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1 IGREJA LUTERANA (logotipo Seminário) SEMINÁRIO CONCÓRDIA Diretor Gerson Luis Linden Professores Acir Raymann, Anselmo Ernesto Graff, Clóvis Jair Prunzel, Gerson Luís Linden, Leopoldo Heimann, Norberto Heine (CAAPP), Paulo Gerhard Pietzsch, Paulo Moisés Nerbas, Paulo Proske Weirich, Paulo Wille Buss, Raul Blum, Vilson Scholz Professores Eméritos Ari Lange, Donaldo Schüler, Paulo F. Flor IGREJA LUTERANA ISSN 0103-779X Revista semestral de Teologia publicada em junho e novembro pela Faculdade de Teolo- gia do Seminário Concórdia, da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB), São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil. Conselho Editorial Paulo Wille Buss (Editor), Clóvis Jair Prunzel (Editor Homilético) Assistência Administrativa Nara Coelho A Revista Igreja Luterana está indexada em Bibliografia Bíblica Latino-Americana e Old Testament Abstracts. Os originais dos artigos serão devolvidos quando acompanhados de envelope com ende- reço e selado. Solicita-se permuta We request exchange Wir erbitten Austausch Correspondência Revista Igreja Luterana Seminário Concórdia Caixa Postal 202 93001-970 – São Leopoldo/RS Telefone: (0xx)51 592 9035 e-mail: [email protected] www.seminarioconcordia.com.br

SEMINÁRIO CONCÓRDIA Diretor Gerson Luis Linden€¦ · Fosse o Catecismo Menor apenas um manual de instrução, a pergunta pelo nível de linguagem, na tradução, teria uma resposta

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IGREJA LUTERANA

(logotipo Seminário)SEMINÁRIO CONCÓRDIA

DiretorGerson Luis Linden

ProfessoresAcir Raymann, Anselmo Ernesto Graff, Clóvis Jair Prunzel, Gerson Luís Linden,

Leopoldo Heimann, Norberto Heine (CAAPP), Paulo Gerhard Pietzsch, Paulo MoisésNerbas, Paulo Proske Weirich, Paulo Wille Buss, Raul Blum, Vilson Scholz

Professores EméritosAri Lange, Donaldo Schüler, Paulo F. Flor

IGREJA LUTERANAISSN 0103-779X

Revista semestral de Teologia publicada em junho e novembro pela Faculdade de Teolo-gia do Seminário Concórdia, da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB), São

Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil.

Conselho EditorialPaulo Wille Buss (Editor), Clóvis Jair Prunzel (Editor Homilético)

Assistência AdministrativaNara Coelho

A Revista Igreja Luterana está indexada em Bibliografia Bíblica Latino-Americana eOld Testament Abstracts.

Os originais dos artigos serão devolvidos quando acompanhados de envelope com ende-reço e selado.

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CorrespondênciaRevista Igreja LuteranaSeminário Concórdia

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Telefone: (0xx)51 592 9035e-mail: [email protected]

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IGREJA LUTERANA

No ano de 2004, completaram-se 475 anos desde a primeira publicação dosdois catecismos de Lutero. O ano de 2005 marca o 475º aniversário da apresenta-ção da Confissão de Augsburgo e o 425º aniversário da primeira publicação doLivro de Concórdia. Não poderíamos deixar passar em branco datas tão significa-tivas na história do luteranismo. Por essa razão, o presente número de nossa revis-ta é dedicado exclusivamente a estudos em torno dos catecismos de Lutero.

É importante lembrar que Lutero escreveu seus catecismos após constatar aignorância espiritual do povo e de muitos de seus pastores durante as visitações naSaxônia Eleitoral e em Meissen no final de 1528 e início de 1529. Nos séculos quemedeiam entre os dias de Lutero e os nossos próprios, surgiram movimentos,tanto no mundo quanto na igreja, que não contribuíram para incrementar, entre opovo, o nível de conhecimento das verdades bíblicas e da doutrina cristã. A confu-são e, até mesmo, o desconhecimento que, muitas vezes, se manifesta com relaçãoaos ensinos centrais da fé cristã, justifica sobejamente que o estudo dos catecis-mos de Lutero nos lares e na igreja seja fortemente recomendado. A presenteedição de Igreja Luterana quer oferecer sua contribuição para estimular a reflexãoe a prática desse estudo.

Em “Reflexões sobre a linguagem e a tradução do Catecismo Menor”, o Dr.Vilson Scholz brinda os leitores com um texto rico em conteúdo aliado ao seuhabitual estilo fluente. Além de apontar princípios de tradução e exemplos detraduções feitas pelo próprio Lutero, o autor propõe uma tradução atualizada deum trecho do Catecismo Menor.

Os auxílios homiléticos incluídos nesta edição não seguem as perícopestradicionais em uso nas igrejas, mas se norteiam pela seqüência das doutrinas dafé conforme expostas nos catecismos de Lutero. Não se pretende sugerir, comisso, que se pregue sobre o catecismo ao invés de pregar sobre a Escritura. Pelocontrário, os auxílios tomam por base um texto bíblico e sugerem a incorporaçãodas explicações dos catecismos na mensagem. Não há uma época definida paradar início a esta seqüência de sermões, como também não há necessidade de pregá-los numa seqüência rígida. Não se pretende, por exemplo, que o pregador, apósiniciar essa série, ignore as grandes datas do calendário cristão. Uma possibilida-de é continuar pregando sobre as perícopes em uso e inserir um sermão sobre o

PALAVRA AO LEITOR

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catecismo ocasionalmente, talvez em um culto mensal. Cada pastor e congrega-ção deverá decidir o que é mais útil e proveitoso em sua situação específica. Dequalquer maneira, temos a convicção de que o ensino contínuo das verdades cris-tãs expostas nos catecismos de Lutero poderá beneficiar os cristãos de hoje comojá o tem feito em relação a muitos dos que nos precederam.

Agradecemos ao Dr. Vilson Scholz que colaborou na edição dos auxílioshomiléticos em edições anteriores e ao Prof. Clóvis Prunzel que coordenou a pro-dução dos auxílios deste número.

Paulo W. Buss Editor

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IGREJA LUTERANA

REFLEXÃO

Existe a história, provavelmente fictícia, mas conhecida de muitos pasto-res, de um confirmando que, ao ser solicitado a recitar a explicação do décimomandamento, segundo o Catecismo Menor, saiu-se com essa: “Devemos temer eamar a Deus e, portanto, não apertar, desvirar ou alisar a mulher do próximo, osseus empregados ou o seu gado etc.” O que o menino pensava estar dizendo é isto:“Devemos temer e amar a Deus e, portanto, não apartar, desviar ou aliciar a mu-lher do próximo, etc.”1

Anedotas à parte, essa história mostra que existe uma dificuldade lingüísti-ca relacionada com o Catecismo que, por sua vez, levanta a questão da traduçãodo texto de Lutero.

A ORIGEM E O USO ATUAL DO CATECISMO

Antes de entrar na discussão do assunto, é bom lembrar que o CatecismoMenor nasceu como um manual de instrução cristã. O texto alemão começa as-sim: “Como o chefe de família deve ensiná-los [os mandamentos] com simplici-dade a sua casa”. O título latino diz: “Pequeno catecismo para meninos na escola.De que maneira os mestres-escolas devem ensinar aos seus meninos, de modomais simples, os Dez Mandamentos”.2 Mas o Catecismo acabou virando símbo-lo, isto é, um documento que identifica as igrejas luteranas em todo o mundo. Fazparte do Livro de Concórdia. É citado como documento identificador na Consti-tuição de muitas igrejas luteranas. Assim, o Catecismo Menor é tanto documento

REFLEXÕES SOBRE A LINGUAGEM E ATRADUÇÃO DO CATECISMO MENOR

Vilson Scholz*

* O Dr. Vilson Scholz é professor de Teologia Exegética (Novo Testamento) no Seminário Concórdia e na ULBRA e Consultorde Traduções da Sociedade Bíblica do Brasil.

1 Este é o texto que aparece no Catecismo em uso na Igreja Evangélica Luterana do Brasil. Na falta de outro título, será aquichamado de Catecismo Sinodal.

2 Livro de Concórdia, p. 366.

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confessional quanto manual de instrução. Na prática, diga-se de passagem, épouco usado pelos chefes de família de hoje para ensinar os seus filhos. Tambémestá longe de constar entre os livros favoritos dos mestres-escolas de nossos dias.No entanto, continua cumprindo sua função original no contexto do ensinoconfirmatório, ou seja, na instrução que antecede o rito da Confirmação e que, emgeral, é ministrada a pré-adolescentes (crianças de onze ou doze anos). Em outraspalavras, o Catecismo virou o livro dos confirmandos.

O CARÁTER CONFESSIONAL E POÉTICO COMO ELEMENTO COMPLICADOR

Fosse o Catecismo Menor apenas um manual de instrução, a pergunta pelonível de linguagem, na tradução, teria uma resposta bem mais simples. Mas,como é também um documento confessional, a coisa se complica. Houve e aindahá uma preocupação com aquilo que o texto de Lutero de fato quer dizer. Estudi-osos se dedicam a uma minuciosa exegese do original alemão. Alguns fazem issocom mais esmero até do que fazem sua exegese bíblica! Tradutores, a exemplo deArnaldo Schüler, no Livro de Concórdia, escrevem notas para explicar de queforma a tradução se relaciona com o original alemão. Tudo isso mostra que mexercom o texto do Catecismo Menor é coisa séria.

Por outro lado, como ajudar o menino que tropeça naquele “apartar, desviarou aliciar a mulher do próximo” do assim chamado Catecismo Sinodal? Recorrer àtradução mais recente do texto, encontrada no Livro de Concórdia, não ajuda muito.Ali se encontra o que segue, na explicação do Décimo Mandamento: “Devemostemer e amar a Deus, de maneira que não desviemos astutamente, arrebatemos oualienemos a mulher do próximo, os seus empregados ou o seu gado etc.”3

Desviar, arrebatar ou alienar: esta seqüência de verbos reproduz o originalalemão abspannen, abdringen oder abwendig machen. Mesmo quem não enten-de nada da língua alemã pode notar que existe, aqui, um elemento de aliteração,isto é, a repetição do prefixo “ab”. Isto aponta para a dimensão poética do texto deLutero. De fato, Lutero escreveu o Catecismo Menor para que fosse memorizadopalavra por palavra. Com isso em mente, deu atenção a detalhes como cadência,ritmo, aliteração, assonância, etc. Ora, se o texto é poético, isto complica as coi-sas mais ainda, pois agora, além de termos um texto histórico que é documentoconfessional usado como manual de instrução, temos também um texto poético.Como traduzir um texto desses? Afinal, como disse Robert Frost, “poesia é aqui-lo que se perde na tradução”.4 De fato, a tradução de Arnaldo Schüler traz doisverbos iniciados com a letra a (arrebatar e alienar), mas não conseguiu um equiva-lente para “abspannen” e optou por “desviar astutamente”. O leitor pergunta: Se

3 Livro de Concórdia, p. 3694 Citado em Rónai, p. 79

REFLEXÃO

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IGREJA LUTERANA

não é possível reproduzir a aliteração na íntegra, por que escolher um verbo com-plicado como alienar? Aliciar, que aparece no Catecismo Sinodal, parece aindamais complicado.

TRADUZIR É MAIS DO QUE SUBSTITUIR PALAVRAS

A considerar o texto das traduções, por vezes fica difícil acreditar que Luterotenha escrito o Catecismo Menor para crianças. Além da questão do vocabulário,existe também o aspecto da sintaxe. Como Andrew Steinmann astutamente ob-servou, boa tradução é mais do que achar as palavras correspondentes; é tambémuma questão de achar a sintaxe correspondente.5 No caso da Bíblia, as palavrasda tradução são portuguesas, mas a sintaxe muitas vezes é grega ou hebraica. Umexemplo disso é o primeiro versículo da Bíblia. “No princípio criou Deus ” repro-duz exatamente a sintaxe hebraica. A sintaxe portuguesa, no entanto, requer, a me-nos que se tenha em vista alguma ênfase, que se diga: “No princípio Deus criou”.No caso do Catecismo Menor, não há como deixar de notar a abundância de perí-odos longos. A explicação do Segundo Artigo, que chega a oito linhas no Livro deConcórdia, é um período só. A explicação do Primeiro Artigo, num total de novelinhas, até aparece mais desmembrada, na tradução, embora o texto alemão sejaum só período! A pergunta que o leitor faz é a seguinte: era assim que se escreviapara crianças no tempo de Lutero? Mais: será que Lutero estava consciente deque um texto para crianças era diferente de um texto para adultos? Dificilmente.Ao se traduzir, no entanto, cabe a pergunta: é assim que se dizem as coisas emportuguês brasileiro do século 21? É assim que se escrevem manuais de instruçãopara crianças ou adolescentes? É bem possível que esses períodos longos nãocomuniquem adequadamente, ao menos não para adolescentes.

LUTERO COMO TRADUTOR E TEÓRICO DA TRADUÇÃO

O leitor pode perceber que já enveredamos pelos caminhos da teoria detradução. Nada mais apropriado, num ensaio que reflete sobre a linguagem e oprocesso de tradução do Catecismo Menor. E em se tratando de tradução, o pró-prio Lutero é mestre. Tanto assim que cabe a pergunta: é possível aplicar osprincípios de tradução adotados e enunciados por Lutero na hora de se traduzir oCatecismo Menor? Será que as traduções do Catecismo Menor são fiéis aos prin-cípios seguidos por Lutero na tradução da Bíblia? Lutero é modelo na hora de setraduzir os textos que ele próprio escreveu?

Lutero traduziu o Novo Testamento sozinho, em 1522, e liderou uma equi-pe que, num espaço de tempo bem maior, traduziu também o Antigo Testamento.

5 Steinmann, p. 388.

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A Bíblia completa foi publicada pela primeira vez em 1534. Essa tradução foisendo revisada ao longo dos anos. Lutero também refletiu – e foi forçado a sepronunciar – sobre sua técnica de tradução. Dois textos aparecem no volume oitodas Obras Selecionadas de Martinho Lutero: “Carta aberta do Dr. M. Lutero arespeito da Tradução e da Intercessão dos Santos (1530)” e “Sumários sobre osSalmos e Razões da Tradução (1531-32)”.

TRÊS PRINCÍPIOS EXTRAÍDOS DOS TEXTOS DE LUTERO

É claro que Lutero não sistematizou os princípios que ele seguiu na forma deteses bem definidas. Outros, lendo seus escritos, fizeram isso. Cameron MacKenziefala de três princípios que Lutero defendeu e praticou em sua tradução da Bíblia. Naverdade, mais do que qualquer outra coisa, trata-se de qualificações do tradutor, quedeve: 1) ser fiel à língua alvo, isto é, a língua para a qual se traduz; 2) traduzir deforma literal sempre que necessário; 3) ter bom conhecimento de teologia.6

O PRIMEIRO PRINCÍPIO: FIDELIDADE À LÍNGUA ALVO

Fidelidade à língua para a qual se traduz é ser fiel para com o leitor. NaCarta Aberta a respeito da Tradução, Lutero escreve:

não se deve perguntar às letras na língua latina como se devefalar em alemão, como fazem esses burros, e sim, é precisoperguntar à mãe em casa, às crianças na rua, ao popular nafeira, ouvindo como falam, e traduzir do mesmo jeito, entãovão entender e notarão que se está falando alemão com eles.7

Nos Sumários sobre os Salmos e Razões da Tradução, Lutero constata:

muitas vezes reproduzimos o sentido e abandonamos as pala-vras. Por causa disso, de certo, muitos sabichões vão querernos criticar e, talvez, também alguns piedosos vão se escanda-lizar. Mas qual é o proveito em se manter, sem necessidade, aspalavras com tal rigidez e dureza, quando delas não se entendenada? Quem quer falar alemão, não deve empregar o estiloretórico hebraico, mas deve atentar para que, compreendido ocidadão hebreu, capte o sentido e faça a seguinte pergunta:Meu caro, como fala o cidadão alemão neste caso? Quando,pois, se tem as palavras alemãs, que servem aqui, abandone-seas palavras hebraicas e se expresse livremente o sentido, nomelhor alemão que puder.8

6 MacKenzie, p. 80-83.7 Lutero, “Carta Aberta”, Obras Selecionadas, vol. 8, p. 211-212.8 Lutero, “Razões da Tradução”, Obras Selecionadas, vol. 8, p. 227.

REFLEXÃO

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IGREJA LUTERANA

O EXEMPLO DE JEREMIAS 31.14Jeremias 31.14, na Bíblia de Lutero, é um exemplo que ilustra a tese que o

Reformador defende. Num contexto de restauração escatológica, Deus anuncia:“Saciarei de gordura a alma dos sacerdotes”. Este é o texto de Almeida Revista eAtualizada, e não poderia ser mais literal. Soa estranho, todavia. Como podealguém saciar a alma de gordura? Lutero traduziu assim: “Ich will der PriesterHerz voller Freude machen”, que, em língua portuguesa, seria mais ou menosisto: “Vou encher o coração dos sacerdotes de alegria”, ou, então, “vou alegrar ocoração dos sacerdotes”. Desapareceram a alma e a gordura; entraram o coraçãoe a alegria. Lutero, por assim dizer, “espiritualizou” a mensagem de salvação, aofalar de alegria no coração. Agora, compare-se o que fez a Nova Tradução naLinguagem de Hoje (NTLH): “Alimentarei os sacerdotes com muita comida boa”.Foi eliminada a referência à alma, mas foi mantida a “materialidade” da salvação:“muita comida boa”.

As semelhanças entre a tradução de Lutero e o texto da NTLH – e com todacerteza a NTLH não deve nada a Lutero em termos de uma eventual cópia ouplágio – mostra o quanto Lutero é avançado para o seu tempo. Por mais que sequeira ver em Lutero um tradutor comprometido do começo ao fim com um mo-delo de tradução mais formal, Lutero surpreende pela sua modernidade. Ele ante-cipa em muito o modelo de equivalência funcional adotada por traduções do tipoNTLH.9 E isto acontece não por acaso, mas é uma decisão consciente de Lutero,como mostra a citação acima, onde Lutero fala que “é preciso perguntar à mãe emcasa, às crianças na rua, ao popular na feira”.

O EXEMPLO DE LUCAS 1.28Um outro exemplo, citado pelo próprio Lutero, na Carta Aberta a respeito

da Tradução, é Lucas 1.28. Lutero explica:

9 Toda tradução se localiza em algum ponto numa linha que vai da tradução mais literal possível, num extremo, à tradução deequivalência funcional, no outro extremo. E embora se costume situar as traduções mais para a esquerda ou mais para a direita,mais formais ou mais funcionais, não se deveria cair no erro da generalização, pois determinada passagem numa traduçãoconsiderada de equivalência funcional pode muito bem ser um texto típico de uma tradução do tipo formal. Assim, nenhumatradução bíblica existente é 100% formal-literal ou 100% funcional-semântica. Uma análise da tradução de expressões idiomá-ticas em diferentes Bíblias revelou que nenhuma delas reproduz todas essas expressões ao pé da letra. A King James Version(KJV), que é a grande representante das traduções do tipo formal, traduz 5% das expressões idiomáticas de forma compreen-sível, isto é, não-literal ou funcional; a New International Version faz isso em 44% dos caso; a Today’s English Version, que éa irmã mais velha da NTLH, faz isso em 83% dos casos. Van der Watt, “What Happens When One Picks up The Greek Text?”p. 257. Um exemplo disso é Lc 22.15. Ao pé da letra, o grego diz: “Com desejo desejei”. A Vulgata não se desviou disso:“desiderio desideravi”. A KJV fez o mesmo: “With desire I have desired” (Com desejo tenho desejado); Lutero traduz osentido: “Mich hat herzlich verlangt” (desejo do fundo do coração). Almeida Revista e Corrigida se inscreve no campofuncional, ao traduzir por “desejei muito”. O mesmo acontece com Almeida Revista e Atualizada, que traz “tenho desejadoansiosamente”, e com a NTLH, que traduz “como tenho desejado”. Já em Gn 2.17, a situação é diferente. Ao pé da letra ohebraico diz: “com morte morrereis”. Assim aparece na Septuaginta (“thanato apothaneisthe”) e na Vulgata (“morte morieris”).A KJV deixou de ser literal, ao traduzir: “thou shalt surely die” (tu certamente morrerás). Lutero pende mais para o literal:“wirst du des Todes sterben” (“vais morrer de morte”). Almeida tem “certamente morrerás”.

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“Salve, Maria, cheia de graça, o Senhor seja contigo” ... assim éque se traduziu até agora, simplesmente seguindo a letra latina[gratia plena]. Mas diga-me: isso é bom alemão? Quando é que oalemão fala assim: “estás cheia de graça”? Qual é o patrício quevai entender o que significa “cheia de graça”? Ele vai pensar numbarril cheio de cerveja, ou num saco cheio de dinheiro; por isso eutraduzi: “graciosa” [holdselige], de modo que um alemão conse-guirá associar melhor com o sentido pretendido pelo anjo em suasaudação. Mas aí os papistas ficam doidos comigo, por ter adul-terado a saudação angelical. Isso que ainda não consegui acertara melhor formulação alemã. E se eu tivesse tomado a melhorformulação vernácula, traduzindo da seguinte maneira a sauda-ção: “Deus te abençoe, querida Maria” [Gott grusse dich, liebeMaria] (pois isso é o que o anjo quer dizer, e assim teria falado, sequisesse saudar em nossa língua), acredito que eles teriam arran-cado os cabelos, devido à sua grande devoção para com a queridaMaria, por eu ter arrasado de tal maneira a saudação”.10

Interessante é ver como traduções modernas tratam essa questão. Antesdisso, o texto da Vulgata, com o qual Lutero interagiu: “have gratia plena Dominustecum” (ave, cheia de graça, o Senhor é contigo). A King James Version, de 1611,segue nas pegadas de Lutero: “Hail, thou that art highly favoured, the Lord iswith thee” (Salve, ó tu que és grandemente favorecida, o Senhor é contigo).11

Almeida Revista e Corrigida (ARC) tem “Salve, agraciada; o Senhor é contigo”.Já Almeida Revista e Atualizada (ARA) mudou para “Alegra-te, muito favorecida!O Senhor é contigo”. NVI recupera um termo da ARC: “Alegre-se, agraciada! OSenhor está com você!” Todas estas traduções são, por assim dizer, devedoras deLutero. E as traduções católicas, que fazem? A Bíblia de Jerusalém e a BíbliaSagrada – Tradução da CNBB vão com a Vulgata, contra Lutero: “Alegra-te, cheiade graça, o Senhor está contigo!” Fica claro que o elemento dogmático-doutriná-rio se sobrepõe, neste caso, contrariando o argumento lingüístico de Lutero. Luteroainda não foi ouvido de todo. Por outro lado, a New Jerusalem Bible, verte assim:“Rejoice, you who enjoy God’s favour! The Lord is with you” (Alegra-te, ó tu quedesfrutas do favor de Deus! O Senhor está contigo).

Que significa isso para a tradução do Catecismo de Lutero? Ora, quer-meparecer que há uma grande preocupação dos tradutores com a fidelidade a Lutero.Nem sempre se pergunta se é assim que se diz isso em português, ou, então, se éassim que um confirmando confessaria a sua fé. Será que existe espaço para umCatecismo Menor na Linguagem de Hoje?

10 Lutero, “Carta Aberta”, Obras Selecionadas, vol. 8, p. 212-213.11 Notar que a KJV coloca em itálico o texto que aparece na tradução, mas não tem correspondente no original.

REFLEXÃO

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IGREJA LUTERANA

UM SEGUNDO PRINCÍPIO QUE LUTERO ENSINOU E PRATICOU

Lutero tem um segundo princípio, que poderíamos denominar de “literalonde necessário”. Aliás, diz-se que o princípio seguido pelos tradutores da RevisedStandard Version (RSV) era este: “Formal onde necessário; dinâmico onde possí-vel”. Parece que Lutero subscreveria o mesmo princípio. Na Carta Aberta arespeito da Tradução, ele explica que, em certas passagens, preservou o originalde forma bastante literal.

Por outro lado, não ignorei demasiadamente a letra, mas, com meus auxili-ares, cuidei meticulosamente que, por exemplo, a menção de uma palavra chavetivesse reprodução literal, e não procedi com tanta liberalidade [bin nicht so freydavon gangen], como quando Cristo fala, em João 6[.27]: “Este Deus Pai selou”.Em alemão, teria sido melhor: “Este Deus o Pai marcou” ou “Deus Pai tem emmente a este”. Mas preferi comprometer a língua alemã a desistir do termo”.12

Com certeza esse princípio é de grande importância na tradução da Bíblia.Uma das dificuldades, no caso de traduções do tipo de equivalência funcional,como a NTLH, é conseguir agrupar passagens bíblicas que tratam do mesmo as-sunto. Em outras palavras, fica difícil elaborar uma concordância ou chave bíbli-ca a partir da tradução. Termos que representam o que se pode chamar de “con-ceitos bíblicos” ficam em grande parte diluídos. No caso do Catecismo, talveznão houvesse tanta necessidade de reter certas palavras, como acontece com aBíblia. Por outro lado, expressões como “devemos temer e amar a Deus” – queLutero coloca na explicação de cada um dos dez mandamentos – com certezadeveriam ser mantidas intactas.

O TERCEIRO PRINCÍPIO

Lutero tem um terceiro princípio: Um bom tradutor também deve ser umbom teólogo. E, de fato, aparece muita teologia da Bíblia de Lutero. Mais do quenunca, tradução é interpretação. O exemplo de Lc 1.28 nas Bíblias católicas ilus-tra isso muito bem. No caso do Catecismo de Lutero, o melhor tradutor é, semdúvida, um profundo conhecedor da teologia de Lutero. Só este poderá resistir àtentação de, por exemplo, no terceiro mandamento, ignorar o texto de Lutero –“Santificarás o dia do descanso” – e substituí-lo por um texto bíblico que menci-one o sábado.

Isto levanta a questão dos textos bíblicos que Lutero cita em seu Catecis-mo, e que não poderá ser tratada a fundo aqui. É uma questão importante, face aoseguinte dado: 22% do Catecismo Menor são citações diretas das Escrituras, e31% são exegese das Escrituras.13 Que fazer, neste caso? Normalmente traduz-se

12 Lutero, “Carta Aberta”, Obras Selecionadas, vol. 8, p. 214.13 Voelz, “Luther’s Use of Scripture in the Small Catechism”, p. 55.

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a tradução de Lutero. É o que se vê no Livro de Concórdia. Já o CatecismoSinodal aproxima as citações bíblicas do texto da tradução de Almeida, especial-mente na Tábua dos Deveres. Ora, se o Catecismo existe para ser memorizado, emais de vinte por cento é texto bíblico, isto pode representar um problema queangustia muita gente: Se as crianças memorizam um texto que não está em nenhu-ma Bíblia que eles conhecem, como vão reagir no momento que encontrarem essetexto na leitura bíblica? Entre memorizar um texto que é a tradução portuguesa deuma tradução alemã e memorizar o texto de uma tradução portuguesa feita direta-mente do original, não seria mais sensato memorizar o texto desta última? Seria,não fosse o problema do caráter confessional do Catecismo. O exemplo maisclaro disso é o texto do terceiro mandamento, mencionado acima: “Santificarás odia do descanso”. Este texto não aparece assim em nenhuma passagem específicada Bíblia; reflete a leitura neo-testamentária do mandamento feita por Lutero.Aqui não se pode senão traduzir a tradução (interpretada) de Lutero. Qualqueroutra solução seria trair a intenção do Reformador, isto é, significaria infidelidadeao texto fonte.

INDO DA TEORIA À PRÁTICA

Como, então, traduzir o Catecismo Menor à luz dos princípios apresenta-dos acima? Não é tarefa fácil, isenta de riscos. Esses riscos aumentam à medidaque o crítico se põe na condição de tradutor. Mas é preciso tentar. E, como a seçãodo Catecismo mais destacada neste ensaio foi a explicação do Décimo Manda-mento, o leitor tem o direito de perguntar como ficaria esse texto numa traduçãomais funcional, isto é, numa linguagem mais atualizada. Por isso, segue um en-saio de tradução, feito um tanto às pressas e num esforço isolado:

Que significa isso?

Resposta: Devemos temer e amar a Deus.14 Por isso15 , não devemos tirar16

a mulher ou o marido17 dos outros, fazendo ameaças ou promessas18 . Também

14 Esta já consagrada afirmação deveria ficar como está, seguindo-se o princípio número dois, exposto acima. Ela se sustenta porsi só e, na qualidade de fundamentação para o que segue, ganha destaque através da quebra ao final da frase (ponto final).

15 Entendemos que “por isso” exprime o “dass” (= so dass) de Lutero, deixando claro que o temor e o amor de Deus são a fonteou motivação do que segue. Ver Livro de Concórdia, p. 367, nota 16.

16 Embora o mandamento trate da cobiça, que é algo mais interior ou volitivo, Lutero tem em vista a prática, o ato concreto detirar o cônjuge do outro.

17 O texto bíblico e a explicação de Lutero falam apenas da mulher. À luz das discussões em torno do uso de linguagem inclusivaem traduções da Bíblia (ver o documento “Revelação Bíblica e Linguagem Inclusiva”, publicado por Concórdia Editora), nãohaveria por que não aplicar o mandamento a ambos os sexos.

18 Lutero tem os três verbos que começam com “ab”: “abspannen, abdringen oder abwendig machen”. Ele vai num crescendo,do simples passar a lábia ao uso de ameaças (chantagem?), chegando ao desvio ou afastamento. Em português, se poderiainverter a ordem, como foi feito aqui, deixando o verbo mais forte (“tirar”) no começo, e entendendo os dois outros comoformas que se tem para tirar uma pessoa de alguém.

REFLEXÃO

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não devemos tirar dos outros os seus empregados, nem os seus animais, nemqualquer outra coisa que pertença a eles19 . Em vez de tirar, devemos incentivaressas pessoas20 para que fiquem onde estão e façam o que delas se espera.

Este ensaio de tradução procura reter a maioria dos elementos semânticospresentes no original de Lutero. A forma do texto alemão, que é estranha e atémesmo inacessível ao leitor moderno, foi, em grande parte, abandonada. O textonão é de todo fluente, e faltam-lhe características poéticas, como aliterações, etc.No entanto, acima de tudo a tradução teria que ser testada junto a confirmandos erecém-confirmados, que poderiam opinar se, para eles, o texto é fluente e compre-ensível. Só assim a tradução seria de fato fiel ao leitor, como Lutero queria.

BIBLIOGRAFIA

ARAND, Charles P. e James W. Voelz, “Classic Catechism – 1995”.Concordia Journal 22 (January 1996): 66-75.

LUTERO, Martinho. “Carta aberta do Dr. M. Lutero a respeito da Tradu-ção e da Intercessão dos Santos 1530”. Trad. Walter O. Schlupp. ObrasSelecionadas, vol. 8, 206-220.

________. “Sumários sobre os Salmos e Razões da Tradução 1531-32”.Trad. Eduardo Gross. Obras Selecionadas, vol. 8, 224-233.

MACKENZIE, Cameron. “Receptor-Oriented Gospel Communication inBible Translation: A Historical Perspective”. Receptor-Oriented GospelCommunication (Making the Gospel User-Friendly). Ed. Eugene W.Bunkowske e Richard French. Fort Wayne: Concordia TheologicalSeminary, 1989, p. 78-96.

RÓNAI, Paulo. A tradução vivida. Rio de Janeiro: Educom, 1976.

STEINMANN, Andrew E. “When the Translation of Catechetical ProofTexts Don’t Communicate: The Role of Bible Translation in Catechesis”.Concordia Journal 22 (October 1996): 378-394.

19 Tirar, fazendo ameaças ou promessas é algo que não se aplica ao gado, no texto de Lutero. Afinal, fica difícil imaginar quealguém possa tirar um boi do seu vizinho, fazendo a promessa verbal de pasto mais saboroso. Dar destaque aos empregadose ao gado, na tradução, é uma maneira de fugir desse problema. Por outro lado, parte-se do princípio de que Lutero não estásendo exaustivo, quando menciona o gado, como fica claro no mandamento que ele cita. Isto explica o acréscimo de “qual-quer outra coisa”. “Animais” em lugar de “gado” é uma atualização cultural que se torna cada vez mais necessária, numcontexto de crescente urbanização.

20 Vale também aqui o que foi dito na nota anterior. Instar ou incentivar é algo que se aplica somente às pessoas mencionadas.Por isso, o acréscimo: “essas pessoas”.

14

VOELZ, James W. “Luther’s Use of Scripture in the Small Catechism”,Luther’s Catechisms – 450 Years: Essays Commemorating the Smalland Large Catechisms of Dr. Martin Luther. Ed. David P. Scaer e RobertD. Preus. Fort Wayne: Concordia Theological Seminary Press, 1979, p.55-64.

VAN DER WATT, J.G. “What Happens When One Picks up The GreekText?” Contemporary Translation Studies and Bible Translation: A SouthAfrican Perspective (Acta Theologica 2002). Ed. J.A. Naudé & C.H.J.van der Merwe. Bloemfontein: University of the Free State, 2002, p.246-265.

WILT, Timothy. Bible Translation: Frames of Reference. Manchester:St. Jerome Publishing, 2003.

REFLEXÃO

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IGREJA LUTERANA

Colossenses 1.15-20(Deuteronômio 11.26-32; João 10.31-38)

1. CONTEXTO HISTÓRICO

Todos sabem quem é Deus. Por isso não há muita necessidade de pregar(falar, ensinar) sobre ele. Certo? Errado!

Sim, é verdade, todos se apegam a algum deus e confiam nele. Mas, emquem, ou em quê, as pessoas realmente confiam? Talvez, seja em bens, dinheiro,na sua própria capacidade, inteligência, ou em amigos: no poder e influência queesses têm. Muitos nem se dão conta de quem, realmente, é seu deus, no qualconfiam e põe sua esperança. Aos domingos, essas pessoas vão à igreja e cultuamo Deus cristão, mas, durante a semana, despem a religião domingueira e confiamna sua capacidade de trabalho, no dinheiro, em pessoas influentes, etc. Quandoestas coisas faltam, tais pessoas entram em desespero e agem como se não hou-vesse Deus.

A decisão sobre quem é o verdadeiro Deus assume importância especial emnossa época ecumênica. Podemos orar/realizar cultos em conjunto com represen-tantes de outras religiões? Qual é o deus(es) que é invocado/adorado em tais en-contros?

Não se pode negar que o ser humano vem se empenhando muito, ao longoda história, para tentar descobrir quem e como é Deus. A existência das maisdiversas religiões, desde as mais “primitivas” até as mais “evoluídas”, o atesta.Da mesma forma, filósofos têm se deixado absorver na procura por Deus. Deseus esforços surgiram filosofias deístas (há um deus criador, mas ele está distantee não interfere no mundo), panteístas (tudo é deus e deus é tudo), e dualistas (hádois princípios: o do bem e o do mal, que lutam entre si no universo). Mas, todaessa busca humana por Deus é infrutífera porque, após a queda, o homem naturaltateia no escuro nessa questão.

A única maneira segura e certa para sabermos quem é Deus e qual é a suadisposição para conosco está em encontrá-lo em sua própria revelação. Ele serevelou de muitas maneiras e em muitas ocasiões (Hebreus 1.1). Mas, sua revela-

AUXÍLIOS HOMILÉTICOS

PRIMEIRO MANDAMENTO

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ção plena e definitiva aconteceu quando o “Verbo se fez carne, e habitou entrenós” (João 1.14). O Filho não veio apenas para falar de Deus, para apontar paraDeus, mas ele é “o resplendor da glória [de Deus] e a expressão exata do seu Ser”(Hebreus 1.3).

Mesmo após essa revelação, houve, e ainda há, debates e divisões na igrejasobre a natureza e o ser de Deus. Surgiram heresias (gnosticismo, marcionismo,arianismo, etc.) e concílios para definir a posição ortodoxa. As definições e deci-sões desses concílios são importantes, corretas e úteis para a igreja e os cristãos.Mas elas não podem, nem querem, estar acima das Escrituras. Vejamos, pois, oque diz o texto bíblico.

2. TEXTO

Uma heresia havia se infiltrado na igreja de Colossos. Paulo não a descreveexplicitamente. Parece ter sido uma religião do tipo gnóstico que ensinava a auto-redenção. Entre outras coisas, o novo ensino diminuía a pessoa e obra de Cristo. Oque tornava a heresia mais perigosa é que ela dizia não querer eliminar o evange-lho, mas completá-lo. Ela proclamava outros poderes, além de Cristo, e os invoca-va como mediadores entre Deus e o ser humano.

Paulo refuta o falso ensino enfatizando a completa suficiência de Cristo. Oevangelho que os colossenses receberam não é alguma coisa rudimentar que pre-cisa ser levada à plenitude e perfeição. O mistério de Deus foi plenamente revela-do em Cristo. Nele “todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento estão ocul-tos” (2.2-3). “Nele habita corporalmente toda a plenitude da Divindade” (2.9). Elenão é um ser divino entre outras forças espirituais poderosas, mas, “Ele é o cabeçade todo principado e potestade” (2.10).

V. 15: “a imagem do Deus invisível.” (Confira: 2 Co 4.4; Hb 1.3). Deus éinvisível: “Ninguém jamais viu a Deus” (Jo 1.18). “Ele habita em luzinacessível, a quem homem algum jamais viu, nem é capaz de ver”(1Tm 6.16). Mesmo assim, nós queremos ver a Deus (assim comoMoisés, Êx 33.18-23, e Filipe, Jo 14.8).

O Deus-Homem, Jesus Cristo, o reflete e revela (Jo 1.18; 14.9). Ele não éum deus inferior que faz a intermediação entre nós e o Deus supremo. “Nelehabita corporalmente toda a plenitude da Divindade” (2.9).

“O primogênito.” O primogênito tinha direitos e privilégios especiais nostempos bíblicos. Cristo também tem direito sobre a criação: prioridade, preemi-nência, soberania (vv. 16-18).

V. 16: “Todas as cousas.” Paulo enfatiza sete vezes, nesses seis versículos,que Cristo é anterior e superior a todas as coisas e que nele residetoda a plenitude.

AUXÍLIOS HOMILÉTICOS

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IGREJA LUTERANA

V. 18: “o primogênito de entre os mortos.” Cristo é o primeiro a ter o corpoda ressurreição. Com ele, inicia a ressurreição de todos os mortos.Sua ressurreição e a nossa são parte de um só evento, de uma sócolheita. Ele é “as primícias” dessa colheita.

V. 19: “a plenitude.” Toda a graça e poder de Deus atuam nele. Seu triunfosobre a morte (v. 18) é total, sua reconciliação (v. 20) é completa.Não há nenhuma necessidade de complementar, de alguma maneira,sua obra (2.9).

As leituras paralelas reforçam e complementam o texto. Deuteronômio ad-verte que seguir outros deuses significa abdicar da bênção e invocar a maldição.No evangelho de João, Jesus se identifica, expressamente, com Deus Pai: “O Paiestá em mim, e eu estou no Pai.”

3. APLICAÇÕES HOMILÉTICAS

1. Qual é a aparência de Deus? É o rosto desfigurado e sem formosura deIsaías 53, ou é a “beleza do Senhor” do Salmo 27.4? Na verdade, não hácontradição alguma entre essas duas imagens. É no rosto desfiguradopela dor de Jesus Cristo que se revela a beleza espiritual de Deus. EmCristo, resplandece a glória do amor de Deus. Nele a singularidade doDeus Triúno (referida em Is 64.4) brilha intensamente.

2. “Devemos temer e amar a Deus e confiar nele acima de todas as coisas.”Assim, Lutero explica o significado do primeiro mandamento. Ele pró-prio, porém, teve dificuldades imensas, na sua juventude, em amar aDeus e confiar nele. Como poderia ele amar um deus-juiz, irado e injus-to? Lutero adquiriu uma nova imagem de Deus ao compreender que, emCristo, Deus nos oferece e dá a justiça, o perdão, a vida e a salvação.

3. A história nos mostra como o ser humano sem Cristo lida com o proble-ma do Deus que o confronta em sua Lei: ele cria deuses com os quais eleconsegue lidar, por meio de barganha, bajulação, sacrifícios, etc. NoCatecismo Maior, Lutero explica e exemplifica o que é idolatriadisfarçada e grosseira. Assim como em Colossos, as pessoas de hojetambém se apegam a outros intermediários entre Deus e homem, fora deCristo. Alguns confiam em santos, outros apelam para o que podem vere sentir (“o poder”) e o consideram superior ao que Deus oferece no“cristianismo elementar” da palavra e dos sacramentos. Ainda outrosdirigem sua invocação a anjos, assim como já se fazia em Colossos (2.18).

4. Independente de outros aspectos que se queira destacar no sermão, o quenão pode faltar é a ênfase de que o Deus revelado é o Deus da graça. Pai,Filho e Espírito Santo se revelam na sua atuação a favor do ser humano.

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Esta é a Boa Nova. Não temos um deus tirano, opressor, que exige sacri-fícios infindáveis de nós, mas temos um Deus que nos ama e se sacrifi-ca por nós. É em Jesus Cristo que vemos plenamente a face do Deus queé amor, e ele é “o próprio Jeová, pois outro Deus não há” (hino 165.2).

4. PROPOSTA HOMILÉTICA

Você sabe como é Deus? Sabe mesmo?

1. O ser humano natural sempre se volta para ídolos

- que ídolos são esses;

- mais cedo ou mais tarde, eles frustram a esperança neles depositada.

2. O único Deus verdadeiro se revelou em Jesus Cristo

- Ele é plenamente e verdadeiramente Deus, um com o Pai e o EspíritoSanto;

- Ele revela o perfeito e pleno amor de Deus. Nele Deus nos perdoa, e dávida e salvação.

FONTES:CONCORDIA Self-Study Bible. St. Louis: Concordia Publishing House,

1986.

ROEHRS, Walter R. e FRANZMANN, Martin H. Concordia Self-StudyCommentary. St. Louis: Concordia Publishing House, 1979.

Paulo W. Buss

AUXÍLIOS HOMILÉTICOS

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IGREJA LUTERANA

João 16.17-28(Isaías 9.1-7; Efésios 5.15-20)

ATÉ AGORA NADA TENDES PEDIDO EM MEU NOME

O texto em estudo tradicionalmente era lido no Quinto Domingo após aPáscoa. O Domingo chamava-se Rogate, ou Domingo da Oração ou Súplica. Nosermão que Lutero prega sobre esse texto em 1525, na sua introdução mencionaas procissões das cruzes e preces que marcavam essa semana. Reconhecendo va-lor nas intenções de quem instituiu as procissões, entretanto, Lutero afirma quefoi bom essas terem sido abolidas porque nelas já não acontecia a oração. Aspessoas mais se preocupavam com a forma da oração, a preparação, a postura, aspalavras, sua dignidade e preparo como pedintes que, no fundo, concentravam-semais em si próprias do que em Deus.

É de perguntar se esse desvio não se apresenta ainda ou freqüentemente emnosso orar. Baixar a cabeça, juntar as mãos desta ou daquela maneira, fechar ou nãoos olhos, selecionar cuidadosamente assuntos na memória, repetir ou não “SenhorDeus” a cada frase, podem fazer com que o maior esforço esteja em certificar-se deque a oração está bem feita na sua forma e escolha de palavras e assuntos.

Lutero diz que nada disso faz a oração ser oração. Pois o fundamento paraque a oração aconteça e seja validada não está na oração em si. O fundamentoprimeiro da oração é a promessa de Deus de que estará em constante vigília sobrenós, antecipando-se às nossas necessidades. A condição e os pré-requisitos quevalidam qualquer oração estão nessa promessa. Essa promessa revela quem é Deuse quais suas intenções para o mundo. Essa promessa tem sua afirmação extremana cruz. A cruz faz com que a vida seja vida em Deus. Nada que o ser humanofaça de bom e digno, ou mau e indigno, pode invalidar o fato: Deus está a nossofavor. Pronunciar o nome de Deus implica reconhecer o que ele é em tudo que faz(Is 9). Ele atrai sobre si a atenção do pecador, convidando o indigno a buscar nelerefúgio, consolação, paz e esperança. Bem por isso cada suspiro, gemido ou vi-bração da alma tem acolhimento no coração de Deus ao ponto de ele afirmar queantes de falarmos já nos atende.

SEGUNDO MANDAMENTO

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Ora, diante de tanta prontidão da parte de Deus em relação ao ser humano,a seqüência óbvia é que o ser humano se incline avidamente em busca dessa ofertae entregue sua vida aos cuidados que lhe são oferecidos e dados. Essa entrega é afé na promessa feita que recebemos por obra do mesmo Deus. Esse é o círculo quese fecha: ele promete e ele crê em nosso lugar para que então digamos: Senhor, eucreio. Ajuda-me na minha falta de fé.

No Segundo Mandamento Lutero evidencia que ensinar a orar acima detudo é ensinar a confiar e estimular pessoas a confiar suas vidas a Deus em qual-quer circunstância. Ensinar a orar é convencer o ser humano de que tudo o que elesente de desconfiança, medo ou insegurança em relação a Deus não faz sentidoem relação ao Deus que desafia que “até agora nada tendes pedido”. Em outraspalavras, oraram em vão porque suas orações não entregam suas vidas nas mãosde Deus, apenas pequenas e passageiras preocupações. Entreguem tudo, dúvidas,culpas e pecados em primeiro lugar para que no coração aconteça o que ele pro-mete: esquecer e não mais lembrar.

Não tomar o nome em vão é ter a audácia do desesperado de chegar diantede Deus como que quem vai ao supermercado com um bilhete premiado: lista amais completa possível e as grandes e verdadeiras necessidades, como também aspequenas e – até - irrelevantes e supérfluas. Deus quer que sonhemos e almeje-mos felicidade. Há felicidade maior do que saber que você e Deus conhecem ecompartilham os seus mais íntimos segredos? O maus, para apagá-los pelo per-dão, e os bons, transformados em esperança de bênçãos?

Tomar em vão o nome de Deus é, também, aproximar-se dele com a im-pressão de que a nossa seleção de necessidades e a forma como nos apresentamospossa fazer alguma diferença para a sua disposição e empenho em estar ao nossolado. Tomar em vão o seu nome é olhar para ele como se ele fosse um Deus queprecisa ser abordado de maneira a alterar a sua disposição em favor de cada pes-soa para premiar méritos e piedades pessoais. Como se fosse normal ele estarreservado, julgando antes de ouvir e julgando depois de ouvir.

Já não digo que rogarei ao Pai por vós porque o próprio Pai vos ama, é agrande manchete que ficou gravada para o tempo depois da ascensão. Quem afirmaisso? Aquele que obedeceu ao Pai e se fez juízo em nosso lugar e consumou amediação definitivamente. Essa disposição não é recente e não é mera possibilida-de. É a disposição que foi demonstrada aos nossos pais diante da queda, Adão e Eva.

Ensina-se a orar quando se ensina a confiar em Deus. Quando se relatam osgrandes feitos de Deus a favor da humanidade e dos grandes feitos a favor dos queestão errantes e necessitam conhecer esse Deus que vem a nós e chama com vozde acolhimento aos que desesperam de si próprio e do mundo. Uns para que crei-am. Outros para que voltem a crer. E a todos para que cresçam em compartilharessa fé.

AUXÍLIOS HOMILÉTICOS

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IGREJA LUTERANA

SUGESTÃO PARA ORGANIZAÇÃO DO MATERIAL

Objetivo:

Esclarecer e fortalecer o que significa em termos de vida e oração o fato deque a intermediação com Deus está consumada (23-27).

Introdução:

Os discípulos sentem-se ameaçados diante da possibilidade de ficarem sema presença de Jesus. Sentimento que não é estranho a cada ser humano.

Tema:

Confiem TUDO ao Pai é o convite e o desafio de Jesus.

No segundo mandamento Lutero ensina: “O invoquemos em todas as ne-cessidades, oremos, louvemos e agradeçamos” (LC, 367, 4).

Porque

a) Deus já não julga quem ele chamou

b) A desconfiança em relação à sua disposição por nós e pelos outros nãohonra o seu nome e ofende a Deus

c) Nada em nós pode melhorar sua disposição (piedade, forma, falsidade,oferendas, juras, revoltas)

Considerando isso:

a) A afirmação parte de quem completou a intermediação

b) Inclui cada ser humano

c) É vontade expressa de Deus

Diante disso

a) Recordem com insistência o que Deus fez por nós

b) Sejam atrevidos e insistentes em pedir

c) Louvem sempre, porque tudo que não tivermos tempo de receber agora,está preparado para nós com generosidade infinita

d) A antecipação dessa alegria nos faça parceiros e irmãos diante desse Pai

Conclusão

Sentir-se indigno de Deus é sentimento que só nos pode afastar de Deus sea nossa noção de quem Deus é estiver equivocada e for falsa. Jesus é a face pelaqual Deus se revela e quer ser conhecido e amado. Que o desafio de Jesus nosdesperte a agirmos como filhos de Deus abençoados.

Paulo P. Weirich

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Atos 2.36-47(Êxodo 20.8-11; Mateus 11.25-30)

1. CONTEXTO

Era o dia da celebração do Pentecostes do Antigo Testamento. Era tambémchamada a “Festa das Semanas”, por ser celebrada sete semanas após a Páscoa. Onome “Pentecostes” veio do grego e significa “qüinquagésimo” referindo-se aofato de ser cinqüenta dias após a Páscoa judaica.

Estavam em Jerusalém judeus piedosos de todas as partes do mundo para acelebração do Pentecostes. Depois da pregação dos discípulos nas línguas dosestrangeiros, que lá estavam, e, depois da pregação de Pedro, quase três mil pes-soas aceitaram a palavra, ou seja, creram que iniciara-se o período após a vinda deCristo, o Novo Testamento, reconhecendo-o como o Messias prometido.

À aceitação da palavra seguiu-se também uma união entre os cristãos emtorno da palavra de Deus. Preocupavam-se uns com os outros, viviam em comu-nhão e ouviam a palavra de Deus.

2. TEXTO

V. 36: Asfalôs, seguramente, fora de dúvidas. Pedro usa este advérbio paraenfatizar a conclusão que ele está para tirar das citações dos textosdo Antigo Testamente que ele acabara de fazer (Chave Lingüísticado NT Grego). As profecias apontam para o cumprimento das pro-messas de salvação: “este Jesus, que vós crucificastes, Deus o fezSenhor e Cristo”.

V. 37: A palavra mexeu com os sentimentos dos ouvintes (katenýrgesan tenkardían – “tiveram traspassado o coração”) e os motivou ao desejode vivê-la: “Que faremos irmãos?”

Passagem paralela: “Senhores, que devo fazer para que seja salvo?” (At16.30).

TERCEIRO MANDAMENTO

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IGREJA LUTERANA

V. 38: A solução é clara: metanoésate – “arrependei-vos” é a mudança deopinião que deve ser feita a respeito de Jesus. Ele parecia ser o inimi-go que se insurgira contra o poder estabelecido da religião judaica;mas ele é o Salvador, o Messias prometido. Por isso é preciso umametánoia. O batismo vai conceder perdão dos pecados e o EspíritoSanto vai acompanhá-los nesta nova jornada.

Passagem paralela: “Arrependei-vos, pois, e convertei-vos para serem can-celados os vossos pecados” (At 3.19).

V. 39: A promessa é para todos, mesmo “os que ainda estão longe”, como éo nosso caso, no Brasil. É o “Cristo para todos” que sempre precisa-mos nos empenhar para proclamar.

