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SEMINÁRIOS DE PESQUISA INSTITUTO DE ECONOMIA – UFRJ Projeto de Pesquisa de Pós Doutoramento Patentes e Licenciamento Compulsório na Indústria Farmacêutica: Análise dos impactos na P&D, produção interna e no acesso a medicamentos para a AIDS no Brasil RELATÓRIO DE PESQUISA AUTORA Dra. Vera Maria da Motta Vieira Instituto Oswaldo Cruz- Fiocruz [email protected] Orientadora Dra. Maria da Graça Derengowski Fonseca Diretora de Pesquisa do IE [email protected] Rio de Janeiro, 29 de junho de 2010

SEMINÁRIOS DE PESQUISA INSTITUTO DE ECONOMIA - … · o monopólio da fabricação destes. Assim, a patente torna-se um fator que dificulta a ... minimizar os impactos das patentes

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SEMINÁRIOS DE PESQUISA

INSTITUTO DE ECONOMIA – UFRJ

Projeto de Pesquisa de Pós Doutoramento

Patentes e Licenciamento Compulsório na Indústria Farmacêutica: Análise dos impactos na P&D, produção interna

e no acesso a medicamentos para a AIDS no Brasil

RELATÓRIO DE PESQUISA

AUTORA

Dra. Vera Maria da Motta Vieira Instituto Oswaldo Cruz- Fiocruz

[email protected]

Orientadora Dra. Maria da Graça Derengowski Fonseca

Diretora de Pesquisa do IE [email protected]

Rio de Janeiro, 29 de junho de 2010

I - APRESENTAÇÃO No projeto de pesquisa original visava-se estudar os contratos que regulam a P&D e a produção farmacêutica no Brasil, a fim de analisar os impactos econômicos causados pelas estratégias dos grandes grupos multinacionais no mercado interno e nos orçamentos públicos de saúde, tendo como objeto os medicamentos para a AIDS (sigla em inglês da doença Síndrome da Imuno Deficiência Adquirida) com a finalidade de subsidiar a formulação de políticas públicas de promoção do acesso aos medicamentos. Como não se obteve recursos das agências de fomento para sua realização (utilizando-se somente aqueles da Fiocruz - instituição da pesquisadora) e pela exigüidade do tempo (apenas um ano de afastamento para o estágio pós-doutoral) não foi possível realizar o trabalho de campo conforme planejado. Assim, optou-se por reduzir o escopo da pesquisa à análise do impacto das patentes e do licenciamento compulsório no acesso aos medicamentos para a AIDS, pela atualidade do tema e também porque o Brasil vem despertando o interesse de países em desenvolvimento, como exemplo de adoção de política efetiva de saúde pública. 1 - PROBLEMA DE PESQUISA

Os medicamentos patenteados (de última geração) garantem um tratamento mais eficaz, mas oneram sobremaneira os orçamentos de saúde, visto que as empresas detentoras das patentes é que estabelecem o preço dos produtos durante sua vigência, além de deterem o monopólio da fabricação destes. Assim, a patente torna-se um fator que dificulta a promoção da saúde pública nos PEDs (países em desenvolvimento), onde grande parte da população não tem renda para adquirir medicamento nas farmácias e dependem dos programas de saúde pública do governo e da distribuição gratuita para obterem acesso ao tratamento. Os medicamentos são o componente mais caro do tratamento para pessoas vivendo com o HIV e o maior desafio para os países de renda média mais baixa (alguns com grandes taxas de prevalência de HIV na população) é garantir e ampliar o acesso ao número crescente de pessoas que necessitam dos ARVs, até que surja uma vacina eficaz.

Os preços do tratamento de primeira linha caíram bastante entre 2000 e 2008 (Relatório UNAIDS, 2008), mas alguns países pagam até três vezes mais pelo mesmo coquetel de ARVs do que outros países com a mesma capacidade de compra. O volume de compras ou a renda dos países não necessariamente reduzem o preço unitário. Os preços variam de país para país e dependem das estratégias das grandes empresas, detentoras das patentes e que constituem o oligopólio internacional.

Embora o programa brasileiro de combate à AIDS forneça medicamentos gratuitamente para os soropositivos, e seja uma referência em todo o mundo, ainda estamos muito longe de atender às necessidades de nossos pacientes. Dos 19 antirretrovirais que fazem parte atualmente do coquetel anti-AIDS, oferecido e distribuído gratuitamente pelo Ministério da Saúde, apenas 8 são fabricados no Brasil, sob a forma de medicamento genérico. Os outros são comprados de empresas estrangeiras, pois estão sob patentes.

Estamos aprendendo a copiar e a desenvolver tecnologia, além de transitar no intrincado mundo da propriedade intelectual, da OMC ( Organização Mundial do Comércio) e do TRIPs.(Trade Related Property Rights). Mas pouco tem sido feito até agora para

preencher o enorme gap tecnológico que nos separa dos países desenvolvidos e que nos leva a pagar tão caro pelos remédios e pelos tratamentos de saúde neste País. O Brasil tem sido considerado modelo de país em desenvolvimento cuja política de combate à AIDS tem dado certo1. De fato, nosso Programa Nacional DST/AIDS vem alcançando sucesso a olhos vistos e para tanto, o mérito tem sido não só do Ministério da Saúde brasileiro, quanto ao acerto na adoção das políticas, uma vez que vem declinando o número de infectados. Também pode ser atribuído aos laboratórios oficiais brasileiros, que vem tomando a si a tarefa de produzir e abastecer o Sistema Único de Saúde de similares e genéricos de ARVs, possibilitando a manutenção do acesso e a ampliação da cobertura, além das ações de educação em saúde. Contudo, a incorporação de novos medicamentos patenteados (de 2ª e 3ª linha) no conjunto dos medicamentos usados pelo Ministério da Saúde no combate à epidemia de AIDS vem onerando sobremaneira o orçamento público destinado à aquisição de antirretrovirais e comprometido a sustentabilidade do programa nacional de combate ao HIV/AIDS. E gerando controvérsias em relação aos princípios que norteiam as ações de saúde quanto à isonomia com os demais programas (MARQUES, 2000). A grande problemática atual para os policymakers da saúde é como promover o acesso universal aos medicamentos com as deficiências estruturais do setor farmacêutico no Brasil (onde alguns elos da cadeia de P&D e de produção estão faltando) e com a dependência externa quase total de insumos farmacêuticos. Como poderá o Brasil respeitando patentes, suprir a demanda interna de medicamentos e atender aos programas de saúde pública do País? Esta indagação norteou este estudo de caso sobre política e estratégias de promoção do acesso ao tratamento para a AIDS. 2 - OBJETIVOS 2.1 Geral

Analisar o impacto econômico das Patentes e do Licenciamento Compulsório de medicamentos ARVs na produção interna e nas atividades de inovação tecnológica, visando fornecer subsídios ao estabelecimento de políticas públicas (Industrial Farmacêutica, de Inovação Tecnológica, Controle de Preços, de Assistência Farmacêutica) e a fim de definir estratégias para a atuação governamental na produção pública de ARVs (medicamentos antirretrovirais), no combate à epidemia de AIDS e na promoção do acesso desses medicamentos à população.

