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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA CURSO DE MESTRADO
SAYONARA DA SILVA SOARES
A REDE DE CUIDADORES DE CRIANÇAS EM UMA COMUNIDADE DE BAIXA
RENDA
RECIFE
2014
SAYONARA DA SILVA SOARES
A REDE DE CUIDADORES DE CRIANÇAS EM UMA COMUNIDADE DE BAIXA
RENDA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Psicologia.
Orientadora: Profª. Drª. Maria Isabel Patrício de Carvalho Pedrosa
RECIFE 2014
Catalogação na fonte Bibliotecária, Divonete Tenório Ferraz Gominho. CRB4- 985
S676r Soares, Sayonara da Silva. A rede de cuidadores de crianças em uma comunidade de baixa renda / Sayonara da Silva Soares. – Recife: O autor, 2014.
124 f. , il. ; 30 cm.
Orientador: Prof.ª Dr.ª Maria Isabel Patrício de Carvalho Pedrosa. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Pernambuco.
CFCH. Pós-Graduação em Psicologia, 2014. Inclui referências, apêndices e anexos.
1. Psicologia. 2. Cuidadores de crianças. 3. Crianças – Cuidado e
tratamento. I. Pedrosa, Maria Isabel Patrício de Carvalho (Orientadora). II. Título. 150 CDD (22.ed.) UFPE (BCFCH2015-25)
SAYONARA DA SILVA SOARES
A REDE DE CUIDADORES DE CRIANÇAS EM UMA COMUNIDADE DE BAIXA
RENDA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Psicologia.
Aprovada em: 29/07/2014.
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________
Profª. Drª. Maria Isabel Patrício de Carvalho Pedrosa (Orientador) Universidade Federal de Pernambuco
___________________________________________________ Profª. Drª. Maria de Fátima de Souza Santos (Examinador Interno)
Universidade Federal de Pernambuco
___________________________________________________ Profª. Drª. Ilka Dias Bichara (Examinador Externo)
Universidade Federal da Bahia
Dedico este trabalho à minha rede de cuidadores, tão extensa quanto o afeto que nos une.
AGRADECIMENTOS
Invadida por um sentimento imenso de gratidão, traduzo o carinho e o amor que
carrego em um afetuoso agradecimento aos que contribuíram para a construção de uma
importante caminhada e de uma linda conquista.
Agradeço a Deus, pelo espetáculo da vida que, em sua construção, me possibilita
vivenciar experiências tão significativas.
A Bel, minha orientadora, por mostrar que a construção do conhecimento une ética,
comprometimento e afeto; por, nesse processo de construção, me motivar e contagiar com sua
alegria a cada encontro com um dado que possui infinitas faces. Agradeço imensamente pelo
acolhimento e parceria que geraram importantes frutos!
Aos meus amados pais, Teresa e Guiarone, por me mostrarem a educação como
oportunidade de crescimento. É com muita emoção que agradeço pelo amor incondicional,
pelo afetuoso cuidado, pelo respeito e apoio às minhas escolhas. Vocês são minha fortaleza!
A Nara, minha querida irmã, por acreditar em mim e estar sempre presente nos
momentos mais significativos da minha vida. Seu companheirismo me dá força para ir mais
além!
A Weber, meu companheiro, por está sempre ao meu lado, e, com seu amor, ter
tornado essa caminhada mais leve. Obrigada pelo seu cuidado e pelas madrugadas nas quais
pacientemente me ajudou!
A Nessa, minha querida amiga, por juntas vivenciarmos essa experiência tão marcante,
e pelos encontros e desencontros que fortalecem a nossa especial amizade. Agradeço às
queridas Anita, Dani Charamba, Leylly e Raíssa por tornarem a graduação mais afetiva, e
pelos laços construídos.
Aos queridos companheiros do LabInt que muito me inspiram, me instigam e me
contagiam com tanto entusiasmo na construção do conhecimento. Agradeço carinhosamente a
Carina, Juliana, Karine, Mel, Nicole, Pedro, Priscila, Simone, Vanessa, pelo acolhimento,
apoio, carinho, atenção, orientações, trocas e coversas. Ter vocês nessa caminhada foi
fundamental para a construção e realização desse trabalho. É imenso meu sentimento de
gratidão por vocês!
Em especial, agradeço a Mel, pela atenção e carinho com os quais me acompanhou
nessa trajetória; pela disponibilidade para me ajudar na finalização da dissertação, apontando
aspectos tão importantes. Agradeço a Vanessa pela leitura cuidadosa da minha dissertação e
pelas ricas contribuições. E agradeço a Juliana, Mel, Nicole e Priscila pelo apoio
importantíssimo na qualificação. A força de vocês foi fundamental!
À minha turma do mestrado e aos professores, pelas orientações, provocações e
importantes discussões. E a João, pela atenção e carinho que nos recebe e atende aos nossos
pedidos.
A Ana Carvalho e a Fátima Cruz que, com bom senso e leveza, tornaram minha
qualificação um momento rico de aprendizagens, contribuindo significativamente para a
realização desse estudo.
A Fátima Santos e a Ilka Bichara, que, com respeito e simplicidade, compuseram
minha banca de defesa de dissertação, contribuindo com aspectos significativos e abrindo um
leque de possibilidades para que novos trabalhos ganhem vida.
À minha família querida do Caminhando para Jesus, por entender a minha ausência,
pelo apoio consolador e por me mostrar, a todo o momento, o quanto a alegria e o afeto são
essenciais para compormos a nossa vida.
A Vera que, além de me possibilitar o acesso às participantes da pesquisa, foi
especialmente acolhedora e companheira, me permitindo ter vivências marcantes na
comunidade, meu local de pesquisa. Muito obrigada por me receber com tanto carinho!
Às participantes da pesquisa, por terem aberto as portas de suas casas, compartilhando
comigo aspectos importantes de suas vidas. Obrigada por tornarem esse trabalho possível!
RESUMO
O cuidado da criança envolve diferentes pessoas, concepções e práticas em contextos culturais específicos. Partindo da psicoetologia, uma perspectiva interacionista que possui um olhar biopsicossocial do ser humano – considerando que seu comportamento, assim como sua estrutura orgânica e corporal, é produto e instrumento de seu processo de evolução – o cuidado da criança pode ser compreendido a partir do cuidado parental. Este é concebido como um conjunto de ações e comportamentos selecionados ao longo da história evolutiva da espécie, de modo a garantir a sobrevivência da prole, ajustando-o a transformações socioculturais que caracterizam o modo de vida dos seres humanos. A presente pesquisa tem como objetivo investigar as redes de cuidadores de crianças de zero a seis anos por cuidadores familiares e não familiares em uma comunidade de baixa renda da cidade do Recife. De forma específica, buscou-se identificar, descrever e discutir rotinas, práticas e redes sociais de apoio que configurem o cuidado da criança, bem como perquirir modos compartilhados de cuidar da criança e as significações atribuídas ao cuidado por familiares ou outros adultos que compartilham essa tarefa. Participaram da pesquisa trinta mulheres: 16 mães, 9 avós, 2 babás, 2 empregadas domésticas e 1 tia, na faixa etária de 20 a 80 anos que tinham pelos menos uma criança de zero a seis anos sob seus cuidados. Os dados foram coletados mediante visitas à comunidade com a realização de entrevistas nas residências das participantes, o que possibilitou observar importantes aspectos do cuidado da criança e complementar os dados das entrevistas. O material coletado foi organizado de modo quantitativo, sendo, assim, possível indicar o número de integrantes das redes de cuidado, o número de homens e mulheres e de familiares e não familiares dessas redes, a frequência de crianças a instituições educacionais e outros aspectos relevantes para a caracterização da tarefa de cuidar das crianças. Realizou-se também uma análise qualitativa, buscando-se identificar núcleos de sentidos realçados nas falas das participantes. Os resultados apontam as redes de cuidadores como um importante apoio às famílias e como estratégia para compartilhar o cuidado da criança, sendo tais redes constituídas majoritariamente por mulheres familiares que residem com a criança. A prevalência feminina nas tarefas de cuidado tanto da criança quanto da casa também é um aspecto de destaque, sinalizando a manutenção de uma divisão tradicional das tarefas de cuidado e a sobrecarga de atividades enfrentada pelas mulheres. E, por fim, a instituição educacional se sobressai como um importante componente na maioria das redes de cuidadores, porém se identifica pouca confiabilidade na creche ou no CMEI, o que instiga um olhar mais atento para as questões que envolvem a opção dos pais em compartilhar ou não o cuidado/educação da criança com essa instituição e para o tipo de serviço que ela oferece. Conclui-se que investigar a rede de cuidadores da criança suscita importantes aspectos acerca da dinâmica do grupo familiar com poucos recursos financeiros. Além disso, estudos como este têm um potencial de subsidiar políticas públicas que promovam melhores condições para a criança e a família.
Palavras-chave: rede de cuidadores; cuidado da criança; cotidiano do cuidado; cuidado institucional.
ABSTRACT
Child care involves different people, concepts and practices in specific cultural contexts. Based on Psychoethology, an interactionist perspective that has a biopsychosocial look on the human being – considering that their behavior and their organic and body structure constitute both a product and an instrument of their process of evolution – the child care can be understood from parental care. This is conceived as a set of actions and behaviors selected along the evolutionary history of the species, as to ensure the survival of the offspring, adjusting it to sociocultural changes that characterize the way of living of human beings. This research aims to investigate the network of caregivers of children aged zero to six years by family and nonfamily caregivers in a low income community in Recife. Specifically, it was sought to identify, describe and discuss routines, practices and social support networks that constitute the child's care as well as to assert shared modes of child care and the meanings assigned to care by relatives or other adults who share this task. Thirty women participated in the study: 16 mothers, 9 grandmothers, 2 babysitters, 2 maids and 1 aunt, aged 20-80 years who had at least one child from birth to six years under their care. Data were collected by means of visits to their community with interviews held in the homes of the participants, which made it possible to observe important aspects of child care and complement the interview data. The collected material was organized in a quantitative manner, indicating the number of participants of the networks of care, the number of men and women as well as the family and nonfamily members of these networks, the attendance of children in educational institutions and other aspects relevant to the characterization of the task of taking care of the children. A qualitative analysis was also conducted, seeking to identify nuclei of meaning highlighted in the speech of the participants. The results indicate the networks of caregivers as an important support for families and as a strategy to share the care of the child, and that those networks are mostly consisted of women members of the family residing with the child. The female prevalence in care of both the child and the house is also a prominent aspect, signaling the maintenance of a traditional division of care tasks and activity overload faced by women. And finally, the educational institution stands out as an important component in most networks of caregivers, but poor reliability is identified in the day care or CMEI, which instigates a closer look into the issues involving the choice of parents to share or not to share the care / education of the child with that institution and the type of service it offers. The conclusion is that investigating the network of caregivers of children raises important issues about the dynamics of the family group with poor financial resources. Furthermore, studies like this have the potential to support public policies that promote better conditions for children and families.
Keywords: network of caregivers; child care; daily care; institutional care.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Quadro 1 – Idade (em faixa etária) e nível de escolaridade das participantes da pesquisa ............................................................................................................ 32 Quadro 2 – Instituições educacionais municipais que atendem à comunidade ........................ 34 Quadro 3 – Tarefas de cuidado com base nas atividades do cotidiano da criança .................................................................................................................... 58
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Número de crianças que cada entrevistada tem sob seus cuidados ................................................................................................................ 33 Tabela 2 – Tamanho da rede relacionada ao número de redes e de crianças atendidas em cada rede ......................................................................................... 41 Tabela 3 – Número de crianças atendidas em instituição educacional relacionado ao tamanho da rede e ao número de crianças por rede ..................... 42 Tabela 4 – Número de crianças de acordo com sua faixa etária e tamanho da rede .................................................................................................................. 43 Tabela 5 – Número de crianças de acordo com sua idade e tamanho da rede que participa ......................................................................................................... 44 Tabela 6 – Número de cuidadores e sua relação com a criança ............................................. 45 Tabela 7 – Número de cuidadores de acordo com a relação familiar (critério de consaguinidade) ou não familiar ........................................................ 46 Tabela 8 – Número de redes de cuidadores de acordo com o seu tamanho e o número de cuidadores familiares nas redes .......................................................... 49 Tabela 9 – Número de redes de cuidadores de acordo com o seu tamanho e o número de cuidadores não familiares nas redes ................................................... 49 Tabela 10 – Número de cuidadores femininos e masculinos e sua relação com a criança ................................................................................................................... 51 Tabela 11 – Número de redes de acordo com o seu tamanho e o número de cuidadoras femininas ............................................................................................ 51 Tabela 12 – Número de redes de acordo com o seu tamanho e o número de cuidadores masculinos .......................................................................................... 52 Tabela 13 – Cuidadores que residem ou não com a criança e sua relação com ela .................................................................................................................. 52 Tabela 14 – Número de cuidadores de acordo com a coabitação e o parentesco ............................................................................................................. 53 Tabela 15 – Número de cuidadores de acordo com a coabitação e o gênero ................................................................................................................... 53 Tabela 16 – Número de cuidadores de acordo com a coabitação e o parentesco (excluídos mãe, pai e irmã/os) .............................................................................. 54
Tabela 17 – Número de cuidadores de acordo com a coabitação e o gênero (excluídos mãe, pai e irmã/os) .............................................................................. 54 Tabela 18 – Número de redes de cuidadores de acordo com o seu tamanho e o número de cuidadores residentes .......................................................................... 55 Tabela 19 – Número de redes de cuidadores de acordo com o seu tamanho e o número de cuidadores não residentes ................................................................... 56 Tabela 20 – Tipo de cuidador com base na frequência nos períodos (diurno, noturno e fins de semana) e nas tarefas de cuidado .............................................. 65 Tabela 21 – Número de crianças que frequentam ou não instituições educacionais de acordo com a faixa etária das crianças e o tipo de instituição ........................ 81
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CMEI - Centro Municipal de Educação Infantil USF - Unidade de Saúde da Família ACS - Agente Comunitária de saúde NSEb - Nível Socioeducacional baixo NSEmdA - Nível Socioeducacional médio alto
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 14
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ........................................................................................... 17
2.1 O cuidado parental na perspectiva psicoetológica ................................................................ 17
2.1.1 O cuidado parental na história evolutiva humana .............................................................. 21
2.2 O cuidado da criança e a dinâmica familiar .......................................................................... 23
2.3 O cuidado alternativo: a creche na atenção ao cuidado da criança ....................................... 26
2.4 Objetivos ............................................................................................................................... 30
3 MÉTODO ................................................................................................................................ 31
3.1 Os sujeitos da pesquisa ......................................................................................................... 31
3.2 Contextualizando o local de pesquisa: a comunidade........................................................... 33
3.3 Instrumentos de coleta .......................................................................................................... 34
3.4 Procedimentos de coleta ....................................................................................................... 35
3.5 Procedimentos de análise ...................................................................................................... 38
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO ............................................................................................. 40
4.1 Rede de cuidadores: os sujeitos e as práticas que envolvem o cuidado da criança .............. 40
4.1.1 A dimensão estrutural das redes de cuidadores ................................................................. 41
4.1.1.1 Tamanho das redes .......................................................................................................... 41
4.1.1.2 Composição das redes ..................................................................................................... 45
4.1.1.3 Densidade, Dispersão e Homogeneidade/Heterogeneidade das redes ............................ 56
4.1.2 A dimensão funcional das redes de cuidadores ................................................................. 57
4.1.2.1 Tipo de cuidado............................................................................................................... 58
4.1.2.2 Tipo de cuidador ............................................................................................................. 64
4.1.2.3 Participação do pai .......................................................................................................... 66
4.2 Significando o cuidado da criança ........................................................................................ 67
4.2.1 A prevalência feminina no cuidado da criança .................................................................. 68
4.2.2 O cuidado institucional ...................................................................................................... 81
4.2.2.1 As crianças que frequentam/frequentaram creche/CMEI ............................................... 82
4.2.2.2 As crianças que frequentam (pré)escola pública ou privada .......................................... 92
4.2.2.3 As crianças que não frequentam instituição educacional ............................................... 94
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................. 105
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................ 110
APÊNDICES............................................................................................................................. 115
APÊNDICE A – Roteiro de entrevista...................................................................................... 116
APÊNDICE B – Termo de consentimento livre e esclarecido ................................................. 119
ANEXOS .................................................................................................................................. 122
ANEXO A - Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa ............................................................. 123
14
1 INTRODUÇÃO
A literatura que aborda o tema cuidado de crianças é muito ampla, perpassando
disciplinas psi e outras das áreas de humanas, biomédicas e sociais aplicadas. Os estudos
sobre essa temática têm, por isso, a possibilidade de, dialogar com diferentes áreas do
conhecimento (CARVALHO; FRANCO; COSTA; OIWA, 2012). Ademais, debruçar-se
sobre cuidado de crianças, implica, necessariamente, adentrar no contexto sociocultural, uma
vez que a compreensão desse fenômeno perpassa importantes questões no que diz respeito às
transformações socioeconômicas, à dinâmica familiar, às relações de gênero, às políticas
públicas etc.
Em Psicologia, a perspectiva psicoetológica tem se colocado como uma importante
abordagem no estudo sobre a temática do cuidado da criança. Com base nessa perspectiva,
apoiada em um olhar biopsicossocial, Carvalho, Bussab e Rabinovich (2013) apresentam
significativas evidências acerca do cuidado parental e seu compartilhamento no reino animal,
principalmente entre primatas humanos e não humanos, bem como as transformações dessa
prática nos diferentes modos de vida características da espécie humana. Nesse contexto as
autoras afirmam que “modos de vida e de produção, concepções e valores culturais
circunscrevem as variações nos modelos de cuidado, dentro dos limites de flexibilidade das
adaptações humanas.” (p. 97).
Desse modo, frente às transformações que possibilitaram a redefinição da tarefa de
cuidar, o papel da mulher tem assumido lugar de destaque. Algumas décadas atrás, o cuidado
de crianças era tarefa exclusiva da mulher que não estava inserida no mercado de trabalho. A
prole de cada família era mais extensa do que hoje e existiam vários familiares (avós, tias e
outras parentes, geralmente escolhidas para ser madrinha) que compartilhavam o cuidar dos
filhos de uma grande família. Algumas vezes, o irmão ou irmã mais velha recebia dos pais a
incumbência de cuidar do irmão mais novo, delineando, assim, uma rede hierárquica de
responsabilidades (CORSARO, 2011b).
O contexto sociocultural mudou e a mulher de todas as camadas de renda passou a ser
trabalhadora. Ela buscou não somente a divisão de tarefas de cuidar dos filhos com o
companheiro, mas também lutou para que o Estado promovesse política de atendimento a
crianças em ambientes seguros. Surgiram, timidamente, algumas creches, de responsabilidade
de Secretarias de Assistência Social, acompanhando uma tendência já em curso de caráter
filantrópica. Aos poucos, as exigências se tornaram mais especificas para um cuidar com
15
melhor qualidade e, então, no final da década de 90, as creches passaram para a
responsabilidade de Secretarias de Educação e o cuidar foi transformado em cuidar/educar,
binômio que vem sendo respaldado com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional/96
– LDBEN/96 – (BRASIL, 1996), que incluiu as creches ao sistema de ensino. Estas atendem
crianças de 0 a 3 anos, em período parcial ou integral, e juntamente com as pré-escolas,
voltadas às crianças de 4 e 5 anos, constituem-se como primeira etapa da educação básica. Do
ponto de vista da legislação brasileira, portanto, as creches se transformaram em instituições
de direito da criança pequena. Os pais, entretanto, não são obrigados a matricular o filho
numa creche; é uma opção deles compartilhar a responsabilidade de cuidar e educar os filhos
com o Estado. Muitos se utilizam de redes sociais alternativas; isso ocorre por opção ou por
não dispor de instituição educacional no bairro ou comunidade onde moram.
Nesse sentido, percebe-se a importância que assume o estudo do cuidado da criança,
visto que põe em evidência um contexto de interação que envolve ambiente, criança,
familiares e possíveis cuidadores. Isto é corroborado por Carvalho et al. (2012) ao exporem
que o ato de cuidar envolve redes que incluem tanto os familiares (mãe, pai, irmão, avós)
quanto não familiares (vizinhos, amigos, babás, creche), além dos processos de sociabilidade
e comunicabilidade entre os sujeitos.
Outras importantes questões possuem estreita relação com a prática do cuidado, o que
pode ser evidenciado quando Carvalho et al. (2013, p. 97) colocam que “as transformações
nos sistemas de cuidado parental são necessariamente acompanhadas por ajustes nas
concepções sobre a infância e a educação, e, portanto também em práticas de cuidado
diferenciadas e resultados diferentes dessas práticas.” Nesse sentido, torna-se perceptível o
quanto investigar o cuidado implica que o pesquisador tenha um olhar amplo que possibilite
abarcar as diversas questões que envolvem essa prática e que dela podem emergir.
O diálogo com essas questões suscitou o interesse em estudar o cotidiano da criança
com o intuito de perscrutar as práticas que caracterizam o ato de cuidar de crianças e as
significações atribuídas pelos cuidadores a essa tarefa em um contexto sociocultural
específico no qual a criança é cuidada.
A opção por investigar o cuidado sob a perspectiva dos cuidadores é subsidiada por
um interesse anterior de estudar a criança considerando seus pais ou responsáveis, tanto pelo
dever que têm em promover o desenvolvimento da criança, quanto pelas obrigações sociais
que lhes são atribuídas para garantir a proteção da criança. Apoiando esse interesse Long,
16
Wilson, Kutnick, e Telford1 (1996 apud RAPOPORT; PICCININI, 2004) expõem que a
revisão da literatura evidencia a existência de poucos estudos que se propõem explorar as
atitudes dos pais a respeito dos cuidados infantis, suas escolhas por cuidados alternativos
dentro e fora do âmbito familiar, bem como suas expectativas referentes a tais cuidados.
Ademais a proposta de realizar um estudo no ambiente em que a criança é cuidada –
além de convergir com a proposta da Psicoetologia de realizar estudos no ambiente natural, ou
seja, no ambiente onde o fenômeno se expressa – visa alçar indícios importantes para a
compreensão do cotidiano do cuidado, bem como instigar que mais estudos valorizem a
aproximação com o contexto de desenvolvimento da criança. “É consensual o reconhecimento
de que é em torno da família que se estrutura a vida cotidiana, especialmente quando as
políticas públicas são omissas e/ou não igualitárias em relação aos direitos humanos mais
básicos [...]” (BASTOS; ALCÂNTARA; FERREIRA-SANTOS, 2002, p. 99).
Sendo assim, considerando a proposta dessa pesquisa, são apontadas como questões
norteadoras para esse estudo: Como se organiza o cuidado da criança? Quais as pessoas e as
tarefas que configuram o cuidado da criança? Quais os significados que delineiam essa
prática? Como a dinâmica do cuidado repercute na organização familiar a nas relações que se
estabelecem nesse contexto?
1 Long, P.; Wilson, P.; Kutnick, P.; Telford, L. Choice and childcare: a survey of parental perceptions and views. Early Child Developmental and Care, v. 119, p. 51-63, 1996.
17
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 O cuidado parental na perspectiva psicoetológica
Adentrando no campo da Psicologia, no qual a investigação sobre o cuidado parental
tem sido recente, busca-se a compreensão desse fenômeno a partir de uma perspectiva
psicoetológica, que considera tanto a estrutura orgânica quanto o comportamento, isto é, a
psicologia de uma espécie, como, concomitantemente, instrumento e produto de seu processo
evolutivo.
A Etologia pode ser caracterizada como uma perspectiva que se propõe a estudar e
discutir os comportamentos típicos de cada espécie e como se dá a sua ocorrência em
condições naturais. Investiga os elementos biológicos que garantem a sobrevivência do
indivíduo e da espécie, bem como as funções adaptativas do comportamento, considerando o
contexto ecológico (PRADO, 2005). Ardans (1996) afirma que a Etologia é um termo que
identifica um campo de conhecimento que se caracteriza pelo estudo comparativo do
comportamento, pela perspectiva evolucionária do estudo do comportamento, seja animal
humano ou não humano. Esse estudo pode ser tanto intraespecífico, observação e análise do
modo de vida de uma espécie em seu meio ambiente, quanto interespecífico, estudo das
relações entre diferentes espécies em um meio ambiente comum, considerando a dimensão
evolutiva filogenética e ontogenética. O autor ainda expõe que a Etologia, desde o início, se
caracterizou pelo uso privilegiado da observação dos organismos em seu meio ambiente
natural que de acordo com Carvalho (1988) é o ambiente onde se encontram às pressões
seletivas que atuaram no sentido de tornar uma característica adaptativa, explicando, assim,
sua seleção.
Estando a perspectiva psicoetológica orientada por um olhar evolucionista, uma vez
que se baseia no estudo da espécie considerando sua história evolutiva filogenética e
ontogenética, é importante apontar que a evolução, nessa perspectiva, vai ser concebida como
um “processo dialético e dinâmico, ao qual não se aplicam raciocínios lineares.”
(CARVALHO et al., 2013). De acordo com Ades (2009) a perspectiva evolucionista realiza a
interpretação do comportamento humano como adaptação tanto do ambiente físico quanto do
ambiente social onde o ser humano enquanto espécie teve sua evolução. É uma abordagem
comparativa entre o ser humano e outros animais, no que tange às suas semelhanças e
diferenças, que busca averiguar, a partir do confronto, a possibilidade de aplicar os preceitos
18
de uma lógica evolucionista. Freitas e Lamas (2010), sobre a Psicologia Evolucionista, afirma
que, basicamente, sua meta é entender a mente humana, o comportamento humano no que se
refere a sua história.
Nesse contexto, mostra-se fundamental apontar a concepção de sujeito que embasa
essa pesquisa. A Psicoetologia concebe o ser humano como um ser biopsicossocial, ou seja,
um ser biologicamente sociocultural, um ser que tem suas características compreendidas
“como parte de um equipamento biopsicológico adaptado a certa modalidade de vida social: a
que envolve a inserção numa cultura.” (CARVALHO, 1988, p. 32) Nesse sentido, Bussab e
Ribeiro (1998) afirmam, a partir da compreensão do impacto da cultura no processo evolutivo
do ser humano, a possibilidade de a seleção natural ter iniciado o favorecimento de genes para
o comportamento cultural quando nossos ancestrais começaram a desenvolver, para a sua
sobrevivência, uma dependência da cultura. A partir disso, torna-se evidente, de acordo com
CARVALHO (1988) que a evolução cultural não se coloca como oposta a evolução biológica;
ambas podem ser concebidas como inseparáveis na história evolutiva do ser humano. Diante
disso, é possível considerar a psicoetologia como uma perspectiva interacionista, que se
caracteriza por uma “[...] compreensão integrada dos efeitos dos fatores hereditários e
ambientais, com reconhecimento da complexidade e inseparabilidade entre eles.” (BUSSAB,
2000, s/p) Ou seja, uma abordagem que, esvazia a oposição entre inato e adquirido ao
considerar que tanto os genes quanto o ambiente podem de maneiras diversas afetar o
comportamento e também por acreditar na impossibilidade de separação dos efeitos da
experiência e dos genes no comportamento (CARVALHO, 1988).
É interessante expor que o ser humano, segundo Carvalho (1988), é sensível tanto as
contingências ambientais quanto, de modo especial, as contingências históricas e culturais, o
que não significa negar a história evolutiva humana, uma vez que tais contingências e a
suscetibilidade a estas são também consideradas instrumento e produto do processo evolutivo,
caracterizando a especificidade humana. A partir disso, percebe-se a importância do diálogo
entre essa perspectiva psicoetológica e demais ciências como a Antropologia, a História, a
Sociologia; isto porque sendo o ser humano constituído em um modo de vida sociocultural,
sua compreensão implica debruçar-se sobre as várias dimensões: biológica, social, histórica,
cultural.
Partindo da Psicoetologia, no diálogo com outras ciências acima citadas, Carvalho et
al. (2013) refletem acerca da Família e do Comportamento Parental, situando-o
comparativamente no reino animal e, de modo particular, no campo evolutivo dos primatas,
19
buscando examinar suas funções adaptativas, as relações com as pressões do meio ambiente e
os modos de vida que lhe são associados. Apontando importantes evidências, as autoras
expõem que são presentes entre os seres humanos tanto as diferentes configurações familiares
quanto a diversidade de cuidado parental existentes no reio animal, exceto a não existência da
família e a troca de parceiros sem cuidado parental, embora apontem, ainda que incomum, ser
possível no ser humano a troca de parceiros com cuidado coletivo, trazendo como exemplo da
contemporaneidade as comunidades hippies. As autoras também afirmam que há uma
variabilidade do tempo de convivência e do cuidado parental que vai desde apenas um ciclo
reprodutivo até a vida inteira do/s progenitor/es cuidador/es. Ademais, o parentesco não é
concebido como critério por excelência, uma vez que se pode constatar a adoção de filhotes
de pais diferentes, bem como de outras espécies.
Ainda no que se refere à estrutura familiar e ao cuidado parental no reino animal,
Carvalho et al. (2013) apontam que mesmo havendo variabilidade nesse arranjo familiar e de
cuidado, todos os primatas utilizam a estratégia K – estratégia reprodutiva que tem como
características um crescente custo reprodutivo, que envolve diferentes graus de investimento
parental e decrescente número de filhotes/ovos a cada estação reprodutiva, associando-se
positivamente, no que se referem as suas variantes, à dependência do filhote. A mãe tem sua
participação no cuidado garantida através da amamentação, havendo variação tanto na sua
duração como no vínculo entre mãe e filhote durante a vida. Já o pai, quanto à sua
participação, há uma maior variabilidade, assim como a de outros integrantes do grupo.
A partir disso, percebe-se claramente, de acordo com Carvalho et al. (2013) entre os
primatas, sobretudo no ser humano, o quanto
[...] as alternativas de configuração familiar e de cuidado parental podem assumir como foi visto, diversas combinações possíveis de estabilidade/ instabilidade de unidades familiares, maior ou menor participação de pais no cuidado, maior ou menor participação de outros cuidadores – com forte tendência para maior participação do sexo feminino. Seus limites parecem ser a necessidade de algum tipo de unidade familiar (ainda que uniparental) e, na maioria dos casos, de algum grau de compartilhamento do cuidado. (p. 102-103).
