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\ \ (Ir .r -, i ". I ,. - --- - - - ------ ----------- - DIDLIUICvf.\ . EVEÇLAss - , .. ..... __..._ .. __._ .t _ . __._-- .. JO REVISTA DE TEATRO, CRÍTICA E ESTÉTrCA • ANO Li· Nll12. 2003· rSSN O L04-7671 DEPJ\RTAMENTO DE TEORrA DO TEATRO· PROGRAMA DE PÓS- .GRADUAÇÃO EM TEATRO UNIVERSrDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO· UNIRIO' SUMÁRIo APRESENTAÇÃO: PERSPECfIVAS CULTURAIS Dás ESTUDOS DA PERFORMANCE,ZECA LIGIÉRO 3 1: ENSAIOS PERFORMANCE E HISTÓRIA, LOPES 5 HACIA UNA DE PERFORMANCE, DIA':'A TAl'LOR 17 O QUE É PERFORMANCE?, RICl-lARD SCHECI-fivER 25 2. DOCUMENTOS - PERFORMANCE.AFRO-AMERÍNDIA ARTES NEGRAS: UNA PERSPECTIVA AFROCÉNTRICA, ALEJANDRO FRIGERIO 51 PERFORt \'lANCES-oO TEMPO E DA!MEM6RIA: OS CONGADOS, LEDA MARTINS 68 PERFORMANCES PROCISSIONAIS AfRO-BRASILEIRAS, ZECA LIGIÉRO 84 . A COREOGRAFIA DAS IABÁS, DENisE ZENICOLA 99 LfDERES AFRO-BRASILEIROS E AMERÍNDIOS FALAM' DE 123 PERFORrv'IAN'cE: ComOS DE AMOR E 'EROTISMO DA COMUNIDADE KAXI NAWÁ, ROSAfIA REÁTEGUI 127 PERFORMANCE: POVO DE RUA, MARISE NOGUEZRJ\ 131 3. ESTUDOS DE'CASO . FOLIAS DE REIS NO RIO DE JANEIRO: PERFORMANCE, MIGRAçõés E OUTROS ESPAÇOS, AUSÔNIA BERNARDEs MONTEIRO 133 ONDE O BASTÃO PENETRA A TERRA: A PERFORMANCE DO MOÇAMBlQUE DE BELÉl vl, CLÁUDIO ALBERTO DOS SANTOS 148 A PERFORJ'vIANCE DA MORTe NO BLOCO CARNAVALESCOOS CAVEIRAS, CL4UDIO GUIlARDUCI 162 PERFORMANCE E SEXUAUDADE EM MULHERES BRASÍUCAS, JOÃO GABRIEL TfIXEIRJ\ E MARCUS \lIN[CruS GARCIA). 70 . YOKASTAS: ESTUDO ANTROPOLÓGICO DE UM DE CRIAÇÃO E ENCENAÇÃO, REGINA POLO !l'lOLLER 182

SCHECHNER, Richard - O Que é Performance

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ECHNER, Richard - O Que é Performance

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Page 1: SCHECHNER, Richard - O Que é Performance

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I,. ---- - - - ------ -----------ECA/U~r' - DIDLIUICvf.\. EVEÇLAss-,_.~_?J..~.....__..._..__._.t _.__._--

~PEQC .. JOREVISTA DE TEATRO, CRÍTICA E ESTÉTrCA • ANO Li· Nll12. 2003· rSSN OL04-7671

DEPJ\RTAMENTO DE TEORrA DO TEATRO· PROGRAMA DE PÓS-.GRADUAÇÃO EM TEATRO

UNIVERSrDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO· UNIRIO'

SUMÁRIo

APRESENTAÇÃO: PERSPECfIVAS CULTURAIS Dás ESTUDOS DA PERFORMANCE,ZECA LIGIÉRO 3

1:ENSAIOS

PERFORMANCE E HISTÓRIA, ANTÔN~O.HERCULANO LOPES 5HACIA UNA DE~IJ'lICIÓN DE PERFORMANCE, DIA':'A TAl'LOR 17O QUE É PERFORMANCE?, RICl-lARD SCHECI-fivER 25

2. DOCUMENTOS - PERFORMANCE.AFRO-AMERÍNDIA

ARTES NEGRAS: UNA PERSPECTIVA AFROCÉNTRICA, ALEJANDRO FRIGERIO 51PERFORt\'lANCES-oO TEMPO E DA!MEM6RIA: OS CONGADOS, LEDA MARTINS 68PERFORMANCES PROCISSIONAIS AfRO-BRASILEIRAS, ZECA LIGIÉRO 84 .A COREOGRAFIA DAS IABÁS, DENisE ZENICOLA 99LfDERES AFRO-BRASILEIROS E AMERÍNDIOS FALAM' DE 'S UAS 'PERFO~MANCES 123PERFORrv'IAN'cE: ComOS DE AMOR E 'EROT ISMO DA COMUNIDADE KAXINAWÁ,

ROSAfIA REÁTEGUI 127PERFORMANCE: POVO DE RUA, MARISE NOGUEZRJ\ 131

3. ESTUDOS DE 'CASO

. FOLIAS DE REIS NO RIO DE JANEIRO: PERFORMANCE, MIGRAçõés E OUTROS ESPAÇOS,

AUSÔNIA BERNARDEs MONTEIRO 133ONDE O BASTÃO PENETRA A TERRA: A PERFORMANCE DO MOÇAMBlQUE DE BELÉlvl,

CLÁUDIO ALBERTO DOS SANTOS 148

A PERFORJ'vIANCE DA MORTe NO BLOCO CARNAVALESCOOS CAVEIRAS,

CL4UDIO GUIlARDUCI 162PERFORMANCE E SEXUAUDADE EM MULHERES BRASÍUCAS, JOÃO GABRIEL TfIXEIRJ\ E

MARCUS \lIN[CruS GARCIA).70. YOKASTAS: ESTUDO ANTROPOLÓGICO DE UM P~OCESSO DE CRIAÇÃO E ENCENAÇÃO,

REGINA POLO !l'lOLLER 182

Page 2: SCHECHNER, Richard - O Que é Performance

Ir-

E 'N 5 A I O

. Performance; vida cotidiana; restauração de comportamento; teatro; rituais

RrCHARD SCHECHNER é professor da New York University, dire tor de teat ro e fundador c editor

da revista The Drama Review, publicada pela NYU. Entre os seus livros se destacam: Environmental

TIz~ater, Hawthorn Books, Inc. 1973; Performance Theory, Routledge, 1977; The Future of the

Ritual, Routledge, 1993; Between Theaier and Anthropology, University of Pennsylvania Press,1985;

Performance Studies, AIl lntroduction; Routledge, 2002.

o que é o ato.da performance?

No contexto dos negócios, do esporte ou do sexo, dizer que alguém fez uma boa

performance é afirm~r que tal pessoa reali~ou aquela coisa conforme um alto padrão,

qu~ foi bem sucedida, que superoua si mesma e aos demais. Na arte, o perfonner é

aq~~le que atua num show, num espetáculo de teatro, dança.rnúsica. Na vida cotidiana,f . • I

performar é ser exibido ao extremo, sublinhando uma ação para aqueles que a assistem.

No·século XXI, as pessoas têm vivido , como nunca antes, através da performance.

Fazer performance é um ato :que pode também ser entendido em relação a:

Um perforrner Katakali em Kerala,

Índia. Direitos de imagem:

Performing Arts Library.

. RrCHARD SCHECHNER

TRADUÇÃO DANDARA

o ensaio disserta sobre as mu itas maneiras

de entender a performance: artística, ritual ou

···-,cQti9iana. Comportamento restaurad~é o pro­

cessochave de todo tipo de performance, no ­

dia-a-dia, nas curas'xamânicas, nas brincadei­

ras e nas artes. O "Ser" performance é um

conceito que se refere a eventos definitos e

delimitados, marcados por contexto, conven­

ção, uso ~ tradição. No entanto qualquer even­

to, ação ou comportamento pode ser exami­

nado "como se fosse" performance. Tratar o .

"', objeto, obra ou produto como performance

significa investigar o queesta coisa faz, como

interage com outros objetos e seres , e como

se relaciona com outros objetos e seres.

o QUE É PERFORMANCE?

J'

'..v ,

BIBLIOGRAFIA

1 Lo,distinción como! as performance pertenece a Schechner, y revela la cornprensiõn de perfo rmancecorno un hecho 'real' y también como 'constructo", como un fenômeno que dispara preguntas tantode· índole ontológica corno epistemológica.

•1 "Aquí la etimología de performance nos puede dar una pista útil ya que no tiene nada que ver conforma, sino que deriva dei término dei francês antiguo parfournir, completar o llevar n cabo porcompleto". TURNER, Victor. From Ritual to Theatre. N. Y.: Perfo rming Arts Journal Publications,1982, p.13.

4 "Nos conoceremos mejo r los unos a los otros aI acceder a las performances de . cada uno y aI

aprender sus gramáticas y vocabularios," Victor Turner, "Frorn a Planning Meeting for the WorldConference on Ritual and oPerformance," citado en la Introducción .al volumen editado por

SCHECHNER, Richard y APPEL, WilI. By Means of Performance, NY: Routiedge, 1980.

S Ver MCKENZIE, Jon. Perform or Else: From Discipline to Performance, London: Routledge, 2001.

6 Proveniendo dei campo lacaniano, Peggy Phelan delimita la "vida" de la performance ai presente:"Performance no puede se r salvada, grabada, documentada, o de ser as! participa en la circulación dere prese ntaci ones de la representací õn [ ••.] EI ser de la performance, como la ontologta de la

subjetividad que aqu í se propone,' deviene como tal a través de ladesaparición" (Unmarked: ThePolitics ofPerformance. London and New York: Routledge, 1993, p. I46).

7 "Las genealogías de performance abrevan en la idea de que los movimlentos expresivos son reservasmnemônicas, que incl uyen a los movimientos concertados que realizan y recuerdan los cuerpos,

movimientos res iduales que se retienen implícitamente en imágenes o palabras (o en las pausasentre ellas), y movimientos imaginarios sanados en las ' mentes, no pr évios aI lenguaje pera que lo

constituyen" (ROACH, Joseph. Cities of the Dead: Cir~um-Aflallfic· Performance. NY: Co)umbja

U.P., 1996, p.26). Ver también CONNERTON'S, Paul. HolV Societies Remember: 'Cambélclge.Cambridge UP, .1989. Y mi The Archive and lhe Repertoire de pró xim a aparición (2003). ~'.

x J.L. Austin, How To do Things With Words. 'Segunda Edición. Carnbridge, MA.: ' Harvard UniversityPressv ] 97 5 .

