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O tempo do homem é o tempo da língua,o tempo da língua é o tempo do homem:
reflexões sobre a noção de temporalidadeem Saussure e em Benveniste
Man’s time is language’s time, language’s time isman’s time: reflections on the notion of
temporality in Saussure and in Benveniste
Bruna Sommer FariasPaula Ávila Nunes
RESUMOEste artigo tem por objetivo discutir algumas noções da teoria de Ferdinandde Saussure e da teoria de Émile Benveniste que são perpassadas e definidaspela noção de temporalidade. Para tanto, nos serviremos do Curso de Lin- guística Geral (2006) e dos Escritos de Linguística Geral (2002), bem comode leitores, como Gadet (1987) e Normand (2009), para tratar da teoria saus-
suriana e da sua relação com o tempo, e dos Problemas de Linguística Geral I e II (1989, 1991), bem como das considerações feitas por Dessons (2006) eTeixeira (2012), para tratar da temporalidade em Benveniste. Com base emtais referências, este estudo aponta para importância da noção de tempo paraa delimitação de noções saussurianas, as quais relacionam a Linguística e seuobjeto, e também para o desenvolvimento de princípios de uma antropologiada linguagem, presentes na obra de Benveniste.
PALAVRAS-CHAVESaussure; Benveniste; Língua; Tempo.
ABSTRACTThis article has the objective of discussing some notions of Saussure’s andBenveniste’s theories which are permeated and defined by the notion oftemporality. In order to do so, we make use of the Course on General Lin-guistics (2006) and the Writings on General Linguistics (2002), as well asreaders such as Gadet (1987) and Normand (2009), to manage saussurean’stheory and its relation with the time, and Problems on General Linguistics Iand II (1989, 1991), as well as the considerations made by Dessons (2006)and Teixeira (2012), to discuss temporality in Benveniste. Based on such
references, this study points to the importance of the notion of time for thedelimitation of saussurean notions, which relate Linguistics and its object,
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and to the development of principles of an anthropology of language presentin Benveniste’s work.
KEY WORDSSaussure; Benveniste; Language; Time.
A questão da temporalidade na reflexão de Ferdinand de Saussure
se mostra como uma noção fundamental que contribui para a proble-
matização de diversos conceitos discutidos pelo linguista. De forma
análoga, vemos que o tempo também tem implicações importantesna Linguística pós-saussuriana, especialmente na teoria desenvolvi-
da por Émile Benveniste, o mais saussuriano de todos os linguistas
(NORMAND, 2006a, p. 71). Se Normand tem razão em sua asserção,
podemos complementá-la com a ideia de que Benveniste, mesmo sem
ter lido os manuscritos saussurianos, foi capaz de desenvolver uma
reflexão muito afinada com o que nos foi permitido entender sobre o
pensamento do linguista genebrino quando da publicação, em 1996,dos Escritos de Linguística Geral. Isto é, Benveniste foi capaz de obser-
var, apenas pela leitura do Curso de Linguística Geral, a fecundidade e
potencialidade do pensamento saussuriano. E um dos aspectos mais
frutíferos abordados por Saussure foi, sem dúvida, a noção de tempo e
sua implicação para os estudos da linguagem. Assim, a noção de tempo
pode figurar como uma das principais ligações entre os dois autores1.
Entre um dos vários aspectos lançados por Saussure para a Lin-
guística futura, a Semiologia é, talvez, o mais importante deles, e é
também tema de extensa reflexão por parte de Benveniste, sobretudo
em seu artigo Semiologia da Língua (1969). O que interessa observar,
aqui, é que tal retomada, por parte do sírio, do que Saussure havia
deixado como tarefa futura para a Linguística se deu em razão da cen-
tralidade da noção de tempo: como consequência da consideração do
processo dinâmico da língua, que está ancorado na questão temporal,
1 Para mais informaçõessobre a relação entreas obras de Saussuree de Benveniste, verNORMAND (2006a) e(2006b) e NUNES (2011).
O tempo do homem é o tempo da língua, o tempo da língua é o tempo do homem: reflexõessobre a noção de temporalidade em Saussure e em Benveniste
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foi possível “apreender de modo novo o programa da semiologia saus-
suriana, em sua diferença com as semióticas clássica e estruturalista”
(NORMAND, op. cit., p. 147). É a partir dessa nova semiologia queBenveniste irá retomar Saussure e ultrapassá-lo2.
Com base nessas primeiras considerações, verificamos que a noção
de tempo, tanto para Saussure quanto para Benveniste, constitui um
ponto primordial para a definição do objeto da Linguística e para as
noções que a ele se ligam dentro da obra de cada autor, inclusive ex-
pandindo os horizontes do campo. Tendo isso em mente, este trabalho
objetiva, portanto, detalhar de que a forma a noção de tempo temimplicações tanto para o escopo do pensamento saussuriano, já que
se trata de uma peça-chave para a problematização de conceitos que
darão a Saussure o título de “pai da Linguística moderna”, como para
o pensamento de outros linguistas, uma vez que se torna base para o
desenvolvimento de teorias claramente apoiadas sobre os construtos
saussurianos. Nesse sentido, é em Benveniste que buscamos tais
reverberações, já que é com a tomada da enunciação como objeto de
estudo que a categoria de tempo – juntamente com a de pessoa e de
espaço – passa a ter ainda mais visibilidade para a Linguística. Dessa
forma, veremos que partir de Saussure para terminar nossa análise em
Benveniste nos leva, igualmente, a partir de uma concepção sistêmica
de língua e terminar em uma proposta de uma antropologia linguística,
conforme abordaremos na segunda parte deste estudo.
