos obra: no ar e nos jornais
A empresa vencedora demonstrar agilidade, seguindo os passos legais e
tcnicos. O contexto poltico imediato, com contestaes aos projetos e
concorrncia em questo, e por fim a Revoluo de 1930 criaro a seu
modo um surpreendente emaranhado de registros na imprensa, permitindo
hoje um acompanhamento dos servios.
Em contraste com o levantamento realizado em So Paulo pela empresa
S.A.R.A. Brasil, possvel recuperar no caso do Distrito Federal relatos extensos
que indicam a magnitude de recursos tcnicos e humanos envolvidos bem como
as etapas usuais de desenvolvimento do levantamento desde a preparao da
rede de nivelamento e tomadas de imagem impresso das cartas.
Em 13 de maro de 1928, a empresa The Aircraft Operating Company,
Limited autorizada a operar no Brasil pelo decreto federal 18.156, assinado
pelo Presidente Washington Lus
85
. Trs meses depois, em junho, comeam
a chegar ao Rio os primeiros membros da equipe e equipamentos.
No dia 21 de junho desembarca o capito do corpo de aviao do exrcito
ingls Sidney Henry Holland
86
. Acompanha sua chegada o transporte
pelo mesmo navio Arandora de duas aeronaves Vendace (Vickers),
equipadas com motores de 350 HP construdos especialmente para a
misso. Ambos os avies permitem pouso em terra ou mar, sendo um
deles utilizado como avio reserva. Holland chefiaria a seo de aviao.
Com cronograma de 3 anos de trabalho, a misso seria coordenada pelo
o coronel T. T. Behrens, chefe da empreitada, membro do corpo de
engenharia do exrcito ingls, tendo como subchefe o tenente da armada
britnica Ernest J. Mc. Atthy. Ambos tinham desembarque previsto para
o dia 7 de julho. Junto viria o aviador, C. A. Elliot, tenente perito em
aerofotogrametria, que morara por alguns anos no Rio de Janeiro.
Completavam a misso mais 12 membros, basicamente agrimensores
87.
55
Prembulo necessrio: Rio de Janeiro
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S.A.R.A. Brasil : restituindo o Mapa Topogrfico do Municpio de So Paulo
56
A imprensa carioca reproduz imagens distribudas no
evento para seus profissionais em novembro de 1928.
A fotografia area vertical da regio do Morro do
Castelo, parcialmente removido, exibe ao alto, subindo
em diagonal, a Avenida Rio Branco, que se prolonga da
direita a partir do Palacete Monroe. esquerda,
destacam-se os pavilhes do mercado.
Gazeta de Notcias, 11 de novembro de 1928, p.3 .
Acervo Biblioteca Nacional
Com o escritrio instalado Rua Silveira Martins, no Catete, a empresa abre
as instalaes para a imprensa em 10 de novembro, com a presena do
embaixador da Inglaterra Sir Belby Alston e membros do corpo consular.
Mac Neill recebe a todos como representante da empresa no Brasil,
acompanhado do diretor, major Harold Hemming, e o gerente, Coronel
Behrens. Aos presentes so apresentados exemplos de trabalhos em
realizao, de carter didtico, numa ao para imprensa que parece indicar
uma noo precisa de marketing
88
.
Essa noo parece clara se atentarmos a participaes em eventos. Dois dias
depois, na solenidade comemorativa do dcimo aniversrio do Armistcio,
realizada no campo do Botafogo Football Club, um dos avies da empresa
joga ramalhetes de flores naturais sobre a multido. O vento, infelizmente,
levou as flores para fora do campo, sendo apanhadas pela meninada
89
.
na imprensa paulistana que surge de forma mais detalhada o levan-
tamento aero-photo-topographico em curso. Longa srie de artigos
publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, entre novembro e dezembro
de 1928, faz um balano da administrao Antonio Prado Junior. Um
deles, no dia 16 de novembro, cobre especificamente o tema. Ilustrado
com imagem area da Cinelndia, comenta o processo aerofotogramtico
e as etapas: cobertura de voos, operaes de triangulao, montagem dos
mosaicos.. . um verdadeiro jogo de pacincia chins. Segundo
o engenheiro-chefe a primeira vez que no mundo se realiza um
levantamento () desta magnitude
90
.
A boa relao com a imprensa certamente conveniente empresa como
tambm s autoridades do Distrito Federal. Um ano depois, em 18 de maio
de 1929, a visita do prprio Presidente da Repblica Washington Lus e do
Prefeito Antonio Prado Junior tem por funo verificar o andamento dos
trabalhos. Acompanham a comitiva, que chega s 9 horas