Y Como Jacques Derrida lo establece ai escrib ir sobre el perforrnatívo de Austin: "Podrfa una enunciaciónperforrnativa tener éxito s i su formulación no repite una enunciación 'codificada' o reiterable?"(Slgnature Eve' !t Coniext in Margins of Philosophy) .

· 10 Jacques Derrida, "Signature Event Context," en Margins of Philosophy, p. 326,

11 EI performance usualmente refiere a aquellos eventos que tienen ·q ue ver con el campo de lopolitico o de los negocies, rnientras que la acepción femenina de pe rformance- la- general mentedenota aquellas accioncs que pertenecen ai campo dei arte o deldeporte, Agradezco a MarcelaFuentes por esta observaci6n. '. '

11 EI uso común de: performance en Latinoamérica deri va en la actualidad de la Antrapología y de la

Sociología (como en la publicación . Performance, Cultura & Esp etacularidade de Brasil ) operformance como arte de accíõn, (como se da en los "47882 minutos de performance" dei

espacio de arte mexicano Ex-Teresa Arte Actu al) para destacar las diversas aplicaciones productivas'de los varies significados, . .Ó»

SCHECHNER, Richard. Between Theater and Anthropology, Phil: Pcnn, UP, 1985.

8LA~KMORE, Susan, The Power of Memes. Scientific -American , October2000, p.64-73.

'M T'\ n"'nrU1UVlr'\ .... ..... 1 1 ')/"''') - ..,0 1'1. "lC .. C:f\

Page 3: SCHECHNER, Richard - O Que é Performance

.26

Ser

Fazer

Mostrar-se fazendo

Explicar ações del1lonst~'adas

Ser é a existência em si mesma. Fazer é a atividade de tudo que existe, dos

quazares aos entes sencientes e formações super galáticas. Mostrar-se fazendo é

performar: apontar, sublinhar e demonstrar a ação. Explicar ações demonstradas é o

trabalho dos Estudos da Performance.

. É muito importante que distingamos estas noçõe~ umas das outras. Ser pode ser

ati vo ou estático, linear ou circular, expandido ou contraído, material ou espiritual. Ser é

uma categoria filosófica apontando para qualquer coisa que as pessoas teorizern como

realidade última. Fazer e mostrar-se fazendo são ações . Fazer e mostrar estão sempre

num continuum, sempre mudando o universo pré-socrático de Heráclito (535-475 AC)

que disse que "Ninguém pode pisar duas vezes o mesmo rio, nem tocar uma substância

mortal duas vezes na mesma condição" (fragmento 41). O quarto termo, explicar..ações

demonstradas, é um esforço reflexivo para compreender o mundo da performance-e O ·

mundo como performance. Esse tipo de compreerisão é o trabalho dos críticos e acadê­

micos. Todavia, no teatro Brechtianó, em que o ator se afasta do personagem para

comentar suas ações , e nas performances construídas através de uma perspectiva

crítica, como Couple in a Cage (1992), de GuiÍlermo de la Pena (1955), e Coco Fusco

(1960) - a performance se dá de forma reflexi va. '

A patinadora do gelo Denise Biellmenn faz um loop de ponta-de-pé triplo.

(Fotografia de lapso de tempo). Direitos 'de imagem: Caem Press, Londres.. . . :, :

· i

.,II •

III·!I

Performances

Performances afirmam identidades, curvam o tempo, remodelam e adornam cor­

pos, contam I~istórias. Performances artísticas, rituais ou cotidianas - são todas feitas

de comportamentos duplamente exercidos, comportamentos. restaurados, ações

performadas que as pessoas treinam para desempenhar, que têm que repetir e ensaiar.

Está claro que fazer arte exige treino e esfo rço consciente. Mas a vida cotidiana também

envolve anos de treinamento e aprendizado de parcelas específicas de comportamento

e requer a descob~rta de como ajustar e exercer as ações de uma vida em relação às

circunstâncias pessoais e comunitárias. O longo período da infância e da adolescência

característi;o"da -espécie humana consiste em um extenso período de treinamento e

ensaio para favorecer uma boa performance da vida adulta. A formação do indivíduo \ .

jovem marca sua entrada na vida adulta, sendo consagrada por cerimônias e ritos

iniciáticos em diversas culturas e religiões. Mas mesmo antes da vida adulta, algumas :\

pessoas se adaptam de modo .mais confortável à vida que lhes é designada do que

outras, que resistem e se rebelam. A maioria das pessoas vive uma tensão entre aceita-

ção e rebelião. Atos sociais e políticos, protestos, revoluções e coisas do gênero - são

ações coletivas em larga escala, seja para manter o status quo, seja para mudar o mundo.

. Toda'à'gama de experiências, compreendidas pelo desenvolvimento individual da pes­

soa humana, pode ser estudado corno performance. Isto inclui eventos de larga escala,

tais como, lutas sociais, revoluções e atos políticos. Toda ação, não importa quão pe­

quena ou açambarcadora, consisteem comportamentos duplamente exercidos.

O que ,d izer das ações que são, aparentemente, exercidas apenas uma única vez

- os happenings de Allan Kaprow (1927), por exemplo, ou uma ocorrência corriqueira

, como cozinhar, vestir-se, caminhar, conversar com um amigo? Até mesmo estas são

construídas a partir de comportamentos previamente exercidos. De fato, a própria re­

duridância das ações cotidianas é precisamente o que constitui a sua familiaridade, a

su~ qualidade de ação construída a partir de pedaços decomportamentos, rearranjados

e modelados de modo a produzir um efeito determinado. A arte cotidiana - como

Kaprow d·enomina várias de suas obras - é próxima da vida diária. A arte de Kaprow

sublinha e destaca comportamentos ordinários com sutileza-e- conduzindo a atenção

para o modo como uma refeição é preparada, ou observando as pegadas deixadas por

alguém ao caminhar no des~rto. Prestar atenção em ações simples, perforrnadas no

momentopresente, é desenvolver uma consciência Zen em relação ao que é comum e

honrar o queé ordinário . Honrar o q~e é ordinário é observar quão ritualística é a vida

. diária, e o quanto esta é constituída de repetições. Não há nenhuma ação humana que

, possa ser classi ficada como um cornportamente exercido uma única vez.

Haverá, aqui, um paradoxo. Podem ambos, Heráclito e a teoria do cornportamen-

27

Page 4: SCHECHNER, Richard - O Que é Performance

1'1

29

Oito tipos de performance

Performances ocorrem ~em oito tipos de situações, algumas vezes distintas, ou­

tras vezes 'sobrepos tas :

1. na vida diária, cozinhando, socializando-se, apenas vivendo

2. nas artes

3. nos esportes e outros entretenimentos populares

4. nos negócios

J

Foto: cortesia da General

Motors Corporation.

E&.Jl. \. r\Jllllt-.. ,~o-r,,-<~.,,_~~)r~

N~r«~n"or~ftt' J-"(""lo;,<)~""'"CA..I"lof'WU~.""".Y')(C~.oP'1

PERFORMl"oU UAve TO

t....ItT"""' .." ..rl...a.,:.,~;Jt.J~~,l!k.I ..... U:\1l' ....t~.-r\ID.c1 'Jf"'I'.\~r"t pe1W"""'''~(' .d...-..!' ~f' I~:....,..r.tWlO 4"" ~ ••",,«na. 11.. ( roropfu.. ).,;...n--,;'l'f"'< ~.'"m..1 I"

., ·..,,,~C'.. ,....,~,..,,..,;.,,~ ........a~"' ''"'k

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to\Ic..:I"'.,..".".h'1·.,).i·I~":'l'1",k-.n'..oCn\J...~..,J \tttt

Se você quer impressionar Bill Parcels

Você tem que mostrar a sua performance

como se relaci~na com outros objetos e seres. Performances

existem apenas como ações, interações e relacionamentos.

Embaixo d~ foto do carro, o texto seguia em corpo

menor: "Grandes' performers sempre impressionaram B i11

Parcels . Isto explica seu grande interesse pelo Seville[ .. .]."

O anúncio alude à performance no esporte, nos ne­

gócios.no sexo, nas artes e na tecnologia. Parcells é sinôni­

mo de exelência corno terinador dé futebol americano. Exi­

gindo muito de seus jogadores, ele os motiva e eles respon-

' dem desempenhando performances vencedoras nos gra-

mados . Aexce!ência de Parcells deri va de sua capacidade de dirigir, sua habilidade de

organizar e sua insistência em permanecer atento a todos os detalhes do jogo. Seu olhar

,fixo tem forte apelo sexual- seu olhar penetrante é o 'de um homem potente,.capaz de

controlar atletas gigantes. Ele combina maestria, eficiência e ~eleza. Ao mesmo tempo,

Parcells exibe um ar de sorriso; ele joga com a câmera e coa: o público. Tudo isso é

veicLJado pelo anúncio, que tenta convencer o le itor que o Cadillac, como Parcells, é o

melhor entre seus pares, é sexy epoderoso, bem feito até o menor detalhe, confiável,

marca de liderança, e alguma coisa que vai se destacar da multfdão.