No que diz respeito ao compartilhamento do cuidado, Hrdy2 (2005 apud CARVALHO
et al., 2013) expõe que é raro o compartilhamento do cuidado parental no reino animal,
2 HRDY, S. B. Evolutionary context of human development: The cooperative breeding model. In: CARTER, C.S.;LAHNERT, K.E.; GROSSMAN, K.; HRDY, S.B.; LAMB, M. E.; PORGES, S.W.; SACHSER, N. (Eds.) Attachmnent and bonding – A new synthesis. Cambridge, MA/ Londres: MIT Press, 2005, p. 9-32.
20
ocorrendo de formas distintas em mamíferos, aves e insetos sociais. No entanto, ao se referir
aos primatas, afirma que todos são fortemente sociais e favoráveis a algum grau de cuidado
compartilhado, o que pode ser evidenciado na tendência a proteger os filhotes e ser atraídos
por eles, bem como na forte atração por segurar e carregar filhotes. Além disso, os primatas
possuem os bebês que demandam maior investimento parental, exigências nutricionais e de
proteção, possuindo um tempo maior de imaturidade e dependência. Nesse contexto, as
autoras apontam os possíveis fatores seletivos que atuaram de modo a direcionar o cuidado
parental compartilhado no ser humano, tais como o coletivismo das sociedades pré-históricas
e pré-humanas, a disponibilidade de cuidadoras não familiares (“alomães” aparentadas) e as
condições que poderiam dificultar um modo de reprodução com cuidado uniparental ou
excepcionalmente parental.
Hrdy (2005 apud CARVALHO et al., 2013) ao levantar questões referentes ao
compartilhamento do cuidado parental e as condições que a propiciam, apontando possíveis
ganhos evolutivos dessa prática, apresenta algumas hipóteses. Uma delas tem como base o
conceito de aptidão inclusiva no qual se expõe que a colaboração de indivíduos para a
sobrevivência de seus parentes aumenta a probabilidade de seus genes permanecerem na
população, o que se pode dizer de uma possível “seleção de parentes”. Isso poderia explicar,
primeiramente, a participação dos pais no cuidado, uma vez que estes compartilham uma
maior carga genética com os filhotes, garantindo a permanência de uma maior proporção de
genes na população (50% de cada progenitor). A partir disso, dentre outros argumentos, Eibl-
Eibesfeldt3 (1989 apud CARVALHO et al., 2013) considera que “[...] o cuidado parental é a
forma primária de altruísmo no reino animal.” (p. 89), sendo sua evolução um elemento
primordial na evolução da sociabilidade entre insetos sociais e vertebrados. Ademais, a
aptidão inclusiva pode justificar a participação de outros sujeitos no cuidado parental, tais
como irmãos, tios, avós (a depender do grupo social), visto que há entre estes um
compartilhamento de genes, ainda que em menor proporção em relação aos pais. Ainda sobre
o ganho evolutivo desse compartilhamento de cuidado, são expostos alguns benefícios
potenciais para esses outros cuidadores como: a concessão para permanência em seu grupo de
origem, a possibilidade de conseguir uma melhor posição no grupo por estabelecer relações
afiliativas, e a obtenção de experiência como cuidador.
3 EIBL-EIBESFELDT, I. Human ethology. NY: Aldine de Gruyter, 1989.
21
2.1.1 O cuidado parental na história evolutiva humana
Direcionando o foco para o ser humano Carvalho et al. (2013) também evidenciam
importantes transformações no cuidado parental, considerando momentos específicos da
evolução humana com seus característicos modos de vida e de produção.
Ao se ter como ponto de partida o modo de vida pré-histórica, que na história da
evolução humana representa a maior parte, os grupos eram formados por famílias extensas,
tendo como meio de subsistência a caça e a coleta com compartilhamento dos produtos entre
os membros. Havia uma tendência a poliginia, mas também a existência de relações
monogâmicas temporárias que se associavam, provavelmente, a um momento de maior
dependência dos filhos (cf. HINDE, 1987)4. Adentrando nas sociedades contemporâneas de
caça e coleta, estas se caracterizam por um modo de vida com um padrão reprodutivo de
poucos filhos e elevado investimento parental, com intenso cuidado materno para os padrões
do ocidente. Há o compartilhamento do cuidado, principalmente, com as demais mulheres
(avós, tias e irmãs mais velhas) que se ajudam entre si, ainda que nos primeiros anos de vida
da criança seja a mãe a principal cuidadora. O pai tem sua participação na subsistência e
proteção dos membros do grupo, bem como na interação lúdica com as crianças, demandando
de todo o grupo muito interesse, atenção e tolerância.
Com o advento do modo de vida agrícola, há cerca de 10 mil anos, ocorrem
significativas transformações. A família vai se caracterizar por um modelo patriarcal, com a
aceitação e valorização da poliginia; a mulher tem sua atividade produtiva, gradativamente,
restrita à maternidade e ao ambiente doméstico; e o grande número de filhos passa a ser
sinônimo de riqueza, uma vez que se transforma em recurso humano para a atividade de pasto
e cultivo. Diferenças emergem no que diz respeito às estratégias de cuidado devido às
desigualdades, tendo as crianças seu cuidado partilhado tanto com as mulheres da família
como com outras, remuneradas ou não (amas de leite, escravas e servas), isso nas famílias
favorecidas economicamente. Já a função paterna tem seu foco na promoção da subsistência e
na autoridade do pai sobre os componentes da família (cf. ENGELS, 1884/2002)5.
Adiante, com surgimento do modo de produção industrial, transformações radicais
acontecem no modo de vida. Nesse contexto caracteriza-se como uma das transformações
mais marcantes o crescimento das cidades em decorrência do êxodo rural, que vai se
4 HINDE, R. A. Individuals, relationships and culture – Links between ethology and social sciences. NY: Cambridge University Press, 1987. 5 ENGELS, F. A origem da família, da propriedade privada e do estado. RJ: Bertrand Brasil, 1884/ 2002.
22
constituir como fator significativo para a emergência da família nuclear. Na sociedade
ocidental a monogamia se torna regra, mas pode coexistir com a poliginia em outros lugares
do mundo. Nas práticas de cuidado, mais uma vez, vai haver variações associadas às
diferenças socioeconômicas, no entanto permanece o apoio dos familiares (irmã mais velhas,
tias e avós), principalmente nas famílias menos favorecidas, bem como de cuidadores não
familiares, geralmente mulheres (vizinhas ou demais conhecidas nas famílias mais pobres e
babás e trabalhadoras domésticas nas famílias mais ricas).
Apesar de os contextos apresentados mostrarem um modo de vida característico das
sociedades ocidentais, é possível perceber semelhanças em outras sociedades, no tocante ao
compartilhamento do cuidado. Corsaro (2011b) ao apresentar estudos em famílias não
ocidentais, no que diz respeito à socialização inicial, aponta dados significativos do contexto
africano, demonstrado haver no país uma longa tradição de crianças pequenas possuírem
múltiplos responsáveis. Ao se referir a um estudo de um grupo específico da África, os Efes
(Pgimeus), expõe que as crianças desse grupo ficavam longe de suas mães grande parte do
tempo, uma vez que estas voltavam ao trabalho poucos dias após o parto. E no local de
trabalho, geralmente, o cuidado das crianças era compartilhado por vários indivíduos (cf.
TRONICK; MORELLI; WINN, 1987)6. Em outro estudo, ao apresentar o cuidado das
crianças em Camarões, essa prática é descrita como um empreendimento social com a
participação de pais e parentes, contando, algumas vezes, com amigos e vizinho, assim como
com a frequente participação de crianças mais velhas. É destacado que tarefas relacionadas à
rotina de cuidado nunca são destinados aos pais, além disso, ao ocorrer o desmame das
crianças, grande parte do seu cuidado é assumido, com autorização da mãe, pelos irmãos mais
velhos ou amigos (cf. NSAMENANG, 1992)7. Corsaro (2011b) ainda apresenta dados
significativos no tocante ao cuidado entre pares com idades distintas documentados em alguns
países no Leste africano. Em tais sociedades, com frequência, a criança com 1 ano e 3 meses
ficava sob o cuidado de crianças babás, com idade entre 6 e 10 anos, consideradas
responsáveis primárias. E as mães normalmente retornavam, em tempo integral, ao trabalho
agrícola (cf. HARKNESS; SUPER, 1992)8.
6 TRONICK, E.; MORELLI, G.; WINN, S. Multiple caretaking of EFE (pygmy) infants. American Anthropologist, v. 89, p. 96-106, 1987. 7 NSAMENANG, B. Early childhood care and education in Cameroon. In: LAMB, M.; STERNBERG, K..; HAWANG, C.; BROBERG, A. (Eds.). Child care in context: Cross cultural perspectives. Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum, 1992, p. 441-459. 8 HARKNESS, S.; SUPER, C. Shared child care in east Africa: Sociocultural orings and developmental consequences. In: LAMB, M.; STERNBERG, K..; HAWANG, C.; BROBERG, A. (Eds.). Child care in context: Cross cultural perspectives. Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum, 1992, p. 441-459.
23
É importante salientar que em tais sociedades, no que se assemelha com o modo de
vida ocidental, o compartilhamento do cuidado de crianças também tem sua estruturação em
função do trabalho da mulher fora do ambiente doméstico. Nas sociedades ocidentais, a
entrada da mulher no mercado de trabalho, com acentuado crescimento a partir da década de
50 do século XX, há um drástico aumento da necessidade de cuidados externos, assumindo,
assim, o cuidado compartilhado novas proporções (CARVALHO et al., 2013; CORSARO,
2011b). Na Europa ocidental, segundo Corsaro (2011a), a maioria dos países rapidamente
respondeu a tais exigências de cuidado da criança no âmbito externo com a rápida expansão
de programas para a educação infantil. Entretanto, nos Estados Unidos, havia uma crença
entre a maioria dos pais de que as crianças na faixa etária correspondente a pré-escola teriam
melhor atendimento em casa, isso até recentemente. E mesmo que estes valores estejam, hoje,
destoantes da realidade econômica norte-americana, tanto os pais quanto o governo ainda são
relutantes quanto ao fato de os filhos deixarem o cuidado da família antes mesmo de
atingirem a idade necessária para iniciar a educação formal (cf. MASON; KUHLTHAU,
1989; HOFFERTH et al., 1991)9.
2.2 O cuidado da criança e a dinâmica familiar
Significativas transformações vêm redefinindo e modificando concepções e práticas de
cuidados de crianças, principalmente no âmbito familiar, revelando, assim, um rico campo de
investigativo. Castro et al. (2012), partindo de uma pesquisa realizada em 30 países (cf.
GEORGAS et al., 2006)10, ressaltam importantes fatores que constituem esse contexto de
transformações dos quais se pode apontar a nuclearização da família, com a consequente
diminuição da família extensa, como a mudança mais fortemente influenciada pelas alterações
ocorridas na sociedade. Esse padrão de residência nuclear foi percebido em mais da metade
dos países e como tendência nas famílias extensas em um terço dos países, estando
relacionado a fatores econômicos e à urbanização. Ademais, essa transição da família extensa
para a nuclear demonstra um possível efeito limitado sobre práticas de apoio recíproco e laços
9 MASON, K.; KUHLTHAU, K. Determinants of child care ideals among mother of preschool-aged children. Journal of marriage and the family, v.511, 1989, p. 593-603. HOFFERTH, S.; BRAYFIELD, A.; DEICH, S.; HOLCOMB, P. National Child Care Survey, 1990. Washington, DC: The Urban Institute Press, 1991. 10 GEORGAS, J.; et al. Families across cultures: a 30-nation psychological study. Cambridge: Cambridge University Press, 2006.
24
afetivos entre pais e filhos. Entretanto, essa nova configuração nuclear não deve ser associada
à ausência das influências e laços dos demais familiares, visto que vários autores afirmam ser
função da família ou função dos pais os cuidados de criança. Além disso, residir próximo dos
pais do recém-casal foi uma tendência comum nos países industrializados do ocidente.
Mudanças no tocante ao casamento, divórcio e número de filhos também são fatores
expostos por Georgas et al. (2006 apud CASTRO et al., 2012), que expõem um aumento nas
taxas de divórcio e na idade do casamento, e uma diminuição no número de filhos. Esse
aumento na idade do casamento está associado ao aumento de tempo para a conclusão dos
estudos e entrada no campo profissional, bem como aos custos para a constituição de uma
família. No que tange à taxa de divórcio, seu aumento ocorre em conjunto com o crescimento
do número de crianças vivendo com um dos pais apenas, geralmente a mãe. A taxa de
divórcio também foi ressaltada como possuindo relação com a idade do casamento, sendo
ambas percebidas como causas do enfraquecimento de casamento. Em se tratando do número
de filhos, sua diminuição se relaciona com a tendência de aumento na idade das mulheres ao
se casarem. É também perceptível nos países ocidentais um maior número de crianças
nascidas de mulheres não casadas. Sendo assim, evidencia-se claramente o quanto esses
fatores influenciam decisivamente na constituição de novas configurações familiares e em sua
dinâmica, o que reverbera nas práticas e forma de cuidado da criança.
Ainda nesse contexto de transformações Castro et al. (2012) se referem a mudanças na
hierarquia patriarcal tradicional no que diz respeito aos papeis de mãe e de pai e, mais
especificamente, ao decréscimo da autoridade masculina, visto que a partilha do poder é
salientada como uma tendência entre os pais; no entanto isso não pode significar a existência
de uma igualdade. Nesse sentido, têm-se como razões para tais mudanças o trabalho da
mulher fora de casa e a elevação do seu nível educacional (cf. GEORGAS et al., 2006).
É importante enfatizar a entrada da mulher no mercado trabalho e sua crescente
atuação nos diversos campos profissionais, visto que são fatores apontados de forma
recorrente por vários autores (CARVALHO et al., 2008; CORSARO, 2011b; CASTRO et al.,
2012; CARVALHO; et al. 2013) ao tratarem de mudanças significativas na organização e
estrutura familiar, o que inclui fortemente os papeis de pais e mães no cuidado de seus
filhos/as. Alguns estudos (ROCHA-COUTINHO, 2003; WAGNER; PREDEBON;
MOSMANN; VERZA, 2005; ARAÚJO; SCALON, 2006) revelam importantes achados a
cerca da participação masculina em atividades tradicionalmente concebidas como femininas,
tais como o cuidado de filhos/as e tarefas domésticas. Tais estudos mostraram, de forma
25
unânime, haver uma maior participação masculina no cuidado de seus filhos/as do que em
atividades domésticas. Alguns estudos, especificamente, afirmaram que os papeis de pais e
mães no tocante ao cuidado e tarefas domésticas ainda são percebidos de modo conservador;
que a participação masculina no cuidado de crianças é mais valorizada do que em atividades
domésticas tanto pelos homens quanto pelas mulheres; e que as atividades realizadas pelos
pais no cuidado são, geralmente, em parceria com a mãe, principalmente no brincar.
Incentivar esse envolvimento dos pais com seus filhos/as se mostra relevante, visto
que, embora significativas mudanças venham ocorrendo, principalmente no que se refere à
entrada da mulher no mercado de trabalho, esta é ainda concebida como a principal
responsável pelo cuidado dos/as filhos/as e da casa, e o homem como o provedor e figura de
autoridade. Caldeira et al. (2012) afirmam que as vozes masculinas apontam assimetria de
gênero pela distância percebida entre ser e fazer, prover e cuidar, mesmo já havendo
participação masculina no cuidado de crianças. Além disso, esse foco na mulher como
principal cuidadora pode ser percebida quando essa mesma autora expõe que apesar de haver
uma preocupação entre pais e mães em realizar um projeto comum, ao se tratar da filiação,
ainda se percebe o papel materno sendo concebido como algo vinculado à natureza da mulher.
Ou seja, no tocante às atividades que envolvem o cuidado dos/as filhos/as, essas são
percebidas como sendo naturais ao sexo feminino. O que permite a cristalização de uma
concepção sobre o cuidado na qual a mãe assume o papel principal.
Nesse sentido, é possível pensar essa concepção da mulher como principal responsável
pelo cuidado de crianças e atividades domésticas como possuindo estreita relação tanto com a
desvalorização do trabalho da mulher fora de casa, bem como com a visão do cuidado
masculino como sendo algo complementar ao cuidado feminino. Geralmente a mulher recebe
salários mais baixos do que o do homem, tem menos acesso a cargos de chefia e autoridade, é
discriminada devido à possibilidade de engravidar, entre outros; e a sua contribuição
financeira ainda é vista secundária e auxiliar ao provimento do marido, ainda que ganhe mais
que ele (DINZ, 1999; ROCHA-COUTINHO, 2003). Ademais, estudos apontam haver um
descompasso entre os papéis exercidos por homens e mulheres dentro e fora do âmbito
doméstico. À proporção que as mulheres mostram-se mais propensas a exercer funções
concebidas tradicionalmente como masculinas no mercado de trabalho, os homens, em sua
maioria, se mostram mais relutantes em desempenhar atividades consideradas
tradicionalmente como femininas, principalmente as relacionadas ao cuidado; quando
desempenhadas por eles, isso ocorre de forma a auxiliar ou complementar o cuidado da mãe
26
(ARRAIGADA, 2000; FLECK; WAGNER, 2003; ROCHA-COUTINHO, 2003; ARAÚJO;
SCALON, 2006).
Diante do exposto, é possível evidenciar a gama de questões que perpassam o cuidado
de crianças, sobretudo como este fenômeno também nos oferece importantes subsídios para a
compreensão da dinâmica e da estrutura familiar tanto no contexto micro do próprio
enredamento familiar quanto no contexto macro sociocultural. Assim, percebe-se:
[...] o quanto ainda é necessário descrever, documentar e analisar crítica e comparativamente, em diversos recortes disciplinares, para que se possa alcançar novas compreensões sobre os caminhos das transformações na família e seus impactos sobre o lugar de homens e mulheres no contexto familiar, especialmente no que diz respeito à função socialmente priorizada desse contexto, o cuidado dos filhos (CASTRO et al., 2012, p. 25).
2.3 O cuidado alternativo: a creche na atenção ao cuidado da criança
De acordo com a discussão empreendida, pode-se perceber o quanto o trabalho da
mulher fora do âmbito doméstico influenciou fortemente a busca por cuidados alternativos.
De acordo com Davies e Thornburg11 (1994 apud RAPOPORT E PICCININI, 2004), os
cuidados alternativos referem-se a tipos de cuidados não-parentais, destacando-se em quatro
principais tipos: creches e pré-escolas; creche familiar (grupo de crianças na casa do próprio
cuidador); cuidado da criança em sua casa por babá ou empregada; e cuidado da criança por
parente em sua casa ou na casa da criança.
No que se refere às escolhas pelo cuidado alternativo, Rapoport e Piccinini (2004)
apontam os seguintes fatores: as condições econômicas; estrutura e apoio social da família no
cuidado da criança; as crenças e as práticas que envolvem o cuidado de crianças; grau de
escolaridade dos pais; etnia; e idade da criança. No entanto, é recorrente nas pesquisas sobre
esse tipo de escolha a ênfase no emprego materno e nas condições financeiras para pagar pelo
serviço de cuidado, focando pouco os fatores: tamanho da família, idade da criança,
disponibilidade do marido ou proximidade dos parentes.
Outro fator importante sobre o cuidado alternativo foi exposto no estudo de Shpancer
e Bennett-Murphy12 (2006 apud VASCONCELLOS; SEABRA; EISENBERG; MOREIRA,
11 Davies, N. S.; Thornburg, K. R. Child care: a synthesis of research. Early Child Development and Care, v. 98, p. 39-45, 1994. 12 SHPANCER, N; BENNETT-MURPHY, L. The link between daycare experience and attiudes toward daycare and maternal employment. Early Child Development employment and Care. v. 176, n. 1, p. 87-97, 2006.
27
2012) o qual apontou que, quando pequenos, os pais que tiveram cuidado alternativo possuem
atitudes mais favoráveis a respeito desse tipo de cuidado, bem como acerca do trabalho
materno, quando comparados aos pais criados por suas mães em casa.
Em se tratando da creche, essa instituição tem se mostrado como uma importante
alternativa para o cuidado da criança. O Censo escolar 2012 realizado pelo Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisa Educacionais Anísio Teixeira (INEP) aponta que entre 2007 e 2012
houve um aumento de 62% no número de matrícula em creche, revelando uma forte tendência
de expansão no que se refere ao número de crianças matriculadas em creche.
Entretanto para que a creche se consolidasse como uma instituição educacional foi
preciso percorrer uma trajetória relatada aqui de forma breve. A creche tem sua história
atrelada às transformações do papel da mulher na sociedade e suas implicações no seio da
família, principalmente no que se refere à educação dos filhos. O atendimento de crianças em
creche, até o início de 1900, não diferia do atendimento em internatos e asilos, estando
destinado, basicamente, a filhos cujas mães eram solteiras e sem condições de criá-los. Com a
chegada da industrialização, na segunda metade do século XVIII, muitas mulheres passaram a
incorporar os trabalhos nas fábricas, tendo as mães que buscar alternativas para o cuidado dos
filhos, muitas delas, pagando vizinhas para realizar essa tarefa. Nesse novo contexto o
operariado passou a reivindicar melhores condições de trabalho, além de creches para seus
filhos. Assim, creches e escolas foram construídas pelos donos de indústrias de modo a conter
os movimentos dos operários. Entre as décadas de 30 e 50, as poucas creches, fora a das
indústrias, eram de responsabilidade de instituições filantrópicas. Nessa época, médicos e
sanitaristas também eram em defesa da creche devido à preocupação com as condições de
vida das pessoas pobres que, em geral, residiam em locais insalubres e superlotados. Vê-se,
diante disso, que o trabalho na creche era de cunho assistencial e filantrópico, não sendo
valorizado um trabalho educativo ou que visasse atender emocionalmente às crianças. Em
meados do século XX, a participação da mulher no mercado do trabalho aumenta, mantendo a
dificuldade de conciliar o trabalho dentro e fora de casa, sobretudo o cuidado com os filhos.
Também há um aumento das mulheres de classe média no mercado de trabalho devido ao
avanço da industrialização. Nos grandes centros urbanos, na segunda metade dos anos 70,
intensifica-se a reivindicação da população por creche impulsionada por movimentos
populares e feministas. Nesse contexto a creche passa a ser um direito do trabalhador. Há um
aumento na quantidade de creches organizadas e mantidas pelo Poder Público e na
participação das mães no trabalho realizado nas creches. Entretanto o número insuficiente de
28
creches incentivou, por parte do poder público, alternativas de atendimento à criança, como as
creches domiciliares que ainda continuam a receber apoio governamental (OLIVEIRA;
MELLO; VITÓRIA; ROSSETTI-FERREIRA, 1992).
Com a promulgação da nova Constituição Federal (BRASIL, 1988), na qual a criança
vai ser reconhecida enquanto cidadã e sujeito de direitos, o Estado assume o dever com a
educação da criança de 0 a 6 anos mediante a garantia de creches e pré-escola (cf., art. nº 207
- IV). Sendo assim, as creches e pré-escolas que tinham sua atuação sob a responsabilidade da
Assistência Social, assume o caráter educativo em prol de uma educação que atenda a todas as
crianças (COSTA, s/a). Essa nova concepção vai se opor à visão tradicional e estigmatizante
da creche como uma instituição com funções exclusivamente assistencialistas e de
substituição da família, visando atender à criança pobre (OLIVEIRA et al., 1992).
Adiante, com o Estatuto da criança e do adolescente em 1990 (ECA – Lei Federal n.
8.069/90) foi possível regulamentar artigos da Constituição Federal, bem como explicitar os
mecanismos que possibilitem legalmente a exigência dos direitos da criança (ROSSETTI-
FERREIRA; RAMOM; SILVA, 2002), ratificando em seu artigo 54, inciso IV o dever do
estado em assegurar às crianças de 0 a 6 anos o atendimento em creches e pré-escolas.
Entretanto, é com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – Lei Federal n.
394/96) que a educação infantil é incluída efetivamente no sistema educacional brasileiro.
Sendo assim, a Educação Infantil vai se constituir como a primeira etapa da educação básica
(LDB, art. nº 29), sendo oferecidas em creches, ou instituições equivalentes, para crianças de
0 a 3 anos; e pré-escolas para crianças de 4 a 5 anos13 (LDB, art. 30, incisos I e II). É
importante salientar que os pais não são obrigados a matricular o filho numa creche, é uma
opção deles compartilhar a responsabilidade de cuidar e educar os filhos com o Estado.
Essa consolidação da creche como uma instituição educacional relaça uma concepção
de creche como instituição que realiza, principalmente, um trabalho educativo; e como um
espaço de desenvolvimento, interação e ricas aprendizagens (CARVALHO, PEDROSA,
ROSSETTI-FERREIRA, 2012). Essa nova concepção de creche pode ser considerada um
fator importante no que diz respeito à mudança no perfil das famílias que buscam as creches,
13
Uma Lei recente, a de n. 12.796, de 4 de abril de 2013, altera a Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, em dois aspectos relevantes: (1) a Educação Infantil, primeira etapa do ensino básico, passou a corresponder ao período de zero a cinco anos; antes ela correspondia até aos seis anos; (2) o atendimento a crianças desde os quatro anos passou a ser obrigatório, em instituições educacionais públicas ou privadas, alterando o início da obrigatoriedade que era somente a partir dos sete anos; antes, o atendimento institucional de zero aos seis anos era uma opção dos pais. A lei também determina que, a partir de 2016, os pais poderão ser punidos com multa ou detenção de 15 dias se não cumprirem essa norma. Como toda mudança que ocorre, é preciso transcorrer certo tempo até que a norma seja integrada ao cotidiano dos cidadãos.
29
que a princípio “[...] eram utilizadas principalmente por famílias operárias e de classe média
cuja mãe precisava trabalhar; só mais tarde passaram a ser procuradas por famílias mais ricas
que acabaram impondo-lhes novos padrões de qualidade.” (RAPOPORT E PICCININI, 2004,
p. 498).
É importante considerar, no que se refere ao serviço oferecido pela creche, a relação
creche-família. Vasconcellos et al. (2012) apontam a existência de conflitos, e que sua
resolução envolve, dentre outros fatores, as representações e expectativas que tanto a família
quanto a equipe da creche têm uma sobre a outra. Ainda afirmam que é comum os educadores
terem como queixa em relação à família a falta de compromisso com as questões relacionadas
à criança, ficando aborrecidos quando os pais controlam ou contestam seus trabalhos. Quanto
à família, as autoras expõem ser frequentemente observados sentimentos de ciúme e
hostilidade endereçados às educadoras. Sendo assim, percebe-se o quanto essa relação é
perpassada por significativos fatores que vão influenciar fortemente na inserção da criança na
creche. Sobre isso Vaconcellos et al. (2012) apontam dois estudos (cf. VASCONCELLOS,
2002; VASCONCELLOS; OLIVEIRA; SILVA; SOUSA, 2008)14 nos quais é sinalizada uma
correlação entre a qualidade do processo de inserção da criança na creche e a confiança
estabelecida entre pais e educadores. Ademais, evidenciou-se como outro fator nesses
trabalhos a permanência das crianças na creche durante todo o ano quando comparado com
crianças que não tiveram seu processo de inserção planejado.
Sendo assim, é notório o quanto a parceria saudável entre família e creche é
fundamental para que esta instituição atue no sentido de promover o desenvolvimento da
criança. Para tanto,
[...] a creche precisa estar aberta a novas formas de organização familiar, favorecendo a participação de outros parceiros além da mãe [...] É importante que sejam criadas alternativas e estratégias de aproximação, de acordo com a realidade cotidiana de cada creche e das famílias, para que esta parceria possa acontecer de forma efetiva, sem reforçar a ideia de que “o lugar da família é do portão para fora.” (VASCONCELLOS, 2012, p. 359).
É nesse sentido que Oliveira et al. (1992) afirmam que uma boa relação entre família e
educadores pode contribuir bastante para o trabalho com a criança, pois as dificuldades
14 VASCONCELLOS, V. M. R. Construção da subjetividade: Processo de inserção de crianças pequenas e suas famílias à creche. Tese de Professor Titular em Educação Infantil não publicada. Faculdade de Educação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2002. VASCOCELLOS, V. M. R.; OLIVEIRA, R. A.; SILVA, D. F.; SOUZA, S. O. Creche, inserção e berçário. GRUPECI, Juiz de Fora, 2008.
30
encontradas podem ser resolvidas com maior rapidez, havendo maior segurança nas decisões
a serem tomadas. Cuidar do relacionamento pode ser uma forma eficaz de prevenir possíveis
problemas.
A partir do breve caminho trilhado, já se pode perceber a relevância da temática sobre
o cuidado de crianças, uma vez que se tem a possibilidade de por em evidência importantes
questões acerca da infância, da família e dos contextos de desenvolvimento da criança. Essas
questões podem contribuir significativamente para o estudo da criança quanto ao seu
desenvolvimento; às práticas em que estão envolvidas; às interações que se estabelecem; e às
diferentes concepções que a constitui, incentivando futuros questionamentos, trabalhos e
intervenções que visem promover melhores condições de desenvolvimento para a criança,
bem como orientar a família quanto ao seu importante papel no exercício do cuidado.
2.4 Objetivos
Apoiado no referencial teórico exposto, a presente pesquisa teve como objetivo geral
investigar a rede de cuidadores de crianças de zero a seis anos por cuidadores familiares e não
familiares em uma comunidade de baixa renda da cidade do Recife.
De forma específica, buscou-se: 1) Identificar, descrever e discutir rotinas, práticas e
redes sociais de apoio que configuram o cuidado de crianças; 2) Perquirir modos
compartilhados de cuidar das crianças, os sujeitos e as variáveis que envolvem essa prática; e
3) Investigar as significações atribuídas ao cuidado da criança por familiares ou outros adultos
que compartilham essa tarefa.