V. 41: A palavra de Deus não volta vazia. Quase três mil pessoas convence-ram-se de que o culto do Antigo Testamento passara, pois em Jesusestava o Messias prometido. Eles haviam concordado com a crucifi-cação de Jesus (v. 36), mas agora convenceram-se de que as promes-sas de Deus haviam se cumprido neste mesmo Jesus. E aevangelização continuou naqueles dias de maneira admirável: At 2.47,5.14, 8.12, 11.24.

V. 42: Os convertidos perseveravam (proskarterountes – “continuavam fir-mes”, “ocupavam-se com”, “estavam engajados ativamente”, “devo-tavam-se a”) naquilo que haviam aprendido dos apóstolos, mantinhamcomunhão uns com os outros, distribuíam a Santa Ceia e oravam.

Vv. 43-47: Estes versículos finais da perícope mostram o resultado da fédos cristãos da igreja de Jerusalém: as pessoas estavam cheias detemor, viviam em comunhão e tinham tudo em comum, auxiliavam-se mutuamente, iam ao templo todos os dias, faziam refeições emcomum e louvavam a Deus. Tudo isso não os isolava do povo emgeral, pelo contrário, contavam com a simpatia de todo o povo.

3. APLICAÇÕES HOMILÉTICAS

Os primeiros cristãos de Jerusalém são um exemplo de fé e de vivênciacristãs. Eles não isolavam sua vida cristã da vida de cada dia. Louvor a Deus eamor ao próximo andavam juntos no dia-a-dia. A explicação de Lutero do Tercei-ro Mandamento, no Catecismo Menor, encontra um exemplo claro nesta congre-gação: “Devemos temer e amar a Deus, de maneira que não desprezemos a prega-ção e a sua palavra, porém a consideremos santa, gostemos de a ouvir e estudar”.

No Antigo Testamento Deus havia instituído o sétimo dia como o dia dodescanso, com o propósito de santificá-lo: “Lembra-te do dia de sábado para osantificar”. Como esta observância do dia era especificamente para os judeus, no

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Novo Testamento ficou o princípio de termos um dia de descanso para o santifi-car. Os primeiros cristãos escolheram o domingo em memória da ressurreição deCristo. Continuamos esta tradição, embora o dia para o culto, para ouvirmos apalavra de Deus, possa ser qualquer um. Além disso, é preciso lembrar que a vidacristã acontece todos os dias, mesmo durante ao trabalho rotineiro.

No Catecismo Maior Lutero lembra que guardamos dias santos “primeira-mente, também por motivos e precisões de ordem corporal. A natureza ensina erequer para as massas ordinárias, para a criadagem que ao longo da semana cuidoude seus afazeres e negócios, que se retirem também por um dia, para descanso erestauração. Em segundo lugar, e acima de tudo, o fazemos para que em tal dia dedescanso – já que de outro modo não se consegue a coisa – se tome lugar e tempo afim de participar do culto divino, isto é, reúnam-se as pessoas com o objetivo deouvir e tratar a palavra de Deus, e depois louvar a Deus, cantar e rezar”.

O dia do descanso é santo em si mesmo, pois é Deus mesmo que preservaos nossos dias. No entanto, nós precisamos santificá-lo por sermos pecadores pornatureza. E isto não podemos fazer através de esforços próprios ou de obras meri-tórias; precisamos, sim, santificá-lo com a própria palavra de Deus, ouvindo-a eexercitando-a: assim é que o próprio Deus vai santificar o dia do descanso paranós: “todo o nosso viver e agir, para chamar-se agradável as Deus, ou santo, devenortear-se pela palavra de Deus... Inversamente, todo viver e agir alienado dapalavra de Deus é insano aos olhos de Deus, por mais que brilhe e resplandeça”(Lutero, Catecismo Maior).

O descanso faz parte da vida cristã como de qualquer pessoa, mesmo nãocristã. Mas “a força e o poder deste mandamento não consiste no feriar, porém nosantificar ... E isso ... sucede apenas mediante a palavra de Deus. É com estepropósito que se instituíram e determinaram lugares, tempos, pessoas e toda aordem externa do culto, para que também esteja publicamente em operação”(Lutero, Catecismo Maior).

Por causa da importância da palavra de Deus, pois sem ela nenhum dia ésantificado, “saibamos que Deus insiste em cumprimento rigoroso desse preceito,e há de castigar a quantos lhe desprezem a palavra e não a queiram ouvir nemaprender, especialmente se tal acontecer no tempo designado” (Lutero, CatecismoMaior). Este desprezo pode-se dar de duas maneiras: podemos estar em outrolugar, fazendo outras coisas no momento do culto ou podemos estar no culto ape-nas por um mero formalismo, alheios ao que se está passando no culto, com ospensamentos em outros lugares. “Sabe, portanto, que não se trata apenas de ouvir,mas é necessário, outrossim, aprender e reter. E não penses que é assunto afeto aoteu arbítrio ou que não é de grande importância. É mandamento de Deus, que tepedirá contas de como ouviste, aprendeste e honraste sua palavra” (Lutero, Cate-cismo Maior).

AUXÍLIOS HOMILÉTICOS

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IGREJA LUTERANA

Outro pecado contra o Terceiro Mandamento é a soberba em pensar que játenho um bom conhecimento e que, por isso, não tenho mais necessidade da pala-vra. “Toma nota do que vou dizer: posto conhecesses a palavra perfeitamente efosses mestre em tudo, ainda assim estás diariamente sob o império do diabo, quenem de dia nem de noite cessa de acercar-se de ti à solapa, levando em miraacender-te no coração descrença e maus pensamentos contra os preceitos já discu-tidos e os demais. Razão por que é necessário tenhas a palavra de Deus continua-mente no coração, nos lábios e nos ouvidos. . . . Por outro lado, quando se medita,ouve e trata a palavra seriamente, ela tem o poder de nunca ficar sem fruto. Sem-pre desperta novo entendimento, prazer e devoção, e cria coração e pensamentospuros. Pois não são palavras inoperantes ou mortas, senão eficazes, vivas” (Lutero,Catecismo Maior).

4. PROPOSTA HOMILÉTICA

O EXEMPLO DA CONGREGAÇÃO DE JERUSALÉM

1. No amor aos irmãos;

2. Na perseverança na Palavra e Santa Ceia.

Raul Blum

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Marcos 7.5-15(Provérbios 23.22-25; Efésios 6.1-9)

1. CONTEXTO

Os escribas e fariseus tinham vindo de Jerusalém, a capital, para espionaras ações de Jesus. Aparentemente, atacam os discípulos de Jesus; o verdadeiroalvo, contudo, era o próprio Mestre. À primeira vista, parecia que tinham “umprato cheio” à frente deles para se servirem no intuito de satisfazer seus desejos deencontrar acusações contra Jesus. Afinal de contas, que homem era aquele quepermitia que os seus seguidores mais próximos não observassem as tradições dosanciãos? Que autoridade ou dignidade poderia ostentar quem acusava tanta negli-gência para com as atitudes dos seus?

A leitura da perícope faz brotar uma questão: o que importa diante de Deus? Aprecisa observância de mandamentos humanos ou o temor à Palavra dEle? Todo o textose movimenta dentro desse contexto e nos desafia a descobrir quem está com a razão.

Quem está com a razão? Esta pergunta continua a nos desafiar hoje, princi-palmente dentro do contexto onde se insere o relacionamento da criatura humanacom o seu Criador. Quem está com a razão? Aqueles que seguem seus própriospensamentos, brotem eles de onde brotarem, não importa, ou aqueles que se quedamperante a Palavra de Deus?

O Quarto Mandamento do Decálogo traz à discussão e reflexão o temor eamor aos pais e autoridades. Sempre houve e continuará havendo tomadas deposições bem diferentes umas das outras sobre a questão. O que dirão os cristãosa tal respeito? Quem está com a razão?

O texto vem a ser um sinalizador do caminho a percorrer na busca de res-postas. Qual a resposta que ele apresenta e como chega a ela? Veremos.

2. TEXTO

V. 5: A indignação dos escribas e fariseus fundamenta-se na opinião deles:não andar em conformidade com a tradição dos anciãos é digno de

QUARTO MANDAMENTO

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IGREJA LUTERANA

reprovação. Assim agiram os discípulos de Jesus, quando comeramsem lavar as mãos. De acordo com a tradição, o lavar as mãos eraindispensável para evitar a ingestão de algo contaminado por impu-rezas tocadas pelas mãos. Não se tratava de um cuidado meticulosocom a saúde corporal, porém com a saúde espiritual, assim criameles.

Vv. 6-8: quem, de fato, está puro diante de Deus? Para os escribas e fariseus,a resposta era dada pelos preceitos humanos (as tradições). Com talpureza pretendiam honrar a Deus. O que, porém, ouviram de Jesus?Hipócritas! O julgamento do Filho de Deus a respeito deles foi duro ecompletamente inesperado. O caminho percorrido por eles para adorara Deus tinha como chegada a hipocrisia. Imaginavam que fossem aquiloque realmente aparentavam ser: perfeitos adoradores do Senhor. Terrí-vel engano! Engano no qual já haviam caído pessoas denunciadas peloprofeta Isaías: Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coraçãoestá longe de mim. O coração longe de Deus torna em hipocrisia todae qualquer pretensa adoração. Esse será sempre o resultado de adora-ções que se fundamentam em preceitos e determinações humanas.Querer adorar a Deus com preceitos humanos é inútil e vão. O quehaviam feito com o mandamento de Deus? Fora negligenciado a favorda adesão a determinações meramente humanas.

Vv. 9-13: a falta de temor a Deus, porque foi substituído por temor aoshomens, conduz a ações contrárias à vontade divina. Existe um cora-ção sem temor e dele nascem atitudes pecaminosas. Cristo apresentacomo exemplo disso na vida dos escribas e fariseus a má condutadiante do mandamento divino: Honra a teu pai e a tua mãe. Mesmoque a justificativa para tanto fosse “piedosa”: é Corbã. Designava-sede corbã todo e qualquer dinheiro ou dádiva destinada a Deus, queficavam excluídos de qualquer outro uso. A partir da tradição, justifi-cavam deixar pais desamparados sob pretexto de ser corbã aquiloque poderia vir em socorro de pai e mãe. Mas, afirma Jesus, com talprocedimento estavam nada menos do que invalidando a palavra deDeus, tirando dela sua autoridade e aplicação, colocando-a sob a tra-dição. O divino era invalidado por aqueles que permaneciam com ohumano. Que terrível erro!

Ouvir preceitos humanos, segui-los e aplicá-los, quando se ignora a palavrade Deus, sempre se constitui em enorme perigo. É o agir que conduz, inevitavel-mente, à falta de temor a Deus, coisa que se verifica especialmente diante dosmandamentos do Senhor, também diante do Quarto. Aliás, destaca-se a seriedadedo Quarto Mandamento nas palavras de Jesus. Seu valor e importância não acaba-ram. O Quarto Mandamento não é invenção dos antigos rabinos, mas um claro

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mandamento de Deus registrado na Lei por Moisés. Deus fala com seriedade so-bre a honra que se deve aos pais. No entanto, entre o que Deus falou e o seucumprimento, havia aquilo que vós (escribas e fariseus) dizeis. Diante daquilotoda a palavra de Deus perdia sua autoridade.

A iniqüidade nascida do coração sem temor a Deus manifesta-se, entre ou-tras formas, pela falta de honra, amor e respeito para com os pais e autoridades.Seguidamente há quem torna a levantar a questão relacionada com crise de auto-ridade e suas conseqüências no lar, na sociedade e também na igreja, por que não?Quem está com a razão para apontar a solução aos problemas, angústias, sofri-mentos e desgraças provenientes de tal crise? Será apenas aquele coração onde hátemor a Deus, coração esse que precisa pulsar tanto no peito dos pais e autorida-des quanto no dos filhos e subalternos.

Vv. 14,15: Jesus valeu-se do episódio para se dirigir à multidão. Dá-nos aimpressão de ter desejado esclarecer um pouco mais para o povo oporquê da reprimenda aos escribas e fariseus. Jesus preocupa-se comaqueles que, provavelmente, mal orientados pelos escribas e fariseus,estavam no caminho errado. Com muita bondade, o Mestre lhes mostrao caminho certo.

A fonte de onde brota o mal que pode contaminar o ser humano encontra-sedentro dele próprio. Por não se tratar de contaminação física, porém espiritual, ocomer com mãos não lavadas não é o perigo. Perigoso é não combater a verdadei-ra origem do mal.

Quando se fala sobre crise de autoridade e suas conseqüências, cabe apon-tar para a origem desse mal. Está no coração do ser humano. A falta de temor àpalavra de Deus, a qual muitas vezes é trocada por opiniões humanas, gera atitu-des que, inevitavelmente, levarão ao desrespeito para com o Quarto Mandamento.

3. SUGESTÃO HOMILÉTICA

A partir da pergunta: quem está com a razão? será possível desenvolveruma mensagem conectada ao Quarto Mandamento. Sempre teremos diante de nóspessoas interessadas em conversar e ouvir a respeito do relacionamento entre paise filhos, educação de crianças e respeito diante das autoridades.

O texto revela o terrível equívoco dos escribas e fariseus. Tal atitude repete-se naqueles que dão guarida a opiniões humanas em seus corações, colocando-asem lugar do temor à palavra de Deus.

Há, porém, esperança para todos que se equivocam tentando identificar oque realmente contamina o ser humano. No texto, tanto para escribas e fariseus,como para a multidão, a esperança estava muito próxima: era o próprio Jesus.Como o evangelho sempre deve ser o clímax de uma mensagem, não é demais

AUXÍLIOS HOMILÉTICOS

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IGREJA LUTERANA

lembrar a necessidade de enfatizar no sermão o aspecto da esperança. Não quere-mos que nossos ouvintes saiam do culto reconhecendo que a origem do mal estános corações, mas sem esperanças de alcançar uma nova vida, com outras atitu-des. Esta vem com o Senhor Jesus! Ele nos acolhe com perdão para nossos peca-dos contra o Quarto Mandamento; Ele dá a nova vida, um novo coração, de ondeemanarão novos impulsos que nos levarão à prática da Sua vontade também noque se refere ao Quarto Mandamento.

Paulo Moisés Nerbas

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Romanos 12. 9-21(Provérbios 31.1-7; Mateus 25.31-47)

1. CONTEXTO

O texto, começando pelo v. 9, tem ligação com o v. 3, unindo o uso de talen-tos espirituais às virtudes no amor dirigido ao semelhante. É o tema do QuintoMandamento. “Neste mandamento agora saímos de nossa casa e vamos aos vizi-nhos, para aprender como devemos viver uns com os outros” (Lutero, CM, 180).Não se pode deixar de evocar o paralelo entre Rm 12 e 1 Co 12ss. onde a noção docorpo e membros une a realidade de dons espirituais e amor ao próximo. Nestetrecho, à primeira vista árido e legalista, está contido o consolo na exortação, o queé a verdadeira paráclese. A vida em amor não é atividade e iniciativa do cristão, masé reação ao amor recebido em Cristo (cf. Ef 5.2, o “aroma suave” da obra de Cristoé a verdadeira “aromaterapia” que dá alento à ação livre do cristão, que o “estimulae impele a [...] em suma, amor”, Lutero, ibid, 195). O teólogo A. Nygrens tentoutransportar as parêneses dos vv. 9ss. para 1 Co. 13: “basta ler em Rm 12.9-21 o‘amor’ como sujeito permanente para vermos a semelhança dos conteúdos dos tex-tos” (cf. Nauck, p. 27). Podemos ainda fazer o exercício de colocarmos “Cristo”como o sujeito permanente! Num mundo (era, século) repleto de inveja, ciúme emaldade (pode começar pelos vizinhos, cf. Lutero), “o propósito [do texto] é sufo-car em nós o desejo de nos vingarmos” (Lutero, ibid, 195). A exegese tende a agru-par os versículos parenéticos em grupos guiados por “idéias motriz”.

2. REFLEXÕES TEXTUAIS E HOMILÉTICAS

Podemos fazer uma divisão em três partes, sendo os vv. 9, 17 e 21 respecti-vamente início, meio e fim, com o mesmo tema principal ou idéia motriz queinteressa nosso estudo: a) Detestai o mal, apegando-vos ao bem; b) Não torneis aninguém mal por mal; esforçai-vos por fazer o bem perante todos os homens; c)Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem. O “bem” é, em últimaanálise e cf. Rm. 12.2, a “boa vontade de Deus”, enquanto que o “mal” é o espírito“deste século” ou era (quando contradiz a esta vontade), à qual o cristão não deveaderir.

QUINTO MANDAMENTO

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IGREJA LUTERANA

V. 9: Muito do que pode se chamar de “amor” à nossa volta na verdade éfalso, não passa de máscara que esconde profundos movimentosegocêntricos e os sentimentos que os acompanham, como a inveja(Lutero, ibid, 180ss.) e a impulsão de dizer e fazer o mal a outrem.Um cristão não permita em si tal ambigüidade! O verdadeiro amor seapega ao seu objeto e junto a ele luta contra o mal. O sacrifício degratidão a Deus só se concretiza com o oferecer-se ao nosso seme-lhante em amor serviçal. “O amor não procura os seus interesses” (1.Co 13.5).

V. 10-11: O amor fraterno inicia na família sangüínea. O amor não nivela asdiferenças, mas destaca-se pela alta honra em que tem o “outro”,justamente por ele ser o outro! A alteridade é um componente huma-no e divino. Deus criou outros diversos dele. Jesus deu a vida poroutros. Preferir o outro é contemplá-lo com a honra divina que oamor de Cristo reflete (cf. Fp 2.3ss.). Isto se manifesta igualmente na“força de vontade” de agir para o bem: o zelo! Agir para servir, nacomunidade religiosa, familiar, social. O zelo é por ver o outro “bem”.Neste mandamento peca-se por ação (usando mãos e língua para in-fligir mal a alguém) e omissão também: “transgride este preceito nãosó quem pratica ações más, senão também aquele que, podendo fazero bem ao próximo [...] todavia não o faz” (Lutero, ibid, 189).

Vv. 12,13: Conforme Althaus, em ritmo tríplice temos aqui uma profundarealidade: a atitude fundamental do cristão é a alegria, que se apóiana esperança. Tal alegria fornece também a força necessária para apaciência em toda adversidade, e esta paciência, por sua vez, alimen-ta-se da oração regular e incessante. A comunidade é sempre comu-nidade de emergência e as tribulações são compartilhadas. Este é overdadeiro “serviço aos santos”, do qual fala o v. seguinte. Lutero(cf. Althaus) diz que não tratamos com santos mortos, mas com san-tos vivos: nossos irmãos e irmãs são amados e chamados por Deus e,portanto, santos. Com eles e elas tratamos!

Vv. 15,16: Uma virtude a ser cultivada é o compartilhar do destino do pró-ximo como se fosse o nosso próprio (cf. Ap 20.34). É o estar abertoao outro, e desejar a ele o que nós também gostaríamos de ter ouviver. A humildade é aqui a virtude de saber colocar-se ao nível domenor dos irmãos e com ele ter empatia e compaixão. O cristão “deveencontrar-se lá onde Deus o encontrou em Cristo: na fraqueza e hu-mildade, ‘na confissão da humanidade do ser humano, emcontraposição a toda [altiva] semelhança de Deus’” (Barth, KurzeErklärung des Römerbriefes, p.190 cf. Nauck, ibid, p. 29), que é o

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pecado de Adão, incrustado em todos nós: querer ser como Deus, opróprio, não o outro. Porque: veja 1 Co 1.27-29. Esta palavra dePaulo em Coríntios é o “protesto do amor de Deus contra o esquemadeste mundo e em favor do que é a verdadeira nova era”, e nesteprotesto somos incluídos pela parênese do Apóstolo Paulo (cf. Nauck,ibid.).

Vv. 17,18: Aqui começa um novo capítulo no tema: a luta contra o mal epelo bem. Ela ocorre na atmosfera do amor, conforme visto, e é oprotesto contra o mal, contra o schema deste mundo e pela morfé donovo mundo ou era. O “esforço” é a vontade aplicada e realizada,que brota da mente de Cristo que habita no cristão. A paz deve serprocurada, e se houver briga, que não seja por culpa maior do cris-tão! Que mesmo em briga e inimizade se evite a vingança e se procu-re o bem do outro. Em todo este trecho, que fala do amor do cristãopara o não-cristão, ecoa o tema central (v. 2) e a regra de ouro daparênese: não se tornem iguais a esta era, a este século, em que valea regra do amaldiçoar, mas modifiquem-se em seu ser mais íntimo,tornem-se bênção! Lutero disse: “Tu [...] sabes que são estas as obrasverdadeiras, santas e divinas, sobre as quais Deus se alegra com to-dos os anjos. Em contraste com elas, toda santidade humana é maucheiro e sujidade” (ibid, 198). Ao mesmo tempo, é a misericórdia deDeus demonstrada em nosso favor o maior motor e força que noshabilitam a este esforço de constante transformação em favor do bemdo nosso semelhante e de um mundo onde brilha o amor e a paz.

3. DISPOSIÇÕES HOMILÉTICAS

Primeira opção: tema e partes

Tema: O quinto mandamento e a verdadeira nova era de Deus

O que é da antiga era, e o que Deus não quer

(discorrer sobre nossos problemas humanos interpessoais e sociais, o quecaracteriza a essência do egocentrismo humano)

O que Deus nos dá e nos pede na sua nova era

(discorrer sobre o sacrifício de Cristo em favor de nós outros, e da alegriaem seguirmos a divina parênese em favor de outros)

AUXÍLIOS HOMILÉTICOS

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IGREJA LUTERANA

Segunda opção: homilia textual

Tema: Um termômetro espiritual e social

Fervorosos de espírito, v. 11

Ativos no servir, v. 11

Alegres na esperança, v. 12

Pacientes na tribulação, v. 12

Perseverantes na oração, v. 12

Participantes das necessidades, v. 13

Praticando hospitalidade, v. 13

Abençoando, em amor, inimigos, v. 14

BIBLIOGRAFIA

ALTHAUS, Paul. Der Brief an die Römer. Das Neue Testament Deutsch.Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1959.

LUTERO, Martinho. Catecismo Maior. in: Livro de Concórdia.

MICHEL, Otto. Der Brief an die Römer. Göttingen: Vandenhoeck &Ruprecht, 1963.

NAUCK, Wolfgang. Drei Meditation zu Römer 12. Neukirchen-Vluyn:Neukirchner, 1973.

SCHMIDT, E.E. Katechismuspredigten. St. Louis, Mo: CPH, 1905.

Manfred ZeuchCanoas, RS

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Efésios 5.21-33(Gênesis 2.15-25; Marcos 10.12)

1. LEITURAS ESCOLHIDAS

Gn 2.15-25 – A criação do homem por parte de Deus acontece antes dequalquer manifestação de necessidade de evangelho por causa do pecado. Sempreé importante lembrar que sexo e pecado andam juntos quanto o coração do ho-mem é curvado em si mesmo, produzindo frutos indignos da santa vontade deDeus. Portanto, descrever a perfeita obra de Deus registrada neste texto não éapenas desafio, mas é parâmetro ético para nossas relações ainda hoje.

Mc 10.2-12 – O parâmetro de Gn é colocado na parede através do divórcio.A normalidade do divórcio na sociedade romana não tinha apoio das leis judaicas.O questionamento é se hoje estamos mais para Roma ou para Jerusalém na formade conduzirmos e orientarmos as relações matrimoniais. Se os romanos tinhamseus princípios de “se a coisa não der certo a gente separa”, por outro lado osjudeus não conseguiam “quebrar a lei”, só em caso se pecado como Moisés pres-crevera. Mas é bom lembrar o que Jesus diz no Sermão do Monte contra as arti-manhas construídas pela “lei” para justificar atitudes judaicas semelhantes às ro-manas. Conferir Mt 5.27-32.

2. EFÉSIOS 5.21-33 E LUTERO

Transcrevo alguns comentários de Lutero a respeito do texto:

Vv.22-27: Neste versículo São Paulo resumiu e associou o estado matrimo-nial e a ressurreição, juntamente com todas as riquezas de Cristo emsua igreja. Também apresenta aos cônjuges este único exemplo: Cristoé o cabeça da igreja, como o marido é o cabeça da mulher e a igrejacristã é sua noiva ou esposa. Deus oferece elevada honra e glória aoestado matrimonial ao apresentar e pintá-lo como exemplo e modelode sublime e inexprimível graça e amor que ele demonstra e concedegratuitamente em Cristo, como o mais sublime sinal desta sublime e

SEXTO MANDAMENTO

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amável união entre Cristo e a Cristandade e todos os seus membros;uma união tão íntima que não há outra igual. E assim o apóstolodeixa suficientemente claro que o matrimônio é um estado divino,agradável a Deus porque o próprio Deus o instituiu.

Vv. 25-30: Esta é, pois, a grande graça e o dom indizível que Deus deu aoscristãos, embora o mundo não se dê conta disso. Ele simplesmentenão se denomina nosso Senhor, nem pai, irmão ou amigo, mas adotao nome que expressa o mais sublime amor e a mais profunda amiza-de que possa haver no mundo: ele quer ser nosso noivo e assim dese-ja ser chamado; quer formar conosco um só corpo, uma só carne eum só osso, palavras que jamais são usadas para descrever qualqueroutra relação de parentesco ou amizade. Assim Cristo quis apresen-tar-se a nós da forma mais amável e amigável possível, oferecendo eprometendo o seu imenso amor, para que nos denominemos sua noi-va com toda confiança possamos e devemos chamá-la de nosso ama-do noivo, e nos gloriemos nisso.

Vv. 31-33: A forma visível e exterior do casamento ou matrimônio terrenotem a função de nos ensinar a considerar e meditar no matrimôniocelestial, cuja glória e resplendor ninguém consegue ver. Além disso,devemos espelhar-nos na união espiritual entre Cristo e a igreja, eaprender como os cônjuges devem comportar-se no estado matrimo-nial. Por isso, nem de longe chegaremos a um amor tal como esse,pois, como se diz, é demasiado sublime e grandioso. E assim como ocasamento terreno é pequeno, também o amor que existe nele é pe-queno em comparação com o casamento celestial. Também no esta-do matrimonial compete à mulher não somente amar o marido, mastambém ser obediente e submissa, imitando o exemplo da união Cris-to-igreja. Semelhantemente o marido deve amar sua esposa de todocoração, por causa do grande amor que vê em Cristo. Esse, então,deixará de ser um matrimônio terreno e humano ou racional para serum matrimônio cristão, divino, desconhecido dos pagãos. Porqueesses não percebem a grande glória e honra do matrimônio, que setrata duma imagem da sublime união espiritual de Cristo. Por issocabe a nós cristãos honrar e exaltar muito mais esse estado, pois sa-bemos e conhecemos o esplendor e a glória conferidos a este estado.

3. CATECISMO DE LUTERO

A palavra “adultério” tem origem latina e traduz a idéia do uso de algo parao qual não foi originalmente criado (a amplitude do termo não o restringe às rela-ções matrimoniais, mas em todos os âmbitos sociais).

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Para Lutero, a célula mãe da sociedade é a família, visto Deus ter criado arelação matrimonial antes de qualquer outra instituição. Logo, se a base da socie-dade está com problemas, toda a sociedade, como em um efeito cascata, sofre.

Ao lermos o texto do Catecismo Maior, percebe-se que Lutero tem umapreocupação didática. Ele não cita os problemas na área da sexualidade, como ofaz em outros escritos, como por exemplo, no seu “Pequeno Livro de Orações”.No Catecismo, a intenção de Lutero é combater o mal com o bem, ou melhor,descreve positivamente a relação matrimonial. Sugiro aqui a leitura sob esta pers-pectiva do texto do Catecismo Maior, a qual nos ajuda a tratar o assunto com osnossos de forma bíblica e positiva para o amadurecimento das relações humanas.

Outro aspecto que merece destaque é ler o sexto mandamento no contextodo quarto e quinto. Ordem social, vida cristã significativa são vistas por Luterodentro deste contexto, caracterizando-se assim o lado positivo dos mandamentoscomo boa vontade da parte de Deus.

4. PÓS-MODERNIDADE E A SEXUALIDADE

Uma característica essencial para o pensamento pós-moderno é a total au-sência de uma base social, política, histórica, metafísica, lógica e espiritual. Atecnologia, que domina o mundo pós-moderno, não consegue conviver com o quese pode chamar “tradição”, logo os elementos acima enumerados não são maisimportantes. Assim, a mentalidade tecnológica é aplicada também à teologia e àética, na qual o problema do pecado, por exemplo, que é base da reflexão teológi-ca e ética, são diluídos e tudo precisa ser quantificado. A vida não é mais avaliadaquanto ao que é certo ou errado, mas muito mais numa escala que vai de 1 a 10.Dentro deste pensamento, olhar a relação sexual ou matrimonial, não é maisobservá-la dentro de um contexto do secreto e do particular, mas sim do público edo visual. Mais do que nunca, o sexo na pós-modernidade tem a ver com o quantoposso mostrar, mesmo que seja numa pequena casa onde se está confinado e quepode ser acompanha pelo Big Brother. Se por um lado não podemos fugir daexposição da sexualidade, por outro podemos e temos sob nossas mãos o “contro-le remoto” da nossa ética, que é a santa vontade de Deus, ou como Lutero atésugere, Deus mesmo.

5. RESPONSABILIDADES HOMILÉTICAS

Nadar contra a maré parece ser o desafio da mensagem cristã em todas asépocas. E aqui estamos diante da necessidade de frearmos os pecados das relaçõeshumanas, que também são obras de Deus. Logo, nós, como anunciadores da santavontade de Deus, precisamos achar o melhor caminho para comunicarmos estasanta vontade ao mundo pós-moderno. Quando Lutero propôs no seu Catecismo a

AUXÍLIOS HOMILÉTICOS

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IGREJA LUTERANA

ordem, Mandamentos em primeiro lugar, ele estava muito preocupado com o “so-cial”, ou melhor, com as relações de vida. Sem dúvida, o Primeiro Artigo do Cre-do está bem presente no fato de colocar os Mandamentos como início do Catecis-mo. Sem deixarmos de apontar a Cristo, que nos move a vivermos em amor, pre-cisamos olhar com todo o carinho para a obra de Deus no Primeiro Artigo, ao qualeste mandamento como os demais nos remetem. Tratar o assunto positivamente,como Deus o criou, é a sugestão de Gn e Ef, sem deixar de apontar o pecado.Assim teremos lei e evangelho, de forma que o evangelho possa fazer seu papelnos corações de nossos ouvintes.

Clóvis Jair Prunzel

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Lucas 12.22-34(Gênesis 14.14-16; 2 Coríntios 8.1-9)

NÃO FURTARÁS.Que significa isso?

Resposta: Devemos temer e amar a Deus, de maneira que não tiremos aonosso próximo o dinheiro ou os bens, nem nos apoderemos deles por meio demercadorias falsificadas ou negócios fraudulentos, porém o ajudemos a melhorare conservar os seus bens e o seu ganho.

O texto de Lucas 12.22-34 não trata diretamente da questão do dinheiro edos bens do próximo, a ponto de se poder perguntar pela conexão entre o textoescolhido e o sétimo mandamento. No entanto, o texto trata daquilo que está portrás do ato de tirar algo ao nosso próximo, a saber, a necessidade ou tentativa deassegurar a vida por conta própria. Nesse texto Jesus apresenta o remédio ou a“vacina” contra o mal que leva à quebra do sétimo mandamento.

O texto de Lucas 12.22-34 é em grande parte similar ao paralelo em Mt6.25-34. No entanto, sua colocação dentro da “narrativa da viagem”, em Lucas,empresta-lhe um caráter dramático bem peculiar. Jesus fala isso depois de já termanifestado, no semblante, a intrépida resolução de ir para Jerusalém (Lc 9.51).Em outras palavras, é ensino à sombra da cruz.

Quando dois textos são em grande parte semelhantes, mas, não obstante,apresentam pequenas diferenças, essas diferenças podem ser significativas. Umapossibilidade homilética é explorar exatamente esses detalhes que são diferentes.É o que se sugere, no caso de Lucas 12.

Num confronto entre Mateus 6 e Lucas 12, destacam-se as seguintes pecu-liaridades lucanas: em Lucas fica claro (v.22) que Jesus disse o que disse a seusdiscípulos. Falar desse assunto fora do círculo dos discípulos é quase como lançarpérolas aos porcos.

No v.24, Lucas traz “corvos” em lugar de “aves do céu” (Mt 6.26). É aúnica vez que corvos aparecem no NT. O corvo, que não deve ser confundido

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com o urubu, é uma ave preta que alcança um tamanho superior a 60cm, bastantecomum na terra de Israel. No AT, aparece nas histórias de Noé (Gn 8) e de Elias(1Rs 17). Na conhecida fábula (de Esopo), o corvo é exemplo negativo; aqui ele émestre e doutor, como expressa o seguinte texto de Lutero: “O Senhor nos apresentaa natureza por exemplo, para dela aprendermos a confiar em Deus e a não andarmosansiosos. Pois os passarinhos esvoaçam diante de nossos olhos, para vergonha nos-sa, de sorte que gostaríamos de tirar o chapéu e dizer: Senhor Doutor, preciso con-fessar que não domino a arte que você domina. Durante a noite você dorme em seuninho, sem qualquer preocupação. De manhã você acorda, alegre e bem animado ...louva e agradece a Deus. Depois você procura seu alimento, e o encontra. Quevergonha para mim, velho tolo, que não o faço eu também, eu que tenho tantomotivo para isso” (Castelo Forte 1983, 11 de setembro).

No mesmo v.24, além de falar da “despensa”, em adição a celeiros, Lucastem “Deus” em lugar de “vosso Pai celeste”. Alguém dirá, com razão, talvez, queLucas tem uma forma mais aceita no contexto helenístico (o adjetivo “celeste”,aplicado ao Pai, fica restrito ao Evangelho de Mateus). No entanto, Lucas tam-bém fala do Pai, no v.30.

O conteúdo do v.26 é quase que exclusivo de Lucas. Trata-se de outroargumento “do menor ao maior”: se nada podeis fazer numa coisa tão pequena (!)como encompridar a vida, por que se preocupar com as outras?

No final do v.29, Lucas traz um verbo, traduzido por “entregar-se a inquie-tações” (ARA) ou “ficar aflito” (NTLH), que não aparece em nenhum outro lugarno NT. Trata-se do verbo meteorízomai, que, ao pé da letra, significa “ser eleva-do, ficar suspenso”. À luz do uso desse verbo na Septuaginta (Mq 4.1, por exem-plo, “se elevará”), seria possível traduzir por “ficar orgulhoso”. Foi o que Luterofez (“und fahret nicht hoch her”). No entanto, em alguns contextos extra-bíblicoso termo aparece no sentido de “ficar preocupado”. Além disso, o contexto de Lc12.29 parece exigir uma tradução como “estar inquieto” ou “ficar aflito”. Istocoloca o verbo na mesma categoria semântica de merimnáo (“andar ansioso” ou“preocupar-se”) e a maioria das traduções se aproxima do que aparece na ARA ena NTLH.

A grande novidade, em Lucas, são as palavras de Jesus no v.32: “Não temais,ó pequenino rebanho; porque vosso Pai se agradou em dar-vos o seu reino”. Noparalelo de Mt 6.34, fala-se do amanhã que trará os seus cuidados e de que bastaao dia o seu próprio mal.

O “não temais”, que aparece no v.32, é típico dos textos de Lucas (Lc 1.13,30;5.10; 8.50; 12.32; At 18.9; 27.24), pois ocorre, alhures, apenas em Mc 5.36; Jo12.15; Ap 1.17. É uma palavra importante, especialmente à luz do contexto maiorde Lucas 12, em especial dos vv. 4-6, 11,51, onde se fala de várias ameaças à vida.Quando a vida é ameaçada, a tendência natural é agarrar-se àquilo que se tem.

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O rebanho é descrito como pequenino, por aquele que é o pastor e conheceas suas ovelhas. Trata-se de uma metáfora que já aparece no AT, para falar que opovo de Deus é guiado pelo SENHOR (Ez 34.11-24). A referência imediata é aogrupo dos discípulos de Jesus, que formam o núcleo do novo povo de Deus.

O texto também ensina que o reino de Deus é uma dádiva. Não pode seredificado; apenas pode ser buscado, pedido, recebido. Nele se entra e ele vem.Dá-lo é a expressa vontade divina (o verbo é eudokéo, que, em muitos contextos,tem Deus por sujeito). E esta é, de fato, uma das premissas que fundamentam oque Jesus afirma nesse texto: Deus já lhes deu o reino, e essas coisas serão acres-centadas. A outra premissa é que Deus tem controle sobre sua criação, até nosmínimos detalhes; ele sustenta as aves, veste as flores, sabe do que necessitamos.Uma terceira premissa é esta: a vida é mais do que o alimento e as vestes (que, porvia de sinédoque, representam tudo que é material), e a vida não se limita a estemundo: existe um tesouro inextinguível ou que nunca diminui (anékleipton, outrapalavra que ocorre apenas aqui, em todo o NT), nos céus.

Sem essas premissas, as palavras de Jesus soam estranhas. Sem elas, oshomens de pequena fé (v.28), continuarão a buscar formas próprias de garantir avida, que é tão frágil e contingente. E entre essas formas está o furto, que, segun-do o próprio Lutero, “é vício amplissimamente difundido e muito comum ... deforma que, se fossem enforcados todos os que são ladrões – embora não queiramque assim lhes chamem -, o mundo em breve ficaria deserto e haveria insuficiên-cia de carrascos e forcas”. (Catecismo Maior, 1ª parte: Dos Mandamentos (7ºmandamento), § 224).

Vilson Scholz

AUXÍLIOS HOMILÉTICOS

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Mateus 18.15-20(Provérbios 31.8,9 e Tiago 4.1-12)

Não dirás falso testemunho contra o teu próximo.

Que significa isto?

Resposta: Devemos temer e amar a Deus, de maneira que não mintamoscom falsidade ao nosso próximo, não o traiamos, caluniemos ou difamemos, po-rém devemos desculpá-lo, falar bem dele e interpretar tudo da melhor maneira.

Mt 18.15-20 é o texto base para a pregação do oitavo mandamento. Istoporque o próprio Lutero introduz esse texto na explicação do mandamento, emseu Catecismo Maior. Ali Lutero diz: “O procedimento correto, porém, seria ater-se à ordem do evangelho, Mateus 19 [sic], onde Cristo diz: “Se teu irmão pecarcontra ti, vai argüi-lo entre ti e ele só”. Aqui tens preciosa e excelente doutrina decomo governar bem a língua. Dela cumpre tomar boa nota contra o detestávelabuso”. (Catecismo Maior, 1ª parte: Dos Mandamentos, seção 276).

Na explicação do Catecismo Menor, Lutero tira o oitavo mandamento doseu contexto original, a saber, o testemunho prestado no tribunal, e amplia o seuhorizonte, levando-o para a vida diária. Lutero lê o oitavo mandamento como umtexto que trata da mentira e da difamação do próximo. Tem em vista uma situaçãoem que se fala do próximo na ausência do mesmo. Esse parece ser o sentido de“trair”, na explicação do Catecismo Menor, a saber, “revelar os pecados do próxi-mo”. O antídoto para isso é o ensino de Jesus em Mateus 18.

O texto de Mt 18.15-20 integra o quarto grande discurso de Jesus em Mateus,o “discurso da igreja”, que se encerra em Mt 19.1 com a clássica fórmula “Eaconteceu que, concluindo Jesus estas palavras ...” O contexto é, pois, eclesial,como as palavras “irmão” (v.15) e “igreja” (v.17) deixam bem claro. Se isto nãoautoriza que se restrinja o conceito de próximo à “pessoa que, comigo, faz parteda mesma igreja”, por outro lado também dá a entender que, fora do âmbito eclesial,o procedimento não será exatamente o mesmo. Em outras palavras: vou proteger

OITAVO MANDAMENTO

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a honra de todos os meus semelhantes; isto, no entanto, não impede que pessoasautorizadas façam a denúncia do pecado. Lutero deixa isso claro no CatecismoMaior (1ª parte: Dos mandamentos, seção 273): “Vês ... que é absolutamente proi-bido falar em maus termos do próximo. Excetuam-se, contudo, os magistradoscivis, os pregadores e os pais”.

O texto em estudo é, em grande parte, exclusividade de Mateus; apenas ov.15 encontra paralelo em Lc 17.3. A parte inicial (vs.15-17) assume a forma deuma lei casuística do Antigo Testamento, introduzida pelo “se”. Como explicamFee e Stuart (Entendes o que lês?, p. 144), tal lei é “baseada numa condição pos-sível que pode ou não aplicar-se a uma determinada pessoa num determinadotempo”. Aquele “se” não está querendo sugerir que o pecado de um irmão é umapossibilidade remota; antes, seu sentido é este: “sempre que acontecer, o caminhoa seguir é o que está previsto ali”.

Os “três passos” de Mt 18 são bem conhecidos: 1) entre ti e ele só; 2) tomaainda contigo uma ou duas pessoas; 3) dize-o à igreja. Bem mais difícil é praticaro que aí aparece; a grande tentação é saltar para o passo número três, isto é, dizê-lo imediatamente à igreja, ou, então, “a Deus e a todo o mundo”.

A locução “contra ti” aparece entre colchetes na Almeida Revista e Atuali-zada. Isto quer dizer que, na década de 1950, essa locução não fazia parte do textogrego adotado pelos revisores de Almeida. Hoje essa situação está parcialmentealterada, ou seja, o “contra ti” (eis se, no grego) voltou a fazer parte do textogrego, ainda que entre colchetes. Trata-se de uma decisão crítico-textual muitodifícil, que recebe um grau C (numa escala de A a D), no The Greek New Testament,4ª edição. O eis se (“contra ti”) está ausente em dois dos grandes manuscritosgregos (Sinaítico e Vaticano), afora uns poucos outros de menor importância.Partindo-se do pressuposto de que o “contra ti” foi inserido posteriormente, aintenção parece ter sido a de restringir a abrangência do pecado que deve mepreocupar: não qualquer pecado, mas só aquele que me diz respeito, por me en-volver. Também poderia ser visto como uma forma de excluir do procedimentodelineado em Mt 18 aquilo que se denomina pecado manifesto, que precisa serdenunciado abertamente. Seja como for, a presença do “contra ti” restringe oalcance daquilo que é dito em Mt 18. Antes de pregar, o pregador precisa decidirse inclui ou não essa locução.

“Argüir” (v.15) traduz o verbo grego elencho, donde vem o usus elenchticusda lei de Deus, que é o segundo uso, ou uso teológico. Também se pode traduzirpor “repreender” (Almeida Revista e Corrigida) e “mostrar-lhe o seu erro” (NTLH).

“Dize-o à igreja” (v.17) tem em vista a igreja local que, num sentido teoló-gico, concentra a ecclesia universalis. Desta se fala mais diretamente em Mt16.18. Aliás, Mt 16.18 e Mt 18.17 são as únicas duas passagens dos Evangelhosem que aparece a palavra “igreja”.

AUXÍLIOS HOMILÉTICOS

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IGREJA LUTERANA

Por mais que se queira entender aquele “considera-o como gentio epublicano” (v.17) num sentido positivo (“considera-o outra vez alvo da missão daigreja”), não se pode apagar a dimensão de “disciplina eclesiástica” que apareceno mesmo. A NTLH expressa isso muito bem: “trate-a como um pagão ou comoum cobrador de impostos”. O que se tem em vista é a excomunhão, no contextodo ofício das chaves, que aparece no v.18. Outros textos que tratam disso são 1Co 5.13, 2 Ts 3.6, e Tt 3.10.

Os vv. 18-19 parecem não ter conexão com os vv. 15-17, além do vínculoformal, isto é, a continuação do tema dos “dois ou três” (“dois dentre vós”, v.19;“dois ou três reunidos”, v. 20) que aparece no v.16. No entanto, o contexto conti-nua sendo eclesial, isto é, o v. 19 trata da oração e o v. 20, do culto. Por isso, érecomendável ler esses dois versículos como continuação do assunto anterior.Neste caso, o pedido de que fala o v.19 tem a ver, acima de tudo, com a situaçãodescrita em 18.15-17. E a presença de Cristo, prometida no v. 20, dá contornosmais definidos ao contexto em que se processa aquilo que é delineado nos vv.15-17. Em outras palavras, tudo isso se passa coram Deo, ou, mais propriamente, napresença de Cristo.

Sempre é oportuno pregar o Oitavo Mandamento. Afinal, como está emTiago 3.8, “a língua, nenhum dos homens é capaz de domar; é mal incontido,carregado de veneno mortífero”. Se tivéssemos um determinado espaço, sobreuma linha, para escrever os números de um a dez (para os dez mandamentos),nossa tendência natural seria de ampliar os números seis e sete a tal ponto que nãomais sobraria espaço para escrever o número oito. Isso ilustra bem o quão poucose leva a sério o oitavo mandamento. A explicação de Lutero, no Catecismo Me-nor, que privilegia o v. 15 de Mateus 18, dá ensejo a que se repare esse equívoco.

Vilson Scholz

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SALMO 16.5-6(1 Timóteo 6.6-10; Mateus 6.25-34

1. NOTAS INTRODUTÓRIAS

“São mais desejáveis (dmx) (os ensinos do SENHOR) do que ouro” (Sal-mo 19.10a). “Não cobiçarás (dmx) a casa do teu próximo” (Êx 20.17a). Poressa composição já é possível concluir que o SENHOR Deus tem uma palavraespecial referente aos secretos desejos do coração. Uns são positivos e legítimos,outros prejudicam. Uns são lícitos e benéficos, outros podem ser tijolos de trope-ço. Desde que a árvore que não poderia se tornar desejável (dm ’x . n <),acabou se tornando objeto de cobiça, o ser humano perdeu o rumo e o discernimentodo que pode e o que não pode ser aspirado, sem prejuízos para si ou para o próxi-mo. Por isso, o conselho de Deus é “Não cobiçarás a casa do teu próximo”. Deusaconselha a cada um controlar seus desejos. Essa medida tem um caráter preven-tivo e de proteção. Preventivo, pois visa ordenar os desejos dos cristãos, talvezdesmascarar os anseios mais secretos, e de proteção, pois Deus tem o propósito deresguardar o que Ele concede aos seus filhos.

2. SALMO 16.1-6: CONTEXTO HISTÓRICO

A ocasião específica em que Davi se encontrava ao escrever esse Salmo édesconhecida. O máximo que se pode fazer é mencionar algumas possibilidades,mas que podem servir de auxílio para compreendermos melhor esse texto.

A primeira possibilidade é quando a cidade de Ziclague foi saqueada pelosamalequitas (1 Sm 30). Pelo menos duas coisas abateram Davi: sua família foilevada cativa e o povo o responsabilizou por essa tragédia, a ponto de quereremapedrejá-lo. Naquela ocasião, Davi confessou que só o SENHOR o poderia de-volver a segurança (1 Sm 30.6). No Salmo 16 Davi professa sua fé de que oSENHOR é o seu único bem (v.2).

Uma outra alternativa é considerar o contexto dos últimos dias do Rei Davi.Lange toma a sugestão de Delitzsch, que afirma que Davi pode ter estado numasituação de doença, talvez terminal, e considera essa possibilidade bem consisten-

NONO MANDAMENTO

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IGREJA LUTERANA

te. As razões seriam pela omissão de qualquer referência a inimigos ou tempos detribulação, pela maturidade de sua fé, pela sua calma diante da possível morte,pela aceitação da vontade de Deus e, sobretudo, pela profecia messiânica nos vv.9-11.1 Porém, a profecia de Natã em 2 Sm 7 também pode servir como umreferencial.

Ainda é possível considerar, mesmo que remotamente, baseado especial-mente no v. 4, que Davi pode ter sofrido a tentação da idolatria (1 Sm 27) na terrados filisteus. Seja qual for a opção que tomarmos, a conexão entre as três possibi-lidades parece dizer algo a respeito do 9.º Mandamento, no sentido de se aceitartoda e qualquer situação, independente do grau de dificuldade.

3. TEXTO

V.1: O “guarda-me” parece indicar que houve ou há algum tipo de crise ouperigo envolvido. O pedido repousa na confiança e esperança de queo refúgio divino é garantia de segurança e proteção (Salmo 7.1).

V.2: Confiança e gratidão aqui se misturam. Davi confessa o SENHORcomo seu supremo bem, talvez o único bem, a essa altura de suavida, e nascente de todas as bênçãos. O SENHOR é sua exclusivafonte de esperança e satisfação.

V.3: Aqui o salmista parece2 afirmar que, pertencendo à comunhão espiri-tual com os demais consagrados ao SENHOR aqui na terra, a suaalegria se completa. Isto também é bênção para ser grato a Deus, acompanhia dos cristãos (Salmo 101).

V.4: Não tem futuro correr atrás de outros deuses. Davi faz questão de afir-mar sua fé. Talvez num momento de tentação, ele professa que nãovai trocar sua confiança e sentimento de gratidão pela oferta de qual-quer outro tipo de segurança, por mais atrativa que seja. Davi dispen-sa auxílio paralelo e passa mais uma vez a declarar sua confiança eespírito de gratidão. Ele possivelmente está baseado na premissa quenão é possível servir a dois senhores (Mt 6.24). Davi renuncia um,recusa-se a participar em seus cultos, nem mesmo pronunciar seusnomes (Os 2.17) e passa a focalizar sua certeza e esperança de auxí-lio no SENHOR.

Vv.5,6: Em linguagem figurada, Davi afirma que, com o favor do SENHOR,está garantido o apoio, o futuro e as melhores bênçãos. A imagem da

1 LANGE, John Peter. Commentary on the Holy Scriptures. The Psalter. Zondervan Publishing House, Grand Rapids, Michigan,p. 121.

2 A tradução desse versículo pode ser objeto de intensa discussão. A julgar por suas diferentes traduções, o mais sensato pareceser olhar para o contexto e assim determinar algo mais concreto.

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herança reflete Dt 18.2, que ressalta que a herança dos levitas é opróprio SENHOR. O salmista verbaliza em seu louvor seu contenta-mento por lhe ter sido reservada a melhor bênção, ainda que sob umapossível crise. Davi percebe com o olhar da fé a plenitude de vida napresença de Deus.

4. LUTERO E O NONO MANDAMENTO

Lutero explica os últimos dois mandamentos como se fossem um3 . A dife-rença de fato é que o Nono Mandamento trata da cobiça a coisas materiais, ou semvida.

Ele afirma que Deus acrescentou os últimos dois mandamentos a fim de queseja revelado também como ato pecaminoso o desejo ilícito de possuir bens alheios.Essa palavra de Deus visa a coibir a confusão que pode acontecer entre jeitinhosespertos, com honestidade e legitimidade. Ela visa assegurar que não se confundaperspicácia com malvadez, habilidades, com projetos interesseiros e logro. E, final-mente, que não se distorçam direitos, ou não se levem em consideração as necessi-dades do próximo, em troca de vantagens e prestígio pessoal. Aqui é interessantenotar o detalhe observado por Lutero no Catecismo Menor: “Devemos ajudar aonosso próximo e servi-lo para conservar a sua herança ou casa” (CM, p.62). Nem aingratidão, nem egoísmo têm lugar na vida do cristão, mas o contentamento e agratidão com o que se tem e a disposição para compartilhar.

Para Lutero, Deus quer cortar o mal pela raiz, alertar para os pecadossecretos e especialmente se dirigir para aqueles que supõem não transgredirem osmandamentos anteriores. Aqui todos caem.