2. 2 Específicos

2.1 Identificar e conceituar os instrumentos contratuais (patente e licença compulsória) que regulam as relações interinstitucionais e inter-organizacionais usuais na IF.

2.2 Identificar os detentores de patentes e produtores de ARV’s, em nível internacional; e analisar os mecanismos e estratégias desenvolvidas pelas empresas na manutenção de mercado e expansão do monopólio concedido pelas patentes.

1 Segundo o Ministério da Saúde (2010), o Brasil distribui atualmente medicamentos ARVs para 185 mil pessoas, o

que representa uma cobertura de 95%. A UNAIDS reconhece que o Brasil integra a lista de países com cobertura superior a 75% - da qual também fazem parte Botsuana, Chile, Costa Rica, Cuba, Laos e Namíbia (UNAIDS, 2008).

2.3 Analisar o impacto econômico dos medicamentos importados e sob patentes no orçamento do Programa Nacional de AIDS e no Orçamento do Ministério da Saúde.

2.4 Analisar o Programa Nacional de DST/AIDS e as estratégias governamentais para a promoção do acesso aos ARVs e para sua sustentabilidade.

2.5 Analisar o processo de licenciamento compulsório contido na lei de patentes brasileira e de outros países e as formas de atuação dos governos na defesa da saúde pública, especialmente no combate a AIDS.

2.6 Propor políticas e estratégias competitivas para a promoção do acesso aos ARVs.

3. JUSTIFICATIVA DO ESTUDO Os medicamentos são indispensáveis à preservação e tratamentos de saúde e devem ter eficácia assegurada, além de oferecer segurança a quem os consomem. É papel dos governos prover suas populações de condições de saúde e de tratamento das doenças, de forma adequada, apresentando diferentes formas de proteção e regulação da produção e P&D de medicamentos. Por esta razão, observa-se em todos os países uma forte intervenção estatal sobre o setor farmacêutico, em maior ou menor grau, mesmo nos mais desenvolvidos e com mercados estáveis. Exatamente por essa razão, os governos enfrentam alguns trade offs no estabelecimento de políticas públicas para o setor. No que se refere ao papel do Estado como fomentador das inovações, esse papel entra em conflito com o de promotor da saúde pública, gerando controvérsias quanto a sua intervenção, principalmente no que tange ao controle de preços e aos mecanismos de financiamento da produção estatal e privada. Há diversos fatores pelas características de mercado e de estrutura industrial, e especialmente político-sociais, que influenciam as necessidades de medicamentos de cada país, necessitando cada um desenvolver políticas e estratégias próprias (ANTUNES, 2007). Nos PED’s (países pobres e em desenvolvimento), onde há grande contingente populacional que não tem condição de adquirir os medicamentos de que necessita nas farmácias, é função também do governo promover o acesso desta população através de programas de saúde pública.

O Brasil tem inúmeras doenças para as quais não existem medicamentos específicos. Estudos realizados anteriormente (VIEIRA e OHAYON, 2003) demonstraram que as empresas farmacêuticas brasileiras (praticamente) não fazem P&D in house, não costumam contratar pesquisadores, não investem no desenvolvimento de produtos inovadores, porque não possuem capacidade de investimento. Estão confinadas ao mercado interno e atuam no segmento de genéricos, menos rentável, mas de retorno imediato. Somos, portanto, considerados “seguidores” (copiadores) e não “inovadores”.

Esperar que as grandes empresas internacionais realizem os investimentos para a solução dos problemas brasileiros de saúde pública é um argumento, no mínimo, ingênuo (MOREL, 2004). Assim, necessitamos realizar estudos e pesquisas a fim de subsidiar a formulação de políticas para o desenvolvimento da P&D farmacêutica e minimizar os impactos das patentes de medicamentos no acesso da população que deles necessitam, de modo a evitar que o Brasil continue a ser refém das estratégias das grandes empresas e dos altos preços praticados. A Índia e a China oferecem pouca proteção às drogas registradas nos países desenvolvidos, e hoje têm alguns dos maiores parques fabris neste setor, embora é claro se reconheça que são países de civilizações bem mais antigas do que o Brasil. Porém, as prerrogativas oferecidas pelo TRIPS aqui no Brasil ainda são subutilizadas, como por exemplo em relação às licenças compulsórias.

A política de produção de genéricos é muito recente; e o que é mais grave, as empresas farmoquímicas estão acabando no Brasil. Estamos importando 82% dos insumos farmacêuticos de que se necessita para produzir internamente. E as importações desses produtos estão trazendo sérios descompassos nas Contas Nacionais. As despesas governamentais nas compras de medicamentos essenciais crescem sem parar, a despeito dos descontos oferecidos pelos laboratórios, em geral para as versões mais antigas das drogas, cujas patentes já caíram em domínio público. No caso dos medicamentos de última geração, o preço é quase proibitivo, tendo em vista as limitações orçamentárias do governo. Assim, os embates do governo com as empresas adquirem valor mais do que econômico ou simbólico, são uma questão de saúde pública.