31
3 MÉTODO
A presente pesquisa se caracteriza como um estudo qualitativo. Minayo e Sanches
(1993) expõem que a abordagem qualitativa permite compreender as relações e as atividades
humanas com os significados que as envolvem. Os autores ainda afirmam que a investigação
qualitativa tem como objeto os significados, aspirações, atitudes, motivos, valores e crenças
expressos na vida cotidiana e pela linguagem comum, sendo sua atividade complementar e
concomitante o confronto da prática social e da fala. Nesse sentido, pretendeu-se investigar a
rede de cuidadores de criança de zero a seis anos realçando os significados e as práticas que
envolvem o ato de cuidar.
Ainda que se tenha realizado uma organização quantitativa dos dados com o intuito
evidenciar aspectos relevantes que envolvem o cuidado da criança, a análise foi de cunho
qualitativo, uma vez que se privilegiou a singularidade das significações atribuídas pelas
cuidadoras.
3.1 Os sujeitos da pesquisa
Participaram desta pesquisa 30 cuidadoras, entre familiares e não familiares da
criança, residentes em uma comunidade de baixa renda da cidade do Recife e com pelo menos
uma criança de zero a seis anos sob seu cuidado.
Os sujeitos foram selecionados a partir dos seguintes critérios: serem maiores de 18
anos, residirem na comunidade escolhida como local de pesquisa, cuidarem ou
compartilharem o cuidado de crianças de zero a seis anos e serem membros de famílias
cadastradas na Unidade de Saúde da Família (USF) da comunidade. Esse último critério se
deveu à vinculação do projeto com a Secretaria de Saúde da cidade do Recife devido à
parceria da pesquisadora com a Agente Comunitária de Saúde (ACS) para o acesso aos
sujeitos em suas residências.
A decisão de realizar a coleta de dados na residência dos sujeitos permitiu observar o
ambiente em que a criança vive; acessando esse espaço foi possível compreender melhor
importantes aspectos da rotina da criança que se configuram em relação com as práticas e a
organização de seu cuidado, tais como: as pessoas com quem ela convive, o lugar de suas
brincadeiras, as pessoas com as quais brinca e a relação com o cuidador (no caso em que a
criança esteve presente no momento da visita).
32
Em se tratando de uma pesquisa qualitativa, 30 participantes pareceu à pesquisadora
um quantitativo suficiente para a obtenção de um corpus denso para trazer à tona diversas
significações do cuidar, tendo como base as questões de pesquisa. Além disso, considerou-se
o tempo disponível para a realização da coleta e o tamanho do corpus a ser transcrito, uma vez
que todas as entrevistas foram gravadas em áudio (BREAKWELL, 2006; GASKELL, 2008).
No que se refere à idade das crianças, a escolha por essa faixa etária, de zero a seis
anos, período que corresponde ao atendimento da Educação Infantil, buscou focar as variáveis
que envolvem a decisão dos pais/responsáveis em matricular ou não a/s criança/s na creche,
ou (pré)escola. Sabe-se que é dever do estado garantir o acesso a essa modalidade de
atendimento educacional; é direito da criança de usufruir desse atendimento; mas é opção dos
pais/responsáveis matricular as crianças.
A decisão de investigar cuidadores de uma comunidade de baixa renda se deveu ao
interesse em ter acesso às opções buscadas pelos pais/responsáveis nos casos em que não há
oferta pública de atendimento a crianças pequenas, ou a oferta é inferior à demanda, ou seja,
não é disponibilizado um número de vagas suficientes à comunidade. Faz-se a suposição de
que as possíveis condições financeiras de sujeitos residentes em uma comunidade de baixa
renda não possibilitem a busca por creches privadas, o que seria mais provável nas
comunidades de renda mais alta.
Sendo assim, os sujeitos de pesquisa se distribuíram da seguinte forma: 16 mães, 9
avós, 2 babás, 2 empregadas domésticas e 1 tia. Os dados referentes à faixa etária e à
escolaridade das participantes são apresentados no quadro a seguir:
Quadro 1 - Idade (em faixa etária) e nível de escolaridade das participantes da pesquisa
Desse modo, vê-se que a maioria das participantes (19 deles) se encontra na faixa
etária de 20 a 40 anos. O nível de escolaridade predominante é o Fundamental I incompleto,
com 9 sujeitos, seguido do Fundamental II incompleto ou 2º Grau incompleto, cada um com 5
efetivos. No que diz respeito à ocupação, mais da metade das entrevistadas afirmaram exercer
atividades no âmbito doméstico, como: do lar, diarista e empregada doméstica.
Nº de sujeitos Faixa etária Nº de sujeitos Escolaridade 10 20 - 30 anos 4 Sem escolaridade (analfabeta) 9 31 - 40 anos 9 Fundamental I incompleto 5 41 - 50 anos 5 Fundamental II incompleto 2 51 - 60 anos 2 1º Grau completo 2 61 - 70 anos 6 2º Grau incompleto 2 71 - 80 anos 4 2º Grau completo
33
O número de crianças de zero a seis anos sob o cuidado de cada entrevistada é exposto
na tabela abaixo:
Tabela 1 - Número de crianças que cada entrevistada tem sob seus cuidados
Nº de sujeitos Nº de crianças para
cada sujeito 19 1 8 2 3 3
A partir desse quantitativo atinge-se 44 crianças da comunidade na faixa etária de 0 a
6 anos, dentre essas: 17 não frequentam nenhuma instituição de Educação Infantil, 17
frequentam (Pré)escolas públicas e privadas, e 10 frequentam Creche/CMEI.
3.2 Contextualizando o local de pesquisa: a comunidade
A comunidade na qual a pesquisa foi realizada localiza-se num bairro situado na zona
oeste da cidade do Recife. Esse bairro possui cerca de 32.000 habitantes, com uma população
em sua maioria feminina e com a faixa etária predominante de 25 a 59 anos.
Nessa comunidade é possível reconhecer uma rua principal comprida e asfaltada onde
se localiza um terminal de ônibus, bem como pequenos estabelecimentos comerciais tais
como: cabeleireiros, farmácia, panificadora, oficina, armazém de materiais de construção,
copiadora, loja de eletrônicos e informática, lan house, clínica de fisioterapia, mercadinhos
etc. Alguns estabelecimentos se estendem até as calçadas, como os bares, as granjas e
algumas lojas de roupa. E outros pontos comerciais fazem uso apenas das calçadas armando
barracas, como as feiras de frutas e verduras. Nessa mesma rua também se encontram
algumas igrejas, escolas particulares de Educação infantil e Ensino fundamental e USF da
comunidade.
As casas e os estabelecimentos comerciais da rua principal são feitos de alvenaria.
Ainda é possível identificar grandes valas com esgoto a céu aberto em vários trechos dessa via
situado entre a calçada e rua. As principais ruas que partem da principal são asfaltadas. Suas
casas também são de alvenaria, tendo muitas delas primeiro andar, fachadas de cerâmica,
portão de alumínio e garagem.
À medida que se vai adentrando na localidade a partir das ruas que partem da principal
em direção à parte da comunidade que é considerada uma invasão, a estrutura de algumas ruas
34
e casas vai se modificando. Ou seja, as ruas se tornam mais estreitas e em alguns pontos não
há passagem para carros. Em algumas casas moradores abriram vendinhas e fiteiros, onde
comercializam guloseimas, refrigerantes, picolés etc. Algumas ruas não são asfaltadas, tendo
muitas delas esgotos a céu aberto que chegam a cruzar toda a rua. O esgoto também fica
exposto em vários pontos.
Essa realidade se acentua na rua que dá acesso a área invadida. Essa rua é, em quase
sua totalidade, sem asfalto, com muitos entulhos de construção civil, com falta de saneamento
básico e valas com lixo. As casas são de alvenaria, mas muitas têm fachadas feitas de tábuas.
Além disso, as casas ficam sob fios de alta tensão e torres de rede elétrica, o que torna essa
região imprópria para moradia por ser uma área de alto risco.
Quanto à movimentação das pessoas na comunidade, era comum ver crianças
brincando nas calçadas, bem como indo e voltando da escola, nesses dois casos, tanto
sozinhas quanto acompanhadas por algum adulto. Nas calçadas também era possível
encontrar alguns idosos, grupos de jovens e adultos conversando. No entanto a movimentação
maior era na rua principal devido, principalmente, aos vários estabelecimentos comerciais e
ao terminal de ônibus.
No que tange às instituições educacionais públicas que atendem à faixa etária das
crianças foco desta pesquisa, ou seja, crianças de zero a seis anos, têm-se:
Quadro 2 - Instituições educacionais municipais que atendem à comunidade
Instituições educacionais Faixa etária Salas Instituição 1 0-5 anos Berçário ao Grupo 4 (CMEI) Instituição 2 2-4 anos Grupo 2 e Grupo3 (Creche) Instituição 3 4-9 anos Pré-escola ao 4º ano Instituição 4 4-9 anos Pré-escola ao 4º ano Instituição 5 6-9 anos 1º ao 4º ano Instituição 6 6-9 anos 1º ao 4º ano
Não se tem informação, entretanto, se a demanda total é atendida, ou se faltam vagas
para a necessidade reivindicada pela comunidade.
3.3 Instrumentos de coleta
Para a realização da coleta de dados foram utilizados: um roteiro de entrevista com as
questões abordadas pela pesquisadora (ver APÊNDICE A) e dois equipamentos de gravação
35
de áudio para assegurar o registro da entrevista em caso de falha em algum dos equipamentos.
É importante salientar que os equipamentos de gravação de áudio foram utilizados com a
autorização dos sujeitos após solicitação da pesquisadora.
O roteiro de entrevista é um instrumento de grande relevância, uma vez que possui
como objetivo a compreensão minuciosa das atitudes, crenças, valores e motivações, no que
diz respeito ao comportamento dos sujeitos em contextos sociais específicos. (GASKELL,
2008). Esse intercâmbio com o entrevistado, essa interação face a face, de acordo com
Richardson (1999), possibilita ao entrevistador construir uma estreita relação com o
entrevistado devido ao caráter de proximidade que caracteriza esse tipo de interação. O que
permite a configuração de um contexto no qual o pesquisador se torna mais livre para dialogar
acerca da temática investigada, obtendo, portanto, uma melhor compreensão do objeto a ser
pesquisado.
A presente pesquisa fez uso da entrevista não estruturada na qual, segundo Breakwell
(2006), o entrevistador possui determinado número de tópicos a serem considerados, porém as
questões não possuem uma ordem fixa, possibilitando que elas sejam desenvolvidas na
interação com o entrevistado. Sendo assim, nesse tipo de entrevista o pesquisador, mesmo
sendo guiado por tópicos específicos, conduz a entrevista, oferecendo uma maior liberdade
para o entrevistado se colocar acerca das questões sem deixar que se perca o foco da
investigação.
O roteiro que guiou as entrevistas desse estudo foi estruturado com questões que
focaram a rotina diária da criança e do cuidador, como: os membros da família e as atividades
que realizam dentro e fora do lar, as pessoas do convívio da criança e as atividades que
realizam com ela, os locais que a criança frequenta, a frequência à creche, como o cuidador se
sente em sua rotina, o aspecto pais importante do cuidado, etc.
3.4 Procedimentos de coleta
Inicialmente é importante explicitar como se deu a escolha da comunidade. Essa
escolha foi devida à aproximação da pesquisadora com alguns integrantes de um projeto
social realizado naquela localidade, condição esta que facilitou o acesso da pesquisadora à
comunidade, uma vez que tais integrantes do projeto mediaram esse acesso.
O primeiro acesso àquele local, onde foram juntas pesquisadora e orientadora, foi
mediado pelos integrantes acima referidos. Nesse primeiro acesso foi possível conhecer parte
36
da comunidade, algumas instituições educacionais infantis e conversar sobre a forma de
acesso aos sujeitos em suas residências, sendo, então, sugerida a parceria com as Agentes
Comunitárias de Saúde (ACS).
Já o segundo acesso, quando a pesquisadora foi acompanhada de um dos integrantes
do projeto social, teve como intuito conhecer os profissionais da Unidade de Saúde da Família
(USF), e conversar sobre o projeto e a possível parceria com as ACSs para a realização da
coleta de dados. O contato com os profissionais aconteceu na sede da USF em uma das
reuniões semanais com todos os profissionais da unidade. Os profissionais presentes se
mostraram bastantes solícitos e colocaram a importância de realizações de pesquisas na
comunidade. Foi salientado pela pesquisadora que a investigação seria submetida à avaliação
do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) e que mediante aprovação haveria seu retorno à
comunidade para o agendamento dos encontros com a ACS que iria mediar as visitas
domiciliares.
A parceria com as ACSs implicou que a pesquisa fosse vinculada à Secretaria de
Saúde da Cidade do Recife, sendo através dessa Secretaria que se obteve a carta de anuência
para acesso à comunidade. Essa parceira pôs como exigência que todos os sujeitos de
pesquisa fossem membros de famílias cadastradas na USF da comunidade. Tal exigência não
se configurou como uma dificuldade de acesso aos sujeitos pelo fato de todas as famílias
visitadas pelas ACSs serem cadastradas na USF da comunidade.
Após aprovação pelo CEP, a pesquisadora foi à comunidade, no dia que acontece a
reunião semanal com os profissionais, informar a aprovação do projeto e conversar com a
ACS que iria mediar o acesso aos sujeitos em suas residências. Foi decido começar a coleta na
semana seguinte, no horário da manhã.
A coleta de dados teve início e término, respectivamente, nos dias 05/06/2013 e
23/07/2013. A pesquisadora foi à comunidade cerca de duas vezes por semana, realizando em
média de três entrevistas por dia, alguns dias no período da manhã e outros à tarde. As quatro
primeiras entrevistas realizadas no primeiro dia de coleta indicaram a necessidade do
acréscimo de algumas perguntas ao roteiro, e, em consequência, tais entrevistas foram
consideradas entrevistas piloto. Quanto ao tempo de duração de cada entrevista, obteve-se
uma média de 20 minutos, tendo a mais curta e a mais longa, respectivamente, 11 e 56
minutos de duração.
O ponto de encontro entre a pesquisadora e a ACS durante toda a coleta foi na casa da
própria profissional que ficava bem próxima à rua principal da comunidade. A relação
37
estabelecida com a ACS foi bastante amigável, o que gerou uma parceria produtiva. A ACS
esteve sempre atenta às solicitações da pesquisadora, fazendo o possível para atendê-las da
melhor forma. Por exemplo, a pesquisadora ao entrevistar só mães nas primeiras entrevistas,
solicitou a ACS que a indicasse outros sujeitos, como: cuidadoras sem relação de parentesco
com a criança, pais, avó, e outros familiares que assumiam esse papel de cuidador. A partir de
tal solicitação a ACS averiguou os sujeitos possíveis e fez indicações mais diversificadas:
avós, cuidadoras sem relação de parentesco com a criança e tia. Além disso, a ACS ofereceu
importante auxilio no mapeamento das instituições educacionais que atendem à comunidade.
Nas visitas às residências, a ACS apresentava a pesquisadora à entrevistada, ora como
psicóloga que queria conversar, ora como estudante de mestrado da Universidade Federal que
queria fazer uma pesquisa. Uma vez que essa forma de apresentar em nenhum momento
causou intimidação, a ponto de causar desistência nos sujeitos, a pesquisadora deixou que a
ACS a apresentasse dessa forma. Após a apresentação, a ACS deixava a pesquisadora na
residência do sujeito e continuava fazendo visitas nas residências próximas. As formas de
encontrar a ACS novamente para continuar as visitas variavam: algumas vezes a ACS
indicava a casa que estaria visitando para a pesquisadora ir a seu encontro; outras vezes a
ACS pedia às pessoas que estavam conversando em frente às residências próximas que
avisasse a pesquisadora a casa em que ela estaria a fim de que esta fosse ao seu encontro ou,
então, a ACS pedia para que a pesquisadora ligasse para o seu celular para novo encontro.
Ao ser deixada numa residência, a pesquisadora apresentava as informações
necessárias para que o sujeito compreendesse o objetivo do trabalho, explicitando todos os
seus direitos frente à aceitação para participar da pesquisa. Assim, após consentimento do
sujeito, ele era convidado a assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (ver
APÊNDICE B), dando, assim, início a entrevista. A pesquisadora deixava o sujeito livre para
escolher o melhor lugar para ser realizada a entrevista, fazendo apenas a exigência, em alguns
casos, para se aproximar mais da entrevistada para que o equipamento de gravação de áudio
pudesse ficar próximo de ambos. Muitas entrevistas foram realizadas estando as crianças
presentes, situação já esperada, uma vez que não houve agendamento prévio. Nestes casos, a
pesquisadora podia observar a relação entre a cuidadora e a criança. Além disso, foi possível
observar os espaços nos quais as crianças circulavam, seja em situação de brincadeira ou outra
qualquer. Houve interrupções devidas a choros e demais solicitações das crianças, mas não a
ponto de suspender ou comprometer significativamente a entrevista.
38
Também é importante salientar que não houve nenhuma recusa dos sujeitos quanto à
participação ou desistências no decorrer das entrevistas, mesmo em situações nas quais
algumas entrevistadas demonstraram grande emoção através do choro. Nesse momento a
pesquisadora ofereceu o espaço de escuta de modo a deixar as entrevistadas à vontade para
expressar, a sua maneira, a emoção que emergiu.
3.5 Procedimentos de análise
A análise empreendida se apoia na compreensão de que o dado é construído “a partir
de um referencial de pensamento, que ele por sua vez retroalimenta e transforma”
(CARVALHO; IMPÉRIO-HAMBURGUER; PEDROSA, 1999, p. 205). Pensar o dado nesse
sentido é adentrar em um universo de possibilidades em que é possível criar e recriar,
estabelecer e visualizar diferentes formas de organizações e relações. Sendo assim, a análise
delineada a seguir evidenciou apenas algumas facetas de um dado que é plural frente à
diversidade de propostas e olhares que poderiam guiar a sua construção.
Como corpus de análise obteve-se um conjunto de trinta entrevistas transcritas, que
foram analisadas qualitativamente com o intuito de evidenciar e discutir as práticas e os
significados que envolvem o cuidado da criança. Houve, entretanto, uma organização prévia
das informações realizando-se algumas quantificações de modo a se poder mapear o número
de redes de cuidado existentes com aspectos relevantes para a sua caracterização, como será
apontado mais adiante.
A transcrição das entrevistas pode ser caracterizada como o primeiro passo da análise,
sendo um momento privilegiado de aproximação com o material coletado. À medida que se
foi transcrevendo, dando forma e revisitando os dados – tendo como guia o roteiro de análise
com questões que funcionam como indicadores de temas de interesse – buscou-se identificar
núcleos de sentidos realçados nas falas das participantes. Esse processo foi orientado pela
análise temática de conteúdo proposta por Bardin (2000) que “consiste em descobrir os
núcleos de sentidos que compõem a comunicação e cuja presença, ou frequência de aparição
podem significar alguma coisa para o objetivo analítico escolhido” (p. 105).
Seguindo esse caminho, as questões alçadas nas entrevistas foram delineando a
organização dos dados de modo que sua discussão foi estruturada a partir de três eixos
temáticos: a rede de cuidadores, a prevalência feminina no cuidado da criança e o cuidado
institucional.
39
A análise da rede de cuidadores se apoiou no estudo realizado por Carvalho et al.
(2012) com base nos dados da pesquisa Gênero e família em mudança: participação de pais
no cuidado de filhos pequenos15. Esse estudo analisa a rede de cuidadores de crianças
pequenas, esboçando um delineamento metodológico que pode orientar estudos com a mesma
proposta. Além disso, aponta dados importantes para serem comparados. Para a
caracterização das redes de cuidadores do presente estudo os dados foram organizados de
modo quantitativo, como já mencionado anteriormente, com o intuito de indicar importantes
aspectos do cuidado da criança, como: o número de crianças, o quantitativo de cuidadores, o
número de redes, a frequência à instituição educacional, entre outros que configuraram a
análise estrutural das redes. Também foi realizada a análise funcional das redes que teve como
foco a descrição das tarefas de cuidado e o envolvimento dos cuidadores com tais tarefas.
Vale ressaltar que a observação do contexto de cuidado ofereceu importantes indícios para a
caracterização das redes de cuidadores.
Nos demais eixos temáticos foram realizadas discussões pondo em destaque a
significação dada ao cuidado da criança. No que se refere à prevalência feminina nas redes de
cuidado foram evidenciadas temáticas que apontam a responsabilidade da mulher pelo
cuidado da criança e da casa, bem como a sobrecarga de atividades que enfrenta. Referente ao
cuidado institucional foram destacadas as significações que envolvem a decisão dos
cuidadores em compartilhar ou não o cuidado/educação da criança com a instituição
educacional.
15
Pesquisa multidisciplinar desenvolvida pela equipe de docentes-pesquisadores do Programa de Pós-graduação em Família na sociedade contemporânea da Universidade Catolica de Salvador (UCSal), Bahia, com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ), entre 2009 e 2010. Esse estudo culminou no livro Dinâmica familiar do cuidado: afetos, imaginário e envolvimento dos pais na atenção aos filhos organizado por Castro, Carvalho e Moreira (2012).
40
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Com o intuito de investigar o cotidiano do cuidado da criança, o presente capítulo tem
como pretensão expor a análise empreendida nesse estudo. Sendo assim, a apresentação e a
discussão dos dados serão organizadas em dois itens. No primeiro, será realizada a análise da
rede de cuidadores, pondo em destaque os sujeitos e as práticas que envolvem o cuidado da
criança. No segundo item será focalizado o significado do cuidado a partir da prevalência
feminina no cuidado da criança e do cuidado institucional.
4.1 Rede de cuidadores: os sujeitos e as práticas que envolvem o cuidado da criança
Neste primeiro item serão analisadas as redes de cuidadores perquirindo as práticas
que configuram o cuidado da criança no seu dia a dia, bem como a dinâmica das redes na
organização cotidiana do cuidado.
Compreendendo a rede social como um sistema constituído por diferentes pessoas,
funções e contexto (LEWIS16, 1987 apud CARVALHO et al., 2012), vale ressaltar que as
redes analisadas têm como núcleo a criança de zero a seis anos, a partir da qual serão
caracterizadas as pessoas envolvidas no seu cuidado. Serão focadas as práticas/atividades que
constituem o cuidado da criança, o contexto no qual elas são realizadas, a residência da
criança – local onde foram feitas as entrevistas –, e contextos outros considerados pelos
entrevistados, espaços onde a criança é cuidada e interage com os constituintes da rede, como,
por exemplo, as instituições educacionais infantis (creche, hotelzinho, (pré)escola) e locais de
lazer.
As redes foram construídas considerando as atividades que os cuidadores realizam
com as crianças. Tais atividades foram mapeadas mediante o exame da rotina relatadas por
eles. Esse mapeamento teve como foco as questões a partir das quais as entrevistadas eram
convidadas a relatar as atividades que realizavam diariamente e a participação de outras
pessoas que faziam parte do convívio da(s) criança(s). As atividades encontradas foram
distribuídas em quatro agrupamentos de tarefas de cuidado: cuidados físicos;
lazer/convivência; educação/disciplina; e atividades externas. Essas tarefas foram
16 LEWIS, M. Social development in infancy and early childhood. In: OSOFKY, J. D. (Org.). Handbook of Infant Development. Nova York: Wiley, 1987. p. 419-493.
41
apresentadas por Moreira, Carvalho, Almeida e Oiwa (2012) de modo a caracterizar o perfil
dos cuidadores a partir das tarefas que exercem no cuidado da criança.
A análise das redes teve como base as dimensões estruturais e funcionais da rede
social proposta por Sluzki (1997) com as sugestões de Carvalho et al. (2012) que ao se
basearem em tais dimensões realizaram algumas adaptações com a finalidade de configurar
um tipo específico de rede social, a rede de cuidadores de crianças.
4.1.1 A dimensão estrutural das redes de cuidadores
A dimensão estrutural das redes de cuidadores foi analisada quanto ao seu tamanho,
composição, densidade, dispersão, e homogeneidade/heterogeneidade (SLUZKI, 1997).
4.1.1.1 Tamanho das redes
No que diz respeito ao tamanho da rede, que se caracteriza pela quantidade de sujeitos
em cada arranjo de cuidadores, são apresentados na tabela 2 o número de cuidadores que
integram as redes, o quantitativo de redes e número de crianças em cada tipo de rede17.
Tabela 2 - Tamanho da rede relacionado ao número de redes e de crianças atendidas em cada rede
Tamanho da rede (nº de cuidadores) Nº de redes
Nº de crianças em cada rede
2 6 6
3 13 19 4 11 12 5 5 7
TOTAL 35 44
A maioria das redes, num total de 35, tem como núcleo apenas uma criança. Existem
sete redes em que mais de uma criança é cuidada: cinco redes com duas crianças; e duas, com
três; nesses casos as crianças são irmãs.
Além disso, há casos em que crianças da mesma família, residindo juntas, constituem
redes diferentes. Como exemplo, tem o caso de dois irmãos apenas por parte de mãe que
17 Tipo de rede corresponde a uma classificação das redes com base no número de cuidadores.
42
possuem redes diferentes pelo fato de um deles, a menina, ter seu cuidado compartilhado com
uma tia paterna que não constitui a rede do irmão. Além disso, ela é cuidada por familiares
paternos do seu irmão que não constituem a rede de cuidadores dele. Isto porque o irmão de
três meses fica apenas sob o cuidado da mãe e do pai enquanto que a irmã de três anos passa
momentos do dia com a avó paterna e tio paterno de seu irmão. Assim, a rede do menino é
constituída apenas pelo pai e pela mãe, enquanto que a rede da irmã tem os seguintes
membros: mãe, padrasto, tia paterna, avó do irmão e tio do irmão. Nesse sentido, é realçado
que morar juntos não implica compartilhar a mesma rede. Ainda cabe salientar que a opção de
caracterizar os cuidadores sem relação de parentesco com a menina, neste exemplo, (sogra e
cunhado da mãe) evidencia novas configurações familiares existentes nos dias atuais.
As redes analisadas possuem uma variação de dois a cinco cuidadores. A maioria das
redes é composta por três cuidadores, seguindo, respectivamente, em ordem decrescente, as
redes de quatro, dois e cinco cuidadores. Carvalho et al. (2012) ao analisarem as redes de
cuidadores de uma pesquisa realizada com 150 esposas e 150 maridos, com pelo menos um
filho do casal, residentes em Salvador, na Bahia, distribuídos equitativamente entre o nível
socioeducacional baixo (NSEb) e o médio alto (NSEmdA), apontam que há uma maior
frequência de redes pequenas, com dois a três cuidadores, tendendo a decrescer a partir de três
cuidadores. Ademais, afirmam que há uma maior tendência de redes menores no NSEb.
Assim, vê-se uma significativa correspondência entre os dados apresentados por esses autores
e os encontrados no presente trabalho, ou seja, 19 redes com dois e três membros e 16 com
quatro e cinco membros.
Com o intuito de observar se a frequência da criança a uma instituição educacional se
relaciona ao tamanho da rede, organizou-se a tabela 3.
Tabela 3 - Número de crianças atendidas em instituição educacional relacionado ao tamanho
da rede e ao número de crianças por rede
Tamanho da rede (nº de cuidadores)
Nº de crianças em cada rede
Em instituições educacionais
Nº de crianças
2 6 3
3 19 12
4 12 9
5 7 3
TOTAL 44 27
43
A partir do exposto na tabela 3 observa-se que mais da metade das crianças
frequentam alguma instituição educacional, como creche, CMEI18, pré-escola e escolas.
Ademais, constata-se uma maior frequência de crianças a instituições no tamanho de rede
intermediário, com três e quatro cuidadores. Chama a atenção que a rede de dois cuidadores,
que deveria ter a maior frequência de crianças a instituições educacionais, é justamente a que
possui menor frequência. Seria, pois, um equívoco supor uma possível relação entre essas
variáveis.
Estes dados são também respaldos com os achados de Carvalho et al. (2012) que
indicam não existir relação entre o tamanho da rede e a frequência a creches/outras
instituições educacionais, uma vez que constataram menor frequência de crianças na categoria
de três cuidadores dentre uma variação de dois a seis cuidadores.
Outro aspecto importante a ser considerado na análise do tamanho da rede é a idade
das crianças. Na tabela 4 é explicitada a idade das crianças (em faixas etárias) em cada tipo de
rede. O agrupamento das idades nas duas faixas teve como critério a caracterização da
Educação infantil – creche (0 a 3 anos) e pré-escola (4 e 5 anos), acrescida da idade de seis
anos, idade deslocada mais recentemente para o Ensino Fundamental.
Tabela 4 - Número de crianças de acordo com sua faixa etária e tamanho da rede
Tamanho da rede
(nº cuidadores) Faixa etária das crianças
Total de crianças 0 a 3 anos % 4 a 6 anos %
2 3 50 3 50 6 3 10 53 9 45 19 4 7 58 5 45 12 5 5 71 2 29 7
Total 25 57 19 43 44
De modo geral, com exceção da classe de menor quantitativo de cuidadores – a que
tem dois cuidadores –, existe maior número de crianças atendidas por rede de cuidadores na
faixa etária de zero a três anos, e, neste grupo, do ponto de vista percentual, o número de
crianças cresce à medida que também cresce o número de cuidadores; ocorre o inverso com a
porcentagem de crianças de quatro a seis anos que aumenta à medida que diminui o número
de cuidadores. A partir de tais resultados é possível supor que as crianças mais novas
demandam mais cuidadores, permitindo formular a hipótese de que a imaturidade motora da
18
Centro Municipal de Educação Infantil que integra creche ( com crianças de 0 a 3 anos) e pré-escola (com crianças de 4 e 5 anos).
44
criança nos anos iniciais exige um alto investimento de tempo e de esforço na prestação dos
cuidados necessários à sua sobrevivência. Todavia, à medida que a criança cresce e se torna
mais independente, a exigência de alto investimento para cuidar dela tenderia a decrescer,
inclusive porque ela já é capaz de pedir o que deseja ou falar de sua insatisfação sobre
qualquer evento. Assim, considerando-se a faixa etária de zero a seis anos, poder-se-ia ter a
expectativa de que haveria um maior investimento na prestação do cuidado (maior número de
cuidadores), para as crianças menores; e, para as crianças de seis anos haveria um menor
investimento.