5. REFLEXÕES HOMILÉTICAS

A proposta de leituras bíblicas para esse culto parece indicar para uma im-portante dimensão na vida cristã ligada ao Nono Mandamento: o contentamento.Se por um lado a ênfase de Lutero neste mandamento é cortar o mal pela raiz,abafando os desejos desordenados (1 Tm 6.10-16), por outro, seu cumprimentoaponta para a direção de um coração agradecido pelos bens espirituais, físicos emateriais, e a confiança de que o Pai celeste supre todas as necessidades na medi-da e tempo certos.

A opção pelo Salmo 16.1-6 não significa omitir os outros dois textos relaci-onados. Estes possuem elementos que podem ser incorporados naturalmente napregação.

3 LIVRO DE CONCÓRDIA, Catecismo Maior. São Leopoldo e Porto Alegre: Editora Sinodal e Concórdia Editora, 1993,pp.440-443.

AUXÍLIOS HOMILÉTICOS

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IGREJA LUTERANA

A articulação de um sermão sobre este mandamento pode não ser tarefafácil. O perigo é pregar demasiadamente o amargo desta palavra. Porém, a suges-tão é usar as considerações do Salmo 16 e seu contexto, especialmente, e falarmais positivamente sobre a palavra do Senhor. O desafio é criar uma possibilida-de de olhar para a Lei de Deus também como uma instrução e não apenas comoreveladora da ira de Deus.

Num tempo em que “ser feliz” tornou-se o grande desejo do ser humano;num tempo em que esta felicidade está muito mais conectada a bens materiais erealizações profissionais, que por sua vez instigam a desejos, às vezes desordenados,parece pertinente refletir sobre a felicidade que nem sempre se conecta com o quese vê, mas principalmente a bênçãos espirituais do perdão, paz e salvação emCristo Jesus.

6. SUGESTÃO DE TEMAS E PARTES

Tema: “A arte de viver contente em toda e qualquer situação” (Fp 4.11)

Introdução – 1 Sm 30.1-6

A experiência trágica na vida de Davi: “Porém Davi se reanimou no SE-NHOR seu Deus (v. 6b);

1. Salmo 16.1-6, com ênfase na expressão “outro bem não possuo”;

2. Cuidado com o dinheiro (1 Tm 6.6-10), o servir a dois senhores (Mt6.24) e a confiança no Senhor (Mt 6.25-34);

3. Lutero e o Nono Mandamento: a) Cortar o mal pela raiz; b) Revelarnossos desejos desordenados e pecaminosos; c) Deus visa proteger da cobiça alheiaos bens que Ele nos concede por sua graça;

4. Nosso pedido: nem riqueza, nem pobreza – Pv 30.7-9;

Conclusão – Hc 3.17-19

Nossa gratidão, ainda que nos faltem muitas coisas, mas com a garantia deque nada nos separa do amor de Deus em Cristo Jesus (Rm 8.31-19), nosso bemmaior.

Anselmo Ernesto Graff

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Lucas 12.1-15(Deuteronômio 5.21; Filipenses 2.1-4)

1. CONTEXTO

Tendo em vista a finalidade de enfatizar o tema do décimo mandamento,colocaremos o foco da atenção nos versículos finais (13-15) do texto do Evange-lho sugerido para esta ocasião. Nos primeiros versículos do capítulo 12 Jesuspassou a dirigir uma série de advertências a seus discípulos (v. 1), iniciando porreferir-se à hipocrisia característica dos fariseus (vv. 1-3). Nos versículos seguin-tes (vv. 4-12), o Senhor mostra que tal hipocrisia, bem como todo mal, há de serevelar no fim. Jesus dirige a atenção dos discípulos para o juízo que deve sertemido (v. 5), que não é o juízo dos homens. Por isso, eles devem ter toda a ousa-dia em confessar o nome de Cristo em qualquer situação (v. 8), sabendo que, emúltima análise, serão nisto conduzidos pelo Espírito Santo (12).

Outras leituras são sugeridas para o culto do dia, tendo em vista o tema doDécimo Mandamento. São elas: Deuteronômio 5.21 (texto do mandamento) e Filipenses2.1-4 (a exortação apostólica a que os irmãos tenham o mesmo pensar, aprendendo abuscar os interesses do próximo, deixando de lado os desejos egoístas).

2. TEXTO

No texto em estudo, Jesus é instado por alguém a servir de “juiz ou partidor”em um caso de herança. Jesus não somente recusa-se a assumir tal papel, comoutiliza o evento para falar a respeito da avareza. Para tanto, relata a parábola deum homem rico, cujo campo produziu com abundância, mas para quem faltavalugar suficiente para guardar a colheita (doce problema, diriam muitos agriculto-res de hoje, em tempos de seca!).

O pai da igreja, Ambrósio, observou que “o homem rico tem armazéns dis-poníveis na boca dos necessitados” (Kenneth Bailey, As parábolas de Lucas, 134).Já Agostinho fez o seguinte comentário, que o “homem armazenava grãos em umlugar úmido, e precisa mudá-los para um lugar mais alto para que não estraguem;desta forma, o tesouro, para ser conservado, precisa ser armazenado no céu, e não

DÉCIMO MANDAMENTO

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IGREJA LUTERANA

na terra.” (Bailey, 134,5). Mas o homem tem outra solução: destruir os velhosceleiros; construir novos; guardar lá sua colheita, para então, sim, viver a vida,alegrar-se. E Deus então lhe diz: você é um louco; se sua vida é só isto, de que valediante da morte? O problema do homem rico realmente não são seus bens, nem afarta colheita, nem mesmo a construção de novos celeiros. Seu problema é deperspectiva de vida!

Este era o problema do homem que veio a Jesus e que ouve: Não sou teujuiz para este tipo de caso; não sou “partidor”. Na verdade, a relação entre osirmãos já estava “partida”, quebrada! Jesus não veio ao mundo para ser “partidor”(meristes); ele é o reconciliador (mesites)! Daí vem a afirmação mais geral: “Ten-de cuidado e guardai-vos de todo tipo de avareza; porque a vida de um homemnão consiste na abundância dos bens que ele possui.” O requerente talvez atétenha razão na disputa; mas isto não vem ao caso; seu problema é sua perspectivade vida! Dividir não irá realmente resolver, porque o problema está no coração; oproblema é de perspectiva diante das coisas. Propriedades estão dividindo os ir-mãos! O que é mais importante? – esta é a pergunta que Jesus está sugerindo.

Ao final da parábola, mais uma afirmação geral de Jesus: “Assim é o queentesoura para si mesmo e não é rico para com Deus” (v. 21). O problema daavareza é duplo: ela nos leva a olhar para as coisas e esquecer os irmãos; ela nosfaz desejosos de mais coisas, e descontentes com o que temos, e assim nos leva aesquecer de Deus.

É preciso considerar a vida sob outra ótica, outra perspectiva! Uma ótica é adeste mundo – é o entesourar para si mesmo; é buscar seus direitos, mesmo que issocuste a amizade do irmão; é esquecer que tudo que tenho é empréstimo, inclusive -e principalmente - a minha vida. A outra perspectiva é da eternidade, de uma vidaconsciente de estarmos vivendo um tempo especial, pelo simples fato de sermosfilhos amados de Deus. Na perspectiva da eternidade, sabemos que os bens nos sãoemprestados, e existem para o nosso próprio benefício e para o progresso dos quenos cercam. Com isto glorificamos o verdadeiro dono de todas as coisas.

Lutero mostra que o Décimo Mandamento denuncia ações prejudiciais aopróximo, feitas sob aparência de direito (Catecismo Maior, I: 296). Por isso, afir-ma, este mandamento não trata dos que aos olhos do mundo são malfeitores, masde pessoas que querem ser consideradas honestas, por não terem transgredido osmandamentos anteriores (CM, I: 300). Menciona ele o caso de briga por herança,que lembra a situação do texto de Lucas 12 (CM, I:301). Esta busca de arrebatardo próximo o que é seu, ainda que com aparência de justiça, é nada mais quesaciar a própria avidez; além disso, é “secreta e pérfida maldade” e injustiça con-tra o próximo (CM, I: 307).

Ao final de sua exposição, Lutero mostra aquilo que está na base de todasações contrárias aos bens do próximo: “Miram (os dois últimos mandamentos),

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assim, especialmente, à inveja e à malfadada ganância. Com isso Deus quer elimi-nar a causa e a raiz de onde surge tudo aquilo por que se faz dano ao próximo”(CM, I: 309,310).

3. APLICAÇÃO HOMILÉTICA

A avareza e a cobiça continuam sendo vícios muito comuns. São sintomasde uma vida que acontece sob a perspectiva errada, em que o foco está no conten-tamento de si próprio à custa do próximo. Esta perspectiva dirigida para si mesmoe suas conseqüências devem ser combatidos pela proclamação do juízo divino.Por outro lado, o melhor remédio contra a cobiça é o contentamento. Por isso, épreciso estar atentos à graça de Deus, manifesta em Cristo, que supre nossa maiornecessidade. É nisto que consiste verdadeiramente a nossa vida. Além disso, Suasbênçãos, com as quais bondosamente nos cumula, ao invés de se tornarem arma-dilhas, são razões concretas para a gratidão e o louvor ao Doador, bem comooportunidades de serviço àqueles que Deus colocou ao nosso lado.

Gerson Luis Linden

AUXÍLIOS HOMILÉTICOS

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IGREJA LUTERANA

Gálatas 3.10-14(Êxodo 20.4-6; Mateus 5.17-20)

1. CONTEXTO

Com o capítulo 3, o apóstolo Paulo abre um debate doutrinário na sua epís-tola aos Gálatas. O apóstolo encontrava-se, de certa forma, ansioso e agitado coma perspectiva de cisma que a pregação dos judaizantes estava causando. Que pre-gação era essa?

Os judaizantes ensinavam que era possível receber a bênção da justiça e dasalvação eterna através da perfeita obediência da Lei de Deus. Por isso, o apóstoloinicia esse capítulo de forma vibrante e retórica: “Ó gálatas insensatos! Quem vosfascinou a vós outros... Quero apenas saber isso de vós: recebestes o Espíritopelas obras da lei ou pela pregação da fé? Sois assim insensatos que, tendo come-çado no Espírito, estejais, agora, vos aperfeiçoando na carne?” (3.1-3).

Sendo assim, fica a pergunta: Afinal, para que serve, então, a Lei?

2. TEXTO

Vv. 10-12: “Todos quantos, pois, são das obras da lei estão debaixo demaldição;... E é evidente que, pela lei, ninguém é justificado diantede Deus, porque o justo viverá pela fé... Ora, a lei não procede dafé...”. Todas as pessoas que imaginam poder cumprir perfeitamente aLei ficam sujeitas à maldição proclamada pelo Senhor e registradapor Moisés em Deuteronômio 27.26. O apóstolo entende, por conse-guinte, que todo esforço humano em guardar a Lei de Deus é com-pletamente em vão. Nenhuma pessoa é capaz de cumprir as exigên-cias do justo e santo Deus. Não há pessoa sem pecado. A própriapalavra de Deus exclui a Lei como uma possibilidade de alcançar asalvação. Deus mesmo estabeleceu que “o justo viverá pela fé”(Habacuque 2.4). A fé, unicamente, garante a vida eterna. A salvaçãoé garantida a quem coloca a sua confiança em Jesus como seu Salva-dor. E isso não é um assunto para pôr em dúvida, discutir ou argu-

CONCLUSÃO DOS MANDAMENTO

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mentar, mas é o centro do Evangelho que precisa ser proclamado etestemunhado incansavelmente.

V. 13: “Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se ele próprio mal-dição em nosso lugar...”. Jesus entregou-se em nosso lugar. O após-tolo sublinha que ele não simplesmente recebeu a maldição, mas arecebeu em nosso lugar. Deus “o fez pecado por nós; para que, nele,fôssemos feitos justiça de Deus” (2 Coríntios 5.21).

V. 14: “para que a bênção de Abraão chegasse ao gentios, em Jesus Cristo,a fim de que recebêssemos, pela fé, o Espírito prometido”. Pela mor-te vicária (em lugar de) de Jesus, as bênçãos prometidas se dirigiramtanto aos gentios quanto ao judeus. Através da morte redentora deCristo, todos os fiéis, tanto judeus quanto gentios, têm livre acessoao Pai através do Espírito Santo.

A pergunta continua: Afinal, para que serve, então, a Lei de Deus?

Lutero, no Catecismo Menor, ao final da explicação do significado dos DezMandamentos da Lei de Deus, pergunta: Que diz Deus de todos esses mandamen-tos? E ele mesmo responde usando a exortação de Deus logo após a proclamaçãodo primeiro mandamento: “Eu, o Senhor teu Deus, sou Deus zeloso, que visito ainiqüidade dos pais nos filhos até a terceira e quarta geração daqueles que meaborrecem. Mas faço misericórdia até mil gerações daqueles que me amam eguardam os meus mandamentos” (Êxodo 20.5,6).

Lutero explica que “Deus ameaça castigar todos os que transgridem essesmandamentos; por isso devemos temer a sua ira e não transgredi-los. Mas elepromete graça e todo o bem a quantos o guardam. Por isso também devemosamar a ele, confiar nele e de boa vontade agir de acordo com os seus mandamen-tos.

Através da Lei, os filhos e as filhas de Deus têm diante de si as grandespossibilidades para viver e amar a Deus e ao próximo. Nesse sentido, as Confis-sões Luteranas distinguem três usos da Lei, quais sejam: Freio, que concorre paraa manutenção da boa ordem no mundo. Espelho, que ensina as pessoas a reconhe-cerem seus pecados. Norma, que mostra ao convertido, ao regenerado, quais sãorealmente as boas obras que agradam a Deus e servem ao próximo.

Lutero, no Catecismo Maior, na Conclusão dos Dez Mandamentos, afirmao seguinte: “Temos, pois, os Dez Mandamentos, modelo de doutrina para o quedevemos fazer, a fim de que toda nossa vida agrade a Deus, e a verdadeira fontee canal de que deve manar e por que deve fluir tudo quanto quer ser boa obra.Fora dos Dez Mandamentos, por conseguinte, nenhuma obra e conduta pode serboa e agradável a Deus, por grande e preciosa que seja aos olhos do mundo”.

AUXÍLIOS HOMILÉTICOS

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IGREJA LUTERANA

3. PROPOSTA HOMILÉTICA

A MARAVILHOSA BÊNÇÃO REVELADA NA CONCLUSÃO DOSMANDAMENTOS:

A Lei não justifica, no entanto,

- “ O justo viverá pela fé” e, por isso,

- o cristão, com alegria e gratidão, tem os Dez Mandamentos como modeloe norma para uma vida agradável a Deus e fonte e canal de boas obras.

Norberto Ernesto Heine

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Gênesis 1.26,27(Mateus19.1-6; Efésios 2.1-10)

1. TEXTO

O verbo principal no v. 26 é hf[n, “façamos”. É o jussivo no plural. Éo primeiro e único momento no Antigo Testamento em que este verbo é emprega-do na primeira pessoa do plural em relação a Deus. As interpretações, evidente-mente, são variadas e muita tinta e papel se gastou para se buscar um consenso. Opastor não precisa, do púlpito, expor à congregação as várias tendênciasinterpretativas de ontem e hoje, mas pode chamar brevemente a atenção para al-gumas com o objetivo de desmitificá-las visto que várias são adotadas com opretexto de que são apoiadas na Escritura. Algumas afirmam que esse plural é umresquício do paganismo em cujo contexto vivia o autor (não Moisés!) de Gênesis.Nessa visão vários deuses consultam entre si. Em primeiro lugar, os deuses, notexto bíblico, nunca são agentes de uma ação e portanto jamais podem criar oufazer algo. Além disso, o texto mostra que tudo o que vem após é tratado numaperspectiva monoteísta. Outros, mais positivos, dizem que Deus é o rei cercadopela sua corte, que são os anjos. O problema com essa interpretação é que emnenhum momento Deus busca conselho com anjos para tomar medidas em rela-ção à Sua criação. Ademais, em nenhum momento, embora alguns assim o crei-am, seres humanos são criados à imagem de anjos. Portanto, a única interpretaçãopossível é a trinitária. Pela analogia bíblica, quem cria o ser humano é a própriaTrindade. A forma verbal demonstra que há um ato volitivo em Deus ao criar o serhumano. Não há uma ordem (“haja!”), mas sim uma vontade (“façamos”). Deuscria em Cristo. É o que a epístola para hoje (Ef 2.1-10) indica: “Pois somos feituradele, criados em Cristo Jesus para boas obras” (v.10).

Os termos “imagem-semelhança” são sinônimos. No v. 27 só aparece “ima-gem”, envolvendo “imagem-semelhança”. O termo “imagem” tem a ver com re-presentação, presença. O rei reina pela sua imagem. Ela implica autoridade. O serhumano foi criado como “vice-rei”. O ser humano tem a presença de Deus, estáem comunhão com o Criador. Esta comunhão posteriormente se perde e o serhumano se afasta de Deus. Perdendo-se a imagem, perde-se tudo o que ela repre-

ARTIGOS

CRIAÇÃO

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IGREJA LUTERANA

senta e a desordem se estabelece, seja no sentido vertical especialmente (com oCriador) e no sentido horizontal (com as demais criaturas). Os cristãos são “pre-destinados a viver conforme a imagem” de Cristo (Rm 8.29) e um dia serão seme-lhantes a ele (1Jo 3.2).

O versículo 27 do capítulo 1 é, do ponto de vista lingüístico, um primor. Nalíngua original o v. se apresenta como um “trístico de culminância”, ou seja, ele éformado por três linhas, cada uma delas composta de quatro elementos. Há umritmo, uma cadência, uma música neste versículo. O ser humano é uma criaturaespecial de Deus, única. Três vezes aparece a palavra “criar” aqui. Há uma ênfase,de novo, na criação volitiva de Deus. O ser humano não é um apêndice à criaçãoe nem mesmo uma parte periférica dela. Deus cria homem e mulher com dignida-de e com amor. São os seres nucleares da criação divina.

Os termos “macho e fêmea” só aparecem ao se falar da criação do ser hu-mano, não dos animais. É um elemento novo no texto. Os termos antecipam aimportância das relações humanas. A relação Eu – Tu só existe entre os sereshumanos. De maneira específica, “macho e fêmea” enfatiza especialmente a rela-ção no casamento entre o homem e a mulher. Os termos estão relacionados, sim, àsexualidade e ao próprio sexo. A relação homem-mulher é o amor ao máximo. Ocasamento é uma instituição divina e faz parte do sexto dia da criação. O serhumano não vive para si, mas na relação com o seu semelhante. Helmut Thielickeafirma com razão que apenas a pessoa que ama e que não pensa em si mesma éque, na verdade, encontra a si mesma; e, ao contrário, uma pessoa que só busca asi mesma e está centrada em si, fica completamente desorientada e confusa navida (How the World Began: Man in the First Chapters of the Bible, pp. 90-101).Jesus afirma no evangelho de hoje (Mt19.1-6): “o Criador, desde o princípio, osfez homem e mulher... Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem”. Deusune as suas criaturas. Deus é Criador e Deus é Pai.

Lutero é bem explícito: “Creio que Deus me criou a mim e a todas as cria-turas”. Nesta explicação do Primeiro Artigo Lutero estabelece a distinção claraentre o Criador e a criatura bem como a relação entre ambos, ou seja, a relação dedependência desta para com Aquele. No Catecismo Menor isto de torna aindamais evidente com o uso que Lutero faz da partícula inclusiva “tudo”. Nada me-nos que nove vezes no Primeiro Artigo ele enfatiza que Deus nos deu “todas ascriaturas”, “todos os membros”, “todos os sentidos”, “todos os bens”, “todo onecessário”, protege-me contra “todos os perigos” e contra “todo o mal”. E “tudoisso” faz unicamente por sua bondade e misericórdia. E conclui o Primeiro Artigoafirmando que “por tudo isso devo dar-lhe graças e louvor, servi-lo e obedecer-lhe” (Cm II, 1-2).

Para a Igreja Cristã no mundo, como também para Lutero, o Deus Criadornão é outro que não o Deus que também é Pai. “Creio em Deus Pai todo-podero-

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so, Criador do céu e da terra”. No Catecismo Maior, Lutero expande este conceitode Deus Criador-Deus Pai. Ele pergunta: “Que espécie de ser é Deus? que faz ele?como se pode louvá-lo ou representá-lo ou descrevê-lo, de modo que seja conhe-cido?” Lutero mesmo responde, dizendo “É o que ensina este [Primeiro] Artigo eos seguintes”. Lutero deduz que o “Credo outra coisa não é senão resposta e con-fissão dos cristãos fundamentadas no primeiro mandamento”. Por essa razão, paraLutero a confissão sobre quem é o meu Deus pode vir da boca de uma criança:“Meu filho, que espécie de Deus tens tu? que sabes a respeito dele?” deveriapoder responder: “Eis o meu Deus: em primeiro lugar, o Pai, que fez o céu e aterra. Fora desse único Deus, a nada considero como Deus, porque outro não háque pudesse criar céus e terra” (CM I, 10-11).

2. APLICAÇÕES HOMILÉTICAS

1. Ao elaborar este estudo, deparo-me com artigo publicado numa revistasemanal que acaba de ser publicada. O título diz: “Viagem ao coraçãodo cometa”. O objetivo da “viagem” é fazer com que a cápsula Impactor,que está em rota de colisão com o cometa Tempel 1 a ca. de 431 milhõesde quilômetros da terra, atinja o “coração” deste cometa pelo mês dejulho, causando no seu núcleo uma explosão equivalente a 4,5 toneladasde dinamite. Segundo a revista, os cientistas acreditam que a explosão,que será filmada à distância, revelará resíduos da criação do sistemasolar que “seriam preciosos para conhecer as substâncias que deramorigem a todos os corpos celestes”. Esta é uma maneira quem tem o serhumano natural de procurar saber a origem das coisas. Para saber algomais sobre a criação e sobre si mesmo, o homem estabelece como ins-trumento a descriação. Sem perguntar sobre as possíveis conseqüênciasdesse seu ato, o ser humano brinca de Deus.

2. A Escritura mostra a origem de todas as coisas e de forma especial a doser humano. A criação não é um acaso. As criaturas são fruto do amor eda misericórdia de Deus. Somos, como seres humanos, resultado da açãovolitiva de Deus na qual ele se envolve inteiramente nas pessoas daTrindade.

3. Como criaturas singulares de Deus, fomos feitos à Sua imagem, em per-feita justiça e santidade. A comunhão com Deus faz parte da nossa cria-ção. Por egoísmo, buscamos a descriação. O afastamento que provoca-mos de Deus compromete inteiramente a imagem, comunhão e presen-ça de Deus em nós. A situação só se restaura quando o Criador, pormisericórdia, se torna também Redentor. Pelo batismo, fomos abençoa-dos com esta restauração já, enquanto aguardamos a “regeneração” (Lc19.28) – momento em que seremos semelhantes a Ele.

ARTIGOS

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IGREJA LUTERANA

4. Enquanto esperamos a restauração final de todas as coisas criadas, vive-mos neste mundo em comunhão com as criaturas de Deus. Isto implicatanto uma comunhão ecológica como antropológica. Mas ela se estabe-lece especialmente nas relações humanas e sobretudo nas relações ma-trimoniais. É no exercício das relações humanas que se espelha a ima-gem de Deus restaurada no batismo. É na convivência pacífica e amoro-sa com as demais criaturas de Deus que se evidencia o amor de Deuspara conosco em que Ele não olha para si mesmo, mas para aqueles que,por terem perdido a Sua imagem, andam à busca dEle e da razão dascoisas que Ele criou.

5. À pergunta: “Meu filho, que espécie de Deus tens tu? que sabes a respei-to dele?” podemos responder com Lutero no Catecismo Maior: “Eis omeu Deus: em primeiro lugar, o Pai, que fez o céu e a terra. Fora desseúnico Deus, a nada considero como Deus, porque outro não há que pu-desse criar céus e terra”.

Tema: Creio que Deus Pai me criou a mim e a todas as criaturas.

Acir Raymann

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Mateus 6. 25-34(Gênesis 1. 26-30; 1 Timóteo 6.6-10)

“. . .e ainda os conserva; além disso me dá comida e bebida,vestes, calçados, casa e lar, esposa e filhos, campos, gados etodos os bens. Supre-me abundante e diariamente de todo onecessário para o corpo e a vida” (LC, Cm, 2, 370)

1. O CUIDADO PELA VIDA

Talvez haja uma seqüência lógica unindo essas palavras de Jesus ao quevinha sendo dito anteriormente. Senão, vejamos. No capítulo 6 o alvo parece sera piedade aparente cultivada na preocupação de ser reconhecido como piedosopor todos. É a ânsia de sempre buscar aprovação pessoal aos próprios olhos e dosdemais. Jesus denuncia isso como ganância por recompensa humana. O focoentão muda deste culto enganoso e de recompensa enganosa que se confunde aoculto a Deus para outro tipo de recompensa que o ser humano procura. E deixaindicativos para uma outra maneira de ver a vida, apontando uma recompensa queestá fora do ser humano, algo totalmente inesperado para a experiência humana.

Quando Jesus opõe “olhos simples”(aplous) a “olhos maus” (ponerós, nãodefeito visual – kakós - mas uma doença) e opondo o corpo ao interior humano,Jesus parece repetir o que em outros momentos também enfatizou: a verdadeiravida se confunde com simplicidade, uma só coisa, os pequeninos. Para satisfazeras necessidades físicas, a satisfação pessoal da gratificação diante dessa vida, oser humano perde a simplicidade, perde o foco e se desdobra em muitas buscas eanseios carregados de insegurança e ansiedade, ou seja, um olhar doentio, fora defoco, sobre a vida como um todo. Então o v. 24 dá o cabeçalho radical para umadas palavras mais memoráveis de Jesus: “Não podeis servir a Deus e ao Mamon”.

A verdadeira vida é de uma simplicidade absurda, parece ser a mancheteque Jesus tenta deixar para que os olhos vejam. Mas, que olhos?

O que realmente vemos diante de nós naquilo que Jesus descreve a seguir?(vv. 25-34). Olhai, diz Jesus. Vocês vêem a vida como eu a vejo daqui? O que é a

PROVIDÊNCIA

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vida? Em função do que vivemos? Nossos olhos procuram ver o quê? Qual ovalor da nossa existência, da vida que pulsa em nós? O que dá satisfação aoviver? Como se mede a vida para dizer que valeu a pena ter vivido? Olhai oslírios, olhai as aves, o que vêem?

Merimnáo, ter cuidado de, não é necessariamente um problema. Ter cui-dado por algo, preocupar-se com algo pertence à vida. Deus cuida dos seus. Oapóstolo Paulo envia Timóteo aos Filipenses porque “a ninguém tenho de igualsentimento que, sinceramente cuide dos vossos interesses” (2.20). Mas tambémdiz aos filipenses: “Não andeis ansiosos de coisa alguma” (4.6).

Nesse discurso registrado em Mateus, Jesus emprega a palavra seis vezes(25, 27, 28, 31, 34 (2 vezes) e sempre com o sentido de que merimnáo precisa deorientação e foco definido. Este foco é indicado no v. 34: “Não tenham cuidadodo amanhã (merimnêsete eis ten auríon) ... porque o amanhã cuidará de si pró-prio (aúrion merimnêsei eautês)”. Talvez para que vejamos que só podemos real-mente carregar a carga do hoje, porque a carga do amanhã já está distribuída.Carregar a carga de dois dias é demais para o ser humano.

De uma observação aparentemente simples e corriqueira, Jesus des-ocultao grande mistério da relação de Deus com a sua criatura, feita de cuidado e aten-ção. O requinte do belo nas flores e a abundância da despensa que os pássarosdesfrutam revelam a presença e o cuidado extremamente amoroso do Criador emantenedor. Pode haver dúvida sobre a imensidão do cuidado de que desfruta acriatura? Vocês vêem esse cuidado? Onde? De que maneira Deus cuidou de ti aolongo de tua vida? Consegues percebê-lo?

Revelando isso, Jesus busca apagar a insegurança e a desconfiança comque mesmo aqueles a quem Deus abriu os olhos pela fé ainda, por causa da suanatureza ainda em pecado, tendem a tratar a si próprios e o mundo ao seu redor.Tudo lhe pertence para que a seu tempo e hora recebam da generosidade doCriador. Por isso, merimnáoo - ter cuidado de pessoas e de coisas é tambémparticipar positivamente do Reino de Deus. Olhar para o mundo e as pessoaspróximas e distantes como objetos do cuidado de um filho de Deus parece ser opedido de Jesus. A justiça de Deus não exclui flores e pássaros. Usar para bene-fício próprio as coisas que estão à disposição é participar do Reino. Os pássarose as flores à sua maneira própria cuidam de tal maneira de si próprios que essamaneira de cuidarem faz com que os olhos de quem os observa vejam alémdeles e reconheçam aquele que cuida deles. O que fazem? Cuidam do que po-dem e devem cuidar. O restante, aguardam lindos e alegres pelo que Deus temreservado.

Essa é a grande revelação de Jesus que não está explícita, mas que a fé échamada a perceber. A justiça de Deus é esta justiça generosa e amorosa que dá atodos indistintamente como também prescreve a cada um a quantidade e os pra-

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zos. As suas promessas não são palavras ao vento. A sua palavra efetua o quepronuncia. “Não valeis vós muito mais?” Então, porque a ansiedade?

Somente esse olhar em Deus pode fortalecer o filho de Deus a combater ainsegurança, que gera ansiedade, o cuidado (ponerós) doentio, que resulta emganância, cobiça, torpezas, amor ao dinheiro (1Tm 6), raiz de todos os males.

Objetivo: Despertar e fortalecer nos ouvintes uma forma positiva de ver evalorizar sua vida neste mundo, como oportunidade de fazer da vida um ato delouvor a Deus cujo amor por nós mais se manifestou na segunda criação ao osresgatar em Cristo pelo batismo.

Tema: Aprendendo a cuidar da nossa vida

1. Não com a ansiedade de quem tem os olhos doentes

2. Mas, com a tranqüilidade e a paz que a fé descortina.

3. Portanto, pela visão de Deus, cuidemos da vida hoje.

Paulo P. Weirich

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Mateus 5.43-48(Êxodo 33.12-23; 1 Pedro 1.3-9)

1. LEITURAS BÍBLICAS

Êx 33.12-23: “A minha presença irá contigo e eu te darei descanso”.

1 Pe 1.3-9: “Sois guardados pelo poder de Deus, mediante a fé, para asalvação preparada para revelar-se no último tempo”.

Mt 5.43-48: “Deus faz nascer o seu sol sobre maus e bons e vir chuvassobre justos e injustos.”

(Salmo sugerido: 121)

2. CONTEXTO

Estamos no meio do Sermão do Monte. Uma linha-mestra neste sermãoaponta para o relacionamento do ser humano com Deus; a outra costura o relacio-namento do ser humano com o seu semelhante. O amor ao próximo é reflexo doamor de Deus e é uma forma concreta de mostrar ao mundo que é filho de Deus.A fé se manifesta nas obras e nas atitudes de vida. Não se pode desassociar a vidaespiritual da vida material e vice-versa. O modelo temos no próprio Deus: ele nãose preocupa só com a nossa alma, mas também com o nosso corpo. Ele não cuidaapenas daqueles que já são seus filhos, mas “faz nascer o seu sol sobre bons emaus e vir chuvas sobre justos e injustos”.

“E que tens tu que não tenhas recebido?” 1 Co 4-7. O que recebemos deDeus é para ser repartido com todos, tanto o seu amor em Cristo como as dádivasterrenas. O cuidado que Deus tem por nós nos move a ter cuidado com o nossosemelhante.

3. TEXTO E APLICAÇÕES HOMILÉTICAS

V. 43: A primeira parte do v. é citação de Lv 19.18; a segunda parte é acrés-cimo dos rabinos. Todos os que não eram do “povo de Deus = ju-

O CUIDADE DE DEUS

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deus” eram considerados inimigos. O amor ao próximo era reserva-do apenas aos do próprio povo.

Este texto faz uma conclusão geral a respeito do “amor ao próximo” naseqüência do que foi dito sobre o Quinto Mandamento (Mt 5.21-26), o SextoMandamento (Mt 5.27-32), o Segundo e o Oitavo Mandamentos (Mt 5.33-37),sobre a “lei do talião” (Mt 5.38-42). Jesus repete semelhante conclusão quandoresume todos os mandamentos da Segunda Tábua no “amarás o teu próximo comoa ti mesmo” (Mt 22.39).

V. 44: Alguns manuscritos acrescentam: “bendizei o que vos maldizem,fazei o bem aos que vos odeiam”. Temos aqui justamente o contrárioda “lei do talião” que é instigada pela nossa velha natureza:

amar – os inimigos;

bendizer – os que maldizem;

fazer o bem – aos que odeiam;

orar – pelos que nos perseguem.

“Se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe debeber; porque, fazendo isto, amontoarás brasas vivas sobre a sua cabeça. Não tedeixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem” (Rm 12.20-21).

Quando temos por lema “CRISTO PARA TODOS” estas e outras catego-rias de pessoas também estão indicadas em todos. A motivação para esta atitudecontrária à natureza humana vem no verso seguinte.

V. 45: “Para que vos torneis” – parece uma condição para entrarmos nafamília de Deus, como se nossa filiação dependesse disso. Mas Jesusestá falando para o povo de Deus. O filho reproduz as característicasdo Pai. A nova natureza criada por Deus não pode agir de maneiracontrária à vontade do Pai; se age, está pecando.

Este texto, concluindo com o v. 48, mostra o quanto somos fracos e pecado-res. Dependemos inteiramente da graça de Deus em Cristo, do cuidado e da provi-dência de nosso Pai celeste. Em arrependimento sincero, devemos buscar junto aele a força e as condições para vivermos como filhos dele.

“porque ele faz ... “. Aqui está o parâmetro: porque o coração de Deus estácheio de amor por todas as suas criaturas; porque ele quer salvar a todos, porqueele cuida também materialmente de todos - nós, seus filhos, não podemos agir demaneira diferente. Deus nos amou quando ainda éramos inimigos (Rm 5.10). Deuscontinua cuidando de todos. Estamos no tempo da graça antes da segunda vinda

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de Cristo, e todo o bem que Deus nos dá deve ser reconhecido como ação degraças e como sinal do seu cuidado e da sua presença entre nós.

Explicação do 1º Artigo/Catecismo Menor: “Creio que Deus ... Supre-meabundante e diariamente de todo o necessário para o corpo e a vida; protege-mecontra todos os perigos e me guarda e me preserva de todo o mal. E tudo isso fazunicamente por sua paterna e divina bondade e misericórdia, sem nenhum méritoou dignidade da minha parte” (Livro de Concórdia, p. 370).

Explicação do 1º Artigo/Catecismo Maior: “Creio que sou criatura de Deus,isto é, que ele ... põe todas as criaturas a serviço de nosso proveito e das necessi-dades de nossa vida: o sol, a lua, e as estrelas no céu, o dia e a noite, o ar, o fogo,a água, a terra e tudo quanto ela carrega e pode produzir: aves, peixes, animais,cereais e toda a sorte de plantas, e os restantes bens corporais e temporais: bomgoverno, paz, segurança. De sorte que se deve aprender por esse artigo que ne-nhum de nós tem em si mesmo a vida, nem coisa alguma do que acabamos deenumerar e do que pode ser enumerado, e também que não está em nosso poderconservar qualquer dessas coisas, por pequena e insignificante que seja, pois tudoestá compreendido na palavra ‘Criador’.

“Confessamos, além disso, que Deus Pai não deu apenas tudo o que possu-ímos e temos diante dos olhos, mas ainda nos preserva e defende, diariamente, detodo o mal e infortúnio, e desvia toda sorte de perigos e desastres. E tudo issounicamente por amor e bondade, imerecidos por nós, como Pai amoroso, quecuida de nós, para que nenhum dano nos sobrevenha.

“Por essa razão devemos exercitar-nos diariamente neste artigo, no-lo in-cutir, e, em tudo o que se nos apresenta diante dos olhos e no que de bom nossucede, bem como nos casos em que saímos de necessidades e perigos, cumprenos lembremos que é Deus quem nos dá e faz tudo isso, a fim de sentirmos evermos nisso seu coração paterno e seu imenso amor para conosco. Isto aquece-ria o coração e o estimularia a ser grato e a fazer uso de todos esses bens parahonra e louvor de Deus” (Livro de Concórdia, p. 448 e 449, § 14-17, 23).

Vv. 46,47: O referencial do cristão está justamente em não agir apenas con-forme a média de toda a humanidade, mas acima da média. Oreferencial de Deus é ele mesmo e sua perfeição (v. 48) e neste dife-rencial testemunhamos que somos filhos de Deus!

V. 48: Como filhos de Deus, nada menos do que o ideal mais alto deve nossatisfazer. Buscamos por ele, mas reconhecemos nossas fraquezas eincapacidades. Somos obrigados a reconhecer a graça de Deus emCristo, que nos torna perfeitos pelo perdão e nos capacita a amar opróximo como Deus quer, sendo agentes dele inclusive no cuidadocom o próximo.

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4. PROPOSTA HOMILÉTICA

Tema: O Pai que cuida dos seus filhos (como?)

Objetivo: Destacar o cuidado material e espiritual de Deus, a nosso favor,diretamente pela natureza e indiretamente por nosso intermédio, para que cresça-mos na confiança dele e no serviço ao nosso próximo.

Moléstia:

- A pretensa auto-suficiência humana;

- O não reconhecimento das bênçãos;

- “Porque, se o crêssemos de coração, também agiríamos de acordo, e nãoandaríamos por aí tão orgulhosos, não nos mostraríamos desafiantes enão nos ufanaríamos, como se tivéssemos de nós mesmos a vida, a ri-queza, o poder, a honra, etc., de sorte que se tivesse de temer e servir anós. É assim que procede o infeliz e pervertido mundo, que está afogadoem sua cegueira e mal-usa todos os bens e dons de Deus unicamentepara a sua soberba, avareza, prazer e diversão, sem atentar uma vezsequer em Deus, para agradecer-lhe e reconhecê-lo como Senhor e Cri-ador” (Livro de Concórdia, p. 449, § 21).

Meio:

O Espírito Santo abre os nossos olhos pela fé para reconhecermos Deuscomo nosso Pai gracioso em Cristo Jesus. Dele recebemos toda a boa dádiva e eletem cuidado de nós.

Introdução:

Moisés não quer seguir sozinho, sem a presença e o cuidado de Deus (Êx33.15). Toda a peregrinação do povo de Israel é um testemunho forte do Deus quecuida de seu povo!

I – Deus cuida diretamente : pelas leis da natureza

- V. 45; 4º prece do Pai Nosso;

- O não reconhecimento deste cuidado divino é pecado;

- Deus nos guarda pelo seu poder para a salvação (1 Pe 1.5).

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II – Deus cuida indiretamente: por nosso intermédio

- V. 43a

- O amor ao próximo é reflexo do amor de Deus;

- O maior amor: deu seu Filho! E “não usará com ele todas as coisas?” (Rm8.32)

- Pelo amor ao próximo (serviço social) Deus cumpre seu plano de cuidadodos menos favorecidos;

- Somos os meios de Deus para levar alívio aos necessitados.

Conclusão:

O amor e o cuidado de Deus por nós aquecem o nosso coração em amorpara o nosso semelhante (Livro de Concórdia, p. 449, § 23).

Ilustração que pode ser usada com esta mensagem:

Uma pequena localidade foi atingida por uma enchente. Enquanto as águassubiam, os moradores fugiam para lugares mais altos. Um morador começou asubir no telhado da sua casa e os demais insistiam para que ele fugisse para asterras mais altas. Mas ele disse que não iria, pois confiava em Deus que iria ajudá-lo. Acomodado sobre o telhado da casa enquanto as águas subiam, passou umbarquinho que recolhia os flagelados. Ele negou a carona do barco, dizendo: Euconfio em Deus e sei que Deus vai me ajudar. As águas subiram ainda mais epassou um helicóptero tentando resgatar os últimos flagelados. Ele recusou nova-mente a ajuda do helicóptero dizendo que confiava em Deus, que iria ajudá-lo. Aságuas subiram e o homem morreu afogado. Quando chegou no céu reclamou deDeus que o tinha desamparado e não tinha ajudado. Deus lhe respondeu: Vocêrecebeu o convite dos vizinhos para fugir para as terras mais altas. Fui eu que oestava convidando e você não aceitou. Eu levei um barquinho para salvá-lo e vocêrecusou. Mandei um helicóptero para salvá-lo e você recusou também. Moral dahistória: Deus nos ajuda através das mãos dos nossos semelhantes.

Carlos Walter Winterle

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2 Coríntios 9.6-15(1 Crônicas 23.28-31; Lucas 17.11-19)

1. CONTEXTO

O texto encontra-se dentro do capítulo sobre ofertas para auxílio aos cris-tãos pobres da Judéia. Não se trata apenas de uma descrição histórica de um ato degenerosidade, porém revela o que seriam aquelas ofertas e, por isso, com queespírito deveriam ser estendidas aos necessitados.

Embora os coríntios já estivessem dispostos a ajudar desde o ano anterior,conforme informação contida no versículo 2, mesmo assim o apóstolo Paulo abordao assunto. Envia Tito com mais dois companheiros à Acaia para preparar a ofertae, especialmente, para que ela viesse a confirmar o bom testemunho dado peloapóstolo e seus companheiros a respeito dos coríntios. As ofertas levantadas deve-riam ser expressões de generosidade e não de avareza (v.5). Aqui está a chavepara trabalhar bem com o texto da perícope, que se estende do versículo 6 até o15. Ofertas generosas e não avarentas existem dentro de um cenário que nos levaa perceber uma série de coisas importantíssimas no relacionamento de criaturapara com criatura e de criatura para com o Criador. Revelar o que existe nessecenário parece ser a intenção de Paulo no texto da perícope.

2. TEXTO

Vv. 6-9: Cuidado com o versículo 6 e os demais! Não os entendamos comouma proposta de barganha com Deus, uma espécie de “toma lá, dácá”. Assim compreendidos, criarão motivação errada para ofertar. Oapóstolo quer mover os corações dos coríntios a ofertarem correta-mente. O coração do qual brota a oferta não é triste por fazê-la nemobrigado ou contrariado a atender a solicitação requerida. Pelo con-trário, é alegre. A este Deus ama. Soa isso como lei? Sim, de fato,assim apresentado e parando por aqui, é realmente lei. Mas a lei nãoproduz obras agradáveis a Deus. A lei não produz um coração alegree generoso. Terá o apóstolo percebido isso?

AGRADECER

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A resposta é positiva. Paulo parece mais preocupado com o coração doscoríntios, com a disposição deles para a oferta, do que com a oferta em si, poisesta seria resultado daquilo que está presente no coração.

O texto conduz-nos à resposta da seguinte pergunta: de onde brota a gene-rosidade do cristão? É fruto de qual árvore? Pelo texto, ela brota do coraçãoagraciado pela generosidade de Deus. Paulo aponta para a generosidade divina noversículo 8, dizendo: Deus pode fazer abundar toda a graça para vós (traduçãoliteral). O cristão vive debaixo desta certeza. Seu Deus é generoso, pode fazerabundar toda a graça para ele. Da abundância da graça divina resultará suficiênciapara o cristão abundar em toda boa obra. Ora, a oferta generosa e não avarenta éuma boa obra. No versículo 9, Paulo cita o exemplo mencionado no Sl 112.9.

Vv. 10,11: Aqui é possível fazer a ponte para o Primeiro Artigo do CredoApostólico, pois há menção da ação de nosso Deus como Criador eConservador de nossa vida. Reconhecer isso leva a agradecer porisso, algo que fazemos diariamente. No entanto, se Deus nos enri-quece em tudo (v. 11), tal acontece para que se manifeste, de nossaparte, toda a generosidade. A generosidade divina produz, portanto,dois movimentos por parte daqueles que são contemplados por ela:um é vertical, o agradecimento a Deus, o Doador de todas as graças;o outro, horizontal, fazendo chegar ao próximo, especialmente aque-le em necessidade, os resultados da generosidade divina para conosco.

Vv. 12-14: A generosidade dos coríntios, assim como de todos os cristãos,produz ainda outros resultados magníficos. Não apenas estende au-xílio aos necessitados, mas leva estes a orar. Na oração, primeira-mente, agradecem e louvam a Deus porque foram assistidos por co-rações generosos. Aqui está algo fabuloso: ações cristãs provocamorações de louvor e agradecimento a Deus da parte de quem vem aser beneficiado por elas. Poucas alegrias assemelham-se a saber quealguém poderá orar assim: Senhor, louvo-te e agradeço-te por aquiloque me deste através do fulano(a), quando este(a) for um de nós!

Os contemplados pelos benefícios da generosidade cristã também oram afavor daqueles em quem a graça divina produz boas obras abundantemente. Cria-se, portanto, um vínculo de fraterna comunhão entre ofertantes e beneficiários dasofertas. Enquanto estes desfrutam do que recebem, aqueles são lembrados nasorações destes.

No final do versículo 14, o apóstolo torna a mencionar a origem de tudo. Éa superabundante graça de Deus. Para ela também aponta o Primeiro Artigo doCredo Apostólico. Na explicação dele, escrita por Lutero, são nomeados exem-plos da ação graciosa do Senhor Criador e Preservador.

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V. 15: Graças a Deus pelo seu dom inefável (indescritível)! A perícopeconclui com ações de graças por parte do apóstolo. O dom indescritívelpoderá ser o derramamento da superabundante graça sobre os seusamados. Trata-se de algo tão extraordinário que não há palavras sufi-cientes nem capazes de descrevê-lo. Movidos por tal graça, os cris-tãos não semeiam pouco nem ceifam pouco. A semeadura acontecelá onde eles têm oportunidade de agir como “pequenos Cristos” jun-to às demais pessoas, ou seja, na família, na igreja, na sociedade.

3. SUGESTÃO HOMILÉTICA

A mensagem sobre o Primeiro Artigo do Credo Apostólico concentra-se noitem agradecer. A perícope de 2 Co 9.6-15 está farta de elementos que propiciamuma bela abordagem do agradecimento. Vejamos: 1) convida a agradecer a Deuspor causa de sua generosidade para conosco, pois há menção da superabundantegraça de Deus junto de suas criaturas; 2) convida a agradecer a Deus não apenascom palavras, mas também com ações generosas a favor daqueles que podem serassistidos pelas riquezas que recebemos da graça divina. O Senhor também asama; 3) lembra-nos do que farão os que forem contemplados pela nossa generosi-dade: agradecerão e louvarão ao Senhor e nos incluirão nas suas orações.

Os que agradecem e semeiam muito são os corações movidos pela graça!Esta verdade o pregador não poderá jamais esquecer, a fim de anunciar, além dalei que denuncia, o evangelho que traz a graça divina. O texto presta-se muito bempara isso.

Paulo Moisés Nerbas

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Mateus 1.18-23(Salmo 100; Colossenses 1.15-20)

1. CONTEXTO HISTÓRICO

O povo judeu está sob o domínio do Império Romano e aguarda ardente-mente o cumprimento das promessas de Deus: o envio do Messias, o Libertador.A esperança de um libertador da tirania romana é frustrada e, em lugar desta, Deustraz mediante o Emanuel libertação e salvação plenas, não somente ao povo deIsrael, mas a toda a humanidade.

2. TEXTO

Vv. 18-20: Destaca-se a palavra mnesteuteíses, traduzida por“compromissada”, “noiva” ou “prometida em casamento”. No ma-trimônio, entre o povo de Israel da época, havia três passos: a) Emprimeiro lugar estava o compromisso firmado pelos pais quando osinteressados ainda eram apenas crianças. Muitas vezes os futuroscônjuges sequer se conheciam; b) Em segundo lugar estava um com-promisso mais sério, o noivado, firmado um ano antes da data docasamento. Até essa data (do noivado) a mulher ainda teria o direitode romper o pacto firmado entre os pais, caso ela não estivesse dis-posta a levá-lo adiante. O noivado era visto com a mesma seriedadeque o matrimônio e só podia ser rompido mediante pedido de divór-cio. No entanto, o casal não poderia ainda usufruir de todos os direi-tos do matrimônio, especialmente não poderia manter relações sexu-ais. Traição (por parte da mulher) era punida com o apedrejamento.Eis porque José, “sendo justo”, quis assumir ele mesmo a culpa dagravidez de Maria, fugindo e deixando-a viver; c) A terceira etapaera o matrimônio propriamente dito, no qual o casal poderia usar detodos os direitos de marido e mulher.

Destacamos a seguir as palavras euréte em gastri éxousa ek pneúmatosagíou, traduzida por: “foi encontrada em (o) ventre de (o) Espírito Santo”, “achou-

CRIAÇÃO

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se grávida pelo Espírito Santo” ou “ficou grávida pelo Espírito Santo”. a) Segun-do a concepção do povo de Israel, o Espírito Santo era a pessoa que trazia a verda-de de Deus aos homens; comunicava aos profetas o que estes deviam dizer aoshomens acerca da vontade de Deus. Segundo esta concepção, Jesus é a pessoa quetraz a verdade de Deus aos homens, melhor ainda, ele é a própria verdade vinda daparte de Deus. Não apenas alude à verdade, mas ele mesmo é a verdade, pois elemesmo disse: “Quem me vê a mim vê o Pai” (Jo 14.9); b) Na concepção do povode Deus, o Espírito Santo não apenas traz a verdade de Deus aos homens, senãoque também os capacita a reconhecer a verdade. Sendo assim, aquele que foigerado pelo Espírito Santo é também aquele que abre os olhos das pessoas para averdade. c) O povo de Deus também sempre relacionou o Espírito santo com aobra da criação. Mediante o Espírito Santo Deus efetuou a sua obra criadora: “OEspírito pairava por sobre as águas”. Portanto, não deveria causar assombro aosque aceitam que o Espírito Santo participou ativamente da criação do universo ofato de ter ele gerado milagrosamente essa nova vida no ventre de Maria; d) OEspírito santo também é relacionado com a obra da re-criação, referindo-se ao seupoder na ressurreição dos mortos. Ele é o sopro da vida e, ao que estava morto(física e espiritualmente), restitui-lhe a vida.

V. 21: Neste versículo destacamos: kaì kaléseis to ònoma autoû Iesóun,autos gàr swsei tòn laòn autoû, traduzido por: “e chamará o nomedele Jesus; ele pois salvará o povo dele” ou “e você porá nele o nomede Jesus, pois ele salvará o seu povo”. Jesus é a forma grega do nomehebreu Josué, que significa: “IHWH é a salvação”. Muito tempo an-tes o salmista havia ouvido Deus dizer: “E ele remirá Israel de todosos seus pecados” (Sl 130.8). O que foi dito pelo anjo a José é que omenino que estava para nascer seria o Salvador, o Messias, o Cristoprometido através dos profetas e, ao mesmo tempo, seu nome indicanão apenas o caráter da sua obra, mas a essência de sua pessoa: DEUSé a Salvação.

Vv. 22-25: Aqui destacam-se as palavras Emmanouél, ó estinmetemeneuómenon met’ emwn o Teós: “Emanuel, o que é sendo tra-duzido: conosco Deus” ou “Emanuel (que quer dizer: Deus conosco)”.Jesus afirmou: “Quem me vê a mim, vê o Pai” – nele vemos o amor,a compaixão, a misericórdia, a vontade redentora e a pureza de Deustal como em nenhum outro lugar do mundo. Com a vinda dele ces-sam as tentativas de respostas que dão lugar à certeza. Antes da vin-da de Jesus não se sabia realmente o que era a bondade, a verdadeirahumanidade e a verdadeira obediência à vontade de Deus. Isso tudosó foi possível porque o homem Jesus é, ao mesmo tempo, o Deus-Conosco, Emanuel.