Bill Parcells quer a sua performance

Em 1999, um ,anúncio de página inteira no Neli' York

Times vendia um Cadillac Seville. Bill Parcels (1941),

legendário treinador de futebol am~ricano,olhava fixamen­

" te para os leitores. Um de seus olhos estava imerso numa

sombra-que ~~ mesclava ao fundo da imagem,. sobre o qual

um texto se destacava, com letras brancas e luminosas:

IJ

to restaurado estar ce rtos ao mesmo tempo? Performances são feitas de pedaços de

comportamento restaurado, mas cada performance é diferente das demais. Primeiramen­

te, pedaços de comportamento podem ser recornbinados em varia9ões infinitas. Segun­

do, nenhum evento pode copiar, exatamente, um outro. Não a~.enas o comportamento

em si mesmo - nuances de humor, inflexão vocal , linguagem corporal e etc, mas também

o contexto e a ocasião propriamente ditos, tornam cada instância diferente. O que dizer

das réplicas e clones , mecânica, digital ou biologicamente produzidos? Mesmo que

uma obra de arte perforrnática, quando filmada ou digitalizada, permaneça amesma a

cada exibição, o contexto de cada recepção diferencia as várias instâncias. Embora a

coisa permaneça a mesma, os eventos de que esta coisa participa são diferentes entre

si. Em outras palavras, a particularidade de um dado evento está não apenas em sua

materialidade, mas ern sua in'teratividade. Se é assim nos eventos filmados e digitalizados,

tanto mais em relação à performance ao vivo, onde não só a produção mas também a

recepção variam de instância para-instância. E mais ainda em relação à vida diária, onde

o contexto é, necessariamente, incontrolável.

.~ Essas reflexões nos levam às seguintes questões: Onde ocorre a performance?.... :

Uma pintura aCOITe num objeto físico, urna novela ocorre em palavras. -M as 'urna

performance (mesmo quando partindo de urna pintura ou de um romance) ocorre ape­

nas em ação, interação e relação. i\. performance não está em nada, mas entre. Deixem­

me explicar: um performer do dia-a-dia, num ritual, numjogo ou nas artes performá ticas

propriamente ditas , faz/mostra algo - performa uma ação. Por exemplo: urna mãe leva a

colher até sua própria boca e então à do 'bêbe, para ensiná-lo a comer mingau. Aí, a

performance-é o ato d~ levar a colher à própria boca, e depois à boca do bebê. O bebê é,

de início, espectador da performance da mãe. Num dado momento ele se torna um co­

performer, à medida em que pega acolher e,repe,te a ação, deinício errando a direção da

bocae besuntando o rosto com o alimento . Papai filma todo o evento. Mais tarde, talvez

anos depois, o bebê seja uma mulher adulta, mostrando à sua filha um vídeo do dia em

que Sua mamãe aprendeu a usar a colher. Assistir a esse vídeo é uma outra performance,

existindo na complexa relação entre o evento or iginal-a memória,dos avós (velhos ou

até mortos), e a fruição do momento presente, em que a mãe aponta para a tela dizendo:

"Aquela é ~ mamãe quando tinha sua idade!" A primeira performance ocorre entre a

ação de mostrar à criança como usar a colhere a reação desta à ação da mãe. A segunda

'performance ocorre entre o vídeo da primeira e a recepção desta por ambas ,- a mãe

(então bebê) e sua própria filha. O que é verdadeiro, para esta performance de ho.~ne­

video, valepara todas as outras performances.Tratar qualquer objeto, obra o~ produto

corno performance - uma pintura, um romance, um sapato, ou qualquer outra coisa­

significa investigar o que esta coisa faz, corno interage com outros objetos e seres, e

28

Page 5: SCHECHNER, Richard - O Que é Performance

Charles Chaplin virando e sendo virado pelas rodas da Indústrianuma cena de seu filme Tempos Modernos, 1936.

I"

30

5. na tecnologia

6. no sexo

7. /lOS rituais - sagrados e seculares

8. na brincadeira

Esta lista não esgota as possibilidades. Se examinadas rigorosamente como

categorias teóricas , essas oito situações não são comensuráveis. A vida diária pode

englobar qu ase todas as outras 7 situações. As artes retiram ~eus conteúdos de todas

as coisas e todos os lugares. Ritual e brincadeira estão presentes não só como gêneros

de performance, mas em todas as outras situações como qualidades, inflexões ou

arnbiências. Eu listo estas oito para indicar o largo territ óriocoberto pela performance.

Alguns desses itens - aqueles que ocorrem nos negócios , tecnologia e sexo - não são

normalmente analisados

como os outros 5, que têm

sido objeto das teorias da

performance artística . E o-.. :

processo de criação\ie(ca-

tegorias de performance,

tais como as 8 supra-referi­

das, resulta de um tipo par­

ticular de pensamento, que ­

está longe de.ser universal.

Até mesmo noções

de história e cultura são

culturalmente específicas,

jamais universais . É im ­

possível tomar um objeto

para estudo, sem partir da

própria origem cultural do

observador. Mas desde

que um projeto como este

texto, por exemplo, está em curso-o melhor que se pode fazer é estar atento e compar­

tilhar com os' leitores esta lim itação. Tendo observado isto, designar música, dança e

teatro corno artes performáticas é relativamente simples: Mas como categorias de estu­

do, at~ mesmo essas são ambíguas . O que é designado como arte, '~e é alguma coisa

afinal, varia histórica e culturalmente. Objetos e pe rformances chamados de' .arte em

algumas partes do mundo, são como os que são feitos em outras partes, sem serem assim

designados. Muitas culturas não 'têm uma palavra para, ou uma categoria ~bamada-

."

II

arte, embora produzam objetos e performances exibindo elevado senso estético.

A feitura e a avaliação da arte ocorrem em toda parte. Pessoas de todo o mundo, em

diferentes culturas, sabem como distinguir o bom do ruim, em dança, música, canto,

oratória, escultura, desigti de tecidos , cerâmica, pintura, etc. Mas o que faz alguma

coisa boa ou ruim varia enormemente de lugar para lugar e mesmo de ocasião para

ocasião. Os objetos ritualísticos de uma cultura numa determinada época são obras de

arte para outra cultura, no~tro tempo. Museus de artes plásticas são cheios de pinturas

\ e outros objetos antes vistos como sagrados. (Alguns desses museus sofrem até pilha­

gernpõr parte de comunidades que desejam re:aver seus objetos ritualísitcos e reminis­

cências sagradas). Além disso, mesmo quando a performance possui uma forte dimen­

sãoestética, ela não é, necessariamente, arte. Os movimentos dos jogadores de basquete

são tão belos quanto os de bailarinos, mas o basquete é esporte e o ballet - arte. Reflita

agora sobre patinação e patinação artística, que existem em ambos os universos. Decidir o

que é arte dependede contexto, ci rcunstância histórica, uso e convenções locais .

Separar arte e ritual é' particularmente difícil. Tenho notado que ..objetos

ritualísticos de outras culturas são exibidos freqüentemente em museus de arte. Mas,

considere também a liturgia de tantos cultos, com mú sica, canto, dança, oração, decla­

mações'ern diferentes idiomas e sessões de cura. Numa igreja protestante", por exem­

plo, pessoas entram em transe e saem dançando pela nave central, dão testemunhos

acalorados, recebem batismo e purificações. Nas igrejas afro-americanas , o gospel é

. muito próximo do blues,jazz e rock n' roll. Serão esses elementos próprios da arte ou

do ritual? Autoridades eclesiásticas na Europa medieval, tais como Amalarius (780­

850), Bispo de Metz, afirmou que a missa católica era semelhante à antiga tragédia

grega. Com efeito, não são poucas as pessoas que freqüentam missas tanto pelo prazer

estético e pela socialização quanto pela fé . Compositores, art istas visuais e performers

têm,:desde há muito, produzido refinadas peças artísticas para o uso em práticas rituais.

EIl: muitas culturas, a performance participativa é o âmago da liturgia. Na Grécia antiga,

'os grandes fest ivais de teatro eram ritual, arte, competições mais ou menos esportivas

e entretenimento popular, simultaneamente. Hoje, esportes são entretenimento ao vivo

e evento midiático, combinando competição, ritual e grandes negócios.

Como observado, algumas formas de esporte são próximas das artes. Ginástica,

assim como patinação artístic~e mergulho acrobático - são esportes olímpicos'. Mas,

nestas modalidades não existe método quantitativo papável para determinar vencedo­

res, tal .como 11á em corrida, lançamento de 'dardo ou levantamento de peso. Em vez

disso , esses atletas estéticos são avaliados qualitativarnente. .a partir da forma e da

dificuldade. Suas performances se assemelham mais a shows de dança do que a compe­

tições de velocidade ou força. Porém, com a disseminação dos recursos do vídeo, como

\\\~ ..

31

Page 6: SCHECHNER, Richard - O Que é Performance

o deus leão Barong, à direita, trava batalha con trao demônio Rangda no -teatro de dança ritual

Balín ése, 1980. Foto: RichardSchecnner:

32

imagens em câmera lenta e replay, Mte 'tr.C9mO futebol americano, boxe, luta romana e

outros esportes brutos obtém uma dimensão estética, mais visível nas repetições do

que na tumultuada urgência do ato em si. Somam-se a isso as criativas comemorações

dos atletas, que saltam e dançam exibindo sua superioridade.'.'

Por .t üdo isso , todo mundo sabe a di ferença entre ir à igreja, ao futebol, ou ao

teatro. A diferença se baseia na função, na circunstância do:evento inserido na socie­

dade, no espaço que o abriga e no comportamento esperado de performers e especta­

dores. Há ainda uma grande diferença entre os vários gêneros de artes performáticas.

Ser jogado de um lado para outro, em meio à multidão que. assiste um concerto de rock

é muito di feren te de assitir a uma encenação de Giselle, pelo American Ballet Tbeater 'no

Metropolitan Opera House, em Nova York. O teatro enfatiza narraçãoe personificação, .

esporte en fatiza competição e ritual enfatizá participação e comunicação com seres ou

forças transcendentais.

Nos negócios, a boa performance significa exercer sua função com eficiência e

máxima produtividade. No mundo corporativo, exige-se de pessoas, máquinas, siste­

mas, departamentos e organizações que desempenhem boa performance. P~lQ. ~en~s"­

desde que surgiram as fábricas, no século XIX, tem ocorrido uma fusão crescente entre

os universos humano, técnico e organizacional. Isto tem levado a um crescimento das

riquezas materiais e também a uma percepção de que os indivíduos são apenas parte da

máquina. Mas essa união de homem e máquina tem também qualidades eróticas. Existe.

um componente sexual nas grandes performances dos homens e mulheres de negócios,

assim como há algo de profissional nas grandes performances sexuais . Estas, por sua

vez, também evocam significados oriundos das artes, dos esportes e dos rituais? . Con­

sidere o espectro de significados agregados às frases "fazendo sexo" ou "ele é bom de

cama7" ou o que signi fica ser uma deusa do sexo ou um atleta sexual. A primeira frase

se refere ao ato em si, a segunda especula o quão bem este ato pode ser desempenha­

do, enquanto a terce ira implica num elemento tanto de ir a extrem?s quanto d~ fingimen­

to que pode haver por detrás de uma performance tão impactante que parece sobre­

humana, ou tão exageradamente forte que pode ser meramente competitiva.