Com a pretensão de averiguar essa suposição, a tabela 5 apresenta a distribuição das
idades das crianças (em anos) em cada tipo de rede de cuidadores.
Tabela 5 - Número de crianças de acordo com sua idade e tamanho da rede
Observando-se a distribuição das crianças na tabela 5, verifica-se que a expectativa
anunciada não se confirma: crianças do primeiro ano de vida (idade zero) e também as de seis
anos são cuidadas por redes de todos os tamanhos, sem qualquer tendência. A rede de três
cuidadores é a mais frequente em todas as outras idades; exceção é feita para o grupo de cinco
anos, que tem quantitativos iguais para redes de três e quatro cuidadores.
Quando os resultados tinham sido agrupados por faixa etária havia uma aparente
relação entre a idade das crianças e o tamanho da rede (número de cuidadores). Esmiuçando a
faixa etária e observando o tamanho da rede por idades, os dados não parecem confirmar essa
suposição.
É importante salientar que a análise empreendida não pretende engendrar conclusões
generalizáveis, primeiro, porque o estudo não tem esse objetivo e, segundo, porque a
quantidade de sujeitos e a seleção da amostra inviabiliza tal pretensão. O intuito, pois, é
apontar questões importantes acerca do cuidado da criança e instigar trabalhos futuros.
Tamanho das redes Idade das crianças (em anos)
Zero Um Dois Três Quatro Cinco Seis TOTAL Dois 1 2 - - 1 1 1 6 Três - 3 5 2 5 3 1 19
Quatro 1 1 4 1 1 3 1 12 Cinco 1 - 3 1 1 - 1 7
TOTAL 3 6 12 4 8 7 4 44
45
4.1.1.2 Composição das redes
A composição das redes de cuidadores focaliza as pessoas que participam do cuidado
da criança. Pretendendo explicitar todos os cuidadores focalizados nesse estudo, é apresentado
na tabela abaixo:
Tabela 6 - Número de cuidadores e sua relação com a criança
Cuidadores Nº Cuidadores Nº
Mãe 33 Tia-avó materna 2
Pai 22 Prima materna 2
Avó materna 17 Amiga19 2
Tia materna 15 Irmão 1
Avó paterna 5 Avô paterno 1
Tio materno 5 Tia paterna 1
Irmã 4 Padrasto 1
Babá 3 Cunhado 1
Empregada doméstica 2 Sogra 1
No tocante à quantidade de pessoas envolvidas no cuidado da criança é importante, a
princípio, fazer uma ressalva esclarecendo que o quantitativo mencionado ultrapassa o
número real de pessoas envolvidas no cuidado da criança pelo fato de existirem casos em que
uma pessoa está presente em duas redes de cuidadores, sendo, portanto, contabilizada mais de
uma vez. É possível dividir os casos encontrados em dois grupos. O primeiro grupo é
constituído por cinco pessoas que compõem duas redes e possuem diferentes relações, seja de
parentesco ou não, com as crianças núcleo de cada rede. Assim, do total de cinco pessoas três
são mães e tias, uma é mãe e babá, e outra é um pai e também padrasto. Como exemplo é
possível citar a entrevistada que é cuidadora principal de uma criança e auxilia no cuidado da
sobrinha, ou seja, é mãe e tia de duas crianças de redes distintas. Já o segundo grupo, é
composto por nove sujeitos que constituem duas redes e possuem a mesma relação de
parentesco com as crianças núcleo de cada rede. Desse modo, o total de nove sujeitos
constitui-se por: três avós, duas mães, dois tios, uma tia e uma tia-avó. Um exemplo desse
grupo é a avó materna de duas crianças que constituem redes distintas, o que a possibilita ser
avó em dois arranjos de cuidadores. Assim, o número de cuidadores reais identificados nesse
19 Alguns cuidadores sem relação de parentesco com a criança foram caracterizados pela relação com o cuidador principal da criança, sendo em três casos com a mãe: a amiga, o cunhado e a sogra, e em um caso com a avó: a nora.
46
estudo pode ser calculado pela subtração dos 14 cuidadores repetidos do total de 120, o que
resulta em 106 cuidadores; considera-se também o total de 35 redes de cuidadores, com média
de três cuidadores por rede, existindo 14 redes com três cuidadores.
A decisão de levar em consideração a repetição dos referidos cuidadores, ainda que se
distancie de seu número real, apoia-se nos seguintes motivos: 1) especificar todos os
cuidadores que compõem as redes analisadas nesse estudo; 2) considerar as diferentes
relações de parentesco que um mesmo sujeito pode estabelecer em diferentes redes; e 3)
explicitar a dinâmica das redes no que se refere à circulação dos cuidadores em diferentes
arranjos de cuidado, a partir da qual tais sujeitos podem assumir diferentes papéis e funções,
assim como estabelecer diferentes relações tanto com a(s) criança(s) sob seus cuidados quanto
com os demais cuidadores.
Dando continuidade, a análise das redes quanto à sua composição foi realizada com
base na proposta de Carvalho et al. (2012), na qual os cuidadores foram categorizados em
termos de parentesco, gênero e coabitação.
Caracterização por parentesco
A presente caracterização propôs uma análise das redes, questionando se os cuidadores
possuem ou não relação de parentesco com a criança, ou seja, se eles são familiares ou não
familiares da(s) criança(s) sob seu cuidado em termos de consanguinidade. Tal caracterização
é apresentada na tabela 7:
Tabela 7 - Número de cuidadores de acordo com a relação familiar (critério de
consaguinidade) ou não familiar
Familiares Nº Não familiares Nº Mãe 33 Babá 3 Pai 22 Empregada doméstica 2
Avó materna 17 Amiga 2 Tia materna 15 Padrasto 1 Avó paterna 5 Cunhado 1 Tio materno 5 Sogra 1
Irmã 4 Nora 1 Tia-avó materna 2 Vizinha 1 Prima materna 2 - -
Irmão 1 - - Avô paterno 1 - - Tia paterna 1 - -
TOTAL 108 TOTAL 12
47
É bastante evidente a disparidade entre membros familiares e não familiares, ainda que
se desconsiderem os familiares repetidos por comporem mais de uma rede de cuidadores.
Concernente aos cuidadores familiares, mãe e pai, sobretudo a mãe, que não esteve presente
em apenas duas redes, são os mais presentes nas redes de cuidadores, caracterizando quase
metade (55) de todos (120) os cuidadores identificados nesse estudo. Também se destacam
como importantes colaboradoras no cuidado das crianças a avó e a tia maternas, que
configuram uma quantidade significativa de cuidadores (32) nas redes analisadas. O que mais
vez encontra respaldo nos achados de Carvalho et al. (2012) nos quais a avó e a tia maternas
assumem posição de destaque enquanto cuidadoras, sendo a avó materna mais frequentemente
mencionada no NSEb.
Também foi possível encontrar correspondência com outros estudos, como o de
Moreira e Biasoli-Alves (2007), que ao realizarem uma pesquisa com 50 homens e 50
mulheres de nível universitário, com pelo menos um filho de dois a sete anos e residentes em
uma capital do Nordeste (25 homens e 25 mulheres) e no Interior de São Paulo (25 homens e
25 mulheres), apontaram, sobretudo na capital do Nordeste, que os pais contam com uma
significativa ajuda das avós na educação dos filhos cotidianamente. As autoras também
sinalizaram como importantes colaboradores tios e tias no que se refere ao aspecto da
convivência, o que possui similaridade com a realidade dos tios e tias do presente estudo.
Todavia é importante salientar que em algumas redes as tias maternas assumem papel
significativo no cuidado cotidiano da criança, sendo uma delas a principal cuidadora. Em
outro estudo desenvolvido por Almeida e Moreira (2011) com 55 mães e 5 pais de crianças
matriculadas em uma instituição educacional localizada em um bairro de classe média na
cidade de Salvador-Bahia, as avós também foram identificadas como uma das principais
colaboradoras da família na educação das crianças.
Ainda que tenham aparecido com baixa frequência nas redes, foram identificados
como cuidadores a irmã e o irmão, bem como outros familiares maternos (tio, tia-avó e prima)
e paternos (avó, avô e tia). Desse modo, novamente os resultados encontram respaldo no
estudo de Almeida e Moreira (2011), no qual tios, irmãos e outros familiares foram pouco
citados por mães e pais como colaboradores na educação dos filhos. Mais uma vez se obtém
correspondência com os dados de Carvalho et al. (2012) nos quais avó paterna, tio, irmã,
irmão, prima e outros familiares foram menos mencionados por pais e mães como cuidadores.
Ademais, cabe aqui salientar a importância dos familiares maternos nas redes analisadas,
possibilitando considerá-los como os principais colaboradores no cuidado cotidiano das
48
crianças. Quanto aos familiares paternos identificados, embora tenham configurado uma baixa
frequência nas redes descritas, destaca-se mais uma vez a figura da avó, realçando, assim, sua
importância na tarefa do cuidado de crianças pequenas.
No que diz respeito aos cuidadores não familiares, esses configuram um quantitativo
bastante inferior em relação aos cuidadores familiares. Desse quantitativo, a babá, a
empregada doméstica e a amiga somam um pouco mais da metade (sete) do total de
cuidadores (doze) sem parentesco com a criança. Já os demais cuidadores não familiares
aparecem com um efetivo em cada classe, estando três desses (padrasto, cunhado e sogra)
presentes na mesma rede. Sendo assim, com os estudos já citados, pode-se encontrar uma
nova correspondência concernente a uma baixa colaboração dos vizinhos no
cuidado/educação das crianças. Contudo, nesses mesmos estudos (MOREIRA; BIASOLI-
ALVES, 2007; ALMEIDA; MOREIRA, 2011; CARVALHO et al., 2012), as babás tiveram
grande destaque como cuidadoras e colaboradoras na educação das crianças, indo de encontro
aos achados da presente pesquisa. Essa discrepância pode ser explicada pelo fato de nesses
estudos citados as famílias das crianças pertenciam à classe média, tendo, assim, condições
financeiras para contratar o trabalho dessas profissionais, o que difere da maioria das famílias
da presente pesquisa que possuem uma renda baixa. Isso pode ser evidenciado no estudo de
Carvalho et al. (2012) quando apontam que as menções às babás foram significativamente
mais frequentes no NSEmdA e que as menções a outras domésticas ocorreram apenas no
NSEmdA. A respeito dos amigos, Moreira e Biasoli-Alves (2007) expõem que estes tiveram
um percentual relevante (em torno de 50%) quanto à colaboração na educação/cuidado dos
filhos. Já Carvalho et al. (2012) apontaram a amiga sendo mencionada em apenas 2% das
respostas de pais e mães acerca dos cuidadores. Esse dado que se aproxima do baixo número
de amigas (apenas duas) identificadas na presente pesquisa enquanto colaboradoras no
cuidado das crianças.
Sendo encontradas algumas discrepâncias entre os estudos citados no que tange às
pessoas envolvidas no cuidado da criança, é importante considerá-las em meio a múltiplos
determinantes que se vinculem às especificidades, sejam em relação à unidade familiar, sejam
em relação à amostra pesquisada: como a escolaridade, a ocupação e disponibilidade dos
familiares para a tarefa do cuidado, o contexto sociocultural e as crenças acerca do cuidado da
criança (os sujeitos e as práticas que configuram essa tarefa), além da renda, como citada
anteriormente no caso de contratar babás.
49
Com o intuito de especificar o número de cuidadores familiares e não familiares nas
redes analisadas, são apresentadas as tabelas a seguir:
Tabela 8 - Número de redes de cuidadores de acordo com o seu tamanho e o número de cuidadores familiares nas redes
Tamanho da rede (nº de cuidadores)
Nº de cuidadores familiares Total
2 3 4 5 2 6 - - - 6 3 2 11 - - 13 4 - 4 7 - 11 5 1 1 1 2 5
TOTAL 9 16 8 2 35
A partir do exposto vê-se que as redes apresentam uma variação de dois a cinco
cuidadores familiares. Além disso, todas as redes analisadas (35 redes) são compostas por no
mínimo dois cuidadores familiares, sendo todas as redes de dois cuidadores constituídas
apenas por familiares. Isso demonstra a importância atribuída à família da criança no seu
cuidado cotidiano. Há um grande quantitativo de redes (16 redes) com três cuidadores
familiares distribuídos nas redes de três, quatro e cinco cuidadores. Desse total de 16 redes, 11
se concentram na rede de três cuidadores, das quais seis são compostas por pai, mãe e avó.
Observa-se que há apenas duas redes com cinco cuidadores familiares.
Tabela 9 - Número de redes de cuidadores de acordo com o seu tamanho e o número de cuidadores não familiares nas redes
Tamanho da rede (nº de cuidadores)
Nº de cuidadores não familiares TOTAL 1 2 3
2 - - - - 3 2 - - 2 4 4 - - 4 5 1 1 1 3
TOTAL 7 1 1 9
Os cuidadores não familiares são identificados em apenas nove redes com variação de
um a três cuidadores, não estando presentes nas redes de dois cuidadores. Dentre as nove
redes, a maioria (sete redes) tem em sua composição apenas um cuidador não familiar, sendo
em três redes a babá e em duas redes a empregada doméstica. As outras duas redes com,
respectivamente, dois e três cuidadores não familiares são constituídas por cinco cuidadores.
Explicitando de forma mais detalhada os membros familiares e não familiares nas
redes, tem-se que nas redes de dois cuidadores, num total de seis, a maioria (quatro redes) é
50
composta por pai e mãe; as outras duas redes são compostas pela mãe e a avó materna. Nas
redes de três cuidadores, que possuem um total de treze redes, nove são constituídas por mãe,
pai e cuidador familiar: avó (em seis), tia materna (em duas) e irmã (em uma); duas são
formadas por pai, mãe e cuidador não familiar: empregada doméstica (em uma) e babá (em
uma); e as duas redes restantes são compostas por mãe e tia materna, sendo uma integrada
pela avó materna e a outra pela prima materna. Das seis redes compostas por mãe, pai e avó,
três são constituídas por avós maternas e três por avós paternas. Já nas redes de quatro
cuidadores, que totalizaram onze redes, foram identificadas quatro redes com mãe e pai
juntos, e uma única rede sem a presença da mãe (pai, avó materna e duas tias maternas). Oito
redes têm em sua composição mãe e avó materna juntas, e apenas duas redes têm em sua
constituição mãe e avó paterna juntas, sendo uma delas a única rede desse estudo que tem o
avô (paterno) em sua constituição. Os cuidadores não familiares compõem quatro redes, tendo
como membros: empregada doméstica (uma rede), babás (duas redes) e vizinha (uma rede).
Nas redes de cinco cuidadores, que possuem um quantitativo de cinco redes, mãe e pai
aparecem juntos em duas redes, enquanto que mãe e avó juntas compõem apenas uma rede.
Também há uma frequência maior de irmãs (em três redes) e de cuidadores sem relação de
parentesco com a criança: padrasto, duas amigas, cunhado, sogra e nora (em três redes). O
irmão aparece como cuidador apenas nesse tipo de rede, compondo uma única rede. E assim
como na rede de quatro cuidadores, há uma única rede com ausência da mãe.
Assim, de acordo com os dados expostos, destaca-se a presença de mãe e pai
integrando a maioria dos arranjos de cuidadores (em 21 redes), sendo onze redes compostas
por três cuidadores, das quais seis são constituídas por mãe, pai e avó. Também se pode
assinalar como relevante a presença de mãe e avó juntas em grande parte das redes de
cuidadores (em 19 redes), havendo significativo destaque para a avó materna que, dentre as
19 redes, integra com a mãe 15 redes. Isso demonstra a importância da avó materna na
colaboração com o cuidado da criança.
Caracterização por gênero
No que tange ao gênero, os participantes das redes foram caracterizados enquanto
cuidadoras femininas e cuidadores masculinos, como mostra a tabela 10 abaixo:
51
Tabela 10 - Número de cuidadores femininos e masculinos e sua relação com a criança
Feminino Nº Masculino Nº Mãe 33 Pai 22
Avó materna 17 Tio materno 5 Tia materna 15 Irmão 1 Avó paterna 5 Avô paterno 1
Irmã 4 Padrasto 1 Babá 3 Cunhado 1
Tia-avó materna 2 - - Prima materna 2 - -
Empregada doméstica 2 - - Amiga 2 - -
Tia paterna 1 - - Sogra 1 - - Nora 1 - -
Vizinha 1 - - Total 89 TOTAL 31
As redes analisadas possuem majoritariamente cuidadoras femininas, tendo destaque a
mãe e as cuidadoras familiares maternas, principalmente a avó e a tia, como ressaltado
anteriormente. A predominância feminina também ocorre entre as cuidadoras não familiares,
havendo um tímido destaque entre babás, empregadas e amigas.
Quanto aos cuidadores masculinos, o pai se sobressai com um efetivo de 22
cuidadores. Já os outros nove cuidadores masculinos integram redes de quatro e cinco
cuidadores, portanto, com exceção do pai, quando existe um cuidador masculino este integra
redes de maior tamanho.
Na pretensão de esmiuçar o quantitativo de cuidadores femininos e masculinos, nas
redes, são apresentadas as tabelas 11 e 12.
Tabela 11 - Número de redes de acordo com o seu tamanho e o número de cuidadoras
femininas
Tamanho da rede (nº de cuidadores)
Nº de cuidadoras femininas TOTAL
1 2 3 4 5 2 4 2 - - - 6 3 - 11 2 - - 13 4 - 2 5 4 - 11 5 - - 3 1 1 5
TOTAL 4 15 10 5 1 35
A distribuição de cuidadoras femininas nas redes compreende uma variação de uma a
cinco cuidadoras, possuindo todas as redes pelo menos uma cuidadora. Há um número maior
de redes com duas cuidadoras (quinze redes), distribuídas entre as redes de dois, três e quatro
52
cuidadoras, das quais dez são constituídas por mãe e avó. Dentre as quinze redes, onze
constituem as redes de três cuidadores, sendo seis delas constituídas de mãe e avó. Observa-se
que existe uma única rede de cinco cuidadoras.
Tabela 12 - Número de redes de acordo com o seu tamanho e o número de cuidadores
masculinos
Tamanho da rede (nº de cuidadores)
Nº de cuidadores masculinos Total
1 2 2 4 - 4 3 11 - 11 4 5 2 7 5 1 3 4
TOTAL 21 5 26
Os cuidadores masculinos estão presentes em 26 redes com uma pequena variação de
um a dois cuidadores. Há um quantitativo significativamente maior de redes com um
cuiadador (21 redes) distribuídas nos quatro tipos de redes, sobretudo em onze redes de três
cuidadores. Destas 21 redes, 20 têm a participação do pai da criança e uma tem a participação
de um tio. As outras cinco redes têm em sua constituição dois cuidadores masculinos, das
quais três redes são constituídas por cinco cuidadores e as duas outras por quatro cuidadores.
Portanto, os dados indicam que a cuidadora feminina ocupa lugar de destaque, tanto
entre os cuidadores familiares, na figura da mãe, da avó e da tia, quanto entre o reduzido
número de cuidadores não familiares, dos quais participam timidamente a babá, a empregada
doméstica e a amiga.
Caracterização por coabitação
A caracterização por coabitação possibilitou a identificação dos cuidadores que
residem ou não com a(s) criança(s) sob seus cuidados. Explicitando o quantitativo de
residentes e não residentes, segue a tabela 13:
Tabela 13 - Cuidadores que residem ou não com a criança e sua relação com ela
Sujeitos Residentes Não residentes TOTAL Mãe 30 3 33 Pai 19 3 22
Avó materna 12 5 17 Tia materna 9 6 15 Avó paterna 3 2 5
continua
53
continua
Sujeitos Residentes Não residentes TOTAL Tio materno 5 0 5
Irmã 4 0 4 Babá - 3 3
Empregada doméstica 0 2 2 Tia-avó materna 0 2 2 Prima materna 1 1 2
Amiga 0 2 2 Irmão 1 0 1
Avô paterno 1 0 0 Tia paterna 0 1 1
Padrasto 1 0 1 Sogra 0 1 1
Cunhado 0 1 1 Nora 0 1 1
Vizinha 0 1 1 TOTAL 86 34 120
Assim como as demais variáveis que caracterizaram a análise da composição das redes
(parentesco e gênero), a coabitação também apresentou variação, havendo uma significativa
predominância de cuidadores que residem com a criança.
Ao cruzar a variável coabitação com as variáveis parentesco e gênero, obtêm-se os
resultados expressos nas tabelas 14 e 15:
Tabela 14 - Número de cuidadores de acordo com a coabitação e o parentesco
Residentes Não residentes TOTAL
Familiares 85 23 108 Não familiares 1 11 12
TOTAL 86 34 120
Tabela 15 - Número de cuidadores de acordo com a coabitação e o gênero
Residentes Não residentes TOTAL Feminino 59 30 89 Masculino 27 4 31 TOTAL 86 34 120
Na tabela 14 observa-se a quase totalidade de cuidadores não familiares que não
residem com a criança, e na tabela 15, o dado que chama a atenção é a quase inexistência de
cuidadores masculinos que não residem com a criança (apenas quatro não residem!). A
quantidade de cuidadores familiares residentes se sobressai na tabela 14. Como já comentado,
54
é bem expressivo o quantitativo de cuidadoras femininas (ver tabela 15) que residem com a
criança.
De modo a realizar uma comparação com os dados do estudo de Carvalho et al. (2012)
quanto à coabitação, é importante fazer algumas ajustes na apresentação dos resultados da
presente pesquisa. Os dados dos autores mencionados excluíram mãe, pai, irmão e irmã, todos
mencionados como residentes. Vale salientar que a amostra do estudo citado foi composta por
300 casais (esposas e maridos) com pelo menos um filho biológico ou adotivo do casal,
critérios que implicaram em todos os pais, mães e irmãos residirem com a criança alvo do
estudo. Assim, com o intuito de comparar os dados do estudo com estes aqui analisados,
foram construídos as tabelas 16 e 17.
Tabela 16 - Número de cuidadores de acordo com a coabitação e o parentesco (excluídos
mãe, pai e irmã/os)
Residentes Não residentes TOTAL Familiares 31 17 48
Não familiares 1 11 12 TOTAL 32 28 60
Tabela 17 - Número de cuidadores de acordo com a coabitação e o gênero (excluídos mãe, pai e irmã/os)
Residentes Não residentes TOTAL
Feminino 25 27 52 Masculino 7 1 8 TOTAL 32 28 60
É bastante evidente a diminuição de cuidadores que residem com a criança (decresceu
de 86 para 32 coabitantes), ao serem excluídos mães, pais e irmãos. No que pese essa
diminuição, observa-se que cuidadores masculino existem, praticamente, se eles residem com
a criança. Há uma correspondência desses dados com os de Carvalho et al. (2012) ao
apontarem tanto uma forte relação entre ser cuidador masculino e coabitar com a criança, isto
é, uma maior probabilidade de engajamento masculino no cuidado quando o cuidador reside
com a criança, quanto a ausência dessa relação entre as cuidadoras do sexo feminino, pois
esse quantitativo é praticamente o mesmo, 25 e 27, respectivamente, para residentes e não
residentes. Todavia observa-se uma discrepância quando os autores apontam que essa
ausência de relação entre ser cuidador e residir com a criança ocorre, principalmente entre
avós e as tias. Isso porque, no estudo de Carvalho et al., a quantidade de avós residentes é
significativamente menor que o número de avós não residentes. Mais uma vez é importante
55
ressaltar que tal discrepância pode estar relacionada às singularidades das amostras
pesquisadas, o que pode incluir a variável renda familiar e todas as variáveis a ela associadas
como escolaridade, configuração familiar, crenças sobre o cuidado de crianças etc.
Com exceção de um único caso, os cuidadores não familiares e não residentes (de total
de onze) moram próximo à criança que cuida; dentre esses, quatro são vizinhos (moram na
mesma rua) e dois moram no mesmo terreno onde também se localiza a casa da criança. Esses
dois sujeitos (sogra e cunhado), que são integrantes de uma rede de cinco cuidadores, moram
na casa da frente, enquanto que a criança reside na casa de trás com a mãe e o padrasto.
Residir próximo à criança também é uma característica de destaque entre os cuidadores
familiares não residentes: quinze cuidadores de um total de dezessete moram próximo à
criança. Observando-se as cuidadoras femininas não residentes, 23 pessoas, dentre o total de
27, residem próximo à criança.
Nesse sentido, a proximidade do cuidador com a criança, seja residindo na mesma
casa, seja residindo em casas diferentes, faz da variável coabitação um fator de extrema
relevância entre os cuidadores das redes analisadas, visto que, com exceção de apenas cinco
cuidadores que residem distantes da criança sob seus cuidados, os cuidadores considerados
nesse estudo residem com criança ou próximo a ela. Esses dados podem ser observados em
consonância com os achados de Hewlett (1991) que, ao investigar o cuidado de crianças em
sociedades pré-industriais, apontam que o cuidado alternativo, sobretudo entre caçadores-
coletores, é influenciado pelo fato de diferentes famílias residirem em proximidade,
possibilitando, pois, que diferentes pessoas estejam familiarizadas com a criança.
Explicitando o número de cuidadores residentes e não residentes nas redes de
cuidadores, seguem as tabelas abaixo:
Tabela 18 - Número de redes de cuidadores de acordo com o seu tamanho e o número de cuidadores residentes
Tamanho da rede (nº de cuidadores)
Nº de cuidadores residentes TOTAL
1 2 3 4 5 2 - 6 - - - 6 3 1 9 3 - - 13 4 1 3 5 2 - 11 5 - 2 1 1 1 5
TOTAL 2 20 09 3 1 35
Evidentemente que cuidadores que residem com a criança estão presentes em todas as
redes analisadas, nas 35 redes, mas a coabitação varia de um a cinco cuidadores. Verifica-se
56
um número significativamente maior de vinte redes com dois cuidadores residentes
distribuídas entre os quatro tipos de redes. Deste total de vinte redes, treze são constituídas
por pai e mãe, das quais nove se concentraram na rede de três cuidadores. Quanto à rede de
cinco cuidadores (apenas um caso), todos os componentes residem com a criança.
Tabela 19 - Número de redes de cuidadores de acordo com o seu tamanho e a indicação do
número de cuidadores não residentes nas redes
Tamanho da rede (nº de cuidadores)
Nº de cuidadores não residentes TOTAL
1 2 3 2 - - - - 3 9 1 - 10 4 5 3 1 9 5 1 1 2 4
TOTAL 15 5 3 23
Os cuidadores não residentes, numa variação de um a três, integram 23 redes. Assim
como os cuidadores não familiares, eles também não participam de redes de dois cuidadores.
Um quantitativo considerável de quinze redes tem em sua constituição um cuidador não
residente, das quais cinco são avós. Desse total de quinze redes, nove são constituídas por três
cuidadores. O menor número de redes foi constatado em quatro células: uma nas redes de três
cuidadores, sendo dois não residentes; uma nas redes de quatro cuidadores, sendo três não
residentes; e duas nas redes de cinco cuidadores, sendo uma delas com um cuidador não
residente e outra com dois não residentes.
Mediante a análise empreendida, constata-se que as redes de cuidadores constituem-se
predominantemente por familiares, mulheres e residentes com as crianças, ou seja, cuidadora
feminina, com relação de parentesco e residindo com a criança são características marcantes
da maioria dos cuidadores desse estudo. Isso permite considerar essas três características
como atributos relevantes dos cuidadores que se responsabilizam pela criança, bem como das
pessoas que se disponibilizam ou são convocados para auxiliar nesse cuidado.
4.1.1.3 Densidade, Dispersão e Homogeneidade/Heterogeneidade das redes
Sluzki (1997) também considera a densidade, dispersão e
homogeneidade/heterogeneidade como os atributos estruturais da rede social; ele define
densidade como a conexão entre os constituintes da rede, independentemente do membro
central (o informante); dispersão, como a distância geográfica entre as pessoas das redes; e
57
homogeneidade/heterogeneidade é a consideração das variáveis demográficas e
socioculturais. Conforme a sugestão proposta por Carvalho et al. (2012), densidade e
dimensão são analisadas através dos respectivos critérios de parentesco e coabitação. Já a
homogeneidade/heterogeneidade considera, conforme proposto por Sluzki (1997), a
caracterização sociocultural e demográfica dos que compõem a rede em termos de sexo,
idade, cultura e nível socioeconômico.
Nesse sentido, as redes analisadas, com base nos critérios propostos, possuem um alto
nível de densidade pelo predomínio de relações de parentesco íntimas, com destaque para a
mãe e o pai, assim como para a avó e a tia, ambas maternas (ver tabela 7); e um baixo nível de
dispersão tanto pela predominância de cuidadores residentes (ver tabela 13) quanto pela
proximidade da maioria dos cuidadores não residentes, visto que estes residem ou no mesmo
terreno, ou na vizinhança onde a criança mora.
A heterogeneidade das redes se expressa na idade dos membros ao abarcar uma faixa
etária que inclui desde a criança (as que são foco da rede e os irmãos) até o idoso (as avós),
mas predominando o adulto (mãe, pai e tias maternas). As redes também são heterogêneas
quanto ao sexo, pois, ainda que haja um destaque para o sexo feminino, as redes são
compostas por cuidadores de ambos os sexos (ver tabela 10). A respeito da cultura e nível
socioeconômico, as redes são homogêneas, uma vez que seus membros, com poucas
exceções, estão situados em um mesmo contexto sociocultural, uma comunidade de baixa
renda, construindo e compartilhando ideias e práticas que caracterizam esse contexto.
Segundo Rossetti-Ferreira (2004) é no contexto social e culturalmente regulado que se situam
os processos de desenvolvimento das pessoas; contexto que compreende um ambiente físico e
social, uma estrutura econômica e organizacional, sendo conduzido por determinadas funções,
rotinas e regras que delimitam a forma como as interações vão se estabelecer.