ARTIGOS

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IGREJA LUTERANA

3. APLICAÇÕES HOMILÉTICAS

Sugerimos aqui alguns tópicos que podem ser explorados: a) Jesus Cristo éo cumprimento das profecias; b) Seu nascimento é sobrenatural (pelo EspíritoSanto) e não corrompido pelo pecado; c) Seu nome aponta não somente para a suaobra (Salvador), mas também para a essência do seu ser (é Deus); d) É Deus-Conosco, e não contra nós.

Ainda, para dar ênfase à divindade de Jesus Cristo, destacamos alguns textos.e) Do Catecismo Maior: “Aqui aprendemos a conhecer a segunda pessoa da Divin-dade ... Jesus Cristo, nosso Senhor”. “Creio que Jesus Cristo, verdadeiro Filho deDeus, tornou-se meu Senhor”. “... o Evangelho todo que pregamos repousa sobre acompreensão acertada deste artigo, do qual depende toda a nossa salvação e bem-aventurança, e é tão rico e abrangente, que nunca o aprenderemos de todo” (Catecis-mo Maior, in: Livro de Concórdia, p. 450-451). f) Do Catecismo Menor: “Creio queJesus Cristo, verdadeiro Deus, nascido do Pai desde a eternidade, e também verda-deiro homem, nascido da Virgem Maria, é meu Senhor ... para que eu lhe pertença eviva submisso a ele, em seu reino, e o sirva em eterna justiça, inocência e bem-aventurança, assim como ele ressuscitou da morte, vive e reina eternamente” (Cate-cismo Menor, in: Livro de Concórdia, p. 471). g) Seria oportuno, ainda, verificar oconteúdo da segunda parte do Credo Niceno e também o Credo Atanasiano.

4. SUGESTÃO DE TEMA E PARTES

Tema: QUEM É JESUS?

Partes: I – É o cumprimento das profecias (v.22);

II – É o gerado do Espírito Santo (v.20);

III – É o Salvador do seu povo (v.21);

VI – É Deus-Conosco (v. 23).

5. BIBLIOGRAFIA

BARCLAY, William. Mateo I. Buenos Aires: La Aurora, 1983.

KOEHLER, E. Sumário da Doutrina Cristã. Porto Alegre: Concórdia, 2002.

LIVRO DE CONCÓRDIA (Arnaldo Schüler, trad.). Porto Alegre / SãoLeopoldo: Concórdia / Sinodal, 1980.

NESTLE, Eberhard. Sprachlicher Schlüssel zum Griechischen NeuenTestament. Basel: Brunnen-Verlag, 1952.

SCHOLZ, Vilson. Novo Testamento Interlinear. Barueri: Sociedade Bíbli-ca do Brasil, 2004.

Paulo Gerhard Pietzsch

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Lucas 3.23-38(Gênesis 3. 14,15; Hebreus 2.10)

1. CONTEXTO

Há nos Evangelhos duas versões de genealogias de Jesus (Mt 1.1-17; Lc3.23-38). Sem entrar nos detalhes da comparação entre ambas, e tendo a genealogiaem Lucas como referência, é possível observar algumas peculiaridades desta emrelação àquela em Mateus. Diferentemente de Mateus, a genealogia de Lucas éascendente (do último para o primeiro). Além disso, ela chega até Adão (quandoMateus inicia em Abraão) e menciona Deus ao final da lista. Lucas organiza sualista em dez grupos de sete nomes; Mateus tem três grupos de catorze gerações.Este pode ser um recurso de auxílio para a memorização (lembrando a naturezaoral da comunicação no contexto do povo judeu), mas levanta também a possibi-lidade de uma organização tendo em vista um interesse teológico (escatológico),muitas vezes evocado pelo uso de certos números (cf. Apocalipse).

Um dos detalhes chamativos é o contexto em que a genealogia é trazida emcada um dos Evangelhos. Mateus a traz imediatamente antes da narrativa do nas-cimento de Jesus. Lucas a apresenta bem mais adiante, quando relata o início doministério de Cristo. Este fato traz consigo conotações teológicas importantes.Em Lucas a genealogia está entre o batismo e a tentação de Jesus, dois marcos noinício do seu ministério messiânico. Há quem sugira que com isto o evangelistaquisesse ressaltar o aspecto messiânico na genealogia, ao relatar os nomes dosantecedentes de Jesus, na linha que vem da criação – e da primeira promessa – atéele. Por outro lado, sendo que o batismo de Jesus traz consigo uma declaraçãodireta de Deus apontando para a divindade de Jesus, a genealogia, assim como atentação, podem estar aí enfatizando a Sua verdadeira humanidade.

2. TEXTO

Não é possível entrar aqui nos muitos detalhes (nomes) da genealogia. Im-portante é lembrar que as genealogias antigas não pretendiam ser completas, mas

HUMANIDADE DE CRISTO

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eram normalmente seletivas. Basta notar que a lista de Lucas encontra muita se-melhança com aquelas em Gn 5.1-32; 11.10-26 e 1 Cr 1.1-24, trazendo, no entan-to, trinta e seis outros nomes que são desconhecidos nas listas do Antigo Testa-mento. Da mesma forma, comparando-se os nomes com a lista de Mateus, hádiversas diferenças. Uma das explicações encontradas é que Mateus teria forneci-do a lista de ascendentes “legais” de Jesus (seria a genealogia de José, legalmenteo pai de Jesus) e que Lucas estaria trazendo a genealogia de Jesus, conformeMaria. Neste caso, a expressão “como se cuidava, filho de José” seria parentéticae Heli seria, na verdade, pai (ou avô) de Maria. O fato é que as diferenças nosnomes alertam o leitor para perceber que o foco das genealogias é outro, que nãoapenas um relato histórico do nome de antepassados de Jesus.

Lucas, ao mencionar Deus ao final parece enfatizar o que havia sido ditoem 3.22. Outro aspecto a observar é a menção de pessoas antes de Abraão. SeMateus enfatizava a filiação de Jesus a Davi e Abraão (1.1), enfatizava sua raizverdadeiramente em Israel. Lucas, ao chegar a Adão, parece mostrar a solidarie-dade de Jesus com a raça humana. Ele não veio, afinal, apenas para redimir Israel,mas a humanidade. Além disso, com o eco de Paulo (Rm 5.12ss; 1 Co 15.45-49),Lucas parece mostrar Jesus como o novo Adão, aquele que vem restaurarescatologicamente a natureza caída junto com o pecado humano.

“Trinta anos” – a informação de Lucas combina com o relato de Nm 4.47,que mostra que os levitas iniciavam seu serviço nesta idade; esta era a idade emque o homem era considerado plenamente adulto. A verdadeira humanidade deJesus pode ser aqui enfocada. Para o eterno Filho de Deus o tempo não traz ne-nhuma alteração. Agora, como verdadeiro homem, se coloca debaixo do tempo,adquire idade, inclusive submetendo-se a iniciar seu ministério terreno apenasquando atingida aquela idade reconhecida como necessária pelos de sua época.

“Como se cuidava” – ??????????????? os enomízeto (lit.: como erapensado, como se cria) – de maneira singela, Lucas lembra ao leitor o que já haviainformado, da geração de Jesus sem o envolvimento de homem algum (1.34,35).

Lutero enfatiza, no Catecismo Maior, a necessidade de Jesus ser verdadei-ramente humano a fim de realizar a obra da redenção (CM 2ª parte 31). Na suaidentificação com a raça humana, Jesus se tornou o Substituto para cada pessoa,carregando sobre Si os pecados de todos, trazendo verdadeira salvação (cf. Hb2.10-18).

3. APLICAÇÕES HOMILÉTICAS

Textos como os das genealogias podem parecer, à primeira vista, um tantoáridos se tomados como base para a pregação. No entanto, podem ser – como estede Lucas – muito apropriados para proclamar verdades importantes da fé. Ressal-tamos aqui a verdadeira humanidade de Jesus e sua solidariedade com a humani-

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dade. Ele, que se colocou junto com o povo pecador, na fila do batismo, como sepecador fosse (Lc 3.21), agora se apresenta como um dentre a humanidade. Sendoverdadeiramente humano, ele pode salvar aqueles que, pelo pecado, careciam daglória de serem filhos de Deus. Na sua verdadeira humanidade há um anúncioconcreto do amor de Deus, que excede todo o entendimento.

O pregador também poderá mostrar, à base da genealogia, o caráterescatológico da obra messiânica de Jesus, como “filho de Adão” ou, nas palavrasde Paulo, o “novo Adão”. Pelo primeiro veio o pecado; por meio de Jesus, verda-deiro homem, vem a restauração, já antecipada no perdão dos pecados e trazidaaos homens no Batismo; e que será plena na sua volta gloriosa.

4. SUGESTÃO DE TEMA

Jesus - verdadeiro homem, para salvar a toda a humanidade

Gerson Luis Linden

ARTIGOS

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1 Coríntios 12.1-3(Daniel 3.19; João 20.24-29)

1. CONTEXTO LITÚRGICO

As leituras adicionais nos ajudam a entender a proposta homilética paracaracterizar a relação de Cristo com o seu “súdito” como um senhorio diferenteque o mundo propõe. Em Daniel 3.19, a relação senhor e súdito é a que se propõenas relações humanas: quem tem que obedecer, que o faça. Já em João 24.24-29,a compreensão de Tomé do senhorio de Cristo se dá de forma anormal: bem-aventurado Tomé que viu o que acontecerá com Jesus, mas Jesus amplia a suarelação com o que crê, afirmando que bem-aventurado é aquele que for convenci-do não pelos sentidos, mas espiritualmente, pela atuação do Espírito Santo.

2. TEXTO

Se quisermos descrever a relação de Paulo com os coríntios, certamentenão poderemos caracterizá-la como a melhor possível. Observando a argumenta-ção de Paulo na Carta, podemos destacar sob o aspecto das relações problemas deordem teológica e moral: para com Deus e para com o próximo. A primeira parteda carta (capítulos 1 a 11), Paulo “ataca” os problemas de relacionamento causa-dos por incredulidade. As exortações éticas servem como modelo de comporta-mento e serviço ao próximo. Na segunda parte (capítulos 12-15), Paulo sugereuma vida com base na obra do Espírito Santo no cristão. É dentro desta intençãoque precisamos entender a argumentação dos vv. 1-3 de 1 Co 12.

Contrariamente ao servir produzido pelos “ídolos mudos”, aqueles criadospelo homem e inanimados que conduziram os coríntios aos impulsos e paixãohumanas, Paulo afirma que a identidade do cristão é obra de Deus Espírito Santo.Se por um lado ninguém pode ter fé sem o obrar do Espírito Santo, que convenceo ser humano da necessidade de Cristo, por outro lado a relação humana não podeser frutífera se o egoísmo dominar.

SENHORIO DE CRISTO

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3. APLICAÇÕES HOMILÉTICAS

Quando Paulo sugere aos Filipenses (2.5ss.) que a relação de irmão paracom irmão tem em Cristo como exemplo, ele descreve a obra vicária de Jesus emnosso lugar. A primeira reflexão homilética que faço é se de fato podemos enten-der e praticar nosso amor mútuo na mesma proporção e amplitude que Cristo o fezpor nós. Certamente que não. Lutero nos sugere isso ao caracterizar a obra deCristo: visto que repousa toda a nossa pregação sobre o que Cristo fez (evange-lho), nunca o aprenderemos de todo (CM, 33). O exemplo então não é tanto umexemplo, mas um parâmetro inatingível: o amor de Deus jamais será igualado. Otema do Senhorio de Cristo, foco central do Segundo Artigo do Credo, é a mostrado amor sobrenatural proporcionado por Deus através da obra de Cristo em nossolugar. Por isso, Lutero pode afirmar que nosso Senhor Jesus Cristo tornou-se nos-so Senhor porque “ele me redimiu do pecado, do diabo, da morte e de toda desgra-ça. Pois antes não tinha senhor nem rei, senão que estava cativo sob o poder dodiabo, condenado à morte, enredado em pecado e cegueira” (CM,27) e mais: o“Filho único e eterno de Deus, em sua insondável bondade, se compadeceu denossa calamidade e miséria, e veio do céu a fim de socorrer-nos” (CM,29). Emsuma, diz Lutero, a “a palavrinha ‘Senhor’ significa tanto como Redentor, isto é,aquele que nos trouxe do diabo a Deus, da morte à vida, do pecado à justiça, e quenisto nos conserva” (CM,31). Agora, a terceira reflexão homilética: porque amar-mos se já fomos o suficientemente amados? Essa reflexão nos remete ao PrimeiroMandamento, no qual identificamos quem é nosso Deus e como esse Deus nosdesafia. Nós não entendemos Deus só no Segundo Artigo, mas também no Pri-meiro e Terceiro. Agora estamos nos aproximando da proposta de Paulo aosCoríntios: nossa identidade cristã passa pelo reconhecimento da identidade deDeus.

4. SUGESTÃO DE TEMA - PROPOSTA HOMILÉTICA

O amor de Deus nos constrange:

1. porque Cristo nos amou

2. porque Deus nos mostra como amar

3. porque podemos amar também

Clóvis Jair Prunzel

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Hebreus 9.11-15(Deuteronômio 15.12-15; Lucas 2.25-38)

“Creio que Jesus Cristo ... me remiu a mim ... me resgatou e salvou de todosos pecados, da morte e do poder do diabo; não com ouro ou prata, mas com seusanto e precioso sangue ...”

O Segundo Artigo do Credo Cristão é “muito rico e amplo”, como o próprioLutero reconhece na abertura de sua breve exposição do mesmo, no CatecismoMaior. E ao concluir tal exposição, Lutero afirma que este artigo, do qual depen-de toda a nossa salvação e bem-aventurança, é tão rico e abrangente, “que nuncao aprenderemos de todo”, ou, então, numa tradução bem literal, “que sempre te-mos o bastante para aprender a respeito dele” [Catecismo Maior, 2ª parte: DoCredo (2º artigo), § 33].

A exposição de Lutero destaca uma dimensão da obra de Cristo que, embo-ra bíblica, nem sempre se faz presente em nossas pregações, a saber, a obra deCristo como redenção. Aliás, nossa pregação da obra de Cristo tende a ser estere-otipada, naquilo que um teórico da pregação comparou a um botão imaginário queo pregador aciona em determinado momento e que traz uma gravação já bemconhecida: “Mas Jesus morreu na cruz para pagar os nossos pecados, etc.” Paramuitos ouvintes, e até mesmo pregadores, falar em redenção, expiação, salvação,perdão, “é tudo a mesma coisa”. Mas não é.

Lutero vê o ser humano como alguém que estava “cativo sob o poder dodiabo” (Catecismo Maior, 2ª parte: Do Credo, § 27) a quem o Filho de Deus,vindo do céu, veio socorrer. “De sorte que aqueles tiranos e carcereiros estãoafugentados, e seu lugar foi ocupado por Jesus Cristo”. Ele “nos arrancou a nóshomens pobres e perdidos das fauces do inferno, nos conquistou, libertou e nostrouxe de volta à clemência e graça do Pai ” (§ 29-30). Não há como não percebero destaque dado ao tema do Christus Victor, ou seja, o Cristo que nos arranca dopoder do diabo, e não tanto o Cristo vítima, que aplaca a ira de Deus em nossolugar. A obra de Cristo foi uma operação de resgate, e não apenas um sacrifício.

REDENÇÃO

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Lutero toma a palavra “SENHOR” como resumo do Segundo Artigo. Dizassim: “A suma desse artigo é, pois, que a palavrinha ‘Senhor’, da maneira maissingela, significa tanto como Redentor, isto é, aquele que nos trouxe do diabo aDeus, da morte à vida, do pecado à justiça, e que nisto nos conserva” (§ 31). Emoutras palavras: Senhor resume o Segundo Artigo, e Senhor é o equivalente aRedentor. Isto nos traz ao tema “redenção”.

Redenção é um termo aplicado ao processo através do qual alguém ou al-guma coisa é salva do perigo ou da destruição através do pagamento de um preço.No mundo do Novo Testamento, isso acontecia especialmente no caso de escra-vos e prisioneiros. O termo grego que mais vezes aparece no Novo Testamento éapolýtrosis, num total de dez vezes. Lýtrosis, que também significa “redenção”,aparece só três vezes (Lc 1.68; 2.38; Hb 9.12), o mesmo ocorrendo com o verbolytróo, “redimir” ou “remir” (Lc 24.21; Tt 2.14; 1Pe 1.18). No entanto, há outrasformas de expressar o mesmo conceito. Termos como livrar ou soltar (Lc 13.16),comprar (1Co 6.20), libertar (Jo 8.36) fazem parte do mesmo campo semântico.

Em Hb 9.11-15, o tema da redenção aparece no v.12 (“eterna redenção”)e no v.15 (“remissão das transgressões”). No v.12, o termo é lýtrosis; no v.15,apolýtrosis. O preço pago em resgate é o sangue de Cristo (v.12), o sumo sacerdo-te que entrou no Santo dos Santos, uma vez por todas, e obteve eterna redenção.Convém notar que aqui ocorre uma espécie de fusão de metáforas: a linguagem doresgate (“pelo seu sangue ele obteve redenção”, v.12) aparece em meio à imagemde um sacrifício (“Cristo se ofereceu a si mesmo a Deus para purificar a nossaconsciência”, v.14). A imagem sacrificial é tão forte que tende a ofuscar a presen-ça da linguagem do resgate. O resultado disso é uma compreensão errônea daexpressão “remissão das transgressões” (ARA), que ocorre no v.15. A primeiraimpressão é de que a linguagem é sacrificial, ou seja, que Cristo expiou as trans-gressões, foi castigado por causa das transgressões. No entanto, o termo grego éapolýtrosis (“redenção”). A expressão completa é “eis apolýtrosin ton ...parabáseon” (“para redenção das ... transgressões”). Como pode alguém ser res-gatado de suas transgressões? Em parte isso depende da compreensão da locuçãogenitiva “das transgressões”. O Dr. Robertson (Word Pictures of the New Testament)sugere que se tome o genitivo como um ablativo, no sentido de afastamento. Istose justifica mais ainda pela conexão com o termo “resgate”. Sendo assim, a mortede Cristo resgatou aquela gente de suas transgressões, isto é, afastou ou tirou-aspara fora das transgressões. A NTLH diz bem, ao traduzir: “houve uma morte quelivrou (!) as pessoas dos pecados que praticaram”.

Claro, o texto de Hb 9.11-15 é bem mais rico do que a exposição acima dáa entender. Ensina que Cristo é o sumo sacerdote e a vítima sacrificial ao mesmotempo. Ensina indiretamente a santidade do Mediador da nova aliança, que seofereceu sem mácula a Deus. Estabelece também, nos vv.13-14, uma relaçãotipológica entre a primeira aliança e a nova aliança, com destaque para o “muito

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mais” da nova aliança (v.14). Abre também uma janela que deixa ver o propósitode toda essa obra de Cristo, e que lembra o “para que eu lhe pertença e vivasubmisso a ele, em seu reino, e o sirva” da explicação de Lutero no CatecismoMenor. O texto de Hebreus diz: “para servirmos ao Deus vivo”. E antes que setire conclusões precipitadas, é bom verificar que o termo grego para “servir” élatréuo. Literalmente, “para rendermos culto ao Deus vivo”. O autor aos Hebreusnão abre mão de sua metáfora fundamental, que é de natureza cúltica.

Também os demais textos escolhidos para esse domingo trazem o tema daredenção. Dt 15.15 diz: “Lembrar-te-ás de que foste servo na terra do Egito e deque o SENHOR, teu Deus, te remiu”. Lc 2.25 relata que Simeão “esperava aconsolação de Israel”, ao passo que Ana “dava graças a Deus e falava a respeitodo menino a todos os que esperavam a redenção de Jerusalém”.

Em termos homiléticos, o pregador tem o grande privilégio de, com Hb9.11-15, apresentar a obra de Cristo na cruz como uma operação-resgate, que étambém a ênfase de Lutero na explicação do Segundo Artigo do Credo. O pontode partida pode ser a pergunta básica: “Quem sabe o que significa exatamente apalavra ‘redenção’?” Ou, então, “qual a diferença entre ‘perdão’ e ‘redenção’?”Ao fazê-lo, o pregador fugirá do lugar comum de sempre anunciar o evangelhocomo se fosse aquele “sambinha de uma nota só”. A Escritura é rica em metáforasque pintam o quadro verbal da obra da redenção. Aliás, há, na Escritura, maiorriqueza de imagens para anunciar o evangelho do que para anunciar a lei. Opregador que souber explorar essa riqueza trará frescor à sua mensagem e iráenriquecer, para não dizer “remir”, os seus ouvintes.

Vilson Scholz

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2 Samuel 7.18-24(Colossenses 1.1-14; Lucas 24.13-27)

1. CONTEXTO

Construir um templo para a Arca de Deus, sobre o qual se invocavao nome do SENHOR (2 Sm 6.2), parece ter sido o grande sonho do reiDavi (At 7.46; 2 Sm 7.2). O Salmo 132.1-5, expressa um pouco desseanseio.

Ao consultar o profeta Natã sobre o assunto, Davi recebeu a aprovaçãoimediata (2 Sm 7.3). Só que esta não foi a vontade do SENHOR. O SENHOR dosExércitos negou ao rei guerreiro (1 Cr 22.8; 28.3; 2 Sm 7.5,11b) o privilégio desseempreendimento. Havia um outro projeto para Davi: Natã lhe comunicou queDeus lhe prometeu a construção de uma dinastia de reis, cujo domínio continuavapara sempre. Salomão, que construiria o templo, é um deles. Mas a palavra profé-tica do SENHOR estava indo até “aquele” Filho de Davi (Mt 1.1), que se identifi-cava como a “raiz e a geração de Davi (Ap 22.16; Lc 1.32-35). Foi esta profeciafeita a Davi que o encorajou a fazer uma oração de agradecimento e cujo conteúdoé 2 Sm 7.18-24.

2. TEXTO

Sentado diante da Arca, Davi expressa numa oração o que a profecia ouvi-da gerou em seu coração: louvor e gratidão. Foi uma afirmação de que o homemfaz planos, mas a resposta certa vem dos lábios do SENHOR (Pv 16.1); foi umlouvor à grandeza de Deus, às suas promessas e seus planos. Foi uma lembrançada disposição graciosa do SENHOR Deus em confirmar suas promessas de liber-tação (Êx 6.6), sublinhando o fato de que Israel é povo resgatado e único, propri-edade exclusiva e especial dentre todos os povos (Êx 19.5). A base para essa açãoamorosa de Deus consiste unicamente no seu incondicional amor por esse povo(Dt 7.6-8).

PERDIDO E CONDENADO

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V. 23: O verbo central nesse versículo é redimir hdP4 Ele expressa tanto aidéia de libertação mediante o pagamento de um resgate, bem comoa incapacidade do libertado efetuar sua própria salvação. Parece quea reflexão possível aqui é que o SENHOR Deus se apresentou aopovo de Israel no Egito, como o amigo e parente mais próximo, dis-posto a livrá-lo de sua opressão e escravidão (Dt 24.18; Sl 78.42; Mq6.4). Davi lembra isto em sua oração como a obra magna de Deus.Israel foi redimido das forças físicas e espirituais estranhas. É inte-ressante observar que essa idéia de libertação também se aplica asituações individuais. Davi reconhece que o SENHOR o libertou deangústias (1 Rs 1.29); os Salmos falam da ação de Deus em liberta-ção de perigos (Sl 26.11; 31.5; 34.22); o profeta Isaías interpretoucomo resgate o chamado feito a Abraão (Is 29.22); Jônatas foi resga-tado das mãos de Saul (1 Sm 14.45), e ainda, no salmo 49.8-9, estáexpressa a insuficiência humana para ser resgatado do maior perigoou dificuldade, da morte. Baseado nisso, é possível crer que a ampli-tude da ação divina em resgatar abrange todas as esferas da vida doser humano e que nada foge aos olhos do Redentor.

3. CONTEXTO

COLOSSENSES 1.1-14Pelos versículos iniciais da carta aos Colossenses, já é possível perceber

que havia muitas razões para agradecer. Epafras tinha boas notícias para o apósto-lo Paulo. A Igreja de Colossos estava firme na fé e no amor. O evangelho de Cristocresceu, multiplicou e produziu neles a verdadeira esperança e compreensão dagraça de Deus (Cl 1.1-8). Tudo isto foi razão suficiente para Paulo orar e pedirpara que em tudo isso houvesse progresso e não retrocesso, e que o conhecimentode Deus aumente, que se progrida nas boas ações, na paciência e na gratidão aDeus (Cl 1.9-12).

Porém, nem tudo ia bem na igreja de Colossos. Havia também problemas ea pureza do evangelho de Cristo ameaçada. Pode ser até complicado detectar oque Epafras havia diagnosticado de errado naquela igreja. Todavia, há alguns ele-mentos que permitem descobrir a enfermidade. Havia dois perigos: afastar-se daverdadeira fé e esperança (1.23) e serem enganados (2.4). Esses enganos podemter tido três versões: Paulo fala em filosofias e vãs sutilezas, apoio na sabedoriahumana (2.8); problemas com cerimoniais do Antigo Testamento (2.11, 16-17;

4 Um outro termo proeminente no Antigo Testamento e que expressa essa mesma idéia é laG. Ambos são sinônimos (Lv 27.27).A LXX usa lutro,w 45 vezes para laG e 43 para hdP. Esses verbos são usados em questões familiares (Lv 25.25),escravidão (Lv 25.48), cúlticas (Êx 13.11-16) e assassinatos (Nm 35.12). Seu uso também está vinculado ao resgate de Israeldo Egito (Dt 15.15), bem como situações complicadas específicas e individuais (2 Sm 4.9).

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3.11) e ascetismo (2.21, 23). A partir disso, pode-se entender que o evangelho deCristo estava sendo pervertido, sendo acrescentados elementos suplementares àsua obra redentora e de reconciliação.

Vv.13,14: Paulo usa um tom de louvor para reafirmar aos colossenses asuficiência da obra de Cristo e reconduzi-los à verdade. O resgate dopoder das trevas foi pago totalmente, nada ficou para trás, nada pre-cisa ser acrescentado (Ef 1.7) e a libertação consumada. Não há pon-tes paralelas, nem suplementares para preencher o vazio escuro entreo ser humano e Deus. A escuridão foi vencida e convertida em luz, aautoridade ou poderes estranhos deram lugar ao reino do Filho deDeus (At 26.18). Os filhos resgatados transferidos para dentro doreino da graça e do amor. Em Cristo a obra foi completa. Ele é oSenhor. Nele está a libertação de poderes inimigos e o cancelamentodos pecados.

LUCAS 24.13-27O alvo do evangelista nesse texto parece ser a apresentação de mais provas

para a ressurreição de Cristo: aqui foi sua segunda aparição. O ponto alto destetexto foi a incapacidade de dois discípulos reconhecerem a Cristo como o Messi-as. Eles viam nele um profeta poderoso em obras e palavras (v.19), mas que frus-trou suas esperanças de redenção de Israel da opressão romana. A crucificação e amorte do seu “profeta” foi a rocha que bateu de frente com suas esperanças eexpectativas. O que fica saliente nesse episódio é a verdade da ressurreição deCristo e o entendimento adequado das profecias do Antigo Testamento: Cristoveio para redimir, ele é Redentor prometido, mas cuja libertação não é política (Lc24.44-47).

4. LUTERO E O SEGUNDO ARTIGO

Para Lutero, o Segundo Artigo compreendido de maneira breve é: “Creioem Deus Filho, que me redimiu” (Livro de Concórdia, p.447.7). E o fundamentoestá nas palavras: “Em Jesus Cristo, nosso Senhor” (Op. cit., p.450.26).

Jesus Cristo “tornou-se Senhor”, o que significa remissão do pecado, dodiabo, da morte e de toda desgraça. Sem o Senhor Jesus Cristo há escravidão,sentença de condenação, pecado, culpa e trevas. Com ele há auxílio, consolo,socorro, liberdade, amparo, proteção, declaração de inocência, vida e bem-aventurança.

Nesse artigo, “Senhor e Redentor” são sinônimos. Cristo executou o resga-te com toda sua obra salvífica, para tornar-se o Senhor. Senhor sobre o pecado,morte, poderes estranhos e diabo. Lutero ainda afirma que o “evangelho todo quepregamos repousa sobre a compreensão acertada desse artigo, do qual depende

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toda nossa salvação e bem-aventurança, e é tão rico e abrangente, que nunca apren-deremos de todo” (Op. cit., p.451.33).

5. CONSIDERAÇÕES HOMILÉTICAS

Por um lado, Lutero percebe tamanha complexidade e profundidade nesseartigo, que seria interessante desenvolver sermões extensos, pregados ao longo doano, sobre cada uma das partes: o nascimento, a paixão, a ressurreição, a ascensãode Cristo, etc. (op. cit., p.451.32). Por outro lado, ele também aponta para a com-preensão e ensino breve e simples, baseado na redenção efetuada por Cristo (op.cit., p.450.26).

A tentativa deste estudo foi concentrar as reflexões em alguns versículosselecionados e conduzi-los mais especificamente ao tema sugerido: de perdido econdenado, nas mais variadas situações, a filho resgatado em Cristo.

Num tempo em que a oferta por paz, sentido, libertação da culpa e esperan-ça está dirigida ao próprio indivíduo, parece pertinente apresentar a redençãoofertada por Deus através de Jesus Cristo.

Por um lado, é interessante prestar atenção no fato de que pode haver, àsvezes, uma certa resistência em se falar de pecado ou inferno, de perdição oucondenação, até minimizando a força desses inimigos. Por outro lado, é precisocuidar para que não seja apresentada a idéia de que são apenas estes os inimigosestranhos dos quais Cristo nos liberta.

Por isso, o objetivo desse sermão poderia ser focalizado na apresentação dabondade de Deus, que se apresenta em Cristo como o irmão ou parente mais pró-ximo, para nos resgatar de angústias (2 Sm 4.9), de perigos (Salmo 44.26), dopecado (Ef 1.7; Rm 3.24-24), do medo da morte (Hb 2.14-15) e de todo e qualquerpoder estranho (Cl 2.15). Nele e só nele, está a nossa suficiência.

Anselmo Ernesto Graff

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Marcos 10.35-45(Números 18.15-17; 1 Pedro 1.13-19)

1. CONTEXTO ECLESIÁSTICO

O Conselho Luterano Internacional (ILC) julgou próprio considerar 2005como o “Ano das Confissões Luteranas” (2005 – 1529 = 476 anos dos Catecis-mos; 2005 – 1530 = 475 anos Confissão de Augsburgo; 2005 – 1580 = 425 anosda edição do Livro de Concórdia).

As Confissões Luteranas são de grande importância para a igreja, masnão são iguais às Sagradas Escrituras. Os teólogos do Século XVI fazem aclara e correta diferença entre ambas, conforme mostra a Fórmula de Concór-dia: “Dessa maneira se retém a distinção entre a Sagrada Escritura do Antigoe do Testamento e todos os demais escritos, ficando a Escritura Sagrada comoúnico juiz, regra e norma (...). Os demais Symbola, todavia, e os outros escri-tos citados, não são juízes como o é a Escritura Sagrada, porém apenas teste-munho e exposição da fé, que mostram como em cada tempo a Escritura Sa-grada foi entendida e explicada na igreja de Deus”... (Livro de Concórdia –LC – p. 499-501).

Lutero valoriza os Catecismos (Menor e Maior) e os considera “como abíblia dos leigos” (Lc, p.500). No Prefácio do Catecismo Maior, Lutero fazesta interessante afirmação: “Eu também sou doutor e pregador [...], nãoobstante, tenho de continuar diariamente a ler e estudar, e ainda assim não mesaio como quisera, e devo permanecer criança e aluno do Catecismo” (LC, p.388).

A “Igreja Luterana” publicará, neste ano, uma série de estudos sobre as“partes principais da doutrina cristã” dos Catecismos. O presente estudo é umareflexão sobre parte da explicação que Lutero faz do 2º Artigo do Credo Cristão:Cristo me resgatou!

CRISTO NOS RESGATOU

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IGREJA LUTERANA

2. TEXTO

Da explicação que Lutero faz do 2º Artigo do Credo, destacamos as pala-vras que apresentam o sumário do Artigo da Redenção: “Creio que Jesus Cristo ...me remiu ... me resgatou e me salvou...

Esta doutrina da obra da salvação de Cristo, exposta no Catecismo, temampla fundamentação bíblica. Como amostragem, conferir os seguintes textos:Mc 10.35-45; 1 Pe 1.13-19; Nm 18. 15-17; 1 Co 6. 20; 1 Co 7. 23; At 20.28; Gl3.13; 4.5; Mt 13.44; 14.15; Ap 5.9. São textos que falam sobre: remissão, compra,resgate, redenção, libertação, salvação, preço de sangue. Obs: Para efetiva com-preensão e proveito deste estudo, é preciso examinar estas passagens bíblicas.

O Projeto da Salvação dos “homens perdidos e condenados”, elaborado porDeus e consumado através e em Jesus Cristo, é o fundamento, o centro e a metaprimordial da mensagem da igreja cristã. Para descrever o Processo da Salvaçãoque o Salvador Jesus executou, a Escritura emprega diversos termos que, muitointerligados entre si, revelam detalhes especiais e ênfases peculiares – especial-mente nos verbetes da língua original do NT.

Destacamos, aqui, os seguintes termos: salvar, remir, redimir, comprar, resga-tar, livrar – salvação, redenção, compra, resgate, liberdade. São ações salvíficasque envolvem sacrifícios, pagamentos e preços de altos valores.

Como o pecado nos transformou em “homens perdidos e condenados”, Je-sus Cristo veio para nos resgatar do pecado, da morte, do poder do diabo, doinferno e nos ofertar a salvação eterna.

Jesus Cristo nos salvou, nos redimiu, nos libertou, nos comprou e resgatoupor alto preço – “não mediante coisas corruptíveis, como ouro e prata, mas peloseu precioso sangue”. Jesus pagou o valor que o próprio Deus estipulou para aliberdade e salvação: O seu santo e precioso sangue, derramado no Calvário!Jesus é nosso Senhor, e nós somos propriedades de Jesus.

O Salvador Jesus Cristo que nos remiu, libertou, comprou, resgatou e sal-vou é “digno de receber o poder, o louvor, a honra, a sabedoria, a riqueza, a forçae a glória pelos séculos dos séculos”.

3. DISPOSIÇÃO

Introdução

Fazer referência a um dos crimes atuais no Brasil: a história de um seqües-tro e pagamento de resgate.

Relacionar a história da humanidade “seqüestrada” pelo pecado, e o preçodo resgate pago por Cristo: o seu sangue!

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Vincular este ensino à explicação que Lutero faz do 2º Artigo do CredoCristão: Cristo me remiu, salvou e me resgatou!

TEMA

CRISTO NOS RESGATOU

I. Porque o pecado nos transformou em pessoas “perdidas e condenadas”.

II. Do pecado, do poder do diabo, do inferno e da morte eterna.

III. Pagando o alto preço do resgate – o seu sangue.

IV. Para que “eu lhe pertença e viva submisso a ele...”

CONCLUSÃO

Em reconhecimento e gratidão, “servi-lo em eterna justiça”, proclamar esteevangelho aos outros, e glorificar o nome de nosso Deus e Salvador enquantovivermos.

Leopoldo Heimann

ARTIGOS

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IGREJA LUTERANA

Lucas 4.31-41(Salmo 74.1-12; Apocalipse 5.1-10)

1. CONTEXTO

O salmista Asafe clama ansioso: “Lembra-te (ó Deus) da tua congregação,que adquiriste desde a antigüidade, que remiste para ser a tribo da tua herança;lembra-te do monte Sião, no qual tens habitado. Dirige os teus passos para asperpétuas ruínas, tudo quanto de mal tem feito o inimigo no santuário. Até quan-do, ó Deus, o adversário nos afrontará? Acaso blasfemará o inimigo incessan-temente o teu nome?” (Salmo 74.2,3,10).

O apóstolo João registra no Apocalipse cânticos maravilhosos, proclaman-do a vitória do Cordeiro sobre todos inimigos: “Vi e ouvi uma voz de muitos anjosao redor do trono ... proclamando em grande voz: Digno é o Cordeiro que foimorto de receber o poder, e riqueza, e sabedoria, e força, e honra, e glória, elouvor” (Apocalipse 5.11,12).

A cura de um endemoninhado em Cafarnaum, a cura da sogra de Pedro emuitas outras curas que constituem o evangelho em consideração, parecem regis-trar, a princípio, que o mal será vencedor. Porém, não o é. Jesus, nosso Salvador eSenhor, o Cordeiro de Deus, é que vence com todo poder e autoridade divinas.

2. TEXTO

Vv. 31-34: “E desceu a Cafarnaum ... Achava-se na sinagoga um homempossesso ... e bradou em alta voz: ... Bem sei quem és: o Santo deDeus”. O demônio fazia o homem possesso sofrer, física, mental,psicológica e espiritualmente. Parece que não era violento. De outraforma, o homem não poderia estar participando do encontro na sina-goga. O diabo conhece o Senhor (Jesus), sabe de onde ele vem(Nazareno), sabe estar diante do verdadeiro Filho de Deus. E o diaboteme ser destruído.

CONTRA O PODER DO MAL

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V. 35: “Mas Jesus o repreendeu, dizendo: Cala-te e sai deste homem. Odemônio, depois de o ter lançado por terra no meio de todos, saiudele sem lhe fazer mal”. Jesus não queria proclamação ou confissãoa seu respeito da parte de “espíritos de demônios imundos”. As pes-soas deveriam aprender a conhecê-lo através da pregação do Evan-gelho. O demônio obedece, tenta ainda maltratar o homem, mas nãoconsegue fazer-lhe mal.

Vv. 36,37: “Todos ficaram grandemente admirados ... com autoridade epoder ... ordena ... e eles saem. E sua fama corria”. As pessoasestavam estupefatas pelo que viram e ouviram. Era uma coisa intei-ramente nova nas suas experiências. O milagre era a prova de queJesus era de fato o Santo de Deus que viera, entre outros, para livraras pessoas do mal, da escravidão de Satanás e para destruir suas obras.

Vv. 38-41: “Deixando ele a sinagoga, foi para a casa de Simão. Ora, asogra de Simão estava enferma, com febre muito alta ... (Jesus) re-preendeu a febre, e esta a deixou ... Ao pôr-do-sol, todos os que ti-nham enfermos ... traziam; e ele os curava ... Também de muitossaíam demônios ... pois sabiam ser ele o Cristo”. A cura da sogra dePedro foi imediata e completa. E, apesar de isso nem sempre aconte-cer, a gratidão se manifestou em seguida, na forma de serviço(diaconia). Jesus tinha compaixão das pessoas e lhes dizia, em suma,através de suas palavras e atitudes: Vocês são pecadores. Eu sou oSalvador dos pecadores.

Lutero sintetiza todo esse assunto de forma maravilhosa no seu CatecismoMaior, quando escreve: “Porque, depois que havíamos sido criados e tínhamosrecebido toda sorte de bens de Deus Pai, veio o diabo e nos levou à desobediên-cia, ao pecado, à morte e a toda desgraça, de forma que jazíamos debaixo da irae do desagrado de Deus, sentenciados à condenação eterna, ... até que este Filhoúnico e eterno de Deus... se compadeceu de nossa calamidade e miséria, e veio docéu a fim de socorrer-nos. De sorte que aqueles tiranos e carcereiros estão afu-gentados e seu lugar foi ocupado por Jesus Cristo ... e nos arrancou ... das faucesdo inferno ... e nos trouxe de volta à clemência e graça do Pai ... para governar-nos com sua justiça, sabedoria, poder, vida e bem-aventurança”.

PROPOSTA HOMILÉTICA

Jesus é o vencedor contra o poder do mal

- porque é o “Santo de Deus”;

- porque tem “todo poder e autoridade no céu e na terra”;

ARTIGOS

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IGREJA LUTERANA

- como filhas e filhos agradecidos, queremos “pertencer e viver submissosa ele, em seu reino, e o servir em eterna justiça, inocência e bem-aventurança ... Isso é certissimamente verdade” (Explicação do Segun-do Artigo- Da Redenção / Catecismo Menor de Lutero).

Norberto Ernesto Heine

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Deuteronômio 26.16-19(Apocalipse 1.1-8; Mateus 25. 31-40)

1. CONTEXTO

O contexto é importante para a compreensão de qualquer texto bíblico. Issoé ainda mais verdadeiro com relação ao nosso texto. Só quando se determina seulugar no contexto global da revelação de Deus é que se poderá entendê-lo adequa-damente.

Tudo o que Deus fez e disse no “Antigo Testamento” (ou: aliança) se desti-nava a renovar uma relação harmoniosa com ele, culminando no “sangue da novaaliança” registrada no “Novo Testamento”

A queda em pecado de Adão e Eva alienou a eles e seus descendentes deDeus e os submeteu à morte. Deus logo proclamou seu plano para restaurar acomunhão perdida (Gn 3.15). Mais tarde, Deus escolheu Abraão para ser o porta-dor de suas bênçãos para todas as nações. A base para a reconciliação entre Deuse os seres humanos foi colocada em termos de uma aliança (Gn 15.18; 17.7).

No monte Sinai, Deus deu mais um passo em direção ao alvo de seu planode salvação. Dentre todos os povos, ele escolheu Israel para ser o povo da suaaliança (Êx 19.5). Esse povo seria seu instrumento para alcançar o objetivo dereconciliar todas as pessoas através do Mediador da nova aliança.

2. TEXTO

No livro de Deuteronômio, Moisés reitera e expõe os termos básicos daaliança feita no Sinai. Nosso texto, por isso, é redigido na terminologia própria auma aliança ou pacto. Renova-se o voto de Israel de que o Senhor é Deus e de queeles o obedeceriam (Êx 19.8).

V. 18: “povo seu próprio” – A escolha de Israel para ser o povo de Deus nãose baseava em nenhum mérito ou dignidade do povo, mas apenas na

NOVA VIDA

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IGREJA LUTERANA

graça de Deus (7.6-16). Ser “povo de Deus” não implica nenhumaservidão, mas reconhecimento do senhorio de Deus através do servi-ço livre prestado a ele.

V. 19: “povo santo” – Por causa da aliança, Israel é um povo distinto detodos os demais povos. Deus é santo: distinto e separado de todos etudo. Assim, seu povo também foi consagrado para uma tarefa única,distinta daquela de qualquer outra nação. Israel compartilha da santi-dade de Deus na medida em que se dedica a seus santos propósitos.O povo de Deus da nova aliança é igualmente chamado para ser seu“povo santo” (1 Pe 2.9; Ef. 1.4; Cl 1.21-23; 1 Pe 1.15; 2 Pe 3.11).

3. APLICAÇÕES HOMILÉTICAS

1. Ao longo da história, surgiu uma gama de posições equivocadas sobre avida cristã que vai desde os defensores do ascetismo até aqueles queacham que o cristão pode se entregar à libertinagem desenfreada. Entreesses extremos, encontramos os proponentes da visão pietista; daquelesque julgam que a fé se completa com a obediência; dos que pensampoder atingir a perfeição nesta vida através de uma santificação progres-siva; dos antinomistas; dos adeptos da teologia da prosperidade, etc. Opregador, conhecedor da situação local, deverá diagnosticar qual visãodistorcida da vida cristã ameaça seus ouvintes e deverá oferecer o antí-doto escriturístico para o caso específico. Se, por exemplo, seus ouvin-tes vivem em segurança carnal, pensando que “certeza da salvação” equi-vale a “licença para pecar,” o pastor poderá apontar para um texto como,por exemplo, Romanos 6.1-23. Ou, caso a “teologia da prosperidade”inquieta e perturba a mente dos cristãos, o pregador poderá trazer à lem-branças passagens como a de João 16.33 ou o Salmo 73.

2. Lutero re-descobriu na Escritura que a vida cristã não consiste em procu-rar agradar a Deus por meio de obras e comportamentos inventados pe-los homens. Pelo contrário, Deus mesmo já nos colocou em contextos esituações onde ele espera nosso serviço fiel. Ou seja: Deus quer que osirvamos dentro de nossa vocação. Confira a Tábua dos deveres no Ca-tecismo Menor.

3. É importante lembrar que “vida santa” pressupõe “ensino puro e claro”da palavra de Deus (cf. a explicação de Lutero para a primeira petiçãodo Pai Nosso).

4. A santificação, embora distinta da justificação, não pode ser desvinculadadesta. Nunca pregamos “demais” ou “o suficiente” sobre a justificaçãode modo que, dali por diante, só precisaríamos falar sobre a santificação.

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Lembremo-nos: é a boa árvore que produz bons frutos, e não o inverso.O cristão é capacitado a viver a vida cristã quando ele está na graça ealimenta, constantemente, sua fé com os meios da graça.

4. PROPOSTA HOMILÉTICA

Jesus me salvou. Para quê?

I. “Para que eu lhe pertença”;

Isto é, agora sou justo e inculpável aos olhos de Deus (2 Co 5.21; Ap 5.9).

II. Para que eu “viva submisso a ele, em seu reino”;

Isto é, que eu agora estou livre da escravidão do pecado e, portanto, livrepara servir a Deus (Rm 6.6; 2 Co 5.15; Cl 2.6; Tt 2.14)

III. Para que eu “o sirva em eterna justiça, inocência e bem-aventurança”

Isto é, que eu honre a Deus com toda a minha vida e me alegre nele agora naterra e para sempre no céu (Lc 1.69, 74-75; Gl 2.20).

FONTES:ROEHRS, Walter R.; FRANZMANN, Martin H. Concórdia Self-Study

Commentary. St. Louis: Concordia Publishing House, 1979.

LUTHER´S Small Catechism with explanation. St. Louis: ConcordiaPublishing House, 1991.

Paulo W. Buss

ARTIGOS

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Efésios 1.17-23(Zacarias 9.9,10; João 12.12-17)

Esse texto em Efésios oferece excelente oportunidade de a igreja despertara alegria por aquilo que é aquela igreja, reunida em determinado lugar, quandovista através dos olhos de um pastor como Paulo, que tem “iluminados os olhos docoração” (v.18) e cujo objetivo teológico e pastoral é, no seu dia-a-dia, fazer comque esse povo, confiado a ele, participe dessa visão.

Vamos tentar encontrar indicativos para as seguintes perguntas em nossapesquisa na carta (mas não necessariamente nessa ordem), para que a partir dissoo texto possa receber tratamento homilético.

1. Por que essa forma de olhar/ver (olhos iluminados) é importante?

2. Como isso pode ser feito?

3. O que pode interferir para que isso aconteça?

4. Em que isso pode finalmente resultar?

A carta pode ser vista como um todo, digamos, um sermão que, sendo carta,permite releituras e por isso aborda mais assuntos, sem perder o sentido de unida-de. O que se diz da igreja aplica-se a todos, desde aquele que ensina/prega quantoaos que são envolvidos nesse ensino e pregação.

A quem se dirige? Parece dirigir-se não tanto à ótica judaizante, mas à óticagentílica. Interessante notar que o apóstolo muda entre o nós e vós quando identi-fica a quem a afirmação se dirige: 2.1 Vos deu vida, mas logo: 2.3: nós andamosoutrora. Paulo parece estar dizendo: Todos somos pecadores. Mas essa carta épara vós. Quem são esses vós: 2.11: outrora, vós, gentios na carne. 3.1: por amorde vós, gentios. Até 3.21 Paulo expõe com riqueza de expressão e retórica persu-asiva a convicção de que os gentios a quem se dirige são co-herdeiros(3.6), termi-

PROTEÇÃO DE DEUS

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nando com aquele belíssimo louvor e adoração: 3.14-21, diante da certeza de queo Reino de Deus inclui os gentios.

Portanto, em resumo, Paulo constrói a sua argumentação:

1. Começa por descrever a maravilhosa realidade que Deus estabeleceu emCristo, de resgatar a humanidade.(1.1-23).

2. Passo seguinte: Vós, gentios, estais incondicionalmente incluídos nessaobra maravilhosa (2.1-3.21).

3. A partir daí Paulo se ocupa daquilo que, tudo indica, motivou a carta.Como aos gentios não eram impostas as tradições judaicas, parece queos costumes “de outrora” (2.2) não só não foram abandonados, comotambém parece que eram outra vez cultivados em nome da “liberdade” (4.14, 17-18). E as advertências em alguns pontos estão revestidas deseveridade: (4.20, 21; 5.6,7, 14). Importante observar que o martelo daseveridade não se abate sobre a congregação, mas indica que, sem Cris-to, a vida (2.1) não merece ser assim chamada. (2.12,13; 4.17-19).

Alguns aspectos ressaltam dessa construção de texto: segundo padrões dehoje, a imoralidade estava presente na vida de pessoas da congregação. Esta nãosó estava sendo tolerada, como em Corinto, como estava sendo claramente esti-mulada. Pessoas estavam claramente hesitantes (4.14). Havia quem ensinasseque, tal como os judeus cultivavam ainda seus modos de outrora, desde que não osimpusessem aos gentios, assim também os gentios cultivariam seus modos deoutrora.

A atitude de Paulo permite entrever que, por mais profundamente que al-guém ou um grupo esteja envolvido em pecado, cabe ao pastor temperar a sua falade tal maneira que a graça de Deus não seja obscurecida, mas domine todo o seuensino e admoestação. Apesar dos problemas, reafirma a sua alegria pela fé emCristo que identifica aquela congregação e lhe dá assento junto a Cristo (1.15).Então, com os olhos postos em Cristo, reafirma enfaticamente a sua convicção deque a congregação continuava objeto da graça de Deus em Cristo, sem restrições.A situação dos gentios de fora não é a mesma dos gentios que conhecem a Cristo.Essa distinção fica explícita em 4.17-24. A partir dessa afirmativa e convicção,Paulo atrai a fé daqueles que buscam a salvação. Faz isso por meio de orações,súplicas e advertências, em linguagem fraterna de amor, para que não se deixematrair a uma realidade que se opõe a Cristo.

SUGESTÃO PARA TRATAMENTO DO TEXTO

Objetivo: Diante dos sérios problemas presentes na congregação de Éfeso,o apóstolo Paulo demonstra como estimular a adesão a um novo modo de vida, aregras e comportamentos novos. Com essa carta, Paulo pretende deixar “ilumina-

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IGREJA LUTERANA

dos os olhos dos corações” da congregação a que ele se dirige. Portanto, podemosfazer desse também o nosso desafio.

Tema: Deus ilumina os olhos dos nossos corações

Como?

1. Ao nos dar pleno conhecimento da nova realidade em Cristo (17)

a. O privilégio e bênçãos de sermos filhos de Deus pelo batismo;

b. O privilégio e bênçãos de sermos uma família na fé.

2. Ao nos dar o poder de Cristo contra as forças do mal (19-20)

a. Diante do relativismo moral da época que constrange a família cristã;

b. Diante das ameaças, desafios e quedas que as famílias enfrentam hoje.

3. Ao nos dar participação da glória preparada em Cristo

a. Deus intensifica a sua oferta e convite para não desistirmos uns dos ou-tros;

b. Deus nos dá a plenitude de Cristo, especialmente na mesa da comunhão;

c. Deus nos assegura que em nenhum momento a sua graça vai se apagarem nossa caminhada, individual e comunitária.

