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1 Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa Tronco Comum IVb) Introdução à Saúde Mental Salutogénese Docente: Prof. Dr. António Barbosa Discente: Daniela Sofia Agostinho David Nº 14180

Saúde Mental

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Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa

Tronco Comum IVb) – Introdução à Saúde Mental

Salutogénese

Docente:

Prof. Dr. António Barbosa

Discente:

Daniela Sofia Agostinho David

Nº 14180

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Um dos principais objectivos do ser humano é, ou deveria ser, viver

mais e melhor, mas infelizmente só um número bastante limitado de

pessoas conquista este fim. Existem, em todo o mundo, cinco populações

onde a esperança média de vida se encontra acima da média, as

chamadas “zonas azuis”. Dan Buettner, um reconhecido escritor e

investigador, viajou por essas cinco populações com a intenção de

perceber qual o segredo para tal longevidade, o que lhe originou a

publicação de dois livros intitulados de “The Blue Zones: Lessons for Living

Longer From the People Who've Lived the Longest” e “Thrive: Finding

Happiness the Blue Zones Way” e a participação no TEDMED com o tema

“How to live to 100+”. Com essas viagens e com a sua investigação, Dan

Buettner concluiu que apesar das dietas saudáveis e da prática diária de

exercício físico que estas populações praticavam, o seu principal segredo é

o sistema de suporte comunitário e social que as integrava.

Tendo como ponto de partida a participação de Dan Buettner no

TED, fui instigada a pesquisar que factores poderão ter impacto na

melhoria da qualidade de vida das pessoas e na sua saúde mental. De

facto existem factores protectores em relação a situações stressantes que

sendo uma característica individual, ou uma condição social, ou um

contexto ambiental, inibem, reduzem ou atenuam a possibilidade de

determinado tipo de condição disfuncional ou patológica.

Segundo a Organização Mundial de Saúde, a definição de saúde é o

estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a

ausência de doença, e apesar de esta definição ser algo controversa, tem

como centro a complexidade do ser humano e o facto da saúde ou da

doença ter um aspecto psíquico e um aspecto somático. Tendo como base

a complexidade do Homem, Aaron Antonovsky, um sociólogo americano-

israelita, centrando os seus estudos na relação entre stress, saúde e bem-

estar, desenvolveu o conceito de factores salutogénicos criando assim

uma teoria à qual chamou Salutogénese.

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A Teoria Salutogénica

Ao contrário da sociedade científica na altura, cujo principal

objectivo era enumerar e nomear os factores patogénicos para cada

doença, Antonovsky critica a supremacia da orientação patogénica,

defendendo a prevalência da questão “porque é que as pessoas se

mantêm saudáveis”. Criou assim um novo paradigma cujo pensamento

está centrado e orientado para as condições e factores que favorecem a

saúde, ao invés de ser um modelo centrado na doença e orientado para a

prevenção primária, secundária e terciária.

Para explicar a sua teoria Antonovsky utiliza a metáfora do rio que

simboliza a vida e a pessoa que se encontra sempre a nadar num rio mais

ou menos perigoso, tal como o ser humano que não se encontra sempre

saudável mas que também vai em alguns momentos estar doente. A

orientação patogénica procura retirar as pessoas, a grande custo, do

perigoso rio. Por outro lado, na orientação salutogénica, a nossa

capacidade como nadadores consiste numa das defesas contra a

perigosidade do rio. Essa capacidade individual para nadar é análoga ao

conceito que Antonovsky designou de “sentido de coerência”, ou seja, a

“visão” da vida que cada um tem.

O “sentido de coerência”

Cada um de nós está sujeito a determinados factores externos,

como a fome, a guerra, a crise económica, a morte de entes queridos, etc.,

que podem ser prejudiciais para a saúde, contudo diferentes pessoas

sujeitas aos mesmos factores de stress emocionais, vão reagir e ter níveis

de saúde diferentes. Com isto, o “sentido de coerência” explica que o

estado de saúde e de doença é determinado, em grande medida, por

factores psicológicos individuais, no qual cada indivíduo tem uma atitude

própria em relação ao mundo e à sua vida. Este sentido de coerência tem

como componentes a capacidade de compreensão, a capacidade de

gestão e a capacidade de investimento, sendo que estes três

componentes se encontram inter-relacionados.

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A capacidade de compreensão é a componente cognitiva e refere-se

à forma como a pessoa apreende os estímulos do meio interno e externo

e como é organizada e estruturada a informação. Assim esses estímulos

são analisados e clarificados e cada pessoa é levada a reflectir e a

compreender tanto o mundo em que insere bem como os próprios

sentimentos e erros ao longo da vida.

