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Por: Jaselino Gouveia Seabra Ferreira Tese apresentada para obtenção do grau de Mestre em Estudos Avançados em Direito e Segurança Orientador: Professor Doutor Armando Marques Guedes Lisboa 2010 SEGURANÇA: A APLICAÇÃO DA FORÇA “O CASO DE TIMOR-LESTE”

SEGURANÇA: A APLICAÇÃO DA FORÇA · passou a estar condicionada por agentes internacionais e pela alteração da ordem mundial. Os Estados ... LDNFA Lei de Defesa Nacional e das

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Page 1: SEGURANÇA: A APLICAÇÃO DA FORÇA · passou a estar condicionada por agentes internacionais e pela alteração da ordem mundial. Os Estados ... LDNFA Lei de Defesa Nacional e das

Por: Jaselino Gouveia Seabra Ferreira

Tese apresentada para obtenção do grau de Mestre em Estudos Avançados

em Direito e Segurança

Orientador:

Professor Doutor Armando Marques Guedes

Lisboa 2010

SEGURANÇA: A APLICAÇÃO DA FORÇA

“O CASO DE TIMOR-LESTE”

Page 2: SEGURANÇA: A APLICAÇÃO DA FORÇA · passou a estar condicionada por agentes internacionais e pela alteração da ordem mundial. Os Estados ... LDNFA Lei de Defesa Nacional e das

Universidade Nova de Lisboa

Faculdade de Direito

III Curso de Mestrado em Direito e Segurança

SEGURANÇA: A APLICAÇÃO DA FORÇA

“O CASO DE TIMOR-LESTE”

(Dissertação de Mestrado)

Por:

Jaselino Gouveia Seabra Ferreira

Orientador:

Professor Doutor Armando Marques Guedes

Lisboa

2010

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I

EPÍGRAFE

―União de 25 Estados com mais de 450 milhões de habitantes e

representando um quarto do Produto Nacional Bruto mundial,

a União Europeia é forçosamente um actor global; deve, pois,

estar pronta a assumir a sua parte de responsabilidade na

segurança global e na criação de um mundo melhor”1

NÓS, OS POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS, DECIDIDOS:

A preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra que por duas vezes,

no espaço de uma vida humana, trouxe sofrimentos indizíveis à

humanidade;

A reafirmar a nossa fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e

no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e das

mulheres, assim como das nações, grandes e pequenas;

A estabelecer as condições necessárias à manutenção da justiça e do

respeito das obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito

internacional;

A promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de um

conceito mais amplo de liberdade;

E PARA TAIS FINS:

A praticar a tolerância e a viver em paz, uns com os outros, como bons

vizinhos;

A unir as nossas forças para manter a paz e a segurança internacionais;

A garantir, pela aceitação de princípios e a instituição de métodos, que a

força armada não será usada, a não ser no interesse comum;

RESOLVEMOS CONJUGAR OS NOSSOS ESFORÇOS PARA A

CONSECUÇÃO DESSES OBJECTIVOS.

In Carta das Nações Unidas

1 A Secure Europe in a Better World – European Security Strategy – Brussels, 12 December 2003, p.1.

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II

AGRADECIMENTOS

A consecução dos objectivos traçados, para o estudo apresentado, só foi possível com

uma conjugação de esforços de diversas pessoas e entidades.

Deixo aqui registado o meu agradecimento sincero a todos os que de forma directa ou

indirecta prestaram o seu contributo para a realização deste trabalho.

Expresso desde já a minha gratidão ao Senhor Professor Doutor Armando Marques

Guedes, pela disponibilidade constante, pelas observações sempre pertinentes, pelos conselhos

sapientíssimos da sua douta pessoa, pelos itinerários cognitivos que me proporcionou ao longo

deste trabalho, como orientador desta tarefa que me propus levar a cabo e que sem ele seria

completamente impraticável.

Ao Doutorando Reinaldo Hermenegildo pelos seus doutos conselhos e cedência de

suportes bibliográficos, fruto de um brilhante trabalho de investigação que tem desenvolvido

nesta área.

Aos funcionários das bibliotecas da Assembleia da República e da Faculdade de Direito

da UNL, pela permanente disponibilidade e profissionalismo na cedência da bibliografia

solicitada, a todos muito obrigado.

Ao Sr. Tenente-Coronel José Pimenta pelo incentivo constante ao longo de todo o

trabalho, e pelos elementos cedidos, fruto da sua vasta experiência profissional relativa a Timor-

Leste.

Aos Srs. Majores Paulo Silvério, Victor Assunção, Carlos Pereira e Musa Paulino, pela

gentileza e empenho, bem como pela ajuda preciosa dispensada nas pesquisas levadas a cabo, o

meu sincero agradecimento e a minha consideração pelo profissionalismo e boa vontade que

todos investiram na concretização desta dissertação.

Aos meus camaradas, Comandantes dos oito contingentes, que têm estado em Timor-

leste, agradeço a amabilidade de terem respondido à entrevista que constitui uma mais-valia

deste trabalho de investigação.

Ao Dr. Rodrigo Knopfli por toda a colaboração prestada, nomeadamente pelo apoio no

âmbito da tradução para a língua inglesa.

Por último, mas não menos importante, à minha mulher que apesar de lhe ter retirado

tempo de lazer, sempre demonstrou um apoio inexcedível e incentivo permanente para que este

objectivo fosse alcançado.

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III

INTRODUÇÃO GERAL ............................................................................................................. 1

CAPÍTULO I - ENQUADRAMENTO TEÓRICO E QUADROS METODOLÓGICOS QUE DELE DECORREM 5

1. Sobre os conceitos de Estado e Soberania: Metamorfoses .................................................. 5 2. Fonte de “Segurança interna” e “Externa”: sobre o conceito de segurança ......................... 17

2.1. Enquadramento dos conceitos .................................................................................. 21 2.1.1. O sistema de segurança interna ........................................................................... 26 2.1.2. A defesa nacional ................................................................................................. 35

2.2. Um novo conceito de segurança interna? ................................................................. 42 3. O paradigma democrático da segurança ........................................................................... 48

3.1. Da segurança stricto sensu à segurança humana – várias definições ......................... 48 3.2. Liberdade versos segurança: duas áreas complementares ou antinómicas? ...............52

CAPÍTULO II - A SEGURANÇA COMO UM DOS DESÍGNIOS ESSENCIAIS DOS ESTADOS MODERNOS ...................................................................................................................... 57

1. A segurança e o Estado ...................................................................................................... 57 2. Um modelo da segurança para o Estado no séc. XXI? ......................................................... 61

2.1. O quadro internacional ............................................................................................ 62 2.2. As novas tendências europeias ................................................................................. 64 2.3. A estratégia nacional................................................................................................. 67

3. A segurança como condição indispensável do Estado ......................................................... 72 4. A transferência e a partilha de segurança entre Estados ..................................................... 75 5. O Actor Principal: Novos Actores ....................................................................................... 81

CAPÍTULO III - A SEGURANÇA COMO INSTRUMENTO DOS ESTADOS CONTEMPORÂNEOS ........... 92 1. A força como elemento da segurança................................................................................ 92 2. Conceitos gerais do uso da força pelos actores internacionais ........................................... 95

2.1. Da natureza do uso da força: público, privado e interno ........................................... 95 3. Parâmetros jurídicos do uso da força pelos Estados ........................................................... 99

3.1. O quadro internacional ............................................................................................ 99 3.1.1. O caso particular das Nações Unidas .................................................................. 101 3.1.1.1. Da natureza do poder público: originário e derivado ...................................... 104 3.1.1.2. Limites ao uso da força: da necessidade à proporcionalidade ......................... 107

3.2. Um quadro nacional: o uso da força em Portugal .................................................... 109 3.2.1. Preceitos constitucionais .................................................................................... 110 3.2.2. Regime legal vigente .......................................................................................... 112 3.2.2.1. Princípios e limites da actuação policial .......................................................... 115 3.2.2.2. A especificidade da arma de fogo ................................................................... 124

CAPÍTULO IV - AS OPERAÇÕES DE APOIO À PAZ ........................................................................... 127 1. Tipologia e progressão adaptativa das Operações de Paz ................................................. 127 2. As Operações de Paz de segunda geração ........................................................................ 132 3. O contributo das Forças Gendármicas .............................................................................. 138 4. Enquadramento legal ....................................................................................................... 143

CAPÍTULO V - ESTADO, SEGURANÇA E O USO DA FORÇA: O CASO DE TIMOR-LESTE ................... 148 1. A missão da GNR em Timor-Leste (desde 2006) ............................................................... 148 2. Legitimidade de actuação ................................................................................................ 156 3. O restabelecimento e a manutenção da paz pela aplicação eventual da força – do peace-

enforcement ao peace-keeping .......................................................................................... 159 4. A aplicação das regras de empenhamento da força (ROE) ................................................ 167 5. O contributo da GNR na segurança (interna) .................................................................... 173

CONCLUSÃO ....................................................................................................................... 183

BIBLIOGRAFIA: ................................................................................................................... 190

Apêndice 1 - Entrevistas realizadas aos comandantes dos oito contingentes da GNR ................. 203

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IV

RESUMO

Um dos principais desígnios do Estado é garantir a segurança, que por seu lado

passou a estar condicionada por agentes internacionais e pela alteração da ordem

mundial.

Os Estados, embora tivessem que ceder parte da soberania a outros actores

internacionais, continuam a ser os protagonistas capazes de congregar e por em prática o

poder legítimo, usando muitas vezes a força para o fazer, conseguindo, deste modo

enfrentar as novas ameaças provocadas pela instabilidade do mundo actual.

No entanto, é indubitável que a partilha e a transferência de segurança entre

Estados existe e norteia-se por novas tendências, onde as organizações internacionais

têm um papel cada vez mais preponderante.

No contexto das missões internacionais de apoio à paz levadas a cabo pelas

diversas organizações internacionais está a missão de manutenção e consolidação do

Estado embrionário que é Timor-Leste, onde a componente policial tem revelado um

papel fundamental.

Num quadro de respeito pelos direitos humanos, e sobre a égide da ONU, a

GNR tem feito uso da força, no sentido de promover a ordem pública e a segurança

indispensável à estabilização da nação Timorense.

PALAVRAS-CHAVE:

Estado – Soberania – Segurança – Força – Operações de Paz

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V

ABSTRACT

One of the main pillars of the State is to maintain security that is conditioned by

international agents and the variation of the world order.

Even though States had to relinquish part of their sovereignty to other

international actors, they remain as the sole protagonists capable of congregating and

putting into practice the legitimate power, utilizing many times force, so as to confront

new threats enhanced by the actual instability in the world.

However, it’s unquestionable that the share and transference of safety between

States exists and is oriented by new tendencies where international organizations have a

deeper and more preponderant role.

In the context of international missions of peace keeping operations, taken under

the umbrella of diverse international organizations, there is the task of consolidation and

maintenance of the rudimentary State of East Timor, where the policing component has

revealed a fundamental role.

Under the hat of respect for human rights, and under the shield of the United

Nations, the Portuguese National Security Guard (Guarda Nacional Republicana) has

made use of force, in the sense of promoting public order and the undeniable safety to

the stabilization of the Timorese nation.

KEY WORDS:

State – Sovereignty – Security – Force – Peace Operations

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VI

ABREVIATURAS E ACRÓNIMOS

AMN Autoridade Marítima Nacional

CAAS Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen

CDFUE Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

CDSP Código Deontológico do Serviço Policial

CEDH Convenção Europeia dos Direitos do Homem

CEDN Conceito Estratégico de Defesa Nacional

CIVPOL United Nations Civilian Police

CNRT Conselho Nacional de Resistência Timorense

CNU Carta das Nações Unidas

CPA Código de Procedimento Administrativo

CPOS Curso de Promoção a Oficial Superior

CPP Código de Processo Penal

CRDTL Constituição da República Democrática de Timor-Leste

CRP Constituição da República Portuguesa

CSNU Conselho de Segurança das Nações Unidas

CSSI Conselho Superior de Segurança Interna

DGPDN Direcção-Geral de Política de Defesa Nacional

DPKO Department of Peace Keeping Operations

DUDH Convenção Europeia dos Direitos do Homem

EMA Empresa de Meios Aéreos

EMGNR Estatuto dos Militares da Guarda

FALINTIL Forças Armadas de Libertação e Independência de Timor-Leste

FDUNL Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa

FPE Força de Polícia Europeia

FPU Formed Police Unite

FSS Forças e Serviços de Segurança

GCS Gabinete Coordenador de Segurança

GCSD Gabinetes Coordenadores de Segurança Distrital

GCSR Gabinetes Coordenadores de Segurança Regional

GIPS Grupo de Intervenção, Protecção e Socorro (GNR)

GNR Guarda Nacional Republicana

GOP 05/09 Grandes Opções do Plano 2005-2009

IDN Instituto de Defesa Nacional

IEEI Instituto de Estudos Estratégicos Internacionais

IESM Instituto de Estudos Superiores Militares

INEM Instituto Nacional de Emergência Médica

INTERFET Internacional Force in East Timor

LDNFA Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas

LSI Lei de Segurança Interna

MNE Ministro dos Negócios Estrangeiros

MSU Multinational Specialized Unit

OAP Operações de Apoio à Paz

OI Organizações Internacionais

ONU Organização das Nações Unidas

ONU Organização da Nações Unidas

OSCE Organização para a Segurança e Cooperação na Europa

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VII

OSCOT Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo

OTAN Organização do Tratado do Atlântico Norte

PALOP Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa

PAMPA Programa de Apoio às Missões de Paz em África

PCCCOFSS Plano de coordenação, controlo e comando operacional das forças e dos

serviços de segurança

PDN Política Defesa Nacional

PE Peace Enforcement

PESC Política externa e de segurança comum

PK Peacekeeping

PNTL Polícia Nacional de Timor-Leste

RASI Relatório Anual de Segurança Interna

RGSGNR Regulamento Geral do Serviço da Guarda Nacional Republicana

ROE Rules of Engagement

RRU Rapid Response Unit

SAA Sistema de Autoridade Aeronáutica

SEPNA Serviço de Protecção da Natureza e do Ambiente (GNR)

SG-SSI Secretário-geral do Sistema de Segurança Interna

SIED Sistema de Informações Estratégicas de Defesa

SIOPS Sistema Integrado de Operações de Protecção e Socorro

SIRP Sistema de Informações da República Portuguesa

SIS Sistema de Informações e Segurança

SPU Special Police Unit

SSI Sistema da segurança interna

UCAT Unidade de Coordenação Antiterrorismo

UCI Unidade de Cooperação Internacional

UE União Europeia

UEO União Europeia Ocidental

UIR Unidade de Intervenção Rápida

UNMISET United Nations Mission of Support in East Timor

UNMIT United Nations Integrated Mission in Timor-Leste

UNOTIL United Nations Office in Timor-Leste

UNTAET United Nations Transitional Administration in East Timor

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_________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste”

1

INTRODUÇÃO GERAL

A dissertação de mestrado que se apresenta vem no seguimento da Pós-

graduação em Direito e Segurança, ministrada pela Faculdade de Direito da

Universidade Nova de Lisboa (FDUNL) com colaboração do Instituto de Estudos

Superior Militares (IESM) para o Curso de Promoção a Oficial Superior da GNR

(CPOS).

Ainda que um percurso desconhecido possa potenciar uma reacção de receio,

não o podemos dissociar do despertar de uma vontade imponente e avassaladora de

viver essa nova experiência. Estes dois sentimentos nortearam os nossos passos nesta

caminhada que decidimos iniciar, no âmbito do mestrado em ―Segurança e Direito‖,

proporcionado pela Universidade Nova de Lisboa.

Para os críticos, o estudo por nós elaborado deve apenas constituir-se como uma

possível análise da questão de partida “De que forma é que o uso da força contribui

para a manutenção da paz num Estado democrático” e embora o nosso trabalho, não se

imponha como uma descoberta newtoniana, reveste-se de singular importância pelo seu

objecto, já que a nossa reflexão incide sobre o uso da força, mas como forma de garantir

a paz e a defesa dos direitos fundamentais, constituindo-se como principal desafio a

delimitação do tema e a sua correcta abordagem numa perspectiva tão jurídica quanto

possível, num momento em que se dá especial destaque à importância da componente

policial, enquanto elemento essencial para a criação de um ambiente de segurança, que

permite a estabilização e o desenvolvimento de Estados intervencionados.

A realização desta dissertação assenta no método hipotético-dedutivo, através da

construção de conceitos sistémicos e hipóteses para os quais se terão de procurar

correspondentes no real.

O nosso trabalho não surge ex nihilo, e por conseguinte, houve necessidade de

fazer uma forte investida nos elementos teorizantes presentes, numa minuciosa análise

documental. Esta pesquisa visou a recolha do máximo de documentos e artigos

relacionados com as matérias, em estudo, nomeadamente a consulta de vários diplomas

legais como leis, decretos-lei, leis orgânicas ou regulamentos e textos constitucionais

estrangeiros, de forma a perceber qual o enquadramento legal, respeitante ao uso da

força como garante da Segurança, que se constituiu por um lado como um desígnio dos

Estados modernos, e por outro como um dos instrumentos dos Estados contemporâneos,

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_________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste”

2

analisando-se, neste contexto, o processo de construção e garantia da paz num Estado

embrionário e em construção como Timor-Leste, e o incontornável contributo da

Guarda nacional Republicana para a manutenção da segurança interna desta nação,

enquanto elemento essencial para a criação de um ambiente de segurança, que permite a

estabilização e o desenvolvimento do mesmo.

Procederemos, no corpus deste trabalho à análise da vexata questio do uso da

força, tendo em conta que os Estados deixaram de ser soberanos na sua essência, pois a

sua soberania surge subordinada à ordem internacional, tendo, consequentemente,

ocorrido uma perda de parte do monopólio da força legítima, mas que continuam a ser

os únicos actores capazes de congregar e exercer de forma adequada o poder legítimo,

que por um lado impõe a supremacia do direito a nível interno, e por outro contribui

para a preservação da ordem mundial.

Como os Estados são os protagonistas na aplicação da força, e tendo havido uma

evolução da Ordem Internacional, e na dinâmica das tipologias dos conflitos entre

Estados e intra-estatais, houve necessidade de nos debruçarmos sobre os conceitos de

Estado, Soberania, Segurança Interna, Segurança Externa, e Defesa Nacional, já que o

Estado não é o único sujeito de direito internacional, apesar de continuar a ser o sujeito

por excelência, que se metamorfoseia para fazer face a novas exigências, provocadas

pela instabilidade e incerteza do mundo actual, que colocam a problemática da

segurança no centro do debate das sociedades modernas.

Seguidamente, tentar-se-á fazer uma abordagem do novo conceito de segurança

interna, tendo em conta que esta deixou de ser uma tarefa exclusiva das forças e

serviços de segurança ou dos funcionários do Estado e transformou-se numa acção que

é necessária ser desenvolvida por todos os cidadãos, ganhando uma nova dimensão com

o alargamento à segurança humana.

Verificando-se que uma das obrigações do Estado de direito é manter e assegurar

a Segurança, cujo valor alterou-se significativamente, pois está agora pressionada por

riscos diversos, mais difusos na forma, origem, espaço e actores, onde a

imprevisibilidade aumenta as condições para a eclosão de conflitos. A Segurança

passou assim a ter interesses além dos vitais, por vezes materializados longe da base

territorial dos Estados” (Proença Garcia, 2006: 339), far-se-á a abordagem das

diferentes definições de segurança, privilegiando-se a segurança humana. Finalmente

terminar-se-á o primeiro capítulo com a abordagem do binómio, ou talvez antinómio,

das áreas liberdade e segurança.

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_________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste”

3

Como as premissas que enformam a actuação do Estado alteraram

drasticamente, e com o objectivo de dar algum contributo para uma reflexão sobre a

aplicação de um modelo de segurança mais eficaz, far-se-á um levantamento das

respostas multidimensionais, que devem ser dadas pelos diversos actores e diversas

áreas, que integram a actividade do Estado, expondo-se, de seguida, as novas

tendências, relacionadas num quadro internacional e europeu, que norteiam a necessária

transferência e partilha de segurança entre Estados, verificando-se que esta se

caracteriza pela interdependência, a transnacionalização e a desterritorialização.

Seguidamente, e para finalizarmos o capítulo segundo, enunciar-se-á o papel das

Organizações Internacionais na integração comunitária e na vinculação internacional

dos mesmos Estados.

No terceiro capítulo, pretende-se demonstrar que a força é também um elemento

da segurança, procedendo-se posteriormente a uma análise jurídica do uso da força

pelos Estados, onde se destaca o caso particular das Nações Unidas. Seguidamente é

traçado um quadro nacional do uso da força, verificando-se quais os preceitos

constitucionais e legais que presidem à sua aplicabilidade, apresentando-se uma análise

dos princípios e limites da actuação policial, destacando-se em especial o uso da arma

de fogo.

Como a componente policial se tem revelado fundamental nas missões de Apoio

à Paz, pois tem vindo a ser chamada a desempenhar um papel predominante, no

processo de transição de uma situação de conflito para uma paz duradoura, dentro de

um quadro de respeito pelos direitos humanos, e o uso da força é necessário em diversos

cenários operacionais, analisar-se-á o contributo da aplicação da força para a

manutenção de paz e para a consolidação do Estado de Timor-leste que se constituirá,

por conseguinte, como o estudo de caso, a analisar nesta dissertação. Verificar-se-á

então se o papel da Guarda Nacional Republicana (GNR), que sob a égide das Nações

Unidas, tem vindo a desenvolver uma missão profícua, em território timorense,

integrando as denominadas Operações de Apoio à Paz. Neste contexto desenvolver-se-á,

num quarto capítulo, as questões relacionadas com a tipologia das Operações de paz; as

denominadas Operações de segunda geração e o contributo das características das

Forças Gendármicas para o sucesso das mesmas, fazendo-se em paralelo o

enquadramento legal deste tipo de missões.

No último capítulo, finalizar-se-á este estudo com a abordagem das missões

multidimensionais, com mandatos executivos, onde a componente policial desempenha

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_________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste”

4

indubitavelmente um papel de relevo na manutenção do ordem pública e da segurança,

indispensável no caminho dos Estados rumo à estabilização, como é o caso da nação

timorense.

Procurar-se-á ainda referenciar, através de excertos de depoimentos reais, os

principais problemas e desafios que se colocam às actividades da componente policial e

os caminhos apontados à sua resolução, desenvolvidos pela missão da GNR, em solo

timorense, ao abrigo do Acordo bilateral e sob a égide das Nações Unidas, que se

verificou desde 2006, verificando-se os preceitos legais que presidem a essa actuação.

Seguidamente, e através de entrevistas realizadas aos comandantes dos oito

contingentes da Guarda Nacional Republicana, que actuaram em território timorense,

analisaremos a sua missão, no âmbito do restabelecimento e manutenção da paz pela

aplicação eventual da força, procedendo-se ao relato de cenários verdadeiros e

actuações reais. Verificaremos a importância do uso das Rules of Engagement (ROE)

pelos mesmos comandantes, como instrumento legal, e concluiremos acerca do

contributo da GNR para a denominada segurança interna de Timor-Leste,

nomeadamente a verificação do papel da componente policial nas Operações de Apoio à

Paz das Nações Unidas, com especial incidência na sua função de prevenir e resolver os

conflitos e, consequentemente, na consolidação da paz.

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_________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste”

5

CAPÍTULO I - ENQUADRAMENTO TEÓRICO E QUADROS METODOLÓGICOS QUE DELE DECORREM

“Depois do ataque terrorista, o Estado

voltou, e voltou movido pelo mais antigo dos

princípios hobbesianos: garantir a segurança”2

1. Sobre os conceitos de Estado e Soberania: Metamorfoses

“Timor-Leste é uma experiência única de

construção de Estados (nation-building). É a

primeira vez que as Nações Unidas e a

comunidade internacional são chamadas a

desempenhar um papel fundamental na fundação

de um país”3

Com o intuito de se analisar o processo de construção e garantia da paz num

Estado embrionário e em construção como Timor-Leste, tornou-se imperioso estudar e

compreender os conceitos de Estado e de Soberania, verificando-se que os mesmos

sofreram uma evolução, bem como uma redefinição ou readaptação.

Hodiernamente, e em virtude dos condicionalismos internacionais, os Estados

estão mais interdependentes em relação a outros Estados ou Organizações

internacionais (OI), encontrando-se por conseguinte cada vez menos independentes.

Aquilo que hoje se entende por Estado tem pouco a ver com a sua génese, pois

as premissas que presidiram à sua origem evoluíram e abrangem matérias muito

sensíveis das quais o Estado não pretende abdicar, passando este concomitantemente a

surgir associado à questão do poder4, e a fazer parte da tríade: Estado-Soberania-Poder.

2 CASTELLS, Manuel e NARCÍS, Serra (coord.), Guerra e Paz no Século XXI, Uma Perspectiva

Europeia, Fim de Século, 2007, p. 54. 3 In www.un.org/ Deps, consultado em 15 de Setembro de 2009. 4 Ver o conceito de poder , In, Fernando de Sousa (org.), Dicionário de Relações Internacionais, Edições

Afrontamento/CEPESE, Santa Maria da Feira, 2005, p.143.

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_________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste”

6

A abordagem da questão Estado obriga a que nos refiramos à questão Soberania,

e à interacção entre estes dois conceitos visto que ―a moderna ideia de Estado tem o seu

expoente na ideia de soberania” (Santos, 2005: 269).

Hoje a soberania surge subordinada à ordem internacional, existindo vários

Estados que pertencem a diversas OI como sejam a União Europeia (EU) e a

Organização do Tratado Atlântico Norte (NATO). Assim, o emergir de algumas “das

Nações Unidas e outras organizações internacionais e supranacionais, acentuaram os

aspectos limitativos da soberania, vista hoje como subordinada à ordem jurídica

internacional. Portanto, entre os corolários principais da soberania estão o dever de

não ingerência na área de jurisdição exclusiva dos outros Estados e a sua

subordinação ao direito Internacional (…) “O Estado Soberano deve ser entendido

como sendo aquele que se encontra subordinado directa e imediatamente à ordem

jurídica internacional”(Pereira, 2003: 20).

O autor supra citado refere ainda que ―não há, definitivamente, que falar em

soberania absoluta, uma vez este é um conceito desenvolvido à época do fastígio do

eurocentrismo (…) sendo uma categoria político jurídica de natureza eminentemente

histórica, portanto variável no tempo e no espaço, a soberania passa, nos dias actuais,

por uma completa transformação (…) torna-se cada vez mais difícil formular uma

definição abrangente de soberania” (Pereira, 2003: 20).

No entender de Celso D. de Albuquerque Mello ―não há uma definição

integralmente sólida do que seja a soberania. Este é um conceito jurídico

indeterminado”, sendo por isso, “expressões vagas utilizadas pragmaticamente pelo

legislador com a finalidade de propiciar o ajuste de certas normas a uma realidade

cambiante ou ainda pouco conhecida” (Pereira, 2003: 21), estando os Estados “a

deixar de ser sujeitos soberanos e passando a ser actores estratégicos, que se ocupam

dos interesses daqueles que supostamente representam, em sistema global de

interacção. Trata-se de uma situação de soberania partilhada sistematicamente”

(Pereira, 2003: 24).

Os Estados deixaram assim de ser soberanos na sua essência, perdendo parte do

―monopólio da força legítima” (Weber, 1991: 124). Contudo o conceito de soberania

não desapareceu, porque “os Estados continuam a ter soberania, com uma

particularidade - só têm a soberania possível, que é limitada. No entanto, só os Estados

são capazes de congregar e exercer de forma adequada o poder legítimo. Este poder é

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necessário para impor uma supremacia do direito a nível interno, e é necessário a nível

internacional para preservar a ordem mundial” (Fukuyama, 2006: 16).

Assim, o Estado soberano já não é o único sujeito de direito internacional, mas

ainda é “o sujeito por excelência do direito internacional” (Sá, 1997: 57),

metamorfoseando-se para fazer face a novas exigências; a Soberania deixou de ser una e

de ser a que foi enunciada pelos clássicos desde Bodin (Melo, 1999: 10).

Segundo Adriano Moreira, assistimos hodiernamente a “transferências de

competências soberanas para modelos de soberanias cooperativas, participadas, ou até

hierarquizadas, (…) sem modelo final padronizado” provocando a alteração do

paradigma de Estado (Cunha, 2003: 137).

O processo de integração europeia acarretou para os Estados uma denominada

―co-soberania‖e um novo paradigma de Estado, verificando-se, a curto prazo, que o

centro essencial de organização e de decisão política da nossa época será a comunidade

europeia, superando o Estado, tal como este superou a cidade (Sá, 1997: 33).

Os Estados continuam, então, a ser soberanos, embora passando a ter uma “co-

soberania”, e uma soberania multinível, “por força dos processos de integração

interestatal, de tal forma que em consequência disso se deva procurar um novo modelo

do poder do Estado. Em especial as formas intermédias de uma tal integração podem

significar, a longo prazo, rupturas na unidade do poder do Estado: é concebível que os

estados membros concedam determinados poderes de soberania a uma organização

supranacional e que estes se subtraiam à soberania de competências dos Estados

particulares, sem que sejam simultaneamente sujeitos a uma nova soberania de

competências” (Zippelius, 1997:90).

Assim, “mesmo optando em favor de uma das duas primeiras construções não

se dissolve, só por isso e necessariamente, a soberania de competências dos Estados

membros. Antes pelo contrário, também sob estas condições, os Estados membros

podem conservar o poder de disposição, decisivo em última instância, que lhes permite

recuperar de novo e integralmente o poder de regulação no seu território: a soberania

e consequentemente, também a unidade do poder do Estado, não estarão perdidas

enquanto o Estado, em caso extremo, possa recuperar de novo o poder de direcção (…)

ainda não se atingiu um “point of no return” neste processo de dissolução da

soberania de competências” (Zippelius, 1997:90).

Desta forma, o que realmente estará em causa é mais o exercício da soberania do

que propriamente a sua existência. Estas questões, segundo Adriano Moreira, levantam

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a necessidade de criar um sistema mundial de gestão, para evitar a catástrofe da guerra e

a catástrofe da paz sem disciplina e “só têm a novidade de exigir mais um sistema (…)

crescendo hoje um consenso mundial a exigir uma fórmula consentida e ainda não

encontrada” (Adriano Moreira, 2003: 397). Continua o mesmo autor a afirmar que “a

crise do Estado soberano é o principal desafio político deste fim de século, e o modelo

político a reinventar não afecta o valor da Nação, obriga sim, a rever os modelos

políticos (…) o que significa que esse valor da Nação permanece. O que não permanece

é a funcionalidade do Estado soberano, que não é sempre a resposta procurada para a

defesa da identidade nacional” (Adriano Moreira, 2003: 329).

“O Estado Moderno, considerado como a

forma fundamental de organização política,

espalhou-se pelo mundo. Contudo, nem sempre

foi assim, pode não ser assim para sempre”

Christopher Morris

Na sequência de uma análise mais aprofundada dos conceitos atrás sumariados,

verifica-se que os conceitos de Estado e Soberania não são recentes, sendo por isso

premente analisar o contexto em que foram criados, e estudá-los tendo em atenção o

distanciamento temporal e espacial dos mesmos, tendo em conta que hodiernamente “a

ordem internacional (está) cada vez mais caracterizada pelo dinamismo” (Marques

Guedes, 2005:70).

É unânime a ideia de que existe uma indefinição destes conceitos, encontrando-

se frequentemente num verdadeiro impasse entre o paradigma clássico e actual.

Indubitavelmente, os Estados são ―construções complexas que não podem ser

reconduzidas, cabalmente, a um ou vários conceitos sendo, pelo contrário, necessário

captar estes fenómenos complexos na pluralidade dos seus momentos conceituais”

(Zippelius, 1997: V).

A concepção de que a soberania é inerente ao Estado, sem a qual este não existe

encontra diversos defensores como Edith Stein quando afirma «Falar de Estados não

soberanos é uma contradição. Não pode senão descrever um “corpo político” a quem

um Estado delegou ou abandonou uma parte das suas funções, e que foi eventualmente

antes um Estado» (Sá, 1997: 169). A este propósito afirma Jorge Miranda “É ela (a

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soberania) que o distingue (o Estado) de quaisquer outras comunidades ou pessoas

colectivas de direito interno, quando muito dotadas de autonomia, auto-governo ou

auto-administração” (Sá, 1997: 170).

A paz de Vestefália transformou o império numa ordem plural de reinos,

principados, cidades arcebispados, todos ou quase todos aspirantes a Estados modernos.

Assim se fez o caminho das guerras: dos senhores feudais e dos Estados modernos.

Tudo sobre o fundo de uma nova legitimidade constituinte, a soberania, definida como

absoluta, indivisível e perpétua. Tratava-se, na sua origem da teoria moderna do Estado,

com Maquiavel, Bodin, Hobbes e Bossuet, de afirmar a independência do Estado face a

qualquer potência exterior, seja o papa ou o imperador e, bem assim, o seu poder

coactivo no plano interno (Covas, 2002: 28).

Já desde os primórdios5 do Estado que os teóricos conceptualizam a necessidade

da existência do Estado6, verificando-se uma enorme evolução do conceito.

Como percursor da teoria moderna do Estado7, Bodin

8 reúne duas ideias até aí

dispersas “a ideia tomista de procura de unidade na diversidade e a ideia maquiavélica

de divisão entre governantes e governados, se se quiser, a metafísica do poder e a

casuística do poder” (Covas, 2002: 28). Nasce o Estado moderno de tipo europeu que

tem especificidades próprias: Estado nacional, Secularização ou laicidade, soberania.

(Jorge Miranda, 2003: 63).

5 Na Grécia Antiga a Polis designava aquilo que em sentido mais alargado designamos de Estado. Platão

(428-347. a.C.) escreveu que os assuntos da República dependiam da virtude praticada pelos cidadãos

com vista ao bem do Estado. Em A República Platão defende que para a cidade ser perfeita, têm de estar

conjugadas quatro virtudes: sabedoria (sophia), coragem (andreia), temperança (sophrosyne) e a justiça

(dikaiosyne). Aristóteles (384-322 a.C.) considera o Homem um animal cívico (Zoon politikon, o

anthropos). Para atingir a felicidade plena tem que viver em sociedade, na Cidade, que por sua vez,

deverá ser auto-suficiente. O Estado basta-se a si próprio. Maquiavel (1469-1527) centralizou os seus

estudos na noção de Estado, cuja designação aparece logo nas primeiras linhas de O Príncipe, que

aparece com o significado assumido posteriormente em todas as línguas da Europa. É pois considerado

por alguns autores o percursor do princípio das nacionalidades, ou seja, do direito à independência e

unificação estatal de elementos nacionais dispersos ou subjugados. 6 O que é entendido hoje como Estado, não é efectivamente o mesmo desde o seu surgimento, e quem

abordou o conceito de Estado, em termos científicos, foi Maquiavel afirmando que “todos os Estados,

todos os domínios que tiverem e têm império sobre os homens são Estados e são repúblicas ou

principados” (Jorge Miranda, 2003: 71). É ainda Nicolau Maquiavel que atribui à palavra Estado um

sentido laico, de autonomia política que o desliga do direito natural, visto que os valores eternos e

imutáveis são substituídos pela ―razão de estado‖ (Santos, 2005: 92).

O conceito de Estado encontra-se associado à ocidentalização, confundindo-se com a história geral do

ocidente. No entanto, nesta linha de pensamento, “a desmilitarização progressiva dos senhorios mais

poderosos é a condição indispensável para a formação do Estado” (Boudouin, 2000: 71). 7 O denominado Estado moderno tem a sua origem “na necessidade de ultrapassar a ordem política

feudal”, com base na criação de uma nova autoridade, e numa outra obediência, tendo por finalidade

“ultrapassar a instabilidade crónica do sistema político feudal” (Covas, 2002:28). Assentou na

concentração do poder nas mãos do príncipe e no surgimento de uma consciência nacional e na

libertação das sociedades civis do domínio clerical (Caetano, 1996: 122). 8 Ver a principal obra escrita por Jean Bodin entre 1576 e 1580, Os Seis Livros da República.

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10

Em pleno século XX, Norberto Bobbio refere-se ao Estado moderno como o

resultado de um lento e irreversível processo de monopolização do uso da força. Assim,

“o monopólio da força tem o objectivo não de evitar os conflitos no interior do Estado,

mas unicamente de evitar que os conflitos entre súbditos e entre súbditos e Estado

degenerem em guerra. (…) a forma Estado (…) pode consentir na desmonopolização

do poder ideológico através do reconhecimento dos direitos de liberdade e também da

desmonopolização do poder económico através do reconhecimento da livre iniciativa.

O que não pode aceitar é a desmonopolização do uso da força, porque, aceitando-a,

deixaria de ser um Estado. (…) No interior de um sistema fundado num monopólio do

uso da força, o conflito que não pode ser solucionado através de acordos entre os

privados provoca o direito por parte do Estado de recorrer ao poder coactivo”

(Bobbio, 2000:558).

Max Weber (1946), por seu lado, define o Estado como “uma comunidade

humana que (com êxito) reclama o monopólio do uso legítimo da força física dentro de

um determinado território”. A essência do Estado é, por outras palavras, a coacção: a

capacidade fundamental de colocar alguém no terreno com um uniforme e uma arma

para forçar as pessoas a cumprir as leis do estado (Fukuyama, 2006: 20).

O Estado, com todos os seus fins e objectivos constitucionalmente preconizados,

é apresentado por Jorge Miranda como “uma espécie de sociedade política” (Jorge

Miranda, 2003: 71). António José Fernandes, por seu lado, define-o como uma

instituição complexa, sendo esta a instituição suprema ou final, pois nenhuma outra tem

um poder de integração superior ou mesmo igual ao seu. Denomina, então, “o Estado

como uma instituição agregativa, englobando o conjunto das instituições, sem que

nenhuma delas o inclua” (Fernandes, 1995:104). No entanto, este paradigma encontra-

se ultrapassado uma vez que existem organizações constituídas por Estados, que estão

para além do Estado, como é o caso da União Europeia.

Outra definição do conceito de Estado importante foi a de Marcello Caetano9, da

mesma forma entendida por Freitas do Amaral, que associa ao Estado, o povo, o

território e o poder político afirmando que “o Estado é a comunidade constituída por

um povo que, a fim de realizar os seus ideais de segurança, justiça e bem-estar, se

assenhoreia de um território e nele institui, por autoridade própria, o poder de dirigir

9 Por Estado entende-se “um povo fixado num território de que é senhor, e que institui, por autoridade

própria órgãos que elaborem as leis necessárias à vida colectiva e imponham a respectiva execução.”

In, Marcello Caetano, Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, II tomo, Coimbra editora,

Coimbra, 1973, p.16.

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11

os destinos nacionais e de impor as normas necessárias à vida colectiva” (Calheiros,

2003: 14).

Max Weber considera o Estado “como uma associação de dominação política

quando e na medida, em que a sua subsistência e a vigência das suas ordens, dentro de

determinado território geográfico, estejam garantidas de modo contínuo mediante

ameaça e a aplicação de coacção física por parte do quadro administrativo” (Ribeiro,

2005: 316). O mesmo autor define-o como “uma forma de organização do poder

caracterizada pela racionalidade, generalidade e abstracção” (Webber, 1991: 120).

A vertente social associada ao conceito de Estado tem vindo a impor-se,

tentando compreender o Estado à luz de uma abordagem social, tendo este que estar

associado a uma actividade social, constituindo-se como uma unidade de decisão

territorial e uma unidade real de acção, distinguindo-se de todos os outros grupos

territoriais de dominação pelo seu carácter de unidade soberana e de decisão. A

finalidade última do Estado é então satisfazer os interesses gerais da colectividade. O

Estado deverá manter a segurança, promover a justiça e assegurar o bem-estar. Estes

objectivos do Estado encontram-se previstos na maioria das Constituições modernas,

sendo a Constituição da República Democrática de Timor-Leste (CRDTL) um exemplo

disso quando afirma “a sua determinação em combater todas as formas de tirania,

opressão, dominação e segregação social, cultural ou religiosa, defender a

independência nacional, respeitar e garantir os direitos humanos e os direitos

fundamentais do cidadão, assegurar o princípio da separação de poderes na

organização do Estado e estabelecer as regras essenciais da democracia pluralista,

tendo em vista a construção de um País justo e próspero e o desenvolvimento de uma

sociedade solidária e fraterna”.

Neste contexto, o artigo 6.º (Objectivos do Estado) da CRDTL prevê o seguinte:

“o Estado tem como objectivos fundamentais: a) defender e garantir a soberania do

País; b) garantir e promover os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos e o

respeito pelo princípio do Estado de direito democrático; c) defender e garantir a

democracia política e a participação popular na resolução dos problemas nacionais; d)

garantir o desenvolvimento da economia e o progresso da ciência e da técnica; e)

promover a edificação de uma sociedade com base na justiça social, criando bem-estar

material e espiritual dos cidadãos; f) proteger o meio ambiente e preservar os recursos

naturais; g) afirmar e valorizar a personalidade e o património cultural do povo

Timorense; h) promover o estabelecimento e o desenvolvimento de relações de amizade

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12

e cooperação entre todos os povos e Estados; i) promover o desenvolvimento

harmonioso e integrado dos sectores e regiões e a justa repartição do produto

nacional; j) criar, promover e garantir10

a efectiva igualdade de oportunidades entre a

mulher e o homem”.

Ao conceito de Estado associa-se, indubitavelmente, o conceito de Nação11

,

constituindo-se este como ―o par mais famoso e controverso das idades moderna e

contemporânea. A ilustração mais eloquente do princípio do contraditório. Não sendo

qualquer deles, Nação e Estado, factos da natureza, a sua pertinência histórica é tão

pertinente e constante que, hoje, no limiar do século XXI, a questão nacional e o

problema do Estado, constituem, indubitavelmente, dois factos maiores da história do

futuro” (Covas, 2002: 24).

A Nação e o Estado não são factos da natureza, realidades originais ou trans-

históricas, pois há inúmeros exemplos de povos e nações sem Estado, Estados sem

nações e Estados multinacionais (Covas, 2002: 27).

A questão que se coloca a este propósito é se foi o Estado que deu origem à

nação ou o contrário, mas segundo Adriano Moreira “foi o Estado que forjou a Nação,

como notou Lord Acton, sendo menos comum que a Nação tivesse dado origem ao

Estado” (Adriano Moreira, 1997: 292).

Hodiernamente, o conceito de Nação tem sido utilizado para conferir ou

consubstanciar unidade política a um conjunto territorial e populacional, muitas vezes,

unificado artificialmente, resultado de um passado histórico colonial.

10 Segundo Fukuyama os europeus tendem a ter mais consciência da distinção entre Estado e nação e

fazem notar que a construção de nações no sentido da criação de uma comunidade ligada por uma

história e uma cultura está bem para lá das capacidades de qualquer poder externo. Isto verifica-se

porque só os Estados podem ser deliberadamente construídos. Se uma nação resultar desse esforço,

será mais uma questão de sorte do que de planificação. Na altura de construção de nações como foi o

caso de Timor, a comunidade internacional definiu melhor os meios de coordenação interna das suas

acções e criou alguns mecanismos para preservar a memória institucional sobre a construção de

nações (Fukuyama, 2006: 108-109). 11 O lugar reservado pela história a estes dois conceitos foi considerado efémero. Quando surgiu foi

associado a este conceito uma conotação negativa; durante o período medieval, Nação significava a

comunidade de estudantes estrangeiros oriundos de determinadas regiões. No século XVI, em

Inglaterra, a palavra Nação tornou-se sinónimo da palavra povo, associado a um estatuto político

positivo, e dotado de soberania. O povo transformado em Nação tornou-se uma elite (Covas, 2002:

25). Assim, a “nação é um povo soberano onde a singularidade reside mais na diversidade dos seus

elementos constituintes do que na especificidade determinante de algum desses elementos. Do mesmo

modo, a identidade e a consciência nacionais adquiriam essa espessura pluralista dos elementos, de

carácter eminentemente democrático” (Covas, 2002: 25). O conceito moderno de Nação surge no

século XVIII, com a revolução de 1789, associado à ideia de dignidade, surgindo o cidadão como um

indivíduo igual perante a lei, sendo este um dos pressupostos legitimadores do princípio nacional. Na

perspectiva moderna, Nação “é um conceito e uma vivência eminentemente político-cultural sob

fundo democrático de cariz demo-liberal” (Covas, 2002: 25).

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13

Podendo caracterizar-se a República Democrática de Timor-Leste como um

Estado emergente e em construção, e após a euforia de um processo de independência

conturbado, os seus objectivos, enunciados na sua Constituição, estão longe de se

encontrarem finalizados na sua aplicação em áreas fundamentais como a justiça, a

educação, a saúde, bem como no desenvolvimento estrutural. Pode, então, afirmar-se

que os Timorenses pertencem à mesma Nação porque têm em comum um conjunto de

valores e princípios, comungando do mesmo ideal do futuro colectivo. Há a conjugação

e a partilha de factores históricos culturais e linguísticos que tornaram uma realidade a

Nação Timorense. Durante séculos, a Nação Timorense foi uma Nação sem Estado

porque não se constituía como uma comunidade histórico-cultural organizada

politicamente. Poder-se-á referir que Timor-Leste não constitui um Estado Nação, no

sentido puro do conceito, uma vez que existe um conjunto de etnias com dialectos

próprios e com um passado diverso; no entanto, os Timorenses partilharam dos mesmos

ideais de vida colectiva e adquiriram uma consciência comum e uma identidade

nacional. A questão da identidade Timorense está relacionado com questões históricas,

religiosas, comportamentais, étnicas, culturais e linguísticas, e ainda, acontecimentos

colectivos vividos em comum pelos Timorenses e que deram origem a uma memória ou

consciência de conjunto.

Nuno Canas Mendes, a propósito da identidade nacional de Timor-Leste, afirma

que se tratou de “um processo volitivo de redução ou síntese de identidades étnicas

plurais a uma identidade una de um povo, de uma identidade nacional, que só pode ser

compreendido numa textura histórica e na multiplicidade de actores e forças que nele

participaram devidamente contextualizadas num movimento nacionalista” (Mendes,

2008: 231).

Partindo de uma multiculturalidade e de uma identidade histórica, os políticos

procuraram convergir para a ideia de Estado Nação com uma língua comum e um

partido único.

No entanto, a independência não confere automaticamente identidade nacional

ao povo de um Estado. Tem que existir um processo de consolidação, através de um

processo histórico, que molda o carácter dos povos e etnias. Por isso, a solidez da

independência terá de ser reforçada com uma identidade sólida. O período de ocupação

Indonésia foi fundamental para a criação de uma consciência e identidade colectivas,

favorecendo o surgimento de um sentimento de unidade contra o invasor a quem nunca

reconheceu o direito de administrar o território de Timor-Leste.

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14

A intervenção da comunidade internacional em Timor-Leste ―deixou de ser uma

pura abstracção e tornou-se rapidamente numa realidade enquanto governo efectivo.

As funções de governação foram deslocadas para as Nações Unidas ou outras agências

e ONG´s, onde a sede de governo foi colocada num barco atracado ao largo da capital,

Díli. Esse império internacional com boas intenções e tendo por base preceitos

democráticos e relacionados com direitos humanos, continua a ser um império e

estabeleceu um precedente de entrega da soberania à governação por parte de

agências internacionais” (Fukuyama, 2006: 106-107).

A propósito das chamadas intervenções humanitárias dos anos 1990, Fukuyama

fala em “erosão da soberania”, referindo que o sistema de Vestefália já não é uma

estrutura adequada para as relações internacionais12

. Assim, este sistema foi construído

em torno de um agnosticismo deliberado quanto à questão da legitimidade. O fim da

Guerra-fria trouxe maior consenso na comunidade mundial quanto aos princípios da

legitimidade política e dos direitos humanos. A soberania13

e a legitimidade deixavam

de poder ser conferidas automaticamente ao detentor real do poder num dado país. A

soberania do Estado era uma ficção em alguns países. Nessas circunstâncias, as

potências estrangeiras, agindo em nome dos direitos humanos e da legitimidade

democrática, tinham não apenas o direito mas a obrigação de intervir. As intervenções

humanitárias dos anos 90 conduziram a uma extensão de um poder imperial

internacional efectivo sobre a parte do mundo dominada por Estados falhados ou

fracos‖ (Fukuyama, 2006: 106).

12 O conceito de soberania inicialmente dizia respeito “à potência absoluta e perpétua bodiniana e

hobbesiana; poder ilimitado, indivisível, inapelável, incontrolável, independente ad extra e supremo

ad intra. Esta potestade absoluta pode deslocar-se do monarca absoluto para o povo, para um órgão

ou para três, ou para o Estado em abstracto, mas enquanto continue detendo aquelas características-

que não excluem um certo recurso à força, se for caso disso - continuará sendo soberania por mais

democratizada que esteja” (Huidobro, 2003: 139). 13 O conceito de soberania, segundo Albuquerque Mello, é um “conceito jurídico indeterminado e cujo

conteúdo e limites vai variar com a consciência jurídica e as circunstâncias políticas em cada época

histórica. Trata-se, pois, de uma das noções mais obscuras e mais polémicas no âmbito do Direito

Público e da Ciência Política” (Mello, 2003: 31).

A soberania entendida como o “Poder Político próprio do Estado” (Caetano, 1996: 75), constitui-se

como o terceiro elemento do Estado, conjuntamente com o povo e o território. Este termo surge com

conotações políticas, pretendendo ser a racionalização jurídica do poder, no sentido da transformação

da força em poder legítimo, do poder de facto em poder de direito, surgindo no século XVI, associado

ao termo Estado para indicar o poder estatal, sujeito único e exclusivo da política‖ (Sá, 1997: 149).

Marcello Caetano definia-a como um poder supremo que dita a lei e é um poder independente em

relação a todos os outros poderes humanos. A soberania (majestas, summum imperium) significa,

portanto um poder político supremo e independente, entendendo-se por poder supremo aquele que não

está limitado por nenhum outro na ordem interna e por poder independente aquele que na sociedade

internacional não tem de acatar regras que não sejam voluntariamente aceites e está em pé de

igualdade com os poderes supremos dos outros povos (Caetano, 1996: 132).

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15

Embora não seja uma realidade recente, as fronteiras da União Europeia estão

em mutação, a um ritmo muito mais acelerado provocado pela complexidade também

crescente do sistema internacional. Os Estados transferem parcelas de soberania para o

nível superior, ou seja, para uma organização de âmbito supranacional, rompendo,

através deste processo, com o conceito clássico de soberania. A soberania deixou,

hodiernamente, de ser una e indivisível e passou a ser partilhada, multinível, e colectiva,

passando a ser cedida e consequentemente a ser partilhada com outros Estados e

Organizações Internacionais. Continua, pois, a falar-se de soberania, mas já não nos

moldes enunciados pelos Clássicos desde Bodin14

. Apesar da partilha de soberania ser

efectuada de forma voluntária, os Estados ao terem de cumprir orientações e normativos

provenientes da EU, perdem indiscutivelmente perder parte dessa soberania, embora

alguns sejam obrigados a fazê-lo, para em última instância, a conseguir manter.

Reinhold Zippelius refere ainda que “no entanto, quanto mais nítido se tornou

que a soberania - sobretudo em virtude das interdependências estatais - é susceptível de

ser relativizada, tanto mais questionável se torna. Hoje em dia tem capacidade limitada

pelo direito internacional e tal acontece não apenas com os Estados Soberanos; até

Estados membros de Estados Federais podem ter uma capacidade limitada pelo direito

internacional se tal for previsto na constituição da federação” (Zipellius, 1997: 72).

No entender de Adriano Moreira, as questões relacionadas com Estado e

Soberania, hodiernamente “só tem a novidade de exigir mais um sistema (…) e que hoje

cresce um consenso mundial a exigir uma fórmula consentida e ainda não

encontrada”( Adriano Moreira, 2004:397).

Assim, não existindo uma fórmula consentida, nem uma resposta clara “não

temos alternativa senão regressar ao Estado-nação soberano e tentar compreender

uma vez mais como torná-lo forte e eficaz” (Fukuyama, 2006:129).

14 A palavra Soberania com o sentido que hoje tem surge com Jean Bodin, no século XVI, na sua obra

“Les six livres de la Republique”. Jean Bodin considerou a soberania como a característica essencial

do poder de Estado afirmando que a “Republique est un droit gouvernement de plusiers ménages, et

de ce qui leur est commun, avec puissance souveraine” (Bodin, 1576, Livro I)» (Zipellius, 1997: 75).

Verifica-se que a soberania surge associada ao direito, no entanto, “a soberania é na sua origem

histórica, uma concepção de índole política, que só mais tarde condensou numa de índole jurídica.

Não se descobriu este conceito no gabinete de sábios estranhos ao mundo, antes deve a sua existência

a forças muito poderosas, cujas lutas constituem o conteúdo de séculos inteiros” (Jellinek, 1981:

327).Bodin entendia soberania como um poder auto-suficiente, que não se sujeita a outro poder

(summa potestas superiorm non recognens), sendo perpétua e transcendente e una, sendo tudo

exclusivo do suserano (Pereira, 2003: 16). Apresenta ainda o conceito de Soberania como algo que

“integra o poder absoluto com uma unidade que se sobrepõe à complexa rede de suseranias e de

homenagens de laços hierárquicos pessoais, ao parcelamento da autoridade, à confusão entre

poderes públicos e privados existentes no feudalismo” (Santos, 2005:59).

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16

Tal como se verificou com Timor-Leste, em vários locais do mundo “tem

crescido a intrusão da comunidade internacional em regiões que até aqui o provecto

dogma da soberania nacional reservava como coutadas. Perante uma cada vez mais

nítida redimensionação ética e normativa de um sistema internacional tradicionalmente

anárquico, é difícil evitar a impressão de que uma sua estruturação política se começa

enfim a cristalizar. Não um Leviathan hobbesiano: uma hipotética integração global,

mesmo que um dia possa vir a ocorrer, ainda está, talvez felizmente, muito longe. Mas

decerto que a cada vez mais intricada interdependência genérica não se compadece

com a antiga formatação unidimensional, saída da paz de Westphalia, em 1648, que

sob o peso de tantas vicissitudes a Europa legou ao sistema internacional que sob a sua

égide se foi construindo” (Marques Guedes, 2005: 76).

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_________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste”

17

“Mas a principal lição traduz-se em

reconhecer que a segurança é um tema

transnacional, que afecta todas as sociedades

civis, e que não consente uma distinção

operacional entre segurança interna e segurança

externa” (Adriano Moreira, 2005: 5)

2. Fonte de “Segurança interna” e “Externa”: sobre o conceito de segurança

“Segurança é uma necessidade da pessoa e dos grupos humanos e um direito

inalienável do homem e das nações (...) permite discernir no desfilar dos seus conceitos

uma noção de protecção ou de tranquilidade em face de ameaças ou acções adversas à

própria pessoa, às instituições ou a bens essenciais existentes ou pretendidos” 15

A instabilidade e incerteza do mundo actual colocam a problemática da

segurança no centro do debate das sociedades modernas, tornando-se simultaneamente

indissociável da sensação de vulnerabilidade da sociedade a um conjunto de novas

ameaças e riscos que agudizam o sentimento de insegurança dos cidadãos.

Poder-se-á definir segurança como “o estado ou condição que se estabelece num

determinado ambiente16

, através da utilização de medidas adequadas, com vista à sua

preservação e à conduta de actividades, no seu interior ou em seu proveito, sem

rupturas”17

.

Ao analisarmos o conceito de segurança verificamos que este foi ampliado,

abrangendo os campos políticos, militar, económico, social, ambiental e outros. As

medidas que visam a segurança são de largo espectro, envolvendo, além da defesa

externa, a defesa civil, a segurança pública, políticas económicas, de saúde,

educacionais, ambientais e outras áreas, muitas das quais não são tratadas por meio dos

instrumentos político-militares.

15 Cfr. Rui Pereira, Os desafios do terrorismo: A resposta penal e o sistema de Informações, pp. 501 a

507. 16 Ambiente compreende um qualquer espaço mais tudo o que ele contenha, sejam pessoas, instalações,

equipamentos, actividades, conhecimento. 17 Rupturas implicam a existência de quaisquer interrupções abruptas, não desejadas e susceptíveis de

causar danos. Ainda Cfr. Armando Carlos Alves, Sobre Segurança, pp. 32.

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_________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste”

18

A segurança pode ser abordada a partir do indivíduo, da sociedade e do Estado,

do que resultam definições com diferentes perspectivas. Assim, e numa primeira

abordagem, poderá dizer-se que a segurança é a condição em que o Estado, a sociedade

ou os indivíduos não se sentem expostos a riscos ou ameaças18

.

A segurança é uma das obrigações do Estado de Direito na execução das suas

finalidades de “conservação, justiça e bem-estar”. Para o efeito, o poder político define

a ordem social que lhe parece mais adequada à realização dos fins do Estado e

estabelece mecanismos para a correcção de desvios e perturbações da ordem social.

Uma das obrigações do Estado de direito é manter e assegurar a Segurança

podendo esta definir-se como um estado de tranquilidade e de confiança mantido por

um conjunto de condições materiais, económicas, políticas e sociais que garante a

ausência de qualquer perigo, tanto para a colectividade como para o cidadão

individualmente considerado, o que se materializa na noção de “segurança colectiva”.

A segurança, como tarefa fundamental do Estado, impõe a organização de uma força

para servir os interesses vitais da comunidade política, a garantia da estabilidade dos

bens, a durabilidade credível das normas e a irrevogabilidade das decisões do poder que

respeitem interesses justos e comuns (Guedes Valente, 2005: 90). Desta forma,

podemos e devemos considerar a segurança como uma “garantia de exercício seguro e

tranquilo de direitos, liberto de ameaças ou agressões” (Gomes Canotilho e Vital

Moreira, 1993:184).

Neste âmbito, cabe ao poder político definir a ordem social que lhe parece mais

adequada para a realização dos fins do Estado e estabelecer mecanismos para a

correcção de desvios e perturbações da ordem social (Fernandes, 2005: 30).

O valor da Segurança alterou-se significativamente “pois passou da protecção

dos interesses vitais ameaçados por um inimigo comum, ou seja, de uma segurança

previsível, para uma segurança agora orientada para riscos diversos, mais difusos na

forma, origem, espaço e actores, onde a imprevisibilidade aumenta as condições para a

eclosão de conflitos. A Segurança passou assim a ter interesses além dos vitais, por

vezes materializados longe da base territorial dos Estados” (Proença Garcia, 2004:

339).

18 Fonte: https://www.defesa.gov.br/pdn/index.php?page=estado_seguranca_defesa, consultado em 25 de

Setembro de 2009.

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_________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste”

19

A segurança interna e externa deve ser encarada como um direito relativo e não

absoluto. Para os autores Gomes Canotilho e Vital Moreira a segurança, como direito

fundamental, é o garante para que o cidadão possa exercer todos os demais direitos

fundamentais de forma tranquila e segura (Gomes Canotilho e Vital Moreira,

1993:184).

Segundo Manuel Guedes Valente “a segurança interna não se confunde com a

segurança externa, dita defesa externa do Estado, mas que com ela tem fortes laços e,

no todo, encontram-se umbilicalmente ligadas à defesa nacional em sentido amplo”

(Guedes Valente, 2006: 8).

A segurança interna consagrada no art. 272º da Constituição da República

Portuguesa (CRP) e a segurança externa que se encontra consignada no art. 273º da lei

fundamental mostram o princípio inequívoco de se separar as duas funções clássicas do

Estado, quando definem princípios e objectivos prioritários para cada uma das

correspondentes actividades, definindo que a primeira está atribuída especialmente às

forças e serviços de segurança, enquanto a segunda cabe predominantemente às forças

armadas, cada uma integrada em sistemas orgânicos próprios autónomos, com centros

de decisão diferentes.

À semelhança do direito à liberdade, o direito à segurança, é garantido pelo Art.º

27º n.º 1 da CRP significando a garantia de exercício seguro e tranquilo dos direitos,

desprendido de ameaças ou agressões19

. Assim, o direito à segurança constitui o garante

do livre exercício dos direitos da pessoa (Gomes Canotilho e Vital Moreira, 1999: 479).

O direito à segurança, garantido pelo Art.º 5º da Convenção Europeia de Direitos

do Homem (CEDH), além do já referenciado Art.º 27º da CRP, traduz-se no

reconhecimento de um direito distinto, facto que, implica uma ampliação do âmbito

protegido pelo direito à liberdade pessoal. A expressão “segurança” aparece

directamente relacionada com a liberdade física das pessoas e, deve ser entendida no

contexto da liberdade, pelo que a segurança da pessoa significa segurança física

(Hernández, 2003: 54).

Quando há referência ao direito à segurança pelos órgãos do Conselho da

Europa20

, esta deve ser entendida no contexto da liberdade, aparecendo directamente

relacionado com a liberdade física das pessoas. Assim, o direito à segurança protege as

19 Cfr. AcTC n.º 479/94. 20 São Órgãos do Concelho da Europa a Comissão e Tribunal dos Direitos do Homem.

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20

pessoas contra os perigos da mais variada espécie e não só contra a ameaça de detenção

ou prisão arbitrárias (Hernández, 2003: 54).

A segurança pode ainda significar garantia de exercício seguro e tranquilo dos

direitos, desprendido de ameaças ou agressões21

. Desde a Constituição de 1822, onde a

ideia de segurança pessoal significava “a protecção que o governo deve dar a todos

para poderem conservar os seus direitos pessoais” (Gomes Canotilho e Vital Moreira,

1999:499), que a segurança representa mais uma garantia de direitos do que um direito

autónomo. O actual sentido do texto apresenta duas dimensões, uma dimensão negativa,

estritamente associada ao direito à liberdade, traduzindo-se num direito subjectivo à

segurança ou direito de defesa perante agressões dos poderes públicos, e uma dimensão

positiva, traduzindo-se num direito positivo à protecção através dos poderes públicos

contra as agressões ou ameaças de outrem, ou segurança da pessoa, do domicílio, dos

bens. Assim, o direito à segurança constitui o garante do livre exercício dos direitos da

pessoa (Gomes Canotilho e Vital Moreira, 1999:499).

Ao analisar-se legalmente o conceito segurança verificamos que este surge como

um direito fundamental dos cidadãos, maxime integrado no catálogo de direitos,

liberdades ou garantias, no artigo 27.º da Constituição da República Portuguesa

(CRP)22

.