Restauração de Comportamentos

Vamos examinar a noção de ~omportamentos restaurados mais de perto. Todos

nós perforrnamos mais 'do que sabemos ·p~formar. Como já foi notado antes, a vida

cotidiana, religiosa ou artística consiste em grande parte em rotinas, hábítos eritualizações

e de recombinação de compor~amentos previamente exercidos. O que ~ 1l0V?, original: " ,

chocante, ou avantgarde é, quase sempre, uma recombinação de comportamentos

conhecidos, ou o deslocamento de um comportamento do lugar ondeele..é aceitável ou

.~,

esperado, para um espaço ou situação em que este seja inaceitável ou inesperado.

Assim, a .nudez, por exemplo, causou grande comoção quando passou a ser utilizada

pelas artes perforrnáticas de modo mais amplo, a partir dos anos 60. Mas, porque o

choque, porquea nudez era surpreendente? Simplesmente porque nunca tinha sido

usada em espaços reservados às grandes companhias de artes perform.áticas ditas

sérias. Antes disso, na América do Norte, as pessoas viam corpos nus em casa ou nos

banheiros d'os clubes de ginástica. A justificativa para o uso pioneiro da nudez no

teatro s ério: era de que, ali, a nudez era artística e não erótica. É claro que em muitas

. culturasa nudez é a regra. Em outras, como no Japão, ela é ·tradicionalmente aceita em

algumas si't~'àções e proibida em outras. P~ssado o ano 2000, ninguém, em nenhum

teatro metropolitano do Ocidente, conseguirá evitar espectadores e críticos apenas

tirando a roupa. Mas não vá tentar essa performance em Kabul. \

Os hábi tos, ri tuais e roti nas da vida são comportamentos res taurados. Com por- :\

tamentos res tau ~·ad os são compor-

tamentos vivos tra tados como um .

cineasta trata um pedaço de filme. :

Esses pedaços de comportamento

podêm ser rearranjados o u

recons truídos; eles são independen­

tes do sistema causal (pessoal, soei-

. al, político, tecnológico...) que os

levou a existir. Eles têm uma vida pró­

pria. A verdade ou fonte que origi­

nou o com portarnen to pode ser des­

conhecida, perdida, ignorada ou

contradita-mesmo quando essa ver­

dade, ou fonte, está sendo honrada

e reconhecida. O modo como os pe­

daços de comportamento foram cri- .

ados , achados ou desenvolvidos,

pode ser desconhecido ou oculto,

elaborado, distorcido pelo mito ou

pela tradição. Comportamentos res-

taurados podem ser longevos e es-

táveis como os rituais, ou efêmeros como um gesto de adeus.

Comportamento restaurado é o processÇ)chave de todo tipo de performance, no

dia-a-dia, nas curas xamânicas, nas brincadeiras e nas artes. O comportamento restal,l-

33

Page 7: SCHECHNER, Richard - O Que é Performance

... ----...._-

Lutadores de Sumô

japoneses se

engalfinhando no

ringue. O juiz com o

vestes ritunl ístlcas

está à esque rda, à

frente ; Foto :

Mtchael Macintyre.

Direitos de imagem:

