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IMPRESSO E ON-LINE - BOLETIM Nº 18 TIRAGEM: 3.500 - MAR/ABR/MAIO - 2012 ANO 05 Pesquisa Debate Registro Viver em cidade grande favorece surgimento de transtornos mentais Pág. 06 Fim da guerra às drogas: você é a favor ou contra? Pág. 07 Serviços ampliam oferta na região da Cracolândia Pág. 08 CONFIRA TAMBÉM O vício da nossa era

Saúde Mental em Foco - Jornal

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Redesign do jornal Saúde Mental em Foco. Criação de novo logo, elementos gráficos, grid, títulos, imagens

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IMPRESSO E ON-LINE - BOLETIM Nº 18TIRAGEM: 3.500 - MAR/ABR/MAIO - 2012

ANO 05

Pesquisa Debate RegistroViver em cidade grande favorece surgimento de transtornos mentaisPág. 06

Fim da guerra às drogas: você é a favor ou contra?Pág. 07

Serviços ampliam ofertana região da CracolândiaPág. 08

CONFIRA TAMBÉM

O vício da nossa era

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Fosse a existência uma equação de solução única, nossa vida seria bem mais simples. Quem dera pudéssemos resolver nossos dilemas subtraindo ou multiplicando números, exatos e precisos como “dois e dois são quatro”. A matemática da vida, no entanto, é mais complexa.

Nesta edição do Saúde Mental em Foco, exploramos esta complexidade com matéria de capa sobre uma doença devastadora e ainda misteriosa aos olhos da ciência, a esquizofrenia. E aproveitamos para destacar a vida de um dos mais proeminentes esquizofrênicos de nossa contemporaneidade, a do matemático John Forbes Nash. Ele, mais do que ninguém, vive a dualidade entre o racional e o ilógico. E desafia a medicina ao conseguir emergir de sua paranoia e lidar com seus fantasmas, frutos de suas alucinações, sem ajuda de medicamentos. Sem dúvida, um case para os psiquiatras.

Enquanto isso, a ciência avança no sentido de prevenir a doença, detectando seus sinais no cérebro e evitando o primeiro surto psicótico. Já é possível sim, embora haja controvérsias, tratar um indivíduo em estado de pré-esqui-zofrenia. E então paramos para pensar como poderia ter sido genial se John Nash tivesse se tratado previamente e evitado seu primeiro episódio psicótico.

Este fascinante assunto é tema da reportagem de capa desta edição. E foi inspirado no 3º Congresso Brasileiro de Gestão e Políticas em Saúde Mental, realizado em maio último, na programação do ClasSaúde 2012. Na ocasião, o pesquisador Rodrigo Bressan levou ao público estudos interessantes acerca da esquizofrenia, seu diagnóstico precoce, causas, prevenção, tratamento.

Trazemos também um alerta para o aumento dos afastamentos do trabalho causados pelos transtornos mentais. Segundo a Organização Mundial da Saúde, a depressão será a segunda maior causa de comorbidades no mundo até 2020. Ranking que nos assombra, e que nos faz refletir sobre a condição precária e frágil da condição humana. O impacto disso para as empresas, inevitavelmente, tem sido devastador.

Reproduzimos ainda relevante artigo, do presidente da Associação Brasi-leira de Psiquiatria (ABP), Antonio Geraldo da Silva, no qual ele aborda a grave questão do preconceito em relação ao doente mental. E propõe que a sociedade repense seus valores em relação à doença mental, deixando de considerá-la algo passageiro ou pouco importante. Ano passado, inclusive, a ABP deflagrou uma campanha de combate ao preconceito, levando ao público diversas personalidades que já sofreram com transtornos psiquiátricos, e que deram seu depoimento em favor da causa. Esta iniciativa teve início no Congres-so Brasileiro de Psiquiatria, evento anual promovido pela entidade. Sua continuidade é essencial para que ultrapassemos esta enorme barreira chamada “estigma”.

Boa leitura, boa reflexão!