No Direito Constitucional Português, o direito fundamental23

à segurança tem

um lugar preponderante no Titulo II da parte I intitulado “Direitos, Liberdades e

Garantias”24

, apesar de colocado no mesmo artigo constitucional do direito à liberdade,

concretamente Art.º 27º da Constituição da República Portuguesa (CRP). Dos três

grupos de direitos ainda mais específicos, o direito à segurança situa-se no grupo de

direitos liberdades e garantias pessoais25

. Em termos de regime de aplicação, o seu uso

21 Cfr. AcTC n.º 479/94. 22 Cfr. Paula Margarida Santos Veiga, Segurança e Direitos Fundamentais dos Cidadãos, p. 17. 23 Segundo o Professor Doutor Bacelar Gouveia o conceito de direito fundamental tem três elementos: o

elemento subjectivo – implicando a subjectivação nas pessoas e não segundo normas organizatórias e

objectivas, pessoas essas integradas no Estado-Comunidade, por contraposição ao Estado-poder, que

actua através dos seus agentes e titulares de órgãos; Elemento material – retratando uma vantagem,

não uma obrigação ou dever, relacionada comum valor ou um bem que se afigura

constitucionalmente protegido; elemento formal – ancorando essa posição no Direito Constitucional,

com as características de supremacia e rigidez que definitivamente o individualizem no seio da

Ordem Jurídica” (Bacelar Gouveia, 2005: 1034). 24 Segundo o Professor Doutor Bacelar Gouveia “…os direitos liberdades e garantias se definem em

razão da norma atributiva dos mesmos, enquanto categoria mais restrita do que os direitos

fundamentais em geral: são as posições subjectivas constitucionalmente positivadas em normas

preceptiveis‖ Jorge Bacelar Gouveia, Manual de Direito Constitucional, op. cit., pp.1054. 25 Segundo o Professor Jorge Bacelar Gouveia, os outros dois grupos são grupo de direitos liberdades e

garantias de participação política e grupo de direitos liberdades e garantias dos trabalhadores.

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21

não fica dependente da realização de condições económicas e sociais e, salvo excepções

pontuais a abordar mais à frente, não ficam dependentes da lei (Bacelar Gouveia, 2007:

5).

2.1. Enquadramento dos conceitos

O estudo da segurança interna esteve afastado da preocupação dos estudiosos,

sendo na altura analisado por áreas díspares como sendo a do direito, a da sociologia, a

da criminologia, a da história ou a das ciências militares. Esta questão deverá ser

abordada sobre várias perspectivas académico-científicas, demonstrando que não existe

um só conceito ou tipologia, mas sim diversos conceitos ou tipologias de segurança

interna, “cujo conteúdo não olvida a teoria do espaço da segurança (nacional,

regional, europeu e internacional” (Guedes Valente, 2006: 7).

Concomitantemente, a conceptualização do conceito de segurança externa não é

tarefa fácil. Para a Direcção-Geral de Política de Defesa Nacional (DGPDN) o conceito

apresenta contornos difusos e encontra-se relacionado com os conceitos de segurança

colectiva, segurança cooperativa, segurança comum, segurança alargada e segurança

humana26

. Contudo, a ideia fulcral patente na DGPDN é que é a segurança externa27

contribui decisivamente para a segurança interna de cada Estado (Sequeira, 2004: 60)28

.

Por tradição, a segurança interna é considerada uma das funções essenciais do

Estado, ao lado da segurança externa e protecção civil. A sua actividade, constitui um

dos meios para executar os fins do Estado democrático, constituindo também condições

que se tornam fundamentais à protecção, bem-estar e desenvolvimento (Dias, 2006: 13).

O conceito alargado de segurança29

, embora continue a integrar os objectivos

mais tradicionais dos Estados, como a defesa do território e da soberania, confere uma

atenção especial à filosofia preventiva e mantém uma visão global dos focos de

insegurança no quadro internacional e das crises por eles provocadas, na tentativa de

evitar formas agravadas de criminalidade.

26 Neste contexto a Segurança Humana está associada à ideia do desarmamento e do controlo de

armamento. 27 Obtida quer por níveis de cooperação, entrando num âmbito de segurança colectiva, ou obtida pelos

Estados Nação per si. 28 http://www.academianilitar.pt/.../segurança-interna-e-externa-face-as-novas-realidade.html, consultado

em 25 de Setembro de 2009. 29 Cfr Resolução do Conselho de Ministros nº 6/2003 de 20 de Janeiro p. 280.

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22

Foi com o tratado de Maastricht, em 1992, que se falou pela primeira vez em

política externa e de segurança comum (PESC). Nesta altura, a União Europeia (UE)

não possuía instrumentos para poder implementar uma política de segurança e de

defesa.

As questões de segurança interna estão intimamente relacionadas com o plano

internacional, isto é, tem a ver com a participação do Estado num determinado quadro

institucional europeu e transatlântico e das bases de cooperação que estabelece com

outros Estados, dependendo das relações internacionais que desenvolve com estes e que

ultrapassam o território geográfico do próprio Estado (Guedes Valente, 2005: 13).

“Neste momento, já não dependemos, exclusivamente, de nós em termos de segurança

interna mesmo que localizada, estritamente, no território português” (Guedes Valente,

2005: 19).

No campo da segurança interna, o 11 de Setembro trouxe um virar de página,

quer no quadro do pensamento, quer no conjunto de reacções que foram adoptadas

desde então.

O Estado constituiu-se como entidade prestacionista e intervencionista, tendo

surgido o princípio de que a segurança interna é um valor essencial da vida democrática,

sendo necessária a sua consagração, não só nos instrumentos jurídicos internos, como

nos internacionais (DUDH, CEDH, CDFUE). A internacionalização do crime levou

pois à internacionalização da segurança.

Cada vez mais os fenómenos que podem afectar a Segurança Interna são de

natureza internacional ou transnacional. A flexibilidade e a mobilidade dos grupos

criminosos altamente organizados, provenientes do exterior, muitas das vezes com uma

estrutura organizativa, motivação e direcção que não são fáceis de combater.

Nesta nova realidade, as questões relativas à segurança interna deixaram de o ser

no seu sentido tradicional. Esta mudança brusca trouxe-nos uma realidade bem diferente

aproximando a segurança interna à segurança transnacional (Guedes Valente, 2005: 18).

Segundo o mesmo autor, neste momento, em termos de segurança interna já não

dependemos exclusivamente de nós ainda que seja considerado, unicamente, o território

português. Caminhamos para a afirmação do princípio da cooperação e posterior

integração do conceito de segurança interna num quadro europeu.

Na União Europeia, a política de segurança interna, contribui para um dos seus

maiores desafios, ou seja, “o seu desenvolvimento enquanto espaço de liberdade,

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23

segurança e justiça”30

. A esta foi atribuído o objectivo global de criar condições de

segurança e de acesso à justiça, afirmando simultaneamente a livre circulação das

pessoas.

No domínio da segurança interna, a política da União Europeia teve origem nas

liberdades do mercado comum que deram início à criação das Comunidades Europeias.

Mais tarde, com a necessidade da livre circulação de pessoas no seio das

Comunidades Europeias, foi concretizada, por alguns Estados Membros, a supressão de

controlos nas suas fronteiras comuns, surgindo o Espaço Schengen. Como garantia de

segurança deste Espaço de circulação, a Convenção de Aplicação do Acordo de

Schengen (CAAS) englobou mecanismos compensatórios31

que contribuíram para a

segurança interna dos Estados Membros (Sousa, 2005: 103). A este propósito, o próprio

Sistema de Informação Schengen, ao permitir o rápido acesso a várias categorias de

pessoas ou objectos veio contribuir significativamente para a melhoria das condições

estabelecidas.

Tal como os sistemas de segurança interna (SSI) de qualquer dos Estados-

Membros da União Europeia, o SSI português não pode ignorar os reflexos da

integração tanto na sua organização, como no seu funcionamento. A supressão do

controlo de pessoas nas fronteiras comuns que a integração implica – embora

―compensada”, traduz-se na partilha dos territórios dos Estados-Membros e na

abdicação parcial da decisão respeitante à circulação e permanência, impondo aos

Estados-Membros especiais deveres de intercâmbio de informação e de cooperação

operacional, a nível das suas forças e serviços de segurança.

Para os constitucionalistas Gomes Canotilho e Vital Moreira, a atribuição à

polícia32

da função de garantir a segurança interna tem que ser conjugada com o artigo

273º da CRP que trata da defesa nacional. Estes autores referem que “a atribuição da

função segurança interna à polícia visa justamente colocar as Forças Armadas à

margem dessa função.” (Gomes Canotilho e Vital Moreira, 1993: 955).

Jorge Miranda e Rui Medeiros acolhem a abordagem feita por Catarina

Sarmento e Castro, quando refere que a segurança interna “abrange um conjunto

30 Art. 2º, 4º travessão do tratado que institui a União Europeia (TUE). 31 A título de exemplo destacamos a obrigação de assistência mútua, intercâmbio de informações através

do Gabinete Nacional Sirene e a vigilância ou perseguição transfronteiriça. 32 Cfr com o nº 1 do art.º 272º da CRP.

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24

alargado de matérias33

…”, bem como “assuntos relativos à entrada, permanência,

saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, ao asilo e estatuto de

refugiados, às armas, explosivos e munições, aos passaportes ou ao recenseamento, à

fiscalização, controlo, e acompanhamento de mercadorias sujeitas à acção aduaneira,

à preservação da regularidade das actividades marítimas, bem como a actividade

relativa à produção de informações destinadas a prevenir a aludida criminalidade”

(Jorge Miranda e Rui Medeiros, 2005: 663)

De acordo com a legislação em vigor e em conjugação com a constituição,

podemos retirar que a segurança interna se enquadra como necessidade colectiva “cuja

satisfação regular e contínua deve ser promovida pela actividade típica dos organismos

e indivíduos da Administração Pública, nos termos estabelecidos pela legislação

aplicável, devendo aqueles obter para o efeito os recursos mais adequados e utilizar as

formas mais convenientes, quer sobre direcção ou fiscalização dos poder político, quer

sobre o controlo dos tribunais” (Freitas do Amaral, 1996: 32).

Existem alguns princípios e preceitos legais, consagrados na CRP, que motivam

e justificam a lei de segurança interna (LSI). Desde logo, o art. 3º da CRP, refere que o

Estado subordina-se à Constituição e funda-se na legalidade democrática, o art. 9º da

CRP, compreende como tarefas fundamentais do Estado o dever de garantir o normal

exercício dos direitos e liberdades dos cidadãos, assim como o art. 27º do mesmo

diploma, estabelece que o direito de liberdade e segurança a todas os cidadãos. O texto

fundamental, no seu art. 272º, consagra também como função essencial do Estado a

defesa da legalidade democrática, a garantia da segurança interna e os direitos dos

cidadãos, exercida pelas forças e serviços de segurança. Neste contexto, a segurança

interna, surge com um sentido de garantia do cumprimento das leis em geral, tendo

sempre presente os direitos dos cidadãos para que o quotidiano da colectividade se

possa desenvolver num clima de paz social.

Com base no enquadramento anteriormente referido, assente nos princípios

constitucionais, a segurança interna é definida legalmente como sendo " a actividade

desenvolvida pelo Estado para garantir a ordem, a segurança e a tranquilidade

públicas, proteger pessoas e bens, prevenir e reprimir a criminalidade e contribuir

para assegurar o normal funcionamento das instituições democráticas, o regular

33 Entre as quais se encontram a protecção de pessoas e bens, a garantia da tranquilidade pública e a

prevenção da criminalidade, nomeadamente a violenta e altamente organizada, como a sabotagem,

espionagem ou terrorismo ou luta contra o tráfico de droga, actividades que a autora unifica sob o

conceito de “segurança pública”.

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25

exercício dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos e o respeito

pela legalidade democrática”34

.

As medidas previstas nesta lei têm por objectivo proteger a vida e a integridade

das pessoas, a paz pública e a ordem democrática contra o terrorismo, a criminalidade

violenta ou altamente organizada, sabotagem e a espionagem, prevenindo e reagindo a

acidentes graves ou catástrofes, defendendo o ambiente mantendo a preservação da

saúde pública35

.

No que diz respeito aos seus princípios fundamentais “actividade de segurança

interna pauta-se pela observância dos princípios do Estado de direito democrático, dos

direitos, liberdades e garantias e das regras gerais de polícia”36

.

Deve constituir-se ainda como uma actividade multifacetada e constante “que

constitui monopólio do Estado, não podendo por isso, ser confiada a outras entidades

públicas descentralizadas (as regiões autónomas e as autarquias locais) – e, muito

menos, transferida para entidades privadas.” (Raposo, 2006: 44). Deverá ainda

salientar-se que o exercício desta actividade além de ser exclusivo do Estado, poderá ser

também exercida em todo o espaço sujeito aos poderes de jurisdição do Estado

Português podendo as forças e os serviços de segurança actuar fora desse território em

cooperação com organismos e serviços de Estados estrangeiros, ou, com organizações

internacionais de que Portugal faça parte37

.

A actividade da Segurança Interna tem por objectivo manter o normal

funcionamento da vida em comunidade e o seu respectivo desenvolvimento,

assegurando a paz pública e defendendo a ordem democrática, afirmando uma

convivência normal entre cidadãos, em que seja possível o progresso da sociedade em

geral protegendo a vida e a integridade física das pessoas. A sua actividade é também

uma função que faz parte do núcleo essencial dos poderes de soberania e de autoridade

do Estado democrático, que não sendo delegáveis, alienáveis e divisíveis, só podem ser

executados de harmonia com os princípios naturais, constitucionais e legais que balizam

tais poderes (Dias, 1998: 208). Esta actividade pode abarcar a vida pessoal dos

cidadãos, uma vez que, em nome e por causa da convivência colectiva e da coexistência

pacífica de todos são, muitas vezes, estabelecidos condicionamentos, restrições ou

limitações à liberdade de actuação de cada um. Neste contexto, a lei de segurança

34 Nº1 do art. 1º da Lei nº 53/2008 de 29 de Agosto – aprovou a lei de segurança interna. 35 Nº 3 do art. 1º da Lei nº 53/2008 de 29 de Agosto. 36 N.º1 do artigo 2º da Lei nº 53/2008 de 29 de Agosto. 37 Cfr com o nº 1 e nº 2 do art. 4º da Lei nº 53/2008 de 29 de Agosto.

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26

interna determina princípios, limites e medidas que devem ser respeitadas com todo o

rigor, sempre na perspectiva de que o Estado é que se encontra ao serviço do cidadão e

não o inverso38

(Dias, 2006: 17).

Desta forma, a LSI baliza o espaço de actuação dos elementos operacionais

sistémicos, Forças e Serviços de Segurança, atribuindo rigorosamente limites à sua

actuação39

.

Em Portugal existem várias forças e serviços de segurança que exercem funções

nessa área, nomeadamente, a Guarda Nacional Republicana, a Polícia de Segurança

Pública, a Polícia Judiciária, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, Serviço de

Informações de Segurança. Exercem também funções de segurança, nos temos

legalmente previstos, os órgãos da Autoridade Marítima Nacional e os órgãos do

sistema da Autoridade Aeronáutica40

. As entidades referidas anteriormente, estão

dispersas pela tutela, encontrando-se dependentes do Primeiro-Ministro e de quatro

Ministros: o da Administração Interna, o da Justiça, o da Defesa Nacional e o das Obras

Públicas, Transportes e Comunicações.

Da conjugação do artigo 4º e o n.º 3 do artigo 1º da LSI deduz-se a possibilidade

de cooperação com entidades (de defesa) de outros Estados para fazer face às novas

ameaças, em virtude de estas serem transnacionais, visando a segurança dos indivíduos

e do Estado.

A colaboração das Forças Armadas nesta matéria, encontra-se prevista na

constituição e na lei, ficando a sua articulação operacional a cargo do Secretário-Geral

do Sistema de Segurança Interna e do Chefe do Estado-Maior-General das Forças

Armadas41

.

2.1.1. O sistema de segurança interna

O anterior Sistema de Segurança Interna que vigorou o nosso País foi fundado

ainda no quadro da Guerra-fria e da acção das organizações terroristas de inspiração

38 A CRP no seu art. 1º, 24º e 25º consagra como princípios fundamentais a dignidade da pessoa humana,

a inviolabilidade da vida e da integridade física e psíquica. 39 A Lei 53/2008 de 29 de Agosto (lei de segurança interna) vem enquadrar uma actividade de extrema

importância para o estado de Direito. Existe uma necessidade premente em fazer face à nova

criminalidade e às novas ameaças. 40 Art. 25 da Lei nº 53/2008 de 29 de Agosto. 41 Art. 35º da Lei nº 53/2008 de 29 de Agosto.

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27

ideológica, correspondendo actualmente a uma conjuntura internacional e interna

ultrapassada.

Foram vários os obstáculos identificados que contribuíram negativamente para o

funcionamento do SSI, salientando-se, a deficitária coordenação entre os vários

elementos do sistema; a falta de um órgão coordenador que fosse interdisciplinar e que

fizesse a ligação entre os vários níveis da Administração e a sociedade civil; a falta de

competências do Gabinete Coordenador de Segurança no domínio da ordem pública42

; a

necessidade de um sistema de informação criminal moderno, essencial à prevenção e

repressão da criminalidade promovendo a troca de informações criminais por todos os

órgãos de polícia criminal; a carência de uma cultura de partilha de informações e a

adopção de formas eficazes de articulação institucional entre os vários serviços

envolvidos que evitaria a duplicação de recursos; as disfunções nas estruturas e

procedimentos em matéria de segurança, na área da cooperação internacional, dariam

uma maior garantia à participação activa de Portugal na construção do espaço europeu

de liberdade, segurança e justiça sendo que algumas das iniciativas são verdadeiros

contributos para a garantia da segurança mundial.

O cenário descrito anteriormente foi constatado pela Comissão Permanente de

Schengen, que em Setembro e Outubro de 2003 se deslocou a Portugal com vista a

avaliar do cumprimento das obrigações que lhe incumbem por força da sua integração

no Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça. No relatório que elaboraram, na parte

respeitante à cooperação policial pode ler-se que seria aconselhável rever “a posição, o

estatuto e o papel do Gabinete Coordenador de Segurança com vista a reforçar a sua

autoridade” e, concretamente, a conferir-lhe, enquanto estrutura de coordenação,

“poderes suplementares para que ele não só aconselhe mas disponha também da

autoridade para verificar se o seu conselho foi seguido a tempo, quando não para

intervir ele próprio”.

A estrutura inicialmente edificada não satisfazia os parâmetros traçados pela

Comissão Permanente de Schengen. A dispersão e a sobreposição de competências

entre Forças e Serviços de Segurança e as diferentes tutelas a que se encontram sujeitos,

conduzem a uma utilização ineficiente do SIS e de outros instrumentos de cooperação

policial europeus, sentindo-se uma necessidade premente da criação de uma instância de

coordenação efectiva.

42 Quando as várias Forças e Serviços têm de actuar em conjunto.

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28

O Gabinete Nacional Sirene, denominado como órgão central de cooperação

policial internacional, ao qual foram atribuídas competências para efeitos da prevenção

e da investigação de factos puníveis, perseguição transfronteiriça e prevenção de

ameaças para a ordem e a segurança públicas, apesar de se encontrar na tutela do

Ministro da Administração Interna, ficou integrado no Serviço de Estrangeiros e

Fronteiras (SEF). Esta localização nunca favoreceu a promoção como um instrumento

de polícia comum, de consulta obrigatória, de acordo com o que foi projectado

inicialmente. O Gabinete, nunca dispôs de poderes de comando sobre as várias Forças e

Serviços de Segurança, que nele se encontram representados, contrariamente às

recomendações da Comissão Permanente.

A lei43

atribui ao Gabinete Nacional Sirene competência para prevenir e

remediar os problemas de coordenação que surjam entre uma indicação a nível do SIS e

da Interpol, no entanto, isso não substitui a necessidade de uma cooperação que só a

integração de ambos num único órgão central propiciaria.

Por último, a existência de dois órgãos centrais de cooperação policial

internacional, o Gabinete Nacional SIRENE, por um lado, e a Unidade de Cooperação

Internacional44

(UCI) da Polícia Judiciária, é uma opção formalmente desaconselhada

pela Comissão Permanente, que refere que Portugal, como qualquer outro Estado

Schengen, deveria ter um único órgão central responsável pela cooperação policial

internacional e um único ponto de contacto neste domínio.

Como resposta às circunstâncias referidas anteriormente, o governo criou a

Resolução do Concelho de Ministro n.º 44/2007, de 19 de Março, comprometeu-se a

promover a alteração da Lei de Segurança Interna, de modo a desenvolver um Sistema

de Segurança Interna que corresponda ao quadro dos riscos típicos do actual ciclo

histórico. Assim, procura atender a fenómenos de criminalidade de massa,

criminalidade grave e violenta, criminalidade organizada e transnacional, especialmente

a dedicada aos tráficos de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, de pessoas e

armas, criminalidade económica e financeira (englobando a corrupção, o tráfico de

influência e o branqueamento), sabotagem, espionagem e terrorismo. O legislador

considerou que não seria suficiente complementar o quadro vigente, tornando-se

necessário promover a aprovação de uma nova Lei de Segurança Interna moldada aos

tempos actuais, que consagre um conceito estratégico de segurança interna inovador e

43 Decreto-lei n.º 292/94 de 16 de Novembro 44 Engloba a Unidade Nacional da EUROPOL e o Gabinete Nacional INTERPOL

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ajustado, assim como um conjunto diversificado de alterações legislativas, abrangendo a

Lei de Organização da Investigação Criminal, bem como as Leis de Organização e

Funcionamento das Forças e serviços de Segurança45

.

O conceito estratégico de segurança interna, foi redefinido tendo em

consideração as ameaças e riscos do actual ciclo histórico, num âmbito de um conceito

de segurança alargado, tendo por base um sistema liderado por um Secretário-Geral46

,

reconhecendo as interacções necessárias entre os diversos sistemas relevantes para a

segurança individual e colectiva47

, articulando as entidades competentes na resolução de

problemas ou incidentes de segurança48

, garantindo a prevenção de catástrofes naturais,

a protecção do ambiente e a preservação da saúde pública49

, mantendo presente uma

vocação fortemente preventiva, impulsionando parcerias50

para enfrentar riscos51

que

pendem sobre a sociedade portuguesa.

O SSI conta com vários intervenientes, os que têm intervenção na política de

segurança interna, os que desempenham funções consultivas e de coordenação e os que

por último, executam e seguem as orientações dos primeiros.

A política de segurança interna é enquadrada e fiscalizada pela Assembleia da

República, dando esta o seu contributo através do exercício da sua competência política,

legislativa e financeira. É neste Órgão de Soberania que os partidos da oposição são

consultados pelo Governo, no que respeita à orientação geral da política de segurança

interna. O relatório anual de segurança interna (RASI) é apresentado pelo Governo e

apreciado na Assembleia relativamente à situação do País em matéria de segurança

interna52

.

A condução da política de segurança interna é da competência do Governo, nos

termos da Constituição53

e da LSI54

.

Ao Conselho de Ministros estão atribuídas várias competências, nomeadamente,

definir as linhas gerais da política de segurança interna e orientações de execução,

45 Resolução do conselho de Ministros nº 45/2007 de 19 de Março. 46 Dependência directa do Primeiro-Ministro ou por delegação no Ministro da Administração Interna –

nº1 do art. 14º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto. 47 Nº 1 e al. b) do nº2 do art. 17º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto. 48 De acordo com a sua natureza e âmbito – al. f) do n. 3 do art. 16º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto. 49 Nº 3 do art. 1º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto. 50 Al. f) do nº 1 da resolução do conselho de Ministros nº 45/2007 de 19 de Março. 51 Tanto os que resultam da criminalidade em geral, como os naturais, tecnológicos ou outros - al. f) do nº

1 da resolução do conselho de Ministros nº 45/2007 de 19 de Março. 52 Art.º 7º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto. 53 Art.º 182º da CRP. 54 N.º 1 do art.º 8º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto.

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programar e assegurar os meios destinados para que esta se possa cumprir, aprovar e

garantir o regular funcionamento do plano de coordenação, controlo e comando

operacional das forças e dos serviços de segurança55

(PCCCOFSS), fixar as regras de

classificação e controlo de circulação dos documentos oficiais e de credenciação das

pessoas que devem ter acesso aos documentos classificados56

.

A responsabilidade pela direcção da política de segurança interna está atribuída

legalmente57

ao Primeiro-Ministro, competindo-lhe informar o Presidente da República

sobre os assuntos respeitantes à condução da política de segurança interna, convocar e

presidir às reuniões do Conselho Superior de Segurança Interna, propor ao Conselho de

Ministros o plano de coordenação, controlo e comando operacional das forças e dos

serviços de segurança, dirigir a actividade interministerial adoptando as medidas

adequadas à salvaguarda da segurança interna, coordenar e orientar a acção dos

membros do Governo em matéria de segurança interna, nomear e exonerar o Secretário

-Geral do Sistema de Segurança Interna58

, nomear e exonerar o Secretário-Geral-

Adjunto do Sistema de Segurança Interna59

.

Os Órgãos60

que constituem o Sistema da Segurança Interna são o Conselho

Superior de Segurança Interna, o Secretário-Geral e o Gabinete Coordenador de

Segurança.

O Conselho Superior de Segurança Interna61

é o órgão interministerial de

audição e consulta em matéria de segurança interna que é presidido pelo Primeiro-

Ministro. O Conselho assiste o Primeiro-Ministro no exercício das suas competências

em matéria de segurança interna, contribuindo na adopção das providências necessárias

em situações de grave ameaça à segurança interna, sendo constituído pelos Vice -

Primeiros-Ministros62

; os Ministros de Estado e da Presidência63

; os Ministros da

Administração Interna, da Justiça, da Defesa Nacional, das Finanças e das Obras

55 Veio substituir o anterior Plano de Coordenação e Cooperação das Forças e Serviços de Segurança. 56 N.º 2 do art.º 8º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto. 57 Nº 1 do art.º 9º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto. 58 Mediante proposta conjunta dos Ministros da Administração Interna e da Justiça, após audição do

indigitado em sede de comissão parlamentar – al.ª f) n.º 1 art.º 9º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto. 59 Mediante proposta conjunta dos Ministros da Administração Interna e da Justiça, ouvido o Secretário -

Geral - al.ª g) n.º 1 art.º 9º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto. 60 Art.º 11º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto. 61 Na qualidade de órgão de consulta, compete ao Conselho emitir parecer sobre a definição das linhas

gerais; a delimitação de competências, disciplina, funcionamento e organização das FSS; os projectos

de diplomas que abordem competências das FSS; linhas de orientação respeitantes à formação,

especialização, actualização e aperfeiçoamento dos efectivos das FSS - art.º 12º da Lei 53/2008 de 29 de

Agosto. 62 Caso existam – al. a) do nº 2 do art.º 12º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto. 63 Caso existam – al. b) do nº 2 do art.º 12º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto.

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Públicas, Transportes e Comunicações; os Presidentes dos Governos Regionais dos

Açores e da Madeira; os Secretários -Gerais do Sistema de Segurança Interna e do

Sistema de Informações da República Portuguesa; o Chefe do Estado-Maior-General

das Forças Armadas; dois deputados designados pela Assembleia da República por

maioria de dois terços dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta

dos deputados em efectividade de funções; o Comandante-geral da Guarda Nacional

Republicana, os directores nacionais da Polícia de Segurança Pública, da Polícia

Judiciária e do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e os directores do Serviço de

Informações Estratégicas de Defesa e do Serviço de Informações de Segurança; a

Autoridade Marítima Nacional; o responsável pelo Sistema de Autoridade Aeronáutica;

o responsável pelo Sistema Integrado de Operações de Protecção e Socorro; o director -

geral dos Serviços Prisionais, os Representantes da República64

, o Procurador -Geral da

República65

, os ministros que tutelem órgãos de polícia criminal de competência

específica e outras entidades66

.

Na dependência directa do Primeiro-Ministro, existe o cargo de Secretário-

Geral67

do Sistema de Segurança Interna (SG-SSI) que é equiparado a Secretário de

Estado, possuindo competências68

de coordenação, direcção, controlo e comando

operacional, sendo coadjuvado por um Secretário-Geral-Adjunto.

No âmbito das competências de coordenação69

, o Secretário-Geral do Sistema de

Segurança Interna possui competência para desenvolver medidas, planos ou operações

entre as diversas forças e serviços de segurança. Sempre que se torne necessário procede

à articulação entre estas e outros serviços ou entidades públicas ou privadas, ou mesmo,

à cooperação com os organismos congéneres internacionais ou estrangeiros, de acordo

com o Plano de coordenação, controlo e comando operacional das forças e dos serviços

64 Participam nas reuniões do Conselho que tratem de assuntos de interesse para a respectiva Região - nº 3

do art.º 12º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto. 65 Pode participar nas reuniões do Conselho a convite do presidente ou por iniciativa própria, sempre que

o entenda, sendo informado das datas de realização das reuniões, bem como das respectivas ordens de

trabalhos. - nº 4 e 5 do art.º 12º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto. 66 Entidades com especiais responsabilidades na prevenção e repressão da criminalidade ou na pesquisa e

produção de informações relevantes para a segurança interna, designadamente os dirigentes máximos de

outros órgãos de polícia criminal de competência específica - nº 6 do art.º 12º da Lei 53/2008 de 29 de

Agosto. 67 Pode funcionar na directa dependência do Ministro da Administração Interna, por delegação do

Primeiro–Ministro – nº 1 do art.º 14º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto. 68 Art.º 15º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto. 69 Autoridade para coordenar missões ou tarefas específicas de forças ou organizações de diversas

origens, com vista a obter convergência de esforços. Confere autoridade para solicitar pareceres e

conseguir consensos, mas não para determinar decisões – Resolução do Conselho de Ministros n.º

45/2007 de 19 de Março.

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de segurança. O Secretário–Geral, através dos respectivos dirigentes máximos, deve

articular as forças e dos serviços de segurança para: coordenar a acção destas forças e

serviços, garantindo o cumprimento do PCCCOFSS; coordenar acções conjuntas de

formação, aperfeiçoamento e treino; reforçar a colaboração entre todas as forças e os

serviços de segurança no âmbito das informações; desenvolver internamente os planos

de acção e as estratégias do espaço europeu de liberdade, segurança e justiça que

impliquem articulação das forças e serviços; garantir a articulação das forças e serviços

com o sistema prisional; acautelar a articulação entre as forças e os serviços de

segurança e o Sistema Integrado de Operações de Protecção e Socorro; estabelecer com

o Secretário-Geral do Sistema de Informações da República Portuguesa mecanismos de

cooperação institucional para partilha de informações70

; garantir a coordenação entre as

Forças e os Serviços e os Serviços de Emergência Médica, segurança rodoviária e

transporte e segurança ambiental71

; acautelar a articulação entre o Sistema de Segurança

Interna e o planeamento civil de emergência; articular as instituições nacionais com as

de âmbito local72

; estabelecer ligação com estruturas privadas, incluindo as empresas de

segurança privada.

Na esfera das suas competências de direcção73

, o SG-SSI possui poderes de

organização e gestão administrativa, logística e operacional dos serviços, sistemas,

meios tecnológicos e outros recursos comuns das forças e dos serviços de segurança,

competindo-lhe: facultar às forças e aos serviços de segurança o acesso e a utilização de

serviços comuns74

; garantir a interoperabilidade entre os sistemas de informação das

entidades que fazem parte do Sistema de Segurança Interna e o acesso por todas aos

sistemas e aos mecanismos de cooperação policial internacional; coordenar a introdução

de sistemas de informação georreferenciada sobre o dispositivo e os meios das forças e

dos serviços de segurança e de protecção e socorro e sobre a criminalidade; proceder ao

tratamento, consolidação, análise e divulgação integrada das estatísticas da

70 Em observância dos regimes legais do segredo de justiça e do segredo de Estado, e o cumprimento do

princípio da disponibilidade no intercâmbio de informações com as estruturas de segurança dos Estados

membros da União Europeia - al. c) do nº 3 do art.º 16º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto. 71 No âmbito da definição e execução de planos de segurança e gestão de crises - al. d) do nº 3 do art.º 16º

da Lei 53/2008 de 29 de Agosto. 72 Neste âmbito são incluídas as polícias municipais e os conselhos municipais de segurança - al. f) do nº

3 do art.º 16º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto. 73 Autoridade genérica e global no âmbito do estatuto da força ou organização, envolvendo aspectos

operacionais e administrativo-logísticos - Resolução do Conselho de Ministros n.º 45/2007 de 19 de

Março. 74 Designadamente o Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal e da Central de

Emergências 112.

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criminalidade, participar na realização de inquéritos de vitimação e insegurança e

elaborar o RASI; ser o ponto nacional de contacto permanente para situações de alerta e

resposta rápidas às ameaças à segurança interna, no âmbito da União Europeia.

No que se refere às competências de controlo75

, o SG-SSI tem poderes de

articulação das forças e dos serviços de segurança no desempenho de missões ou tarefas

específicas, que impliquem uma actuação conjunta, de acordo com o PCCCOFSS. No

âmbito das competências de controlo compete ao Secretário-Geral, através dos

respectivos dirigentes máximos, a articulação das forças e dos serviços de segurança

necessários para dar resposta adequada às mais diversas solicitações, entre as quais: ao

policiamento de eventos de dimensão ampla ou internacional ou de outras operações

planeadas de elevado risco ou ameaça76

; à gestão de incidentes táctico-policiais

graves77

.

O exercício das competências de Comando Operacional78

praticadas pelo SG-

SSI ocorre em situações extraordinárias, determinadas pelo Primeiro-Ministro após

comunicação fundamentada ao Presidente da República, de ataques terroristas ou de

acidentes graves ou catástrofes. Nestas circunstâncias, em que exista uma necessidade

de intervenção conjunta e combinada de diferentes forças e serviços de segurança e,

eventualmente, do Sistema Integrado de Operações de Protecção e Socorro, o

Secretário-Geral assume o comando operacional. Ainda no campo das competências de

Comando Operacional, o Secretário -Geral tem poderes de planeamento e atribuição de

missões ou tarefas que requeiram a intervenção conjugada de diferentes forças e

serviços de segurança e de controlo da respectiva execução, de acordo com o

PCCCOFSS.

75 Autoridade para dirigir forças ou organizações no desempenho de missões ou tarefas específicas,

pormenorizando a sua execução. As missões em causa são limitadas pela sua natureza, tempo e ou

espaço - Resolução do Conselho de Ministros n.º 45/2007 de 19 de Março. 76 Nestas circunstâncias torna-se necessária determinação conjunta dos Ministros da Administração

Interna e da Justiça – al. a) do n.º 2º do art.º 18º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto. 77 Cfr. Art.º 18 da Lei nº 53/2008 de 29 Agosto (LSI) - Consideram-se incidentes táctico-policiais graves,

além dos que venham a ser classificados como tal pelos Ministros da Administração Interna e da

Justiça, os que requeiram a intervenção conjunta e combinada de mais de uma força e serviço de

segurança e que envolvam: ataques a órgãos de soberania, estabelecimentos hospitalares, prisionais ou

de ensino, infra-estruturas destinadas ao abastecimento e satisfação de necessidades vitais da população,

meios e vias de comunicação ou meios de transporte colectivo de passageiros e infra-estruturas

classificadas como infra-estruturas nacionais críticas; o emprego de armas de fogo em circunstâncias em

que se ponha em perigo a vida ou a integridade física de uma pluralidade de pessoas; a utilização de

substâncias explosivas, incendiárias, nucleares, radiológicas, biológicas ou químicas; o sequestro ou

tomada de reféns. 78 Autoridade para planear e atribuir missões ou tarefas no âmbito do estatuto da força ou organização e

controlar a execução. Competência para articular forças para uma missão - Resolução do Conselho de

Ministros n.º 45/2007 de 19 de Março.

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O Gabinete Coordenador de Segurança79

(GCS), órgão especializado de

assessoria e consulta para a coordenação técnica e operacional da actividade das forças

e dos serviços de segurança, funcionando na directa dependência do Primeiro-Ministro

ou, por sua delegação, do Ministro da Administração Interna. O GCS é dirigido pelo

SG-SSI sendo constituído por várias entidades, nomeadamente, SG-SSI e do SIRP, O

Comandante-Geral da GNR, Directores Nacionais da PSP, da PJ e do SEF, Directores

do SIED e do SIS; Autoridade Marítima Nacional (AMN); o responsável pelo Sistema

de Autoridade Aeronáutica (SAA); o responsável pelo SIOPS e o Director-Geral dos

Serviços Prisionais.

Integra ainda o GCS: um secretariado permanente composto por Oficiais de

ligação da GNR, PSP, PJ, SEF, SIED, SIS, AMN, SAA, SIOPS e dos Serviços

prisionais; o Gabinete SIRENE e uma sala de situação onde se faz o acompanhamento

das situações de grave ameaça à segurança interna. A Autoridade Nacional de

Segurança e o seu respectivo gabinete, funcionam junto ao GCS.

O GCS compete80

assistir em permanência o SG-SSI no exercício das suas

competências de coordenação, direcção, controlo e comando operacional e ainda,

estudar e propor: políticas públicas de segurança interna; esquemas de cooperação das

FSS; aperfeiçoamentos do dispositivo das FSS; condições de emprego do pessoal, das

instalações e outros meios, regras de empenhamento e procedimentos a adoptar em

situações de grave ameaça à segurança interna; formas de cooperação e coordenação

internacional; na área da prevenção da criminalidade, estratégias e planos de acção; dar

parecer sobre os projectos de diplomas relacionados com a programação das instalações

e equipamentos das FSS; proceder à recolha, análise e divulgação de elementos dos

crimes participados ou outros elementos para o RASI.

A Unidade de Coordenação Antiterrorismo81

(UCAT) tem por competência, no

âmbito do combate ao terrorismo, garantir a coordenação e a partilha de informação

entre os serviços que a integram. As entidades que constituem a UCAT são: SG-SSI e

do SIRP; O Comandante-Geral da GNR, Directores Nacionais da PSP, da PJ e do SEF,

Directores do SIED e do SIS e a AMN.

79 Art.º 21º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto. 80 Art.º 22º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto. 81 Art.º 23º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto. A UCAT reúne-se nas instalações da PJ.

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35

Finalmente, existem Gabinetes Coordenadores de Segurança82

nas Regiões

Autónomas dos Açores e da Madeira (GCSR) e nos distritos (GCSD), cabendo-lhes

exercer competências de aconselhamento nas respectivas áreas geográficas. Os GCSR

são presididos por pessoas a nomear pelo SG-SSI, mediante proposta do Presidente,

enquanto os GCSD são presididos pelos governadores civis.

2.1.2. A defesa nacional

A Defesa Nacional, na sua essência, constitui “uma estratégia integrada que o

Estado português põe em prática para garantir a unidade, soberania e independência

nacional; o bem-estar e prosperidade da Nação; a unidade do Estado e o normal

desenvolvimento das suas tarefas; a liberdade de acção política dos órgãos de

soberania e o regular funcionamento das instituições democráticas, no quadro

constitucional”83

.

O conceito de Defesa Nacional requer o empenhamento dos cidadãos, da

sociedade e dos poderes públicos, para que consiga manter e reforçar a segurança e criar

condições de prevenção e combate a quaisquer ameaças externas, que se oponham de

forma directa ou indirecta ao alcance dos objectivos nacionais, integrando

simultaneamente as componentes militar e não militar84

.

A política de defesa nacional integra os princípios, objectivos, orientações e

prioridades definidos na Constituição, na lei defesa nacional85

, no programa do Governo

e no conceito estratégico de defesa nacional86

.

A constituição da República menciona que é “obrigação do Estado assegurar a

defesa nacional”87

. A defesa nacional tem por objectivos “garantir, no respeito da

ordem constitucional, das instituições democráticas e das convenções internacionais, a

independência nacional, a integridade do território e a liberdade e a segurança das

populações contra qualquer agressão ou ameaça externas”88

.

Segundo os constitucionalistas Gomes Canotilho e Vital Moreira, a segurança

externa está relacionada com o conceito de defesa nacional, devendo ser entendida

82 Art.º 24º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto. 83 Disponível em http:/www.mdn.gov.pt/mdn/pt/dfesa/, consultado em 25 de Setembro de 2009. 84 Idem. 85 Aprovada pela Lei n.º 31-A/2009 de 7 de Julho. 86 Resolução do Conselho de Ministros n.º 6/2003 de 20 Janeiro. 87 Cfr com o nº 1 do art.º 273 º da CRP. 88 Cfr com o nº 2 do art.º 273 º da CRP.

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36

como a segurança que se encontra orientada, em exclusivo, para a “segurança do país

contra ameaças e agressões externas” (Gomes Canotilho e Vital Moreira, 1993: 958),

não se podendo confundir com segurança interna nem se esgotar no plano da defesa

militar, embora esta seja a sua componente principal.

Segundo os autores Jorge Miranda e Rui Medeiros, a defesa nacional, “é uma

incumbência no âmbito da “tarefa fundamental” do Estado de “garantir a

independência nacional e criar as condições políticas, económicas e culturais que a

promovam”89

. Referem também que a defesa nacional, à luz da Constituição, é uma

actividade exclusiva e necessária do Estado, apesar deste, no âmbito do direito de

legítima defesa colectiva90

, a poder assumir em conjunto com outros Estados. Trata-se

de uma actividade permanente e plural, embora centrada na defesa militar, sendo

dirigida pelos órgãos de soberania democraticamente legitimados, e juridicamente

vinculada pelos princípios do Direito internacional, Constituição, convenções

internacionais, Tratados de defesa celebrados por Portugal, Lei de Defesa Nacional e

das Forças Armadas (LDNFA) e diplomas complementares.

O conceito de Defesa Nacional consagrado no art.º 273º da Constituição assume

uma natureza material de Segurança, reflectindo-se na actividade global do Estado, na

prossecução do desenvolvimento e do bem-estar, não devendo ser confundida com a

Defesa militar, sendo esta uma das componentes da Segurança Nacional (Feiteira, 2006:

85).

A autora supra citada refere que do texto constitucional se pode extrair que o

conceito de Defesa Nacional tem por objecto a protecção de agressões globais contra o

próprio Estado, tais como o território, a independência, a ordem constitucional, a

segurança das populações, assumindo uma natureza colectiva em detrimento da

perspectiva individual, baseada em ameaças de natureza externa. A mesma autora refere

ainda que o quadro constitucional actual desvaloriza a utilização formal do termo

Segurança Nacional, motivando críticas por parte de alguns especialistas em

Segurança91

.

89 Cfr com a al. a) do art.º 9 º da CRP. 90 Cfr art.º 51 da Carta das Nações Unidas. 91 Para o General Loureiro dos Santos é “chegada a altura de substituir o termo Defesa Nacional por

Segurança Nacional” e atribui um novo sentido à Defesa, como sendo tudo o que se refere à actividade

militar (Loureiro dos Santos, 2000: 86).

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37

Para Manuel Guedes Valente, a segurança externa, que radica no conceito

constitucional de defesa nacional está direccionada para o combate às ameaças e as

agressões externas.

O autor refere que a garantia da segurança externa é tarefa da defesa nacional,

especialmente das Forças Armadas, que se encontram ao serviço da defesa nacional,

tendo a seu cargo a componente militar, no entanto, sendo a defesa militar a principal

componente da defesa nacional, esta não se esgota naquela (Guedes Valente, 2005: 80).

As Forças Armadas não possuem a globalidade das tarefas da defesa nacional e só em

situações particulares92

é que actuam no campo da segurança interna. Paralelamente à

defesa militar deve ser colocada a defesa civil que tem atribuições de cariz social93

nas

quais as Forças Armadas podem e devem colaborar.

O nosso quadro constitucional realça a distinção entre Segurança Interna e

Defesa Nacional. Esta perspectiva bipartida baseada na origem interna ou externa da

ameaça94

, parece não estar a corresponder às características das ameaças actuais,

encontrando-se cada vez mais esbatida a fronteira entre os dois termos.

A Segurança Nacional “…assume uma natureza multidisciplinar, de carácter

indivisível, englobando três vértices fundamentais: segurança externa, segurança

interna e defesa civil”95

.

Se consideramos a Segurança Nacional como um objectivo essencial da

realização do Estado, a Defesa Nacional traduzir-se-á numa actividade global

desenvolvida com o propósito de atingir a concretização desse fim (Feiteira, 2006: 87).

92

As Forças Armadas, em termos de empenhamento operacional na esfera da segurança interna, estão

limitadas constitucionalmente, salvo em situações extraordinárias e excepcionais, como seja o estado de

sítio e o estado de emergência. No entanto, dentro do novo quadro das ameaças, o Parecer nº 147/2001

da Procuradoria-Geral da República, estipulou a necessidade de se considerar externa a origem da

ameaça, para que o empenhamento das FA pudesse ser concretizado. Para uma abordagem mais

profunda deste tema ver Paulo Silvério, A Nova Ordem e o Empenhamento de Forças no Estado de

Excepção. O caso de Portugal, dissertação de mestrado, FDUNL, 2008. 93 Cfr nº 6 do art.º 275º da CRP onde se podem englobar as missões de protecção civil, satisfação das

necessidades básicas (fornecimento de água, mantimentos, roupas, rede de saneamento, pontes, hospital

de campanha, etc). 94 Entende-se por ameaça qualquer acontecimento, acção em curso ou previsível que contraria a

consecução de um objectivo e que, normalmente, pode causar danos morais ou materiais (Cabral

Couto, 1987, 329). 95 Em sentido restrito, Defesa Civil compreende todos os sectores interessados em conferir a uma Nação a

capacidade de suportar os efeitos dos ataques sobre objectivos civis e providenciar os abastecimentos

indispensáveis para a produção e para a sustentação do esforço militar. Num sentido mais amplo, a

ideia de Defesa Civil alcança um finalismo dual e abrange a da protecção civil, sendo integrada por

todos os recursos humanos e materiais, não preponderantemente militares que são colocados ao serviço

da Defesa Nacional e que se destinam, igualmente, a obviar aos efeitos de catástrofes e outras situações

de natureza análoga (Morais, 2000: 70).

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Na doutrina estabelecida pelo Instituto de Defesa Nacional (IDN), o conceito

material de Segurança Nacional refere que ―é a condição da Nação que se traduz pela

permanente garantia da sua sobrevivência em Paz e Liberdade, assegurando a

soberania, independência e unidade, a integridade do território, a salvaguarda

colectiva das pessoas e bens e dos valores espirituais, o desenvolvimento normal das

funções do Estado, a liberdade de acção política dos órgãos de soberania e o pleno

funcionamento das instituições democráticas” (Loureiro dos Santos, 2000: 81).

Por Defesa Nacional o IDN adoptou o seguinte conceito “é o conjunto de

medidas, tanto de carácter militar como político, económico, social e cultural, que,

adequadamente coordenadas e integradas, e desenvolvidas global e sectorialmente,

permitem reforçar a potencialidade da Nação e minimizar as suas vulnerabilidades,

com vista a torná-la apta a enfrentar todos os tipos de ameaça que, directa ou

indirectamente, possam pôr em causa a Segurança Nacional” (Loureiro dos Santos,

2000: 81).

A LDNFA descreve que “a defesa nacional tem por objectivos garantir a

soberania do Estado, a independência nacional e a integridade territorial de Portugal,

bem como assegurar a liberdade e a segurança das populações e a protecção dos

valores fundamentais da ordem constitucional contra qualquer agressão ou ameaça

externas”96

. Refere também que “a defesa nacional assegura ainda o cumprimento dos

compromissos internacionais do Estado no domínio militar, de acordo com o interesse

nacional”97

.

É também referido no mesmo diploma que a política de defesa nacional integra

os princípios, objectivos, orientações e prioridades definidos na CRP, na LDNFA, no

programa do Governo e no conceito estratégico de defesa nacional98

. Compreende, para

além da sua componente militar, as políticas sectoriais do Estado cujo contributo se

torna indispensável para a concretização do interesse estratégico de Portugal e para a

execução dos objectivos da defesa nacional99

.

Possui ainda os seus objectivos permanentes, propondo-se assegurar de forma

permanece e com carácter nacional os seguintes desígnios100

:

96 Cfr com o nº 1 do art.º 1º da Lei nº 31-A/2009 de 7 de Julho. 97 Cfr com o nº 2 do art.º 1º da Lei nº 31-A/2009 de 7 de Julho. 98 Cfr com o nº 1 do art.º 4º da Lei nº 31-A/2009 de 7 de Julho. 99 Cfr com o nº 2 do art.º 4º da Lei nº 31-A/2009 de 7 de Julho. 100 Cfr com o art.º 5º da Lei nº 31-A/2009 de 7 de Julho.

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a) A soberania do Estado, a independência nacional, a integridade do território e

os valores fundamentais da ordem constitucional;

b) A liberdade e a segurança das populações, bem como os seus bens e a

protecção do património nacional;

c) A liberdade de acção dos órgãos de soberania, o regular funcionamento das

instituições democráticas e a possibilidade de realização das funções e tarefas essenciais

do Estado;

d) Assegurar a manutenção ou o restabelecimento da paz em condições que

correspondam aos interesses nacionais;

e) Contribuir para o desenvolvimento das capacidades morais e materiais da

comunidade nacional, de modo a que possa prevenir ou reagir pelos meios adequados a

qualquer agressão ou ameaça externas.

Ao nível político, no âmbito da Defesa Nacional, as Grandes Opções do Plano101

(GOP) 2005-2009, estabeleceram como principais linhas de acção governativa:

i) reforçar a capacidade das Forças Armadas no quadro das missões de apoio à

política externa;

ii) garantir os recursos necessários à profissionalização das Forças Armadas, à

modernização dos equipamentos e à requalificação das infra-estruturas;

iii) reformar o modelo de organização da Defesa e das Forças Armadas, através

da adopção de uma concepção mais alargada de Segurança e Defesa e da criação de

uma efectiva capacidade de actuação conjunta e combinada das Forças Armadas;

iv) garantir uma adequada sustentação orçamental através do aprofundamento e

adopção de medidas de reestruturação e racionalização.

Considerando as orientações referidas anteriormente, foram já concluídas ou

estão em curso, diversas medidas e iniciativas que efectivarão os objectivos referidos.

Tendo por objectivo dar forma à política externa portuguesa e honrar os

compromissos assumidos no quadro dos sistemas de Segurança e Defesa, manteve-se o

empenhamento de forças militares nacionais nos teatros de operações da República

Democrática do Congo e Líbano e efectivou-se a projecção para o Chade/República

Centro Africana, simultaneamente foi mantido o empenhamento nos Balcãs, no

101 http://www.mai.gov.pt/ - Grandes Opções do Plano 2005-2009, consultado em 8 de Setembro de 2009.

.

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Afeganistão e em diversas missões importantes, embora de dimensão mais reduzida, tal

como em Timor ou no Iraque.

Foi feito o lançamento do Programa de Apoio às Missões de Paz em África

(PAMPA) para redefinição e redimensionamento da Cooperação Técnico-Militar,

privilegiando a associação entre Segurança e Desenvolvimento, e foram assinados os

Programas-Quadro da Cooperação Técnico-Militar com os PALOP e Timor-Leste.

Foram estabelecidas as orientações para a reestruturação da estrutura superior da

Defesa Nacional e das Forças Armadas102

, contribuindo para a reforma de todo o

“edifício” normativo da Defesa Nacional103

.

Concretizou-se a reforma do ensino superior público militar, com a criação do

Instituto de Estudos Superiores Militares (IESM) e a correcta adaptação ao Processo de

Bolonha. A Escola Naval, a Academia Militar e a Academia da Força Aérea, forma alvo

de uma nova “arquitectura”, contribuindo para isso a consequente extinção dos

Institutos Superiores e das Escolas Politécnicas Militares existentes nos três ramos das

Forças Armadas.

A Lei de Programação Militar tem vindo a ser executada em bom ritmo, tendo

por objectivo a edificação de umas Forças Armadas modernas, eficientes e dotadas dos

meios tecnológicos mais avançados.

Para 2009, destacam-se a implementação da estrutura superior da Defesa

Nacional e das Forças Armadas, como corolário da actualização do modelo organizativo

da Defesa Nacional, da modernização das Forças Armadas e da melhoria da capacidade

de resposta militar; a concretização da reforma dos Estabelecimentos Fabris das Forças

Armadas104

; a concretização da revisão da Lei de Programação Militar; a revisão dos

diplomas legais necessários à concretização da efectiva racionalização dos Efectivos

Militares; à prossecução do PAMPA, operacionalizando o Protocolo de Cooperação no

Domínio da Defesa, criando Centros de Excelência de Formação de Formadores, na

vertente das Operações de Paz e das Operações de Apoio à Paz, e revitalizando o Centro

de Análise Estratégica da CPLP, constituindo-o como um instrumento de estudo e

análise de questões no domínio da Segurança e Defesa.

102 Cfr Resolução do Conselho de Ministros n.º 39/2008, de 28 de Fevereiro. 103 Foram reformulados vários diplomas entre os quais, Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas,

Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas, Lei Orgânica do MDN, Leis Orgânicas

do Estado-Maior-General e dos ramos das Forças Armadas e Leis Orgânicas dos órgãos e serviços

integrados no MDN. 104 Estabelecimentos fabris do Arsenal, do Alfeite, Oficinas Gerais de Fardamento e Equipamento e

Manutenção Militar.

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Enquadrando na Constituição da República, na Lei da Defesa Nacional e das

Forças Armadas e nos objectivos permanentes da Política Defesa Nacional (PDN), o

actual Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN) descreve os objectivos actuais

da PDN, assim como os “espaços” onde esses objectivos e interesses devem ser

considerados. Tendo em conta o sistema internacional actual e os emergentes desafios, a

Estratégia Geral Militar e o novo Conceito Estratégico Militar, harmonizam as missões

das Forças Armadas para que a sua acção corresponda ao quadro actual.

Do CEDN105

actual, retiram-se os objectivos actuais da PDN, que a seguir se

indicam:

Reforçar a articulação entre as diversas componentes da PDN;

Reforçar a vontade colectiva de segurança e defesa e aumentar as

capacidades do país no domínio da defesa;

Cooperar na edificação e consolidação da PESD no seio da UE;

Colaborar para que a NATO continue a ser a referência da defesa colectiva,

essencial à preservação dos laços transatlânticos;

Contribuir para a prevenção de crises e conflitos externos, ampliando a

presença nacional em todas as organizações que visam o diálogo, a

cooperação e a paz num quadro colectivo de segurança e defesa;

Garantir, em termos regionais, uma capacidade de actuação estratégica que

evite vazios de qualquer natureza, reforçando os mecanismos de segurança e

defesa e as capacidades económicas, fomentando a estabilidade, o

desenvolvimento sustentado, a coesão e a identidade nacional;

Aprofundar e consolidar o actual relacionamento com o mundo lusófono,

com uma participação activa no âmbito da CPLP;

Alargar o relacionamento com os países do Mediterrâneo, que possuam

maior importância para a defesa dos interesses nacionais;

Estabelecer áreas de interesse de aquisição da informação estratégica, que

permita perspectivar mudanças na conjuntura estratégica internacional,

aumentando o potencial estratégico nacional;

Prosseguir com a reforma estrutural das Forças Armadas, sendo prioritária a

implementação do novo conceito de serviço militar profissionalizado.

105 Cfr com a Resolução de Conselho de Ministros nº 6/2003 de 20 de Janeiro.

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Assim sendo, caminha-se para um conceito alargado de segurança que

continuando a visar os objectivos tradicionais dos Estados de defesa do território e da

soberania, tende a conferir uma maior atenção nas medidas preventivas atendendo ao

novo quadro da insegurança internacional e das crises que dele decorrem, evitando o seu

desenvolvimento para formas agravadas de conflitualidade106

.

2.2. Um novo conceito de segurança interna?

As realidades situacionais actuais são, efectivamente, muito diferentes das

circunstâncias históricas em que foi produzida a lei de segurança interna de 1987, pois

quer ao nível dos conceitos, quer ao nível da actividade inerente à função do Estado

existiram alterações significativas em matéria de segurança interna, constatando-se

alterações legislativas e doutrinárias que se reflectiram directamente nos domínios

relacionados com a segurança.

A primeira fase caracteriza-se por uma reconstrução jurídica das Instituições de

segurança do Estado, quando foram publicados vários diplomas de enquadramento,

explicitando conceitos, princípios e limites constitucionais clarificados com a revisão de

1982, nomeadamente, a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, Lei-quadro do

Sistema de Informações da República Portuguesa, Lei sobre o Regime Jurídico do

Estado de Sítio e do Estado de Emergência e a Lei de Segurança Interna.

Neste contexto, todos os diplomas referidos anteriormente estavam adequados

aos cenários da época e reflectiam coerência: o conceito de defesa nacional/segurança

externa, apesar de restritivo, estava adequado às agressões ou ameaças externas107

; um

conceito de segurança interna gerado com base nas ameaças e perigos no interior do

País; e um conceito de estado de excepção baseado em agressões efectivas ou eminentes

por forças estrangeiras, grave perturbação da ordem constitucional ou grave calamidade

pública.

Em 1987, surgiu a segunda fase, caracterizando-se pela integração nas

Comunidades Europeias. Com este compromisso, Portugal teve que saber ultrapassar

esta contradição, uma vez que, por um lado existia o carácter nacional e

intergovernamental das políticas de segurança interna e externa, e por outro lado o

objectivo da livre circulação de pessoas e mercadorias dentro da comunidade. As

106 Cfr com a Resolução de Conselho de Ministros nº 6/2003 de 20 de Janeiro, p. 280. 107 O sistema operacional admitido era praticamente exclusivo das Forças Armadas.

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soluções de âmbito nacional não se encontravam adequadas às novas exigências

comunitárias, marcada pela supressão das fronteiras e livre circulação de cidadãos. A

prevenção e repressão da criminalidade transnacional108

não se adaptavam ao quadro

legislativo em vigor, obrigando a uma reestruturação adaptada à nova realidade.

A terceira fase, em 1994, surge com o Tratado de Amesterdão e a globalização

da economia e abertura de mercados, que com o desenvolvimento dos meios de

transporte e das comunicações abriu caminho a novos tipos de criminalidade, desta vez

transnacional e altamente organizada.

Neste novo século, tendo por referência os dois graves acontecimentos, o 11 de

Setembro e o 11 de Março, que marcaram definitivamente uma nova forma de pensar a

segurança interna e externa, verificou-se que os Estados têm que viver com esta

realidade criminal que surgiu fora do seu alcance e controlo, obrigando a uma

organização dos sistemas de segurança, a maior cooperação entre Estados, quer no seio

da União Europeia, quer ao nível da Comunidade Internacional (Dias, 2006: 33).

No que concerne à caracterização das ameaças, é cada vez mais difícil de

efectuar a separação entre defesa nacional e segurança interna. A mobilidade e a

flexibilidade que caracterizam os grupos criminosos organizados, fornecem um cariz

transnacional ou internacional a esses mesmos grupos, sendo a sua origem proveniente

do exterior dos Estados e afectando significativamente a segurança interna dos países

lesados. Presentemente, as ―questões de segurança interna dependem, e muito, do plano

internacional, isto é, do fluir das relações internacionais, da participação do Estado

português num determinado quadro institucional europeu e transatlântico e das bases

de cooperação que constitua com outros” (Guedes Valente, 2005: 13).

Tendencialmente, na esfera da segurança interna, caminha-se para a “afirmação

do princípio da cooperação e depois posterior integração do conceito de segurança

interna num quadro europeu” (Guedes Valente, 2005: 19).

Os novos desafios que se impõem à segurança interna da União Europeia

constituem, sem dúvida, verdadeiras ameaças à estabilidade do Estado de direito

democrático e aos mais elementares direitos fundamentais. “A única forma de fazer

frente a estes desafios e ameaças passa pelo reforço dos nossos laços de cooperação.

Por outro lado, o aprofundamento das relações externas da União corresponde também

a um factor indispensável de desenvolvimento da sua política de segurança. A

108 São exemplos o terrorismo, o tráfico de seres humanos, drogas, armas e explosivos.

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colaboração com os Estados terceiros – em particular com os Estados amigos e aliados

- e uma participação mais activa em organizações internacionais é, sem dúvida, do

nosso interesse, mas é também do interesse desses Estados e organizações e, atrevo-me

a dizê-lo, da comunidade das nações à escala planetária”109

.

A implementação da nova lei de segurança interna110

, tem por objectivo criar

uma resposta ao novo quadro de ameaças e aos défices de coordenação111

, num prisma

de uma visão alargada, onde se situam vários intervenientes relevantes para a segurança

interna.

A actividade de segurança interna com toda a sua interdisciplinaridade material

dos fins prosseguidos, assim como a diversidade institucional dos organismos e serviços

que para ela contribuem, revela ser um sistema pesado e complexo para que se possa

atingir a optimização do emprego dos meios e a eficácia pretendida (Dias, 2006: 19).

Perante tal cenário vislumbram-se duas opções fundamentais para que se possa adaptar

o sistema e esta nova realidade emergente: ou uma concentração/fusão de Forças e

Serviços de Segurança num só comando ou direcção para todo o território; ou a

subordinação das Forças e Serviços a princípios de actuação baseados na cooperação

recíproca e a mecanismos comuns de coordenação, conservando a especificidade

estatutária, orgânica e institucional de cada Força ou Serviço. Sem dúvida que a opção

política adoptada foi a segunda, conforme se pode constatar com as competências

atribuídas ao SG-SSI e ao GCS, dois órgãos do SSI que estão centralizados na ideia

chave de “coordenação - optimização - cooperação”.

A actividade de Segurança interna é interdisciplinar e plurissectorial, existindo

vários organismos e serviços que integram o sistema e que lhe servem de suporte. A

natureza específica mas complementar da actividade desempenhada por cada uma das

forças e serviços de segurança, assim como a crescente interdependência funcional de

todas as instituições de segurança do Estado, representam uma mais-valia para todo o

SSI, desde que se concretizem as políticas de segurança definidas e existam recursos

adequados para o efeito.

Tendo presente que a actividade de segurança interna assenta, essencialmente,

no domínio das informações, prevenção da criminalidade, manutenção ou reposição da

109 Intervenção do Ministro da Administração Interna, Dr. Rui Pereira, na sessão de abertura da

Conferência «Liberdade e Segurança», no Centro Cultural de Belém, no dia 11 de Maio de 2009. 110 Lei nº 53/2008 de 29 de Agosto. 111 Nos domínios da prevenção, ordem pública, investigação criminal, informação e cooperação

internacional.

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ordem pública e investigação criminal, importa explorar cada um dos domínios

referidos (Dias, 2002: 21).

A actividade de informações de segurança interna engloba o conjunto de acções

a desenvolver para se proceder de forma sistemática à pesquisa, centralização, análise,

exploração e processamento de dados, notícias e outros elementos, com o objectivo

produção e difusão das informações destinadas a garantir a segurança interna. Esta

atribuição está a cargo do SIS que deve exercer a sua actividade em estreito

relacionamento com as FSS, das quais deverá recebe notícias, informações e outros

elementos e aos quais deverá devolver os factos configuráveis como ilícitos criminais e

outros elementos com interesse para a prevenção ou repressão da criminalidade.

A actividade de prevenção da criminalidade reúne o conjunto de acções a

desenvolver pelas FSS com o objectivo de acautelar a ocorrência de factos que atentem

contra a vida e a integridade física das pessoas, a paz pública e a ordem democrática.

Neste domínio actuam todas as FSS que possuam funções policiais continuando a ser a

função primordial das polícias.

A actividade de manutenção ou reposição da ordem pública compreende as

acções preventivas e repressivas das Forças de Segurança armadas e uniformizadas,

com o objectivo de devolver a paz e a tranquilidade pública, indispensáveis ao normal

funcionamento de qualquer sociedade democrática.

A actividade de investigação criminal compreende um conjunto de acções que

têm por finalidade descobrir, recolher, examinar, interpretar e formalizar no inquérito as

provas de factos penalmente relevantes e as diligências destinadas a identificar e deter,

nos casos legalmente admissíveis, os responsáveis pelos ilícitos praticados, com o

objectivo de organizar o processo criminal e submetê-lo às autoridades judiciárias.