Hutcliison Picture

Lybrary.

~~~~e-.~-~Z;~~iS~~i~l\

a cerimônia de casamen to. Por que é marcado, emoldurado e separado, o cornportamcn- '\

to restaurado pode ser aprimorado, guardado e resgatado, usado por puro divertimen- '

to, transmutad'o em outro, transmitido e transformado.

Comportamento restaurado é simbólico e reflexivo. Seus significados têm que

ser decodificados por aqueles que possuem conhecimento para tanto . Não é uma ques­

tão"'de cultura superior ou inferior. Um fã dos esportes conhece as regras do jogo que

admira, as estatísticas a respeito dos jogadores mais importantes, os resultados de

par tidas anteriores e muitos outros detalhes técnicos ou históricos. O mesmo vale para

fãs de rock. Às vezes, o conhecimento sobre a fonte do comportamento restaurado é

esotérico, oculto, exclusivo para iniciados. Entre os povos austral ianos nativos, o meio

natural é cheio de pedras, trilhas, caminhosde águae outras marcas que formam a memória

das ações de seres míticos. Só os iniciados sabem qual é a relação entre ri geografia

ordinária e a geografia sagrada. Tornar-se consciente do conhecimento restaurado,é reco­

nhece r o processo pelo qual processos sociais, em todas as suas formas, são transforma-I .

dos em teatro, fora do sentido limitado da encenação de dramas sobre um palco.'

Performance, no sentido do comportamento restaurado, significa - nunca

pela primeira, sempre pela segunda ou enésima vez: com põrtamento duas vezes exercido.

Cuidado! Atenção para generalizações. ,

Eu preciso enfatizar um ponto. Pe~formances podem ser facilmente gene­

ralizadas ao nível do comportamento restaurado. Todavia, como prát icahnc6i-poradas,

, toda e qualquer performance éespecffica e diferente de todas as outras. As diferenças

incluem convenções formais e tradicionais dos gêneros de performance, escolhas pes­

soais 'dos perforrners, padrões ~ulturais variados, circunstâncias históricas e particula­

ridades de cada recepção. Tomemos a luta como exemplo. No japão, os movimentos de

um lutador de Sumô são determinados por.urna antiga tradição. Esses movimentos

rado existe no mundo real , como algo separado e independente de mim. Colocando isto

em termos pessoais, o comportamento re,st~urado é..-: eu me c.on~por~~Q~çU:9.~0 se

fosse outra pessoa, ou eu me comportando como me mandaram oweu me comportando

como aprendi. Mesmo quandorne sinto ser eu mesmo, completamente, e agindo de

modo livre e independente, apenas um pouco mais de investigação revelará que as

unidades de comportamento vividas por mim não foram i~ventadas por mim . Ou,

opostamente, eu posso experimentar estar ao lado de mim 'mesmo, não sendo mim

mesmo ou possuído, como se em transe. O fato de que há mais de um mim mesmo ~m' .

cada pessoa não é sinal de loucura, mas o modo como as coisas são. Os modos pelos

quais alguém performa a si mesmo são conectados aos modos por que pessoas

performam outras pessoas nos dramas, danças e rituais. Com efeito, se as pessoas não

estivessem ordinariamente em contato com seus múltiplos si-mesmos, a arte do ator e a

experiência do transe de possessão tornar-se-iam impossíveis. A maioria das

performances, cotidianas ou não, têm mais de um autor. Rituais, jogos e performances

da vida diária são escritas por um ente coletivo Anônimo ou pela Trad ição . Pessoas a

quem se credita a criação de um jogo ou rito, geralmente, revelam ser sintetlzadcres, -,

recombinadores, compiladores ou editores de ações já praticadas anteriormente. "

Comportamento restaurado inclui uma vasta gama de ações. Todo comporta-

, mento é comportamento restaurado -'todo comportamento consiste em recombinacões

de pedaços de comportamento previamente ex~rcidos. Naturalmente, na maior parte do

tempo as pessoas não se dão conta de que agem assim . Pessoas podem, simplesmente,

viver, Performances são comportamentos marcados, emoldurados ou acentuados, se­

paradosdo simples viver- ou comportamentos restaurados restaurados", pode-se ser

o preferir. Todavia, dado meu presente propósito, é desnecessário considerar essa

duplicidade. Basta definir comportamento restaurado como 'sendo marcado, emoldura­

do ou acentuado. Um comportamento pode ser restaurado a partir de "mim mesmo" em

outro tempo ou estado psicológico - por exemplo, contando uma história ou encenan­

do para amigos detalhes de um acontecimento traumático ou comemorativo. Um com­

portamento pode ser restaurado trazendo-se para a cena comportamentos não-ordiná­

rios -como na dança/transe balinesa, onde se representa a luta entre a diabólica Rangda

e Barong, o Deus -leão. O comportamento pode ser restaurado em ações marcadas por

convenções estéticas, como em teatro, dança e música. Pode estar contido nas ações

codificadas como "regras do jogo", "etiquet_~", "protocolo" diplomãtico-c ou qualquer

outra na' miríade de ações previamente conhecidas que executamosna vida. Isto Y;'l~ia '

, enormemente de uma cultura para outra . Comportamento restaurado pode ser ~m meni-" >.

no da Nova Ouiné conter suas lágrimas quando uma lâmina de folhas rasga o interior de

suas narinas durante um ritual Papua de iniciação; ou a formalidade dos noivos durante

34 35

Page 8: SCHECHNER, Richard - O Que é Performance

Os Guerreiros' da Estrada , lutadores americanos

profissionais de luta-livre posando com seu emp resário.

Direi/os de imagem Superstar Wrestlillg.

tr

III"

36

incluem o desfile do atleta 'ao redor do ringue, os ajustes no cinturão, o ato de atirar sal,

o ato de encarar o oponente e o derradeiro, freqüentemente breve, confronto dos dois

enormes competidores. Os conhecedores desta luta vêem nessas demonstrações cui­

dadosamente ritualizadas uma tradição centenária ligada ao Sbintd, antiga religião japo­

nesa . Bem ao contrário, a luta norte-americana profissional é um esporte barulhento,

praticado por "foras-da-lei" onde cada lutador ostenta sua própria e histriônica identi­

dade. Durante as disputas, árbitros são atingidos, lutadores são ati rados para fora do

ringue e o fingimento é endêmico. Todo esse espetáculo é incitado por fãs enfurecidos,

que lançam palavras e objetos sobre os lutadores. Entretanto, todos sabem que os

resultados das lutas são pre-

viamente determinados e que

aquela encenação de uma

disputa aparentemente sem

lei é, na verdade, apenas par­

te do show. Fãs de sumô e de

luta livre norte-americana co­

nhecem seus heróis e vilões ,

podem contar a história do

seu esporte favorito e reagem

conforme tradições e conven­

ções amplamente aceitas .

Ambos os esportes são lu­

tas, mas cada qual expre~sa

valores de suas respectivas

culturas.

O que é verdadeiro para as lutas, é também para as artes performáticas, as

demonstrações políticas, os papéis desempenhados na vida diária (mãe, médico, polici­

ai, etc .. .) e para todas as outras performances. Cada gênero se divide em vários sub­

gêneros. O que é teatro norte-americano? É Broadway, off'Broadway, offoffBroadway,

teatro regional, teatro comunitário, teatro de escola... e mais. Cada sub-gênero tem suas

particularidades, -?e algum modo si~ilares a outras formas próximas, mas ao mesmo

tempo únicas . E o mesmo sistema pode serobservado através de outras perspectivas,

como por-exemplo dividira teatro em termos d~: tragédia, comédia, drama, musical ... ou

classificar de acordo corn .o profissionalismo ou amadorismo da companhiateatral, _~~_

di ferenc"iar os sub-gêneros do teatro a partir do conteúdo cultural ou orientação política

de cada espetáculo. Não há categorias fixas OLI estáticas. Novos gêneros emergem, en­

quanto outros desaparecem para sempre. O que ontem foi contracultura, hoje é hegernônico

r-,

e amanhã será esquecido. Alguns gêneros migram de uma categoria para outra.

Tomemos o jazz como exemplo, durante os anos em que o gênero se formava,

pelos idos de 1920, ojazz não era considerado uma arte. Era definido corno um tipo de

arte folclórica ou de entretenimento popular. Mas à medida em que os perforrners se

mudaram dos prostíbulos para clubes noturnos mais respeitávieis e depois para casas

de concerto, os acadêmicos passaram a se interessar mais pelo jazz. Um repertório

substancial dessa música foi arquivado. Algumas composições desse gênero atingiram,

o status de cânone. Por volta de 1950, o jazzjá era visto como arte. Hoje, a música,, . I

, popular inclui rock, rap e raggae, mas não o jazz mais puro.' O que não quer dizer que o

rock ~ o~t;:as formas de música.popularnão serão um dia ouvidas e observad~s da

' mesma forma que o jazz ou a música clássica são atualmente. Mas as categoriasfolk,

pop e clássica têm mais a "ver com política, ideologia e poder econômico do que corr\

qualidades formais de música. ,\

Ser performance

Qual a diferença entre' ser performance e corno se fosse performance? Alguns

eventos são performance e outros , não exatamente isso . Há limites para que algo seja

peiformance. Porém, virtua.lmente tudo pode ser estudado como se fosse performance.

Alguma coisa é performancequando o contexto histórico-social , as convenções e a

tradição dizem que tal coisa é performance. Rituais , brincadeiras.jogos e papéis do dia-a­

dia são performances porque convenções, contexto, uso' e tradição dizem que são. Não

podemos determinar que alguma coisa s~ja performance a menos que nos .refiramos a .

circunstâncias culturais específicas. Não há nada inerente a urna ação em si mesma, que a

caracterize ou a desqualifique como sendo performance. Pelo ângulo de observação do

tipo de teoria da performance que proponho, qualquer coisa é performance. Mas sob o

ângulo da prática cultural, algumas coisas serão vividas como performances e outras não;

~ isto irá variar de uma cultura ou de 'um período histórico para outro.

Deixe-me usar uma tradição européia como exemplo para explicar mais

detalhadamente como as definições operam a partir de sua inserção em d.iferentes con­

textos. Ser ou não ser performance independe do evento em si mesmo, mas do modo

como este é recebido e localizado num determinado universo. Hoje, a encenação de

dramas por atores é uma,pcrforrnance teatral. Mas não foi sempre assim. -O que hoje

chamamos,teatro não o foi por pessoas de outras eras. Os gregos antigos empregavam

termos similares aos nossos para descrever o teatro (nossas palavras derivam das

suas), mas o que queriam dizer na prática era muito diferente do significado que dizemos

hoje. À época dos trágicos Ésqui lo (525-456 AC), Sófoc1es (496-406 AC) e Eurípedes

(485-405 AC), a encenação de dramas trágicos era mais um ritual onde performers e

37'

Page 9: SCHECHNER, Richard - O Que é Performance

38

espetáculos competiam por prêmios - do que propriamente teatro na corrente acepção

do termo. As tragédias eram encenadas por ocasião dos festivais religiosos. Prêmios

altamente cobiçados eram distribuídos. Essas premiações eram feitas a partir decritéri­

os de excelência estética, mas OSieventos nos quais "essa excelência era demonstrada

não eram de natureza artística, mas ritual. Foi Aristóteles quem, escrevendo um século

depois do apogeu da tragédia grega como performance incorporada, codificou o enten­

dimento estético do teatro na sua totalidade- incluindo todas as suas seis partes como

vistas pelo filósofo. Depois de Aristóteles, nos períodos Helênico e Romano, a estética

do entretenimento torna-se um aspecto mais dominante do teatro, à medida em que os

elementos de "eficácia do ritual se enfraquecem.

Vamos pular um milênio ou mais. Durante boa parte da Idade Média, encenar

dramas escritos sobre um palco era, na Europa, uma prática esquecida ou pelo menos