*Ricardo Mendes é coordenador do Departamento de Saúde Mental do SINDHOSP

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DIRETORIA:

EFETIVODante Ancona Montagnana (presidente)

EDITORA:

Ana Paula Barbulho (MTB 22170)

REDAÇÃO E REVISÃO:

Ana Paula Barbulho, Aline Moura e Fabiane de Sá

EDITORAÇÃO ELETRÔNICA:

Carlos Eduardo, Thiago Alexandre(Marketing)

COLABORARAM NESTA EDIÇÃO:

Ricardo Mendes, coordenador de Saúde Mental do SINDHOSP

CIRCULAÇÃO:

Entre diretores e administradores de hospitais psiquiátricos e clínicas

PERIODICIDADE:

Trimestral

FOTOS MATÉRIA CAPA:

Thinkstock

DEMAIS FOTOS:

Thinkstock e divulgação

CORRESPONDÊNCIAS PARA:

Assessoria de Imprensa R. 24 de Maio, 208 - 9º andarCEP: 01041-000 - São Paulo - SPTel. (11) 3331-1555 - Fax: (11) [email protected]

Saúde Mental em Foco é uma publicação do SINDHOSP

CANAL ABERTO EXPEDIENTE+-X÷A MATEMÁTICA DA VIDA

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Nos anos 80, sexo, drogas e rock n´roll ainda compunham a trilogia dos jovens. A heroína estava no auge. Indiretamente, a substância emplacou um dos clássicos do hard rock, quando ganhou o apelido de Sr. Brownstone em música imortalizada pela banda norte-americana Guns n´Roses. O hit mar-cou uma geração e uma forma de ver o mundo. Dizia: “Eu tenho dançado com o Sr. Brownstone, costumava usar um pouco, mas um pouco não basta-va, então o pouco foi aumentando mais e mais; eu só tentava ficar um pouco melhor, um pouco melhor que antes”. Em seu refrão, a banda dava o recado de que a droga fazia as pessoas perderem o controle sobre suas vidas.

Trinta anos depois, não se pode dizer que as drogas deixaram de exercer controle sobre a vida de muitos jovens. A dependência química ainda é questão de saúde pública e tem sido combatida com políticas diversas ao redor do mundo. A modernidade, no entanto, nos trouxe novo hit: a depen-dência não química, descrita como compulsão por comportamentos. Entre todas elas, a mais evidente, em tempos de bits e bytes, é a Internet.

O senhor Browser é a sensação do momento. Afinal, quantos de nós já não nos tornamos reféns do Internet Explorer, Google Chrome, Netscape, Mozzila Firefox? São eles, os browsers (navegadores), que nos levam para passear no mundo virtual, permitindo acesso, a qualquer instante, a qua-se tudo que podemos imaginar. Tornou-se comum as pessoas empunharem seus celulares no metrô, nos cafés, nas salas de aula. Também ao volante, embora seja proibido. Em movimento, pedalando uma bike, subindo uma escada ou atravessando uma avenida, embora seja perigoso. Nos interva-los dos programas de TV, para dar uma pausa e checar o que há de novo nas redes sociais. Durante as novelas, para compartilhar a impressão dos últimos capítulos. No meio da reunião de trabalho, para fugir do tédio. Para espairecer, reclamar, passar o tempo, trabalhar, estudar. Seja qual for o motivo ou circunstância, a Internet está em todos os lugares e invadiu a vida das pessoas, sem discriminação de idade, credo, cor ou classe social. Aliada aos smartphones – cuja venda regis-trou crescimento de 179% no Brasil em 2011, a Rede Mundial de Computadores veio para ficar e revolucionar as relações pessoais e do trabalho. Para o bem e para o mal.

Há quem defenda que as mudanças do mundo moderno são inexo-ráveis, e que passar mais tempo à frente de uma tela é perfeitamente normal para um indivíduo que estuda, trabalha e se relaciona em nossa sociedade cada vez mais virtual. Mas, e quando esta atividade negligencia todo o resto? Quando o “pouco” já não basta? Para o psi-quiatra Aderbal Vieira, que coordena o departamento de dependência não química do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad), da Unifesp, a dependência pode se estabelecer de diversas manei-

ras. “Uma pessoa que trabalha com Internet vai passar a maior parte do dia conectada. Mas se ela consegue se desligar para outras atividades, tudo bem. Por outro lado, existe aquela pessoa que pas-sa apenas duas horas conectada, mas essas duas horas vão de duas às cinco da madrugada, em ge-ral um padrão extremamente inadequado”, afirma.