Após esta breve síntese explicativa destes quatro principais domínios, onde se

desenvolve a actividade de segurança interna, facilmente se constata que esta sendo

interdisciplinar e plurissectorial é suportada pelo SSI que é composto por diversos

organismos e serviços. Neste contexto, importa salientar a importância da

interdependência funcional, da coordenação e cooperação institucional das várias FSS.

A nova lei de segurança interna veio também trazer um novo conceito, na

tentativa de aumentar os níveis de coordenação, prevenção, investigação e aplicação de

medidas que dêem solução às novas ameaças. Este conceito, segundo Jorge Carvalho112

,

112 Foi nomeado Director do SIED em 01ABR08.

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introduz uma visão alargada, essencialmente numa perspectiva de utilidade instrumental

traduzindo-se na substituição do conceito restrito de Forças de Segurança Interna por

Comunidade de “actores” relevantes para a Segurança Interna.

Ao nível estratégico, as principais linhas de orientação política113

a incrementar

assentam no processo do desenvolvimento do Sistema de Segurança Interna, com o

intuito de reformar e actualizar a Administração Interna. As iniciativas legislativas

adoptadas que mais contribuíram para este desiderato foram:

• A reforma das Leis Orgânicas da GNR114

e da PSP115

e a publicação dos

respectivos diplomas regulamentares;

• A execução da Lei de Programação de Instalações e Equipamentos das Forças

de Segurança116

, que tem por objectivo a melhoria da capacidade de planificação e

renovação dos meios operacionais e instalações das Forças de Segurança;

• A eliminação das situações de sobreposição ou de descontinuidade dos

dispositivos territoriais117

da GNR e da PSP;

• A revisão dos diplomas estatutários das Forças de Segurança, de forma a

adequá-los à evolução das necessidades da política de segurança interna, em conjugação

com a adequada tutela dos direitos profissionais em presença;

• A reforma da legislação respeitante às Policias Municipais, aos Guardas-

nocturnos e ao exercício da actividade de segurança privada.

Tendo com o objectivo projectar a segurança localmente, aumentando o

sentimento de confiança das pessoas, incluindo nesse processo os próprios cidadãos

beneficiários do “bem” produzido, nascem os contratos locais de segurança. Estes

contratos pretendem aproximar os actores da segurança das necessidades das pessoas,

numa perspectiva de policiamento de proximidade.

Estes contratos celebram parcerias ao nível local e abrangem áreas como a

segurança pública, prevenção da criminalidade, segurança rodoviária e protecção civil

envolvendo o Gabinete Coordenador de Segurança e os Organismos Locais de

Segurança.

A segurança interna deixou de ser uma tarefa exclusiva das forças e serviços de

segurança ou dos funcionários do Estado e transformou-se numa acção que é necessária

113 Consultar http://www.mai.gov.pt/ - Grandes Opções do Plano 2005-2009, http://www.mai.gov.pt/ ,

consultado em 8 de Setembro de 2009. 114 Lei n.º 63/2007 de 6 de Novembro. 115 Lei n.º 53/2007 de 31 de Agosto. 116 Lei n.º 61/2007 de 10 de Setembro. 117 Portaria n.º 340-A/2007 de 30 de Março.

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ser desenvolvida por todos os cidadãos, ganhando uma nova dimensão com o

alargamento a catástrofes e à saúde pública.

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3. O paradigma democrático da segurança

“Antes que possamos pensar nas exigências

de segurança para hoje e para amanhã, temos

que esquecer as regras de segurança de ontem”

(Cooper, 2006: 67)

3.1. Da segurança stricto sensu à segurança humana – várias definições

No novo grande dicionário da Língua Portuguesa, podemos constatar que se

encontram diferentes definições do termo ―segurança” dependentemente do contexto.

Na página 1710 do volume II a segurança é definida como ―acção ou efeito de segurar”

ou “afastamento de todo o perigo” ou ainda, “condição do que está seguro” ou

também “confiança, tranquilidade de espírito por não haver perigo”.

Segundo António José Fernandes, o conceito de segurança possui uma

abrangência pluridimensional que engloba o carácter, a natureza e o estado de

tranquilidade resultante da ausência de qualquer perigo, ou seja “ o estado de

tranquilidade e de confiança mantido por um conjunto de condições materiais,

económicas, políticas e sociais, que garante a ausência de qualquer perigo, tanto para

a colectividade como para o cidadão individualmente considerado”(Fernandes, 2005:

30). Neste contexto, a segurança colectiva torna-se indispensável para preservar a

ordem social estabelecida, enquanto a segurança individual garante a usufruição dos

direitos de liberdade.

Segurança poderá ser ainda definida como “o estado ou condição que se

estabelece num determinado ambiente, através da utilização de medidas adequadas,

com vista à sua preservação e à conduta de actividades, no seu interior ou em seu

proveito, sem rupturas” (Alves, 1995: 16).

A análise ao conceito de segurança pode ser densa e trazer uma amálgama de

considerações que se relacionam com o conceito de segurança pública alicerçado num

conceito mais amplo de segurança interna (Guedes Valente, 2005: 71). No que respeita

ao conceito de segurança interna podem ser referidas várias concepções,

nomeadamente:

Segurança física – é promovida e percepcionada através do uso de meios ou de

recursos humanos e materiais que criam um sentimento de que aqueles são inquebráveis

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e de que se apresentam consentâneos e densificados para proteger e garantir o normal e

regular funcionamento da comunidade.

Segurança cognitiva – Também designada muitas das vezes por psicológica ou

psíquica, que não sendo real, torna-se angariadora ou edificadora de um quadro

cognitivo-sensitivo de vivência de segurança por meio de uma acção política. Numa

segunda perspectiva, a segurança é vista no plano da insegurança originando um quadro

de medo que asfixia os quadros cognitivos e limita a visão e o controlo sobre o que se

deve enquadrar num plano de segurança.

Segurança histórica – é construída com o decurso normal da vida e quotidiano

histórico, sendo marcada por cada decisão jurídico-política ou estratégico-política

inerente a uma sociedade em constante desenvolvimento.

Segurança jurídica – Num padrão geral, é vista como um instrumento de certeza

de legitimidade e de legalidade na intervenção dos operadores do Estado. Num padrão

específico, é vista como fundamento e razão de ser de uma base de paz jurídica (Guedes

Valente, 2005: 72).

Na esfera da segurança interna podemos também fazer a distinção entre a

segurança pública e segurança privada, sendo que esta última dentro do domínio

privado e estrito, é uma segurança promovida, quer como actividade quer como

sensação, podendo ser física ou cognitiva, visando proteger o cidadão individualmente

considerado sem afectar o direito de outrem. Este tipo de segurança encaixa-se na acção

directa preventiva promovida pelo titular do direito de domínio, para sua fruição ou de

outrem. No que se refere à segurança pública, apesar da essência ser a mesma, ou seja, o

bem-estar do cidadão inserido numa comunidade organizada democraticamente,

materializa-se com a acção de uma força colectiva organizada jurídica e funcionalmente

que defende os interesses gerais e os princípios socialmente aceites, com o objectivo de

garantir a convivência pacífica de todos os cidadãos, impedindo que haja perturbações

no exercício dos direitos alheios (Guedes Valente, 2005: 74).

A partir dos anos 90 ocorre a difusão de conceitos tais como “desenvolvimento

humano”, “segurança humana”, ―ingerência humanitária” (Brandão, 2004: 34 a 36),

passando a dar-se preponderância à pessoa humana no reino tradicionalmente dominado

pelos Estados. O debate sobre o novo conceito de segurança é impulsionado pelas

questões de identidade e criminalidade transnacional.

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50

Desde então diversas organizações internacionais intergovernamentais e não-

governamentais e alguns governos têm incluído o conceito de segurança humana nos

seus discursos e actuações118

.

Este último conceito surgiu em 1994, através do Programa de Desenvolvimento

das Nações Unidas (Brandão, 2004: 50) que redefiniu o conceito de segurança e

introduziu o conceito de segurança humana. Este é definido como ―symbolized

protection from the treat of disease, hunger, unemployment, crime, social conflict,

political repression and environmental hazards‖119

. Na última década o conceito tem

vindo a ser densificado significando hoje ―individual freedom from basic insecurities.

Genocide, wide-spread or systematic torture, inhuman and degrading treatment,

disappearances, slavery, and crimes against humanity and grave violations of laws of

war as defined in the Statute of the International Criminal Court (ICC) are forms of

intolerable insecurity that breach human security. Massive violations of the right to

food, health and housing may also be considered in this category, although their legal

status is less elevated‖120

.

Kofi Annan121

, referiu-se ao conceito de segurança humana por diversas vezes,

afirmando que esta era uma questão alargada que envolvia muito mais que a ausência de

conflito, e tinha por finalidade a redução da pobreza em prevenção de conflitos,

promovendo os direitos humanos, a boa governação e o acesso à educação e à saúde.

Noutro documento, Relatório do Milénio,122

Kofi Annan afirmou que a

abordagem da segurança deveria estar centrada no indivíduo e que a defesa do território,

em relação a um ataque externo, já não devia ser o centro das atenções a nível da

118 De referir os contributos de: Organizações Internacionais (UNDP; International Network for the

Promotion of Human Security and Peace, UNESCO; UNHCR; UNIDIR); Governos (Human

Security Program e Canadian Consurtium on Human Security, Canada; Human Security Forum,

Japão; Human Security Network, que integra Estados – Canada, Japão, Noruega, entre outros – e

ONG’s); Organismos Não-Governamentais (Commission on Human Security; Human Security

Network; Rockfeller Foundation); Universidades (Institute for Human Security, Fletcher School of

Law and Diplomacy; Program on Human Security, Universidade de Harvard; Graduate School of

International Studies da Universida de Denver). 119 Programme des Nations Unies pour le Développement. 120 A Human Security Doctrine for Europe, The Barcelona Reporto of the Study Group on Europe´s

Security Capabilities , presented to EU High Representative for Common Foreign and Security Policy

Javier Solana, Barcelona, 15 September 2004, p.9. 121 Discurso feito no Workshop na Mongólia em 2000. 122 A Declaração do Milénio foi assinada em Setembro de 2000 pelos países membros, onde se acordaram

oito objectivos de desenvolvimento específico, para serem cumpridos até 2015. os objectivos

acordados foram: Reduzir para metade a pobreza extrema e a fome; Alcançar o ensino primário

universal; Promover a igualdade entre os sexos; Reduzir em dois terços a mortalidade infantil; Reduzir

em três quartos a mortalidade infantil; Combater a Sida, a malária e outras doenças graves; Garantir a

sustentabilidade ambiental; Criar uma parceria mundial para o desenvolvimento. Consultar

http//www.un.org/millennium/sg/report/full.html.

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51

segurança. Num relatório elaborado no decorrer da 55ª Sessão da Assembleia-geral, em

2000, referiu-se ao deslocamento de massivo de civis, o terrorismo internacional, os

desastres ambientais, a sida e o tráfico de drogas e armas como principais ameaças à

segurança humana. Em 2007, em Lisboa, numa conferência123

, e no que concerne ao

conceito de segurança humana, destacou a importância da sociedade civil no

desenvolvimento humano, referindo que este papel não deve ser exclusivo dos

governos.

A abordagem da segurança humana tem vindo a contribuir para uma abordagem

integradora da problemática segurança, ao afirmar, por um lado, a indivisibilidade da

segurança e, por outro, a universalidade dos direitos à vida e a solidariedade entre os

indivíduos. Esta questão encontra-se expressa no discurso de Kofi Annan em ―freedom

from want‖ e ―freedom from fear‖ e teorizada por Ken Booth, favorecendo a

implementação de políticas que incidam, primordialmente, sobre as causas estruturais

da insegurança.

Cruzando a informação sobre este novo conceito de segurança, conclui-se que o

ponto fulcral deste conceito reside na protecção do indivíduo como um todo de todo o

tipo de ameaças, ficando para segundo plano a importância das fronteiras dos Estados.

Dever-se-á promover o desenvolvimento humano, apostando-se na segurança pessoal,

na liberdade individual e no bem-estar. O busílis da segurança deixa de ser o Estado e

passa a ser a sociedade.

Os pressupostos de centralidade da pessoa humana, universalidade,

transnacionalidade e diversidade dos riscos são, efectivamente, abrangidos pela nova

abordagem da segurança.

O conceito de “segurança humana” é relativamente recente, e hoje é largamente

utilizado para descrever a protecção dos indivíduos perante uma vasta panóplia de

ameaças, riscos e desafios, que passam pela guerra civil, pelas graves perturbações de

ordem pública, subdesenvolvimento, epidemias, práticas de genocídio, fome,

deslocação massiva de populações e graves atentados contra os direitos humanos.

Embora os defensores e promotores da segurança humana apresentam divergências

entre si acerca de que ameaças os indivíduos devem ser protegidos (a concepção restrita

centra-se na violência interna exercida pelos próprios governos ou grupos politicamente

organizados sobre comunidades e indivíduos, enquanto a abordagem mais ampla

123 Como ex-Secretário-Geral participou numa conferência intitulada “Os grandes desafios da

humanidade no Século XXI”.

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considera que também se devem incluir a fome, as doenças e os desastres naturais), o

consenso em torno da noção de que o primeiro objectivo é a protecção dos indivíduos e

a dignidade humana é suficiente para produzir alterações sensíveis, já que o quadro

analítico tradicional que explica e procura evitar as guerras entre Estados ou promover a

segurança dos e entre Estados é claramente insuficiente e irrelevante para explicar e

prevenir os conflitos violentos dentro dos Estados e proteger os indivíduos de certos

atentados ou tragédias.

Este novo conceito de segurança, característico do período pós Guerra-fria,

provocou uma alteração na relação entre segurança e desenvolvimento. Exige uma

adaptação daqueles que eram os tradicionais instrumentos de resposta aos riscos e às

ameaças, nomeadamente no âmbito da Segurança e Defesa.

3.2. Liberdade versos segurança: duas áreas complementares ou antinómicas?

“Segurança e liberdade são dois direitos

fundamentais e interdependentes, dos quais

depende uma verdadeira cidadania nacional e

europeia”124

Nos Estados democráticos a segurança é um direito fundamental dos cidadãos,

constituindo-se como pressuposto da própria liberdade e correspondendo a uma

prestação essencial a que o Estado fica obrigado pelo contrato social. Não pode falar-se

em direitos, liberdades e garantias, no exercício da cidadania plena ou em

desenvolvimento económico-social, esquecendo que o futuro não é viável sem a

segurança de cada um dos membros da comunidade.125

O binómio segurança/liberdade readquiriu nova dimensão após os

acontecimentos de 11 de Setembro de 2001, em Nova Iorque, e 11 de Março de 2004,

em Madrid. Até então defendia-se que quanto maior fosse a segurança menor seria a

liberdade e vice-versa, no entanto este fenómeno adquiriu uma perspectiva diferente,

124 Intervenção do Ministro da Administração Interna, Dr. Rui Pereira, na sessão de abertura da

Conferência «Liberdade e Segurança», no Centro Cultural de Belém, no dia 11 de Maio de 2009. 125 Discurso de Sua Excelência Ministro da Administração Interna, Dr. Rui Pereira, em 7 de Maio de

2008, no Parlamento, aquando da discussão da Lei da Organização da investigação Criminal.

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que na prática poderá passar pela premissa de que “para termos segurança, temos de ter

liberdade.”126

A CRP procura estabelecer um equilíbrio entre segurança e liberdade. No

passado, a segurança sobrepunha-se à liberdade, mais tarde a segurança era vista como

antítese da liberdade, hodiernamente é um facto que não há liberdade sem segurança,

ideia claramente expressa na CRP, quando descreve a tríade das funções da polícia: a

defesa da legalidade, a garantia da segurança interna e a garantia dos direitos dos

cidadãos. Assim, exige-se às polícias que conciliem a segurança e a liberdade, quando

procederem a operações de balanceamento e de ponderação entre esses dois valores,

aplicando, consequentemente, a proibição do excesso ou a proporcionalidade em

aplicação imediata e necessária (Vitalino Canas, 2007: 6). Assim, em cada caso dever-

se-á fazer uma adequação entre meio e fim.

Lidar com a segurança das pessoas afigura-se uma tarefa difícil, uma vez que,

toda a acção desenvolvida interfere na liberdade dos cidadãos que por sua vez

pretendem viver em segurança e possuir máxima liberdade. Dessa maneira as tarefas da

polícia devem procurar maximizar “a protecção da ordem social e a salvaguarda das

liberdades individuais, tendo sempre como referência permanente por imperativo

constitucional, a busca do equilíbrio dos valores essenciais, tradicionalmente expressos

no binómio segurança-liberdade” (Dias, 1998: 204).

Ao consideramos a liberdade como direito inato e inalienável, estamos a

concebe-la como uma faculdade ou um atributo de qualquer ser humano. A existência

humana está marcada pela liberdade que caracteriza os actos humanos, pelo livre

arbítrio de cada um poder dispor de si próprio. O Estado enquanto comunidade

politicamente organizada, reconhece, tutela e respeita os direitos fundamentais.

A liberdade individual é um direito que nos assiste e assenta na dignidade da

pessoa humana, no direito à vida, na liberdade de movimento, na segurança, na

liberdade religiosa, etc.

Na sociedade de risco, o cidadão só se sente livre, se estiver seguro. A segurança

pode definir-se como um estado que se alcança quando tudo se encontra protegido,

consistindo assim na grande antítese dos medos justificados e injustificados. O direito à

segurança consiste ainda num direito natural do ser humano.

126 Cfr. Jornal ―Expresso‖, edição nº 1516, de 17 de Novembro de 2001, entrevista realizada pela

Jornalista Luísa Meireles ao então Ministro da administração Interna do XIV Governo.

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Os termos segurança e liberdade constituíram-se como binómio indissociável, no

momento em que o ser humano entrou na sociedade e abandonou parte dos direitos

originários em troca da segurança proporcionada pela vida em comum.

A liberdade individual e colectiva é fundamento e limite da segurança, ou seja, a

liberdade colocada à disposição do Estado para que este o defenda das agressões dos

demais concidadãos, impõe como contrapartida que a segurança nunca a possa aniquilar

nem restringir desmesuradamente.

Da leitura de várias constituições conclui-se que a liberdade, como fundamento e

razão de implementação de medidas legais e práticas policiais, não se exerce sem

segurança; no entanto, a segurança só tem valor se existir liberdade, havendo uma lei

que diminua ou restrinja somente o necessário o exercício de todos os direitos

fundamentais pessoais.

A liberdade pessoal precisa de seguridade individual, sob pena da cidadania

perder sentido. A denominada sociedade aberta exige a aplicação de estratégias de

segurança capazes de promover o sentimento de segurança, sem no entanto ofuscar a

liberdade individual, perante a criminalidade que possa existir. O homem moderno vive

então dividido entre a busca de seguridade e a necessidade de se evadir da própria

comunidade em demanda da liberdade.

A acção das Forças e Serviços de Segurança restringem em regra direitos

fundamentais dos cidadãos, pois o binómio liberdade – segurança provoca muitas vezes

a colisão entre a liberdade do indivíduo e a segurança do Estado.

Tal como se pode verificar pela leitura do artigo 27 nº1 do CRP, os direitos à

liberdade e à segurança encontram-se aí previstos e são garantidos e assegurados pelo

Estado. Da análise do artigo, entende-se que existe uma relação de antinomia e,

simultaneamente, de complementaridade ou interdependência entre os dois direitos, não

sendo aceitável, em qualquer caso, que um exista sem o outro127

.

Tal como afirma o General Silva Viegas, “estabelece-se assim, uma fronteira

ténue, frágil e subjectiva, entre a legalidade e obrigatoriedade de agir e o crime por ter

agido, que impõe em cada caso concreto uma apreciação qualitativa prévia que, por

certo, não está ao alcance de todos os nossos Polícias”. Cabe aos agentes conduzir as

127 Cfr. Síntese conclusiva da elocução efectuada pelo Dr. Rui Pereira no Seminário Liberdade,

Segurança e Justiça: Valores Fundamentais da Europa, organizado pelo Instituto de Estudos

Estratégicos e Internacionais (IEEI), que decorreu em 27 de Fevereiro de 2007.

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diligências de autoridade, nomeadamente as mais susceptíveis de ferirem os direitos

fundamentais e ao mesmo tempo garantir a inviolabilidade desses mesmos direitos.

“A operacionalização dos direitos fundamentais, em conciliação com o direito à

segurança, torna-se, assim, um exercício complexo; difícil para a máquina judicial e,

cada vez mais, arriscado para os Polícias” (Viegas, 1998:23).

O agente de autoridade, regra geral, trabalha num ambiente hostil repleto de

indefinições. Ao agente caberá prever os modos de actuação, graduados numa escala

crescente, empregando a força de forma sequenciada, isto é desde a dissuasão verbal até

ao limite máximo – uso da arma de fogo.

Inserido numa política de proactividade, o agente de autoridade, que se encontra

mais visível perante as populações, vive constantemente exposto a situações

imprevisíveis e voláteis, tendo por um lado, e em cima do acontecimento, fazer

avaliações, sem qualquer aviso prévio e de seguida executar normas ou decisões cuja

proveniência não lhe é próxima, arriscando-se muitas vezes a estar demasiadamente

longe ou perto dos impulsos que determinam esses acontecimentos.

Para diminuir o risco destas situações, os agentes de autoridade deverão fazer

um esforço constante de formação técnica e humana, tendo em conta que muitas vezes o

exercício da sua actividade pode pôr em causa a própria liberdade dos cidadãos,

verificando-se que “A questão está no equilíbrio que permita a coexistência assumida

da liberdade e da autoridade – o excesso de liberdade fere a autoridade, o excesso de

autoridade elimina a liberdade” (Viegas, 1998: 24).

O equilíbrio invocado anteriormente corresponde às opções que os poderes

instituídos vão adoptando a cada momento do desenvolvimento social. São os cidadãos

que determinam a parcela de liberdade individual que se dispõem abdicar em troca de

um maior nível de segurança. Quando uma sociedade impõe condições restritivas às

Polícias, por exemplo, ao nível dos procedimentos de identificação de pessoas na via

pública, está a assumir a primazia dos direitos dos cidadãos relativamente às questões de

segurança. É um risco assumido, pois como será fácil de entender, a lei, protegendo os

cidadãos em geral, favorece mais aqueles que se dispõem a violá-la (Viegas, 1998: 25).

O direito à segurança, tarefa primordial do Estado, não pode nem deve socorrer-

se de meios ou medidas de cariz de Estado de polícia, mas de meios que encontram o

seu fundamento e a sua causa de existência nos próprios direito pessoais enraizados na

promoção do respeito da dignidade humana. Emerge, assim, a necessidade de

implementação e consolidação de um autêntica cultura de segurança, alicerçada numa

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organização flexível e privilegiando-se uma interacção com o meio envolvente. As

políticas de segurança devem assentar na mediação de conflitos, como estratégia de

inculcação de modelos que promovam a ordem. É necessário então políticas e práticas

adequadas aos interesses e necessidades dos cidadãos conciliando-se os desafios da

modernidade com os direitos individuais fundamentais, de modo a que possamos atingir

a máxima liberdade dentro da necessária segurança, já que a liberdade absoluta é um

mito e a segurança total é uma utopia. No entanto, um correcto balanceamento entre

liberdade e segurança, garante uma prevenção e uma repressão do crime mais eficazes.

Como citou Maria Cândida Almeida quando se referiu a Nuno Severiano

Teixeira, ―a Segurança é uma questão de Estado, mas, mais do que isso, é um Bem

Público. Sem Segurança não há desenvolvimento económico. Sem Segurança não há

Democracia. Porque contrariamente a um pensamento tradicional que defendia que

mais segurança era igual a menos Liberdade é claro, hoje, que a segurança é um factor

da liberdade. A Segurança é condição de Liberdade como a Liberdade é condição da

Democracia” (Almeida, 2005: 177).

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CAPÍTULO II - A SEGURANÇA COMO UM DOS DESÍGNIOS ESSENCIAIS DOS ESTADOS MODERNOS

1. A segurança e o Estado

A garantia da segurança é “uma das obrigações do Estado tendo por objectivo a

realização das finalidades, tais como, conservação, justiça e bem-estar social”

(Fernandes, 2005: 30).

A segurança é uma actividade desenvolvida pelo Estado para garantir o normal

funcionamento das instituições democráticas, o regular exercício dos direitos e

liberdades fundamentais e o respeito pela legalidade. Assim, “tradicionalmente o

conceito de segurança está ligado a um acto ofensivo, ou um acontecimento, que afecta

significativamente os objectivos políticos do Estado, em termos que colocam em causa

a sua sobrevivência como unidade política (…) a partir da Revolução Francesa, a

imagem da segurança como objectivo do Estado, e na prática, como bem colectivo,

associou a segurança à própria segurança do Estado” (Montalvão Sarmento,

2006:162).

Uma das necessidades humanas foi sempre a segurança, e a emergência de

inúmeras estruturas políticas devem-se à necessidade constante de segurança. Por

conseguinte, os conceitos de sociedade, segurança e poder estão intimamente

relacionados. Diversos filósofos defendem que a segurança não se alcança pela auto-

protecção, mas por um poder externo ao próprio ser humano. Daqui deriva o conceito de

Estado Monopolizador do poder coercivo (Ferreira de Oliveira, 2006: 53)

O conceito de segurança nos últimos três séculos evoluiu consideravelmente,

devido ao crescimento do papel do Estado na sociedade. A segurança começou por ser

objecto de estudo da filosofia128

e da ciência política, fruto da ideia de que a

constituição política da sociedade deve responder à segurança dos homens. Posterior e

tradicionalmente a segurança passou a relacionar-se com questões de soberania e

integridade territorial do Estado. A partir da década de 60, surgiu uma nova concepção

de segurança associada aos fenómenos de transnacionalização, globalização e

fragmentação.

128 Os principais filósofos que analisaram esta questão foram Montesquieu, Maquiavel e Hobbes.

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O aparecimento da segurança enquanto direito dos cidadãos e considerado bem

público é recente e surge na fase liberal do Estado de direito e alarga-se no período do

Estado providência. O Estado passa a assumir o monopólio da violência legítima e

“impôs-se por essa via coerciva e mediadora uma diminuição da violência através da

institucionalização da administração policial e judicial”, retirando às pessoas o direito

de zelarem directamente pela sua segurança. Surgiu o modelo weberiano de Estado

moderno, que assenta na “despersonalização das funções, nas regras e nos processos,

na especialização e na profissionalização dos agentes e na existência de um sistema de

regulação hierárquica”(Quermonne, 1991: 17). O exercício da força é feito pelo poder

executivo, como instrumento da política que impõe os seus objectivos e condutas.

Surge um Estado-poder que “institui uma força colectiva organizada que é

posta ao serviço de interesses gerais e de princípios socialmente aceites” (Caetano,

1996: 145). Como consequência houve uma diminuição considerável da criminalidade

ao longo dos séculos devido à criação, por parte do Estado, de uma infinidade de regras

que deram origem a uma espécie de auto-controlo.

Hoje em dia, o Estado tem-se mostrado incapaz de sozinho impedir a degradação

da segurança, pois esta é induzida por factores novos, como sejam a

descontextualização das estruturas sociais, o fenómeno da globalização e os reflexos

emergentes da vida social características da modernidade. Os cidadãos exigem, por

outro lado, aumento da segurança, pondo mesmo em causa o monopólio do Estado.

Surge uma mutação do conceito de segurança, provocado pela interdependência dos

Estados, globalização e transnacionalismo.

Assim, o Estado constituiu-se como garante da segurança da sua população,

apoiando-se noutros actores que actuam de forma subsidiária, como seja a segurança

privada, assumindo o Estado um papel regulador entre os indivíduos e estes actores.

Há que ter em conta que certos actores estatais129

passaram a competir com o Estado

pelo monopólio do uso da força, surgindo novos problemas relacionados com a

segurança, desafiando mesmo o poder e a soberania do Estado. O Estado, nestas

circunstâncias, passa a recorrer ao uso legítimo da força, concebida como um meio ao

serviço do interesse geral com objectivo de repor a ordem e a segurança pública nas

suas relações internas e a defesa da integridade nacional nas suas relações externas. A

129 Esses actores são infra-nacionais como certos grupos étnicos e secessionistas que exigem a

Reconfiguração Territorial e Política do Estado e transnacionais como certos movimentos religiosos,

humanitários e certas organizações criminosas.

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coação, sendo uma forma de manifestação do poder, pode afectar a segurança. Estes

actores não estatais podem colocar em crise o poder e soberania do Estado, afectando a

sua capacidade de atingir os seus fins mínimos. Como consequência o Estado tornou-se,

dentro da evolução pós-moderna, numa entidade cada vez menos autónoma não

podendo decidir de forma isolada os meios com que pode atingir a segurança. Esta crise

nos elementos essenciais do Estado afecta a ideia de fronteira de segurança que já não

coincide com fronteira geopolítica, produzindo uma redução do alcance prático da ideia

de segurança interna enquanto realidade circunscrita ao interior das fronteiras

geopolíticas, pois a própria interiorização pode constituir factor de erro na concepção

das políticas públicas de segurança (Ferreira de Oliveira, 2006:144).

Qualquer Estado é cada vez menos capaz de sozinho manter a sua segurança,

tendo de recorrer a um complexo conjunto de acordos e convenções internacionais,

surgindo uma certa dependência interorganizacional e crescente organização entre as

diversas organizações.

Devido às fontes diversificadas de insegurança, “o Estado terá de adoptar o quadro

normativo, as formas de organização e os instrumentos necessários à criação de um

verdadeiro continuum de segurança”(Ferreira de Oliveira, 2006:147).

No entanto, o Estado ainda continua a ser o único actor capaz de garantir a

segurança da sociedade e dos indivíduos, que encontra eco nos esforços desenvolvidos

por várias organizações internacionais com objectivo de fazer uma reforma do sector de

segurança.

O Estado instituiu-se como organização prestacionista e impôs a ideia de que a

segurança é um valor essencial à vivência organizada e democrática e que merece ser

consagrada em instrumentos internos e internacionais legais como sejam a DUDH,

CEDH, CUEDF.

O Estado gere o sistema de segurança que é composto por organismos e serviços

que se poderão caracterizar pela diversidade institucional, especialização funcional e

enquadramento orgânico próprio no aparelho do Estado. Assim, cada uma das forças e

serviços de segurança desempenha uma actividade de natureza complementar e uma

interdependência funcional com as restantes instituições de segurança do Estado.

Assiste-se hoje a uma reconceptualização da segurança que obriga a reconhecer

elementos estranhos como elementos presentes nas actuais sociedades, que simbolizam

um vasto número de ameaças que não são percepcionadas através de um conceito de

segurança centrado no Estado. Os conceitos de Estado e Nação, segundo escolas

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europeias, como é o caso do Instituto de Investigação para a Paz de Copenhaga,

apresentam-se desadequados à construção identitária do poder no mundo pós-bipolar.

Tem-se, efectivamente, verificado a movimentação do objecto de estudo da

segurança do Estado para a sociedade, relacionando-se, hodiernamente, com ameaças

em termos identitários (Montalvão Sarmento, 2006:166).

No entanto, a segurança debate-se com novos desafios, implicando alterações a

nível da compreensão do Estado, pois embora este se mantenha como referência em

termos de sistema político, continuando a ser referência da identidade colectiva, tem

perdido terreno no que diz respeito à manutenção da sua legitimidade tradicional, vendo

a sua autoridade posta em questão por um conjunto de identidades que resultaram da

implosão da “identidade nacional”. Assim, “ dada a manifesta incapacidade do

Estado-Nação para suprir as expectativas de segurança que lhe serviam de base de

legitimação, surgem identidades diferenciadoras. Este motivo obriga o Estado, a ser

plural, e a uma des-securitização para tornar possível a pluralidade identitária no seio

de um dado território sob um mesmo quadro normativo estabelecido. O que constitui

um complexo desafio e paradoxo de segurança” (Montalvão Sarmento, 2006:168).

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2. Um modelo da segurança para o Estado no séc. XXI?

O complexo debate em torno da segurança não é novo, mas o impacto da

globalização tornaram imperioso a reconceptualização deste conceito.

Existem inúmeras propostas que vão “desde a extensão dos sectores da

segurança à análise da construção dos conceitos, passando pelo alargamento dos

actores da segurança. A nível da prática política tem-se afirmado a tendência para o

alargamento do conceito e para nele incluir questões como a degradação ambiental, o

crime internacional organizado, a propagação transnacional de doenças, o

subdesenvolvimento e os movimentos migratórios internacionais em grande escala”

(Brandão, 2004: 37). Assim, surge o alargamento do conceito para lá da dimensão

político-militar, sendo que “a dimensão não militar da segurança diz respeito aos

aspectos que não envolvam o uso ou ameaça da força física nas relações entre os

Estados” (Brandão, 2004: 44).

Surge então a necessidade de uma segurança partilhada alcançada através da

cooperação de todos, implicando por um lado meios internacionais e por outro meios

pacíficos tendo por objectivo “uma ordem internacional mais segura, sem armas

nucleares, com baixos níveis de armas convencionais e com deslocação dos recursos

para áreas que melhorem a qualidade de vida” (Brandão, 2004: 43).

As reflexões realizadas em torno da nova questão da segurança partilham das

seguintes características “sinergia, dimensão global, incapacidade de controlo por

parte do Estado, dada a escala muito pequena ou muito grande dos problemas,

impotência das estruturas de poder; diluição das distinções entre público e privado;

(sujeitos a) mudanças imprevisíveis; (causadores de) mudanças turbulentas. Os

problemas globais actuais exigem a segurança global da humanidade com vista à sua

sobrevivência positiva, a qual depende de um desenvolvimento sustentado” (Brandão,

2004: 45).

O novo conceito de segurança está centrado na denominada segurança societal

que diz respeito “ à capacidade de a colectividade manter o seu carácter essencial - os

seus modelos tradicionais de linguagem, cultura, associação, costume, identidade

religiosa e nacional - em contexto de mudança e ante ameaças possíveis ou actuais”

(Brandão, 2004: 46).

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Houve, indiscutivelmente, uma reconfiguração do quadro internacional, pois

aumentaram as ameaças e desterritorializou-se a segurança, sendo necessária a

intervenção de inúmeros actores para prevenir conflitos ou gerir as crises.

2.1. O quadro internacional

Ao invés das ameaças tradicionais que eram provocadas por adversários bem

localizados e politicamente identificados, as novas ameaças têm origem em adversários

variados, de difícil identificação e localização dotadas de carácter assimétrico,

transnacional e imprevisível. Prever uma actual ameaça pode afigurar-se uma tarefa

inatingível quanto à sua forma, local, espaço temporal, intensidade e ritmo de evolução.

Segundo Adriano Moreira, o que se manteve foi a imprevisibilidade das ameaças

à paz, num contexto de globalização que diluiu as fronteiras que aumentou a tabela das

ameaças, desterritorializando a segurança e que não garante a nenhum actor político de

decisão a comodidade de poder ser neutro (Adriano Moreira (coord.), 2004: 34).

Neste contexto, as tradicionais ameaças não desapareceram, muitas delas

transformaram-se concorrendo com as novas ameaças, ganhando especial destaque no

plano interno, consequência do crescente aumento populacional das urbes, aumento dos

espaços de anonimato transformações sociais e culturais e económicas associadas à

criminalidade e insegurança130

.

A segurança cooperativa tem sido a forma encontrada pelos vários actores

internacionais, para optimizar a resposta às novas ameaças, com reflexos na criação e

desenvolvimento das OI.

A Organização da Nações Unidas (ONU), num quadro de segurança

internacional tem assumido um papel cada vez mais interventivo, estando presente em

vários pontos do globo com várias acções no domínio das operações humanitárias e de

paz.

A Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) tem dado

prioridade à defesa dos direitos humanos, à resolução pacífica e prevenção de conflitos,

130 Apresentação proferida por Nelson Lourenço no Seminário Internacional de Segurança Interna e

Controlo Externo das Forças e Serviços de Segurança: Reflexões e Experiências da Lusofonia que

decorreu em Sintra nos dias 12 e 13 de Dezembro de 2006.

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63

à gestão política de crises e participação em actividades de manutenção de paz, dando

primazia à sua capacidade política no domínio da diplomacia preventiva.

A Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) tem-se adaptado à nova

realidade internacional. Com o seu novo conceito estratégico131

, a Aliança assume as

tradicionais tarefas de defesa colectiva dos membros que a compõem, as operações do

artigo 5º do Tratado do Atlântico Norte e posiciona-se para as novas funções de

prevenção e gestão de crises. A NATO tem como uma das principais preocupações a

melhoria das capacidades operacionais que lhe permitam cumprir, com eficácia, as

missões que lhe estão atribuídas.

Ao nível da UE têm sido feitos avanços significativos na componente da

segurança e defesa, resultantes das sensíveis modificações da cena internacional. A UE

procura articular com a NATO mecanismos que evitem duplicações desnecessárias, mas

sim ganhos de eficácia.

O Estado, actor central na questão da segurança, vê-se confrontado com um

conjunto de actores não estatais que disputam o monopólio da segurança, obrigando a

uma redefinição do seu papel, existindo a necessidade e a urgência de reequilibrar a

moldura de articulação entre os soberanismos e o internacionalismo.

Analisando a questão da segurança no que diz respeito à relação interno –

externo, público – privado e Estado – cidadão, verifica-se a necessidade de haver uma

resposta multidimensional que associe diversos actores e diversas áreas que integram a

actividade do Estado132

.

No novo modelo de segurança existem conceitos basilares que advieram dos

novos desafios impostos pelas transformações que emergiram do novo contexto global.

Assim, tornou-se cada vez mais indefinida a fronteira interno – externo, os Estados

passaram a pautar a sua actuação por um quadro internacional complexo, caracterizado

pela interdependência, a transnacionalização e a desterritorialização das relações

internacionais133

.

Por outro lado, há um alargamento do número de ameaças que passam a

englobar novos domínios como o económico, o societal, o político e o ambiental,

passando a fazer parte do âmbito da segurança riscos provenientes de potenciais

pandemias, do consumo de determinados bens alimentares, da circulação rodoviária,

131 Redefinido na Cimeira de Washington em Abril de 1999. 132 Idem. 133 Idem.

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com consequências para a saúde e o bem-estar dos cidadãos, havendo necessidade das

organizações internacionais reforçarem a “segurança colectiva”, criando sistemas de

informação e redes de peritos e de “pontos de contacto”, fazendo com que a segurança

dos Estados dependa, cada vez mais, de tais redes134

.

A Segurança adopta a designação de segurança humana, assentando esta

abordagem nos princípios de centralidade da pessoa humana, universalidade e

transnacionalidade, passando a servir-se de instrumentos que se distribuem ao longo de

um continuum que varia entre, por exemplo, uma situação de prestação de socorro a

vítimas numa situação de catástrofe natural e numa situação de uso de armas de fogo.

Assim os instrumentos de segurança passam a distribuir-se entre o Soft power e o hard

power. Como consequência, a separação tradicional entre a segurança (security) e a

protecção e socorro (safety) transforma-se e torna-se ela própria num continuum135

.

2.2. As novas tendências europeias

Para Javier Solana, perante os novos desafios do século XXI, a UE tem dois

objectivos que pretende alcançar – a prevenção de conflitos e a gestão da crise (Castells

e Serra (coord.), 2007: 27). Para que se possa contribuir para o futuro da segurança,

prevenindo os conflitos, o primeiro aspecto a considerarmos deverá ser o combate à

pobreza, onde os países desenvolvidos e prósperos, através do princípio da

inclusividade, apoiam os mais necessitados nas mais variadas áreas, contribuindo para

que a Europa seja o maior doador de auxílio ao desenvolvimento do mundo. O segundo

aspecto a ter em conta é a problemática dos Estados falhados, especialmente aqueles

onde as diferenças étnicas e religiosas possam ser exploradas e exacerbadas, implicando

uma resposta proporcional da UE que faça frente a tais problemas. Outra das áreas em

que se faz uma aposta séria é no respeito pelos direitos humanos fundamentais, na

responsabilidade dos Governos assumir os actos que praticam e no respeito pela lei. A

UE representa um excelente exemplo no sucesso de uma estratégia regional de

prevenção de conflitos, fundindo-se nos princípios da democracia, no respeito pelos

direitos humanos e no império da lei, representando um modelo que pode servir de base

a outras organizações regionais.

134 Cfr com o Estudo para a reforma do modelo de organização do sistema de segurança interna p. 8. 135 Idem.

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A contínua preparação da UE para a adopção de uma Política de Segurança e

Defesa Comum, obriga a uma análise constante das prioridades e dos objectivos, no

entanto, actualmente existe a consciência de que quando a prevenção e a diplomacia

falham, existe a possibilidade do recurso às capacidades militares136

. Os meios militares

operacionais poderão ser utilizados em manutenção da paz137

, com ou sem a

participação da NATO (Castells e Serra (coord.), 2007: 30).

A prevenção de conflitos está cada vez mais dependente da obtenção de boa

informação, para isso, a UE dispõe de uma unidade política e de um sistema de alerta

rápido que vigia o desenvolvimento das situações de crise no mundo em tempo real,

avaliando possíveis respostas para cada situação.

Após os vários desenvolvimentos que se seguiram, só em 2001, com o tratado de

Nice, é que foram acordadas a organização e o desenvolvimento dos instrumentos

militares da política europeia de segurança e defesa. Segundo o General Perruche138

,

esta foi a data que fixou alguns limites, nomeadamente no domínio das competências e

das capacidades, onde só era permitido a gestão de crises fora do território dos Estados-

membros.

Apesar das atribuições referidas anteriormente, e ao contrário da NATO, a UE

decidiu, no domínio militar, não se dotar de meios próprios. Como organização

intergovernamental, utiliza os meios de segurança e defesa como complemento às suas

outras capacidades.

A UE apesar de possuir restrições em recursos humanos e materiais para gerir as

crises, possui uma especificidade que se traduz numa abordagem global, como refere o

General Perruche “não existem soluções puramente militares para crises que são, por

natureza, sempre políticas”. Esta forma de actuação assenta fundamentalmente num

esquema de gestão global, apoiado com uma vertente económica, política, institucional

e de segurança, garantindo a integração de civis e militares. Outra das medidas

inovadoras foi o estabelecimento de uma capacidade de informações integrada no seio

do Secretariado do Conselho, trabalhando essencialmente em informações de carácter

civil, em contrapartida com a análise de informações militares feita pelo Estado-Maior.

136 A UE dispõe de toda uma panóplia de meios para uma efectiva gestão de crises. 137 Foi feito um avanço significativo na “criação de forças militares de manutenção da paz de natureza

civil, com capacidade para restaurar a lei e a ordem e reforçar as instituições e os processos

democráticos na sequência de uma guerra: uma tarefa vital quando se quer manter uma paz cuja

obtenção é habitualmente tão difícil” (Castells e Serra (coord.), 2007: 30). 138 Tenente-General Jean-Paul Perruche, Ex-Director Geral do Estado-Maior Militar da União Europeia in

Política Europeia de Segurança e Defesa: presente e o futuro.

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Esta agregação de informações, fornecida pelos Estados-Membros, origina um quadro

de informações completo e integrado.

Em 2010 a UE tem o objectivo de criar capacidades de reacção rápida com os

conhecidos Battle Group Concept139

.

A UE ao longo destes últimos anos, tem procurado garantir uma posição visível

no âmbito da segurança em várias partes do globo, ganhando o respeito consideração

face aos resultados que apresenta. As operações e missões de natureza diversa têm sido

o modelo implementado com originado sucesso. Desde operações de natureza militar,

passando pelas de “nação quadro”, àquelas com natureza civil mas com conteúdo e

capacidades militares, às missões de monitorização, missões de policiamento, missões

de reforma do sector de segurança, entre outras, preenchem e justificam a capacidade e

flexibilidade que a UE tem demonstrado, adequando e ajustando as operações face aos

diversos problemas e necessidades. A política Europeia de Segurança e Defesa tornou-

se numa realidade concreta, contribuindo para a melhorar a segurança e a estabilidade

na cena internacional.

Para o General Jean Perruche, o futuro da segurança da UE, em todas as

iniciativas que apoia, não passa por fazer concorrência aos compromissos dos Estados-

Membros nem a outros actores envolvidos, mas sim o contrário, ou seja, contribuir para

que os projectos a concretizar se tornem mais globais, coerentes e eficazes.

O reforço da UE fortalece o parceiro da Aliança Atlântica, contribuindo para

uma ralação transatlântica mais forte e coesa, garantindo um melhor contributo para

concretização dos interesses comuns e para a segurança do globo.

As verdadeiras ameaças à estabilidade do Estado de direito democrático e aos

mais elementares direitos fundamentais são originadas pelos novos desafios140

que se

impõem à segurança interna da União Europeia. A única forma de enfrentar estes

desafios e ameaças passa pelo reforço dos nossos laços de cooperação. O

aprofundamento das relações externas da União corresponde também a um factor

indispensável de desenvolvimento da sua política de segurança. A colaboração com os

Estados terceiros – em particular com os Estados amigos e aliados - e uma participação

mais activa em organizações internacionais é manifestamente importante, mas é

139 Conceito de Agrupamentos de Reacção Rápida. Podem ser lançados num espaço de quinze dias, são

substituídos passados seis meses e podem envolver dois agrupamentos tácticos. 140 Intervenção do Ministro da Administração Interna, Dr. Rui Pereira, na sessão de abertura da

Conferência «Liberdade e Segurança», no Centro Cultural de Belém, no dia 11 de Maio de 2009.

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também do interesse desses Estados e organizações, ou mesmo, da comunidade das

nações à escala planetária.

Jorge Carvalho defende que “…mais do que o rigor conceptual na separação

das competências entre as Instituições, interessa que todos os agentes da Segurança,

em sentido lato, que possam desempenhar um papel relevante em matéria de Segurança

Nacional, o façam em obediência aos princípios da complementaridade e,

principalmente, subsidiariedade de actuação…”. Segundo o mesmo autor, a tendência

dos Estados europeus tem sido a partilha progressiva da sua soberania para com

algumas Instituições supranacionais. No entanto, nesta partilha, ao nível policial e de

justiça tem-se verificado através de uma maior integração entre os Serviços, já o mesmo

não poderá ser dito ao nível dos serviços de informações uma vez que a actividade

desenvolvida está ligada ao núcleo duro dos poderes soberanos do Estado. Não obstante,

o que anteriormente foi referido, o crescente processo de integração europeia e o

desenvolvimento dos conceitos de cidadania e território europeu, aproximam-nos de um

futuro conceito de segurança interna da Europa.

Garantir a segurança e a liberdade aos mais de 500 milhões de cidadãos

europeus, com respeito pela legalidade e pelos valores da liberdade, da segurança e da

justiça, são os objectivos complexos mas aliciantes.

A UE pelos factores referidos anteriormente é indubitavelmente um actor global,

capaz de assumir a sua cota parte de responsabilidade na Segurança Mundial,

contribuindo decididamente para uma sociedade mais próspera.

2.3. A estratégia nacional

Para Rui Pereira141

, o conjunto diversificado de ameaças que não conhecem

fronteiras nem limites territoriais, obrigam a uma resposta estratégica que passa por três

eixos fundamentais da dimensão externa da política de segurança interna: a cooperação

com a Comunidade de Países de Língua Portuguesa, a cooperação transatlântica e a

cooperação no Espaço Europeu de Liberdade, Segurança e Justiça, em que estamos

integrados.

141 Intervenção do Ministro da Administração Interna, Dr. Rui Pereira, na sessão de abertura da

Conferência «Liberdade e Segurança», no Centro Cultural de Belém, no dia 11 de Maio de 2009.

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A segurança comunitária tem tido um aprofundamento baseado num incremento

da troca de informações, com base no princípio da disponibilidade; melhoria da

prevenção efectiva e da luta contra o terrorismo, atendendo à ideia de que os Estados-

membros se devem preocupar não apenas com a sua segurança, mas igualmente com a

segurança de toda a União; e prevenção das causas que conduzem à radicalização e ao

recrutamento para fins terroristas, aumentando a capacidade de resposta e a protecção

das infra-estruturas críticas.

Segundo o Almirante Vieira Matias, o terrorismo, quer de âmbito nacional ou

transnacional, com marcas nas mais diversas partes do mundo, não distinguindo países

maioritariamente cristãos ou muçulmanos, demonstraram que a segurança nacional não

se consegue, unicamente, com o aumento do poder militar dos Estados ou concretizando

alianças. Se ao terrorismo acrescentarmos outras ameaças, como as armas de destruição

maciça, guerras civis, conflitos religiosos e tribais, crime organizado, tráfico de pessoas,

armas e droga, etc., torna-se evidente o aparecimento de um sentimento de receio de que

a Segurança já não pode ser garantida pelos Estados, pelo menos da mesma forma como

era garantida anteriormente. A manifestação de forças poderosas não Estatais

desrespeitou as fronteiras físicas dos Estados, podendo essas mesmas forças entrarem e

permanecerem dentro dos Estados. Neste contexto, e a propósito do 11 de Setembro, o

Professor Adriano Moreira refere que “os terroristas constituem um novo poder

errático em que eles fixam as fronteiras da sua actuação que podem até passar pelo

interior do Estado142

Começaram a surgir zonas de sobreposição, zonas cinzentas, entre a segurança

externa e interna, ambas vulneráveis às novas ameaças, onde o poder de intervenção do

Estado e das suas organizações fica aquém do desejado.

Perante este cenário, existem autores que consideram que a nova ordem externa,

passará por uma acção mais coordenada dos Estados, onde cooperam multilateralmente,

da mesma forma do que acontece com outras actividades, como o comércio, as finanças

as comunicações, onde a transnacionalização das decisões e da colaboração são já uma

realidade. Desta forma caminharíamos para uma transnacionalização ou mesmo uma

mundialização da segurança.

Na ordem interna, um possível modelo adoptado para fazer face aos novos

desafios, seria em manter o que for aceitável e adequado do modelo anterior,

142 Citação do Professor Adriano Moreira, no Diário de Notícias, a propósito do 11 de Setembro.

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complementando com a possibilidade do uso de todos os meios e recursos possíveis,

independentemente das tutelas a que pertençam. Seria um sistema mais flexível, com

um quadro legal reorganizado e adaptado, com possíveis diferentes processos de

actuação, baseados na cooperação e na complementaridade usando as várias sinergias

em prol da finalidade última.

Para o Almirante Vieira Matias, o futuro da segurança interna passa pela

adopção dos seguintes princípios: transversalidade da organização da segurança e

defesa; totalidade das capacidades do Estado usada em sinergia; tecnologia intensiva

actual, permitindo um funcionamento em rede aproximando o patamar político ao da

execução. Segundo o mesmo autor, existe necessidade de empenhar estruturas de um

conjunto de ministérios, ligando transversalmente as adequadas áreas funcionais do

Estado, criando um sistema que responda adequadamente aos vários níveis de ameaça.

Será também necessário o empenho da totalidade dos meios de actuação do Estado,

devendo existir para o efeito uma estrutura143

, ao nível superior, de coordenação e

controlo, que gerisse a segurança de forma integrada. Por último, a inclusão no sistema

do comando, controlo, comunicações, computadores e a “intelligence” C4I, permitiria o

funcionamento em rede e em tempo real de todos os níveis da estrutura (Matias, 2006:

50).

Tendencialmente, as Forças Armadas irão desempenhar o seu papel no âmbito

da Segurança Interna, assim como a Defesa Nacional será assegurada por outros

“actores” que não as Forças Armadas, numa tentativa de racionalização de meios,

coordenação e integração de esforços, como defende Jorge Carvalho144

. No fundo, o que

se pretende que aconteça é que as Forças Armadas actuem, em situações muito

concretas, em matéria de Segurança Interna, ao passo que de forma localizada, as Forças

e Serviços de Segurança e outras autoridades civis possam colaborar na área da Defesa

Nacional. A segurança nacional, enquanto conceito que integra os conceitos de

segurança interna e de defesa nacional, exigirá uma maior coordenação e colaboração

de todas as entidades, que de forma directa ou indirecta contribuem para o

funcionamento do sistema.

Uma das actividades com maior importância para o Estado é as informações. A

“intelligence”, se usarmos a expressão inglesa, é cada vez mais, uma actividade central

143 Refere a título de exemplo o Sistema Nacional de Gestão de Segurança, como estrutura orgânica do

Estado, bem articulada numa aproximação transversal, integrada e harmoniosamente interligada. 144 Intervenção proferida pelo Dr. Jorge Silva Carvalho, Director do SIED, em 28 Maio de 2009, na

Faculdade de Letras de Lisboa.

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do Estado que se encontra ligada ao núcleo duro dos poderes soberanos. No contexto

actual com a mutabilidade das novas ameaças, onde o funcionamento das mais variadas

Instituições do Estado não consegue responder com eficácia, torna-se indispensável uma

actividade que actue de forma antecipada e possibilite a implementação de medidas que

dêem resposta adequada a este novo quadro, constituindo-se como uma primeira linha

de defesa e de segurança.

Para Jorge Carvalho, a actividade de informações está intimamente ligada a

outras actividades, nomeadamente, a militar, a policial, a de segurança e a de

investigação criminal, no entanto, funciona de forma antecipada em relação a todas as

outras, traduzindo-se num instrumento que permite intervir num primeiro momento, ou

seja, sempre antes da utilização do poder coercivo145

.

A globalização da segurança internacional, implica o desenvolvimento de uma

estratégia ao nível das informações, exigindo simultaneamente uma estreita

coordenação entre todos os organismos nacionais competentes nos domínios da

segurança e defesa.

Motivados pelos novos desafios em termos de segurança, os Estados passaram a

descentralizar competências para os poderes locais, surgindo os denominados actores

privados que passaram a fornecer segurança, quer aos particulares, quer ao próprio

Estado.

A densificação do conteúdo da segurança faz-se, assim, segundo quatro vectores

essenciais146

:

- o primeiro vector amplia a segurança a vários domínios que se podem

enquadrar desde o uso da força à qualidade de vida;

- um segundo, que alarga os actores securitizadores, que podem ir desde o

monopólio do Estado aos recentes actores que actuam de forma subsidiária e

complementar;

- um terceiro vector, que incide e amplia os objectos da segurança contemplando

a segurança do Estado e a segurança das pessoas;

- um quarto vector, que alarga os instrumentos da segurança podendo desde do

hard-power ao soft-power.

145 Engloba as Forças de Segurança em sentido estrito, os órgãos de investigação criminal e as Forças

Armadas. 146 Cfr com o Estudo para a Reforma do Modelo de Organização do Sistema de Segurança Interna de

Nuno Severiano (Coord.). Relatório Preliminar, Instituto Português de Relações Internacionais.

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O novo conceito de segurança, enquanto bem público e direito fundamental,

obriga a uma abordagem transversal e implica uma mobilização social que resulta de

uma interacção entre múltiplos actores.

Para Nuno Severiano Teixeira, o novo quadro da segurança exige uma mudança

de paradigma que se enquadra na ideia de governance, ou seja, traduz-se numa multi-

level governance em que a segurança é produzida e fornecida em níveis horizontalmente

diferenciados, mas verticalmente articulados147

. Portugal tem sido objecto de

implementação de medidas que se enquadram neste novo conceito, nomeadamente, ao

nível da descentralização e territorialização da segurança. A criação de polícias

municipais, permitiu ao Estado abandonar o monopólio da segurança e apostar nas

contratualizações com os municípios. No quadro da cooperação internacional, Portugal

coopera activamente com vários actores europeus nas mais diversas vertentes como a

policial, informações e protecção civil, mantendo ligações permanentes com o Sistema

de Informações Schengen, Europol, Interpol, etc. A privatização da segurança também

foi considerada, tendo as empresas desta área assumido maiores responsabilidades148

. A

participação dos cidadãos na área da segurança, apesar de ser considerada de elevada

importância149

, não se tem revelado fácil a sua concretização, tornando-se difícil o

envolvimento da sociedade neste sector tão importante.

Como resposta às novas ameaças à segurança, o Estado encontra um novo

paradigma que se identifica na governance da segurança. O Estado, reconhece que não

sendo o único actor neste domínio, continua a ser o principal, devendo assumir as

funções de prestador, dinamizador e regulador da segurança150

, como defende Nuno

Severiano Teixeira.

147 Ao nível local (polícia municipal e polícia local), o nível nacional (polícia nacional) e o nível

internacional (EUROPOL e INTERPOL). Ver estudo para a Reforma do Modelo de Organização do

Sistema de Segurança Interna de Nuno Severiano (Coord.). Relatório Preliminar, Instituto Português

de Relações Internacionais. 148 Em domínios que eram da competência exclusiva dos corpos policiais como por exemplo, no controlo

de bagagens e pessoas, no acesso ás áreas internacionais dos aeroportos e na segurança interior dos

recintos desportivos. 149 Reforça os mecanismos informais de controlo social e contribui para fortalecer a natureza

interdisciplinar das respostas de segurança. 150 O Estado na qualidade de prestador assume o desafio da territorialização e da proximidade, da eficácia

e da eficiência. Como dinamizador, enfrenta o desafio da mobilização e da participação dos vários

actores na segurança. Na qualidade de regulador, enfrenta o desafio da definição das competências,

dos procedimentos e dos limites dos outros actores.

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3. A segurança como condição indispensável do Estado

A segurança é efectivamente uma das tarefas fundamentais do Estado, sendo

uma aspiração nacional de toda e qualquer comunidade politicamente organizada

estando isso explícito na leitura do artigo 9.º, alínea b) da Constituição da República

Portuguesa.

O desempenho dessas tarefas, atribuídas ao Estado, designadamente a

manutenção da ordem e tranquilidade públicas, constitui condição essencial ao bom

funcionamento das instituições democráticas, não sendo um objectivo em si mesmo,

antes uma condição para se alcançar o exercício regular dos direitos, liberdades e

garantias pelo cidadão, no cumprimento escrupuloso da lei, própria de um Estado de

Direito Democrático.

O Estado constitui-se como a entidade, na organização de uma sociedade,

responsável por garantir a segurança, quer das pessoas, quer dos seus bens. É clássico

considerar que a existência do Estado se justifica para atingir três grandes fins últimos:

bem-estar, justiça e segurança. “Ainda assim são identificáveis nas sociedades

modernas os palcos principais onde se desenrolam actividades que afectam a

segurança: a economia, o bem-estar da sociedade civil, a ordem pública, a política

quer interna quer internacional e o ambiente natural ou construído. Além do Estado,

são também actores nestes palcos, promovendo medidas de segurança, ou gerando

formas de insegurança, muitas organizações, as famílias, os grupos e indivíduos com

condutas desviantes, os órgãos da comunicação social e a natureza”. (Alves 2003:4).

A segurança “é uma questão de estado, mas, mais do que isso, é um Bem

Público” (Severiano Teixeira, 2002:10). Todavia, a segurança deixou de ser o que era,

devido a tudo deixar de ser claro e definido. Se “no plano internacional, a ameaça era

concreta, conhecida, exclusivamente militar” e as guerras se travavam apenas entre os

Estados, já no “plano interno e sem qualquer relação com o exterior, lutava-se contra a

criminalidade”. (Severiano Teixeira, 2002: 9). Assim, a segurança transformou-se num

factor preponderante de desenvolvimento e de competição entre países, onde o papel do

Estado-nação tem sofrido profundas transformações.

Neste contexto, o Estado, foi obrigado a redefinir o seu papel, embora mantenha

a centralidade na questão da segurança, pois vê-se confrontado com um conjunto de

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actores não estatais que disputam o monopólio da segurança. Nesta redefinição o Estado

pretende produzir uma resposta multidimensional, associando vários actores e

integrando várias áreas da sua actividade. Neste contexto, a segurança é um conceito em

redefinição, quer quanto à relação interno – externo, à relação público – privado, quer

quanto à relação Estado – cidadão.

No entanto, o Estado tem vindo a descurar cada vez mais a sua obrigação de

garantir a segurança das pessoas e dos seus bens, permitindo, indubitavelmente, a que

cada vez mais a segurança seja assumida por entidades privadas, como empresas de

segurança, o que leva a uma cada vez maior privatização da segurança.

Sendo a segurança uma necessidade colectiva, regulada pela lei, e prosseguida

por organismos e indivíduos da Administração Pública, sob a direcção ou fiscalização

do poder político, quer sob o controle dos tribunais, o Estado, na prossecução do seu

papel, sentiu necessidade de criar um aparelho preventivo - Sistema de Segurança

Interna - onde se enquadram os serviços e forças de segurança e um aparelho repressivo

- Sistema de Justiça Penal - constituído pelos tribunais e órgãos e serviços do Ministério

Público.

A Segurança Interna, como tarefa desenvolvida pelo Estado, consiste em

―garantir a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas, proteger pessoas e bens,

prevenir a criminalidade e contribuir para assegurar o normal funcionamento das

instituições democráticas, o regular exercício dos direitos e liberdades fundamentais

dos cidadãos e o respeito pela legalidade democrática”. Com este objectivo, foi

consagrado na nossa Constituição da República (artigo 27.º) o direito à segurança e o

direito à liberdade.

Na execução desta tarefa, o Estado recorre às Forças de Segurança, que, por

força do n.º 1 do artigo 272.º da CRP, “tem por funções defender a legalidade

democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos”, podendo e

devendo, para o efeito, recorrer às medidas de polícia previstas na lei, sempre dentro

dos limites do estritamente necessário. Institucionalizou-se uma força colectiva,

coadjuvada por mecanismos de acção coerciva com o objectivo de dirimir o maior

número de conflitos possível, evitando assim a chamada justiça popular ou privada, o

surgimento de milícias ou vigilantes. Assim, as Forças de Segurança, no exercício

regular destas funções, promovem e garantem a ordem, a segurança e tranquilidade

públicas, protegem a vida e a integridade das pessoas bem como os seus bens,

assegurando ao mesmo tempo o normal funcionamento das instituições e o respeito pela

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legalidade democrática, contribuindo de igual modo para a efectivação dos direitos e

liberdades dos cidadãos assegurando-lhes o bem-estar quer económico quer social e

cultural, próprios de uma sociedade organizada.

O papel do Estado, em matéria de segurança, é fundamental, pois esta tornou-se

num veículo que promove a fruição por parte dos cidadãos dos direitos, liberdades e

garantias consagrado nos diplomas legislativos, cabendo aos diversos actores da

sociedade, em especial às polícias o papel de o assegurar.

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4. A transferência e a partilha de segurança entre Estados

As transformações da sociedade internacional repercutiram-se na forma como o

Estado partilha e transfere a sua segurança, pois este deixa de “ser cioso do seu

território, guardião da sua soberania e paladino da não ingerência nos assuntos

internos” (Rangel, 2009: posfácio).

Nas últimas décadas, tem-se assistido à emergência de uma nova realidade no

contexto internacional, pois por um lado, um conjunto de estados tradicionais tornaram-

se débeis, alguns deles entraram mesmo em colapso total ou parcial; por outro lado

surgiu um crescimento dos denominados ―exportadores multilaterais de segurança aos

mais diversos níveis, estatais e privados, com diferentes enquadramentos e

justificações” (Telo, 2008: 14). Esse crescimento deu-se numa escala sem precedentes,

começando a ser visto como algo de normal e regular, sendo, em muitos casos, a

principal área de acção no campo da defesa de muitos estados da União Europeia151

.

