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Trabalhador(a) da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social Estamos iniciando o Programa Estadual de Capacitação para Implementação e Consolidação da Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do Sistema Único da Assistência Social (NOB-RH/SUAS) em São Paulo. A Secretaria de Desenvolvimento Social estruturou, em parceria com a Fundap, um plano de capacitação para seus servidores que abrange todas as cidades do Estado de São Paulo. Os diversos Polos de Capacitação distribuídos pelo Estado serão espaços de aprendizagem, integração, intercâmbio de experiências e práticas sociais. Nosso maior desafio é que cada um de vocês tenha acesso a um debate comprometido com mudanças e com a realidade social paulista. Você, servidor(a), está recebendo a cartilha com o primeiro módulo do plano, que vai deba- ter a Política de Assistência Social. Também participará de um ambiente virtual de formação e terá acesso contínuo ao portal do curso. Tudo que for relacionado à Política de Assistência e Desenvolvimento Social estará à sua disposição nas aulas, na cartilha ou no portal. Para este curso, planejamos um resgate histórico da construção da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), da Política de Assistência Social (PAS) e da consolidação do Sistema Único da Assistência Social (SUAS). Estamos, a partir deste curso, organizando o projeto Escola de Desenvolvimento Social de São Paulo (Edesp), que será um espaço continuado de formação, capacitação e publicação de experiências e práticas sociais. Bom curso a todos. Rodrigo Garcia Secretário de Estado de Desenvolvimento Social POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL 01 curso NOB_RH_cap1_P5.indd 1 20/01/12 16:16

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Trabalhador(a) da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social

Estamos iniciando o Programa Estadual de Capacitação para Implementação e Consolidação da Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do Sistema Único da Assistência Social (NOB-RH/SUAS) em São Paulo.

A Secretaria de Desenvolvimento Social estruturou, em parceria com a Fundap, um plano de capacitação para seus servidores que abrange todas as cidades do Estado de São Paulo.

Os diversos Polos de Capacitação distribuídos pelo Estado serão espaços de aprendizagem, integração, intercâmbio de experiências e práticas sociais.

Nosso maior desafio é que cada um de vocês tenha acesso a um debate comprometido com mudanças e com a realidade social paulista.

Você, servidor(a), está recebendo a cartilha com o primeiro módulo do plano, que vai deba-ter a Política de Assistência Social. Também participará de um ambiente virtual de formação e terá acesso contínuo ao portal do curso.

Tudo que for relacionado à Política de Assistência e Desenvolvimento Social estará à sua disposição nas aulas, na cartilha ou no portal.

Para este curso, planejamos um resgate histórico da construção da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), da Política de Assistência Social (PAS) e da consolidação do Sistema Único da Assistência Social (SUAS).

Estamos, a partir deste curso, organizando o projeto Escola de Desenvolvimento Social de São Paulo (Edesp), que será um espaço continuado de formação, capacitação e publicação de experiências e práticas sociais.

Bom curso a todos.

Rodrigo GarciaSecretário de Estado de Desenvolvimento Social

política de assistência social01cu

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sumário

Capítulo 1A ASSISTÊNCIA SOCIAL NO BRASIL: COMO CHEGAMOS ATÉ AQUI ....................................................................................... 3

Capítulo 2BEM-ESTAR À BRASILEIRA: ORIGENS, ESTRUTURA, PRINCÍPIOS E DESAFIOS ...................................................23

Capítulo 3A POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL DE 1998 E A NOVA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL INICIADA EM 2004 ...........................................................................................39

Capítulo 4A ESCLEROSE DE UM MODELO: DO ESTADO DE BEM-ESTAR AO ESTADO ESTRATÉGICO .......................................55

Capítulo 5TIPIFICAÇÃO DOS SERVIÇOS SOCIOASSISTENCIAIS ..............................................67

Capítulo 6ASSISTÊNCIA SOCIAL E O COMBATE À POBREzA ...................................................93

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A ASSISTÊNCIA SOCIAL NO BRASIL:COMO CHEGAMOS ATÉ AQUI Marcelo Garcia

1capítulo

Marcelo Garcia é assistente social. exerceu a Gestão social

nacional, estadual e Municipal. atualmente é professor em

cursos livres, de extensão e especialização, além de diretor

executivo da consultoria agenda social e cidades. desde

2009 trabalha e estuda de forma continuada estratégias

para combater a pobreza. escreve diariamente para o site

<http://www.marcelogarcia.com.br>.

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4 | Política de Assistência Social

“A assistência social no Brasil: como chegamos até aqui” é um texto que nos convida a refletir sobre um campo carregado de história, a partir do lugar que ocupamos nos diferentes cenários do trabalho profissional.

A palavra “aqui”, utilizada pelo autor, é um advérbio e expressa uma circunstância de lugar. “Aqui” é o contexto brasileiro, é o lugar do conhecimento, do pensamento e da intervenção produzida. A conjugação do verbo “chegar” no presente do indicativo e na primeira pessoa do plural – “chegamos” – nos inclui no processo e mostra uma ação em desenvolvimento, inaca-bada. O texto exprime, portanto, outros tempos e confirma que nenhum processo histórico se constitui a partir dele mesmo. Refere-se a um antes, a um agora e a um depois. Assim, várias temporalidades produzidas em movimentos mais amplos da sociedade (verificadas a partir de políticas, práticas sociais, conceitos e projetos profissionais) estão presentes no cotidiano da Política de Assistência Social.

Ao ler o texto, experimente escrever a história da assistência social que você conhece: elenque os fatos que vivenciou; reflita sobre as circunstâncias políticas, econômicas e históricas em que eles foram produzidos; relembre textos que leu; recupere conceitos e práticas; liste autores, autoridades, lideranças políticas, técnicos, colegas de trabalho e usuários dos serviços que apon-taram questões, propostas e desafios e, principalmente, reflita sobre o seu lugar nesse processo.

Esse exercício relaciona-se com a questão central que alicerça o texto: a assistência social tal qual conhecemos hoje é e será sempre produto da história; retém e mantém parte das experiências e dos valores acumulados e ao, mesmo tempo, institui, cria e inova seu próprio campo de conhecimento, de normatização e de intervenção. Coexistem o antigo e o novo, o instituído e o instituinte, o favor e o direito, a política de governo e a política de Estado, o isolamento institucional e a noção de sistema de gestão etc. Mas o que move esses processos? É a história dos sujeitos coletivos, inseridos em movimentos democráticos de controle social, de resistência e luta política.

Com o texto em questão, aprenderemos que a assistência social como área de política de Estado é condicionada pelo contexto em que foi gerada e carrega múltiplas determinações e contradições. Cada período da história, cada governo, cada gestor(a) e trabalhador(a) da área incorpora e acomoda (ou não) – em ritmos e níveis distintos – temas, saberes, diretrizes e formas de execução. É importante você identificar esse movimento e encontrar nele possibi-lidades de mudança a partir de si e de seu circuito de relações e intervenções.

Note que o texto descreve os marcos da assistência social desde a Constituição de 1988 até a Lei do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) de 2011 e apresenta elementos para discussão das lacunas e tensões presentes na construção política desse campo.

PARA ORIENTAR SUA LEITURA...

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Política de Assistência Social | 5

Como convite à leitura destacamos a referência do autor à Legião Brasileira de Assistência (LBA), instituição criada em 1942 que introduziu a assistência social no âmbito governa-mental, deixando-a sob responsabilidade direta das primeiras-damas. Com mais de 50 anos de existência, ela protagonizou avanços e retrocessos. Produziu um campo de práticas e de trabalho profissional, gerou conhecimentos, firmou parcerias com entidades filantrópicas, se fez presente nos âmbitos municipal, estadual e federal. Todo o seu acervo de conhecimen-tos e de práticas sociais foi extinto subitamente em 1995. O modo como isso aconteceu revelou um desrespeito à memória institucional, à história e às demandas dos trabalhadores. Contextualizar esse fato é fundamental para entender as decisões políticas dos governos e o modo como se produz a gestão do trabalho.

Por fim, o autor desafia o(a) leitor(a) a promover de muitas formas o desejo de aprender, de refletir, de acreditar e de mudar a história da assistência social a partir do seu cotidiano de trabalho, na direção dos direitos de cidadania.

Ao ler o texto, procure relacioná-lo ao seu local de trabalho e pensar nas seguintes questões:

1. A assistência social no município/DRADS onde trabalho: como chegamos até aqui?

2. A dimensão legal (CF; LOAS; PNAS; NOB-SUAS; NOB-RH; Lei do SUAS) dá o direciona-mento, estabelece a dimensão normativa e propositiva. Mas como se dá o manejo da Política de Assistência Social nas prefeituras e nas DRADS? A lei como instrumento mobi-liza competências e habilidades?

3. A assistência social cresceu em regulação, serviços, financiamento e número de trabalha-dores, mas qual o significado e a direção desse crescimento?

4. No seu cotidiano de trabalho, você consegue analisar e redefinir metodologias e fun-damentos daquilo que faz? Existe um espaço coletivo de reflexão no qual é possível debater as concepções que orientam as intervenções e os efeitos políticos e sociais das práticas produzidas?

5. Como incorporar no cotidiano do trabalho os temas, conceitos e diretrizes do SUAS? Essa incorporação depende apenas de aquisições conceituais e políticas dos(as) trabalhadores(as)?

6. O que já foi feito no seu local de trabalho para tirar a NOB-RH do SUAS da prateleira, discuti-la e criar uma agenda para a gestão do trabalho?

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6 | Política de Assistência Social

Pretendo compartilhar neste texto minha leitura sobre a história da Política de Assistência Social no Brasil. E também avaliar os caminhos que nos trouxeram até aqui e quais são os

desafios para que uma agenda possível, realista e concreta consolide a assistência social como política pública, e não como estratégia utilizada para fazer a gestão diária da pobreza.

Na soma de minhas leituras, vivências, percepções e estudos, resumo um pouco do debate que venho fazendo com um grupo de assistentes sociais, desde 1991, quando ainda era estudante do curso de serviço social da Universidade Federal Fluminense.

Ao longo deste texto, serão comentados todos os artigos da Lei Orgânica da Assistência Social, de modo a avançar na identificação de uma linha histórica que leva a assistência social do campo do favor para o campo do direito.

Marcelo Garcia

1. Filantropia e caridade: o direito como favor

As práticas de proteção social não são recentes no Brasil. Mas essas ações, e mesmo os programas voltados para a proteção, foram realizadas sempre sob o manto da caridade, da solidariedade ou da filantropia, marcadas por uma “responsabilidade” de fundo ético ou religioso.

A Constituição de 1988 deu uma enorme guinada em direção à concepção da pro-teção social como direito. A partir desse ano, a assistência social ganhou o status constitucional de política de seguridade social, passando a ser um direito do cidadão, e não um “favor” do Estado ou de entidades filantrópicas.

A ASSISTÊNCIA SOCIAL NO BRASIL:COMO CHEGAMOS ATÉ AQUI

1capítulo

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Política de Assistência Social | 7

Essa concepção, porém, só vai ser regulamentada na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), que, em 1993, consolida um novo modelo de proteção social para o Brasil. Cinco anos depois da promulgação da Constituição, a LOAS traça novos caminhos para viabilizar a estruturação de um sistema de garantia de direitos. No entanto, o antigo demorou a dar lugar ao novo, e ainda permaneceu, como prota-gonista das ações na área, a antiga série histórica. A série histórica é constituída de um conjunto de instituições que atuam de forma muito marcada por ações e metodologias que não reconhecem o Estado como a inteligência do processo de definição e condução das estratégias de proteção social.

Hoje, a Constituição já tem 23 anos e a LOAS completou 18, mas ainda falta muito para que possamos consolidar a Política de Assistência Social como direito universal, e não benesse pontual.

Vamos rever a história desde 1989 até hoje.

A Legião Brasileira de Assistência (LBA) ainda era uma estrutura muito sólida quando a Constituição de 1988 foi promulgada. As estruturas estaduais e munici-pais eram dependentes de “lógicas” e arranjos políticos; dependiam dos recursos financeiros da Legião e de seus programas totalmente centralizados, formulados nos gabinetes em Brasília. A LBA cresceu tanto que ficou mais complexo e difícil cuidar de sua estrutura do que da missão que a instituição precisava cumprir.

No entanto, é sempre oportuno lembrar que foi dentro da LBA que surgiram os primeiros e principais debates que levaram os constituintes a entender que a assistência social precisava ser compreendida e executada como um direito. A LBA não foi apenas um espaço de clientelismo, politicagem e corrupção. Houve muita vida inteligente nela pensando um novo caminho para a assistência social; houve profissionais que formularam um caminho pelo qual a área deixasse de ser refém dos projetos políticos eleitorais. Conheci muitos técnicos de qualidade na LBA, que ajudaram a pensar e formular o texto da LOAS.

Entre 1988, então governo Sarney, e 1993, governo Itamar Franco, quando a LOAS foi promulgada, muita água rolou sob a ponte que erguia uma política de atendimento social. O governo Sarney propôs o Tudo pelo Social; o governo Collor entregou aos brasileiros o Minha Gente e o governo Itamar criou os Comitês de Cidadania.

a constituição de 1988 deu uma enorme guinada em direção à concepção da proteção social como direito

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Esses programas nacionais foram criados como “marcas” para cada governante, sem uma avaliação da diversidade social do país e sem um compromisso real com a diminuição da pobreza. Todos traziam implícito, em sua divulgação e execução, o viés da concessão, do favor ou da benesse. Essa característica pode ser atribuída a governantes das três esferas de governo que sempre fizeram questão de perso-nalizar ações sociais, vinculando seu nome a programas anunciados mais como benesses do que como direito do cidadão. Além disso, havia o recorrente mau uso da máquina pública, que vinha à tona na forma de escândalos, como no período Collor, em que, sob a presidência da primeira-dama, a LBA se transformou em caso crônico de polícia.

Esse foi um tempo em que os presidentes da LBA e os ministros da área social ocupavam os cargos não por mérito ou por trazerem um projeto para gestão social, mas por razões que eu diria que “a própria razão desconhece”.

2. Erros e acertos: a caminho da consolidação do direito à proteção social

Em 7 de dezembro de 1993, a LOAS foi promulgada pelo presidente Itamar Franco. Não foi fácil chegar ao texto final dessa lei. Muitas concessões precisaram ser feitas para equacionar as estruturas históricas, consolidadas pela prática da caridade, com uma nova estratégia que propunha a construção de uma rede de proteção social sob a responsabilidade do Estado, de acordo com a Constituição de 1988.

A primeira proposta de texto da LOAS nem sequer seguiu ao plenário do Congresso Nacional, e, depois de uma longa negociação, foi produzido um “texto possível”. De lá para cá, os caminhos para a consolidação do direito à proteção social não têm sido simples, e muito menos fáceis de trilhar.

Em 1995, o presidente Fernando Henrique Cardoso extinguiu a LBA por decreto, sem se preocupar em preencher o lugar vago. A LBA deveria acabar? Deveria mudar? Muitos responderiam que sim a essas perguntas. Mas essas questões nem sequer foram formuladas. Um decreto selou o destino de uma instituição histó-rica, extinguindo-a da noite para o dia, sem nenhum planejamento para garantir o conhecimento acumulado durante décadas. Seus servidores foram redistribuídos, inclusive para ministérios de outras áreas, e muitas histórias e experiências, que deveriam ser registradas e consideradas, se perderam.

O fim da LBA poderia ter sido um ótimo momento para que Estados e municípios criassem suas estruturas para as ações da área social, e isso seria possível com os servidores da LBA e da Funabem. Mas, naquele distante 1995, o governo federal dava sinais de que não acreditava no modelo de proteção social definido pela LOAS, e não houve um plano para organizar e implantar estruturas que viabilizas-sem uma gestão de fato descentralizada.

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Política de Assistência Social | 9

Com o fim da LBA, a assistência social se vinculou ao recém-criado Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS). No Ministério, a Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS) assumiu as atri-buições e a missão da LBA e do também extinto Ministério do Bem-Estar Social. A Secretaria do MPAS acabou tendo dificul-dade de encontrar um caminho inovador em relação à atuação da LBA e, durante o ano de 1995, tateou em busca de seus rumos. Além disso, a secretaria convivia de perto com um programa que se desenvolvia em paralelo às ações governamentais na área social – o Comunidade Solidária, sob o comando da primeira-dama Ruth Cardoso.

O Comunidade Solidária era definido como inovador e revolucionário no fazer social, pois propunha a participação de toda a sociedade na construção de um projeto de desenvolvimento local e atuava efetiva-mente no município, fomentando a mobili-zação social.

No entanto, a SNAS e o Comunidade Solidária operaram separados por um imenso abismo, divorciados em suas práticas e concepções, sem dialogar. Sobretudo, não refletiam o que a LOAS nos indicava.

Ainda em 1995, quando da extinção da LBA, aconteceu em Brasília a I Conferência Nacional de Assistência Social, prevista na LOAS. A conferência havia sido convocada pela presidência da República, e, em todo o Brasil, foi iniciado um amplo debate, com a efetiva participação da sociedade, sobre a agenda necessária para consolidar a LOAS e a Política de Assistência Social, que, nesse momento, ganhava seus primeiros contor-nos como direito, e não como favor.

No ano seguinte, 1996, começou o pro-cesso de estadualização da assistência social, ainda totalmente contaminado pelos procedimentos antigos e pela série histórica da LBA. Os convênios que

garantiam o financiamento das entida-des, antes feitos pela LBA, passaram a ser realizados pelos Estados, mas os atores continuaram praticamente os mesmos. A confusão não foi pequena.

Apesar disso, 1996 foi um ano importante para a assistência social, pois demarcou, mesmo com dificuldades e contradições, o abandono do modelo da antiga, histó-rica e “imexível” Rede de Serviços de Ação Continuada, a rede SAC – formatada para o atendimento em creches, asilos, abrigos e centros de reabilitação para pessoas com deficiência –, em direção à busca de novas ideias e estratégias de proteção social.

A partir desse ano, foi implantado o Benefício da Prestação Continuada (BPC), para idosos e portadores de deficiência, e foi criado o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti). A gestão na SNAS de Lúcia Wânia, hoje senadora por Goiás, teve o mérito fundamental de estrutu-rar o processo de descentralização, que começou pela estadualização e, por fim, municipalização das ações. Sua gestão também conduziu, no Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), a aprova-ção da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e a aprovação da Norma Operacional Básica (NOB).

É muito importante destacar também que tanto o BPC quanto o Peti nasceram com liberdade em relação à rede SAC.

Em 1997, foi realizada a II Conferência Nacional de Assistência, mas em caráter extraordinário e com mais dificuldades de mobilização social do que a primeira.

Em 1999, a SNAS transformou-se em Secretaria de Estado de Assistência Social (SEAS), com status de ministério. A gestão da secretária de Estado Wanda Engel foi então marcada pela ampliação do processo de municipalização; pelo aumento em

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larga escala do Peti; pela diminuição da idade mínima para ter direito de acesso ao BPC, que caiu de 70 para 67 anos; pela criação dos núcleos de apoio à família, hoje Centros de Referência de Assistência Social; e pela criação do Programa Agente Jovem de Desenvolvimento Social e Humano (PAJDSH).

A SEAS coordenou também o Projeto Alvorada, um pacto nacional contra a pobreza, que envolve diferentes minis-térios. A secretária Wanda Engel exercia, então, uma forte liderança no processo de qualificação de programas e projetos de combate à pobreza. Em sua gestão foi ins-talada a Comissão Intergestores Tripartite (CIT), que teve como seu primeiro coor-denador o secretário de Políticas Sociais Álvaro Machado. Também foram criadas as Comissões Intergestores Bipartites em todos os Estados.

A gestão da SEAS, entre 1999 e 2002, avançou bastante e alicerçou muitas das bases da atual Política Nacional de Assis-tência Social (PNAS).

No entanto, no primeiro ano da secreta-ria, em 1999, a III Conferência Nacional de Assistência Social não foi convo-cada, gerando um grande desgaste entre o governo federal e os movimentos que defendiam o fortalecimento da assistência social. Apenas dois anos depois, em 2001, aconteceria essa III Conferência, na qual ficou evidente que a antiga luta entre as práticas da caridade, do voluntariado e da solidariedade e as novas concepções da proteção estatal como direito continuava viva. Nesse momento, os dois lados entram em sua maior rota de colisão desde a pro-mulgação da LOAS. A III Conferência dei-xou marcas profundas e disputas acirradas que só foram resolvidas (se é que o foram) no movimento pelo Projeto de Lei SUAS, a partir de 2008.

A gestão da SEAS entre 1999 e 2002, ape-sar dos avanços, cometeu alguns equívo-cos, e o principal deles talvez tenha sido a municipalização aprisionada por pro-gramas sociais federais. Sempre defendi uma municipalização mais ampla, mas o governo acreditava na descentralização do financiamento, e não na liberdade federa-tiva para que os municípios pudessem defi-nir suas próprias ações.

Foi nesse período que o governo federal definiu a unificação das transferências de renda num único cartão, a partir de um único cadastro, o CadÚnico. A partir daí, os municípios foram transformados em meros cadastradores do governo fede-ral. A unificação era muito importante, mas foi entendida de forma errada tanto pelos gestores federais como pelos ges-tores municipais.

Em 2003, com o novo governo eleito, foi criado o Ministério da Assistência e Promoção Social, e o comando foi dele-gado à ex-governadora do Rio de Janeiro, Benedita da Silva. Foi um ano de profun-dos retrocessos na política de assistência.

eM todo o brasil,foi iniciado um amplo debate, com a efetiva participação da sociedade, sobre a agenda necessária para consolidar a LOAS e a Política de Assistência Social, que, nesse momento, ganhava seus primeiros contornos como direito, e não como favor

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Boas ações e processos adequados, já consolidados, foram desarticulados apenas porque eram do governo anterior. O grupo que estava no comando do ministério não era o grupo histórico na área, comprometido com o debate da Constituição, da LOAS e com o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), que estava nas-cendo. Durante essa gestão, a CIT quase não se reuniu, os pagamentos atrasavam e o CNAS manifestava sérias preocupações com o andamento da Política de Assistência Social.

A gestão foi tão marcada pela ineficiência, que levou o governo a interferir para mudar rumos e estratégias. Além de tudo isso, o Programa Bolsa Família, que seria a marca do governo no combate à pobreza, ia sendo construído fora do Ministério da Assistência Social.

Nesse ano de 2003, bastante complexo para a área, foi realizada, em dezembro, a IV Conferência Nacional de Assistência Social. Foi aí que o SUAS nasceu com força, aprovado a partir de uma mobilização ampla e coesa na conferência.

Estávamos vivendo um sonho: tínhamos nosso Ministério da Assistência. Mas o sonho durou pouco e, em janeiro de 2004, o ministério foi extinto.

3. Apressando o passo: Sistema Único de Assistência Social

Com a aprovação do SUAS, a criação do Bolsa Família, o fracasso do Fome Zero e a urgência de uma política social unificada e forte, foi criado, logo a seguir, ainda no início de 2004, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), que passou a ser comandado pelo ex-prefeito de Belo Horizonte e deputado federal Patrus Ananias.

Nesse mesmo ano, chegam à gestão nacional os maiores responsáveis pelo debate que garantiu que a assistência social fosse inserida no conjunto do sistema de seguridade social, na Constituição de 1988. Foi esse grupo também que estruturou o texto da LOAS, em 1993.

E o MDS foi rápido. Unificou os programas sociais que estavam dispersos em vários ministérios e montou uma equipe integrada por profissionais que historicamente defendiam a assistência social. Foram aprovadas pelo CNAS a Nova Política Nacional de Assistência Social e também uma nova Norma Operacional Básica, a NOB/SUAS.

A NOB/SUAS é responsável por avanços significativos, como a implantação dos pisos de proteção no financiamento da assistência social e o respeito à diversidade nacional, mas é preciso apontar que, nos últimos três anos, até hoje, a agenda federal ainda permanece como prioridade na Política de Assistência Social.

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No entanto, também não posso deixar de declarar que o MDS tem sido fundamen-tal para os municípios. Costumo dizer que o financiamento do MDS não pode ser o ponto de chegada, e sim o ponto de partida para as ações locais da assistência, mas o que ocorre de fato é que o MDS é o grande financiador da área em todo o Brasil.

Na gestão do ministro Patrus Ananias, foi realizada, em 2005, a V Conferência Nacional de Assistência Social. A confe-rência aprovou o plano decenal da assis-tência social e apontou a urgência da NOB de recursos humanos. A NOB-RH acabou sendo pactuada na CIT e apro-vada pelo CNAS no final de 2006.

Nessa gestão do MDS, a concentra-ção da transferência de renda foi man-t ida , mas o Conse lho Nacional de Gestores Munic ipais de Ass istência Social (Congemas), em parceria com a Secretaria Nacional de Renda e Cidadania (Senarc), conduziu a negociação que resultou na criação, em 2006, do Índice de Gestão Descentralizada (IGD), que mede a qualidade da gestão descentrali-zada do Bolsa Família e permite o repasse de um recurso mensal para que os muni-cípios aprimorem seus serviços no cadas-tro das famílias.

A VI Conferência Nacional de Assistência Social aconteceu em 2007. O grande des-taque da conferência foi a participação da secretária nacional de assistência social Ana Lígia Gomes, que fez uma palestra

exemplar e foi aplaudida de pé pela pla-teia por vários minutos. Ana deu o tom da VI Conferência: convocou a todos para um momento de seriedade, responsabilidade e mudança. A VI Conferência proporcionou aos participantes um encontro profundo com a responsabilidade do Estado no dese-nho e na condução da proteção social.

O ano de 2008 representou uma espécie de reta final para várias administrações muni-cipais. O MDS comemorou quatro anos. Ao mesmo tempo, o CNAS vivia seu momento de maior crise. Foi justamente essa crise que acelerou dois importantes avanços: o Projeto de Lei de Certificação de Entida-des Beneficentes de Assistência Social (PL CEBAS) e o Projeto de Lei do Sistema Único de Assistência Social (PL SUAS).