A capacidade de gestão é a componente instrumental e consiste na

percepção que cada um tem de que os recursos estão disponíveis e são

adequados para responder às exigências requeridas pela situação de

estímulo. Estes recursos podem ser pessoais ou sociais e é neste âmbito

onde se inserem as pessoas significativas na nossa vida. Projectando este

conceito para as Zonas Azuis, constatei que nestas populações existe uma

componente social e comunitária que fornece grande suporte a cada

indivíduo. Por exemplo, em Okinawa, uma província a sul do Japão, existe

o conceito de Moai que consiste em reuniões informais entre amigos onde

se espera que sejam partilhadas as dádivas da vida ou se alguma coisa

tiver corrido mal, se encontre, nesse grupo algum suporte emocional. Dan

Buettner, em relação a isto, apresentou um Moai de 5 mulheres cuja

idade média era de 102 anos e que eram amigas há 97 anos. Isto permite

que cada um de nós tenha pelo menos um conjunto de pessoas íntimas

que nos rodeia e nas quais podemos obter suporte nos momentos mais

frágeis ou com as quais possamos celebrar momentos mais felizes.

Por último existe o conceito de capacidade de investimento, que é a

capacidade de cada um para perceber que os acontecimentos de vida

fazem sentido, e por isso encontra razão para neles investir a sua energia.

Mais uma vez, apresentando como exemplo as Zonas Azuis, onde foram

encontradas várias pessoas, cuja idade média seria perto das 9 ou 10

décadas de vida, que acordavam todos os dias com o objectivo de alcançar

ou fazer algo específico, nem que fosse pegar ao colo a filha da tetraneta,

ensinar artes marciais ou até mesmo, com 97 anos, exercer a sua profissão

de cirurgião cardiovascular.

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As pessoas com um forte “sentido de coerência” têm uma maior

capacidade de fazer escolhas relacionadas com comportamentos que

favorecem a saúde, bem como de estabelecer limites e evitar situações

que possam afectar a mesma. De acordo com Antonovsky, o sentido de

coerência desenvolve-se fundamentalmente durante a infância e a

juventude e é relativamente estável ao longo da vida. Não sendo

exclusivamente constituído por factores individuais, o sentido de

coerência é também constituído por condições históricas, sociais e

culturais e fortemente influenciado pelas experiencias vividas.

Os recursos gerais de resistência

Antonovsky explorou um conjunto de factores e de variáveis a partir

de estudos epidemiológicos e a sua correlação com a saúde, a que

chamou “recursos gerais de resistência”. Estes “recursos” incluem

características físicas (factores genéticos e imunológicos), características

cognitivas e emocionais (identidade própria, educação, auto-estima,

cultura e tradições) e atitudes valorativas como estratégias de coping que

promovem a saúde. Tomando como ponto de partida estes recursos

gerais de resistência, existe uma melhor adaptação da pessoa à sociedade

e à vida, de forma a que sejam instigadas as capacidades de gestão, de

compreensão e de investimento o que resulta num melhor “sentido de

coerência” e por fim numa melhor capacidade para lidar com factores de

stress promovendo assim uma melhor qualidade de vida e saúde.

Salutogénese e promoção Saúde Mental

Parte do conhecimento do senso comum e das vastas pesquisas

realizadas por vários sociólogos e médicos, que a classe e o ambiente

social, o ambiente familiar e os recursos disponíveis contribuem de forma

positiva ou negativa na saúde mental. A teoria da Salutogénese tenta

explicar e comprovar que existem determinados factores e parâmetros,

que ao serem implementados na sociedade e principalmente no seio

familiar, poderão educar o indivíduo a desenvolver estratégias, como por

exemplo a resiliência, que contribuem para a redução de stress,

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prevenção de doenças mentais e possivelmente redução das mesmas.

Como futuros médicos, cabe-nos a nós instruir cada pessoa e a própria

sociedade a viver com base em factores protectores para que assim

possamos melhorar a qualidade de vida de cada um, formando uma

população mais produtiva e mais feliz.

Bibliografia

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http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2563977/pdf/376.pdf ;

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centrado no paradigma salutogénico – Universidade do Minho, 2006.

[consult. a 22.12.2013]. Disponível em

http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/6276/1/TESE%20DE%2

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a 23.12.2013] Disponível em:

https://helda.helsinki.fi/bitstream/handle/10138/24380/senseofc.pdf?seque

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