Para atingir o objetivo proposto, esta exposição está dividida essen-
cialmente em duas partes. Na primeira, são desenvolvidas algumas
considerações sobre como é possível perceber a relação da noção
de tempo com outros conceitos promovidos à existência pelo Curso
de Linguística Geral, mediante leitura atenta tanto do Curso quanto
dos Escritos de Linguística Geral, correlacionando-a com importantes
contribuições de linguistas que também refletiram sobre a obra saussu-
riana. Essa parte está dividida, apenas por questões didáticas, também
2 É o próprio Benveniste,em seu artigo Semiologia
da Língua (1969) quemafirma que “é necessá-rio ultrapassar a noçãosaussuriana de signolinguístico” (PLG II, p.67 – grifo nosso).
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espaço. Uma língua, considerada em duas datasdiferentes, não é idêntica a si mesma. [...] Asduas coisas, quando se quer ter uma visão exatados acontecimentos, devem ser sempre levadas
em conta e em conjunto. Mas somos obrigados asepará-las, em teoria, para proceder com ordem(SAUSSURE, 2002, p. 132).
Esse ponto de vista leva Saussure a delimitar dois campos de estu-
dos diferentes, decorrentes da consideração da “marcha da língua no
tempo” e da própria dupla natureza do objeto: a Linguística estática,
ou sincrônica, que estuda um dado estado do sistema da língua em
um momento específico da História, e a Linguística evolutiva, oudiacrônica, que estuda as relações que unem os termos em épocas
históricas diferentes e que não formam um sistema em si. Esse as-
pecto de dualidade interna da ciência linguística é visto por Saussure
como criador de dificuldades particulares para o analista, conforme
descrito no Curso, pois se faz necessário levar em conta os valores
que constituem um sistema no estado momentâneo de seus termos,
conforme influência direta do fator tempo na delimitação do objeto.Isso, por consequência, se deve ao fato de que a língua é um sistema
de valores, que mudam sob a ação do tempo e sob a ação da massa
falante, mesmo que esta aja de modo inconsciente.
Os Escritos também mostram a tentativa de Saussure de situar a
ciência da linguagem como uma ciência histórica. O mestre explicita
sua consideração sobre a língua como produção do homem, situada no
tempo e que, por isso, caracteriza uma época e uma sociedade: “[...]a ciência da linguagem é uma ciência histórica e nada além de uma
ciência histórica” (SAUSSURE, 2002, p. 130). Tendo isso em mente,
classifica, inclusive, a língua como objeto histórico de análise, ou seja,
tendo seu estado determinado pelo momento em que é produzida:
“[...] ela é um objeto de análise histórica e não análise abstrata, ela se
compõe de fatos, não de leis [...]” (SAUSSURE, 2002, p.131). Assim,
os fatos que cita indicam o aspecto de que a língua, como sistema
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significante, marca o sentido produzido pelos falantes em determina-
do momento da história, corroborando, desse modo, a ideia de que
a língua não é constituída de leis, mas de fatos, pois os sentidos semodificam ao longo do tempo. Por conseguinte, vemos que o tempo
de que trata Saussure, ao considerar a língua como objeto histórico, é
o tempo referencial, o tempo do analista, que faz um recorte do tempo
linguístico de seu objeto. Desse modo, se o linguista escolher focalizar
a diacronia, por exemplo, estudará a passagem de uma sincronia a
outra; ou seja, o tempo a ser considerado, para a análise, será sempre
o presente do funcionamento de um sistema em comparação com otempo presente de funcionamento de outro sistema, ambos tornados
passado, sob o ponto de vista temporal de referência do analista. Dito
de outra forma, o próprio exercício de análise linguística põe em jogo
duas temporalidades: a dos fatos analisados e a do analista.
No excerto seguinte, Saussure (2002), nos Escritos, esclarece que
a sequência de acontecimentos que se desenrolam no tempo é de
ordem linguística, logo, interna e sem relação com os fatos exteriores
ao sistema:
É que toda língua tem, em si mesma, uma his-tória que se desenrola perpetuamente, feita deuma sucessão de acontecimentos linguísticosque, exteriormente, não tiveram repercussãoe jamais foram inscritos pelo célebre buril dahistória; assim como são, por sua vez, com-pletamente independentes, em geral, do que se
passa exteriormente (SAUSSURE, 2002, p. 131).