não exercida. Mas isso não signi fica que havia uma falta generalizada de performances.

Nas ruas, nas praças, nos castelos e mansões, uma ampla variedade de entretenimentos

populares atraía a atenção das pessoas. Havia uma multiplicidade de mímicos, mágicos,

adestradores de animais, acrobatas, manipuladores de bonecos e aquilo que seria-mais''-.

tarde conhecido como Commedia dell 'Arte. Desde o princípio da idade média, a igreja

oferecia uma verdadeira panóplia de festas, serviços e rituais. Por volta do século XIV,

tudo isso culminou na formação de uma base para os grandes autos, celebrando e

encenando a história do mundo desdea Criaçãoe através da Crucificação, Ressurrei­

ção e Juízo Final. Tudo isso que nós hoje chamaríamos de teatro, não era visto como tal.

O preconceito anti-teatral do clero impedia essa denominação. Então, nos séculos XV e

XVI, sobreveio uma revolução nos pensamentos e nas práticas vividas, a qual se c ha..:

mou de Renascença. Renascença significa renascimento e o que os humanistas da

época pensaram que estavam trazendo de volta à vida-era a cultura da-Grécia e Roma

'Clássicas. Quando textos foram encenados no Teatro Olímpicode Vicenza, seus criado­

res sentiram que estavam reinventando o teatro (não o ritual) da Grécia antiga. Um

evento ser ou não teatro ou performance é algo que depende do pensamento dominan­

te de uma época.

Façamos um novo salto no tempo para a terça parte do século XIX. A noção-de

teatro como arte estava, então, bem estabelecida. De fato, tão bem enraizada que movi­

mentos contestadores chamados de avant-guarde emergiam com frequência como

esforços dos artistas mais radicais para abalar a cultura hegernônica.. Cada nova onda

tentava deslocar a anterior. Parte dos movimentos de contracultura 'tornou-se, hoj.~".

cultura hegemônica. A listade movimentos avant garde é extensa, incluindo realismo,

naturalismo, simbolismo, futurismo, surrealismo, construtivismo, dadaísmo,

expressionismo, cubismo, teatro do absurdo, happenings, Fluxus, teatro ambiental,

'1

arte da performance... e mais. Às vezes, obras feitas em alguns desses estilos' são

consideradas como teatro, às vezes dança, música, artes visuais, multi-mídia. Não raro,

eventos foram atacados como não sendo nenhuma forma de arte - como ocorreu com

os Happenings, antecessores da arte da perfonnance. Allan Kaprow, criador do primei­

ro Happening; viu aí a oportunidade de se criar um lugar para o que ele chamava de

"arte-como-vida". "Arte da performance" foi um termo cunhado nos anos 1970 como

um guarda-chuva para obras que, de outro modo, resistiriam.à categorização.

O resultado disso' éque hoje, muitos eventos que não s~nam formalmente pen-

. sados ·COJT!0 arte ou performance - agora ~ão assim designados. Esses tipos de ação

são performadas diariamente, não apenas no Ocidente. Essas referências retroativas

são bem complicadas. O trabalho de um japonês dançarino éeButõ pode influenciar a .

obra de um coreógrafo alemão, cujas danças são, por sua vez, ealaboradas por um \

performer Mexicano ... e assim por diante, "sem limites definidos entre culturas e nacio- ;\

nalidades. Por trás de uma obra de arte composta, há um mundo confuso, feito de

performances acidentais e incidentais. Webcams exibem na internet o que as pessoas

fazem dentro de casa. TVs formatam notícias como entretenimento. Teóricos da

performance argumentam que a vida diária é performance, e cursos são ministrados

sobre a estética do cotidiano. Hoje, dificilmente existe atividade humana que não seja

uma performance para alguém, em algum lugar. De um modo geral, a tendência do século

passado foi dissolver as fronteiras entre a performance e a não-performance, a arte e a

não-arte. De um lado, desse espectro está muito claro o que é uma performance, o que

é uma obra de arte; do outro lado, essa clareza não existe.

Como sefosse performance

Em seu estudo sobre a culinária como performance, Barbara Kirshenblatt-Gimblett

propõe uma teoria muito próxima da minha própria. Ela diz que performar é agir, exercer

urn comportamento e mostrar-se. Eu "quero ir mais longe. Qualquer comportamento,

evento, ação, ou coisa pode ser estudado como se fosse p.erformance e analisado em

termos de ação, comportamento, exibição. Tomemos mapas, por exemplo.

. Todos sabemos que a Terra é redonda, mas os mapas planos são bastante úteis.

Você não pode ver o mundo, ou mesmo uma parte significante dele, ao mesmo tempo,

num globo. Globos não podem ser dobrados e carregados facilmente. Mapas-achatam

o mundo para melhor derramar os territórios sobre uma mesa, pendurá-los numa parede

ou escondê-los numa pasta. Mapas desenham qualquer coisa, desde nações inteiras

até a topografia e a demografia de cada região. Nos mapas mundiais mais comuns,

países são separados por linhas e cores, cidades são círculos," rios aparecem como

pequenos riscos sobre a terra, oceanos são vastas áreas azuis. Tudo está nomeado -

39

Page 10: SCHECHNER, Richard - O Que é Performance

40

estar no mapa é ter um certo status. Mas a terra real não se parece nada com suas

representações mapeadas, nem mesmo com um globo. As pessoas ficaram perplexas

quando foram tiradas as primei ras fotos daquela bola azul salpicada de branco. Não

havia qualquer sinal da presença humana.

Estados nacionais nos parecem tão naturais que quando ~ maioria das pessoas

imaginam o mundo como um mapa, elas o vêem dividido em países. Mas mapas não são

neutros. Eles performam uma interpretação muito particular de como o mundo deveria

ser. O mapa é uma projeção, um jeito particular de representar a esfera numa superfície

plana. No mapa as nações não se sobrepõe nem dividem espaço. Fronteiras são defini­

das .. Se mais de uma nação reclama para si o mesmo espaço, há guerra, como tem

ocorrido 'entre Índia e Paquistão, pela Cache~ira, e entre Palestina e Israel , por Jerusa­

lém . A mais comum das projeções atualmente em uso deriva da projeção que o geógrafo,

cartógrafo Flamengo Gerardus Mercator (1512-94) desenvolveu no século XVI.

A projeção de Mercator distorce o mundo escancaradamente em favor do he­

misfério norte. Quanto mais ao norte, maior parece ser o 'território. A Espanha éJdo

tamanho do atual Zimbabue, a América do Norte engole a do Sul e a Europa o'cup~114-, . ' ~

do tamanho da Africa. Em outra s palavras, o mapa de Mercator encena o mundo como

Guillermo Gõmez-Peãa

como El Mad Mex.Foto: Eugênio Castro.

os pode res c~loniais queriam vê-lo . Embora, os tempos tenham mudado várias vezes

desde o século XVI, o poderio econômico e militar do mundo continua nas mãos dos

europeus e do seu herdeiro norte -americano - os EUA. Talvez as coisas não se mante­

nham 'ass im pÓI: mais que um século, ou dois. Se assim for, uma outra projeção será de

uso maiscomum. Com efeito, após a detalhada topografia dos satélites, um considerá-o

vel remapeamento do mundo está ocorrendo. Há também mapas mostrando o mundo de­

cabeça para baixo, com o sul no topo; outros, desenhados de acordo com dados

populacionais, mostram à China e a Índia quatro vezes maiores que os EUA. A projeção

desenvolvida por Amo Peters (1916), em 19?4, é um mapa de área acurada, mostrando

as partes do"mundo corretamente dimensionadas uma em relação às outras. A

Groenlândia não é mais do tamanho da África quando, de fato, a África é 14 vezes maior

que a Groenlândia. Mas o mapa de Peter tem suas imperfeições. É incorreto em termos

de forma-o hemisfério sul é alongado enquanto o norte parece urna moranga. Fazer um

mapa plano de un;a terra redonda significa sacrificar um dos dois: a forma ou o tamanho

mais acurado. S6 o mapa de Peter lhe parece pouco natu ral então você sabe o quanto a

projeção de Mercator, ou qualquer outro mapa, é uma performance.

Um dos s ignificados de performar é fazer as coisas de acordo com um , tipo

específico de cenário ou plano. Os mapas de Mercator provaram ser muito úteis para a

navegação, por que as linhas retas em sua projeção observavam as linhas de orientação

da bússola. Mercator desenhou seu mapa para aludir aos cenários de marinheiros,

mercadores e militares de umaEuropa Ocidental expansionistae colonizadora. Sim:i~ar­

mente, os autores dos novos mapas têm seus próprios cenários, os quais são encena­

dos por seus mapas. In terpretar mapas desse modo é exami nar a fei tura de mapas "como. .

sendo" performance. Mas os mapas não apenas representam a terra de um modo espe-

cífico, eles também encenam relações de poder.'

I E não ,é só com os mapas . Toda e qualquer coisa pode ser estudada como

qualquer disciplina de estudo- física, economia, lei, etc. O queeste como informa é que

. este objeto será observado soba perspectiva de, em termos de ou interrogado por uma

disciplina particular de estudo. Por exemplo, eu es tou compondo este texto em um

computador Del! Dimension 4001. Se eu o observo como sendo física, eu examino seu

tamanho, peso e outras qualidades físicas, talvez até atômica ou sub-atômicas . Se eu o

observasse como matemática; eu mergulharia nos códigos binários de seus programas.

Observar isto como se fosse lei significaria interpretar networks de patentes, contratos

e direitos autorais. Se eu fosse examiná-lo como performance eu avaliaria a velocidade

do seu processador, a nitidez.da sua tela, a utilidade do seu pacote de software, sua

portabil idade e assim sucessivamente. Posso até imaginar Bill Parcels olhando fixamen­

te,para mim e me falando da boa performance do meu computador.

\,.\\

41

Page 11: SCHECHNER, Richard - O Que é Performance

\ ,Fronteiras-rarefeitas

Voltemos ao Mapa de Mercator. O mundo. lá representado é formado por nações

soberanas claramente demarcadas . Esse mundo não existe mais , se é que um dia existiu

- na época em que Mercator o desenhou, as nações européias viviam em guerra umas

com as outras, disputando o controle de diversos territórios. Hojs as [tonteiras nacio­

nais são extremamente porcsas, filão apenas para as pessoas, mas sobretudo para infor-

tas por redator~s profissionais de discursos, as bandeiras e objetos cênicos, cuidado­

samente confeccionados para obter omáximo efeito, o Chefe do Executivo deve estar

sempre bem ensaiado." O teleprompter irá garantir que o Presidente pareç-aestar falan­

do de improviso quando, na verdade, está lendo cada palavra. Cada detalhe é

coreografado, ' desde o modo como o Presidente olha para a câmera ou para a sua

audiência VIP num evento ao ar livre, at.éseu modo de gesticular com as mãos, vestir-se

e a própria maquiagem. O objetivo disso é fazer crenças - primeiro, construindo as

"bases para a fé pública no Presidente e, segundo, sustentando a fé do Presidente em si

mesrno-Suas performances convencem a ele próprio na medida em ,que ele luta para

convencer -a outros:

É possível argume~tarque o Presidente é um homem importante em virtude de

sua: posição e autoridade. Mas dado ocrescirnento exponencial da mídia, hordas de

cidadãos comuns têm entrado no negócio de fazer crenças. Alguns são verdadeiros

camelôs midi áticos, vendendo de utensílios culinários e ginástica do bumburn durinho,

até a salvação eterna pelo poder inquestionável do sangue de Jesus. Outros são os

famosos âncoras de telejornais, cujos rostos e vozes familiares seguram a audiência

através das notícias que se sucedem. Outros ainda são experts - economistas.juristas, .

generais-da reserva - cuja autoridade se deve somente à freqüência de suas aparições.

Há também os mestres do marketing, contratados por políticos e corporações para

transformar más notícias em boas. Como produtores agindo nos bastidores, seu traba­