Em 2009, a VII Conferência Nacional de Assistência Social foi amplamente aberta à participação de usuários – um momento especial na história das conferências.

Em março de 2010, o ministro Patrus Ananias deixa o ministério, e a professora e assistente social Márcia Lopes, que havia sido secretária nacional de assistência social e secretária executiva, o assume.

Em 2011, assume o MDS a ministra Teresa Campelo, com a responsabili-dade de conduzir o Programa Brasil Sem Miséria. É importante destacar, aqui, que o Brasil Sem Miséria nasce fora da assis-tência social, mas vamos discutir essa questão em outro texto.

estávaMos vivendo uM sonho: tínhamos nosso Ministério da Assistência. Mas o sonho durou pouco e, em janeiro de 2004, o ministério foi extinto

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4. Marcos importantes da assistência social

1988 A nova Constituição Federal define o grande marco regulatório da Política de Assistência Social (PAS). A assistência social é política pública de seguridade social, não contributiva e direito do cidadão.

1993 Promulgação da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), que regulamenta os artigos da Constituição que tratam da questão.

1995 É implantado o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), substituindo o Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS).

É realizada a I Conferência Nacional de Assistência Social, precedida de conferên-cias municipais, regionais e estaduais.

1996 Experimenta-se o processo de estadualização dos repasses dos recursos do Fundo Nacional de Assistência Social como etapa de transição para sua municipalização.

São implantados o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), já na lógica da descentralização e da articu-lação federada.

1997 Início do processo de municipalização das ações e dos recursos da Política Nacional de Assistência Social (PNAS).

Aprovação, no CNAS, da primeira Política Nacional de Assistência Social. Também é realizada a II Conferência Nacional de Assistência Social, precedida de conferên-cias municipais, regionais e estaduais.

1998 Aprovação, no CNAS, da Norma Operacional Básica, conhecida como NOB 1.

Aprovação da segunda Política Nacional de Assistência Social pelo CNAS.

1999 Publicação da Norma Operacional Básica, conhecida como NOB 2, no CNAS; são instaladas as Comissões Intergestores Tripartite (nacional) e Bipartites (estaduais).

Inicia-se a implantação dos núcleos de apoio à família, que, em 2004, serão defini-dos como Centros de Referência de Assistência Social (CRAS).

2001 III Conferência Nacional de Assistência Social, precedida de conferências munici-pais, regionais e estaduais.

Início do processo do Cadastro Único dos Programas Sociais (CadÚnico).

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2003 É aprovado, na IV Conferência Nacional de Assistência Social, o Sistema Único de Assistência Social (SUAS).

2004 É aprovada pelo CNAS a segunda Política Nacional de Assistência Social, insti-tuindo o SUAS.

2005 A Norma Operacional Básica é pactuada na Comissão Intergestores Tripartite (CIT) e aprovada no CNAS após consulta pública e ampla discussão por todo o país.

O CNAS organiza amplo debate nacional sobre o Artigo 3º- da LOAS, buscando a definição real para as entidades de assistência social.

As Comissões Intergestores Bipartites (CIB) habilitam os municípios aos novos modelos de gestão (inicial, básica e plena); é aprovado o Plano Decenal – SUAS e também os critérios e metas nacionais para o Pacto de Aprimoramento da Gestão Estadual.

Ocorre a V Conferência Nacional de Assistência Social, precedida de conferências municipais, regionais e estaduais. Nessa conferência é definida a fotografia da assistência social e é aprovado o Plano Decenal da Assistência Social no Brasil.

2006 São aprovados a Norma Operacional de Recursos Humanos do Sistema Único de Assistência Social, NOB-RH, e os critérios e as metas nacionais para o Pacto de Aprimoramento da Gestão Estadual.

2007 Os Estados assinam com o governo federal os Pactos de Aprimoramento da Gestão Estadual da Assistência Social.

Ocorre a VI Conferência Nacional de Assistência Social, precedida de conferências municipais, regionais e estaduais.

2008 O PL CEBAS e o PL SUAS são encaminhados ao Congresso Nacional. Até aqui o SUAS ainda não é lei.

2009 É publicada a Resolução nº- 109 (Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais) após amplo debate e pactuação na CIT e aprovação no CNAS.

É realizada a VII Conferência Nacional de Assistência Social, precedida de confe-rências municipais, regionais e estaduais.

2010 O PL CEBAS é aprovado pelo Congresso e sancionado pelo presidente Lula.

2011 É lançado o Programa Brasil Sem Miséria com a coordenação geral do MDS.

O PL SUAS é aprovado pelo Congresso e sancionado pela presidenta Dilma. O SUAS se torna lei.

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Mas ainda temos muita estrada para trilhar. Sugiro uma agenda a ser debatida:

1. Liberar os saldos nos fundos de assistência social municipais e estaduais, de 1996 a 2008, por meio de medida provisória, para o fortalecimento da proteção básica, pois precisamos avançar mais rapidamente na implantação dos CRAS.

2. Aumentar os recursos de serviços até 2015, pelo menos 5%, a cada ano.

3. Exigir dos Estados o Pacto de Aprimoramento da Gestão e que eles cofinanciem os municípios por meio de pisos próprios de financiamento.

4. Apoiar os municípios no pagamento de servidores públicos para a implantação do SUAS.

5. Aumentar os recursos de inclusão produtiva para as famílias do Programa Bolsa Família.

6. Implantar uma política para a população em situação de rua nos grandes centros urbanos.

7. Definir um financiamento mínimo para a Política de Proteção Especial. Hoje, os recursos existentes são inexpressivos para o tamanho do problema que o Brasil tem para enfrentar.

8. Unificação dos programas para a juventude que estão dispersos e sem força.

9. Retirar a NOB-RH de alguma prateleira escondida e constituir uma sólida agenda para a gestão do trabalho na área social.

10. Aprovar a Lei de Responsabilidade Social com total ênfase no Plano Decenal aprovado pela V Conferência Nacional de Assistência Social, em 2005.

11. Articular programas de combate à pobreza com a Política de Assistência Social. Esse divórcio fragiliza tanto a LOAS como o SUAS.

Deixo cinco itens para que você complete a agenda:

12. .............................................................................................................................................................................

..............................................................................................................................................................................

13. .............................................................................................................................................................................

..............................................................................................................................................................................

14. .............................................................................................................................................................................

..............................................................................................................................................................................

15. .............................................................................................................................................................................

..............................................................................................................................................................................

16. .............................................................................................................................................................................

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5. A identidade da assistência social e o CRAS

É preciso debater com seriedade a situação e a precariedade dos CRAS, que são a porta de entrada no SUAS. O CRAS precisa ser um espaço que expresse e consolide a identidade fundamental para a atuação e o trabalho da assistência social.

Aqui, deixo uma contribuição do que deve ser um CRAS.

Um pouco “cansado” de explicar em cursos e palestras o que é um CRAS, fiz um exercício novo e começo dizendo o que não é um CRAS. Esse exercício mostrou-se eficaz, pois é a partir da identidade e do fazer social do CRAS que vamos constituir a Agenda Técnica, Política e Social do Sistema Único de Assistência Social.

O QUE NÃO É UM CRAS?

Não é salão para casamentos ou aniversários.

Não é sede da associação de moradores.

Não é local para atividades voluntárias.

Não é centro comunitário.

Não é local para implantar gabinete dentário.

Não é local para consultório médico.

Não é local para atividades religiosas, como curso para casais.

Não é um espaço para atividades partidárias.

Não é um clube de serviços.

Não é sede de ONG.

Não é Centro de Capacitação Profissional.

Não é local para programas de educação.

Não é o quartel-general de espera.

Não é polo de cadastramento do Bolsa Família.

Não é um local de atuação apenas dos assistentes sociais.

Não é um espaço para psicólogos fazerem clínica.

O QUE É UM CRAS?

É um espaço estatal (do Estado).

É o espaço institucional de referência para o atendimento de famílias e o encaminhamento para as demais políticas.

É um espaço de coordenação do mapeamento de possibilidades do território.

É um espaço de coordenação e investigação das ausências do território.

É um espaço multidisciplinar.

É um espaço de vigilância socioassistencial e territorial.

Deve ter estratégias de busca ativa.

Deve organizar grupos de debates sobre temas urgentes e para o fortalecimento da família.

É um espaço que deve prover resultados para as famílias em suas privações sociais.

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6. Encarando alguns problemas

Chegamos até aqui com muito esforço e com muita luta. Faltaram estratégias e uma negociação mais ampla com a sociedade em muitos momentos de nossa trajetória. Não está nada fácil fazer gestão social, e acho muito importante destacar alguns motivos para isso, para que possamos refletir, agir e mudar:

• temos trabalhadores e técnicos com pouca referência teórica sobre as con-tradições do Brasil;

• temos trabalhadores e técnicos imaturos politicamente, sem uma compre-ensão adequada do papel do Estado na garantia da proteção social;

• baixos salários para os trabalhadores e técnicos;

• as universidades estão divorciadas da realidade social do país, formando trabalhadores sem leitura do fazer social;

• a sociedade está descolada do dia a dia da gestão social;

• existe uma preocupação em garantir inclusão em projetos e programas, mas não com uma inclusão social sustentável;

• ainda vivemos a ausência de monitoramento e de cobrança por resultados.

Poderia citar inúmeras outras questões que me preocupam, mas deixo aqui apenas essas, que já são bastante graves. Temos um sério problema com os trabalhadores. Com formação precária, eles têm poucos recursos para lidar com os desafios da realidade social do Brasil. Não sabem compreender, por exemplo, nossos principais problemas e muito menos conseguem organizar estratégias de solução. Nesse ponto, a gestão passa a ser fundamental, pois somente ela pode desmontar o “jeitinho” de resolver os problemas dos pobres.

Sem trabalhadores articulados, capacitados e com processo de supervisão técnica não existe gestão social.

Sem avaliação, monitoramento e busca de resultados a gestão social é nula.

Tenho insistido que temos feito, na verdade, gestão da pobreza. Fazer gestão da pobreza é mais ou menos seguir o modelo “deixa como está para ver como é que fica”. A sociedade não cobra e também já não espera resultados na área social. Ela olha com distanciamento para o que está sendo feito. E isso é péssimo!

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Mas eu não estou desanimado! E você não pode desanimar! Nós não podemos desanimar! Ao contrário, a hora é de atuar.

Faça suas propostas de mudança. Comece por indicar cinco pontos e mande-os para seu gestor:

1. ................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................

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2. ................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................

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3. ................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................

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4. ................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................

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5. ................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................

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Boa sorte! Bom trabalho! Confie na Política de Assistência Social e em seu trabalho.

Fazer Gestão da pobreza é mais ou menos seguir o modelo “deixa como está para ver como é que fica”

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Política de Assistência Social | 19

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20 | Política de Assistência Social

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Política de Assistência Social | 21

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BEM-ESTAR À BRASILEIRA: ORIGENS, ESTRUTURA, PRINCÍPIOS E DESAFIOS Daniel Cabaleiro Saldanha

2capítulo

Bacharel e mestre em Direito pela Universidade Federal

de Minas Gerais (UFMG), laureado com o prêmio Barão do

Rio Branco. Além disso, é assessor especial do governador

do Estado de Minas Gerais e advogado.

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“Bem-estar à brasileira: origens, estrutura, princípios e desafios” é um texto que sintetiza o processo histórico de fundação dos direitos e de conformação jurídica e institucio-nal do Estado. Tece conexões entre fatos históricos – da Revolução Francesa (1789) à Constituição brasileira de 1988 – determinantes dos movimentos, significados e funda-mentos do contrato social.

O autor desenvolve um enredo sobre o Estado social e aponta os dilemas decorrentes de suas características constitutivas. Ele aproxima essa reflexão do contexto brasileiro e assi-nala o modo tardio com que se originaram no país o debate e as manifestações sobre o bem-estar.

Ainda, ele ilumina a Constituição de 1988, que instituiu um padrão público universal de proteção social, interpretado posteriormente “como princípios programáticos de eficácia limitada”. O texto tangencia os embaraços da materialidade da Constituição e o “descom-passo com a realidade cotidiana da administração”. Toca, portanto, num ponto crucial de uma República que quer firmar-se como Estado democrático de direito. A cena da nossa época tem sido essa. Contudo, permanece em curso mobilizações e contramobilizações de interesses e diversos projetos de sociedade, com arenas definidas de forças sociais.

Trata-se, por certo, de um texto relevante para todos(as) aqueles(as) que lidam, pensam e trabalham no âmbito da Política de Assistência Social e defendem a consolidação de um sistema público interventor e produtor de justiça social.

Ao ler o texto, procure relacioná-lo ao seu local de trabalho e pensar nas seguintes questões:

1. Qual o sentido de igualdade no Estado social?

2. O princípio da universalidade e o princípio da subsidiariedade estão presentes nos serviços da Política de Assistência Social? Problematize essa questão.

3. O Estado social pode prestar serviços ao setor privado e também comprar serviços deste sem que isso se configure fragilização de direitos?

PARA ORIENTAR SUA LEITURA...

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1. Breve síntese histórica: conceitos e evolução

Atribuiu-se a Antoine-François Momoro o motto da Revolução Francesa: liberté, egalité, fraternité [liberdade, igualdade, fraternidade]. A admissão dos valores cen-trais do humanismo e do Iluminismo no interior da Revolução, mais que desnudar sua origem burguesa, lançou as bases da moderna compreensão de direitos indivi-duais e Estado. Desde a Revolução, o conceito de Estado passa a ser interpretado sob a perspectiva do contratualismo,1 em que a proteção dos direitos individuais integra o cerne dessa pactuação abstrata, em que os indivíduos abdicam de sua liberdade original para preservar um núcleo de direitos individuais, permanente-mente ameaçados no Estado de natureza.

Apropriando a divisa francesa, Norberto Bobbio2 desponta no contexto dos estudos dos direitos individuais sob a perspectiva do geracionismo – os direitos funda-mentais passam a ser compreendidos em seu processo histórico de densificação e ampliação, na medida em que se vão agregando a um núcleo originário outros direitos, os quais se tornam, paulatinamente, igualmente oponíveis ao Estado. Os chamados direitos de primeira geração são aqueles que se ligam ao conceito de liberdade, corporificados na tríade liberdade, propriedade e vida. Os direitos de segunda geração são os que se atrelam ao conceito de igualdade, abarcando o núcleo de direitos sociais e econômicos. Por sua vez, os direitos de terceira geração conectam-se ao conceito de fraternidade, incluindo uma gama mais ampla, mas também mais etérea,3 de tutelas: o direito ao meio ambiente, a proteção ao con-sumidor e o direito à participação democrática dão a tônica dessa terceira geração.

BEM-ESTAR À BRASILEIRA: ORIGENS, ESTRUTURA, PRINCÍPIOS E DESAFIOS

2capítulo

1 O contratualismo perfilha, em essência, três grandes correntes que se ligam a três teorias do contrato social: Rousseau, Hobbes e Locke. Cf. ROUSSEAU, Jean Jacques. Contrato social. Lisboa: Presença, 1973; HOBBES, Thomas. Leviatã ou maté-ria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. Trad. João Paulo Monteiro et al. São Paulo: Abril Cultural, 1974; LOCKE, John. Second Treatise of Civil Government. Oxford: Basil Blackwell, 1948.

2 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. 11. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 6; CARVALHO NETTO, Menelick de. “Requisitos pragmáticos da interpretação jurídica sob o paradigma do Estado democrático de direito”. Revista de Direito Comparado, Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, v. 3, p. 481, mai. 1999.

3 Direitos que se convencionou chamar direitos coletivos, direitos individuais homogêneos e direitos difusos. Direitos coletivos são aqueles que pertencem a determinada categoria, como os direitos coletivos do trabalho; direitos individuais homogê-neos são aqueles que tocam a determinada categoria, mas são indivisíveis; já direitos difusos são aqueles sem um titular individualizado, sendo considerada sua detentora toda a coletividade.

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À cada geração de direitos corresponde um modelo de Estado organizado em torno da proteção a esse núcleo normativo-garantidor. Enquanto a primeira geração se reporta ao chamado Estado liberal, a segunda geração forma o substrato normativo-axioló-gico do Estado social, o qual, contemporaneamente, tenciona converter-se em Estado democrático de direito, tornando efetivos os direitos de terceira geração. O Estado libe-ral nasce como reação ao ancien régime, para garantir as liberdades individuais primá-rias, o direito à propriedade privada e os direitos políticos. O Estado, também chamado gendármico em alusão ao aparato de segurança pública, manifestação concreta da presença do Estado, encontra o contentamento de seu destino na garantia à vida, no direito de livre manifestação do pensamento, na garantia da livre iniciativa e na liber-dade de culto, satisfazendo-se em tutelar o valor fundamente da liberdade.

Como paradigma político e jurídico dominante entre o fim do século XVIII e a Primeira Guerra Mundial, quando conhece seu primeiro choque, o Estado liberal foi o arranjo institucional e político do capitalismo nascente, permitindo sua expansão como sistema de produção, à mercê, inclusive, de sua vocação universalista. A eclosão da Primeira Guerra e suas consequências deletérias confrontaram o modelo liberal com suas chagas: a incapacidade de garantir minimum minimorum vital a todos os concida-dãos. Assim diz-nos Fábio Lucas sobre a derrocada no modelo liberal:

A vitória do liberalismo na Revolução Francesa, a ascensão da burguesia, a des-truição do poder autocrático, o extermínio do absolutismo trouxeram novos padrões de vida para a humanidade, no mundo ocidental. A própria rotina do pensamento, o linguajar cotidiano foram tocados pela nova hierarquização de valores. Os ideais liberais galgaram a crista dos acontecimentos, na maré mon-tante dos valores históricos a que se apegaram. Assentadas as bases do regime liberal, atendidas as reivindicações da burguesia vitoriosa, um otimismo gene-ralizado tomou os espíritos. Os direitos políticos do homem eram apregoados com ênfase e calor. Os princípios de igualdade e liberdade representavam peças valiosas do relicário político. Mas a verdade é que o regime liberal apenas fez prevalecer os privilégios de uma classe: a burguesia. Os direitos tão eloquente-mente proclamados constituíam prerrogativas de uma minoria apenas, da classe detentora de poder econômico bastante para promover a efetivação de seus reclamos. A liberdade, palavra mágica com que se tentou arrebatar os entusias-mos, permaneceu para a grande maioria como simples palavra. Sua aplicação efetiva, por exemplo, no campo das regras contratuais, não era todavia expe-rimentada, uma vez que a liberdade de contratar exige, precedentemente, do contratante, a posse de um objeto sobre o qual recaísse tal liberdade. Ora, os bens da vida se concentravam nas mãos de poucos.4

O EStADO liBERAl nasce como reação ao ancien régime, para garantir as liberdades individuais primárias, o direito à propriedade privada e os direitos políticos

4 LUCAS, Fábio. Conteúdo social nas constituições brasileiras. Belo Horizonte: Faculdade de Ciências Econômicas, 1959. p. 15.

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Política de Assistência Social | 27

5 MIRKINE-GUETZÉVITCH, Boris. L’onu et la doctrine moderne des droits de l’homme. Paris: A. Pedone, 1951. p. 179.

Assim, em 1917, a Constituição mexicana inaugura a era das Constituições sociais, estampando em seu texto um complexo de direitos sociais, oponíveis ao Estado, cujo atendimento reclamaria não apenas o esforço individual, mas também a perma-nente intervenção do Estado, inclusive no domínio econômico. O crescimento econô-mico, a sociedade de massas, a estratificação social e, sobretudo, a urbanização operaram como um fermento de ideias, viabilizando a transgressão de um modelo. Enquanto as repúblicas ocidentais trilharam o caminho do Estado social, ou social-democracia, como em Weimar, em 1919, o Oriente conheceu o caminho do socialismo, fermentado nas revoluções europeias da década de 1840. O Manifesto Comunista de 1848, a Doutrina Social da Igreja, sobretudo materializada na encíclica Rerum Novarum, e o interven-cionismo estatal de cariz keynesiano foram o substrato para o soerguimento do Estado social ocidental.

O homem das Constituições do pós-guerra não será, apenas, o homo politicus, mas também, sobretudo, um homem social.5 O fim da Belle Époque (música impressionista, obras de Proust, art nouveau), a ruína do império austro-húngaro, a Revolução Russa e a ascensão norte-americana marcam a superação do modelo liberal dos oitocen-tos pelo Estado social, que permanece, con-quanto permanentemente atualizado, no eixo da formação dos Estados ocidentais

contemporâneos. Ao mesmo tempo que, na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, o totalitarismo granjeava espaço, com a supressão das bases institucionais do Estado liberal, apresentando à humanidade a alter-nativa socialista, a Alemanha mostraria ao Ocidente o modelo da social-democracia, editando a Constituição de Weimar de 1919.

Na América do Norte, a crise de 1929 põe em xeque o modelo de desenvolvi-mento industrialista liberal. Os escritos de Keynes expõem o miasma do sistema, deixando claro que as distorções empiri-camente verificáveis do mercado são por si mesmas suficientes para derrubar um modelo que se constrói sobre bases abs-tratas. Keynes demonstra que, no curto prazo, a expansão da demanda agregada pode gerar crescimento, sem inflação. Essa meta deveria ser perseguida pelo governo, na medida em que no “longo prazo” (dos clássicos) “todos estaremos mortos”. Franklin Delano Roosevelt leva a termo seu New Deal, não sem a oposição de diver-sos setores da sociedade – oposição que é alçada à esfera jurídica, por intermédio da arguição de diversos dispositivos do New Deal perante a Suprema Corte dos EUA, nos anos 1935-36. Nos EUA, pois, a transição para o Estado social dá-se por via democrática. No Brasil, entretanto, tivemos Vargas, não Antônio Carlos. O trabalhismo varguista representará o primeiro esboço de um Estado social nacional.

O CRESCiMEntO ECOnôMiCO, a sociedade de massas, a estratificação social e, sobretudo, a urbanização operaram como um fermento de ideias, viabilizando a transgressão de um modelo

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A estrutura do Estado social nascente impulsiona e catalisa a própria organização política da sociedade civil. As agremiações políticas assumem as feições modernas dos partidos políticos, que fornecem a organização de base da democracia, convertendo-se em verdadeira infraestrutura dos regimes políticos.6

No Brasil, o Estado social ainda tardaria a ser implantado de modo explícito. Embora os trabalhos de Celso Furtado,7 sob inspiração da escola cepalina,8 tenham dado azo ao início da intervenção do Estado no domínio econômico, as Constituições de 1934, 1946 e 1967 e a emenda de 1969 foram tímidas na construção da teia normativa de proteção, que caracteriza o Estado social.

2. Estado social: axiologia e fundamentos jurídicos

Se o Estado liberal clássico funda-se na ideia de uma liberdade abstrata, o Estado social vai arrimar-se na ideia de igualdade. Não, contudo, em uma ideia de igualdade formal, mas antes em uma igualdade que inclui em seu conteúdo axiológico o valor trabalho. Os trabalhos de Hegel, fundamentalmente, vão inserir o valor trabalho no plano axiológico do Estado contemporâneo. O trabalho passa a ser compreendido como medium da liberdade: o trabalho libertador, que se colhe da alegoria da dia-lética do senhor e do escravo. O trabalhador, na medida em que nega sua alienação e se reconhece no seu senhor, torna-se agente ativo de sua libertação. A igualdade do Estado social pretende, pois, tornar-se uma igualdade material. Na Constituinte de 1933, João Mangabeira assim afirmou: “A igualdade perante a lei não basta para resolver as contradições criadas pela produção capitalista. O essencial é igual opor-tunidade para a consecução dos objetivos da pessoa humana. E para igual oportu-nidade é preciso igual condição.” No entroncamento entre socialismo, liberalismo e democracia, estruturado sob o valor trabalho, surge o Estado social. O Estado social representará, assim, uma conquista do “socialismo democrático”, que, abandonando o dogma do laissez-faire, adota um intervencionista, com vistas a garantir o pleno emprego e os parâmetros de dignidade a ele associados.9

O constitucionalismo social será, na Europa, fruto de um ecletismo político, que pode ser observado na formação da coalizão que dá origem à constituição de Weimar: então uniram-se o socialismo reformista (SPD), o liberalismo burguês (DDP) e o catolicismo político do Zentrum.10 O Estado social surge, assim, como uma espécie de Estado de exceção permanente,11 porque tem em sua raiz uma solução política pré-ordenada a confrontar o socialismo soviético. O Estado social, pois, vai se articular no entorno de quatro grandes alternativas: o Estado social conservador, o Estado de

6 LUCAS, Fábio, op. cit. pp. 20-1.7 Cf. FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.8 Escola de pensamento econômico que enunciou a teoria da deterioração dos termos de troca, que seria a razão do subdesenvol-

vimento latino-americano.9 PEREZ LUÑO, Antonio Enrique. Derechos humanos, Estado de derecho y constitución. 5. ed. Madri: Tecnos, 1995. pp. 223-4.10 Centro. No sentido político do termo.11 Cf. BERCOVICI, Gilberto. Constituição e Estado de exceção permanente: atualidade de Weimar. Rio de Janeiro: Azougue, 2004.

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justiça social, o Estado de transição socialista e o Estado das ditaduras. O Ocidente, aqui incluído o Brasil, trilhou o caminho do Estado de justiça social, inspirado nas quatro liberdades de Roosevelt: a liberdade de expressão, a liberdade de culto, a liber-dade do medo e a liberdade das necessidades. As liberdades deixam de ser meios de resistência ao Estado, como quis o paradigma liberal. Passa-se a assumir as condições de liberdade: quer-se um Estado libertador.