O Proad foi um dos primeiros serviços de saúde mental do país a tratar a dependência na Internet. Mundo afora, os pioneiros em estudos relacio-nados ao tema são os norte-americanos. Uma das mais expoentes especialistas no assunto, a professora de psicologia Kimberly S. Young, foi a primeira a apresentar pesquisa correlata, em 1996, durante a conferência anual da American Psychological Association. Ela defendeu que há uma epidemia em curso no mundo, e revelou que 80% dos usuários de Internet pesquisados de-clararam não conseguir viver sem se conectar à rede. Kimberly dirige um centro de dependência de Internet em Nova Iorque.

MATÉRIA DE CAPA

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Nos temposdo Browser

KimberlyS. Young

Aline Moura

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Há quem diga que a Internet está modificando a maneira como o ser hu-mano raciocina. O pesquisador Nicholas Carr, que lançou o livro The Shallows: what the internet is doing to our brains? (sem tradução para o Brasil, da editora W. W. Norton & Company), explica que o excesso de informação disponível na rede faz com que o cérebro passe a agir como um escâner, perdendo a capacidade de se aprofundar. São fotos, textos, links, mensagens instantâneas, e-mails, redes sociais, vídeos, anúncios e toda a sorte de informações que dificultam o foco e acabam por prejudicar a me-mória. “Em longo prazo, as pessoas se tornam distraídas, porque nunca ou pouco ativam as funções mais profundas e interpretativas do cérebro”, con-clui em seu livro.

Aberbal Vieira, da Unifesp, põe em xeque a questão do excesso: “afinal, a dependência é um transtorno do excesso ou um transtorno da falta?”. Para ele, as pessoas se tornam dependentes, químicas ou não, porque possuem um “buraco” não preenchido em algum momento de suas vidas. “O depen-dente, basicamente, é existencialmente empobrecido, já não traz um reper-tório muito grande em sua bagagem, e vai ficando cada vez mais limitado numa coisa que já é limitada”.

No caso da Internet, e de outras dependências de comportamento, o pro-cesso de se viciar é gradual. “Todos nós, dezenas de vezes por dia, estamos negociando conosco para não comer demais aquele chocolate, para não exa-gerar aqui ou ali. Volta e meia, perdemos esta negociação. A diferença é que o dependente perde sempre, e isso se torna um ciclo”, explica Vieira.

No Brasil, segundo levantamento feito em 2011 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem pelo menos 56 milhões de pessoas conectadas à rede com frequência. Estima-se que 4,5 milhões de internautas apresentam sintomas de uso abusivo, um dos índices mais altos do mundo. China e Coréia lideram a lista.

Cura ou transformação?

Diversas experiências têm sido aplicadas para o tratamento da dependên-cia da Internet. Para o psiquiatra Aderbal Vieira, o transtorno não pode ser

MATÉRIA DE CAPA

tratado como uma doença. “A dependência é a forma como a pessoa lida com a droga ou com o comportamento. É uma relação estabelecida, e não uma doença. Você cura aquilo que é doença, já a relação você transforma”. Para ele, é difícil falar em estabelecer a abstinência para um usu-ário compulsivo de Internet. “É preciso chegar à utilização administrada, é mais recomendado”.

A chamada terapia cognitivo-comportamental foi adaptada pela psicóloga Kimberly Young, e tem se apresentado eficiente. A ideia é promover mudanças no comportamento através de terapia e atividades individuais ou em grupo. Nos centros brasileiros, como o Proad e o Instituto de Psi-quiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, as terapias comportamentais também são utilizadas, associadas a outros trata-mentos medicamentosos, quando necessários (já que a dependência pode estar ligada a quadros de ansiedade, depressão, fobia social e outros trans-tornos).

Para o ex-redator do Washington Post, William Powers, é preciso estabelecer o que ele chama de “gap”. Em seu livro “O Blackberry de Hamlet” (editora Alaúde), lançado no Brasil em fevereiro último, o escritor norte-americano que foi apon-tado pelo The New York Times como o próximo apóstolo da onda digital faz uma interessante reflexão sobre como a sociedade, ao longo do tempo, se viu às voltas com suas revoluções – e como lidou com isso. Vai de Platão a Shakespe-are para provar como os povos já enfrentaram desafios parecidos. “Esta não é uma ideia nova. Todas as grandes revoluções tecnológicas apre-

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sentaram os mesmos desafios que enfrentamos hoje, e podemos aprender com a experiência de gerações anteriores”, afirmou, em entrevista con-cedida ao Saúde Mental em Foco durante sua passagem pelo Brasil. As experiências passadas, segundo ele, propõem exatamente o que estamos querendo fazer hoje: negociar um intervalo (o “gap”) para estar on e off-line. “Em um dos diá-logos de Platão, Sócrates sai para caminhar fora da movimentada cidade de Atenas, a capital do modo de comunicação dominante à sua época, o da conversação oral. Ele está propondo exata-mente o que eu recomendo aos leitores de hoje: criar um distanciamento entre nós mesmos e nos-sas telas”, disse.