Com relação ao caráter da imutabilidade do signo, segundo aspecto
apresentado na citação no início desta seção, esse se encontra vin-
culado à ideia de que a língua é uma herança. A metáfora da “carta
forçada”, apresentada no Curso, representa a imposição que a língua
exerce sobre os falantes, uma vez que um único indivíduo não teria a
capacidade de modificar uma palavra, ou de fazer uma escolha por simesmo, para poder modificar o funcionamento da língua por todos os
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falantes. Aqui se explicita o caráter histórico da transmissão, ou seja,
o fator tempo que interfere na continuidade da língua, dominando-
-a totalmente e excluindo a transformação geral e repentina de seufuncionamento. Tal fato está ligado à consciência dos falantes, que
em sua maioria não têm conhecimento das leis da língua. Assim sen-
do, o texto do Curso indaga: “se não as percebem, como poderiam
modificá-las?” (SAUSSURE, 2006, p. 87), e acrescenta: “A todo instante,
a solidariedade com o passado põe em xeque a liberdade de escolher.
Dizemos homem e cachorro porque antes de nós se disse homem e
cachorro” (SAUSSURE, 2006, p. 88 – grifos no original).Ao contrastarmos o conteúdo do Curso com o dos Escritos, ve-
rificamos que Saussure prioriza, em seus manuscritos, o sintagma
continuidade da língua no tempo, em vez de imutabilidade, bastante
empregado no Curso. Este termo, ao lado de fixidez, também recor-
rente no Curso, talvez tenha contribuído para que os estruturalistas
interpretassem o sistema saussuriano como estrutura. Mesmo que
“estrutura” apareça pouquíssimas vezes ao longo do Curso, trata-se
de um termo denotativo de caráter mais rígido e que não considera o
aspecto dinâmico que o sistema supõe e que é reforçado, nos Escritos,
por continuidade. No texto dos Escritos, Saussure classifica a continui-
dade como primeira característica, ou primeira lei, da transmissão do
falar humano (SAUSSURE, 2002, p. 133). É exatamente a lei da conti-
nuidade da língua no tempo que faz com que ela tenha uma história,
ou seja, é a ação do tempo na realização da língua que permite a sua
perpetuação e a construção de sua marcha no tempo e na história.
Juntamente com esse primeiro princípio, coloca-se um segundo
que não tem nada de contraditório, conforme os próprios editores
do Curso anteciparam que poderia ser alvo de críticas ao mestre 5.
Conforme manifesta Saussure nos Escritos: “[tais princípios] estão
em relação tão estreita e tão evidente que, quando temos vontade
de menosprezar um deles, ofendemos o outro, ao mesmo tempo, e
5 Ver nota de rodapé 1 àpágina 89 do Curso.
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o falante. Mesmo que algumas leituras não consigam perceber sua
dimensão dentro da teoria, inclusive apontando, erroneamente, que
Saussure teria o excluído de sua reflexão, o falante tem lugar central:a sincronia e o sistema só têm existência em função dele, e o tempo
influencia todos esses elementos.
Ao mesmo tempo em que a massa falante age sobre a língua,
modificando-a sob a ação do tempo, o peso da coletividade assegura
o caráter de fixidez que a caracteriza. Portanto, a massa falante e o
tempo são fatores que fazem com que a língua continue, mas tam-
bém com que se altere: o tempo se coloca como o que permite fazerperceber o efeito das forças sociais que agem sobre a língua, tanto
em termos de continuidade quanto em termos de transformação. O
texto do Curso ilustra a interdependência da relação:
Se se tomasse a língua no tempo, sem a massa fa-lante [...] não se registraria nenhuma alteração;o tempo não agiria sobre ela. Inversamente, se seconsiderasse a massa falante sem o tempo, não
se veria o efeito das forças sociais agindo sobrea língua (SAUSSURE, 2006, p. 92-93).
Desse modo, conforme tais excertos, é evidente que a complexi-
dade do sistema definido por Saussure admite mudanças, visto seu
caráter dinâmico, mesmo necessitando de um funcionamento estável
para reger seu mecanismo em um recorte específico de tempo. Tal
propriedade do sistema está totalmente ligada à sua concepção se-
miológica, fato corroborado pelo excerto do Curso que segue, o qual
afirma que a língua está “(...) situada simultaneamente na massa
social e no tempo, ninguém lhe pode alterar nada e, de outro lado,
a arbitrariedade de seus signos implica, teoricamente, a liberdade de
estabelecer não importa que relação entre a matéria fônica e as idéias”
(SAUSSURE, 2006, p.90).
Assim, os princípios da arbitrariedade do signo e da linearidadedo significante, aspectos não focalizados em detalhes neste trabalho,
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sustentam o signo como peça-chave do sistema saussuriano da língua,
pois suas alterações ao longo do tempo demonstram o deslocamento da
relação entre significante e significado, criando novos signos linguís-ticos e possibilitando a inserção de novos sentidos. Tais modificações
são marcadas pela ação da massa falante, ponto de vista corroborado
por Normand (2009) no seguinte excerto:
[...] a sociedade é condição de existência dalíngua e o movimento constitui o princípio deuma e de outra, tendo os signos uma existênciaapenas na e pela “massa social” que os coloca
em circulação na troca entre falas; através dis-so se dá a transmissão da língua, que nunca érecebida senão como “herança” (NORMAND,2009, p. 138).
Segundo a autora, a relação do social com o arbitrário da língua
é a mais importante inovação trazida por Saussure e, ao mesmo
tempo, a mais difícil de ser reconhecida (NORMAND, 2009, p. 137).