O constitucionalismo social será a marca normativa. Editam-se cartas consti-tucionais de conteúdo programático profundo, com fins sociais específicos, que ultrapassam o plano meramente formal e normativo. O político predomina sobre o jurídico,12 o Executivo prepondera e se hipertrofia, ganham força o partido e a polícia, instituições não disciplinadas por normas, como lembra Celso Laffer.13 À Constituição política soma-se uma Constituição social e uma Constituição eco-nômica. O Estado social será senhor de um constitucionalismo dirigente, como o denomina J. J. Canotilho.14 A Constituição extravasa os limites procedimentais, para se converter em um documento material, um instrument of government, para definir competências, regular processos, estabelecer limites e, sobretudo, traçar as grandes diretrizes de planejamento social, econômico e político.

3. Estado social: estrutura e características

O Estado social caracteriza-se por seu perfil interventor. A regulação que exerce busca não apenas evitar os efeitos deletérios do capitalismo industrial (fome, exclu-são social, marginalização, desamparo), mas também assume papel de destaque na chamada administração da escassez. A atividade estatal, porém, não se esgota na mera regulação e no entabulamento de contramedidas: expande-se para o domínio das previdências positivas, as quais se materializam nas prestações estatais.

A agência do Estado social coloca-se diante de um dilema: a opção entre um dirigismo holístico e a gestão experimental do futuro. Enquanto aquela, baseada em concepções políticas globais fundadas em uma mundividência globalizante e dogmaticamente

12 O embate entre decisionismo schmittiano e normativismo kelseniano pode ser amplamente aprofundado em HELLER, Hermann. Teoría del Estado. Trad. Luis Tobío. México: Fondo de Cultura Económica, 1992.

13 LAFFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. p. 10.

14 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador. 2. ed. Coimbra: Coimbra, 2001.

O tRABAlhADOR, na medida em que nega sua alienação e se reconhece no seu senhor, torna-se agente ativo de sua libertação

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hermética, almeja concretizar um projeto global de um sistema social ótimo (a exem-plo do marxismo), essa parte da premissa de que todo esforço de planejamento é, por princípio, incompleto, na medida em que todas as iniciativas são tentativas experimen-tais de ultrapassar resistências.15

O chamado Estado social não relega os indivíduos a sua própria sorte. Antes, carac-teriza-se pela ideia de preservação do bem-estar público e da justiça social. No Estado-providência, a previdência existencial (Forsthoff) é transformada em função administrativa. Em uma sociedade altamente complexa e diferenciada, os indivíduos são fortemente dependentes do abastecimento de consumo elementares. Além disso, o Estado assume responsabilidades em campos como assistência social, pro-teção ao trabalho, apoio à família, política de saúde, fomento da construção habita-cional, planejamento urbanístico e ordenamento territorial supralocal, preservação do meio ambiente, fomento das ciências, ajudas públicas em caso de risco existen-cial. O Estado social converte-se, pois, em agente da justiça distributiva.

Ao Estado social põe-se um dilema: de uma parte, cabe-lhe velar pela justiça social, pelo bem-estar geral e por uma distribuição adequada dos bens materiais e espiritu-ais; de outra, vê-se instado a preservar a liberdade de empresa e o desenvolvimento autônomo da personalidade individual.

No contexto desse dilema confrontam-se os dois princípios constitutivos do Estado social contemporâneo: o princípio da universalidade e o princípio da subsidiariedade. Ao passo que aquele estende a teia protetiva do Estado a todos, esse apregoa a inter-venção estatal em caso de falha da gestão privada da vida do cidadão. Em relação à exigência de reforçar os direitos dos cidadãos, pensa-se, por vezes, em admitir sua par-ticipação em processos de regulação estatal, esquecendo-se de que o direito à autode-terminação pode se efetivar de modo ainda mais destacado pela autonomia privada, que remete o indivíduo ao risco de conformar, por responsabilidade própria, suas relações. É também nesse contexto que se põe a discussão acerca de privatização e reprivatização e da prestação direta. Ao passo que o Estado pode arrogar-se a condição de provedor universal, pode, também, e teoricamente sem fragilizar direitos, entregar a prestação de serviços ao ente privado, fazendo vigorar o princípio da subsidiariedade, em que a regulação estatal deve incidir apenas quando a autorregulação não funcione tão bem ou melhor.

Em suma, pode o Estado social, além de prestar serviços, comprar serviços, para oferecê-los àqueles que tenciona proteger, sem que uma alternativa, ou outra, implique fragilização de direitos, senão a fata morgana que as ficções ideológicas pretendem ver?

A característica fundamental do Estado social é sua relação de dependência intrín-seca quanto ao planejamento, que opera como instrumento de conformação racio-nal da sociedade. A nota fundamental da política moderna não é a invenção do planejamento, mas o extraordinário aumento de sua necessidade e sua comple-xificação. Nesse sentido, o Estado social não pode abrir mão da distribuição das funções de planejamento, cujo âmbito compete às:

15 ZIPPELIUS, Reinhold. Teoria geral do Estado. Trad. Aires Coutinho e J. J. G. Canotilho. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.

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• instâncias políticas: a seleção de objetivos, a ponderação e a delimitação de um objetivo em relação a outros e a formulação programática;

• instâncias burocráticas: coordenação técnica, produção de bases de informa-ção, materiais e objetivos, elaboração de instrumentos jurídicos mais econô-micos e eficazes, sinalização de efeitos secundários e análise da execução.

O Estado social não pode, pois, prescindir da burocracia, compreendida como um conjunto organizativo de funcionários especializados, com uma distribuição hori-zontal e vertical de funções, tão econômica quanto possível, e a garantia de uma coordenação eficaz. Com Max Weber, podemos afirmar que a moderna adminis-tração de massas tem de escolher entre burocratização e mero diletantismo.16

A burocracia deve possuir as seguintes características:

• especialização;

• coordenação e formalização;

• previsibilidade e imparcialidade;

• economicidade.

Daí extraímos outra característica do Estado social: a burocracia tem peso específico, opera como um núcleo de poder próprio, fazendo do “saber do serviço” capital polí-tico. Essa influência se deve, em essência, a sua estrutura enraizada, coordenada e disciplinada, ao esprit de corps, aos conhecimentos específicos e seu monopólio, em especial os conhecimentos jurídicos e sua estabilidade. O papel de “fator neutral” da burocracia, a qual, em essência, é pré-ordenada a manter um equilíbrio de poderes e transições, vem sendo minado por um fenômeno recente, especialmente saliente no Brasil contemporâneo, que é a politização da burocracia. Nesse sentido, quanto menos transparente se torna o entrelaçamento normativo e mais inchada se torna a burocracia, tanto mais o Executivo subtrai-se ao controle parlamentar, de modo que os partidos tentam sujeitar esse poderio da burocracia a seu controle. O “fator neutral” converte-se em “fator casa”.

A CARACtERíStiCA FUnDAMEntAl do Estado social é sua relação de dependência intrínseca quanto ao planejamento, que opera como instrumento de conformação racional da sociedade

16 WEBER, Max. The theory of social and economic organization. Nova Iorque: Simon and Schuster, 1997. pp. 324 ss.

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4. Constituição de 1988: o bem-estar à brasileira

“Esperamos a Constituição como o vigia espera a alvorada”, disse-nos Ulisses Guimarães por ocasião do encerramento dos trabalhos da Constituinte e da pro-mulgação da Carta Cidadã de 1988. Fortemente marcado pelos anos do regime militar que se instalara em 1964, o legislador constituinte construiu uma carta vocacionada à plenitude, estampando um rol amplo de direitos sociais e econômi-cos, todos imantados pelo princípio da universalidade.

Os direitos sociais são minudentemente tratados nos Artigos 6 a 11. A ordem social merece tratamento específico no Título VII, explicitando o legislador o primado do trabalho, no Artigo 193. O Sistema de Seguridade Social passa a compreender a saúde, a previdência e a assistência social. Calha observar que, ao passo que a previdência se estrutura em caráter contributivo e solidário, a saúde e a assistência social agasa-lham, de modo explícito, o princípio da universalidade.

O projeto da Constituição de 1988 logo encontrou embaraços sob a perspectiva de sua implementação concreta. Os direitos sociais passaram a ser interpretados como princípios programáticos de eficácia limitada. O avanço do texto constitucional expôs o descompasso com a realidade cotidiana da administração. Entre direitos constitucionalmente garantidos, de alçada eminentemente política, e a impossibili-dade fática de implementação, de cariz gerencial, coloca-se o Poder Judiciário, que, gradativamente, vem assumindo protagonismo no cenário republicano.

O chamado ativismo judicial surge não como reação à hipertrofia do Executivo (característica do Estado social), mas como paliativo ante a inoperabilidade de um Estado social programático e, quiçá, utópico.

A jurisprudência recente do STF arrola inúmeras questões que tangenciam a organi-zação da proteção social, cabendo destacar:

• a (não) adoção do princípio da vedação do retrocesso (cf. ADI 1664-MC);

• o princípio da reserva do possível e a prestação de serviços de saúde;

• a eficácia horizontal dos direitos fundamentais;

• o caráter não exaustivo dos direitos positivados na Constituição.

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5. ConclusõesA conformação jurídica e institucional do Estado social deve ser compreendida à luz de seu processo histórico de formação.

O projeto social do Estado não pode ser tido como o dogma de uma intervenção holística e total, mas, antes, como gestão experimental do futuro, que precisa ser constantemente atualizada.

As estratégias de proteção social têm um objetivo precípuo: tutelar o mínimo existencial na ausência de condições próprias do indivíduo para o fazer (princípio da subsidiariedade). Note-se que a estratégia de proteção se articula com o valor trabalho, à medida que a agência daquelas ocorre, em geral, nos momentos de ces-sação da atividade laborativa.

Não deve haver apego aos meios, mas aos objetivos.

A crise do Estado social, que se anuncia na Europa, tende a anunciar a emergência de um novo paradigma, em cujo âmbito deve permanecer a essência protetiva, mas, agora, abrindo espaço para os influxos:

• democrático (exigência de governança);

• gerencial (revisão das estratégias de fomento);

• performativo (exigência de revisão dos modelos de exercício da proteção);

• político (ponderação entre universalização e subsidiariedade);

• estratégico (exigência de redefinição programática).

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Bibliografia

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Política de Assistência Social | 35

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Política de Assistência Social | 37

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A POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL DE 1998 E A NOVA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL INICIADA EM 2004 Maria do Carmo Brant de Carvalho

3capítulo

É doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de

São Paulo (PUC-SP) e pós-doutorada em Ciência Política Aplicada

pela École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris, na França.

Atuou como professora no programa de pós-graduação em Serviço

Social da PUC-SP. É autora de vários trabalhos publicados e tem ampla

experiência em gestão pública. Atualmente presta consultoria a

diversos projetos governamentais nas áreas de Habitação, Assistência

Social e Educação.

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O texto de Maria do Carmo Brant de Carvalho, intitulado “A Política Nacional de Assistência Social de 1998 e a Nova Política de Assistência Social iniciada em 2004”, chama o(a) leitor(a) para uma conversa bastante atual. Toma dois marcos normativos para analisar o processo de reconhecimento público e de regulação da Política de Assistência Social e, nesse movimento, apresenta os indicadores de mudança e os desafios para consolidação dessa política, destacando-a como uma conquista do século XXI.

Com reflexões assertivas e muitas provocações, o texto desacomoda e instiga o(a) leitor(a) a pensar em outras possibilidades para trabalhar com a Política de Assistência Social.

Observe que a autora faz um resumo dos principais fatos que provocaram mudanças no referencial conceitual e organizativo da assistência social. Ela registra a edição de várias normas que (re)definem o conteúdo, os objetivos, os usuários, as provisões, as funções e as responsabilidades e que também estabelecem a gestão federativa dessa política – como dever do Estado e direito de cidadania.

A leitura atenta do texto permite entender que, embora tenha ocorrido um percurso ascen-dente na criação de regras e normas para reposicionar, aprimorar e expandir os serviços e benefícios da Política de Assistência Social e tenha havido experiências bem-sucedidas, permanecem contradições, ambiguidades e incertezas no modo de conceber e produzir as intervenções públicas na área. Como espaço do acontecer político, o campo da implantação é mediado por distintos modos de cultura, que expressam tendências conservadoras e inova-doras na gestão da Política de Assistência Social.

Note que os cinco desafios apresentados no texto são permanentes e precisam ser constan-temente reafirmados e colocados na agenda dos compromissos políticos e institucionais das gestões e dos trabalhadores, nos espaços de atuação dos governos e da sociedade:

• setorialidade e intersetorialidade;

• desigualdade social e estratégia coletiva de enfrentamento;

• família, território e política pública (responsabilidade individual e social);

• articulação, intersetorialidade e complementaridade;

• pesquisa e inovações nas agendas e metodologias.

PArA OrIENTAr SuA LEITurA...

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O texto traz, portanto, velhas e novas questões que possibilitam distintas interpretações e caminhos. Embora necessária, a expansão normativa não assegura a alteração e o alar-gamento das competências teóricas, políticas e metodológicas; não altera a correlação de forças; nem gera habilidades e estratégias metodológicas para os territórios. É preciso construir um arco de forças políticas de expansão e luta por uma determinada concep-ção e direção ético-política de assistência social.

Ao final do texto, um rol de oito perguntas apresenta problemas concretos acerca da defi-nição das metodologias de intervenção e assegura: “é hora de investir na qualidade e na efetividade da oferta da proteção social”. É tempo, portanto, de repensar as metodologias de trabalho nos serviços e benefícios da assistência social.

Que essa leitura contribua para uma nova etapa de uma Política de Assistência Social afir-madora de saberes e fazeres fincados no cotidiano e propulsores de outros horizontes, com mais igualdade e liberdade para todos(as) os(as) brasileiros(as).

Ao ler o texto, procure relacioná-lo ao seu local de trabalho e pensar nas seguintes questões:

1. Qual é o debate teórico sobre desigualdade social, pobreza e vulnerabilidade? Como esse debate fundamenta a construção de metodologias de intervenção e de processos de proteção social no campo da assistência social?

2. As metodologias dos serviços e benefícios de assistência social vêm “prontas” ou são elaboradas pelos trabalhadores a partir da realidade dos territórios e das condições de vida e trabalho dos usuários?

3. Quais referentes teóricos e políticos orientam as metodologias no campo da assistên-cia social?

4. Os benefícios monetários (BPC, Bolsa Família, Renda Cidadã, Agente Jovem etc.) são direitos de cidadania ou práticas assistencialistas?

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1. Para relembrar!No Brasil do século XX, pouco se avançou na consolidação de uma política de assistência social. Embora reconhecida como prática pública imprescindível ante o grave quadro de pobreza de parte majoritária de sua população, não alçou à con-dição de política pública. Havia no imaginário societário e também no de gestores e formuladores da política social uma resistência a essa política percebida como subsidiária e transitória. Com o alcance de um Welfare State não seria necessário um campo da assistência social; todos os cidadãos estariam cobertos por políticas básicas e universais (saúde, educação, previdência social, trabalho...).

Não foi o que aconteceu no Brasil nem tampouco no mundo; a pobreza persistiu e as desigualdades sociais cresceram.

No Brasil, a Política de Assistência Social foi reconhecida como política de Estado muito tardiamente. Até o fim do século XX, a assistência social em nosso país foi fortemente assumida pela sociedade-providência, seguindo os padrões de bene-merência, seletividade, tutela e filantropia. De fato, até 1988 a assistência social não era reconhecida como missão do Estado; este atuava supletivamente.

Ao se apresentar na carta constitucional de 1988 como função de seguridade social, a assistência social passa a integrar o tripé da proteção social, embora esse tripé tenha se constituído de forma fragmentada, sem um projeto comum: política de saúde para todos os cidadãos; previdência social como segurança devida ao trabalhador; assistência social para aqueles que, vivendo nas malhas da vulnerabili-dade social, necessitam da proteção do Estado.

Sua inscrição na carta constitucional de 1988 foi o primeiro passo para ser reco-nhecida como política pública estatal de proteção social.

A POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL DE 1998 E A NOVA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL INICIADA EM 2004

3capítulo

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Desde então, se afirmou como política inquestionável em sua relevância social. Inovou e institui mecanismos de proteção social não contributiva enquanto direito do cidadão; e ganhou robustez junto à parcela da população atingida por conjunturas, contextos ou processos produtores de vulnerabilidade social.

Avanços no reconhecimento da Política de Assistência Social e sua regulação

Um primeiro avanço foi a promulgação da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) em 1993. Na sequência, progrediu no refinamento de conceitos que a afirmam como política pública de proteção social, obtendo sucesso em seu reconheci-mento político e conceitual.

Outro avanço se expressou na velocidade com que implementou os mecanismos propugnados em lei na garantia de participação e gestão compartilhada.1

Implantou e deu voz aos conselhos municipais, estaduais e nacional de assistência social; implantou igualmente o Fundo de Assistência Social nas três esferas de governo; e avançou na construção e na aprovação de planos municipais, estaduais e nacional de assistência social.

As conferências municipais, estaduais e nacionais, por sua vez, se tornaram grandes fóruns na formação de competências de gestão, consensos e avanços nessa política.

Em 1998, foi aprovada a primeira Política Nacional de Assistência Social pós-Lei Orgânica da Assistência Social, que ratificou os caminhos trilhados até então e fortaleceu os processos de descentralização e municipalização da ação da política. Vem dessa política um diagnóstico mais denso da gestão pública dessa área realizada pelos municípios brasileiros, classificados então em gestão plena, gestão básica e gestão inicial. Essa classificação permitiu o melhor acompanha-mento e o fortalecimento de políticas e planos municipais e estaduais de assis-tência social.

A política nacional de 1998 criou as condições para o salto que se deu com a polí-tica nacional de 2004.

DE fATo, ATé 1988 A ASSiSTênCiA SoCiAl não era reconhecida como missão do Estado; este atuava supletivamente

1 As leis infraconstitucionais, objetivando assegurar maior participação da sociedade nos fóruns de decisão, instituíram, entre outras medidas, conselhos nas diversas políticas públicas, com participação paritária entre governo e sociedade civil, visando à decisão e ao controle sobre as ações da política.

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2. A consolidação da Política de Assistência Social no século xxI

Em 2004, foi aprovada a Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e nela a proposição de uma regulação dos serviços socioassistenciais pautados em parâme-tros, padrões, critérios e respeito ao pacto federativo na sua operacionalização: o Sistema Único de Assistência Social (SUAS).

Em julho de 2005, foi então aprovado o SUAS, um sistema nacional de ordenação da gestão das ações socioassistenciais parametradas em regulação e obediência ao pacto federativo e reconhecimento dos direitos socioassistenciais do cidadão. Podemos dizer que o SUAS se espelha no Sistema Único de Saúde (SUS).

O SUAS introduz uma nova organização da atenção pública redefinindo e especi-ficando os serviços socioassistenciais de modo hierarquizado em proteção básica e especial:

• elege como unidade de intervenção a família, objetivando romper com as tra-dicionais segmentações de seu público-alvo (crianças, adolescentes, mulheres, idosos...);

• elege o território municipal e seus microterritórios como lócus privilegiado de operação dos serviços socioassistenciais de proteção básica, assegurando a perspectiva estratégica de uma ação protetiva que recai simultaneamente no binômio família e território;

• define serviços básicos de pouca, média e alta complexidade, introduzindo a concepção importante de criar e implementar sistemas de vigilância da pro-teção social (monitoramento pela via de mapas da pobreza e exclusão social, índices de vulnerabilidade social, mapas de vulnerabilidade social...);

• elege o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) como equipamento e serviço de Proteção Social Básica localizado em territórios de vulnerabili-dade social, com a função de organizar, coordenar e executar os serviços de Proteção Social Básica;

• elege o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) como equipamento e serviço de proteção especial de média complexi-dade junto a famílias cujos vínculos familiares e comunitários não foram rompidos.2

Com o SUAS, há uma clara retomada pelo Estado de uma ação pública delegada tradicionalmente a iniciativas filantrópicas da sociedade civil.

2 Consultar Aldaíza Sposati, 2005; 2006.

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A assistência social é explicitada como política de proteção social, tendo um campo próprio de atenções e provisão social: articula uma rede de seguranças contra riscos pessoais e sociais a indivíduos, famílias e coletividades, viabilizando um conjunto de serviços, programas, benefí-cios e transferências de recursos materiais e monetários, que devem ser planejados, monitorados e avaliados continuamente.3

Os serviços socioassistenciais – CRAS e CREAS – integram em seus objetivos o desenvolvimento de ações de proteção social, vigilância e defesa social sempre na perspectiva territorializada, com foco na matricialidade sociofamiliar. É na inte-gração dessas consignas que desenvolvem um novo modelo assistencial coerente com o SUAS. Isso porque uma ação que não integralize proteção, vigilância e defesa social deixa de ser uma proteção social efetiva movida com processos e estratégias capazes de produzir redução de vulnerabilidades e inclusão social.

A implantação de unidades CRAS e CREAS em todo o território nacional tem sido expressiva nos anos recentes (estão implantados em quase todos os municí-pios brasileiros – o que já é uma enorme conquista em tão pouco tempo). Assim, os benefícios assistenciais parecem ter ganhado maior expansão e visibilidade no desempenho dessa política.

Os benefícios monetários ou em espécie no âmbito da assistência social sempre foram considerados insumos imprescindíveis na proposta de cobertura da proteção social.

A LOAS (1993) já havia instituído o Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social (BPC), que é o benefício monetário de prestação continuada para idosos e pessoas portadoras de deficiência

CoM o SUAS, há uma clara retomada pelo Estado de uma ação pública delegada tradicionalmente a iniciativas filantrópicas da sociedade civil

incapacitadas para o trabalho. E nos anos recentes foi criada uma profusão de novos benefícios temporários (Bolsa Família, renda mínima, agente jovem e outros de decisão dos Estados ou municípios).

Podemos afirmar mesmo que programas robustos de transferência de renda mar-cam a Política Nacional de Assistência Social. Cerca de 13 milhões de famílias estão cobertas pelo programa Bolsa Família. Resultados de seu impacto podem ser evi-denciados na redução da pobreza e, ainda que timidamente, nas taxas de desigualda-des de renda.

É preciso lembrar que outros benefí-cios assistenciais foram introduzidos nas demais políticas setoriais com vistas a promover acesso e equidade no usufruto de bens e serviços de atenção básica. É o caso, por exemplo, da locação social na habitação, da merenda escolar na educa-ção ou do aviamento de receitas na saúde.

As vulnerabilidades sociais são cumulativas, interdependentes e concentradas em cole-tivos (famílias e territórios/comunidades). A experiência brasileira, diferente de outros países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), ino-vou ao incidir sobre a família e o território.

3 Consultar Capacita SUAS, 2008.

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A Política de Assistência Social, destinando-se preferencialmente a unidades grupais (famílias e comunidades), e não a indivíduos, maximiza seus efeitos protetivos.

Para muitos profissionais, os benefícios apresentam-se como um reassistencia-lismo da política pública; para outros, representam um reconhecimento do direito do cidadão (com renda insuficiente ou nula) a transferências monetárias. Nesse caso, eles projetam uma nova geração de política social e um ainda tímido projeto de redistribuição da riqueza produzida.

3. A Nova Política de Assistência Social de 2004: novos desafios

As expressões sofridas da pobreza são inúmeras: pequenas e grandes demandas de justiça, acesso limitado a serviços públicos e precariedade de moradia, renda e emprego em consequência das enormes desigualdades na apropriação da riqueza, na apropriação de bens e serviços e no exercício do poder.

O núcleo das tensões sociais deslocou-se da fábrica para a cidade, para as perife-rias ou centros de cidade degradados, aqueles onde se concentram os grupos mais frágeis, mais pobres, mais estigmatizados. Ocorreu, portanto, um deslocamento da questão social – anteriormente centrada no trabalho e na fábrica, finca-se atual-mente no território da cidade.4

Observa-se uma progressiva exacerbação de processos de segregação residencial nas grandes cidades e um isolamento social dos mais vulneráveis, decorrente de transformações nos mercados de trabalho e nas estruturas de oportunidades que são fonte de formação de recursos humanos e de capital social.5

As exclusões são menos caracterizadas para o sujeito como estruturais e mais como derivadas da impossibilidade individual de valer-se das oportunidades, de acessar e usufruir com sucesso as riquezas e bens societários. Essa percepção generalizada apresenta a inclinação de individualizar as lutas coletivas (Dubet, 2001. p. 15).

Estamos vivendo em uma sociedade complexa e, nela, as novas expressões da ques-tão social exigem mudanças no foco e na condução da política social; vêm sendo rompidos os modelos de políticas assentadas em recortes setoriais, segmentados.

Está em curso uma redefinição conceitual e operativa das políticas sociais: integra-lidade na formulação das políticas e transversalidade como lógica de implemen-tação e abertura à participação; redefinição da dimensão substantiva das políticas voltada a reduzir desigualdades sociais e a promover a inserção social em suas múltiplas dimensões.6

4 François Dubet, 2001.5 Katzman, 2001.6 Gomà, 2004.

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Primeiro desafio: afirmar-se como um campo próprio e setorial da política social e, simultaneamente, integrar-se ao conjunto da política social; articular-se proativamente na ação intersetorial com as demais políticas.

Os novos valores sociopolíticos pressionam gestores públicos a inovar arranjos e desenhos da política e programas sociais:

• quer-se políticas fundamentadas na lógica da cidadania, mas com clara direção em favor de ações integradas em torno do cidadão e do território como eixos de um desenvolvimento sustentável;

• quer-se foco no território e em suas populações como portadoras de iden-tidades, saberes, experiências e projetos de futuro que precisam ser reco-nhecidos no fazer dos serviços. Os cidadãos querem dos serviços públicos abertura para sua participação;

• quer-se romper com a ênfase nas vulnerabilidades e carências da popula-ção, apostando-se ao contrário no reconhecimento e no destaque de suas potencialidades e fortalezas;

• quer-se novas relações entre Estado e sociedade civil para recuperar a confiança social perdida.7

Costumamos dizer que a gestão da política pública tornou-se complexa. Obedece a diretrizes gestoras de descentralização, territorialização da política, autonomia dos serviços, participação deliberativa da sociedade (prescritas na Constituição federal de 1988 e em leis infraconstitucionais) e outras, como a intersetorialidade, deriva-das das pressões mais recentes na busca da efetividade da política.