O Brasil está bastante despreparado para atuar no aproveitamento de inovações e para lidar com a propriedade industrial (CAMARGO, 2007). Segundo o autor, não temos pessoal treinado em número suficiente, nem nos escritórios de negócios e muito menos nas universidades, centros de pesquisas ou nas empresas brasileiras, para preparar uma proposta de patente. O próprio pesquisador deve efetuar a redação da proposta, o que exige busca em bancos de dados internacionais (especialização sofisticada e altamente complexa), leitura de dezenas de patentes semelhantes, aprendizado de como proteger sua patente contra modificações, muitas vezes sutis, que, se não cuidadas, podem levar à perda do interesse de sua exploração econômica. Esses são apenas alguns, dentre tantos outros exemplos (triviais para especialistas) sobre o estágio incipiente em que nos encontramos nessa área. Se não temos competência, nem vantagens comparativas para produzir os fármacos no Brasil, a opção de importar é válida, diriam os economistas. Contudo, não é suficiente para o Brasil apenas produzir medicamentos. Até mesmo para assegurar níveis mínimos de produção interna é preciso deter o conhecimento para inovar e ter tecnologia para saber produzir o fármaco - o insumo do medicamento (o que é estratégico dominar nesta indústria). É certo que a P&D farmacêutica é complexa e cara. Exige capacitações as mais variadas e uma grande gama de profissionais com formações diversificadas para trazer a comercialização um novo medicamento, porém estudos vêm comprovando que o Brasil já detêm as competências necessárias para inovar na indústria farmacêutica (VIEIRA, 2005).

Desenvolver estudos sobre contratos e licenças, em subsídio às políticas públicas, faz-se necessário tendo em vista que o Estado/governo tem que ser o mediador das forças atuantes em cada cenário e buscar o equilíbrio ou a resolução dos inúmeros trade offs do setor, porque não se pode confrontar com o poderoso oligopólio internacional farmacêutico, dada a nossa alta dependência externa e vis-à-vis a possibilidade de um desabastecimento interno de medicamentos, assim como não podemos colocar em risco nossa soberania continuando a importar insumos e tecnologias, em níveis crescentes, como os observados nos últimos anos.

4. METODOLOGIA

A metodologia de pesquisa adotada foi tanto qualitativa (através de entrevistas e questionários) quanto quantitativa (através de levantamentos, buscas e análises de dados em bases nacionais e internacionais). A metodologia combinou pesquisa empírica e

bibliográfica. Os recursos utilizados foram: leitura de bibliografia composta por livros, revistas científicas, teses, artigos, periódicos eletrônicos, documentos diplomáticos e, ainda, entrevistas com técnicos da área da Saúde. Ainda, procedeu-se à análise dos documentos constituintes de Seminários Internacionais e Fórum IBAS, em que se buscou identificar os interesses dos atores envolvidos e sua forma de atuação para atingi-los.

As empresas selecionadas para compor a amostra intencional foram dois laboratórios oficiais: Farmanguinhos (no Rio de Janeiro) e Lafepe (em Recife, Pernambuco) devido ao envolvimento no Licenciamento Compulsório e na produção do medicamento Efavirenz. As entrevistas foram realizadas com base em roteiro estruturado, que abrangeu os seguintes tópicos: i) perfil da organização e de seus gestores; ii) portfólio de projetos e investimentos; iii) critérios para contratações para produção e P&D (acordos de sigilo ou de confidencialidade) iv) identificação e avaliação de ativos intangíveis considerados antes e pós-investimentos conjuntos.

O principal resultado da pesquisa está traduzido em um capítulo de livro sobre patentes a ser publicado pela Editora Elgar, na UK, em parceria com a orientadora, Dra Maria da Graça Derengowski Fonseca, o qual já foi submetido e aprovado para publicação estando em fase de correções sendo que a publicação deverá ser editada ainda em 2010. II - INTRODUÇÃO A globalização aproximou realidades sanitárias de regiões antes isoladas e intensificarem-se as influências recíprocas. Quando se trata de uma epidemia, tal como aquelas que presenciamos hoje em dia (AIDS, gripe viária, gripe suína), não existem barreiras físicas, geográficas ou sanitárias totalmente capazes de conter a propagação de um vírus, muitas vezes letal. As doenças quando se disseminam não discriminam sujeitos nem países: atingem a todos sem distinção. Portanto, todos os países estão concernidos no mesmo problema: a promoção do acesso aos medicamentos de que a população necessita. Entretanto, no que concerne à capacidade dos diversos países que compõem o planeta em superar dificuldades dessa natureza, muitas são as barreiras a serem ultrapassadas. Neste cenário globalizado, o equilíbrio das relações entre os países passa obrigatoriamente pela cooperação internacional, assim como pela recíproca satisfação de seus interesses. Também por outros fatores geopolíticos, como respeito a acordos internacionais e, sobretudo, pelo respeito e o direito à vida humana. Mundialmente o acesso aos medicamentos tem sido dificultado pelo elevado preço dos medicamentos e esse fenômeno foi se intensificando nos últimos dez anos. As estratégias do oligopólio internacional (constituído das grandes empresas farmacêuticas) para manutenção de seus produtos no mercado, aliadas à redução do poder aquisitivo da população, vem se traduzindo em uma segmentação dos consumidores nos países pobres e em desenvolvimento. A maior parte dessa população não tem acesso a esse tipo de mercadoria nas farmácias. Dependem de programas governamentais para obter o medicamento. Por outro lado, a maioria destes países não possui uma estrutura industrial capaz de suprir as demandas internas por produtos farmacêuticos e depende do fornecimento externo não só de matérias primas como também de produtos acabados, tornando-se reféns do mercado internacional e de suas variações. Os medicamentos constituem a principal opção de terapia e têm apresentado papel relevante na redução das taxas de mortalidade e de morbidade da população em diversos países, principalmente naqueles em que o acesso a esses insumos é uma realidade.