O sistema saussuriano, portanto, prevê a ação do falante sobre ele:
é justamente o laço arbitrário que une significante e significado que
origina o signo, que permite ao falante produzir sentido, repetindo,
suprimindo, reorganizando e criando unidades do sistema. Mesmo
que grandes mudanças sejam reconhecidas apenas após um período
maior de tempo, os falantes agem como “fatores inconscientes das
mudanças linguísticas”, como afirma Normand (2009), o que prova
a arbitrariedade do signo e a estabelece como condição para a vidasemiológica da língua.
No texto dos Escritos, Saussure discorre sobre a contínua transfor-
mação da língua no tempo, em dependência da ação de dois agentes
que operam nas criações do falante: as mudanças fonéticas e a analo-
gia. Enquanto a primeira “representa operações puramente mecânicas,
ou seja, que não se pode descobrir nem objetivo nem intenção”, a
segunda resulta de “operações inteligentes, em que é possível descobrirum objetivo em um sentido” (SAUSSURE, 2002, p. 139). Segundo o
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texto, a observação e a análise desses dois fenômenos constituem a
tarefa do linguista, e a consideração do fator tempo, ao se recortar o
período a ser analisado, complexifica a sua ocupação, pois possibilita– e, ao mesmo tempo, obriga – ou a restrição da observação a períodos
limitados, ou a abrangência de várias épocas, práticas correntes dos
gramáticos comparatistas.
Desse modo, o papel do falante, em ambos os estados, está previsto
e marcado na história das línguas, segundo uma atuação consciente
ou inconsciente no uso das formas. A analogia é uma operação in-
teligente de transformação, conforme o mestre explica no texto dos Escritos, que renova a língua por meio de uma certa destruição em que
se alteram e se criam novos signos, mas sempre seguindo a mesma
cadeia de elementos, os quais foram sendo transmitidos desde a origem
das línguas. No caso da mudança fonética, essa é menos discutida no
manuscrito da segunda conferência, mas ele reafirma seu caráter geral
e seu aspecto de mudança inconsciente no mecanismo pela ação do
falante ao passar do tempo. Normand (2009) pontua o papel central
do falante na vida do sistema, seja quando faz mudanças conscientes
na língua, pela operação analógica, seja quando comete “equívocos
de forma inconsciente”, o que afeta foneticamente as unidades:
o sistema, entregue aos fatores aleatórios dasmudanças fonéticas, cujo ponto de partida estásempre nos “erros” inconscientes da fala indivi-dual, subsiste apenas por esses remanejamentos
operados pelos locutores: “a vida da língua éproduzida por esses equívocos” (NORMAND,2009. p. 145-146).
Os dois fenômenos se encontram também discutidos no Curso:
estão descritos na terceira parte, dedicada à Linguística Diacrônica.
Tal classificação nos leva, mais uma vez, ao recorte temporal que
possibilita a verificação de mudanças na língua: precisamos analisar
sincronias de diferentes épocas para delimitar a história da evolução
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Por fim, é impossível deixar de incluir a noção de valor como
primordial na concepção saussuriana de língua: o valor é justamente
a costura das transformações da língua no tempo. Um novo signosomente será aceito e entrará no sistema se for consolidado pelo uso
da massa falante; ou seja, para ser substituído, seu valor deve ser re-
conhecido e o termo, assim, adquire sentido em oposição aos outros
termos no funcionamento do sistema.
Encaminhamento: de Saussure a Benveniste
De acordo com o percurso seguido até aqui, partimos de noções
como sistema, signo, mutabilidade, imutabilidade, sincronia, diacro-
nia, para verificar de que modo a consideração do fator tempo afeta a
teorização da língua e, diretamente, o fazer do linguista ao delimitar
seu olhar sobre seu objeto de estudo. Indo além e chegando a um ponto
primordial, ressaltamos a presença da consideração dos falantes e a
sua relação com a língua dentro da teoria saussuriana. Afora isso, é
relevante pontuar novamente o fato de que, para Saussure, o sistema é
baseado em diferenças: quando falamos de um termo, todos os outros
estão automaticamente implicados, uma vez que é a própria diferença
e a relação estabelecida entre os termos que define seus valores. Nas
palavras do Curso, “subentende-se que são puramente diferenciais,
definidos não positivamente por seu conteúdo, mas negativamente
por suas relações com os outros termos do sistema. Sua característica
mais exata é ser o que os outros não são” (SAUSSURE, 2006, p. 136).
Além disso, tratamos de outros dois pontos que consideramos
primordiais, o falante e o discurso, os quais nos encaminham para
o próximo ponto de discussão neste trabalho. De acordo com o que
Saussure escreve em sua “Nota sobre o discurso”, presente nos Escritos,
todos os conceitos, revestidos de uma forma linguística, “esperam ser
postos em relação entre si para que haja significação do pensamento”
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(SAUSSURE, 2002, p. 235). Ou seja, todo o sistema, com sua organiza-
ção, está à espera do falante para que a língua, com suas formas, seja
relacionada e posta em ação via discurso. Não mais apenas a figurada massa falante, como apresentada no Curso, mas a figura do falante
se marca como possível na teoria de Saussure – ainda que não teorize
especificamente sobre ela – na medida em que está configurada a sua
relação indissociável com as mudanças do sistema, que se fazem pela
inserção da língua pelo falante no tempo.