Tanto a intersetorialidade na condução da ação pública quanto o princípio de com-partilhar ações com organizações da sociedade civil são uma consequência das demandas colocadas ao Estado na gestão contemporânea da ação pública.

Há um claro consenso de que nenhuma política por si só ganha efetividade social. Nenhum serviço pode tudo: carece de complementaridades multissetoriais; da mesma forma, carece da participação das redes sociais presentes no território.

Também a territorialização ganha novo reconhecimento: os serviços estão no ter-ritório, pertencem ao coletivo comunitário e, portanto, devem operar de forma integrada e articulada nos vários sujeitos e espaços de convivência, interlocução e aprendizagem existentes no território com o propósito de ampliar e otimizar as oportunidades de pertencimento e inclusão social de seus habitantes.

Nessa nova compreensão, a gestão da política pública é chamada a imprimir sistemas abertos de coordenação e conduzir ações articuladas em redes multi-institucionais

7 Uma das atribuições inerentes ao Estado é desenvolver a confiança social pública. Os agentes dos serviços públicos têm uma atribuição nobre, que é gerar confiança social pública. Quando a confiança social está perdida, o serviço perde igualmente seu atributo principal, que é qualificar a cidadania. A confiança é a própria potência, a própria força ou o trampolim que nos impulsiona (Teixeira, 2006).

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e intersetoriais com vistas a mobilizar von-tades, induzir, pactuar e fazer acontecer pro-cessos e ações de maior densidade e maior impacto na vida do cidadão.

A novidade maior na gestão da política social pública é a de ação em redes e con-formação de programas em rede.

Segundo desafio: o crescimento alarmante das desigualdades sociais e condi-ções de vida na pobreza agravadas nos gran-des centros urbanos e no isolamento rural.

Diante das enormes desigualdades sociais, da pobreza e da exclusão, a política pública é tensionada entre duas opções diversas: uma que busca enfrentar as desigualdades sociais e reduzi-las; e outra que busca “acomodar” e minorar as condições adversas resultantes da desigualdade social.

Muitos estudiosos contemporâneos cons-tatam que, na América Latina, estamos ins-taurando preferencialmente um Estado de Proteção Social, na perspectiva de minorar os efeitos da desigualdade social.

Afirma-se assim uma política de proteção social – e nela a assistência social tem prio-ridade absoluta – com ênfase em um con-junto de transferências e prestações não contributivas distintas das prestações contí-nuas dos serviços sociais básicos.8,9

8 A implantação do SUAS e o caráter maciço do Bolsa Família deixaram explícitas duas formas de financiamento federal na assistência social: a) fundo a fundo, direcionada para os serviços socioassistenciais; e b) valor de transferência em benefício direto ao cidadão. Trata-se de dois modos de transferência: uma entre órgãos públicos, ou melhor, fundos públicos, e outra direta ao beneficiário. Essa segunda forma é de montante muito superior ao financiamento dos serviços.

9 Sobre o Estado de proteção social na América Latina, consultar Claudia Serrano, CEPAL, 2005.10 Fonte: censo CRAS/MDS.

A função de assistência social registrou um gasto de exato

1% do PIB em 2004. É um montante expressivo. Supera o gasto público somado em Habitação, Saneamento, Gestão Ambiental e Cultura. (Afonso, 2006. p. 15)

Afonso assinala ainda a opção nacional por gastos crescentes nos programas de trans-ferência de renda e sua “expressiva concen-tração no governo central (72% do gasto nacional), enquanto os municípios pesam muito mais do que os Estados (19% contra 9%)”. (Afonso, 2006. p. 15)

As metas de cobertura atingidas pelos pro-gramas de transferência de renda, no Brasil, atestam uma ruptura em relação aos focos anteriores da política social.

Embora o programa Bolsa Família possua, pelas suas condicionalidades, um desenho multissetorial, não conseguiu uma implan-tação intersetorial. Não conquistou:

[...] uma abordagem integrada com outras políticas públicas sociais, bem como com as políticas de

desenvolvimento regional ou local, que, em ambos os casos, permitissem enfren-tar essa questão estrutural. (Afonso, 2006, p. 4)

Na implantação do SUAS, observou-se um esforço inédito comparado a outras políti-cas sociais quanto à expansão de serviços, em particular a rede de CRAS. Em 2007, eram 4.195 CRAS implantados no território nacional; em 2009, foram registrados 5.798 CRAS distribuídos em 4.329 municípios.10

No entanto, tais serviços padecem de um baixo investimento. As equipes técnicas alocadas são insuficientes e apresentam em geral formação precária; além disso, observa-se ausência de infraestrutura física adequada e, consequentemente, restrições a inovações substantivas.

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Mas essa questão é generalizável quando se observa o investimento social nos demais serviços públicos operados pelas demais políticas. O forte aumento dos benefícios sociais nos últimos anos não foi acompanhado de melhoria na oferta e no acesso universal a serviços públicos, especialmente no caso de saneamento e habitação.

O Brasil Sem Miséria, programa recém-lançado pelo governo federal (2011), como prioridade da presidente Dilma Rousseff, sinaliza para mudanças na opção política de enfrentamento da pobreza. Sem descartar o programa Bolsa Família, pretende atrelá-lo à expansão de serviços públicos básicos.

Terceiro desafio: agir no binômio família e território.

Na Política de Assistência Social, ganham centralidade a família e a comunidade percebidas como sujeitos estratégicos no fortalecimento emancipatório de seus membros. É, portanto, condição necessária trabalhar família e território/comuni-dade como um duplo dialético. Há ainda pouco investimento nessa direção.

Para assegurar proteção a famílias em situação de vulnerabilidade, já assumimos a importância de lhes assegurar o acesso a serviços básicos. Mas esse quesito é insu-ficiente. As redes sociais presentes no território precisam ser envolvidas na garantia de vínculos relacionais e de pertencimento, condição imprescindível para ganhos duradouros de proteção e inclusão social.

Assim conjugada a ação junto às famílias, é importante mobilizar e articular os ati-vos sociais do território – organizações, serviços e projetos do território –, visando ao fortalecimento da proteção e ao desenvolvimento social.

Essa, porém, não é uma tarefa simples. Os CRAS atuam em territórios marca-dos pela vulnerabilidade e pelo isolamento social. Dessa forma, a proteção social deve chegar a esses territórios combinando ações voltadas ao fortalecimento das redes sociais existentes, que por sua vez precisam ser alimentadas com aportes socioculturais.

O excesso de desigualdade impõe uma nova agenda de políticas de inclusão orienta-das a debilitar os fatores geradores de dinâmicas produtoras de desigualdade e vul-nerabilidades sociais e a promover a inserção social em suas múltiplas dimensões.11

Os aportes socioculturais funcionam como motor estratégico que pode alavancar e ampliar o capital sociocultural necessário para mover mudanças a partir do interior do próprio coletivo aprisionado às garras da desigualdade social. O capital socio-cultural alargado funciona como potência capaz de debilitar os fatores que fazem essa população sucumbir às malhas da desigualdade.

Obviamente, seria ingênuo não reconhecer o papel central da própria política pública: as estruturas de oportunidades advêm de políticas de Estado comprometidas com a

11 Gomà, 2004.

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redução das desigualdades. Porém, mesmo que acreditemos na vontade política e no poder das políticas, ainda assim há um esforço endógeno na população que pode emergir quando esta é alimentada de um maior capital sociocultural.12

A escassez ou a limitação das relações sociais é um dos componentes da vulne-rabilidade social, pois solapa as oportunidades de acessar capital sociocultural. Da mesma forma que o precário ou mesmo nulo acesso a serviços públicos que as políticas públicas oferecem no campo da saúde, habitação, educação e cultura priva indivíduos e grupos de desenvolvimento de suas capacidades substantivas, priva-os igualmente de espaços e fóruns públicos de interlocução política, o que também os impede de uso real de suas liberdades substantivas.13 Não possuem voz e vez na expressão política de seus interesses e demandas. Há uma redução de oportuni-dades para acumular capital sociocultural.

O CRAS, por sua natureza, se localiza em territórios cujos índices de desigualdade e vulnerabilidade social são expressivos; mesmo com um modelo socioassistencial mais orgânico, as características que assumem a desigualdade social exigem uma intervenção pública que transversalize as ações da política social combinadas a maior investimento social junto a redes sociais existentes.

Os territórios marcados pela alta vulnerabilidade social introduzem um círculo perverso e reiterativo de mão dupla: por um lado, populações que resistem às pou-cas, rarefeitas e descontínuas intervenções públicas; por outro, políticas públicas que não chegam a esses territórios na forma de equipamentos/serviços com um articulado espectro de possibilidades de ampliação de repertório sociocultural e alteração de qualidade de vida.

Há mesmo um risco que atravessa todos os serviços públicos e suas intenções de mudança. Os serviços, em nosso caso o CRAS, enredam-se rapidamente num pro-cesso homogeneizador: CRAS/família/território (coletivo); e assim ratificam a segre-gação de oportunidades culturais.

Por mais que o CRAS faça investimentos na família, sem intervenção simultânea no território, não se reduzem duradouramente os efeitos de vulnerabilidades sociais cumulativas.

12 Capital social é, frequentemente, definido com relação a grupos, redes, normas e confiança de que as pessoas dispõem. Ao contrário dos outros tipos de capital, que são tangíveis e beneficiam principalmente seu proprietário, o capital social está integrado nos relacionamentos entre indivíduos ou entre instituições e beneficia a todos (Coleman, 1988, 1990).

13 Sen, 2000.

A ESCASSEz oU A liMiTAção das relações sociais é um dos componentes da vulnerabilidade social, pois solapa as oportunidades de acessar capital sociocultural

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Quarto desafio: articulação e intersetorialidade.

Como já referido anteriormente, o CRAS deve conquistar ancoragens intersetoriais e inte-rinstituições no território para propiciar uma rede mais alargada de proteção social.

A articulação é hoje uma das habilidades mais valorizadas no trabalho social, pois os programas sociais cada vez mais contêm arranjos multissetoriais e multi-institucio-nais. Os processos de articulação partem do princípio de que intersetorialidade e com-plementaridade entre serviços das diversas políticas públicas e entre sujeitos sociais do governo, da sociedade e da comunidade são indispensáveis para produzir alteração na qualidade de vida de nossas populações.

São as articulações que costuram a oferta de oportunidades e de acesso a serviços e relações no território; conjugam e integram a população-alvo a uma cadeia de progra-mas e serviços complementares entre si.

As vulnerabilidades que as famílias apre-sentam atravessam, em geral, as dimensões de habitabilidade, renda, trabalho, saúde, identificação civil e social, educação, convi-vência sociocomunitária, suportes e apoios à própria dinâmica intrafamiliar. Para aten-der a essas necessidades e demandas da família, é preciso atuar na mobilização e na indução de ações públicas multissetoriais; no fortalecimento e na disponibilidade de redes locais de intervenção social; e na rea-dequação da oferta programática disponí-vel, quando necessária.

Assim, as principais ações junto às famílias supõem:

• assegurar suporte e apoio individual/grupal às famílias;

• assegurar um dinâmico e efetivo suporte comunitário às famílias;

• assegurar múltiplas oportunidades de aprendizagem e melhoria da qua-lidade de vida.

Essas garantias dependem do acionamento de processos e relações que mobilizem a coautoria das famílias na própria melhoria de suas condições de vida e na aquisição de habilidades necessárias à sua integração nas redes locais, assim como nos ganhos de autonomia progressiva para enfrentar, com êxito, as condições estruturais geralmente associadas a situações de pobreza.

Há, portanto, a ação de articular e forta-lecer as redes comunitárias na oferta e na produção de serviços e programas sociais complementares de capacitação, entreteni-mento, convivência, apoio de proximidade, desenvolvimento de capacidades, melho-ria da habitabilidade e empreendimentos produtivos geradores de trabalho e renda. Não há mais possibilidade de pensar em prover proteção social sem o consórcio dos demais serviços, espaços, sujeitos, oportu-nidades e relações existentes no território.

Quinto desafio: pesquisa e inovação na condução das ações socioassistenciais.

A sociedade contemporânea, cuja marca é a complexidade, exige inovações metodo-lógicas e processuais na condução da pro-teção social.

Já alcançamos inúmeros insumos no campo dessa política (regulação e implan-tação dos serviços socioassistenciais e benefícios de transferência de renda, entre outros); há inclusive maior consciência nacional quanto às desigualdades sociais e suas resultantes; há na sociedade um sen-timento de intolerância com situações de pobreza persistente e aspiração por maior equidade. Nesse contexto, é hora de inves-tir na qualidade e na efetividade da oferta da proteção social.

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Nunca é demais insistir que a sociedade em que vivemos – e, nela, o estágio produ-tivo alcançado – tornou-se extremamente excludente com aqueles que não dominam seus códigos. Para dominar esses códigos, a maior escolaridade tal qual conhecemos não é suficiente. É preciso adquirir outras habilidades no plano da sociabilidade, exercício de valores, ampliação de reper-tório cultural, participação na vida pública, fluência comunicativa e domínio de outras linguagens de forma a se sentir compe-tente para acessar as riquezas da socie-dade e obter ganhos de pertencimento e reconhecimento de sua cidadania, para assim enfrentar decisivamente a precarie-dade habitacional e de qualidade de vida.

Portanto, temos outro desafio: o da inova-ção de agendas, metodologias, estratégias e processos de proteção social.

Tanto o programa Brasil Sem Miséria quanto o projeto Bandeirantes, no Estado de São Paulo (e programas similares em alguns outros Estados), nos abrem opor-tunidades de inovação e nos instigam a repensar agendas e processos protetivos.

• Como partir das demandas e interes-ses da família invertendo uma agenda de oportunidades ainda hoje centrada nas decisões governamentais e a oferta de pacotes padronizados? Como reco-nhecer e caminhar a partir de agendas definidas pela família?

• Como a lterar qual idade de v ida invest indo mais asser t ivamente na habitabi l idade e no conforto socioambiental?

• Como conhecer e partir dos saberes vividos pelos grupos em situação de vulnerabilidade? Como revelar e valer--se de seus aprendizados prévios, seus talentos e forças para mover novos aprendizados?

• Como operar grupos socioeducativos e de convivência colocando efetivo foco no desenvolvimento da capaci-dade comunicativa, porta necessária à ampliação de capital sociocultural (motor indispensável de mudanças)?

• Como articular os agentes das cadeias produtivas presentes no território e, com elas, propiciar inclusão produtiva?

• Como propiciar aos jovens uma for-mação que incida efetivamente no desenvolvimento de competências para circularem em seu meio com maior autoconfiança?

• Como motivar e enfrentar a inércia que toma conta dos mais pobres na busca de padrões de vida mais dignos?

• Como processar ganhos de inventi-vidade na proteção de populações moradoras de rua, em situação de dro-gadição ou fortemente violadas nos seus direitos?

Essas e muitas outras questões nos ins-tigam a propor inovações de agendas metodológicas/processuais.

Sem dúvida, para tal, os trabalhadores sociais necessitam de formação. Porém, a própria formação carece de inovação: os profissionais formam-se na ação/reflexão/ação, na troca de experiências e em inter-câmbios que ampliem visões e propiciem o desenho e a experimentação de novos processos de ação. Dizemos sempre que as universidades têm falhado no processo formativo que os novos trabalhadores sociais carecem.

CRAS e CREAS solicitam melhor formação para costurar a destinação de benefícios com processos e projetos socioassisten-ciais voltados a alcançar resultados prote-tivos da maior importância: a melhoria da

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qualidade de vida, ganhos de pertencimento social, maior autonomia da família e resolutividade para operar seu cotidiano de vida.

A matéria-prima da ação de assistência social é a articulação de medidas, proces-sos, serviços e programas sociais que viabilizem a inclusão social e o desenvol-vimento de capacidades substantivas dos grupos marcados pela vulnerabilidade, pobreza e exclusão.

A proteção social pressupõe tornar a família mais competente para acessar e usu-fruir de bens, serviços e riquezas societários. Sabemos que são necessários serviços e processos que deem conta de desenvolver autonomia e competências substan-tivas junto às famílias estigmatizadas pela pobreza, para que elas circulem nessa sociedade complexa com maiores recursos socioculturais.

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A ESCLEROSE DE UM MODELO: DO ESTADO DE BEM-ESTAR AO ESTADO ESTRATÉGICODaniel Cabaleiro Saldanha

4capítulo

Bacharel e mestre em direito pela Universidade

Federal de Minas Gerais (UFMG), laureado com

o prêmio Barão do Rio Branco. Além disso, é

assessor especial do governador do Estado de

Minas Gerais e advogado.

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O autor Daniel Cabaleiro Saldanha aponta, desde o título do texto, uma mudança no modelo de Estado e indica o Estado social estratégico como uma alternativa ao Estado de bem-estar. Ele caracteriza a “esclerose de um modelo” e propõe “giros estratégicos” para a conformação de outro modelo. Considera a experiência de reformas de modelos de Estado dos EUA e de paí-ses da Europa e parte da seguinte premissa: se o nosso modelo de Estado foi importado desses países e se eles experimentaram (e ainda experimentam) crises e reformas, é de se supor que o Estado brasileiro também terá que repensar seus fundamentos.

O texto faz o(a) leitor(a) refletir sobre um tema primordial, clássico, abrangente e complexo. Apresenta um panorama dos debates e tensões de uma das muitas formas de considerar o tema. Assim, convém advertir que a questão do Estado e sua relação com a política social pode ser abordada sob diferentes perspectivas teóricas e metodológicas, que conduzem a distintos entendimentos sobre o “modelo” de Estado e a forma de regulação estatal na área social e econômica. Como exemplo dessa ressalva, encontra-se na literatura sobre políticas sociais o uso dos termos Estado de bem-estar, Estado-providência e Estado social, todos com conceituações e origens divergentes e polêmicas.

Mas o(a) leitor(a) deve estar se perguntando: qual a relação entre o modelo de Estado e a política social? Perceba que é fundamental pensar a política social como um processo histórico que vai se conformando e acompanhando os quadros de inflexão política, econô-mica e cultural, em um contexto de lutas sociais e de suas reverberações no Estado. Assim, é possível entender melhor o âmbito de atuação profissional quando se é capaz de aproxi-mar aquilo que está aparentemente separado (Estado e governo; política econômica, polí-tica social e luta de classes; soberania nacional e mundialização) e quando se considera a natureza contraditória das relações sociais, de modo a compreender suas tendências e sua dinâmica contemporânea.

O texto abrange diversas questões (descentralização, democracia, rede, metodologias da gestão pública e de proteção, universalidade, focalização, privatização, publicização, medidas de qualidade e de eficiência etc.), cada uma delas com complexidade suficiente para deman-dar outros textos, sobretudo em função dos princípios, diretrizes e funções da Política de Assistência Social do tempo presente.

Estudar essa temática pressupõe, portanto, uma articulação com: a totalidade social e histó-rica; as complexas e contraditórias relações estabelecidas entre Estado, mercado e sociedade; a transformação do trabalho e a mundialização do capital; a burocracia e a democracia.

Que o texto instigue reflexões, debates e polêmicas que afluam para a refundação de um modelo de Estado que possibilite formas de vida mais justas para os(as) brasileiros(as)!

PARA ORIEnTAR SUA LEITURA...

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Ao ler o texto, procure relacioná-lo ao seu local de trabalho e pensar nas seguintes questões:

1. Com qual referencial teórico-metodológico você aborda o tema do Estado?

2. Como o Brasil se insere no plano internacional e quais as consequências dessa inserção para a política social?

3. Qual o sentido, o alcance e o limite da(s) política(s) social(is) e, em particular, da Política de Assistência Social, no tempo atual?

4. Qual a relação entre o modelo de Estado e a Política de Assistência Social?

5. As cinco inflexões (giros) para conformação de um novo Estado social estratégico trazem consequências para o campo dos direitos e políticas sociais?

6. Você conhece o debate sobre a Reforma do Estado e o da Contrarreforma do Estado? (Sugestão de leitura: BEHRING, E. R. Brasil em Contrarreforma: desestruturação do Estado e perda de direi-tos. São Paulo: Cortez, 2003.)

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IntroduçãoEm fins da década de 1980, o Brasil formatava seu Estado de bem-estar social com a publicação da Constituição Cidadã de 1988. Ao mesmo tempo, na Europa e nos Estados Unidos da América, o modelo de bem-estar sofria profundas alterações estruturais após os governos de Margaret Thatcher, no Reino Unido, e de Ronald Reagan, nos EUA. As estruturas do bem-estar eram revistas, uma vez que se identi-ficava a verdadeira impossibilidade material da existência de um Estado com uma extensa gama protetiva. Sob o aspecto econômico, os choques do petróleo, a crise do déficit norte-americano e o abandono do padrão dólar-ouro chacoalharam as bases da social-democracia, demonstrando que seria insustentável a manutenção de um Estado amplamente acolhedor. A política de cortes, então adotada, atingiu o núcleo de políticas sociais do Estado de bem-estar: aumentou-se a idade para a fruição de pensões e aposentadorias (núcleo central), cortaram-se programas de subsídios para habitação (setor de vulnerabilidades) e reduziram-se programas de manutenção de nível mínimo de renda (setor residual).1

Ora, ao passo que no hemisfério norte o modelo ocidental de bem-estar conhe-cia seu primeiro choque, no Brasil era implementada uma concepção de Estado social quiçá ainda mais audaciosa. Em vez da assistência e da previdência social, concebemos, em 1988, um Sistema Único de Saúde universal e que opera e presta serviços a quem quer que seja, independentemente de contribuição ou custeio individual. Se a Europa levara entre cinquenta e sessenta anos para reformar seu Estado social, no Brasil a primeira vaga de mudanças ocorreria cerca de dez anos depois da promulgação da Constituição de 1988, em fins da década de 1990.

Havendo recorrido inúmeras vezes a empréstimos de regularização externos, ao país foi apresentado o Plano Brady, que elencava inúmeras medidas para o saneamento do endividamento nacional. A reestruturação do endividamento público foi seguida pela reorganização, ainda que parcial, do Estado de bem-estar brasileiro, pautada, inclusive, pela assessoria técnica do Fundo Monetário Internacional (FMI). É nesse

A ESCLEROSE DE UM MODELO: DO ESTADO DE BEM-ESTAR AO ESTADO ESTRATÉGICO

4capítulo

1 PIERSON, Paul. Dismantling the Welfare State? Reagan, Thatcher, and the politics of retrenchment. Cambridge: Cambridge University Press, 1994.

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contexto que a Constituição é alterada pela Emenda nº- 19 (Reforma Administra-tiva),2 e se edita a Lei de Responsabili-dade Fiscal, que viria a limitar as despesas da administração, de modo que, em tese, jamais se gastasse além da arrecadação – são as reformas inspiradas pelo Consenso de Washington.3

O eixo da primeira reforma por que passa o Estado social nacional é a distinção entre público e estatal. Enraíza-se a percepção de que é possível a construção de espaços públicos não estatais, os quais seriam legiti-mados à tutela dos direitos e dos interesses sociais.4 Essa concepção está fundada sobre bases filosóficas mais amplas, que remon-tam aos escritos de Jürgen Habermas,5 pres-tigiado autor da Escola de Frankfurt. Nessa concepção, organizações sociais, congregando elementos representativos e legítimos da sociedade civil, poderiam ser também vetores da concretização das políticas públicas.

Veja-se que há uma espécie de movimento pendular do Estado social, que oscila entre momentos de maior prestígio às concepções estatalistas e, no extremo oposto, confiança nas concepções pluralistas de poder e, por que não dizer, privatistas. Atualmente, na Europa, presenciamos um novo momento de crise do Estado social, consubstanciada nos questionamentos estruturais que se põem

diante de países como Espanha, Grécia, Irlanda, Portugal e Itália. Taxas expressivas de desemprego, que montam 16,5% na Grécia e surpreendentes 22,6% na Espanha, e déficits consideráveis em transações correntes dão uma pequena mostra dos desafios do Estado social europeu. O desemprego juvenil é a marca mais expressiva da crise econômica, mas é, a um só tempo, o item a causar maior desestabilização no contexto do bem-estar. Explica-se: o Estado social depende, em última instância, da existência de uma janela demográfica, ainda que pequena, e o Estado de bem-estar depende da existência de uma camada de população jovem e empregada, que possa contribuir com o sistema de bem--estar, sem recorrer a ele com frequência e abundância. O desemprego juvenil gera um desequilíbrio de contas manifesto e, a um só tempo, gera profunda inquietação social.

Trinta anos após sua primeira reestruturação, o Estado social europeu enfrenta outra crise, de envergadura ainda maior. É de supor, pois, que o modelo de Estado social, que impor-tamos da Europa e dos EUA, em algum momento, precise, aqui também, ser aper-feiçoado. Não se cuida de medidas paliativas ou conjuntarias, mas antes da necessidade de profundas alterações institucionais e estruturais que possam garantir a manuten-ção de uma teia de proteção social sufi-ciente, assegurando o mínimo existencial.

O EixO DA pRiMEiRA REFORMA por que passa o Estado social nacional é a distinção entre público e estatal

2 Cf. BRASIL. Plano diretor da reforma do Estado. Brasília: Câmara da Reforma do Estado, 1995.3 O termo Consenso de Washington refere-se às orientações de um grupo de economistas, liderados por John Williamson, que se reuniu

em colóquio na capital norte-americana em novembro de 1989.4 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser; GRAU, Nuria Cunill (orgs.). O público não estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio

Vargas, 1999. 5 HABERMAS, Jürgen. Strukturwandel der Öffentlichkeit: Untersuchungen zu einer Kategorie der bürgerlichen Gesellschaft. Berlim:

Suhrkamp, 1990. A obra original data de 1962 e possui inúmeras traduções, sob o título Transformações estruturais da esfera pública.