4.1.2 A dimensão funcional das redes de cuidadores
A análise da dimensão funcional da rede de cuidadores foi realizada com base nas
seguintes variáveis: tipo de cuidado, tipo de cuidador e participação do pai. Essas variáveis
possibilitam realizar o mapeamento das funções da rede e explorar alguns atributos do vínculo
propostos por Sluzki (1997) que permitem a caracterização da rede no que diz respeito ao seu
funcionamento – o envolvimento/compromisso, que se refere à intensidade da relação dos
58
constituintes da rede; e a versatilidade, que aponta o número de funções exercidas pelos
membros da rede (CARVALHO et al., 2012).
4.1.2.1 Tipo de cuidado
O tipo de cuidado foi caracterizado a partir das atividades realizadas pelos cuidadores
no cotidiano da criança. Essas atividades, conforme exposto anteriormente, foram mapeadas
considerando o relato das entrevistadas quando respondiam quais eram as atividades que
realizavam rotineiramente com a criança e com outras pessoas de seu convívio. Esse
mapeamento possibilitou identificar tanto as pessoas envolvidas no cuidado da criança,
permitindo a construção das redes de cuidadores, quanto as atividades que caracterizam o
cotidiano do cuidado das crianças da comunidade investigada. Assim, as atividades foram
distribuídas em quatro agrupamentos de tarefas de cuidado: cuidado físico; lazer/convivência;
educação/disciplina; e atividades externas (MOREIRA et al., 2012), expostos no quadro 3. A
distribuição das atividades no quadro não é mutuamente exclusiva; por exemplo, Passear
poderia ser alocada na coluna “Atividades externas”; ou, Levar e buscar na instituição
educacional poderia ser colocada em “Educação/disciplina”. Entretanto, ao se tomar uma
decisão sobre em qual coluna a atividade era colocada, outras que surgissem, seguia-se a
mesma orientação das precedentes; além disso, a análise não visava a uma comparação
quantitativa entre os diferentes agrupamentos; o quadro foi elaborado para apresentar as
atividades de modo mais organizado a fim de inspecionar a quem cabia, entre os membros da
rede, cada uma dessas tarefas.
Quadro 3 - Tarefas de cuidado com base nas atividades do cotidiano da criança
Cuidado físico
Educação/disciplina Lazer/convivência Atividades externas
Alimentação Tomar decisões referentes à
instituição educacional Passear
Levar e buscar na instituição educacional /
casa da babá
Higiene Auxiliar nas tarefas escolares Contar história/
assistir filme Levar ao médico
Sono Estabelecer regras e rotinas Brincar Levar à igreja
A seguir será apresentado cada agrupamento, destacando a participação dos cuidadores
em cada tarefa de cuidado.
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Cuidado físico
O cuidado físico da criança inclui tarefas relacionadas com a alimentação, a higiene e
o sono. Essas tarefas são realizadas com mais frequência pela maioria das entrevistadas: a
mãe, a avó, a tia e a babá, que são as cuidadoras que passam mais tempo com a criança
diariamente.
Educação/disciplina
Esse agrupamento é composto por três tarefas. A primeira delas, tomar decisões
quanto à instituição educacional, se refere à responsabilidade tanto pela decisão de
compartilhar ou não o cuidado/educação da criança com a instituição educacional, quanto pela
escolha da instituição a ser frequentada pela criança. Nesse sentido, ainda que algumas mães
apontem a não inserção da criança na instituição educacional por falta de concordância do pai,
a maioria delas são as responsáveis pela decisão de compartilhar o cuidado/educação da
criança e pela escolha da instituição. Em algumas redes, essa responsabilidade é da mãe e da
avó em conjunto e, em outras, a avó é a única responsável. Em apenas um caso o pai é
apontado como a pessoa que escolheu a instituição educacional frequentada pela criança. Nos
poucos relatos acerca do auxílio nas tarefas escolares, a mãe se responsabiliza por essa
atividade, sendo mencionados em alguns casos o pai e a avó.
A tarefa de estabelecer regras e rotinas diz respeito a algumas atitudes que visam
regular e orientar o comportamento da criança como: repreender alguma atitude; colocar de
castigo; determinar os lugares que pode frequentar e as pessoas com as quais pode se
relacionar; e definir horários para a realização de atividades diárias. Essas regras foram
identificadas tanto a partir do relato das entrevistas, como a partir de observações realizadas
durante as entrevistas com algumas participantes. No local da entrevista foi possível
presenciar alguns cuidadores (mãe, avó, empregada, babá, tia, cunhado) repreendendo a
criança e limitando seu espaço de brincadeira e de circulação. Assim, verificou-se entre as
entrevistadas uma participação significativa nessa tarefa.
Lazer/convivência
As tarefas que constituem o agrupamento lazer/convivência inclui passear, contar
história/assistir filme e brincar. Referente ao passeio as entrevistadas apontam que costumam
frequentar: pracinha, parque, shopping, praia, zoológico, lanchonete, festa de aniversário e
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casa de parentes. Essa tarefa possui o maior número e a maior diversidade de cuidadores:
mãe, pai, tia, avó, tio, irmã, irmão, prima, tia-avó e padrasto. A mãe e o pai, conjunta ou
separadamente, são os mais mencionados, realizando essa tarefa, com ou sem a companhia de
outro cuidadores.
As tarefas contar história e assistir filme são pouco mencionadas; quando aparecem, o
pai e a mãe, sozinhos ou em conjunto, são os responsáveis por realizá-las; outros cuidadores
não as realizam, ou pelo menos não foram mencionados.
Já o brincar é uma tarefa que, embora inclua uma considerável diversidade de
cuidadores (mãe, pai, tia, tio, irmã, sogra e babá), reúne poucos participantes, sendo a mãe e o
pai os mais mencionados. A maioria das participantes aponta – quando indagadas sobre as
pessoas com quem brinca a criança – os irmãos, os primos e os colegas (da vizinhança e da
instituição educacional) como parceiros de brincadeira da criança, não fazendo referência a si
própria, nem a outros cuidadores. Confirmando o relato de algumas cuidadoras, pôde-se
observar durante as visitas às residências, momentos de brincadeira da/s criança/s com os
irmãos, primos e vizinhos, na maioria das vezes dentro de casa. Em algumas residências
havia, além da entrevistada, outro cuidador e criança/s, porém em nenhum caso o cuidador
presente brincou com a/s criança/s ou foi convidado por ela/s para se envolver na brincadeira
que realizava/m.
Sobre o brincar, é válido ressaltar a sua importância para a criança, sobretudo por ser
uma atividade divertida, prazerosa e um momento de descontração com outros parceiros. Ao
brincar as crianças aprendem e cooperam umas com as outras na construção ou transformação
de objetos, compartilham significados, fazem antecipações acerca do comportamento do
parceiro, atribuem novos sentidos a objetos sociais etc. (CARVALHO, PEDROSA et al.,
2012). Eyer, Hirsh-Pasek e Golinkoff (2006) apontam que quando os pais se envolvem em
brincadeiras com crianças estas brincam mais, aumentando também a variedade de
brincadeiras promovidas por elas. Entretanto, ainda salientam que, hoje em dia, muitos pais
acreditam que o brincar não é importante e que a criança não aprende nada quando está “só”
brincando.
Nesse sentido, pode-se inferir que essa pouca participação dos cuidadores na
brincadeira com a criança pode estar apoiado nessa desvalorização do brincar, que indica o
desconhecimento de sua importância. Além disso, é possível supor que os cuidadores
considerem a criança, e não o adulto, como o parceiro mais apropriado para brincar com
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outras crianças, o que pode justificar a não participação ou o pouco envolvimento do adulto
na brincadeira com a criança.
De fato a criança é um importante parceiro de interação. Carvalho e Pedrosa et al.
(2012) afirmam que a criança desde muito cedo se interessa fortemente por outra criança, que
é um parceiro menos previsível e mais difícil de controlar do que o adulto. Contudo, os pais
ou outras figuras de apego também são importantes parceiros de brincadeiras; ao brincar com
o bebê, eles vão, paulatinamente, possibilitando que seu mundo se estruture, significando os
objetos utilizados na interação com o bebê, atribuindo sentidos as vocalizações do bebê e
dialogando através da alternância de papeis, aprendendo, pois, a comunicar-se com ele.
As crianças desse estudo, sobretudo as mais novas (com um e dois anos), estão
constantemente em companhia de adultos. E uma vez que esses adultos reconheçam a sua
importância enquanto parceiro de interação da criança e a relevância do brincar é provável
que se envolvam mais com a criança em momentos de brincadeira, constituindo, assim, um
contexto fértil de troca social e afetividade, tão significativo para o bem-estar e
desenvolvimento da criança.
Atividades externas
Três tarefas constituem esse agrupamento. Levar/buscar na instituição
educacional/casa da babá foi uma tarefa que contou com uma significativa diversidade de
cuidadores: mãe, avó, tia, pai, irmã, babá, vizinha e tio, sendo a mãe e a avó as cuidadoras
mais mencionadas nessa tarefa, seguidas da tia e do pai. As tarefas de levar ao médico e levar
à igreja quase não foram mencionadas. Para a primeira, apenas a mãe é mencionada, podendo
ser considerada a principal responsável por essa tarefa. Já a segunda, é realizada tanto por
alguns cuidadores em conjunto, mãe e pai, quanto por um único cuidador, como a mãe ou a
tia.
Ainda no que se refere às tarefas de cuidado, cabe aqui salientar o destaque dado ao
cuidado físico, visto que quase todas as entrevistadas, quando indagadas sobre o aspecto mais
importante do cuidado da criança, apontam as tarefas relacionadas à alimentação, à
higienização, ao sono, bem como à saúde e integridade física da criança (ter atenção e zelo
para evitar que a criança se machuque ou adoeça, levá-la ao médico quando doente e para
tomar as vacinas). Como exemplo seguem os excertos:
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20E: Em relação ao cuidado da criança o que a senhora acha mais importante
ter?
S8: Dar banho, dar comida na hora certa, dar o lanchinho na hora certa, ter
cuidado pra não cair, tudo isso, né. (Avó materna da criança)
E: E em relação ao cuidado da criança, o que é que tu acha21 mais
importante? Acha que não pode faltar?
S4: No cuidado eu acho que... levar pro médico, né, cuidar sempre levando pro
médico, as vacinas, tá tudo em dias.Tem alimentação. (Mãe da criança)
Algumas participantes ainda apontaram como importante a educação tanto no que se
refere ao aspecto disciplinar (orientar e regular o comportamento da criança) quanto à
frequência à instituição educacional, conforme é expresso nos trechos abaixo:
E: Tem alguma outra coisa que senhora ache importante também?
S5: Que o que?
E: Que a senhora ache importante em relação ao cuidado dele?
S5: Isso, né. Também educar pra mais tarde quando já tiver fechado os olhos,
aí.... né, minha avó, né, me ensinou isso, né. (Avó paterna da criança)
E: E em relação ao cuidado da criança, o que é que tu acha mais importante?
S10: Educação, higiene [...] Essas duas coisa é o que mais importa, pelo
menos pra mim. Sempre limpinha, cabelo sempre arrumado, unha sempre
cortada. Educação... [...] sempre procuro saber como ela tá na escola [...]
sempre toco nesse assunto. (Mãe da criança)
Em poucas respostas, expostas adiante, as entrevistadas também consideram o lazer
(brincar, passear) como um fator importante no cuidado da criança, embora sempre realcem o
cuidado físico como elemento principal:
20 A letra ‘E’ identifica a entrevistadora e ‘S8’ identifica o sujeito número oito no que se refere à ordem em que os trinta sujeitos foram entrevistados.
21 Em alguns lugares do Nordeste, a norma culta da fala não é respeitada com o intuito de sinalizar um tom informal da interação; a pesquisadora ativamente buscou que a entrevistada se sentisse mais à vontade.
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E: Em relação ao cuidado da criança o que é que tu acha mais importante?
S28: Rapaz, a alimentação dele. Ele ultimamente tá ruinzinho pra comer, eu
gosto que ele coma. O banho dele, deixo ficar bem à vontade, brincar. (Avó
materna da criança)
E: E assim em relação ao cuidado da criança, o que é que tu acha mais
importante?
S29: O que eu acho mais importante, cuidar deles. Educação e lazer pra eles.
É o que eu acho, mas primeiro vem a limpeza. Eles tando limpinho, eles tando
limpinho, eles tando limpinho, brincando assim, ó, depois quando chega toma
um banho. Aí pronto, é o que eu acho no cuidado da criança, que eles é
pequeno ainda, mas quando ele crescer, tiver maiorzinho aí é a educação. A
educação, eu gosto muito quando eu to com dinheiro e a gente vai almoçar
fora, a gente vai se divertir, acho massa. Gosto, a gente foi pro shopping do
Rio Mar [...]. (Mãe das crianças)
Ademais, apenas uma cuidadora delega importância ao vínculo afetivo com a criança:
E: Quando se fala assim do cuidado da criança, tem alguma coisa que a
senhora acha mais importante, que não pode faltar?
S30: O amor, o carinho, paciência, muita. Tem que ter, né, senão... Sem o
amor e sem... Sem amor e sem carinho pra criança, a criança não... Não, não
pega amor a gente. Pra pegar amor pela gente tem que ter amor a eles [...].
(Babá da criança)
Uma vez que a satisfação das necessidades básicas – como a fome, a sede e o sono –
são essenciais para a sobrevivência da criança e eliminação de seu desconforto, não
surpreende que a maioria das cuidadoras considere como mais importantes no cuidado da
criança as tarefas que visem satisfazer tais necessidades também denominadas primárias.
Contudo se apresenta como um dado significativo o fato de apenas uma entrevistada apontar o
vínculo afetivo com a criança como o aspecto mais importante, o que pode ser justificado pelo
menor reconhecimento da troca afetiva como uma necessidade primária tão fundamental
quanto às necessidades físicas básicas. No entanto, o cuidado físico pode se caracterizar como
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um momento privilegiado para o estabelecimento do vínculo afetivo entre o adulto e a
criança. Por exemplo, o cuidador ao alimentar, dar banho ou trocar a roupa da criança pode se
engajar com ela em divertidos momentos de brincadeiras, sorrisos, cócegas, caretas e
vocalizações (CARVALHO; PEDROSA et al., 2012), configurando um contexto de
desenvolvimento que preze pela qualidade de vida da criança.
Entretanto, vale salientar que embora o cuidado físico seja considerado o elemento
mais importante do cuidado da criança, observou-se, tanto no relato das entrevistadas quanto
nas observações realizadas durante as entrevistas, que o lazer e a relação afetiva são fatores
significativos no cuidado da criança. Quanto ao lazer, um número considerável aponta as
seguintes tarefas: passear, assistir filme, contar história e brincar; e os considera como
melhores momentos com a criança. No que se refere à afetividade entre cuidador e criança,
algumas entrevistadas colocam que o melhor momento com a criança é quando recebe ou dá
carinho; enquanto que muitos participantes, ao serem indagados sobre o que a criança faz que
eles mais gostam, apontam receber elogio e carinho da criança. Além disso, durante a
entrevista, em algumas residências, pode-se observar trocas afetivas entre cuidador e criança:
em todos os casos, com exceção dos bebês, a criança espontaneamente se aproxima da
entrevistada, sendo acolhida por ela com carinho e palavras afetuosas. Diante disso, mesmo
sendo pouco citados, o lazer e a relação afetiva parecem, pois, ocupar um lugar especial no
cuidado de muitas crianças desse estudo.
4.1.2.2 Tipo de cuidador22
Nessa variável o cuidador é caracterizado como principal e como complementar de
acordo com dois critérios: a frequência nos períodos: diurno, noturno, fins de semana; e a
frequência nas tarefas de cuidado. Desse modo, é considerado cuidador principal aquele mais
frequente em pelo menos dois períodos ou no período diurno em dias úteis e na maioria das
tarefas de cuidado. Já o cuidador complementar possui menor frequência na maioria dos
períodos e das tarefas de cuidado. A tabela 20 apresenta a caracterização de todos os
cuidadores identificados nesse estudo.
22 Essa variável apresentada por Carvalho et. al (2012) caracteriza o cuidador como principal, complementar e esporádico, todavia, frente aos dados disponíveis nesse estudo, foram necessárias e cabíveis algumas adaptações de modo que os cuidadores foram caracterizados como principal e complementar, sendo o primeiro o mais envolvido e o segundo o menos envolvido com o cuidado da criança.
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Vale salientar que o mapeamento das atividades também teve como intuito descrever
as práticas que caracterizam o cotidiano de cuidado das crianças no contexto de investigação.
Frente a essa proposta, foram consideradas todas as atividades relatadas pelas entrevistadas,
ainda que não configurem a rotina de todas as crianças. Nesse sentido, para a caracterização
do tipo de cuidador, no que se refere à frequência nas tarefas de cuidado, são consideradas as
tarefas realizadas com a criança de cada rede, que podem incluir ou não todas as tarefas
apresentadas no quadro anterior.
Tabela 20 - Tipo de cuidador com base na frequência nos períodos (diurno, noturno e fins de
semana) e nas tarefas de cuidado
Cuidadores Cuidador principal Cuidador complementar Mãe 18 15 Avó 8 14
Tia materna 2 14 Babá 2 1 Pai 0 22
Outras cuidadoras femininas 0 15 Outros cuidadores masculinos 0 9
TOTAL 30 90
Ao possuir uma maior frequência na maioria das tarefas de cuidado, em pelo menos
dois períodos, sobretudo no período diurno em dias úteis, a mãe foi caracterizada como
cuidadora principal, na maioria das redes; a avó foi considerada principal em oito redes, com
destaque para a avó materna, em seis dos oito casos; a tia e a babá foram, cada uma, principal
em duas redes. Destacam-se como principal as cuidadoras familiares que residem com a
criança; a exceção foi o caso de uma avó que não reside com a criança, mas mora no mesmo
terreno; e de duas babás que são cuidadoras não familiares e não residem com a criança Esses
resultados são muito próximos dos achados de Carvalho et al. (2012) que ao analisarem o tipo
de cuidador apontam como cuidador principal: a mãe, a babá, a avó materna e a tia, com
destaque da babá no NSEmdA e da avó materna no NSEb.
Já os demais cuidadores foram caracterizados como complementares pela menor
frequência na maioria dos períodos e das tarefas de cuidado, tendo uma maior participação
nas tarefas de lazer (passear e brincar) e em uma das atividades externas (levar/buscar na
instituição educacional/casa da babá). Entretanto é importante destacar nesse grupo o maior
envolvimento das cuidadoras femininas, visto que nas cinco redes em que não há cuidador
principal, sendo todos complementares, as mães que trabalham fora em tempo integral
(período diurno) dividem o cuidado da criança com a instituição educacional e outras
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cuidadoras femininas familiares (avó e irmã) e não familiares (empregada doméstica e babá).
Apenas um pai foi mencionado nessa condição. Além disso, são as cuidadoras femininas as
mais acionadas quando as mães ou outra cuidadora principal precisam deixar a criança para
realizar outras atividades.
4.1.2.3 Participação do pai
O pai não foi cuidador principal em nenhuma rede de cuidadores, sendo caracterizado
como cuidador complementar em todos os casos. Isso pode ser justificado por sua seletividade
no que se refere às tarefas de cuidado, uma vez que sua participação mais significativa está
relacionada ao lazer/convivência. Frente a esse quadro também é importante considerar o
tempo de trabalho do pai: quase todos os pais que residem com a criança trabalham fora de
casa em tempo integral (período diurno nos dias úteis), estando em casa apenas no período
noturno. Algumas mães colocaram que ao chegar a casa o pai realiza algumas tarefas com a
criança: brinca, assiste filme e alimenta (o pai só realiza essa última tarefa quando a mãe não
está em casa). Contudo algumas entrevistadas afirmam que chegando a casa os pais jantam,
assiste TV, saem ou dormem; sem mencionar qualquer interação entre pai e criança. Outras
mães ainda se mostraram incomodadas com a ausência do pai na realização de atividades de
lazer em família. Assim, vê-se que o tempo de trabalho do pai, embora seja um elemento
relevante no que se refere à sua pouca disponibilidade para as tarefas de cuidado, não parece
justificar, de modo geral, o pouco envolvimento em tais tarefas.
Houve três casos de pais que não residem com a criança e tiveram sua atuação junto à
criança criticada pela entrevistada: um deles fica longos períodos longe do filho devido ao
trabalho, sendo considerado um pai ausente pela tia da criança por ficar pouco tempo com ele
quando está em casa, embora ainda brinque um pouco; o outro pai apenas recentemente,
desde a separação da mãe da criança, está mais próximo do filho, realizando algumas
atividades de lazer; e o último pai faz visita ao filho em alguns dias úteis, dividindo o final de
semana alternadamente com a mãe da criança que também não reside com o filho.
Observa-se, a partir do exposto, que o fato de o pai residir ou não com a criança não se
mostra como um fator determinante para o maior ou menor envolvimento no cuidado da
criança, visto que tanto entre os residentes quanto entre os não residentes é possível encontrar
pais pouco envolvidos nas tarefas de cuidado, bem como um envolvimento mais significativo
desse cuidador nas tarefas de lazer.
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A partir desses resultados constata-se que a mãe é a cuidadora mais versátil e com
maior grau de envolvimento por sua alta frequência na maioria das tarefas de cuidado e em
vários períodos do dia. Também se destaca quanto à versatilidade e envolvimento a avó
materna. Em relação ao pai vale destacar sua participação nas tarefas de lazer/convivência e
sua menor frequência nas demais tarefas e períodos, o que possibilita considerá-lo como um
cuidador seletivo quanto às atividades que assume no cuidado da criança. Concernente aos
demais cuidadores, todos complementares, destacam-se as cuidadoras femininas por sua
maior participação, embora com menos frequência.
É importante ressaltar que sendo a amostra pesquisada constituída pelas cuidadoras
que mais se destacaram nas redes analisadas é válido supor que elas enfatizaram sua própria
participação comparativamente à de outros cuidadores. No entanto esse fato pode ser
minimizado pela convergência dos dados com pesquisas nas quais mãe e avó se destacam no
cuidado cotidiano da criança (MOREIRA; ALVES, 2007; ALMEIDA; MOREIRA, 2011;
MOREIRA et al., 2012). Além disso, a realização da entrevista na residência da criança, sem
agendamento prévio, possibilitou uma maior aproximação com o cotidiano da criança de
modo a validar o relato das participantes no que se refere à sua disponibilidade para o cuidado
e seu destaque enquanto cuidadora.
4.2 Significando o cuidado da criança
O cuidado da criança também envolve uma diversidade de significados que tanto
constitui as práticas de cuidado quanto é por elas constituída. Partindo da perspectiva de
Bruner (1997), considera-se que os processos pelos quais damos significados são criados e
negociados dentro da comunidade. Os sistemas simbólicos utilizados para a construção dos
significados já se encontram arraigados na linguagem e na cultura. Assim, é através da
participação na cultura que os significados e conceitos se tornam compartilhados,
possibilitando que concepções sejam construídas e modificadas, e também permitindo que nos
adaptemos a um mundo culturalmente estruturado.
Nesse sentido, o presente item tem como pretensão discutir o significado do cuidado
da criança pondo em destaque importantes evidências acerca da prevalência feminina no
cuidado da criança e do cuidado institucional.
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4.2.1 A prevalência feminina no cuidado da criança
A partir da análise das redes de cuidadores, no item anterior, é possível conceber o
cuidado da criança como uma tarefa tipicamente feminina, sobretudo materna. Desse modo,
encontra-se convergência com estudos em diferentes áreas (ARRAIGADA, 2000; ROCHA-
COUTINHO, 2003; SORJ, 2004, WAGNER et al., 2005) que assinalam a mulher como a
principal responsável pelas atividades domésticas, inclusive o cuidado de crianças. Entretanto,
significativas mudanças sociais como a crescente entrada da mulher no mercado de trabalho e
a participação na renda familiar vêm impulsionando e redefinindo funções tradicionalmente
atribuídas ao homem como provedor do lar e a mulher como responsável pelo cuidado da casa
e dos filhos.
No presente estudo a predominância feminina no cuidado da criança pode ser
percebida tanto quantitativamente, por haver um número significativamente maior de 89
cuidadoras femininas dentre um total de 120 cuidadores (ver tabela 10), quanto
qualitativamente, pelo maior envolvimento e versatilidade das cuidadoras femininas nas
tarefas de cuidado, havendo, portanto, em 30 redes, dentre o total de 35, uma mulher como
cuidadora principal. Cabe aqui ressaltar como um dado relevante, de modo a respaldar essa
prevalência feminina, a amostra ser constituída apenas por mulheres, ainda que o sexo não
fosse um critério a ser controlado nesse estudo. A indisponibilidade de participantes do sexo
masculino durante as entrevista em domicílio revela, pois, a maior disponibilidade das
mulheres no cuidado cotidiano da criança.
A tipificação do cuidado da criança como uma atribuição feminina pode ser
evidenciada mediante significativas questões expostas pelas entrevistadas, como considerar a
mãe a melhor pessoa para cuidar de seu filho, conforme expõe a entrevistada a seguir:
E: Aí tua relação com elas [as crianças], assim, como é?
S3: É bom, é bom. É porque essa idade é complicado, né. Aí já não atende
bastante porque sabe que eu não sou a mãe, aí a mãe: “Olhe, você pode botar
de castigo de castigo a hora que precisar”. Eu coloco, mas nem sempre
adianta, sai do castigo, enfim. Mas... é porque pra uma mãe é... a melhor
pessoa pra cuidar de um filho é ela própria, né, eu acho que ninguém cuida
como ela gostaria que cuidasse. Mas eu me dou bem, eu tenho uma boa
relação com as crianças e com os parentes. (Babá de duas irmãs gêmeas com
idade de cinco anos)
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Rocha-coutinho (2003) afirma que a sociedade, inclusive a própria mulher, ainda hoje,
atribui a esta a responsabilidade pelo cuidado do lar e, sobretudo, o cuidado da criança. Nesse
sentido, a fala da cuidadora, que também é mãe, sugere que embora outras pessoas possam
cuidar de sua filha, ela é a pessoa mais indicada para a tarefa de cuidar e também a mais
qualificada para tal.
A cuidadora, como pode ser visto no excerto abaixo, também demonstra receio em
delegar o cuidado de sua filha a um cuidador masculino, parecendo ser este uma última opção
frente à necessidade de compartilhar o cuidado da criança:
E: Aí, caso a [filha] menorzinha não tivesse nem você pra cuidar, nem o pai,
tem alguma pessoa que ela poderia ficar?
S3: Caramba, minha mãe tá totalmente dependente de mim, né. É... homem a
gente... fica assim, não como uma mulher, né. Mas se for o caso faz sim. (Mãe
e cuidadora principal da filha) 23
Observa-se também que, mesmo sendo uma opção inviável para compartilhar o
cuidado da filha, a avó da criança (sua mãe), seria a pessoa mais indicada para dividir essa
tarefa. Um cuidador, um homem, não parece desejável. Diante disso, cabe lançar a seguinte
questão:
[...] será que as mulheres não confiam nos homens para essas tarefas? Essa hipótese seria compatível com a ideia de que as mulheres são melhor dotadas e mais motivadas do que os homens para o cuidado, devido às pressões seletivas decorrentes de seu alto investimento parental. Essa melhor dotação justificaria a prevalência cultural de mulheres cuidadoras: arranjos culturais também precisam ser eficientes e, para isso, em alguma medida precisam compatibilizar-se com as condições físicas e psicológicas dos agentes sociais (CARVALHO et al., 2008).
Essa preferência por uma cuidadora feminina para compartilhar o cuidado da criança
configurou-se como um fator relevante entre muitas entrevistadas pelo fato de todas terem
apontado uma mulher como possível cuidadora, caso necessitassem dividir essa tarefa.
Exemplificando, seguem os excertos:
E: Caso ela não frequentasse a creche quem poderia cuidar dela?
23 A entrevistada S3 é mãe de uma criança de seis anos e babá de duas irmãs gêmeas de cinco anos.
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S2: A minha... quem poderia não, assim, né, eu deixaria ou com minha mãe ou
com minha irmã. Só que minha mãe já... como ela é muito danada, não
obedece, minha mãe não... diz que não fica, não, com ela assim não. Pra tomar
conta mesmo, não. E minha irmã tem uma menininha agora de um ano, aí...
mas era as pessoas que eu confiava pra tomar conta se eu fosse trabalhar.
(Mãe e cuidadora principal da filha)
Ainda sobre essa preferência vale expor a seguinte colocação:
E: Se ele não frequentasse creche e tu trabalhasse durante a semana, com
quem ele ficaria?
S15: Ninguém. Porque minha mãe trabalha, minha sogra trabalha e meu
marido trabalha. Ninguém. Ninguém. (Mãe e cuidadora principal do filho)
Nesse excerto especula-se que a ordem das pessoas mencionadas revele a ordem de
preferência das pessoas com as quais a mãe compartilharia o cuidado da criança. Essa
suposição pode se ancorar na importância atribuída à avó, principalmente a avó materna, no
cuidado cotidiano da criança. Também é provável que tal suposição se sustente na
consideração do homem como menos qualificado para o cuidado, podendo, nesse caso,
explicar o fato de o pai ser mencionado por último e não em primeiro lugar, apesar de, como a
mãe, ele ser também o responsável pela criança.
A partir do exposto é pertinente destacar mais uma vez Carvalho et al. (2008) por
apontarem que as mães tipicamente delegam o cuidado tanto dos/das filhos/filhas quanto da
casa a mulheres. Também é válido destacar Rocha-Coutinho (2003) que salienta a
permanência de uma visão oposta e complementar do homem e da mulher, na qual esta se
distancia dos traços que se espera de um executivo, ao passo que aquele se distancia dos
traços esperados de uma pessoa que deve cuidar da casa e da família.
Outra importante questão trazida pelas entrevistadas, que se mostra como um efeito
dessa divisão tradicional que responsabiliza a mulher pelas atividades domésticas, o que inclui
tanto o cuidado dos filhos quanto do lar, é a sobrecarga de tarefas presente no cotidiano
feminino, que pode ser observada no relato a seguir:
E: E o que tu mais gosta de fazer?