Paulo P. Weirich

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At 10.34-43(Colossenses 3.1-4; João 20.1-20)

1. CONTEXTO

O centurião Cornélio, que morava em Cesaréia, havia recebido uma visãode um anjo de Deus dizendo que ele deveria chamar Pedro, que estava em Jope.Enquanto dois domésticos e um soldado de Cornélio iam até Jope, Pedro teve umavisão de animais “impuros” que desciam sobre um lençol, vindos do céu. Umavoz lhe diz: “Levanta-te, Pedro! Mata e come” (At 10.13). Pedro acha que nãodeve comer por se tratar de animais impuros. Mas Deus lhe diz que aquilo que elemesmo purificou não pode ser considerado impuro. Quando os enviados deCornélio chegam à casa onde Pedro estava é que ele vai descobrir o sentido davisão. Todas as pessoas são iguais diante de Deus; não há distinção de raças, comoos judeus pensavam. Pedro vai com a comitiva que veio buscá-lo, levando aindamais algumas pessoas do local. Chegando à casa de Cornélio, Pedro expõe a pala-vra de Deus e lhes mostra que Jesus, havendo vivido entre os homens, morrendo eressuscitando, era o enviado de Deus para lhes trazer remissão dos pecados.

Durante a fala de Pedro, o Espírito Santo caiu sobre todos os que ouviam apalavra, numa clara demonstração de que Deus viera em Cristo também aos gentios.

2. TEXTO

Vv. 34,35: Pedro começa sua pregação reconhecendo que ele próprio foi con-vencido de que todos são iguais perante Deus e que não há nação pre-ferida para a pregação da palavra. Quem faz o que é justo (ergazómenosdikaiosýnen – “que pratica a justiça”) é aceitável a Deus. “Não é que ajustiça seja aceitável por si mesma, mas na tradição judaica é ela queleva à aceitabilidade” (Chave Lingüística do NT grego).

Vv. 36-41: Pedro resume a obra de Jesus, preparada por João Batista elevada até o fim por Jesus, dando sua própria vida, mas ressuscitan-do triunfalmente no terceiro dia após sua crucificação.

RESSUSCITADO

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V. 42: Nossa missão agora, a partir da obra completada por Jesus, é dar teste-munho de que ele foi constituído por Deus Juiz de vivos e de mortos.

Passagem paralela: “Foi precisamente para esse fim que Cristo morreu eressurgiu: para ser Senhor tanto de mortos como de vivos” (Rm 14.9).

V. 43: Os profetas já davam este testemunho, antes mesmo da vinda deJesus. Aquele que crê em Jesus recebe perdão dos pecados.

3. APLICAÇÕES HOMILÉTICAS

A perícope é clara em mostrar que Cristo veio para todas as pessoas e paratodas as nações. Pedro, criado na tradição judaica, tendo ainda a idéia do povoescolhido de Deus restrito a uma raça, é convencido de que “Deus não faz acepçãode pessoas” (v. 34).

Se alguns pensam que existe, perante Deus, preferência de uma nação ouraça, a visão que Pedro recebeu torna claro que Deus santificou a todos os povos.Sendo assim, não somos nós que vamos determinar a quem pregar a palavra, maso Cristo para todos é que nos deve impulsionar a irmos pelo mundo todo.

O objetivo da pregação é que Cristo se torne o Senhor sobre todos, garantindocom a sua própria ressurreição a nossa ressurreição e a conseqüente vida eterna atodos os que ouvirem e aceitarem a palavra. Lutero explica no Segundo Artigo, con-forme o Catecismo Maior: “A suma desse artigo é, pois, que a palavrinha “Senhor”, damaneira mais singela, significa tanto como Redentor, isto é, aquele que nos trouxe dodiabo a Deus, da morte à vida, do pecado à justiça, e que nisto nos conserva”. Para sero Senhor de todos, Jesus teve que assumir a forma humana, pregar, sofrer e morrer,pagando com seu próprio sangue os nossos pecados. “E tudo isso para que se tornassemeu SENHOR. Pois não fez nada disso para si mesmo, nem o necessitava. Depoisressurgiu, tragou e devorou a morte, e por fim subiu ao céu e assumiu o domínio àdestra do Pai, de sorte que o diabo e todos os poderes lhe têm de estar submissos e ficardebaixo dos seus pés, até que, afinal, no último dia, ele nos separe e aparte completa-mente do mundo malvado, do diabo, da morte, do pecado, etc.”.

4. PROPOSTA HOMILÉTICA

O CRISTO RESSUSCITADO DEVE SER ANUNCIADO A TODOS

I. Porque “Deus não faz acepção de pessoas”

II. Porque já desde as primeiras profecias está claro que todo aquele que crêem Cristo recebe remissão dos pecados.

Raul Blum

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1 Pedro 1.3-9(Isaías 66.10-16; Marcos 13.5-11)

1. CONTEXTO

O tema a obra de Cristo hoje desafia-nos a encontrar no texto alguma refe-rência sobre o valor da obra de Jesus para nós, hoje. Mais precisamente, que men-sagem chega a nós a partir do que Jesus fez? Ainda podemos ver algo de impor-tante para nossa vida ou devemos admirar somente como fato histórico a vida eobra de Jesus Cristo?

Tal preocupação parece ter tido o apóstolo Pedro ao escrever sua primeiraepístola. Seus destinatários são os eleitos e forasteiros da Dispersão no Ponto,Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia (1 Pe 1.1). As congregações cristãs naquelasprovíncias da Asia Menor tinham sido fundadas por Paulo e seus companheiros eeram formadas, na maioria, por cristãos de origem gentílica. Sofriam persegui-ções por causa do nome de Cristo e experimentavam má vontade para com eles daparte dos seus vizinhos pagãos. Careciam, portanto, de conforto e fortalecimento.Ao lembrar-lhes os benefícios e o valor da obra de Cristo, cuja fé nele os punhaem situação difícil no ambiente em que viviam, Pedro procura levar-lhes o ampa-ro devido para que não esmorecessem na confiança no Senhor.

E para os cristãos de hoje, em contextos diferentes, o que representa paraeles a obra de Cristo? Qual o valor dela na vida do pastor, a fim de que, maravilha-do com ela, possa reparti-la com entusiasmo e felicidade com o seu povo? A pro-pósito, qual a reação que os ouvintes percebem no seu pastor diante da mensagemque ele lhes transmite? Será demais os pregadores lembrarem que eles própriossão os primeiros a quem a mensagem é pregada?

2. TEXTO

V. 3: Este versículo é impressionante, principalmente por três aspectos: 1)descreve o que Deus sente por nós; 2) descreve o que recebemos de

A OBRA DE CRISTO HOJE

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Deus; 3) aponta para a obra de Cristo, que tornou possível a ofertaque Deus nos faz.

1) O Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo tem grande misericórdia pornós. Como se não bastasse misericórdia apenas, o apóstolo Pedro incluio adjetivo grande para descrever o que Deus sente por nós. Misericór-dia significa sentir no coração a miséria de outrem. O miserável não temnada a oferecer; portanto, se algo receber de alguém, será sempre portotal iniciativa do benfeitor. É completa iniciativa de Deus o fato de elese apiedar de nós. Nada em nós existe capaz de “comprar” alguns peda-cinhos de misericórdia divina, por mais minúsculos que venham a ser.Afinal, nunca é demais lembrar que nossa situação natural é de mortosnos vossos delitos e pecados (Ef 2.1). Qual a capacidade do morto paraalguma coisa? Nenhuma!

2) Da grande (muita) misericórdia de Deus recebemos uma viva esperançaa partir da regeneração que ele efetuou em nós. Trata-se de uma novavida (regenerou, gerou de novo). A esperança é viva, não morre e, omais importante, é capaz de agir, pois o que tem vida, age. A ação daviva esperança aparecerá nos versículos seguintes.

3) A esperança viva que recebemos de Deus tornou-se possível a partir daressurreição de Cristo dentre os mortos. É a garantia, o penhor da vidada esperança. Aquele Cristo por causa de quem os cristãos da Ásia Me-nor sofriam perseguições, com sua ressurreição garante a esperança cristã.Também a nossa esperança hoje!

Vv 4,5: A viva esperança age. Leva-nos a aguardar a herança que o Paioferece aos seus filhos. Quando nos é garantida uma herança, há quese esperar o momento de tomar posse dela. No caso da herança men-cionada no texto, ela está guardada nos céus, para ser revelada notempo último. O fato de estar guardada nos céus assegura-nos a suaqualidade. Nada nem ninguém poderá prejudicá-la, o que pode acon-tecer com heranças terrenas. Por isso ela é incorruptível, imaculadae imarcessível, jamais será prejudicada a sua qualidade.

A herança aguarda-nos. Para que não a percamos, o Deus de grande miseri-córdia nos guarda pelo seu poder mediante a fé. Pela fé em Cristo, criada e conser-vada pelo próprio Deus, somos conservados debaixo do seu poder.

Vv. 6,7: A esperança viva faz mais coisas ainda. Ela nasce da salvaçãogarantida e provoca júbilo por causa dessa salvação, mesmo que sur-jam tristezas decorrentes de provações. O ouro depurado pelo fogoserve de comparação para a “depuração” da fé no fogo das prova-ções. No entanto, mesmo o ouro se esvanece, o que, todavia, não

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ocorrerá com a fé. No dia derradeiro, o dia da revelação de JesusCristo, a fé não será mais necessária, pois já terá cumprido o seupapel. O seu lugar será ocupado pelo louvor, a glória e a honra pró-prios do Senhor, mas estendidos também aos bem-aventurados queforam guardados pelo poder de Deus na fé em Cristo até o fim.

Vv. 8,9: Aqueles cristãos não tinham visto a Cristo: situação idêntica à nos-sa. Nele criam, porém, e exultavam na fé com alegria indescritível. Éinteressante o destaque que Pedro dá no texto à alegria e ao júbilo.Podiam, sim senhor, conviver com a tristeza e a dor em razão dasprovações. Até porque as provações têm fim marcado. A salvação,entretanto, é diferente: já existe agora ... sua plenitude, porém, aindavirá a todos nós.

3. SUGESTÃO HOMILÉTICA

A proposta é abordar a obra de Cristo hoje a partir do texto e também doSegundo Artigo do Credo Apostólico. Qual é a sua obra? Por ele, Deus nos rege-nerou, nos deu nova vida, mais precisamente por meio da ressurreição de Jesusdentre os mortos. Nele (Jesus) temos, portanto, a nova vida. Esta é a sua obra:Jesus é a fonte da nova vida. Temos belos hinos no Hinário Luterano que confes-sam essa verdade magnífica, de esperança e consolo. O pastor quando anunciaJesus aos seus ouvintes, não está apenas falando sobre ele e sua obra, mas trazen-do a nova vida a quem o aceita em fé.

Outro ponto alto do texto é o resultado da nova vida em nós: dá-nos umaviva esperança. É esperança com vida, e aquilo que tem vida, age. Na mensagemaos cristãos da Ásia Menor, o apóstolo Pedro, na perícope, fala com confiança ejúbilo a respeito do que realiza a viva esperança. A mensagem do sermão poderáexplorar também tais elementos tão preciosos, consoladores e, por isso, queridospara todos os filhos de Deus em Cristo.

Paulo Moisés Nerbas

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IGREJA LUTERANA

2 Tessalonicenses 2.13-17(Isaías 61.1-3; Marcos 13.5-11)

1. CONTEXTO

Três tópicos principais dominam esta segunda carta aos Tessalonicenses: a)Mesmo em meio às perseguições, os leitores da carta mostram-se firmes. O após-tolo contrasta nesse seu comentário e elogio (no momento da sua ação de graças)os perseguidores e os perseguidos por causa de sua fé em Cristo e anima a estes naesperança da parousia ou revelação da glória do Senhor. b) Em segundo lugar, porcausa de ensinamentos correntes de que o Dia do Senhor já havia chegado e, comoconseqüência, a parousia do Senhor e a reunião de seu povo deveriam estar imi-nentes, o autor da carta argumenta que este pensamento não era correto e quecertos eventos ainda se sucederiam antes da derradeira vinda de Cristo. Nesteponto, o autor enfatiza que seus leitores são do povo de Deus e serão salvos seestiverem firmes no evangelho no qual foram ensinados. c) Em terceiro lugar, oautor exorta àqueles que estavam vivendo na preguiça e que se aproveitavam dosmais generosos. Tais pessoas deveriam rever os seus caminhos à base do evange-lho que lhes foi ensinado. Alguns autores argumentam que as expectativasescatológicas de alguns teriam sido a causa da inatividade, mas o apóstolo nãomenciona nada disso, ele os chama de preguiçosos e exorta-os a que mudem decomportamento e sirvam ao Senhor e ao próximo.

2. TEXTO

V. 13: O texto destaca a necessidade (ofeilomen = devemos) de agradecer,fala da constante dívida de gratidão (euxaristein = ação de graças)pelo fato de serem “irmãos amados” (agapeénoi) pelo Senhor:

a) “escolhidos” (eilato) – a ação é de Deus, foi ele quem escolheu e elegeu;“como primícias” (aparxen), também traduzido por “desde o Princí-pio” (ARA) e “como os primeiros...” (NTLH); “para salvação” (eissoterían), também traduzido por “a serem salvos” (NTLH).

CHAMADO PELO EVANGELHO

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b) “em santificação” (en agiasmô), “pela santificação” (ARA), “pelo po-der [do Espírito Santo]” (NTLH); “do Espírito” (pneumatos) e “fé daverdade” (kai Piatei aleteias), também traduzido por “fé na verdade”(ARA) e “pela fé que vocês têm na verdade” (NTLH). O que fica evi-dente é que a ação santificadora do Espírito é, ao mesmo tempo, a dynamisque leva a pessoa a crer e a força motora que vivifica constantementeesta fé e a transforma em ações concretas.

A vida cristã começa com o chamado de Deus. Ninguém pode chamar-seou eleger-se a si próprio. Nós nem sequer podemos começar a buscar a Deus semque Ele nos tenha buscado e encontrado. Toda a iniciativa, portanto, está em Deus;o fundamento e a causa motora de tudo é o amor de Deus que busca.

V. 14: Aqui destacamos que este Espírito “chamou” (ekálesen) mediante oevangelho ou “por meio do evangelho” (NTLH). Na explicação do ter-ceiro artigo do Credo Apostólico, Lutero assim o expressa: “Creio quepor minha própria razão ou força não posso crer em Jesus Cristo, meuSenhor, nem vir a ele, mas o Espírito Santo me chamou pelo evange-lho...” (Catecismo Menor), isto é, “porque jamais poderíamos saber algoa respeito de Cristo ou crer nele e conseguir que seja o nosso Senhor, seo Espírito Santo não no-lo oferecesse e apresentasse ao coração pelapregação do evangelho” (Catecismo Maior). O apóstolo Paulo fala em“nosso evangelho” (euangelion emon) pelo fato de ter ele e seus cola-boradores anunciado a boa nova aos tessalonicenses, enfatizando quesem este evangelho não há chamado ou eleição da parte de Deus. Areferência ao “nosso evangelho” também poderia estar sendo utilizadapelo apóstolo para diferenciar de “outros evangelhos” (falsos) que esta-vam sendo proclamados!?. E a proclamação deste evangelho deve ser“para obtenção da glória de nosso Senhor Jesus Cristo” (eis peripóiesindozes tou kyriou emon Iesou Xristou), também traduzido por “paraalcançardes a glória...”(ARA) ou “a fim de que vocês tomem parte daglória...” (NTLH). Esta é uma idéia fundamental em Paulo. Em Rm8.17, lemos: “se com ele sofrermos, para que também com ele sejamosglorificados”, e em Rm 3.23: “Todos pecaram e carecem da glória deDeus”. Quando Paulo fala da obtenção da glória de Cristo, ele tem emmente a transformação escatológica dos filhos de Deus, semelhante àforma do Cristo glorificado. Tal fato ainda é mencionado por Paulo quandoele trata da ressurreição, em 1 Co 15.43.

Vv. 15-17: “ficai firmes” (stékete) ou “permanecei firmes” (ARA) – Normal-mente este imperativo é acompanhado de um objeto que indica o porquêou em que eles são exortados a permanecerem firmes; “guardai as tra-dições” (krateite tas paradóseis) ou “guardem aquelas verdades”(NTLH). O conteúdo dessas tradições foi exposto pelo apóstolo (e seus

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IGREJA LUTERANA

colaboradores), tanto na forma de cartas quanto através da exposiçãoverbal do evangelho (além, naturalmente, do próprio exemplo em açõesconcretas). No v. 16, duas coisas são especificadas: primeiro “a conso-lação eterna” (paráklesin aionian) ou seja, “eterno encorajamento”face às opressões e rejeições sofridas pelos cristãos por causa de sua fé;segundo, a “esperança boa” (elpída agatén) – além de chamar, dar con-solo e encorajamento, este Deus ainda concede boa esperança, não so-mente para esta vida, mas especialmente para a vida futura, a vida eter-na. Finalmente, a expressão característica de Paulo, “por graça” (enxáriti), quer ressaltar que tudo isso acontece mediante a livre e imerecidagraça de Deus, sem qualquer intervenção ou ajuda nossa.

As palavras finais do apóstolo, nesta perícope, ainda recomendam os leito-res ao Deus que os amou, rogando também que Ele os console nas tribulações e os“confirme em toda obra e palavra boa”.

3. APLICAÇÕES HOMILÉTICAS

Sugerimos que o leitor verifique mais detalhadamente nos Catecismos Maiore Menor o que Lutero diz sobre a ação do Espírito Santo que “nos chamou peloevangelho”. Verifique-se também os credos Niceno e Atanasiano. Além destasrecomendações, destacamos do texto de 2 Ts 2.13-17 as seguintes aplicações:

a) Fomos escolhidos e eleitos por Deus como primícias para a salvação, eisto é motivo para júbilo e constante ação de graças (dívida de gratidão).

b) O poder santificador do Espírito Santo que nos chamou mediante a pre-gação do evangelho é também o poder “motivador” e “sustentador” detoda a boa obra.

c) Evangelho, para Paulo, sempre está relacionado com a pregação.

d) O Espírito que chamou mediante o evangelho (pregação) a crermos noevangelho (boa notícia da salvação) nos mantém firmes na verdade.

e) O Deus que chamou pelo evangelho dá consolo e encorajamento parasuportarmos qualquer ônus que o fato de sermos cristão venha a acarre-tar, e mais, ele não apenas nos dá suporte e alegrias (mesmo em meio àstribulações), mas também nos firma na esperança da vida eterna (ondeviveremos na glória de Cristo).

4. SUGESTÃO DE TEMA E PARTES

Tema: CHAMADOS PELO EVANGELHO

Partes: I – Deus nos escolheu como primícias para a salvação (v.13);

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II – Deus nos santificou mediante o Espírito Santo na fé e na verdade (v.13);

III – Deus nos prometeu a obtenção da glória de Cristo (v.14).

BIBLIOGRAFIA

BARCLAY, William. Filipenses, Colossenses, I e II Tessalonicenses. BuenosAires: La Aurora, 1973.

KOEHLER, E. Sumário da Doutrina Cristã. Porto Alegre: Concórdia, 2002.

LIVRO DE CONCÓRDIA (Arnaldo Schüler, trad.). Porto Alegre / SãoLeopoldo: Concórdia / Sinodal, 1980.

NESTLE, Eberhard. Sprachlicher Schlüssel zum Griechischen NeuenTestament. Basel: Brunnen-Verlag, 1952.

SCHOLZ, Vilson. Novo Testamento Interlinear. Barueri: Sociedade Bíbli-ca do Brasil, 2004.

Paulo Gerhard Pietzsch

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João 1.10-13(Salmo 119.105-112; 1 Pedro 2.4-9)

1.CONTEXTO

O propósito do quarto Evangelho é manifesto pelo próprio autor, em 20.31:que os seus leitores, tendo o registro de alguns dos sinais feitos por Jesus, cressemnele para a vida eterna. Neste texto também está colocada uma das ênfases deJoão neste Evangelho: a fé - não uma fé geral, mas a confiança em Jesus como oagente autorizado pelo Pai para realizar a salvação. O quarto Evangelho tambémenfatiza o papel do Espírito Santo como sendo enviado por Jesus para conduzir oshomens à fé e nela conservá-los.

O texto em estudo faz parte de uma perícope que tem como centro da men-sagem a encarnação do Verbo (o Filho de Deus). Como tal, é um dos textos utili-zados no Natal. Para a finalidade específica deste estudo, ressaltamos a obra que opróprio João, trazendo as palavras de Jesus, atribui ao Espírito Santo nos capítulos14 a 16. Ou seja, Ele é quem nos conduz a Cristo, ensinando e fazendo lembrar oque Cristo disse (14.26), testemunhando de Cristo (15.26), convencendo-nos dajustiça, que é Cristo (16.10), guiando-nos à verdade (16.13). Ainda que não men-cionado explicitamente nas palavras do texto em estudo, é o Espírito Santo osujeito da ação referida pelo texto, qual seja, nascer de Deus, dando-nos o poder(dom!) de sermos filhos de Deus.

2. TEXTO

Vv. 10,11: Estes versículos formam uma unidade, referindo-se ao Verboque vem ao mundo (encarnação), mas não é recebido pelo mundocomo deveria. Numa frase João envolve tanto a vinda de Jesus(encarnação e nascimento) como Seu ministério terreno e rejeiçãopor parte dos homens. A obra de Jesus é vista como um todo. É umevento realizado por Deus no mundo, diante do qual o mundo seposiciona criticamente ou, melhor dizendo, violentamente. O que João

ILUMINADO COM SEUS DONS

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aqui relata sobre “o seu [de Jesus] povo” (NTLH) pode ser estendidoa toda a humanidade em todas as épocas. A natureza humana, pendi-da ao pecado, tem a tendência de negar lugar ao Verbo de Deus nomundo.

Lutero mostra, na sua explicação ao Terceiro Artigo, no Catecismo Maior, arelação entre a obra do Espírito Santo e aquela de Cristo. Chama a atenção para ofato de que não havendo a proclamação do evangelho, a fé é obscurecida, não sereconhecendo a “Cristo como Senhor, nem ao Espírito Santo como aquele quesantifica” (CM 2ª parte 43). Em oposição à obra do Espírito Santo de nos levar aCristo, estão “homens e espíritos malignos que nos ensinaram a obter a salvação ealcançar a graça por nossas obras” (44). A ignorância em relação à obra de Cristo(denunciada por Lutero no CM 2ª parte 38) acaba sendo, de fato, rejeição e ado-ção de um outro caminho, inventado por homens, para a salvação. Daí a necessi-dade absoluta da ação do Espírito. Ela não apenas supre a necessidade do serhumano, incapaz de por si só conhecer a Cristo e receber os seus benefícios. So-bretudo o Espírito Santo vem denunciar o caminho errado escolhido pelo ser hu-mano e colocá-lo no caminho único da redenção, Cristo, através do evangelho.

Vv. 12,13: O contraste é estabelecido entre aqueles que seguiram o cursonatural da tendência humana – rejeitando a Cristo, e os que o recebe-ram, ou seja, nele creram. O texto é melhor entendido se lido a partirdo final. O verbo genna,w é empregado no Aoristo do Indicativopassivo. As pessoas que receberam a Cristo “foram geradas” (ARA:“nasceram”; NTLH: “se tornaram filhos”). A ação não é das própriaspessoas, mas de alguém que as fez nascer, i.e., que as gerou. O textoindica a referência do nascimento, com a preposição de procedência- evk qeou/ (de Deus).

O texto é rico na forma de designar estas pessoas: “o receberam”, “filhos deDeus”, “os que crêem”, “nasceram [foram gerados] não de sangue (lit.: sangues],nem de vontade de carne, nem de vontade de homem”, “nasceram de Deus”. Aênfase está no vínculo com o Verbo, sem o mérito da própria pessoa. Trata-se deum novo nascimento, que mais adiante o próprio Jesus chamará de um nascer “daágua e do Espírito” (Jo 3.5) ou ainda “do Espírito” (Jo 3.6,8). Ainda que nãomencionado explicitamente nos primeiros versículos do Evangelho conforme João,o Espírito é o que leva pessoas a “receberem” a Jesus, crerem nele, serem filhos deDeus (cf. Rm 8.14-16).

Ao referir-se à obra do Espírito Santo no Catecismo Menor, Lutero afirma:“iluminou com seus dons”. No Catecismo Maior não há uma explicação específi-ca sobre esta cláusula. No entanto, em dado momento Lutero afirma: “...ele temuma congregação peculiar no mundo, congregação esta que é a mãe que gera ecarrega a cada cristão mediante a palavra de Deus, que ele [o Espírito] revela e

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prega. Ilumina e incende os corações, para que a entendam, aceitem, a ela seprendam e nela permaneçam” (CM 2ª parte 42). O maior dom concedido peloEspírito é o crer no Verbo de Deus, algo que está fora do alcance do poder humano(como bem Lutero enfatiza no início da explicação do 3º Artigo do Credo noCatecismo Menor). Há outros dons, descritos pelos apóstolos em suas epístolas.Estes são variáveis e têm sua existência dependente do querer de Deus, tendo emvista a necessidade da Igreja em cada época e local. Mas o dom da fé em Cristo éo absolutamente necessário e o dom que todos os crentes recebem, por graça deDeus.

3. SUGESTÃO DE TEMA

O Espírito Santo nos ilumina com o dom maior – crer em Jesus.

Gerson Luis Linden

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Salmo 51.1-12(1 Pedro 1.1-5; João 17.1-17)

1. CONTEXTO HISTÓRICO

O Salmo 51 é um texto que deve ser lido à luz de seu contexto histórico;não é sem razão que o seu cabeçalho remete ao mesmo. O Salmo 51 é a confissãode pecado feita por um homem poderoso e influente. Um homem rico e temidopor muitos. Um homem extremamente abençoado por Deus desde a sua infância etenra juventude. Um homem que havia se tornado rei de uma nação poderosa evencedora. Um homem para o qual aparentemente não havia limites e impossí-veis. Um homem que, para ter seus desejos e vontades realizados, chegou ao ex-tremo de trair, mentir e mandar matar. Um homem astuto, que sabia manipular etramar as coisas a seu favor. Um homem que, assim agindo, pensava poder selivrar de seu obscuro passado, cobrindo o mesmo com um verniz de hipocrisiacheirando a novo. Esse era Davi! Mas ele havia se esquecido que ele era apenasum homem! Apenas um homem. Um homem como todos outros, nascido em pe-cado (v.5). Davi era um pecador como tantos outros.

Davi jamais podia imaginar que aquele passeio ao entardecer pelo terraçode seu palácio iria mudar a sua vida drasticamente. A figura daquela bela mulherse banhando não passou despercebida pelo rei. Seu nome era Bate-Seba, mulherde um de seus fiéis soldados, Urias, o heteu. Davi não resistiu. Fazendo uso de seupoder e influência, envia um de seus mensageiros para chamá-la ao seu palácio.Esse foi o passo para a sua ruína. Depois que o seu desejo libidinoso havia sidosaciado, Davi pensava que sua vida voltaria ao normal. Mas não! Aquela“escapadinha” fortuita traria conseqüências desastrosas. Bate-Seba informa o “tran-qüilo” rei de sua gravidez e que um bebê não planejado estava a caminho. A tramacomeça.

Davi manda chamar Urias do campo de batalha, com o intuito de acobertara sua “escapadinha”. O plano não funciona. Urias era fiel ao seu rei, ao seuscompanheiros de batalha e não coopera com a trama de Davi. Uma atitude drásti-

SANTIFICADO NA FÉ

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ca terá que ser tomada. Davi pede que Urias seja colocado no pelotão de frente dabatalha: a idéia é que ele morra. A vontade do rei é obedientemente cumprida eUrias morre, lutando pelo seu rei. Passado o luto de Bate-Seba, Davi a toma poresposa. Com isso, o rei pensa que tudo está resolvido. Mas Deus estava atento aosmovimentos de Davi e envia o seu profeta Natã para ter uma conversa ao pé doouvido com o rei. Davi é pego em suas próprias palavras e não tem como negar oseu pecado. Natã apenas diz: “tu és o homem.” (cf. 2 Samuel 11.1-12.25). Daviera o rei, sim, mas apenas um homem. Um pobre e miserável pecador.

2. TEXTO

Qualquer pessoa esmagada pelo sentimento de culpa ou torturada por umaconsciência recém desperta irá encontrar consolo e alento nas palavras deste sal-mo penitencial, ao se aproximar de Deus. O outro lado também é verdade. Aqueleque ler as palavras deste Salmo, e for insensível às conseqüências do pecado, logoirá perceber o quão temível é ofender o Santo Deus e estar sob sua ira.

Vv. 1,2: Os versículos iniciais deste Salmo são um grito angustiante embusca de misericórdia. Tudo o que segue está baseado neste apelopela sola gratia. Não há outra alternativa possível aqui. Não há comonegar a realidade do pecado. Vários aspectos da desobediência à von-tade de Deus são expressos aqui por meio de três sinônimos: trans-gressões, iniqüidade e pecado. Cada um deles, por sua vez, está as-sociado com um diferente tipo de ação que denota a sua remoção.

Transgressões são como uma mancha terrível em uma folha em branco; écomo se fosse uma notificação de débito que deve ser apagada da conta corrente,ou seja, precisa ser eliminada do histórico (cf. Isaías 43.25, Atos 3.19; Colossenses2.14). Iniqüidade é como uma roupa suja que precisa ser lavada cuidadosamente.Em tempos idos, sem as máquinas de lavar, isso requeria uma ação drástica. Asroupas eram batidas contra uma pedra à beira de um riacho ou eram pisoteadaspara largar a sujeira. Pecado é uma mancha que “clorofina” e “muito sabão” nãopodem remover (cf. Jeremias 2.22); ele apenas se rende à ação branqueadora deDeus. O sangue de animais aspergido sobre o altar era para simbolizar que o mes-mo havia sido purificado e santificado das impurezas dos filhos de Israel (cf.Levítico 16.19). Mas o que o sangue de touros e bodes não tinha o poder intrínse-co de realizar, se tornou uma realidade no sangue de Jesus. O sangue do Filho deDeus é o único que pode nos purificar de todo pecado e de toda injustiça (cf.Hebreus 10.11-12,14; 1 João 1.7,9). O próprio Davi reconhece isso quando afir-ma, no v.7, que a ação purificadora de Deus em Cristo lhe confere uma alvurajamais vista, um branco total (cf. Isaías 1.18; Apocalipse 7.13).

V. 4: “Pequei contra ti...” Erros e pecados cometidos contra o nosso próxi-mo são mais do que injustiça social; eles são, na verdade, uma ofensa

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contra o Criador. Para alcançar suas vítimas, o assassino e adúlterodestrói a cerca de segurança e de bem-estar que o Doador da Leicriou ao nosso redor para nossa proteção. Davi não só “pulou a cer-ca”; mas com seus atos, ele a destruiu completamente.

V. 5: “Em pecado me concebeu...” O pecador não pode apresentar a suainata propensão para fazer o mal como uma desculpa pelos seus atospecaminosos. Ao reconhecer a verdadeira natureza do pecado, o pe-cador penitente sabe que não é apenas o que ele ocasionalmente fazde errado que precisa ser confessado a Deus. O ato mau traz à tona oque o pecador é no mais íntimo e profundo recôndito de seu ser (Jó14.4; 15.13-16; Salmo 58.3; Eclesiastes 7.20; Jeremias 17.9).

V. 10: “Cria em mim, ó Deus...” Somente Deus pode realizar o que esteverbo descreve, Ele é o sujeito nessa frase. Assim como Ele chamouos céus e a terra à existência e formou o homem do pó da terra, esoprou em suas narinas o fôlego de vida, Ele pode criar um coraçãopuro por meio de Sua palavra. Assim como Deus disse “haja luz...”,Ele também pode dizer “haja um novo e puro coração.” Em Cristo,o Verbo que se fez carne, Deus não apenas fala aos nossos corações,mas Ele habita entre nós, iluminado-nos com sua luz de vida e nostornando seus filhos (cf. João 1.1-14). Deus, em sua graça, renova onosso espírito quebrantado dentro em nós (cf. Gênesis 1.1,3,27; 2.7;Jeremias 24.7; 32.39; Ezequiel 36.26,27) e nos recria em Cristo (2Coríntios 5.17).

V. 11: “O teu Santo Espírito...” O que é dito aqui não é nenhuma coinci-dência, pois o versículo 11 vem na seqüência do versículo 10. Davisabe muito bem que sem a presença do Santo Espírito em sua vida, aalegria da salvação jamais lhe será restituída. O Espírito Santo não ésomente aquele que chama pelo evangelho, mas é Ele quem tambémsantifica e conserva o cristão na fé verdadeira por meio deste mesmoevangelho (cf. C. Menor – Credo, 3º Artigo, 6). A função do EspíritoSanto é nos tornar santos. É o Espírito Santo quem oferece e aplicaeste tesouro da salvação – o Evangelho, à vida das pessoas. Ao nossantificar, o Espírito nos leva a Cristo, a fim de receber estas bên-çãos, a saber: perdão, vida e salvação, as quais, de outra forma ja-mais poderíamos obter por nós mesmos. (C. Maior – Credo, 3º Arti-go, 35-39).

V. 12: “Alegria da tua salvação...” A alegria da salvação é fruto de umarrependimento sincero. O verdadeiro arrependimento leva à fé. Opesar por pecados cometidos que não levam à fé, não é arrependi-mento, mas apenas remorso, o qual geralmente leva o pecador ao

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desespero. Davi, com a sua história, ilustra muito bem os passos doarrependimento: a) reconhecimento do pecado (vv.3-4); b) contriçãopelo pecado cometido (v.17); c) desejo de abandonar o pecado emudar de vida (v.10); e) profundo desejo pelo perdão (vv.2,7,9). Daviera um homem de fé, ele tinha conhecimento das promessas de Deuse sabia que o Senhor agiria em seu favor, oferecendo perdão e salva-ção (v.12,14). As palavras de Natã a Davi foram muito claras: “tu éso homem” (Lei); “também o Senhor te perdoou o teu pecado” (Evan-gelho) (cf. 2 Samuel 12.5-13).

Ao confessar o seu pecado, Davi reconhece a sua total incapacidade deviver uma vida santa diante de Deus. Ele sabe que apenas pela ação do SantoEspírito (v.11), por meio do Evangelho (promessa de perdão anunciada por Natã),seu pecado será perdoado (vv.7,9,12,14). Agora, regenerado e motivado pela ale-gria da salvação (v.12), Davi passa a viver uma nova vida, bendizendo e louvandoao seu Senhor com júbilo e alegria (v.15,8).

3. APLICAÇÃO HOMILÉTICA

Como foi ressaltado acima, o contexto histórico do Salmo 51 é extrema-mente importante e o mesmo não deveria ser ignorado pelo pregador ao elaboraro seu sermão. A confissão expressa no Salmo 51 deixa claro que Davi não era umsuper-herói das histórias bíblicas; ao contrário, mostra que ele era de carne e osso.Davi é bem real! Ele é um homem como tantos outros, nascido em pecado (v.5),mas que pela graça de Deus e ação do Espírito Santo é regenerado e restabelecidoà comunhão dos santos (também pecadores) – a igreja, onde a remissão dos peca-dos é praticada diária e abundantemente.

Como sugestão, incentivo o pregador a elaborar um sermão narrativo, aexemplo da introdução desse auxílio homilético. Ao recontar o incidente de Davicom Bate-Seba (interligado com aspectos do Salmo 51), o pregador terá a chancede enfocar a graça de Deus e a ação do Espírito por meio da Palavra (Lei e Evan-gelho), deixando claro que há abundante perdão em Cristo para pecadores peni-tentes como Davi, tu e eu... ah! para todos os crentes!

Ely Prieto

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Efésios 4.1-16(Salmo 85; Mateus 16.13-19)

1. NOTAS INTRODUTÓRIAS

“Quem diz o povo ser o Filho do Homem? Simão Pedro disse: Tu és oCristo, o filho do Deus vivo. Então, Jesus lhe afirmou: Bem-aventurado és, Si-mão, porque não foi carne e sangue que te revelaram, mas meu Pai, que está noscéus. Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minhaigreja e as portas do inferno não prevalecerão contra ela.”5 Estas palavras deCristo dão base e testemunho sobre a verdadeira igreja6 que é a congregação detodos os crentes, entre os quais o evangelho é pregado puramente e os sacramen-tos são administrados de acordo com o Evangelho. As palavras do Salmo 85, queressaltam a misericórdia de Deus, apontam claramente para a base da verdadeiraigreja, o Cristo Vivo.

O texto de Efésios nos leva a questionar: Como está a nossa unidade comoigreja de Cristo em meio à diversidade de dons?

2. CONTEXTO HISTÓRICO

A epístola aos Efésios não foi escrita em resposta a alguma circunstânciaespecífica ou controvérsia, conforme se verifica no caso da maioria das epístolaspaulinas. Ela tem uma qualidade quase meditativa. No tema compartilhado com aigreja aos Colossenses – Cristo, a cabeça da Igreja, que é Seu corpo – a epístolaaos Efésios encarece a Igreja como o Corpo de Cristo ao passo que Colossensesressalta o fato que Cristo é a cabeça. Colossenses adverte contra falsas doutrinasque subestimam a Cristo, ao passo que Efésios expressa louvor por causa da uni-dade das bem-aventuranças usufruídas por todos os crentes em Cristo.

Mais do que uma carta, a Epístola aos Efésios é um escrito doutrinário

IGREJA

5 Mateus 16.13,16-18: “Cristo, o fundamento da igreja verdadeira”.6 CA, Artigo VII.

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exortativo, que revela no seu autor fundamentais interesses pedagógicos e pastorais.É uma reflexão sobre a Igreja, vista como Corpo de Cristo (1.22b-23; 4.15), e umsólido ensinamento sobre a salvação que Deus oferece aos pecadores (2.4-9).

3. TEXTO

V.1: O “andeis de modo digno da vocação” refere-se ao chamado da graçade Deus, ou seja, de ser filho de Deus.

Vv.2 e 3: O apóstolo Paulo, nestes dois versículos, descreve as característi-cas desta vocação (chamado para ser filho de Deus): humildade,mansidão, longanimidade, amor. Estas qualidades têm como objeti-vo preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz. É interessanteperceber que esta unidade não tem que ser criada pelo cristão, pois jáexiste, mas ele se esforça em preservá-la.

Vv.4-6: Estes versículos ressaltam a unidade “um só” ou “uma só”. Cabesalientar que o centro de tudo é um Espírito (Espírito Santo), umSenhor (Jesus Cristo) e um só Deus e Pai.

Vv.7 a 10: Depois de dar ênfase à unidade, Paulo volta agora à considera-ção dos cristãos individuais, que juntos constituem essa unidade. AIgreja é formada por pessoas (pedras vivas), cada qual com sua indi-vidualidade, que Deus reconhece e usa em Seu serviço. O apóstoloaponta para cada um de nós como possuidor de um semelhante domda graça, o qual difere, entretanto, conforme o individual. As dife-renças entre esses dons não são determinadas por habilidade ou ca-pacidade natural, mas segundo a proporção do dom de Cristo (1Co12.1-11). Os versículos 8 a 10 são uma referência ao Cristo vitorioso(ascensão), aquele que concede aos homens os dons.

V.11: Aqui temos a menção de alguns dons que fazem parte da diversidade,mas jamais deixam de fazer parte da unidade.

Vv.12-14: Nestes versículos temos o propósito do uso dos dons menciona-dos no versículo anterior: Aperfeiçoamento das pessoas para o servi-ço na igreja; edificação do corpo de Cristo; unidade de fé e plenoconhecimento do Filho de Deus.

V.15: “cresçamos” refere-se ao crescimento de um corpo. É claro cresci-mento este ligado àquele que é a cabeça do corpo, Cristo.

V.16: Aqui Paulo tem em vista a estrutura, maravilhosa e complicada, docorpo humano, firmemente unido por juntas e ligaduras apropriadas.Da mesma forma o corpo de Cristo, a igreja, bem ajustado e consolida-do, efetua o seu próprio aumento para a edificação de mesmo em amor.

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4. LUTERO E O TERCEIRO ARTIGO – A IGREJA

Lutero explica o assunto Igreja no Terceiro Artigo, o qual ele intitula comoo da Santificação7 . Ele diz:

“Creio que existe na terra um santo grupinho e congregação composto ape-nas de santos, sob uma só cabeça, Cristo, grupo congregado pelo Espírito Santo,em uma só fé, mente e entendimento, com diversidade de dons, mas unânimes noamor sem seitas e sem cismas. Eu também sou parte e membro dessa congrega-ção, co-participante e co-desfrutante de todos os bens que possui. Pelo Espírito aela fui levado, incorporado através do fato de haver ouvido e ainda ouvir a pala-vra de Deus, que é o princípio para nela se entrar. Pois antes de havermos chegadoa essa congregação, pertencíamos totalmente ao diabo, como pessoas que nadasabiam de Deus e de Cristo. Assim, o Espírito Santo permanece com a santa con-gregação, ou cristandade, até o dia derradeiro. Por ela nos busca e dela se servepara ensinar e pregar a palavra, mediante a qual realiza e aumenta a santificação,para que diariamente cresça e se fortaleça na fé e em seus frutos, que ele produz.”

5. APLICAÇÕES HOMILÉTICAS

A proposta das leituras bíblicas para esse culto parece nos acordar para umaimportante dimensão na vida cristã: “viver a unidade da fé em meio à diversidade”.

1. Fomos chamados a sermos filhos de Deus, fazemos parte da igreja deCristo. Como diz Lutero: “Pelo Espírito a ela fui levado, incorporadoatravés do fato de haver ouvido e ainda ouvir a palavra de Deus, que é oprincípio para nela se entrar. Pois antes de havermos chegado a essacongregação, pertencíamos totalmente ao diabo, como pessoas que nadasabiam de Deus e de Cristo.”

2. Como filhos de Deus, fomos chamados para, com humildade e mansi-dão, preservar a unidade do Espírito (vv. 3-5).

3. Mesmo em meio à diversidade de dons, precisamos lembrar que há so-mente um corpo e um Espírito. Um só Senhor, uma só fé, um só batis-mo. Um só Deus e Pai de todos.

4. Esta diversidade na unidade deve ser vivida com um simples critério: oamor. Diz Lutero: “Creio que existe na terra um santo grupinho e congre-gação composto apenas de santos, sob uma só cabeça, Cristo, grupo con-gregado pelo Espírito Santo, em uma só fé, mente e entendimento, comdiversidade de dons, mas unânimes no amor sem seitas e sem cismas.”

5. Jamais a diversidade de dons deve ferir a unidade no todo.

7 LIVRO DE CONCÓRDIA, Catecismo Maior. São Leopoldo: Editora Sinodal e Porto Alegre: Concórdia Editora, 1993, pp.451-457.

ARTIGOS

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6. SUGESTÃO DE TEMA E PARTES

Tema: “Vivendo a unidade do Espírito”

Introdução – Fomos chamados por Deus, para fazermos parte do Corpo deCristo, a Igreja. Como está o nosso viver nesta unidade que se chama igreja? Osnossos diversos dons estão contribuindo para o crescimento desta unidade?

I. Vivendo este chamado com humildade e mansidão (vv. 1 e 2);

II. Mantendo a unidade do Espírito (vv. 3-6);

III. Usando os dons para edificação do corpo de Cristo, a Igreja (vv. 12-14).

CONCLUSÃO

(VV.15-16).

Viver na unidade do Espírito é viver em amor. Mesmo em meio a grandediversidade que há na igreja, podemos crescer em tudo naquele que é a cabeça,Cristo.

Adriano Chiarani da Silva

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Mateus 18.15-22(Jeremias 31.31-34; Efésios 1.1-14)

1. NOTAS INTRODUTÓRIAS

O texto de Mt 18.15-20 tem sido lembrado e usado por muitos cristãos,especialmente em situações de disciplina e excomunhão. Às vezes é tomado comoorientação para solução de conflitos, outras vezes para acusação, quando parecenão ter havido um procedimento adequado na administração de divergências maissérias.

Ainda que este texto possa ter essa propriedade, nos últimos tempos tem seprocurado observá-lo de um ângulo maior e interpretá-lo à luz de todo o capítulo18 de Mateus.8

2. QUEM É O MAIOR NO REINO DOS CÉUS?Jesus só não responde a essa questão, como surpreende, escolhendo uma

criança para redefinir o conceito de grandeza no reino dos céus. Em termos cultu-rais e sociais, no mundo greco-romano a criança era considerada de maneira geralcomo alguém desinformado, que precisa ser ensinado e até passar por disciplinamais severa. O costume romano incluía certas situações em que recém-nascidos“não desejados” poderiam ser abandonados, a fim de que morressem, ou seremencontrados por alguém para serem criados como escravos. A idéia de criançacomo criança, era bem negativa.

No mundo do Antigo Testamento e Judaísmo a criança era vista como sementendimento, teimosa e desobediente, o que significava necessidade da divina ehumana disciplina (2 Rs 2.23ss). As crianças na antigüidade não eram vistas como

PERDÃO

8 As considerações deste estudo, sobre a estrutura de Mt 18 e outras reflexões exegéticas serão baseadas num artigo escrito pelosprofessores do Concordia Seminary de Saint Louis, Jeffrey Gibbs e Jeffrey Kloha. O título original é “Following” Matthew18: Interpreting Matthew 18:15-20 in its Context (Seguindo Mateus 18: Interpretando Mt 18.15-20 em seu contexto). ConcordiaJournal, Volume 29, January 2003, Number 1, pp.6-21.

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“modelos”, mas como necessitados, sem entendimento e dependentes do cuidadode outros.

No evangelho de Mateus, o vocábulo específico para criança se refere ao“necessitado” Jesus, que precisa ser protegido por José e Maria (Mt 2.8-9, 11, 13-14, 20-21), a crianças alimentadas, (14.21), os que precisam de cura (15.26), aquelesque recebem a bênção e a oração de Jesus (19.13-14) e os oponentes adultos deJesus, que são comparados a crianças imaturas que choram e reclamam (11.16).

A referência para “crianças” em Mateus, seja literal ou para adultos, é suacondição de necessitados de comida, proteção, oração, exorcismo e revelação di-vina. Jesus Cristo não usa crianças como “modelos”, no sentido de terem compor-tamento ou exemplos de atitudes humildes, mas porque são totalmente dependen-tes de cuidados e inábeis, por elas mesmas, de entrar no reino dos céus.

Por isso, parece improvável que Jesus tenha cogitado de que se tornar “comouma criança”, ou “humilhar-se como esta”, signifique tornar-se um humilde servoe assim “ser o maior”. Porém, sua resposta é de que aquele que é “como umacriança”, isto é, que tem as maiores necessidades, que precisa do maior cuidado,de maior auxílio e maior orientação, esse é o maior no reino dos céus. Falar decrianças como humildes é certamente referência mais às suas limitações do quepor alguma virtude espiritual ou intelectual.9

Em relação ao versículo 5, Jesus acrescenta a verdade de que os discípulosdeveriam estar ansiosos para receber e ministrar para as “crianças”, os necessita-dos irmãos na fé. Eles deveriam saber que ministrar para estes “maiores” no reinodos céus significa ministrar para o próprio Jesus.

3. A ESTRUTURA DE MATEUS 18.1-35O discurso de Jesus pode ser dividido em duas partes. Cada uma delas, por

sua vez, pode ser dividida em três: 1.ª Parte: A. 18.1-5; B. 6-10; C. 12-14. Aconexão são os termos “criança/crianças” e “pequeninos” (18.2, 4, 5); 2.ª Parte:A. 18.15-20; B. 21-22; C. 23-35. A conexão é o termo “irmão” (18.15, 21, 35).

Vv. 1-5: Jesus revela que o “maior” no reino dos céus é aquele com maioresnecessidades e que demanda maiores cuidados. É tão importante ocuidado por eles, que receber e ministrar para esses pequeninos, quesão os maiores, é ministrar para o próprio Jesus.

Vv. 6-10: A preocupação aqui é que os discípulos só não devem receber eministrar a esses “maiores necessitados”, como evitar que eles caiamem pecado grave ou se afastem da fé.

9 MORRIS, Leon. The Gospel According to Matthew. William B. Eerdamans Publishing Company, 1992, p.460.

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Vv. 12-14: Quando um “necessitado” e “dependente” cristão se extraviar,outros discípulos devem ir atrás. Não basta evita o escândalo, masuma ação responsável com um irmão cristão que começou ou se afas-tou da fé e vida cristã comum. Esta é a maneira que Deus agiria comaquele que se afasta.

Vv. 15-2010 : Mesmo que o caso seja um pecado pessoal, o discípulo deCristo deve ir atrás e procurar, a fim de ganhá-lo outra vez. Se naparte anterior Jesus ensinou a procurar por alguém que se desviou,aqui cada cristão tem a responsabilidade de ir atrás, privadamente,para buscar a reconciliação e restauração da relação horizontalmenterompida. A urgência dessa atitude de reconciliação é possível perce-ber no envolvimento da própria comunidade. Caso não haja sucessonessa tentativa, a ruptura da relação horizontal deve ser publicada,no sentido de que houve ruptura com a comunidade inteira e com opróprio Deus.

Vv. 21,22: Existe limite para esse procedimento?

Vv. 23-35: Tanto quanto o perdão que os cristãos recebem de Deus, o Paicelestial, assim deve ser na comunidade que está sob o reinado doscéus, em Jesus Cristo, que veio para salvar seu povo dos seus peca-dos (Mt 1.21).

4. REFLEXÕES PRÁTICAS

O ensino de Jesus parece indicar que o pecado cometido é diretamente con-tra um irmão. O contexto no qual ele ocorre é a comunidade dos irmãos. O pecadonão pode ser apenas algo pessoal. Conectando o verbo “ganhar” com “procurar aque se extraviou”, parece significativo refletir sobre a natureza do pecado e asituação de “extraviado” deste irmão. O irmão pecador está em risco de rompersua relação com os demais cristãos11 .

A seriedade disto está no fato de que toda a comunidade pode ser envolvi-da. E se o resultado continuar sendo a impenitência, ele perde a condição de mem-bro da igreja. Há uma conexão inseparável entre a relação vertical e horizontal navida do cristão. Também é importante notar que o ofendido reconhece que estepecado é sintomático de um problema maior e sua intenção é cuidar, em amor, dobem-estar espiritual do irmão pecador.

10 O problema textual pode estar no v. 15, em relação à omissão ou não do [contra ti]. Se nós o considerarmos do texto, entãoJesus se refere ao que fazer numa situação específica, em que um irmão ofendido busca a reconciliação. Se o omitirmos, entãoJesus está falando do que precisa ser feito em qualquer situação de pecado. Gibbs e Kloha entendem que combinando com afrase “entre ti e ele só”, parece bem provável que o ensino de Jesus diz respeito mais à primeira alternativa.

11 É interessante notar a relação deste “ganhar” com 1 Pe 3.1 e 1 Co 9.19-22.

ARTIGOS

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5. LUTERO E O TERCEIRO ARTIGO12

O centro é a obra de santificação do Espírito Santo e uma das esferas que oEspírito realiza essa obra é pelo perdão dos pecados, que leva de volta os perdoa-dos a Cristo. Um outro aspecto interessante é o papel da congregação, a “mãe quegera e carrega a cada cristão mediante a palavra de Deus” (Livro de Concórdia,p.453.42). O papel da congregação é importante, à medida que este grupo existepelo Espírito, em uma só fé e entendimento e unânimes no amor. Tudo na cristan-dade é ordenado para se buscar pleno perdão dos pecados. Na cristandade há umduplo sentido: Deus nos perdoa, perdoamos e suportamos com auxílio uns aosoutros.