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Importa observar, contudo, que as mudanças estruturais são, em sua maioria, orientadas antes para evitar críticas do que para a fruição de dividendos políticos e reconhecimento público, sendo imenso seu potencial para a desaprovação pública. É preciso sempre lembrar que, no contexto pós-guerra, o Estado social desem-penhou um importante papel em níveis macro e microeconômico, permitindo a adoção de medidas contracíclicas em momentos de crise e, bem assim, a formação de uma “poupança social” nos tempos de bonança.

Sob a perspectiva política, as promessas de uma proteção social mínima incremen-taram a legitimidade das democracias, permitindo, a um só tempo, uma adaptação relativamente tranquila das massas operárias às mudanças no mercado de trabalho, bem como, em termos mais genéricos, a formação de uma rede de conexões entre a sociedade civil e o Estado. As reformas estruturais do Estado social passam, necessaria-mente, por um duplo caminho: a) a ampliação das rendas do Estado (fontes de custeio do sistema de proteção); e b) a reestruturação das políticas públicas sociais. Essas são, em geral, politicamente mais sensíveis e traumáticas do que aquelas, as quais, por seu turno, costumam enfrentar oposição localizada e politizada sem, todavia, darem ensejo a “desconforto social”.

A nova conformação do Estado social depende, assim, de cinco grandes inflexões: (a) democrática; (b) gerencial; (c) performativa; (d) política; e (e) estratégica.

1. Giro democráticoÉ preciso encarar uma realidade: as alterações no modelo de bem-estar geram resistên-cias políticas, uma vez que, em geral, retiram determinados elementos sociais de uma zona de conforto para alçá-los a um patamar de independência inicialmente incômodo. É assim que surge o conceito de governança, compreendido como o conjunto de medi-das que criam mecanismos participativos e deliberativos que aumentam a possibilidade de incidência da sociedade civil nas tomadas de decisões políticas. Cuida-se, aqui, de governar com e mediante redes, na fronteira do Estado e da sociedade civil.6

A governança pressupõe a reestruturação do poder político entre três linhas: a descen-tralização, que implica a transferência de competências decisórias e legislativas para entidades regionais e locais; a organização em redes, que, de um lado, pressupõe e assume uma descontinuidade geográfica e, de outro, prevê a substituição de estruturas administrativas verticais e hierárquicas por estruturas horizontais e de cooperação; e a ampliação das fronteiras de relacionamento entre a sociedade civil e o Estado.

A governança não pode permitir, porém, a completa alienação dos poderes decisó-rios do Estado ou a privatização do poder de ditar normas jurídicas e elaborar polí-ticas gerais.7 Os mecanismos de governança devem, antes, almejar reduzir o déficit de legitimidade em que incorre o Estado social ao circunscrever seu âmbito de

6 RHODES, R. A. W. Understanding governance: policy networks, governance, reflexivity, and accountability. Londres: Open University Press, 1997. pp. 29 ss.

7 ESTÉVEZ-ARAÚJO, J. A. “Gobernanza y racionalidad discursiva”. In: BOLADERAS, Margarita. Ciudadanía y derechos humanos: gobernanza y pluralismo. Barcelona: Horsori Editorial, 2009. pp. 29-48.

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decisão às instâncias técnicas e burocráticas. Cuida-se, em verdade, de gradativa-mente substituir o unilateral imposto pelo bilateral negociado. A linha que separa uma democracia em que se permite a participação, pela via da comunicação, e um governo disfuncional é tênue, de modo que a implementação do giro democrático demanda um processo contínuo de depuração e avaliação de resultados. Será pre-ciso ter em mente que os avanços na medida participativa dificilmente permitem recuos estratégicos, sendo pois o risco de disfuncionalidades sempre iminente; a notar, por exemplo, a situação do Estado norte-americano da Califórnia, o qual, embora tenha avançado na utilização de mecanismos de democracia direta, per-mitiu o assenhoreamento das decisões por grupos de minorias, gerando um verda-deiro caos político e institucional.

2. Giro gerencialO giro gerencial reside na modernização das metodologias da gestão pública, com a progressiva utilização de critérios que prestigiem resultados em detrimento dos meios como fins em si mesmos; que homenageiem o mérito em detrimento do com-padrio; e que assumam os riscos da inovação. A administração pública diferencia-se da administração privada nos seguintes aspectos: não está exposta às variações de mercado e repousa em apropriações antes que em investimentos; está submetida a maiores limitações legais e regulamentares; está sujeita a interferências de ordem política; é, em geral, coercitiva; tem maior amplitude de impacto; apresenta dificul-dade de objetividade, em função da complexidade de elaboração de critérios de ava-liação; o papel desempenhado pelos “gerentes” é fundado em vínculos de autoridade; inexistem critérios de avaliação da performance institucional a não ser os pleitos eleitorais; e as estruturas de criação de incentivos são incipientes. As reformas pre-conizadas pela New Public Management 8 (NPM) enfatizam a necessidade de abordar a administração pública sob esses prismas, visando a reorganizar suas estruturas em prol da prestação de serviços de melhor qualidade.

O giro gerencial precisa, a um só tempo, incorporar as tecnologias digitais em prol da eficiência da máquina administrativa, sob pena de, voluntariamente, tornar-se obso-leto. Por certo, a incorporação desses mecanismos exige alguma medida de audácia

A linhA qUE SEpARA UMA DEMOCRACiA em que se permite a participação, pela via da comunicação, e um governo disfuncional é tênue, de modo que a implementação do giro democrático demanda um processo contínuo de depuração e avaliação de resultados

8 Cf. BOSTON, J.; MARTIN, J.; PALLOT, J.; WALSH, P. Public management: the New Zealand model. Auckland: Oxford University Press, 1996.

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e desprendimento em relação a formas já ultrapassadas de decidir e executar, mas essa medida de coragem é que dará ensejo a um salto de qualidade na gestão pública. Embora os trabalhos de Dunleavy9 sugiram uma aparente contradição entre a administração da era digital e a NPM, cremos inexistir obstáculo intransponível à sua conciliação, uma vez que, ao lado de uma burocracia profissional, calcada em competição e incentivos, deva existir um aparato de governança orientado para a superação do desnível de legitimidade estatal.

3. Giro performativoA superação de um modelo de bem-estar que já se anuncia falho requer a reorga-nização das metodologias de proteção, assumindo-se que as inovações represen-tam não apenas riscos administrativos, mas também riscos políticos. De toda sorte, mudanças nunca são empreendidas sem que riscos sejam assumidos.

Nesse ponto, o primeiro tema a ser debatido é o princípio da universalidade. O sis-tema de bem-estar brasileiro foi concebido para ser um sistema universal, em que políticas de proteção social não estejam circunscritas a públicos determinados. É preciso concordar, contudo, que um sistema universal de proteção não se sustenta, sob a perspectiva pragmática, sem grandes sacrifícios econômicos. Conquanto sejam politicamente mais palatáveis, os programas universais de proteção merecem ser confrontados com programas orientados, isto é, com programas que se restrinjam, sob a perspectiva de atendimento, a populações fragilizadas.

Essa lógica de construção de programas sociais de proteção é parcialmente ado-tada em programas de garantia de um piso mínimo de renda, como o Programa de Desenvolvimento Rural indiano (que garante um mínimo de cem dias de tra-balho remunerado ao ano para trabalhadores rurais não qualificados) e o Bolsa Família brasileiro. De outra parte, ainda há resistências à extensão desse tipo de metodologia a programas de caráter previdenciário e, sobretudo, a programas de atenção à saúde.

Outro aspecto que merece atenção especial é o modo de prestação de serviços ou, em outras palavras, o modo de oferecimento de proteção. Estamos habitua-dos ao Estado prestador universal. Convém, porém, refletir acerca dessa premissa. Existe diferença ontológica (diferença da ordem do ser mesmo da coisa) entre um Estado que preste diretamente serviços e um Estado que compre serviços para oferecê-los à população? Sob a ótica de um giro performático importa muito mais como um Estado gasta do que propriamente o quanto gasta. Sistemas em que o Estado paga e o setor privado fornece tendem a operar melhor do que sistemas em que o Estado fornece. Escolas na Escandinávia custam mais que suas homólogas norte-americanas, mas detêm resultados amplamente mais favorá-veis. Assim também grande parte do sistema de saúde francês está construída sob essa lógica. A reinvenção de metodologias que privilegiem o indivíduo e não

9 DUNLEAVY, Patrick; MARGETTS, Helen; BASTOW, Simon; TINKLER, Jane. “New public management is dead – long live digital--era governance”. Journal of Public Administration Research and Theory, Oxford: Oxford University Press, n. 16, pp. 467-94, 2005.

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o Estado tem, também, o mérito de diminuir a incidência de regulamentação, res-ponsável em grande medida pelos custos colaterais das políticas públicas sociais.10

No campo das metodologias, as formas como o Estado remunera os serviços sociais também precisam ser repensadas. No contexto do programa Medicaid, o maior programa de saúde pública dos EUA, gradativamente tem-se substituído o sistema de pagamentos fragmentados, conhecido como fee-for-service (tarifa por serviço), em que o Estado remunera a prestação de serviços por itens prestados, por um sistema conhecido como managed-care (cuidado gerenciado), em que o pagamento é global, independentemente da quantidade ou do tipo de serviços prestados. Nessa modalidade, os pagamentos pressupõem a manutenção da saúde perfeita dos assistidos e preveem uma margem de lucro para os prestadores. Assim, cada prestador é estimulado a manter a saúde dos atendidos, pois, desse modo, pode apropriar-se de maior parte da margem de lucro. Em última análise, temos um sistema de pagamento por resultados, não por serviços.

Por derradeiro, é imperioso criar mecanismos de aferição da qualidade e da efi-ciência dos serviços públicos. Muito se tem avançado nessa seara, inserindo-se no cotidiano da administração avaliações de desempenho, estágios probatórios, avaliações de qualidade e pesquisas de resultado. É possível, ainda, inovar – como testemunha, temos o sistema recém-implementado na cidade de Chicago, cha-mado managed competition (competição gerenciada). Por meio dessa metodo-logia, a cidade de Chicago pretende medir a eficiência de seu serviço público de coleta de resíduos sólidos prestado diretamente pelo Estado. Dividiu-se a cidade em duas zonas idênticas. A gestão da primeira foi concedida a uma empresa privada. A segunda permaneceu sob a gestão pública. Estabelecido um patamar mínimo de qualidade (equivalente aos índices de eficiência aferidos na presta-ção plena por parte do Estado), no período de um ano apurar-se-á em qual zona obteve-se o melhor resultado. A lógica embutida nessa metodologia afasta o fantasma da competição, permitindo que, em bases empíricas, o Estado possa competir, em termos de eficiência, com o setor privado.

4. Giro políticoNo âmbito político, a atualização do Estado social precisará enfrentar dois dilemas: (a) a decisão entre tributar mais ou racionalizar a prestação de serviços e, por conseguinte, (b) a decisão entre construir programas universais ou programas de proteção direcionados.

A vulnerabilidade das modernas democracias de massa torna as escolhas especial-mente dramáticas. Há custos políticos graves na reordenação do espaço de proteção estatal. A ascendência flagrante de uma classe média urbana põe ainda maiores difi-culdades, uma vez que, ao mesmo tempo em que pleiteia a desoneração tributária, reclama do Estado uma teia de proteções mais completa.

10 Seria, inclusive, proveitoso reabilitar institutos de aplicação limitada no contexto jurídico e institucional nacional, como os serviços sociais autônomos.

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Há duas estratégias distintas: aquela que almeja diluir setores ideologizados de resis-tência e a que encontra nos mecanismos de governança a legitimidade necessária, acompanhada pela inserção maciça de práticas de transparência e de educação para a formação de opinião. Embora a primeira seja, via de regra, a alternativa de setores conservadores, o atual estágio de desenvolvimento democrático mostra a única alternativa viável: a tríade participação, transparência e formação.

5. Giro estratégicoA redefinição dos objetivos programáticos do Estado social marca aquilo que cha-mamos de giro estratégico. As políticas sociais de proteção, se têm em mira, primor-dialmente, amparar o cidadão quando sua sobrevivência está ameaçada, precisam, no mesmo passo, atender a imperativos de desenvolvimento. A estratégia não é outra senão definição de cenários futuros e estabelecimento de técnicas para o atingimento de determinadas metas. Definir objetivos estratégicos vai muito além de traçar macrodiretrizes porque inclui, em seu âmago, a projeção de uma posição política ideal. Nesse sentido, dois princípios devem reger a atuação do Estado: a economia de forças, no sentido de que se deve buscar a melhor alocação possível de recursos, e a liberdade de ação, em que os estrategistas estejam à vontade e desim-pedidos de quaisquer embaraços políticos, ideológicos ou sociais para a concepção de sua estratégia.

Embora existam diversas escolas do pensamento estratégico, importa, para os fins deste debate, dar relevo à dimensão da estratégia como posicionamento. Nessa perspectiva, a redefinição dos objetivos programáticos passa pelo exame profundo dos ambientes externo e interno e pela determinação de posições sucessivas a serem alcançadas. Nesse sentido, a nova conformação dos objetivos programáticos do Estado passa pela refundação das estratégias de negociação, as quais incluem o peso coletivo de atores marginais na especificação desses objetivos.

Não há, contudo, crescimento estratégico que não esteja vinculado à inovação, de modo que as políticas de proteção devem buscar um caminho de estímulo aos processos inovativos. É assim que, em concorrentes regionais, como a Argentina, já se começa a vislumbrar a criação de uma rede de políticas sociais destinadas à repa-triação de cérebros, ao incentivo aos gastos com Pesquisa e Desenvolvimento e ao estímulo à pesquisa industrial.

AS pOlítiCAS SOCiAiS DE pROtEçãO, se têm em mira, primordialmente, amparar o cidadão quando sua sobrevivência está ameaçada, precisam, no mesmo passo, atender a imperativos de desenvolvimento

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Um pensamento estreito poderia concluir que inexiste relação direta entre esse núcleo de atuação do Estado e as políticas de combate à pobreza. Certamente não haverá conexão se nos detivermos ao assistencialismo existencial, mas o giro estraté-gico que se propõe está justamente na concepção de políticas de combate à pobreza que estejam atreladas à inovação, à pesquisa e ao desenvolvimento. É chegado o momento em que precisamos abandonar a gestão diária e empírica da pobreza para atacar problemas estruturais de posicionamento global do país.

O clássico estudo sobre os Estados de bem-estar de Gøsta Esping-Andersen11 demons-tra que a ambição última do Estado social é diminuir a distinção de classes à medida que se amplia a extensão da cidadania social. O bem-estar estaria associado, assim, a uma desmercadorização da sociedade, ao mesmo tempo em que se mostra como um sistema de estratificação. Os três grandes modelos de Estado social oscilam entre o típico assistencialismo, de matriz anglo-saxã, o Estado social corporativista, no qual se privilegiam as pessoas e as famílias que aderem ao Estado, como espécie de prêmio por lealdade – sendo exemplos a Áustria, a França, a Alemanha e a Itália –, e um terceiro tipo, que ampara também as classes médias, que é a social-democracia típica, na qual há uma fusão entre serviço social e trabalho: desde funcionários white collars (os funcionários de alto escalão) até a massa de indigentes encontram mecanismos de amparo social, sempre todos impulsionados para o trabalho. Temos, diante de nós, a ocasião de formatar uma via alternativa: um Estado social estratégico, em que a proteção oriente os contingentes de forças econômicas e sociais para os processos de inovação e desenvolvimento.

6. ConclusõesComo vivemos em um Estado social extemporâneo e tardio, as crises nos Estados sociais europeus anunciam problemas estruturais que precisam ser abordados em lugar de negados.

Há custos políticos expressivos nos processos de mudança, sobretudo em um contexto de democracia de massas e de hibridismo político-partidário.

A nova conformação do Estado social depende de cinco inflexões (ou giros):

• giro democrático: exigência de ampliação responsável dos mecanismos de governança;

• giro gerencial: revisão das estratégias de sua gestão em direção a uma permanente atualização e profissionalização;

• giro performativo: exigência de renovação das metodologias de prestação de serviços, de fomento e financiamento e de avaliação;

11 ESPING-ANDERSEN, Gøsta. The three worlds of welfare capitalism. Princeton: Princeton University Press, 1990. pp. 9 ss.

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• giro político: necessidade de adoção de mecanismos de esclarecimento e legitimação em detrimento de políticas de diluição de resistências;

• giro estratégico: iniciativas que permitam avançar para além da gestão diária da pobreza, concebendo políticas sociais emancipadoras e normati-vas e institucionalmente atreladas aos processos de inovação.

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TIPIFICAÇÃO DOS SERVIÇOS SOCIOASSISTENCIAISMaria do Carmo Brant de Carvalho

5capítulo

É doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de

São Paulo (PUC-SP) e pós-doutorada em Ciência Política Aplicada

pela École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris, na França.

Atuou como professora no programa de pós-graduação em Serviço

Social da PUC-SP. É autora de vários trabalhos publicados e tem ampla

experiência em gestão pública. Atualmente presta consultoria a

diversos projetos governamentais nas áreas de Habitação, Assistência

Social e Educação.

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O(a) leitor(a) já se perguntou por que entrou na agenda da assistência social brasileira o debate sobre a tipificação dos serviços socioassistenciais? De onde vem essa ideia de “tipifi-car” os serviços? Por que e para que se preocupar com essa questão?

Com certeza, nos últimos quatro anos, essas e outras perguntas vêm sendo colocadas nos espaços de formação e de trabalho e vêm instigando o imaginário e alterando as práticas dos(as) trabalhadores(as) envolvidos com a Política de Assistência Social. É esse o propó-sito do texto de Maria do Carmo Brant de Carvalho: traduzir e comentar, de forma didá-tica, a resolução que a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais estabelece.

Você deve conhecer por experiência ou leitura os antecedentes da assistência social brasi-leira: ações difusas, descontínuas, fragmentadas e confusas; uma área sem visibilidade, sem identidade setorial, sem regulação, sem controle social; um campo de práticas filantrópicas e de ações isoladas e sobrepostas.

Quando a Constituição de 1988 instituiu a assistência social como direito do(a) cidadão(ã) e dever de Estado, fundou para a área um novo campo que exigiu transmutar sua formação tradicional e de seus antecedentes na política pública. Ainda estamos experimentando e construindo os desdobramentos dessa retórica “direito do cidadão e dever do Estado” nos espaços de atuação dos governos e da sociedade.

Como parte desse processo, a tipificação dos serviços socioassistenciais contribui para a con-solidação de um modelo de gestão democrática, que considera os fundamentos da Política Nacional e do Sistema Único de Assistência Social. Sua elaboração se deu a partir de amplo processo de participação popular e de debate político (VI Conferência Nacional, Plano Decenal, consulta pública, consultoria, pactuação na Comissão Intergestores Tripartite – CIT, deliberação no Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS).

Observe que o termo “tipificação”, empregado na Resolução nº- 109/2009 e tema central do texto, carrega o propósito e o desafio dessa norma: criar um tipo próprio para os serviços socioassistenciais; fazer sua caracterização, com o intuito de:

• definir o que é de competência própria da assistência social;

• padronizar a nomenclatura dos serviços;

• organizar os serviços por nível de proteção;

• descrever objetivos, provisões, fluxos e resultados;

PARA ORIENTAR SuA lEITuRA...

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• definir parâmetros de qualidade dos serviços;

• dar visibilidade aos serviços;

• contribuir para a construção de metodologias de trabalho social;

• estabelecer indicadores de monitoramento e avaliação;

• criar identidade para o usuário reconhecer seus direitos.

O texto mostra, portanto, que a tipificação é uma exigência ética, na perspectiva da expan-são dos direitos e na qualificação dos serviços socioassistenciais. Sua implantação exige participação, enfrentamento e mudança!

Ao ler o texto, procure relacioná-lo ao seu local de trabalho e pensar nas seguintes questões:

1. Você já estudou criticamente a matriz padronizada, em especial a ficha do serviço em que você trabalha? Qual a sua avaliação sobre esse estudo?

2. A tipificação dos serviços tem sido referência para reordenar serviços ofertados pela rede socioassistencial de seu município/região/Estado?

3. Como as entidades de assistência social têm participado desse debate?

4. No seu trabalho, a tipificação tem sido usada como referência para:

a. Discutir as metodologias de trabalho dos serviços socioassistenciais?

b. Rever os campos de informação dos prontuários manuais/eletrônicos?

c. Elaborar o plano municipal/regional/estadual de assistência social?

d. Produzir indicadores de monitoramento e avaliação?

e. Elaborar o relatório de gestão do território/município/região/Estado?

f. Criar, experimentar e inovar os serviços socioassistenciais?

5. Qualificar o atendimento ofertado à população ou para burocratizar os serviços socioassis-tenciais? Qual lógica está mais presente no seu trabalho: qualificação ou burocratização?

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Introdução Em 2009, importante resolução do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) foi aprovada pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) (Resolução nº- 109, de 11 de novembro de 2009), por meio da qual foi aprovada a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais por níveis de complexidade do Sistema Único de Assistência Social (SUAS): Proteção Social Básica e Proteção Social Especial de Média e Alta Complexidade.

Essa resolução é da maior importância, pois os serviços socioassistenciais – e não os benefícios – são a parte mais substantiva da atenção assistencial, caracterizam--se como serviços de proximidade nos territórios e envolvem a produção de ações continuadas e por tempo indeterminado, dirigidas à resolução de situações de vul-nerabilidade social identificadas e monitoradas nos territórios em que se encontra a população demandante.

Como sabemos, é recente a implantação do SUAS e dos serviços socioassistenciais. Seu início data de 2004.

Assim, a resolução do CNAS completa as normativas que regulam a operação dos serviços socioassistenciais: tipifica-os, define-os, especifica seus usuários e explicita os objetivos e as seguranças a ser adquiridas, a articulação em rede, o trabalho social requerido em cada um dos serviços e os impactos esperados.

É sempre bom lembrar que os serviços socioassistenciais visam ao desenvolvimento de ações de proteção social, vigilância e defesa social sempre na perspectiva territoria-lizada, com foco na matricialidade sociofamiliar. É na integração dessas consignas que se desenvolve um novo modelo assistencial coerente com o SUAS. Uma ação que não integralize a proteção, a vigilância e a defesa social deixa de ser uma proteção social efetiva movida a processos e estratégias capazes de produzir redução de vulnerabilida-des e inclusão social de parcela significativa da população brasileira.

TIPIFICAÇÃO DOS SERVIÇOS SOCIOASSISTENCIAIS

5capítulo

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Vamos neste texto traduzir de forma sintética e comentada a tipificação dos serviços de que trata a Resolução nº- 109, de 11 de novembro de 2009. Sugerimos que a lei-tura deste texto seja acompanhada da leitura completa da própria resolução.

Também é preciso deixar claro que o texto aqui produzido tem função didática e, portanto, retoma muitas das formulações presentes na resolução referida.

Os serviços socioassistenciais são tipificados com base na própria hierarquização entre Proteção Social Básica e Especial:

I - Serviços de Proteção Social Básica:

a) Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF);

b) Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos;

c) Serviço de Proteção Social Básica no Domicílio para Pessoas com Deficiência e Idosas.

II - Serviços de Proteção Social Especial de Média Complexidade:

a) Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI);

b) Serviço Especializado em Abordagem Social;

c) Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC);

d) Serviço de Proteção Social Especial para Pessoas com Deficiência, Idosas e suas Famílias;

e) Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua.

É SEMPrE BoM lEMBrAr que os serviços socioassistenciais visam ao desenvolvimento de ações de proteção social, vigilância e defesa social sempre na perspectiva territorializada, com foco na matricialidade sociofamiliar

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III - Serviços de Proteção Social Especial de Alta Complexidade:

a) Serviço de Acolhimento Institucional, nas seguintes modalidades: - abrigo institucional; - casa-lar; - casa de passagem; - residência inclusiva.

b) Serviço de Acolhimento em Repúblicas;

c) Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora;

d) Serviço de Proteção em Situações de Calamidades Públicas e de Emergências.

I. Serviços de Proteção Social Básica

A Proteção Social Básica tem caráter preventivo e processador de inclusão social. Destina-se a segmentos da população que vivem em condição de vulnerabilidade social: vulnerabilidades decorrentes da pobreza, privação (ausência de renda, acesso nulo ou precário aos serviços públicos...) e/ou fragilização de vínculos afetivo-relacionais e de pertencimento social (discriminações etárias, étnicas, de gênero ou por deficiências...).1

Os Serviços de Proteção Social Básica vinculam-se ao Centro de Referência de Assistência Social (CRAS).

O CRAS é a unidade de ação considerada a porta de entrada do SUAS: integra Serviços de Proteção Básica e oferta de benefícios, como o Programa Bolsa Família (PBF), o Benefício de Prestação Continuada (BPC), benefícios eventuais e outros da alçada dos Estados e dos municípios.

O CRAS costura a destinação de benefícios com serviços, processos e projetos socio-assistenciais direcionados a alcançar resultados protetivos da maior importância: a melhoria da qualidade de vida, ganhos de pertencimento social, maior autonomia da família e eliminação ou redução de vulnerabilidades sociais.

Família e território marcam a ação do CRAS. Por isso, matricialidade familiar e terri-torialização constituem os eixos estruturantes de sua ação.

Todos os serviços vinculados ao CRAS envolvem:

• assegurar acolhida às famílias e aos indivíduos em situação de vulnerabilidade social;

1 Apresentação. Sistema Único da Assistência Social – SUAS. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome/Secretaria Nacional de Assistência Social, 2004. p. 4. Disponível em: <http://www.amavi.org.br/sistemas/pagina/ setores/associal/arquivos/suassnasdoc12004.pdf>. Acesso em: 13 jan. 2004.