Benveniste, propondo-se como seguidor de Saussure, coloca-se
como linguista que dialoga com as noções propostas pelo mestre,como é possível acompanhar no excerto a seguir, retirado do artigo
Tendências recentes em linguística geral, de 1954: “a novidade do
enfoque saussuriano [...] consistiu em tomar consciência de que a
linguagem em si mesma não comporta nenhuma outra dimensão
histórica, de que é sincronia e estrutura, e de que só funciona em
virtude da sua natureza simbólica” (PLG I, p. 5). Aqui verificamos que
Benveniste reconhece a “importância primordial da noção de sistema
e da solidariedade restaurada entre todos os elementos de uma língua”
(op.cit., p. 5) e, ao ressaltar a natureza simbólica da linguagem no
excerto anterior, ele também inscreve um espaço na língua para que
o falante, enquanto homem, possa se apropriar da língua e colocá-la
em funcionamento por um ato individual de utilização.
Tal definição de enunciação, uma das muitas propostas por Ben-
veniste8, põe em relevo novamente a relação entre sistema de signos
e o falante, relação esta que se coloca como indispensável para a vida
de ambos, e que se realiza no discurso. Para Dessons (2006), a teoria
da linguagem iniciada por Saussure pode ser entendida como
um estrato da teorização de Benveniste, levan-do a interpretar a noção de discurso como umavatar da noção de parole, realização individualda língua, posição legitimada pela reflexão deSaussure sobre a discursividade [...]9 (DESSONS,op. cit., p. 67-68 – grifos no original).
8 O Dicionário de Lin- guística da Enunciação(2009) explicita a ques-tão da diversidade dedefinições usadas porBenveniste: “Tal diver-sidade conceitual, longede parecer uma contra-dição no pensamento doautor, se explica desdeque se considere queBenveniste construiuessa noção ao longo demais de 40 anos de re-flexão. O termo recebenuances de definiçãode acordo com o temaa que está associado”(Flores et al, 2009, p.102). Para ver exemplosde diferentes definiçõesde enunciação na obra,verificar o referido termoem Flores et al., 2009, p.102 e 103.
9 No original: “une stratede la théorisation de
Benveniste, conduisantà interpreter la notionde discours comme unavatar de la notion de
parole, réa lisation in-dividuelle de la langue, position legitiméé par lareflexion de Saussure surla discursivité ”.
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Mesmo Benveniste tendo tido contato apenas com as ideias saus-
surianas presentes no Curso, as quais não focalizam um estudo da
fala, mas da língua como sistema de ordem própria, é no próprioCurso que ele lê a possibilidade de se trabalhar com os conceitos que
apontam para apropriação da língua pelo falante. Em outras palavras,
Benveniste lê em Saussure a base de uma teorização do discurso a
partir da língua. Segundo Dessons (op. cit.), em Benveniste, “discurso
refere-se especificamente à teoria da Enunciação, da qual ela é o termo
principal, prolongando assim o movimento de conceituação iniciado
por Saussure”10 (DESSONS, op. cit., p. 58 – grifo no original).Na seção a seguir, tentaremos verificar, a partir de um recorte da
teoria benvenistiana, o modo como o autor apresenta o tempo em suas
reflexões sobre a língua, sobre os seus mecanismos e os falantes, sob
o enfoque de que são esses que dão vida ao tempo e à língua, sendo
reciprocamente constituídos por ambos.
DE UMA TEORIA DO TEMPO DA LÍNGUA PARA UMA TEORIA DOHOMEM NA LÍNGUA
Em seu artigo “A linguagem e a experiência humana”, de 1965,
presente em Problemas de Linguística Geral II , Benveniste se propõe
a tratar de duas categorias fundamentais do discurso que, segundo
ele, estão necessariamente ligadas: pessoa e tempo.
Ao apropriar-se das formas da língua, empregando-as no discurso,
o falante faz com que elas recebam sua substância e sua realidade.
No caso do pronome eu, por exemplo, ele designa aquele que fala no
momento de sua fala, estabelecendo assim uma referência no discur-
so. Para Benveniste, “esta é a experiência central a partir da qual se
determina a possibilidade mesma do discurso” (PLG II, p. 69). Desse
modo, a experiência da enunciação constitui o locutor como sujeito
no discurso, fazendo com que deixe, no enunciado, suas marcas. O
10 No original: “dis-cours renvoie spécifi-quement à la théoriede l’énonciation, dontelle constitue le termemajeur, prolongeant encela le mouvement deconceptualization initié
par Saussure”.
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autor explica a reversibilidade desse processo, que constitui a comu-
nicação intersubjetiva, ao afirmar que “este eu na comunicação muda
alternativamente de estado: aquele que o entende o relaciona ao outrodo qual ele é signo inegável; mas, falando por sua vez, ele assume eu
por sua própria conta” (op.cit., p. 69).