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S6: Almoço. Almoço. Ser bem sincera, se você me fizesse uma
pergunta assim: “Carla24, você preferia fazer o almoço ou ficar com
Bia?” Eu queria fazer o almoço e ter dinheiro pra pagar uma, ter
dinheiro não, eu queria uma pessoa pra tá ali com Bia. Eu preferia tá
no almoço. É minha filha, mas eu preferia fazer o almoço e uma
pessoa, eu vendo, tomando conta da minha filha, entendesse? Que eu
não sou muito paciente pra criança, não. Eu acredito porque eu não
cuidei de Ane [a filha mais velha]. E a minha vida foi sempre rua. Aí
a minha mudança de rotina foi agora durante dois anos de Bia. Eu tô
dentro de casa agora, mas minha rotina desde que eu me entendi de
trabalhar é rua, é rua, eu não sabia o que era varrer casa, lavar
prato, passar roupa de marido, entendesse? Babar marido... é feito
eu, babar eu digo assim, comida, passar roupa, eu lavar, não. Eu...
durante agora dois anos, então foi muito difícil pra eu, pra eu, pra
mim... aceitar, entendeu? Foi muito difícil, assim de chegar a uma
separação [conjugal], em termo de... dentro de casa ser babá de
marido e filho, foi muito difícil pra mim. Mas não é porque eu queria,
porque meu ritmo não era esse, meu ritmo era administrar empresa
dos outros e quando eu saí da empresa dos outros eu fui pra minha25.
Então eu não sabia o que era menino, eu não sabia o que era mo,
marido. O marido tá sentado e eu ter que botar comer, ter que
levantar, passar, não, eu não sabia o que isso, pra mim foi uma
aprendizagem agora, entendesse? Aí foi durante dois anos uma
aprendizagem, olha, e... aceitar e tem dia que eu tô esgotada mesmo,
de sair tudinho de perto de mim, de sair filho e marido, os três
mesmo, vai lá pra fora e porque eu tô cansada, saturada, entendesse?
(Mãe e cuidadora principal da filha)
A cuidadora relata explicitamente a sobrecarga de tarefas domésticas que configura
seu cotidiano. A mudança da miniempresa para o ambiente doméstico implicou a
24 Todos os nomes apresentados nesse estudo são fictícios. 25 A entrevistada e o cônjuge têm uma miniempresa na própria residência que antes se localizava fora do ambiente doméstico.
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responsabilidade da mãe pelas atividades domésticas que se somam às atividades da empresa.
É nesse contexto que a entrevistada expõe as dificuldades que enfrentou e enfrenta ao assumir
a responsabilidade pelo cuidado da família e da casa, como a separação conjugal, o cansaço e
o esgotamento que reverberam na relação com os demais familiares. A entrevistada ainda
coloca a responsabilidade pelas atividades domésticas como uma aprendizagem e algo de
difícil aceitação, o que se contrapõe a uma divisão tradicional que promove e aceita os papéis
sociais atribuídos ao homem e à mulher.
Nesse contexto vale ressaltar que quase todas as famílias, constituintes das redes de
cuidadores, compostas por familiares de ambos os sexos apresentam uma tradicional divisão
de tarefas que atribui à mulher a responsabilidade pelo cuidado do lar. Como se observa no
trecho abaixo:
E: As atividades da casa quem é que faz?
S10: O que? Almoço, essas coisa?
E: É, atividades domésticas.
S10: Não, eu faço.
E: Tem ajuda de alguém?
S10: Minha mãe ajuda.
E: E teu marido?
S10: Por que ele fica trabalhando! (Mãe e cuidadora principal da filha)
A resposta final da entrevistada sinaliza que o fato de o marido trabalhar fora de casa
justifica seu não envolvimento com as atividades domésticas. Contudo essa justificativa que é
válida para o cônjuge não parece ser para ela, visto que mesmo trabalhando fora de casa em
tempo integral, assim como o marido, ela é a responsável pelas atividades da casa. Isso indica
que a justificativa dada pela entrevistada não parece suficiente para explicar uma divisão
desigual das tarefas da casa. Além disso, observa-se que o trabalho remunerado fora de casa,
mesmo em tempo integral, ainda não conduz a uma divisão igualitária das atividades
domésticas (ARAÚJO; SCALON, 2006).
Esse quadro também é apresentado por uma avó ao expor o envolvimento dos pais da
criança com as atividades do lar. E assim como na família exposta acima, os pais trabalham
fora de casa em tempo integral:
73
E: Ela [mãe da criança] lhe ajuda também?
S14: Ajuda. Ela me ajuda, ela lava louça, ela bota roupa na máquina, bota no
varal. Ela ajuda. Varre casa. [...]
E: Aí em casa ele [pai da criança] faz alguma coisa?
S14: Não, em casa ele não faz nada, faz nada. Chega, janta, fica por aí, assiste
televisão até dez horas, é, nove e meia, vai dormir. Faz nada não. (Avó paterna
da criança)
Sendo assim, se constata a prevalência feminina ainda mais significativa no cuidado
do lar, visto que, na maioria das famílias, as tarefas referentes a esse tipo de cuidado é
realizada apenas pela mulher sem a participação do familiar masculino. Enfatizar esse dado é
algo relevante pela possibilidade de apontar, assim como Araújo e Scalon (2006), que dentre
as tarefas tradicionalmente atribuídas à mulher, o cuidado da criança possui uma maior
participação masculina, sobretudo paterna, do que o cuidado do lar. Como exemplo segue o
excerto:
E: E as atividades daqui da casa quem é que faz?
S2: Eu.
E: Só você? Ele [o cônjuge] te ajuda em alguma coisa?
S2: Não, só quando ele tá em casa no final de semana, ele fica com ela pra
mim fazer as coisas assim, mas sou eu que faço. (Mãe e cuidadora principal da
filha)
A participação masculina no cuidado da criança é também exposta na análise da
dimensão funcional das redes de cuidadores. Essa participação se caracterizou como
complementar ao cuidado feminino e mais expressiva nas atividades de lazer, principalmente
no brincar e passear. Essa seletividade e menor participação do homem no que tange às
tarefas de cuidado da criança diferem da versatilidade da mulher e de seu maior envolvimento
nessas tarefas. Dessa forma, ao assumir um maior número de atividades, é possível que a
mulher se depare com a sobrecarga de atividade. Como se observa no trecho abaixo:
S6: [...] Se eu for lá nesse hotelzinho, ver que... se Deus tocar no meu coração,
dizer... se Deus tocar uma coisa positiva e eu sentir que minha filha pode ficar
74
ali, aí vou, mas se eu sentir que não vai ficar, não fica, entendesse? Aí eu vou
porque eu to cansada, entendesse? Porque dois anos já sem parar,
entendesse? [...] dona Marta [a antiga babá da filha] ficava aqui, mas eu ia
ajudar as meninas26, entendesse? Que eu não sei ficar parada, aí eu tô
cansada em termo de criança [...]. (Mãe e cuidadora principal da filha)
Essa sobrecarga também pode ser observada quando algumas cuidadoras respondem
que o melhor momento com a criança é no momento em que ela dorme. Seguem como
exemplo os excertos:
E: E qual o melhor momento com ele [o filho]?
S15: Quando eles tão dormindo [risos]. O melhor momento é quando eles tão
dormindo porque eu descanso, tenho tempo de assistir, tenho tempo pra, pra,
pra, pra mim, que quando eles tão acordado eu não tenho tempo pra mim
porque é um dando no outro, arengando, me aperreando, e fugiu, aí vai eu
atrás da [filha] maior, aí tem que deixar ele [o filho] aqui sozinho. Eles
dormindo é um alívio [risos]. É, né pra dizer a verdade, é pra dizer a verdade
mesmo. (Mãe e cuidadora principal dos filhos)
E: E qual é o melhor momento com as crianças?
S11: Quanto tão dormindo [risos] [...] Na horinha que vai tomar um banho,
vai dormir, eu digo glória Jesus, graças a Deus. (Avó materna e cuidadora
principal das duas netas)
O cuidado da criança não tem tempo delimitado para sua realização, uma vez que o
cuidador deve sempre estar disponível para atender às suas necessidades. Muitas vezes, esse
cuidado se soma às tarefas da casa, realidade do cotidiano da maioria das entrevistadas. Esse
excesso de atividades demanda momentos de descanso; daí o momento em que a criança
dorme se mostra como o mais propício para repousar e realizar outras atividades.
Guedes e Daros (2009) destacam um ponto importante que também pode ser
observado nesse estudo como um dos efeitos da responsabilização feminina pelas tarefas de
cuidado. As autoras afirmam que “ao identificar‐se com o ato de cuidar, a mulher, muitas 26 As três funcionárias que trabalham na miniempresa sediada na residência da entrevistada.
75
vezes, distancia‐se da possibilidade de outras escolhas, ou distancia‐se dos próprios projetos.
Cuidar do outro torna-se o seu cotidiano” (p. 124). Essa assertiva se mostra em convergência
com a fala das entrevistadas:
E: Tem alguma coisa que você gostaria [de fazer], mas não pode, não tem
tempo, não tem condições?
S2: Agora eu queria fazer curso, né e arrumar emprego, né. Mas eu não posso
por causa da creche que não tá fixa mesmo. É só isso. E assim, serviço assim,
não. (Mãe e cuidadora principal da filha)
E: Como é que tu se sente na tua rotina, dentro do que tu faz diariamente?
S24: Estressada. Tem dia que a... [rir bastante] que fica atacada [risos]. Aí eu
fico atacada aqui, dou uns grito. É, é. Aí eu fico estressada, mas não é direto,
não. Quando tá dentro de casa, como eu to acostumada a trabalhar aí... (Mãe
e cuidadora principal das duas filhas)
As cuidadoras manifestam a vontade de se profissionalizar e trabalhar. Entretanto a
responsabilidade pelo cuidado da criança se coloca à frente dos interesses que extrapolam o
âmbito doméstico. Assim, o ato de cuidar, seja da criança e de ouros familiares, seja do lar, se
constitui como a principal atividade do cotidiano dessas mulheres e da maioria das
participantes desse estudo.
Uma vez que a discussão até o momento se apoiou significativamente nos discursos
das mães, sinalizando também a predominância materna no cuidado da criança, faz-se mister
destacar a avó, sobretudo a avó materna, por sua grande importância no cotidiano do cuidado
da criança (RABINOVICH; AZEVEDO, 2012; AZAMBUJA; RABINOVICH, 2013).
Quantitativamente, as avós constituem um número considerável nas redes de cuidadores (22,
das quais 17 são avós maternas), não superando apenas o número de mães (33) (ver tabela 6).
Além disso, a amostra pesquisada teve em sua constituição nove avós, dentre um total de
trinta entrevistadas, número que, assim como nas redes de cuidadores, ficou abaixo somente
do quantitativo de mães (16). Já, qualitativamente, as avós se mostraram versáteis e com forte
envolvimento nas atividades de cuidado que realizam; em algumas redes, a avó é a cuidadora
principal da criança. No entanto, a participação da avó nesse estudo, exceto nas redes em que
é cuidadora principal, não supera a participação materna, embora não se pode afirmar com
76
relação ao pai que em nenhuma rede de cuidadores aparece como cuidador principal, tendo
maior envolvimento nas atividades de lazer.
Além de ser constatada a importância da avó mediante sua significativa participação
no cuidado da criança, independente de como se percebem nesse papel de cuidadora,
verificou-se que algumas delas atribuem a si própria esse lugar de importância no cuidado dos
netos, como uma avó que afirma cuidar melhor do que a mãe da criança:
E: Em relação ao cuidado no geral ela [a mãe da criança]...
S14: Não, não. Ela não recomenda nada, não. Eu até que cuido mais do que
ela.
E: A senhora acha que cuida melhor [que a mãe]?
S14: Eu acho, mais do que ela. É porque, ela, ela é muito ligada em televisão.
Às vezes passa da hora, da, da comida do menino e eu fico em cima dela:
“Natália, cuida do menino”. Ela: “Eu vou fazer, vou fazer” [...]. (Avó
materna da criança)
Outras avós também afirmam a ligação afetiva que tem com os netos de modo a
demonstrar a sua importância na vida das crianças:
E: E qual o teu melhor momento com ele, com o neto?
S28: É mais o dia a dia, ele é mais apegado a mim mesmo, acorda de manhã
vai logo me chamando, só dorme comigo, quando eu me acordo e ele sente que
eu tô me levantando, ele quer... ele se acorda atrás. Ele é mais apegado a mim
do que a ela. (Avó materna e cuidadora principal do neto)
É também enfatizado por outra avó a sua responsabilidade pelo cuidado dos netos:
E: Aí a escola quem foi que decidiu colocar?
S26: É eu, tudo sou eu. A responsável de escola tudo sou eu. Eu que matriculo,
eu que qualquer hora que tiver eu que resolvo. Eu é que... quando tá... começa
assim pra renovar as aula, eu é que vou atrás, corro atrás. Vou, fico na fila
pra guardar vaga, uma cinco hora da manhã. Eu que tiro retrato, eu que tiro
os documento, tudo sou eu que... A outra trabalha, não pode, esse aí às vezes,
77
essa aí só se acorda meio dia, uma hora da tarde. Aí pronto, tem que ser eu,
né. A mãe, a cabeça, pai, tudinho sou eu. (Avó materna e cuidadora principal
dos dois netos)
Diante disso, parece significativo para essas avós o reconhecimento, ainda que por elas
próprias, de sua importância no cuidado dos netos, o que as fazem elencar as
responsabilidades que assumem no ato de cuidar, bem como se colocarem como a melhor
cuidadora e a preferida da criança se comparada com a mãe desta.
Outra questão relevante diz respeito à importância da avó em algumas situações
vivenciadas pelas famílias como: separação, recasamento, abandono dos genitores,
dificuldade econômica, a falta de apoio financeiro do pai, doença e gravidez na adolescência,
corroborando, assim, algumas pesquisas (DIAS; SILVA, 1999; ARAÚJO; DIAS, 2002;
DIAS; VIANA; AGUIAR, 2003; LOPES; NERI; PARK, 2005). Algumas situações podem
ser observadas nos trechos que se seguem:
E: Mas porque a senhora cuidou dele e não os pais? Teve algum...
S25: Não, ele se separam, né. Aí se separou-se dela novinho, novinho mesmo,
acho que ele não tinha dois meses, três meses ainda quando ela se separou,
tinha não. Tava novinho de braço assim. Aí... ela arranjou outro rapaz, foi
morar com ele, ele também arranjou outra aí vão, ela mora pra cá, ele mora
pra cá. Aí ela só confia em deixar o menino comigo [...]. (Avó paterna e
cuidadora principal do neto)
E: E a mãe dela [da neta mais velha] é sua filha?
S11: É minha filha, mas tá aí pelo meio do mundo. (Avó materna e cuidadora
principal das duas netas)
E: E a senhora ajuda no cuidado dela?
S13: Eu [...] com meu dinheiro, pago minha casa e compro as coisas pra ela, é
roupa, é sandália, [...] Quando a mãe dela, eu digo: “Elisa, tu vai mandar o
dinheiro?” “Mainha, hoje eu não tenho dinheiro, não, aí compre do seu.” Aí
eu compro do meu. (Avó materna da criança)
78
E: E o pai dele?
S26: [...] o pai do outro, Bruno, [...] ela [a mãe] sustentou ele sem pai, tá
nome de mãe solteiro, aí pronto, ela que banca ele de tudo. (Avó materna e
cuidadora principal dos dois netos)
E: Aí quem são as pessoas do convívio dele, fora você e a mãe, e o pessoal da
creche? Com quem mais ele convive?
S28: Ele conveve com o povo todinho da rua. [risos] Ele conveve com minha
família, né, vai pra lá, passa o dia. Com a família do pai [...] eu não tô mais
deixando porque ele não tá dando as coisas a ele direito, aí não vai, não, deixa
ele aqui. (Avó materna e cuidadora principal do neto)
Cabe aqui salientar que das dezesseis redes de cuidadores nas quais as crianças
residem com nenhum ou apenas um genitor, quatorze redes têm a avó em sua constituição.
Dessas quatorze redes, em cinco a criança reside com a avó e nenhum dos genitores, e em oito
reside com a avó e a mãe, ou seja, em treze redes coabitam avó e criança27. Ademais, é válido
ressaltar que dentre as oito redes nas quais a avó é a cuidadora principal, seis estão entre essas
treze redes citadas, apontando, pois, a maior probabilidade de a avó assumir a
responsabilidade pelo cuidado da criança nos casos em que estão ausentes ambos ou um dos
genitores. Nas outras duas redes constituídas pela avó como a cuidadora principal, as mães
das crianças trabalham fora de casa em tempo integral28. Além disso, em outras seis redes nas
quais as crianças residem com os dois genitores e possui o cuidado das avós, pelo menos um
dos genitores trabalha fora de casa em tempo integral. Sendo assim, também se constata a
importância da avó frente à participação dos pais no mercado de trabalho.
É importante ressaltar a prevalência feminina entre os cuidadores não familiares, visto
que, embora tenham constituído um número expressivamente menor se comparado ao número
de cuidadores familiares, do total de doze cuidadores sem relação de parentesco com a
criança, dez são mulheres (ver tabela 7). Desse modo, é possível mais uma vez confirmar a
preferência pelas mulheres para o compartilhamento do cuidado das crianças.
27 É importante esclarecer que desse total de treze redes nas quais as crianças residem com a avó, em uma rede a criança só possui a avó paterna como cuidadora, e em três só possui a avó materna e a mãe. Já nas nove redes restantes a criança possui um ou mais cuidadores familiares residentes. 28 Referente ao pai das crianças, sabe-se apenas que um deles trabalha em um ponto comercial localizado no mesmo terreno de sua residência.
79
Frente a essa preferência, é possível que algumas mulheres se destaquem nesse tipo de
tarefa, como uma das babás desse estudo que já possui o reconhecimento das pessoas da
comunidade enquanto uma possível profissional para dividir o cuidado da criança, como é
exposto pela babá e seu marido que chega para almoçar no momento da entrevista:
Marido: Essa [a babá] gosta de menino, de criança mesmo. É. Essa gosta,
adora tomar conta de menino. Chegou aí, quase todo dia chega gente aí na
porta com um no braço [...].
S19: Semana retrasada, não foi, Pedro, chegou com mala e cuia do menino já
pra deixar, a mulher, mas eu não tinha condições de ficar por causa dela já,
que eu tomo conta dela.
Além disso, uma vizinha da babá também a elege como uma possível opção diante da
necessidade de compartilhar o cuidado da criança:
E: E caso tu tivesse que trabalhar, quem poderia cuidar dela?
S18: Assim que eu já ouvi falar muito, que sempre cuidou de criança e nunca
maltratou é a vizinha daqui. Se eu fosse trabalhar, eu deixaria com ela. (Mãe e
cuidadora principal da filha)
Outro ponto interessante a ser salientado se refere à ligação afetiva que se estabelece
entre a criança e a cuidadora, como se percebe na fala da entrevistada a seguir:
E: Aí tem alguma coisa que ela faz que tu gosta muito?
S19: Chama de mamãe, quando ela me chama de mamãe, mamãezinha, me dá
os braços, aí eu gosto [risos]. Mamãezinha, ela diz. (Babá e cuidadora
principal da criança)
Outra entrevistada demonstra, em seu relato abaixo, que essa ligação afetiva pode ser
tão intensa a ponto de causar uma separação dolorosa entre babá e criança, bem como
influenciar decisivamente na opção por não continuar mais trabalhando como babá:
E: Mas tu gostava [de trabalhar como babá]? Como era?
80
S21: Gostava, era tanto prova que agora eu não quero mais trabalhar com
criança, não, porque a gente se apega muito. Foi muito difícil eu me separar
delas e elas se separar de mim. Eu não quero mais, não, trabalhar como babá
mais não. (Mãe e cuidadora principal dos filhos)
Sobre isso, Brites (2007) assinala que a intensidade de contato entre a criança e as
empregadas envolvidas em seu cuidado pode, em várias situações, estabelecer um vínculo que
transcende uma relação estritamente profissional, configurando, assim, um contexto no qual
uma mudança de emprego possa implicar uma grande perda afetiva.
Em se tratando da empregada doméstica, vale salientar um aspecto interessante acerca
do manejo de conciliar o trabalho fora e dentro do âmbito doméstico, observado a partir do
excerto abaixo:
E: Então até dois anos você ficava ajudando ela aqui a cuidar dele?
S17: Foi. É. Aí quando ela abriu a loja é que ela foi trabalhar, né. Aí vinha só
na hora do almoço. Aí eu ia pra casa dar banho na minha menina, organizar
pra levar pra escola.
Nota-se, portanto, que a rotina de trabalho da entrevistada é organizada de modo que
seja possível realizar tanto suas atividades profissionais quanto as atividades em seu próprio
lar no que diz respeito ao cuidado de sua filha.
Em suma, os dados apontam uma tipificação do cuidado, tanto da criança quanto do
lar, como tarefa feminina. Nesse estudo o cuidado da criança se apresentou como uma
atribuição majoritariamente feminina entre os cuidadores familiares e não familiares, havendo
grande destaque para a mãe e, em seguida, para a avó materna. Também se pode assinalar que
a responsabilização da mulher pelas atividades domésticas – capaz de promover a sobrecarga
de atividades, bem como a desvalorização do homem enquanto cuidador – repercute na
dinâmica familiar, delineando as relações que se estabelecem entre os familiares e os papeis
assumidos por cada membro da família. Além disso, observa-se que as mulheres se mostram
mais abertas a uma divisão mais igualitária, assumindo papéis tipicamente masculinos ao
trabalhar fora de casa e participar do sustento familiar. No entanto, não se observa o mesmo
entre os homens que se mostram seletivos ao se envolverem nas as tarefas domésticas,
tradicionalmente realizadas por mulheres, apresentando uma participação mais significativa
81
nas atividades de lazer com os filhos (ARAÚJO; SCALON, 2006). Assim, conforme aponta
Diniz (1999) é a mulher que arca com o maior ônus ao assumir múltiplos e novos papéis.
4.2.2 O cuidado institucional
Nesta pesquisa, o cuidado institucional refere-se aos serviços oferecidos pelas
seguintes instituições educacionais: CMEI (Centro Municipal de Educação Infantil),
instituição pública que integra o atendimento de creche – zero a três anos – e de pré-escola –
quatro e cinco anos; creche ou entidades equivalentes, como por exemplo, hotelzinho; pré-
escola, pública ou privada; e escola, com os quais é compartilhado o cuidado da criança de
zero a seis anos. Na comunidade investigada, as pré-escolas públicas integram o CMEI ou a
escola (junto ao Ensino Fundamental I); já nas instituições privadas, a pré-escola é oferecida
junto ao hotelzinho e à escola. Ainda é válido ressaltar que a única creche da comunidade,
assim como o único CMEI, são instituições públicas (ver quadro 2).
Conforme pôde ser observado na tabela 3, anteriormente apresentada, das 44 crianças
abrangidas por esta pesquisa, 27 frequentam instituições educacionais. Uma informação a ser
acrescida a este quantitativo é que em cinco dos oito casos nos quais os cuidadores possuem
mais de uma criança sob seu cuidado, há pelo menos uma criança que frequenta instituição
educacional e outra que não frequenta. Em dois casos, todas as crianças frequentam
instituição educacional e, em apenas um caso, todas as crianças não frequentam.
A princípio será apresentada na tabela 21 a frequência das crianças às instituições
educacionais consideradas no estudo e a faixa etária das crianças que compõem cada
agrupamento.
Tabela 21 - Número de crianças que frequentam ou não instituições educacionais de acordo
com a faixa etária das crianças e o tipo de instituição.
Frequência à instituição educacional Número de crianças Faixa etária
Frequentam CMEI ou creche 10 1 a 5 anos
Frequentam (pré)escola pública ou privada 17 2 a 6 anos
Não frequentam instituição educacional 17 0 a 6 anos
TOTAL DE CRIANÇAS 44 -
As 27 crianças que frequentam instituições educacionais é indicador da relevância das
instituições nas redes de cuidadores aqui analisadas. Esse fato também foi ressaltado por
82
Moreira e Biasoli-Alves (2007) ao concluírem que a instituição educacional infantil e a escola
assumem papel de destaque na tarefa educacional das crianças, sendo consideradas o “braço”
direito das famílias.
Com base na tabela 21, a discussão sobre o cuidado institucional será desenvolvida em
três tópicos: 1) As crianças que frequentam/frequentaram creche/CMEI; 2) As crianças que
frequentam escola; e 3) As crianças que não frequentam instituição educacional.
4.2.2.1 As crianças que frequentam/frequentaram creche/CMEI
Concernente às dez crianças que frequentam creche ou CMEI, a maioria (seis) tem
dois anos de idade. Além disso, sete frequentam a mesma creche, duas frequentam o CMEI da
comunidade e a outra frequenta uma instituição pública não localizada na comunidade, a qual
não foi possível identificar como sendo uma creche ou CMEI29.
Um importante ponto a ser destacado diz respeito aos motivos que propiciaram a
entrada das crianças na instituição. A maioria dos cuidadores apontou como motivos o fato de
trabalhar fora de casa e a pretensão de conseguir um trabalho. O que pode ser visualizado nos
excertos a seguir:
E: Mas se essa [creche] daqui que ela tava pegasse mais novinha, tu teria
colocado?
S12: Aham. Mas não pega, não. E também assim, eu só inventei de botar ela
na creche porque eu fui trabalhar, porque assim, querendo ou não, tinha uma
coisa, aparecia uma coisa pra fazer, aparecia outra, mas senão a gente não
botava, não. Porque querendo ou não, a creche ajudava que só também, né.
Mais por isso porque se não fosse isso... (Mãe de uma criança que já
frequentou creche)
E: Quem foi que escolheu a creche?
S2: Fui eu, porque eu tava pensando em... eu to, né, só não fui ainda porque a
creche não tá fixa mesmo assim largando de cinco horas da tarde, mas pra
mim arrumar um emprego. (Mãe de uma criança que frequenta creche) 29 As cuidadoras da criança afirmam ser uma creche, mas não existe precisão na informação porque uma pessoa leiga, que não lida com a terminologia educacional, chama, frequentemente, de creche a instituição que atende crianças pequenas.
83
Além dos motivos expostos acima, algumas cuidadoras também apontaram como
causas para a entrada da criança na instituição a necessidade de ter mais tempo para dar conta
de outras atividades, assim como a preparação da criança para a entrada na escolinha. Tais
causas podem ser explicitadas nos trechos abaixo:
E: Mas por que colocou ele só com mais de um ano? Não colocou mais cedo?
S28: Porque eu achei muito novo. Depois foi que eu resolvi colocar, que eu
nem ia colocar, né. Mas tem vez que a gente sai pra um, médico, aparece uma
unha, diarista, né. Aí tem que arranjar alguém pra ele ficar, né, com as
pessoas. E ele não gosta de ficar muito, ele é ruim de ficar com as pessoas.
Chorava muito, ninguém queria ficar com ele. (Avó materna de uma criança
que frequenta instituição educacional)
E: Mas por que tão querendo tirar ele [da creche]?
S28: Assim, né [...] É bom pra ele porque já vai acostumando quando for pra
escola esse ano. Aí eu coloquei pra ele ir se acostumando mais. Mas... Não é
porque queria se livrar dele pra ficar o dia todinho à vontade, não, é porque
criança tem que ir se acostumando com o colegiozinho.
Esse último excerto também evidencia que parece ser uma preocupação entre os
responsáveis pela criança que compartilhar o cuidado com a creche seja sinônimo de eximir-
se de sua responsabilidade enquanto cuidador. Os trechos acima possibilitam uma
compreensão de que a permanência da criança na creche deveria ser justificada por motivos
plausíveis como os que envolvem trabalho e saúde. Motivos que se relacionem com o
lazer/descanso do cuidador parecem pôr em questionamento sua função de mãe/pai ou
responsável pela criança.
A idade de ingresso na creche ou CMEI também é um fator importante a ser posto em
discussão. Tais idades recaem entre zero a quatro anos, havendo grande destaque para as
crianças que começaram a frequentar a instituição aos dois anos. Apenas uma criança entrou
com menos de um ano (nove meses), quatro crianças com um ano e uma aos quatro anos.
Entretanto três crianças desse grupo já haviam frequentado outras instituições educacionais:
duas crianças (irmãos gêmeos) entraram no hotelzinho aos onze meses até conseguirem vaga
84
na creche aos dois anos; e uma criança que entrou na escola (que também oferecia a pré-
escola) aos três anos, mas devido a alguns desentendimentos ocorridos na instituição deixou a
escola e foi para o CMEI aos quatro anos.
Ao ser indagada sobre o porquê da entrada das crianças na instituição com as referidas
idades, a maioria dos cuidadores coloca como justificativa as crianças possuírem a idade
mínima (a maioria dois anos) atendida pela creche. O excerto abaixo expõe a justificativa
mencionada:
E: Mas por que só com dois anos que ela foi pra creche?
S11: Porque só pega com dois anos. (Avó materna de uma criança que
frequenta creche e de outra que já frequentou)
Uma vez que a maioria das crianças frequenta/frequentou a mesma creche, observa-se
que há uma preferência por essa instituição. Um dos indícios dessa preferência é a confiança
na instituição, visto que ela é antiga na comunidade, já conhecida pelos cuidadores, tendo
alguns deles já frequentado a creche, como pode ser visto nos excertos abaixo:
E: E os filhos da senhora, todos foram [pra creche]?
S8: Os menores, os mais novos, tudo foram, tudo passaram. Ela [neta adulta
que estava presente na entrevista] passou pela creche, ela foi criada mais por
aqui, né. Ela tinha a mãe dela, mas foi criada mais por aqui porque eu sou vó,
sou vó dela. Ela passou pela creche.
Neta: Quase tudinho daqui [frequentou a creche], não foi?
S8: Foi, uma bocado de neto que mora na beira da pista, três neto... [...] Muita
gente, muita mesmo, muita dessa família já passou pela creche. É a creche que
a gente mais gosta. Ali tem uma bonita, mas a gente só gosta mais daquela.
