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einstein: Educ Contin Saúde. 2011;9(1 Pt 2): 21-3 Debate em saúde A mamografia na prevenção do câncer de mama: qual a idade ideal? Nelson Hamerschlak 1 , Gisela Dias de Matos 2 , Silvio Bromberg 3 , Carlos Shimizu 4 , Paula de Camargo Moraes 5 1 Hematologista; Chefe do Serviço de Hematologia do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil. 2 Enfermeira Responsável pela Educação do Paciente e Família do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil. 3 Doutor; Coordenador Cirúrgico do Grupo de Filantropia Mamária do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE; Coordenador da Pós-Graduação Lato Sensu em Mastologia do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil. 4 Médico Radiologista do Setor de Mama do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo – ICESP, São Paulo (SP), Brasil. 5 Médica Radiologista do Setor de Mama do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE; Médica Assistente do Instituto de Radiologia do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo – USP, São Paulo (SP), Brasil. Um dos segredos do sucesso da luta contra o câncer é a prevenção. Sem dúvida, a realização de exames de pre- venção e de detecção precoce da neoplasia de mama em mulheres acima de 40 anos e naquelas com risco identificado na família, até de forma bem mais precoce – entre os 25 e os 30 anos, deve ser estimulada. Sabe-se que o câncer de mama é o que mais afeta a população feminina e está entre as principais causas de morte em mulheres. Foram estimados aproximadamen- te 50 mil novos casos no Brasil em 2010 pelo Instituto Nacional do Câncer (INCA). Contudo, se diagnostica- do precocemente, o câncer de mama apresenta chances de cura superiores a 90%. No entanto, em alguns países, a comunidade médica recomenda que a realização regular de mamografia seja feita depois dos 50 anos de idade, com base na análise dos resultados de programas de redução da mortalida- de por câncer de mama. Visto a polêmica, a sessão Debate em Saúde con- vidou renomados especialistas no assunto, Doutores Silvio Bromberg (SB), Carlos Shimizu (CS) e Paula de Camargo Moraes (PCM) para esclarecer alguns aspec- tos desse tema ainda tão controverso. Boa leitura! Nelson Hamerschlak (NH) e Gisela Dias de Matos (GDM): Você concorda que a adoção da prática da reali- zação de mamografia seja o melhor caminho para preve- nir o câncer de mama? Por quê? Carlos Shimizu (CS) e Paula de Camargo Moraes (PCM): Sim. A mamografia reduz a mortalidade por câncer de mama em até 30 - 40% pela detecção preco- ce. É o principal método diagnóstico no rastreamento do câncer de mama, cientificamente comprovado por estudos controlados envolvendo centenas de milhares de mulheres em diversos países. Silvio Bromberg (SB): O rastreamento mamográ- fico tem sido cuidadosamente estudado como nenhum outro teste de rastreamento jamais o foi; nos últimos 50 anos houve mais de 10 trials randomizados com cerca de 10 anos de seguimento. Parece irônico que ainda conti- nuemos a discutir seu valor dentro da prática médica. Programas de rastreamento conforme faixa etária demonstram uma redução de 10 a 25% na mortalidade do câncer de mama específico entre as mulheres. O be- neficio do rastreamento mamográfico aumenta durante o decorrer da vida. Além disso, sabemos que, em muitos casos, o diagnóstico precoce do câncer de mama pode possibilitar até 100% de curabilidade. Acredito que a melhor estratégia de prevenção ocorre por meio da aplicação de programas educativos e de conscientização da saúde mamária; realização de A medicina está longe de ser uma ciência exata. Tal qual uma partitura musical que permite várias interpretações, lidar com doentes e doenças também permite diferentes opções, ainda que solidamente embasadas em conhecimentos técnico-científicos. Dessa diversidade de abordagem surge a idéia desta subseção, na qual áreas da medicina são abordadas e discutidas em diferentes ângulos, por renomados especialistas. Nelson Hamerschlak Gisela Dias de Matos Editores da seção

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einstein: Educ Contin Saúde. 2011;9(1 Pt 2): 21-3

Debate em saúde

A mamografia na prevenção do câncer de mama: qual a idade ideal?Nelson Hamerschlak1, Gisela Dias de Matos2, Silvio Bromberg3, Carlos Shimizu4, Paula de Camargo Moraes5 1 Hematologista; Chefe do Serviço de Hematologia do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil. 2 Enfermeira Responsável pela Educação do Paciente e Família do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil. 3 Doutor; Coordenador Cirúrgico do Grupo de Filantropia Mamária do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE; Coordenador da Pós-Graduação Lato Sensu em Mastologia do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil. 4 Médico Radiologista do Setor de Mama do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo – ICESP, São Paulo (SP), Brasil. 5 Médica Radiologista do Setor de Mama do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE; Médica Assistente do Instituto de Radiologia do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo – USP, São Paulo (SP), Brasil.