O inverno da desconexão

Em busca desse “gap”, a escritora Susan Maushart, que mora na Austrália com seus três filhos, traçou uma meta para a família: passar seis meses sem internet. Extinguiu todo tipo de aparelhos eletrônicos de casa e determinou que nas primeiras semanas não houvesse sequer luz elétrica. “Estava preocupada. Meu filho mais ve-lho chegou a apelidar a vida real de VR”, conta. A experiência gerou um livro – em parte escrito à mão, durante o exílio da tecnologia – intitu-lado “O inverno da nossa desconexão” (editora Paz e Terra). A obra traz relatos da experiência da família e traça um panorama sobre a relação, principalmente dos jovens, com os aparatos da modernidade.

Susan conta que depois do exílio total, foram permitidos rádios e aparelhos de som, mas nada

de TVs, DVDs, Internet, computador, smartphone ou tablet. “Basicamen-te, se tinha tela estava fora”, conta Susan. A escritora passou dois meses redigindo suas colunas para os jornais locais à mão, enquanto os filhos se adaptavam ao novo mundo.

Os resultados da experiência radical mostram que promover mudanças nos hábitos de vida é fundamental. “Meu filho vendeu o computador no fim do experimento para comprar um saxofone. Ele quer ser um músico profissio-nal e usa o tempo que ficava jogando para praticar. Um milagre! Minha filha mais velha regularmente se desintoxica do Facebook e aprendeu a desligar o computador e o telefone por uma boa noite de sono. Quanto a mim, ainda estou devota do meu iPhone, mas, olhe só, não estamos dormindo mais juntos”, brinca Susan em seu livro.

O escritor de “Blackberry de Hamlet”, William Powers, também faz a reco-mendação: “Tenho uma vida ocupada, como todo mundo, e estou conectado a maior parte do tempo. Em minha casa, nós puxamos o plugue aos fins de semana, começando pela hora de dormir da sexta-feira à noite. Temos feito isso nos últimos cinco anos, então isso se tornou um hábito e não precisa-mos pensar muito, parece natural”.

Nota da redação: no Brasil, o site de-pendenciadeinternet.com.br traz infor-mações e testes interessantes sobre o tema; em inglês, recomendamos o netaddiction.com. Mas para evitar o vício na rede, sugerimos também a leitura dos livros cita-dos nesta reportagem, à venda nas livrarias. Aos profissionais, recomendamos o livro “Depen-dência de Internet – Manual e Guia de Avaliação e Tratamento”, de Kimberly S. Young, Cristiano Nabuco de Abreu e colaboradores.

MATÉRIA DE CAPA

William Powers

Nicholas Carr

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PESQUISA

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A violência urbana e a falta de qualidade de vida, atreladas a problemas como ansiedade, depressão e uso de drogas, são responsáveis por cerca de 30% dos habitantes da região metropolitana de São Paulo apresentar transtornos mentais, de acordo com um es-tudo que reuniu dados epidemiológicos de 25 países. A prevalência desses transtornos na metrópole foi a mais alta registrada em todas as áreas pesquisadas.

O trabalho faz parte da Pesquisa Mundial sobre Saúde Mental, iniciativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) que integra e analisa pesquisas epidemiológi-cas sobre abuso de substâncias e distúrbios mentais e comportamentais.

O estudo foi realizado no âmbito do projeto “Estudos epidemiológicos dos transtornos psiquiátricos na região metropolitana de São Paulo: prevalências, fatores de risco e sobrecarga social e econômica”, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), e coordenado globalmente pela Universidade Harvard. As autoras do artigo são as professoras Laura Helena Andrade, do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP, e Maria Carmen Viana, do departamento de Medicina Social da Universidade Federal do Espírito Santo.