Os pronomes não são os únicos indicadores de subjetividade, que
preenchem sua referência no discurso, segundo Benveniste. Os dê-
iticos também funcionam conforme tal mecanismo, de acordo com
as reflexões presentes nesse artigo. Contudo, as formas linguísticas
que revestem as categorias, que exprimem o tempo, são vistas porBenveniste como as mais ricas reveladoras da experiência subjetiva.
Por conseguinte, o autor define três tipos de conceptualizações
de tempo. O primeiro a ser analisado, o tempo físico, é denominado
como sendo o tempo do mundo, que se caracteriza por ser “um con-
tínuo uniforme, infinito, linear, segmentável à vontade” (PLG II, p.
71). Diferente deste é o chamado tempo crônico, que é “o tempo dos
acontecimentos”, o tempo que, “congelado na história, admite uma
consideração bidirecional, enquanto que nossa vida vivida corre (é a
imagem recebida) num único sentido” (op.cit., p. 71).
A noção de acontecimento para a definição da natureza do tempo
crônico é, assim, bastante importante, pois podemos lançar nosso olhar
para acontecimentos do passado ao presente ou do presente ao passa-
do, por isso a sua bidirecionalidade. Além disso, o que denominamos
tempo nessa categoria é uma continuidade que está dividida e classi-
ficada segundo acontecimentos distintos. Benveniste especifica que
“os acontecimentos não são o tempo, eles estão no tempo. Tudo está
no tempo, exceto o próprio tempo” (PLG II, p. 71 – grifo no original).
O mesmo autor também enfatiza que todas as sociedades humanas
organizaram sua divisão do tempo crônico, pois ele é o fundamento
da vida nas sociedades. É necessário que haja um momento axial,
um marco zero da contagem – que é a condição estativa conforme
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denominada por Benveniste –, e uma condição diretiva, que permite
enunciar a partir do ponto de referência inicial, usando os termos
antes e depois, por exemplo. Quanto à terceira condição, chamadamensurativa, constitui-se em face das denominações como, dia, mês,
e ano, ou seja, mediante uma determinação baseada em fenômenos
cósmicos.
A importância da divisão do tempo crônico e da eleição de tais
pontos de referência tem a ver com a necessidade de nos situarmos,
enquanto homens, em relação aos acontecimentos. Segundo o autor,
“eles nos informam no sentido próprio onde estamos na vastidão dahistória, qual o nosso lugar em meio à sucessão infinita dos homens
que viveram e das coisas que aconteceram” (PLG II, p. 73 – grifos no
original). Tais pontos são determinados por um caráter de fixidez e
de permanência, uma vez que são baseados em algo que aconteceu
no mundo, e não por uma decisão que pode ser mudada. Assim,
Benveniste afirma que “a organização social do tempo crônico é, na
realidade, intemporal” (op.cit., p. 73 – grifos no original), e isso se
verifica justamente pelo fato de o calendário, por exemplo, não acom-
panhar o tempo, mas registrar unidades que são constantes. Enfim,
Benveniste sintetiza:
O tempo crônico fixado num calendário é estra-nho ao tempo vivido e não pode coincidir comele; pelo próprio fato de ser objetivo, propõe me-didas e divisões uniformes em que se alojam os
acontecimentos, mas estes não coincidem comas categorias próprias da experiência humanano tempo. (PLG II, p. 74).
Até aqui vimos que são várias as considerações feitas pelo linguista
sobre o tempo fora da linguagem, mas e o tempo em relação à língua?
Para Benveniste, “é pela língua que se manifesta a experiência humana
do tempo, e o tempo linguístico manifesta-se irredutível igualmente ao
tempo crônico e ao tempo físico” (ibidem). Logo, o chamado tempo
O tempo do homem é o tempo da língua, o tempo da língua é o tempo do homem: reflexõessobre a noção de temporalidade em Saussure e em Benveniste
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linguístico, para o autor, está intrinsecamente ligado ao exercício da
fala, de modo que o tempo se define e se organiza como função do
discurso. Nesse caso, a referência axial e geradora do tempo é a própriainstância de discurso11, que funda o presente linguístico. Dele, nascem
as oposições temporais da língua e sua organização, de modo que o
presente, ou seja, o próprio tempo possa ser “reinventado a cada vez
que um homem fala porque é, literalmente, um momento novo, ainda
não vivido” (PLG II, p. 75).
Desse modo, para o autor, a instância de discurso contém o tempo
linguístico em potência, no mesmo sentido em que se faz necessáriaa sua consideração para o quadro figurativo da enunciação. Para Des-
sons (op. cit.), a complexidade das divisões do tempo e sua relação
com a língua enquanto sistema e com a enunciação está relacionada
à questão de localização temporal, já que pode ser tomado como
enunciação, que funda o presente, e como enunciado, considerado
em momento determinado:
O problema do tempo linguístico não é, assim,realmente um problema de “tempo”, mas umproblema de demarcação temporal. Trata-se dese organizar, a cada vez, a temporalidade dosjulgamentos em relação a uma marcação quepode ser, no sistema do discurso, o presente dafala, ou, no sistema da narração, um momentodado, precisado no enunciado (uma data, porexemplo)12 (DESSONS, op. cit., p. 124 – grifosno original).