Ademais, o acesso aos medicamentos é um componente essencial de inclusão social, de busca da eqüidade e de fortalecimento do sistema de saúde. Na América Latina, em particular no Brasil, grandes são as diferenças entre os níveis de consumo por parte da população dos diversos estratos de renda. As camadas de maior poder aquisitivo apresentam padrões de consumo similares aos dos países desenvolvidos, enquanto as mais pobres possuem dificuldade de acesso mesmo aos medicamentos básicos. O mercado internacional farmacêutico é o resultado de estratégias muito bem urdidas das grandes empresas multinacionais, na busca de lucros crescentes. A diferenciação de preços dos medicamentos de um país para outro, é a prova disso. As variações são muito grandes. Os medicamentos sob patentes (inovadores ou chamados de última geração) tornam-se proibitivos para consumo nos PEDs (países em desenvolvimento) impedindo que suas populações tenham acesso a terapias de última geração e mais efetivas. Como conter epidemias como a da AIDS, como controlar os preços dos antirretrovirais patenteados, como promover o acesso da população aos medicamentos de que necessita? Essas são as grandes questões com que se defrontam os policymakers da saúde pública no controle epidemiológico dessa doença. O acesso aos medicamentos antirretrovirais nos Países do Sul e outras nações em desenvolvimento tem sido tema recorrente e vem reunindo especialistas para debater experiências de ampliação do acesso. Esses estudos têm demonstrado que o sistema de propriedade intelectual é o principal fator de impacto e não gera estímulo suficiente para atender as atuais demandas de saúde pública. Estima-se que, atualmente, apenas um terço das pessoas com AIDS em todo o mundo receba o tratamento. Embora tenham ocorrido muitos avanços nos últimos anos, a questão do acesso ainda é uma das mais graves, visto que nos países em desenvolvimento, dos 6,5 milhões de indivíduos que necessitavam desse tratamento, somente 1,3 milhão o obtiveram (MSF, 2006). A pressão da população sobre o sistema de saúde é uma questão que está posta para todos os sistemas organizados, em amplitude universal. Uma política de acesso aos medicamentos consistente deve responder a questões urgentes, diretamente voltadas à assistência à saúde, como a racionalidade no uso e acessibilidade a medicamentos, sem descuidar do incentivo à pesquisa e desenvolvimento de novos fármacos e medicamentos. Dentre as grandes ações desenvolvidas pelo governo brasileiro, na área de assistência farmacêutica, cabe destacar a publicação, em 1998, da Política Nacional de Medicamentos; em 1999, a criação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), a regulamentação do mercado de medicamentos genéricos e a definição do Incentivo à Assistência Farmacêutica Básica; a normatização, em 2000, do registro de fitoterápicos; e, em 2003, a criação da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (MS, 2003). Mais recentemente a criação de comissões tripartites e as parcerias público-privadas.

1. A AIDS E A TERAPIA ANTIRRETROVIRAL {Highly Active Anti Retroviral

Treatment (HAART)} Da notificação de alguns casos de uma doença rara, que atingia homossexuais em 1981, a AIDS tornou-se, em curto espaço de tempo, um dos mais graves e complexos problemas de saúde pública. Hoje, após quase 30 anos de sua descoberta, tornou-se a doença infecciosa mais importante do mundo. Nesse interregno, cerca de 60 milhões de pessoas foram infectadas pelo HIV, levando a mais de 25 milhões de mortes em todo o mundo. A América Latina é a região que ocupa a quarta posição internacional em número de infectados; e o Brasil é o país que possui o maior número de casos de AIDS na região. A Índia ultrapassou a África do Sul em número absoluto de pessoas infectadas pelo vírus HIV, com 5,7 milhões de portadores. Os dados são do Relatório Mundial da UNAIDS (2008), Programa das Nações Unidas para HIV/ AIDS. Em proporção, no entanto, o país africano tem números mais impressionantes, com 18,8% de sua população com idade entre 15 e 49 anos infectada, contra 0,9% na Índia. O documento traz dados de 126 países e aponta uma estabilização do número de pessoas contaminadas em 2005, com uma pequena redução de mortos e infectados em relação ao ano anterior. Atualmente, há 38,6 milhões de pessoas vivendo com o HIV em todo o mundo - sendo que a maioria delas não sabe de sua condição ou não tem acesso à terapia antirretroviral.

A epidemia da infecção pelo HIV e da AIDS constitui fenômeno global,

dinâmico e instável, traduzindo-se por verdadeiro mosaico de sub-epidemias

regionais. Resultante das profundas desigualdades da sociedade brasileira, a

propagação da infecção pelo HIV e da AIDS revela epidemia de múltiplas

dimensões que vem sofrendo transformações epidemiológicas significativas (BRITO et al. 2001).

Embora não possa ser considerada uma doença negligenciada (pois as grandes empresas realizam pesquisas sobre ela), a AIDS é uma doença pervasiva e que atinge principalmente os países pobres e em desenvolvimento. Segundo levantamento dos Médicos Sem Fronteiras, 95% das pessoas vivendo com HIV/AIDS residem nos países pobres e em desenvolvimento como o Brasil (MSF, 2006). Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) estimam que um terço da população mundial não tenha acesso regular aos medicamentos essenciais. Em certas áreas mais pobres do Brasil e de outros países da América Latina, África e Ásia, os medicamentos são inacessíveis para mais de 50% da população. Estima-se que em torno de 40% da população (50 milhões de brasileiros) só tem acesso a medicamentos através da oferta pública (SUS e Farmácias Populares), estando excluídos do mercado formal. Este fato determina a importância estratégica deste estudo para o País. De 1980 a junho de 2007 foram notificados 474.273 casos de AIDS no Brasil – 289.074 no Sudeste, 89.250 no Sul, 53.089 no Nordeste, 26.757 no Centro Oeste e 16.103 no Norte. Com base nos dados do Ministério da Saúde (www.aids.gov.br), os casos de pessoas vivendo com AIDS passaram de 257.780 em 2002 para 597.443 em 2007, um aumento de 23% ao ano. Dados do Sistema Único de Saúde - SUS, entretanto, indicam

que atualmente 185 mil pacientes recebem tratamento com antirretrovirais no Brasil (www.saude.gov.br) apesar de ser estimado em torno de 600 mil infectados pelo vírus. A caracterização dos perfis genéticos dos vírus brasileiros2 foi possível a partir do advento das técnicas moleculares, que permitem também a determinação do subtipo viral dos pacientes e o monitoramento da resistência das diferentes amostras do HIV aos medicamentos antirretrovirais. Este controle é estratégico para garantir a eficácia do tratamento, pois permite a indicação de esquemas terapêuticos específicos, estabelecidos a partir das características genéticas do vírus que infecta o paciente. O perfil da doença vem mudando no País. Inicialmente afetava homens adultos com alta escolaridade e com práticas homossexuais, o vírus passou então a atingir cada vez mais os jovens, os grupos sociais de maior exclusão social, as pessoas com práticas heterossexuais, as mulheres e seus filhos. Observa-se o crescimento de casos em mulheres a partir da década de 90, embora proporcionalmente o número de casos ainda seja maior entre os homens. Até novembro de 2000, do total de casos de AIDS notificados no Brasil (196.016), um quarto deste total era do sexo feminino (ABDALLA, 2007). Segundo critérios da Organização Mundial de Saúde (OMS), o Brasil tem uma epidemia concentrada, com taxa de prevalência da infecção pelo HIV de 0,6% na população de 15 a 49 anos.