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• prestar atendimento por meio de benefícios, projetos e programas socio-assistenciais, visando ao desenvolvimento de potencialidades, aquisições e fortalecimento de vínculos familiares e comunitários;

• organizar e articular serviços socioassistenciais de provisão pública para atender as demandas de proteção social;

• realizar encaminhamentos a serviços da rede socioassistencial e das demais políticas públicas visando à ampliação do acesso aos direitos de cidadania;

• identificar e realizar articulação territorial com os demais serviços setoriais e organizações sociais que funcionam como artérias protetivas no território.

a) Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF)2

Trata-se de uma ação central do CRAS junto às famílias que apresentam vulnerabilidades sociais decorrentes de pobreza, privação (ausência de renda, acesso nulo ou precário aos serviços públicos, entre outros) e/ou fragilização de vínculos afetivo-relacionais e de pertencimento social.

Seus objetivos conforme a resolução se expressam em:

• fortalecer a função protetiva da família, contribuindo para a melhoria da sua qualidade de vida;

• prevenir a ruptura dos vínculos familiares e comunitários, possibilitando a superação de situações de fragilidade social vivenciadas;

• promover aquisições sociais e materiais às famílias e potencializar o protagonismo e a autonomia das famílias e comunidades;

• promover acessos a benefícios, programas de transferência de renda e serviços socioassistenciais, contribuindo para a inserção das famílias na rede de proteção social de assistência social;

• promover acesso aos demais serviços setoriais, contribuindo para o usufruto de direitos;

A inTEgrAção dE AçõES EnTrE o PAiF e o PBF criam portas de entrada comuns e, sobretudo, a indução de projetos locais mais robustos de ação junto às famílias beneficiárias

2 Resolução nº- 109, pp. 6-7.

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• apoiar famílias que possuem, entre seus membros, indivíduos que necessitam de cuidados, por meio da promoção de espaços coletivos de escuta e troca de vivências familiares.

Essa resolução também reafirma que:

[...] o Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF) é ofertado necessariamente no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), salvo quando o atendimento às famílias residentes em territórios de baixa densidade demográfica, com espalhamento ou dispersão populacional (áreas rurais, comunidades indígenas, quilombolas, calhas de rios, assentamentos, dentre outros), exige sua realização por meio de equipes volantes ou mediante a implantação de unidades de CRAS itinerantes.

É a partir do trabalho com famílias no ser-viço PAIF que se organizam os demais ser-viços referenciados ao CRAS. Assim, os Serviços de Proteção Social Básica desenvol-vidos no território de abrangência do CRAS – o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos e o Serviço de Proteção Social Básica no Domicílio para Pessoas com Deficiência e Idosas – devem ser a ele refe-renciados e manter articulação com o PAIF.

A integração de ações entre o PAIF e o PBF criam portas de entrada comuns e, sobretudo, a indução de projetos locais mais robustos de ação junto às famílias beneficiárias.

A Proteção Social Básica desenvolvida pelo PAIF inclui a oferta de:

• serviços e processos de fortalecimento da convivência social e de desenvolvi-mento do sentido de pertencimento às

redes existentes ou a ser recriadas no microterritório;

• identificação, mobilização e articu-lação dos serviços, espaços, sujeitos, oportunidades e relações existentes no microterritório;

• inclusão dos beneficiários da assistência social nos serviços das demais políticas públicas;

• desenvolvimento de competências substantivas e fluência comunicativa;

• ampliação do universo informacional e cultural;

• inclusão no círculo de relações da comunidade e da cidade de pertença;

• inclusão no mundo de trabalho e renda.

b) Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos3

O serviço de convivência complementa o trabalho social com a família, prevenindo a ocorrência de situações de risco social e for-talecendo a convivência familiar e comuni-tária, assim como mobiliza e fortalece redes sociais de apoio no território.

Ele compõe a rede socioassistencial descen-trada no território de abrangência do CRAS. É serviço complementar ao PAIF, por meio do qual se busca ampliar sociabilidades e vínculos sociorrelacionais, criar oportuni-dades de expressão, troca de experiências e ganhos de novas aprendizagens e fortalecer o sentido de pertencimento social, aproxi-mando as famílias das redes sociais locais.

O serviço de convivência organiza-se a par-tir da mobilização e da formação de diver-sos grupos, com base em interesses e

3 Id., pp. 9-16.

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vulnerabilidades sociais das famílias e de seus membros, considerando seu ciclo de vida e particularidades do contexto.

É um serviço de enorme importância no fortalecimento de bases protetivas no ter-ritório, expansão de vínculos sociorrelacionais e aquisição de habilidades necessárias junto aos participantes para integração nas redes locais e conquista de graus de autonomia progressiva, a fim de enfrentar, com êxito, as condições estruturais geral-mente associadas a situações de pobreza.

Instaura processos que favorecem a expressão pelas famílias de suas dificuldades e demandas, para uma construção compartilhada de soluções e alternativas para as necessidades e os problemas enfrentados.

Grupos priorizados:Grupos de convivência para famílias com crianças de até 6 anos:Têm por foco o desenvolvimento de atividades com crianças, familiares e comuni-dade, para fortalecer vínculos e prevenir a ocorrência de situações de exclusão social e de risco, em especial a violência doméstica e o trabalho infantil.

Desenvolvem atividades com gestantes, nutrizes e crianças, inclusive aquelas com deficiência.

Com as crianças, desenvolvem experiências lúdicas, acesso a brinquedos favorece-dores do desenvolvimento e da sociabilidade e momentos de brincadeiras fortale-cedoras do convívio com familiares.

Com as famílias, priorizam atividades direcionadas ao fortalecimento de vínculos e orientação sobre o cuidado com a criança pequena. Com famílias de crianças com deficiência, incluem ações que envolvem grupos e organizações comunitárias para troca de informações e possibilidades de ações inclusivas.

Grupos de convivência para crianças e adolescentes de 6 a 15 anos:Visam ao desenvolvimento de sociabilidades e prevenção de situações de risco social, propiciando experiências lúdicas, culturais e esportivas como formas de expressão, interação, aprendizagem, sociabilidade e proteção social.

Incluem crianças e adolescentes provenientes de famílias em situação de vulne-rabilidade, inscritas no Programa Bolsa Família (PBF), crianças e adolescentes com deficiência, retirados do trabalho infantil ou submetidos a outras violações, além de crianças e adolescentes reconduzidos ao convívio familiar depois de medida prote-tiva de acolhimento.

Grupos de convivência para adolescentes e jovens de 15 a 17 anos:Sua perspectiva é o desenvolvimento integral do jovem. Esses grupos propiciam o fortalecimento da convivência social, da participação cidadã, o retorno ou a perma-nência dos adolescentes e jovens na escola e o desenvolvimento de atividades que estimulem uma formação geral para o mundo do trabalho.

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Partem de interesses e questões juvenis relevantes, e as atividades pautam-se no exercício de valores e no desenvolvimento de habilidades básicas, como a capaci-dade comunicativa e a inclusão digital, arte-cultura e esporte-lazer.

Incluem adolescentes e jovens pertencentes às famílias beneficiárias de programas de transferência de renda, adolescentes e jovens egressos de medida socioeducativa de internação ou em cumprimento de outras medidas socioeducativas em meio aberto, egressos de medida de proteção, conforme disposto na Lei nº- 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) –, adolescentes e jovens do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) ou adolescentes e jovens egressos ou vinculados a programas de combate à violência e ao abuso e à exploração sexual, jovens com deficiência, em especial beneficiários do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e jovens fora da escola.

Grupos de convivência para idosos: Visam ao desenvolvimento de atividades que contribuam para o processo de envelhecimento saudável, para o desenvolvimento da autonomia e para o fortalecimento dos vínculos familiares e do convívio comunitário, e agem na prevenção de situações de risco social.

Incluem idosos beneficiários do Benefício de Prestação Continuada, idosos de famílias beneficiárias de programas de transferência de renda e idosos com vivências de isolamento familiar e comunitário.

c) Serviço de Proteção Social Básica no Domicílio para Pessoas com Deficiência e Idosas4

Tem por finalidade a prevenção de agravos que possam provocar o rompimento de vínculos familiares e sociais dos usuários, assim como reduzir situações de risco, a exclusão e o isolamento.

O Serviço de Proteção Social Básica no Domicílio é de fundamental importância. Constitui o que se chama de políticas públicas de serviços de proximidade, que visa à defesa e ao apoio psicossocial direto a famílias em situação de fragilidade decor-rente da dependência e do isolamento.

Objetivos:

• prevenir agravos que possam desencadear o rompimento de vínculos familiares e sociais;

• prevenir o confinamento de idosos e/ou pessoas com deficiência;

• identificar situações de dependência;

• colaborar com redes inclusivas no território;

4 Id., pp. 16-19.

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• prevenir o abrigamento institucional de pessoas com deficiência e/ou pessoas idosas com vistas a promover a sua inclusão social;

• sensibilizar grupos comunitários sobre direitos e necessidades de inclusão de pessoas com deficiência e pessoas idosas, buscando a desconstrução de mitos e preconceitos;

• desenvolver estratégias para estimular e potencializar recursos das pessoas com deficiência e pessoas idosas, de suas famílias e da comuni-dade no processo de habilitação, reabilitação e inclusão social;

• oferecer possibilidades de desenvolvimento de habilidades e potenciali-dades, a defesa de direitos e o estímulo à participação cidadã;

• incluir usuários e familiares no sistema de proteção social e serviços públicos, conforme necessidades, inclusive pela indicação de acesso a benefícios e programas de transferência de renda;

• contribuir para resgatar e preservar a integridade e a melhoria da quali-dade de vida dos usuários;

• contribuir para a construção de contextos inclusivos.

O serviço deve contribuir com a promoção do acesso de pessoas com deficiência e pessoas idosas aos múltiplos serviços de que necessitam no território. Desenvolve ações extensivas aos familiares, de apoio, informação, orientação e encaminhamento, com foco na qualidade de vida, no exercício da cidadania e na inclusão na vida social, sempre ressaltando o caráter preventivo do serviço.5

Garantias de segurança:Para os Serviços de Proteção Social Básica há um conjunto de seguranças a ser garantidas a seus usuários (definidas na resolução como aquisições):

Segurança de acolhida:

• ter acolhidas suas demandas, interesses, necessidades e possibilidades;

• receber orientações e encaminhamentos com o objetivo de aumentar o acesso a benefícios socioassistenciais e programas de transferência de renda, bem como aos demais direitos sociais, civis e políticos;

• ter acesso a ambiência acolhedora.

Segurança de convívio familiar e comunitário:

• vivenciar experiências que contribuam para o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários;

5 Brasil, 2008.

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• vivenciar experiências que possibilitem meios e oportunidades de conhecer o território e ressignificá-lo, de acordo com seus recursos e potencialidades;

• ter acesso a serviços, conforme demandas e necessidades.

Segurança de desenvolvimento da autonomia:

• vivenciar experiências pautadas pelo respeito a si próprio e aos outros, fun-damentadas em princípios éticos de justiça e cidadania;

• vivenciar experiências que possibilitem o desenvolvimento de potencialidades e a ampliação do universo informacio-nal e cultural;

• vivenciar experiências potencializadoras da participação social, como espaços de livre expressão de opiniões, de reivindica-ção e avaliação das ações ofertadas, bem como de espaços de estímulo para a par-ticipação em fóruns, conselhos, movimen-tos sociais, organizações comunitárias e outros espaços de organização social;

• vivenciar experiências que contribuam para a construção de projetos individuais e coletivos, e desenvolvimento da auto-estima, autonomia e sustentabilidade;

• vivenciar experiências de fortaleci-mento e extensão da cidadania;

• vivenciar experiências para relacionar-se e conviver em grupo, administrar confli-tos por meio do diálogo e compartilhar outros modos de pensar, agir e atuar;

• vivenciar experiências que possibilitem lidar de forma construtiva com poten-cialidades e limites;

• vivenciar experiências de desenvolvi-mento de projetos sociais e culturais no território e a oportunidade de fomento a produções artísticas;

• ter reduzido o descumprimento das condicionalidades do PBF;

• contribuir para o acesso à documenta-ção civil;

• ter acesso à ampliação da capacidade protetiva da família e à superação de suas dificuldades de convívio;

• ter acesso a informações sobre direitos sociais, civis e políticos e a condições sobre o seu usufruto;

• ter acesso a atividades de lazer, esporte e manifestações artísticas e culturais do território e da cidade;

• ter acesso a benefícios socioassistenciais e programas de transferência de renda;

• ter oportunidade de escolha e tomada de decisão;

• poder avaliar as atenções recebidas, expressar opiniões e reivindicações;

• apresentar níveis de satisfação positi-vos em relação ao serviço;

• ter acesso a experimentações no pro-cesso de formação e a intercâmbios com grupos de outras localidades e faixa etária semelhante.

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II. Serviços de Proteção Social Especial de Média Complexidade

Os Serviços de Proteção Especial ocorrem no CREAS ou a ele se referenciam.

CREAS – Serviços de Proteção Social Especial

A Proteção Social Especial é a modalidade de atenção assistencial destinada a indivíduos e famílias que se encontram em situação de alta vulnerabilidade pessoal e social. São vulnerabilidades decorrentes do abandono, privação, perda de vínculos, exploração, violência...

A proteção especial inclui serviços de abrigamento de longa ou curta duração e serviços de acolhimento e atenção psicossocial especializada destinados a assegurar vínculos de pertencimento e reinserção social.

O abrigamento é oferecido em várias modalidades – casa-abrigo, casa-lar, república, pensão, casa de passagem e albergues, entre outras –, com o objetivo de atender diferentes grupos etários e situações/demandas distintas.

São serviços que envolvem acompanhamento individual e maior flexibilidade nas soluções protetivas. São ações de natureza reabilitadora de possibilidades psicossociais com vistas à reinserção social. Por isso, exigem atenções mais personalizadas e processos protetivos de longa duração.

Os Serviços de Proteção Social Especial têm estreita interface com o sistema de justiça e os serviços das demais políticas, sobretudo os de saúde, exigindo muitas vezes uma gestão mais complexa e compartilhada com o Poder Judiciário e outras ações do Executivo.

Apresentação. Sistema Único da Assistência Social – SUAS. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome/Secretaria Nacional de Assistência Social, 2004. p. 4-5. Disponível em: <http://www.

amavi.org.br/sistemas/pagina/setores/associal/arquivos/suassnasdoc12004.pdf>. Acesso em: 13 jan. 2004.

a) Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI)6

Oferece apoio, orientação e acompanhamento a famílias com um ou mais de seus membros em situação de ameaça ou violação de direitos.

Há um conjunto de famílias e indivíduos que vivenciam violações de direitos em decorrência de abandono, negligência, violências físicas, sexuais e psicológicas, situa-ção de rua e mendicância e outras formas de violação de direitos decorrentes de dis-criminações/submissões a situações que provocam danos e agravos à sua condição de vida e os impedem de usufruir de autonomia e bem-estar.

6 Resolução nº- 109, pp. 19-22.

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Esse serviço:

[...] articula-se com as atividades e atenções prestadas às famílias nos demais serviços socioassistenciais, nas diversas políticas públicas, e com os demais órgãos do Sistema de Garantia de Direitos. Deve garantir atendimento imediato e providências necessárias para a inclusão da família e seus membros em serviços socioassistenciais e/ou em programas de transferência de renda, de forma a qualificar a intervenção e restaurar o direito.

b) Serviço Especializado em Abordagem Social 7

A abordagem social é serviço contínuo e programado, com a finalidade de assegurar:

[...] trabalho social de abordagem e busca ativa que identifique, nos territórios, a incidência de trabalho infantil, exploração sexual de crianças e adolescentes, situação de rua, dentre outras. Deverão ser consideradas praças, entroncamentos de estradas, fronteiras, espaços públicos onde se realizam atividades laborais, locais de intensa circulação de pessoas e existência de comércio, terminais de ônibus, trens, metrô e outros.

O serviço provê a resolução de necessidades imediatas e promove a inserção na rede de serviços socioassistenciais e das demais políticas públicas na perspectiva da garantia dos direitos.

Usuários:Crianças, adolescentes, jovens, adultos, idosos e famílias que utilizam espaços públi-cos como forma de moradia e/ou sobrevivência.

Objetivos:

• construir o processo de saída das ruas e possibilitar condições de acesso à rede de serviços e a benefícios assistenciais;

7 Id., pp. 22-23.

Há UM ConjUnTo dE FAMíliAS E indivídUoS que vivenciam violações de direitos em decorrência de abandono, negligência, violências físicas, sexuais e psicológicas, situação de rua e mendicância

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• identificar famílias e indivíduos com direitos violados, a natureza das violações, as condições em que vivem, estratégias de sobrevivência, proce-dências, aspirações, desejos e relações estabelecidas com as instituições;

• promover ações de sensibilização para divulgação do trabalho reali-zado, de direitos e necessidades de inclusão social e estabelecimento de parcerias;

• promover ações para a reinserção familiar e comunitária.

c) Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC)8

Destina-se a adolescentes de 12 a 18 anos incompletos ou jovens de 18 a 21 anos, em cumprimento de medida socioeducativa de Liberdade Assistida e de Prestação de Serviços à Comunidade, aplicada pela Justiça da Infância e da Juventude ou, na ausência desta, pela Vara Civil correspondente e suas famílias.

Tem por finalidade prover atenção socioassistencial e acompanhamento a esses adolescentes e jovens contribuindo:

[...] para o acesso a direitos e para a ressignificação de valores na vida pessoal e social dos adolescentes e jovens. Para a oferta do serviço faz-se necessário a observância da responsabilização face ao ato infracional praticado, cujos direitos e obrigações devem ser assegurados de acordo com as legislações e normativas específicas para o cumprimento da medida.

Na sua operacionalização é necessária a elaboração do Plano Individual de Atendimento (PIA) com a participação do adolescente e da família, devendo conter os objetivos e metas a ser alcançados durante o cumprimento da medida, perspectivas de vida futura, dentre outros aspectos a ser acrescidos, de acordo com as necessidades e interesses do adolescente. [...]

No acompanhamento da medida de Prestação de Serviços à Comunidade o serviço deverá identificar no município os locais para a prestação de serviços, a exemplo de: entidades sociais, programas comunitários, hospitais, escolas e outros serviços governamentais. A prestação dos serviços deverá se configurar em tarefas gratuitas e de interesse geral, com jornada máxima de oito horas semanais, sem prejuízo da escola ou do trabalho, no caso de adolescentes maiores de 16 anos ou na condição de aprendiz a partir dos 14 anos. A inserção do adolescente em qualquer dessas alternativas deve ser compatível com suas aptidões e favorecedora de seu desenvolvimento pessoal e social.

8 Id., pp. 24-26.

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Objetivos:

• realizar acompanhamento social a ado-lescentes durante o cumprimento de medida socioeducativa de Liberdade Assistida e de Prestação de Serviços à Comunidade e sua inserção em outros serviços e programas socioassistenciais e de políticas públicas setoriais;

• criar condições para a construção/reconstrução de projetos de vida que visem à ruptura com a prática de ato infracional;

• estabelecer contratos com o adoles-cente a partir das possibilidades e limites do trabalho a ser desenvolvido e normas que regulem o período de cum-primento da medida socioeducativa;

• contribuir para o estabelecimento da autoconfiança e a capacidade de reflexão sobre as possibilidades de construção de autonomias;

• possibilitar acessos e oportunidades para a ampliação do universo informa-cional e cultural e o desenvolvimento de habilidades e competências;

• fortalecer a convivência familiar e comunitária.

Este é um serviço que exige estreita inter-face com o sistema de Justiça, exigindo muitas vezes uma gestão mais complexa e compartilhada com o Poder Judiciário e outras ações do Executivo.

d) Serviço de Proteção Social Especial para Pessoas com Deficiência, Idosas e suas Famílias9

Serviço para a oferta de atendimento especializado a famílias com pessoas com

deficiência e idosos com algum grau de dependência, que tiveram suas limitações agravadas por violações de direitos, tais como: exploração da imagem, isolamento, confinamento, atitudes discriminatórias e preconceituosas no seio da família, falta de cuidados adequados por parte do cuidador, alto grau de estresse do cuidador, desva-lorização da potencialidade/capacidade da pessoa, dentre outras que agravam a depen-dência e comprometem o desenvolvimento da autonomia.

O serviço tem como finalidade:

[...] promover a autonomia, a inclusão social e a melhoria da qualidade de vida das pessoas participantes. Deve contar com equipe específica e habilitada para a prestação de serviços especializados a pessoas em situação de dependência que requeiram cuidados permanentes ou temporários. A ação da equipe será sempre pautada no reconhecimento do potencial da família e do cuidador, na aceitação e valorização da diversidade e na redução da sobrecarga do cuidador, decorrente da prestação de cuidados diários prolongados.

[...] A intervenção será sempre voltada a diminuir a exclusão social tanto do dependente quanto do cuidador, a sobrecarga decorrente da situação de dependência/prestação de cuidados prolongados, bem como a interrupção e superação das violações de direitos que fragilizam a autonomia e intensificam o grau de dependência da pessoa com deficiência ou pessoa idosa.

Esse serviço se realiza no domicílio do usuário, no centro-dia, no CREAS ou em uma Uni-dade Referenciada.

9 Id., pp. 26-29.

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e) Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua10

Oferece a jovens, adultos, idosos e famílias que utilizam as ruas como espaço de moradia e/ou sobrevivência:

[...] trabalho técnico para a análise das demandas dos usuários, orientação individual e grupal e encaminhamentos a outros serviços socioassistenciais e das demais políticas públicas que possam contribuir na construção da autonomia, da inserção social e da proteção às situações de violência.

Deve promover o acesso a espaços de guarda de pertences, de higiene pessoal, de alimentação e provisão de documentação civil. Proporciona endereço institucional para utilização, como referência, do usuário.

Nesse serviço deve-se realizar a alimentação de sistema de registro dos dados de pessoas em situação de rua, permitindo a localização da/pela família, parentes e pessoas de referência, assim como um melhor acompanhamento do trabalho social.

Objetivos:

• possibilitar condições de acolhida na rede socioassistencial;

• contribuir para a construção de novos projetos de vida, respeitando as escolhas dos usuários e as especificidades do atendimento;

• contribuir para restaurar e preservar a integridade e a autonomia da população em situação de rua;

• promover ações para a reinserção familiar e/ou comunitária.

Esse serviço, em geral, ocorre em Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua.

III. Serviços de Proteção Social Especial de Alta Complexidade

a) Serviço de Acolhimento Institucional11

Visando às seguintes modalidades: abrigo institucional, casa-lar, casa de passagem e residência inclusiva, oferta:

10 Id., pp. 29-31. 11 Id., pp. 31-38.

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[...] acolhimento em diferentes tipos de equipamentos, destinado a famílias e/ou indivíduos com vínculos familiares rompidos ou fragilizados, a fim de garantir proteção integral.

O acolhimento organiza-se preservando a privacidade e o respeito aos costumes e à diversidade de ciclos de vida, arranjos familiares, raça/etnia, religião, gênero e orientação sexual. Realiza-se em pequenos grupos em unidades localizadas na comunidade, com características residenciais, de forma a garantir ambiente aco-lhedor, favorecer a proximidade e a manutenção de vínculos familiares e comu-nitários, e o uso dos equipamentos e serviços disponíveis na comunidade local.

[...] As regras de gestão e de convivência deverão ser construídas de forma participativa e coletiva, a fim de assegurar a autonomia dos usuários, conforme perfis.

[...] As edificações devem ser organizadas de forma a atender aos requisitos previstos nos regulamentos existentes e às necessidades dos usuários, oferecendo condições de habitabilidade, higiene, salubridade, segurança, acessibilidade e privacidade.

Para crianças e adolescentes: Acolhimento provisório e excepcional para crianças e adolescentes de ambos os sexos, inclusive crianças e adolescentes com deficiência, sob medida de proteção (Art. 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente) e em situação de risco pessoal e social, cujas famílias ou responsáveis encontrem-se temporariamente impossi-bilitados de cumprir sua função de cuidado e proteção. As unidades não devem distanciar-se excessivamente, do ponto de vista geográfico e socioeconômico, da comunidade de origem das crianças e adolescentes atendidos. [...]

O serviço deverá ser organizado em consonância com os princípios, diretrizes e orientações do Estatuto da Criança e do Adolescente e das “Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes”.

Incluem-se aqui diferentes modalidades de acolhimento:

• casa-lar: atendimento em unidade residencial onde uma pessoa ou casal trabalha como educador/cuidador residente, prestando cuidados a um grupo de até dez crianças e/ou adolescentes;

• abrigo institucional: atendimento em unidade institucional semelhante a uma residência, destinada ao atendimento de grupos de até vinte crianças e/ou adolescentes.

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O abrigo institucional:

[...] poderá contar com espaço específico para acolhimento imediato e emergencial, com profissionais preparados para receber a criança/adolescente em qualquer horário do dia ou da noite, enquanto se realiza um estudo diagnóstico detalhado de cada situação para os encaminhamentos necessários.

Para adultos e famílias: Acolhimento provisório com estrutura para acolher com privacidade pessoas do mesmo sexo ou grupo familiar. É previsto para pessoas em situação de rua e desa-brigo por abandono, migração e ausência de residência ou pessoas em trânsito e sem condições de autossustento.

Deve localizar-se na malha urbana, respeitando o direito de permanência e usufruto da cidade com segurança, igualdade de condições e acesso aos serviços públicos.

Incluem-se aqui diferentes modalidades de acolhimento:

• abrigo institucional: unidade institucional semelhante a uma residência com o limite máximo de cinquenta pessoas por unidade e de quatro pessoas por quarto;

• casa de passagem: unidade institucional de passagem para a oferta de acolhimento imediato e emergencial, com profissionais preparados para receber os usuários em qualquer horário do dia ou da noite, enquanto se realiza um estudo diagnóstico detalhado de cada situação para os enca-minhamentos necessários.

Para mulheres em situação de violência: Acolhimento provisório para mulheres, acompanhadas ou não de seus filhos, em situação de risco de morte ou ameaças em razão da violência doméstica e familiar, causadora de lesão, sofrimento físico, sexual, psicológico ou dano moral.