Um dos segredos do sucesso da luta contra o câncer é a prevenção. Sem dúvida, a realização de exames de pre-venção e de detecção precoce da neoplasia de mama em mulheres acima de 40 anos e naquelas com risco identificado na família, até de forma bem mais precoce – entre os 25 e os 30 anos, deve ser estimulada.

Sabe-se que o câncer de mama é o que mais afeta a população feminina e está entre as principais causas de morte em mulheres. Foram estimados aproximadamen-te 50 mil novos casos no Brasil em 2010 pelo Instituto Nacional do Câncer (INCA). Contudo, se diagnostica-do precocemente, o câncer de mama apresenta chances de cura superiores a 90%.

No entanto, em alguns países, a comunidade médica recomenda que a realização regular de mamografia seja feita depois dos 50 anos de idade, com base na análise dos resultados de programas de redução da mortalida-de por câncer de mama.

Visto a polêmica, a sessão Debate em Saúde con-vidou renomados especialistas no assunto, Doutores Silvio Bromberg (SB), Carlos Shimizu (CS) e Paula de Camargo Moraes (PCM) para esclarecer alguns aspec-tos desse tema ainda tão controverso.

Boa leitura!

Nelson Hamerschlak (NH) e Gisela Dias de Matos (GDM): Você concorda que a adoção da prática da reali-zação de mamografia seja o melhor caminho para preve-nir o câncer de mama? Por quê?

Carlos Shimizu (CS) e Paula de Camargo Moraes (PCM): Sim. A mamografia reduz a mortalidade por câncer de mama em até 30 - 40% pela detecção preco-ce. É o principal método diagnóstico no rastreamento do câncer de mama, cientificamente comprovado por estudos controlados envolvendo centenas de milhares de mulheres em diversos países.

Silvio Bromberg (SB): O rastreamento mamográ-fico tem sido cuidadosamente estudado como nenhum outro teste de rastreamento jamais o foi; nos últimos 50 anos houve mais de 10 trials randomizados com cerca de 10 anos de seguimento. Parece irônico que ainda conti-nuemos a discutir seu valor dentro da prática médica.

Programas de rastreamento conforme faixa etária demonstram uma redução de 10 a 25% na mortalidade do câncer de mama específico entre as mulheres. O be-neficio do rastreamento mamográfico aumenta durante o decorrer da vida. Além disso, sabemos que, em muitos casos, o diagnóstico precoce do câncer de mama pode possibilitar até 100% de curabilidade.

Acredito que a melhor estratégia de prevenção ocorre por meio da aplicação de programas educativos e de conscientização da saúde mamária; realização de

A medicina está longe de ser uma ciência exata. Tal qual uma partitura musical que permite várias interpretações, lidar com doentes e doenças também permite diferentes opções, ainda que solidamente embasadas em conhecimentos técnico-científicos. Dessa diversidade de abordagem surge a idéia desta subseção, na qual áreas da medicina são abordadas e discutidas em diferentes ângulos, por renomados especialistas.

Nelson Hamerschlak Gisela Dias de MatosEditores da seção

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programas de rastreamento por imagem e submissão a exame clínico periódico.

NH e GDM: Para você, qual a vantagem em realizar a primeira mamografia aos 35, aos 40 ou aos 45 anos numa paciente sem histórico familiar? E em paciente com histórico: qual a diferença?

CS e PCM: Apesar de a mamografia ser o méto-do de rastreamento do câncer de mama com eficácia comprovada há vários anos, ainda se discute muito na comunidade médica a idade com a qual se deva iniciar a mamografia, se aos 40 ou aos 50 anos. A recomen-dação das principais entidades médicas que estudam o assunto é o início do rastreamento aos 40 anos para mulheres que não apresentam alto risco para o câncer de mama e este deve ser feito anualmente.

Já nas mulheres de alto risco (risco maior que 20% de desenvolver câncer de mama), o rastreamento deve ter iní-cio entre 25 e 35 anos e deve ter a ressonância magnética associada. Ambos os exames devem ser feitos anualmente, juntos ou com intervalo de seis meses entre eles.

SB: Estima-se que uma mulher que viva até os 85 anos de idade terá a chance de um em nove de desen-volver um câncer de mama. Como o grau do risco não é o mesmo em toda a população, algumas nunca desen-volverão um câncer de mama enquanto outras viverão com esse risco aumentado.

Sabe-se que o câncer de mama é esporádico em cer-ca de 80% dos casos, é familiar em cerca de 10 a 20% e hereditário em cerca de 5 a 10% dos casos. Por esse motivo, procuramos classificar a população feminina conforme a chance de a mulher desenvolver o câncer de mama durante a vida.

Chamamos de “alto risco” aquela mulher que tem uma chance de 20% ou mais de desenvolver o câncer de mama durante a vida, enquanto classificamos como “risco padrão” aquelas que têm o risco de desenvolver o câncer de mama igual ao da população geral.

As mulheres classificadas como “alto risco” são aquelas que têm casos de câncer de mama e/ou ovário na família; aquelas que tiveram diagnóstico prévio de lesão pré-maligna de mama; aquelas que receberam ra-dioterapia sobre o tórax etc.