As mudanças são de tal maneira, que seria impensável que não afectassem os

conceitos de Estado e Soberania: de Bodin ao século XXI, da imprensa à Internet, da

modernidade à pós-modernidade, da economia mercantilista dos Estados nacionais à

economia mundializada incontrolável pelos Estados. A soberania retalhou a Europa em

Estados independentes, fazendo assim nascer o direito internacional. Os processos de

independência e de descolonização, de seguida, generalizaram o modelo, retalhando

toda a superfície do planeta (Huidobro, 2003: 145).

Assim, houve inequivocamente uma mudança no sistema internacional em 2008,

momento em que se realizou “a transição entre um sistema internacional

tendencialmente unipolar - que nunca alcançou a maturidade – para um outro não

polar ou apolar (…) Já não caminhamos no sentido do unipolar, e a dificuldade de

afirmar lideranças operativas a qualquer nível importante, bem como as tendências

indicadas, leva a que não vivamos num sistema multipolar, mas sim num polar” (Telo,

2008: 17). Este sistema polar pode caracterizar-se por ser imprevisível, complexo, e

muito mais variado que o anterior, pois tem-se assistido a um aumento exponencial de

conflitos que não têm fronteiras, nem conhecem regiões claramente demarcadas.

151 Javier Solana coordenou desde 2003 mais de 20 operações civis e militares em três continentes,

envolvendo em 2008 para cima de 10.000 indivíduos e isto sem ser o principal promotor deste tipo de

operações (Telo, 2008:15).

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76

A globalização teve um papel fulcral nas mutações que foram surgindo no

sistema internacional, tornando as relações transnacionais mais fluidas, sendo difícil

saber onde está o centro de decisão152

, porque este também deixou de existir na

verdadeira acepção da palavra, o que obrigou os Estados a repensar as suas funções.

Houve de facto “a deslocação da organização da comunidade política para novos

níveis de decisão-revela a União Europeia como resposta dos Estados Europeus a essa

sua contemporânea incapacidade organizativa” (Rebelo, 2005: 55).

O facto de os Estados passarem a partilhar parcelas da sua soberania, implicou

uma perda dos poderes clássicos dos Estados, ou seja, da “competência das

competências”, uma vez que outras organizações passaram a possuir a capacidade de

emanar leis (em sentido lato). Todavia, não é “necessário que a soberania das

competências esteja concentrada num único órgão estatal ou até numa determinada

pessoa” (Zipellius, 1997:82). A afirmação de lideranças, e muito menos hegemonias,

tornou-se difícil pois registou-se um enfraquecimento do conceito tradicional de

soberania dos estados, um alargamento das áreas de insegurança, uma multiplicação de

actores não estatais, uma intervenção crescente em cenários críticos de intervenções

internacionais e um aumento da conflitualidade e das rivalidades, tendo surgido um

conjunto de ameaças diferentes das que existiam no passado, não existindo, neste

momento resposta adequada (Telo, 2008: 17).

Indubitavelmente são necessárias novas soluções edificadas à escala multilateral

e global, pois ―nenhum agente por si, mesmo os EUA, a China ou a União Europeia,

tem a escala e a densidade necessária para aplicar uma solução global efectiva de

forma isolada” (Telo, 2008: 17).

É necessário rever e reforçar os laços entre a comunidade Atlântica, que ainda

hoje é a principal zona de estabilidade em termos globais, assente numa parceria ente

EUA e União europeia, continuando esta a ser o grande eixo que estrutura uma futura

ordem internacional numa escala global. Isto passa pela invenção de novos conceitos

para as instituições que materializam a cooperação Atlântica no campo da segurança e

defesa, a começar pela NATO, que deverá passar a ser uma organização marcada pela

“defesa activa, sem limites territoriais para a sua acção e preocupada em termos

152 Ver, Cristina Montalvão Sarmento, «Novas Arquitecturas Políticas, Redes, Interdependência e

Violência», In Adriano Moreira (Coord), A Globalização da Sociedade Civil, Lisboa, Academia

Internacional da Cultura Portuguesa, 2004.

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77

globais com a manutenção de um sistema de valores universais e a consolidação do

quadro geral de segurança dos estados membros” (Telo, 2008: 18).

Os Estados que pertencem à União Europeia têm vindo a perder parte do seu

poder, pois perderam a capacidade exclusiva de emanar leis, uma das mais fortes e

simbólicas manifestações de soberania. Assim, este processo de interacção implica

diminuição do conteúdo clássico da soberania dos Estados membros (Melo, 1999:24).

No entanto é difícil conciliar a questão de não perder ou ceder parcelas de

soberania, e querer continuar a fazer parte activa do processo de integração europeu. Há

então necessidade de compreender as mutações do sistema internacional, para entender-

se a evolução e readaptação aos tempos. Hoje em dia surge a modificação do paradigma

de Estado e assiste-se “a transferências de competências soberanas para modelos de

soberanias cooperativas, participadas, ou até hierarquizadas, é de regra inevitável sem

modelo final padronizado”153

(Santos, 2005: 10).

Como os Estados passaram a integrar nos seus ornamentos nacionais, normas de

direito internacional, passaram a estar vinculados a normas e princípios exteriores ao

seu direito interno, passando a partilhar parcelas da sua soberania, devido à integração

em organizações internacionais (Sá, 1997: 142-191), e, segundo Zippelius com a

intensificação dos laços e interdependências internacionais diminui, porém, a

flexibilidade de os Estados, se agruparem “de forma soberana”, dentro da comunidade

das nações, consoante a “mudança de exigências de política mundial”, e “de acordo

com os princípios flexíveis no sentido da formação de constelações de equilíbrio

sempre diferentes” (Erler, 1995:39). Esta desmobilização do arrangement internacional

restringe sobretudo a margem de acção dos Estados que integram um dos grandes

sistemas de aliança. (Zippelius, 1997: 86).

A soberania e o Estado-nação “pedras-de-toque do sistema vestefálio154

têm de

facto perdido terreno, sendo atacados enquanto princípio, porque o que se passa no

interior dos Estados importa muito a outros membros do sistema internacional”

(Fukuyama, 2006: 101).

153 Adriano Moreira, In (―Prefácio‖) (Santos, 2005: 10). 154 O sistema referido resultou do Tratado de Paz de Vestefália, assinado, em 24 de Outubro de 1648, para

pôr fim à que ficaria conhecida como Guerra dos Trinta anos. Os participantes, França e Suécia, por

um lado, e Espanha e o Sacro Império Romano, por outro, aceitaram reconhecer a soberania e

independência de cada um dos Estados do Sacro Império, dessa forma retirando o poder efectivo ao

imperador e abrindo caminho a uma nova ordem internacional que tinha a França como principal

potência europeia.

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78

No entanto, é indubitável que só os Estados são capazes de congregar e exercer

de forma adequada o poder legítimo. Esse poder é necessário para impor uma

supremacia do direito a nível interno, e é necessário a nível internacional para preservar

a ordem mundial. (…) “Não temos alternativa senão regressar ao Estado-nação

soberano e tentar compreender uma vez mais como torná-lo forte e eficaz” (Fukuyama,

2006: 128), pois os Estados “são e continuarão a ser durante longos anos os mais

importantes actores do sistema internacional e, em grande medida, o consentimento dos

Estados para o desenvolvimento de normas internacionais continua a ser uma condição

sine qua non. Actores não estatais têm vindo a ganhar importância no palco

internacional, nomeadamente organizações intergovernamentais, não governamentais,

empresas transnacionais e indivíduos” Como consequência temos hoje uma sociedade

“qualitativamente diferente” da que existia há cinquenta anos. (Cravinho, 2006: 42).

Paulo Rangel afirma que “a nova coisa política caracteriza-se pela pluralidade,

heterogeneidade e alta diferenciação dos actores políticos, com um nítido e acentuado

enfraquecimento -uma relativização- dos poderes estaduais”. O mesmo autor salienta a

ideia da ausência do Estado como “depositário monopolista da autoridade política”.

Esta concepção já não existe, tendo-se regressado “ao inspirado conceito de

Cassesse155

, a sociedade internacional “estatocêntrica”” (Rangel, 2009: posfácio).

O autor supra citado afirma que surgiu uma ordem política “pautada pela

fragmentação do poder, pela sua descolagem do Estado e por uma desvinculação da

base territorial (…) Agora, um pouco à semelhança do que sucedia no mundo medieval,

não subsiste um poder hegemónico, que, por si só, seja capaz de instaurar uma regra,

um princípio, uma ordem” (Rangel, 2009: posfácio).

Efectivamente o Estado na sua acepção clássica e integrando os elementos em

que tradicionalmente é decomposto- território, povo/nação e poder político- está em

crise,156

estando ―No âmago da crise do Estado-nação o renascimento dos

155 Para Sabino Cassese, ―a crise no Estado-nação surgiu primeiro, aquando do aparecimento de

organismos poderosos, como os sindicatos e os grupos industriais, colocando-se, então, em causa a

soberania interna do Estado; continuou, depois, em crise o Estado devido ao desenvolvimento de

organizações de direito internacional público, como a Sociedade das Nações – hoje ONU – ou as

instituições de acepção, mais recentes; esta crise traduz e inadequação das entidades estaduais para dar

resposta às exigências das novas formas de cidadania e da sociedade em geral‖ (Rebelo, 2005: 23). 156 Ver, Marta Rebelo, Constituição e Legitimidade Social da União Europeia, Almedina, Coimbra, 2005,

p.23 e ainda, Reinhold Zippelius, 3.ª ed., Teoria Geral do Estado, Fundação Calouste Gulbenkian,

Lisboa, 1997. Marcello Caetano, Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, Tomo I,

Almedina, Coimbra, 1996.

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nacionalismos, das antigas querelas étnicas e a consequente explosão do terrorismo”

(Pereira, 2003: 25).

No entanto, segundo alguns estudiosos “terá havido um exagero na

desvalorização do Estado enquanto entidade relativamente unificadora do exercício do

poder e sobretudo como destinatário principal de pressões e movimentos sociais” (Sá,

1997: 174). Há a necessidade de se fazer um “regresso ao Estado”, como de resto a um

regresso à nação. Existe, efectivamente um “aparelho”, ao qual se associam diversos

órgãos, que dispõe do monopólio da tomada de decisões finais, do “monopólio da força

legítima”157

, que se constitui como elemento estratégico de dominação social (Sá, 1997:

174).

Neste contexto, o Estado, embora mantendo a centralidade na questão da

segurança, vê-se confrontado com um conjunto de actores não estatais que disputam o

monopólio da segurança, obrigando a uma redefinição do seu papel.

Nesta redefinição o Estado recorre a vários instrumentos de forma a produzir

uma resposta multidimensional, associando vários actores e integrando várias áreas da

sua actividade. Neste contexto, a segurança é um conceito em redefinição, quer quanto à

relação interno – externo, à relação público – privado, quer quanto à relação Estado –

cidadão.

Nos últimos anos tem-se verificado que a comunidade internacional passou a

valorizar um aspecto particular do direito internacional, denominado de direito de

ingerência que vem alterar o conceito clássico do direito internacional no que diz

respeito ao alcance e extensão do princípio de soberania dos Estados e do princípio de

não ingerência nos assuntos internos dos Estados. Assim, o objectivo é garantir a

segurança de pessoas e bens, surgindo neste contexto as missões de consolidação de

paz, como sendo ―uma forma polida de se descrever o conceito do século XIX de

―guerra justa‖ consagrada por Santo Agostinho e desenvolvida nos séculos seguintes

por São Tomás de Aquino, o teólogo espanhol Francisco de Vitória e o jurista Hugo

Grotius‖ (Cordesman, 1999: 25).

Durante o período que foi desde a queda do muro de Berlim, em 1989, e o 11 de

Setembro, em 2001, as crises internacionais que surgiram estiveram directamente

relacionadas com os “Estados fracos ou falhados (…) Estes incluíram Timor-Leste”

(Fukuyama, 2006: 102). A estes esteve sempre associado “uma questão humanitária ou

157 Conceito celebrizado por Max Weber.

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de direitos humanos, (que) assumiu de súbito uma dimensão essencial de segurança”

(Fukuyama, 2006: 103).

Verificou-se então que, neste momento, o perigo é universal, havendo

necessidade de a sociedade civil internacional ser co-responsabilizada pela salvaguarda

humanitária dos Estados, isto é, há então uma Ordem Pública Internacional com deveres

na salvaguarda dos limites mínimos humanitários (Coelho, 2004: 105-109).

A Ordem Jurídica Internacional tem obrigação de “prosseguir o

desenvolvimento dos povos (…) constitui um dos corolários essenciais da inoculação no

Direito Internacional do conceito de solidariedade entre estados e povos e exprime um

dos elementos nucleares do novo e moderno direito internacional da solidariedade”

(Pereira e Quadros, 2000: 663).

A questão do consentimento por parte dos Estados, deixou de ter grande

importância, relevando-se para primeiro plano, interesses superiores relacionados com

razões humanitárias, defesa dos direitos do homem, segurança e paz internacionais.

A cooperação e as instituições multilaterais tornaram-se fundamentais, e em

termos políticos passou a valorizar-se a transferência e partilha de segurança entre

Estados pois “(…)cooperative security suggests na institution centred approach in wich

national interests are replaced by collective interests states, dependo n cooperation with

ther states to meet security needs(…)” (Mckenzie, 1998: 2).

Neste contexto assumem um papel primordial as organizações internacionais que

desenvolvem missões de apoio à paz de forma a promover a segurança dos Estados.

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5. O Actor Principal: Novos Actores

A integração comunitária e a vinculação internacional dos Estados obrigou a um

reexame do conceito de soberania, surgindo a ideia de que o processo de decisão

política foi alterado radicalmente, pois passou a ser ―desterritorializado‖, pois são cada

vez mais as questões que os Estados têm que decidir fora das suas fronteiras,

participando em diferentes órgãos de estruturas internacionais ou de integração (Sá,

1997: 175), destacando-se “os fossos escavados entre os Estados e diversos dos novos

actores internacionais e entre antigas e mais recentes formas de poder, tudo inovações

que no concreto redundam em conjunturas de tensão entre velhas alianças e coligações

tradicionais e as novas, mais pragmáticas, que defrontam” (Marques Guedes, 2005:

44).

A propósito do protagonismo dos cenários políticos externos, em termos da

lógica dos Estados, Armando Marques Guedes afirma “a bipolarização dos cenários

políticos internos como externos acentuou paradoxalmente a imagem do protagonismo

destes últimos (ou, em todo caso, de dois deles, as “superpotências”) num sistema

internacional cada vez mais complexo e mais interdependente” (Marques Guedes,

2005: 77).

Há então necessidade, de se deixar de considerar os Estados soberanos ―como os

únicos “verdadeiros” protagonistas de um sistema internacional em que muitos novos

actores (…) têm vindo a contracenar” (Marques Guedes, 2005: 77).

Assiste-se, hodiernamente, à necessidade de uma “emergência rápida de uma

nova configuração do sistema internacional em lugar da aritmética de um mero

somatório de Estados ou da geometria de uma coagulação em “blocos

civilizacionais”” (Marques Guedes, 2005: 78), sendo pois necessária ―uma comunidade

internacional cada vez mais constragente, com a qual por pressões políticas

globalizantes inexoráveis, todos estamos obrigados a cooperar” ” (Marques Guedes,

2005: 78).

A União Europeia é segundo o autor supra citado “uma forma nova de

governação internacional em que, voluntariamente, os Estados-membros abdicaram de

uma parte da sua soberania” (Marques Guedes, 2005:48). Justifica-se, deste modo, a

intervenção das Nações Unidas em Timor-Leste por uma força internacional liderada

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por australianos. Assim, ―só a pressão política (eleitoral e outras) de uma opinião

pública, moralmente indignada e mobilizada por meios de informação cada vez mais

globais, permite compreender o que os modelos tradicionais do interesse nacional dos

Estados não podem deixar inexplicado: a nitidez da resposta. E apenas esse efeito de

globalização ética, quereria alegar, torna inteligíveis factos e acontecimentos

colectivos que nos poderiam deixar perplexos, como a velocidade (inédita) das decisões

do Conselho de Segurança das Nações Unidas” (Marques Guedes, 2005:54).

Com o objectivo de os Estados melhorarem a sua Segurança, Progresso e Bem-

estar, surge a intervenção da Organização Internacional, estando esta ao serviço de

interesses superiores aos dos estados-membros. A existência desta Organização implica

a presença de uma estrutura orgânica e de condições materiais, bem como princípios

jurídicos distintos das vontades jurídicas dos Estados, que advêm do facto de ser criada

por um instrumento de Direito internacional, normalmente tratado de acordo com as

regras constantes na convenção de Viena (Nogueira, 2005:35).

Após a segunda guerra mundial surgem diversos factores que levam à criação de

diversas organizações internacionais de cooperação que se destinam a coordenar e

promover a cooperação entre Estados.

Segundo António José Fernandes poder-se-á definir OI como sendo “uma

associação de Estados, estabelecida por um acordo entre os seus membros e dotada de

um aparelho permanente de órgãos, encarregados de prosseguir a realização de

objectivos de interesse comum por uma cooperação entre eles” (Nogueira, 2005:35).

Este tipo de Organizações158

que não têm população, nem território, mas que,

indubitavelmente, exerce uma certa influência sobre a soberania dos Estados Membros

nos limites previstos na carta constitutiva, como é o caso da União Europeia.

As OI têm personalidade jurídica internacional, tendo vontade jurídica própria,

distinta dos seus Estados-membros, tendo por norma as seguintes competências: Jus

Tractum que consiste na capacidade de celebrar tratados; solução de conflitos

158 Como características principais das Organizações Internacionais destacam-se as seguintes: base

interestadual (entre Estados), base voluntarista (só são seus membros os Estados que exprimam a

vontade de a elas pertencer); órgãos permanentes (normalmente dois órgãos deliberativos, compostos

por representantes dos Estados - Assembleia Geral e conselho, um órgão executivo, constituído por

funcionários internacionais que não estão dependentes dos Estados membros-Secretariado- e um

órgão jurisdicional privativo); autonomia (vontade própria, que lhe permite actuar, no plano

internacional, de forma distinta da actuação dos Estados-membros); função de Cooperação (ou de

integração, no caso das organizações supranacionais que levam os Estados membros a alienar,

voluntariamente, parte da sua soberania em favor da sua organização) (Nogueira, 2005:37).

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interestaduais; competência legislativa ou regulamentar; competência financeira;

competência de gestão (Nogueira, 2005:37).

De acordo com a natureza do seu objectivo, contexto geográfico e estrutura

jurídica pode proceder-se à classificação das OI159

, destacando-se as de Segurança e

Defesa Colectiva (caso da NATO, que tem garantido a paz na Europa desde 1949).

Os valores160

das organizações são importantes como referência dos seus

membros. Neste universo teórico tendencialmente unificado as OIs, entendidas como

“acções colectivas e cooperativas dos Estados para lidar com ameaças e problemas

comuns”, são estruturas multilaterais institucionalizadas que produzem bens públicos

internacionais. Os resultados empíricos sobre o modus operandi destes processos

cooperativos realçam as múltiplas vantagens que os Estados obtêm por se associarem a

estas estruturas, dotadas de personalidade jurídica internacional, órgãos permanentes e

papéis funcionais definidos (Saraiva, 2008: 7).

Neste sentido, está razoavelmente consolidada a ideia de que as OIs têm um

efeito independente nos padrões de comportamento dos Estados participantes161

.

Assistimos à centralização de poderes a nível interno por parte do Estado que indicia

que este está a compensar o poder perdido para outras organizações externas. Temos,

segundo Joaquín Garcia Huidoro, um Estado demasiadamente grande para satisfazer as

necessidades mais humanas (…) ao mesmo tempo a escala internacional de muitos

159Apesar de faltarem instituições fortes e regras claras para regular conflitos de interesses e de

identidades, proliferam instituições internacionais, regimes, instrumentos jurídicos, redes e

organizações internacionais (OIs) (Saraiva, 2008: 6). Estas formas de cooperação, de natureza formal

e informal, têm sido exaustivamente estudadas pelas correntes institucionalistas neoliberais. Mais

recentemente, a prolixa literatura neoliberal sobre OIs recebeu alguns contributos teóricos das

perspectivas mais construtivistas, ou sociológicas como também são conhecidas.

160 Ao nível das organizações como a União Europeia esta “funda-se nos valores do respeito pela

dignidade humana, da liberdade, da democracia, da igualdade, do Estado de Direito e do respeito

dos direitos, incluindo dos direitos das pessoas pertencentes a minorias. Estes valores são comuns

aos Estados-Membros, numa sociedade caracterizada pelo pluralismo, e não discriminação, a

tolerância, a justiça, a solidariedade e a igualdade entre mulheres e homens”. A cidadania da União,

no caso da União Europeia, é acrescida à cidadania nacional, não a substituindo. A carta dos direitos

fundamentais da União materializa os valores cívicos (dignidade, liberdade, igualdade, solidariedade,

cidadania e justiça) e os comportamentos dos cidadãos europeus, reforçando a protecção dos direitos

fundamentais ―à luz da evolução da sociedade, do progresso social e da evolução científica e

tecnológica‖ (Nogueira, 2005:37).

161 Seguindo Barnett e Adler, os países privilegiam a participação nas OIs por três razões principais.

Primeiro, nestes regimes institucionalizados tende a existir maior confiança para cooperar, uma vez

que é possível monitorizar mais de perto os acordos concertados, uma vantagem clara em relação às

modalidades mais informais. Em segundo lugar, considera-se que o factor convívio, mais intenso no

seio destas organizações, cria oportunidades para descobrir novas áreas de interesse mútuo ajudando a

reforçar o seu papel funcional. Por último, uma referência especial à questão da legitimidade. Barnett

e Adler, entre muitos outros autores que poderíamos aqui citar, entendem que as OIs “podem moldar

as práticas estatais, estabelecendo, articulando e transmitindo normas que definem o que constitui um

comportamento estatal aceitável e legítimo”(Saraiva, 2008:7).

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problemas faz com que o Estado se torne demasiado pequeno para o resolver, havendo

necessidade de serem outras organizações a cumprir esse papel (Cunha, 2003:61).

Assim, é indubitável que existe uma enorme mutação das fronteiras da União

Europeia, num ritmo mais acelerado, devido à complexidade do sistema internacional

que se deveu ao aumento das organizações internacionais, sendo a UE o caso mais

paradigmático, pois os Estados transferem para essa organização parcelas de soberania,

contornando, desta forma, o conceito clássico de soberania. A este propósito, José

Magone refere que a “soberania deixou de ser una e indivisível, passou a ser

partilhada, multinivel, e colectiva, como forma de assegurar a continuidade e a sua

própria sobrevivência” (Magone, 1998: 155-157). A soberania para existir tem de ser

cedida para posteriormente ser partilhada com outros Estados e outras organizações

internacionais, para poder continuar a assegurar-se a si própria.

De acordo com Adriano Moreira, as sociedades organizadas em Estados

evolucionaram, no espaço ocidental, para um racionalismo expresso no sistema jurídico

que, por um lado disciplina o poder político e, por outro lado, encontra no poder

organizado o instrumento destinado a fazer observar o normativismo jurídico. São as

constituições políticas que espelham as normas disciplinadoras da organização do poder

político, da produção de regras de direito, e da intervenção do poder para assegurar a

observância da legalidade. Assim, são as teorias jurídicas do poder político que

explicam e justificam o exercício do poder político interno (Adriano Moreira,

1997:245). São usados conceitos normativos como direito, obrigação, lei, hierarquia das

normas jurídicas, legalidade, inconstitucionalidade, competência, considerando-se

reprovável o poder que se afasta da pré-definição jurídica e do respeito pelos direitos do

Homem.

A sociedade internacional do século XX assenta em vários elementos

estruturantes que se desenvolveram e consolidaram no sistema vestefaliano162

. O

desenvolvimento dos princípios e das práticas sobre o qual assenta a sociedade

162 De acordo com a tradição vestefaliana, o fim da Grande Guerra ocasionou uma grande conferência

internacional, a conferência de Versalhes, para redesenhar a ordem internacional. No entanto, o

sistema que se desenhou com esta conferência falhou, pois duas décadas mais tarde eclodia a Segunda

Guerra Mundial. Deixou, contudo, uma herança ainda hoje presente na Nova Ordem Internacional

acordada em Versalhes, que tem a ver com a segurança colectiva, a diplomacia multilateral

permanente, autodeterminação dos povos, globalização da sociedade internacional, supressão de focos

de contágio da revolução bolchevique. Todos estes princípios baseiam-se na primordialidade dos

Estados enquanto actores no palco internacional.

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internacional contemporânea aconteceu, ao longo dos séculos, sendo fortemente

influenciado pelo processo de expansão da sociedade internacional.

A política internacional europeia contemporânea tem por objectivo promover a

governação em Estados fracos, melhorar a legitimidade democrática e fortalecer

instituições autónomas. Quando são abordadas as questões relacionadas com Estado e

Soberania acaba por se “esbarrar com o problema da soberania e do seu conteúdo e

sentido no âmbito da União Europeia” (Melo, 1999: 6).

No entanto há questões que deverão ser levantadas quando nos referimos às

temáticas relacionadas com nações, Estados e modelos políticos adequados para

suportar as complexas exigência do mundo contemporâneo. Assim, após a análise de

diversos autores, rapidamente se conclui que o modelo tradicional de soberania está

desajustado à nova realidade e que a integração regional é agora necessária; o único

modelo de integração regional, a União Europeia, não permitirá ao Estado-nação

regenerar-se e sobreviver, dentro dos pressupostos da soberania clássica; e, por outro

lado, como a integração na União Europeia, potencia a capacidade de intervenção dos

seus membros, proporcionando-lhes uma efectiva participação em matérias que há

muito já não faziam parte das suas esferas de competência, associado a isto as

crescentes reivindicações nacionalistas que exigem um novo enquadramento dos actores

institucionais e políticos no sistema político internacional será necessário “um novo

modelo global que integre pressupostos de várias matrizes, em que a União Europeia

constitua uma comunidade política e legal de Estados já não soberanos no sentido

clássico, no seu seio florescem, desenvolvem-se e adquirem autonomia as nações ou

comunidades” (Sande, 2001:193).

A União Europeia não é uma organização recente, mas tornou-se numa estrutura

coesa com um crescente de protagonismo, constituindo-se como um “actor

relativamente activo na ordem internacional complexa e multidimensional (…) e não

sendo um super-Estado, uma federação, ou sequer uma confederação, partilha com

essas várias figuras políticas canónicas, idealizadas, alguns traços característicos.”

(Marques Guedes, 2005:227).

É indiscutível que nas últimas décadas assistimos a uma erosão dos monopólios

do Estado. O exercício de competências que já não pertenciam ao monopólio do Estado,

fora do respectivo território passaram para a alçada das organizações internacionais,

sobretudo das Nações Unidas, embora este tipo de poder não esteja regulamentado nem

explicitamente definido. Trata-se de administrações transitórias civis que com um papel

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algo mais alargado do que estava previsto quer no Pacto da Sociedade das Nações, quer

na Carta das Nações Unidas (Ribeiro e Mónica Ferro, 2003: 40).

Os princípios da plenitude e exclusividade estão presentes no exercício da

soberania dentro de cada Estado. No entanto, quando por exemplo um país se encontra

em construção, em consequência do exercício do princípio de autodeterminação, é

necessário entregar o exercício das competências soberanas sobre esse território, a uma

entidade que poderá ser um Estado, uma coligação de Estados, ou a fórmula mais

recente, uma ou várias organizações internacionais (Mónica Ferro, 2006: 40).

Embora não se dote uma Organização Internacional de poderes análogos aos do

Estado, é necessário dotá-la com poderes para que consiga executar as tarefas para as

quais foi criada. Como estas se destinam a promover a cooperação entre Estados são

três as categorias de poderes de uma organização internacional: o poder de debater, o

poder de decidir e o poder de agir. A cooperação intergovernamental muitas das vezes

não passa para além da fase do debate, levando o Estado membro a explicar; o poder de

decidir quando se tomam decisões cuja natureza jurídica, tendo por vezes gerado

algumas divergências; o poder de agir surge quando a organização enceta operações

(Mónica Ferro, 2006: 36).

No caso da ONU, embora muitas das vezes o seu desempenho tenha ficado pelo

poder de debater, “a sua apetência/ vocação para a acção apenas é comparável à falta

de recursos para que a possa empreender” (Mónica Ferro, 2006: 37). A esta

Organização faltam-lhe os recursos para desencadear as acções de administração

transitória cujo mandato tem sido concebido pelo Conselho de Segurança (CSNU) e

implementado pelo Departamento de Operações de Manutenção de Paz (DOMP) do

Secretariado. Embora a Carta preveja no seu Capítulo VII todo um mecanismo de

disponibilização permanente de meios pelos Estados membros à Organização, e até uma

Comissão de Estado-Maior que executaria os planos para as intervenções militares da

Organização, a verdade é que a guerra-fria nunca permitiu a celebração de acordos de

que fala o artigo 43163

(Ribeiro e Mónica Ferro, 2003: 37). Assim, o que acontece é que

163 O Artigo 43 refere o acordo ou acordos especiais pelos quais todos os membros das NU se

comprometem, para fins de manutenção de paz e da segurança internacionais, a proporcionarem ao

Conselho de Segurança as forças armadas, assistência e facilidades, inclusive direitos de passagem

necessários a essa manutenção da paz e segurança internacionais.

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ainda hoje as Nações Unidas solicitam aos Estados membros os meios de que

necessitam para cada acção que desenvolvem164

.

Neste contexto há a necessidade de nos referirmos às administrações transitórias,

que consistem em acções institucionais, com um mandato determinado por uma

Resolução do Conselho de Segurança, executadas com meios cedidos pelos Estados

numa base temporária e voluntária. São os denominados planos de contingência que

lidam com os problemas que vão surgindo e que não podem ser enquadrados numa

ordem internacional que, embora prevista na Carta, nunca foi posta em prática. As

operações de paz das Nações Unidas, onde as administrações transitórias têm sido

enquadradas, são alguns dos planos de contingência.

Dentro do poder de agir165

, uma das acções que Virally propõe é a acção da

administração que “consiste na assunção pela Organização Internacional da

administração directa de um território. (…) E assume poderes típicos do Estado no

território em questão. Trata-se sempre de uma acção limitada no tempo, orientada para

horizontes específicos e justificada por circunstâncias especiais” (Mónica Ferro, 2006:

39).

A Carta das Nações Unidas contém um capítulo com uma Declaração Relativa

aos Territórios Não Autónomos, criando para eles um regime de exercício controlado de

competências territoriais. De facto, a Organização exercia, através da Assembleia, um

poder de fiscalização, de controlo indirecto da forma como esses territórios eram

administrados e da forma como os mesmos estavam a ser preparados para a

independência. Serão estes processos de garantia de direito de autodeterminação que

darão sentido à Administração Transitória das Nações Unidas em Timor-leste, uma vez

que Timor era, para a Organização, ainda um território não autónomo166

(Mónica Ferro,

164 O grau de integração desses meios na Organização e a sua utilização dá origem à denominada acção

colectiva em que os Estados actuam com os seus meios, mas integrados numa operação concebida e

orquestrada pela Organização; uma acção institucional consiste numa acção em que a Organização

actua com meios cedidos casuística e temporariamente pelos Estados. 165 O poder de agir implica a acção diplomática, o controlo e inquérito, a acção coerciva, a assistência e a

administração. 166 Segundo Mónica Ferro ―o acompanhamento da administração dos territórios não autónomos,

nomeadamente a obrigação de as potências administrantes terem que enviar ao Secretário Geral

informações estatísticas relativas à situação sócio-económica, política, educacional dos territórios não

autónomos que se encontravam sob sua administração, gerou um enorme conflito entre as Nações

Unidas e Portugal- que nunca reconheceu administrar territórios não-autónomos- deu origem à criação

de um amplo mecanismo de fiscalização e à produção de uma série de direito derivado que veio

consubstanciar o empenho das Nações Unidas na descolonização, levando-o muito mais longe que as

referências modestas à mesma na Carta negociada em 1944/ 45 permitiam supor‖. Além da

Declaração contida na Carta e do direito derivado da Organização nestas matérias, as Nações Unidas

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2006: 52). As operações das Nações Unidas de administração em Timor-leste,

associadas ao exercício de autodeterminação dos povos das Nações Unidas,

condicionam o debate internacional e têm até provocado uma mutação nos próprios

conceitos de autodeterminação e de integridade territorial dos Estados.

Assim, as operações de administração internacional das Nações Unidas,

denominadas operações de construção de Estados, state building são operações de

consolidação/ construção da paz, peace-building. Nestas operações a ONU desempenha

algumas ou todas as competências soberanas, temporariamente, enquanto coopera com

líderes políticos e elementos da sociedade civil locais tendo por objectivos finais a

democratização e um desenvolvimento sustentável. Como se trata de preparar o país

para o exercício de uma boa governação, sendo, por isso, temporário utiliza-se a

expressão administração transitória ou temporária (Mónica Ferro, 2006: 55).

No caso concreto de Timor Leste houve uma administração transitória das

Nações Unidas que surgiu da necessidade de implementar um acordo de paz, da

necessidade de legitimar a intervenção militar levada a cabo pela NATO, e da

necessidade de gerir a violência que surgiu após a divulgação dos resultados da consulta

popular feita em Timor-Leste pelas Nações Unidas e que mostrou a vontade dos

timorenses tornarem-se independentes. Mais uma vez a questão da autodeterminação

levou ao envolvimento da Organização, que embora não traga consenso sobre os seus

contornos e limites, está consagrado na Carta. Assim, “o seu envolvimento na

administração de Estados falhados é um corte com uma tradição de não ingerência no

domínio reservado dos Estados, afirmando-se, antes, a existência do princípio da

responsabilidade dos Estados para com o bem-estar dos povos” (Mónica Ferro, 2006:

65).

Segundo Vítor Marques dos Santos o convencionado princípio da não

intervenção nos assuntos internos dos estados, tem sido gradualmente mitigado pelo

direito de ingerência. O imperativo marcadamente humanitário que esteve na sua génese

e que actualmente o justifica revela-se de consolidação e alargamento tendenciais,

transformando-se em dever tácito de intervenção, sempre que uma coligação de grandes

potências da comunidade internacional encontre consenso necessário sobre a

organizaram e supervisionaram a realização de eleições/ consultas populares que conduziram à

independência de Timor-Leste em 1999 (Mónica Ferro, 2006: 52).

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inconveniência geoestratégica de um determinado projecto político (Mónica Ferro,

2006: 66).

Em Timor-Leste, através do argumento humanitário, deu-se uma das missões

mais intrusivas, que definem o limite superior das administrações internacionais de

territórios. O mediatismo associado à visibilidade e às graves crises humanitárias

forçaram o observador a desenvolver operações denominadas governação directa que

podem ser consideradas demasiado intrusivas para funcionarem como norma (Mónica

Ferro, 2006: 67).

Em termos operacionais a actividade de administração internacional estende-se

por quatro grandes categorias operacionais167

que são a assistência, parceria, controlo e

governação; em Timor Leste foi aplicada a mais intrusiva, a governação, pois implicou

a construção de um Estado novo. Foi assumida pelas Nações Unidas uma espécie de

administração que não conhecia precedentes, denominada de administração transitória.

No entanto, são diversas as dificuldades enfrentadas pelas administrações transitórias

que sublinham a falta de um enquadramento teórico/ operacional e a inexistência de

uma memória institucional que armezene experiências e procedimentos de utilidade

para missões futuras; acresce ainda a questão da falta de um enquadramento específico

na Cata das Nações Unidas, onde não aparece a expressão administração transitória.

Conclui-se que a mudança na comunidade internacional se faz a um ritmo mais

acelerado que a mudança institucional (Mónica Ferro, 2006: 73). São inúmeros os casos

de distanciamento da teoria da carta da praxis da Organização. Assim, segundo Edward

Mcwhinney, são várias a antinomias e contradições no direito internacional

contemporâneo: a consagração do princípio da não intervenção (artigo 2, nºs 4 e 7) e da

prática da intervenção humanitária; dos princípios da integridade territorial (artigo 2, n.º

4 e A/RES/2625 (XXV)) e da autodeterminação dos povos (A/RES/1514(XV) e

A/RES/1803 (XVII)115); da proibição do recurso à força (artigos 1 e 2 da Carta das

Nações Unidas) e da previsão de uma legítima defesa colectiva (regional) (Capítulo VIII

da Carta, Acordos Regionais) (Mónica Ferro, 2006: 74).

Embora não seja possível estabelecer com rigor todos os poderes de um Estado,

até porque “no actual contexto internacional, a maioria dos Estados não são Estados

que atinjam os requisitos mínimos de qualquer teoria de Estado” (Mónica Ferro, 2006:

167 Michael Doyle considera haver quatro categorias do que ele chama mecanismos ad hoc de semi-

soberania (ad hoc semisovereign mechanisms) consoante o tipo de poder exercido: autoridade de

supervisão, autoridade executiva, autoridade administrativa e uma variada gama de operações de

monitorização (Mónica Ferro, 2003: 68).

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77), contudo existe um conjunto de competências que enquadradas no sistema jurídico

internacional contemporâneo são exclusivas de um Estado como sejam as tarefas de

polícia, a responsabilidade primeira pela realização de referendos/ consultas populares,

a responsabilidade pela realização de eleições, o exercício dos poderes legislativo,

executivo e judicial e o de celebrar contratos.

Em Timor-Leste, verificamos que as Nações Unidas exerceram, através da

UNAMET e da UNTAET, todos os poderes soberanos. A UNAMET, em 1999

responsabilizou-se pelo referendo; a UNTAET, entre 1999 e 2002 responsabilizou-se

pelo policiamento, pelos três poderes (Executivo, Legislativo e Judicial) e por celebrar

contratos. Assim, o mandato da UNTET, de acordo com a Resolução do Conselho de

Segurança que estabeleceu a Administração Transitória das nações Unidas em Timor,

S/RES/1272 (1999), 25 de Outubro de 1999, definiu como principais competências

(Mónica Ferro, 2006: 77):

- Estabelecer uma administração efectiva; apoiar o desenvolvimento de uma função

pública e garantir os serviços públicos básicos;

- Prestar assistência humanitária de emergência, garantir a sua coordenação;

- Apoiar a construção de capacidades locais para governo próprio (onde estão incluídas

a realização de eleições livres e justas para essas capacidades e a construção de uma

sociedade civil forte);

- Assistir ao estabelecimento das condições essenciais a um desenvolvimento

sustentável (que também passa pela reconstrução económica;

- Estabelecer e manter a lei e a segurança interna.

A estratégia interventiva da comunidade internacional em Timor-Leste mostra

uma clara “redimensionação ética e normativa de um sistema internacional

tradicionalmente anárquico” (Marques Guedes, 2005:77), surgindo uma alteração real

da estrutura e da natureza da comunidade política internacional, “porventura pela

delineação progressiva de um novo “contrato social” fundador” (Marques Guedes,

2005:79).

A globalização na visão do autor supra citado tem aspectos negativos pois pode

provocar a marginalidade dos que ficam de fora ou suscitar desigualdades internas mas,

por outro lado, evita as denominadas hegemonias unipolares duradouras. Assim, afirma

o mesmo autor que “o que hoje lemos, pela negativa, como “ingerências”, “perdas de

soberania”, “erosão dos Estados-nação”, ou “sistemas de tutela” e “soberanias

vigiadas”, amanhã talvez vejamos como primeiro momento, incontornável, de uma

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narrativa histórica de construção e criação” (Marques Guedes, 2005:79). As

realidades internacionais subjacentes num presente cada vez mais globalizado não são

abrangidas pelas definições de Estado westphaliano e de soberania de Jean Bodin.

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CAPÍTULO III - A SEGURANÇA COMO INSTRUMENTO DOS ESTADOS CONTEMPORÂNEOS

“neste mundo a força continua a ser o

garante último da segurança” (Cooper, 2006:

35)

1. A força como elemento da segurança

A existência de um Estado pressupõe a existência de um povo, de um território e

de um poder capaz de fazer cumprir as suas regras e dotado de autoridade. Este só existe

efectivamente quando se impõe através de normas que são cumpridas por todos os

membros do grupo. Quando estão em causa Estados modernos, esse poder é repartido

por diversos órgãos como sejam o Chefe do Estado, a Assembleia da República, o

Governo, a Administração Pública, os Tribunais, as Forças Armadas que se constituem

como Instituições do aparelho do Estado; a sua interligação e interacção definem o

denominado sistema político do Governo (Adriano Moreira, 1997: 48).

O Estado institui na Polícia, poderes típicos da sua soberania e para que consiga

assegurar os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, esta, num quadro de acções

possíveis do Estado, faz um uso legítimo da força efectuando a ligação ao poder

instituído legalmente, visto que o desejo do bem-estar comum, a par das necessidades

de segurança dos perigos externos e das convulsões internas, e da realização da justiça,

provocou a associação dos homens em comunidades complexas, instituindo um

aparelho de poder e autoridade, em que reside a coacção. A força coactiva do Estado

divide-se em duas partes: Forças Armadas e Forças de Segurança Pública, sendo que a

primeira se vincula mais à sustentação dos valores mais consensuais, integridade

Nacional e defesa Militar do país, enquanto que as Forças de Segurança se ocupam mais

da ordem pública preventiva e repressiva (Clemente, 1998: 47).

A utilização da força coactiva no plano interno é feita pela GNR e PSP, no caso

português.

Partindo do pressuposto que “não existe sociedade sem Instituição e não há

Instituições sem poder e sem autoridade que façam respeitar esse poder, se necessário,

pela força” (Clemente, 1998: 43), consideramos que a necessidade do uso da força

coactiva, em casos extremos, poder-se-á tornar necessária, sendo que os limites dessa

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actuação devem estar sempre presentes, para que se evite a transposição para a

ilegalidade.

A necessidade do uso da força moderada168

e dos meios coercivos assenta no

respeito pelos normativos no plano internacional e no plano nacional. Trata-se de

princípios e normas que enformam esta específica, melindrosa e ao mesmo tempo

necessária vertente da actuação da polícia.

O uso da força, que legitimamente é conferido aos diferentes níveis da actuação

policial, pode consubstanciar-se de diferentes formas e modelos de actuação. Como

escreve Ferreira Antunes, “a força utilizada pode ir do mero contacto para significar a

alguém a sua detenção ou a imobilização e, em casos-limite, o tiro mortal com arma de

fogo” (Ferreira Antunes, 1996:40).

Segundo o professor de Direito Administrativo Alemão, Otto Mayer (Nunes,

2002: 107), existem duas formas de uso da força: a execução coerciva e a coacção

directa. A primeira corresponde ao resultado de uma atitude desobediente após uma

ordem emanada por uma autoridade administrativa, tornando-se legítimo o uso da

coação quando o fim é a prossecução da ordem, “trata-se, assim, de fazer cumprir, pela

força, um acto de autoridade prévio, pelos meios legalmente previstos” (Nunes, 2002:

107). Já a segunda, a coacção directa é aquela que a lei estabelece como a possibilidade

do recurso aos meios coercivos, especificando, portanto, as condições e circunstâncias

em que ela deve ocorrer. Assim, cabe aos agentes policiais terem a capacidade de

discernimento suficiente para saberem, em que momentos devem efectuar o uso da

força, sem contudo ferir os princípios consagrados na lei, ou seja, “aos agentes policiais

cabe ter a mais elevada consciência cívica” (Clemente, 1998: 40), contando sempre

com as consequências que poderão advir do uso despropositado da força em todas as

suas vertentes.

No plano internacional o monopólio do uso da força legítima pertence à ONU,

através do Conselho de Segurança, podendo decidir sobre a sua aplicação, no entanto ao

não possuir forças próprias, as suas decisões só ganham forma quando são apoiadas por

forças provenientes dos Estados. A CNU proibiu o uso da força admitindo apenas duas

168

Relativamente à utilização moderada do uso da força pelos agentes de autoridade, devemos ter

presente que ―as instituições policiais nunca podem funcionar como instrumentos de opressão; pelo

contrário, elas constituem a primeira garantia de liberdade e segurança dos cidadãos‖. Cfr. Mário

Gomes Dias, Seminário sobre Relações Públicas – A Polícia face à Sociedade, Revista da Polícia

Portuguesa, nº 90, Nov./Dez, Ed. CG/PSP, Lisboa, 1994, P. 24

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excepções: autorizada pelo Conselho de Segurança e nas situações de legítima defesa,

como teremos oportunidade de analisar seguidamente com maior profundidade.

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2. Conceitos gerais do uso da força pelos actores internacionais

2.1. Da natureza do uso da força: público, privado e interno

Para o Direito Internacional clássico o uso da força difere substancialmente

quando comparado com o Direito Internacional contemporâneo, sendo que, enquanto

para o primeiro a utilização da força está reservada aos Estados ou alianças de

Estados169

, já para o segundo, a sua utilização por parte dos Estados caracteriza-se por

alguma excepcionalidade ou residualidade, porque esse mesmo uso encontra-se

conferido à comunidade internacional, denominando-se como uso privado quando

utilizado pelos Estados e de uso público, nas situações em que a utilização da força é

feita pela comunidade internacional (Jorge Miranda, 2006: 269).

Numa perspectiva internacional, o uso da força poderá ser qualificado como

público se for um uso comunitário internacional ou privado nas situações em que esse

mesmo uso não é comunitário. O termo público, em direito internacional, deve ser

reservado para “denominar situações e figuras próprias da Comunidade Internacional

e não as que cabem a cada um dos Estados individualmente ou agrupados

restritamente” (Correia Baptista, 2003:29). Nesta perspectiva, existe a necessidade de

reconhecer o elemento que permite a caracterização do uso público da força para que se

crie a distinção do uso privado. Na comunidade internacional só de forma muito

excepcional é que podem ser constituídas Forças estritamente públicas170

, ao contrário

do que acontece na maior partes dos casos em que a constituição das forças

internacionais das Nações Unidas integram contingentes, organizados nacionalmente e

fornecidos pelos Estados membros, apesar de serem forças das Nações Unidas para

efeitos externos, possuem um estatuto misto que não lhes retira a qualificação como uso

público da Força, desde que, a entidade que dirige o exercício seja pública,

compreendendo todo e qualquer uso da força dirigido publicamente (Correia Baptista,

2003:32).

169 Os Estados dispunham desta prorrogativa por inexistência de uma comunidade internacional

organizada. 170 A constituição de forças estritamente públicas, pelas Nações Unidas, passaria pela solução de recrutar

efectivos directamente aos Estados membros de forma a constituir uma Força com uma identidade

própria. Esta solução apresentaria várias vantagens, desde a garantia de disponibilidade da Força

constituída até à simplicidade da decisão política feita pelos Estados para a sua utilização (Baptista,

2003: 780).

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Outro dos aspectos relacionados com a constituição da força é o critério

operacional da decisão do recurso à força, ou seja, da entidade que dirige e controla o

exercício da força. Esta realidade dentro das forças das Nações Unidas é caracterizada,

normalmente, por ser executada por um comando militar privado, constituído por um ou

mais Estados, ou organização intergovernamental, sendo que a intervenção pública171

se

limita a habilitar o seu uso sem acompanhar a sua execução, denominando-se de uso

privado habilitado (Correia Baptista, 2003:31).

Para Eduardo Baptista o poder público bélico traduz-se na utilização da força

com base num acto de autoridade constitutivo da autoria de uma entidade pública,

mesmo que depois seja exercida sob direcção privada, possuindo como elemento

essencial um acto do poder público internacional (Correia Baptista, 2003: 32).

A Comunidade Internacional é o titular original do poder público bélico. Não é

uma pessoa jurídica, mas simplesmente o conjunto dos Estados existentes. Quaisquer

dos direitos e obrigações atribuídos à Comunidade Internacional recaem, pois, sobre os

Estados, devendo estes exercer conjuntamente esses direitos e obrigações, a menos que

lhes permita reagir unilateralmente. Em relação ao poder público bélico, a necessidade

de este ser exercido colectivamente ou em alternativa por meio de uma entidade com

carácter comunitário, resulta da proibição do uso privado da força. Assim, só fará

sentido que os Estados possam utilizar a força legitimamente com base numa específica

causa de justificação e não porque objectivo que visam atingir é a prossecução de um

interesse público, isto é, um interesse da comunidade (Correia Baptista, 2003: 387).

A carta admite o uso da força pelos Estados em duas circunstâncias, ou seja, em

nas situações de legitima defesa individual ou colectiva172

ou em caso de assistência às

próprias Nações Unidas bem como em acções por si conduzidas ou da sua

responsabilidade173

(Jorge Miranda, 2006: 270).

O Direito Internacional Público de acordo com a evolução ao longo dos últimos

anos, acabou por proibir o uso privado da força nas relações internacionais. Apesar de o

artigo 2º nº 4 se prestar a mais do que uma interpretação, os trabalhos preparatórios da

Carta indicam que a força apenas poderia ser usada nos termos da Carta, ou seja, em

171 Sempre que a decisão do recurso à força couber à Comunidade Internacional ou a uma entidade por

esta constituída (Baptista, 2003: 31). 172 Cfr com o art.º 51º da carta. 173 Cfr com o nº 5 do art.º 2º da carta. Acções referidas podem estar dentro do âmbito do capítulo VII ou a

título excepcional as operações de paz e de ingerência humanitária admitidas ou determinadas pela

ONU.

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situações de legítima defesa, sob direcção ou habilitação do Conselho de Segurança174

ou em situações de ex-inimigos175

(Correia Baptista, 2003: 73).

A Carta proíbe a utilização da força, não se limitando unicamente a situações de

guerra, incluindo também todas as expressões de força menor. Esta justificação decorre

do artigo 2º, nº 3, quando refere que “Os membros da Organização deverão resolver as

suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo a que a paz e a

segurança internacionais, bem como a justiça, não sejam ameaçadas”.

Ao nível dos conflitos internos, tendencialmente, os Estados tem vindo a

restringir o uso da força em relação à sua própria população. A comunidade

internacional tem demonstrado maior atenção aos conflitos internos, essencialmente

àqueles que se adivinham longos, colocando quase sempre em causa a violação dos

direitos humanos. Para Correia Baptista “existe uma prática ainda não assumida

abertamente no sentido de estender a obrigação de resolução pacífica a estes conflitos

internos de grandes proporções e longa duração”( Correia Baptista, 2003: 279).

Outra das proibições baseada no princípio da não intervenção, estabelece que os

Estados ou organizações internacionais (destituídas de poderes públicos) ou outras

entidades paralelas, não possam intervir em questões de jurisdição interna de um outro

Estado. De acordo com este princípio, não será possível que outros actores

internacionais possam fornecer qualquer forma de apoio a um movimento armado que

lute contra o governo de outro Estado, ou pelo contrário, apoiar o Governo em

detrimento desse movimento armado. Na génese desta proibição existem essencialmente

dois princípios básicos, por um lado o do respeito pela soberania dos outros Estados,

proibindo qualquer apoio a movimentos que lutem contra o Governo de um Estado

estrangeiro, por outro lado, o princípio da autodeterminação dos Povos organizados em

Estados, proibindo as intervenções ao lodo do Governo contra movimentos armados

efectivos que lutem contra esses mesmos Governos (Correia Baptista, 2003: 282).

Como excepção a esta proibição existem duas situações: actuação com base em

consentimento do Governo ou em reacção a intervenção ilícita prévia. Na primeira

excepção encontram-se englobadas as intervenções a pedido do Governo contra golpes

de Estado, motins ou bandos armados realizados ao abrigo de tratados ou acordos

174 Tendo por base o art.º 106º da Carta. 175 Art.º 53º, nº 1, terceira parte, e art.º 107º da Carta.

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específicos176

(Correia Baptista, 2003: 288). Na segunda excepção, para que seja lícito

assistir a parte adversária177

não basta ter havido uma intervenção, mas sim uma

intervenção ilícita178

(Correia Baptista, 2003: 299).

Pelo atrás exposto, constatamos que o uso da força no plano internacional se

encontra envolvida por vários princípios, sendo a ONU, através do seu Conselho de

Segurança, a entidade que “possui o monopólio do uso da força, pelo menos o da sua

avaliação” (Jorge Miranda, 2006: 269).

176 Na jurisprudência existe o entendimento de que o uso restrito da força por parte de um Estado no

território de outro, a seu pedido, é lícito e tem tido o apoio do Conselho de Segurança. 177 Quando nos referimos à parte adversária incluímos o Governo e os próprios adversários. 178 Este fundamento é acolhido pela prática dos Estados, jurisprudência e pela doutrina.

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3. Parâmetros jurídicos do uso da força pelos Estados

3.1. O quadro internacional

Com a revolução de 25 de Abril de 1974, Portugal retomou o lugar que lhe

pertence, por direito próprio, no contexto das Nações, passando a adoptar os princípios

disciplinadores desta matéria, no âmbito internacional. Na Declaração Universal dos

Direitos do Homem179

(DUDH), no artigo 3.º está expresso que às Forças de Segurança

compete velar pelo direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal; também o artigo 5.º

refere que às Forças de Segurança compete zelar pela inexistência de comportamentos

inaceitáveis como sejam proibição de tortura, do tratamento cruel, desumano ou

degradante.

No que se refere à Convenção Europeia dos Direitos do Homem180

(CEDH), no

seu artigo 2.º consagra-se o direito à vida, estando previstas no nº 2 hipóteses em que a

violação desse direito é permitida por resultar, de necessário recurso ao uso da força, a

saber:

a) Para assegurar a defesa de qualquer pessoa contra uma violência ilegal;

b) Para efectuar uma detenção legal ou para impedir a evasão de uma pessoa

detida legalmente;

c) Para reprimir, em conformidade com a lei, uma revolta ou uma insurreição.

Relativamente ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos181

(PIDCP), dever-se-á destacar o artigo 6.º que contempla o direito à vida e o artigo 9.º,

que em Portugal constitui uma das funções constitucionais da polícia, previstas no

artigo 272.ºda CRP, e que assume especial importância no que diz respeito à

consagração do direito à liberdade e à segurança de pessoa.

Quanto à Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis,

Desumanos ou Degradantes182

, regula a inaceitabilidade, entre outros, da extorsão de

179Adoptada e proclamada pela Assembleia Geral das NU na sua Resolução 217A (III) de 10 de

Dezembro de 1948. 180 Adoptada em Roma, a 4 de Novembro de 1950. Aprovada para ratificação pelo Estado Português pela

lei nº 65/78, de 13 de Outubro. 181 Ratificação e adesão pela resolução 2200A (XXI) da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 16 de

Dezembro de 1966. 182 Ratificação e adesão pela resolução n.º 39/46 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 10 de

Dezembro de 1984. No direito português o conceito de tortura, tratamento cruel, desumano ou

degradante é dado pelo nº 3 do art. 243 º do CP.

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100

depoimentos, encontrando-se ainda previsto no artigo 2º nº 3 da mesma Convenção que

“nenhuma ordem de um superior ou de uma autoridade pública poderá ser invocada

para justificar a tortura”, sendo que a obediência hierárquica não exime a

responsabilidade.

No que concerne aos Princípios para a Protecção de todas as pessoas sujeitas a

qualquer forma de Detenção ou de Prisão183

, reafirma-se o princípio da dignidade da

pessoa humana, acentuando-se o princípio imperativo do respeito e do tratamento com

humanidade das pessoas detidas. A título exemplificativo temos o princípio nº 21 que

refere a proibição de abuso da pessoa detida para a coagir a confessar, a incriminar-se

por qualquer outro modo ou a testemunhar contra outra pessoa, ou durante o

interrogatório, sujeitar o detido a violência capaz de comprometer a sua capacidade de

decisão ou discernimento.

Quanto à Declaração dos Princípios Básicos de Justiça relativos às Vítimas da

Criminalidade e Abuso do Poder e respectivo Anexo184

, este prevê o tratamento

condigno e diversas formas de apoio, bem como o direito à reparação e indemnização às

vítimas da criminalidade e abuso do poder.

Relativamente ao Código de Conduta para os Funcionários responsáveis pela

aplicação da Lei185

, este alerta para uma maior qualificação policial, referindo que, no

cumprimento dos seus deveres, os responsáveis pela aplicação da lei respeitem e

protejam a dignidade humana tendo sempre presentes os direitos fundamentais.

Acrescenta ainda, relativamente ao uso da força, embora de natureza residual e

subsidiária, que a sua aplicação seja efectuada quando estritamente necessário,

contemplando os princípios da necessidade e da proporcionalidade.

De relembrar também o Código Europeu de Ética da Polícia186

, que nos

encaminha no sentido de limitar o recurso à força aos casos de absoluta necessidade

com a finalidade de alcançar um fim legítimo.

No que concerne aos Princípios Básicos sobre a utilização da Força e das Armas

de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei187

, indica que o uso da

arma deve ter por base os princípios da absoluta necessidade, residualidade e

183 Resolução 43/173, de 9 de Dezembro de 1988 adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas. 184 Resolução 40/34, de 29 de Novembro de 1985 adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas. 185 Resolução nº 34/169 de 17 de Dezembro de 1979, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas. 186 Recomendação 10/2001 do Comité de Ministros do Conselho da Europa 187 Oitavo Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes

realizado em Havana de 27/08 a 07/09 de 1990.

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101

proporcionalidade, fazendo-se a adequação aos fins legítimos e à gravidade da situação,

sempre tendo em vista a salvaguarda das vidas humanas.

Por último fazemos referência à carta de direitos fundamentais da União

Europeia188

que atribui especial importância aos valores da dignidade humana, do

direito à vida, à integridade física e mental, à liberdade e à segurança, proibindo a

tortura, tratamento ou penas desumanas ou degradantes e a discriminação, sublinhando

que todos os seres humanos são iguais perante a lei.

Importa referir que, todos os preceitos legais referidos superiormente têm

aplicabilidade directa na ordem jurídica portuguesa, e contribuem para que o recurso

aos meios coercivos sirva para respeitar e defender uma grande causa - os direitos

fundamentais das pessoas.

3.1.1. O caso particular das Nações Unidas

A segunda guerra mundial, tendo sido produto do fracasso da Sociedade das

Nações, desencadeou nos Estados vencedores o empenho da criação de um sistema

internacional que garantisse a paz e a segurança colectiva189

, através da aprovação da

CNU na conferência de S. Francisco.

As Nações Unidas são, nas palavras de Victor Ângelo, a única instituição

intergovernamental com funções de manutenção de paz e segurança colectiva num

quadro de referência universal, isto é, aberto a todos os Estados do Globo. A

manutenção da paz foi o fundamento da génese da organização, constituindo ainda hoje,

um dos quatro pilares fundamentais, em conjunto com a defesa e promoção dos direitos

humanos, as questões de desenvolvimento sustentável e a coordenação das ajudas

humanitárias. Esta questão tem recebido uma atenção muito particular por parte dos

principais membros da ONU, quer política, quer em termos de reflexão substantiva e de

188 Formalmente adoptada em Nice, em Dezembro de 2000, pelos Presidentes do Parlamento Europeu, do

Conselho e da Comissão, a Carta representa um compromisso político, sem efeitos jurídicos

obrigatórios. Com o Tratado de Lisboa a Carta é investida de força obrigatória através da introdução

de uma menção que lhe reconhece valor jurídico idêntico ao dos Tratados. Para o efeito, a Carta foi

proclamada pela segunda vez em Dezembro de 2007. Consultado em

http://europa.eu/legislation_summaries/human_rights/fundamental_rights_within_european_union/l33

501_pt.htm 189 O conceito de segurança colectiva assenta num sistema de segurança global que funciona a favor de

todos, reagindo contra qualquer agressão considerada injusta face ao direito internacional (Moreira,

2007: 94).

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102

fundo, estratégica, num quadro de análise e da problemática dos conflitos (Ângelo,

2005: 413).

À Organização das Nações Unidas é-lhe atribuído um papel fulcral na

manutenção da paz e segurança internacionais. As áreas promovidas pela actuação da

ONU estão relacionadas com a cooperação profícua entre Estados no que diz respeito a

situações relacionadas com o Direito Internacional (DI), o Desenvolvimento

Económico, a Igualdade Social e a Segurança Internacional. Nesta perspectiva a ONU

pretende a criação e a aplicação de regras do DI e de se constituir o fórum privilegiado

para garantir a desejada segurança colectiva (Adriano Moreira (coord.), 2008:468).

Ao analisar-se a actuação da ONU verifica-se que esta centra a descrição e

análise do ambiente estratégico nas ameaças à paz e segurança internacionais e como se

constituiu numa organização marcadamente política, a questão ideológica é central à sua

acção estratégica, assumindo “a defesa dos valores democráticos, dos direitos humanos

e estabelece a meta de aperfeiçoar o triângulo constituído pelo desenvolvimento,

liberdade e paz” (Adriano Moreira (coord.), 2008:468).

A Organização identifica a pobreza, os conflitos inter e intra estatais, a

proliferação de doenças à escala global, a degradação ambiental, o terrorismo

transnacional, a proliferação de armas de destruição maciça e todas as dimensões da

criminalidade organizada como as principais ameaças, sendo algumas destas de

natureza transnacional. O relatório do High-level Panel on Threats, Challenges and

Change190

, na abordagem aos desafios que se colocam a esta organização, identifica a

necessidade de garantir e promover duas realidade interligadas, a segurança e o

desenvolvimento, referindo que “A more secure world is only possible if poor countries

are given a real change to develop”191

.

O relatório supra citado assume a necessidade de “reinventar um sistema de

segurança colectiva eficaz, eficiente e equilibrado, fazendo uma clara alusão à reforma

da ONU” (Adriano Moreira (coord.), 2008:469).

Assim, os objectivos estratégicos mais significativos da organização estão

relacionados com o combate às origens das ameaças evitando a sua manifestação,

enfrentar ameaças e desenvolver uma ordem internacional assente num multilateralismo

efectivo e numa parceria global entre entidades estatais e não estatais, capazes e

190 Documento ―A More secure World: our Shared Responsibility & MSW‖, relatório de Dezembro de

2004, do Secetary-General´s High-level Panel on Treats, Challenges and Change. 191 United Nations- Resolution 55/2. United Nations Millenium Declaration, p.1.

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responsáveis. Os princípios estratégicos que pautam a sua actuação são deduzidos dos

três pilares da segurança colectiva, referidos no relatório de Dezembro de 2004 do

Secretary-General High-level Panel on Threats,Challenges and Change, e que são os

seguintes: combater as ameaças aos níveis global, regional e nacional, combater as

ameaças de forma multilateral e cooperativa entre Estados e Organizações e combater as

ameaças através de acções preventivas, preferencialmente pacíficas, recorrendo a todos

os instrumentos disponíveis.

A Carta, como tratado instituidor das NU, tem uma evidente base constitucional.

A organização beneficia de capacidade jurídica própria, órgãos permanentes, mandato

alargado e possibilidade de aprovar disposições com força obrigatória para Estados e

governos, povos e até indivíduos, o que permite uma mobilização da cooperação

internacional sem paralelo noutras organizações.

O Conselho de Segurança das NU é uma instituição internacional credível,

porque exerce um importante controlo social no ambiente internacional sem recorrer, no

essencial, a fórmulas coactivas.