-lhoé garantir que,o que quer qu y aconteça, seja dramatizado o bastante para atrair

espectadores. Quanto maior a audiência, mais alto o investimento dos anunciantes.

Algumas notícias são dramáticas por si sós - como desastres, guerras, crimes e julgá­

mentes. Mas, os mestres da mídia aprenderam a dramatizar até mesmo o mercado de

ações e a meterorologia. 'Como construir um angulo de interesse humano em cada

história? Os produtores sabem que as mesmas notícias estão disponíveis em vários

veícJlos, então seu trabalho é desenvolver atraçõ~s paralelas instigantes. Paradoxal-. 1

mente, o resultado disso é um público cada vez mais difícil de -enganarCom tantas

performances à vista, o espectador vira um astucioso e sofIstic~do desconstrutor das

técnicas teatrais que são empregadas para seduzi-lo.

Fazer crer

x. fazer crenças

'O que dizer das mui­

tas performances da vida di­

ár~a? Desempenhar papéis

profissionais, papéis relaci­

onados ao gênero ou raça

que modelam a identidade de

cada um de nós não são

ações de faz-de-conta, pelo

menos não do modo .corno

A Lanterna Verme/lia , um dos cinco "modelos de óperas",

apresentado na China durante a Revolução Cultural, 1966-76.

Direitos de Imagem: David King Collection.

'seria a repesentação de pa­

péis num filme ou palco. As

performances do cotidiano, . i

fazem crenças - criando a

própria realidade soci~'l~ue é

encenada. Nas performances

que fazem crer, a distinção en tre o que é real e o que é faz-de-conta é sempre clara.

Crianças brincando de médico sabem muito bem que estão apenas fazendo-de-conta. '

'No palco, várias convenções, incluindo o próprio espaço cienico como um domínio

di ferenciado, o abrir e fechar de cortinas, as três chamadas antes do início do espetáculo ...

demarcam os limites entre a vida e a arte. Quando as pessoas ~ão ao cinema, sabem que os

'universos sociais e pessoais apresentados não são aqueles dos atores, mas dos persona-

gens. Naturalmente, este é o primeiro limite que a vanguarda e depois a mídia e a internet

têm sabotado com grande sucesso.

Personalidades públicas costumam fazer crenças com relativa freqüênc ia - en­

cenando efeitos que desejam que o público de suas performances ace item como reais.

Quando o Presidente Americano assina um documento importante, seus assessores

encenam o ato no Salão Oval da Casa Branca, onde o Presidente pode performar sua

autoridade. Atrás dele uma platéia seleta de VIPs, incluindo o Vice-Presidente. Um

escudo presidencial de grandes proporções imprime no ambiente o necessário patrio­

tismo . Noutros momentos porém , o chefe da nação pode desejar ser visto como um

amigo, ou um vizinho camarada, conversando informalmente com às seus concidadãos. .

Hoje em dia, tordo mundo sabe que esses tipos de situações são pl~n~jad;;'~in' "seus mínimos detalhes. À presidência norte-americana hoje é- pelo mel~os na sua face

pública, urna performance totalmente roteirizada. As palavras do Presidente são escri-

42 43

Page 12: SCHECHNER, Richard - O Que é Performance

Dançarino de veado Yaqui, Nova

Páscoa, Arizona, década de 1980.

Foto: Richard Schechnet:

A~ funções da performance

Nós abordamos o que é performance e o que pode ser estudado como

performance. Mas, o que a performance consegue realizar? É difícil estipular as

funções da performance. Através do tempo, e em diferentes culturas, têm havido

várias propostas. Uma das mais inclusivas é aquela do' sábio indiano Baharata

Muni (século li AC), que sentiu quea performance é um importante repositório de

conhecimentos e um veículo poderoso para a expressão de emoções (ver Baharata

box). O poeta e intelectual romano Horácio (6~-08 AC) argumentou, em sua obra

i,ntituiadaArte Poética, que o teatro tem que entreter e educar- idéia essa adotada

por muitos na Renascença e mais tarde ~elo dramaturgo e diretor alemão- Bcrtolt

Brecht(1898-1956).

Juntando idéias obtidas de diversas fontes, encontrei 7 funções para a

suas roupas? Observe as etiquetas daquilo que você está vestindo agora. Será que seu

vestido; camisa, jeans e sapatos vêm do mesmo país? Você sabe onde eles foram costura­

dos, por quem, a que preço e sob que condições de trabalho?

Mas, muito mais do que CaITOS e roupas são transnacionais. Culturas também

estão rarefeitas. A globalização está acelerada. Aeroportos parecem os mesmos em

todo lugar; lanchonetes de fast food padronizadas estão disponíveis em praticamente

todas as grandes cidades do mundo. O cinema e a TV americanos são vistos em todo o

planetaMas, os Estados Unidos são, por sua vez, cada vez mais interculturais tanto

em termosde população quanto em termos de estilos de vida. A profusão de festivais

internacionais'dê"artes e as trupes de artistas em turnê pelos quatro cantos do mundo

são um meio essencial para a circulação de-diversos estilos de performance. Estilos

musicais híbridos como o world bem combinam sonoridades africanas, asiática, latino-

.americana e européia na sua composição. Novos híbridos emergem a cada momento.

As pessoas discutem se toda essa mistura éboa ou má. Será que globalização equivale

a americanização?'Questões sobre globalização e performances interculturais têm sus- .

citado importantes discussões.

\

\

entreter;

fazer alguma coisa que k- bela;

marcar ou mudar a identidade;

fazer ou estimular uma comunidade;

curar;

ensinar; persuadir ou convencer;

. lidar com o sagrado e com o denioniaco.,

; '.

performance:

mações e idéias. Os novos mapas não podem ser desenhados porque o que precisa ser

representado não são territórios, mas networks de relacionamentos. Mapeã-las requer

cOl1lplex.~redesdeafluentes de números que estão sempre alterando sua forma e valor.

A noção de referencias fixos para o mundo tem estado sob ataque desde 1927, quando

Werner Heisenberg (1901-1976) propôs o seu "princípio da incerteza". Poucas pessoas

fora do círculo de físicos quânticos puderam de fato entender essa teoria. Mas a incer­

teza ou a indeterminabilidade fez soar um sinal de alerta. Er~ uma metáfora poderosa e

apropriada para a época. Afetou o pensamento em várias disciplinas. Estimulou o

surgimento de um certo tipo de arte. John Cage (19~2-1992)usou a indeterminabilidade

como base para sua música, influenciando toda uma geração de artistas e teóricos em

diversos campos do conhecimento.

As fronteiras estão rarefeitas de várias maneiras. Na internet, as pessoas parti­

cipam sem esforço de um sistema que transgride as fronteiras nacionais. Até mesmo os

idiomas representam uma barreira menor hoje do

que antes. Você já pode se conectar e escrever na

sua própria língua sabendo que sua mensagem será

traduzida na linguagem daquele a quem foi

endereçada, qualquer que seja ela. No presente, esse

recurso está disponível para um número reduzido

de idiomas, mas o repertório de tradutibilidade au­

mentará. Logo, será um hábito a comunicação entre

chinês e mandarirn, ou entre uma pessoa numa pe­

quena cidade para "n" outras pessoas a nível glo­

bal. Além disso, para o melhor ou para o pior, o

inglês passou a ser mais um idioma global do que

nacional. Na ONU, 120 países, representando mais

de 97% das populações do mundo, escolhem o in­

glês como meio de comunicação internacional.

A dissolução das fronteiras nacionais

ocorre em relação aos objetos manufaturados tan­

to quanto em relação à política e informação. Por

exemplo: se você dirige um carro norte-americano,

japonês, alemão ou coreano, você pode. acreditar que ele vem do país cujo selo ele

exibe. Mas onde foram manufaturadas suas partes componentes? Ondeo carro foi monta-o

do, onde foi desenhado? A marca do carro refere-se a si própria, não a um local .de oL~i~~m: 0,\

Carros japoneses são montados no Tenesse, e a Ford possui linhas de montagem no

Canadá, Europa e outros lugares. O México abriga várias montadoras. Mas o que dizer das

44 45

Page 13: SCHECHNER, Richard - O Que é Performance

IIIi ~~ .-"'

I

'II

,,,,

46

Estas funções não estão listadas em ordem de importância. Para algumas pesso-. .

as, uma ou algumas dessas funções serão mais importantes que as outras ..Mas essa

hierarquia mudará de acordo com quem você é e com o que qu.er fazer, Nenhuma

performance exerce todas.esss~~. funções.rnas muitas enfatizam m~.~ de uma.

Muito raramente uma performance f ocaliza uma única função, ou mesmo duas .

Uma demonstração derua ou uma peça propagandística pode se r prioritariamente voltada

para ensinar-persuadir-convencer, mas também tem que entreter e pode, igualmente,

estimular a comunidade. Xamãs curam, mas também entretém, estimúlam a comunidade

e lidam com a esfera do sagrado/demoníaco. A postura de um médico ao lado da cama

do paciente é uma performance de encorajamento, ensino e cura. As missas de uma

. igreja Cristã Carismática-curam, entretêm, mantêm a comunidade solidária, invocam a

ambos, Deus e o demônio e, se o sermão for tolerável, às vezes ensinam também. Se

alguém durante a missa declara terse encontrado com Jesus e renascido, sua identida­

de é, então, ma rcad a e modificada. O presidente falando à nação, quer convencer ~

estimular a comunidade- mas é melhor que entretenha o público se quiser que c: ouça.

Rituais tendem a ter o máximo número de funções, enquanto as produções'comerciais

têm o mínimo. Um musical da Broadway vai entretê-lo , e pouco mais do que is;~ Essas

sete funções são melhor representadas como esferas que interagem ese 'sobrepõem

como numa network.

Obras inteiras, e até gêneros de obras perfo rmáticas, podem ser moldados para

funções bem específicas. Há exemplos de performances políticas ou propagandísticas'

em todo o mundo. O Teatro Campesino da Califórnia, criado nos anos 1960 para apoiar

imigrantes mexicanos que trabalhavam em fazendas no calor de uma greve- bastante

conflituada, estimulou a solidariedade entre os grevistas, educou-os a respeito das

questões implicadas no movimento, atacou seus patrões e também os entreteve. Gru- .

pos como o Greenpeace.e o Actup usam a performance como parte de sua militância por

uma ecologia humana mais saudável ou para angariarfundos para pesquisa e tratamen­

to da AIDS. "Teatro para o desenvolvimento" , como praticado' na África, Ásia e Amé­

rica Latina, educam pessoas sobre uma vasta gama de temas, do planejamento familiar

e prevenção de doenças, até a irrigação de plantios e a proteção de espécies ameaçadas.

O Teatro do Oprimido de Augusto Boal (1931), fortalece os espectadores, estimulan­

do-os a encenar, analizar.e mudar suas situações de vida.

O Teatro do Oprimido de Baal li, de certo modo, baseado na obra .de Brecht,

especialmente na sua Lehrstucke (Espetá~ulosãeAprendizado) que ele.produ~~u nos

anos 1930, tais como Asmedidas tomadas ou A exceção e a regra. Durante a.Revolução .

Cultural Chinesa, que ela mesma ajudou a orquestrar, Jiang Qing (1914-1991) produziu

uma série de "óperas modelo", cuidadosamente forjadas para educar, entreter e estimu-

Performcr de máscara

makishi, Zâmbia.

Foto: cortesia deRichard Schechner:

lar o crescimento de um tipo de comunidade baseada nos valores do comunismo chi­

nês , do modo como Jiang os interpretava. Essas peças de teatro e ballet, empregavam.

tanto elementos tradicionais da performancechinesa (adaptados às propostas da Re­

volução Cultural), quanto elementos da música e encenação ocidentais. A visão utópi­

ca' das óperas modelo·contrastava com o terrível fato de ·que milhões foram mortos,

torturados e exilados pela Revolução Cultural. Mas na virada do século XXI, esses

espetáculos foram novamente performados , estudados e apreciados por sua capacida­