Assim, a noção de enunciação e sua realização no tempo estão
relacionadas com a noção de acontecimento e, mais do que isso,
com o acontecimento que se dá por meio (através) do ato individual
de colocar em funcionamento a língua, de transformar a língua em
discurso, mediante a apropriação de suas formas. Logo, a relação
da enunciação com o tempo se mostra como necessária, conforme
Benveniste explicita no excerto a seguir, do artigo O Aparelho Formalda Enunciação (1970):
11 O termo instânciade discurso, segundoFlores et al. (2009, p.142), “quase sempre se
faz acompanhar, nostextos de Benveniste,da palavra enunciaçãoe as duas noções sãodefinidas, muitas ve-zes, de maneira muitopróxima”. O verbete do
Dicionário de Linguísticada Enunciação acrescen-ta algumas propriedadesessenciais ligadas a essetermo que remetem àtemporalidade, já que“ela se identifica ao tem-
po presente implícito emque fala o locutor, isto é,ao presente do locutor, enão ao presente formalgramatical” (ibidem).Para um maior detalha-mento, verificar o termoinstância de discurso em Flores et al., 2009,p. 142.
12 No original: “ Le problè-me du temps linguistiquen’est donc pas véritable-ment celui du « temps »,mais celui du repéragetemporel. Il s’agit chaquefois d’organiser la tem-
poralité des procès parrapport à un repère qui
peut être, dans le systèmedu discours, le présentde la parole, ou, dansle système du récit, un
moment donné, précisédans l’énoncé (une date,
par example)”.
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Esta relação [da enunciação] com o tempo me-rece que aí nos detenhamos, que meditemossobre sua necessidade, e que interroguemossobre o que a fundamenta. Poder-se-ia supor
que a temporalidade é um quadro inato dopensamento. Ela é produzida, na verdade, nae pela enunciação. Da enunciação procede ainstauração da categoria do presente, e da cate-goria do presente nasce a categoria do tempo.O presente é propriamente a origem do tempo.(PLG II, p. 85 – grifo no original)
Além de tomar a origem do tempo situando-a no presente, a relação
intersubjetiva também emana da inscrição da enunciação no presente
daquele que enuncia, de modo que o tempo do discurso “funciona
como um fator de intersubjetividade, o que de unipessoal ele deveria
ter o torna onipessoal. A condição de intersubjetividade é que torna
possível a comunicação linguística” (PLG II, p. 78). Assim, o eu só se
define em relação a um tu, que se inscreve no tempo ao apropriar-se
da língua e ao passar de locutor, – aquele que pode pôr a língua em
funcionamento –, para sujeito, – aquele que se marca na língua. E o
autor enfatiza: “O que em geral caracteriza a enunciação é a acentua-
ção da relação discursiva com o parceiro, seja este real ou imaginado,
individual ou coletivo” (PLG II, p. 87 – grifos no original).
Ademais, Benveniste explicita os mecanismos que se fazem pre-
sentes nessa relação: “a temporalidade que é minha quando ela
organiza meu discurso, é aceita sem dificuldade como sua por meu
interlocutor. Meu ‘hoje’ se converte em seu ‘hoje’, ainda que ele nãoo tenha instaurado em seu próprio discurso, e meu ‘ontem’ em seu
‘ontem’” (PLG II, p. 77).
Para Dessons (op. cit.), a distinção feita por Benveniste entre o
tempo na linguagem e o tempo fora da linguagem constitui uma teoria
do tempo linguístico original, uma vez que ela se apresenta como fun-
damento de uma teoria geral da temporalidade. Desse modo, o ponto
de vista de Benveniste relaciona o tempo com a experiência humanana língua. Dessa experiência, nasce a história, conforme Dessons (op.
O tempo do homem é o tempo da língua, o tempo da língua é o tempo do homem: reflexõessobre a noção de temporalidade em Saussure e em Benveniste
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cit.) discute no excerto reproduzido a seguir:
A propósito de uma antropologia da linguagem,
o tempo linguístico aparece, assim, como o even-to único, no sentido de que ele leva o falante aoestatuto de sujeito, inscrevendo-o na história,uma história que só existe por essa instância13 (DESSONS, op. cit., p. 119).
De acordo com o apresentado pelo autor no excerto supracitado, a
consideração de uma possível antropologia da linguagem presente na
teoria benvenistiana advém do acontecimento da língua que se dá no
tempo, fazendo com que os falantes obtenham estatuto de sujeitos ese inscrevam na história. Dessons (op. cit.) enfatiza que a linguagem,
conforme tratada por Benveniste, se localiza fora da história. Porém,
é a partir da linguagem, com o homem concebido na e pela lingua-
gem, que se faz possível pensar em uma noção de história: “sendo
a historicidade, a linguagem transcende a história, da qual ela é, na
verdade, a condição e o fundamento”14 (DESSONS, op. cit., p. 75).