As soluções preconizadas na Carta correspondem ao que genericamente se

espera de um modelo de segurança colectiva. Num primeiro sentido, porque são

estabelecidas regras que limitam ou proíbem o emprego da força, reconhecendo-se que

tais regras protegem um interesse comum. Deste ponto decorre um outro aspecto,

também fundamental, a imposição de obrigações indivisíveis cuja violação pode

suscitar a reacção dos Estados, e que se consubstancia num mecanismo de controlo

colectivo de imposição dessas regras192

.

Num tal quadro, a força normativa do art.2.º, nº 4 é enorme. O artigo entende

que tanto a ameaça como o emprego da força constituem comportamentos ilícitos. O

próprio Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) veio elucidar a questão no Caso

Nicarágua193

, defendendo que o princípio da proibição geral do uso da força é prova de

costume internacional (erga omnes) afectando subjectivamente os direitos de todos os

Estados, dentro ou fora das NU.

192 Tarcisio Gazzini. ―Do We Need a Collective Security System?‖. New Zealand Armed Forces Law

Review. Vol.6 ( 2006), p.47. 193 Case Concerning Military and Paramilitary Activities in and Against Nicaragua (Nicaragua v United

States of America), Merits (1986) ICJ Rep 14 (―Nicaragua Case‖), parágrafo 190.

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104

Ao analisar-se no espírito da Carta194

a transferência de processos de securização

de ameaças para o Conselho conclui-se que existe incontornavelmente legitimidade

institucional e social do ponto de vista jurídico, para além de ser politicamente

desejável: as coligações de vontade, os exercícios de poder unilaterais e decisões

regionais pouco transparentes representam tendências de descentralização perniciosas

para a manutenção da ordem supostamente fixada no papel regulador do CS (Saraiva,

2008: 9).

Mas, por outro lado, não se pode negar que sob o âmbito normativo das

―ameaças à paz‖ o Conselho tem securizado195

um vasto leque de dinâmicas

internacionais, tão diverso quanto as crises entre Estados, as crises ligadas à

descolonização, crises regionais de diversa natureza, desafios à autoridade do CS, crises

de âmbito interno, o terrorismo e outras ameaças genéricas196

. Este frenesim gerou

polémica sobre o modo como exerce os poderes que lhe foram outorgados. Neste

sentido, a maior ou menor legitimidade do processo de securização das ameaças

determinará em larga medida o futuro do órgão colegial, senão mesmo a sobrevivência

da organização como actor determinante nas relações internacionais.

3.1.1.1. Da natureza do poder público: originário e derivado

Com o fim da chamada Guerra-fria, no final do século XX, houve um

ressurgimento do poder público bélico, particularmente sob a forma de uso privado

habilitado, mas igualmente no seu sentido mais restrito e próprio de uso coercivo da

força pelas Nações Unidas. Isto confirma-se pelo aumento de produção jurídica pelo

Conselho de Segurança e dos seus actos que invocam o Capítulo VII da Carta. A ONU

tem demonstrado efectivamente maior protagonismo dentro do contexto internacional.

194 A Carta das Nações Unidas foi assinada em São Francisco no dia 26 de Junho de 1945 e representa o

documento base para todas as actividades da Organização. 195 Se na UE e NATO a securização das relações entre os seus membros é virtualmente impossível, o CS,

como intérprete do bem comum, é acusado de percepcionar demasiadas ameaças, ou de o fazer de um

modo infeliz, securizando muito para além do razoável, no sentido dado por Barry Buzan, Ole Wæver

e Jaap de Wilde: ―o assunto é apresentado como uma ameaça existente, que requer a adopção de

medidas de emergência e justifica acções que se afastam dos métodos políticos habituais. In Security:

a New Framework for Analysis. Boulder CO: Lynne Rienner, 1998, p.23. 196 United Nations/United Nations University - Regional Security and Global Governance (discussion

paper). Bruges: Comparative Regional Integration Studies, Setembro de 2004, pp.18-19.

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No que diz respeito ao contributo para uma segurança colectiva, a ONU está

dependente de uma cooperação efectiva, numa parceria global ou multilateralismo

efectivo entre Estados. A sua estratégia de actuação assenta nos modos directo, indirecto

e soft power. Numa análise dos artigos 1º, 2º, 33º e 42º da Carta concluiu-se que a sua

acção traduz-se na aplicação de medidas pacíficas e/ou medidas coercivas que são

levadas a cabo através de capacidades dos seus Estados-membros ou recorrendo à

NATO.

Relativamente à dificuldade na implementação de medidas sobretudo as que

dizem respeito ao uso da força propõe Hannan197

o consenso “on a shared assessment of

these threats and a common understanding of our obligations in adressing them…”. No

seu discurso Hannan associa as dificuldades de implementação do uso da força, às

dificuldades de percepção homogénea e una das ameaças e à falta de meios,

nomeadamente forças militares (Adriano Moreira (coord.), 2008:470). Para ultrapassar

esta questão a Organização promove a solidariedade de todos os seus membros através

de uma aliança ou de uma parceria global para a promoção da paz e segurança

internacionais.

Uma das questões mais sensíveis diz respeito ao consenso quanto ao momento

da aplicação dos instrumentos disponíveis, nomeadamente a força armada: “se de forma

preemptiva na defesa contra ameaças latentes ou não iminentes” (Adriano Moreira

(coord.), 2008: 471). A este respeito diz Kofi Hannan “I believe the Charter of our

Organization, as it stands, offers a good basis for the understanding that we need.

Imminent threats are fully covered by Article 51, wich safeguards the inherent right of

sovereign States to defend themselves against armed attack. Lawyers have long

recognized that this covers na imminent attack as well as one that hás already. Where

threats are not imminent but latent, the Charter gives full authority to the Security

Council to use military force, including preventively, to preserve internacional peace

and security”198

. A actuação da ONU abrangerá a forma preventiva199

, preemptiva200

e

reactiva201

, sendo os seus principais mecanismos de actuação, parcerias, acordos, que

197 Ver Kofi Hannan- In Larger Freedom: towards development, security and human rights for all, p.25. 198 Idem, p.35. 199 Refere-se a uma actuação que antecede um facto ou acontecimento, com o objectivo actuar por

antecipação. 200 Refere-se a uma actuação feita por uma entidade quando se apercebe que uma outra já se encontra a

fazê-lo em determinado domínio, com o objectivo de se defender ou tentar anular os efeitos criados. 201 Refere-se a uma actuação que é criada como reacção a uma outra no sentido de a anular ou de se

defender dos seus efeitos.

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106

têm os mesmos objectivos propostos pela ONU. No entanto, continua a não existir

consenso quanto ao uso da força.

As Nações Unidas são a forma jurídica através da qual a Comunidade

Internacional se organizou e decidiu exercer os seus poderes. Um eventual exercício do

poder público bélico pela Assembleia-geral “equivale substancialmente, portanto, a um

uso comunitário, respeitadas as regras quanto à formação da vontade que

juridicamente é qualificada como comunitária, já que não correspondem exactamente

às da Assembleia-geral. Seria, pois, um exercício originário do poder público bélico,

por substancialmente estar a ser exercido pelo seu titular originário” (Correia

Baptista, 2003: 390).

Considerando o actual quadro jurídico estabelecido pela carta, confirma-se que a

Comunidade Internacional não possui legitimidade para exercer o poder público bélico

(originário) de que mantém uma mera titularidade nua. Os Estados representados na

Assembleia Geral, enquanto elementos constitutivos desta comunidade, pela mesma

Carta, renunciaram ao exercício deste poder, atribuindo-o a um grupo restrito destes,

organizado juridicamente no Conselho de Segurança, não podendo agora consentir no

seu exercício de modo a decidir validamente que a Organização (nem, por maioria de

razão, um ou mais Estados) possa recorrer à força fora dos termos consentidos pelo

Direito Internacional Costumeiro (Correia Baptista, 2003: 645). Na utilização do poder

público bélico, “a Comunidade Internacional apenas o pode reassumir, formalmente,

com a revogação, emenda nesse sentido ou suspensão da Carta. Enquanto esta estiver

plenamente em vigor esta operação é juridicamente impossível” (Correia Baptista,

2003: 646). Caso existisse uma situação de revogação ou suspensão da Carta, os

Estados, poderão no respeito do Direito Internacional Costumeiro, exercer

conjuntamente, como titulares originários, os seus poderes; incluindo adoptar actos

unilaterais que vincularão erga omnes mesmo os Estados que tiverem votado contra nos

termos do regime consuetudinário. Em face de uma alteração da Carta no sentido de

conferir poderes públicos à Assembleia, formalmente, tratar-se-ia ainda de um acto das

Nações Unidas, mas substancialmente estar-se-ia também perante uma decisão

comunitária. Deste modo, seria possível um exercício do poder público bélico

susceptível de ser qualificado como originário. Sem tais alterações, a Assembleia Geral

não pode sequer recomendar o uso da força ou a adopção de medidas coercivas não

bélicas, fora dos termos estabelecidos em geral pelo Direito Internacional em matéria de

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causas de exclusão da ilicitude, e só excepcionalmente poderá criar meras forças de

manutenção de paz e não de imposição da paz ou bélicas (Correia Baptista, 2003: 646).

Com base na Carta da Nações Unidas é ao Conselho de Segurança que se

encontra atribuído o exercício do poder público, nomeadamente quanto à tomada de

decisões vinculativas ou mesmo à sua execução compulsiva, designadamente pelo

recurso à força. No entanto, o exercício deste poder é um exercício derivado, porque

não sendo realizado pela Comunidade Internacional202

é competência exclusiva deste

órgão restrito onde as grandes potências têm um peso dominante. O Conselho de

Segurança pode delegar em outros órgãos das Nações Unidas alguns dos seus poderes,

ou mesmo legitimar o uso da força, por sua decisão, sem que faça uso dos seus efectivos

poderes de direcção em relação aquele uso, atribuindo essa responsabilidade aos

Estados Membros ou mesmo a possíveis organizações regionais, exercendo através

destas acções o seu poder público bélico derivado (Correia Baptista, 2003: 647).

Como ficou referido anteriormente, Comunidade Internacional, representada na

Assembleia Geral, não possui legitimidade para exercer o poder público bélico

(originário), tendo abdicado desta competência para um dos seus órgãos – o Conselho

de Segurança. A Assembleia não pode sequer recomendar o uso da força ou adoptar

medidas coercivas não bélicas, podendo unicamente criar forças de manutenção de paz

mas não de imposição ou bélicas. A carta possibilita o exercício derivado do poder

público, não permitindo o exercício pelo seu titular originário, ou seja, o conjunto dos

Estados enquanto Comunidade Internacional.

3.1.1.2. Limites ao uso da força: da necessidade à proporcionalidade

Em matéria de limites para o exercício do poder público internacional, as normas

de direito internacional (Ius Cogens) têm sido consensuais e bem aceites pela própria

Comunidade Internacional. As Nações Unidas, apesar de possuírem um regime

específico, encontram-se vinculadas às normas de direito internacional, das quais tem

sido os principais defensores e que estão obrigados a fazer respeitar pela sua própria

carta, nomeadamente no domínio dos direitos humanos.

202 Poderá ser considerado para este efeito por intermédio da Assembleia Geral

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No seio do Ius Cogens destacam-se como limites específicos aplicáveis ao

exercício do poder público as normas relativas aos direitos humanos. Estas normas

constituem parâmetros importantes em relação a todas aquelas que se relacionam com

as medidas coercivas não bélicas, compreendendo não só os direitos civis e políticos,

mas também os económicos, sociais e culturais. Existem também outro grupo de normas

internacionais com grande importância como limite ao poder público bélico constituído

pelas normas do Direito Internacional Humanitário Costumeiro203

(Correia Baptista,

2003: 1008).

Resta enunciar dois dos principais princípios presentes na Carta que se

convertem em dois grandes princípios limitadores ao emprego do uso da força que são

aplicados sempre que esteja em causa a aplicabilidade dos meios coercivos.

O princípio da necessidade, apesar de se encontrar consagrado na carta, não se

aplica apenas ao Conselho de Segurança ou ao seu exercício de poder público, sendo

considerado como princípio geral de actuação das Nações Unidas (Correia Baptista,

2003: 1061). Nesta medida, a Carta estabelece a aplicabilidade deste princípio quer à

actuação e organização interna204

quer externa205

, bem como à sua legitimidade e às

suas imunidades206

ao Conselho de Segurança207

e quando actua por meio de

recomendações208

. O princípio da necessidade subdivide-se em dois subprincípios;

adequação e minimização dos danos. O primeiro subprincípio encontra-se relacionado

com a eficácia material, exigindo que as mediadas a adoptar sejam aptas para que se

alcance o objectivo pretendido. O subprincípio da minimização dos danos tem por

finalidade a escolha da medida que menores consequências tragam, dentro das medidas

adequadas para prosseguir o objectivo visado (Correia Baptista, 2003: 1064).

Um outro princípio de grande importância que limita de forma inequívoca

qualquer poder é o da proporcionalidade. Apesar de a Carta não sujeitar o exercício do

poder público a este princípio, ao contrário do que faz em relação ao princípio da

necessidade, a doutrina aponta para que este princípio seja respeitado quer na tomada de

decisão do Conselho de utilizar a força, quer do emprego desta no terreno (Correia

Baptista, 2003: 1068).

203 Para um estudo mais aprofundado ver a análise às normas humanitárias costumeiras do Direito

Internacional dos Conflitos Armados (Baptista, 2003: 432). 204 Cfr art.º 7º nº 2, 20º, 22º, 29º, 68º, 72º nº 2, 90º nº 2, 97º e 101º nº 2. 205 Cfr art.º 2º nº 6 e 59º. 206 Cfr art.º 104º, 105º nº 2 e nº 3 e 106º. 207 Cfr art.º 40º, 42º, 43º, 47º nº 2, 48º nº 1, 51º e 94º nº 2. 208 Cfr art. Art.º 33º nº 2.

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109

Este princípio é aplicável a todas as decisões do Conselho no exercício dos seus

poderes públicos, bem como a todos os actos de execução, onde se incluem as

delegações ou habilitações.

Existem portanto vários limites que poderão e deverão ser aplicados sempre que

esteja a ser preparado o emprego do uso da força. Este limites são importantes na

medida em que ajudam a adequar e a ajustar a aplicabilidade dos meios coercivos à

situação em concreto, procurando encontrar uma solução ajustada, que por um lado seja

solução para o problema sem que por outro se transforme numa medida exagerada ou

desajustada em relação ao fim pretendido.

3.2. Um quadro nacional: o uso da força em Portugal

Em Portugal, o uso da força encontra-se estabelecido legalmente denotando-se

uma acentuada preocupação com as condições e circunstâncias em que este melindroso

recurso é utilizado, resultado do acolhimento de recomendações dos textos

internacionais.

No caso das polícias, a utilização da força exige aos elementos policiais que a

ela recorrem, uma sólida formação nesta área, em virtude de se defrontarem inúmeras

vezes com situações em que se torna exigível a sua aplicação. Na verdade, apesar de ser

possível o recurso aos meios coercivos, tendo presente a razoabilidade da situação,

existem várias disposições legais que devem ser seguidas para que o recurso à força,

não seja ele próprio, um sujeito lesivo dos direitos fundamentais dos cidadãos.

Analisando-se o enquadramento legal português, verifica-se que o emprego da

força só deve ser feito em situações extremas ou excepcionais, permitindo a lei que esta

deva ser feita de acordo com “as circunstâncias, para a prevenção de um crime ou para

deter ou ajudar à detenção legal de delinquentes ou de suspeitos, qualquer uso da força

fora deste contexto não é permitido” (Maximiano, 1996: 16).

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110

3.2.1. Preceitos constitucionais

No Estado de Direito Democrático Português existem campos de actuação e

valores que devem ser considerados, definidos por parâmetros jurídicos, que regulam a

actuação das Forças de Segurança. A Constituição da República Portuguesa, neste

âmbito como lei fundamental, define e disciplina estes princípios constitucionais

fundamentais que se consideram indispensáveis quer para a actuação policial, quer para

o exercício do uso da força. Assim, no quadro constitucional, a dignidade do ser

humano209

surge como pilar fundamental, e atribui aos cidadãos a inviolabilidade da sua

integridade moral e física210

, afirmando que todos têm o direito à liberdade e à

segurança211

, tendo a mesma dignidade social e sendo iguais perante a lei212

.

A lei fundamental no seu art.º 8º assume fortes laços com o direito internacional,

dedicando-lhe um artigo autónomo, começando por referir que “As normas e os

princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte integrante do direito

português”213

, e ainda que “As normas constantes de convenções internacionais (…)

vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem

internacionalmente o Estado Português”214

, menciona também que “as normas

emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais (…) vigoram

directamente na ordem interna, desde que tal se encontre estabelecido nos respectivos

tratados constitutivos”215

, e que “As disposições dos tratados que regem a União

Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas

competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da

União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito

democrático”216

.

Para o estudo do uso da força no exercício da função policial será útil referir o nº

1 do art.º 16º que refere que “Os direitos fundamentais consagrados na Constituição

não excluem quaisquer outros constantes das leis e das regras aplicáveis de direito

internacional”, sendo que o nº 2º do mesmo artigo determina que ―os preceitos

209 Art. 1.º da CRP 210 Art. 25.º nº 1 da CRP 211 Art. 27.º nº 1 da CRP 212 Art. 13.º nº 1 da CRP 213 Art.º 8º nº 1 da CRP 214 Art.º 8º nº 2 da CRP 215 Art.º 8 nº 3 da CRP 216 Art.º 8 nº 4 da CRP

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111

constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e

integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem”.

Constata-se também uma vinculação das entidades públicas e privadas aos

preceitos constitucionais que regulam direitos liberdades e garantias217

, especificando a

subordinação dos órgãos e agentes administrativos à constituição e aos princípios que

devem respeitar no exercício das suas funções, nomeadamente o princípio da igualdade,

da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé218

. Dentro do exercício

funcional devemos ainda relembrar a responsabilidade a que se encontra sujeito o

Estado e as demais entidades públicas quando, por acção ou omissão, viole direitos

liberdades e garantias219

. Neste campo, a responsabilidade individual também não foi

esquecida, encontrando-se os funcionários, os agentes do Estado e das demais entidades

públicas, sujeitos à responsabilidade civil, criminal ou disciplinar que lhe couber,

sempre que no seu exercício funcional violem interesses protegidos dos cidadãos220

.

O art. 272º do mesmo texto fundamental, respeitante à polícia, refere que “A

polícia tem por funções defender a legalidade democrática e garantir a segurança

interna e os direitos dos cidadãos”221

; “As medidas de polícia são as previstas na lei,

não devendo ser utilizadas para além do estritamente necessário”222

; “A prevenção dos

crimes, incluindo a dos crimes contra a segurança do Estado, só pode fazer-se com

observância das regras gerais sobre polícia e com respeito pelos direitos, liberdades e

garantias dos cidadãos”223

. Esta redacção remete-nos para a necessária observância dos

princípios e normas que regem a actividade policial, tornando-se fundamentais para uma

actuação que se pretende eficaz e para a própria salvaguarda do agente de eventuais

responsabilidades.

Importa referir ainda o Direito à Resistência224

que se encontra salvaguardado

pela Constituição, e todos os cidadãos a ele podem recorrer sempre que uma autoridade

policial emane uma ordem que ilegitimamente lhe restrinja os direitos, liberdades e

garantias. Conclui-se assim, que a actuação das Forças de Segurança está devidamente

enquadrada pelos vários preceitos constitucionais, não sendo admissível que existam

violações que afectem directa ou indirectamente os direitos que se pretendem proteger.

217 Art. 18º nº 1 da CRP 218 Art. 266º nº 2 da CRP 219 Art. 22º da CRP 220 Art. 271º nº1 da CRP 221 Art. 272º nº 1 da CRP 222 Art. 272º nº 2 da CRP 223 Art. 272º nº 3 da CRP 224 Art.21º da CRP.

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112

3.2.2. Regime legal vigente

A actuação das Forças de Segurança pauta-se pela utilização de inúmeros

parâmetros jurídicos e constitucionais. Da análise legal que se segue aos vários

diplomas legais, verificaremos também os diplomas orgânicos e estatutários das duas

Forças de Segurança consideradas (GNR e PSP), tornando-se importante conhecer os

regimes jurídicos quanto ao uso da força.

A lei de segurança interna (LSI) ao nível dos seus princípios fundamentais

afirma que “A actividade de segurança interna pauta-se pela observância dos

princípios do Estado de direito democrático, dos direitos, liberdades e garantias e das

regras gerais de polícia”225

; e que “As medidas de polícia são as previstas na lei, não

devendo ser utilizadas para além do estritamente necessário e obedecendo a exigências

de adequação e proporcionalidade”226

.

Com excepção do caso previsto no n.º 2 do artigo 28º227

da lei de segurança

interna, as medidas de polícia só são aplicáveis nos termos e condições previstos na

CRP e na lei, de acordo com o princípio da necessidade e somente pelo período de

tempo estritamente imprescindível para garantir a segurança e a protecção de pessoas e

bens. As medidas atrás referidas só deverão ser aplicadas nas situações em que existam

“indícios fundados de preparação de actividade criminosa ou de perturbação séria ou

violenta da ordem pública”228

.

Relativamente à utilização dos meios coercivos, a LSI no seu art.º 34º refere que

os agentes das forças e dos serviços de segurança só podem utilizar meios coercivos

para “repelir uma agressão actual e ilícita de interesses juridicamente protegidos, em

defesa própria ou de terceiros”229

; para “vencer resistência à execução de um serviço

no exercício das suas funções, depois de ter feito aos resistentes intimação formal de

obediência e esgotados os outros meios para o conseguir”230

; considerando que “o

225 Art.º 2º nº 1 da Lei nº 53/08 de 29 de Agosto 226 Art.º 2º nº 2 da Lei nº 53/08 de 29 de Agosto 227 Remoção de objectos, veículos ou outros obstáculos colocados em locais públicos sem autorização que

impeçam ou condicionem a passagem para garantir a liberdade de circulação em condições de

segurança. 228 Art.º 30º da Lei nº 53/2008 de 29 Agosto 229 Art.º 34º nº 1 al. a) da Lei nº 53/08 de 29 de Agosto 230 Art.º 34º nº 1 al. b) da Lei nº 53/08 de 29 de Agosto

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113

recurso à utilização de armas de fogo e explosivos pelas forças e pelos serviços de

segurança é regulado em diploma próprio”231

.

A LSI, no que se refere à utilização de meios coercivos, demonstra a

preocupação do legislador em restringir a utilização dos referidos meios coercivos a

situações de legítima defesa, considerando ainda que esta matéria é merecedora de

diploma autónomo, nomeadamente, na utilização de armas de fogo e explosivos pelas

forças e pelos serviços de segurança.

O Código Deontológico do Serviço Policial232

(CDSP), aplicável aos militares

da GNR e aos agentes da PSP no âmbito do exercício das funções policiais, depois de

enunciar como princípios fundamentais, além de outros, o respeito dos direitos

humanos233

e de prescrever que "No cumprimento do seu dever, os membros das Forças

de Segurança promovem, respeitam e protegem a dignidade humana, o direito à vida, à

liberdade, à segurança e demais direitos fundamentais (...)"234

, dispõe ainda sobre o uso

da força mencionando que "Os membros das Forças de Segurança usam os meios

coercivos adequados à reposição da legalidade e da ordem, segurança e tranquilidade

públicas só quando estes se mostrem indispensáveis, necessários e suficientes ao bom

cumprimento das suas funções e estejam esgotados os meios de persuasão e de

diálogo"235

; e refere também que "Os membros das Forças de Segurança evitam

recorrer ao uso da força, salvo nos casos expressamente previstos na lei, quando este

se revele legitimo, estritamente necessário, adequado e proporcional ao objectivo

visado"236

. O articulado do CDSP alerta-nos para que nas situações em que o diálogo e

os restantes meios de persuasão não resolvam o problema, e encontrando-se preenchidos

todos os parâmetros exigíveis para que se possa recorrer ao uso da força, dever-se-á ter

em especial atenção a legitimidade, a necessidade, a adequação e proporcionalidade em

ralação ao objectivo visado, mantendo sempre presente o respeito pela dignidade

humana, o direito à vida, à liberdade, à segurança e demais direitos fundamentais.

Importa ainda referir que o recurso à arma de fogo na acção policial se encontra

regulado por regime jurídico próprio237

, atribuindo ao legislador uma importância

especial por considerar uma medida extrema da aplicação da força. O recurso a este

231 Art.º 34º nº 2 da Lei nº 53/08 de 29 de Agosto 232 Resolução do Conselho de Ministros n° 37/2002 de 07 de Fevereiro 233 Art.º 2º da Resolução do Conselho de Ministros n° 37/2002 de 07 de Fevereiro 234 Art.º 3º nº 1 da Resolução do Conselho de Ministros n° 37/2002 de 07 de Fevereiro 235 Art. 8º nº 1 da Resolução do Conselho de Ministros n° 37/2002 de 07 de Fevereiro 236 Art. 8º nº 2 da Resolução do Conselho de Ministros n° 37/2002 de 07 de Fevereiro 237 Decreto-lei nº 457/99 de 05 de Novembro

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114

meio é tão grave, que só pode ser admitido quando esgotados todos outros recursos.

Este regime, pela sua excepcionalidade, será abordado autonomamente numa fase

posterior deste trabalho.

No que se refere à GNR, o art. 14º nº 1 da lei que estabelece a orgânica da

Instituição238

(LOGNR), permite que os militares da Guarda utilizem as “medidas de

polícia legalmente previstas e nas condições e termos da Constituição e da lei de

segurança interna, não podendo impor restrições ou fazer uso dos meios de coerção

para além do estritamente necessário”.

Refere ainda o nº 2 do memo artigo e diploma que, “quem faltar à obediência

devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de

autoridade de polícia ou agente de autoridade da Guarda, é punido com a pena

legalmente prevista para a desobediência qualificada”.

Na PSP, a sua lei orgânica239

prevê a mesma descrição referida anteriormente

para a GNR.

O Estatuto dos Militares da Guarda (EMGNR)240

, no seu art.15º, prevê que a

utilização dos meios coercivos e o uso de armas de fogo seja realizado nas seguintes

circunstâncias; “O militar da Guarda usa os meios coercivos adequados à reposição da

legalidade e da ordem, segurança e tranquilidade pública quando estes se mostrem

indispensáveis, necessários e suficientes ao bom cumprimento das suas funções e

estejam esgotados os meios de persuasão”; “O militar da Guarda tem o especial dever

de assegurar o respeito pela vida, integridade física e psíquica, honra e dignidade das

pessoas sobre a sua custódia ou ordem”; “O militar da Guarda recorre ao uso da

força, nos casos expressamente previstos na lei, quando este se revele legítimo,

necessário, adequado e proporcional ao objectivo visado”; “Em especial, só deve

recorrer ao uso de armas de fogo, como medida extrema, quando tal se afigure

absolutamente necessário, adequado, proporcional e exista comprovadamente perigo

para a sua vida ou de terceiros e nos demais casos previstos na lei”. Este artigo do

EMGNR regula a utilização do uso da força tendo presente os princípios da adequação,

necessidade e proporcionalidade, começando por legitimar o uso de meios coercivos

para situações de reposição da ordem e segurança pública após esgotados os meios de

persuasão. Estabelece também a possibilidade do recurso a armas de fogo, como medida

238 Lei n.º 63/2007 de 6 de Novembro 239 Art.º 12º nº1 da Lei 53/2007 de 31 de Agosto – Aprova a orgânica da Polícia de Segurança Pública 240 Aprovado pelo DL 297/2009 de 14 de Outubro.

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115

extrema do uso da força, nos casos previsto na lei241

e em situações de perigo para a

vida do agente ou de terceiros.

O EMGNR estabelece nesta área, o respeito pela dignidade humana, a utilização

da persuasão, o uso da prudência e prevê que o recurso à força só ocorra em caso de

absoluta necessidade, constando ainda este preceito legal no capítulo ―Deveres‖.

Após esta análise, podemos concluir que os preceitos indicados se inserem no

campo dos princípios da actual lei constitucional e apelam sempre aos princípios da

residualidade, precedência de tentativa de persuasão, estrita necessidade e

proporcionalidade no recurso à força e sobretudo ao uso de armas de fogo.

Os agentes das Forças de Segurança ao aplicarem o uso da força devem

obedecer ao preceituado na lei, uma vez que acaba quase sempre por interferir com os

direitos dos cidadãos, como vimos anteriormente. No entanto, sem o uso da força e

“outros poderes tal com a privação da liberdade, não seria possível à polícia

salvaguardar o respeito pela lei, manter ou repor a ordem pública”242

.

Devemos ainda ter presente que “em democracia o uso da força não

consubstancia um direito das Forças de Segurança, mas sim um dever quando se

verifiquem certos pressupostos e sempre com o fim de interromper ou evitar violações

dos direitos fundamentais. Também não pode ser esquecido que o uso da força está

sujeito aos princípios da tipicidade e da proibição do excesso” (Marques da Silva,

2001:64).

3.2.2.1. Princípios e limites da actuação policial

Numa sociedade democrática, o uso da força torna-se um dever quando se

verificam certos pressupostos e sempre com o fim de interromper ou evitar violações

dos direitos fundamentais, após ponderação dos valores e bens a proteger.

O homem vive num permanente paradoxo, devido ao facto da sua necessidade

de liberdade mas, de igual modo, necessita de segurança tendo em conta os “três

estádios de vivência que o caracterizam: a vida íntima, vida privada e vida pública”

(Dias, 2001: 23).

241 Recurso a armas de fogo em acção policial aprovado pelo DL 457/99 de 05 de Novembro. 242 RALPH Crawshaw, Human Rights and Policing – Standards for Good Behaviour and a Strategy for

Change, London, Kluwer Law International, p. 105.

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116

A actividade policial compreende o exercício de um poder que, em diversas

situações inesperadas, não possibilita o planeamento ou estruturação de um modo de

actuação, onde pode ter lugar uma certa discricionariedade. Os actos discricionários não

devem descurar o princípio da legalidade referido anteriormente, em respeito pelos

princípios constitucionais fundamentais, que funcionam como limites à actividade

discricionária de polícia, nomeadamente os estabelecidos no artigo 266º, n.º 2 da CRP.

Embora o uso da força seja uma medida de polícia legalmente prevista, os

militares da GNR ou agentes da PSP apenas se socorrem dos “meios coercivos

adequados à reposição da legalidade e da ordem, segurança e tranquilidade públicas

só quando estes se mostrem indispensáveis, necessários e suficientes ao bom

cumprimento das suas funções e estejam esgotados os meios de persuasão e de

diálogo”243

.

O uso da força no exercício da função policial está embebido num conjunto de

preceitos jurídicos nacionais e internacionais. No entanto, há situações em que os

agentes de autoridade podem e devem usar a força, sendo então “a agressão justificada

e legítima” (Marques da Silva, 2001: 63).

Face ao exposto, os princípios aplicáveis à actuação policial surgem como

reguladores do uso da força, assumindo especial relevância sempre que é necessária a

sua aplicação. A Polícia, pela acção directa que desenvolve com a população em geral

em representação do Estado, encontra-se subordinada à lei e ao direito, nomeadamente,

aos seus princípios gerais, princípios gerais do ramo específico do direito a aplicar, lei

formal e material, jurisprudência e doutrina (Guedes Valente, 2005: 85). A actuação

policial deverá estar de acordo com os princípios gerais vinculativos da administração

pública, consagrados nos artigos 266.º e seguintes, conjugados com os artigos 3º,4º, 5º,

6º, 6º-A e 7º do CPA, dos quais aprofundaremos o princípio da legalidade, da

prossecução do interesse público, da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, da

igualdade e da proporcionalidade, da boa fé e da colaboração da Administração com os

particulares.

Princípio da legalidade

243 Art.º 8º n.º1 do Código Deontológico do Serviço Policial.

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No que diz respeito ao Princípio da Legalidade244

este determina que a actuação

da polícia deve estar habilitada legalmente, o que está na linha de pensamento do art.º

266º da CRP e do n.º 1 do art. 3º do CPA onde menciona que “os órgãos da

Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos

limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para

que os mesmos poderes lhes foram conferidos”, isto é, com excepção para os casos

estipulados na lei, os interesses particulares não podem ser lesados pela administração

pública. Estas excepções devem estar em harmonia com os preceitos Constitucionais, e

em conformidade com as normas Internacionais, configuradas em tratados e acordos a

que Portugal se encontra vinculado.

Este princípio tem dois tipos de conotações: uma positiva e uma negativa. A

conotação positiva estabelece que “a polícia faz o que está previsto na lei, não podendo

actuar sem que uma lei o estabeleça” (Sarmento Castro, 2000: 6); a conotação negativa

determina que “a Administração Pública245

está proibida de violar a lei, se o fizer, os

seus actos sofrerão uma consequência jurídica desfavorável, a invalidade” (Caupers,

2003: 50).

Referente à obediência deste princípio por parte da polícia, Manuel Guedes

Valente refere que se levantam duas questões. A dimensão negativa do princípio da

legalidade em que “todos os actos da polícia têm de se conformar com as leis, sob pena

de serem ilegais”; e a dimensão positiva do princípio da legalidade em que “a polícia

só pode intervir de acordo e com base na lei ou com autorização desta” (Guedes

Valente, 2005: 86).

Princípio da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos

Este princípio encontra-se referido na constituição no seu art.º 266º nº 1 onde

refere que “A Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no

respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos”. Como reforço

a este princípio, o art.º 4º do CPA acrescenta que “Compete aos órgãos administrativos

prosseguir o interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente

protegidos dos cidadãos”, admitindo-se neste princípio, que no decurso de toda a

244 ―(…) o princípio da legalidade consubstancia-se na ideia de que os órgãos e agentes da Administração

Pública somente podem agir com fundamento na lei e dentro dos limites por esta estabelecidos‖

(Caupers, 2003: 48). 245 Sendo neste caso sua representante a polícia.

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actividade administrativa, o interesse público seja sempre salvaguardado, sem que se

afaste simultaneamente o respeito pelos direitos dos cidadãos.

Os constitucionalistas Jorge Miranda e Rui Medeiros, a este respeito,

consideram que o interesse público se encontra inserido num quadro prático–normativo

de legalidade e constitucionalidades materiais onde existem preceitos que “estabelecem

os fins a realizar pelas entidades públicas”, no entanto, estes fins, quando colocados

num determinado nível de abstracção, são considerados comuns para a generalidade das

pessoas que integram uma comunidade, apresentando-se como “fins públicos” (Jorge

Miranda e Rui Medeiros, 2005: 559).

A este respeito Manuel Guedes Valente refere que este princípio, baseia-se nas

“finalidades próprias de uma administração que tem de prosseguir o que

teleologicamente a lei e a Constituição consignam de interesse público”. O interesse

público “apresenta-se, duplamente, à polícia como “um dos mais importantes limites

da margem da livre decisão”246

: a polícia, por um lado, só está legitimada a prosseguir

o interesse público, devendo apartar-se da prossecução de interesses privados, mesmo

que tenha que intervir para repor a ordem e a tranquilidade pública” (Guedes Valente

2005:101).

Princípios da igualdade e da proporcionalidade

O princípio da igualdade tem consagração geral e universal no art. 13.º da CRP.

Impõe este princípio, que exista igualdade na aplicação do direito, em que todos são

iguais perante a lei geral e abstracta, por outro lado, garante a igualdade dos cidadãos na

participação da vida política da comunidade, proibindo descriminações.

A lei fundamental no seu art.º 13º nº 1 estabelece que ―Todos os cidadãos têm a

mesma dignidade social” e que não poderá existir qualquer tipo de diferenciação em

razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções

políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação

sexual, criando, de forma arbitrária, situações benéficas ou prejudiciais que coloquem os

cidadãos em patamares desiguais perante a lei. O nº 2 do art.º 266 da CRP refere

também que “os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e

à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da

igualdade, da proporcionalidade…”, entre outros. A este propósito, Jorge Miranda e

246 Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral – Introdução e

Princípios Fundamentais - Tomo I, Dom Quixote, Lisboa, 2004, p. 201.

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Rui Medeiros, referem que a Administração Pública quando se relaciona com os

cidadãos, deverá ter constantemente presente que o princípio da igualdade e que este

implica tratamentos iguais para situações iguais e tratamentos diferentes para o que

também é diferente (Jorge Miranda e Rui Medeiros, 205: 569).

O princípio da igualdade também se encontra previsto no art.º 5º do CPA,

reforçando a ideia de que a Administração Pública, nas suas relações com os

particulares, “deve reger-se pelo princípio da igualdade, não podendo privilegiar,

beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever nenhum

administrado em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem,

religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou

condição social”. O nº 2 do mesmo artigo refere que em todas as situações em que as

decisões administrativas possam colidir com ―direitos subjectivos ou interesses

legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos

adequados e proporcionais aos objectivos a realizar”, salvaguardando o facto de se

admitir que possam existir situações que “belisquem” os direitos ou interesses dos

particulares em favor do interesse comum, mas sempre de forma adequada e

proporcional.

Para Manuel Guedes Valente a “vinculação da Polícia ao princípio da

igualdade emerge do n.º 2 do art. 266.º da CRP, cuja consagração é refracção do

princípio geral consagrado pelo art. 13.º da CRP. A Polícia não só está vinculada ao

princípio da igualdade, como se impõe que actue de forma a materializá-lo. O princípio

da igualdade no âmbito da actuação da Polícia revela-se quer no quadrante negativo,

em que proíbem tratamentos preferenciais, quer no positivo, que impõe tratamento

igual para situações iguais” (Guedes Valente 2005:119).

O princípio da proporcionalidade, consagrado no art. 266 nº 2 da CRP,

apresenta-se como um princípio constitucional regulador da interpretação das mais

diversas normas jurídicas, contribuindo para que a actuação do Estado e de toda a

Administração Pública se desenvolva na procura do interesse público, afectando o

mínimo possível os direitos dos particulares.

Para o autor António Francisco de Sousa247

o princípio da proporcionalidade

aplica-se “com tanta frequência, que bem podemos dizer que está em permanente

247 Apresentação proferida por António Francisco de Sousa no Seminário Internacional de Segurança

Interna e Controlo Externo das Forças e Serviços de Segurança: Reflexões e Experiências da

Lusofonia que decorreu em Sintra nos dias 12 e 13 de Dezembro de 2006.

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aplicação, como é o caso, por exemplo, da acção das forças de ordem e segurança”.

Segundo o autor, este princípio restringe o leque de escolha das medidas que a

Administração pode aplicar em cada caso.

Sobre este princípio, Vitalino Canas defende que o mesmo tem feito ―carreira‖

sobretudo como limite à actuação policial, desdobrando-se em três sub-princípios,

nomeadamente, o sub-princípio da adequação, da necessidade e da proporcionalidade

em sentido restrito.

O sub-princípio da adequação exige, segundo o autor, que se responda à seguinte

questão: “a medida em projecto (ou sob escrutínio por uma instância de controlo) é

(era) capaz de conduzir ao objectivo visado, tendo em contra a situação concreta

fáctica e jurídica que é (era) representada e invocada como justificação ou razão para

agir, e a prognose sobre como essa situação evoluirá (evoluiria)?” (Vitalino Canas,

2007: 469). Com este sub-princípio pretende-se que a medida escolhida seja adequada

para concretizar o objectivo visado, dentro a envolvente fáctica e jurídica que justificam

tal actuação.

O sub-princípio da necessidade pressupõe a seguinte questão “é ou era

necessário ou indispensável adoptar aquela medida (“tinha de ser”), com aquele

concreto conteúdo lesivo, para atingir um certo fim?”. Partindo do pressuposto de que

o autor tem a possibilidade de entre várias alternativas, torna-se fundamental que avaliar

se a opção escolhida não é mais lesiva que outras opções não escolhidas, que poderiam

ter efeito equivalente ou mesmo superior (Vitalino Canas, 2007: 470).

O Sub- princípio da proporcionalidade em sentido restrito leva-nos a reflectir se

“o sacrifício de certo bem, interesse ou valor é ou era aceitável, tolerável”. Este sub-

princípio, para alguns, encontra-se relacionado com a análise económica

custos/benefícios de uma decisão, ou seja, devemos tentar saber se o custo (leia-se

sacrifício de certos bens) é proporcionalmente aceitável quando comparado com o

benefício (leia-se satisfação de certos bens), se assim for, a mediada denomina-se

proporcional em sentido estrito (Vitalino Canas, 2007: 471).

Princípios da justiça e da imparcialidade A lei fundamental consagra o princípio da justiça no seu art.º 266º ao referir que

“Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e

devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da (…), da

justiça…”. Este princípio está assente no dever do tratamento justo a todos os que se

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relacionam com a Administração Pública. A este propósito, o CPA refere no seu art.º 6º

que “No exercício da sua actividade, a Administração Pública deve tratar de forma

justa e imparcial todos os que com ela entram em relação”. Relativamente a este

princípio, os constitucionalistas Gomes Canotilho e Vital Moreira, referem que existe

“a necessidade de a Administração pautar a sua actividade por certos critérios

materiais ou de valor constitucionalmente plasmados”, referindo-se a outros princípios

tais como, o da dignidade da pessoa humana, o da igualdade, da proporcionalidade entre

outros (Canotilho e Moreira, 2007: 925).

No que concerne ao princípio da imparcialidade, tem consagração constitucional

no art.º 266º, n.º 2 da CRP. Este princípio, institui que a Administração Pública actue na

prossecução do interesse público, de forma isenta e imparcial, sem qualquer tipo de

interesses alheios ou divergentes do interesse público. O CPA nos art.º 44 a 51, vem

estabelecer regras para as situações de impedimentos, suspeições e escusas,

contribuindo para a transparência da actividade da administração pública.

Princípio da boa fé

É um princípio consagrado na Constituição, no n.º 2 do seu art. 266.º, e

apresenta-se como um princípio legitimador da actividade da administração pública,

tendo por objectivo criar um clima de confiança mútua entre as partes. O princípio da

boa fé é portanto, um instrumento garantístico das expectativas e da confiança dos

particulares gerados a partir de comportamentos para com a Administração Pública. “O

princípio da boa fé, é o espelho do princípio da lealdade no âmbito processual penal,

que a policia deve materializar no trabalho da prevenção criminal”(Guedes Valente

2005:103).

Neste âmbito, o art.º 6-A do CPA, esclarece que “No exercício da actividade

administrativa e em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os

particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa fé”. Acrescenta

também que para isso devem ser ponderados os valores fundamentais do direito,

relevantes em face das situações consideradas, nomeadamente a confiança suscitada na

contraparte pela actuação em causa; e o objectivo a alcançar com a actuação

empreendida.

Princípio da colaboração da Administração com os particulares

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122

Este princípio que se encontra estabelecido no art.º 7º do CPA, refere que os

órgãos da Administração Pública devem actuar em estreita colaboração com os

particulares, procurando assegurar a sua adequada participação no desempenho da

função administrativa, prestar aos particulares as informações e os esclarecimentos de

que careçam; apoiar e estimular as iniciativas dos particulares e receber as suas

sugestões e informações. Desta forma, constata-se que existe uma forte preocupação da

Administração Pública em colaborar com os particulares, devendo estar disponível,

sempre que necessário, para conceder informações e esclarecimentos que necessitem.

Na realidade, existe uma constante violação da paz, da concórdia e das normas,

fazendo com que as forças de segurança no exercício da sua função, por vezes, façam

uso da força, que legitimamente lhe é conferida e a diferentes níveis.

Como escreve Ferreira Antunes, “a força utilizada pode ir do mero contacto

para significar a alguém a sua detenção ou a imobilização e, em casos-limite, o tiro

mortal com arma de fogo” (Ferreira Antunes, 1996: 40).

Assim, o Estado só tem legitimidade nos seus poderes desde que estes não

violem a dignidade da pessoa humana, pelo que as “forças e serviços de segurança só

devem actuar de forma a não ofenderem aquela mesma dignidade” (Dias, 1998: 210).

Deste modo, a defesa dos direitos dos cidadãos, para além de ser um dos fins da

actividade policial, constitui também um limite a essa actividade, ou seja, “estando a

polícia obrigada a preservar dos perigos os direitos fundamentais dos cidadãos, não

poderá, por maioria de razão, atropelá-los no exercício dessa mesma actividade”

(Sarmento Castro, 2000: 7).

Para aprofundar este tema, Paulo Cavaco deduz da obra do Professor Marcello

Caetano, que os limites ao exercício da função policial consistem em:

A polícia não dever intervir no âmbito da vida privada dos indivíduos,

desdobrado em duas regras: a polícia não deve ocupar-se de interesses

particulares; a polícia tem de respeitar a vida íntima e o domicílio dos cidadãos;

A polícia dever actuar sobre o perturbador da ordem e não sobre aquele que

legitimamente use o seu direito;

Os poderes de polícia não deverem ser exercidos de modo a impor restrições e a

usar coacção além do estritamente necessário, apelando à ideia de

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“proporcionalidade entre os males a evitar e os meios a empregar para a sua

prevenção” (Cavaco, 2003: 98-99).

Verifica-se uma desactualização respeitante ao primeiro limite enunciado pelo

Professor Marcello. Hoje em dia, a Constituição consagra a defesa dos direitos dos

cidadãos como um dos fins a prosseguir pela Polícia Administrativa, o que fez com que

esta se tenha agora que preocupar também, com a defesa dos interesses particulares, ou

seja, com os direitos fundamentais do cidadão.

No que respeita a direitos, liberdades e garantias, a Constituição248

determina

que “o domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação

privada são invioláveis”249

. Esta inviolabilidade só é permitida quando “ordenada pela

autoridade judicial competente, nos casos e segundo as formas previstas na lei”250

. Por

último e conforme o n.º3 deste artigo, “Ninguém pode entrar durante a noite no

domicílio de qualquer pessoa sem o seu consentimento, salvo em situação de flagrante

delito ou mediante autorização judicial em casos de criminalidade especialmente

violenta ou altamente organizada, incluindo o terrorismo e o tráfico de pessoas, de

armas e de estupefacientes, nos termos previstos na lei”251

.

Deste artigo infere-se a existência de um verdadeiro direito à reserva da vida

privada e familiar, isto é, vem impedir que as Forças Policiais tenham acesso à vida

privada de cada um, uma vez que o domicílio é uma área estritamente privada das

pessoas, não podendo esta, ser devassada.

O segundo limite, vem estipular que a polícia deve proteger os direitos dos

cidadãos, actuando sobre o perturbador da ordem, como está previsto no n.º1 do art.272º

da CRP252

e não permite que a polícia actue sobre o indivíduo que legitimamente use o

seu direito. A defesa dos direitos dos cidadãos, para além de ser um dos fins da

actividade policial, constitui também um limite a essa actividade, ou seja, “estando a

polícia obrigada a preservar dos perigos os direitos fundamentais dos cidadãos, não

poderá, por maioria de razão, atropelá-los no exercício dessa mesma actividade”

(Sarmento Castro, 2000:6).

248 Art.34º da CRP 249 Art. 34º n.º 1 do da CRP 250 Art. 34º n.º 2 do da CRP 251 Deve fazer-se a correspondência com o art.177º do CPP. 252 ― (…) garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos‖.

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Quanto ao último dos limites aos poderes de Polícia apresentados pelo Professor,

remete-nos para os princípios da tipicidade e da proibição do excesso253

, “traduzindo

neste domínio a subordinação das medidas de Polícia aos requisitos da necessidade,

exigibilidade e proporcionalidade”254

.

Segundo Paulo Cavaco, a maior das dificuldades associadas aos limites

expostos, resulta ―da necessidade de precisar e preencher aqueles requisitos associados

aos requisitos da necessidade, exigibilidade e proporcionalidade, todos eles de

conteúdo infixo, tarefa que apenas se permite quando considerados os factos que

caracterizam cada situação concreta” (Cavaco, 2003: 89).

3.2.2.2. A especificidade da arma de fogo

O Estado Português elege como princípio fundamental a dignidade da pessoa

humana, e consagra constitucionalmente o direito à vida e à integridade física como

direitos fundamentais, impondo o respeito pelos direitos, liberdades e garantias255

. A

polícia256

, surge neste contexto vinculada a estes normativos legais, devendo a

intervenção policial pautar-se pelo estritamente necessário à reposição da legalidade

violada, e que, face às circunstâncias, os seus agentes adoptem as medidas adequadas e

proporcionais à situação.

Numa actuação concreta com recurso aos meios de coerção em geral, os

princípios atrás enunciados estabelecem um importantíssimo filtro de aferição da

legalidade, assumindo especial significado quando o meio coercivo utilizado se

encontra no topo da hierarquia, como é o caso da arma de fogo.

Na sociedade actual, o agente de autoridade que desenvolve diariamente a

actividade operacional, enfrenta dificuldades de ordem prática, inerentes à sua

profissão, no entanto, a necessidade de decidir é uma realidade indiscutível,

preferencialmente de modo racional e seguro, em algumas situações rápido, sobre a

adequação da sua conduta à realidade que concretiza. Esta realidade, muitas vezes

volátil, com níveis de risco ou de violência, obrigam o agente a optar ou não pelo uso da

arma de fogo, obrigando-o a possuir uma capacidade de discernimento que o possa

habilitar a tomar a decisão correcta.

253 Art. 2.º da CRP 254 Gomes Canotilho e Vital Moreira, citados por Paulo Cavaco 255 Artigos nºs 1º, 18º, 24º e 25º da CRP 256 Artigos nºs 266º e 272º da CRP

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Tendo sido realizada a abordagem conceptual sobre o uso da força, quer no

plano internacional, quer no quadro nacional, deixámos propositadamente, para ser

tratado de forma autónoma o regime jurídico específico que regula o recurso à arma de

fogo em acção policial257

.

Por norma, as armas de fogo não devem ser utilizadas, excepto “quando um

suspeito ofereça resistência armada” ou em situações que “coloque em perigo vidas

alheias e não haja suficientes medidas menos extremas para dominar ou deter”

(Maximiano, 1996: 17).

Analisando o DL n.º 457/99, de 5 de Novembro258

, nomeadamente o respectivo

preâmbulo, verificámos que “não basta a mera proclamação de grandes princípios

para que as Forças Policiais se sintam em condições de, a todo o momento, poder optar

por um de entre os vários tipos de intervenção possíveis”, sendo por isso necessário

“explicitar e desenvolver condicionantes ao uso de armas de fogo inerentes aos

direitos, liberdades e garantias constitucionalmente previstas e enfatizar especialmente

a necessidade de salvaguardar a vida humana até ao extremo possível (…)”. Foi ainda

propósito do diploma clarificar o quadro de procedimentos, definindo situações em que

tal pode ocorrer, correspondendo a uma garantia para o cidadão, nesta sensível área.

De uma breve análise a este regime, podemos constatar que este veio concretizar

os pressupostos que regulam o recurso a arma de fogo, dividindo em duas categorias: o

recurso a arma de fogo259

e o recurso a arma de fogo contra pessoas260

, sendo que o

segundo é bastante mais exigente que o primeiro, ao ponto de fixar as condições

capazes de legitimar esse uso e simultaneamente respeitar e preservar a vida humana até

ao extremo possível.

Esta disposição legal refere também que ninguém pode ser objecto de

intimidação através de tiro de arma de fogo quando o seu uso não seja legalmente

admissível, e mesmo nos casos em que o seja, o agente só o deverá fazer se for

257 Para os fins deste diploma, entende-se por acção policial a que for desenvolvida pelas entidades e

agentes policiais definidos pelo Código de Processo Penal como órgãos e autoridades de polícia

criminal, desde que autorizados a utilizar arma de fogo de acordo com o respectivo estatuto legal, no

exercício das funções que legalmente lhes estiverem cometidas, de acordo com o art.º 1º nº 2 e 3 do

Decreto-lei n.º 457/99, de 5 de Novembro. 258

Preâmbulo do diploma e a Lei n.º 104/99 de 26 de Julho que autorizou o Governo a legislar sobre o

regime de utilização de armas de fogo e explosivos pelas forças e serviços de segurança. 259 Nº 1 do Art.º 3º do Decreto-lei n.º 457/99, de 5 de Novembro 260 Nº 2 do Art.º 3º do Decreto-lei n.º 457/99, de 5 de Novembro

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manifestamente improvável que, além do visado ou visados, alguma outra pessoa venha

a ser atingida261

.

O CDSP, onde o recurso à arma de fogo surge como medida extrema, reforça a

preocupação elencada no anterior diploma, quando afirma que “em especial, só devem

recorrer ao uso de armas de fogo, como medida extrema, quando tal se afigure

absolutamente necessário, adequado, exista comprovadamente perigo para as suas

vidas ou de terceiros e nos demais casos taxativamente previstos na lei”262

.

O próprio Regulamento Geral do Serviço da Guarda Nacional Republicana263

(RGSGNR), refere que o recurso a arma de fogo “só é permitido como medida extrema

de coacção ou de legítima defesa adequada às circunstâncias”264

, ou seja, elenca as

circunstâncias em que pode fazer-se a sua utilização, refere a obrigatoriedade da

advertência e do socorro das vítimas, caso existam e o dever do relato à hierarquia,

sempre que se verifique a sua utilização.

Ao nível interno, o manual de operações da Guarda refere que “A utilização de

armas de fogo, mesmo por aqueles a quem a lei reconhece esse direito, é regulada por

legislação apropriada e limitativa do seu emprego, de modo a prevenir o seu uso

inadequado e a possibilitar a responsabilização de quem delas faz uso impróprio”265

.

Actualmente caminha-se para a criação de meios alternativos, nomeadamente

uma nova classe de armas, sprays de defesa e equipamentos eléctricos, capazes de criar

um leque de meios alternativos não letais, aptos a apoiar a actividade policial sem

atingir o grau de coercibilidade máximo, tal como a arma de fogo.

261 Nº 3 e 4 do Art.º 3º do Decreto-lei n.º 457/99, de 5 de Novembro 262 Nº 3 Art.º 8º da Resolução do Conselho de Ministros n° 37/2002 de 07 de Fevereiro 263 Portaria n.º 722/85, de 25 de Setembro 264 Art. 7º, Parte III, do Regulamento Geral do Serviço da Guarda Nacional Republicana 265 Manual de Operações (1996), Volume I, Título II, Capítulo I, Lisboa, CEGRAF/GNR, p. 1

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CAPÍTULO IV - AS OPERAÇÕES DE APOIO À PAZ

“As intervenções “humanitárias” que têm

pautado esta passagem do milénio não são boas

nem são más. Talvez nem sejam inevitáveis. Mas

desenham, a luz forte, o Mundo que temos”

(Marques Guedes, 2005: 79).

1. Tipologia e progressão adaptativa das Operações de Paz As operações de paz, iniciadas no período da Guerra-fria, constituem-se como uma

das realizações mais felizes das Nações Unidas, que têm atingido vários continentes,

desenvolvendo-se em contextos e circunstâncias diversas.

Operações de Apoio à Paz é a denominação que abrange as actividades nas quais

participam forças multinacionais, sob a égide das Nações Unidas, lideradas por esta

organização ou conduzidas por outros actores266

, normalmente com autorização do

Conselho de Segurança, cuja fim último é manter, garantir e restaurar a paz e segurança

internacional.

As operações de paz “não se confundem com os processos de solução de conflitos,

porque em si mesmas não visam resolver diferendos, mas atingir os seus efeitos ou

impedir que se produzam. E tão-pouco se confundem com as acções em caso de ameaça

à paz, ruptura da paz ou agressão, porque não são repressivas, nem assumem carácter

sancionatório” (Jorge Miranda, 2006: 277).

O regime jurídico das operações de manutenção da paz tem-se formado por costume

internacional, a partir da prática do Conselho de Segurança, da Assembleia Geral e do

Secretário-Geral, sendo que as operações ―são actividades das Nações Unidas,

desenrolam-se sob a sua bandeira, os seus participantes usufruem dos privilégios e

imunidades da Organização e à Organização é imputável a responsabilidade pelos

prejuízos que delas venham a resultar” ; em segundo lugar, as operações ―implicam o

consentimento do Estado em cujo território se realizem (embora haja ou tenha havido

266 De que são exemplo a União Europeia (UE), a União Africana (UA), a Organização do Tratado do

Atlântico Norte (NATO), a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), a

Comunidade de Estados Independentes (CEI) e a Comunidade Económica dos Estados da África

Ocidental (ECOWAS), entre outras organizações e organismos.

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situações-limite em que, na falta de poder instituído, apenas existiu uma decisão

externa) e pressupõem sempre o respeito pela independência e pela sua integridade

territorial”( Jorge Miranda, 2006: 277) Além disso, têm uma natureza não coercitiva,

admitindo-se o uso da força em caso de legítima defesa; postulam imparcialidade

perante as partes envolvidas no conflito; têm duração limitada, cessando a missão

quando alcançam os seu objectivo, quando ele se torna impossível, a pedido do Estado

em cujo território se efectuam; o órgão competente para decidir sobre a realização das

operações é o Conselho de Segurança, envolvendo os contingentes forças de todos os

Estados; o Secretário-Geral fica com a direcção das operações determinando a

composição das forças, celebra acordos com os Estados onde se desenrola a missão e

comanda a missão. O financiamento recai sobre a Organização através das contribuições

obrigatórias dos Estados-membros a fixar pela Assembleia Geral. (Jorge Miranda,

2006: 277-278).

As operações de paz estão efectivamente assentes “numa concepção jus-

universalista e de solidariedade entre as pessoas e os povos, as intervenções

humanitárias subordinam o princípio da soberania ao princípio do respeito dos mais

fundamentais direitos do homem que cabe à comunidade internacional no seu conjunto

prosseguir” (Jorge Miranda, 2006: 280).

Estas operações têm como principais traços individualizadores os seguintes:

intervirem quando a situação afecta toda uma população ou um grupo, pondo em causa

a sua sobrevivência ou a sua subsistência; quando se verifica a inexistência de

alternativas, ou as autoridades locais são incapazes de assumir a situação; dever de

aceitação da assistência por parte do Estado, a par de um dever de assistência por parte

da comunidade internacional; necessidade de autorização, homologação ou

convalidação pelas nações Unidas e pelo Conselho de Segurança; utilização de meios

proporcionais aos fins assumidos (adstrição dos meios aos fins e sua racionalidade);

limitação no espaço e no tempo; isenção na condução das operações e respeito pela

autodeterminação dos povos. (Jorge Miranda, 2006: 280-281).

A designação genérica das Operações de Paz tem evoluído ao longo do tempo

entre o Peacekeeping (Operações de Manutenção de Paz)267

, Peace Operations

(Operações de Paz) e Peace Support Operations (Operações de Apoio à Paz). Segundo

267 Por operação de manutenção da paz entende-se quer forças de manutenção da paz, quer missões de

observação, quer operações globais que compreendem ambas as dimensões juntamente com outras

funções (Baptista, 2003: 739).

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Viana o termo Peacekeeping268

(Operações de Manutenção de Paz) tem sido mais

utilizado pelos órgãos de comunicação social, pelo público em geral e por académicos.

As Nações Unidas continuam a usar este termo para descrever globalmente as operações

de paz (Viana, 2002: 113). A UEO269

e a OSCE270

também usam a mesma terminologia.

O termo Peace Operations (Operações de Paz) tem sido utilizado desde 1994, nos

documentos oficiais americanos e é também comum em alguns meios académicos.

Relativamente ao termo Peace Support Operations (Operações de Apoio à Paz),

segundo o mesmo autor, é utilizado pelo Departamento de Estado Americano para

designar o envolvimento dos Estados Unidos da América em operações de paz, sendo

também utilizado em alguns documentos no âmbito da NATO.

Na actual praxis das Nações Unidas271

, existem alguns conceitos chave usados

nas Operações de Apoio à Paz que estão à disposição da Organização e que lhe

conferem uma grande flexibilidade. Assim:

1. Prevenção de Conflitos (Conflict Prevention): trata-se de uma actividade, que

envolve a aplicação de medidas estruturais ou diplomáticas para conter a escalada de

disputas ou tensões inter-Estados ou intra-estatais com o fito de se impedir que se

transformem em conflitos. Tais medidas podem incluir a intervenção dos “bons ofícios”

do Secretário-Geral, medidas de promoção da confiança entre as partes e a intervenção

preventiva.

2. Realização da Paz (Peace-making): Tratam-se, doutrinariamente, de acções

diplomáticas para levar as partes hostis a negociar acordos através de meios pacíficos,

tais como os previstos no capítulo VI da Carta das Nações Unidas. As medidas para

facilitar a resolução do conflito podem ser levadas a cabo pelo Secretário-Geral a

pedido do Conselho de Segurança, da Assembleia-Geral ou por sua própria iniciativa.

Entre este tipo de acções podem assinalar-se o recurso ao Tribunal Internacional de

268 Segundo LOPES (2005), a designação Operações de Manutenção de Paz (Peacekeeping) é muitas

vezes empregue em sentido lato miscigenando elementos de promoção e imposição de paz (Peace-

making e Peace Enforcement) e de desenvolvimento institucional sustentável, em múltiplas áreas de

especialidade. O tradicional post-conflict Peace building surge integrado nos mandatos de

peacekeeping (em latu sensu) da mais recente geração de missões de paz. Eventualmente, deveríamos

falar em Operações de paz (Peace Operations) num sentido mais abrangente, e consequentemente o

DPKO (Departement of Peacekeeping Operations) poder-se-ia designar por DPO (Departement of

Peace Operations). Cfr. LOPES, Antero (2005), ―Esforços de Polícia no Apoio à Paz Mundial‖, in

BRANCO, Carlos; GARCIA, Francisco (Coord.), Os Portugueses nas Nações Unidas, Lisboa,

Prefácio, págs 70 e 71. 269 No ―Documento de Helsínquia de 1992‖. 270 Na ―Declaração de Petersberg de 1992‖ e documentos subsequentes. 271 United Nations Peacekeeping Operations - Principles and guidelines, DPKO, UN, New York (18

January 2008), pág.17 e segts. (http://pbpu.unlb.org/PBPS/Library/Capstone_Doctrine_ENG.pdf -

Consultado em 06 Abril de 2009).

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Justiça, a mediação e negociação e a prestação de assistência para solucionar as causas

da disputa, realizadas por enviados especiais, governos, grupos de Estados,

Organizações Regionais, Organizações Não Governamentais ou personalidades

independentes.

3. Manutenção da Paz (peacekeeping): Apresenta-se como uma técnica

desenhada para preservar a paz, em zonas de hostilidades, tendente assegurar uma

presença física272

da ONU, com o consentimento das partes envolvidas, e com o

objectivo de controlar a implementação de acordos relativos ao controlo do conflito273

e

à sua resolução274

ou para assegurar o fornecimento de assistência humanitária. O

modelo inicial do peacekeeping traduzia-se em dois vectores: de observação do cessar

fogo275

e colocação de forças de interposição armada entre as facções beligerantes. Nos

últimos anos verificou-se uma evolução, para um modelo complexo de operações que

envolvem diversas componentes – militar, policial e civil – que operam e trabalham em

conjunto para criar as fundações de uma paz sustentável e duradoura.