Como as pacientes de alto risco geralmente de-senvolvem a doença em idade mais precoce, sugere-se a esse grupo exame mamográfico anual a partir dos 25-30 anos, conforme é recomendado por diferentes guidelines(1,2).

NH e GDM: Em sua opinião, se a adoção da rea-lização da mamografia a partir dos 40 anos realmente “pegar”, em quanto tempo esse procedimento vai evitar o surgimento de novos casos de câncer de mama?

CS e PCM: No Brasil, entrou em vigor no ano pas-sado a Lei Federal 11.664/2008, que normatiza a reali-zação de mamografia para todas as mulheres a partir dos 40 anos(3). Mesmo antes de 2009, a realização da mamografia a partir dos 40 anos já era adotada em mui-tos hospitais brasileiros, como o Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo. Essa lei é um passo im-portantíssimo no sentido de políticas de rastreamento nacionais que garantam a inclusão de todas as brasilei-ras com idade superior a 40 anos. Entretanto, políticas de rastreamento envolvem não só recursos financeiros e humanos, como também conscientização da população da necessidade da realização do exame.

É importante salientar que a mamografia não evita o surgimento de novos casos de cânceres de mama. Estes continuarão a surgir, mesmo nas mulheres que realizam o rastreamento. O objetivo da mamografia é detectar o câncer de mama em estádio ainda precoce, o que está associado a maiores taxas de sucesso da terapia. O que a mamografia mudou na história natural da evolução do câncer de mama foi permitir a detecção do câncer com pequenas dimensões, bem antes da lesão se tornar palpável, possibilitando cirurgias com preservação da mama e com maiores taxas de cura.

SB: O programa de rastreamento não evita o surgi-mento de novos casos de câncer mama, mas apenas o diagnóstico da doença. Sendo um exame de prevenção secundária – diferentemente do exame de prevenção do câncer de colo uterino – a mamografia simplesmente “atesta” a situação da mama naquele momento.

O rastreamento mamográfico a partir dos 40 anos seguramente levará ao overdiagnosis e, consequente-mente, ao overtreatment. Estima-se que uma em cada três mulheres será tratada desnecessariamente, ou seja, por uma situação que provavelmente nunca iria preju-dicá-la. No entanto, como não temos a possibilidade de, ao diagnosticar uma lesão, saber se ela irá ou não pro-gredir, acreditamos que devemos continuar praticando o chamado overtreatment. É provável que, no futuro, possamos identificar nessas lesões determinadas altera-ções biológicas que permitam definir uma possível evo-lução e, então, a necessidade do tratamento.

NH e GDM: Você acha que o sistema público de saúde precisará de quanto tempo para absorver a de-manda por exames de mamografia para a população a partir dos 40 anos? Acredita que será viável a introdu-ção dessa prática no Sistema Único de Saúde (SUS)?

CS e PCM: A realização do rastreamento mamo-gráfico para todo o território nacional depende de re-cursos econômicos que possam tornar viável essa polí-tica de saúde. Dizer quando isso ocorrerá é algo difícil de precisar.

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SB: Infelizmente não tenho o dado demográfico des-sa faixa etária, sendo assim fica difícil analisar em quanto tempo o sistema de saúde irá absorver essa população. Infelizmente, alguns dados que temos demonstram uma fragilidade do sistema de saúde quanto ao atendimen-to dessas mulheres. Temos que, na população feminina no Brasil assistida pelo SUS, 34% nunca teve sua mama examinada; somente 9% dos municípios brasileiros têm mamógrafo, sendo que, entre esses, somente cerca de 20% são submetidos ao controle de qualidade do Co-légio Brasileiro de Radiologia. Temos que 49% das mulheres acima de 50 anos de idade nunca fizeram ma-mografia. Devemos ainda considerar que cerca de 10% das mulheres rastreadas necessitarão de outros exames complementares, como biópsia, por exemplo. Dessas,

cerca de 20% terá um resultado pré-maligno ou maligno e necessitarão de cuidados específicos, ou seja, o SUS deverá absorver um contingente grande de mulheres que precisarão de atenção além do rastreamento. Since-ramente, não sei se estamos preparados para isso.

REFERÊNCIAS1. Carlson RW, Anderson BO, Bensinger W, Cox CE, Davidson NE, Edge SB, Farrar

WB, Goldstein LJ, Gradishar WJ, Lichter AS, McCormick B, Nabell LM, Reed EC, Silver SM, Smith ML, Somlo G, Theriault R, Ward JH, Winer EP, Wolff A; National Comprehensive Cancer Network. NCCN practice guidelines for breast cancer. Oncology (Williston Park). 2000;14(11A):33-49.

2. Ready K, Arun B. Clinical assessment of breast cancer risk based on family history. J Natl Compr Canc Netw. 2010;8(10):1148-55.

3. Brasil. Lei Federal n.º. 11.664, de 29 de abril de 2008. DOU 30.04.2008.