Deve ser desenvolvido em local sigiloso, com funcionamento em regime de cogestão, que assegure a obrigatoriedade de manter o sigilo quanto à identidade das usuárias. Em articulação com rede de serviços socioassistenciais, das demais políticas públicas e do Sistema de Justiça, deve ser ofertado atendimento jurídico e psicológico para as usuárias e seus filhos e/ou dependente quando estiver sob sua responsabilidade.

Para jovens e adultos com deficiência: Acolhimento destinado a jovens e adultos com deficiência, cujos vínculos familiares estejam rompidos ou fragilizados. Destina-se para aqueles que não possuam condi-ções de autossustentabilidade, de retaguarda familiar temporária ou permanente, ou que estejam em processo de desligamento de instituições de longa permanência.

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Deve ser desenvolvido em Residências Inclu-sivas inseridas na comunidade, funcionar em locais com estrutura física adequada e ter a finalidade de favorecer a construção pro-gressiva da autonomia, da inclusão social e comunitária e do desenvolvimento de capa-cidades adaptativas para a vida diária.

Para idosos: Acolhimento para idosos com 60 anos ou mais, de ambos os sexos, independentes e/ou com diversos graus de dependência. A natu-reza do acolhimento deverá ser provisória e, excepcionalmente, de longa permanência quando esgotadas todas as possibilidades de autossustento e convívio com os familiares.

Destina-se a idosos que não dispõem de con-dições para permanecer com a família, com vivência de situações de violência e negligên-cia, em situação de rua e de abandono, com vínculos familiares fragilizados ou rompidos.

Deve ser assegurado aos idosos com vínculo de parentesco ou afinidade – casais, irmãos, amigos etc. – o atendimento na mesma unidade.

Idosos com deficiência devem ser inclu-ídos nesse serviço, de modo a prevenir práticas segregacionistas e o isolamento desse segmento.

Incluem-se aqui diferentes modalidades de acolhimento:

• casa-lar: unidade residencial de acolhi-mento para grupos de até dez idosos;

• atendimento em unidade institucional com característica domiciliar que aco-lhe idosos com diferentes necessidades e graus de dependência (Instituições de Longa Permanência para Idosos – ILPI).

Deve assegurar a convivência com fami-liares, amigos e pessoas de referência de forma contínua, bem como o acesso a ati-vidades culturais, educativas, lúdicas e de lazer na comunidade.

A capacidade de atendimento das unida-des deve seguir as normas da Vigilância Sanitária, devendo ser assegurado o aten-dimento de qualidade, personalizado, com até quatro idosos por quarto.

Observação importante: Os serviços de acolhimento poderão ter abrangência correspondente a um pequeno grupo de municípios com proximidade geo-gráfica, quando a incidência da demanda e o porte do município não justificarem a disponibilização do serviço no seu âmbito. Nas unidades para o atendimento a crian-ças e adolescentes, idosos e mulheres em situação de violência, o serviço também poderá ter abrangência regional por indi-cação técnica ou determinação judicial. No caso de acolhimento regional, fora do município de origem, para crianças,

A CAPACidAdE dE ATEndiMEnTo das unidades deve seguir as normas da Vigilância Sanitária, devendo ser assegurado o atendimento de qualidade, personalizado, com até quatro idosos por quarto

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adolescentes e idosos, deverá ser viabilizado o transporte de familiares para visitas ou a locomoção do público atendido ao ambiente familiar, de modo que sejam preservados seus vínculos familiares.

b) Serviço de Acolhimento em Repúblicas12

Oferece proteção, apoio e moradia subsidiada a grupos de pessoas maiores de 18 anos em estado de abandono, situação de vulnerabilidade e risco pessoal e social, com vínculos familiares rompidos ou extremamente fragilizados e sem condições de moradia e autossustentação.

Esse serviço:

[...] deve ser desenvolvido em sistema de autogestão ou cogestão, possibilitando gradual autonomia e independência de seus moradores. Deve contar com equipe técnica de referência para contribuir com a gestão coletiva da moradia (administração financeira e funcionamento) e para acompanhamento psicossocial dos usuários e encaminhamento para outros serviços, programas e benefícios da rede socioassistencial e das demais políticas públicas.

Assim como nos demais equipamentos da rede socioassistencial, as edificações utilizadas no serviço de república deverão respeitar as normas de acessibilidade, de maneira a possibilitar a inclusão de pessoas com deficiência.

As repúblicas possuem tempo de permanência limitado, que pode ser reavaliado e prorrogado em função do projeto individual formulado com o profissional de referência.

Para jovens:Destinada, prioritariamente, a jovens entre 18 e 21 anos após desligamento de servi-ços de acolhimento para crianças e adolescentes ou em outra situação que demande este serviço. [...] O atendimento deve apoiar a qualificação e inserção profissional e a construção de projeto de vida.

As repúblicas para jovens devem ser organizadas em unidades femininas e unidades masculinas, garantindo-se, na rede, o atendimento a ambos os sexos, conforme demanda local, devendo ser dada a devida atenção à perspectiva de gênero no plane-jamento político-pedagógico do serviço.

O serviço deverá ser organizado em consonância com os princípios, diretrizes e orien-tações constantes no documento “Orientações técnicas: serviços de acolhimento para crianças e adolescentes”.

12 Id., pp. 38-41.

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Para adultos em processo de saída das ruas:Para adultos em fase de reinserção social e construção de autonomia. As repúblicas devem ser organizadas em unidades femininas e unidades masculinas. O atendimento deve apoiar a qualificação e inserção profissional e a construção de projeto de vida.

Para idosos:Destinada a idosos que tenham capacidade de gestão coletiva da moradia e con-dições de desenvolver, de forma independente, as atividades da vida diária, mesmo que requeiram o uso de equipamentos de autoajuda.

Garantias de segurança:Para o conjunto dos Serviços de Proteção Especial, há um conjunto de seguranças a ser obtidas a seus usuários (definidas na resolução como aquisições).

Segurança de acolhida:

• ser acolhido em condições de dignidade;

• ter sua identidade, integridade e história de vida preservadas;

• ter acesso a espaço com padrões de qualidade quanto a higiene, habi-tabilidade, salubridade, segurança e conforto para cuidados pessoais e repouso.

Segurança de convívio ou vivência familiar, comunitária e social:

• ter assegurado o acesso a serviços socioassistenciais e demais políticas públicas setoriais;

• ter assegurado o convívio comunitário e social.

Segurança de desenvolvimento de autonomia individual, familiar e social:

• ter acesso a documentação civil;

• poder construir projetos de vida e alcançar autonomia;

• ser informado sobre direitos, serviços, acessos e responsabilidades;

• fortalecer vínculos comunitários e de pertencimento;

• ter condições para desenvolver capacidades e fazer escolhas com indepen-dência e autonomia;

• obter orientações e informações sobre acessos e direitos.

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c) Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora13

Este serviço organiza o acolhimento de crianças e adolescentes, afastados da família por medida de proteção, em residência de famílias acolhedoras cadas-tradas. É previsto até que seja possível o retorno à família de origem ou, na sua impossibilidade, o encaminhamento para adoção. O serviço é o responsável por selecionar, capacitar, cadastrar e acompanhar as famílias acolhedoras, bem como realizar o acompanhamento da criança e/ou adolescente acolhido e de sua famí-lia de origem.

Deverá ser organizado segundo os princípios, diretrizes e orientações do Estatuto da Criança e do Adolescente e do documento “Orientações técnicas: serviços de acolhimento para crianças e adolescentes”, sobretudo no que se refere à preservação e à reconstrução do vínculo com a família de origem, assim como à manutenção de crianças e adolescentes com vínculos de parentesco (irmãos, primos etc.) numa mesma família. O atendimento também deve envolver o acompanhamento às famí-lias de origem, com vistas à reintegração familiar.

O serviço é particularmente adequado ao atendimento de crianças e adolescentes cuja avaliação da equipe técnica indique possibilidade de retorno à família de origem, nuclear ou extensa.

Formas de acesso: por determinação do Poder Judiciário.

Unidade: unidade de referência da Proteção Social Especial e residência da família acolhedora.

d) Serviço de Proteção em Situações de Calamidades Públicas e de Emergências14

Assegura apoio e proteção à população atingida por situações de emergência e calamidade pública, com a oferta de alojamentos provisórios, atenções e provisões materiais, conforme as necessidades detectadas.

Envolve ações conjuntas e articuladas de caráter intersetorial para a minimização dos danos ocasionados e o provimento das necessidades verificadas.

Usuários: famílias e indivíduos atingidos por situações de emergência e calamidade pública (incêndios, desabamentos, deslizamentos, alagamentos, entre outras), que tiveram perdas parciais ou totais de moradia, objetos ou utensílios pessoais e se encontram temporária ou definitivamente desabrigados; e removidos de áreas consi-deradas de risco, por prevenção ou determinação do Poder Judiciário.

13 Id., pp. 41-43.14 Id., pp. 43-45.

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Formas de acesso: por notificação de órgãos da administração pública municipal, da Defesa Civil e pela identificação da presença nas ruas.

Unidade: unidades referenciadas ao órgão gestor da assistência social.

Abrangência: municipal.

Objetivos: •asseguraracolhimentoimediatoemcondiçõesdignasedesegurança;

• manter alojamentos provisórios, quando necessário;

• identificar perdas e danos ocorridos e cadastrar a população atingida;

• articular a rede de políticas públicas e as redes sociais de apoio para prover as necessidades detectadas;

• promover a inserção na rede socioassistencial e o acesso a benefícios eventuais.

Garantias de segurança:Segurança de sobrevivência a riscos circunstanciais:

• ser socorrido em situações de emergência e de calamidade pública.

Segurança de acolhida:

• ter acesso a provisões para necessidades básicas.

• ter acesso a espaço provisório de acolhida para cuidados pessoais, repouso e alimentação, ou dispor de condições para acessar outras alter-nativas de acolhimento.

Segurança de convívio ou vivência familiar, comunitária e social:

• ter acesso a serviços e ações intersetoriais para a solução da situação enfrentada, em relação a abrigo, alimentação, saúde e moradia, entre outras necessidades.

ASSiM CoMo noS dEMAiS equipamentos da rede socioassistencial, as edificações utilizadas no serviço de república deverão respeitar as normas de acessibilidade, de maneira a possibilitar a inclusão de pessoas com deficiência

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Comentários finais

Como se pode constatar:

• são múltiplos e diversos os serviços de proteção social, comportando diferentes graus de complexidade;

• atendem a um público-alvo que tem em comum a marca da vulnera-bilidade, pobreza e inclusão social precária. No entanto, esse público é heterogêneo, apresentando demandas e necessidades protetivas dife-renciadas segundo contextos de vida, recortes etários ou de gênero, dependência, entre outras;

• há uma flexibilidade intrínseca na oferta dos serviços de proteção social;

• são serviços de proximidade;

• exigem relação interpessoal;

• a relação é em si condição de proteção.

Os Serviços de Proteção Social Básica e Especial de Média e Alta Complexidade se interpenetram; muitos dos usuários da Proteção Especial transitam igualmente nos Serviços de Proteção Social Básica.

Todos os serviços envolvem trabalho social qualificado: acolhida; escuta; estudo social; diagnóstico socioeconômico; orientação e encaminhamentos para a rede de serviços locais; construção de plano individual e/ou familiar de atendimento; orientação sociofamiliar; atendimento psicossocial; orientação jurídico-social; refe-rência e contrarreferência; informação, comunicação e defesa de direitos; apoio à família na sua função protetiva; acesso à documentação pessoal; mobilização; identificação da família extensa ou ampliada; articulação da rede de serviços socio-assistenciais; articulação com os serviços de outras políticas públicas setoriais; articulação interinstitucional com os demais órgãos do Sistema de Garantia de Direitos; mobilização para o exercício da cidadania; trabalho interdisciplinar; elabo-ração de relatórios e/ou prontuários; estímulo ao convívio familiar, grupal e social; mobilização e fortalecimento do convívio e de redes sociais de apoio, assim como monitoramento e avaliação contínuos.

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Bibliografia

Apresentação. Sistema Único da Assistência Social – SUAS. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome/Secretaria Nacional de Assistência Social, 2004. Disponível em: <http://www.amavi.org.br/sistemas/pagina/setores/associal/arquivos/suassnasdoc12004.pdf>. Acesso em: 13 jan. 2004.

BRASIL. SUAS: configurando os eixos de mudança. Capacita SUAS. Brasília/São Paulo: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome/Instituto de Estudos Especiais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2008. pp. 46-7.

Orientações técnicas: Centro de Referência de Assistência Social (CRAS). Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 2009.

Resolução CNAS nº- 109, de 11 de novembro de 2009, que aprova a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais.

Resolução CNAS nº- 145, de 15 de outubro de 2004, que aprova a Política Nacional de Assistência Social (PNAS).

Resolução CNAS nº- 130, de 15 de julho de 2005, que aprova a Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social (NOB/SUAS).

Resolução CNAS nº- 269, de 13 de dezembro de 2006, que aprova a Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do Sistema Único de Assistência Social (NOBRH/SUAS).

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AssistênciA sociAl e o combAte À pobrezAMaria do Carmo Brant de Carvalho

6capítulo

É doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de

São Paulo (PUC-SP) e pós-doutorada em Ciência Política Aplicada

pela École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris, na França.

Atuou como professora no programa de pós-graduação em Serviço

Social da PUC-SP. É autora de vários trabalhos publicados e tem ampla

experiência em gestão pública. Atualmente presta consultoria a

diversos projetos governamentais nas áreas de Habitação, Assistência

Social e Educação.

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pArA orientAr suA leiturA...

“Assistência Social e o combate à pobreza” apresenta questões relevantes e urgentes para reflexão e intervenção no campo das políticas sociais e da responsabilidade pública e cole-tiva. Trata-se de um mérito da autora, que coloca no texto pontos que abrem caminhos para o(a) leitor(a) libertar o pensamento e lançar novos e continuados desafios ao seu cotidiano profissional.

Na história secular da humanidade, a riqueza e a pobreza são produtos da sociabilidade e do modelo de desenvolvimento forjado pelos homens. A pobreza não está, portanto, fixada como paisagem natural nos cenários urbano e rural. Tampouco é passível de ser colocada como alvo de um possível manejo político e técnico; de ser combatida por um único setor a partir do simples desenvolvimento de competências e habilidades individuais e familiares. O tema exige a reflexão sobre questões estruturais ligadas de forma mais ampla às desigualda-des de renda, patrimônio e oportunidades e às compressões econômicas globais. A questão é vasta, complexa e multidimensional, e a autora aponta essas dimensões em várias partes do texto. Esclarece que a pobreza é inerente ao modo de produção capitalista e demanda uma intervenção que vá além do campo das políticas sociais.

Embora o título enfatize a política de assistência social, a grande contribuição do texto reside na afirmação contundente da autora de que o combate à pobreza não pode ser pensado sob a ótica da exclusividade, da responsabilidade setorial ou individual. Ainda que a assistência social seja “a política que chega aos pobres”, é preciso “conjugar esforços na extensão e na qualidade da malha de serviços públicos básicos indispensáveis”. Tal fato diz respeito à interdisciplinaridade, à intersetorialidade e ao envolvimento dos sujeitos (público--alvo) e da sociedade no processo.

No subtítulo “As expressões da pobreza”, o(a) leitor(a) encontrará importantes contribuições para entender as implicações decorrentes das múltiplas dimensões da pobreza na elaboração de políticas de enfrentamento. A autora afirma que, se a pobreza é multidimensional, as res-postas públicas (serviços e benefícios) devem ser múltiplas e flexíveis.

A autora adverte: “não bastam programas de transferência de renda”, pois, “para além dos benefícios, os processos e as estratégias no combate à pobreza” precisam ser conduzidos por um trabalho social sustentado na “lógica dos direitos”, em contraposição à “lógica da tutela”, que perdura e tensiona o espaço da intervenção e o imaginário social.

Dentre as estratégias no combate à pobreza articuladas pelos governos, a autora apresenta o Programa Bandeirantes, coordenado pela Secretaria de Desenvolvimento Social do Estado de São Paulo, e destaca a agenda da família como insumo diferencial na operacionalização do trabalho social.

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Que o texto permita ao(à) leitor(a) explorar novas possibilidades e vontades por uma sociedade radicalmente melhor em nome da exigência ética de igualdade e justiça social.

Ao ler o texto, procure relacioná-lo ao seu local de trabalho e pensar nas seguintes questões:

1. Como você define a pobreza?

2. Quais são as causas fundamentais da pobreza no Brasil?

3. Existem inúmeros estudos sobre a pobreza com perspectivas diferentes sobre causas, consequências e responsabilidades no seu enfrentamento. Qual é o referencial teórico que fundamenta a reflexão e a prática da Política de Assistência Social que se concretiza em seu campo de trabalho?

4. Por que o combate à pobreza historicamente vincula-se à Política de Assistência Social?

5. Os pobres dependem da assistência social ou a assistência social depende dos pobres para se legitimar e construir a sua identidade?

6. Quais seriam as áreas de intervenção no combate à pobreza?

7. Como definir articulações intersetoriais e redes de proteção no desenvolvimento das polí-ticas e programas de combate à pobreza?

8. Como envolver o sujeito em condição de pobreza nos processos de combate à pobreza?

9. Os serviços e benefícios do SUAS contribuem com o processo de combate à pobreza? Que outras ações e movimentos podem ser pensados e implementados?

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96 | Política de Assistência Social

AssistênciA sociAl e o combAte À pobrezA

6capítulo

1. o tamanho da pobreza no brasilO Censo do iBgE, de 2000, indicava a existência de 54 milhões de pobres no Brasil, dos quais 22 milhões encontravam-se na condição de extrema pobreza. Na época, eles (o conjunto dos pobres) representavam 38,7% da população total.

O Censo de 2010 indicou significativa redução da pobreza no Brasil. Ela é represen-tada hoje por cerca de 25% da população, dos quais 8,5% estão em situação de extrema pobreza.1

No entanto, é preciso destacar que a decisão do governo federal para a definição da extrema pobreza foi bastante conservadora. A definição

de extrema pobreza baseou-se em uma renda per capita de R$ 70,00.

Fica a pergunta: uma pessoa que ganhe R$ 74,00, mas que não tenha banheiro em casa, não estará na extrema pobreza? Ou uma pessoa que ganhe R$ 77,00 e que seja analfabeta e não tenha emprego não estaria na extrema pobreza?

No final de 2010, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) avançou significativamente com o índice de pobreza multidimensional, mas o governo federal não considerou de imediato essa questão na elaboração de seus estudos para a definição da extrema pobreza no Brasil. Dessa forma, mais uma vez prevaleceu a questão renda.

Apesar disso, a pobreza real vem de fato diminuindo nos últimos vinte anos.

(Marcelo garcia)

1 Os índices mensurados de pobreza são diversos. Por exemplo, para Ricardo Paes de Barros, de 2004 a 2009, a proporção de pobres brasileiros caiu de 39,4% para 23,9%, e a proporção de miseráveis foi reduzida à metade (de 17,5% para 8,4%), de acordo com as linhas de pobreza e indigência utilizadas pelo instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (ipea). Para Marcelo Neri, que utiliza uma linha intermediária entre as duas do ipea, 20,5 milhões de brasileiros deixaram a pobreza desde 2003. “A construção de um país além da Bolsa”, O Estado de S. Paulo, Eleições 2010, 27 set. 2010.

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Política de Assistência Social | 97

Em 2011, só através do governo federal, o Brasil transferiu 40 bilhões de reais para famílias pobres, idosos e deficientes físicos. Essa renda, é

claro, eleva a renda média das famílias e, em muitos casos, ultrapassa os R$ 70,00 per capita, mas sempre vale a pergunta: sair da extrema pobreza através de trans-ferência de renda pode ser considerado uma inclusão sustentável?

Os resultados existem. São reais, mas ainda precisamos discernir o que é inclusão e o que é proteção. Festejar a melhoria dos indicadores no Brasil é importante, mas os cuidados técnicos sobre essa diferença devem existir.

Vale destacar que apenas 20% da população brasileira vive nas áreas rurais. Dessa forma, ela é bem mais desconcentrada, e atingir seu núcleo duro não é nada fácil.

(Marcelo garcia)

A redução da pobreza, nas últimas décadas, deve-se a fatores como a contenção da alta inflação com o Plano Real em 1994 e o crescimento econômico nos anos 2004 a 2009, com maior oferta de postos de trabalho e aumento do salário mínimo. Não foi, portanto, apenas resultado do robusto programa de transferência de renda (Bolsa Família), embora este tenha sido de fundamental importância na redução da extrema pobreza.

O fato mais festejado é que essa redução da pobreza veio acompanhada de uma crescente mobilidade de pobres ascendendo à classe C, considerada a nova “classe média popular”.

Conforme aponta o economista Makhtar Diop, diretor do Banco Mundial para o Brasil, o país está a caminho de cumprir vários Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, como erradicar a pobreza extrema e a fome até 2015, universalização no acesso à educação fundamental e promoção da igualdade de gênero.2

No entanto, a pobreza no Brasil ainda não é residual e se mantém distribuída desi-gualmente pelas regiões brasileiras. Com base nos dados apresentados pelo Programa Brasil Sem Miséria, ainda há 16 267 197 brasileiros em extrema pobreza, o que repre-senta 8,5% de sua população. O Nordeste concentra 9,6 milhões (59%); o Sudeste concentra 2,7 milhões (17%); 2,6 milhões estão no Norte; 715 961 no Sul; e 557 449 no Centro-Oeste.

A extrema pobreza concentra-se mais nas cidades (53%) do que no campo (47%).3

No Estado de São Paulo, a estimativa é a de 1 milhão de indivíduos, ou cerca de 300 mil famílias, na condição de extrema pobreza.4

2 Em entrevista no O Estado de S. Paulo, Eleições 2010, 27 set. 2010.3 Programa Brasil Sem Miséria. Publicado no O Estado de S. Paulo, Caderno Nacional, 4 mai. 2011.4 gOBATTi, 2011.

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Hoje, está claro que a manutenção da pobreza resulta das enormes desigualdades no acesso e usufruto de serviços e oportunidades:

• os brasileiros mais pobres têm menor acesso à energia elétrica, ao abas-tecimento de água, ao esgotamento sanitário e a banheiro em suas casas (representam 7% dos domicílios, iBgE 2010);

• o índice de analfabetismo absoluto daqueles com mais de 15 anos dentre os mais pobres chega a 22% nas cidades e a 30,3% nas zonas rurais, enquanto a média nacional é 9,6%. Entre jovens de 15 a 17 anos, o analfa-betismo atinge 5,2% nas cidades e 7,2% nas zonas rurais;

• estudos recentes (PNAD/iBgE, inep, ipea – 2008-2009) apontam que são os adolescentes e os jovens pobres os mais penalizados, os que trilham um percurso escolar com interrupções e também os que acabam sendo excluídos da escola;

• dentre os jovens de 15 a 17 anos, 18% não frequentam a escola e 55% do número total de jovens que a frequentam não terminaram o Ensino Fundamental, resultado da distorção idade/série. Parte desse segmento juvenil (29%) já possui alguma inserção no mercado de trabalho, auferindo 71% deles menos de um salário mínimo;5

• no Ensino Médio, as desigualdades de acesso dos jovens – quando considerada a renda das famílias – são bastante expressivas: no primeiro quinto (os mais pobres), 29,6% dos jovens de 15 a 17 anos cursam o Ensino Médio, proporção que para os mais ricos (quinto quinto) é de 78,5%, ou seja, o acesso ao Ensino Médio dos adolescentes mais ricos é duas vezes maior que o dos mais pobres. Jovens de cor negra, sejam do primeiro quinto ou do quinto quinto, estão em desvantagem em relação aos brancos: 61% dos adolescentes brancos frequentam escola, taxa que na população negra é de 42,2%;

• os aspectos regionais aqui também revelam suas diferenças. Enquanto no Sudeste 61,8% dessa população frequenta o Ensino Médio, no Nordeste a taxa é de apenas 36,4%. Da população de 15 a 17 anos da zona urbana metropolitana, 59% frequentam o Ensino Médio; porém, na zona rural essa taxa é de 33,3%, ou seja, quase 25% menor;6

• o percentual das crianças de 7 a 14 anos na escola cresceu de 90,2%, em 1995, para os 98% atuais, porém esse índice ainda não apresenta impacto visível no letramento dessa mesma população.

5 O estudo de Juarez Dayrell, Paulo Henrique de Queiroz Nogueira e Shirley Aparecida de Miranda apoiou as reflexões do grupo de trabalho MEC 2010.

6 CASTRO, 2009.

A PoBrEzA no BrASil ainda não é residual e se mantém distribuída desigualmente pelas regiões brasileiras

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Temos uma taxa de distorção idade/série de 18,5% nos anos iniciais do Ensino Fundamental, 29,6% nos anos finais do Ensino Fundamental,

chegando a 34,5% no Ensino Médio. Nos Estados do Nordeste, esses números são muito maiores: na Bahia, por exemplo, eles são 31,9%, 45,8% e 49,7%, res-pectivamente. Vale também destacar que em São Paulo os mesmos números são 4,7%, 12,2% e 18,10%, muito menores que os do Brasil.

Temos ainda a questão do abandono da escola. O Brasil praticamente universa-lizou o acesso à educação, mas ainda não conseguiu criar uma estratégia para a garantia da criança na escola. 1,8% abandona a escola nos anos iniciais do Ensino Fundamental, 4,7% nos anos finais do Ensino Fundamental e 10,3% no Ensino Médio. Só no Pará, por exemplo, esses números são 5%, 7,9% e 19,2%. Na Paraíba, são 4,5%, 11,9% e 17,4%. Mais uma vez é importante destacar que em São Paulo esses números são 0,3%, 1,4% e 4,5%.

Os Estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Minas Gerais cumprem o papel de melhorar as médias brasileiras de educação. Fazendo um simples corte nos estudos sem São Paulo e Minas Gerais, por exemplo, os dados do Brasil em educação seriam bem mais trágicos.