4. Imposição da paz (peace-enforcement): envolve a aplicação, com a

autorização do Conselho de Segurança, de medidas coercivas, através de uma força

armada. A autorização da sua utilização é proporcionada pelo capítulo VII da Carta, e

inclui o uso da força, para manter ou restaurar a segurança e a paz internacional em

situações em que aquele Conselho determinou a existência de uma ameaça à paz,

ruptura da ordem pública ou actos de agressão. Quando for considerado apropriado, o

Conselho de Segurança pode empregar outras agências ou organizações regionais que

actuam sob a sua autoridade.

5. Consolidação da paz (peace-building): envolve um conjunto de medidas

identificadas como críticas para reduzir o risco de conflito, ou a recaída em conflito,

através do reforço e consolidação das capacidades nacionais, a todos os níveis, para

reforçar e consolidar a estabilidade e promover o desenvolvimento. É um processo

complexo e de longo prazo que visa criar as condições para uma paz sustentada,

272 O professor M. Virally, citado por DIHN (2003) refere que ―esta presença de uma testemunha

imparcial, representativa da comunidade internacional é a principal justificação deste processo mais

conhecido na opinião pública sob a denominação jornalística de «capacetes azuis»‖. Cfr DINH,

Nguyen Q., DAILIER, Patrick, PELLET, Alain (2003), Direito Internacional Público, 2.ª ed., Lisboa,

Fundação Calouste Gulbenkian. 273 Cessar-fogo, separação das forças no terreno, etc. 274 Através de acordos parciais ou mais abrangentes. 275 Com tarefas de observação e informação.

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actuando sobre as causas estruturais que estão na fonte da conflitualidade. Neste tipo de

actuações podem incluir-se: a assistência técnica para a reorganização e formação das

forças de segurança, o apoio ao fortalecimento das instituições estatais, a repatriação de

refugiados, a tutela de processos eleitorais, a desminagem de grandes áreas para retomar

segmentos vitais da economia de um País como transportes ou agricultura.

Importa referir, ainda neste contexto, que existem outras medidas que podem ser

tomadas e que contribuem para a resolução dos conflitos, donde se destacam:

− Aplicação de Sanções: traduz-se na aplicação de medidas coercivas que não

implicam o uso da força armada para manter ou restaurar a paz e segurança

internacionais, o seu objectivo é tratar de modificar a atitude de uma ou ambas as

partes em conflito por intermédio da pressão política internacional.

Normalmente, apresenta-se como um passo prévio ao possível uso de força

armada para solucionar o conflito. Entre este tipo de acções encontram-se: a

ruptura total ou parcial das relações económicas através de embargos, interrupção

total ou parcial das comunicações ferroviárias, marítimas, aéreas ou outros tipos

de comunicação e a ruptura de relações diplomáticas.

− Actividades de Desarmamento: que se baseiam em acções dirigidas ao controlo,

recolha e destruição das armas. Este tipo de actuação não se verifica num

contexto isolado ou como acção independente, mas é complementar a outras

actuações definidas anteriormente, normalmente ao processo de consolidação de

paz (peace- building), podendo seguir-se também a uma actuação de imposição

de paz (peace-enforcement). Refira-se que é normal que qualquer regime de

sanções inclua o embargo de armas.

As Nações Unidas têm como fim geral “preservar as gerações vindouras do

flagelo da guerra”276

e um dos seus principais objectivos é a manutenção da paz e

segurança internacionais. As Operações de Manutenção da Paz, ainda que não

explicitamente prevista na Carta das Nações Unidas (CNU)277

, tornaram-se um dos

principais instrumentos para atingir tal desiderato.

276

Conforme estatuído na Carta das Nações Unidas. 277

A Carta das Nações Unidas foi assinada em São Francisco no dia 26 de Junho de 1945 e representa o

documento base para todas as actividades da Organização.

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2. As Operações de Paz de segunda geração

A partir de meados dos anos 80, devido à explosão de novos conflitos

internacionais as Nações Unidas viram-se obrigadas a fazer alterações no peacekeeping

(PK) tradicional. As missões actuais para além da missão de minimizar os conflitos

através de um processo de monitorização de cessar fogo, passaram a incluir novas

actividades que incluem a ajuda humanitária às populações, a reconstrução de países

devastados pela guerras, monitorização do respeito pelos direitos humanos e a escolha

de governos democráticos nos países que sofreram conflitos prolongados.

O denominado peacekeeping de segunda geração é “mais exigente, não só

porque inclui o desempenho de mais actividades, mas porque é direccionado para a

resolução dos conflitos” (Pinto, 2007: 26). Estas missões de segunda geração passaram

a designar-se como “operações de apoio à paz” (Peace Support Operations). Esta

designação passa a abranger as diversas dimensões das operações indo da prevenção dos

conflitos às tarefas mais latas do peacebuilding. Este termo, peacebuilding, é uma

actividade multifacetada, na qual o peacekeeeping desempenha um papel coadjuvante.

Por regra obedece aos seguintes pressupostos: ocorre após a conclusão de um tratado de

paz entre os beligerantes e implica actividades de reconstrução do Estado após o

conflito nas suas vertentes políticas, económicas e sociais e envolve por regra uma forte

componente civil (ONG´s, peritos em várias áreas, polícia civil (CIVPOL),

organizações do sistema da ONU ligadas às actividades humanitárias e de

desenvolvimento). A componente do peacekeeping propriamente dito destina-se a criar

um ambiente de segurança que permita o trabalho de reconstrução de um país (Pinto,

2007: 26).

Como foi enfatizado pelo antigo Secretário-Geral da Nações Unidas General

Boutros Ghali278

, os acordos entre as partes em conflito nas operações de apoio à paz

passaram a, ―envolver não apenas os assuntos militares, mas também uma largo

espectro de matérias do foro civil. Assim, as Nações Unidas foram chamadas a

desempenhar uma variedade de funções sem precedentes: A verificação dos acordos de

cessar-fogo, o reagrupamento e a desmobilização das forças; a reintegração dos

278

GHALI, Boutros B. (1995) An Agenda for Peace: Preventive Diplomacy, Peacemaking and

Peacekeeping, New York: UN, 2nd ed., pág. 11. (tradução nossa)

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combatentes na vida civil e a destruição das suas armas; o planeamento e

implementação dos programas de desminagem; o regresso dos refugiados e

deslocados; o fornecimento de assistência humanitária; a supervisão das estruturas

administrativas existentes; o estabelecimento de novas forças policiais; a verificação do

respeito pelos direitos humanos; o planeamento a supervisão de reformas

constitucionais, judiciais e eleitorais; a observação, supervisão e mesmo a organização

e condução de eleições; e a coordenação do suporte conducente à reabilitação

económica e à reconstrução”.

As tarefas do novo PK dispõem-se na seguinte escala: missões de observação

convencionais; peacekeeping tradicional; peacekeeping preventivo; supervisão de

cessar-fogos envolvendo forças irregulares; assistência na manutenção da lei e da

ordem; protecção da entrega da ajuda humanitária; garantir o direito de passagem;

imposição de sanções e acções de enforcement.

As intervenções internacionais dos capacetes azuis não se limitam a separar os

beligerantes, sendo que o novo PK tem alargado o seu âmbito de actuação ao intervir

cada vez mais em situações de guerras civis e conflitos internos. Tendo em conta este

cenário de actuação, Kofi Annan definiu peacekeeping como ―uso de pessoal militar

multinacional, armado ou desarmado, sob comando internacional e com o

consentimento das partes, para ajudar a controlar e a resolver conflitos entre Estados

hostis e entre comunidades hostis dentro de um Estado (…) (Este tipo de conflitos)

requer um tipo de tratamento, por parte da comunidade internacional, qualitativamente

diferente em relação às guerras clássicas entre Estados”(Pinto, 2007:28).

Nas “operações de apoio à paz” (Peace Support Operations), os capacetes azuis

têm um envolvimento mais profundo com as populações, caracterizando-se pela

coordenação intensa entre estes e as ONG´s na resolução dos conflitos políticos e

económicos dessas sociedades. São operações multifacetadas que combinam uma força

militar robusta, que pode usar a força, com uma vasta componente civil. Trata-se de

missões multi-dimensionais, que consistem em “operações realizadas por militares que

geralmente, mas não necessariamente, incluem uma larga componente civil e estão

explicitamente mandatadas para lidarem com aspectos sociopolíticos e/ ou

humanitários do conflito.” (Pinto, 2007:29).

Boutros-Ghali referiu-se a estas operações de segunda geração como

“multifuncionais” que integram “componentes políticos, humanitários, sociais e

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económicos e exigindo especialistas civis e especialistas no campo da ajuda

humanitária para trabalhar em paralelo com os soldados” (Pinto, 2007: 29).

Neste tipo de operações tem-se assistido a uma diminuição do número de

soldados com um aumento do pessoal civil e das actividades não militares. A

denominada polícia civil, a assistência eleitoral, a ajuda humanitária, a desminagem, a

monitorização dos Direitos Humanos, o treino de pessoal, são actividades em

crescimento na ONU. Exemplo claro da nova gama de actividades do peacekeeping é a

missão em Timor.

Neste PK multifuncional a NATO pode dar um contributo especial, devido à

complexidade de tais operações e a possibilidade acrescida de existir a disponibilidade

do uso da força. Além disso, pode existir a necessidade de multinacionalidade, de

intelligence, transporte estratégico, meios sofisticados de comunicação e sistemas e

procedimentos de comando, controlo e coordenação.

A NATO, quando nos referimos à área do PK, pode indiscutivelmente oferecer

uma estrutura, procedimentos, capacidades e uma experiência que nenhuma outra

organização possui que vai desde procedimentos comuns, sistemas de comando e de

controlo, capacidades logísticas, meios de transporte, infra-estruturas modernas e uma

capacidade sofisticada de recolha de intelligence. A Aliança tem forças bem treinadas,

modernas e interoperáveis. Como tem um elevado nível de meios, a NATO pode apoiar

operações humanitárias vastas e complexas visto possuir tropas com uma experiência

importante em missões do peacekeeping e em crises humanitárias (Pinto, 2997: 30).

Há ainda a referir que nas operações de segunda geração, que actuam no quadro

de guerras internas, tem existido frequentemente o uso da força por parte dos capacetes

azuis, pois baseiam-se no Capítulo VII da Carta: permitem a utilização da força para o

cumprimento do mandato das forças das NU e excluem a necessidade de solicitar às

partes envolvidas na disputa (pelo menos a todas quando tal não se afigura como viável)

o consentimento para intervir.

No que diz respeito ao conceito de intervenção humanitária este tem vindo a ser

desenvolvido na última década. E embora este não seja um conceito gerado nas NU, a

sua operacionalização tem vindo a ser feita nos últimos mandatos que englobam a

protecção de civis. Em algumas das suas intervenções as NU põem em causa a

inviolabilidade e a soberania dos Estados.279

279 Em 2000, o Canadá criou a Comissão Internacional sobre a Intervenção e a Soberania do Estado, que

partiu do princípio que tem havido uma mudança conceptual no conceito de soberania que tende a ser

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135

Em Setembro de 2005, ficou consagrado no documento final da Cimeira das

Nações Unidas uma nova figura de compromisso que consiste na “responsabilidade de

proteger”, alcançando-se um consenso entre os chefes de Estado e de governo que

afirmaram que todos os países “têm a responsabilidade de proteger” as suas

populações. Os Estados membros exprimiram ao Conselho de Segurança a sua

determinação em agir de forma colectiva, quando um povo estiver a ser ameaçado de

genocídio, crimes de guerra, limpeza étnica ou crimes contra a humanidade. Esta

protecção reconhece como deveres: a prevenção, a acção contra o incitamento, a

capacidade de lançar alertas precoces e todo o tipo de medidas que forem apropriados,

nomeadamente meios diplomáticos, humanitários e no âmbito da acção colectiva que

podem ser usados pela ONU quando os Estados faltarem aos seus deveres ou forem

omissos.

Se estas medidas se revelarem ineficazes, compete ao Conselho de Segurança,

ao abrigo do capítulo VII da Carta das Nações Unidas, decidir o uso da força. A

comunidade internacional intervirá para pôr cobro a situações de genocídio, violações

repetidas e em larga escala de Direitos Humanos e crimes contra a Humanidade. A

acção coerciva visa, pois, proteger pessoas em risco dentro de um país. A evolução do

Direito Internacional ditou “a erosão do princípio da não-ingerência e propicia que a

soberania seja finalmente apresentada não como um escudo para líderes opressores

mas como um instrumento ao serviço da protecção de cidadãos” (Pinto, 2007: 33).

Embora os Estados continuem muito ligados à noção de soberania, passam a não

respeitar a soberania daqueles que violam massivamente os direitos humanos. Quando

tal acontece o Conselho de Segurança é consensual quanto a uma intervenção que não

só é legítima como necessária.

Como o conceito de manutenção de paz se tornou muito abrangente, sentiu-se a

necessidade de estender a intervenção às forças policiais. Este incremento das

participações levou à criação em 1994 de um Departamento exclusivo para os assuntos

de Polícia Civil, em Nova Iorque, o DPKO - Department of Peace Keeping Operations.

Neste tipo de missões estreia-se a GNR em 1995, na operação ―Danúbio‖ na Roménia,

no quadro da UEO. A partir desse momento, as Nações Unidas estabeleceram relevo à

visto como responsabilidade e não tanto enquanto faculdade de poder e controlo. O Comité

considerou a responsabilidade de proteger é “uma norma internacional emergente, ou um princípio

orientador do comportamento para a comunidade internacional de países, que poderá muito bem ser

integrada no direito internacional consuetudinário, se mais consolidada na prática dos países e

intergovernamental” (Pinto, 2007: 33).

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participação de elementos das forças de segurança portuguesas em operações deste tipo.

Tal sentimento levou a GNR a participar no teatro de operações de Timor-Leste, em

1999. Desde 2000, a GNR manteve militares que integraram sucessivas missões

UNTAET (United Nations Trasitional Administration in East Timor); UNMISET/

CIVPOL (Inited Nations Mission of Support in East Timor/ United Nations Civilian

Police e UNOTIL( United Nations Office in Timor-Leste).

Neste modelo de participação internacional da GNR houve necessidade de

reforço do quadro legal. Com o intuito de dar alguma coerência legislativa foi

indispensável que os elementos das forças e serviços de segurança dependentes do

Ministério da Administração Interna (MAI), em vias de participação em missões

humanitárias e de paz no exterior, possuíssem um regime idêntico aos militares das

Forças Armadas (FFAA), vertido no Decreto-Lei nº 233/96, de 7 de Dezembro, o qual

define o estatuto dos militares das FFAA envolvidos em missões com as mesmas

características. Surge o Decreto-Lei nº 17/2000 de 29 de Fevereiro, onde se lê no seu

Artigo 1º n.1 que “É aplicável aos elementos dos serviços e forças de segurança

dependentes do Ministério da Administração Interna envolvidos em missões

humanitárias e de paz fora do território nacional, no quadro dos compromissos

assumidos por Portugal, o Decreto-Lei nº 233/96, de 7 de Dezembro com as devidas

adaptações”. Ainda no seu nº 2 estatui que ―As competências atribuídas ao Ministério

de Defesa Nacional do diploma indicado no número anterior devem-se considerar

reportadas ao Ministério da Administração Interna em tudo o que respeita às entidades

do nº 1 (Rodrigues, 2007: 107).

Após uma intervenção militar, esta força é substituída por uma unidade militar

com força de polícia, com objectivo de assegurar a ordem pública, lutar contra a

criminalidade e assistir a uma gradual passagem do poder e da autoridade para uma

nova autoridade civil, durando esta situação, em alguns casos, vários anos. Verificando-

se, então, a incapacidade da Police Taske Force (IPTF) (força de polícia civil,

desarmada, constituída por um conjunto de elementos policiais não integrados numa

unidade), ―para intervir em missões de controlo da ordem pública, por um lado, e a

desadequação da componente militar para esse mesmo fim, por outro, a estrutura

superior da Aliança Atlântica” (Rodrigues, 2007: 108, ) decidiu com o objectivo de

preencher o vazio existente entre as forças militares tradicionais e as unidades tipo

polícia civil, criar, no âmbito da segurança pública, uma unidade especializada.

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Outra realidade tem vindo a ganhar forma nas últimas décadas, impulsionada

pela forma como a Comunidade Internacional, nas missões de interposição e de

manutenção de paz, tem adoptado, numa primeira fase, uma postura caracteristicamente

militar, procedendo, de seguida, à implementação de operações de normalização da

situação político-militar, tentando assim prevenir ou solucionar situações relacionadas

com conflitos éticos e graves violações dos direitos humanos (Rodrigues, 2007: 107).

Nestas circunstâncias, sempre que é possível e oportuno, a força militar que se

encontra no local é substituída por uma outra que integre uma força policial, no sentido

de assegurar, progressivamente, a manutenção da ordem pública, impedir a

criminalidade e proceder a uma gradual passagem do poder e da responsabilidade para a

nova autoridade civil. Este tipo de cenário exige uma força militar com capacidade de

intervenção massiva e de uma força policial, que empenhe a utilização gradual da força

para repor a lei e ordem.

Perante este vazio a Aliança Atlântica decidiu criar uma Força que se situasse

entre as forças militares tradicionais e as Unidades tipo policial civil, no âmbito da

segurança pública (Rodrigues, 2007: 108).

Desta forma nasce o conceito de MSU, ou seja, Unidade Multinacional,

normalmente composta por Forças de Polícia com estatuto militar, com capacidade

operacional para estabelecer segurança e ordem públicas, podendo efectuar todas as

funções de polícia.

A MSU é parte integrante da Força de Paz, depende directamente do comando

da mesma e está sujeita a regras de empenhamento (ROE), caracterizando-se como

força extremamente flexível.

Assim, e encontrando-se integradas na tipologia das operações, as unidades

MSU estão aptas a executar missões de polícia executiva apoiando ou substituindo a

força local em acções de contenção de distúrbios civis ou o restabelecimento da ordem

pública, antiterrorismo, patrulhamento, controlo de tráfego, investigação criminal,

recolha de informação táctica ou de âmbito criminal; monotorizar e assistir a polícia

local na sua reconstituição, reorganização e formação (Mentoring), apoio, retorno e

reinstalação de refugiados; ligação com a Autoridade Civil e com as organizações

internacionais. (Rodrigues, 2007: 108).

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3. O contributo das Forças Gendármicas

―(…) muitas das novas funções militares

não requerem as competências clássicas de um

soldado e poderão ser melhor desempenhadas

por polícias. Nalgumas circunstâncias, portanto,

uma Gendarmerie poderá ser mais apropriada do

que um exército.”

(Chris Donnelly, conselheiro especial da NATO)

A União Europeia tem vindo a demonstrar uma preocupação crescente a nível da

segurança, que ficou demonstrada nas Cimeiras de Vila da Feira (2000) e de Nice

(2000), onde ficou definido, por parte dos Estados-Membros os conceitos de emprego

de uma Força de Polícia Europeia (FPE) com a finalidade de realizar um reforço das

capacidades locais em missões de formação, de treino e de assistência e aconselhamento

e a substituição das polícias locais, inoperacionais para missões, visando o

restabelecimento da segurança pública, incluindo missões de manutenção da ordem

pública (Rodrigues, 2007: 110).

Assim, no âmbito das OAP, teria de caber às forças de segurança internacionais

assumir e garantir a ordem pública e o cumprimento da lei. Assim, em Março de 2000

Kofi Annan, Secretário-geral, pediu a um grupo de peritos internacionais, liderados por

Lakdhar Brahimi que fizessem uma análise pormenorizada sobre as operações de paz. O

relatório daí resultante recomenda relativamente à componente da polícia civil que estas

missões “(…) requerem uma CIVPOL280

capaz de estruturar as polícias locais, de

acordo com os padrões internacionais, mas, de igual forma, capaz de responder

eficazmente a incidentes de desordem pública, no âmbito ou não da protecção da força

e que os Estados membros devem estabelecer um determinado efectivo de agentes

policiais, instruídos para esse efeito, de forma a ser empregue em OAP, com um

280 CIVPOL é a abreviatura de Civilian Police. As forças tipo Gendarmerie têm estatuto militar (corpo

militar) mas desempenham preferencialmente as funções policiais junto da população civil, com vista à

segurança e ordem pública, enquadrando-se assim no conceito anglo-saxónico de ―civilian police‖. No

entanto, não são civis, mas sim um corpo militar com funções policiais. Esta natureza militar tem

facilitado nas acções de auxílio prestado no âmbito de missões de apoio à paz da ONU. Em 2005, A ONU

a designação de CIVPOL para UNPOL (United Nations Police), com o objectivo de incluir

expressamente as forças policiais com estatuto militar (Marco Cruz, 2007: (No Prelo)

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reduzido tempo de pré-aviso”281

. Era então necessário a existência de uma

Força/Unidade, com competências de polícia que colmataria a ausência ou

inoperacionalidade de forças de polícia local. Tal tarefa pressuponha a existência de um

mandato claro que viabilizasse a actuação da força em missões de substituição e

executivas. As missões abrangiam o policiamento de fronteiras, vigilância pública,

acções de polícia judiciária, protecção de pessoas e bens e manutenção e reposição da

ordem pública. Estas competências deverão terminar, assim que a polícia local as

pudesse assegurar.

Assim, as forças de segurança organizam-se em unidades constituídas,

designadas como Rapid Response Unit (RRU) ou Special Police Unit (SPU). Estas

unidades podem estar na dependência da componente de polícia civil ou, face à

incapacidade da ONU de modificar o mandato estabelecido, estar na dependência do

comando militar da operação (NATO), como sejam os casos SFOR e KFOR-

adquirindo, neste caso, a designação de “Multinational Specialized Unit” (MSU).

AS RRU/SPU e as MSU, no quadro das missões da ONU, da NATO e da EU,

são constituídas por forças de segurança, de natureza militar, mais versáteis, com maior

adaptabilidade e polivalência do que as polícias civis.

Portugal conjuntamente com a França, Itália, Holanda e Espanha, uniram-se no

sentido de realizarem missões de substituição ou de reforço das forças de polícia locais,

oferecendo uma estrutura operacional multinacional de forma a dotar a Europa com uma

maior capacidade para conduzir missões de polícia em operações de gestão de crise.

Estas iniciativas estão enquadradas nas missões integrantes da declaração de Petersberg,

que está datada de 19 de Junho de 1992, e constitui um elemento fulcral da vontade de

desenvolver a União da Europa Ocidental (UEO), enquanto componente de defesa da

União europeia e enquanto forma de fortalecer o pilar europeu da Aliança Atlântica

(NATO). Nesta declaração, os Estados-membros da UEO colocam à disposição

qualquer dos ramos das suas forças convencionais, com vista a realização de missões

militares sob a autoridade da UEO, definindo-se os diferentes tipos de missões militares,

que contribuem quer para a defesa comum no âmbito da aplicação do artigo 5º do

Tratado de Washington e do artigo V do Tratado de Bruxelas alterado, as unidades

militares dos Estados-membros da UEO podem ser utilizadas em missões de carácter

humanitário ou de evacuação de cidadãos; missões de manutenção de paz; missões

281 Relatório Brahimi.

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executadas por forças de combate para gestão de crises, incluindo operações de

restabelecimento de paz. Estas “Missões de Petersburg” foram inseridas pelo Tratado

de Amesterdão no artigo 17º do Tratado da União Europeia, abrangendo: as missões

humanitárias ou de evacuação de cidadãos nacionais; as missões de manutenção de paz

e as missões de forças de combate para a gestão das crises, incluindo operações de

restabelecimento da paz (Silva, 2008: 814).

No desenvolvimento do “Helsinki Headline Goal”, estabelecido no final da

Cimeira de Helsínquia, foram transpostos todos os cenários genéricos de planeamento

de forças estabelecidos na UEO para a EU, com o objectivo de iniciar-se o primeiro

processo de planeamento de forças. Os cenários genéricos de desenvolvimento de

Capacidades transpostos da UEO para a EU foram: 1) Separação de Partes pela Força

(SOPF) seguido de um sub cenário de estabilização com o diminuir do conflito (Steady

State); 2) Prevenção de Conflito (CP); 3) Assistência Humanitária que se sub dividia em

dois cenários, Ajuda Humanitária e Operações de Evacuação. Em 2007, durante a

Presidência Portuguesa da EU, foi determinado o Tratado Reformador da Organização

designado por tratado de Lisboa, onde a Política Europeia de Segurança e defesa

(PESD) assume um papel mais relevante na afirmação da Política Externa da União

Europeia.

A quando da invasão do Iraque, em 2003, Javier Solana elabora um documento

previamente negociado com os Estados Membros designado “Europeen Security

Strategy”, que refere que “a ONU é a Organização que tem obrigatoriamente de

legitimar todas as intervenções armadas em países terceiros, que a Europa se deve

afirmar como um actor global (…) que os Estados Membros podem estabelecer

Cooperações reforçadas entre si e que o terrorismo deveria ser encarado como uma

ameaça” (Dias Pereira da Silva, 2008: 814). Para 2010 estabelece-se que a EU deve

desenvolver um mecanismo que consiga responder rapidamente ao eclodir dum conflito

incluindo uma força de Reacção Rápida, os “Battle Group”. Posteriormente foram

estabelecidos os Cenários Genéricos de Planeamento de forças, considerando-se o

terrorismo uma ameaça transversal, e que foram: 1) Separação de partes pela força A e

B; 2) Prevenção de Conflitos; 3) Assistência Humanitária; 4) Estabilização e apoio à

reconstrução de Estados Falhados; 5) Evacuação de Pessoal.

Assim nasce da união dos países acima referidos, em 2007, a

EUROGENDFOR, que tem por finalidade ser operacional, pré-estruturada, robusta e

dotada de capacidade de reacção rápida para assegurar todas as tarefas de polícia,

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assegurando uma presença efectiva facilitando a reactivação dos meios de segurança

sobretudo durante a transição entre a fase militar e a fase civil da operação, e poderá ser

colocada à disposição da EU, da ONU, da OSCE, da OTAN ou de outras organizações

internacionais ou de coligações ad-hoc.

O emprego desta força terá de ser precedida de uma decisão comum pelo

conjunto dos Estados participantes e as operações deverão ser planificadas tendo em

conta a necessidade uma coordenação estreita entre os organismos militares e/ ou civis.

Quando estiver integrada numa força militar deverá manter uma ligação funcional com

as autoridades de polícia locais e internacionais presentes no teatro de operações.

Os cinco Estados-parte assumiram o compromisso de poder deslocar uma força

de “Gendarmerie”, constituída por 800 elementos, num prazo de trinta dias, em

qualquer teatro exterior à EU (Rodrigues, 2007: 111).

De acordo com o mandato de cada operação a EUROGENDFOR poderá

assegurar diversas tarefas relacionadas com a sua missão de polícia, tais como,

execução de missões de manutenção de ordem e segurança públicas; monotorização e

assistência à polícia local na sua actividade quotidiana, incluindo a investigação

criminal; condução de operações de vigilância, controlo de tráfico de ilícitos, polícia de

fronteiras e informação; execução de acções de investigação criminal, nomeadamente

detecção de actos de delinquência, seus vestígios e entrega de delinquentes às

autoridades judiciais competentes; protecção das populações e dos bens e manutenção

da ordem em caso de manifestações públicas; formação de oficiais de polícia de acordo

com padrões internacionais e formação de instrutores, em particular através de

programas de cooperação (Rodrigues, 2007: 111).

Na sequência da actuação desta força, os Estados-membros acabaram por

reconhecer que as operações de manutenção de paz fortalecem as estruturas do Estado

onde se desenrolam.

A Guarda, neste âmbito, e enquanto força de segurança de natureza militar,

assume um papel crescente pois é um facto que as ameaças à segurança nacional da

Europa resultam de questões económicas, confrontos étnicos ou relacionados com

fronteiras inseguras e ineficazes, crime organizado e terrorismo, sendo verificável que

“muitas das novas funções militares não requerem competências clássicas de um

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soldado e poderão ser melhor desempenhadas por polícias (…) uma Gendarmerie

poderá ser mais apropriada”282

.

Segundo Sérgio de Melo, os sucessivos contingentes da Guarda Nacional

Republicana, actuam com “profissionalismo e dedicação”, estando “altamente treinada

e capacitada para responder com rapidez, eficiência e extrema eficácia a qualquer tipo

de acção” (Rodrigues, 2007: 111), que pudesse afectar qualquer ponto do território.

As forças gendármicas possuem pois ―uma natureza dupla de forças policiais

com estatuto militar, o que lhes permite a execução de toda a gama de tarefas militares,

sendo capazes de garantir um alto nível de interacção com forças militares devido ao

seu estatuto militar, formação, equipamento e comando e procedimentos de controlo.

Conseguem operar sob uma Cadeia de Comando seja ela civil ou militar, sendo

capazes de assegurar uma autoprotecção adequada, assim como utilizar unidades

policiais resistentes e até com um elevado grau de prontidão. Ao mesmo tempo,

possuem também a flexibilidade de, durante a fase de construção da nação de uma

operação mudarem a sua posição de integração militar para a subordinação a uma

cadeia de comando civil‖283

282 Chris Donnelly- Conselheiro especial da OTAN para assuntos da Europa Central e Oriental. 283 Giovanni Truglio, Forças Militares versus Forças Policiais do Tipo da Gendarmerie in ―Ciclo de

Conferências Estratégicas sobre Segurança e Defesa‖, Lisboa, 2009, pp. 26-27.

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4. Enquadramento legal

O regime jurídico das Operações de Apoio à Paz tem-se formado, segundo Jorge

Miranda, por costume internacional, a partir da prática do Conselho de Segurança, da

Assembleia-Geral e do Secretário-Geral e analisa-se nos seguintes princípios: As

Operações são actividades das Nações Unidas, desenrolam-se sob a sua bandeira, os

participantes usufruem dos privilégios e imunidades da Organização e à Organização é

imputável a responsabilidade pelos prejuízos que delas venham a resultar; implicam o

consentimento do Estado onde se realizam (embora se verifiquem excepções a esta

regra, normalmente em situações limite, quando, por falta de um poder instituído, se

actua apenas por decisão externa) e pressupõem sempre o respeito pela sua

independência e pela sua integridade territorial; têm natureza não coerciva, só se

admitindo o recurso à força em caso de legítima defesa; postulam a imparcialidade

perante as partes envolvidas no conflito – Estados ou facções no interior do Estado; têm

uma duração limitada, e cessam ou por se ter alcançado o seu objectivo, ou por ele se ter

tornado impossível, ou a pedido do Estado em cujo território se efectuam; o órgão

competente para decidir a realização de operações é o Conselho de Segurança, como

órgão a que cabe “a responsabilidade principal na manutenção da paz” (art. 24.º da

Carta); a constituição das forças intervenientes é sempre multilateral, envolve

contingentes de vários Estados; a direcção de operações compete ao Secretário-Geral, o

qual determina a composição das forças, celebra os necessários acordos com os Estados

que fornecem destacamentos e com os Estados em cujos territórios eles são colocados e

comanda superiormente as acções; o financiamento recai sobre a organização através

das contribuições (obrigatórias) dos Estados-membros nos termos a fixar pela

Assembleia-geral, órgão competente em matéria financeira (art.º17.º da Carta)284

(Miranda, 2006: 277).

284

Verifica-se a aplicação de um duplo critério, político e económico, que permite calcular a participação

financeira dos Estados em cada operação. Considerando que certos Estados têm uma

responsabilidade maior na manutenção da paz, a Assembleia Geral estabeleceu uma escala especial,

que não é a do orçamento ordinário, onde as quotas dos membros permanentes e dos países

industrializados são acrescentadas para aliviar as dos países em desenvolvimento.

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As Operações de Manutenção de Paz enquadram-se, como o antigo Secretário-

Geral da ONU Dag Hammarskjold285

referia, num capítulo ―Seis e Meio‖ – colocado

entre a Resolução Pacífica de conflitos (Capítulo VI) e a Acção em caso de Ameaça à

Paz, Ruptura da Paz e Actos de Agressão (Capítulo VII) que prevê o recurso a meios

coercivos, tais como o emprego de forças militares.

As Operações de Apoio à Paz são criadas pelo Conselho de Segurança, órgão

das Nações Unidas com a responsabilidade cimeira na manutenção da paz e segurança

internacional. A aprovação de cada missão exige o voto favorável de nove membros do

conselho, sendo passível de ser vetada por um dos cinco membros permanentes, em

conformidade com o art. 27.º da Carta. A decisão tomada comporta o mandato, a

composição da força e a duração da operação.

A base legal para o estabelecimento das missões encontra-se nos capítulos VI,

VII e VIII da Carta.

O capítulo VI trata de “Resolução Pacífica de Conflitos”, o capítulo VII dispõe

as “Medidas a Adoptar em caso de Ameaça à Paz, Ruptura da Paz e Acto de

Agressão”. O Capítulo VIII refere-se ao papel dos acordos e organizações regionais na

manutenção da paz e segurança internacionais que as Nações Unidas desde que essas

actividades respeitem os princípios definidos no Capítulo I da CNU.

Uma vez aprovada a missão, o Secretário-Geral é responsável pela sua

implementação, devendo informar o Conselho de Segurança acerca dos progressos

efectuados, cabendo a direcção política e executiva da operação no terreno ao

Departamento de Operações de Manutenção de Paz do Secretariado das Nações Unidas

(DPKO)286

, que é um departamento com capacidades estratégicas e operacionais,

285 Foi Secretário-Geral das Nações Unidas entre 1953 e 1961 e Prémio Nobel da Paz em 1961. Foi o

grande impulsionador das Operações de Apoio à Paz. Faleceu num acidente de aviação ao serviço da

ONU, em 18 de Setembro de 1961, no Norte da antiga Rodésia (actual Zâmbia). 286

O DPKO foi criado como um departamento com identidade própria dentro do Secretariado das

Nações Unidas em 1992, sob a liderança do então Subsecretário-Geral (SSGONU) Kofi Annan. O

DPKO tem por missão principal prover orientação e direcção política e executiva às Missões de Paz,

em colaboração estreita com: o CS, os países contribuintes com elementos policiais, militares e

recursos financeiros, bem como com as partes beligerantes. O DPKO é, pois, um departamento com

capacidades estratégicas e operacionais, responsável pelo planeamento, o estabelecimento (incluindo

a colocação dos recursos humanos e dos meios logísticos no terreno), a orientação e o apoio às

missões de peacekeeping.

O DPKO é liderado por um Subsecretário-Geral, na directa dependência da SGONU, e é

actualmente composto por mais de seis centenas de profissionais oriundos de todo o mundo,

distribuídos pelas suas componentes principais: política (Office of Operations), militar (Military

Division), policial (Police Division) e de apoio administrativo (Office of Mission Support). Possui

ainda um gabinete de estudos (Peacekeeping Best Practices Unit) e uma unidade de apoio à

desminagem e controlo de minas (Mines Action Service). Está também dotado de um Front Office

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responsável pelo planeamento, o estabelecimento, a orientação e o apoio às missões de

apoio à paz (Lopes, 2005:71).

Os Países membros da ONU contribuem com pessoal militar e policial, que

destacam individualmente ou como forças constituídas. Todo o suporte logístico das

operações é fornecido por Estados ou por operadores privados. O pessoal civil

destacado para as missões provém de origens diversas, onde se incluem os funcionários

da ONU, os elementos destacados pelos Estados membros e, ainda, indivíduos

recrutados, internacional ou localmente, para preencherem postos específicos (Ribeiro e

Mónica Ferro, 2003:115).

Conforme refere Jorge Miranda, as Missões de Apoio à Paz podem

fundamentar-se, todavia, no fim geral das Nações Unidas de ―manter a paz e a

segurança internacional‖, com a possibilidade de tomada de medidas colectivas

eficazes que sejam necessárias (art. 1.º). Aliás, se as Nações Unidas podem empregar a

força para restabelecer a paz (art.42.º e segs.), por maioria de razão hão-de poder

organizar operações para impedir que a paz seja afectada, com as consequências

inerentes. Daí que diversas operações venham sendo implementadas com a invocação

do Capítulo VII, pelo Conselho de Segurança, normalmente em casos de pós-conflito,

onde a situação é volátil e o Estado é incapaz de manter a segurança e a ordem pública

(Jorge Miranda, 2006: 277).

Segundo Bacelar Gouveia, a CNU fixou a proibição mais abrangente do uso da

força, erguendo do mesmo passo a defesa da soberania num dos seus princípios

fundamentais, afirmando que “Os membros deverão abster-se nas suas relações

internacionais de recorrer à ameaça ou ao uso da força, quer seja contra a integridade

territorial ou a independência política de um Estado, quer seja de qualquer outro modo

incompatível com os objectivos das Nações Unidas”. As excepções são, entre outras,

“as medidas adoptadas ou autorizadas pelos órgãos competentes da Organização das

Nações Unidas para manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais”,

conforme o art. 42º da CNU (Bacelar Gouveia, 2001: 307).

A invocação do Capítulo VII, para além de estabelecer a base legal para a

decisão, poderá ser entendida como uma demonstração de firmeza política e um meio de

(mini-secretariado) em apoio das actividades do Subsecretário-Geral. Cfr. LOPES, Antero, ob. cit.

pág.71.

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relembrar as partes em conflito, bem como os restantes países da ONU, da obrigação de

implementar efectivamente as decisões do Conselho de Segurança287

.

Se procurarmos fazer a distinção entre as Operações de Apoio à Paz, cuja prática

se desenvolveu desde 1956, verificamos que a diferença de princípio reside no facto de

que uma operação de manutenção de paz ―clássica‖ pressupõe o consentimento dos

Estados afectados, enquanto uma operação ao abrigo do capítulo VII é coerciva,

decidida e aplicada unilateralmente pelas Nações Unidas, no espírito do sistema

imaginado pelos autores da Carta288

.

No entanto, esta diferença tem-se tornado cada vez mais ténue ao longo dos últimos

anos. Desde 1990, várias forças de manutenção de paz foram instituídas com

fundamento no capítulo VII da Carta, e actualmente uma mesma crise pode justificar

simultaneamente uma intervenção coerciva, com medidas militares de acordo com o

Cap. VII, e outras medidas que se enquadrem numa Operação de Manutenção de Paz

clássica, com todos os aspectos “civis da intervenção”.

As Operações de Apoio à Paz hodiernas são frequentemente dotadas de

mandatos mais robustos do que aqueles que eram atribuídos durante a Guerra-fria. Isto

tem sucedido em três tipos de circunstâncias. Em primeiro lugar, o Capítulo VII tem

sido invocado com a vontade de enfatizar o direito ao uso da força em legítima defesa

por parte dos elementos das forças de manutenção de paz. Em segundo lugar, em

situações onde foram sentidas dificuldades de actuação, como sucedeu com a UN

Protection Force (UNPROFOR) na antiga Jugoslávia, os mandatos foram revistos para

incluir a autorização de actuação no âmbito do Cap. VII, uma vez mais, teoricamente,

para sublinhar o direito à auto defesa. Em ambos os casos houve uma tendência para

demonstrar um maior suporte político e material à força da ONU. Em terceiro, algumas

operações foram mandatadas no âmbito do Cap. VII com o objectivo de efectuar acções

coercivas, como sucedeu na tristemente célebre UNSOM, na Somália289

.

287

United Nations Peacekeeping Operations - Principles and guidelines, DPKO, UN, New York (18 January

2008), pág.13 (http://pbpu.unlb.org/PBPS/Library/Capstone_Doctrine_ENG.pdf -Consultado em 06

Abril de 2009). 288

DINH, Nguyen (2003), ob.cit., pág.1031. 289

CHESTERMAN, Simon (2005), The Use Of Force In UN Peace Operations, New York University

School of Law , pág.6. (http://smallwarsjournal.com/documents/useofforceunpko.pdf consultada em

04 de Abril de 2009).

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A comunidade internacional começou a usar a força, conforme previsto no

capítulo VII da Carta, como medida para a resolução de conflitos que pudessem pôr em

perigo a paz e segurança internacional, quando as iniciativas do capítulo VI não

tivessem sido suficientes.

Neste contexto, de uso da força, a componente militar adquire a sua maior

preponderância e a sua importância foi vital, em missões como as desenvolvidas na

Bósnia, no Kosovo ou em Timor. Nestas operações executaram as missões militares

tradicionais dos exércitos, embora sempre num ambiente muito diferente dos confrontos

clássicos.

É a componente militar que proporciona o clima de segurança e a protecção

necessárias para que as restantes componentes da operação de paz, bem como as

organizações humanitárias (ONG’s), possam desenvolver as suas funções.

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CAPÍTULO V - ESTADO, SEGURANÇA E O USO DA FORÇA: O CASO DE TIMOR-LESTE

“Os principais alicerces de todos os

Estados, quer sejam novos, quer antigos, quer

mistos, são as boas leis e as boas armas. E como

não é possível ter boas leis quando as forças não

valem nada, e se as armas são boas é razoável

supor que as leis também o são”

(Maquiavel, O Príncipe, XII)

A entrada de tropas internacionais das Nações Unidas sob liderança australiana,

no território de Timor-Leste alterou “as coordenadas com que tradicionalmente se

aferiam os direitos soberanos (…) e uma onda de “normalização” da anarquia

internacional parece estar a assolar as margens da soberania, tal como antes esta era

canonicamente defendida ” (Marques Guedes, 2005:60-61).

1. A missão da GNR em Timor-Leste (desde 2006)

Após a intervenção da INTERFET (International Force in East Timor), foi

aprovada, pela NU, a 25 de Outubro de 1999, a Resolução nº 1272 do CSNU que deu

origem à UNTAET cuja actuação teve por base uma missão de imposição da paz (PE),

motivada pelos constantes confrontos entre milícias armadas e que evoluiu para uma

missão de manutenção da paz (PK), tendo por finalidade assegurar a estabilidade que

permitisse a reconstrução do território. A GNR enviou uma Força de Reacção Rápida,

constituída por 119 elementos.

A independência de Timor-Leste é proclamada a 20 de Maio de 2002, e

concluída a missão da UNTAET, as NU continuam no território, legitimadas pela

Resolução 1410 do CSNU, sendo que a partir de Dezembro desse ano passa de novo a

ter a participação da GNR.

Em 2005 termina a missão UNTAET, sucedendo-lhe a UNOTIL, legitimada

pela Resolução nº1599 do CSNU, com o objectivo de estabilizar e iniciar um processo

de desenvolvimento do território. Neste contexto de actuação, a GNR em cooperação

com militares timorenses tenta contribuir para a segurança de Timor-Leste.

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A 25 de Maio de 2006 o primeiro contingente militar australiano chegava a

Timor-Leste290

, e, ao abrigo da Resolução do Conselho de Ministros nº 68-A/ 2006,

foram enviados 127 elementos da GNR para Timor. A Guarda recebe a missão de

“aprontar, sustentar e empregar um efectivo para a manutenção da ordem pública em

Timor-Leste e para a formação e treino da Unidade de Intervenção Rápida da Polícia

Nacional do país”.

Uma vez que uma intervenção no plano multilateral afigurava-se muito

demorada, Timor-Leste solicitou que a cooperação de quatros países, onde se incluía

Portugal, na fase inicial, fosse desenvolvida no plano bilateral, embora fosse solicitado

às NU o apoio internacional para essa intervenção.

Surge em Agosto de 2006, e após a resolução nº1704 do CSNU, a missão

UNMIT291

(United Nations Integrated Mission in Timor-Leste), tendo o

SubAgrupamento Bravo transitado para a égide das NU. A missão que se inicia vem na

sequência da incapacidade do governo timorense resolver a crise relacionada com a

instabilidade política e social. Houve então necessidade de solicitar ajuda internacional

para estabilizar a ordem pública no território. Responderam a esta solicitação a

Austrália, Nova Zelândia, Malásia e Portugal, que enviaram para o território forças

militares e policiais, tendo por base um acordo bilateral realizado entre cada um dos

países com as autoridades timorenses.

O pedido realizado pelos órgãos soberanos de Timor esteve relacionada com o

prolongamento do período de instabilidade que Timor estava a viver, havendo

necessidade de criar condições de segurança que promovessem a estabilidade.

O entendimento de Portugal, expresso pelo então MNE, Diogo Freitas do

Amaral, que o contingente da GNR em Timor-Leste, ―devia levar instruções muito

claras no sentido de cumprir apenas a sua missão – manutenção da ordem pública em

Díli e arredores –, sem nunca se envolver, ou deixar-se envolver, em eventuais lutas

políticas de facção que porventura viessem a ocorrer entre timorenses” (Amaral, 2006,

68-69).

O envio do contingente da GNR, apesar de não ocorrer no âmbito das NU, teve o

aval do Conselho de Segurança das NU, proferido na Reunião nº 5445, realizada a 25 de

Maio de 2006. A actuação da GNR em Timor-Leste, ainda ao abrigo do Acordo

290

A Austrália tinha-se comprometido com o envio de 1300 militares, 3 navios de guerra e helicópteros, mas a missão

Astute em Junho de 2006, já envolvia um efectivo de 2600 (a contar com o pessoal de apoio em Darwin). 291 http:// www.un.org/Depts/dpko/missions/unmit (consultado em 1 de Agosto de 2008)

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Bilateral, tinha igualmente como base os princípios de empenhamento e actuação,

Regras de Empenhamento ―Rules of Engagement – ROE‖ similares às operações

desencadeadas no âmbito da NU292

(Hermenegildo, 2008: 8).

A 26 de Maio de 2006, foram enviados três oficiais para fazer o reconhecimento

do terreno e estabelecer contactos para o envio do contingente da GNR.

O 1º contingente da GNR, SubAgrupamento Bravo, comandado pelo Capitão

Gonçalo Carvalho, chega a Timor-Leste a 4 de Junho de 2006, permanecendo no

território timorense em Acordo Bilateral, estabelecido entre o Governo de Portugal e de

Timor-Leste, para dar cumprimento à Operação ―LAFAEK‖.

Durante um período que durou cerca de 3 meses, até 5 de Setembro de 2006, os

militares da GNR ficariam alojados, no espaço e áreas pertencente ao Hotel 2001293

,

local que foi adaptado para funcionar como quartel. Depois dessa data passaram para o

edifício do Centro de Estudos da Alfândega em Caicoli, onde ficaram instalados

definitivamente. Porém, só depois de se terem procedido a muitas adaptações e

construções nas estruturas do referido edifício, é que os elementos da GNR passaram

para o edifício do Centro de Estudos da Alfândega (Hermenegildo, 2009: 4).

A escolha do local em Timor-Leste para instalação da força da GNR foi uma das

primeiras dificuldades, não apenas porque esta necessitava de um Quartel, mas

sobretudo porque a instalação da GNR num Quartel em Timor-Leste tinha a oposição de

outras forças e actores294

, que não pretendiam o seu sucesso.

Os militares da GNR quando chegaram a Timor-Leste (aeroporto de Baucau),

nos primeiros tempos, tiveram dificuldades em operar no terreno, uma vez que o Acordo

Bilateral entre Portugal e Timor-Leste, previa a actuação da GNR em Díli e respectivos

arredores. Porém, após múltiplas negociações ao nível diplomático e militar, ficou

decidido que a GNR, ficava confinada apenas a uma área restrita, ao Bairro de Cômoro,

292 GNR, Regras de Empenhamento (ROE), para o SubAgrupamento Bravo na Operação ―LAFAEK‖ –

Timor-Leste, Lisboa, 2 de Junho de 2006. 293 A GNR, durante cerca de 3 meses, esteve instalada na área do Hotel 2001 em Díli, e não no Hotel

2001 propriamente dito, pois este, não estava em funcionamento, nem tão pouco possuía condições de

habitualidade mínimas. As estruturas para poderem permanecer os elementos da GNR foram

adaptadas pelos militares da GNR. 294 Quando a GNR fazia o reconhecimento de um determinado local, para lhe servir de Quartel, e depois

dos elementos da GNR se retirarem desse local, em geral, esses locais eram ocupados por outras

Forças numa forma de impedir que a GNR tivesse um Quartel.

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onde se tinham registado inúmeros incidentes sob ―coordenação horizontal e não

vertical”295

(Amaral, 2006: 70).

Durante a fase em que a GNR esteve a desenvolver a sua missão ao abrigo do

Acordo Bilateral, ―dependia em Timor-Leste, directamente do Presidente da República

e do Primeiro-Ministro de Timor-Leste, constituindo-se como Unidade de Reserva, e

tendo também como função ministrar treino e formação à UIR. O exercício do comando

operacional da força da GNR, cabia ao Comandante do SubAgrupamento Bravo, e

consequentemente, o controlo do uso da força, sob a autoridade política de quem

dependia”296

(Hermenegildo, 2008: 11).

A 25 de Julho de 2006 é detido o Major Alfredo Reinado, constituindo-se esta

operação como uma das acções mais mediáticas e propaladas, e de maior empenho,

implicações, complexidade e delicadeza (política e de segurança), que a GNR

desenvolveu em Timor-Leste.

Desde a sua chegada, a GNR desenvolveu a sua actividade operacional de forma

exemplar297

, de acordo com as situações operacionais que se iam sucedendo em Timor-

Leste (5 Fases):

295

Freitas do Amaral que se encontrava com a pasta dos Negócios Estrangeiros refere que a sua principal

estratégia foi em primeiro lugar defender a restauração da ordem pública, o que exigia a plena

autoridade do Estado e uma união total entre os órgãos de soberania timorenses que deveriam mostrar-

se unidos e solidários perante as comunidades nacional e internacional. Em segundo lugar, dizia

respeito à segunda fase do plano que só podia iniciar-se, quando a primeira estivesse suficientemente

assegurada e que tinha a ver a resolução de eventuais divergências políticas entre órgãos de soberania

(Freitas do Amaral, 2006:68).

Neste contexto, surge a missão da GNR que levava instruções muito claras para cumprir apenas a

missão de manutenção da ordem pública em Díli e arredores nunca se envolvendo em lutas de facção

que porventura viessem a ocorrer entre timorenses. Afirma Freitas do Amaral que “A nossa função,

como país amigo de Timor-Leste, era ajudar todos os timorenses a voltarem a viver em paz, e não

tomar partido nas suas possíveis divisões políticas. E invoquei um dos princípios gerais do artigo 7.º

da nossa Constituição (…) – o princípio da não ingerência de Portugal nos assuntos internos dos

outros Estados” (Freitas do Amaral, 2006:69). Segundo o autor supra citado o problema externo que a

República de Timor enfrentava é ―a pretensão hegemónica‖ da Austrália. A primeira manifestação

dessa ambição foi a exigência de que as forças militares fossem australianas e os quatro países

solicitados a intervir o fizessem com forças policiais. A GNR aceitou a missão com a missão de

manter a ordem nas ruas. A Austrália exigiu ainda que todas as forças estrangeiras presentes em

território timorense ficassem sob comando de um general australiano. Portugal opôs-se e respondeu

com uma frase que ficou conhecida: “aceitamos tudo o que for coordenação horizontal; não

aceitamos nada que seja subordinação vertical” (Freitas do Amaral, 2006:70). A posição portuguesa

prevaleceu. 296 Protocolo de Acordo entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República

Democrática de Timor-Leste sobre o envio e a permanência de um contingente da GNR em Timor-

Leste, Dilí, 25 de Maio de 2006, ponto nº4, GNR, nº1, al. a), p.2. 297 Destaca-se dentro das múltiplas operações levadas a cabo pela GNR, a 25 de Julho de 2006, na qual a

GNR durante o decorrer de uma série de buscas, inseridas numa operação da Polícia Internacional

(ISF e GNR) é detido o Major Alfredo Reinado, pelas forças da ISF.

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Numa primeira fase a segurança era garantida, em conjunto com as

Forças Militares Internacionais (ISF), com uma Zona de Acção definida,

até 16 de Julho de 2006;

Numa segunda fase, com as Forças Militares Internacionais (ISF) e a

Polícia Internacional, efectuando patrulhamento das 07H00 às 23H00, na

Cidade de Díli;

Na terceira fase, como Polícia Internacional, mas como Unidade de

Reserva;

Numa quarta fase, integrada nas NU e pela Policia Internacional

(Austrália e Nova Zelândia). E numa quinta fase, integrada nas NU e

pela PNTL (Hermenegildo, 2009: 4).

O Departamento de Operações de Paz das NU (DPKO) através da missiva

DPKO/OMS/2006/93, de 23 de Agosto de 2006, dirigida ao Governo português,

confirma a integração do Contingente da GNR em Timor-Leste, enquanto Formed

Police Unite (FPU), na nova Missão das NU em Timor-Leste (MAI, 2006).298

A 4 de Dezembro de 2006 é assinado o Memorando de Entendimento entre

Portugal e as NU, passando a GNR a actuar sob a alçada das NU299

.

Verificando-se dificuldades de natureza logística das NU, foi solicitado às

autoridades portuguesas um acordo de princípio relativo à garantia de auto-

sustentabilidade dos elementos da GNR num período que não ultrapassaria os seis

meses300

(Hermenegildo, 2008: 12)

A UNMIT é criada pela Resolução 1704, por um período inicial de seis meses,

podendo ser renovável. A UNMIT é constituída por 1608 polícias e 34 oficiais de

ligação.

A partir do dia 25 de Agosto de 2006, o SubAgrupamento Bravo passa a integrar

a UNMIT, mas esta só iniciou oficialmente as suas actividades de policiamento a partir

de 14 de Setembro de 2006.

298 Ministério da Administração Interna: Gabinete do Ministro, Oficio N.º 3692, Processo N.º 57/2006, 25

de Agosto de 2006. 299

A Austrália e a Nova Zelândia integraram a estrutura de segurança em Timor-Leste, mas não a

estrutura da UNMIT, mas estabeleceram um Acordo Trilateral, com Timor-Leste e as Nações Unidas,

que lhes permitia interferir nos órgãos de decisão, planeamento e informações das NU. 300 Ministério da Administração Interna: Gabinete do Ministro, Ofício Nº 3692, Processo Nº 57/2006, 25

de Agosto de 2006.

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A 24 de Novembro de 2006, já no âmbito das NU, procede-se à rotação de

contingentes da GNR, através da chegada do 2º Contingente, comandado pelo Capitão

Jorge Barradas, encontrando-se Timor-Leste numa situação de maior estabilidade

política, embora se verificasse ainda uma situação de elevado risco, sobretudo devido à

rivalidade entre grupos que recorriam frequentemente ao uso de granadas e engenhos

explosivos improvisados. Verificou-se, ainda, o registo de algumas deserções

confirmadas de militares das F-FDTL e da PNTL que se juntaram ao movimento de

oposição ao governo. Vivia-se uma situação de crise que poderia conduzir a confrontos

e provocar uma guerra civil, adensada por episódios de manipulação política, associados

a uma fragilidade do sistema judicial e político. O sector da segurança encontrava-se

desacreditado e disfuncional provocando um pedido de ajuda internacional

(Hermenegildo, 2008: 15).

Durante o período de Abril e Julho de 2007 estava prevista a realização de

eleições Presidenciais e Parlamentares em Timor-Leste, sendo por esse motivo

solicitado ao Governo português o reforço do Contingente do SubAgrupamento Bravo

da GNR, para o período eleitoral301

.

Esse reforço materializa-se na chegada do 3º Contingente da GNR, cujo

Comandante foi o Tenente Hermenegildo, constituído por dois Pelotões Operacionais, e

mais um pequeno reforço da componente do Apoio. Este pedido resultou na Resolução

1745 de 22 de Fevereiro de 2007 que sublinhou a necessidade de sus integridade o

acordo sobre o restabelecimento e a manutenção da segurança pública em Timor-Leste e

assistência à reforma, à reestruturação, e o reforço da PNTL e do Ministério do Interior,

acordado entre o Governo de Timor-Leste e a UNMIT a 1 de Dezembro de 2006

(Hermenegildo, 2008: 17).

O mandato da UNMIT é prorrogado até 26 de Fevereiro de 2008, através da

Resolução 1745. Aumentou-se o contingente da UNMIT com o objectivo de criar uma

unidade suplementar de apoio sobretudo ao período pós-eleitoral. É enviado o 3º

Contingente da GNR (Reforço) a 3 de Abril de 2007, que encontrou sequelas de um

período de forte instabilidade vivido dias antes (4-6 de Março) devido à tentativa de

detenção do Major Alfredo Reinado. Este período foi um dos períodos mais críticos da

actuação da GNR devido à complexidade de actos violentos. A GNR passou a ter no

301 Carta conjunta do Presidente da Republica Xanana Gusmão, do Presidente do Parlamento Nacional

Francisco Guterres, e do Primeiro-Ministro Ramos Horta de 7 de Dezembro de 2006, endereçada ao

Secretário-Geral das NU (S/2006/1022) pedindo o reforço da UNMIT por uma Unidade de Polícia

Constituída FPU (Conselho de Segurança das Nações Unidas, Resolução nº 1745.

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terreno duas FPU, a primeira constituída pelo SubAgrupamento Bravo (FPU 1), e a

(FPU 2) constituída pelo Reforço. Este último era formado por 77 militares, que

constituíram dois Pelotões Operacionais de Manutenção de Ordem Pública, uma secção

Administrativo-Logística, e um Oficial Adjunto Administrativo-Logístico.

Este Contingente iniciou a sua actividade operacional a 5 de Abril de 2007 e a 9

de Abril de 2007 realizam-se as eleições presidenciais. No dia seguinte à eleição do

Presidente da Republica, a 10 de Maio de 2007, a GNR, no âmbito da UNMIT é

empenhada na prisão efectiva do ex-ministro do Interior, Rogério Lobato. Houve,

durante este período eleitoral, intensificação da actividade operacional, policiamento a

pontos e locais sensíveis, escolta aos Boletins de Votos e a segurança aos locais de

votos. Além disso, entre Março e Maio de 2007, a GNR tinha como missão a ―escolta

do arroz‖, que era a base da alimentação dos timorenses e constituiu-se como um

instrumento de controlo político. A GNR teve ainda um elevado empenho operacional

no período das eleições parlamentares que decorreram em Junho de 2007

(Hermenegildo, 2008: 19).

A 11 de Julho de 2007, o 2º Contingente regressa a Portugal e chega o 4º

Contingente sob o comando do Capitão Marco Cruz. A missão do Reforço do

SubAgrupamento Bravo termina a 17 de Outubro de 2007. O SubAgrupamento fica

então com 143 elementos302

. Ainda durante o mês de Agosto os elementos do INEM

passam a poder utilizar um ―cartão verde‖ de identificação das NU que os distinguia dos

restantes que possuíam um ―cartão azul‖ mas que lhes permitia ter acesso às instalações

das NU e circular nas viaturas das NU sem constrangimentos. No âmbito da actuação do

4º Contingente destaca-se a participação da força da GNR na operação que culminou

com a detenção a 3 de Outubro de 2007, de Vicente da Conceição, denominado de

Comandante do ―Esquadrão da Morte”.

A 30 de Janeiro de 2008 o 5º Contingente, sob o comando do capitão João

Martinho, substitui o 4º. Integra pela primeira vez 8 elementos femininos e é constituído

por 141 militares, três elementos destinavam-se à instrução e formação dos elementos

da UIR da PNTL.

A 11 de Fevereiro de 2008, elementos do grupo do Major Reinado atacam o

Presidente da República Ramos Horta, morrendo um segurança deste e o Major

302 A NU autorizam que 3 militares com funções administrativas transitem do Reforço para o Contingente

do SubAgrupamento.

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Reinado. O Presidente fica gravemente ferido, tendo sido socorrido pelos elementos do

SubAgrupamento Bravo.

Cerca de duas horas após o golpe fracassado contra Ramos Horta, é efectuada

uma emboscada às viaturas do Primeiro-Ministro Xanana Gusmão303

, da qual o

Primeiro-Ministro saiu ileso (Hermenegildo, 2009: 8).

No dia 31 de Julho, o 6.º Contingente da GNR chega a Timor-Leste comandado

pelo Capitão Cabrita e aí permanece até 13 Março de 2009, data em que é substituído

pelo 7.º Contingente, comandado pelo Capitão Simões.

Actualmente, encontra-se em território timorense o 8º contingente, comandado

pelo Capitão Martinho, verificando-se um cenário de reconstrução pós-conflito típico

onde continuam a desenvolver-se tarefas de desarmamento, desminagem, combate ao

tráfico de armas, justiça transitória, reforço do estado de direito, reforma da polícia e

das forças armadas com criação do respectivo enquadramento legislativo.

Paralelamente, a GNR encontra-se no terreno a dar formação à Polícia Nacional

de Timor-Leste, estando esta organização a ser moldada à semelhança da Guarda, pois a

PNTL começa a assumir de forma lenta as responsabilidades de policiamento pelo

território, sendo que a responsabilidade global continua sob alçada da UNPOL, chefiada

por um intendente português (Hermenegildo, 2009: 8).

Assim, o mandato da UNMIT que se estende até Fevereiro de 2010, tem por

prioridade a reforma do sector da segurança, definindo claramente o papel atribuído a F-

FDTL e à PNTL de modo a fortalecer os quadros legais e a melhorar os mecanismos de

fiscalização de más políticas.

303 Este ataque, da qual não resultou qualquer vítima, ainda não foi verdadeiramente confirmado e

esclarecido.

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156

2. Legitimidade de actuação

A participação das forças portuguesas nas OAP encontra-se legalmente

assegurada nos artigos 7º, 8º, 273º e 275º da CRP. Assim, o artigo 7º, nº 2 da CRP diz

que ―Portugal preconiza (…) o estabelecimento de um sistema de segurança colectiva,

com vista à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça

nas relações entre os povos.”

O artigo 8º do mesmo documento refere que “as normas e os princípios de

direito internacional geral ou comum fazem parte do direito português”. Acrescenta

que ―As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou

aprovadas vigoram na ordem interna”.

Ainda na CRP é referido no nº2 do artigo 273 estão definidos os objectivos da

defesa nacional, sendo referido que ―a defesa nacional tem por objectivos garantir, no

respeito da ordem constitucional, das instituições democráticas e das convenções

internacionais, a independência nacional, a integridade do território…contra qualquer

agressão ou ameaça externa.‖ A Lei de Defesa Nacional304

, refere no artigo 2º que

“Portugal defende…o respeito pelos direitos humanos e pelo direito internacional e a

resolução pacífica dos conflitos internacionais e contribui para a segurança, a

estabilidade e a paz internacionais.”

De acordo com o que está disposto no artigo 3º do mesmo diploma ―A defesa

nacional é igualmente assegurada e exercida no quadro dos compromissos

internacionais assumidos pelo Estado Português na prossecução do interesse

nacional‖; e no artigo 5º refere que um dos objectivos permanentes da política de defesa

nacional é ―Assegurar a manutenção ou o restabelecimento da paz, em condições que

correspondam aos interesses nacionais‖.

No que se refere à Política de Defesa Nacional, através do seu conceito

estratégico305

, “O Estado Português, membro das Nações Unidas, considera da maior

importância para a segurança internacional a manutenção da paz, a resolução dos

conflitos e o reforço do prestígio e da actuação da ONU”306

304 Lei 31-A/2009 de 7 de Julho – Aprova a lei de defesa nacional 305 Resolução do Conselho de Ministros nº 6/2003 de 20 de Janeiro – aprova o conceito estratégico de

defesa nacional 306 Resolução do Conselho de Ministros nº 6/2003 de 20 de Janeiro – aprova o conceito estratégico de

defesa nacional, 7.1, p.285

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A legitimidade de intervenção da Guarda Nacional Republicana nas missões de

apoio à paz assenta nos seguintes documentos legais: a Constituição da República

Portuguesa (CRP), na Lei de Defesa Nacional (LDN), na Lei de Segurança Interna

(LSI), na Lei das Bases Gerais da Condição Militar (LBCM) e na Lei Orgânica da

Guarda Nacional Republicana (LOGNR).