de de entreter, sua excelência técnica e inovações artísticas .

Entretenimento significa alguma-coisa produzida para agradar o público. Mas o.'que agrada a uma audiência, pode não agradar a outra. Portanto, ninguém pode-especi­

fi~ar o que, exatamente, constitui .o entretenimento-exceto para dizer que quase todas

as .perforrnances lutam, de uma maneira ou de outra, para entreter. Eu incluo nesta

observação, tanto as performances popul.ares, quanto as mais sofisticadas, além dos

rituais edas performances do dia-a-dia. O que dizer das performances de vanguarda ou

das performances políticas, criadas para ofender? Eventos de Teatro de Guerrilha pro -

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47

Page 14: SCHECHNER, Richard - O Que é Performance

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48

. vocarn rupturas e até destruição. Esses efeitos não são entretenimento. Porém, a arte

ofensiva é dirigida a dois públicos simultaneamente - aqueles que não acham a

obra agradável e aqueles que se sentem entretidos pelo desconforto que a obra

causou aos primeiros.

O belo é difícil de definir. O sentido do belo não é ser bonito. Os eventos medo­

nhos e aterradores do teatro kabuki, da tragédia grega, d.o teatro elizabetano e de

algumas formas de arte performática não são-bonitos. Tampouco poderíamos dizê-lo

dos demônios evocados pelos xamãs. Mas a habilidosa encenação de horrores pode

ser bela e proporcionar prazer estéti~o. Seria isto verdadeiro para flagelos humanos

como a escravidão negra ou o extermínio dos povos nativos da América? Francisco de

Goya Luciente (1746- 1828), em Os Desastres da Guerra, mostra que nessas ocasiões,

nada é visto sob o espectro purificador do tratamento artístico. A filósofa Suzane K.

Langer (1895 - 1985) argumentou que na vida as pessoas podem passar por terr íveis

experiências, mas que na arte essas experiências são transformadas em "forma ex~res­

siva". Uma das diferenças entre a vida e a arte é que na art~ nós não experimentamos os

eventos em si mesmos, mas as suas representações. Esta noção estética ·'ol...~4ica é. "

desafiada nessa época de dissimulação, virtualização, artistas performáticos e atores de

webcani, que exercem comportamentos da vida real diante dos nossos olhos. Uma

consid~rável quantidade de obras de arte pós-moderna não oferece aos observadores

objetos ou ato para a contemplação.

Conclusão

Há muitas maneiras de entender a performance. Qualquer evento, ação ou com­

portamento pode ser examinado como se fosse performance. O uso deste conceito é

vantajoso . Podemos considerar as coisas interinamente, em processo, conforme elas

mudam através do tempo. Em cada atividade humana há, normalmente, muitosjogado­

res cujos pontos de vista, objetivos e sentimentos são diferent~s e, às vezes, opostos

entre si . Utilizando a ferramenta conceitual do como se fosse performance, podemos

examinar coisas que, de outro modo, estariam fechadas à investigação. Formulamos

questões da performance em relação a eventos: Como um evento dispôs do espaço e se

revelou ao longo do tempo? Que roupas e objetos especiais foram utilizados? Que papéis

foram interpretados e como estes diferem (se é que diferem) daquilo que os performers

realmente são? Como os eventos são controlados, distribuidos, recebidos e avaliados?

Ser performance é um conceito que se .refere a eventos mais·definitos e delimita­

dos, marcados por contexto, convenção, uso e tradição. Todavia, nestecomeço do.

século XXI, distinções clássicas entre como se fosse performance e ser performance

estão desaparecendo. Isto é parte de uma tendência geral direcionada para a dissolução

de todos os tipos de fronteiras . Internet, globalização, e a sempre crescente pres~nçada

mídia afetam o comportamento humano em todos os níveis. Mais e mais pessoas expe­

rimentam suas vidas como seq üências de performances conectadas: vestir-se para uma

festa, ser entrevistado para um emprego, brincar com papéis masculinos e femininos e

com a própria orientação sexual; viver papéis da vida pessoal como os de mãe e filho, ou

da vida profissional, como os de médico ou professor. Este senso de que a performance

está em todo lugar é enfatizado pelo ambiente cada vez mais midiatizado em que vive­

mos: onde nos comunicamos por fax, telefone e internet; onde uma quantidade ilimitada

, de·i·;formaçÕ_~s e entretenimento vem pelo ar.

Uma ma;1eira de ordenar esta situação tão complexa é o:ganizar os gêneros de

performa~ce, os comportamentos perforrnativos e as atividades perforrnáticas em um \~\

continuum. Esses gêneros , comportamentos e atividades não se sustenram cada um \

por si. Como no. espectro da luz visível, eles se mesclam uns d~ntro dos outros; suas :1.

fronteiras são indistintas. Eles interagem uns com os outros. Esse continuum fo i dese­

nhado numa li~ha reta para acomodar os limites da folha de papel. Se eu pudesse

trabalhar em três dimensões, eu desenharia esses r~laci<?namentos mai~ como urna

netvx?rk de esferas interligadas que:se sobrepõem. Por exemplo, apesar de apare~erem na

linha 'reta como dois pólos opos~os, ritual e brincadeira são gêneros intimamente inter­

relacionados. De certo modo, eles sustentam todos os demais como uma fundação.

Portanto, jogos, esportes, entretenimentos populares e artes performáticas in­

cluem muitos gêneros, cada qual com suas convenções} regras, história e tradições.

Uma enorme variedade de atividades atendem a essas especificações. Uma mesma

atividade pode ser amplamente variada, como o cricket por exemplo. O cricket das

competições oficiais não é o mesmo que se joga nurncarnpinho comunitário . E o cricket

jogado nas ilhas Trobriand - onde este se tornou um encontro ritualizadoentre cida­

des, com o time anfitrião sempre vencendo' e com exibições de dança tanto quanto do

es~orte em si ., também é uma outra coisa. E, no entanto algumas generalizações embora

os gêneros sejam distintos (quem confundiria o Quebra Nozes e o campeonato brasílei­

ro?) : 'bailet e futebol envolvem movimento, contato, lançar, carregar, cair e correr de um

lado para o outro; em algumas culturas, teatro, dança e música são tão completamente

integrados que é impossível classificar um dado evento em qualquer das trê~.cat~~orias; o

Katakali indiano.a performance conhecida na Zâmbia como Makishi e a Dança do Veado,

dos Yaqui~ são apenas alguns dos muitos exemplos que integram música, teatro e dança.

Performances da vida diária e da construção de identidade são relativamente

fluidas quando comparadas arigida diferenciação entre as demais. Mas não significa

que não haja regras também nesta área. Até mesmo a interação social mais aparente­

mente casual é guiada por regras culturalmente específicas. Educação, boas maneiras,

49

Page 15: SCHECHNER, Richard - O Que é Performance

50

linguagem corporal e outras atividades, todas operam de acordo com cenários conheci­

dos. A especificidade das regras difere conforme cada sociedade e cada circunstância.

Mas não há interação social humana que seja fora da lei, ou queseja independente de,. I

quaisquer regras.

TERMOS E DEFINIÇÕES

Reflexivo - que se refere a si mesmo.

Comportamento Restaurado - ações físicas ou verbais que são preparadas, ensaiadas

ou que não estão sendo exercidas pela primeira vez. Uma pessoa pode não estar cons­

ciente de que está exercendo um pedaço de comportamento restaurado. Também men­

cionado como Comportamento Duplamente Exercido.

Performances de Fazer Crer - de faz-de-conta, onde se mantem uma fronteira clara­

mente marcada entre o mundo da performance e a realidade diária.

Performances de Fazer Crenças - dissolvem esta barreiraintencionalmente;- ! '",-;, Princípio da Incerteza de Heisenberg - princípio da mecânica quântica que estabelece

'que a medida acurada de urna entre duas quantidades observáveis que se inter-relacio­

nam provocará incerteza na medida da outra, de modo que, enquanto cada quantidade

isolada pode ser medida com acuidade, as duas juntas não podem ser medidas além de

umcerto nível de acuidade.

'Os eventos mencionados pelo autor ocorrem sobretudo nas igrejas protestantes afro-americanas,marcadas P?r emocionantes interpretações de Gospel, além de transes em que fiéis dançam possuí­

dos, conforme a crença, pelo próprio Espírito Santo. (N.T.)

lA comparação com o ritual foi inserida na tradução, para que o exemplo do autor fosse maiscompreensível a partir de uma perspectiva cultural brasileira, onde o misticismo é mais presente nasidiossincrasias sexuais de um modo geral, enquanto 'o mundo dos negócios é uma comparação mais

restrita ao sexo no contexto específico da prostituição. (N.T.)

3Grifo da tradução.

4Grifo nosso.

Spr~tica que, na verdade, antes de ser difundida como parte do colonialismo, pertencia a relativamen-

te poucas culturas. (Nota do Autor) ,

6Bom exemplo disso foi a "gafe': da BBC de Londres aoexibir ern cadeia mundial as imagens de GeorgeW. Bush memorizando o texto de um pronunciamento sobre a guerra ao Iraque enquanto uma

cabelereira terminava de ajeitar-lhe o penteado. (N.T.)

..............

u O C ,U M E NT O

ARTES NEGRAS:

UNA PERSPECTIVA AFROCÉNTRICA

ALEJANDRO FRICERIO

La unidad y a la vez diversidad de características que se pueden encontrar';

-"---"'en. l~~ culturas afroamericanas ha sido notada desde los pioneros estudios

de Herskovits hasta los más recientes trabajos de Robert Farris Thompson ­

entre otros especialistas. En este trabajo se proponen seis cualidades que

caracterizan a la performance artística afroarnericana, en base sobre todo a las\

reglassociales que parecen regir su producción y el desempeno de los partici- :\

pantes en la misma. Esta sería multidimensional, participativa, ubicue en la vida!

cotidiana, básicamenteconversacional, resalta el estilo individual de cada parti­

cipante y cumple nítidas funciones sociales.

" Performance afro-ameríndia; culturas afro-americanas; diversidade.cultura

'popular; vida cotidiana.

La unidad y a la vez la diversidad de característicasque se pueden encontrar' en

las culturas afroarnericanas han preocupado a muchosestudiosos del tema, desde

Herskovits (194~) y su escala de retención de «africanismos», hasta los más ~ecientes

esfuerzos de Thompson (1983) por identificar las influencias africanasen el arte y la

filosofía de los pueblos negros de las Américas. Para entender este fenórneno, los

estudios más recientes parecen coincidiren I~ necesidad de una perspectiva afrocéntrica

(Uya 1989,1990); a lacua1, en este trabajo, entenderé corno la importancia de reconocer

característicascomunes de las culturas africanas para explicar las similitudes en deter­

n:inados aspectos delas manifestaciones cuiturales afroamericanas. Postularé, ai igual

que Mint~ y Price, que

ALEJf.\NDRO FRlGERfO é Ph.p em antropologia pela University of California, Los Angeles (1989)

e pesquisador independente do CONfCEC (Consejo Nacional de lnvestigaciones Ci~'ntíffcas y Técni­

cas, Argentina). É autor do livro Cultura Negra en e! Cano Sur (Buenos Aires, 200, co-editor, com

Gustavo Lins Ribeiro, Do livro Argentinos e Brasileiros: Encontros, imagens e esteriâtipos (Brasil,

2002); co-autor (com Carlos Hasenbalg) de imigrantes brasileiros na Argentina (Rio de Janeiro,

1999). Publicou mais de cinquenta trabalhos sobre religiões afro-brasileiras, migrantes brasileiros,

cultura negra e novos movimentos religiosos em revistas científicas e livros de Argentina, Brasil,

Estados Unidos, Itália, França, Bélgica, Uruguai e México. '

O PERCEVEJO ANO fi, 2003, NU 12: 51 A 67