Tabela 1

PESSOAS VIVENDO COM AIDS/HIV NO BRASIL 2002-2007

Casos Notificados ao Ministério da Saúde

2002 257.780 2003 310.310 2004 362.364 2006 433.067 2007 597.443 2008 506.499

Fonte: Ministério da Saúde, Boletim Epidemiológico. Houve um crescimento de 23% ao ano até 2007, porém esta taxa infecção /ano vem decrescendo para 17%, segundo Relatório da UNAIDS (2008), Estima-se haver em 2010 cerca de 600 mil pessoas (entre 15 a 49 anos) infectadas pelo HIV no Brasil. Há 3.702 municípios com casos de AIDS (66%). Cerca de 21.000 casos novos por ano. 10. 000 óbitos/ano (2ª causa entre homens jovens e 4ª entre mulheres). 205.409 total de óbitos entre 1980 e 2007.

2 A notícia do isolamento do vírus da Aids na América Latina foi oficializada em 1987 com a publicação do artigo científico Isolation and antigenic characterization of human immunodeficiency vírus in Brazil na revista Memórias

do Instituto Oswaldo Cruz, sendo realizada pelo grupo de pesquisa liderado pelo imunologista Bernardo Galvão, do IOC/Fundação Oswaldo Cruz.

O Quadro 2 , a seguir, descreve a cronologia da evolução da doença no Brasil.

Quadro 1 Evolução do HIV/AIDS no Brasil

Adoção da HAART 1980 Primeiro caso identificado da doença (até então desconhecida)

1983 Equipe do Instituto Pasteur sob a coordenação do pesquisador francês Luc Montagnier isola o vírus da AIDS

1983 Primeiro Programa de AIDS (São Paulo)

1985 Primeiro Guia de Orientação Terapêutica da AIDS editado pelo Ministério da Saúde

1985/86 Criadas as primeiras ONG’s no Brasil

1986 AIDS passa a ser considerada como uma doença sob notificação compulsória, em 22 de dezembro, por meio da Portaria nº 542 do Ministério da Saúde

1987 Início da terapêutica específica ARV. (HAART)

1987 Introdução da ZIDOVUDINA (AZT) no Brasil - primeiro medicamento aprovado para o tratamento da AIDS

1987 O imunologista Bernardo Galvão, da Fundação Oswaldo Cruz, liderou a equipe de jovens pesquisadores que isolou o HIV no Brasil

1988 Instituição do Programa Nacional de AIDS (Ministério da Saúde)

1988 A Organização Mundial da Saúde institui o primeiro de dezembro como “Dia Internacional de Luta contra a AIDS"

1991 Adoção da Terapia Antirretroviral (HAART) no Brasil

1993 Implantação da Rede Nacional de Isolamento do HIV-1 no Brasil

1996 Lei 9.313 dá garantia legal de acesso a medicamentos ARVs

Fonte: Elaboração Própria com base em informações do PN DST/AIDS.

2. PROGRAMA NACIONAL DST/AIDS

O início do novo século consolida o reconhecimento do programa brasileiro de controle do HIV e AIDS, transformado em exemplo internacional. Suas características mais marcantes são: a integração entre prevenção e assistência, a incorporação da perspectiva de direitos civis à prevenção e a universalidade, dentre outras. São por um lado reflexo dos princípios legais do próprio Sistema Único de Saúde, mas também reflexo da evolução dinâmica da resposta de uma sociedade ao desafio representado por uma epidemia. O Programa Nacional de DST/AIDS é o produto complexo de uma série de linhas interdependentes que co-evoluíram ao longo de vinte e cinco anos, que tiveram nos órgãos governamentais, nas organizações da sociedade civil e na área acadêmica parceiros em constante cooperação, em que pesem os eventuais e inevitáveis atritos.

Alguns desafios ainda persistem: a sustentabilidade do programa frente aos reduzidos recursos governamentais e o desafio ainda maior é o de ampliar a cobertura. Olhando para o caminho percorrido nestes vinte anos e percebendo-se o impacto decisivo deste conjunto de ações em dados expressivos, como a redução da mortalidade ou a estabilização da progressão dos novos casos, os avanços são inegáveis.

O acesso aos ARV sempre constituiu um eixo prioritário para o programa de cooperação técnica franco-brasileiro criado em 1989 e para o programa de cooperação em pesquisa que associa, desde 2001, a Agência Nacional Francesa de Pesquisa sobre AIDS e Hepatites Virais e o PN-DST/AIDS segundo aportes relevantes da economia da saúde, da propriedade intelectual e das políticas públicas de saúde. Vários indicadores evidenciam o efeito positivo dessa política adotada no país, como uma redução da mortalidade (50,0%), diminuição das internações hospitalares (80,0%) e a redução da incidência de infecções oportunistas, e da transmissão vertical, dentre outros. O Ministério da Saúde investiu, em 2006, cerca de R$ 1,1 bilhão com antirretrovirais para as 180 mil pessoas que são acompanhadas pelo Programa. Atualmente o Sistema Único de Saúde (SUS) distribui gratuitamente 19 (dezenove) medicamentos. Desses, 8 (oito) são produzidos no Brasil ( 1 sob licença compulsória); e 10 (dez) são importados, inclusive o mais novo integrante da cesta: o Atazanavir – um inibidor de protease - produzido pelo laboratório americano Bristol-Myers Squibb. O MS iniciou seu programa de controle da epidemia de HIV/AIDS incorporando os pilares éticos da Reforma Sanitária Brasileira: acesso e eqüidade. Desde então, as drogas antirretrovirais têm sido oferecidas, sem qualquer ônus financeiro, para os atuais 185 mil pacientes HIV/AIDS. Graças a essa consistente política social, o País reduziu a mortalidade entre as vítimas em cerca de 50%, também reduzindo as dispendiosas admissões hospitalares em aproximadamente 80%. Os medicamentos destinados ao tratamento das infecções oportunistas devem ser fornecidos pelos estados/Distrito Federal e/ou municípios, conforme pactuação ocorrida nas CIB. Deste grupo de medicamentos, somente a aquisição e a distribuição da talidomida é de responsabilidade do Governo Federal. No caso brasileiro, para a distribuição dos medicamentos contra a AIDS, vigora, até o momento, a regulamentação estabelecida em agosto de 1998, sobre a divisão de gastos entre as diferentes esferas do governo, e que atribuiu à União a aquisição dos antirretrovirais e a estados e municípios a aquisição de medicamentos necessários ao tratamento de manifestações associadas à AIDS. 3. MEDICAMENTOS INTEGRANTES DO COQUETEL: NACIONAIS E IMPORTADOS Os antirretrovirais são uma classe terapêutica de interesse estratégico para as grandes empresas multinacionais, pois representam uma fatia de mercado altamente competitivo, promissor e em franca expansão, visto haver milhares de pacientes em tratamento há muito tempo, não só em países como o Brasil e países africanos, mas especialmente nos de primeiro mundo, principais mercados, já que a AIDS é uma pandemia. Na terapia combinada é necessário atingir alta proporção de uso dos medicamentos indicados (90,0%-100,0%) para suprimir a replicação viral. Os atuais esquemas terapêuticos são complexos, de difícil adesão e associados a reações adversas e interações medicamentosas. A não-adesão é a causa mais comum da falha do tratamento e é a principal variável, na qual os serviços de saúde podem intervir para aumentar a efetividade da medicação. Dentre vários fatores que podem levar o indivíduo a não aderir ao tratamento destacamos a compreensão insuficiente sobre o uso dos