‘Brasil rico é país sem pobreza’ é o slogan do governo federal. A pobreza só se vence com educação: o slogan correto deveria ser ‘Brasil rico é país com educação’.

(Marcelo garcia)

Esses dados nos mostram a importância de conjugar esforços na extensão e na qua-lidade da malha de serviços públicos básicos indispensáveis à superação da pobreza. Nessa busca, a concentração exacerbada de riqueza em nosso país é um grande com-plicador. Assim, não são apenas os constrangimentos econômicos do atual estágio do capitalismo global que interferem em um projeto ambicioso de erradicação da pobreza. A desigualdade continua sendo o grande vilão.

É nosso velho conhecido o diagnóstico de que as desigualdades sociais produzem uma cisão no acesso às riquezas societárias ou, ainda, um sistema dual no usufruto de bens e serviços de direitos. Para os já incluídos, o trânsito normal no acesso aos bens e serviços; para os desiguais, um acesso precário ou marginal.

Não bastam programas de transferência de renda. É necessário, para além do cresci-mento econômico, um forte dispêndio em serviços públicos básicos (saúde, educa-ção, saneamento básico etc.).

Dez anos depois da universalização dos programas de transferência de renda no Brasil, nosso iDh, por exemplo, continua inferior a grande

parte dos países da América do Sul. A resposta é simples: nossa educação não assegura o real desenvolvimento que precisamos. Sem educação, velhos e fortes símbolos da pobreza ficam cada vez mais fortes.

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E precisamos falar claramente para todos: é hora, sim, de falarmos em educação com qualidade e resultados. Garantir apenas a entrada de crianças na escola é um indicador simplista que não está garantindo mobilidade social.

(Marcelo Garcia)

Amartya Sen (2000) distingue duas vias básicas de redução da pobreza. Uma, ele denomina “mediada pelo crescimento”, na qual o êxito varia conforme a utilização que se faz da prosperidade para expandir os serviços públicos essenciais. A outra, que ele chama de “conduzida pelo custeio público”, resulta de sagaz oferta dos serviços públicos essenciais, mesmo na falta de crescimento significativo.

Os serviços ainda não chegam aos territórios considerados bolsões de pobreza.

Redes de proteção social, moradia, saúde, educação e inclusão produtiva são algu-mas das condições inequívocas para combater a pobreza e reduzir as nossas aberran-tes desigualdades. Outras condições dizem respeito às lógicas de trabalho social com os pobres. As lógicas atuais ainda são verticalizadas e pautadas na cultura tutelar.

2. As expressões da pobreza • A pobreza brasileira não é faminta; ela é marcada pela falta de oportuni-

dades; é marcada pelas altas taxas de desigualdade social, o que produz o confinamento dos pobres em bolsões de pobreza rural ou urbana.

• a pobreza é um fenômeno multidimensional, comportando graus e varia-bilidade de expressões.

Durante muitos anos, foi senso comum a compreensão de que pobreza é ausência de renda e, portanto, um fenômeno restrito a déficits financeiros. Há hoje clareza de que a pobreza é um fenômeno multidimensional e heterogêneo, e não se resolve apenas com renda.

Como já dissemos, o pnud definiu em 2010 o conceito de pobreza multidimensional. Esse modelo foi adotado pelo Estado de

São paulo por meio do projeto Retrato Social.(Marcelo Garcia)

Amartya Sen (2000) já insistia na noção de que a pobreza é menos uma questão de privação de renda do que privação de capacidades substantivas, ou seja, privação das liberdades substantivas que ajudam os pobres a escolher e usufruir o tipo de vida que “têm razão para valorizar”.

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As várias expressões de pobreza:

Os pobres nas grandes cidades habitam as periferias, padecem de várias formas de desqualificação e vivenciam a redução de suas potencialidades como indivíduos e como partícipes da coletividade. Moram quase sempre em bairros dormitórios marcados pela escassez de infraestrutura econômica, urbana e de serviços; não possuem um tecido social forte capaz de induzir seu próprio desenvolvimento.

Nas periferias da cidade encontram-se as expressões mais sofridas da pobreza: pequenas e grandes demandas de justiça, acesso limitado a serviços públicos, precariedade de moradia, renda e emprego. Os vínculos de pertencimento e de relações sociofamiliares sofrem de instabilidade pela ausência de um suporte de políticas públicas e são fragilizados pela violência, pelo medo, por maus-tratos decorrentes da própria condição de guetificação a que estão sujeitos. Esse é o território onde forjam suas expectativas e seus valores, os quais, em última ins-tância, conformam suas escolhas e adesões.

Vivendo quase sempre fora da legalidade da cidade e da cidadania – habitam em territórios chamados “clandestinos” (ocupações irregulares/invasões), valem-se de “gatos” para usufruir da luz, trabalham no mercado informal, praticam escambo como forma de aquisição de bens de sobrevivência, não pagam impostos nem possuem seguros –, os pobres dependem da assistência social.

Para essas famílias, os serviços públicos representam o mundo dos incluídos, e não o caminho para a inclusão. Em outras palavras, os serviços públicos representam circuitos de uma cidadania já reconhecida (território da legalidade), nos quais tra-fegam com alguma desconfiança e estranheza, como se não pertencessem àquilo, dada a desqualificação que carregam como signo. Está aí uma das explicações para seu silêncio ou pouca voz.

Durante muitos anos, foi senso comum a compreensão de que pobreza é ausência de renda e, portanto, um fenômeno restrito a déficits financeiros. Há hoje clareza de que a pobreza é um fenômeno multidimensional e heterogêneo, e não se resolve apenas com renda

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A inClUSão SoCiAl pela via de uma cidadania a ser conquistada é percebida como um caminho intangível

Porém, mesmo nessa condição de vida nas grandes cidades há diferenças:

Há famílias (a maioria) que, mesmo habi-tando nas periferias urbanas, em fave-las, cortiços ou casas precárias, lutam pela inclusão social. São famílias que reagem de forma muito satisfatória aos estímulos e oportunidades que se lhes apresentam na difíci l empreitada de conquistarem inclusão e exercerem sua cidadania. Reagem satisfatoriamente aos programas que lhes são destinados por-que desejam inclusão e já possuem algu-mas competências e projetos de futuro. Não possuem, no entanto, quase nenhuma chance de adentrar os espaços públicos e ganhar vez e voz na interlocução política. Por isso mesmo, dizemos que constituem uma maioria silenciosa.

Para essas famílias, os programas de trans-ferência monetária são fundamentais para assegurar subsistência em seus picos de vulnerabilidade (filhos pequenos, doença, separação do casal etc.). Porém não aten-tamos para sua maior demanda: transfe-rências monetárias para investimento em qualidade de vida (instalações de banheiro, melhorias na casa etc.).

Mas , nesse mesmo cenário de v ida urbana, encontra-se um grupo de famí-lias em extrema pobreza que acaba por não acessar os serviços e as oportuni-dades necessárias para alcançar padrões mínimos de vida. Se não rompem essa inércia e desalento, dificilmente aderem

às propostas de inserção em serviços e outras oportunidades.

Muitas dessas famílias apresentam histó-ricos cumulativos de instabilidade afetiva, ocupacional e de moradia. São famílias cro-nificadas nos seus déficits. Alguns dos exem-plos mais visíveis são os moradores de rua, que não se percebem possuindo territórios de pertencimento além de seus próprios pares. Parte desse grupo já apresenta com-prometimentos em sua saúde mental, pro-duzidos pelos déficits que acumularam em suas trajetórias de vida.

Essas famílias falam de um lugar de per-tencimento, onde cidadania parece não ser um valor; onde esfera pública tem pouco ou nenhum significado; onde o trabalho, igual-mente, não se constitui em vetor privilegiado de inclusão social, apenas é funcional à ime-diata subsistência. A cidadania, não sendo um valor no cotidiano vivido, explica em parte a falta de aderência dessas famílias a muitas das intenções includentes que os programas e serviços de proteção social apresentam. Parece que esses programas ganham, até mesmo, um significado “desestabilizador” da precária, mas conhecida, segurança no res-trito cotidiano vital desse grupo.

Assim, é quase natural a esses grupos bus-carem proteção e apoio assistencial, e per-manecerem dependentes disso. Optam pelos circuitos de uma “cidadania protegida”. A inclusão social pela via de uma cidadania a ser conquistada é percebida como um cami-nho intangível.

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Famílias na zona rural

Nas áreas rurais, a pobreza produz símbolos mais invisíveis, mas não menos dramáticos, do que nas periferias urbanas. Os acessos aos direi-

tos sociais nessas áreas ficam restritos, pois não existem os serviços necessários e equipe técnica para a articulação. A Confederação Nacional da Agricultura (CNA) realizou estudos importantes, em 2009 e em 2010, sobre a questão da pobreza rural e, sobretudo, das dificuldades de famílias da zona rural em acessarem o direito social.

(Marcelo garcia)

São famílias que permanecem no circuito da chamada pobreza transgeracional, iso-ladas na paisagem rural, analfabetas, desnutridas... Para elas, investir no desenvolvi-mento dos filhos é sem dúvida de fundamental importância. As condicionalidades definidas na maioria dos programas de renda mínima (matrícula e permanência dos filhos pequenos na escola...) são absolutamente corretas. Ainda assim, os programas de renda mínima são limitados. Não se enfrenta esse tipo de pobreza sem políticas de desenvolvimento local e, sobretudo, fortalecimento de competências e dos agen-tes locais. Sem esse ancoradouro não se supera a pobreza.

Em síntese: é preciso considerar a heterogeneidade das famílias, tanto no grau e extensão das vulnerabilidades que apresentam como nos arranjos familiares que constroem. Não há um padrão único de desempenho da família. As famílias ostentam diversas formas de expressão, condições de maior ou menor vulnerabilidade afetiva, social ou econômica, ou ainda fases de seu ciclo vital com maior vulnerabilidade, dis-ponibilidade e potencial. Não é possível oferecer kits padronizados de trabalho social ante as diversas expressões de pobreza e vulnerabilidades que as famílias apresentam. É preciso, considerando essa heterogeneidade, contemplar processos, estratégias e prazos diversos para produzir melhoria na condição de vida das famílias, intervindo em vulnerabilidades e respeitando e acolhendo valores, cultura e projetos de vida.

3. Assistência social: a política que chega aos pobres

Como já sabemos, a proteção social deve resultar em vida digna e inclusão social. Destina-se a segmentos da população que apresentam vulnerabilidades decorrentes da pobreza/privação (ausência de renda, precário ou nulo acesso aos serviços públi-cos...) e/ou fragilização de vínculos afetivos, relacionais e de pertencimento social (discriminações etárias, étnicas, de gênero, por deficiências etc.).

Por isso dizemos que a assistência social é a política que chega primeiramente aos pobres. É à sua porta que prioridades no combate à pobreza batem, exigindo inova-ções para alavancar a superação dessa mesma pobreza.

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7 Brasil, 2008.

A atual Política Nacional de Assistência Social e o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), implantados em 2004, conso-lidaram a presença ativa de políticas de proteção social junto à população mais vulnerável e atingida pela pobreza.

Conforme a NOB/SUAS (2005), essa política deve prover proteção social articulando um conjunto de seguranças:

• segurança de acolhida: garantia de acolhimento, de escuta profissional qualificada, de informação, de referên-cia. Nos casos de alta vulnerabilidade, o abrigo de curta, média e longa duração;

• segurança social de renda: mediante a concessão de benefícios temporários ou continuados a indivíduos ou famí-lias que apresentam vulnerabilidades decorrentes do ciclo de vida e/ou inca-pacidade para a vida independente e para o trabalho;

• segurança de convívio: visa à construção, à restauração e ao fortalecimento de laços de pertencimento e vínculos sociais de natureza geracional, intergeracional, familiar, de vizinhança e societários;

• segurança de desenvolvimento da auto-nomia: visa à oferta de oportunidades diversas de desenvolvimento de capa-cidades e habilidades para que possam acessar, circular e usufruir de recursos e possibilidades presentes na sociedade con-temporânea e construir projetos de futuro.

Nessa perspectiva, a proteção social pre-tendida inaugura uma nova relação entre serviços, benefícios, programas e projetos para, de modo articulado, fazer frente às demandas sociais concentradas nos territó-rios de vida e de trabalho dessa população.7

A assistência social tem assim como obje-tivo o desenvolvimento de ações de pro-teção, vigilância e defesa sociais sempre na perspectiva territorializada, com foco na matricialidade sociofamiliar. É dessa integração que se desenvolve um novo modelo assistencial coerente com o SUAS. Uma ação que não integre a proteção, a vigilância e a defesa social deixa de ser uma proteção social efetiva, movida por processos e estratégias capazes de reduzir vulnerabilidades e incluir socialmente par-cela significativa da população brasileira.

As redes de proteção social no Brasil – ainda que operadas preponderante-mente na perspectiva de transferências de benefícios monetários – avançaram significativamente.

Cerca de 13 milhões de famílias estão cobertas pelo programa federal Bolsa Família. Outros programas similares de transferência de renda são promovidos por Estados e municípios.

Além desses, outros benefícios assisten-ciais foram introduzidos nas demais polí-ticas setoriais com vista a promover o acesso e a equidade no usufruto de bens e serviços de atenção básica. É o caso, por exemplo, da locação social na habitação, da merenda escolar na educação e do aviamento de receitas na saúde.

A experiência brasi leira e de outros países da América Latina, diferente-mente de outros países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), inovou ao incidir os benefícios sobre a família. Nossa política de assistência social destina-se preferen-cialmente a unidades grupais (famílias), e não a indivíduos, maximizando, portanto, seus efeitos protetivos.

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No entanto, observam-se diversas dificuldades de percurso e, mais do que isso, equí-vocos na implementação que precisam ser sanados:

• a primazia na oferta de benefícios, e não nos serviços socioassistenciais;

• os benefícios monetários chegam aos pobres sem âncoras em políticas consistentes; desse modo, reproduzem os velhos programas compensató-rios de cunho assistencialista (e não assistencial);

• a complementaridade entre as três esferas de governo e suas agências ainda está por ser assegurada, especialmente na clareza e na conver-gência de políticas e programas de superação de pobreza;

• ausência de competências e protagonismo municipal que aliem benefí-cios de proteção social com forte investimento em políticas, programas e serviços;

• “ausência de uma agenda local de combate à pobreza e ao atraso na organização dos sistemas de vigilância socioterritorial” (Marcelo garcia);

• a pouca ênfase na própria família, pois a rede de proteção social acaba por visar, sobretudo, a crianças, adolescentes, jovens e idosos. A supe-ração da pobreza nesse recorte é dependente do potencial includente das intervenções nesses grupos. Desperdiça-se um sujeito potencialmente estratégico e já mobilizado, que é a própria família;

• embora a resolução do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), de 2009, defina e tipifique os serviços socioassistenciais, é mantido um “forte hiato em relação às práticas sociais dos trabalhadores do SUAS e a realidade social” (Marcelo garcia).

Os programas de transferências monetárias, indiscutivelmente importantes, devem ser considerados medida da política, e não a política de enfrentamento da pobreza brasileira. Precisam, portanto, enquanto medida, estar incluídos numa política mais robusta de enfrentamento da pobreza.

Ora, o que está ocorrendo é a transformação de uma medida da política na própria política de proteção social ou de enfrentamento da pobreza.

A ExPEriênCiA BrASilEirA e de outros países da América Latina, diferentemente de outros países da OCDE, inovou ao incidir os benefícios sobre a família

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É igualmente perversa a alta centralização dessa política. Programas do governo federal como o Bolsa Família são altamente centralizados. Ora, o que precisamos em matéria de política pública básica é radicalizar a descentralização e a municipalização. Um programa nacional ou estadual precisa ser otimizado na ponta, a partir de uma maior inserção nas prioridades programáticas locais; precisa ganhar sentido estraté-gico de complementaridade aos diversos programas das políticas sociais locais.

Precisamos avançar em direção à unificação dos programas de trans-ferência de renda, cadastros e acompanhamento das famílias. A

enorme pulverização de ações federal, estadual e municipal sem articulação e identidade nos faz lembrar dos anos 1980, em que se discutia se o mosquito da dengue era uma responsabilidade federal, estadual ou municipal. A pobreza deve ser entendida como uma responsabilidade de todos, e, dessa forma, não podemos continuar em ações totalmente pulverizadas.

(Marcelo garcia)

Para além dos benefícios

Quando se trabalha com inclusão social de famílias castigadas pela pobreza, é pre-ciso agir na relação delas com seu meio circundante: família-território. E mais: como já sabemos, introduzir a família nos serviços públicos e, sobretudo, no espaço e na cena pública. É preciso que ela tenha espaços de escuta e reconhecimento de sua condição empreendedora capaz de construir projeto de futuro.

As redes de proteção social devem se comportar com flexibilidade e alta varia-bilidade para assegurar proteção efetiva. Não estamos produzindo recortes pro-gramáticos que reconheçam as diferentes expressões de pobreza. Em conclusão: perdemos eficácia.

Como já sabemos, a perpetuação da pobreza tem relação direta com a falta de opor-tunidades de desenvolvimento de capacidades substantivas. O precário, ou mesmo nulo, acesso a serviços que as políticas públicas ofertam no campo da saúde, habita-ção, educação, cultura etc. priva os pobres do desenvolvimento de suas capacidades. É igualmente a ausência de poder! Os pobres em geral estão excluídos dos espaços e dos fóruns públicos de interlocução política, o que também os impede de usufruir suas liberdades substantivas. Não possuem voz e vez na expressão política de seus interesses e demandas. inclui-se aí o baixo acesso à informação e a oportunidades de trocas culturais.

O trabalho, considerado condição fundamental no exercício de liberdades substantivas, é – para esse público-alvo – escasso e precário, ofertando uma baixa e descontínua renda e proteção nula.

Nesse caldo, as desigualdades se nutrem, aprisionando os empobrecidos num pro-cesso perverso de apartheid, quase sem movimento aparente.

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Sem dúvida, uma pauta de privações como essa não se resolve apenas com a política de assistência social, exigindo o consórcio com as demais políticas. Por isso mesmo é que falamos em redes de proteção social, capazes de induzir e assegurar forte articulação interpolítica e forte articulação das redes sociais existentes, para agir em conjunto na superação da pobreza.

4. os processos e as estratégias no combate à pobreza

Programas socioassistenciais só ganham eficácia emancipatória quando implemen-tados por meio de um trabalho social competente. É possível afirmar que o traba-lho social compõe-se de um conjunto de processos e estratégias de informação, mobilização, defesa social, organização e participação da população acoplados a um conjunto de metas e resultados do desenvolvimento de capacidades básicas. Os processos dão ancoragem e direção aos programas sociais ofertados no com-bate à pobreza.

Não é demais repetir que o fazer por, fazer para, fazer com, fazer autônomo man-têm-se como tensão contínua na ação pública.

Na essência de um propósito emancipatório e de desenvolvimento da autonomia está a participação pró-ativa da população-alvo. Assim, a pergunta que se faz é exatamente se os programas e as instituições se convertem em espaços públicos de participação e interlocução política dos cidadãos que os frequentam; se são em si espaço de expressão e troca de saberes.

Quando a autoria do saber/ação não é compartilhada com o público-alvo – quando o sentido da ação é apropriado apenas para o técnico, sem espaço para o protago-nismo do destinatário –, ela deixa de ser uma relação libertadora.

Vale reafirmar que são ainda os policy makers e a classe média militante das orga-nizações governamentais e não governamentais que falam pelos destituídos de direitos. Essa postura ratifica a desigualdade e a tutela.

Assim, mantém-se na ordem do dia a tensão entre duas lógicas distintas na condu-ção de programas e ações sociais públicas: a lógica da tutela e a lógica dos direitos.

Na primeira, continua-se ofertando programas sem compromisso com os resultados. Há falta de crédito na capacidade de os pobres processarem inclusão. Por isso, a prá-tica da tutela enfatiza ações compensatórias, minimizadoras dos males produzidos pela exclusão e pela pobreza.

Na lógica dos direitos, o fundamento da ação social pública é o próprio direito. Reconhece o direito à autonomia das populações-alvo das ações públicas e, por isso mesmo, elege estratégias voltadas ao fortalecimento emancipatório (empowerment):

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isso é desenvolvimento de competências e capacidades. A lógica dos direitos for-talece vínculos relacionais e trocas culturais capazes de assegurar inclusão social; prioriza a interlocução política com a sociedade e o Estado, objetivando dar voz e reconhecimento a elas; desenvolve confiança ativa nelas próprias e no coletivo a que pertencem; ganham primazia as dimensões ética, estética e comunicativa.

Em síntese: as metodologias de trabalho social desenhadas para produzir proteção social, reduzir vulnerabilidades e processar inclusão social põem ênfase nas relações, no desenvolvimento de capacidades substantivas e na fluência comunicativa para circular em redes socioculturais do território e usufruir de serviços que são básicos.

O Programa Bandeirantes explicita novos processos e estratégias

•Educação

•Qualificação profissional

• Inclusão produtiva

•Saúde

•Convivência

Busca ativa

Agenda da Família

mapa das privações

estado/município/ sociedade com a família

Aumento da renda

Busca ativa: para localizar as famílias em extrema miséria e conhecer suas maiores privações.

Complementação da renda: recursos integrados do governo do Estado (Renda Cidadã) e do governo federal (Bolsa Família) para assegurar renda a famílias que hoje vivem com o valor per capita de R$ 70,00. A transferência de renda será neces-sariamente complementada por medidas e ações sociais constantes da Agenda da Família, realizadas em prazo de dois anos prorrogáveis até três anos.

Agenda da Família: construção com a família de uma agenda de metas alcançáveis na eliminação ou redução de suas privações.

A Agenda da Família paulista é um insumo diferencial no Programa Bandeirantes. Constitui-se em nova estratégia que inverte a tradicional lógica da ação governamental pautada pela oferta de programas e serviços existentes e disponíveis. A Agenda da Família incide nas propostas e ação desejadas pelas próprias famílias. São elas que, apoiadas por um profissional de referência, propõem e constroem uma agenda com metas alcançá-veis para a superação de suas vulnerabilidades de forma sustentável. Com base em suas

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escolhas, a família trilha caminhos por meio dos quais se apropria de ativos sociais por ela avaliados como prioritários para o enfrentamento e a superação de suas vulnerabilidades.

Inversão da lógica de ação junto às famílias pobres: dá-se a partir de suas privações, e não de programas governamentais destinados a priori para elas.

Serviços, projetos e programas são ativos sociais que respondem a essas privações. No entanto, há aqui uma inversão: a partir da busca ativa identificam-se as privações de uma família, território e cidade e organiza-se a agenda. Essa é uma novidade nas políti-cas sociais do Brasil.

O Estado de São Paulo possui ativos sociais ofertados pelas suas diversas políticas públicas que não estão chegando ao grupo de famílias mais pobres. O consórcio de ações públicas entre Estado e município pode alavancar uma política social ambiciosa e factível de eliminação da extrema miséria.

Para tanto quer-se:

• integração e otimização de esforços: assegura a convergência e a ação conjunta do governo federal, demais secretarias de Estado, municípios e organizações do segundo e terceiro setor;

• centralidade no território e nas famílias mais vulneráveis: concebe a implementação da Agenda Social paulista, com foco no território e nas famílias mais vulneráveis, de modo a potencializar a articulação de ações multissetoriais e transversais de políticas sociais integradas no município, além de estimular o engajamento das redes sociais existentes nos territórios;

• participação das famílias e dos moradores do território: estimula a parti-cipação da família e dos conselhos sociais locais na dinâmica do programa, com o objetivo de ampliar a compreensão da política e o controle social.

A construção da Agenda da Família: o importante papel do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS)

Os CRAS cumprem importante função de mediação com a família. Devem ser bem orientados pelas Diretorias Regionais de Assistência e Desenvolvimento Social (DRADS) com relação ao programa e à sua intencionalidade.

o ConSórCio dE AçõES PúBliCAS entre Estado e município pode alavancar uma política social ambiciosa e factível de eliminação da extrema miséria

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Na construção da agenda e realização de metas, prevê-se:

• visita domiciliar à família por um profissional capaz de observar, escutar e estabelecer um diálogo empático;

• processo conduzido por um profissional de referência que refaça com a família o circuito vicioso de suas vulnerabilidades, mas recupere e expli-cite o circuito virtuoso de suas potências e seus aprendizados prévios; crie as condições para que a família expresse necessidades, interesses e vontade de alcançar metas que considere possíveis para a superação de suas vulnerabilidades;

• conteúdos e atividades resultantes de escolhas e de planos de ação traçados pelas famílias;

• o melhor caminho é sempre o que a família compreende como assertivo;

• com base nas escolhas de metas alcançáveis no período de dois a três anos, formalizar um compromisso para seu cumprimento;

• acompanhamento próximo e competente;

• acompanhamento do desempenho, ofertando os apoios necessários e requerendo da família seu empenho na conquista das metas definidas.

É condição imprescindível assegurar a coautoria das famílias na própria melhoria de vida.

O município deve propiciar condições e oportunidades nas políticas públicas setoriais, pois a maioria das metas que a família se propõe a realizar depende do consórcio entre outras secretarias do governo municipal e estadual.

As ofertas programáticas propiciadas por essas secretarias devem corresponder às privações detectadas pelo retrato social, assim como aos interesses e vulne-rabilidades sociais que mais atingem as famílias: renda, trabalho, saúde, moradia, identificação civil e social e educação.

Deve-se igualmente considerar as particularidades dos municípios e seus ativos, assim como interesses e ativos das próprias famílias. Deve-se incluir diferentes possibilidades de aprendizagem, capacitação, desenvolvimento, melhorias de habitabilidade e geração de renda.

Porém, é preciso atenção, pois quase sempre as ofertas públicas “padrão” disponibilizadas pela via dos serviços das políticas públicas não respondem/não possuem ressonância junto a famílias em situação de extrema pobreza. É preciso criar flexibilidades.

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Política de Assistência Social | 111

bibliografia

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