Benveniste afirma, em certa altura de sua reflexão sobre os marca-dores de subjetividade, que a enunciação promove certas classes de
signos à existência; ao abrirmos nossos horizontes quanto ao alcance
da perspectiva benvenistiana para além das ciências da linguagem, nos
arriscamos a afirmar que a enunciação também promove o homem
à existência. Seguindo tal direcionamento, Teixeira (2012) analisa a
categoria dos pronomes de Benveniste e afirma que os estudos do
autor não se confundem com a noção de enunciado nem “com a
simples constatação da presença da subjetividade na linguagem”, mas
constitui “um papel determinante nesse empreendimento em direção
a uma ciência geral do homem” (TEIXEIRA, 2012, p. 80).
Por fim, essa constituição do homem só se torna possível a partir
da inscrição conjunta do homem na língua e no tempo, tempo que
atravessa o homem e sua língua, dando suporte à sua enunciação e
constituindo-o como sujeito na linguagem e, assim, em seu tempo
vivido na língua e na história.
13 No original: “Au regardd’une anthropologie dulangage, le temps dulangage apparaît donc
comme le seul événe-ment, dans le sens oùil fait advenir des par-lants au statut de sujetsen les inscrivant dansl’histoire, une histoirequi n’existe que par cetteinstantiation même”.
14 No original: “Étantl’historicité, le langagetranscende l’histoire,dont il est en réalité lacondition et le fonda-ment”.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao revisitarmos noções-chave da teoria saussuriana para pensar olugar do tempo na concepção de língua, que funda o campo da Lin-
guística como hoje o conhecemos, encontramos um Saussure que se
apresenta no texto do Curso e se complementa no texto dos Escritos,
apesar da idiossincrasia da publicação das duas obras. A influência
que o tempo exerce sobre o sistema toca todas as noções aqui expos-
tas: mutabilidade e imutabilidade, arbitrariedade e linearidade do
significante, diacronia, sincronia e, enfim, sistema. O tempo dá vidaao sistema da língua em sua sincronia, que emana da massa falante.
E o recorte macrotemporal da vida da língua nos mostra que ela tem
uma história, de modo que sua marcha sobre o tempo construiu e
constituiu os homens e suas sociedades até os dias de hoje.
O ponto de vista criador de objeto, conforme afirmação do Curso,
possibilita compreender a complexidade da língua como objeto da
Linguística e do trabalho do linguista como aquele que se debruça
sobre a infinidade de relações estabelecidas no sistema, das quais
brota a significação. O tempo, aqui, se apresenta como um definidor
de ponto de vista e de objeto, limite de olhar que desafia e que é tão
importante ao fazer do linguista.
A leitura que Benveniste faz do Curso e o modo com que se apropria
das noções de Saussure, para construir seu ponto de vista acerca da
língua, assim como o modo como essa é posta em ação pelos falantes,
demonstra a profundidade com que ele toma a tarefa do linguista apre-
sentada pelo mestre. Seu ponto de vista marca o quanto Benveniste
vai além ao expandir o estudo da língua para um estudo do discurso
e da significância em um sentido amplo: o dos processos de significa-
ção de outros sistemas semióticos que também constituem o homem
como sujeito na linguagem e, além disso, na cultura. Desse modo, a
relação do homem com a língua é, a todo momento, atravessada pelo
O tempo do homem é o tempo da língua, o tempo da língua é o tempo do homem: reflexõessobre a noção de temporalidade em Saussure e em Benveniste
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tempo, categoria que compõe o quadro figurativo da enunciação e
que, assim, se estabelece como condição para a vida do homem na
língua e na sociedade.
REFERÊNCIAS
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FLORES, Valdir; BARBISAN, Leci; FINATTO, Maria José; TEIXEIRA,Marlene (Orgs.). Dicionário de linguística da enunciação. São Paulo:Contexto, 2009.
GADET, Françoise. Saussure: une science de la langue. Paris: PUF, 1987.
NORMAND, Claudine. Saussure. São Paulo: Estação Liberdade, 2009.
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NUNES, Paula Ávila. Émile Benveniste, leitor de Saussure. Cadernosdo IL. Porto Alegre, n.º 42, junho de 2011. p. 51-63.
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. São Paulo:
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TEIXEIRA, Marlene. O estudo dos pronomes em Benveniste e o pro-jeto de uma ciência geral do homem. In: Revista Desenredo, v. 8, n.1. Passo Fundo: Editora da UPF, janeiro/junho, 2012.
Bruna Sommer Farias e Paula Ávila Nunes
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BRUNA SOMMER FARIAS
Mestranda em Estudos da Linguagem, na especialidade de Teorias doTexto e do Discurso. Professora de Língua Portuguesa para Estrangeiros
no Programa de Português para Estrangeiros e no Programa de Apoioà Graduação (bolsista CAPES – REUNI), ambos da UFRGS. Desenvol-ve seus estudos sobre a linguística da enunciação benvenistiana e oensino de língua materna e adicional.
E-mail: [email protected]
PAULA ÁVILA NUNES
Doutora em Estudos da Linguagem, na especialidade Teorias do Textoe do Discurso. Professora de Língua Portuguesa e Linguística da Uni-
versidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Desenvolve seusestudos com ênfase nos aspectos discursivos da linguagem, tendocomo principais objetos o ensino de língua materna e a tradução.
E-mail: [email protected]
O tempo do homem é o tempo da língua, o tempo da língua é o tempo do homem: reflexõessobre a noção de temporalidade em Saussure e em Benveniste