medicamentos, bem como a falta de informação sobre os riscos advindos da não-adesão. Uma vez que as pessoas não podem tomar os medicamentos corretamente se não sabem como fazê-lo, fornecer informações sobre os medicamentos constitui atividade fundamental. Entretanto, essa prática não tem sido satisfatória no processo de atendimento ao paciente. Pesquisadores observaram que 17,0% a 30,0% dos pacientes com novas prescrições não receberam informações verbais de seus médicos e 30,0% a 87,0% não as receberam dos farmacêuticos. Assinalam, ainda, a ausência de informações acerca dos medicamentos como uma das principais razões pelas quais 30,0% a 50,0% dos pacientes não os usaram conforme a prescrição. Uma comunicação inadequada entre o paciente e o profissional da saúde sobre os medicamentos e o cumprimento da prescrição, tem sido apontada como um dos principais fatores responsáveis pelo uso em desacordo com a prescrição médica e, constitui um dos mais freqüentes relatos de dificuldades na relação médico-paciente, durante entrevistas com indivíduos infectados pelo HIV. A literatura enfatiza a importância de fornecer aos pacientes informações por escrito, como meio de reforçar as instruções verbais e assim aumentar a compreensão do regime terapêutico prescrito (CECCATO,et al. 2004). Aspectos específicos relativos à informação obtida pelo paciente sobre os medicamentos prescritos têm sido pouco estudados no Brasil. É preciso avaliar a compreensão de informações relativas ao tratamento antirretroviral entre indivíduos infectados pelo HIV, na perspectiva de contribuir para a melhoria da adesão a esse tratamento, reduzindo assim a possibilidade de desenvolvimento de cepas multirresistentes em razão de um uso inadequado dos medicamentos. O Brasil, entretanto, está entre os países em que a resistência aos medicamentos anti- AIDS é menor (6,6%) em comparação com a França (10% a 17%), os Estados Unidos (15 a 26%), Argentina (15,4%), Reino Unidos(14%) e Espanha (23% a 26%)3.

Apesar dos avanços científicos, há limites e incertezas quanto aos medicamentos atuais, pois estes não são capazes de erradicar totalmente o vírus. As resistências a eles são inevitáveis e seus efeitos colaterais preocupam médicos e pacientes. Esforços são desencadeados em todo o mundo, no sentido de pesquisar novos fármacos e agentes antivirais, o uso de novas associações terapêuticas e o emprego mais racional dos princípios ativos já disponíveis. Desde a adoção do AZT no tratamento do HIV, a primeira droga para o tratamento da AIDS em 1987, novos medicamentos vêm sendo incorporados ao coquetel. Nem todos esses medicamentos foram oferecidos de imediato no Brasil e a pressão das ONGs tem sido fundamental para a ampliação do coquetel.

O Sistema Único de Saúde (SUS) distribui gratuitamente os medicamentos antirretrovirais. Com essas drogas, é possível chegar a combinações conhecidas como coquetel. O médico é quem estabelece a prescrição ao paciente, podendo variar caso a caso a combinação destes. No Brasil, 19 medicamentos estão aprovados pelo Consenso Terapêutico. Estes medicamentos apresentam-se em classes terapêuticas, descritas a seguir, acompanhadas pelos seus nomes genéricos: 1) inibidores da transcriptase reversa análogos de nucleosídeos: zidovudina, didanosina, zalcitabina, estavudina, lamivudina, abacavir, emtricitabina, tenofovir;

3 Coriat et al. (2008).

2) inibidores da transcriptase reversa não análogos de nucleosídeos: nevirapina, delavirdina e efavirenz; 3) inibidores da protease: saquinavir, ritonavir, indinavir, amprenavir, lopinavir e atazanavir; e 4) inibidores de entrada ou fusão: enfuvirtida. Na terapia combinada é necessário atingir alta proporção de uso dos medicamentos indicados (90,0% - 100,0%) para suprimir a replicação viral. Uma comunicação inadequada entre o paciente e o profissional da saúde sobre os medicamentos e a falta de cumprimento da prescrição tem sido apontadas como principais fatores responsáveis pela resistência e constitui um dos mais freqüentes relatos de dificuldades na relação médico-paciente, durante entrevistas com indivíduos infectados pelo HIV. Neste sentido, a literatura enfatiza a importância de fornecer aos pacientes informações por escrito, como meio de reforçar as instruções verbais e assim aumentar a compreensão do regime terapêutico prescrito (CECCATO, op.cit. 2004).

As terapias triplas de primeira escolha estão disponíveis por apenas US$ 140 por paciente/ano. Mas a resistência aos medicamentos de primeira linha é inevitável. Quando os pacientes precisam passar para medicamentos de segunda linha, o governo tem pela frente tratamentos que custam até US$ 5,000 por paciente/ano.

Para garantir o acesso universal e gratuito aos pacientes em tratamento, cerca de 80% do total dos recursos (mais de R$ 1 bilhão) empregados na compra destes medicamentos destinam-se à importação de medicamentos patenteados, enquanto que apenas 20% são destinados à compra dos medicamentos antirretrovirais fabricados no país, proporção esta que tende a se reduzir ao longo dos próximos anos, a partir da ampliação da fabricação interna (MS, 2005).