Segundo o estudo epidemiológico de base populacio-nal feito com 5.037 pessoas, 29,6% dos indivíduos apresentaram transtornos mentais nos 12 meses anteriores à entrevista. Os transtornos de ansiedade foram os mais comuns, afetando 19,9% dos entrevis-tados. Em seguida, aparecem os de comportamento (11%), os de fobia específica e depressão (10%), os de controle de impulso (4,3%) e o abuso de subs-tâncias (3,6%). “O número de casos graves também

VIVER EM CIDADE GRANDE FAVORECE SURGIMENTO DE TRANSTORNOS MENTAIS

chamou a atenção: 10% da amostra apresentou um transtorno que levou a um grau considerável de incapacitação, com perda de dias de trabalho, por exemplo”, explica Laura Helena.

Dois grupos mostraram-se especialmente vulneráveis a esses transtornos: homens migrantes que moram nas regiões pobres da cidade, com mais risco de desen-volver quadros ansiosos, e mulheres que vivem em regiões consideradas de alta privação, que apresentaram grande vulnerabilidade para transtornos de humor.

Efeitos da urbanicidadeA prevalência dos transtornos mentais, de quase 30% da população, é a mais alta entre os países pesquisados. Os Estados Unidos aparecem em segundo lugar, com pouco menos de 25%. De acordo com o estudo, são as condições de vida da população brasileira que fazem com que o país tenha um número maior de afetados, cerca de 10%, do que outros países que participaram do trabalho, além de uma ocorrência maior de casos moderados e graves - Estados Unidos, com menos de 7%, e em outros países com menos de 5%.

De acordo com as pesquisadoras brasileiras, as doenças são indicativos dos problemas sociais enfrentados pela população da periferia da capital paulista, exposta à urbanicidade (pessoas que viveram a maior parte da vida em região urbana). A exposição ao crime e à privação social foi associada aos quatro tipos de transtornos mentais avaliados: transtorno de ansiedade, de controle, de impulso e de abuso de substâncias, que interfere ainda mais na gravidade das doenças.

Para tentar resolver este problema, a pesquisadora Laura Helena sugere que é preciso fortalecer, no sistema brasileiro de saúde básica – que inclui o Sistema Único de Saúde (SUS) e o Programa Saúde da Família –, uma integração entre atendimento e promoção da saúde mental, além de políticas habitacionais e de educação para promover a melhora na qualidade de vida das pessoas. “Temos que fazer campanhas de esclarecimento à sociedade, principalmente aos jovens, em relação ao uso de álcool, tabaco e outras drogas; de melhorias para a vida na cidade, com mais espaços de lazer; e para um atendimento mais adequado aos portadores de transtornos mentais, com treinamento dos profissionais que estão na linha de frente para o reconhecimento dos transtornos mais comuns, e o encaminhamento dos casos graves para o especialista”.

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Noite de 13 de março, King´s Place, Londres. Um anfiteatro lotado e um palco recheado de personalidades estavam prontos para iniciar um debate que seria transmitido para todo o mundo, aberto à participação de internautas e com a presença virtual de chefes de estado, ex-presidentes, atores e outras vozes a favor e contra um assunto polêmico e estratégico para as nações ao redor do planeta: a guerra às drogas, afinal, deve acabar?

O evento, realizado pelo Google+ e pela Intelligence Squared, foi transmitido ao vivo via Youtube, com início às 16h no horário de Brasília, e mobilizou grupos contrários e defensores da atual política de repressão à produção, comercialização e consumo de drogas ilícitas (como maconha, cocaína e heroína).

A principal crítica dos que defendem o fim da guerra às drogas foi a continuidade da política de repressão instituída pelo presidente Richard Nixon, no fim dos anos 1970 nos Estados Unidos, considerada um fracasso por diversos especialistas. O atual presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, abriu os debates e lembrou das vidas perdidas na guerra antidrogas, em especial no seu país, palco de enormes conflitos causados por uma batalha financiada pelos Estados Unidos contra os produtores de cocaína. “Perdemos nossos melhores juízes, políticos, jornalistas, os melhores policiais nessa luta”, afirmou. “Não podemos agir individualmente, este é um problema global e precisa de uma solução global”, afirmou Santos, convidando os participantes a serem “criativos e abrirem suas mentes”.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que preside a Comissão Global de Política sobre Drogas, participou do evento via streaming, e defendeu o ponto de vista do usuário, que não deve ser encarado como um bandido, mas como um doente a ser tratado com políticas públicas de saúde. Fomentou ainda o debate sobre a descriminalização das drogas em geral.