(Avó materna de uma criança que frequenta creche)
E: Como foi que tu teve conhecimento da creche?
S15: Eu fui de lá.
E: Foi.
S15: Eu fui da creche.
E: Ela é bem antiga, né?
85
S15: É. Quando eu era pequena, eu era da creche, aí minha filha foi de lá e
agora ele. (Mãe de uma criança que frequenta creche)
Os comentários que circulam na comunidade sobre as instituições educacionais
também podem ser apontados como um fator importante para a preferência de uma instituição
dentre outras. Assim apontam os trechos a seguir:
E: Por que, assim, as pessoas falam [da instituição]?
S24: Sei lá, porque dizem que... dizem, né, eu não sei, né, que a gente pra dizer
alguma coisa tem que ter prova, né. Dizem que lá a creche não é muito boa,
não [...]. O povo fala muito mal mesmo, dessa creche, muito mal mesmo, aí
eu... eu ia até botar essa daqui a pequenininha pra eu ir trabalhar mais cedo,
né, mas botaram tanta coisa, disse: “olha, não bota, não”, aí eu fiquei com
medo, né, [...] aí eu prefiro que ela faça, fazer dois anos pra eu ir começar
trabalhar pra botar aí na [outra] creche. (Mãe de duas crianças; uma que já
frequentou creche e outra que nunca frequentou)
E: O que é que o pessoal costuma falar [referindo-se ao CMEI]?
S2: Fala que lá ela não cuida do menino direito [...] Dizem que... não sei, né, o
povo também fala demais, né. [...] Aí eu não colocaria lá, não. Eu já coloquei
nessa [creche] porque eu conheço essa daí, já... só vejo falar coisa boa dessa.
Aí por isso que eu coloquei. (Mãe de uma criança que frequenta creche)
Outra importante evidência da preferência pela creche se apoia na compreensão de que
um local menor, com poucas crianças oferece melhores condições de cuidado, como se pode
visualizar a seguir na fala de duas cuidadoras:
E: Mas não tem outra creche aqui, não, que pegue mais novinho?
S12: Tem ali [referindo-se ao CMEI], mas a gente preferiu essa.
E: Por quê?
S12: É costume [risos]. E outra, aí é mais pequenininho, é mais pouca criança
e a dali é muita criança e pega todos os tamanhos. (Mãe de uma criança que já
frequentou creche)
86
E: [A creche] É uma que tem um espaço bem grande na frente, na entrada?
S15: Não [...]. É a daqui do outro lado da rua...
E: A que é menorzinha...
S15: A menorzinha que só tem dois grupo. Eu acho melhor porque é poucas
criança, elas dá mais atenção e ali é muita criança. Já teve acidente, eu não
gosto, não. (Mãe de uma criança que frequenta creche)
É possível justificar a preferência por um local menor, com menos crianças, conforme
apresentado na fala dos cuidadores, por acreditarem ser essa organização a que melhor
atenderá a criança em suas necessidades. Tal perspectiva se aproxima da apontada por
Amorim (1997 apud RAPOPORT; PICCININI, 2007): tradicionalmente, a educação da
criança é uma atribuição do adulto devido a sua maior experiência. Essa visão, atrelada à
pequena razão adulto-criança na creche, engendra nos responsáveis uma ideia de que faltam
os cuidados apropriados à criança se a instituição educacional for muito grande.
No excerto abaixo, outra cuidadora realça o tamanho da creche como uma
característica que não é tão boa, mas é compensada por outro aspecto:
E: E porque vocês gostam tanto de lá da creche?
S8: A gente... a gente acha, né, não sei os outros, mas a gente aqui acha, lá é
pequenininha, é menor a creche, mas as crianças é mais cuidada. É mais bem
cuidada. (Avó materna de uma criança que frequenta creche)
Nessa compreensão a cuidadora põe em oposição o fato de a creche ser menor e
oferecer um bom cuidado. Ela parece evidenciar a creche enquanto sua estrutura,
possibilitando a compreensão de que embora essa estrutura não seja a mais adequada (ser uma
creche pequena) as crianças são bem cuidadas, o que de fato justifica sua preferência por tal
instituição.
A partir das evidências apresentadas, vê-se que as cuidadoras avaliam os serviços que
são oferecidos pelas instituições educacionais e se preocupam em compartilhar o cuidado das
crianças com instituições que garantam um serviço de qualidade.
87
Quando questionadas se teriam posto a criança com menos idade na creche, algumas
cuidadoras disseram que colocariam se a instituição fosse a de sua preferência, como se pode
observar no excerto abaixo:
E: Mas aí se lá [na creche] tivesse pegando mais novinho tu teria colocado [a
criança]?
S15: Botava. Que é boa, a creche.
E: Mas o motivo de não ter colodo mais novinho foi porque...
S15: Não pega, só pega com dois anos.
E: E as outras creches...
S15: Pega... recém-nascido aqui, na [diz o nome da instituição]. Mas eu não
gosto, não, porque meu primo caiu de lá da... da mesa [...]. (Mãe de uma
criança que frequenta creche)
O excerto acima também possibilita considerar a experiência de outras crianças como
uma importante fonte de informações sobre a instituição de modo a exercer uma significativa
influência na escolha por outros cuidadores. No caso citado, a experiência desagradável da
criança configura-se como uma informação negativa sobre a instituição que,
consequentemente, se torna um lugar não adequado – e, por isso, não escolhido – para
compartilhar o cuidado da criança.
Outras justificativas foram expostas pelos cuidadores para o não compartilhamento
dos cuidados da criança com a creche, nos anos iniciais:
a) A dificuldade de encontrar vagas na instituição
Ainda que o cuidador opte pelo serviço da creche, a insuficiência de vaga se coloca
como um impeditivo para a inserção da criança na instituição, como se pode ver no excerto a
seguir:
E: Qual foi o motivo de tu ter saído da primeira [casa onde trabalhou]?
S21: Porque, as duas [casas que trabalhou] foi porque eu engravidei. Eu
engravidei aí... fica difícil deixar os menino, pagar... pagar, na creche30 já
30 Embora a entrevistada nomeie a instituição de creche, ela se refere ao CMEI que é a única instituição localizada na comunidade que atende crianças a partir do primeiro ano de vida.
88
pega a partir de dois, três meses e é bem difícil de... pegar vaga na creche.
(Mãe de três crianças: uma frequenta CMEI, outra já frequentou o CMEI, e a
terceira não frequenta instituição educacional)
Cabe aqui salientar que na comunidade pesquisada há apenas uma instituição
educacional, o CMEI, que atende crianças no primeiro e segundo ano de vida, ou seja, com
zero e um ano. Isso evidencia a dificuldade posta pela cuidadora de conseguir vaga para
crianças com menos de um ano.
b) A preferência pelo cuidado doméstico e familiar
O cuidado doméstico, sobretudo por familiares da criança, por vezes, é uma alternativa
preferível ao cuidado institucional, como se pode observar no trecho abaixo:
E: Mas porque tu acha que muito novo não era bom colocar?
S28: Tá aqui em casa, pra que colocar o bichinho na creche? Tava eu e ela [a
mãe da criança] em casa, aí... Não. (Avó materna de uma criança que
frequenta instituição educacional)
Compreende-se que se referir à criança pelo termo “bichinho” a coloca numa posição
de vítima, ou seja, de alguém em situação de desconforto ou sofrimento. Sendo assim,
depreende-se dessa fala que frequentar a creche seria algo ruim ou não desejável para a
criança com menos idade, o que motiva a cuidadora a optar por deixar a criança sob o cuidado
dos familiares disponíveis para essa tarefa.
Essa disponibilidade do cuidador, sobretudo da mãe, também se evidencia quando este
afirma não trabalhar fora do ambiente doméstico. Isto é, não trabalhar fora de casa é um fator
que o torna disponível para cuidar da criança, não havendo, pois, necessidade de solicitar o
serviço da creche, como sinaliza o trecho abaixo:
E: Mas, e mais novinho tu não... [colocou na creche]
S20: Eu não coloquei, não.
E: Por quê?
S20: Porque eu não trabalhava, não. (Mãe de uma criança que frequenta
CMEI e de outra que não frequenta instituição educacional)
89
c) A criança estar em período de amamentação
A amamentação é considerada um fator que inviabiliza a entrada da criança mais cedo
na instituição, como ressalta a entrevistada:
E: Mas caso tivesse a possibilidade de colocar eles mais cedo, assim mais
novinho na creche...
S9: Eu acho que não [...]
E: Não, por quê?
S9: Por causa da mama. (Mãe de uma criança que frequenta creche e de duas
que já frequentaram)
d) A necessidade de passar mais tempo com a criança
A frequência da criança à creche diminuiria o tempo do cuidador junto à criança. O
que é relatado no seguinte excerto:
E: Mas porque tu não quis colocar ela mais cedo? Ela mais novinha?
S10: Não, que... porque eu quase não tenho tempo com ela e botar ela mais
nova e qual o tempo que eu... Parei de fazer o estágio pra me dedicar a ela,
pelo menos um pouco. (Mãe de uma criança que já frequentou creche)
A necessidade que a mãe demonstra de passar mais tempo com a filha pode ser
compreendida como um desejo que ela tem de ficar com a criança, de estar mais próxima da
filha. Pode-se inferir também que seja uma vontade da cuidadora investir mais nas tarefas de
cuidado da criança, visto que, por ser mãe, se ache a pessoa mais apropriada para realizar
essas tarefas.
e) Medo de que a criança sofra algum tipo de violência
Optar pela entrada da criança na creche com mais idade também se sustenta no receio
do cuidador de que a criança seja vítima de algum ato de violência, como expõe a mãe de uma
criança que frequentou creche:
90
E: Mas se tu trabalhasse com ela novinha ainda, tu teria colocado?
S10: Não, deixava ela com minha mãe mesmo [risos].
E: Mas por quê? Tem algum motivo?
S10: Não. Sei lá, porque eu acho que...
E: Pode falar, fique à vontade.
S10: Indefesa ainda, não tem como se defender. Ela com dois anos não, já
falava tudo, se alguém fizesse alguma coisa, ela falava e... três, quatro meses
não fala nada, sei lá, eu tenho medo que faça alguma coisa, aconteça alguma
coisa e ela...
Vê-se, portanto, que a preocupação da cuidadora é amenizada quando a criança é
inserida na creche após ter a linguagem verbal desenvolvida, pelo fato de ela já ser capaz de
relatar o que acontece na creche, inclusive podendo expressar verbalmente alguma situação
desagradável ou ruim pela qual tenha passado. Também se percebe, no excerto acima, certa
resistência da cuidadora em expor tal justificativa, o que também pode ser observado na fala
de outra entrevistada:
E: Mas você teria colocado mais cedo, se pudesse?
S9: Eu... [...] acho que não, porque eu tomo conta, né, aí eu não ligo pra essas
coisas assim, não.
E: Mas caso tivesse a possibilidade de colocar eles mais cedo, assim mais
novinho na creche...
S9: Eu acho que não, que eu toda vida eu tomei conta deles e assim... ali tem
uma creche, né, que pega, parece que é com seis meses, berçário, né, mas eu
jamais deixei não meus filhos, não.
E: Não, por quê?
S9: Por causa da mama.
E: Ah! Mas só por causa da mama? Tem outro motivo assim que tu não
deixaria?
S9: Não, porque a gente assiste, vê um bocado de coisa na televisão, aí eu fico
com aquilo na cabeça.
E: É o que assim, que tu fica...
91
S9: Segurança, né. Em casa pra mim ele tá com mais segurança. (Mãe de uma
criança que frequenta creche e de duas que frequentam escola pública)
Nos dois casos acima, nota-se uma relutância das cuidadoras para falar sobre o que
realmente parece justificar a decisão de não colocar criança mais novinha na creche. No
primeiro caso, a relutância se observa através de um aparente desconforto da entrevistada, que
profere uma resposta com negações e interrupção, seguida de uma colocação da pesquisadora
de modo a deixá-la mais à vontade pra falar. Já no segundo caso a relutância se mostra pelo
fato de a entrevistada expor uma grande preocupação somente após uma investida da
pesquisadora, que não se contentou com as razões até então apresentadas e insistiu um pouco
mais com questionamentos.
A relutância em explicitar as razões que levam as mães a não colocarem a criança
novinha na creche provavelmente, se deve ao fato de considerarem sua casa um local mais
seguro para seu/sua filho/a ser cuidado/a. O que é possível intimidar as mães é a repercussão
de suas colocações, pois temer uma possível violência na creche ou questionar a segurança da
criança, implicitamente significa questionar a qualidade do serviço oferecido pelas
instituições educacionais da comunidade, incluindo a creche que seus filhos
frequentam/frequentaram.
Ademais, no último excerto acima é importante destacar a influência da mídia no
discurso dos cuidadores; essa influência é ainda mais clara na fala de uma avó que não
concorda que a criança (seu neto) frequente creche:
E: Mas se tivesse creche por lá [no local onde morava] a senhora botaria...
S23: Botava nada.
E: Mas por quê?
S23: Porque eu to vendo muitas coisas na televisão sobre creche, minha filha.
E: O que a senhora costuma ver?
S23: Vejo muita coisa aí a... as, as cozinheira, as empregada que toma conta
das criança, tava dando, queimando, fazendo coisa que não deve. Tá vendo aí
o que tá acontecendo em creche, não pense que vão botar menino em creche
não porque tu trabalha, tem eu pra tomar conta do menino, é melhor tá
comigo, não tá rasgado, queimado, entendeu. Tem, tem, eu vejo aí, menina,
creche que as mulher pega [...] mete na parede assim, ó. Depois disso pronto,
92
tira Pedro. Pedro não vai mais pra, pra creche mais não. (Avó materna de
uma criança que já frequentou creche, mas não frequenta mais)
Diante disso é posto em cena como a mídia televisiva, ao veicular informações sobre
situações de violência no trato de crianças, pode influenciar a concepção do cuidador sobre
instituições educacionais infantis.
4.2.2.2 As crianças que frequentam (pré)escola pública ou privada
No que se refere às crianças que frequentam escola (que atendem também crianças de
creche e pré-escola – dois a seis anos, mas são chamadas, genericamente, de escola, pela
comunidade), têm-se um total de 17 crianças, na maioria, com quatro (sete crianças) e cinco
anos (cinco crianças). Dessas 17 crianças, onze frequentam instituições particulares, cinco
frequentam instituições públicas e uma frequenta duas instituições, uma pública e outra
privada. É notório o quantitativo significativamente maior de crianças em instituições
privadas, sinalizando uma relevante valorização de tais instituições. Essa valorização também
foi percebida entre alguns cuidadores de crianças que ainda frequentam creche, como pode ser
observado no excerto a seguir:
E: Mas se fosse alguma [instituição] particular? Colocaria?
S15: Colocaria. Quando ele sair daí da creche eu vou botar ele num
particular. (Mãe da criança)
Essa valorização da instituição privada pode encontrar explicação na realidade de
grande parte das escolas públicas do Brasil, consideradas instituições educacionais de má
qualidade, sobretudo as de regiões mais pobres que, via de regra, possuem escolas públicas de
péssima qualidade (SCHWARTZMAN, s/a). E sendo o local de pesquisa uma comunidade de
baixa renda, se aproximando de um contexto socioeconômico menos privilegiado, é possível
que se encontre escolas públicas de baixa qualidade, motivando os pais a optarem, quando
possível, pelas escolas privadas, consideradas instituições de melhor qualidade.
Das 17 crianças que frequentam escolas, oito já frequentaram creche/CMEI e nove
nunca tinham frequentado. Sendo assim, a respeito da entrada das crianças na instituição
escolar, as oito primeiras crianças tiveram sua inserção de modo a dar continuidade a
93
Educação Infantil, uma vez que a maioria já tinha atingido a idade limite atendida pela creche
(quatro anos). No que se refere às outras nove crianças, percebeu-se, em alguns casos, que a
entrada na instituição escolar está atrelada a uma motivação pedagógica, ou seja, os
cuidadores acham que a criança já deve ter uma iniciação escolar, conforme é ressaltado no
trecho a seguir:
E: Ela não foi pra creche, ela foi direto pra escolinha...
S1: É porque ela é muito esperta. Ela contava, ela sabia as cores, Ela
aprendeu aqui e foi direto pra escola, nem esperei fazer dois anos, foi direto.
Aí ficou admirado, menina como ela é esperta. Aí eu botei ela logo [...]. (Mãe
de uma criança que frequenta escola privada e outra que não frequenta
instituição educacional)
Quanto ao questionamento sobre a não entrada mais cedo na escola, visto que nove
crianças frequentam a instituição pela primeira vez, alguns cuidadores apontaram como
justificativas: a criança estar em período de amamentação e haver disponibilidade de
cuidadores para cuidar da criança. Essas justificativas se assemelham as que foram citadas
pelos cuidadores de crianças de creche/CMEI. Como exemplo, são apresentados os excertos
abaixo:
E: Ele [o pai] também concordou em colocar [na instituição]?
S17: É. Concordou. [...] mas ela [a mãe] disse: “Não, ele é muito novinho e
ele ainda mama.” Ele mamou até um tempo desse. (Empregada doméstica e
cuidadora de uma criança que frequenta escola privada)
E: Mas a senhora teria colocado ele na creche...
S14: Não, não. O avô disse que não.
E: Por quê?
S14: Não, porque ia, outra coisa que ele tá crescendo, tá ficando sabidinho e
vai ser melhor pra gente ele maiorzinho, né, que já vai entendendo das coisas.
E eu e ele não trabalha, ele tá agora ajudando meu sobrinho, mas ele não
trabalha. E também meu trabalho é só aqui em casa, dá pra gente tomar conta
dele.
94
E: E porque a senhora acha que maiorzinho é melhor?
S14: Não, eu acho que assim ele maior porque a gente vai conversando com
ele, né, e ele vai entendendo, obedecendo a gente, aí eu acho que não tem
necessidade dele ir pra creche. (Avó paterna de uma criança que frequenta
escola privada)
É interessante ressaltar nesse último excerto a concepção da avó de que a criança mais
velha, por possuir uma maior capacidade de entender o que deve ser ensinado pelo cuidador,
não necessita frequentar creche uma vez que tal capacidade parece facilitar a tarefa de cuidar,
não havendo, pois, a necessidade do cuidador dividir essa tarefa. Desse modo elucida-se como
a cuidadora percebe a criança em termos de suas capacidades e necessidades, e como tal
percepção define as escolhas e as práticas que configuram o cuidado da criança e vice-versa.
4.2.2.3 As crianças que não frequentam instituição educacional
Concernente às crianças que não frequentam nenhuma instituição educacional, um
efetivo de 17 crianças, na faixa etária de zero a seis anos, a maioria (dez crianças) tem entre
um e dois anos. Ademais, todas as crianças com menos de um ano (três crianças) compõem
esse grupo.
Vale ressaltar que desse total de 17 crianças, três já frequentaram instituição
educacional e duas crianças tentaram frequentar. A seguir será explicitado cada caso com o
intuito de evidenciar significativos fatores que envolvem o cuidado institucional.
Entre as três crianças que estiveram, anteriormente, em instituição educacional, duas
frequentaram a mesma creche e uma frequentou três instituições: um CMEI, uma instituição
localizada em outro bairro31 e um hotelzinho próximo à comunidade. Das três crianças, uma
saiu da creche após completar a idade limite (quatro anos), contudo não conseguiu vaga na
pré-escola por não possuir a documentação necessária, como pode ser visto no trecho a seguir:
S11: Essa daí [referindo-se à criança] é em casa que, agora por enquanto tá
sem documento da mãe; ela [a mãe da criança] tá pelo meio do mundo,
pessoal pelo meio do mundo, aí tá sem documento, aí fui botar ela [a criança]
na escolinha lá na [diz o nome do bairro], paga dez reais por mês, pra [...]
31 Por falta de informações mais precisas, não é possível identificá-la como creche ou CMEI.
95
estudar, né, aí não conseguiu e tá dentro de casa mesmo. (Avó materna da
criança)
A segunda criança dentre as três que também frequentaram creche deixou de
frequentá-la após ser diagnosticada com câncer, conforme é exposto no excerto abaixo:
E: E o menorzinho vai pra creche?
S23: Não, não. Passou dois meses na creche, quando a gente descobriu isso
dele a gente tiremos ele da creche. Aí não, não vai botar mais não. Ainda ia
fazer dois meses, um mês e [...] tiremos logo, deixamos mais não [...] a gente
não vai botar ele na creche mais não, a gente tem que dar amor e carinho, que
ele tá precisando agora de amor e carinho. Cuidar da vista, a vista é muito
importante pra gente. (Avó materna da criança)
Observa-se no discurso da avó como sendo uma função da família apoiar emocional e
afetivamente a criança em uma situação de enfermidade. Duas hipóteses são possíveis para
compreender essa fala: ou não compete à creche atender a criança em seu aspecto afetivo-
emocional, mas, sim, à família; ou, na creche e/ou (pré) escola, diante do efetivo de
matrículas, a proporção adulto-crianças é alta, comparada à proporção adulto-crianças em
família. Em decorrência, a criança doente precisa de mais atenção, carinho e afeto do que a
que não tem enfermidade. Por essa razão, a criança doente deve ficar em casa, pois será mais
bem assistida. Essas concepções também são encontradas no discurso de outra cuidadora,
como pode ser visto no trecho a seguir:
E: Tu acha que a família pode oferecer o que, que a creche não oferece?
S16: Elas cuidam, né, mas carinho elas não dão, não, né [risos]. (Mãe da
criança)
Já a terceira criança, a que frequentou três instituições, duas públicas e uma privada,
deixou o CMEI (instituição pública) tendo como justificativa o desejo da mãe de oferecer algo
melhor à filha, o que permite supor que sua saída da outra instituição pública tenha sido pelo
mesmo motivo. A mãe opta pelo serviço do hotelzinho; contudo devido à impossibilidade de
96
arcar com os custos desse serviço, tirou a filha da instituição, como será descrito no trecho a
seguir:
E: Ela tinha nove meses quando tu colocou [na instituição] foi?
S29: É, nove meses pra um ano, assim. Aí eu tirei.
E: Por quê? Tu não gostou? Como foi a experiência?
S29: Eu só tinha ela, então eu disse assim: “Não, vou estudar, vou trabalhar e
vou dar uma coisa melhor pra minha filha”, aí tirei ela da creche32 e botei ela
no hotelzinho. Aí eu peguei, mesmo que eu passe aperto, mas eu quero botar
ela o que, numa escola paga, numa coisa melhor, aí peguei botei. Aí só tirei
ela [...] só porque eu to apertada mesmo, Aí pronto, aí tirei ela.
E: E porque tu colocou ela só com nove meses? Não colocou assim mais cedo?
S29: Porque... a creche lá em baixo só pegava com essa idade. E a creche lá
em baixo eu só botei porque estava sem condições mesmo, não tinha noção
onde ia botar ela, aí arrumaram, pediram uma vaga pra ela, aí minha irmã
arrumou uma vaga pra ela, [...] aí eu peguei e fiz: “Tá bom, então eu deixo
ela”. Peguei deixei ela, só que... depois eu não gostei muito. [...] Ela também
ficou um pouquinho numa creche lá em [diz o nome do bairro], mas ela num
instante ela saiu de lá, acho que ela foi só uns três dia. Foi que a família dela
lá [por parte de pai] botou. Aí tirei. (Mãe da criança)
Constata-se novamente a preferência pela instituição privada. E nesse caso pode-se
observar isso de forma mais explícita, uma vez que a retirada da criança do CMEI para a
entrada no hotelzinho teve como justificativa o desejo da mãe de oferecer algo melhor à filha.
Além disso, a renda familiar se coloca como um fator relevante no que concerne à escolha da
instituição educacional, pois se constata que a inserção da criança no CMEI, uma instituição
pública, tem como uma das justificativas a impossibilidade de a mãe custear financeiramente
o serviço de uma instituição educacional privada.
Com relação às outras duas crianças que tentaram frequentar a instituição educacional,
uma delas chegou a ir um dia na creche, como afirma a avó no excerto abaixo, mas a mãe não
32 A mãe chama de creche, mas por ser uma instituição que atende crianças de zero a cinco anos, oferecendo o serviço de creche e pré-escola, é caracterizada como CMEI.
97
permitiu que a filha frequentasse a instituição com medo de que ela fosse agredida por outras
crianças:
E: Ela frequentou a creche alguma vez?
S13: Já foi. [...]
E: Ela tinha quantos anos quando a senhora levou ela pra creche?
S13: Ela tinha um ano e uns meses, a mãe dela levou pra, pra ver que a moça
pediu, né, pra ela passar o dia, pra ver se ela chorava, mas ela não chorou. Só
que a mãe dela não queria deixar porque a mãe dela morava mais eu. “Vou
botar minha menina agora não, Deus me livre, muito menino e minha filha é
muito novinha” [a avó traz a fala da mãe da criança], aí pronto [...].
E: Por que ela não quis colocar muito pequenininha?
S13: Eu não sei. E ela morava mais eu, quando ela saiu, ela já tinha dois anos,
mas ela [a mãe] não queria botar ela [a criança], agora ela [a mãe] quer.
Agora porque ela [a mãe] diz, ela [a criança] agora já tem... Mas Ana [a
agente comunitária de saúde] tá aí, Ana falava todo dia pra botar ela na
escola: “Bota na creche, bota ela na creche que é pra ela se desarmar”. Eu
digo: “É a mãe dela”. Eu não posso fazer nada sem a mãe dela, né! Ela tem
mãe.
E: Mas por que ela saiu da creche?
S13: Não, porque é a mãe dela que tirou. A mãe dela que não deixou, não. Só
levou um dia só porque a gente conhecia [a creche] [...]. Onde tinha muito
menino a mãe dela não gostava, não. Onde tinha muito menino a mãe dela
tinha medo que os menino desse nela porque ela era muito... ela não é, ela não
era, ela é a bestinha, aí apanha dos menino menor, aí a mãe dela não... E a
mãe dela não cria ela, a gente cria, mas a mãe dela não quer que os menino dê
nela. [...]. (Avó materna da criança)
Mais uma vez, encontra-se no discurso do cuidador o medo da violência como
justificativa para a não frequência da criança à creche, havendo, nesse caso, um receio
direcionado fortemente às outras crianças da instituição. Além disso, nota-se que a avó atribui
unicamente à mãe a responsabilidade pela não frequência da criança à creche ao afirmar:
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S13: [...] Mas Ana [a ACS] tá aí, Ana falava todo dia pra botar ela na escola:
“Bota na creche, bota ela na creche que é pra ela se desarmar”. Eu digo: “É a
mãe dela”. Eu não posso fazer nada sem a mãe dela, né! Ela tem mãe. (Avó
materna da criança).
No entanto, em um momento anterior, a avó também se coloca como responsável pelo
fato de a criança ainda não frequentar nenhuma instituição educacional, revelando ter o
mesmo receio que foi atribuído apenas à mãe da criança:
E: O que ela [a criança] gosta de fazer?
S13: Ah, ela gosta de brincar, é assim. É... ainda não botei ela na escola
porque eu tenho medo, porque ela é assim se chegar algum menino ela gosta
que vá buscar os brinquedos, ela brinca, ela fica e depois eu tenho medo dos
meninos dar nela porque ela é muito bestaiada. Ela não sabe arengar, ela sabe
brincar.
Desse modo, pelo fato de existirem poucos adultos para muitas crianças, na creche, o
que possibilita uma maior interação das crianças, entre elas próprias, os pais podem ficar
receosos, seja pela influência de umas no comportamento das outras, seja ao considerar a sua
integridade física (AMORIM, 1997 apud RAPOPORT; PICININI, 2007). Considerando esse
último aspecto, observa-se que tanto a mãe quanto a avó, nos últimos excertos considerados,
concebem como perigosa a interação da criança com seus pares tendo em vista sua
integridade física, isto é, as educadoras não atentarem para uma possível agressão dos
parceiros contra a criança, o que justificou a opção da mãe pela não permanência da criança
na instituição, assim como explicou a escolha da avó pela não frequência da criança à
instituição educacional.
A outra criança que também tentou frequentar a instituição educacional passou por
várias tentativas em escolas pública e privada, entretanto a mãe aponta, no excerto abaixo,
uma grande dificuldade de a criança se adaptar às instituições, o que fazia com que ela adiasse
o ingresso da criança para o ano seguinte:
E: E a menorzinha [costuma fazer que atividades]?
99
S3: A menor, eu acho, a psicóloga falou pra mim que por ela... por eu passar o
dia em casa, eu ela e o pai, ela criou um vínculo muito... entendeu, então ela só
aceita ir pra escola se eu for, eu tenho que ficar na sala de aula com ela o dia
todo até ela largar. Mas pra ela fazer qualquer atividade sem eu tá presente,
em relação à escola, ela não quer. Aí foram duas particulares que ela passou,
a gente iniciou, tudinho, mas... muito problema, muito escândalo, muito choro,
enjoava e como quem queria... náuseas, enfim. Ficava pálida, se tremendo e a
gente começou a ficar com medo, aí ela tá muito nova, ano que vem. Aí ano
que vem a gente iniciava tudo numa particular e era a mesma coisa, e a gente
errando, fomos adiando. Aí agora matriculamos ela na escola [instituição
pública] da irmã do meio, assim a irmã dela do meio, a que tem nove anos.
Achávamos, né, que pôr as duas na mesma escola ela iria aceitar, ela só foi o
primeiro dia e depois causou vários problemas, não quis ir, a gente deixava,
tinha que sair correndo, as professoras seguravam, subia as escadarias pra
escola se arrastando, enfim.
A partir do exposto, foi possível observar como o comportamento hostil da criança em
resposta à inserção na instituição educacional influencia a atitude da mãe de modo que ela
opta por adiar várias vezes, julgando ter sido um erro, a entrada da criança na escola. Esse
fato parece estar em consonância com a ideia na qual se afirma ser possível que alguns traços
do temperamento da criança auxiliem ou dificultem a inserção da criança na creche a
depender das características da instituição (CAREY; MCDEVITT33, 1997 apud RAPOPORT;
PICCININI, 2007).