Essas frases selecionadas de Lutero confirmam em muitos aspectos a gran-de ênfase de Mt 18. A congregação é mãe que cuida de seus filhos frágeis, tudodeve ser feito na direção de se proclamar o perdão dos pecados, bem como esten-der esse perdão às ovelhas mais frágeis.

6. PROPOSTA HOMILÉTICA

Segundo Abraham Maslow, psicólogo norte-americano, o ser humano temnecessidades básicas a serem satisfeitas e que são ordenadas hierarquicamente. Oser humano tem necessidades fisiológicas, de segurança, amor, auto-estima e auto-realização.

A sugestão é olhar “hierarquicamente” as necessidades espirituais do cristãoe da comunidade e enfatizar a primeira e essencial, o perdão. O perdão de Deus eentre os irmãos. A relação entre irmãos na fé é preciosa e deve ser honrada eprotegida. Quando isto é colocado em perigo, não pode haver economia de esfor-ços para restaurar a relação rompida e ganhar o irmão para a comunidade e paraDeus. O texto de Mt 18.15-20 não estabelece regras para a excomunhão, emboraisto também possa fazer parte, mas a “regra de Cristo” é o cuidado com que osirmãos na fé devem ter uns para com os outros, especialmente os mais necessita-dos, os maiores no reino dos céus.

Anselmo Ernesto Graff

12 LIVRO DE CONCÓRDIA, Catecismo Maior. São Leopoldo: Editora Sinodal e Porto Alegre: Concórdia, 1993, pp.451-457.

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1 Coríntios 15.20-26(Isaías 42.1-7; João 6.32-44)

1. CONTEXTO ECLESIÁSTICO

Os dois Catecismos de Lutero foram os veículos principais na rápida pro-pagação da reforma luterana. Publicados em 1529, foram multiplicados e divul-gados entre as autoridades governamentais e na igreja do século XVI. Contendoas “partes principais da doutrina da igreja cristã”, os Catecismos anunciaram amensagem da salvação e causaram a “reforma” da igreja de então. Diante destemaravilhoso sumário da doutrina cristã, os dois Catecismo merecem destaqueentre as Confissões Luteranas – na igreja do século XVI e nas Igrejas Luteranasde todo o mundo ainda nos dias de hoje.

Lutero dizia que, mesmo sendo mestre e doutor, deveria “permanecercriança e aluno do Catecismo” (Livro de Concórdia – LC, p. 388). Luterosuplica aos “irmãos pastores e pregadores” que “nos ajudeis a inculcar o Ca-tecismo às pessoas, especialmente à juventude” (LC, p. 364). E Lutero justifi-ca o estudo do Catecismo e a necessidade de seu ensino com as palavras: “Éque o Espírito Santo está presente com esse ler, recitar e meditar, e concedeluz e devoção sempre nova e mais abundante, de tal forma, que a coisa de diaem dia melhora em sabor e é recebida com apreço cada vez maior” (LC, p.388).

A explicação que Lutero faz dos três Artigos (Deus Pai - Criação; DeusFilho - Redenção; Deus Espírito Santo - Santificação) do Credo Cristão é, aomesmo tempo, um excepcional documento confessional da igreja cristã e umaprofunda oração do cristão. Aqui, Lutero se revela um escritor preciso, um pastorconsagrado, um teólogo “proeminente, insuspeito, experimentado e erudito...”(Prefácio LC, p. 5). Vale a pena memorizar e incluir nos cultos públicos da igreja.

Neste estudo, devem ser destacadas as palavras do 3º Artigo do Credo quefala sobre a ressurreição.

DEUS NOS RESSUSCITARÁ

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2. TEXTO

O 3º Artigo do Credo diz: “Creio no Espírito Santo... na ressurreição dacarne e na vida eterna”. A explicação de Lutero diz: “... e no dia derradeiro meressuscitará a mim e a todos os mortos, e em Cristo me dará a mim e a todos oscrentes a vida eterna”.

A doutrina da ressurreição tem farta comprovação bíblica. Comoamostragem, apontamos apenas alguns textos que abordam esta doutrina: Is 26.19;Dn 12.2; Jó 19. 25, 26; 1 Co 15. 20-26; 15. 51; Jo 6. 32-44; 11.25. Há uma centenade outros textos. Ao apresentar este estudo, importa ler estes versículos.

No Novo Testamento aparecem, especialmente, três termos que falam daressurreição: anástasis, substantivo que significa ressurreição; anísteemi, verboque significa ressuscitar; egliroo, verbo que significa levantar-se. Estes verbe-tes têm sentidos diversos, mas apontam sempre ao tema da ressurreição. Osprincipais significados são: ressurreição, ressuscitar, reviver, vivificar, levan-tar-se, erguer-se, retornar à vida, despertar, acordar, ficar de pé, viver de novo.Sempre como oposto de estar prostrado, estar deitado, estar morto - estar derro-tado. Sempre com a conotação de acordar, levantar, estar de pé, viver - ser vito-rioso!

Algumas reflexões sobre a doutrina da ressurreição:

É doutrina escatológica, ou das “últimas coisas”, como o são a morte, asegunda vinda de Cristo, o juízo final, o fim do mundo, a criação do novo céu enova terra. São eventos que ainda estão no futuro, e um dia vão acontecer.

É uma doutrina que pertence aos artigos fundamentais primários da igreja.A teologia do Novo Testamento sublinha a ressurreição como centro da mensa-gem cristã. É tão importante que o próprio Cristo se identifica com a ressurreição:Eu sou a Ressurreição (Jo 11.25).

É puro evangelho, repleto de esperança, consolo e conforto para o cristão.A morte temporal não é o fim da vida.

A ressurreição dos mortos acontecerá em meio a uma série de eventos: nodia do 2º retorno de Cristo, no dia do fim do mundo, no dia do juízo final, no diada separação dos crentes e descrentes – vida eterna ou morte eterna (Mt 25.46), nodia do rompimento dos novos céus e nova terra. A Bíblia atribui o ato da ressurrei-ção ao Deus Triúno, ora ao Pai, ora ao Filho, ora ao Espírito Santo (Jo 5.21; 6.40;At 2.24). O Deus todo – Pai, Filho, Espírito Santo – agiu na criação, na salvação,na santificação e assim será no momento da ressurreição.

Todos os mortos, crentes e descrentes, participarão da ressurreição parareceber a vida no céu ou no inferno. Os que, neste dia, estiverem vivos serãoarrebatados e transformados (1 Co 15. 20-22; 1 Ts 4.13-18).

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A nossa ressurreição está alicerçada na ressurreição de Cristo. A ressurrei-ção de Cristo é a garantia de nossa ressurreição (1 Co 15).

No dia da ressurreição dos mortos haverá a restauração do corpo, a uniãoentre o corpo e alma, e os mortos em Cristo, com corpo “glorioso e espiritual”,entrarão na plenitude da vida celestial e viverão eternamente no novo céu e novaterra (2 Pe 3.11-13; Ap 21).

Apesar dos negadores da ressurreição (Mt 22.23; At 17.32; 1 Co15.12),confessamos com os cristãos de todos os tempos: Creio na ressurreição dos mor-tos e tenho certeza que Deus “me ressuscitará a mim... e me dará, com todos oscrentes, a vida eterna”!

3. DISPOSIÇÃO

Introdução

- Importância da doutrina da ressurreição: Cristo se identifica (Jo 11.25);

- Cristo ressuscitou Lázaro já em decomposição (Jo 11. 1-46);

- No juízo final, Deus vai ressuscitar todos os mortos de todos os tempos;

- É evangelho, esperança, consolo – vida.

Tema e partes

CREIO NA RESSURREIÇÃO DOS MORTOS

I. Porque o Espírito Santo “me chamou, iluminou, santificou e me conser-vou na fé”;

II. Porque a promessa de Deus é fiel;

III. Porque Cristo venceu pecado, morte e Satanás para me ressuscitar paravida eterna;

IV. Porque a ressurreição é a porta de entrada para o novo céu e nova terra.

Conclusão

Confessar com os ouvinte as três explicações que Lutero faz dos três Arti-gos do Credo – destacando a ressurreição.

Ap 21 aponta para “as coisas vivas”.

Leopoldo Heimann

ARTIGOS

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Gálatas 6.1-8(Joel 3.9-21; João 3.13-21)

1. RELAÇÃO ENTRE AS LEITURAS

Jl 3.9-21 – A volta do cativeiro babilônico e a felicidade de estar de volta(em Jerusalém) é o símbolo da alegria para o dia derradeiro e poderdesfrutar da vida eterna.

Jo 3.13-21 – É o texto clássico que afirma que a vida eterna recebemos depresente, graças à obra de Jesus, sem nenhum mérito de nossa parte. Aforma de recebê-la é pela fé em Jesus.

Gl 6.1-8 – É o objeto desta análise. À primeira vista parece que a vidaeterna deve ser conquistada por esforço. Não é, não. Gálatas fala daliberdade em Cristo de se fazer o que agrada a Deus. Nesta perícopePaulo fala da semeadura cristã. Toda a vida do crente é uma semeadurapara a vida eterna. A lei é universal. Colhemos o que semeamos.

No Catecismo: “Vida eterna” – a 5ª parte do 3º Artigo: “Creio na vidaeterna”. Vida eterna é sinônimo para céu, paraíso, salvação, felicidadeeterna, tudo o que a Bíblia diz sobre o céu e o que lá desfrutaremos.

2. TEXTO

Morte é notícia, mas vida é atração. Ainda mais, quando é vida eterna.

Alguns dizem que não se deve falar ao homem de hoje sobre a vida eterna.Isto não lhe interessa. O que ele quer e precisa é a solução para os seus problemasde hoje. É uma falsa perspectiva. O que o homem de hoje precisa é exatamente avida eterna. Porque ela já começa aqui e agora. Jesus disse em Jo 6.47 : “Emverdade vos digo: Quem crê em mim tem a vida eterna”, já agora. Morte é notícia,mas para o homem a vida é a atração.

Nos versículos 1 a 8 do capítulo 6 temos uma semeadura de atitudes queidentificam aqueles que já têm a vida eterna aqui pela fé em Jesus.

VIDA ETERNA

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Vejamos:

V. 1: Uma atitude que semeia aquele que está indo para a vida eterna é abrandura com que trata a alguém dos irmãos que “escorregou” e aquem quer ver também no céu e viver com ele lá. O verbo originalpara corrigir é “fazer retornar algo no que deve ser ou como deve ser;consertar; ouvir para daí ajudar”. E isto no espírito de mansidão, bran-dura. É tratar o outro do jeito que gostaria de ser tratado numa even-tual “escorregada”.

Estas faltas aqui não são aquelas mencionadas em 5.19-21. Aqueles sãopecados deliberados e fazem cair da graça. Por isso, não herdam o reino de Deus.Aqui são faltas, embora pecados, mas faltas que são eventuais. A mansidão serevela junto com a humildade: cuida também de ti mesmo.

V. 2: É uma segunda atitude na semeadura de quem está indo para a vidaeterna: “ajuda a carregar o peso de companheiros de jornada”. É asolidariedade de dar o ombro, consolar, ajudar. Ora dou, ora recebo.Precisamos uns dos outros. Só o pratica quem sabe para onde vai:para a vida eterna. Ajudar a carregar é aliviar o outro. Isto é imitar aCristo: “Vinde a mim.... eu vos aliviarei” (Mt 11.28).

V.3: É um puxão de orelhas para o velho homem. No original o termo para“se enganar” é o que se expressa também no português: se enganar.Não tem coisa pior do que enganar-se a si próprio. Imagina estar indopara o céu, mas acaba no inferno. Na semeadura de atitudes é precisotoda a atenção. Não corramos o risco de nos enganar a nós próprios.

V. 4: Se existe algo do que o cristão pode “se gloriar” é dizer “que estáfraco”, como Paulo fazia. Ou seja: dizer que toda a sua força vem deCristo, ou que é totalmente dependente de Cristo. Isto não é vergo-nha. Embora mostre sua fraqueza, em Cristo tem tudo. “Tudo possonaquele que me fortalece” (Fp 4.13).

V. 5: A vida é igual para todos. Cada um levará o seu fardo. Não existe issode um ser melhor que o outro. Nossa condição é a mesma: todoslevamos nosso fardo.

V. 6: Uma atitude também positiva na semeadura de quem está indo para avida eterna: repartir coisas boas com quem nos trouxe ou ensinou comoir ao céu. O que sabemos, alguém nos ensinou. O que temos, alguémnos deu. “Que tens tu que não tenhas recebido?” (1 Co 4.7). O que seide Jesus, do céu, da vida eterna, Deus me ensinou por alguém: meuspais, meus pastores, tu sabes de quem aprendeste. Pois bem, repartecom aqueles que te deram isso, coisas boas. Coisas boas são gratidão,carinho, reconhecimento, ajuda, dinheiro, cooperação, etc.

ARTIGOS

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V. 7: A inflexível lei: quem planta batatas, colhe batatas. Quem planta urti-ga, colhe urtiga. Assim: não zombes de Deus. Não ridicularizes suaPalavra, suas coisas. A lei da natureza é inflexível para todos na se-meadura. Assim para com Deus, também. Deus não se deixa zombar.É uma pitadinha de pimenta para meu velho homem.

V. 8: É o versículo maior da perícope: morte e vida eterna. Há semeadurapara a morte: Gl 5.19-21. Carne, no sentido original, não é corpofísico, mas nossa natureza corrompida. Há semeadura para a vidaeterna: Gn 5.22,23. Vida que nos é dada na regeneração, pelo Espíri-to Santo. Agora já se vê aqui no mundo quem está indo para a morte,a separação eterna de Deus no inferno. Já se vê também quem estáindo para a vida eterna. A vida é uma semeadura que identifica acolheita: ou morte ou vida eterna; ou condenação ou salvação. Aquino mundo nossa semeadura precisa do constante regar da Palavra, dagraça, dos sacramentos, o adubo espiritual.

A doutrina sobre a vida eterna é organizada no Catecismo Menor de formamaravilhosa. Basta abrir o Catecismo e estudá-la.

O que estamos semeando? O que vamos colher? Eu quero a vida eterna.

3. SUGESTÕES HOMILÉTICAS

Tema e partes:

COMO VIVEM OS QUE VÃO PARA A VIDA ETERNA

1. receberam a vida eterna;

2. semeiam atitudes para a vida eterna.

“ANDAI NO ESPÍRITO” (5.16)

1. é o Espírito Santo quem conduz;

2. semeando atitudes para a vida eterna.

Benjamim Jandt

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Mateus 6.5-8(Isaías 63. 8-16; 1 João 1.1-3)

1. O QUE É - E O QUE NÃO É - ORAÇÃO!Na escolha de um título para esta parte do Sermão do Monte de Jesus,

poderíamos colocar: O que é, e o que não é, oração. Jesus ao fazer referência aesta prática universal de seu tempo, tem consciência das compreensões errôneasexistentes, das práticas mais em voga e até dos absurdos usados pelos seus con-temporâneos. Por isso, a necessidade de uma explicação inteligível, bem ao nívelde seus ouvintes, compõe uma parte do famoso discurso de Jesus, ou Sermão doMonte.

2. TEXTO

V. 5: O que não é oração: “E, quando orardes não sereis como os hipócritas...”

Orar é falar com Deus. Só que este falar não é uma falar qualquer, comotambém este Deus não é um Deus qualquer. A oração cristã é uma prática quedemonstra comunhão íntima que existe entre um cristão e o Deus verdadeiro,revelado na Escritura Sagrada. Orar é colocar, com toda a confiança, sem restri-ções, todas as nossas necessidades, desejos e a situação real em que se encontra onosso coração, diante do Pai celestial.

No AT, e mesmo no tempo de Jesus, o isrealita fiel tinha o costume deobservar determinadas horas do dia para a oração. Esta oração era feita em suaprópria casa, em lugares reservados para este fim no templo, ou mesmo nas ruas(Dn 6.10 e At 3.1). Mas os fariseus usavam a prática da oração para ressaltar a suapiedade perante os outros, queriam mostrar algo que não eram de fato: eles queri-am ser admirados por sua religiosidade e, por isso, procuravam os melhores luga-res no templo, não para orar, mas onde mais pessoas podiam vê-los; nas ruas, asua hora de oração ocorria sempre onde havia o maior movimento, onde maispessoas podiam observá-los. Eles se colocavam ostensivamente nestes lugares,

PAI-NOSSO: INTRODUÇÃO

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IGREJA LUTERANA

evidentemente, e com isto também estavam demonstrando qual era seu objetivo:eles queriam ser vistos e admirados pelas pessoas.

V. 6: O que é oração: “Tu, porém, quando orares...”

Aqui Jesus aponta para a postura correta na oração. Para Jesus, a hipocrisianão pode estar presente na oração. Ele não restringe a oração para alguns horáriospré-estabelecidos. Sempre que você sentir necessidade de ficar em comunhãocom Deus, sempre que você precisar ficar sozinho diante de seu Deus, então abrao seu coração e despeje diante dele tudo o que o aflige, sem hesitação ou restri-ções. E para isto nada melhor do que um lugar onde podemos ficar sozinhos semsermos perturbados. Jesus recomenda o quarto, pois lá podemos fechar a porta,para não sofrermos interferências ou intromissões externas. O nosso quarto fecha-do é o lugar onde só nós e Deus estamos. E este lugar pode proporcionar-nosmomentos especiais e únicos de comunhão com o nosso poderoso Mantenedor,querido Salvador e sempre presente Animador.

O cristão que está acostumado com esta prática de oração, descrita porJesus, receberá também toda a edificação na sua oração pública, na devoção do-méstica, como também no culto público. Pois o seu coração já estará treinadopara se concentrar somente no Senhor e assim não ser perturbado por outros pen-samentos. Jesus enfatiza o fato que a nossa oração deve ser dirigida somente auma pessoa: “teu Pai”! E ao descrever Deus como um pai, ele, gentilmente, nosconvida a assumirmos uma postura infantil, a fim de pedirmos a Deus todas ascoisas com toda a confiança, assim como um filho ou uma filha pedem a seuquerido pai.

Vv. 7, 8: A admoestação de Jesus contra práticas absurdas que estavam emvoga no seu tempo: “E, orando, não useis de vãs repetições...” – Acaracterística fundamental na oração de descrentes é a murmuraçãoe a contínua repetição de frases ou palavras (1 Rs 18.26 e 19.34).Estas práticas eram comuns aos ouvintes de Jesus devido ao grandenúmero de gentios que viviam na Galiléia e que viviam misturadoscom o povo de Israel.

A idéia que estava presente nesta prática era de que a insistência e tempoinvestidos na repetição iriam amolecer o coração da divindade e, também, de-monstrava que a confiança do cultuador em ser atendido não estavam baseados nocoração da divindade, mas no modo como eram apresentados os seus pedidos.Jesus diz que o cristão não deve se assemelhar aos descrentes na prática da ora-ção, antes pelo contrário, o seu culto deve ser e é completamente diferente.

A oração cristã tem muito mais a ver com o coração do que com a língua. Aoração não se baseia na eloqüência das palavras usadas, mas no fervor e na sim-plicidade da fé. Palavras bonitas, frases bem colocadas e gestos, por mais emotivos

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que sejam, podem não significar nada além de um discurso humano bem elabora-do e que pode até nem ser uma oração cristã. A nossa confiança em Deus não sebaseia no modo como nós falamos com Deus, mas antes naquilo que Deus podefazer em nós.

Um outro ponto que ressalta o absurdo das muitas repetições é o fato deDeus conhecer as nossas necessidades mesmo antes de pedirmos qualquer coisa.Como um pai verdadeiro, ele está preocupado com as necessidades e desejos deseus filhos e, por isso, ele busca na sua onisciência informações precisas a respei-to dos nossos problemas, antes mesmo de termos consciência deles (Is 65.24).

Quando oramos não estamos querendo ensinar a Deus o que ele deveria nosdar, antes pelo contrário, estamos ensinando a nós mesmos a sermos mais agrade-cidos, pois, ao pedirmos, também estamos confessando a quem estamos pedindoe reconhecendo de quem recebemos todas as coisas. Deus opera maravilhas navida do cristão que vive na prática da oração.

3. PROPOSTAS HOMILÉTICAS - ESBOÇOS

1. Tema: ORAÇÃO

I - O que é oração

II - O que não é oração

2. Tema: ESTAR LIGADO A DEUS

I – Como Deus se liga a nós

II – As aparências podem enganar

III – A linha que nunca está ocupada

IV - As bênçãos de uma vida ligada em Deus

Mario Lehenbauer

ARTIGOS

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IGREJA LUTERANA

João 17.11-17(Salmo 103.1-14; 2 Tessalonicenses 1.6-12)

1. COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS

Este trecho é tirado da oração sumo sacerdotal de Cristo. Era quinta-feirasanta. Jesus estava reunido com seus discípulos no cenáculo em Jerusalém, ondeinstituiu a Santa Ceia. A grande tarefa da preparação, que durou três anos, estavacompleta. Tudo estava pronto para o grande sacrifício. Após uma longa mensa-gem de despedida, Jesus se dirige ao Pai em oração. Orou em voz alta para quetodos pudessem ouvir.

- Glorifica-me (v.4). Ele pede em primeiro lugar para si. Que o Pai o glorifique,isto é, o ampare neste seu trabalho sacrificial. Pois, qual é a glória de um carpinteiro?Sua obra, talvez uma armário ou mesa. Qual a glória de um jogador de futebol? Osgols! Pois a glória de Cristo, com a qual glorifica o Pai, é sua obra redentora, comple-tada por sua morte e ressurreição, pela qual os fiéis o glorificam eternamente.

- Pai (v.1). Jesus clama ao Pai. Em todo o trecho, a Trindade é abordada.Um tema muito polêmico em nossos dias. Vale a pena rever a doutrina da SantíssimaTrindade na dogmática de Mueller e Pieper e do Sumário de Köhler. Quem podechamar alguém de Pai? Somente os filhos. Somos todos criaturas, filhos só pelorenascer, pela água e o Espírito (sacramento e Palavra) (Jo 3.5), pela fé em graçade Cristo e enquanto na fé. Só estes oram em espírito e verdade. Só estes sãoouvidos pelo Pai. “Por esta palavra, Deus quer atrair-nos carinhosamente, paracrermos que ele é o nosso verdadeiro Pai e nós, os seus verdadeiros filhos, paraque lhe roguemos sem temor, com toda a confiança, como filhos amados ao que-rido Pai.” (Petições: Introdução, Cat. Menor). Mesmo que para algumas pessoas,devido às suas más experiências com seus pais (cruéis, viciados), esta palavra nãodeixa de ter seu carinhoso atrativo: “para que lhe roguemos sem temor, com todaa confiança, como filhos amados ao querido pai”. Precisamos deste carinho diari-amente, pois nossa consciência nos acusa de pecados e quer-nos impedir de cla-mar ao Pai.

PRIMEIRA PETIÇÃO

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- Já não estou no mundo (11). Não mais visível. Pai santo, guarda-os. San-to em contraposição aos pais terrenos e ao seu pedido, guardá-los nesta santacomunhão, visto estarem num mundo hostil. Para que sejam um. Refere-se tantoà unidade como aos que no futuro virão a crer, para formarem uma só família, umsó corpo, a comunhão dos santos, invisível, pois não podemos ver a fé no coração.Por isso confessamos: Creio na santa igreja cristã – a comunhão dos santos.

- Nenhum deles se perdeu, salvo (não exceto, não se trata de uma exceção, deuma falha por parte de Jesus) o filho da perdição, para que se cumprisse a Escritura(v.12). Jesus guardou a todos. Judas, que no início creu, estava cheio do EspíritoSanto, foi enviado e voltou louvando a Deus (Lc 9.17-20), depois ele, infelizmente,abandonou a Jesus. Voltou-se ao diabo. É sua culpa, não faltou amor por parte deJesus. Para que se cumprisse a Escritura. Para que (ina) não é determinativo, masrepousa sobre a presciência de Deus. A presciência de Deus não é causativa.

- Meu gozo completo em si mesmos (v.13). Jesus abriu seu coração diantedeles orando em voz alta. Eles conheceram o amor do Pai e de Jesus. Mais tarde,após sua morte, ressurreição e a descida do Espírito Santo, compreenderam aindamelhor a glória de Cristo, sua obra, e a relação entre o Pai e o Filho, e o quanto sãoamados por Deus.

- Santifica-os na verdade (v. 17). Coloca-os à parte. Separa-os do profano,para estarem devotados só ao Pai. Na verdade. A Palavra de Deus é a verdade. Poresta palavra o Espírito os santifica dia após dia, conduzindo ao arrependimento eao consolo do perdão, firmando na fé, de onde brotará toda a força para renunciaràs tentações do mundo e afogar sua natureza carnal. A obra da santificação secompletará quando formos chamado para a eternidade, ou no dia do juízo, entãoestaremos livres do pecado original em nossa natureza carnal de onde brotamdiariamente pecados.

- E a favor deles eu me santifico a mim mesmo (v.19). Ambos são enviadospelo Pai, Jesus e os discípulos, dedicados à obra santa. Jesus vai ao Pai. Sua mis-são, sua ida, é fundamental. Ninguém o poderá obrigar a isso, ele vai voluntaria-mente à morte, para se sacrificar pela humanidade e ressurgir, triunfando sobre osinimigos: pecado, morte e Satanás. Isto é impossível aos discípulos. Mas eles irãona plenitude da bênção de Cristo (Rm 15.20).

2. PROPOSTA HOMILÉTICA

A oração do nosso sumo sacerdote

1. A glória de Jesus, nosso sumo sacerdote.

- Descreva em que consiste. Toda a obra de Cristo: sua morte, ressurreição,envio do Espírito Santo e o envio dos discípulos.

ARTIGOS

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IGREJA LUTERANA

- O resultado deste trabalho: nossa santificação e adoção de filhos daqueleem que crêem. Temos o privilégio de invocar a Deus como Pai, semtemor e com toda a confiança. Recebemos o espírito de adoção (Rm8.15-16). Aproximemos confiantes (Hb 4.16). A palavra Pai nos encora-ja a orar.

2. Jesus intercede junto ao Pai pelos seus ainda hoje.

- Ele não esquece ninguém. Sua intercessão nos guarda e fortalece.

- Santifica-os. Descreva o processo da santificação: Por sua Palavra nosleva ao diário arrependimento, nos consola com o perdão, e nos leva arenunciarmos diariamente ao mundo e as inclinações de nossa carne,para nos dedicar, ali onde Deus nos colocou, às responsabilidades quenos conferiu na missão.

3. Nesta missão temos o privilégio de invocar o Pai. Por esta palavra Deusquer atrair-nos carinhosamente, para cremos que ele é o nosso verdadei-ro Pai e nós, os seus verdadeiros filhos. Nesta confiança o invocamospara que nos conceda força e dons necessários para que possamos, porpalavra e vida, glorificar o Pai. E não nos esqueçamos de incluir todosos trabalhos e a família de Deus: direção da igreja aqui e no mundo,nossos Seminários, pastores, professores e evangelistas e missionários,os que sofrem perseguição, os angustiados e aflitos, para que Deus nosconceda um ministério fiel e os recursos (movendo leigos para a oferta)para as diferentes tarefas. (Por vezes nossa oração geral é pobre, semdúvida, por falta de preparo. Já dizia o prof. Fürbringer: Ouvi ótimossermões seguidos de péssimas orações.)

Horst Kuchenbecker

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Colossenses 1.9-14(1 Samuel 8.1-9; Mateus 13.24-34)

1. CONTEXTO

O apóstolo Paulo não conhecia os colossenses quando escreveu sua carta aeles (1.4; 2.1). Quem cuidava daquela igreja era Epafras, que o apóstolo Paulochama de “amado conservo”.

Com pouco tempo de existência, a igreja de Colossos já havia recebido ainfiltração de doutrinas que se desviavam do evangelho. Paulo, provavelmentepreso em Roma, escreve esta carta para alertá-los dos perigos de se desviarem dadoutrina que aprenderam (1.23; 2.4-8, 16-23).

2. TEXTO

V. 9: Paulo pede que Deus encha os colossenses de sabedoria (sofía). “Apalavra indicava, para o grego, excelência mental em seu sentidomais pleno. O conceito do AT era o de aplicar o conhecimento davontade de Deus às situações da vida”. Paulo pede igualmente queDeus dê entendimento (sýnesis) aos colossenses. “A palavra refere-se à reunião de fatos e informações tirando conclusões e percebendoos relacionamentos.” Trata-se de entendimento espiritual (pneumatiké)que, no NT, tem o significado prevalecente “de, ou pertencente aoEspírito Santo” (Chave Lingüística do NT grego).

V. 10: Paulo roga que Deus guie os colossenses de maneira que vivam demodo digno diante de Deus, “frutificando” (karpoforountes – particí-pio presente ativo) em toda boa obra. “O tempo presente indica que aprodução de fruto, para os crentes, é um processo contínuo e a vozativa aponta para a difusão externa ou pode, simplesmente, dirigir aatenção para longe da energia inerente do produtor de fruto, o cristão,que é apenas um instrumento” (Chave Lingüística do NT Grego).

SEGUNDA PETIÇÃO

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IGREJA LUTERANA

Passagem paralela: “Assim, meus irmãos, também vós morrestes relativa-mente à lei, por meio do corpo de Cristo, para pertencerdes a outro, a saber, aqueleque ressuscitou dentre os mortos, a fim de que frutifiquemos para Deus” (Rm 7.4).

V. 11: Paulo ressalta que o fortalecimento vem da força (krátos) da glóriade Deus. Krátos “refere-se à força inerente que se manifesta no do-mínio sobre outras pessoas. Aqui se refere ao poder que é caracterís-tica de Sua glória” (Chave Lingüística do NT Grego).

V. 12: Paulo deixa claro que a porção da herança que os colossenses recebe-ram é uma dádiva de Deus que os fez idôneos, os capacitou(ikanôsanti) para tanto. Aos presbíteros da igreja de Éfeso, Paulo dizcoisa semelhante: “Agora, pois, encomendo-vos ao Senhor e à pala-vra da sua graça, que tem poder para vos edificar e dar herança entretodos os que são santificados” (At 20.32).

V. 13: É a ação de Deus que nos libertou (errýsato) do poder (eksousía) dastrevas. Eksousía “significa propriamente ‘liberdade de ação’, isto é,liberdade para fazer qualquer coisa sem impedimentos. Quando usa-da em contextos de relacionamento com pessoas, significa ‘autorida-de’, e, aqui, refere-se ao princípio característico e dominante da re-gião na qual eles habitavam antes da conversão a Cristo”. Das trevasDeus nos transportou, transferiu (metéstesen) para o reino de Cristo.Metístemi é “remover de um lugar para outro, transferir. A palavraera usada freqüentemente para denotar a deportação de um grupo dehomens ou a remoção deles para formar uma colônia” (Chave lin-güística do NT Grego).

Passagem paralela: “não há distinção, pois todos pecaram e carecem daglória de Deus, sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a reden-ção que há em Cristo Jesus” (Rm 3.22-24).

Deus nos transferiu para o reino do Filho do seu amor (basiléian tou yioutes agápes). “O reino de Cristo é o domínio cósmico de Cristo, adquirido por elemediante sua morte na cruz e ressurreição pelo poder de Deus. No fim dos temposele entregará o domínio ao Pai. No ínterim escatológico em que vivemos, o senho-rio de Cristo é manifesto primariamente na Igreja, embora não se esgote nela, etem por objetivo reconciliação de todas as coisas com Deus” (Chave Lingüísticado NT Grego).

V. 14: A nova vida com Cristo é motivada pelo perdão dos pecados.

3. APLICAÇÕES HOMILÉTICAS

O apóstolo Paulo recomenda aos colossenses viverem “de modo digno doSenhor”. Isto está em sintonia com a segunda petição do Pai Nosso, “Venha o teu

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reino”. No Catecismo Menor, Lutero explica que “o reino de Deus vem, na verda-de, por si mesmo, sem a nossa prece; mas suplicamos nesta petição que venhatambém a nós”. E isto sucede “quando o Pai celeste nos dá o seu Espírito Santo,para crermos, por sua graça, em sua santa palavra e vivermos vida piedosa, nestemundo e na eternidade”. No Catecismo Maior, Lutero complementa que pedimosque o reino de Deus venha também a nós “de sorte que também sejamos partedaqueles entre os quais o seu nome é santificado e seu reino está em vigor”.

Paulo explica aos colossenses que Deus “nos libertou do império das trevase nos transportou para o reino do Filho do seu amor” (v. 13). Isto é o reino deDeus, conforme Lutero diz no Catecismo Maior: “Mas o que significa reino deDeus? Resposta: outra coisa não é senão o que ouvimos acima, no Credo: queDeus enviou ao mundo a Cristo, seu Filho, nosso SENHOR, para que nos redimissee libertasse do poder do diabo e nos levasse a ele e nos governasse como rei dajustiça, da vida e da bem-aventurança, contra o pecado, a morte e má consciência.Para tanto nos deu também o seu Espírito Santo, que nos convencesse disso medi-ante a sua santa palavra, e por seu poder nos iluminasse e fortalecesse na fé”.

Paulo ora pelos colossenses que eles sejam plenos de conhecimento da von-tade de Deus, sejam fortalecidos pela glória de Deus e que dêem graças pela he-rança que receberão com os santos. Isto também está expresso na segunda petiçãodo Catecismo Maior, quando Lutero diz: “Amado Pai, pedimos que nos dês pri-meiro a tua palavra, para que o evangelho seja pregado retamente em todo o mun-do; em segundo lugar, que também seja aceito pela fé, e atue e viva em nós, deforma que pela palavra e poder do Espírito Santo o teu reino tenha curso entre nóse seja destruído o reino do diabo, para que não tenha direito nem poder sobre nós,até que, afinal, seja totalmente aniquilado, e o pecado, a morte e o inferno sejamexterminados, a fim de vivermos eternamente em plena justiça e bem-aventurança”.

4. PROPOSTA HOMILÉTICA

Deus nos desafia a vivermos de modo digno

I. Frutificando em toda boa obra

II. Sendo fortalecidos com todo o poder

Raul Blum

ARTIGOS

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IGREJA LUTERANA

1 Timóteo 2.1-4(Salmo 115.1-18; João 6.28-40)

1. CONTEXTO HISTÓRICO

Paulo está a caminho da Macedônia, mas deixa o jovem pastor Timóteo emÉfeso com uma função específica: “admoestar a certas pessoas a fim de que nãoensinem outra doutrina” (1 Timóteo 1.3). Paulo não descreve com clareza o queseja essa “outra doutrina”, mas no decorrer da epístola, seja através de seus ata-ques a esse ensino (cf. 1 Timóteo 1.3-7; 4.1-3,7; 6.3-5, 20-21) ou por meio de suasinstruções com relação à vida da igreja, fica claro que Timóteo iria enfrentar umaforma de gnosticismo.

O gnosticismo, mesmo com suas várias ramificações, basicamente apre-senta uma concepção dualística da realidade: aquilo que é espiritual, o não-mate-rial, é, em si, bom e aquilo que é material ou físico é, por si mesmo, mau. Essavisão da realidade não só vai contra a doutrina da criação, mas, em suma, colocapor terra toda a promessa do Evangelho. Portanto, a tarefa de Timóteo será a defazer o ar fresco da “sã doutrina” (1 Timóteo 1.10) soprar entre o povo de Deus –a igreja, cujo ar havia sido infectado pela gnosis humana. Contra a negação de umDeus criador e a rejeição de Sua boa dádiva, Timóteo deveria pregar (e ensinar) ocerne do Evangelho, ou seja: proclamar o Cristo que se fez carne [físico] (1 Timó-teo 3.16); que veio ao mundo para salvar os pecadores (1 Timóteo 1.15); que sedeu a si mesmo como resgate no topo da cruz (1 Timóteo 2.6), para salvar a todosos homens (1 Timóteo 2.4); e assim levar a igreja a orar unida por todos os ho-mens (1 Timóteo 2.1), proclamando a graça universal de Deus, pois esta é a Suaboa e misericordiosa vontade.

2. TEXTO

V. 1: “Antes de tudo...” . O capítulo 2 de 1 Timóteo consiste de instruçõespara o culto público. Paulo exorta para que o culto a Deus fosse acoisa mais importante (primeira = prwton) na vida dos cristãos em

TERCEIRA PETIÇÃO

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Éfeso. Culto – Gottesdienst, tem dois aspectos importantes einterdependentes: primeiro, o serviço de Deus ao Seu povo na Pala-vra e Sacramentos; segundo, como resposta, o serviço dos cristãos aDeus. Aqui, não podemos deixar de fazer a conexão entre o TerceiroMandamento e a Terceira Petição. Ao santificar o dia do descanso, ocristão não apenas coloca Deus em primeiro lugar em sua vida, mastambém é fortalecido e preservado na Palavra e na fé.

“Use a prática de... orações”. A oração não é apenas uma parte essencialdo culto, ela é companheira inseparável do cristão. Aquele que se tornou um filhode Deus quer estar em comunhão com Ele, seja no culto público, seja em suadevoção particular. A oração é o pulsar da fé do cristão. O cristão recebeu o Espí-rito de adoção, baseado no qual ele clama: Aba, Pai (Romanos 8.15).

O Novo Testamento Grego usa sete diferentes substantivos para a palavraoração e quatro deles ocorrem neste versículo (v.1). O primeiro deles é δεησεις,que é traduzido aqui por súplica. A idéia aqui é desejo ou necessidade. A oraçãobrota de um sentimento de necessidade, Deus quer que apresentemos a Ele asnossas súplicas, pois Ele promete nos ouvir (Salmo 65.2). A segunda palavra éπροσευχη. Esta é a palavra que mais ocorre no Novo Testamento e geralmente étraduzida por oração, e sempre está associada a orar a Deus. É usada tanto paraoração pública como privada. O contexto sugere que Paulo tinha em mente aoração no culto, mas a oração particular certamente não está excluída aqui. Aterceira palavra, εντευξις, é encontrada apenas em 1 Timóteo (aqui e em 4.5).Traduzida como intercessões, parece que o sentido é oração em geral. Essa pala-vra era usada no sentido de conversação e também de petição. O primeiro sentidosugere que a oração deveria ser uma conversa com Deus. A última palavra queaparece nesse versículo é ευχαριστιας, ou seja, ações de graças. A gratidãodeveria ser parte constante das nossas orações. Agradecer a Deus por aquilo queEle fez por nós no passado e esperar em fé que esse mesmo Deus irá prover emnossas necessidades futuras.

V. 2: “Em favor dos reis...”. O termo basileuV, nesse tempo, era aplicadoao imperador em Roma, bem como a outros governantes de menorimportância. Quando olhamos a história, somos lembrados que naépoca em que Paulo escreveu essa epístola, o imperador Romano erao cruel Nero – o qual mais tarde condenou Paulo à morte – e isso nosleva a concluir que precisamos orar por nossos governantes, não im-portando o quão absurdos e injustos eles possam ser. Na explicaçãodo quarto mandamento, Lutero nos aconselha a não desprezar osnossos superiores, mas honrá-los, servi-los, obedecer-lhes, amá-lose querer-lhes bem (cf. Romanos 13.1-2 e 1 Pedro 2.18). A razão deorarmos pelas autoridades é claramente apresentada no texto, “paraque vivamos vida calma e tranqüila”, dando-nos assim oportunida-

ARTIGOS

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IGREJA LUTERANA

de de vivermos a nossa fé em piedade, em suma, fazendo a vontadedo Pai.

V. 4: “Deus deseja que todos sejam salvos”. Qual é a vontade de Deus,qual é o Seu desejo? Paulo não deixa dúvidas que o querer de Deus éapenas um – a salvação de todas as pessoas! Na explicação do Cate-cismo Menor, lemos: “a boa e misericordiosa vontade de Deus étudo quanto Ele nos quer fazer de acordo com a sua promessa...”(pergunta 250). Desde Gênesis 3.15, sabemos que a promessa de Deusnão é outra senão a vinda do Salvador. Quando o Verbo se fez carne(João 1.14), o amor de Deus foi claramente revelado ao mundo (João3.16), e a vontade do Pai reafirmada, ou seja “que todo homem quevir o Filho e nele crer, tenha a vida eterna” (João 6.40).

Aqui é digno de nota o fato que o termo todos aparece seis vezes nessebreve texto (1 Timóteo 1.1-6), o que de certa forma enfatiza a universalidade doEvangelho e faz um contraponto à heresia gnóstica que produziu um grupo fecha-do e exclusivo de intelectuais. A igreja cristã quando ora: “seja feita a tua vonta-de, assim na terra...”, na verdade ora pelo mundo e pede que a vontade de Deus -revelada em seu Evangelho - seja proclamada a todos os homens.

Todavia, Lutero nos lembra que há um outro desejo, uma outra vontadecontrariando a vontade de Deus. O diabo se opõe e tenta obstruir o cumprimentoda vontade de Deus. Ele não suporta ver alguém ensinar a verdade ou nela crer. Hátambém a nossa própria carne, que é vil e inclinada ao mal, a qual continua moti-vando o cristão a fazer o mal que ele não quer fazer (Romanos 7.18-20), mesmodepois de ter sido regenerado e crer na Palavra de Deus. Por último há o mundo,que é perverso e mau, que tenta nos seduzir com seus encantos e glória passageira(Cat. Maior – O Pai Nosso, 3ª Petição, 61-63).

V. 4: “Conhecimento da verdade”. A Palavra – em forma de Lei e Evange-lho, leva ao conhecimento da verdade que liberta (João 8.31-32).Jesus não é apenas o caminho e a vida, mas Ele é a verdade que nosleva ao Pai (João 14.6). Eis porque Paulo afirma no versículo seguin-te (v.5) que Jesus é o único mediador entre Deus e os homens. Obvi-amente, esse conhecimento não é algo meramente intelectual, comose fosse uma realização humana (como queriam os gnósticos), mas éuma dádiva do Espírito. É o Espírito da verdade que nos guia a todaverdade (João 16.13; cf. 1 João 2.20,27).

3. APLICAÇÃO HOMILÉTICA

O texto de 1 Timóteo 2.1-4, ligado à terceira petição do Pai Nosso, dá aopregador a oportunidade de pregar sobre a boa e misericordiosa vontade de Deus.

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O tema norteador que certamente ajudará pregador e congregação a caminharemjuntos nessa reflexão seria: Oremos para que a Boa Vontade de Deus seja feitaentre nós.

1. A título de introdução, o pregador poderia iniciar com uma pergunta:“Qual é de fato a vontade de Deus? Qual é o seu querer em relação anós? Vez por outra, aqui e ali, ouvimos pessoas dizerem: “Aquela crian-ça nasceu com aquele ‘probleminha’ porque era da vontade de Deus!”;uma outra:“Isso aconteceu com aquela família, porque era a vontadede Deus”; ou ainda: “Se não fosse da vontade de Deus, isso jamais teriaacontecido”. Será que essa é de fato a vontade de Deus, ou isso nãopassa de mera especulação e consolo barato?

2. A Escritura é clara quanto aos planos de Deus para nós. Ela afirma queDeus não deseja o nosso mal ou desgraça, mas antes, um futuro cheio deesperança e vida (cf. Jeremias 29.11; Ezequiel 18.23). Em suma, a von-tade de Deus é que: a) creiamos no Evangelho e sejamos salvos (1 Ti-móteo 2.4) e b) vivamos uma vida piedosa (1 Timóteo 2:2; cf. 1Tessalonicenses 4.3).

3. Em termos da dinâmica Lei e Evangelho, o pregador pode trabalhar atensão existente entre a vontade do diabo, do mundo e da nossa carne,versus a boa e misericordiosa vontade de Deus.

Ely Prieto

ARTIGOS

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IGREJA LUTERANA

Provérbios 30.7-9(1 Timóteo 6.17-19; João 6.44-51)

1. CONTEXTO

O presente estudo homilético reúne os conteúdos dos textos supracitadose, ao mesmo tempo, aproveita o que Martinho Lutero escreveu em ambos oscatecismos a respeito da Quarta Petição do Pai Nosso: “O pão nosso de cada dianos dá hoje”. Aproveitou-se o conteúdo do texto em destaque e procurou-secomplementar com os textos da epístola e evangelho escolhidos para o mesmoculto.

2. TEXTO

Um belo título para o capítulo 30.7-9, poderia ser: “Uma grande oração” ou“Dá-me o pão que me for necessário”.

Vv. 7-9: “Duas coisas te peço, não mas negues antes que morra” – A Deusé que é feita esta oração, e o sábio desejava conseguir algumas coisasdifíceis nesta vida, conforme fica evidente no v. 1. Que Deus afastas-se dele a mentira e a falsidade, essas duas chagas malignas do serhumano. Nos provérbios anteriores já notamos como o autor se agas-tava contra a mentira e a falsidade, até nos tribunais humanos. Estaagora é a oração de um oráculo, a fim de ser honesto para com Deuse para com os homens.

“Não me dês nem pobreza nem riqueza: dá-me o pão que me for necessá-rio” – Esta adorável oração é, ao mesmo tempo, a sincera confissão de um filhode Deus que reconhece as próprias limitações e imperfeições. Ele temia a pobrezae tinha medo da riqueza, duas coisas comuns no mundo da época e presentes emnossos dias. O medo de, estando farto, ficar soberbo e dizer: “Quem é o Senhor?”.Isso tem acontecido a muitos que, ao enriquecerem, tornaram-se soberbos e seesqueceram de agradecer e buscar ao Senhor de toda boa dádiva. O apóstolo Pau-

QUARTA PETIÇÃO

140

lo, ao escrever para Timóteo (1 Tm 6.17-17), pede que ele exorte as pessoas ricasem bens materiais para que estas não venham a se tornar orgulhosas nem confiemnessas riquezas que são passageiras. Antes, que acumulem tesouros eternos, paraque no futuro possam apoderar-se da verdadeira vida e que, enquanto aqui vive-rem, sejam generosos com os que têm menos posses e que estejam sempre prontosa repartir e sejam ricos em boas obras.

“Ou que, empobrecido, não venha a furtar e profanar o nome de Deus” –O alvo da oração era o nome de Deus, que não devia ser esquecido na riqueza eprofanado na pobreza. Em Mateus 6.11, estão registradas as palavras de Jesus, no“Pai Nosso”, em que ele diz “O pão nosso o de cada dia dá a nós hoje”, ou seja,“Tudo o que pertence ao sustento e às necessidades da vida” (Catecismo Menor,quarta petição do Pai Nosso).

Lutero, ao falar do assunto “pão de cada dia”, afirma que “Deus, naverdade, também dá o pão de cada dia sem a nossa prece, a todos os homensmaus. Suplicamos, porém, nesta petição que nos faça reconhecê-lo e recebercom agradecimento o pão nosso de cada dia”. Destacamos três questões: a)Deus dá o pão de cada dia a todas as pessoas más. Isto inclui a nós também,pois, mesmo estando debaixo da sua graça e sendo de Cristo, precisamos reco-nhecer que o recebemos sem o nosso mérito. Não somos melhores do queninguém. A nossa pecaminosidade também nos coloca na situação de “maus eperversos”. b) O segundo destaque é que precisamos reconhecer constante-mente a generosidade de Deus, pois sem ele nada somos e nada podemos fa-zer. c) Por isso, em terceiro lugar, precisamos ser-lhe constantemente agrade-cidos.

Vale ainda destacar o que Lutero entende por este “tudo o que pertenceao sustento e necessidades da vida”: “Comida, bebida, vestes, calçado, casa,lar, campos, gado, dinheiro, bens, consorte piedosa, filhos piedosos, emprega-dos bons, superiores piedosos e fiéis, bom governo, bom tempo, paz, saúde,disciplina, honra, leais amigos, vizinhos fiéis e coisas semelhantes”. Atuali-zando, ainda acrescentaríamos: dá-nos emprego e boa escola para os nossosfilhos.

Também vale a pena conferir o que Lutero escreve no Catecismo Maior arespeito desta petição. Destacamos: “Quando mencionas e pedes o pão de cadadia, pedes tudo o que é necessário para que se tenha o pão cotidiano, e, por outrolado, também pedes que seja eliminado tudo o que o impede”... “Principalmente,entretanto, essa oração se dirige também contra o nosso inimigo máximo, o diabo.Pois que todo o seu propósito e desejo é tirar ou obstacular quanto de Deus te-mos”.

Importantíssimo também é que jamais nos esqueçamos que o pão porexcelência, o que supre as nossas necessidades físicas e espirituais, no pre-

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sente e no porvir, é aquele que diz de si próprio: “Eu sou o pão da vida ...Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém dele comer, viverá eterna-mente; e o pão que eu darei pela vida do mundo, é a minha carne” (Jo6.48,51).

3. APLICAÇÕES HOMILÉTICAS

a) Somos seres finitos e a morte é certa, no entanto o Pai amado quer sem-pre nos preservar, mesmo em meio ao sofrimento presente, e nos garan-tir alegria que vai além desta vida.

b) As “duas coisas” que o poeta pede demonstram a sua humildade e mos-tram que não é um sujeito ambicioso. Ele quer viver de maneira íntegradiante de Deus e diante do próximo.

c) Não queremos esquecer de pedir (e agradecer) que Deus nos conduzana verdade e nos ajude a vivermos de maneira autenticamente cristã.Que também o peçamos para aqueles que nos rodeiam, governam,etc.

d) Que nos contentemos com a provisão que Deus nos dá e não queiramospossuir mais do que todo o mundo, nem que precisemos mendigar onosso pão. Ter demais bens materiais poderia tornar-nos auto-suficien-tes e acharmos que não precisamos mais de Deus. A pobreza, por outrolado, e a fome, poderiam nos conduzir ao roubo e à profanação do nomede Deus.

e) Que reconheçamos que somos inteiramente dependentes das mãosgraciosas do Senhor e que sejamos sempre agradecidos. Lembre-mos também que o mesmo Deus que nos deu a vida e a sustentouaté o presente promete igualmente o pão nosso para cada novodia.

4. SUGESTÃO DE TEMA E PARTES

Tema: DÁ-ME O PÃO QUE ME FOR NECESSÁRIO

Partes: I. Para que eu não viva na falsidade e mentira (v.8)

II. Para que eu não te negue por causa da fartura (v.9)

III. Para que eu não venha a profanar teu nome por causa da pobreza (v.9)

IV. Para que eu tenha com que acudir ao necessitado (1 Tm 6.18)

V. Para que eu reconheça o Doador e lhe seja agradecido (Catecismo Menor).

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5. BIBLIOGRAFIA

JONES, Edgar. Proverbs and Ecclesiastes. London: SCM Press LTD, 1961.

KIDNER, Derek. Provérbios: introdução e comentário. São Paulo: VidaNova, 1982.

LIVRO DE CONCÓRDIA (Trad. Arnaldo Schüler). Porto Alegre/SãoLeopoldo: Concórdia/Sinodal, 1980.

MESQUITA, Antônio Neves de. Estudo no Livro de Provérbios. Rio deJaneiro: Juerp, 1979.

TOY, Crawford H. A critical and exegetical commentary on the book ofProverbs. Edimburg: T.&T Clark, 1964.

Paulo G. Pietzsch

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IGREJA LUTERANA

Efésios 4.30-32(Salmo 32.1-6; Mateus18.21-34)

1. CONTEXTO

A carta de Paulo aos Efésios foi escrita quando Paulo estava na prisão (3.1;4.1), possivelmente em Roma, entre 60 e 62 AD. Paulo não escreveu Efésios parafazer frente a problemas que aconteciam na Igreja (como no caso de Gálatas ou ascartas aos Coríntios). É uma carta com uma profunda reflexão sobre o que é aIgreja de Cristo. Nesta epístola Paulo fala da Igreja como o corpo de Cristo, comoa Igreja universal (a “santa Igreja Cristã - a comunhão dos santos”, que confessa-mos no Credo Apostólico). Outro tema importante é a entrada dos gentios naIgreja. Em Cristo não há diferença entre judeus e gentios. O Evangelho traz atodos a reconciliação com Deus e os faz corpo de Cristo.