O grupo que pedia o fim da política de repressão procurou não defender pura e simplesmente a legalização das drogas, mas a regulamentação do consumo e da venda das substâncias, a fim de acabar com a violência gerada pelos traficantes. Segundo o escritor e ativista Misha Glenny, os EUA continuam sendo o maior mercado consumidor de drogas ilícitas do mundo, dado que demonstra o fracasso da política de repressão. “Os norte-americanos prendem, anualmente, 1,6 milhão de pessoas, a maioria negras, sob acusação de crimes não violentos relacionados a drogas, em grande parte usuários”, afirmou. Segundo ele, a violência do tráfico mata mais jovens do que o uso de drogas em si.

O subsecretário-geral da ONU, Antonio Maria Costa, posicionou-se contra a descriminalização, e defendeu que controlar as drogas é proteger a saúde dos cidadãos. Segundo dados apresentados por ele, cigarro e álcool matam juntos 7,5 milhões de pessoas ao ano. “Se legalizarmos as outras drogas, vamos causar uma epidemia”, disse. Grandes corporações, principalmente os laboratórios farmacêuticos, estariam financiando a luta pela liberação das drogas, se-gundo Costa, de olho em um novo mercado.

Juliam Assage, fundador do Wikileaks, contra-atacou Costa, afirmando que existem interesses de grandes corporações na indústria da repres-são, violência e lavagem de dinheiro, fatores implicitamente ligados ao tráfico de drogas. Segundo Assage, a proibição das drogas ainda viola a liberdade individual de escolha das pessoas. O ator inglês Russel Brand, ex-usuário de drogas, compartilhou da opinião de que as drogas são uma escolha, e defendeu o ponto de vista do usuário, que deveria ser tratado como doente. “O vício é uma doença. Se você criminaliza o viciado, estigmatiza. É preciso mais inclusão e tolerância nas políticas públicas”, defendeu, em participação via streaming.

O ministro das Relações Exteriores da França, Ber-nard Kouchner, propôs que o modelo adotado hoje com outras substâncias legalizadas, como álcool e tabaco, fosse adotado na legalização de outras drogas. Defendeu o controle governamental sobre a produção e comercialização, incluindo pagamentos de altos impostos que poderiam ser revertidos para políticas públicas de saúde. “Vamos ter que esperar mais cem anos para admitir que perdemos essa guerra?”, questionou Kouchner.

Para o ex-governador de Nova Iorque, Elliot Splitzer, acabar com a repressão seria uma saída simplista e não extinguiria o mercado negro, que passaria a se valer de outras substâncias para continuar atuando. Segundo ele, a descriminalização das drogas inevi-tavelmente levará a um aumento do consumo, e a consequências imprevisíveis. Splitzer ainda defen-deu que a repressão seja acompanhada de políticas de tratamento e prevenção direcionada aos usuários de drogas, e minimizou as críticas de seus oponentes em relação à criminalização. “Não encarceramos as pessoas apenas pelo uso de drogas, mas por terem cometido crimes. Oito por cento dos usuários rou-bam, se prostituem”, afirmou.

Com duas horas de duração, os debates ainda conta-ram com a participação da plateia e dos internautas. Uma enquete esteve no ar durante todo o evento, para que as pessoas votassem se eram contra ou a favor ao fim da guerra às drogas. No início, 60% eram a favor do fim da guerra às drogas, 15% defendiam sua manutenção e 25% não sabiam. Ao término dos debates, o número de pessoas a favor da descrimi-nalização subiu para 65%, 29,6% passaram a ser a favor da repressão e 5,6% não souberam responder. Ao todo, a transmissão contou com 375.771 exibi-ções na Internet.

FIM DA GUERRA ÀS DROGAS: VOCÊ É A FAVOR OU CONTRA?

DEBATE

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CLÍNICAS DE SÃO PAULO SE REÚNEM NO SINDHOSP

SERVIÇOS AMPLIAM OFERTA NA REGIÃO DA CRACOLÂNDIA

REGISTRO

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Em 14 de março, o departamento de Saúde Mental do Sindicato se reuniu com representantes das clínicas psiquiátricas que atuam na capital paulista. O objeti-vo do encontro, segundo o coordenador do departamento, Ricardo Mendes, foi retomar as reuniões do grupo, que iniciou suas atividades há uma década.