A Rede Nacional de Genotipagem do HIV (Renageno) atua há seis anos como sentinela no uso de medicamentos antirretrovirais para a AIDS. A Rede acompanha pacientes em todo o país para detectar mutações no vírus que possam comprometer a eficácia dos remédios usados no tratamento, propondo esquemas terapêuticos alternativos de acordo com cada caso. Estabelecida como política nacional em 1999, a Renageno inaugurou seu funcionamento operacional em 2001 e desde então vem ampliando sua atuação, incorporando projetos para avaliar a eficácia do teste de genotipagem da resistência do HIV à terapia antirretroviral como ferramenta orientadora para redefinição do tratamento de pacientes com falha terapêutica. A Renageno tem contribuído significativamente para a melhoria da qualidade de vida dos pacientes infectados pelo HIV e para a queda das taxas de morbidade e mortalidade da epidemia da AIDS no Brasil, na medida em que avalia e redireciona o tratamento disponível. No Quadro 3 identificamos os medicamentos antirretrovirais que compõem o coquetel brasileiro, classificando-os em relação à importação e aos produtores internos.

Quadro 2

Antirretrovirais Disponibilizados no Coquetel Brasileiro

Medicamento Forma Farmacêutica Importado Lab Oficial Produtor Nacional

Comprimido 300mg Abacavir

Solução Oral 20mg/ml UNICEF

Cáps.Gelatinosa Dura 200mg Atazanavir Cáps.Gelatinosa Dura 300mg

LAWRENCE

Darunavir Comp. 300mg JANSSEN

Cáps. Gelatinosa Dura EC 250 mg

Didanosina, Cáps. Gelatinosa Dura EC 400 mg

LAWRENCE

Didanosina

(4g), Pó p/ Susp. Oral+Diluente anti-ácido

LAFEPE

Cápsula 200mg UNICEF

Comprimido Revestido 600mg

Farmanguinhos/ FIOCRUZ Efavirenz

Sol. Oral 30 mg/ml MERCK

Enfuvirtida (T-20) 90mg/ml ROCHE

Estavudina Cáps. Gelatinosa Dura 30mg

Fosamprenavir (2008) Comp. Revestido 700mg GLAXO

LAFEPE

Indinavir Cáps.Gelatinosa Dura 400mg

LIFAL

Farmanguinhos/FIOCRUZ Comp. Revestido 150mg

FURP Lamivudina

Sol. Oral 10 mg/ml IQUEGO Comp. Revest. 200mg + 50mg Kaletra

[Lopinavir+Ritonavir] Sol. Oral 80mg/ml + 20mg/ml

ABBOTT

Farmanguinhos/FIOCRUZ Comp. 200mg

FUNED

UNICEF Nevirapina

10mg/ml Susp. Oral Boehringer

Raltegravir Comp. Revest. 400mg MERCK

Ritonavir Cáps. Gelatinosa Mole 100 mg

ABBOTT

Saquinavir Cáps. Gelat. Mole 200mg

Cancelada a produção

Talidomida Comp. 100mg. Cancelada a produção

Tenofovir Comp. Revest. 300mg GILEAD Cáps. Gelatinosa Dura 100mg

FIOCRUZ

Solução Inj. 10mg/ml Cancelada a produção

Zidovudina

Solução Oral 50mg/5ml

LAFEPE

FIOCRUZ

FURP

FUNED

IQUEGO

Zidovudina+Lamivudina

Comp. Revest. 300 mg+150 m

LAFEPE Fonte: Ministério da Saúde- PN DST/AIDS (www.saude.gov.br), acesso em 06/08/2009). O Brasil vem produzindo através dos laboratórios públicos os medicamentos cuja patente já caducaram ou que não chegaram a ser pedidas no Brasil. Mas 10 medicamentos ainda são importados, inclusive o mais novo integrante da cesta: o Atazanavir, um inibidor de protease produzido pelo laboratório Bristol-Myers Squibb. A partir de 2008 um novo inibidor da protease foi incluído pelo Ministério da Saúde, que passou a distribuir 19 medicamentos antirretrovirais através do SUS para o tratamento da AIDS fornecidos gratuitamente aos pacientes: o Raltegravir. Este faz parte de uma nova classe de agentes antirretrovirais de inibidores de integrase que impede a inserção do DNA viral do HIV no DNA humano. Trata-se de um novo mecanismo, que reduz a capacidade do vírus da AIDS de se replicar e infectar novas células. Os pacientes beneficiados serão os que já desenvolveram multirresistência a outros remédios e, por isso, estão em falência imunológica. Outros ARVs estão em estudos pelo MS quanto a sua incorporação no coquetel. E outros importados estão sendo estudados, cogitando-se a emissão de licenças compulsórias, como o Lopinavir e o Tenofovir, que são medicamentos de alto custo para o Ministério da Saúde.

Quadro 3

Relação dos ARVS adotados no Coquetel no Brasil por empresa, nome de marca e aprovação pelo FDA e OMS

ARV Empresa Detentora da

Patente Nome da

marca Aprovação pelo FDA

Indicação pela OMS/LME

ABACAVIR (ABC) GlaxoSmithKline (GSK) Ziagen 1998 15 ed. ATAZANAVIR

(ATV) Bristol-Myers Squibb (BMS) Reyataz 2003 Não

DARUNAVIR (DRV) Tibotec/Ortho Biotech Products Prezista 2006 Não DIDANOSINA (ddl) Bristol-Myers Squibb (BMS) Videx 1991/

2000 2006

ENFURVIRTIDA Roche e Trimeris Fuzeon 2003 Não

EFAVIRENZ (EFV)

Bristol-Myers Squibb (BMS) Sustiva e Stocrin

1998 2006

(Merck) EMTRICITABINA

(FTC) Gilead Emtriva 2003 2006

ESTAVUDINA (d4T)

Bristol-Myers Squibb (BMS) Zerit 1994 2006

FOSAMPRENAVIR (FPV OU f-APV)

GSK E Vertex Pharmaceuticals Lexiva 2003 2006

LAMIVUDINA (3TC)

GlaxoSmithKline (GSK)

Epivir 1995 2006

NELFINAVIR (NFV)

Roche Viracept 1997 2006 15ª ed.

NEVIRAPINA (NVP)

Boehringer-Ingelheim (BI) Viramune 1996 2006

RALTEGRAVIR (RAL) Merck Isentress 2007 Não

RITONAVIR (r ou RTV) Abbott Novir 1996 e 1999

15ª ed.

SAQUINAVIR (SQV) Roche Invirase 1995 2006 15ª ed.

TENOFOVIR (TDF) Gilead Viread 2001 2006 15ª Ed.

ZIDOVUDINA (AZT, ZDV) GlaxoSmithKline(GSK) Retrovir 1987 2006 ABACAVIR/LAMIVUDINA

(ABC/3TC) GlaxoSmithKline

(GSK) Kivexa 2004 2006

LOPINAVIR/RITONAVIR (LPV/r)

Abbott Laboratories Kaletra 2005 2006

Fonte: Extraído e adaptado de MSF/ Médicos Sem Fronteiras. Guia de Preços para a Compra de ARVs em Países em Desenvolvimento. 9ª Edição, 2006 e 11ª Edição, 2008.