A LSI307

, no nº2 do artigo 4º refere que ―No quadro dos compromissos

internacionais e das normas aplicáveis do direito internacional, as forças e serviços de

segurança podem actuar fora do espaço referido no número anterior em cooperação

com organismos e serviços de Estados estrangeiros ou com organizações

internacionais de que Portugal faça parte, tendo em vista, em especial, o

aprofundamento do espaço de liberdade, segurança e justiça da União Europeia..”

A LOGNR308

, vem atribuir a possibilidade de a GNR participar em missões

internacionais referindo no nº 2 do artigo 1º que “A Guarda tem por missão, no âmbito

dos sistemas nacionais de segurança e protecção assegurar a legalidade democrática,

garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos, bem como colaborar na

execução da política de defesa nacional nos termos da Constituição e da lei.” De

acordo ainda com o Artigo nº 3 nº 1 o), a GNR pode ―Participar (…) em operações

internacionais de gestão civil de crises, de paz e humanitárias, no âmbito policial e de

protecção civil…”, o que permite a participação da GNR nas OAP. A LOGNR refere

ainda que a GNR pode actuar neste tipo de operações em cooperação com as FA dado

que no artigo 3 nº 2 i) é referido que a GNR deve “Cumprir, no âmbito da execução da

política de defesa nacional e em cooperação com as Forças Armadas, as missões

militares que lhe forem cometidas‖, demonstrando que a GNR pode actuar em

cooperação com as FA.

Em 2000 foi aprovado um diploma, Decreto-Lei nº 17/2000, de 29 de Fevereiro,

que permite a participação da Guarda em missões internacionais de apoio à paz (Formed

Police Unit - FPU), estendendo aos militares das forças de segurança, as medidas

aplicadas aos militares das forças armadas envolvidos em Missões Humanitárias e de

Paz fora do território nacional309

, referindo no seu artigo 1º, nº1 que “É aplicável aos

elementos dos serviços e forças de segurança dependentes do Ministério da

Administração Interna envolvidos em missões humanitárias e de paz fora do território

307 Lei 53/2008 de 29 de Agosto – aprova a lei de segurança interna. 308 Lei nº 63/2007 de 6 de Novembro – aprova a orgânica da Guarda Nacional Republicana 309 Decreto-Lei nº 233/96, de 7 de Dezembro – define o estatuto dos militares das Forças Armadas

envolvidos em missões humanitárias e de paz fora do território nacional.

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nacional, no quadro dos compromissos assumidos por Portugal, o Decreto-Lei nº

233/96, de 7 de Dezembro, com as devidas alterações”.

No nº 2 do artigo referido anteriormente estabelece-se que “As competências

atribuídas ao Ministro de Defesa Nacional do diploma indicado no número anterior

devem-se considerar reportadas ao Ministro da Administração Interna em tudo o que

respeita às entidades do nº1.”

No Despacho nº 77/08, do General Comandante da GNR, são definidas as

competências da Unidade de Intervenção, tendo esta sido criada com a publicação da

Portaria nº 1450/2008310

, tendo esta por missão efectuar, entre outras missões, e de

acordo com o nº 1, o “aprontamento e projecção de forças para missões

internacionais.” Nesta unidade integra-se o Centro de Treino e Aprontamento de Forças

para Missões Internacionais.

A ONU aprovou ainda Resoluções de forma a legitimar a participação da GNR

como força constituída em missões internacionais. Após o início da crise em Timor, o

conselho de Segurança da ONU aprovou a Resolução 1264 (1999), permitindo a criação

de uma força multinacional que restabelecesse a paz e a segurança em Timor-Leste.

O suporte legal composto pela CRP, a LDN, a LSI e a LOGNR legitimam pois a

participação de forças nacionais, incluindo a GNR, em missões de paz fora do Estado

Português.

310

Define a organização interna das unidades territoriais, especializadas, de representação e de

intervenção e reserva, bem como as respectivas subunidades da Guarda Nacional Republicana.

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3. O restabelecimento e a manutenção da paz pela aplicação eventual da força – do peace-enforcement ao peace-keeping

A intervenção realizada em Timor-leste começou por ser uma missão de

imposição da paz (PE), justificada pelos constantes confrontos entre milícias armadas, e

que mais tarde evoluiu para uma missão de paz (PK), com o objectivo de promover a

reconstrução do território e o restabelecimento das condições de segurança das

populações timorenses.

A missão da GNR surge para dar resposta à solicitação do governo timorense à

comunidade internacional com o objectivo de estabilizar a ordem pública no território,

provocada pela instabilidade política e social vivida em Timor, e como força de

segurança de natureza militar cujo desempenho tem por base doutrina, treino,

equipamento e cultura militares pôde integrar uma missão que evolui de uma situação

de imposição da paz (PE) para uma situação de manutenção da paz (PK).

Os diversos comandantes do SubAgrupamento Bravo, “além de uma enorme

responsabilidade, têm por vezes, uma capacidade de negociação e decisão,

incomparável numa situação normal de comando, que ultrapassa o nível táctico e que

atinge o nível estratégico” (Hermenegildo, 2008: 28).

Foram diversas os cenários em que os militares da GNR tiveram de recorrer ao

uso da força e que estiveram relacionados com momentos de grande instabilidade que

foram surgindo durante a permanência dos diversos contingentes em território

timorense. Assim, a missão da UNTAET teve por base uma missão de imposição da paz

(PE), motivada pelos constantes confrontos entre milícias armadas, e durante o período

de chegada das forças internacionais a Timor-Leste, sucediam-se incidentes nas ruas de

Díli, gangs pilhavam lojas e armazéns, incendiavam carros e casas, agravando-se os

confrontos entre as forças de segurança e os ex-militares (Hermenegildo, 2009: 4).

A 25 de Julho de 2006, e no âmbito da actuação do primeiro contingente, sob o

comando do Capitão Gonçalo Carvalho, a GNR faz uma série de buscas, inseridas numa

operação da Polícia Internacional (ISF e GNR), que durou cerca de 10 horas, numa casa

em frente ao Quartel das forças australianas (Heliporto), é detido o Major Alfredo

Reinado, pelas forças australiana. Esta operação foi uma das acções mais mediáticas e

propaladas, e de maior empenho, implicações, complexidade e delicadeza (política e de

segurança), que a GNR desenvolveu em Timor-Leste, tendo o cenário sido o seguinte: a

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GNR foi chamada ao local dado ter sido contactada, devido ao facto de existir naquele

local, uma casa de um cidadão português, que se encontrava no exterior do território

timorense, a ser ocupada ilegalmente. Quando chegou ao local deparou-se com a

ocupação ilegal não de uma, mas de três casas pelo Major Alfredo Reinado e cerca de

vinte elementos do seu grupo, contendo no seu interior armamento e munições de vários

calibres, violando assim, as directivas emanadas das autoridades timorenses e das forças

militares e policiais internacionais em Timor-Leste, segundo a qual qualquer individuo

que fosse apanhado na posse de material de guerra, seria detido a partir das 14H00

daquele dia. Imediatamente, a GNR efectuou vários pedidos para a emissão dos

mandados de busca, revista, detenção e captura, que foram sucessivamente recusados.

No entanto, após uma reunião, que decorria paralelamente, na Presidência da República,

entre o Procurador-Geral da República, Longuinhos Monteiro, o Procurador-Adjunto,

Luís Mota Carmo, e o Vice-Ministro do Interior, José Agostinho Sequeira ―Smotxo‖, e o

Presidente da República, Xanana Gusmão, foi decidido que a entrega (e apreensão) do

armamento, e as detenções, seriam ainda abrangidas pelo acordo anterior, da entrega de

armas pelo grupo dos ―peticionários‖, embora já tivesse passado 24 horas do prazo

determinado para a entrega voluntária de material de guerra, no âmbito do processo de

reforço da ordem pública em Díli. Entretanto, a GNR conseguiu que o Major Alfredo

Reinado autorizasse e assinasse os mandados de busca nas três residências ocupadas por

ele e pelo seu grupo, e entregasse, voluntariamente, o material de guerra em sua posse

(nove pistolas de guerra, 50 carregadores de munições e diversas granadas). Após cerca

de 10 horas de espera, a GNR não foi autorizada a efectuar a detenção, mas apenas a

proceder à apreensão do material de guerra. A detenção do Major Alfredo Reinado seria

feita pelas forças australianas, ao abrigo do acordo bilateral entre a Austrália e Timor-

Leste (Hermenegildo, 2009: 5).

O Comandante do 1º contingente descreve assim a actuação das forças policiais,

durante esse período: “Durante todo o mês de Junho de 2006 é muito difícil referir o

momento mais complexo, visto que, todos os dias fomos chamados a intervir em

incidentes graves, por várias vezes ao dia ou vários em simultâneo. Estes incidentes

caracterizavam-se por ataques de gangs aos vários bairros da cidade de Díli,

recorrendo à violência extrema para ofender corporalmente os habitantes e com o

objectivo de infligir o máximo de danos na sua propriedade imóvel e móvel. No entanto,

posso “eleger” como um dos mais complexos, o ataque a uma patrulha nossa, durante

a noite, num bairro quase sem iluminação e com grande vegetação. O ataque foi

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efectuado por jovens protegidos atrás de várias barricadas de pneus a arder, atingindo

a força da Guarda com pedras, dardos de ferro, flechas e tendo efectuado alguns

disparos de armas de fogo na nossa direcção, provocando danos materiais nas nossas

viaturas e ferimentos em alguns militares, o que obrigou ao empenhamento de todo o

efectivo, numa situação de elevado risco.”

Afirma ainda o Comandante do 1º contingente português ―Na missão de 2006,

ao abrigo do acordo bilateral, a rápida projecção da força, em 8 dias, não permitiu

dotar o Subagrupamento com os meios materiais necessários, especialmente viaturas.

Esta situação deveu-se à limitação do transporte da carga no avião Antonove

condicionou a actuação da GNR no terreno. A intervenção da Guarda foi

imediatamente a seguir a uma crise entre polícias e militares, o que provocou o colapso

da PNTL, obrigando um esforço acrescido, em termos de empenhamento operacional.

Nos primeiros 4 meses a Guarda ocorreu a mais de 300 incidentes graves.

Relativamente aos meios legais, o Sistema Judicial funcionou com algumas

dificuldades, no entanto, de todas as forças presentes no TO, a GNR foi a força que

melhor cumpriu as formalidades legais, devido ao facto do CPP ser uma cópia do

português. A actuação da Guarda foi sempre pautada pela estrita observância das ROE

que foram estabelecidas pelo Governo português, em condições semelhantes às

praticadas em Portugal e pela legislação timorense, em vigor na altura”311

.

O 2º Contingente, comandado pelo Capitão Jorge Barradas, chega a Timor-

Leste, no dia 24 de Novembro, e encontrou em Timor-Leste um cenário de elevado

risco, sobretudo devido à rivalidade entre grupos que recorriam frequentemente ao uso

de granadas e engenhos explosivos improvisados. Verificou-se ainda o registo de

algumas deserções confirmadas de militares das F-FDTL e da PNTL que se juntaram ao

movimento de oposição ao governo312

.

Vivia-se uma situação de crise que poderia conduzir a confrontos que poderia

provocar uma guerra civil, adensada por episódios de manipulação política, associados a

uma fragilidade do sistema judicial e político. O sector da segurança encontrava-se

desacreditado e disfuncional provocando um pedido de ajuda internacional

(Hermenegildo, 2008: 15). Vive-se nesta fase um período de grande instabilidade que

311 Excerto da entrevista ao comandante do 1º contingente, Cap. Carvalho. 312 A crise de 2006 provocada pelos peticionários partiu do despedimento de cerca de 600 soldados das F-

FDTL que reivindicavam não terem sido promovidos por motivos de discriminação. Estes estavam

altamente politizados e tratava-se sobretudo de uma questão partidária. A falta de emprego e de

oportunidades entre a camada jovem despoletou um cenário de violência marcado pelas imagens de

polícias e militares combatendo na rua.

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culminou com a tentativa de detenção do Major Reinado. Assim, a 4 de Março de 2007,

as tropas australianas cercam o Major Alfredo Reinado em Same. Dessa operação,

quatro dos seus homens são mortos e dois feridos, mas o Major consegue fugir.

O Comandante do 2º Contingente descreve da seguinte forma estes incidentes

―Em Março de 2007 (entre a noite de 03 e o dia 06), com a falsa notícia da detenção do

Major Reinado pela GNR (líder da revolta de Maio de 2006, que deu o massacre entre

militares e polícias e que originou o caos, razão da chamada da GNR e posteriormente

das Nações Unidas), deu-se uma revolta popular.

Com a falta de informação da população (e também de instrução), foi possível

direccionar os ânimos de diversos grupos de jovens, associados às artes marciais, que

tornaram Díli intransitável em diversas artérias principais, com recurso a carros

queimados, troncos de árvores, armadilhas diversas e ameaças de armas de fogo.

Nessa altura só a GNR e o Exército Australiano (com Carros de Combate) saiu dos

quartéis e mesmos as outras FPU’s, limitaram-se a defender as suas instalações. Na

noite inicial, os cidadão portugueses foram ameaçados e 4 embaixadas foram

abandonadas, tendo os seus membros recebido acolhimento no quartel da GNR.

A intervenção foi musculada, perante ameaças actuais e ilícitas à integridade

física dos nossos militares, com o uso frequente de gás lacrimogéneo e dispositivos de

dispersão (borracha), durante a neutralização de barricadas. Não se registou nenhum

caso de uso de arma de fogo directamente contra a nossa força.‖313

Em virtude de estarem previstas a realização de eleições Presidenciais e

Parlamentares, entre Abril e Julho de 2007, o governo timorense solicitou às NU o

Reforço do Contingente do SubAgrupamento Bravo da GNR, no período eleitoral.

O 3º Contingente da GNR encontrou sequelas de um período de forte

instabilidade vivido dias antes (4-6 de Março) devido à tentativa de detenção do Major

Alfredo Reinado. Este período foi um dos períodos mais críticos da actuação da GNR

devido à complexidade de actos violentos. Este Contingente iniciou a sua actividade

operacional a 5 de Abril de 2007, e a 9 de Abril de 2007 realizam-se as eleições

presidenciais.

No dia seguinte à eleição do Presidente da Republica, a 10 de Maio de 2007, a

GNR, no âmbito da UNMIT é empenhada na prisão efectiva do ex-ministro do Interior,

Rogério Lobato. Houve, durante este período eleitoral, intensificação da actividade

313 Excerto da entrevista realizada ao Comandante do 2º Contingente Português, Capitão Barradas.

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operacional, policiamento a pontos e locais sensíveis, escolta aos Boletins de Votos e a

segurança aos locais de votos. Além disso, entre Março e Maio de 2007, a GNR tinha

como missão a ―escolta do arroz‖, que era a base da alimentação dos timorenses e

constituiu-se como um instrumento de controlo político. A GNR teve ainda um elevado

empenho operacional no período das eleições parlamentares que decorreram em Junho

de 2007 (Hermenegildo, 2008: 19).

Referindo-se a esses momentos, o Comandante do 3º Contingente português

refere como momentos mais críticos: ―O período das campanhas eleitorais

(Presidenciais e Parlamentares), os dias das eleições e os momentos seguintes à

divulgação dos resultados. Quer pela quantidade de horas dedicadas ao patrulhamento

e segurança dos actos referidos, quer pela complexidade dos mesmos em alguns

casos‖314

.

A propósito deste período conturbado da vida de Timor-Leste, refere o

Comandante do 3º Contingente português: ―a crise de 2006 é multimensional nas

causas e nos efeitos, e nessa medida criou um conflito (interno), que consideramos

multinível, em que a uma situação conflituosa e problemática, se adensa à anterior

situação e se vai agravando gradualmente. Tudo funciona em cadeia e em rede, em que

uma situação já por si complexa, serve para agravar a anterior, e provocar o

desencadear de outra situação. Paralelamente, este tipo de conflitos, influenciam-se

mutuamente, e tornam-se de difícil resolução. Apesar de já existirem iniciativas no

sentido de resolver o conflito, os problemas não param de se adensar e desenvolver, tal

como os diferentes interesses, nacionais e internacionais, em jogo” (Hermenegildo,

2009: 13).

A crise de 2006, no entender do Comandante do 3º Contingente português, foi

na generalidade provocada pelos peticionários, partiu do despedimento de cerca de 600

soldados das F-FDTL que reivindicavam não terem sido promovidos por motivos de

discriminação. Estes estavam altamente politizados e tratava-se sobretudo de uma

questão partidária. A falta de emprego e de oportunidades entre a camada jovem

despoletou um cenário de violência marcado pelas imagens de polícias e militares

combatendo na rua.

A 11 de Julho de 2007, chega a Timor-Leste o 4º Contingente comandado pelo

Capitão Marco Cruz. No âmbito das múltiplas operações desencadeadas por este

314 Excerto da entrevista realizada ao Comandante do 3º Contingente Português, Tenente Hermenegildo.

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Contingente, destaca-se a participação das forças da GNR, na operação desencadeada

pelas forças internacionais, que culminaram com a detenção, a 3 de Outubro de 2007, de

Vicente da Conceição (―Rai Laos‖), designado como o Comandante do Esquadrão da

Morte. O Comandante do 4º Contingente destaca o mês de Junho como sendo o mais

intenso em termos de violência, referindo que “Durante este mês foram vários os

incidentes em que a GNR esteve envolvida. A proibição das NU relativa à utilização de

bagos de borracha condicionou as operações de restabelecimento da OP. De destacar

que a força foi, por diversas vezes, atacada com meios letais (setas, dados, cocktail´s

molotov etc), sem que tivesse sido feito qualquer disparo com arma letal da nossa

parte”; destaca ainda o mesmo Comandante ―a proibição da utilização de bagos de

borracha em Timor-leste durante os diversos incidentes que assolaram a capital

durante o primeiro mês em que estive na missão causou vários transtornos para a

actividade operacional, uma vez que a aplicação desse meio, até àquela altura,

revelou-se bastante eficaz para o restabelecimento da OP. Por vezes existe um

“aligeiramento” dos meios face à ameaça!” 315

A 30 de Janeiro de 2008, chegam a Timor-Leste os militares do 5º Contingente

português, comandado pelo Capitão João Martinho, que intervêm na resolução de um

incidente importante, quando a 11 de Fevereiro de 2008, elementos do grupo do Major

Reinado atacam o Presidente da República Ramos Horta, morrendo um segurança deste

e o Major Reinado. O Presidente fica gravemente ferido, tendo sido socorrido pelos

elementos do SubAgrupamento Bravo. O Primeiro-Ministro Xanana Gusmão, tendo

este saído ileso.

Cerca de duas horas após o golpe fracassado contra Ramos Horta, é efectuada

uma emboscada às viaturas do Primeiro-Ministro Xanana Gusmão316

, da qual o

Primeiro-Ministro saiu ileso (Hermenegildo, 2009: 8).

Nas diversas intervenções que o Contingente português teve de realizar

sobretudo ―Por ocasião de diversas situações de manutenção da ordem pública, (fez)

uso da força física, das armas contundentes e das armas não letais‖, referindo ainda

este Comandante que ―dispunha do armamento, equipamento, técnicas e tácticas, a par

315 Excerto da entrevista ao Comandante do 4º Contingente, Cap. Marco Cruz. 316 Este ataque, da qual não resultou qualquer vítima, ainda não foi verdadeiramente confirmado e

esclarecido.

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do enquadramento legal, adequados ao cumprimento da missão e da correcta

aplicação da força.”317

No dia 31 de Julho, o 6.º Contingente da GNR chega a Timor-Leste e aí

permanece até 13 Março de 2009. O Comandante deste contingente descreve a missão

do seguinte modo: ―a utilização das armas de Ordem

Pública e as suas munições (borracha) padeciam mensalmente de uma

autorização por parte da UNMIT no que diz respeito à sua utilização,

isto por não estarem previstas e ao que sei, nunca ter existido uma

força que as utilizasse”, referindo como principal momento aquele em que “Durante a

noite, militares trajando à civil, foram abordados e agredidos por

dezenas de meliantes, usando catanas e armas de fogo, durante a

extracção destes militares, militares de serviço que se deslocaram ao

local, foram também agredidos. Os ferimentos causados aos nossos

militares foram de alguma gravidade, havendo um deles que sofreu um

golpe de catana no pescoço, apenas por sorte não padeceu. Foram

efectuadas detenções, sendo duas delas de polícias timorenses, que se

encontravam armados”318

.

O Comandante do 7.º Contingente salienta como momento mais difícil o

seguinte: “No que diz respeito à aplicação dos meios coercivos, considerando a

situação mais complexa por mim vivida em Timor-Leste, considero a noite de 26JUN

para 27JUN09. Situação que foi necessário repor a ordem e tranquilidade pública num

determinado local e perante agressões á força, através do arremesso de pedras sobre a

uma secção de um Pel de OP, foi necessário aguardar o reforço da 2ª Secção, para

restabelecer a situação de alteração e posteriormente o reforço de um 2º pelotão, para

conseguir fazer dispersar dos desordeiros, toda esta acção foi efectuada sem recurso a

munições de borracha ou gás e muito menos armas letais, contudo quando tudo parecia

estar resolvido, um individuo sacou de uma pistola e apontando-a a dois militares a

cerca de uma distância de 2/3 metros, os militares sabendo que qualquer acção da sua

parte poderia precipitar o pior, mantiveram o sangue frio e tentaram persuadir o

individuo, ao que o mesmo colocou-se em fuga e disparou diversos disparos (6/7), não

se sabendo em que direcção mas tendo ficado dois impactos na viatura da GNR”,

resumindo da forma que se segue os procedimentos que regularam a sua actuação: ―No

317 Excerto da entrevista realizada ao Comandante dos 5º/8º Contingentes Portugueses, Capitão Martinho. 318 Excerto da entrevista realizada ao Comandante do 6º Contingente Português, Capitão Cabrita.

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que diz respeito aos meios legais acrescentaria que o Código Processo Penal em vigor

em Timor é semelhante ao nosso (Português), daí que não acarreta nenhuma novidade

ao nível de procedimentos do processo penal, no entanto, o código Penal em vigor em

Timor-Leste é diferente do nosso e até se “comenta” que teve como ponto de partida

para a sua elaboração o Código Penal Indonésio. No que diz respeito aos regulamentos

e directivas das Nações Unidas, acrescentaria que no período em que Comandei o

Subagrupamento Bravo, foi proibido o uso das munições Cal 12, zagalote de borracha,

que foi para nós considerado uma grande redução nas possibilidades de utilização de

munições menos letais, nas acções de restabelecimento da ordem pública, ficando

essencialmente ao nosso dispor as munições 56mm do Lança Granadas Cougar, isto

no que diz respeito a munições de borracha.

No que diz respeito aos meios humanos, o grosso do efectivo do Subagrupamento Bravo

está direccionado e preparado para acções restabelecimento de ordem pública (com

três pelotões operacionais), mas desempenha também missões de segurança física,

acções de patrulhamento intensivo em áreas sensíveis, escoltas a pessoas e bens entre

outras missões. Tem ainda uma Secção de Operações Especiais que está preparada

para desempenhar variadíssimas missões, que se poderão enquadrar em situações de

elevado risco, bem como a segurança e protecção de Altas Entidades (SPAE – PR de

Timor-leste). Comporta ainda uma equipa de Inactivação de Engenhos Explosivos, que

acrescento é a única ao dispor das Nações Unidas no território. Iria concluir que entre

meios humanos apresentados e a forma como são treinados e preparados, consegue-se

flutuar entre os diversos patamares do uso da força.

No tocante aos meios matérias ao dispor dos militares do Subagrupamento e sem estar

a fazer uma distinção entre as valências do Subagrupamento no que diz respeito à

distribuição de armamento e equipamento, posso adiantar que o nosso

Subagrupamento dispõe de equipamentos menos letais entre bastões, taser’s, gás às

munições de borracha, no tocante a armas letais, desde do Cal12, 9mm, 5,56mm,

7,62mm, 12,7mm às granadas de 40mm. É facilmente visível que nesta área o

Subarupamento Bravo não terá dificuldades ou limitações que dificultem a utilização

da força”319

.

Neste momento encontra-se, em território timorense o 8º Contingente

comandado pelo Capitão Martinho, que já tinha comandado o 5º Contingente português.

319 Excerto da entrevista ao Comandante do 7º contingente português, Cap. Simões.

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4. A aplicação das regras de empenhamento da força (ROE)

No que respeita aos limites de actuação de uma força numa OAP, estes estão

definidos na ROE, que são os meios pelos quais as NU fornecem a direcção e orientação

políticas aos Comandantes a todos os níveis com interferência na decisão do uso da

força, ou seja, são as linhas directivas pelas quais os Comandantes das OAP se regem

no que concerne aos limites de uso da força no decorrer dessa mesma operação. Estas

providenciam ainda as directrizes aos diversos Comandantes em todos os níveis da

cadeia de comando, quanto ao emprego e uso da força na área de missão.

As ROE são regras aprovadas ao mais alto nível das organizações responsáveis

pela actuação da Força nas Operações de Apoio à Paz. No caso de Timor-Leste as ROE

foram emanadas pela ONU constituindo-se “meios pelos quais as NU fornecem a

direcção e orientação políticas aos comandantes a todos os níveis com interferência na

decisão do uso da força” (ME—76-04, 1996, p.6-10), ou seja são as directivas pelas

quais os Comandantes nas OAP se regem no que respeita aos limites de uso da força no

decorrer dessa mesma operação. No entanto, as ROE não podem limitar o exercício de

auto-defesa.

A este propósito, e em relação à importância das ROE os Comandantes dos

diversos Contingentes afirmam o seguinte: ―As ROE são fundamentais na actuação de

uma força, numa missão internacional, visto que são a grande orientação no

planeamento das operações, a desenvolver no TO, e no modo como a força actua em

todos os incidentes que possam ocorrer durante a missão. É de vital importância o

conhecimento das mesmas, por todos os militares, visto que uma única actuação

isolada que viole as ROE pode comprometer o desempenho de toda a força‖320

. O

Comandante deste contingente referiu ainda a este propósito que ―Na passagem do

regime de acordo bilateral para a missão das NU, as ROE mudaram tornando-se mais

restritivas, no uso das armas de fogo, letais e não letais. Esta mudança dificultou a

actuação operacional nos casos dos distúrbios de maior gravidade, devido à proibição

do uso de munições de borracha.”321

; ―As ROE servem de base de trabalho para

uniformizar a integração das diversas nacionalidades, equipamentos e experiências,

320 Excerto da entrevista realizada ao Comandante do 1º Contingente. 321 Idem.

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definindo condições mínimas de exigibilidade”322

; “As ROE são o documento central e

fundamental de qualquer missão no que toca ao uso da força”323

; “As ROE são um dos

documentos mais importantes para quem quer participar numa missão. Documento que

todo o elemento policial deve conhecer com profundidade, orienta toda a sua

actividade operacional, sobretudo para a utilização da força.”324

; “As ROE

representam o enquadramento político/jurídico da aplicação da força por parte das

forças internacionais. Determinam a forma e o alcance da aplicação da força, assim

como, permitem o controlo hierárquico/politico do cumprimento destas regras.”325

Afirmam ainda a este propósito os Comandantes dos 6º e 7º Contingentes:

―Trata-se de facto do documento mais importante para o

cumprimento da missão. É com base neste documento, que a actuação da

força se rege. Em qualquer circunstância pode ocorrer uma intervenção

fora do contexto das ROE, sob pena de se colocar em perigo a missão do

ponto de vista policial/militar, com repercussões diplomáticas

imediatas”326

; “As ROE, é um documento fundamental, em que em muito está esbatido

noutros regulamentos e regras da missão, dou especial importância a este documento

na medida em que é neste documento que está definida a legitimidade do uso da força,

onde está definida todas as circunstâncias que legitimará o uso da força por parte da

força policial. Posso acrescentar ainda que os nossos militares são devidamente

elucidados das ROE e instruídos com base nas mesmas nos aprontamentos de

contigentes, pois todos terão que ter conhecimento pleno das permissões e limitações

das mesmas, pois toda a sua conduta individual é regulada por este documento. Por

último aproveito para mencionar que mesmo antes das operações era sempre

efectuadas alusões às ROE”327

.

Estas regras regulam o uso da força em operações de características militares

e/ou policiais, traduzindo as linhas orientadoras paro o uso da força e explicitando os

princípios, responsabilidades e conceitos que lhes estão subjacentes, tendo em

consideração o propósito político do emprego das forças policiais, as restrições legais ao

uso da força e a missão atribuída. Constituem-se como um documento que orientam os

Comandantes no sentido de não tomarem determinadas acções, no que respeita às

322 Excerto da entrevista realizada ao Comandante do 2º Contingente. 323 Excerto da entrevista realizada ao Comandante do 3º Contingente. 324 Excerto da entrevista realizada ao Comandante do 4º Contingente. 325 Excerto da entrevista realizada ao Comandante do 5º/8º Contingentes 326 Excerto da entrevista ao Comandante do 6º Contingente. 327 Excerto da entrevista ao Comandante do 7º Contingente.

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proibições, e definem os limites do uso da força ou das acções que os militares possam

ter que tomar para cumprir a missão, no que diz respeito às permissões.

As regras de empenhamento são uma das responsabilidades de uma missão que

deve transmiti-las a todos os comandantes subordinados, que por sua vez deverão

assegurar a total compreensão das mesmas por todos os militares.

As ROE definem as circunstâncias e as acções em que o uso e o emprego da

força são justificáveis; definem ainda o modo e o grau da sua aplicação. Surgem

normalmente associadas a situações de auto defesa; esta implica o uso da força

necessário e proporcional, incluindo a força letal, que permita à força em missão

defender os seus próprios elementos, a população civil, os órgãos de soberania de

Timor-Leste e outras Forças e Autoridades, contra ataques actuais ou iminentes.

No decorrer de missões e durante as operações tácticas as forças policiais têm de

cumprir os princípios internacionalmente definidos da proporcionalidade, do uso da

mínima força328

e da minimização da possibilidade de ocorrência de danos colaterais. A

este propósito afirma o Comandante do 4º Contingente: ―O princípio do uso mínimo da

força e da proporcionalidade são, na minha opinião, princípios basilares para a

aplicação prática do uso da força. De facto, durante a missão foram registadas

situações que, pelo seu enquadramento legal, poderiam ter sido utilizados meios

coercivo mais superiores, no entanto, tendo em conta estes dois princípios essas

mesmas situações foram resolvidas com recurso a meios de patamares mais

reduzidos.”329

Assim, as ROE contemplam também a referência à alternativa do uso da força,

referindo que deverão ser feitos todos os esforços para que na resolução de situações de

conflito sejam utilizados outros meios disponíveis como sendo a negociação ou a

assistência pelas autoridades locais. Assim, a força deve ser empregue na extensão

necessária para levar a cabo a missão e a concretização dos objectivos definidos, sendo

que o uso da força deve ser limitada ao grau, intensidade e duração necessários para

alcançar o objectivo. Esse grau de força a utilizar está determinado pelas circunstâncias

e pelas próprias ROE. Os danos provocados a civis, bem como aos seus bens não devem

exceder a vantagem táctica que se pretende obter numa operação, evitando ao máximo

os danos colaterais. A este propósito afirma o Comandante do 4º Contingente ―Existem

328 Consiste na utilização da força no mais baixo grau possível para se cumprir os objectivos definidos

para a missão, tendo sempre em conta as necessidades e as circunstâncias. 329 Excerto da entrevista realizada ao Comandante do 4º Contingente.

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regras muito claras de aplicação da força. As Nações Unidas têm regras/normas muito

claras quanto ao uso da força, por vezes até muito restritivas.”330

Afirma a este

propósito os Comandantes dos 6º e 7º Contingentes: “Sempre com o princípio do uso

da força presente. Nunca esquecendo que uma FPU depende do Police Commissioner

do ponto de vista operacional, remetendo para este o ónus da decisão, sempre que

uma intervenção nossa poderia suscitar dúvidas”331

; “As ROE, é um documento

fundamental, em que em muito está esbatido noutros regulamentos e regras da missão,

dou especial importância a este documento na medida em que é neste documento que

está definida a legitimidade do uso da força, onde está definida todas as circunstâncias

que legitimará o uso da força por parte da força policial. Posso acrescentar ainda que

os nossos militares são devidamente elucidados das ROE e instruídos com base nas

mesmas nos aprontamentos de contigente, pois todos terão que ter conhecimento pleno

das permissões e limitações das mesmas, pois toda a sua conduta individual é regulada

por este documento. Por último aproveito para mencionar que mesmo antes das

operações era sempre efectuadas alusões às ROE”332

.

Relativamente à adequação das ROE às diversas actuações práticas, e no que diz

respeito ao uso da força, os Comandantes dos Contingentes afirmam o seguinte: “Em

primeiro lugar, é muito importante instruir todos os militares do conteúdo das ROE,

dado que as mesmas regulam a sua actuação. Subsequentemente, em cada operação

devemos relembrar os condicionalismos das mesmas, não só no seu planeamento, mas

também durante o decorrer das mesmas. Como comandante, as ROE devem estar

presentes em todas as decisões que tomamos, no que concerne ao escalonamento do

uso da força, sempre adequado a cada incidente, em concreto”333

.

No que diz respeito à aplicação prática das ROE, afirma o Comandante do 2º

Contingente “Existem um conjunto de definições sobre os patamares do uso da força, a

nível internacional, que são mais ou menos consensuais, o que diferencia (para além de

pequenas questões relacionadas com alguns países asiáticos – direitos humanos), é a

experiência profissional dos executantes e a forma como são recrutados.

É diferente o conhecimento de elementos do GIOP, que são especialistas e fazem isso

todos os dias, de alguns polícias/militares, a quem é dado equipamento, algumas

noções e depois mandam-nos para missões internacionais. Quando passam à prática,

330 Idem. 331 Excerto da entrevista realizada ao Comandante do 6º Contingente português. 332 Excerto da entrevista realizada ao Comandante do 7º Contingente. 333 Excerto da entrevista realizada ao Comandante do 1º Contingente.

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perante o stress da situação, se não houver experiência de terreno, ultrapassam

patamares e são menos criteriosos na utilização dos meios disponíveis. As ROE servem

de base de trabalho para uniformizar a integração das diversas nacionalidades,

equipamentos e experiências, definindo condições mínimas de exigibilidade. No

entanto, importa em cada missão (todas têm a sua particularidade), a definição de um

conjunto de directivas adicionais, com o intuito de pormenorizar alguns aspectos onde

as ROE permitem interpretação extensiva. Ex: a política de transporte da arma

pessoal, trajando civilmente, quais as condições em que a pode utilizar e como deve ser

transportada. Registaram-se noutras forças alguma negligência quanto a este aspecto,

especialmente quando elementos isolados, sem estarem integrados em forças que

possuíam arrecadações de material de guerra. Efectivamente, não foi necessária

adaptação das regras, bastou usar exactamente os mesmos critérios que usamos em

Portugal, em função do risco da vida humana (própria ou de terceiros), da relação

custo/benefício, relativamente a uma intervenção mais musculada ou à contenção da

situação, para futura negociação, podendo os infractores virem a ser responsabilizados

posteriormente (intervenções em determinadas alturas poderiam “incendiar” os

ânimos e colocar em risco a Força de segurança e terceiros, bastando identificar os

infractores). Os nossos recursos diversificados em termos de materiais também

permitiam um leque variado de opções, sendo que a dissuasão psicológica sempre

ocupou o 1º lugar, resolvendo os problemas em 90% dos casos. Ex: a cor das nossas

viaturas era diferente das Nações Unidas (que eram brancas), apenas com inscrições

“UN”, bastando aproximarmo-nos dos locais de ocorrências e os ânimos

serenavam”334

.

O Comandante do 4º contingente português afirma que ―As ROE são um dos

documentos mais importantes para quem quer participar numa missão. Documento que

todo o elemento policial deve conhecer com profundidade, sendo uma orientação toda a

sua actividade operacional, sobretudo para a utilização da força”335

; “As ROE

representam o enquadramento político/jurídico da aplicação da força por parte das

forças internacionais. Determinam a forma e o alcance da aplicação da força, assim

como, permitem o controlo hierárquico/politico do cumprimento destas regras. O uso

da força é regulamentado pelas ROE, no âmbito de missões internacionais, em paralelo

como os Standard Operational Procedure. De uma forma geral, os primeiros

334 Excerto da entrevista realizada ao Comandante do 2º Contingente. 335 Excerto da entrevista realizada ao Comandante do 4º Contingente.

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regulamentam “quando” se deve usa a força e os segundos a forma “como” se deve

usar. Ou seja, apenas as ROE não são suficientes para o enquadramento do uso da

força. A aplicação efectiva da força, observadas as ROE, depende de mais factores,

entre as quais os SOP”336

.

O Comandante do 7º Contingente fez referência a algumas limitações que sentiu em

território timorense, no que diz respeito ao uso da força: ―Uma das limitações foi

proibição do Cal 12, zagalote de borracha, no tocante a este assunto, bem poucas são

as armas que com a sua ostentação crie o efeito dissuasor como a caçadeira, logo com

a proibição da utilização deste tipo de munição, a mesma arma que poderia utilizar

munições letais e munições menos letais, ficou reduzida à possibilidade de utilização

unicamente de munições letais. Acrescentava ainda que a utilização correcta desta

arma com munições de borracha é altamente eficaz nas acções de restabelecimento de

ordem pública.

A segunda limitação que me apraz comentá-la, diz respeito à utilização do gás nas

acções de restabelecimento de ordem pública. Os regulamentos da Missão sustentam a

utilização do gás, mas a utilização deste meio requer que estejam reunidas uma série de

circunstâncias, designadamente, algumas naturais como é o caso do vento, outras

geográficas como é o caso do relevo, outras de localização como é o caso de áreas

urbanas ou de elevada densidade habitacional. Mas a utilização do gás não é uma

limitação, é antes mais uma opção e outro patamar do uso da força, o problema põe-se

quando esta utilização é feita mesmo antes da utilização de munições de borracha. Pois

olhando à missão em Timor-Leste e às características do território (designadamente em

Díli), se com munições de borracha se pode seleccionar os alvos, com gás estamos

sujeitos às condições atmosféricas (ventos), utilizando gás requer que as forças estejam

com máscara anti-gás, logo diminui as capacidades individuais dos operacionais e com

a utilização do gás quase sempre afecta-se terceiros que nada tem ver as situações de

alteração, não esquecendo que muitas vezes estes terceiros são crianças e idosos.

Perante o exposto resta dizer que mesmo assim existem forças que fazem esta utilização

em detrimento da utilização de munições de borracha”337

.

336 Excerto da entrevista realizada ao Comandante do 5º/8º Contingentes. 337 Excerto da entrevista ao Comandante do 7º Contingente.

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5. O contributo da GNR na segurança (interna)

“A GNR goza de um prestígio enorme em

Timor-Leste e tem levantado bem alto o nome de

Portugal”.

MAI, Dr. Rui Pereira338

“(…)Quero(…)reafirmar o meu especial apreço pelo notável trabalho que os

nossos camaradas do SubAgrupamento Bravo têm vindo a realizar em Timor. Mais uma

vez, agora a propósito dos atentados perpetrados contra o Presidente da República e o

Primeiro-Ministro de Timor-Leste, a comunidade internacional, os timorenses e o

Governo de Portugal foram unânimes no reconhecimento da excelência do nosso

desempenho operacional naquele país amigo. Há pequenos gestos que dizem tudo,

como aquele com que a esposa e os filhos do Primeiro-ministro Xanana Gusmão

quiseram homenagear os nossos militares. A Guarda, com satisfação do dever

cumprido, sente-se orgulhosa e ainda mais comprometida com a responsabilidade de

proteger e garantir a segurança de Timor e dos Timorenses.”339

A GNR, força de segurança de natureza militar, tem contribuído para a promover

a segurança interna de Timor-Leste através da sua participação em missões de apoio à

paz (OAP) desenvolvidas por estas forças naquele território, e através do seu contributo

para a formação de uma polícia profissional e apta, fundamental para a resolução dos

problemas de segurança interna.

O facto da natureza da GNR ser militar, tem-lhe permitido desenvolver um

vasto espectro de missões e ser simultaneamente um actor paradoxal de ―segurança

interna-externa‖, como referiram Yves Chevrel e Olivier Masseret.340

A missão desenvolvida pela GNR, em território timorense, tem tido como

principais objectivos a criação de um ambiente estável, seguro e capaz, reforçando

simultaneamente, a capacidade do Estado para manter a segurança, com total respeito

338 Frase proferida na Universidade Lusíada, em Lisboa, em 12 de Fevereiro de 2008,

http://www.tvnet.pt/notícias, consultado em Fevereiro de 2008. 339

In mensagem à Guarda, Tenente-General Carlos Mourato Nunes, Comandante Geral da Guarda,

Fevereiro 2008. 340 Na obra ―La gendarmerie, acteur paradoxal de la ―sécurité intérieure-extérieur‖ ‖, La Reveu

Internationale e Stratégique, nº 59, Automne 2005, p.57.

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pela legalidade e pelos direitos humanos; facilitar o processo político, promovendo o

diálogo e a reconciliação e apoiar o estabelecimento de instituições de governação

legítimas e funcionais e promover uma organização que assegure que todos os actores

presentes conduzam as suas actividades a nível nacional de uma forma coerente e

coordenada.

Portugal, num quadro de compromissos internacionais, assumiu efectivamente

um compromisso com Timor, no sentido de contribuir para assegurar a manutenção ou o

restabelecimento da paz. O entendimento dos últimos governos vai no sentido de

assumir a sua quota de responsabilidade na manutenção da paz em Timor,

desenvolvendo uma missão de “(…) gestão civil de crises, de paz e humanitárias, no

âmbito policial e de protecção civil (…)‖341

.

O Comandante do 1º Contingente sublinha a importância da missão da GNR

para promover a segurança interna de Timor-Leste referindo que ―Na missão de 2006,

durante as primeiras 5 semanas, a nossa actuação foi essencial no restabelecimento da

ordem pública, visto que não existia PNTL nem qualquer outra força policial. Neste

período, ficou provado a ineficácia das forças armadas internacionais no controlo de

tumultos. Sem actuação da Guarda no TO, a situação poderia atingir níveis de

violência e destruição inimagináveis‖342

.

A este propósito é elucidativo o testemunho do Comandante do 2º Contingente

quando afirma ―Na fase inicial (logo após os incidentes de Maio06 e em acordo

bilateral), devido à reputação criada entre 2000 e 2002, assim como pelo seu

desempenho, (a GNR) constituiu um pilar fundamental na reposição da Ordem Pública

em Timor-Leste, até por contraposição com a intervenção australiana, sempre

associada a interesses económicos naquele país. Na fase das Nações Unidas existiram

alguns constrangimentos internos, pelo facto de estas procurarem não discriminar

países, razão porque tivemos que retirar bandeiras e as inscrições “Portugal”, das

viaturas, mas inevitavelmente os timorenses solicitavam sempre a intervenção da GNR,

fosse pelo respeito que impunham, fosse pela doutrina, atitude cooperativa, etc. Mesmo

no caso da formação e no “mentoring”, os timorenses sempre pediram em duplicado,

quer às Nações Unidas, quer ao governo de Portugal. Na fase actual, após mais de três

anos de presença contínua em Timor, os timorenses já possuem formação na área da

Ordem Pública, mas ainda têm alguma dificuldade de afirmação, quando ao lado têm a

341 Lei Orgânica da GNR, alínea o) do nº1 do artigo 3º Lei nº6372007, de 6 de Novembro de 2007. 342 Excerto da entrevista ao Comandante do 1º Contingente.

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GNR a servir de termo de comparação e mesmo a população muitas vezes apresenta

queixa à GNR, para esta actuar de imediato, no lugar de solicitar aos próprios (alguns

conotados com os incidentes de 2006 ou de grupos étnicos diferentes)”343

.

A este propósito o Comandante do 3º Contingente afirma que a GNR “é a força

central e única que é capaz de manter a segurança interna em Timor-Leste. A forma

como a mantém resume-se à sua actuação impar no terreno, admiração pela GNR, à

imparcialidade, neutralidade, bons equipamentos, disciplina, maturidade e experiência

dos militares em missões internacionais e em Timor-Leste especialmente, adequação

dos meios usados, compreensão da cultura local, diálogo com as autoridades

timorenses e população em geral, respeito pelo outro, ou seja, o cumprimento das

regras que uma força policial de um pais democrático respeita mesmo no exterior das

suas fronteiras.”344

O Comandante do 4º Contingente refere a este propósito que ―Demos um

pequeno contributo para a segurança do país, nalguns momentos importantíssima para

a garantia da liberdade e segurança do povo de Timor-leste‖345

.

Quanto ao contributo da GNR para a estabilização da segurança interna de

Timor-leste o Comandante do 5º/8º Contingentes afirma que a GNR ―Contribuiu de

forma significativa e decisiva para a tranquilidade e paz pública, para a resolução

adequada e oportuna de desordens públicas em Díli, e ainda, para um melhoramento

qualitativo da actuação da Policia Nacional de Timor-Leste, através da cooperação,

instrução e treino ministrado.”346

A este propósito afirmam os comandantes dos 6º e 7º

Contingentes: “A GNR foi a única força capaz operacionalmente e psicologicamente de

resolver uma crise, que assentou unicamente na alteração de ordem pública, em que os

meios usados pelos intervenientes e que serviam os seus propósitos, foram basicamente,

a contra informação, o boato, falta de objectivos, especulação, sempre recorrendo a

meios tradicionais e artesanais”347

.

O sucesso da missão deveu-se também à dupla natureza da GNR, militar e

policial, caracterizada como terceira força348

que actua como polícia musculada, e em

caso de necessidade, integra missões militares.

343 Excerto da entrevista ao Comandante do 2º Contingente. 344 Excerto da entrevista ao Comandante do 3º Contingente. 345 Excerto da entrevista do Comandante do 4º Contingente. 346 Excerto da entrevista ao Comandante do 5º/ 8º Contingentes. 347 Excerto da entrevista ao Comandante do 6º Contingente. 348 Major da GNR, Arménio Timóteo Pedroso, Setembro de 2001.

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Afirmam a este propósito os Comandante dos 1º, 2º, 3º e 4º Contingentes

respectivamente: “( a natureza militar da GNR) sobressai na disciplina e coesão da

força. Num incidente complexo e violento só é possível a correcta aplicação dos meios

coercivos se os elementos da força forem disciplinados e coesos. Esta característica é

uma grande vantagem das forças “gendármicas”349

, referindo ainda que a GNR foi a

força que ―melhor cumpriu as formalidades legais; devido ao facto do CPP ser uma

cópia do português. A actuação da Guarda foi sempre pautada pela estrita observância

das ROE que foram estabelecidas pelo Governo português, em condições semelhantes

às praticadas em Portugal e pela legislação timorense, em vigor na altura.(…) A

grande vantagem da GNR é ter as forças de intervenção concentradas na mesma

unidade, o que permite a mobilização e aprontamento da força, num espaço de tempo

muito curto”350

; “o desempenho da GNR em Timor-Leste contribuiu decididamente

para a segurança interna de Timor-Leste. Desde o seu empenhamento em acordo

bilateral entre o Governo de Portugal e de Timor-Leste até aos dias de hoje ao serviço

das Nações Unidas, a GNR continua a ser um garante da paz, segurança e

tranquilidade pública. A presença da GNR em Timor-Leste continua a ser dissuasora

para todos aqueles que tenham interesses em desequilíbrios do país”351

.

O Comandante do 2º Contingente responde a esta questão da seguinte forma ―É

difícil de dizer se a condição militar, por contraposição a um estrutura civil, constitui

uma mais-valia na aplicabilidade dos meios coercivos. Um facto inegável é que na

Acção de Comando, em especial quando estamos perante situações de grande

intensidade emocional, a uniformidade de procedimentos e a obediência integral a um

comando único, sem vozes dissonantes, é fundamental e isso verifica-se nos militares.

Existe ainda uma cultura de “Briefing”, antes das missões e de “debriefing”,

posteriormente aos acontecimentos, onde os responsáveis por cada área podem

apresentar os aspectos que consideraram mais e menos positivos, no sentido de

melhorar aspectos futuros”; A este cenário o Comandante acrescenta que para o bom

desempenho operacional contribuiu também o facto da GNR dispor de todas as

valências necessárias para o cumprimento da missão “desde os humanos a materiais,

incluindo blindados, armas menos letais (taser), negociadores de reféns (em inglês),

Inactivação de engenhos explosivos improvisados e força tipo Swat, sendo a única

349 Excerto da entrevista ao Comandante do 1º Contingente. 350 Idem. 351 Excerto da entrevista ao Comandante do 7º Contingente.

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Formed Police Unit, com essas capacidades, inclusive durante as eleições

Parlamentares e Presidenciais de 2007, as Nações Unidas preferiram o nosso reforço

de 2 Pelotões e alguns elementos de apoio, no lugar de outra FPU completa de outro

país (havia 9 ofertas). Fomos reforçados com mais 80 militares (FPU 2), passando esse

a ser até hoje o maior efectivo da Guarda em missões internacionais (220 militares + 3

INEM)”352

.

O Comandante do 3º Contingente refere a este propósito que “A possibilidade de

passagem de uma situação de um nível de intensidade elevado para um mais baixo é

fundamental a condição militar, pois permite que se mude de níveis de actuação

diferenciados, mantendo em simultâneo o respeito pelas regras estabelecidas, sem ser

necessários grandes explicações. No que toca à condição militar enquanto questão do

foro estatutário é uma mais-valia, dada a condição militar em si mesmo e todo o corpo

de valores e normas que constituem o mesmo”353

;

O Comandante do 4º Contingente afirma “Perante situações de elevado risco os

militares da GNR, fruto das suas características e preparação, reagiram de forma

extremamente profissional, calma e ponderada.”354

A propósito da condição militar da GNR, o Comandante dos 5º/ 8º Contingentes

portugueses, afirma o seguinte: “Julgo que a condição militar pouco ou nada tem que

ver com a aplicação técnico-táctico dos meios coercivos. A condição militar tem a ver

disponibilidade, disciplina e sacrifício de interesses pessoais em prol do cumprimento

da missão. Poder-se-á, apenas, supor que uma força mais disciplinada, à partida, dará

mais garantias de uma correcta aplicação das leis e regulamentos que outra com

menores níveis de enquadramento e/ou disciplina”.355

Afirmam ainda a este propósito

os Comandantes dos 6º e 7º contingentes: “Através da preparação militar e

organização de uma força desta natureza. O facto de um dos pilares da nossa

instituição residir na hierarquia, revela-se crucial no desenrolar da missão, pois o

respeito pelas ordens e indicações do escalão superior, é visto e encarado pelos

militares, de forma absolutamente colegial”356

; “A condição militar poderá ser uma

mais-valia no processo de aplicação dos meios considerados coercivos. Mas esta

matéria não poderá ser analisada simplesmente no espectro policial comunitário, esta

352 Excerto da entrevista ao Comandante do 2º Contingente. 353 Excerto da entrevista ao Comandante do 3º Contingente português. 354 Excerto da entrevista ao Comandante do 4º Contingente português. 355 Excerto da entrevista ao Comandante dos 5º/8º Contingentes portugueses. 356 Excerto da entrevista ao Comandante do 6º Contingente português.

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característica é tanto mais valia e tanto mais visível quanto maior a intensidade do

confronto ou da alteração da ordem. A hierarquia de uma força da natureza da GNR

encaixa na perfeição numa hierarquia estritamente militar e o que parece para muitos

uma “banalidade”, é na verdade, no terreno e na missão em análise uma mais valia,

pois a história já escreveu o Subagrupamento Bravo a trabalhar lado a lado com as

Forças Armadas Australianas, Forças Armadas da Nova–Zelândia e até com as Forças

de Defesa de Timor-Leste, quando a intensidade do conflito era bastante elevada, logo

a probabilidade da aplicação dos meios considerados coercivos em maior escala é

muito mais elevada. Outra realidade que é constatada é os meios (armamento e

equipamento) ao dispor deste tipo de forças, constatei que o nosso Subagrupamento

Bravo encontrava-se equipado com armamento que vai para além das outras forças do

mesmo escalão, sendo esta uma mais-valia na mão Comandante e consequentemente

das Nações Unidas”357

A condição militar da GNR transformou-se, indubitavelmente, numa mais-valia

que lhe permite cumprir todo um espectro das missões de apoio à paz, cuja panóplia de

actividades se encontram relacionadas com o restabelecimento da ordem e tranquilidade

públicas, controlo e ordenamento da circulação rodoviária, detenção, identificação e

condução de detidos, investigação criminal em apoio aos órgãos judiciais, tornando-a,

quanto ao seu desempenho operacional, e devido ao facto de ser uma força ―altamente

treinada e capacitada a responder com rapidez, eficiência e extrema eficácia a

qualquer tipo de acção que possa ser perpetrada contra a ordem pública”358

, distinta

das forças armadas.

A questão da condição militar é incontornável para o sucesso desta missão em

solo timorense, visto que a GNR foi “considerada pelas NU como possuindo as

componentes específicas que uma FPU deve ter numa situação ideal e em todas as

missões das NU. O SubAgrupamento Bravo da GNR é a FPU presente em Timor-Leste

que tem mais valências específicas e técnicas. Todas estas valências que a GNR possui

em Timor-Leste são as que as NU consideram valências «Modelo», isto é, como o

«Modelo ideal e perfeito», que todas as FPU deviam possuir” (Hermenegildo, 2009:

14).

357 Excerto da entrevista ao Comandante do 7º Contingente português. 358 Comissário da CIVPOL, Henrique Lima de Castro, numa alocução em 18 de Setembro de 2001 em

Timor Lorosae.

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As características gendármicas da GNR “permite-lhe desenvolver um vasto

conjunto de missões, e ser simultaneamente um actor paradoxal de «segurança interna-

externa»359

, como referiu Yves Chevrel e Olivier Masseret (Hermenegildo, 2009: 14).

Para o reforço da segurança interna de Timor-Leste foi fundamental a formação

ministrada por militares da GNR. Assim, desde o primeiro momento que foi pedido às

autoridades portuguesas um contingente da GNR para Timor-leste, estava planeado

solicitar à Guarda que ministrasse formação e treino à Unidade de Intervenção Rápida

(UIR) da PNTL, como se encontra patenteado nos inúmeros documentos enformadores

da participação da GNR em Timor-leste, nomeadamente na Carta dirigida ao Primeiro-

Ministro de Portugal por Xanana Gusmão e Francisco Guterres ´Lu-olo` e Mari Alkatiri,

a 24 de Maio de 2006; na Resolução do Conselho de Ministros nº 68-A/2006, 25 de

Maio de 2006; GNR, Regras de Empenhamento (ROE), para o SubAgrupamento Bravo

na Operação ―LAFAEK‖-Timor-Leste, a 2 de Junho de 2006; Resolução Nº 1704, de 25

de Agosto de 2006, pelo Conselho de Segurança das nações Unidas; Ofício Nº3692,

Processo Nº57/2006 de Agosto de 2006, do Ministério da Administração Interna:

Gabinete do Ministro; Resolução Nº 1745, de 22 de Fevereiro de 2007, do Conselho de

Segurança das Nações Unidas; Resolução do Conselho de Ministros nº 47/2007, de 1 de

Março de 2007, da Presidência do Conselho de Ministros; Protocolo de Acordo entre o

Governo Português e de Timor sobre o envio e permanência de um contingente em

Timor-Leste, em 25 de Maio de 2006.

A propósito da missão desenvolvida pela GNR em território timorense e da

importância da formação ministrada, afirma o Comandante do 5º/8º Contingentes

portugueses: “ A missão da GNR contribuiu de forma significativa e decisiva para a

tranquilidade e paz pública, para a resolução adequada e oportuna de desordens

públicas em Díli, e ainda, para um melhoramento qualitativo da actuação da Policia

Nacional de Timor-Leste, através da cooperação, instrução e treino ministrado”.360

Assim, em Setembro de 2007, as Nações Unidas, a pedido das autoridades de

Timor, solicitam ao SubAgrupamento Bravo que inicie o processo de formação da

Unidade de Intervenção Rápida de Timor-Leste, ministrando o curso de manutenção de

ordem pública, com uma estrutura semelhante ao que é ministrado em Portugal. É

criada uma equipa de instrução constituída por três elementos: um Sargento e dois

359 Yves Chevrel e Olivier Masseret, ―La gendarmerie, acteur paradoxal de la «sécurité intérieure-

extérieur»‖, La Reveu Internationale et Stratégique, N.º 59, Automne 2005, p. 57. 360 Excerto da entrevista do Comandante do 5º Contingente.

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Guardas que se destina apenas a dar formação à UIR, ministrando os Cursos de

Manutenção de Ordem Pública, que por sua vez formou 59 elementos, através de um

Curso de Formação de Instrutores, que se constituíram como os futuros instrutores da

Polícia de Timor; o mesmo curso foi também ministrado a 53 elementos da Academia

de Polícia de Timor-Leste. Esta formação ocorre no âmbito da UNMIT, pois a formação

da polícia timorense ficou sob a alçada da UNMIT, isto é só foi possível à GNR

desenvolver este tipo de formação à PNTL em Timor-Leste, por integrar a UNMIT,

enquanto FPU, sendo-lhe, por esse motivo, atribuída a tarefa de formar a PNTL.

A integração de equipas do INEM361

que fizeram parte do Posto Médico da

GNR, constituída por um Médico, um Enfermeiro e um Técnico de Ambulância de

Emergência, contribuíram também, de forma indirecta, para o reforço da segurança de

Timor-Leste, visto que esta parceria ―permitiu reforçar a imagem positiva junto da

população timorense, através dos cuidados de saúde prestados à população, permitindo

uma maior aceitação da GNR, evitando frequentemente, em casos de desordem pública,

o recurso ao uso legítimo da força, uma vez que a simples presença da GNR era

suficiente para cessar os desacatos e restabelecer a ordem pública. A integração de

uma equipa do INEM no SubAgrupamento Bravo em Timor-Leste permitiu à GNR, e a

Portugal, facultar um maior contributo para a segurança humana em Timor-Leste em

particular” (Hermenegildo, 2008: 24).

A missão da GNR, integrada na UNTAET, obteve uma elevada reputação, que

foi reforçada pela missão no âmbito da UNMIT, onde se verificou a grande confiança

da população timorense nesta força, verificável no tipo de relacionamento estabelecido

com as populações timorenses. Além disso, a GNR distinguiu-se de outras forças “pelo

espectro de funções e missões que podia cumprir, pois era a única força das NU, em

Timor-Leste, que dispunha, além da base de Manutenção de Ordem Pública, de uma

célula (Secção) de Operações Especiais, de uma outra célula (Equipa de Inactivação de

Engenhos Explosivos Improvisados (IEEI), de uma Equipa de Investigação Criminal, e

de uma equipa especializada do INEM (Hermenegildo, 2008: 27).

As valências técnicas apresentadas pela GNR foram consideradas pela NU como

as valências ideias que todas as FPU deverão possuir.362

361 A equipa do INEM ganhou especial notoriedade quando prestou os primeiros cuidados médicos ao

Presidente da República Ramos Horta, durante os ataques de 11 de Fevereiro de 2008. 362 Ver, Inited Nations: Department of Peacekeeping Operations, Functions and Organization of Formed

Police Units in United Nations Peacekeeping Operations, DPKO/PD/2006/00060, DPKO Policy, 09

November 2006.

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O SubAgrupamento Bravo tem, em território timorense, desenvolvido um leque

abrangente ―de actividades de interacção e auxílio que desenvolver com a população,

que lhe permite ter um nível de aceitação pelos actores internos e internacionais

timorenses incomensurável, e desenvolver consequentemente, uma actividade de

segurança, que ultrapassa e muito a mera componente de segurança militar e policial,

atingindo e desenvolvendo uma segurança humana diária, continua e

permanente”(Hermenegildo, 2008: 28). Afirma ainda o Comandante do 3º Contingente

português: “A GNR é a força central e única que é capaz de manter a segurança

interna em Timor-Leste. A forma como a mantém resume-se à sua actuação impar no

terreno, admiração pela GNR, à imparcialidade, neutralidade, bons equipamentos,

disciplina, maturidade e experiência dos militares em missões internacionais e em

Timor-Leste especialmente, adequação dos meios usados, compreensão da cultura

local, diálogo com as autoridades timorenses e população em geral, respeito pelo

outro, ou seja, o cumprimento das regras que uma força policial de um pais

democrático respeita mesmo no exterior das suas fronteiras”363

.

No entanto, e segundo o Relatório364

do Instituto de Estudos Estratégicos e

Internacionais (IEEI), tem-se verificado que a criação de uma força policial não é

suficiente para assegurar a segurança interna, sendo urgente a criação de um sistema

judicial eficaz e credível, capaz de supervisionar a investigação criminal acusar

arguidos, e além disso estruturar um serviço civil de informações capaz de prevenir

potenciais ameaças à segurança interna de Timor-Leste. Para dar resposta às ameaças de

segurança interna é necessário fomentar os laços de cooperação e coordenação

regionais, que deverá ser uma actividade prioritária da nova polícia e dos serviços de

informação. Será ainda necessário um desarmamento generalizado da população para

evitar a expansão do crime organizado, e a integração dos membros das Falintil, nas

novas Forças de Defesa e aproveitar a estrutura da antiga resistência civil timorense, que

tinha um elevado nível de organização e coesão, que poderá ser um valioso recurso para

Timor-Leste, se forem integradas no novo projecto, evitando riscos de violência. Será

fundamental criar quem cultive a aversão à corrupção e incentive uma cultura

burocrática que realce a vertente de serviço para os cidadãos.

Assim, dever-se-á dar resposta aos desafios internos, promovendo a estabilidade

interna, que contribui para a consolidação da segurança de Timor-Leste. A instabilidade

363 Excerto da entrevista ao Comandante do 3º Contingente português. 364 Relatório intitulado ―A Segurança de Timor-Leste no contexto regional‖ de Junho de 2002.

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enfraqueceria as respostas às ameaças internas e externas e criaria o risco de Timor se

isolar progressivamente e a ser sinónimo de uma fonte de problemas regionais. A

segurança de Timor-Leste, no entanto, também é determinada pela natureza e

intensidade dos desafios de segurança externa.

O contributo da GNR para a estabilização de Timor, tem vindo a público através

de inúmeras manifestações de agradecimento como é o caso das palavras proferidas por

D. Basílio do Nascimento, Bispo de Baucau, em 2001, quando afirma ―…Hoje estamos

infinitamente mais calmos que há uns meses atrás. E convém dizer, que há uma

instituição portuguesa que muito tem contribuído para a estabilidade do Território de

Timor, que é a GNR. A Guarda Nacional Republicana tem feito um belíssimo trabalho

ao nível da segurança, sobretudo, porque cria o sentimento nas pessoas de que os

prevaricadores e os criminosos não saem impunes, coisa que não acontecia noutros

tempos.”