“Temos de nos fortalecer para o enfrentamento das alterações impostas pela clientela, operadoras, financiadores e políticas de saúde. Devemos aprimorar e profissionalizar o grupo de clínicas, buscando capacitar seus organizadores e qualificar os serviços”, afirmou Mendes, sugerindo que o grupo retome suas reuniões mensais.

O coordenador do departamento de Saúde Suplementar do SINDHOSP, Danilo Bernik, foi convidado a participar do encontro, a fim de falar sobre as mais recentes mudanças propostas pela Resolução Normativa 262/2011, que altera o Rol de Procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), cujo impacto recai também sobre as clínicas psiquiátricas e correlatas. Segundo Ber-nik, a resolução está valendo a partir de 1º de janeiro de 2012, e traz mudanças em número de consultas psiquiátricas e psicoterapeutas cobertas pelos planos de saúde, entre outros itens. O coordenador alertou que a existência da RN 262 não anula a resolução anterior, de número 211, conhecida pelo antigo Rol. “As clínicas devem conviver com as duas normas de maneira conjunta”, disse.

O programa de qualificação de prestadores de ser-viços em saúde, da ANS, também foi abordado. Segundo Danilo Bernik, as instituições de assistência à saúde mental que atendem planos de saúde e que, portanto, fazem parte da rede referenciada das ope-radoras, devem ser enquadradas segundo atributos de qualidade que levarão em conta uma série de fatores, como acreditação, segurança do paciente, entre ou-tros. A preocupação das clínicas, no entanto, é como deverá funcionar a adequação desses atributos para serviços tão específicos. “Estamos preocupados com a nossa sustentabilidade, e mais exigências virão por aí”, afirmou Ricardo Mendes. O grupo debateu ainda como estabelecer critérios técnicos de indicadores de qualidade na saúde mental.

Estiveram presentes, além dos já citados, Lucinda Trigo (Conviver), Bruno Delacalle (Clínica Maia), Claudio Lopes (Bezerra de Menezes de São Bernardo do Campo), Nelson Jr. (API) e a advogada do depar-tamento Jurídico do SINDHOSP, Solange Louzada.

Inauguração do Cratod

Desde que foi deflagrada a ação da polícia na região central da capital paulista para combater o uso indiscriminado de crack, em janeiro deste ano, novos serviços foram criados ou ampliados para tentar dar conta da demanda de atendimento a usuários que desejam se livrar do vício.

Um deles é o Centro de Referência em Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod), que já existia no entorno, e que anunciou a ampliação de seu funcionamento em 1º de março. A unidade, instalada no Bom Retiro, passou a atender 24 horas por dia, ampliou o número de leitos, e criou vagas especializadas para mulheres grávidas.

Segundo números apresentados pela Secretaria Estadual de Saúde, responsável pelo serviço, a procura por atendimentos cresceu 50% desde que foi anunciada a ampliação de horário, passando a receber 150 pessoas por dia (eram 85); no período noturno, cerca de 10 pessoas buscam auxílio na unidade. O Cratod oferece acompanhamento especializado por equipe de médicos, psicólogos, enfermeiros, assistentes sociais e dentistas, além de distribuição gratuita de medicamentos e oficinas terapêuticas.

No fim de março, foi a vez da Prefeitura de São Paulo inaugurar novo serviço, anunciado desde o início do ano, mas que sofreu atrasos na conclusão das obras. Batizado de Complexo Prates, o equipamento promete reunir ações de saúde pública e assistência social no tratamento e recuperação de dependentes químicos

em situação de rua e vulnerabilidade social na região central da cidade.

Instalado em uma área de 16 mil m², o complexo vai oferecer um Espaço de Convivência Dia para Adultos com 3.200 m² e capacidade para atender até 1.200 pessoas por dia. Além de criar vínculos e conquistar a confiança para que os usuários aceitem os serviços oferecidos, o espaço oferecerá atividades lúdicas, esportivas, oficinas, telecentro, sala de leitu-ra, jardinagem e psicólogos e assistentes sociais; um Serviço de Acolhimento Institucional para Crianças e Adolescentes (Abrigo), com 20 vagas, e um Centro de Acolhida para Homens 24h, com 120 leitos. Caso a aceitação seja superior às vagas disponíveis, os usuários serão encaminhados para um dos 59 Centros de Acolhida e 132 abrigos da Prefeitura instalados em todas as regiões da cidade.

Serviço:Cratod – Rua Prates, 165Complexo Prates - Rua Prates, 1.101