Como de costume nas cartas paulinas, após uma parte de teor mais doutri-nário, Paulo faz exortações sobre a vida cristã. Aqueles que são corpo de Cristovivem a vida cristã em palavras e atos, não apenas no âmbito dos irmãos (congre-gação), mas na família e sociedade. Nesta carta, as exortações práticas estão colo-cadas especialmente a partir do início do quarto capítulo. O texto em estudo, por-tanto, faz parte desta seção parenética, iniciada com a exortação paulina: “Rogo-vos ... que andeis de modo digno da vocação a que fostes chamados” (4.1).

O contexto imediato (4.25-5.2) trata especificamente do tratamento com opróximo, falando-lhe a verdade, auxiliando-o em suas necessidades, edificando-ocom boas palavras, enfim, vivendo em amor fraternal, amor este fundamentadono amor de Cristo, que se sacrificou por nós.

2. TEXTO

Num texto de exortação ao amor fraternal, a menção do Espírito Santo no v.30 poderia parecer, à primeira vista, um tanto deslocado. No entanto, fica evidenteque a impureza de lábios, que causa mal ao próximo, por trazer risco à unidade do

QUINTA PETIÇÃO

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corpo de Cristo, depõe contra a vida no Espírito. Com Ele fomos selados, o quenos garante a herança em Cristo (1.13,14). Além disso, vale notar o vínculo entreo Espírito e a palavra. Ele, que pela palavra, nos chamou, nos ilumina e santifica,usa nossas palavras para edificar o próximo. Se as palavras são torpes (v. 29),como haverá edificação?

A menção do Espírito é significativa ainda por outro motivo. Paulo nãoentende a vida cristã como brotando da boa vontade humana (mesmo sendo avontade regenerada). A fonte de toda a vida é Deus; o Espírito é o Senhor da vida(Rm 8.2). A lembrança de que fomos selados como Espírito, “marcados” comofilhos e herdeiros de Deus, é evangelho! Portanto, é palavra que move à vidacristã.

O mesmo verbo - cari , zomai - é empregado duas vezes no v.32. Tendo Deus como sujeito, o verbo está no Aoristo do Indicativo(e v cari , sato), denotando uma ação histórica no passado. No outrouso, tendo a nós como sujeitos, o verbo é empregado no Presente do Particípio(carizo ,menoi), indicando ser esta uma ação contínua (habitual),ligada ao imperativo anterior (“sede bondosos, compassivos”). A ação de Deus,em Cristo, pela qual veio pleno perdão dos pecados, traz como um dos seus resul-tados na vida cristã, um viver no perdão ao próximo. Paulo, portanto, não resumesua exortação a um perdoar circunstancial, mas à prática constante do perdão.Antes de pronunciar o perdão ao próximo, é preciso ter uma atitude de perdão. Porquê? Porque em Cristo vivemos do perdão completo e perfeito de Deus.

A relação entre o perdão de Deus e o perdão que o crente oferece ao próxi-mo não é criação de Paulo. Jesus mesmo insistiu neste ponto, colocando a graçade Deus em perdoar abundantemente nosso pecado como o modelo para o nossoperdão (Mt 6.12,14,15; 18.23-35; Mc 11.25; Lc 7.41-47; 11.4). Paulo deixa claroque nosso perdoar não é condição para que Deus perdoe, mas o oposto é verdade.O perdão de Deus é base para que perdoemos o próximo.

Martinho Lutero enfatiza a conexão entre o pedido de perdão e as súplicasem geral: por causa de nossos pecados somos indignos de pedir qualquer coisa aDeus. Por isso suplicamos que ele nos perdoe. Além disso, diz Lutero, ao orarmoscomo Jesus ensinou estamos dizendo que queremos de boa vontade perdoar aopróximo (Catecismo Menor, 3ª parte, 16).

No Catecismo Maior, Lutero sustenta que o perdão, por ser obra da graçade Deus, nos é dado no evangelho e, portanto, antes mesmo que o peçamos. Noentanto, ao suplicarmos por perdão estamos reconhecendo e aceitando este per-dão (CM, 3ª parte, 88). Além disso, menciona a nossa grande necessidade, devidoa nossa carne (89) e a vivermos no mundo, onde é muito fácil sermos levados àimpaciência, ira e vingança (86) e pelo fato do diabo nos assediar constantemente(87). A menção do nosso perdoar ao próximo é entendida por Lutero como uma

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IGREJA LUTERANA

“condição”, de certa forma, para sermos perdoados; Lutero explica: “Se tu nãoperdoas, então não penses que Deus perdoa a ti. Se, porém, perdoas, então tens oconsolo e a certeza de que se te perdoa no céu. Não em vista do teu perdoar – poisDeus o faz inteiramente de graça, como prometeu, conforme ensina o evangelho –mas ele nos põe isso para fortalecimento e segurança, como sinal, a par da pro-messa, que concorda com esta oração ‘perdoai e sereis perdoados’ (Lc 6.37).”(95,96).

3. SUGESTÃO DE TEMA

O perdão - fruto do amor

- o amor de Deus por nós traz-nos, em Cristo, o perdão pleno;

- o amor de Deus em nós nos leva a perdoar o próximo.

Gerson Luis Linden

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Tiago 1.12-18(Salmo 25.1-12; Mateus 4.1-11)

O texto proposto trata da tentação: “E não nos deixes cair em tentação”. Otítulo é uma petição, a sexta do Pai Nosso, em que se pede para sermos amparadosa fim de não cairmos nela. Analisemos, pois, este texto do apóstolo Tiago, con-frontando-o com a sexta petição do Pai Nosso, ensinada por Jesus.

1. A SERIEDADE DO ASSUNTO

V. 12: o primeiro ponto que, à luz do texto, queremos destacar, é que “tenta-ção” é um assunto sério. Muito sério. Tão sério que Jesus o incluiu naoração que ele nos ensinou, como uma petição a ser sempre de novorenovada. Como isso ele está afirmando que a tentação atinge a todosos cristãos e, especialmente os cristãos. Por isso também o apóstoloTiago aponta para este conceito de seriedade ao começar o seu textocom o termo “bem-aventurado”. Bem-aventurado é quem “suporta” atentação, aquele que “não cai nela”, aquele que é “perseverante.” Econclui lembrando mais um elemento que aponta para a seriedade datentação, ao dizer que o aprovado receberá a coroa da vida eterna.

2. A TENTAÇÃO PARA O MAL NÃO VEM DE DEUS

Vv. 13-17: “Ninguém, ao ser tentado, diga: sou tentado por Deus; porqueDeus não pode ser tentado pelo mal e ele mesmo não tenta ninguém... Toda boa dádiva e todo dom perfeito são lá do alto, descendo doPai das luzes, em quem não pode existir variação ou sombra de mu-dança.” Deus é santo. Sendo santo, é perfeito. E, perfeito, não existemal nele e nem há prática de mal em seus atos. Ele é a fonte de todoo bem e de toda boa dádiva.

“Ninguém, ao ser tentado, diga: sou tentado por Deus.” É comum ouvir-mos dizer, ou nós mesmos, querendo nos desculpar de erros e pecados, darmos a

SEXTA PETIÇÃO

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IGREJA LUTERANA

culpa aos outros, quando não ao próprio Deus, dizendo: “Deus me fez assim. Nãoposso ser responsabilizado pelo mal que pratiquei.”

“São lá do alto.” Esta expressão provavelmente é posta em lugar de “sãode Deus” a fim de evitar a citação direta do nome “Deus”. Este nome geralmenteera substituído por expressões como “ céus” ou “alto”. Assim com “lá do alto”,Tiago quer dizer “vêm da parte de Deus”.

“Pai das luzes.” Com este conceito, o apóstolo aponta para o poder criadorde Deus. Ser pai, ou criador das luzes – sol, estrelas, cometas etc. – coloca Deusna condição de ser digno de confiança, de ser a fonte de todo o bem.

“Em quem não pode existir variação ou sombra de mudanças.” Deus não muda. Omesmo Deus que criou o universo, que libertou o povo da escravidão, que operou median-te o seu poder, continua sendo o mesmo Deus poderoso e capaz de ser a fonte do bem e nãodo mal. Podemos confiar que a tentação para o mal, portanto, não vem de Deus.

3. DE ONDE, ENTÃO, PROCEDE A TENTAÇÃO PARA O MAL?a) A tentação para o mal vem de nós mesmos (vv. 14 e 15).

“Ao contrário, cada um é tentado pela sua própria cobiça, quando esta oatrai e seduz. Então, a cobiça, depois de haver concebido, dá à luz o pecado; e opecado, uma vez consumado, gera a morte.”

Aqui o apóstolo coloca uma interessante figura: Coloca a cobiça como mãe,o pecado como filho, e a morte como neta. Realmente, atrás de todos os pecados,está a cobiça, este desejo de realizar algo contrário à vontade de Deus ou de teralgo ilícito. Esta concebe o pecado. E o salário do pecado a que a cobiça nos leva,é a morte (Rm 6.23). É a nossa própria carne, inclinada para o mal, que facilmentesucumbe diante da tentação. Esta realidade, portanto, é a primeira que nos con-vence de que nós mesmos não podemos vencer as tentações.

b) A tentação vem do mundo

Lutero, em seu Catecismo Maior, explica o mundo do qual procede a tenta-ção: “O mundo que nos ofende com palavras e obras e nos impele a cólera eimpaciência. Em resumo, aí nada há senão ódio e inveja, inimizade, violência einjustiça, infidelidade, vingança, imprecação, ralho, maledicência, orgulho e so-berba, juntamente com excesso de adorno, honra, fama e poder, onde ninguémquer ser o menor, mas cada qual quer sentar-se à cabeceira e ser visto antes dequalquer outro.” (Comentário da Sexta Petição, 103).

Nem parece que isto tenha sido escrito há mais de 450 anos. Estas coisastodas estão presente nas relações humanas de hoje, bem como nas novelas e nosfilmes em nossos lares. Esta é a outra realidade que nos convence de que nósmesmos não podemos vencer as tentações.

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c) A tentação vem do diabo

Mais uma vez nos valemos do Catecismo em que Lutero afirma que, junta-mente com a fraqueza da nossa carne e a força deste mundo, está o “diabo tentan-do nos enganar e seduzir a crenças falsas, a desespero, ou a qualquer outra gran-de vergonha ou vício”. Nunca é pouco dizer que a obra do diabo consiste emtentar arrancar-nos da fé, da esperança e do amor e levar-nos à superstição, ànegação e a blasfemar contra Deus. Quem, senão com o socorro do Pai das Luzese com a força que vem do alto, poderá resistir?

4. O QUE NOS RESTA FAZER?A nós, nada. Nada, senão buscar o auxílio que o salmista buscou, quando

disse: “A ti, Senhor, elevo a minha alma. Deus meu, em ti confio; não seja euenvergonhado, nem exultem sobre mim os meus inimigos. Com efeito, dos que emti esperam, ninguém será envergonhado” (Sl 25.1-3). Pela oração e pela súplica,devemos buscar as forças para vencer as tentações, em Deus.

Podemos, e devemos também, seguir o exemplo que Jesus nos deixou quandofoi tentado pelo diabo, e responder às tentações: “Está escrito: Ao Senhor teuDeus adorarás, e só a ele darás culto” (Mt 4.10). Na Palavra de Deus que alimen-ta e fortalece a nossa fé e a confiança e nos dá a força de Deus que afasta o diabocomo, pelo “está escrito”, Jesus o afastou.

O apóstolo Tiago nos mostra o que o salmista já sabia e o que Jesus jáapontou: “Toda boa dádiva e todo o dom perfeito são lá do alto, descendo do Paidas luzes, em quem não pode existir variação ou sombra de mudança” (v.17). Éem Deus, Criador, Poderoso que nós temos o poder para superar as tentações.

5. E POR QUE HAVERIA DE DEUS NOS PROVER DE FORÇAS PARA VENCER

O DIABO, O MUNDO E A NOSSA PRÓPRIA CARNE?“Pois, segundo o seu querer, ele nos gerou pela palavra da verdade, para

que fôssemos como que primícias das suas criaturas” (v. 18). Deus nos gerou.Pelo batismo nascemos de novo como disse Jesus (Jo 3.1-15). Agora somos filhosamados de Deus, somos as primícias, isto é, alvos de todos os privilégios que osprimogênitos tinham nas famílias judaicas. E o apóstolo Tiago usa esta figuraprecisamente para mostrar aos seus conterrâneos, e a todos nós também, a impor-tância que nós temos diante de Deus como seus filhos. Somos as principais dentretodas as criaturas de Deus. E é por isso que ele nos provê da força necessária paravencermos as tentações. Os primogênitos tinham primazia na família, como ve-mos em Gn 48.13, 14; 27.4, 29 e 35; Dt 21.17; 1 Sm 20.29 e outros.

6. PROPOSTA HOMILÉTICA

E não nos deixes cair em tentação

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IGREJA LUTERANA

A tentação é alvo de gracejos e pouco caso.

A tentação é usada como desculpa para pecados: “Deus me fez assim...”

Mas a tentação é coisa muito séria.

É tão séria que Jesus introduziu, na oração do Pai Nosso, um pedido de ajudacontra ela, junto com os pedidos de outras coisas necessárias para a nossa vida.

I. A tentação para o mal não procede de Deus

- Deus é lá do alto

Ele é do céu. É perfeito. Nele não há mal nenhum

- Deus é o Pai das Luzes

Ele é poderoso, é Criador. Tem todo o poder.

- Deus não muda

Ele é eterno. Nele não há variação, nem sobra de mudança.

II. De onde, então, procede a tentação?

De nós mesmos – nossa fraqueza humana, inclinada para o mal

Do mundo, cheio de males

Do diabo, o pai da mentira.

III. Como podemos resistir às tentações?

Oração

Apego à Palavra de Deus

Confiança no poder de Deus

IV. Por que Deus faria isto por nós?

Porque ele nos gerou pelo batismo – somos seus filhos amados.

Porque ele nos deu a condição de primazias entre todas as criaturas.

Paulo K. Jung

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Lucas 6.6-10(Salmo 71.1-12; Romanos 7.21-25)

1. CONTEXTO

O relato de Lucas 6.6-10, o homem da mão ressequida, é um exemplo clarode como Satanás promove o mal e de como Jesus livra do mal. Para promover omal, Satanás se utiliza até dos líderes da igreja de Deus. É o que observamos notexto em questão, onde escribas e fariseus, os chamados doutores da lei, firmadosem suas tradições, concentram todas as suas energias no policiamento a Jesuspara ver se ele iria curar um homem em dia de sábado, só para poderem acusá-lo.

Aliás, todo o contexto anterior de Lucas 6.6-10 gira em torno desse assunto.Jesus, em momentos diferentes, desmascara a religião vazia e ritualista e redirecionao foco para o que é de acordo com os propósitos divinos: 1) Na cura do paralítico emCafarnaum, 5.17-26, ele mostra aos escribas e fariseus questionadores que ele éDeus e tem autoridade para perdoar pecados; 2) Na vocação de Levi , 5.27-32, Jesusdeixa claro que ele veio buscar e salvar os pecadores, pois “os sãos não precisam demédico, e sim os doentes”; 3) Na questão do jejum, 5.33-39, Jesus mostra que a paze a alegria são encontradas nele e não em rituais vazios; 4) E finalmente, na questãodo sábado, 6.1-11, Jesus mostra que a religião não consiste em cumprir regras e leis,mas em fazer o bem e salvar a vida do próximo necessitado (v 9).

2. TEXTO

V 6: Lucas era médico. Ele observa e relata com detalhes que este homemtinha a mão direita aleijada, ou ressequida, conforme Almeida. Mateuse Marcos apenas mencionam que o homem tinha uma das mãos alei-jada. Era, provavelmente, alguma forma de atrofia muscular. Maisuma vez o confronto de Jesus com os líderes religiosos de Israel estáligado à observância da Lei, especificamente o sábado. Está em ques-tão a observância da lei e de tradições judaicas em contraste comJesus, a verdadeira religião.

SÉTIMA PETIÇÃO

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IGREJA LUTERANA

V. 7: Escribas e fariseus observavam Jesus com olhos críticos. “Ficaramespiando Jesus com atenção”, lemos na NTLH. Eles esperavam quea cura ocorresse, não para poderem se alegrar e dar graças a Deus,mas para terem motivo para acusar Jesus como transgressor da lei dosábado. Isso é obra do maligno, que semeia o mal e desvia o foco deJesus e da verdadeira religião: fazer o bem e salvar.

V 8: Mateus afirma que os fariseus perguntaram a Jesus se era lícito curar ohomem em dia de sábado (12.9-14). Lucas diz apenas que Jesus co-nhecia os pensamentos deles e por isso passou a agir, chamando ohomem para o meio de todos. Jesus colocou o homem deficiente nocentro de todas as atenções para mostrar a todos que ele está acimado sábado, ele está acima de todas as tradições, e está, também, aci-ma de todo o mal que o pecado produz no mundo e na vida humana.Todos deveriam presenciar e testemunhar o que Jesus iria fazer.

V 9: O problema não é o homem com a mão aleijada. O problema é a menteperversa e diabólica dos escribas e dos fariseus, o que faz com queJesus dirija sua pergunta principal a eles: O que é permitido fazernesse dia: o bem ou o mal? Salvar alguém da morte ou deixar mor-rer? O que diz a nossa Lei sobre o sábado? Jesus lhes mostra que nãofazer o bem significa fazer o mal e, não salvar, significa deixar mor-rer. Não existe um meio termo. A tradição judaica até admitia curaralguém em dia de sábado, quando houvesse risco à vida. Mas Jesuscoloca a questão em outro nível: ou fazemos o bem ou fazemos omal. E ainda: ou salvamos a vida ou a matamos!

Satanás faz o mal. Ele promove o mal no mundo das mais diferentes for-mas. Jesus veio para destruir as obras do maligno (1 João 3.8) e nos livrar do mal.

V 10: Jesus olha ao redor, como que dando tempo e oportunidade paraalguém reagir. Marcos (3.4) menciona que “eles ficaram em silên-cio”. Diante da ordem de Jesus, de estender sua mão, o homem ficoucurado.

3. APLICAÇÕES HOMILÉTICAS

3.1 – Na sua explicação sobre a sétima petição, Lutero escreve: “Em gregoesta sentença reza assim: ‘Livra ou guarda-nos do mau ou maligno’ eparece exatamente como se falasse do diabo, como se quisesse compre-ender tudo numa palavra, para que a suma inteira da oração toda sedirija contra este nosso inimigo principal” (Catecismo Maior).

3.2 – Um outro enfoque que Lutero dá para a sétima petição é o seguinte:“Não obstante, está incluído também o que de mal nos pode suceder sob

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o reino do diabo: pobreza, vergonha, morte, e, em resumo, toda a des-venturada miséria e dor, que existe em profusão inumerável na terra”(idem).

3.3 – Diante disse, a atitude recomendada por Lutero é: “Por isso não temosoutra coisa que fazer na terra senão rezar incessantemente contra esseinimigo principal. Pois se Deus não nos protegesse, nem por uma horaestaríamos em segurança contra o diabo” (idem).

3.4 – O texto bíblico em questão apresenta o mal, pelo menos, de duasmaneiras: a) o homem aleijado, com sua deficiência; b) a ação diabólicados escribas e dos fariseus, líderes religiosos do povo de Israel, que selevantam contra Jesus. Nas duas questões Jesus livra do mal: Ele cura ohomem aleijado e direciona o foco da religião para si próprio, que curae salva.

3.5 – J.C. Ryle, no seu comentário sobre este evangelho, acrescenta maisum ingrediente. Ele afirma que a pergunta de Jesus: “É lícito, no sábado,fazer o bem ou o mal” confronta sua atitude de curar o homem aleijado,num sábado, com a atitude perversa dos escribas e fariseus que, no sába-do, tramavam contra a vida de Jesus. Mateus acrescenta que, “retirando-se, porém os fariseus, conspiravam contra ele, sobre como lhe tirariam avida” (Mt 12.14).

3.6 – A pregação pode ressaltar as diferentes maneiras como o Malignopromove o mal. Uma delas é quando ele interfere na pregação do evan-gelho, enganando aqueles que estão incumbidos da pregação e do ensi-no (caso dos escribas e fariseus); quando o foco da religião é colocadosobre obras humanas, sobre exigências e ameaças (caso da guarda dosábado) e não sobre Jesus, que cura e salva.

3.7 – Também pode ser destacado o aspecto de que a oração “livra-nos domal” também significa empenho em fazer o bem. Porque a pergunta deJesus, se é lícito fazer o bem ou o mal, não prevê um caminho interme-diário. A igreja que suplica pela libertação do mal também precisa seruma igreja empenhada em fazer o bem.

3.8 – Tanto mais necessário se faz orar incessantemente: Livra-nos do mal!Livra-nos de todo o mal que pode sobrevir ao nosso corpo: doenças,deficiências, tristezas e depressões. Livra-nos de tragédias provocadaspelo ser humano ou pela natureza. Livra-nos de nos ocuparmos com omal, de planejarmos o mal, como os escribas e fariseus. Livra-nos denos desviarmos de Jesus, colocando o foco da religião e a esperança emobras humanas. Em resumo: livra-nos da influência do Maligno!

ARTIGOS

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IGREJA LUTERANA

4. PROPOSTA HOMILÉTICA

Tema: Fazer o bem ou fazer o mal?

4.1 – O mal

Promovido por Satanás de diferentes formas;

Presente no mundo e no ser humano pecador (Rm 7.21-24).

4.2 – O bem

Jesus fez o bem (Sua obra redentora) (1 Jo 3.8);

Jesus livra do mal.

4.3 – O desafio da Igreja

Orar: livra-nos do mal (Sl 71);

Fazer o bem – testemunhar o amor de Jesus e ajudar as pessoas (curar esalvar);

Confiar em Jesus (Rm 7.25).

Reinaldo M. Ludke

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Lucas 23.32-43(Salmo 103.15-22; Romanos 8.19-30)

Nessa série de estudos sermônicos sobre os Catecismos, chegamos a umponto em que não há texto do Catecismo a comentar. Afinal, Lutero não incluiu enem explicou a Doxologia do Pai-Nosso (Mt 6.13b) em seus Catecismos, emboratenha feito isso em alguns de seus sermões. Ele terminou o Pai-Nosso com umsimples “amém”, seguindo o texto da Vulgata. Como explica Albrecht Peters(Kommentar zu Luthers Katechismen – Band 3: Das Vaterunser, p. 15), a Doxologiafoi introduzida no texto do Catecismo Menor depois da morte de Lutero, por voltade 1558, na esteira de outros catecismos evangélicos, que incluíam essa Doxologia.

É bem verdade que, em sua tradução da Bíblia, Lutero tem a Doxologia(“Denn dein ist das Reich und die Kraft und die Herrlichkeit in Ewigkeit. Amen.”),pois segue o texto grego editado por Erasmo. Este havia publicado, em 1516, oseu Novum Instrumentum, que trazia uma forma de texto que viria a ser conhecidacomo textus receptus. Este é um texto grego expandido, ou seja, um texto gregono qual entraram glosas e outros acréscimos não autorizados à luz de manuscritosmais antigos, entre os quais está o texto de Mt 6.13b. Lutero valeu-se da segundaedição do texto de Erasmo, que saiu em 1519.

Hoje a Doxologia não é mais aceita como original, como mostram os col-chetes na Almeida Revista e Atualizada. Ela não consta nos mais antigos e melho-res manuscritos (Sinaiticus, Vaticanus, Codex Bezae) e também não aparece emcomentários patrísticos (Tertuliano, Orígenes e Cipriano). Tudo indica que setratava de uma aclamação do povo, em resposta ao Pai-Nosso, talvez baseada em1 Cr 29.11-13, que acabou incorporada ao texto bíblico. Não sendo texto, é preci-so reconhecer que, a rigor, o Pai-Nosso católico, sem a Doxologia, é mais “corre-to” do que o evangélico. No entanto, também é verdade que o Pai-NossoEcumênico, conforme orientação do CONIC, sempre termina com a Doxologia.

Ainda bem que não estamos pregando o Catecismo, e sim os textos bíblicos aosquais o Catecismo aponta. Assim, mesmo que a Doxologia não apareça no Catecismo,ainda podemos falar do reino, do poder e da glória de Deus, por serem temas bíblicos.

TEU É O REINO

CONCLUSÃO

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IGREJA LUTERANA

Dos textos selecionados para este culto, além de Lc 23.32-43, também Sl103.15-22 toca em temas que aparecem na Doxologia. O v. 19 fala do reino doSENHOR que domina sobre tudo. O v.17 diz que o amor de Deus, o SENHOR,dura para sempre. Esse tema do “para sempre” encontra eco na Doxologia econtrasta com a transitoriedade do ser humano (vv.15,16).

O texto de Lc 23.32-43 mostra que o reino do Pai (“Pai nosso ... teu é oreino”) é também o reino do Cristo (“lembra-te de mim quando vieres no teureino”, v. 42). Também deixa claro que não se pode falar do reino longe da cruz,embora esse tema do “Cristo entronizado ou glorificado na cruz” apareça commaior destaque no evangelho de João. Mostra também que ser rei e salvar sãoduas coisas que andam lado a lado. Ser rei é dizer “Pai, perdoa-lhes ...” Por outro,o reinado de Cristo é um reinado oculto, sob a cruz. É um reinado contestado,alvo de zombaria, mas que mesmo assim traz a promessa: “estarás comigo noparaíso”.

Quanto à cena da crucificação – e agora vamos a alguns detalhes do texto –é interessante que, segundo Lucas, Jesus foi levado à cruz sem ter sido açoitado, ea cruz foi, a rigor, carregada por Simão, um cireneu (v. 26).

No v. 32, a ordem das palavras no original grego (“também outros malfeito-res dois”) poderia sugerir que também Jesus era malfeitor, dando, assim, razão aopregador descuidado que se saiu com esta: “Jesus foi crucificado no meio de ou-tros dois ladrões (sic)”. Para evitar o mal-entendido, muitos manuscritos inverte-ram a seqüência das palavras para “também outros dois, malfeitores”. As tradu-ções, é claro, não refletem essa dificuldade textual, dizendo com clareza: “tam-bém eram levados outros dois, que eram malfeitores” (ARA).

O v. 33 fala do lugar chamado Calvário ou Caveira. Em grego aparece otermo kraníon, donde nos vem “crânio”. Em aramaico é “Gólgota”. Calvário noschega por via do latim, e também tem algo a ver com “crânio”. É difícil dizer seo lugar tinha esse nome por causa de algum detalhe geográfico (uma colina emforma de caveira), ou por ser um lugar de execução de criminosos (lugar dascaveiras). O texto bíblico, em todo caso, nunca afirma que se tratava de um mon-te ou colina, razão por que o “monte” do Calvário precisa ser tirado da lista do“montes famosos na Bíblia”.

A oração de Jesus no v. 34, “Pai, perdoa-lhes ...”, não aparece em importan-tes manuscritos gregos antigos (papiro 75, Codex Vaticanus, etc.). Parece inter-romper o fluxo da narrativa. No entanto, nenhum editor do texto grego ousaomitir essas palavras, mesmo que as inclua entre colchetes, e um colchete duplo.Além da tradição e do apoio de outros manuscritos, essa oração tem a marca daverossimilhança, ou seja, combina bem com o “espírito” de Jesus. Segundo orelato de Lucas, Jesus morre em atitude filial, invocando o nome do Pai (v. 46).

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A zombaria dos circunstantes aparece em ordem decrescente da dignidadedos que se manifestam: primeiro as autoridades (23.35), depois os soldados (v.36), e por fim um dos malfeitores (v. 39).

A cena dos dois malfeitores (23.39-43), que é exclusividade de Lucas, seconstitui em ponto alto do relato da crucificação em Lucas. Nela aparece outradeclaração da inocência de Jesus (v. 41). No entanto, o destaque maior é a mani-festação do amor salvador de Cristo para com um membro da escória da humani-dade.

O malfeitor fala do reino de Jesus. O tempo é vago ou indefinido: “quandovieres”. Jesus responde com um “hoje” e fala do paraíso. Como observouAmbrósio, “o favor concedido foi maior do que o pedido feito”. Por outro lado,mais importante do que discutir “paraíso” é notar que Jesus diz, “estarás comigo”.Outra vez citamos Ambrósio: “Ter vida é estar com Cristo, porque onde Cristoestá, ali está o reino”. E logo lembramos de Fp 1.23.

Portanto, falar do reino é falar de Cristo. Proclamar o reino (e o reino sópode ser proclamado, esperado, etc. jamais “edificado”) é pregar Jesus Cristo.Ele é, como disse Orígenes, autobasileia, isto é, “o reino em pessoa”. Tambémfica claro, à luz disso, que reino, no Novo Testamento, é uma realidade dinâmica,não um espaço físico ou um domínio territorial. Falar em reino é dizer que al-guém é rei.

Outra confusão comum, a ser evitada, é pensar que reino e igreja são amesma coisa. O reino de Deus cria a igreja, e a igreja é o povo do reino. A igrejadá testemunho do reino, que é Cristo. A igreja é instrumento do reino, ao mesmotempo em que é guardiã do reino. Os poderes do reino (a Palavra de Deus empalavra e sacramentos) estão atuantes na igreja, constituindo-se também em “marcasda igreja” (notae ecclesiae). Agora, igreja e reino, embora relacionados, não são amesma coisa.

Teu é o Reino! O reino é Cristo. Venha o teu Reino! Amém.

Vilson Scholz

CONCLUSÃO

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IGREJA LUTERANA

Romanos 1.16,17Salmo 68.28-35; Lucas 4.1-13

Estou pronto para anunciar, pois “não me envergonho”.

V. 15: pro - qvvumia: / qumos,(protumía / tumós) em Thayer designa algocomo ferver de raiva, o que pode dar uma idéia mais intensa desteestar pronto de Paulo. Proqumiva pode ser visto mais como umadisposição mental sobre uma ação já decidida: Mt 26.41, Mc 14.38:“O espírito está pronto.” Ambos os evangelistas empregam a mesmaexpressão que, em Jesus, denota uma decisão que não mais está su-jeita a reconsiderações.

Epaisxunw : estar envergonhado à conta de algo que deve ficaroculto.

A biografia de Paulo não era algo de que alguém pudesse se orgulhar, vi-vesse ele no primeiro século, descendente de judeus de certa linhagem e de famí-lia de prestígio no contexto de Tarso.

Como judeu, pesava contra ele o estar comungando a sua vida de maneiraimprópria e até indevida com pessoas de vida e costumes contrários à herançareligiosa herdada dos pais através dos séculos. Dessa forma pisava aos pés, en-vergonhava, sua própria linhagem e origem. Essa atitude não podia ser ignoradapelos judeus onde quer que passasse. Mesmo para os judeus cristãos, Paulo erauma ofensa. Se bem que a carta de Jerusalém tivesse autorizado Paulo a receberos “outros”, os gentios, em nome de Cristo, podemos fazer uma boa idéia dequantas gerações precisam passar para que certos preconceitos e tradições sejamquestionados e, mais, eliminados, se é que jamais o serão.

Paulo está possuído de uma determinação para ele sem retorno: ele estádeterminado a se fazer presente em Roma. Essa determinação é algo que nãonasce dele. Essa determinação está na própria natureza daquilo que o move inti-mamente. É mais do que vontade. É um poder que toma conta e põe a pessoa no

TEU É O PODER

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estado de estar pronta, estar determinado a superar obstáculos de toda ordem.Esse poder é maior do que o ser humano, mas é poder que se apossa da humanida-de no Jardim do Getsêmani.

Em Jesus está o poder do Pai que está pronto a salvar a humanidade. Essepoder se manifesta vitorioso na cruz ao esmagar todas as acusações que envergo-nham o ser humano diante de Deus. Ninguém mais tem motivos para se envergo-nhar de seus pecados diante de Deus. Pelo poder de Deus, Jesus se submeteu àvergonha maior.

A cruz desoculta o poder de Deus de salvar o pecador da sua vergonhadiante de Deus. Esse é o poder supremo de Deus, maior e mais digno de ser exal-tado acima de todos os poderes de Deus. Ter sido agraciado com o perdão deDeus é ter-se apropriado do poder que remove montanhas, que transforma univer-sos, que reduz o Cristo à condição de culpado e vergonha, mas que exalta à maisalta glória os pecadores, especialmente os maiores pecadores, como Paulo, “poispersegui a igreja de Deus”.

O ser humano tende a exaltar poderes que acrescentam glória ao ser huma-no. Também entre os cristãos, as doxologias se erguem às grandes realizaçõeshumanas. Já os discípulos se perguntavam por quem seria entre eles o mais im-portante. Pararam extasiados diante das grande colunas do templo em Jerusalém.Ficaram pequenos e acovardados quando as suas espadas se revelaram frágeispara defender o Mestre no Getsêmani. Era-lhes difícil assimilar o poder que mo-via o seu Mestre e por conseqüência o seu Reino. Aquele a quem era dado todo opoder no céu e na terra, pede aos seus discípulos que sejam fortes e poderosos damaneira como ele se mostrara forte e poderoso conforme enviado pelo Pai. Quemnão for como uma criança, na singeleza de uma fé dependente da força alheia, nãoentra no Reino.

A decisão de estar com o pecador, ao lado do fraco e humilde, exige um tipode poder que o mundo e o ser humano por si só não reconhecem como tal e nãoaceitam. Não há méritos nem forças na natureza humana capazes de fazer-nosmensageiros da graça de Deus. Somos corrompidos demais, absolutamente cor-rompidos, para que possamos sentir a compaixão divina por nós próprios e menosainda pelo próximo. Somente a visão da cruz pode nos dar vislumbres do quesignifica o poder da graça no evangelho da salvação.

Resta-nos apontar para a cruz: Pois teu é o poder. Ali se trava a maior bata-lha, o embate das maiores forças. Embate esse que faz com que as batalhas huma-nas, por mais cruéis e destrutivas, não passem de pobres imitações. Porque a nos-sa luta não é contra carne e sangue, mas contra as forças espirituais do mal nasregiões celestes, afirma o Apóstolo. Nessa, que é a verdadeira batalha, somente opoder que levou Cristo à cruz pode ser realmente chamado de poder.

CONCLUSÃO

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IGREJA LUTERANA

Jesus aponta para esse poder na parábola do Pai e seus dois filhos em Lucas15. A experiência desse poder, tiveram pessoas como Saulo e Davi. Estar perdidoe ser salvo é uma experiência que marca e muda a perspectiva que alguém podeter de, de Deus e, especialmente, da relação de Deus com o ser humano. O poderde Deus se revela na fraqueza, acrescenta Paulo. O poder que Deus aponta comoobjeto da fé é o poder da sua promessa de salvação realizada em Jesus. Estarsalvo é estar na constante dependência dessa graça, consciente de que de nós nadasomos além de pecadores em constante luta contra o pecado.

Teu é o poder é o suspiro de alívio que o afogado deixa escapar assim queatinge a superfície e percebe a graça divina inundando seus pulmões. É um suspi-ro que dura do batismo até à morte, arrancados que somos por Deus da nossaperdição.

Tema: Teu é o poder

O poder enganoso das realizações humanas diante

do poder da cruz que resgata e salva.

Paulo P. Weirich

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Romanos 6.1-4(Isaías 40.1-5; João 17.1-10)

1. CONTEXTO

Contexto litúrgico: a leitura do AT (Is 40.1-5) destaca a mensagem de Deusao seu povo, anunciando a ação de Deus para preparar o caminho do Messias,através do qual o Senhor mostraria a sua glória a toda a humanidade. A leitura doEvangelho (Jo 17.1-10) apresenta a oração sacerdotal de Cristo, palavras atravésdas quais Jesus enfatiza que, por sua obra, estava revelando a glória de Deus aodar a vida eterna àqueles que crêem no Filho.

Contexto da carta aos Romanos: após destacar a ação de Deus ao criar umanova condição para o ser humano, opondo a situação anterior do ser humano con-denado sob a revelação da ira de Deus (Rm 1.18-3-20) à situação atual do serhumano sob a revelação da justiça de Deus (Rm 3.21-5,21), o apóstolo Pauloataca a maneira de pensar de muitos: já que é tão grande a graça de Deus, vamostorná-la ainda maior pecando, para que recebamos mais perdão; ou como o após-tolo havia expresso este pensamento em Rm 3.8: “Pratiquemos males para ve-nham bens”. A graça de Deus, diz o apóstolo, é o remédio para que o ser humanoabandone o pecado, pois o torna uma nova criatura. A glória de Deus revelada naressurreição de Cristo faz o cristão viver em novidade de vida (Rm 6.4).

2. TEXTO:V.1: “Permaneceremos no pecado” – o verbo no presente do subjuntivo

indica a prática do pecado como um hábito. Se o ser humano é salvoexclusivamente pela graça de Deus, por que mudar de vida? Por quenão continuar pecando, para que “seja a graça mais abundante?” –o verbo no subjuntivo expressa propósito.

V.2: “De modo nenhum!” – ou seja, que tal não aconteça conosco, que nãoseja esta a nossa maneira de viver. Como viver no pecado, se para elemorremos, em Cristo?

TUA É A GLÓRIA

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IGREJA LUTERANA

Vv.3 e 4: Paulo apresenta o mistério do Batismo, que é Deus em ação: água+ Palavra de Deus = batismo em Cristo Jesus = morrer com ele e serressuscitado com ele. Não é um batismo diferente daquele feito comágua e em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, um “batismoespiritual”, como gostam de dizer alguns. A ação de Deus no atofísico do batismo, seja de criança ou de adulto, dá a fé e faz com queaconteça com a pessoa aquilo que aconteceu com Cristo – ele é colo-cado numa nova vida, a vida com Cristo, a vida sem fim.

Lutero: “A cerimônia externa consiste em sermos submersos na água, quenos cobre inteiramente, e em sermos depois tirados novamente. Essas duas partes,submergir na água e voltar e emergir, indicam o poder e o efeito do batismo, osquais outra coisa não são que a mortificação do velho homem, e, depois, a ressur-reição do novo homem” (CM, 4a parte, 65 – LC, p. 483).

3. APLICAÇÕES HOMILÉTICAS

a) A glória de Deus se revela naquilo que, para o ser humano, parece não tervalor. Na água acrescida da palavra de Deus está a plenitude da glória deDeus, pois seu poder glorioso age para fazer com que nasçamos e mor-ramos com Cristo e, assim, vivamos uma nova vida, eterna e gloriosa.

b) A glória de Deus se revela na obra do Filho (Jo 17), e ela se torna presen-te em nossas vidas pois somos o alvo da ação salvífica de Deus. Nossanova vida, em Cristo, é resultado da glória de Deus presente no Batis-mo.

c) Lutero: “Vê-se, destarte, quão grande e excelente coisa é o batismo, quenos arranca das fauces do diabo, nos torna propriedade de Deus, subjugae tira o pecado, e depois fortalece diariamente o novo homem, e sempreopera e permanece, até que desta miséria passemos à glória eterna.”(CM, 4a parte, 83 – LC, p. 485)

4. PROPOSTA HOMILÉTICA

Objetivo: Capacitar o cristão para que, motivado pela graça de Deus, viva anova vida em Cristo.

Moléstia: Nosso velho homem quer continuar em pecado, usando inclusivea desculpa destacada por Paulo – “praticar o mal para que venha o bem”. A “velhavida” nos separa de Deus.

Meio: A glória de Deus que ressuscitou a Cristo também torna nova a nossavida, estando presente no Batismo, que “sempre opera e permanece”.

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Tema: A vida na glória de Deus

I – É vitória sobre o pecado

1. Permanecer no pecado para aumentar a graça

2. Maneiras atuais de fazer o mal para receber o bem

3. A vitória de Cristo sobre o pecado – morte e ressurreição

4. Nossa vitória sobre o pecado, no Batismo

II – É estar em novidade de vida

1. A nova vida iniciada pelo Batismo

2. Nascidos como filhos de Deus – lema da IELB

3. O Batismo sempre opera e permanece

4. O viver diário do Batismo – Lutero

Rony Ricardo Marquardt

CONCLUSÃO

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IGREJA LUTERANA

Isaías 25.1-9(Apocalipse 3.14-22; Mateus 19.23-30)

1. ASPECTOS INTRODUTÓRIOS

“Amém” – é a conclusão do Pai-Nosso. Jesus conclui a oração que Eleensinou a seus discípulos com “Amém”. É um termo de pronúncia igual no gregoe no hebraico. Começa lá no Antigo Testamento. Da raiz desta palavra (!ma)se origina o termo “fé”, “fidelidade” (hn ’ Wma /). Portanto, Amém signifi-ca dizer algo como “eu confio”. Por essa razão Lutero, no Catecismo Menor,explica o que significa “Amém”. Ele afirma: “Devo estar certo de que estas peti-ções [do Pai-Nosso] são agradáveis ao Pai Celeste e ouvidas por ele; pois elemesmo nos ordenou orar desta maneira e prometeu atender-nos. Amém, Amém,isto significa: Sim, assim seja!”

2. TEXTO

Após uma profecia de juízo no capítulo 24, o profeta, numa espécie deantífona, insere um cântico de louvor, como ocorrera após os capítulos 10 e 11. ODeus que acaba de manifestar julgamento nos vv. anteriores e revelado salvaçãopara o Seu povo, é o mesmo Deus do profeta a quem este pode buscar com toda aconfiança. O Deus que julga as nações é o Deus que ouve a oração do Seu povoindividualmente. Ele é Yahweh, o Deus da aliança, cujo nome, ou seja, Deus mes-mo, o profeta exalta. Os termos “maravilha” e “conselhos” trazem à mente o cap.9.5 indicando que o advento do Messias não está longe do quadro. O que Deus fezapenas Ele pode fazer; são maravilhas que se assemelham à ação de Deus na saídado Seu povo do Egito. Para o povo de Deus, a destruição das nações inimigas e aconseqüente libertação desse povo são fatos que estão longe do horizonte do povo.Em situações adversas, é mais difícil lembrarmos as promessas de Deus. Contu-do, Deus está no controle da situação. Seus “conselhos” já fizeram história. Desdea “antiguidade” eles são “fidelidade” (hn ’ Wma /) e “certeza” (!m ,a o).Para eles Deus diz “Amém!”.

AMÉM

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O v. 2 dá a razão para o louvor. Um dos maravilhosos conselhos que oSENHOR cumpre é a destruição da cidade má. A referência não é aJerusalém. O mais provável é que seja a Babilônia ou até mesmo acidade no sentido genérico. Destruir a cidade é destruir a sua identi-dade e com ela a “glória” dos que se têm por poderosos (cf. 40.6).

O v. 4 apresenta mais uma razão para que o SENHOR seja exaltado: Ele é“fortaleza” e “refúgio” do pobre e necessitado. A designação é umcontraste óbvio com “povos fortes” no v. 3, que se apresentam comoopressores.

O v. 6 muda o enfoque. “Neste monte... todos os povos” combina particulari-dade com universalidade. O monte, evidentemente, é Sião. Já no ATaplica-se a todos os habitantes da “cidade santa”; no NT, como emnossa liturgia e hinos, o termo é uma referência à igreja. Todos os quevêm à festa são convidados do SENHOR . É o próprio rei quem convi-da. No Antigo Oriente Próximo a festa normalmente ocorria por oca-sião de coroação do rei (cf. 1Sm 11.15; 1Rs 1.9, 19, 25). Nessa ocasiãoo rei presenteava os convidados com honra. Este parece ser o pano defundo deste texto. “Banquete de cousas gordurosas” - para um povoque não vê necessidade em se preocupar com índices de colesterol, aspartes gordurosas da carne eram as melhores partes (Sl 36.8; 63.6).Nos sacrifícios, estas partes eram queimadas ao SENHOR, exclusivasDele (Lv 3.3; 4.8-9). Mas aqui Deus está presenteando Seu povo como que é exclusivo do próprio Deus. “Vinhos velhos” (~yrmv de rmv) éo vinho que permaneceu guardado, decantado para tornar-se claro epuro: é o melhor vinho (cf. Jr 48.11; Sf 1.12).

Vv. 7 e 8 mostram que o povo vem para o grande banquete com o véu sobresuas faces. Conectando-se este v. com o v. 8, vê-se que a referência éao véu ou mortalha da morte. Antes que os seres humanos possamdesfrutar a alegria da festa de Deus, algo deve ser feito com relação àmaldição universal, que cobre e entristece toda a humanidade. E estaação apenas Deus pode assumir. Tanto no v. 7 quanto no v. 8 o verboé [lb, que significa “engolir”, “tragar”. O verbo em outros lugares éusado como equivalente a fazer desaparecer, tomando para si mes-mo. Após a expulsão do jardim do Éden, a morte traga a tudo e atodos e não pode ser tragada por ninguém das criaturas. Convive-secom a morte a todo momento e em todos os lugares. Deus, entretan-to, é o único que pode tragar a Morte (no texto está com artigo; ela épersonificada), no monte Sião. Que outra relação há senão com amorte e ressurreição de Cristo, a razão última pela qual se pode cele-brar a festa? Nele a Morte foi tragada para sempre e para todos os

CONCLUSÃO

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IGREJA LUTERANA

povos da terra (Rm 6.14; 1Co 15.12-57; 1Ts 4.14; Ap 1.17, 18; 21.4).Esta é a última libertação. Podemos ser libertados da escassez e opres-são, mas até que sejamos libertados da morte as demais libertaçõessão “café pequeno” porque a Morte sempre ainda vence (Is 40.8).

“Deus enxugará as lágrimas” é uma figura que demonstra carinho e conso-lo paternos à criança que se encontra aflita. Deus tirará a tristeza associada àinevitabilidade da morte. “E tirará o opróbrio do seu povo” é o resultado da vitóriade Deus sobre a morte e o Seu oferecimento da celebração da vida. O pecado(natureza, inclinação, disposição) do povo trouxe vexame aos olhos das nações.Mas, naquele dia, ao tornarem para o monte Sião, toda a vergonha, decepção,fracasso terão sido apagados da vistas dele e de todos os povos.

O v. 9 fala em esperança e salvação. “Esperar” (hwq) é um termo teologi-camente importante no AT. Cristãos também se lamentam, choram e se entriste-cem na presença da morte, mas não o fazem como os que “não têm esperança” (1Ts 4.13).

Certamente a Morte ainda continua a “ceifar” vidas, mas está com seus diascontados. Já foi vendida por Deus. Ela é o último inimigo a ser tragado por Ele.Enquanto isso, o povo de Deus, a “cidade santa” continua cada domingo a celebrara festa do “dia do Senhor” (Ap. 1.10) e a “exultar e alegrar-se na sua salvação”porque vive na esperança e no aguardo da ceia com Aquele que na história e napromessa é o Amém de Deus para conosco. (cf. o Evangelho do Dia: Ap 3.14-22).

3. SUGESTÕES HOMILÉTICAS

1. Um pastor me contou que uma congregada sua estava hospitalizada comcâncer em estado terminal. Ela recebeu a visita de uma amiga que lhedisse que tudo o que a paciente precisava fazer era orar e confiar e queDeus a curaria. Um dia antes de essa pessoa falecer, este pastor a visitoue ela lhe disse que não podia mais orar. A pessoa que visitou esta senho-ra lhe tinha dado a falsa idéia de que se tivesse bastante fé, Deus lhedaria o que pedisse. Os médicos haviam dito que ela teria apenas poucosdias de vida. Como não houve melhora, ela concluiu que não tinha fésuficiente. O que dizer para uma pessoa que ficou desesperada com talmentira? O pastor só tinha uma coisa a fazer e ele a fez. Segurou a mãodessa senhora e lhe disse: “Jesus falou: ‘Quando orardes, dizei: Pai nos-so que estás nos céus’. Jesus disse: ‘Quando orardes’, não ‘se tiverdes fésuficiente para orar’”. E o pastor continuou a lhe dizer: “Ore assim: ‘Painosso...’ Jesus lhe deu esta oração, ela é sua. A senhora pode fazer sem-pre esta oração, seja qual for a dificuldade”. E oraram em conjunto aoração que Jesus nos ensinou, concluindo com um confiante “Amém!”.“Amém, Amém, isto significa: Sim, assim seja!”

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2. A pergunta, contudo, precisa ser feita: “Será que é assim que pensamosquando dizemos “Amém”? Será que confiamos que Jesus é o Amém deDeus para conosco? E o que acontece quando a situação se agrava e nãose enquadra nas nossas expectativas? Podemos aprender com o profetaIsaias: “Ó SENHOR, tu és meu Deus; exaltar-te-ei a ti e louvarei o teunome, porque tens feito maravilhas e tens executado os teus conselhos;desde a antiguidade são fidelidade e certeza”.

3. O texto aborda a questão da universalidade-particularidade-universali-dade. Todos os povos estão envoltos com a “coberta” e o “véu” da mor-te. Sião, onde se materializa a salvação, é o único lugar onde todos po-dem buscar guarida.

4. Ao nos aproximarmos do final do ano, nos lembramos de festas e cele-brações. Mas não há celebração maior do que a que Deus nos prepara –o pão da vida do qual nos alimentamos pela Sua Palavra; seu corpo esangue oferecidos por nós para perdão dos pecados; a água que nos faznascer para a vida eterna. Ao comer e beber dizemos “Amém” à pro-messa de que nos reunimos com anjos e arcanjos e com toda a compa-nhia celeste ao redor do banquete divino.

5. A morte, ao adentrar o universo da humanidade, mostra-se uma vencedo-ra imbatível. Mas, esse monstro que traga a tudo e a todos será tragadopelo Monstro maior - o SENHOR dos Exércitos - que a faz desaparecerengolindo-a na sepultura de Cristo que se abre, se fecha e novamente seabre para trazer a vida e vida em abundância.

6. Para alguns de nós as celebrações do final de ano serão sem a presença deum ente querido. Celebrações têm uma aura que nos fazem lembrar dealguém que já não está conosco. É um vazio difícil de ser preenchido.Embora difíceis, as celebrações de Advento e Natal tornar-se-ão aindamais significativas. Apenas a ação divina interferindo no processo “na-tural” da morte e destruindo, aniquilando seu poder, desperta a esperan-ça da participação de todos no grande banquete escatológico.

4. SUGESTÃO DE TEMA

Jesus, o Amém das promessas de Deus para conosco.

Acir Raymann

CONCLUSÃO

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IGREJA LUTERANA

Êxodo 30.17-21(Atos 2.36-40; Mateus 28.16-20)

1. ASPECTOS INTRODUTÓRIOS

Para Lutero, a importância da Palavra no batismo encontra-se no início da suaexplanação no Catecismo Menor. “Batismo não é apenas água simples; mas é águacompreendida no mandamento divino e ligada à palavra de Deus”. Neste sacramentoLutero se serve da formulação de Agostinho, ou seja, a Palavra e o elemento se unempara formar o sacramento. Mais do que qualquer coisa, o batismo é, para Lutero, osacramento missionário ou sacramento evangelístico pelo qual a pessoa é transferidade um senhorio para outro ou de um domínio para outro. O Evangelho do Dia (Mt28.16-29) enfatiza esta realidade quando Jesus institui o batismo para todas as nações.É no batismo que elas se agregam debaixo do senhorio e do domínio salvífico deCristo. Não é sem razão que o contexto do batismo está atrelado à Sua ressurreição. Obatismo, de certa forma, nos torna conhecedores da ressurreição de Cristo de entre osmortos. Para Lutero este fato é bastante relevante, razão pela qual ele conclui a quartaparte do Catecismo Menor citando Romanos 6.4: “Fomos sepultados com Cristo namorte, pelo batismo; para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pelaglória do Pai, assim também andemos nós em novidade de vida”.