O desempenho da GNR, em território timorense foi reconhecida pelas mais

variadas entidades políticas nacionais e internacionais, pela população timorense e pela

comunidade internacional, tendo para tal contribuído a excelente relação estabelecida

com o povo timorense.

A actuação dos cerca de 1050 militares da GNR365

que têm prestado serviço em

Timor-Leste contribui, significativamente, para a segurança interna do país. O excelente

desempenho das subunidades granjeou vários elogios públicos, entre os quais, se

destacam o antigo MNE Diogo Freitas do Amaral referindo-se ao desempenho da força

portuguesa como «muito prestigiante para Portugal» (Freitas do Amaral, 2006, 95), e

como recentemente referiu Mário Soares, antigo Presidente da República, “hoje

Portugal é um país prestigiado (…) e que tem sido chamado a prestar diversas missões

de paz e humanitárias, como ainda há dias sucedeu em Timor-Leste, onde a Guarda

Nacional Republicana, ao serviço das Nações Unidas, prestou relevantíssimos

serviços”366

(Hermenegildo, 2009: 15).

365 Este quantitativo é referente aos vários contingentes desde 2006. Actualmente a GNR tem em Timor-

leste o 8º contingente com 140 militares, constituído por uma Companhia de Ordem Pública, uma

Secção de Operações Especiais, uma Equipa de Inactivação de Engenhos Explosivos Improvisados,

uma Equipa de Instrução e um Pelotão de Apoio de Serviços. Esta subunidade da Guarda está

integrada na missão UNMIT, Missão Integrada das Nações Unidas em Timor-Leste, e constitui uma

das Formed Police Units (FPU), unidade de polícia constituída. 366 Mário Soares, ―Portugal e a recuperação da imagem internacional‖, in MNE, O Serviço Diplomático

português do 25 de Abril à actualidade. Perspectivas de futuro, ASDP/MNE/ID, Lisboa, 2008, p. 42.

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CONCLUSÃO

Vivemos num mundo onde as ameaças têm sofrido mutações qualitativas e

quantitativas, tendo as fronteiras e o paradigma criado em Vestefália perdido a sua

validade. A soberania e a defesa das fronteiras físicas de cada Estado dão lugar ao

paradigma das parcerias, coligações e alianças que promovem uma defesa colectiva e

permitem dar uma resposta mais completa a ameaças transnacionais e voláteis. Os

Estados têm de se reorganizar de forma a participarem na globalização do controlo de

ameaças que estão implantadas na orgânica internacional, e aquilo que ― hoje lemos,

pela negativa como “ingerências”, “perdas de soberania”, “erosão dos Estados-

nação”, ou “sistemas de tutela” e “soberanias vigiadas”, amanhã talvez vejamos como

primeiro momento, incontornável, de uma narrativa histórica de construção e criação”

(Marques Guedes, 2005: 78).

Verificou-se que o valor da Segurança se alterou significativamente, pois

passou-se de uma segurança previsível, para uma segurança imprevisível, agora

orientada para riscos diversos, mais difusos na forma, origem, espaço e actores propícia

à eclosão de conflitos. Conclui-se então que a segurança é uma tarefa fundamental do

Estado e que este utiliza a força para servir os interesses vitais da comunidade política,

garantir a estabilidade dos bens, a durabilidade credível das normas e a irrevogabilidade

das decisões do poder que respeitem interesses justos e comuns.

O mesmo Estado tem-se metamorfoseado no sentido de fazer face a novas

exigências, provocadas pela instabilidade do mundo actual, colocando a segurança no

centro do debate. Assim, podemos concluir que os conceitos de segurança e defesa,

dicotomia do século passado, estão em transformação. Criou-se um cenário, que

segundo alguns autores, conduziu à junção entre os conceitos de defesa nacional e

segurança interna, dando origem a um novo conceito de segurança nacional.

Com o objectivo de travar os novos cenários de insegurança, os Estados tem

vindo a desenvolver aquilo que alguns analistas designam como segurança cooperativa,

tendo sido esta a forma encontrada pelos vários actores internacionais, para optimizar a

resposta às novas ameaças, com reflexos na criação e desenvolvimento das organizações

internacionais.

No âmbito da segurança, verificou-se que a UE tem procurado garantir uma

posição visível em várias partes do globo e as operações e missões de natureza diversa

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têm sido o modelo implementado com originado sucesso. A política Europeia de

Segurança e Defesa tornou-se numa realidade concreta, contribuindo para melhorar a

segurança e a estabilidade na cena internacional.

Quanto a um novo conceito de segurança interna, concluiu-se da necessidade de

se reforçarem os laços de cooperação com Estados terceiros, bem como um

aprofundamento das relações externas da União, promovendo uma participação mais

activa em organizações internacionais, verificando-se que o conceito restrito de Forças

de Segurança Interna foi substituído por comunidade de “actores” relevantes para a

Segurança Interna, realçando-se que a nova lei de segurança interna veio também trazer

uma nova abordagem, na tentativa de aumentar os níveis de coordenação, prevenção,

investigação e aplicação de medidas que dêem solução às novas ameaças.

Verificou-se ao longo deste trabalho que a abordagem da segurança humana tem

vindo a contribuir para uma análise integradora da problemática segurança, ao afirmar,

por um lado, a indivisibilidade da segurança e, por outro, a universalidade dos direitos à

vida e a solidariedade entre os indivíduos, concluindo-se que o ponto fulcral deste

conceito reside na protecção do indivíduo de todo o tipo de ameaças, ficando para

segundo plano a importância das fronteiras dos Estados. Os pressupostos de

centralidade da pessoa humana, universalidade, transnacionalidade e diversidade dos

riscos são, efectivamente, abrangidos pela nova abordagem da segurança.

Quanto às áreas da segurança e da liberdade, concluiu-se que um correcto

balanceamento entre liberdade e segurança garante uma prevenção e uma repressão do

crime mais eficazes. São, neste contexto, necessárias políticas e práticas adequadas aos

interesses e necessidades dos cidadãos, conciliando-se os desafios da modernidade com

os direitos individuais fundamentais, de modo a que possamos atingir a máxima

liberdade dentro da necessária segurança, já que a liberdade absoluta é um mito e a

segurança total é uma utopia.

Como hodiernamente o Estado se tem mostrado incapaz de sozinho impedir a

degradação da segurança, pois esta é induzida por novos factores associados ao novo

quadro de ameaças, onde o fenómeno da globalização e os reflexos emergentes da vida

social provocam uma descontextualização das estruturas sociais, concluiu-se da

necessidade de um novo modelo de segurança para o século XXI, assente numa

segurança partilhada e alcançada através da cooperação de todos os actores, implicando

por um lado meios internacionais e por outro meios pacíficos, e no aprofundamento das

relações externas da União, indispensável para o desenvolvimento da sua política de

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segurança. Concluiu-se, então, neste âmbito, que a colaboração com os Estados

terceiros, em particular com os Estados amigos e aliados, e simultaneamente uma

participação mais activa em organizações internacionais é, pois fundamental, sendo uma

relação profícua para todos os envolvidos, passando a existir uma cooperação

multilateral mais coordenada entre os Estados, onde a transnacionalização das decisões

e da colaboração deve ser uma realidade.

Quanto ao modelo de segurança interna, este deve fazer face aos novos desafios,

que passa pela adopção por parte do Estado dos princípios de transversalidade da

organização da segurança, empenhando estruturas de um conjunto de ministérios, que

ligarão transversalmente as adequadas áreas funcionais do Estado, criando um sistema

que responda adequadamente aos vários níveis de ameaça, cuja coordenação e controlo

deve estar ao nível superior, gerindo a segurança de forma integrada. Conclui-se então

que cada vez mais se assiste a uma importação da segurança externa dos Estados e a

uma exportação da segurança interna dos mesmos.

Verificou-se que no início do século XXI, a segurança se tornou uma condição

indispensável do Estado, havendo, no entanto necessidade de partilha da mesma para se

assegurar a sua consecução em pleno. Segundo Paulo Rangel “a impotência da

actuação individual dos Estados e a necessidade premente da concertação a nível

global vêm a ser, mesmo no domínio económico-financeiro, um sinal distintivo da

excruciante debilidade da forma política Estado (…) O velho Estado enfrenta agora

novos actores políticos com pretensões parcelares e fragmentadas de concorrência”

(Rangel, 2009:12).

Surgiram, neste contexto, um conjunto de organizações internacionais de

segurança cujo objectivo é promover e garantir a segurança e paz mundiais, sendo que a

ONU é o fórum de maior representatividade mundial, o Conselho de Segurança, tem-se

apresentado como um órgão com vocação policial e os Estados continuam a ser os

principais protagonistas da cena internacional.

A política internacional europeia contemporânea, hodiernamente, tem por

objectivo promover a governação em Estados fracos, melhorar a legitimidade

democrática e fortalecer instituições autónomas. No entanto, a existência de um Estado

depende também da sua autoridade e simultaneamente capacidade de fazer cumprir as

suas regras. Este só existe efectivamente quando se impõe através de normas que são

cumpridas por todos os membros do grupo. Verificou-se então da necessidade de o

Estado usar a força, concluindo-se que esta continua, nos dias de hoje, a ser um

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instrumento imprescindível e actual, exigindo um forte sentido de responsabilidade a

quem dele se socorra, até porque a força pode ser o último recurso para se repor a ordem

e sem ordem não existem Direitos que sobrevivam. Este instrumento, em última análise,

dentro da nova ordem internacional poderá ser o único meio disponível para garantia

dos direitos humanos.

Nesse sentido, ao longo deste trabalho, verificou-se que o Estado institui na

Polícia, poderes típicos da sua soberania e num quadro de acções possíveis do Estado,

aquela faz um uso legítimo da força, verificando-se que a força coactiva do Estado está

presente na missão das Forças Armadas e das Forças de Segurança Pública, sendo que a

primeira se vincula mais à sustentação dos valores mais consensuais, integridade

Nacional e defesa Militar do país, enquanto as Forças de Segurança se ocupam mais da

ordem pública preventiva e repressiva.

Concluiu-se ainda que a necessidade do uso da força moderada e dos meios

coercivos assenta no respeito por inúmeros normativos no plano internacional e no

plano nacional. Trata-se de princípios e normas que enformam esta específica,

melindrosa e ao mesmo tempo necessária vertente da actuação da polícia, pois o uso da

força, que legitimamente é conferido aos diferentes níveis da actuação policial, pode

consubstanciar-se de diferentes formas e modelos de actuação.

Concomitantemente, verificou-se que a actuação das Forças de Segurança se

pauta pela utilização de inúmeros parâmetros jurídicos. Após análise dos vários

diplomas legais, quer ao nível constitucional, quer ao nível orgânico e estatutário das

Forças de Segurança, verificou-se existir um vasto enquadramento jurídico, no que

respeita ao uso da força.

Concluiu-se também que, numa actuação concreta, com recurso aos meios de

coerção em geral, os princípios legais enunciados estabelecem um importantíssimo

filtro de aferição da legalidade, assumindo estes especial significado, quando o meio

coercivo utilizado se encontra no topo da hierarquia, como é o caso da arma de fogo.

No que diz respeito ao uso da força em missões de Apoio à Paz, salientou-se a

importância da componente policial e do uso da força que se revelaram fundamentais no

processo de transição de uma situação de conflito para uma paz duradoura, dentro de

um quadro de respeito pelos direitos humanos. Estas operações de apoio à paz não são

operações militares convencionais, nem missões de polícia convencional. No sentido de

se dar resposta a estes ambientes atípicos a Stabilization Force da NATO criou a

Multinacional Specialized Unit (MSU), uma força caracterizada pela capacidade de

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resposta a conflitos relacionados com o controlo da ordem pública, composta por forças

policiais com estatuto militar.

Assim, neste contexto das missões de apoio à paz, destacámos a missão levada a

cabo em Timor-leste pelas forças internacionais onde Portugal se transformou,

efectivamente, num parceiro fundamental neste processo de construção do Estado

embrionário que é Timor-leste.

Neste projecto de construção que durará diversas gerações, através de

depoimentos reais dos Comandantes dos contingentes que têm estado em Timor-leste,

verificámos que de facto existiu uso da força no sentido de manter a ordem pública e

promover a segurança do Estado, indispensável para a estabilização do território.

Segundo os depoimentos dos Comandantes dos contingentes portugueses foram

diversos os cenários em que os militares da GNR tiveram de recorrer ao uso da força e

que estiveram relacionados com momento de grande instabilidade que foram surgindo

durante a permanência da missão portuguesa em território timorense.

Verificou-se ainda que os limites de actuação da força estão definidos na ROE, e

que são os meios através dos quais as NU fornecem a direcção e orientação políticas aos

Comandantes a todos os níveis com interferência na decisão do uso da força, ou seja,

são as linhas directivas pelas quais os Comandantes das OAP se regem no que concerne

aos limites de uso da força no decorrer da operação.

A missão da GNR, em Timor-Leste surge para dar resposta à solicitação do

governo timorense à comunidade internacional com o objectivo de estabilizar a ordem

pública no território, provocada pela instabilidade política e social vivida no território, e

constituindo-se como força de segurança de natureza militar cujo desempenho tem por

base doutrina, treino, equipamento e cultura militares, a GNR pôde integrar uma missão

que evolui de uma situação de imposição da paz (PE) para uma situação de manutenção

da paz (PK).

Concluiu-se que a Guarda Nacional Republicana tem tido indiscutivelmente um

papel incontornável, em território timorense, e sob a égide das Nações Unidas, tem

vindo a desenvolver uma missão profícua, para a qual contribuíram indubitavelmente as

suas características de força gendármica, tendo-se concluído que a condição militar da

GNR é uma mais-valia que lhe permite cumprir todo o espectro das missões de apoio à

paz.

Verificou-se então que em Timor-Leste a componente policial é chamada a

jogar um papel predominante no processo de transição de uma situação de conflito para

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_________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste”

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uma paz duradoura dentro de um quadro de respeito pelos direitos humanos. Neste

sentido, a GNR, como força de natureza gendármica, mostrou-se altamente treinada e

capacitada para responder com rapidez, eficiência e extrema eficácia a qualquer tipo de

acção que afectasse o território timorense.

As questões relacionadas com o sector da Segurança, transformaram-se, em

Timor-leste, como um factor crítico de toda a missão, já que o sucesso da retirada das

forças internacionais de um país, e o correspondente términos da missão, está

largamente relacionado com a capacidade das suas Instituições e das estruturas de

segurança funcionarem adequadamente, funcionamento esse amplamente dependente do

papel desempenhado pela componente policial das Missões de Apoio à Paz.

O fortalecimento de um Estado frágil, como é o caso de Timor-Leste, faz-se

através do incremento de políticas de segurança interna, de defesa contra as ameaças

externas que acabam por promover o aparecimento de sociedades civis livres e

organizadas, e a afirmação do novo paradigma de segurança, a segurança humana.

De forma a poder alcançar-se um Estado de direito, uma paz duradoura, e uma

estabilidade social, é necessário investir em áreas como a justiça, a ordem e a lei. A

ONU, em Timor-Leste apercebeu-se da importância desta situação, e em todo o

processo de transição para a paz, privilegiou os assuntos de segurança interna – lei e

ordem – e justiça, e dentro destes ao funcionamento das respectivas instituições

pensadas de forma adaptada às peculiaridades da zona de operações, e observando a

legislação internacional sobre os Direitos Humanos. Surgiu então a necessidade de

privilegiar, o restabelecimento das instituições nacionais de segurança interna, as

relativas à administração da justiça e aos direitos humanos. Pelo que, depois de

terminadas as hostilidades e como já aconteceu em alguns conflitos, reconhece-se que

os corpos de polícia e o sistema de justiça devem ser das primeiras instituições da

administração a ser reorganizadas, de forma a assegurar uma transição pacífica para a

estabilidade. Assim, as instituições de Polícia da comunidade internacional

desempenham um papel fundamental na reforma das instituições policiais em territórios

devastados por conflitos cabendo-lhe fortalecer a capacidade das polícias locais, no

cumprimento mais eficaz das suas obrigações, através de processos de formação ou de

reforma e da reestruturação destes corpos policiais.

Neste sentido, o relatório Brahimi lançou um novo desafio aos Estados membros

recomendando que as lacunas institucionais, de capacitação e de actuação mais

relevantes para as operações de Polícia, fossem superadas através de reformas

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_________________________________________ Segurança: A aplicação da Força – “O Caso de Timor-Leste”

189

estruturais, nomeadamente pelo estabelecimento de listas nacionais com especialistas de

polícia previamente seleccionados, adequadamente treinados e em estado de prontidão

permanente, susceptíveis de deslocação imediata para Missões de Paz. Recomendou

ainda uma viragem doutrinal no emprego da polícia nas Operações de Apoio à Paz,

atribuindo-lhe como principal papel e função a edificação ou reestruturação das

capacidades da polícia local.

Para concluirmos, e no que concerne à questão de Timor-Leste, Nuno Canas

Mendes refere que “o tempo não permite tirar ilações sobre a existência de uma

identidade nacional Timorense estável ou real, no sentido em que possa ser sentida

como menos discursiva e como objectivo nacionalista. Tal dependerá em larga medida,

de uma participação consciente dos Timorenses (a sociedade civil) na empresa que é

um novo país e de uma construção equilibrada e funcional do Estado, com uma

liderança eficaz, como expressão de um processo de identificação supra-local ou

supra-étnico capaz de gerar e mobilizar um destino comum (que mais do que uma

“comunidade imaginada”, seja vivenciada” (Mendes, 2008:106).

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WALTZ, Kenneth N., Teoria das Relações Internacionais, 1.ª ed., Gradiva, Lisboa,

2002.

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199

WEBER, Max, Economia e Sociedade, Universidade Brasília, Brasília, 1991.

ZIPPELIUS, Reinhold, Teoria Geral do Estado, Fundação Calouste Gulbenkian, 3ª

edição, 1997.

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200

LEGISLAÇÃO UTILIZADA Lei n.º 31-A/2009 de 7 de Julho – Aprova a lei de Defesa Nacional e das Forças

Armadas;

Lei n.º 53/2008 de 29 de Agosto - Aprova a Lei de Segurança Interna;

Lei n.º 63/2007 de 06 de Novembro - Aprova a orgânica da Guarda Nacional

Republicana;

Lei n.º 53/2007 de 31 de Agosto - Aprova a orgânica da Polícia de Segurança Pública;

Lei n.º 61/2007 de 10 de Setembro - Lei de Programação de Instalações e Equipamentos

das Forças de Segurança;

Lei n.º 104/99 de 26 de Julho – Autoriza o Governo a legislar sobre o regime de

utilização de armas de fogo e explosivos pelas forças e serviços de segurança;

Decreto-lei n.º 457/99, de 5 de Novembro – Recurso a arma de fogo em acção policial;

Decreto-Lei nº 233/96, de 7 de Dezembro – Aprova o estatuto dos militares das Forças

Armadas envolvidos em missões humanitárias e de paz fora do território nacional;

Decreto-Lei nº 17/2000 de 29 de Fevereiro – Conjunto de medidas aplicáveis aos

elementos dos serviços e das forças e segurança dependentes do Ministério da

Administração interna envolvidos em missões humanitárias de paz fora do território

nacional;

Decreto-Lei nº 292/94 de 16 de Novembro – Aprova a criação do Gabinete Nacional

SIRENE;

Decreto-Lei nº 297/2009 de 14 de Outubro - Aprova o Estatuto dos Militares da Guarda

Nacional Republicana;

Portaria n.º 722/85, de 25 de Setembro – Aprova o Regulamento Geral do Serviço da

Guarda Nacional Republicana;

Portaria n.º 340-A/2007 de 30 de Março – Redefinição das situações de sobreposição ou

de descontinuidade dos dispositivos territoriais entre a GNR e a PSP;

Portaria n.º 1450/2008 de 16 de Dezembro - Define a organização interna das unidades

territoriais, especializadas, de representação e de intervenção e reserva, bem como as

respectivas subunidades da GNR;

Resolução do Conselho de Ministros n.º 6/2003 de 20 Janeiro – Aprova o Conceito

Estratégico de Defesa Nacional;

Resolução do Conselho de Ministros n° 37/2002 de 07 de Fevereiro – Aprova o Código

Deontológico do Serviço Policial;

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Resolução do Conselho de Ministros nº 44/2007 de 19 de Março - Desencadeia o

processo de reforma da GNR e da PSP;

Resolução do Conselho de Ministros nº 39/2008 de 28 de Fevereiro - Estabelece as

orientações para a reestruturação da estrutura superior da Defesa Nacional e das Forças

Armadas;

Resolução do Conselho de Ministros nº 45/2007 de 19 de Março – Estabelece linhas

orientadoras da reforma do Sistema de Segurança Interna;

Resolução do Conselho de Ministros nº 68-A/2006 de 25 de Maio – Aprova o envio de

Forças da GNR para Timor-Leste;

Resolução do Conselho de Ministros nº 47/2007 de 1 de Março – Protocolo de acordo

entre o Governo Português e Timor-Leste sobre o envio e permanência de um

contingente em Timor-Leste;

Parecer da Procuradoria-Geral da República nº 147/2001 de 9 de Novembro - Possibilita

o empenhamento das FA na segurança interna desde que seja externa a ameaça;

SITES UTILIZADOS

http://www.mai.gov.pt/ - Grandes Opções do Plano 2005-2009, consultado em 04Set09.

http://www.academianilitar.pt/.../segurança-interna-e-externa-face-as-novas-

realidade.html. -, Conceito de Segurança externa, consultado em 26Ago09.

http:/www.mdn.gov.pt/mdn/pt/dfesa/, consultado em 25 de Setembro de 2009. Conceito

de Defesa Nacional, consultado em 25Set09

www.un.org/ Deps. A construção de Timor-Leste, consultado em 15Set09.

https://www.defesa.gov.br/pdn/index.php?page=estado_seguranca_defesa. Conceito de

Segurança, consultado em 25Set09.

http://pbpu.unlb.org/PBPS/Library/Capstone_Doctrine_ENG.pdf, United Nations

Peacekeeping Operations - Principles and guidelines, DPKO, UN, New York,

consultado em 06Abr09.

http://smallwarsjournal.com/documents/useofforceunpko.pdf, The Use Of Force In UN

Peace Operations, New York University School of Law, consultada em 04Abr09.

http:// www.un.org/Depts/dpko/missions/unmit - Missão UNMIT, consultado em

01Ago08.

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202

http://europa.eu/legislation_summaries/human_rights/fundamental_rights_within_europ

ean_union/l33501_pt.htm. Carta de direitos fundamentais da União Europeia,

consultado em 21Nov09.

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Apêndice 1 - Entrevistas realizadas aos comandantes dos oito contingentes da

GNR em Timor-Leste desde 2006.

Comandante do 1º contingente – Cap. Gonçalo Carvalho

1. Como comandante considera que o seu dispositivo dispunha dos meios (legais,

humanos e materiais) necessários para a correcta aplicação da força?

Na missão de 2006, ao abrigo do acordo bilateral, a rápida projecção da força,

em 8 dias, não permitiu dotar o Subagrupamento com os meios materiais

necessários, especialmente viaturas. Esta situação deveu-se à limitação do

transporte da carga no avião Antonov e condicionou a actuação da GNR no

terreno. A intervenção da Guarda foi imediatamente a seguir a uma crise entre

polícias e militares, o que provocou o colapso da PNTL, obrigando um esforço

acrescido, em termos de empenhamento operacional. Nos primeiros 4 meses a

Guarda ocorreu a mais de 300 incidentes graves.

Relativamente aos meios legais, o Sistema Judicial funcionou com algumas

dificuldades, no entanto, de todas as forças presentes no TO, a GNR foi a força

que melhor cumpriu as formalidades legais, devido ao facto do CPP ser uma

cópia do português. A actuação da Guarda foi sempre pautada pela estrita

observância das ROE que foram estabelecidas pelo Governo português, em

condições semelhantes às praticadas em Portugal e pela legislação timorense,

em vigor na altura.

2. Na sua opinião, as normas actuais relativas ao uso da força estão

adequadas/adaptadas face aos diversos cenários possíveis?

As ROE actuais estão adequadas ao TO, à grande diversidade de forças

policiais que compõem a missão das NU e ao Sistema Judicial vigente no

território.

As mesmas devem ser corrigidas à medida que a situação evolua no país.

3. Dos vários documentos que regulam a aplicação da força, destaque a

importância das ROE?

As ROE são fundamentais na actuação de uma força, numa missão

internacional, visto que são a grande orientação no planeamento das

operações, a desenvolver no TO, e no modo como a força actua em todos os

incidentes que possam ocorrer durante a missão. É de vital importância o

conhecimento das mesmas, por todos os militares, visto que uma única actuação

isolada que viole as ROE pode comprometer o desempenho de toda a força.

4. Atendendo às várias regras que estabelecem o uso da força, de que forma fez a

adequação das mesmas às diversas actuações práticas?

Em primeiro lugar, é muito importante instruir todos os militares do conteúdo

das ROE, dado que as mesmas regulam a sua actuação. Subsequentemente, em

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cada operação devemos relembrar os condicionalismos das mesmas, não só no

seu planeamento, mas também durante o decorrer das mesmas. Como

comandante, as ROe devem estar presentes em todas as decisões que tomamos,

no que concerne ao escalonamento do uso da força, sempre adequado a cada

incidente, em concreto.

5. Tendo por base a aplicação dos meios coercivos, descreva os momentos mais

complexos da sua missão em Timor-Leste, localizando-os temporalmente.

Durante todo o mês de Junho de 2006 é muito difícil referir um momento mais

complexo, visto que, todos os dias fomos chamados a intervir em incidentes

graves, por vezes várias vezes ao dia ou vários em simultâneo. Estes incidentes

caracterizavam-se por ataques de gangs aos vários bairros da cidade de Díli,

recorrendo à violência extrema para ofender corporalmente os habitantes dos

mesmos e com o objectivo de infligir o máximo de danos na sua propriedade

imóvel e móvel. No entanto, posso “eleger” como um dos mais complexos, o

ataque a uma patrulha nossa, durante a noite, num bairro quase sem

iluminação e com grande vegetação. O ataque foi efectuado por jovens

protegidos atrás de várias barricadas de pneus a arder, atingindo a força da

Guarda com pedras, dardos de ferro, flechas e tendo efectuado alguns disparos

de armas de fogo na nossa direcção, provocando danos materiais nas nossas

viaturas e ferimentos em alguns militares, o que obrigou ao empenhamento de

todo o efectivo, numa situação de elevado risco.

6. Durante o período em que permaneceu na missão houve alterações às ROE? Em

caso afirmativo essas alterações contribuíram para facilitar a sua actuação ao

nível operacional?

Na passagem do regime de acordo bilateral para a missão das NU, as ROE

mudaram tornando-se mais restritivas, no uso das armas de fogo, letais e não

letais. Esta mudança dificultou a actuação operacional nos casos dos distúrbios

de maior gravidade, devido à proibição do uso de munições de borracha.

7. Em Timor-Leste, foi comandante de uma Força com características

―Gendármicas‖. Considera que a condição militar pode apresentar-se como uma

mais-valia na aplicabilidade dos meios coercivos? Em que aspectos?

Na disciplina e coesão da força, sem dúvida. Num incidente complexo e violento

só é possível a correcta aplicação dos meios coercivos se os elementos da força

forem disciplinados e coesos. Esta característica é uma grande vantagem das

forças “gendármicas”.

8. No seu entender, a actuação da GNR contribuiu de que forma para a segurança

(interna) de Timor-Leste?

Na missão de 2006, durante as primeiras 5 semanas, a nossa actuação foi

essencial no restabelecimento da ordem pública, visto que não existia PNTL

nem qualquer outra força policial. Neste período, ficou provado a ineficácia das

forças armadas internacionais no controlo de tumultos. Sem actuação da

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Guarda no TO, a situação poderia atingir níveis de violência e destruição

inimagináveis.

9. Com este tipo de missões, quais as vantagens e as desvantagens para Portugal no

que se refere à projecção de Forças?

A grande vantagem da GNR é ter as forças de intervenção concentradas na

mesma unidade, o que permite a mobilização e aprontamento da força, num

espaço de tempo muito curto.

As grandes desvantagens são a falta de capacidade logística da Guarda em

transportar pessoal e material para o TO e o reduzido número de efectivo.

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Comandante do 2º contingente – Cap. Barradas

1. Como comandante considera que o seu dispositivo dispunha dos meios (legais,

humanos e materiais) necessários para a correcta aplicação da força?

Sim, a GNR (Subagrupamento Bravo/FPU), dispunha de todas as valências

necessárias para o cumprimento da missão, desde os humanos aos materiais,

incluindo blindados, armas menos letais (taser), negociadores de reféns (em

inglês), Inactivação de engenhos explosivos improvisados e força tipo Swat,

sendo a única Formed Police Unit, com essas capacidades, inclusive durante as

eleições Parlamentares e Presidenciais de 2007, as Nações Unidas preferiram o

nosso reforço de 2 Pelotões e alguns elementos de apoio, no lugar de outra FPU

completa de outro país (havia 9 ofertas). Fomos reforçados com mais 80

militares (FPU 2), passando esse a ser até hoje o maior efectivo da Guarda em

missões internacionais (220 militares + 3 INEM).

2. Na sua opinião, as normas actuais relativas ao uso da força estão

adequadas/adaptadas face aos diversos cenários possíveis?

Estão, existem um conjunto de definições sobre os patamares do uso da força, a

nível internacional, que são mais ou menos consensuais, o que diferencia (para

além de pequenas questões relacionadas com alguns países asiáticos – direitos

humanos), é a experiência profissional dos executantes e a forma como são

recrutados.

É diferente o conhecimento de elementos do GIOP, que são especialistas e

fazem isso todos os dias, de alguns polícias/militares, a quem é dado

equipamento, algumas noções e depois mandam-nos para missões

internacionais. Quando passam à prática, perante o stress da situação, se não

houver experiência de terreno, ultrapassam patamares e são menos criteriosos

na utilização dos meios disponíveis.

3. Dos vários documentos que regulam a aplicação da força, destaque a

importância das ROE?

As ROE servem de base de trabalho para uniformizar a integração das diversas

nacionalidades, equipamentos e experiências, definindo condições mínimas de

exigibilidade. No entanto, importa em cada missão (todas têm a sua

particularidade), a definição de um conjunto de directivas adicionais, com o

intuito de pormenorizar alguns aspectos onde as ROE permitem interpretação

extensiva. Ex: a política de transporte da arma pessoal, trajando civilmente,

quais as condições em que a pode utilizar e como deve ser transportada.

Registaram-se noutras forças alguma negligência quanto a este aspecto,

especialmente quando elementos isolados, sem estarem integrados em forças

que possuíam arrecadações de material de guerra.

4. Atendendo às várias regras que estabelecem o uso da força, de que forma fez a

adequação das mesmas às diversas actuações práticas?

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Não foi necessária adaptação das regras, bastou usar exactamente os mesmos

critérios que usamos em Portugal, em função do risco da vida humana (própria

ou de terceiros), da relação custo/benefício, relativamente a uma intervenção

mais musculada ou à contenção da situação, para futura negociação, podendo

os infractores virem a ser responsabilizados posteriormente (intervenções em

determinadas alturas poderiam “incendiar” os ânimos e colocar em risco a

Força de segurança e terceiros, bastando identificar os infractores). Os nossos

recursos diversificados em termos de materiais também permitiam um leque

variado de opções, sendo que a dissuasão psicológica sempre ocupou o 1º

lugar, resolvendo os problemas em 90% dos casos. Ex: a cor das nossas

viaturas era diferente das Nações Unidas (que eram brancas), apenas com

inscrições “UN”, bastando aproximarmo-nos dos locais de ocorrências e os

ânimos serenavam.

5. Tendo por base a aplicação dos meios coercivos, descreva os momentos mais

complexos da sua missão em Timor-Leste, localizando-os temporalmente.

Em Março de 2007 (entre a noite de 03 e o dia 06), com a falsa notícia da

detenção do Major Reinado pela GNR (líder da revolta de Maio de 2006, que

deu o massacre entre militares e polícias e que originou o caos, razão da

chamada da GNR e posteriormente das Nações Unidas), deu-se uma revolta

popular.

Com a falta de informação da população (e também de instrução), foi possível

direccionar os ânimos de diversos grupos de jovens, associados às artes

marciais, que tornaram Díli intransitável em diversas artérias principais, com

recurso a carros queimados, troncos de árvores, armadilhas diversas e ameaças

de armas de fogo. Nessa altura só a GNR e o Exército Australiano (com Carros

de Combate) saiu dos quartéis e mesmos as outras FPU’s, limitaram-se a

defender as suas instalações. Na noite inicial, os cidadão portugueses foram

ameaçados e 4 embaixadas foram abandonadas, tendo os seus membros

recebido acolhimento no quartel da GNR.

A intervenção foi musculada, perante ameaças actuais e ilícitas à integridade

física dos nossos militares, com o uso frequente de gás lacrimogéneo e

dispositivos de dispersão (borracha), durante a neutralização de barricadas.

Não se registou nenhum caso de uso de arma de fogo directamente contra a

nossa força. Juntam-se fotos.

6. Durante o período em que permaneceu na missão houve alterações às ROE? Em

caso afirmativo essas alterações contribuíram para facilitar a sua actuação ao

nível operacional?

Não houve alteração às ROE, porque estas são abrangentes, o que houve foi um

conjunto de directivas avulsas, com o intuito de clarificar aspectos que as ROE

não cobrem.

7. Em Timor-Leste, foi comandante de uma Força com características

―Gendármicas‖. Considera que a condição militar pode apresentar-se como uma

mais-valia na aplicabilidade dos meios coercivos? Em que aspectos?

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É difícil de dizer se a condição militar, por contraposição a um estrutura civil,

constitui uma mais-valia na aplicabilidade dos meios coercivos. Um facto

inegável é que na Acção de Comando, em especial quando estamos perante

situações de grande intensidade emocional, a uniformidade de procedimentos e

a obediência integral a um comando único, sem vozes dissonantes, é

fundamental e isso verifica-se nos militares. Existe ainda uma cultura de

“Briefing”, antes das missões e de “debriefing”, posteriormente aos

acontecimentos, onde os responsáveis por cada área podem apresentar os

aspectos que consideraram mais e menos positivos, no sentido de melhorar

aspectos futuros.

8. No seu entender, a actuação da GNR contribuiu de que forma para a segurança

(interna) de Timor-Leste?

Na fase inicial (logo após os incidentes de Maio06 e em acordo bilateral),

devido à reputação criada entre 2000 e 2002, assim como pelo seu desempenho,

constituiu um pilar fundamental na reposição da Ordem Pública em Timor

Leste, até por contraposição com a intervenção australiana, sempre associada a

interesses económicos naquele país.

Na fase das Nações Unidas criou alguns constrangimentos internos, pelo facto

de estas procurarem não discriminar países, razão pq tivemos que retirar

bandeiras e as inscrições “Portugal”, das viaturas, mas inevitavelmente os

timorenses solicitavam sempre a intervenção da GNR, fosse pelo respeito que

impunham, fosse pela doutrina, atitude cooperativa, etc. Mesmo no caso da

formação e no “mentoring”, os timorenses sempre pediram em duplicado, quer

às Nações Unidas, quer ao governo de Portugal.

Na fase actual, após mais de três anos de presença contínua em Timor, os

timorenses já possuem formação na área da Ordem Pública, mas ainda têm

alguma dificuldade de afirmação, quando ao lado têm a GNR a servir de termo

de comparação e mesmo a população muitas vezes apresenta queixa à GNR,

para esta actuar de imediato, no lugar de solicitar aos próprios (alguns

conotados com os incidentes de 2006 ou de grupos étnicos diferentes).

9. Com este tipo de missões, quais as vantagens e as desvantagens para Portugal no

que se refere à projecção de Forças?

A GNR tem granjeado desde 2000, quer em Portugal, quer no estrangeiro, uma

reputação onde, quer nos métodos, quer nos resultados, que a colocou em

destaque na cena internacional. A título de exemplo, este ano, numa reunião das

Nações Unidas em Nova Iorque, subordinada à doutrina e equipamento das

FPU’s, a portuguesa serviu de modelo, mas que foi posteriormente adaptado no

material, porque os restantes países consideraram demasiado completa e não

tinham capacidade de acompanhar, caso fosse definido como standard.

No aspecto logístico demos um grande salto e tal como no Ultramar, em que os

americanos investigaram o nosso canal logístico, também agora com a

projecção numa semana para Timor, de uma Companhia (meios humanos e

materiais), gera admiração nos outros países, atenta a nossa dimensão como

país.

Tem ainda a vantagem de conferir experiência internacional e profissional aos

nossos militares, conhecer novos métodos de trabalho e equipamentos. Abre

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também as portas a posições de chefia em organismos internacionais, com

poder de decisão, como é o caso da Eurogendfor (EGF), em Vicenza, que

actualmente é comandada pelo Coronel Esteves ou no caso da IPU da Bósnia,

comandada pelo Coronel Oliveira.

O Iraque constituiu uma mais valia, porque deu a prova de que uma subunidade

musculada deste tipo, pode ser integrada como 3ª força, nos conflitos que já não

são puramente bélicos, mas que ainda não são totalmente seguros para

ambientes tipicamente policiais. A juntar a esse facto, temos o exemplo

profissional demonstrado, onde Portugal teve o privilégio de ser dos poucos (se

não o único), que regressou sem vítimas mortais, o que não se deve apenas à

sorte.

No caso da Bósnia, donde regressei em Março deste ano, após comando de uma

Companhia multinacional, demos cartas na doutrina, tendo inclusive elaborado

um Manual de Ordem Pública, em Inglês, que agrupava técnicas de diversos

países, para servir de doutrina à EGF, pq mais ninguém tem uma força

especializada como esta, que só faz ordem pública.

As desvantagens são acima de tudo ao nível dos recursos humanos (4

Companhias: 2 e meia em Portugal, uma em Timor e um Pelotão na bósnia) em

que a rotatividade dos militares (há um que já tem 8 missões), tem implicações

óbvias a título pessoal e familiar.

Também as expectativas criadas podem funcionar em desfavor, no caso de envio

de pessoal menos preparado ou acontecer como actualmente, quer por razões

económicas, quer por falta de efectivos para consumo interno (Oficiais), quer

por política actual da Guarda, onde o não preenchimento de lugares

internacionais solicitados, gera incompreensão.

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Comandante do 3º contingente – Ten. Hermenegildo

1. Como comandante considera que o seu dispositivo dispunha dos meios (legais,

humanos e materiais) necessários para a correcta aplicação da força?

Relativamente aos meios materiais a maior dificuldade foi relativa ao

desajustamento dos padrões da ONU e de Portugal /GNR no tocante à

alimentação. Tornando-se um problema logístico com implicações na parte

operacional e na aplicação da força.

2. Na sua opinião, as normas actuais relativas ao uso da força estão

adequadas/adaptadas face aos diversos cenários possíveis?

Por vezes sejam demasiado genéricas e não têm em conta o cenário concreto da

missão.

3. Dos vários documentos que regulam a aplicação da força, destaque a

importância das ROE?

As ROE são o documento central e fundamental de qualquer missão no que toca

ao uso da força.

4. Atendendo às várias regras que estabelecem o uso da força, de que forma fez a

adequação das mesmas às diversas actuações práticas?

Através de diálogo com as autoridades da ONU de forma a adaptar e adequar

alguns aspectos particulares das mesmas às situações em concreto no terreno.

5. Tendo por base a aplicação dos meios coercivos, descreva os momentos mais

complexos da sua missão em Timor-Leste, localizando-os temporalmente.

O período das campanhas eleitorais (Presidenciais e Parlamentares), os dias

das eleições e os momentos seguintes à divulgação dos resultados. Quer pelo

quantidade de horas dedicadas ao patrulhamento e segurança dos acto

referidos, quer pela complexidade dos mesmos em alguns casos.

6. Durante o período em que permaneceu na missão houve alterações às ROE? Em

caso afirmativo essas alterações contribuíram para facilitar a sua actuação ao

nível operacional?

Desconheço.

7. Em Timor-Leste, foi comandante de uma Força com características

―Gendármicas‖. Considera que a condição militar pode apresentar-se como uma

mais-valia na aplicabilidade dos meios coercivos? Em que aspectos?

Sim, a possibilidade de passagem de uma situação de um nível de intensidade

elevado para um mais baixo é fundamental a condição militar, pois permite que

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se mude de níveis de actuação diferenciados, mantendo em simultâneo o

respeito pelas regras estabelecidas, sem ser necessários grandes explicações.

No que toca à condição militar enquanto questão do foro estatutário é uma

mais-valia, dada a condição militar em si mesmo e todo o corpo de valores e

normas que constituem o mesmo.

8. No seu entender, a actuação da GNR contribuiu de que forma para a segurança

(interna) de Timor-Leste?

A GNR é a força central e única que é capaz de manter a segurança interna em

Timor-Leste. A forma como a mantém resume-se à sua actuação impar no

terreno, admiração pela GNR, à imparcialidade, neutralidade, bons

equipamentos, disciplina, maturidade e experiência dos militares em missões

internacionais e em Timor-Leste especialmente, adequação dos meios usados,

compreensão da cultura local, diálogo com as autoridades timorenses e

população em geral, respeito pelo outro, ou seja, o cumprimento das regras que

uma força policial de um pais democrático respeita mesmo no exterior das suas

fronteiras.

9. Com este tipo de missões, quais as vantagens e as desvantagens para Portugal no

que se refere à projecção de Forças?

Vantagens: Visibilidade internacional, aumento do prestígio, possibilidade de

negociar melhores condições em alguns dossiers, contribui para a segurança do

Estado e paralelamente para a segurança internacional, socialização dos

militares e aprendizagem de ensinamentos que podem ser usados internamente,

etc.

Desvantagens: Diminuição do uso da força destacada internamente; problemas

do foro pessoal dos militares devido ao afastamento das famílias; custos

elevados na aquisição e sustentação da força, etc.

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Comandante do 4º contingente – Cap. Marco Cruz

1. Como comandante considera que o seu dispositivo dispunha dos meios (legais,

humanos e materiais) necessários para a correcta aplicação da força?

Sim. Existem regras muito claras de aplicação da força. As nações unidas têm

regras/normas muito claras quanto ao uso da força, por vezes até muito

restritivas. Quanto aos recursos humanos e materiais, a instituição teve e tem

uma grande preocupação neste tipo de missões. Somos das forças mais bem

equipadas e treinadas nos cenários internacionais em que estive presente!

2. Na sua opinião, as normas actuais relativas ao uso da força estão

adequadas/adaptadas face aos diversos cenários possíveis?

No âmbito das missões internacionais por vezes não. A título de exemplo refiro

a proibição da utilização de bagos de borracha em Timor-leste durante os

diversos incidentes que assolaram a capital durante o primeiro mês em que

estive na missão. Esta proibição causou vários transtornos para a actividade

operacional, uma vez que a aplicação desse meio, até àquela altura, revelou-se

bastante eficaz para o restabelecimento da OP. Por vezes existe um

“aligeiramento” dos meios face à ameaça!

3. Dos vários documentos que regulam a aplicação da força, destaque a

importância das ROE?

Um dos documentos mais importantes para quem quer participar numa missão.

Documento que todo o elemento policial deve conhecer com profundidade, uma

orienta toda a sua actividade operacional, sobretudo para a utilização da força.

4. Atendendo às várias regras que estabelecem o uso da força, de que forma fez a

adequação das mesmas às diversas actuações práticas?

O princípio do uso mínimo da força e da proporcionalidade são, na minha

opinião, princípios basilares para a aplicação prática do uso da força. De facto,

durante a missão foram registadas situações que, pelo seu enquadramento

legal, poderiam ter sido utilizados meios coercivo mais superiores, no entanto,

tendo em conta estes dois princípios essas mesmas situações foram resolvidas

com recurso a meios de patamares mais reduzidos.

5. Tendo por base a aplicação dos meios coercivos, descreva os momentos mais

complexos da sua missão em Timor-Leste, localizando-os temporalmente.

Jun07 – Durante este mês foram vários os incidentes em que a GNR esteve

envolvida. A proibição das NU relativa à utilização de bagos de borracha

condicionou as operações de restabelecimento da OP. De destacar que a força

foi por diversas vezes atacada com meios letais (setas, dados, cocktail´s molotov

etc), sem que tivesse sido feito qualquer disparo com arma letal da nossa parte.

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6. Durante o período em que permaneceu na missão houve alterações às ROE? Em

caso afirmativo essas alterações contribuíram para facilitar a sua actuação ao

nível operacional?

Não foi feita qualquer alteração. De referir apenas a restrição anterior

(utilização de bagos de borracha), mas que foi apenas divulgada através de

code cable das NU (NY)

7. Em Timor-Leste, foi comandante de uma Força com características

―Gendármicas‖. Considera que a condição militar pode apresentar-se como uma

mais-valia na aplicabilidade dos meios coercivos? Em que aspectos?

Sim. Na medida em que perante situações de elevado risco os militares, fruto

das suas características e preparação, reagiram de forma extremamente

profissional, calma e ponderada.

8. No seu entender, a actuação da GNR contribuiu de que forma para a segurança

(interna) de Timor-Leste?

Demos um pequeno contributo para a segurança do país, nalguns momentos

importantíssima para a garantia da liberdade e segurança do povo de Timor-

leste.

9. Com este tipo de missões, quais as vantagens e as desvantagens para Portugal no

que se refere à projecção de Forças?

Vantagens: Contributo para a política externa, afirmação internacional.

Desvantagens: dispêndio de recursos humanos e económicos.

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Comandante do 5º contingente – Cap. Martinho

1. Como comandante considera que o seu dispositivo dispunha dos meios (legais,

humanos e materiais) necessários para a correcta aplicação da força?

Sim, considero que dispunha do armamento, equipamento, técnicas e tácticas, a

par do enquadramento legal, adequados ao cumprimento da missão e da

correcta aplicação da força.

2. Na sua opinião, as normas actuais relativas ao uso da força estão

adequadas/adaptadas face aos diversos cenários possíveis?

Sim, prevêem antes de mais o direito à legítima defesa própria e de terceiros e

permitam o adequado e necessário exercício de autoridade.

3. Dos vários documentos que regulam a aplicação da força, destaque a

importância das ROE?

As ROE representam o enquadramento político/jurídico da aplicação da força

por parte das forças internacionais. Determinam a forma e o alcance da

aplicação da força, assim como, permitem o controlo hierárquico/politico do

cumprimento destas regras.

4. Atendendo às várias regras que estabelecem o uso da força, de que forma fez a

adequação das mesmas às diversas actuações práticas?

O uso da força é regulamentado pelas ROE, no âmbito de missões

internacionais, em paralelo como os Standard Operational Procedure. De uma

forma geral, os primeiros regulamentam “quando” se deve usa a força e os

segundos a forma “como” se deve usar. Ou seja, apenas as ROE não são

suficientes para o enquadramento do uso da força. A aplicação efectiva da

força, observadas as ROE, depende de mais factores, entre as quais os SOP.

5. Tendo por base a aplicação dos meios coercivos, descreva os momentos mais

complexos da sua missão em Timor-Leste, localizando-os temporalmente.

Por ocasião de diversas situações de manutenção da ordem pública, em que se

fez uso da força física, das armas contundentes e das armas não letais.

6. Durante o período em que permaneceu na missão houve alterações às ROE? Em

caso afirmativo essas alterações contribuíram para facilitar a sua actuação ao

nível operacional?

Não houve alterações às ROE. Apenas aos SOP relativos ao uso das munições

não letais, e no caso em concreto, que permitiam o uso excepcional em Timor-

Leste das munições de borracha apesar de estarem proibidas nas restantes

missões da UN

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7. Em Timor-Leste, foi comandante de uma Força com características

―Gendármicas‖. Considera que a condição militar pode apresentar-se como uma

mais-valia na aplicabilidade dos meios coercivos? Em que aspectos?

Julgo que a condição militar pouco ou nada tem que ver com a aplicação

técnico-táctico dos meios coercivos. A condição militar tem a ver

disponibilidade, disciplina e sacrifício de interesses pessoais em prol do

cumprimento da missão.

Poder-se-á, apenas, supor que uma força mais disciplinada, à partida, dará

mais garantias de uma correcta aplicação das leis e regulamentos que outra

com menores níveis de enquadramento e/ou disciplina.

8. No seu entender, a actuação da GNR contribuiu de que forma para a segurança

(interna) de Timor-Leste?

Contribuiu de forma significativa e decisiva para a tranquilidade e paz pública,

para a resolução adequada e oportuna de desordens públicas em Díli, e ainda,

para um melhoramento qualitativo da actuação da Policia Nacional de Timor-

Leste, através da cooperação, instrução e treino ministrado.

9. Com este tipo de missões, quais as vantagens e as desvantagens para Portugal no

que se refere à projecção de Forças?

As desvantagens e vantagens são inúmeras e impossíveis de quantificar.

Apontando apenas algumas, diria que, no caso concreto de Timor-Leste: como

principais vantagens, o exercício da política externa portuguesa, o auxílio

efectivo e eficaz a um país necessitado e do ponto vista institucional, a

oportunidade de utilização, de melhoramento e actualização de uma unidade

especial da GNR, justificando a sua existência no contexto policial português.

Como principal desvantagem, diria apenas que, em termos de recursos

humanos, a participação internacional representa um esforço significativo, já

que, no que diz respeito aos recursos financeiros, existe um reembolso

considerável a Portugal por parte das Nações Unidas.

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Comandante do 6º contingente – Cap. Cabrita

1. Como comandante considera que o seu dispositivo dispunha dos meios (legais,

humanos e materiais) necessários para a correcta aplicação da força?

Enquanto Comandante de uma FPU, e de acordo com as GuedLines das NU,

tinha todas as condições humanas, materiais e legais para uma correcta

aplicação da força.

2. Na sua opinião, as normas actuais relativas ao uso da força estão

adequadas/adaptadas face aos diversos cenários possíveis?

Sim, exceptuando uma, em que a utilização das armas de Ordem Pública e as

suas munições (borracha) padeciam mensalmente de uma autorização por parte

da UNMIT no que diz respeito à sua utilização, isto por não estarem previstas e

ao que sei, nunca ter existido uma força que as utilizasse.

3. Dos vários documentos que regulam a aplicação da força, destaque a

importância das ROE?

Trata-se de facto do documento mais importante para o cumprimento da

missão. È com base neste documento, que a actuação da força se rege. Em

qualquer circunstância pode ocorrer uma intervenção fora do contexto das

ROE, sob pena de se colocar em perigo a missão do ponto de vista

policial/militar, com repercussões diplomáticas imediatas.

4. Atendendo às várias regras que estabelecem o uso da força, de que forma fez a

adequação das mesmas às diversas actuações práticas?

Sempre com o princípio do uso da força presente. Nunca esquecendo que uma

FPU depende do Police Commissioner do ponto de vista operacional,

remetendo para este o ónus da decisão, sempre que uma intervenção nossa

poderia suscitar dúvidas

5. Tendo por base a aplicação dos meios coercivos, descreva os momentos mais

complexos da sua missão em Timor-Leste, localizando-os temporalmente.

Foi sem dúvida o último dia operacional de missão. Durante a noite, militares

trajando à civil, foram abordados e agredidos por dezenas de meliantes, usando

catanas e armas de fogo, durante a extracção destes militares, militares de

serviço que se deslocaram ao local, foram também agredidos. Os ferimentos

causados aos nossos militares foram de alguma gravidade, havendo um deles

que sofreu um golpe de catana no pescoço, apenas por sorte não padeceu.

Foram efectuadas detenções, sendo duas delas de polícias timorenses, que se

encontravam armados.

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6. Durante o período em que permaneceu na missão houve alterações às ROE? Em

caso afirmativo essas alterações contribuíram para facilitar a sua actuação ao

nível operacional?

Não.

7. Em Timor-Leste, foi comandante de uma Força com características

―Gendármicas‖. Considera que a condição militar pode apresentar-se como uma

mais-valia na aplicabilidade dos meios coercivos? Em que aspectos?

Sim. Através da preparação militar e organização de uma força desta natureza.

O facto de um dos pilares da nossa instituição residir na hierarquia, revela-se

crucial no desenrolar da missão, pois o respeito pelas ordens e indicações do

escalão superior, é visto e encarado pelos militares, de forma absolutamente

colegial.

8. No seu entender, a actuação da GNR contribuiu de que forma para a segurança

(interna) de Timor-Leste?

Contribuiu no sentido em que foi a única força capaz operacionalmente e

psicologicamente para resolver uma crise, que assentou unicamente na

alteração de ordem pública, em que os meios usados pelos intervenientes e que

serviam os seus propósitos, foram basicamente, a contra informação, o boato,

falta de objectivos especulação, sempre recorrendo a meios tradicionais e

artesanais.

9. Com este tipo de missões, quais as vantagens e as desvantagens para Portugal no

que se refere à projecção de Forças?

As vantagens são inevitavelmente a projecção internacional da força e do País,

a credibilidade do sistema democrático do nosso País, o reforço na comunidade

Internacional, de que Portugal está apostado na construção desta nova Ordem

Mundial, na luta contra o terrorismo e contra as ingerências dentro dos estados

e inter Estados.

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Comandante do 7º contingente – Cap. Simões

1. Como comandante considera que o seu dispositivo dispunha dos meios (legais,

humanos e materiais) necessários para a correcta aplicação da força?

Sim, considero que o Subagrupamento Bravo dispõe dos meios necessários para

a correcta aplicação da força.

No que diz respeito aos meios legais acrescentaria que o Código Processo

Penal em vigor em Timor é semelhante ao nosso (Português), daí que não

acarreta nenhuma novidade ao nível de procedimentos do processo penal, no

entanto, o código Penal em vigor em Timor-Leste é diferente do nosso e até se

“comenta” que teve como ponto de partida para a sua elaboração o Código

Penal Indonésio. No que diz respeito aos regulamentos e directivas das Nações

Unidas, acrescentaria que no período em que Comandei o Subagrupamento

Bravo, foi proibido o uso das munições Cal 12, zagalote de borracha, que foi

para nós considerado uma grande redução nas possibilidades de utilização de

munições menos letais, nas acções de restabelecimento da ordem pública,

ficando essencialmente ao nosso dispor as munições 56mm do Lança Granadas

Cougar, isto no que diz respeito a munições de borracha.

No que diz respeito aos meios humanos, o grosso do efectivo do

Subagrupamento Bravo está direccionado e preparado para acções

restabelecimento de ordem pública (com três pelotões operacionais), mas

desempenha também missões de segurança física, acções de patrulhamento

intensivo em áreas sensíveis, escoltas a pessoas e bens entre outras missões.

Tem ainda uma Secção de Operações Especiais que está preparada para

desempenhar variadíssimas missões, que se poderão enquadrar em situações de

elevado risco, bem como a segurança e protecção de Altas Entidades (SPAE –

PR de Timor-leste). Comporta ainda uma equipa de Inactivação de Engenhos

Explosivos, que acrescento é a única ao dispor das Nações Unidas no território.

Iria concluir que entre meios humanos apresentados e a forma como são

treinados e preparados, consegue-se flutuar entre os diversos patamares do uso

da força.

No tocante aos meios matérias ao dispor dos militares do Subagrupamento e

sem estar a fazer uma distinção entre as valências do Subagrupamento no que

diz respeito à distribuição de armamento e equipamento, posso adiantar que o

nosso Subagrupamento dispõe de equipamentos menos letais entre bastões,

taser’s, gás às munições de borracha, no tocante a armas letais, desde do

Cal12, 9mm, 5,56mm, 7,62mm, 12,7mm às granadas de 40mm. É facilmente

visível que nesta área o Subarupamento Bravo não terá dificuldades ou

limitações que dificultem a utilização da força.

2. Na sua opinião, as normas actuais relativas ao uso da força estão

adequadas/adaptadas face aos diversos cenários possíveis?

As normas existentes podem fazer face aos diversos cenários possíveis, contudo

existem algumas limitações nestas normas que podem criar alguns transtornos

sob do ponto de vista da força policia,l que têm ao seu dispor os meios, como é

o caso do Subagrupamento Bravo.

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Uma das limitações, já a referi anteriormente e que foi proibição do Cal 12,

zagalote de borracha, no tocante a este assunto, bem poucas são as armas que

com a sua ostentação crie o efeito dissuasor como a caçadeira, logo com a

proibição da utilização deste tipo de munição, a mesma arma que poderia

utilizar munições letais e munições menos letais, ficou reduzida à possibilidade

de utilização unicamente de munições letais. Acrescentava ainda que a

utilização correcta desta arma com munições de borracha é altamente eficaz

nas acções de restabelecimento de ordem pública.

A segunda limitação que me apraz comentá-la, diz respeito à utilização do gás

nas acções de restabelecimento de ordem pública. Os regulamentos da Missão

sustentam a utilização do gás, mas a utilização deste meio requer que estejam

reunidas uma série de circunstâncias, designadamente, algumas naturais como

é o caso do vento, outras geográficas como é o caso do relevo, outras de

localização como é o caso de áreas urbanas ou de elevada densidade

habitacional. Mas a utilização do gás não é uma limitação, é antes mais uma

opção e outro patamar do uso da força, o problema põe-se quando esta

utilização é feita mesmo antes da utilização de munições de borracha. Pois

olhando à missão em Timor-Leste e às características do território

(designadamente em Díli), se com munições de borracha se pode seleccionar os

alvos, com gás estamos sujeitos às condições atmosféricas (ventos), utilizando

gás requer que as forças estejam com máscara anti-gás, logo diminui as

capacidades individuais dos operacionais e com a utilização do gás quase

sempre afecta-se terceiros que nada tem ver as situações de alteração, não

esquecendo que muitas vezes estes terceiros são crianças e idosos. Perante o

exposto resta dizer que mesmo assim existem forças que fazem esta utilização

em detrimento da utilização de munições de borracha.

3. Dos vários documentos que regulam a aplicação da força, destaque a

importância das ROE?

As ROE, é um documento fundamental, em que em muito está esbatido noutros

regulamentos e regras da missão, dou especial importância a este documento na

medida em que é neste documento que está definida a legitimidade do uso da

força, onde está definida todas as circunstâncias que legitimará o uso da força

por parte da força policial. Posso acrescentar ainda que os nossos militares são

devidamente elucidados das ROE e instruídos com base nas mesmas nos

aprontamentos de contigente, pois todos terão que ter conhecimento pleno das

permissões e limitações das mesmas, pois toda a sua conduta individual é

regulada por este documento. Por último aproveito para mencionar que mesmo

antes das operações era sempre efectuadas alusões às ROE.

4. Atendendo às várias regras que estabelecem o uso da força, de que forma fez a

adequação das mesmas às diversas actuações práticas?

A adequação das regras que estabelecem uso da força, às situações práticas

vividas é diária, desde a utilização das técnicas de defesa pessoal policial

passado pelo uso do bastão até ao recurso à arma de fogo. Os militares

diariamente flutuam entre os diversos patamares do uso da força, sempre em

função dos diversos princípios que regulam o uso da força. Uma forma de

manter este assunto em permanente “discussão”, foi através de instrução e

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sempre antes de acções e operações de maior risco, fazendo menção das regras

que regulam o uso da força.

5. Tendo por base a aplicação dos meios coercivos, descreva os momentos mais

complexos da sua missão em Timor-Leste, localizando-os temporalmente.

No que diz respeito à aplicação dos meios coercivos, considerando a situação

mais complexa por mim vivida em Timor-Leste, considero a noite de 26JUN

para 27JUN09. Situação que foi necessário repor a ordem e tranquilidade

pública num determinado local e perante agressões á força, através do

arremesso de pedras sobre a uma secção de um Pel de OP, foi necessário

aguardar o reforço da 2ª Secção, para restabelecer a situação de alteração e

posteriormente o reforço de um 2º pelotão, para conseguir fazer dispersar dos

desordeiros, toda esta acção foi efectuada sem recurso a munições de borracha

ou gás e muito menos armas letais, contudo quando tudo parecia estar

resolvido, um individuo sacou de uma pistola e apontando-a a dois militares a

cerca de uma distância de 2/3 metros, os militares sabendo que qualquer acção

da sua parte poderia precipitar o pior, mantiveram o sangue frio e tentaram

persuadir o individuo, ao que o mesmo colocou-se em fuga e disparou diversos

disparos (6/7), não se sabendo em que direcção mas tendo ficado dois impactos

na viatura da GNR.

6. Durante o período em que permaneceu na missão houve alterações às ROE? Em

caso afirmativo essas alterações contribuíram para facilitar a sua actuação ao

nível operacional?

Não, no decurso da minha missão, não foi feita qualquer alteração às ROE.

7. Em Timor-Leste, foi comandante de uma Força com características

―Gendármicas‖. Considera que a condição militar pode apresentar-se como uma

mais-valia na aplicabilidade dos meios coercivos? Em que aspectos?

A condição militar poderá ser uma mais-valia no processo de aplicação dos

meios considerados coercivos. Mas esta matéria não poderá ser analisada

simplesmente no espectro policial comunitário, esta característica é tanto mais

valia e tanto mais visível quanto maior a intensidade do confronto ou da

alteração da ordem. A hierarquia de uma força da natureza da GNR encaixa na

perfeição numa hierarquia estritamente militar e o que parece para muitos uma

“banalidade”, é na verdade, no terreno e na missão em análise uma mais valia,

pois a história já escreveu o Subagrupamento Bravo a trabalhar lado a lado

com as Forças Armadas Australianas, Forças Armadas da Nova –Zelândia e até

com as Forças de Defesa de Timor-Leste, quando a intensidade do conflito era

bastante elevada, logo a probabilidade da aplicação dos meios considerados

coercivos em maior escala é muito mais elevada. Outra realidade que é

constatada é os meios (armamento e equipamento) ao dispor deste tipo de

forças, constatei que o nosso Subagrupamento Bravo encontrava-se equipado

com armamento que vai para além das outras forças do mesmo escalão, sendo

esta uma mais valia na mão Comandante e consequentemente das Nações

Unidas.

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8. No seu entender, a actuação da GNR contribuiu de que forma para a segurança

(interna) de Timor-Leste?

Na minha opinião o desempenho da GNR em Timor-Leste contribuiu

decididamente para a segurança interna de Timor-Leste. Desde o seu

empenhamento em acordo bilateral entre o Governo de Portugal e de Timor-

Leste até aos dias de hoje ao serviço das Nações Unidas, a GNR continua a ser

um garante da paz, segurança e tranquilidade pública. A presença da GNR em

Timor-Leste continua a ser dissuasora para todos aqueles que tenham interesses

em desequilíbrios do país.

9. Com este tipo de missões, quais as vantagens e as desvantagens para Portugal no

que se refere à projecção de Forças?

As vantagens para Portugal com a projecção destas forças:

- Reconhecimento Internacional;

- Portugal encontra-se entre os países que mais contribuem com forças para

operações de apoio à paz, e isso certamente trás relevância internacional a

Portugal;

- As forças empenhadas aprendem “lições aprendidas”;

- Embora seja forças ao serviço das Nações Unidas, não deixa de ser um

instrumento da política externa portuguesa;

- A preservação dos laços bilaterais entre países.

As desvantagens para Portugal com a projecção destas forças:

- A perda de 140 militares em território nacional;

- Os custos decorrentes da missão (em grande parte suportados pelas UN – ver

MOU);