Desse modo, abre-se espaço para se pensar o modo como as instituições se organizam
para receber as crianças e auxiliá-las no processo de adaptação. Vitória e Rossetti-Ferreira
(1993) apontam que durante a adaptação da criança suas reações podem ter grande
variabilidade, dependendo principalmente da sua idade, do tipo de relacionamento existente
com seus responsáveis, da concepção de creche que estes possuem e da forma como a
instituição organiza a recepção da criança e seu modo de funcionar. Ainda apontam a
importância de que nesse período inicial de inserção da criança na instituição seja construído
um processo gradual de familiarização, exploração e contato no qual seja solicitada e
planejada a permanência de alguém com quem a criança tenha um forte vínculo afetivo o
33 CAREY, W. B.; MCDEVITT, S. C. Coping with children’s temperament. Nova York: Basic Books, 1997.
100
tempo que for necessário. No entanto, quando a mãe afirma que se retirava às pressas da
instituição, constata-se que esse tempo de permanência não é um aspecto considerado na
adaptação da criança, o que pode ter influenciado fortemente o comportamento hostil da
criança. Destarte, percebe-se como a forma que a instituição se organiza para lidar com os
diferentes eventos que nela ocorrem pode ser um fator relevante para a permanência da
criança na instituição.
Das 44 crianças cujos cuidadores foram entrevistados, metade delas (22 crianças)
nunca frequentou creche. As justificativas apresentadas pelos cuidadores para o não ingresso
delas na instituição remetem à questões citadas anteriormente, tais como:
a) A experiência negativa de outras crianças
E: Mas o que é que tu acha assim da creche que tu fica preocupada em
colocar?
S16: Sei lá porque a... a creche... não vai se acostu... acostumar na creche.
Que aquele menino lá de oito anos [filho mais velho] eu botei ele, não se
acostumou, não, ele não comia, não dormia, ficava chorando lá. (Mãe de uma
criança que não frequenta instituição educacional)
b) A escassez de vaga na creche
E: Ela frequenta creche?
S20: Ela não.
E: Por que ela não vai?
S20: Porque eu perdi a, a hora de escrever ela. Só no ano que vem agora. [...]
Vou colocar o ano que vem agora. Pra eu não perder de novo, né.
E: Mas tu perdeu o que? Foi o prazo?
S20: Não, a hora. Porque tem que ir cedo. Tem gente que dorme lá senão
perde. Muita gente. (Mãe de uma criança que não frequenta instituição
educacional e outra que frequenta CMEI)
c) A prioridade do cuidado doméstico e familiar frente ao cuidado institucional
E: Como é que ele [o pai da criança] pensava em relação à creche, de colocar
na creche?
101
S18: Ele também respeita o... o cuidado com ela. Não concordou muito, não,
em botar em creche não. E até porque eu não trabalho, se eu trabalhasse [...],
mas eu dentro de casa, eu preferia eu ficar com ela do que colocar na creche.
(Mãe de uma criança que frequenta escola privada)
d) A amamentação adiando a entrada da criança na instituição educacional
E: Por que, assim, as pessoas falam [da instituição]?
S24: [...] O povo fala muito mal mesmo dessa creche, muito mal mesmo, aí
eu... eu ia até botar essa daqui a pequenininha pra eu ir trabalhar mais cedo,
né, mas botaram tanta coisa, disse: “Olha, não bota, não”, aí eu fiquei com
medo, né, porque a outra [filha mais velha] eu não botei, porque essa ainda
mama a bichinha, né, ela é pequenininha aí eu não botei [...]. (Mãe de uma
criança que frequenta escola pública e de uma que não frequenta instituição
educacional)
e) Receio de um possível ato de violência contra a criança
E: E teu marido, o que é que ele acha [sobre colocar no hotelzinho]?
S6: [...] ele quer, até também pra me descansar, ele tá pensando na filha dele e
em mim também, que ele, quando ele veio eu disse: Não, vai não, levar minha
filha nada, minha filha sabe nem falar direito e eu sei o que essas mulher vai
fazer com minha filha” [...]. (Mãe de uma criança que não frequenta instituição
educacional)
f) Uso de uma vaga que deveria ser deixada para quem mais necessita do serviço da
creche, ou seja, para a criança cuja mãe trabalha fora de casa
E: A senhora acha que cuida melhor que na creche?
S26: Não, a creche cria bem também, tá entendendo, ela cria bem a creche. É
porque tem eu em casa, eu não tô fazendo nada, tem ela também tá
desempregada. Quando tá, quando tá algum doente ela também vai pro
hospital, socorre, eu também vou. Aí não tem que botar eles, aí as vaga eu já
deixo pra gente que tá precisando, que trabalha, né. Tem muita mãe, [...] as
mãe trabalha, né, aí pronto, já que a gente tá vadiando, aí dando vaga pra
102
outro que a mãe trabalha, que não tem costume de ficar, né, não! É por isso
que esses daqui não foi pra creche. (Avó de uma criança que frequenta escola
pública e de uma que nunca frequentou instituição educacional)
Essa ideia de que a creche é uma necessidade maior das mães que trabalham fora de
casa também é corroborada por outras cuidadoras, como se percebe no trecho a seguir:
E: E o que a senhora acha assim de mães que não colocam na creche?
S19: Que não coloca? Rapaz, eu acho que a mãe que não coloca a criança na
creche é porque não tem assim... não tem como deixar, né, a criança. Agora
quem coloca é quem precisa, que vai trabalhar, que tem alguma coisa pra
fazer pra sustentar ela melhor. (Babá de uma criança que não frequenta
instituição educacional).
Ainda que a cuidadora pareça se confundir na primeira parte de sua colocação, não há
duvidas quanto a sua concepção de que a mãe que opta pelo serviço da creche é a mãe que
precisa trabalhar e garantir o sustento da criança.
g) A não concordância do pai com a frequência da criança à creche
E: Mas em creche, tu nunca teve vontade de colocar? Por qual motivo tu não
colocou?
S3: A minha primeira que eu coloquei na creche, eu coloquei porque eu
trabalhava, aí a segunda o pai já exigiu que não queria.
E: Tem algum motivo que ele dizia que não queria?
S3: Porque eu não tava trabalhando, passava o dia em casa e não tinha
motivos assim, ele achava que... todo mundo tinha certeza que creche é pra
uma mãe que realmente tá ocupada o dia inteiro, trabalha, enfim. E como eu
tava em casa ele disse, não, não há necessidade, né, você fica com a mais
velha e a mais nova. Quer dizer, aí pronto, mas... não coloquei. E essa mais
nova também não pensei em colocar em creche. (Mãe de uma criança que não
frequenta instituição educacional)
103
Desse modo, percebe-se entre os cuidadores uma concepção de creche como uma
instituição que deve atender, prioritariamente, os filhos de mães que trabalham fora de casa e
precisam compartilhar a tarefa de cuidar. Como também expõe a entrevistada:
E: Por que a senhora acha a creche melhor? Tem algum motivo?
S30: Por que assim... às vezes é muita mãe pra trabalhar, pra fazer alguma
coisa. As mãe às vezes quer... quer resolver os problema e não tem quem fique
com eles. (Babá de uma criança que não frequenta instituição educacional)
Não há dúvidas quanto à importância da creche para as mães que trabalham e precisam
dividir a tarefa do cuidado da criança, assim como se reconhece a entrada da mulher no
mercado de trabalho como um fator significativo para que a creche se consolide e ganhe
espaço. Entretanto, priorizar o serviço da creche para as crianças cujas mães estão no mercado
de trabalho e necessitam de auxílio no cuidado dos/as filhos/ é reconhecer tal instituição tendo
como objetivo principal a assistência às mães que trabalham. Nesse sentido, a creche é
concebida mais como uma necessidade da mãe que trabalha do que um direito da criança,
expresso na Constituição Federal (1988) e regulamentado na lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDBEN – Lei Federal n. 394/96).
Além disso, ao se ter como a justificativa mais citada pelas cuidadoras para a inserção
da criança na creche a necessidade e a pretensão de trabalhar, é possível enfatizar não só a
relevância dessa instituição para essas mulheres, mas também apontar, junto às justificativas
acima, a prevalência de uma visão da creche, que historicamente a caracterizou, como uma
instituição que realiza um serviço de caráter assistencial e filantrópico. Aliada a essa visão
também foi atribuído à creche o estigma de um serviço de baixa qualidade, um último recurso
na ausência de alternativas, devido a sua pretensão inicial em atender famílias carentes. Isso
pode dar sustentação à preferência de algumas cuidadoras pela instituição privada, sobretudo
no caso da mãe que tendo a possibilidade de usufruir o serviço da creche o dispensa,
aguardando uma melhor condição financeira para custear uma instituição particular. Assim
sendo, essa visão estigmatizante se sobrepõe a uma concepção de creche como instituição que
realiza, principalmente, um trabalho educativo; e como um espaço de desenvolvimento,
interação e ricas aprendizagens (CARVALHO, PEDROSA et al., 2012). Contudo, cabe
salientar o importante papel da creche na superação dos seus históricos estigmas e na sua
consolidação como um contexto de desenvolvimento tão importante quanto o da família. Para
104
tanto é preciso que a creche tenha como compromisso esclarecer a população atendida quanto
aos objetivos da instituição, assim como realizar um trabalho que ponha em exercício suas
reais atribuições.
Constata-se a relevância do cuidado institucional para a amostra pesquisada, visto que
mais da metade das crianças frequentam instituição educacional. Porém o conjunto dessas
justificativas que se referem à preferência por determinada instituição educacional, mesmo
sendo paga, ou a espera de mais idade para ingresso do filho na creche (observada na
predominância de crianças que entraram na creche no terceiro ano de vida), ou mesmo a
decisão de não colocar a criança na creche evidenciam a baixa credibilidade ao atendimento
de crianças pequenas, principalmente o atendimento público porque muitas mães colocam as
crianças em creches particulares, mas não em creches públicas. Havendo disponibilidade de
algum membro da família para cuidar da criança, principalmente da mãe, que
temporariamente deixa de trabalhar ou adia esse seu plano, existe uma preferência forte pelo
não ingresso da criança à creche. Além da falta de credibilidade das instituições, pode-se
levantar uma hipótese de que exista subjacente a esse receio uma concepção de que o melhor
lugar para a criança pequena é no seio da família, sendo cuidada pelos pais. Entretanto, chama
atenção a ausência de justificativa que alegue um desejo parental para ficar com seu bebê.
Uma diversidade de justificativas (capacidade da criança de verbalizar, disponibilidade
de cuidadores diariamente no seio familiar, dificuldade de conseguir vaga na instituição, entre
outros) pôs em evidência a escolha ou não escolha pelo cuidado institucional, abrangendo
diferentes pessoas (crianças, familiares e cuidadores) e contextos (familiar e institucional) que
se constituem mutuamente, não podendo ser considerados isoladamente. Sendo assim, a
análise realizada, longe de esgotar a discussão sobre a temática – sobretudo por corresponder
a um contexto específico e uma amostra situada – elucida um campo frutífero para futuras
investigações.
105
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mediante o estudo empreendido compreende-se que a rede de cuidadores da criança
pode envolver diferentes contextos (intra e extra familiar), nos quais uma diversidade de
pessoas, práticas e significados delineiam o ato de cuidar, bem como a dinâmica da família.
No que concerne às pessoas envolvidas com o cuidado da criança, as rede de
cuidadores que caracterizam esse estudo são constituídas, predominantemente, por três e
quatro pessoas, tendo como principais componentes a mãe, o pai e a avó materna. Esse dado
converge com o exposto por Hyrd (2001) acerca da importância do compartilhamento do
cuidado parental para a sobrevivência da prole entre muitas espécies, inclusive para os seres
humanos. Além disso, o número e a diversidade de cuidadores que configuram as redes
analisadas apontam um aspecto interessante salientado por Amazonas et al. (2003) que ao
investigarem os arranjos familiares de crianças de camadas populares da cidade do Recife
identificam, entre os componentes da família e da comunidade, a solidariedade como uma
estratégia comum de sobrevivência e de enfrentamento da condição social expressa,
sobretudo, no compartilhamento do cuidado das crianças. As autoras ainda assinalam que essa
relação de solidariedade não se limita ao grupo de parentes, o que respalda os dados dessa
pesquisa, uma vez que algumas redes contam com a participação de não familiares como a
amiga e a vizinha, embora os cuidadores sejam, em sua maioria, familiares que residem com a
criança. Diante disso, é possível caracterizar as redes de cuidadores como importantes redes
de apoio que, de acordo com Almeida e Moreira (2011), permitem aos pais e às mães
melhores condições para exercerem suas atividades profissionais, além de favorecerem o
desenvolvimento da criança e ao equilíbrio da dinâmica familiar.
As redes de cuidadores analisadas também possuem uma constituição
majoritariamente feminina. A mulher é considerada a principal responsável pelo cuidado da
criança, com destaque para a mãe e a avó materna que são as cuidadoras mais versáteis e
envolvidas com as tarefas de cuidado, sobretudo com as atividades relacionadas ao cuidado
físico (alimentação, higiene e sono). Essas tarefas foram consideradas pela maioria das
entrevistadas como o aspecto mais importante do cuidado da criança, permitindo supor que
essa relevância decorre do fato de o cuidado físico garantir a satisfação de necessidades
essenciais para a sobrevivência da criança e eliminação de seu desconforto. Concernente aos
demais cuidadores, a maioria possui uma participação menos expressiva nas tarefas de
cuidado, havendo um maior envolvimento do pai com as atividades de lazer.
106
A prevalência feminina também se revela no cuidado do lar que somado à
responsabilidade pelo cuidado da criança, e em alguns casos com trabalho remunerado dentro
e fora de casa, acarreta para a mulher uma sobrecarga de atividades que gera cansaço,
conflitos familiares e impede/adia a realização de outras atividades de seu interesse. Frente a
esse quadro evidencia-se o quanto essa tipificação do cuidado como uma tarefa feminina
influencia o funcionamento das redes, bem como a organização da família e a relação entre
seus membros. Desse modo, ainda que se verifique a participação masculina no cuidado da
criança, a divisão de tarefas de cuidado mantem-se desigual, sinalizando pouca mudança no
modelo tradicional que atribui à mulher a responsabilidade por tais tarefas (ARAUJO;
SCALON, 2006).
Ao se pensar em um caminho de superação desse modelo, Caldeira et al. (2012)
sugerem que seja incorporada à abordagem de igualdade de direitos uma abordagem
colaborativa que inclua mulheres/mães e homens/pais em iniciativas que objetivem o
equilíbrio entre a vida familiar e profissional. Como exemplo, as autoras citam o aumento da
licença parental sem a diminuição da licença maternidade, e ainda salientam que o
desenvolvimento de políticas poderia buscar a flexibilidade de paternidade de modo que
assegure às famílias uma adequada provisão financeira, promovendo a igualdade entre
gêneros.
Ainda que o cuidado da criança seja considerado uma responsabilidade feminina e,
sobretudo, materna, contando com a significativa participação de outros cuidadores, é válido
também realçar a instituição educacional como um importante componente da rede de
cuidadores, uma vez que a maioria dos pais/responsáveis compartilha o cuidado/educação da
criança com a creche/CMEI e pré/escola. Identificou-se entre um grupo de entrevistadas a
preferência por umas das instituições educacionais da comunidade pelos seguintes motivos:
por ser uma creche antiga e já frequentada por algumas mães; pelas informações positivas que
circulam na comunidade acerca do seu serviço; e por ser um local menor e com poucas
crianças, garantindo às crianças um cuidado mais apropriado. Esses fatores sugerem que a
confiança na instituição é um elemento importante quando se decide compartilhar o cuidado
da criança, como também revelam que as mães/responsáveis avaliam o serviço da instituição
educacional e se preocupam com a garantia de um serviço de qualidade. Dessa forma, para
que a creche ofereça um atendimento de qualidade, se caracterizando como um importante
contexto de desenvolvimento, assim como a família, é necessário que possua, entre outros
fatores, um espaço e um planejamento que possibilitem a realização de várias atividades; uma
107
adequada razão adulto-criança e compatível tamanho do grupo para cada faixa etária; um
adequado processo de adaptação da criança; educadores com formação prévia e continuada; e
satisfatórias condições de trabalho (VITÓRIA; ROSSETTI-FERREIRA, 1993).
Todavia muitas cuidadoras demonstraram pouca confiabilidade na instituição,
sobretudo na creche/CMEI, não optando pelos seus serviços ou decidindo pela inserção da
criança após os anos iniciais, a maioria no terceiro ano de vida. Como justificativas essas
entrevistadas apontam o medo de que a criança sofra algum tipo de violência, a preferência
pelo cuidado doméstico e familiar, a experiência negativa de outras crianças e a preferência
pela instituição privada. Também é válido ressaltar as demais questões que justificaram a não
frequência da criança à instituição educacional ou a sua inserção após os primeiros anos de
vida: a dificuldade de encontrar vaga no caso de a opção ser pelo compartilhamento do cuidar,
a criança estar em período de amamentação, a necessidade de passar mais tempo com a
criança, deixar a vaga para quem mais necessita dos serviços da creche (para as mães que
trabalham), a não concordância do pai frente à disponibilidade da mãe para cuidar da criança,
a dificuldade de adaptação da criança na instituição e a o fato de a criança está acometida por
alguma enfermidade. Sendo assim, evidencia-se que optar ou não pela inserção da criança na
instituição educacional abarca uma diversidade de questões que também revelam aspectos
importantes referentes ao cuidado da criança, como: as necessidades da criança (ser
amamentada e ter atenção de adultos); as pessoas com quem dividir o cuidado da criança (de
preferência a mãe e cuidadoras familiares); o momento de inserção na instituição educacional
(após os anos iniciais, já possuindo a capacidade de verbalizar e, possivelmente, relatar
situações desagradáveis); as características da instituição disponível para compartilhar o
cuidado (ser menor e com poucas crianças garantem melhores condições de cuidado); e as
pessoas com prioridade para usufruírem dos serviços da instituição educacional (mães que
trabalham fora de casa), entre outros.
Frente a esse emaranhado de crenças, ideias e opiniões que permeiam as escolhas e as
práticas dos cuidadores é possível considerar, conforme Carvalho et al. (2012), a rede de
cuidadores como uma rede de significações que delineiam as decisões e ações que envolvem
o cuidado. Nesse sentido, partindo da perspectiva da rede de significações (RedSig), as
autoras afirmam que:
[...] as ações e opções dos pais estão sendo circunscritas (ou seja, ao mesmo tempo, possibilitadas e limitadas) por um conjunto de significados que – em função de sua história de vida, suas
108
circunstâncias, sua inserção sociocultural e histórica, sua identidade de gênero e suas relações socioafetivas – compõem uma rede de significações interrelacionadas em torno da situação do cuidado de um filho pequeno: o que é um bebê; o que é ser mãe e pai de um bebê [...]; o que são avós e avôs, maternos e paternos; o que é cuidado feminino e cuidado masculino; o próprio significado e valor de cuidar e dos tipos de cuidados; quem é o cuidador adequado para cada tipo de cuidado; o significado e o valor do cuidado institucional e assim por diante. Portanto, não são apenas aspectos circunstanciais concretos, como a disponibilidade de tempo e de outros cuidadores que estão envolvidos na compreensão da configuração da rede de cuidadores [...]. (p. 103).
As redes de cuidadores também têm possibilitado a criança conviver com diferentes
pessoas, entre familiares e não familiares, como: irmãos, avós, tias, tios, babás, vizinhas, entre
outros. Nesse estudo, esse dado se revela de forma mais expressiva em quase metade das
redes que possuem quatro ou mais cuidadores, a maioria com pelo menos três cuidadores
além do pai e/ou da mãe, com destaque para os familiares, incluindo diferentes gerações. Esse
quadro pode encontrar apoio na melhora das condições de vida da população que – devido ao
aumento da expectativa de vida e a diminuição das taxas de mortalidade infantil e
fecundidade – vem demandando atenção especial para as relações intergeracional que se
estabelecem em um mesmo núcleo familiar (BASTOS et al., 2002). Esse notório
envolvimento de outras pessoas com o cuidado da criança, também constatado em outras
pesquisas (AMAZONAS; DAMASCENO; TERTO; SILVA, 2003; MOREIRA; BIASOLI-
ALVES, 2007; ALMEIDA; MOREIRA, 2011; CARVALHO, et al. 2012), e o foco dado aos
pais em investigações que consideram aspectos da dinâmica familiar e do cuidado, como nas
pesquisas citadas, instigam a realização de estudos que também considerem a perspectiva
desses cuidadores de modo que se possa investigar as implicações de suas concepções e
práticas no cuidado da criança e na dinâmica da família. É igualmente importante considerar a
perspectiva da própria criança acerca do envolvimento de diferentes pessoas com o seu
cuidado e das relações estabelecidas nesse contexto.
É válido também incentivar a realização de pesquisas no ambiente de cuidado da
criança. Nessa pesquisa, o acesso à comunidade e às residências da criança permitiu a
observação de importantes aspectos do cotidiano do cuidado, sendo possível complementar os
dados da entrevista quanto às pessoas envolvidas no cuidado, às práticas exercidas por alguns
cuidadores e ao relacionamento entre cuidador e criança. Outra importante evidência
constatada no ambiente de cuidado foi a indisponibilidade do pai para a participação da
109
entrevista, o que é corroborado com a menor participação do pai no cuidado da criança,
relatada por algumas entrevistadas. Assim, percebe-se a relevância de serem elaboradas
estratégias que possibilitem o acesso a esses pais. E uma vez que sejam promovidos estudos
com esses homens, vê-se a possibilidade de problematizar as funções e os lugares que lhes são
atribuídos no cuidado da criança e na família.
Em suma, os resultados obtidos que apontaram significativas evidências acerca do
cotidiano do cuidado da criança e do modo como as famílias se organizam nesse contexto
sugerem novas reflexões e indicam a necessidade de realização de pesquisas mais amplas em
diferentes contextos socioculturais. Eles também revelam um importante campo investigativo
que possa subsidiar o planejamento de políticas públicas e de intervenções para propiciar
melhores condições de desenvolvimento da criança e da família.
110
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APÊNDICES
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APÊNDICE A – Roteiro de entrevista
• Dados pessoais
- Qual o seu nome?
- Qual a sua idade?
- Até que série estudou?
- Qual a sua profissão?
• Organização familiar
- Quais são as pessoas que fazem parte da família?
- Qual a idade de cada familiar?
- Quais são as atividades realizadas na casa por cada pessoa da família?
- Quem fez a divisão das atividades realizadas em casa?
- O que os familiares acham das atividades que realizam em casa?
- Quais são os familiares que trabalham fora de casa?
- Qual o trabalho realizado fora de casa por esses familiares?
• Rotina diária da criança
� As pessoas do convívio da criança
- Quais são as pessoas que convivem com a criança?
- Quanto tempo essas pessoas passam com a criança?
- Quais são as pessoas responsáveis pelo cuidado da criança?
� O cuidado compartilhado
- Quem decidiu quem iria cuidar da criança?
- Por que “fulano” foi escolhido pra cuidar da criança (alterar a pergunta se a criança
vai para a creche)?
- Quais atividades não podem ser realizadas pelo(s) cuidador(es)?
� As atividades que realizam com a criança
- Quais são as atividades realizadas com a criança?
- Quem realiza cada atividade com a criança?
- Em que momento cada atividade é realizada?
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- Como cada atividade é realizada?
- Como é o comportamento da criança durante a realização de cada atividade?
� As atividades realizadas pela criança
- Quais as atividades realizadas pela criança?
- Em que momento a criança realiza cada atividade?
- A criança brinca?
- Onde a criança brinca?
- Com quem a criança brinca?
- Em que momento a criança brinca?
- Em que momento a criança não pode brincar?
� Os locais frequentados pela criança
- Quais os lugares que a criança frequenta?
- Quem leva a criança?
- A criança frequenta a creche?
- Qual a creche que a criança frequenta?
- Por que escolheu essa creche?
- Como teve conhecimento da creche?
- Quem decidiu colocar a criança na creche?
- Com que idade a criança entrou na creche?
- Por que somente entrou na creche com essa idade (conferindo que a criança entrou
com mais de três meses)?
- O que a criança faz na creche?
- O que acha das atividades realizadas na creche?
- Caso a criança não frequentasse a creche, quem poderia cuidar da criança?
• Rotina do cuidador (perguntas acrescentadas após o piloto)
- Na sua rotina diária tem algo que você faz e não gosta?
- Na sua rotina diária tem algo que você gostaria de fazer, mas não faz?
- Na sua rotina diária tem o que você mais gosta de fazer?
- Qual o seu melhor momento com a criança?
- O que a criança faz que você menos gosta?
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- O que a criança faz que você mais gosta?
- Como você se sente na sua rotina diária?
- O que você acha mais importante no cuidado da criança?
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APÊNDICE B – Termo de consentimento livre e esclarecido
Projeto: Cuidado de crianças e redes sociais de apoio em uma comunidade de baixa renda
Pesquisadora responsável: Sayonara da Silva Soares
Instituição: Universidade Federal de Pernambuco – Departamento de Psicologia
Convite aos participantes da pesquisa
Convido você a participar da pesquisa Cuidado de crianças e redes sociais de apoio em uma comunidade de baixa renda. Esta pesquisa tem como objetivo investigar as concepções de familiares e cuidadores sobre cuidado de crianças de 0 a 5/6 anos, e como estes delineiam as relações estabelecidas em um contexto intra e extra familiar, em uma comunidade de baixa renda. Considera-se que o cuidado da criança envolve diferentes sujeitos, práticas, significados, valores e formas de organização, podendo, seu estudo, trazer importantes contribuições para o estudo da criança e da infância.
A sua participação na pesquisa será através de uma entrevista, onde a pesquisadora utilizará um roteiro com questões a serem abordadas durante a conversa, ficando você livre para responder do seu modo. Para garantir o acesso a todo conteúdo da entrevista e obter uma melhor análise dos dados coletados a entrevista será registrada em um equipamento de gravação de som após sua autorização.
Você pode interromper sua participação nessa pesquisa no momento em que desejar sem prejuízo à pesquisa. Também é garantido que não seja revelada sua identidade, ou seja, seu nome ou outros dados que possibilite seu reconhecimento, no relato e apresentação dos resultados desse trabalho.
Contato com a pesquisadora responsável:
Fone (81)87999652. E-mail: [email protected]
Endereço: Av. da Arquitetura, s/n, Cidade Universitária, CEP: 50740-550 Recife / PE.
Universidade Federal de Pernambuco. Centro de Filosofia e Ciências Humanas. 9º andar. Departamento de Psicologia. Programa de Pós-Graduação em Psicologia.
Local em que as gravações serão guardadas, sob a responsabilidade da pesquisadora principal: Laboratório de Interação Social Humana (LabInt), Departamento de Psicologia, UFPE, por um prazo mínimo de 5(cinco) anos.
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Contato com o Comitê de Ética em Pesquisa da UFPE:
Av. da Engenharia s/n, 1º andar, Cidade Universitária, Recife - PE, CEP: 50740-600, Tel./Fax: 2126 8588, Email: [email protected].
Benefícios esperados
Os benefícios da pesquisa podem ser percebidos nas importantes questões que podem surgir sobre o cuidado da criança e seu desenvolvimento, na possibilidade de realizar um estudo que envolva familiares e possíveis cuidadores sobre o desenvolvimento infantil, como também na realização de um estudo no contexto em que a criança é cuidada, incentivando pesquisas que valorizem a aproximação com o contexto de desenvolvimento da criança. Além disso, estes benefícios se mostram na possibilidade de oferecer aos participantes um espaço onde possam falar sobre suas experiências no cuidado de crianças, podendo assim, repensar suas práticas e encontrar novas formas de atuação no exercício do cuidado.
Riscos possíveis
A situação de conversa com o pesquisador pode causar embaraço e desconforto ao participante. Com a pretensão de diminuir esses constrangimentos o pesquisador buscará estabelecer uma relação tranquila com o entrevistado esclarecendo os objetivos da pesquisa, garantindo o sigilo de sua identidade e das informações colhidas e a liberdade de participação na pesquisa. Além disso, a entrevista também irá interferir na rotina dos participantes que precisará dispor de um tempo para participar da entrevista. Procurar-se-á ajustar o tempo dos participantes à entrevista, com o agendamento da entrevista em momento e horário adequado, no intuito de diminuir esse efeito.
Consentimento de participação
Eu,____________________________________________________________, declaro que fui devidamente informado(a) pela pesquisadora Sayonara da Silva Soares acerca da finalidade e dos procedimentos da pesquisa Cuidado de crianças e redes sociais de apoio em uma comunidade de baixa renda. Estou perfeitamente ciente de que:
1. Concordei em participar da pesquisa, de livre e espontânea vontade, sem que recebesse nenhuma pressão para aceitar o convite;
2. Também aceitei participar da pesquisa, de livre e espontânea vontade, sem que recebesse nenhuma pressão para isso;
3. Poderei desistir da pesquisa a qualquer momento sem que minha decisão traga prejuízo a mim ou à pesquisa;
4. Tenho a garantia de receber respostas e esclarecimentos sobre qualquer dúvida quanto aos procedimentos, riscos, benefícios e outros aspectos relacionados à pesquisa, sempre que desejar;
5. Estou seguro(a) de que as minhas informações serão privadas e utilizadas apenas para os propósitos da pesquisa e formação de outros adultos profissionais;
6. Fui informado(a) de que a pesquisa e sua publicação será feita sem constar o meu nome, que será chamado/a por um nome fantasia.
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7. Não arcarei com gastos nem receberei recompensa financeira pela participação no estudo.
8. Estou também com uma cópia deste documento. 9. Em caso de dúvidas relacionadas aos aspectos éticos deste estudo poderei consultar
o Comitê de Ética em Pesquisa da UFPE no endereço acima citado.
Estando assim de acordo, assinam o presente termo de consentimento em duas vias:
______________________________ _____________________________
Responsável pelo projeto Participante da pesquisa
______________________________ _____________________________
Primeira testemunha Segunda testemunha
Recife, ____ de ________________ de 2013.
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ANEXOS
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ANEXO A - Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa
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