2. CONTEXTO

O contexto histórico e geográfico da narrativa que compreende o estabele-cimento do culto e do Tabernáculo em Êxodo acontece no sopé do monte Sinai.Teologicamente falando, para o nosso texto é fundamental atentar para a palavra“modelo” no cap. 25.9. A referência é para a tipologia no seu sentido vertical. OTabernáculo é, na verdade, um modelo, uma miniatura, um reflexo, uma cópia dotemplo celeste. É o SENHOR quem dá o “mapa” do tabernáculo e de seus utensí-lios, não o povo de Israel. No céu está o trono de Deus, mas Deus precisa “encarnar-se” num lugar especial no meio dos seres humanos por causa do estado pecamino-so em que estes se encontram.

BATISMO: LAVADOS EM NOME DE DEUS

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Nos capítulos 25-31 de Êxodo, Deus está “prescrevendo” as instruções paraa construção do tabernáculo e nos cap. 35-40 a narrativa se repete “descrevendo”como as orientações de Deus foram detalhadamente seguidas. A “descrição” dabacia de bronze se encontra em 38.8.

3. TEXTO

As dimensões da bacia de bronze não são mencionadas. Apenas Arão e seusfilhos a utilizavam e, por isso, provavelmente não era de grande tamanho, aocontrário do “mar de bronze” salomônico, este sim, de grandes proporções (cf. 1Rs 7). (Há que se levar em conta também que a bacia de bronze precisava sertransportada pelos sacerdotes.)

A bacia era de bronze como todos os demais utensílios do átrio. Conforme38.8, era fabricada com o bronze dos espelhos das mulheres que serviam ao SE-NHOR na porta do tabernáculo. Tais mulheres, segundo 1 Sm 2.22, dedicavamsua vida ao serviço religioso, ao jejum e à oração como Ana o fazia (cf. Lc 2.37).Os espelhos das mulheres anteriormente usados para despertar o aplauso do mun-do, agora são dedicados para o ritual e embelezamento do culto divino.

V. 21 descreve que a bacia situava-se entre a tenda da congregação e o altardos holocaustos. Importante neste v. é a função da bacia de bronze. Ela continhaágua para “lavar”. O verbo #xr é muito comum no Antigo Testamento. Tam-bém seu sentido é comum. A primeira vez que ocorre é em Gn 18.4, num contextodo cotidiano, sem qualquer denotação cúltica. Aqui no texto, evidentemente, háum sentido específico, teológico, envolvido pelo ritual. Logo, pode-se ver queembora o termo seja comum, o que caracteriza sua propriedade teológica é o seupropósito. No caso de “lavar”, a finalidade determina a semântica.

O v. 22 diz que tanto o sumo sacerdote como os sacerdotes, que serviam notabernáculo, nela lavavam suas mãos com as quais tocavam as coisas sagradas eseus pés com os quais tocavam a “terra santa” (cf. 3.5). O lavar-se era imprescin-dível para se iniciar um contato com Deus e as coisas de Deus. Depois de se lavare purificar, Arão e seus filhos podiam sacrificar no altar ou entrar no tabernáculopara adorar mediante o queimar do incenso. A expressão “para que não morram”nos vv. 20 e 21 indica que a consagração não lhes atribuía um character indelebilisnem mesmo os protegia contra impurezas da nação pecaminosa no meio da qualviviam ou da sua própria natureza, que ainda estava afetada pela corrupção e pelopecado.

4. APLICAÇÕES HOMILÉTICAS

1. “Batizar”, em si, significa “lavar”. Mas “lavar” tem vários sentidos. Paralavar a louça você utiliza um pano. Ambos são mergulhados na água,

CONCLUSÃO

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IGREJA LUTERANA

mas apenas a louça fica lavada. Você não diz que neste processo o panode louça também foi lavado, apesar de estar junto com a louça. Estemesmo pano pode lavar a mesa, embora a mesa não seja mergulhada naágua. Portanto, a quantidade de água que se emprega não é o pontoprincipal. A bacia de bronze não continha muita água. Lavando as extre-midades implicava lavar a totalidade. O ponto principal é o propósitoque se tem ao lavar. O batismo é um lavar, mas um lavar especial, cúltico,regenerador.

2. Batizar significa lavar em nome de Deus Pai, Filho e Espírito Santo. É opropósito que torna o lavar um lavar regenerador. Se não for administra-do em nome da Trindade, o batismo não é batismo.

3. No batismo Deus se “encarna”, na água e na Palavra, de sorte que aosermos batizados, o somos para dentro do Seu “nome”, ou seja, paradentro do próprio Deus.

4. O lavar de Deus pelo batismo é, como entende Lutero, o lavar que setraduz em sacramento evangelístico do qual todos necessitam e peloqual todos recebem remissão de pecados e o dom do Espírito Santo (At2.38).

5. TEMA:Batismo: Lavados em Nome de Deus.

Acir Raymann

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2 Reis 5.1-3, 9-14(Tito 3.3-7; João 4.46-54)

1. CONTEXTO

a. A leitura do AT (2 Rs 5.1-3,9-14) apresenta a história de Naamã, coman-dante do exército sírio, que foi curado de sua lepra pela ação de Deusatravés do profeta Eliseu.

b. A leitura da Epístola (Tt 3.3-7) destaca o amor de Deus manifesto no fatode nos salvar através do Batismo, “o lavar regenerador e renovador doEspírito Santo” (v. 5).

c. A leitura do Evangelho (Jo 4.46-54) chama a atenção para o poder dapalavra de Deus. Não é pela sua presença física ou por algum ato mági-co que Deus age, mas pelo poder inerente de sua palavra, como ficouclaro no segundo milagre feito por Jesus, a cura do filho do funcionáriopúblico de Cafarnaum.

2. TEXTO

Vv.1-3: a primeira parte da perícope destaca o fato de Naamã ser um ho-mem de renome, um instrumento através do qual Deus dera a vitóriaà Síria. Em sua casa trabalhava uma menina israelita que, vendo adoença de seu senhor, lamentou que o mesmo não estivesse emSamaria para ser curado pelo profeta.

Vv.9-14: Com toda a pompa, Naamã vai até o profeta Eliseu. Espera serrecebido como uma grande personalidade, mas o profeta nem mes-mo fala diretamente com ele. Apenas lhe dá a orientação de que estedeveria lavar-se sete vezes no Rio Jordão. Naamã fica decepcionado.Havia imaginado um exorcismo – “Pensava eu que ele sairia a tercomigo, por-se-ia de pé, invocaria o nome do Senhor, seu Deus,

BATISMO: UM LAVAR QUE RENOVA

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IGREJA LUTERANA

moveria a mão sobre o lugar da lepra e restauraria o leproso” (v.11).Além do mais, ter que lavar-se no Jordão? A qualidade da água dosrios de Damasco era muito melhor. Naamã resolve voltar para casa,mas seus oficiais o aconselham carinhosamente a fazer o que Eliseuhavia dito. E Naamã o faz e é curado de sua lepra.

3. APLICAÇÕES HOMILÉTICAS

a. A ordem de Eliseu para Naamã mostra que a cura vem não como algomágico ou dependente da pessoa, mas exclusivamente como dádiva deDeus. Assim é o Batismo: “com a palavra de Deus a água é batismo, istoé, água de vida, cheia de graça, e um lavar de renascimento no EspíritoSanto” (Lutero, Catecismo Menor, IV, 10 – LC, p. 376).

b. A água do Rio Jordão não era para lavar as feridas, como imaginou Naamã,mas para renovar o ser inteiro, como acontece no Batismo: “Por isto,quanto ao batismo, todo cristão tem matéria suficiente para aprender eexercitar-se a vida inteira, pois sempre tem o que fazer para crer convic-tamente o que ele promete e traz: vitória sobre o diabo e a morte, remis-são dos pecados, a graça de Deus, o Cristo inteiro e o Espírito Santo comos seus dons. Em suma, tão rica é a coisa, que a acanhada natureza,quando nela pondera, bem pode duvidar sobre se é possível que sejaverdade. Pois considera um caso: se houvesse um médico que tivesse aciência de fazer que os homens não morressem, ou então, ainda quemorressem, fazer que depois vivessem eternamente, como não iria omundo nevar e chover dinheiro, de modo que por causa da multidão dericaços ninguém mais conseguiria acesso! Agora, aqui no batismo, setraz, gratuitamente, à porta de todos um tal tesouro e uma medicina quetraga a morte e mantém a todos os homens em vida. É assim que deve-mos considerar o batismo e no-lo tornar de proveito, para que, quandoos pecados ou a consciência nos oprimem, nos fortaleçamos e console-mos com isso, e digamos: “Todavia, estou batizado; mas se estou batiza-do, então tenho a promessa de que serei salvo e terei a vida eterna dealma e corpo”.” (Lutero, CM, 4a parte, 41-44 – LC, p. 479-480).

c. Naamã passou a viver uma nova vida a partir da sua cura. Deus agiu emseu coração e o tornou limpo. Da mesma forma, o batismo nos renova,pois ele “não apenas significa essa vida nova, mas também a opera,inicia e promove. Porque nela se dão a graça, o Espírito e o poder parasubjugar o velho homem, a fim de o novo surgir e se fortalecer. Por issoo batismo sempre permanece, e posto alguém dele caia e peque, todaviasempre temos acesso a ele, para de novo submeter o velho homem”(Lutero, CM, 4a parte, 75-77 – LC, p. 484-485).

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4. PROPOSTA HOMILÉTICA

Objetivo: Confiar no Deus que age através do Batismo para nos dar umanova vida, uma vida com ele, eterna e sem fim.

Moléstia: A natureza humana nos faz esperar uma ação espetacular de Deuspara dar vida eterna e não nos deixa confiar na promessa de Deus.

Meio: Deus age para salvar pela sua palavra de salvação que, unida à águado Batismo, nos dá perdão, vida e salvação.

Tema: O Batismo é um lavar que renova

I – Pela ação de Deus na palavra unida à água

II – Para a vida eterna com Deus

Rony Ricardo Marquardt

CONCLUSÃO

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IGREJA LUTERANA

Êxodo 32.1-14(1 Coríntios 3.1-11; João 20.19-23)

O nosso texto bíblico aponta para a ruptura e a renovação da aliança doSenhor com Israel. Aqui Deus se manifesta como o Deus que faz prevalecer amisericórdia e o perdão sobre o juízo, a sua ira e o castigo. E esta misericórdia eeste perdão de Deus se manifestam ainda hoje em nossas vidas.

V. 1: “Mas, vendo o povo que Moises tardava em descer do monte, acer-cou-se de Arão e lhe disse: Levanta-te, faze-nos deuses que vão adi-ante de nós; pois, quanto a este Moisés, o homem que nos tirou doEgito, não sabemos o que lhe terá sucedido.” À conclamação deDeus, Moisés subiu no meio da nuvem espessa que cobria o MonteSinai, à presença de Deus. Ali permaneceu durante quarenta dias(24.18). Impaciente o povo esperava em baixo, proibido por Deus dese aproximar do monte. Quarenta dias foi tempo suficiente para opovo se corromper e cair na idolatria. O povo se acercou de Arão, osumo sacerdote, e pediu-lhe que lhes fizesse deuses que fossem adi-ante deles. Mais do que isto, o povo esqueceu-se da poderosa mão deDeus que o tirou do Egito através do mar, e o alimentou com maná eágua no deserto.

Vv. 2-4: “Disse-lhes Arão: Tirai as argolas de ouro das orelhas de vossasmulheres, vossos filhos e vossas filhas e trazei-mas. Então, todo opovo tirou das orelhas as argolas e as trouxe a Arão. Este, receben-do-as das suas mãos, trabalhou o ouro com buril e fez dele um bezer-ro fundido. Então, disseram: São estes, ó Israel, os teus deuses, quete tiraram da terra do Egito.” Arão, o sumo sacerdote escolhido porDeus, deixa-se envolver pelas intenções idólatras do povo, e fundeas argolas e enfeites de ouro das mulheres, em um bezerro de ouro.Uma lembrança da idolatria dos egípcios que tinham o touro, ou obezerro como seus deuses, aos quais fazem alusão nas palavras: “São

OFÍCIO DAS CHAVES

174

estes, ó Israel, os teus deuses, que te tiraram da terra do Egito”. Édifícil compreender como Arão tenha participado ativamente não sóna idolatria do povo, como também na confecção do ídolo. Arão, quedesde o começo estava com Moisés e fora o porta-voz de Moisés noepisódio das pragas que levaram Faraó a deixar sair o povo. Está aíuma lembrança aos pastores e líderes espirituais de nossos dias: nin-guém permanecerá fiel a Deus sem deixar-se conduzir pelo poder epela misericórdia de Deus. Quando a loucura do povo é apoiada pelaloucura de seus sacerdotes, tudo é possível.

Vv. 5 e 6: “Arão, vendo isso, edificou um altar diante dele e, apregoando,disse: Amanhã, será festa ao Senhor. No dia seguinte, madrugaram, eofereceram holocaustos, e trouxeram ofertas pacíficas; e o povo as-sentou-se para comer e beber e levantou-se para divertir-se.” O des-vio de Arão foi ainda maior do que o que é relatado nos versículosanteriores. Aqui ele conclama o povo para celebrarem o Dia do Se-nhor, diante de um altar erigido para honra do bezerro de ouro. En-quanto isso, lá no monte, Deus ditava a Moisés: “Não terás outrosdeuses diante de mim.” O “Dia do Senhor” foi transformado em festade comidas e bebidas e de diversão. O verbo hebraico traduzido pordivertir-se refere-se a práticas de caráter sexual (cf. 1 Co 10.7). Estefoi o clímax negativo na rota do desvio do povo liderado por Arão.

Vv. 7-10: “Então disse o Senhor a Moisés: Vai, desce; porque o teu povo, quefizeste sair do Egito, se corrompeu e depressa se desviou do caminhoque lhe havia eu ordenado; fez para si um bezerro fundido, e o adorou,e lhe sacrificou, e diz: Sãos estes, ó Israel, os teus deuses, que te tira-ram da terra do Egito. Disse mais o Senhor a Moisés: Tenho visto estepovo, e eis que é povo de dura cerviz. Agora, pois, deixa-me, para quese acenda contra eles o meu furor, e eu os consuma; e de ti farei umagrande nação.” Aqui Deus é descrito como quem tem sentimentoshumanos. Chamamos isso de “antropopatismo”, isto é, descrição dasemoções de Deus em termos que nós podemos compreender. Não éimportante se Deus realmente queria destruir todo o povo, ou se elepode se arrepender. Aqui é importante entendermos o fato de que Deusnão tolera que os seus seguidores o troquem por uma criatura. “E de tifarei uma grande nação.” Estranha esta promessa no contexto da des-crição da ira de Deus. Ela se dirigia exclusivamente a Moisés. Moisésnão estava incluído no propósito de extermínio do povo. Aqui Deus sepropõe a recomeçar com Moisés, o processo contido na promessa quehavia sido feita originalmente a Abraão.

Vv. 11-13: “Porém Moisés suplicou ao Senhor, seu Deus, e disse: Por que seacende, Senhor, a tua ira contra o teu povo, que tiraste da terra do

CONCLUSÃO

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IGREJA LUTERANA

Egito com grande fortaleza e poderosa mão? Por que hão de dizer osegípcios: Com maus intentos os tirou, para matá-los nos montes epara consumi-los da face da terra? Torna-te do furor da tua ira earrepende-te deste mal contra o teu povo. Lembra-te de Abraão, deIsaque e de Israel (Jacó), teus servos, aos quais por ti mesmo tensjurado e lhes disseste: Multiplicarei a vossa descendência como asestrelas do céu, e toda esta terra de que tenho falado, dá-la-ei à vossadescendência, para que a possuam por herança eternamente.” Mag-nífica esta oração de Moisés. Ela lembra Abraão argumentando emoração diante de Deus para que ele não destruísse Sodoma a Gomorrapor amor de somente dez pessoas justas que lá estivessem. E Deus oatendeu. Assim Deus também atendeu Moisés que suplicou e argu-mentou diante de Deus para que, por amor aos patriarcas, aos quaishavia prometido fazer deles uma grande nação, não destruísse o povoque poderosamente havia tirado da escravidão no Egito para conduzi-lo à posse de uma terra por herança. E mais, Moisés chama a atençãode Deus para a ridicularização a que os egípcios submeteriam o povo eo próprio Deus se ele mantivesse o seu propósito de destruir o povo.

V. 14: “Então, se arrependeu o Senhor do mal que dissera havia de fazer aopovo.” E a narrativa que até aqui se reveste de dura pregação da lei, ese apresenta como um exemplo da seriedade com que Deus encara opecado, termina com uma maravilhosa mensagem do Evangelho. Deuscedeu aos argumentos de Moisés, e não cumpriu o propósito inicial dedestruir o povo. Aqui nos é mostrado que a misericórdia e o perdão deDeus superam a sua ira e o seu juízo.E é justamente por causa da suamisericórdia que também a nós é garantido o perdão, assim como Je-sus nos promete quando diz: “Paz seja convosco! Assim como o Paime enviou, eu também vos envio. E, havendo dito isso, soprou sobreeles e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo. Se de alguns perdoardes ospecados, são-lhes perdoados; se lhos retiverdes, são retidos” (Jo 20.21-23). Esta é a essência do Ofício das Chaves, pelo qual nos confessa-mos pecadores, e arrependidos e crentes em Cristo, recebemos o per-dão. O tamanho do pecado cometido pelo povo e por Arão não impe-diu Deus de perdoar. Jesus e sua obra são a garantia do nosso perdão.“Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdo-ar os pecados e nos purificar de toda injustiça” (1 Jo 1.9).

O NOSSO DEUS É DEUS QUE PERDOA

Introdução – “O Ofício das Chaves é o poder especial que Cristo deu à suaIgreja na terra para perdoar os pecados aos pecadores penitentes, e reter os peca-

176

dos aos impenitentes, enquanto não se arrependerem.” Assim o Dr. Martinho Lutero,baseado nas palavras de Jesus, elaborou este artigo da nossa fé que aprendemos nainstrução de confirmandos. Podemos confiar que os nossos pecados, seja no culto,em nossa devoção familiar, em nossa confissão particular ou nas tratativas pasto-rais, realmente são perdoados, porque o nosso Deus é Deus que perdoa.

Esta verdade fundamenta-se na história do Bezerro de Ouro.

I - A JUSTIÇA DE DEUS SE MANIFESTA SEVERA CONTRA O PECADO DE

ARÃO E DO POVO

Enquanto Moisés recebia de Deus os mandamentos e outras instruções so-bre leis cerimoniais que o povo deveria seguir, este pediu a Arão que lhe fizesseum deus que fosse adiante deles (v.1).

Arão instruiu o povo no caminho da idolatria (vv. 2 a 4);

Arão edificou um altar para o Bezerro de ouro a fim de que fosse adorado.

Depois de ver o poder de Deus manifestado nas pragas do Egito; de vercomo foi libertado, passando a seco o Mar Vermelho; de se ver alimentado nodeserto - Arão dirigiu o povo de volta ao Egito, levando-o à prática da adoraçãodaquele bezerro como faziam os egípcios, adorando um touro. Quando os sacer-dotes apóiam a loucura do povo que lideram, tudo é possível.

O povo se entregou a orgias e diversão – prática de pecados sexuais comoforma de culto ao deus bezerro;

O povo se desviou do caminho ordenado por Deus;

O povo atribuiu ao bezerro de ouro a obra de libertação da escravidão ope-rada por Deus;

O povo mostrou ser de “dura cerviz” – que não se dobra, que não se humi-lha, que não se arrepende;

Não podia ser maior a corrupção do que esta que o povo praticou na presen-ça do Monte Sinai e do próprio Deus;

Somente Moisés escaparia do castigo – e com ele, recomeçaria o planooriginalmente iniciado com Abraão – formar uma grande nação (v. 10).

Tudo isto mostra a seriedade e severidade com que Deus encara o pecado.

II – MAS A MISERICÓRDIA E O PERDÃO DE DEUS SÃO MAIORES DO

QUE O PECADO DO POVO

Ao ouvir de Deus o propósito que tinha em relação ao povo, Moisés, diferente de

CONCLUSÃO

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IGREJA LUTERANA

Arão, suplicou que Deus não o fizesse, apelando ao fato de que este ato de Deus anulariaa obra poderosa que tirou o povo da escravidão no Egito; lembrando Deus da promessafeita aos patriarcas de, através deles formar uma grande nação; de que os egípcios iriamzombar de Deus e do povo, se, depois de tudo isso, Deus o exterminasse no deserto.

Que magnífica oração. Ela lembra Abraão rogando a Deus para poupar ascidades de Sodoma e Gomorra por amor a apenas dez justos que nelas estivessem.

Como com Abraão, também com Moisés – Deus se manifestou misericor-dioso e perdoador: Ele “se arrependeu do mal que dissera havia de fazer ao povo.”Deus atendeu à súplica de Moisés. A sua misericórdia é maior do que o seu juízo.

III – AINDA HOJE DEUS SE MANIFESTA MISERICORDIOSO E PERDOADOR

PARA CONOSCO

De que “tamanho” são os pecados do mundo, hoje? Serão maiores ou me-nores do que a idolatria de Arão e do povo no deserto? De que “tamanho” são osnossos pecados?

Na verdade, aos olhos de Deus, os pecados não são medidos ou compara-dos entre si. Qualquer pecado é transgressão da Lei de Deus, e sem arrependimen-to e fé em Cristo, são igualmente dignos da punição eterna de Deus.

Mas Deus é misericordioso – assim como pela mediação de Moisés, Deusnão exterminou o povo no deserto do Sinai, assim ele, mediante Cristo, não noscastiga eternamente.

Jo 20.21-23 nos mostra como Cristo deu à sua Igreja o poder de perdoar oureter os pecados aos pecadores, conforme eles se arrependem ou não.

E o apóstolo João em sua Primeira Carta 1.9 confirma esta promessa de Cristo.

Conclusão - Que confortadora, portanto, é a verdade apresentada no Ofíciodas Chaves. Vale a pena retomar os nossos catecismos e relembrar estas palavrasque apontam para o Deus perdoador: “O Ofício das Chaves é o poder especial queCristo deu à sua Igreja na terra para perdoar os pecados aos pecadores penitentese reter os pecados aos impenitentes, enquanto não se arrependerem.” A história doBezerro de Ouro nos mostra a seriedade com que Deus encara o pecado, masaponta também para a sua grande misericórdia, que mais tarde seria amplamenterevelada em Cristo, na sua morte e ressurreição. Esta notícia nos dá a alegria desabermos que o nosso justo Deus é também misericordioso e perdoador.

Paulo Kerte Jung

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João 20.19-23(Joel 2.28-32; At 2.1-12)

1. CONTEXTO LITÚRGICO

A confissão e absolvição é um ato preparatório ao culto propriamente dito. Aconfissão se desenvolveu das orações originalmente proferidas pelo ministro na sacris-tia, quando ele colocava as suas vestimentas. Posteriormente foram incluídas na Liturgia.

Os escritos da Igreja Primitiva sobre a Santa Ceia nada relatam sobre umrito de confissão. A Igreja Primitiva considerava-se a si própria como “povo san-to”. Não tinham claramente definida a idéia de pecado dos tempos Medieval eModerno. A ênfase estava na confissão privada, antes de receber o sacramento.

Aproximadamente no século XI os assim chamados “apologistas” elabora-ram orações, as quais eram lidas pelo sacerdote ao pé do altar, como parte prepa-ratória para o culto. Elas eram ditas com ou pela congregação.

Os reformadores apreciaram o valor espiritual da confissão preparatória.Eles extinguiram as impurezas doutrinárias. As congregações da Reforma, se-guindo o princípio do “sacerdócio real de todos os crentes”, começaram a usar aconfissão preparatória com participação da comunidade, sendo liderada pelo seupastor. Os versos podiam ser cantados.

A confissão dos pecados é uma preparação para o culto de louvor a Deus. Acomunhão e comunicação com Deus exige corações arrependidos e perdoados deseus pecados. É por essa razão um ofício preparatório de purificação espiritual.Na confissão somos purificados para entrar no culto propriamente dito, que come-ça com o intróito.

A absolvição vem após a confissão e pedido de perdão. Ao pastor cabeanunciar o perdão dos pecados para a congregação fundamentado na autoridadeque lhe é outorgada por Cristo. Nesse momento, o pastor exerce função sacerdo-tal, na qual declara o perdão pleno de todos os pecados a todos os que estão verda-deiramente arrependidos.

CONFISSÃO

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IGREJA LUTERANA

Confissão e absolvição é como “limpar os pés antes de entrar em casa”.Nessa parte, a igreja aplica o Ofício das Chaves. As partes responsivas mostram anossa certeza da absolvição.

A confissão e absolvição particular era praticada pelas congregações cris-tãs primitivas e por muito tempo foi praticada na igreja cristã. O catolicismo ro-mano até hoje não aboliu a confissão e absolvição particular. A Reforma tambémnão a rejeitou. O luteranismo condenou a confissão particular obrigatória, massempre a incentivou àquelas pessoas que sentiam grandes angústias eintranqüilidade em seus corações por causa de seus pecados. Nessa oportunidadeo pastor pode orientar a pessoa aflita na luta contra o pecado que a aflige e lhepode assegurar de um modo mais íntimo e pessoal o perdão pleno dos pecadospelo sangue de Jesus.

2. TEXTO

Vv. 19-20: “Sendo pois tarde no dia aquele no dia primeiro de (a) sema-na...” – Trata-se do dia da ressurreição de Cristo, o dia do Senhor, odomingo que tornou-se o dia escolhido para recordar e celebrar avitória do Senhor. “...e as portas estando trancadas onde estavam osdiscípulos...” – É provável que os discípulos continuassem a se reu-nir no segundo andar da casa em que haviam celebrado a última ceiacom Jesus. Teria sido este um lugar dedicado ao culto e à celebraçãoda memória do Senhor e da sua Ceia?! “... por causa de (o) medo dosjudeus...” – Os discípulos conheciam o rancor dos judeus que havi-am planejado a morte de Jesus e daqueles que o seguiam, por isso omedo; escutavam com atenção qualquer eventual ruído de porta ouescada, temendo que fossem descobertos e presos. “... veio Jesus epôs-se em o meio e diz a eles: Paz a vós” – Esta saudação, costumei-ra entre os hebreus (Shalôm aleikhem), na presente situação teve osentido mais pleno, pois, através desta, recordaram-se do que recen-temente Jesus lhes dissera: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou ...não se turbe o vosso coração” (Jo 14.27). Certamente que não houvenecessidade que alguém lhe abrisse a porta para que ele pudesse en-trar. Era o Cristo glorificado, no entanto ele estava com os discípulosem forma corporal: as mãos furadas e também o seu lado identifica-vam-no de maneira clara e inconfundível, o que encheu os discípulosde alegria. “Alegraram-se pois os discípulos vendo o Senhor” – Vendoe reconhecendo o Senhor, os discípulos, agora sem medo, ficaramcheios de alegria, cumprindo-se mais uma vez a promessa de Jesus:“Outra vez vos verei e o vosso coração se alegrará, e a vossa alegrianinguém poderá tirar” (Jo 16.22).

180

Vv. 21-23: “Disse pois a eles [Jesus] novamente: Paz a vós; como envioua mim o Pai, também eu envio a vós” – Jesus está concretizando oque ele já dizia na oração sumo sacerdotal: “Assim como tu me envi-aste ao mundo, também eu os enviei ao mundo”. João não costumausar o termo técnico apóstolo, mas ao utilizar o verbo apostello, indi-ca que agora os discípulos tornam-se efetivamente apóstolos no sen-tido de “enviados”.

“...assoprou e diz a eles: recebei o Espírito Santo” – O verbo assoprar(emphysao) é o mesmo que a LXX usa em Gn 2.7, quando, ao criar o ser humano,Deus “lhe soprou nas narinas o fôlego da vida, e o homem passou a ser alma viven-te”. Igualmente, em Ez 37.9, é dada a ordem ao Espírito: “Vem dos quatro ventos, óEspírito, e assopra sobre estes mortos, para que vivam”. No texto de João, o que estásendo focalizado é o ministério, cuja autoridade e vocação vêm do Espírito Santo. Jáque o Espírito Santo é concedido aos apóstolos, conferindo-lhes poder para a mis-são que acabaram de receber, a autoridade transmitida nas palavras seguintes doSenhor também está relacionada ao cumprimento desta tarefa.

“Se de alguns perdoardes os pecados estão perdoados a eles, se de algunsretiverdes estão retidos” – Quando a Palavra do Evangelho é proclamada, a re-missão de pecados é assegurada aos que nela confiam e, ao contrário, aos descren-tes é anunciado o juízo. Os dois passivos, “estão perdoados a eles ... estão reti-dos”, subentendem a ação divina. Os servos de Cristo não receberam nenhumaautoridade independente da dele; por outro lado, quando anunciam perdão aospecadores penitentes, os ministros o fazem como se o próprio Cristo tratasse pes-soalmente com esses pecadores. O mesmo quando anunciam o juízo.

3. APLICAÇÕES HOMILÉTICAS

a) Interessante ver o que Lutero escreve no Catecismo Menor sobre a Con-fissão, especialmente quando a define: “A confissão compreende duaspartes: primeiro, que confessemos os pecados; segundo, que se receba aabsolvição ou remissão do confessor como de Deus mesmo, sem duvi-dar de modo algum, mas crendo firmemente que por ela os pecados sãoperdoados perante Deus no céu” (Livro de Concórdia, p. 377).

b) Destaque-se a autoridade de Jesus e o poder que o Espírito de Deusconfere aos que chamam pecadores ao arrependimento e lhes anunciamo perdão. É Deus mesmo que chama e capacita os seus servos no cum-primento do ministério que é dEle.

c) O que nos motiva a confessarmos os nossos pecados não é uma imposi-ção aterrorizante, mas o convite gracioso dAquele que diz: “Paz sejaconvosco” ou “Deixo-vos a paz”.

CONCLUSÃO

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IGREJA LUTERANA

4. SUGESTÃO DE TEMA E PARTES

Tema: Paz seja convosco

Partes: I – Não tenhais medo;

II – Como o Pai me enviou, também eu vos envio;

III – Anunciai o perdão de Deus e o seu juízo.

5. BIBLIOGRAFIA

BARCLAY, William. Juan II. Buenos Aires: La Aurora, 1974.

BRUCE, F. F. João: Introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 1987.

LIVRO DE CONCÓRDIA (Trad. Arnaldo Schüler). Porto Alegre / SãoLeopoldo: Concórdia / Sinodal, 1980.

RIENECKER, Fritz. Sprachlicher Schlüssel zum Griehiscen NeuenTestament. Basel: Brunnen-Verlag, 1952.

SCHOLZ, Vilson. Novo Testamento interlinear grego-português. Barueri:Sociedade Bíblica do Brasil, 2004.

Paulo Gerhard Pietzsch

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Hebreus 9.15-22(Êxodo 24.1-8; Mateus 26.19-29)

1. COMENTÁRIOS EXEGÉTICOS

O capítulo 9 de Hebreus mostra que o ofício do sumo sacerdote do AntigoTestamento era sombra do verdadeiro sumo sacerdote, que é Cristo.

O templo, ou melhor, o tabernáculo do Antigo Testamento, era constituídode duas partes. O Santo e o Santo dos Santos. Na primeira parte do Santo o sacer-dote entrava todos os dias para renovar os pães da proposição, queimar o incensoe abastecer o candelabro de sete velas (Nm 18.2-6). Mas no Santo dos Santos (ouSantíssimo), separado do primeiro por uma cortina pesada e grossa, entrava sóuma vez ao ano, com sangue pelos seus pecados e os do povo (Lv 16.2-34).

Então diz: Querendo com isto dar a entender o Espírito Santo que ainda ocaminho do Santo Lugar não se manifestou, enquanto o primeiro tabernáculocontinua erguido. (v.8) Para resumir, tudo isso era sombra das coisas que haveri-am de vir. O caminho ao Santo dos Santos, ao coração do Pai, ainda não estavaaberto. Este só foi aberto quando Jesus morreu na cruz e o véu do santuário serasgou de alto abaixo (Mt 27.51).

Hebreus 9.1-5: Descrição do culto do AT; 9.6,7: Regras para a execução dosacerdócio; 9.8-10: O caminho ainda não aberto; 9.11-14: O sacrifício perfeitoque abriu o caminho; 9.15-28: O sangue nos purifica da culpa, das amarras, dastrevas, do medo da morte, da hipocrisia, da maldição da lei, das dúvidas, da dis-tância de Deus, do corpo da morte, da ruína eterna.

V.15: Jesus, o Mediador da Nova Aliança. Porque ele, como filho de Deus,tem um ofício superior. Por seu sacrifício, uma vez por todas, estabe-leceu a Nova Aliança, da qual a antiga era sombra.

V.15b: Os que têm sido chamados, receberam a eterna aliança, tanto os doAntigo Testamento como os do Novo Testamento. Pois por seu únicoe suficiente sacrifício na cruz, pelo derramar do seu sangue, conquis-

SACRAMENTO DO ALTAR: DADOS POR NÓS

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IGREJA LUTERANA

tou a eterna herança, que receberão todos os que foram chamados,isto é, levados à fé na graça de Cristo. Isto mostra que os sacrifíciosdo Antigo Testamento, em si, não podem livrar ninguém. Eles eramsombra e apontavam para o sacrifício que Cristo realizaria. Os sacri-fícios guiavam a Cristo e quem cria no Cristo que haveria de vir,recebia o perdão.

A morte de Cristo, o testador era necessário. Pois um testamento só entraem vigor pela morte do testador. Isto era demonstrado pelos sacrifícios da antigaaliança. Pois sem derramamento de sangue não há remissão.

Jesus ofereceu o sacrifício uma vez por todas, não com sangue alheio, mascom o seu próprio sangue. Então ele entrou no Santo dos Santos, não feito pormãos humanas, mas à presença de Deus no céu, onde ele é nosso intercessor,advogado que intercede pelos seus (1 Jo 2.1-3).

Vv. 25-28: Tendo-se oferecido uma única vez para sempre, virá segunda vez,sem pecado, em toda sua glória, para receber, no lar celestial, aos queo aguardam. Isto será no grande dia do juízo final, da ressurreição dosmortos, quando criará novo céu e nova terra, na qual habitará justiça.Isto exclui qualquer sonho de um milênio glorioso aqui na terra. Per-manece o que confessamos no final do Credo Apostólico: Creio naremissão dos pecados, na ressurreição dos mortos e na vida eterna.

2. ESBOÇO DE SERMÃO

Introdução. O texto trata de dois sacerdócios, do Antigo e do Novo Testa-mento. O sacerdócio do Antigo Testamento era um sacerdócio corporal; do NovoTestamento, um sacerdócio espiritual. O primeiro tinha enfeites humanos: otabernáculo enfeitado com ouro e prata, o sacerdote com vestes talares com ouroe pedras preciosas. O segundo era espiritual: seus enfeites eram amor, sabedoria,paciência, obediência que só Deus podia ver e a quem o Espírito abriu os olhos dafé, como por exemplo aos pastores de Belém, aos Magos do Oriente, ao profetaSimeão e à profetiza Ana no templo. Até hoje o Espírito Santo chama e iluminapor sua Palavra e pelo batismo.

Os sacrifícios. O sacrifício do Antigo Testamento era visível. O templo, osacerdote e a cerimônia sacrificial que todos poderiam ver, quer fiéis ou infiéis, queali era realizado um sacrifício. Quando Cristo se ofereceu a si mesmo uma vez portodos a Deus, ninguém o notou. Gritaram: crucifica-o! Ninguém via que aquelehomem de dores (ecce homo) era o Filho de Deus que com o seu sacrifício estavareconciliando o mundo com Deus, que o ofertar de sua carne e de seu sangue era umverdadeiro sacrifício a Deus pela humanidade. Este sacrifício também não foi feitonum templo, mas a céu aberto, numa cruz. O altar, a cruz, era espiritual.

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Só a quem o Espírito Santo iluminou com seus dons, como no caso domalfeitor na cruz, reconheceu o sacrifício de Jesus e suplicou: Lembra-te de mimquando entrares no teu reino.

Proveito. O proveito deste sacrifício: perdão dos pecados, vida e eternasalvação também nos são ocultos, só podemos vê-los com os olhos da fé. Eles nossão oferecidos por Palavra e sacramentos. Como muitos viam em Jesus um sim-ples homem e zombavam dele, assim muitos vêem na palavra de Deus e nos sa-cramentos nada mais do que elementos humanos e não vêm a Cristo e suas bên-çãos oferecidos a nós ali.

Mas aqueles a quem o Espírito Santo abriu os olhos, por palavra e sacra-mentos, estes vêem e confessam e têm neles consolo e perdão. Eles sabem que naSanta Ceia recebemos em, com e sob o pão o verdadeiro corpo de Cristo e em,com e sob o vinho o verdadeiro sangue de Cristo, dado e derramado por vós, opreço de nossa salvação. Eles sabem que ali está o verdadeiro consolo, com o qualpodemos comparecer diante do santo trono de Deus, purificados pelo sangue deCristo, vestidos com o manto branco da justiça de Cristo, para ouvir as palavras:Vinde benditos de meu Pai e entrai no gozo que vos está preparado desde a funda-ção do mundo.

Apego. Por isso nos apegamos aos meios da graça de nosso sumo sacerdo-te, palavra e sacramentos. Na Santa Ceia somos lembrados de forma bem especialdesta verdade: dados e derramados por vós para remissão dos pecados. Mas nãosó lembrança: ali recebemos o preço de nossa salvação, o verdadeiro corpo esangue de Cristo, para selar o perdão. Como é consolador ouvir isto todas as vezesque vamos à mesa do Senhor. Mas quem não o crê, recebe a Cristo como seu juiz.

As palavras “por vós” requerem corações verdadeiramente crentes, isto é,que reconhecem: ali na cruz Cristo morreu por causa do meus pecados, a verda-deira causa de sua morte são meus pecados. Ele tomou sobre si as nossas enfermi-dades e as nossas dores carregou sobre si, para nos conquistar perdão, vida eeterna salvação. Isto requer de nós verdadeiro arrependimento e fé na graça deCristo (cf. Cat. Menor, perg. 366ss.).

Especialmente quando nossa consciência nos atribula, acusando-nos depecado, devemos ir à Santa Ceia. Muitas vezes nossa consciência nos diz: Você éindigno. Você já prometeu tantas e tantas vezes corrigir a vida e tem voltado sem-pre aos mesmos pecados. Não adianta, você não tem o Espírito Santo. Você estácondenado. Nestes momentos é importante lembrar: Vinde a mim todos os queestais cansados e sobrecarregados e eu vos aliviarei (Mt 11.28), pois ele nãoesmagará a cama quebrada, nem apagará a torcida que fumega (Is 42.3).

Horst Kuchenbecker

CONCLUSÃO

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IGREJA LUTERANA

Mateus 27.22-25(Zacarias 9.9-11; 1 Coríntios 10.15-17)

1. LEITURAS ADICIONAIS

Zc 9.9-11: Palavras de ânimo para um povo que irá sair da condição deescravo para liberto. Israel, no cativeiro da Babilônia, recebe a promes-sa de que Deus o livrará, Deus o perdoará de seu pecado que o havialevado ao cativeiro. O reconhecimento do amor de Deus torna-se cons-ciente para o povo quando este reconhece o quanto Deus fez por eles.

1 Co 10.15-17: O perdão é conseqüência da presença de Deus em nossa vida.A presença de Cristo (corpo e sangue) faz nós nos afastarmos da idolatria.É a presença de Deus em Cristo que une o povo de Deus e que proporcio-na os benefícios desta presença: a comunhão no perdão recebido.

2. TEXTO

O corpo e sangue de Cristo, oferecidos na Santa Ceia, não apenas nos reme-tem à morte de Cristo, mas à sua presença entre os cristãos. Afinal, não cremos etestemunhamos de que Cristo ressuscitou e está vivo, assentado à direita do Pai? Agrande alegria na ceia é a presença de Cristo entre nós, como Paulo bem apontouna leitura de Coríntios.

Na passagem de Mateus, assim como em nossa participação na Santa Ceia,apontamos para a causa e o efeito da presença real de Cristo. A causa – a presençade Cristo com sua obra redentora em nosso favor; o efeito – as conseqüênciasdesta presença redentora.

Inconscientemente, Pilatos e a multidão judaica não perceberam do grandebenefício que trouxeram ao mundo ao concretizar a morte de Cristo. Assim comoeles, nós também somos culpados pela morte de Cristo por causa do nosso peca-do, para que através desta morte, possamos novamente ter vida e vida em comu-nhão.

SACRAMENTO DO ALTAR: RECEBER O PERDÃO

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Infelizmente, como Paulo argumenta em Rm 11.25, muitos não percebe-ram que Cristo entregou-se com a finalidade de salvação de todos, inclusive da-queles que foram os executores de Cristo.

Aqui é importante lembrar da ênfase luterana da comunhão digna e indignana Santa Ceia. Os benefícios da Ceia são dados àqueles que crêem no que estãorecebendo; aos que não crêem, recebem juízo para si.

Vejamos como Lutero resolve a questão no Catecismo Maior. Lutero apre-senta aquele que se beneficia com este sacramento: “agora cumpre vejamos quala pessoa que recebe esse poder e proveito. É em palavras bem sumárias, conformeficou dito acima, no batismo, e em muitos outros lugares, aquele que crê confor-me rezam as palavras e o que trazem. Pois não são ditas ou proclamadas a pedrase paus, mas àqueles que as ouvem” (CM 4,33). E continua: “quem disso toma boanota e o crê verdadeiramente, esse o tem; aquele, porém que não crê, nada tem,pois deixa que se lho apresente em vão e não quer fruir desse bem salutar. Otesouro, na verdade, está aberto e é colocado à porta de todos; mais: é posto sobrea mesa. Todavia, cumpre também que dele te apropries e com certeza o considerescomo sendo aquilo que as palavras indicam” (CM 4,35,36). Lutero deixa bemclaro o que faz alguém ser digno ou indigno: “Pois visto que esse tesouro é apre-sentado totalmente nas palavras, não se pode apreendê-lo e dele tomar posse deoutra maneira senão pelo coração” (CM 4,36). É o coração que discerne essetesouro e o deseja (CM 4,33).

Aqui vale uma nota de Lutero a respeito do texto de 1 Co 11.27,29. Luteroalenta o coração piedoso para uma participação digna e cristocêntrica: “Mas S.Paulo mete bastante medo na gente, ao dizer: “Quem comer desse pão e tomardesse cálice de forma indigna, come e bebe um juízo e é culpado no corpo esangue do Senhor. Assim nos desanima e faz perder a coragem de ir ao sacramen-to. Pois quem é que pode considerar-se digno? Resposta: Meu caro, não vê contraquem Paulo está falando? Contra aqueles que se atiravam sobre o sacramentofeito porcos e que faziam dele uma comilança para o corpo; contra os que lidavamcom o sacramento como se fosse seu pão e vinho diário, além de se desprezaremmutuamente e cada um fazer sua refeição para si. Nós, entretanto, estamos falan-do daqueles que acreditam não se tratar de uma refeição de porcos, mas do autên-tico corpo e sangue de Cristo; que sabem que Cristo o instituiu para sua memóriae nosso consolo; que também gostariam de ser cristãos, louvar seu Senhor, agra-decer-lhe e glorificá-lo; e assim gostariam também de ter sua graça e amor; que seatemorizam por causa de própria pessoa e indignidade; e que por isso se mantémdistantes, impedidos e intimidados por falso temor” (Lutero. Pelo Evangelho deCristo, p.281). Portanto, Lutero sugere que não se leve em consideração a digni-dade humana, mas sim a graça de Deus recebida pela fé e contida na Ceia.

CONCLUSÃO

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IGREJA LUTERANA

3. APLICAÇÕES HOMILÉTICAS

Sugiro utilizar a pergunta do C. Menor: “Que proveito há nesse comer ebeber? Resposta: Isso nos indicam as palavras ‘dado em favor de vós’ e ‘derrama-do para remissão dos pecados’, a saber, que por essas palavras nos são dadas nosacramento remissão dos pecados, vida e salvação. Pois onde há remissão dospecados, há também vida e salvação”.

4. SUGESTÃO DE TEMA/PROPOSTA HOMILÉTICA

Por causa de Cristo, recebemos o perdão na Santa Ceia.

Clóvis Jair Prunzel

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1 Coríntios 11.23-33(Jeremias 31.31-34; João 13.18-20)

Quem recebe dignamente esse sacramento?

Resposta: Jejuar e preparar-se corporalmente é, sem dúvida, boa discipli-na externa. Mas verdadeiramente digno e bem preparado é aquele que tem fénestas palavras: “Dado em favor de vós” e “derramado para remissão dos peca-dos”. Aquele, porém, que não crê nessas palavras ou delas duvida, é indigno enão está preparado, pois as palavras “por vós” exigem corações verdadeiramen-te crentes.

Dos quatro relatos da instituição da Ceia (Evangelhos Sinópticos e 1 Co), ode 1 Co 11 é o mais detalhado e o que mais influenciou a liturgia da Igreja. Essetexto ocorre num contexto em que Paulo corrige abusos quanto à celebração daCeia do Senhor, o que mostra que, em toda e qualquer discussão sobre a Ceia,importa voltar ao começo, ou seja, ao relato da instituição. Paulo corrige abusos,ensinando ou relembrando as verba testamenti (“palavras do testamento”).

Essas palavras, tão simples e tão profundas, acabariam por se tornar um dostextos mais interpretados e discutidos ao longo da história da exegese. SegundoLutero, elas são um grande teste para se ver quem consegue aceitar o que as pala-vras bíblicas dizem, sem querer fugir delas pelos caminhos ou descaminhos dahermenêutica.

Nesse texto aparecem, em seqüência, a dimensão presente-passado e a di-mensão presente-futuro da Ceia. Em outras palavras, ela é celebrada, hoje, emmemória (quanto ao passado) e como antecipação (em relação ao futuro). Para seentender a questão da “memória”, é preciso ver textos como Êx 12.14; 13.9; e Dt5.2-4. Na prática isto significa que Cristo continua celebrando ou torna a celebrara Ceia com seus discípulos. Assim, o verdadeiro celebrante da Ceia é o próprioCristo. Quanto à antecipação, fica expressa naquele “até que ele venha” (v. 26).Enquanto Cristo não vem para o juízo, sua presença é sacramentalmente antecipa-da na presença real.

SACRAMENTO DO ALTAR: CONVIDADOS

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IGREJA LUTERANA

Passado e futuro se encontram, pois, no presente da Ceia. E no presente decada celebração, a Ceia tem também uma dimensão querigmática ou proclamatória.Ela é um sermão encenado, uma proclamação encenada da morte que ela come-mora. Ela é o púlpito dos leigos, como se expressou o Dr. C.F.W. Walther, basean-do-se no que diz Apologia IV.210: “Assim foi instituída a ceia do Senhor na igre-ja, a fim de que, pela recordação das promessas de Cristo ... seja confirmada emnós a fé, e para que confessemos publicamente nossa fé e proclamemos os benefí-cios de Cristo, como diz Paulo: “Todas as vezes que fizerdes isto, anunciareis amorte do Senhor, etc.”

No mesmo contexto de 1 Co 11, no v. 27, Paulo trata da questão da dignida-de ou indignidade dos comungantes. Apesar daqueles que pensam que tudo quehavia em Corinto era uma celebração indigna, num contexto em que alguns atéestavam bêbados (v. 21), Paulo fala de gente que come e bebe indignamente.

Em que consiste essa indignidade, dentro do horizonte da situação emCorinto? Ela certamente tem a ver com amor cristão, ou, então, a falta dele. Asituação descrita em 1 Co 11.20-22 é um flagrante atentado ao amor cristão. MasPaulo dá um destaque especial àquilo que se pode chamar de “indignidade emtermos de fé”, que aparece em 11.29,30. E aqui a questão não era que alguns não-cristãos estavam querendo participar da Ceia. Tratava-se de cristãos, gente que sereunia na igreja (v.18), e que, na visão de Paulo, estavam “sem discernir o corpo”,ou, como fica explícito na NTLH, estavam comendo “sem reconhecer que se tratado corpo do Senhor”.

Paulo não proíbe ninguém de participar da Ceia, mas também não declaraque a Ceia é “para quem quiser, quem vier”. Ele insiste no examinar-se a simesmo. Não requer perfeição, mas quer que os cristãos se examinem. Não dizem que âmbito eles deveriam fazer o exame, mas podemos deduzir que as áreas aserem examinadas são a fé e o amor.

Digno e bem preparado, segundo Lutero, é quem crê no “por vós”. Este“por vós” interessa a pecadores, não a supostos santos. Segundo a doutrina roma-na, ninguém em estado de pecado mortal pode receber a Comunhão, pois com talpessoa, como explica Tomás de Aquino, Cristo não pode se unir. A doutrina luteranaafirma que Jesus vem apenas a tais pessoas, pois ele é o Salvador de pecadores.Digno é aquele que reconhece sua indignidade.

O texto de 1 Co 11 é, por assim dizer, sedes doctrinae, ao menos entreaqueles que por vezes são chamados de “vétero-luteranos”, da prática da comu-nhão fechada. Isto significa que não se admite à Ceia quem rejeita a doutrinaluterana do sacramento. Na prática, consiste em “desconvidar” quem não é mem-bro da igreja luterana. Tal prática causa estranheza a muitos e é vista como faltade amor cristão e uma forma de querer antecipar o juízo final. A propósito disso,é bom ouvir o que diz Hermann Sasse, um célebre defensor da presença real de

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Cristo na Santa Ceia: “O damnamus [“condenamos!”] não é um julgamentoimpiedoso sobre outros cristãos, mas a rejeição de doutrina falsa que o NT de nósexige ... Se a nossa igreja sempre levou isso muito a sério e não admitiu à celebra-ção luterana da Ceia do Senhor aqueles que rejeitam a doutrina luterana do sacra-mento, isto não significa que a igreja antecipou o juízo final. Na Igreja Antiga, ocomungante, ao receber os elementos consagrados, ouvia as frases “o corpo deCristo” e “o sangue de Cristo”, e respondia com seu “amém”. Como pode umreformado dizer “amém” à fórmula luterana de distribuição? Ele tem que se ofen-der com ela. Quem nos dá o direito de desencaminhar alguém para uma recepçãoindigna da Ceia do Senhor na medida em que não discerne o corpo do Senhor (1Co 11.29), e diante de quem estaríamos dispostos a assumir responsabilidade porisso? Será que isso seria amor cristão?” (Hermann Sasse, “The Lord´s Supper inthe Lutheran Church”, We Confess the Sacraments, p.110,111).

Falar sobre dignidade e indignidade de comungantes parece ter ficado paratrás, num tempo em que estávamos sob uma forte influência pietista. Talvez nos-sos pais exageraram na dose, mas o tema é bíblico e confessional, e não pode serignorado. Falar em comunhão fechada, isto é, insistir na exclusão daqueles querejeitam a doutrina luterana da Ceia soa como total falta de bom tom, nesses tem-pos pós-modernos de relaxamento ecumênico. No entanto, a comunhão fechadatem sido a prática histórica da Igreja e é também o ensino da Igreja Luterana.Ignorá-la seria como sugerir que Paulo fez vistas grossas a tudo que se passava emCorinto.

Vilson Scholz

CONCLUSÃO