4. PATENTES E ACESSO A MEDICAMENTOS ARVS

A questão da relação entre patentes e saúde pública tem sido debatida em âmbito internacional. Na reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC) de 2001, foi aprovada a "Declaração de Doha" que dispõe: o direito de propriedade não pode sobrepor-se aos direitos à saúde pública. Seguindo nesta direção, o primeiro interesse de um país é ter disponibilidade de medicamentos e fármacos para atender às necessidades de sua população.

Em 1996 foi aprovada no Brasil a nova Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.279/ 96), que buscava adequar-se às regras de direito internacional estabelecidas pelo Acordo TRIPS da OMC4. Assim, a política brasileira de acesso universal a medicamentos foi abalada, devido ao aumento no custo de medicamentos sob proteção patentária. Até então o Brasil não reconhecia patentes de medicamentos e podia copiá-los sem pagar royalties. A pressão dos países desenvolvidos sobre o Brasil, à época, era grande e o atrativo oferecido para o país tornar-se signatário do Acordo TRIPS era o de que os investimentos estrangeiros no setor iriam aumentar, visto que os stakeholders teriam mais segurança para investir em P&D. Passados mais de 10 anos da edição da Lei de

4 O Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio – Acordo TRIPS – é um tratado internacional que, como seu nome propõe, visa resguardar os direitos ligados à propriedade intelectual no que tange ao comércio, sendo ratificado pelo Brasil através do Decreto nº 1.355, de 30 de dezembro de 1994.

Patentes, constata-se que não houve aumento substancial dos investimentos em P&D farmacêutica no Brasil. Houve, na verdade, uma explosão das importações de produtos farmacêuticos; as empresas estrangeiras passaram a importar da matriz intermediários e compostos, seus produtos superfaturados, como forma subliminar de enviar divisas, gerando um grande déficit na balança comercial do setor.

5. O ACORDO TRIPS E AS PATENTES PIPELINE

O Acordo TRIPS (Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights) estabelece os padrões mínimos para proteção patentária que todos os membros da OMC devem obedecer. Diferentemente de como ocorria anteriormente ao Acordo TRIPS, os países que são Membros da OMC não podem mais rejeitar a concessão de patentes em campos específicos de tecnologia, tais como o do setor farmacêutico. O Acordo TRIPs também requer que as patentes sejam concedidas para invenções que, dentre outros aspectos, sejam novas e originais (MSF, 2008). Porém, o direito de propriedade intelectual deve ser visto à luz do estágio de desenvolvimento econômico, político e social dos países. A propriedade intelectual, por definição, protege quem já tem capacidade de inovação e de lançamento de produtos inovadores no mercado. Nessa perspectiva, o Brasil ainda está em um patamar intermediário, tentando incorporar a dinâmica de inovação em saúde. Dessa forma, não é verdade afirmar que hoje, na conjuntura brasileira, o direito a propriedade intelectual (em si) iria estimular a inovação. Se não houver cuidado com o uso da propriedade intelectual, este direito poderá se constituir num empecilho para a inovação e, sobretudo, para a promoção do acesso a medicamentos. Por exemplo, como pode se verificar neste estudo de caso, muitos medicamentos antirretrovirais, que já estavam em domínio público, passaram a ter suas patentes reconhecidas no Brasil, (1.196 depositadas no INPI no primeiro ano após a promulgação da Lei de Patentes em 1996, incluindo os antirretrovirais Efavirenz, Nelfinavir, Abacavir e Amprenavir). A decisão do Brasil de não se utilizar do período de transição permitido pelo acordo TRIPs para a adesão de países em desenvolvimento resultou em uma legislação patentária prematura e incipiente em questões estratégicas para a promoção da autonomia nacional no atendimento às necessidades de interesse do País, sobretudo no que se refere à saúde pública. No período de 2001 a 2005, as compras de medicamentos com patentes retroativas atingiram o valor de 60 milhões de reais . Esse gasto poderia ter sido evitado se o Brasil tivesse postergado a incorporação das mudanças na Lei de Propriedade Intelectual. As patentes dos medicamentos Efavirenz (US 5519021, US 5663169, US 5811423) e Nelfinavir (US 5484926, US 5952343), conseguiram ser depositadas no Brasil justamente por causa do mecanismo de pipeline. A patente do Nelfinavir foi depositada nos EUA em 1993, antes do TRIPs entrar em vigor no Brasil. No entanto, a companhia Agouron, associada à Roche, usou o mecanismo do pipeline para garantir a patente do medicamento em sete de março de 1997. Assim, a partir de 1996 as empresas farmacêuticas estrangeiras passaram a pedir suas patentes no Brasil, (registrando cerca de 700 patentes de medicamentos), e nós brasileiros a comprar medicamentos caros e sem poder produzi-los internamente. O pipeline contribuiu fortemente para que, sem aumento significativo do número de unidades farmacêuticas vendidas, o mercado farmacêutico brasileiro tivesse seu faturamento aumentado de 10 bilhões de reais em 1996 para 23 bilhões em 2006.

6. A SUSTENTABILIDADE DO PN DST/AIDS A decisão do Brasil de não utilizar-se do período de transição permitido pelo acordo TRIPS para a adesão de países em desenvolvimento resultou em uma legislação prematura e incipiente em questões estratégicas para a promoção da autonomia nacional no atendimento às necessidades de interesse nacional, sobretudo no que se refere à Saúde Pública. No que diz respeito à resposta nacional à epidemia de AIDS, a incorporação de novos medicamentos patenteados no Consenso Terapêutico tem onerado sobremaneira o orçamento público destinado à aquisição de antirretrovirais e comprometido a sustentabilidade da resposta nacional ao HIV/AIDS. Atualmente, para garantir o acesso universal e gratuito dos 180.000 pacientes em tratamento, cerca de 80% dos R$ 1 bilhão referidos à compra destes medicamentos destinam-se à importação de medicamentos patenteados, enquanto que apenas 20% são destinados à compra dos 7 medicamentos antirretrovirais não patenteados (e 1 sob Licença Compulsória), fabricados no país, proporção esta que tende a se reduzir ao longo dos próximos anos. Com a inclusão progressiva de pacientes sob terapia nos próximos 3 anos, estima-se que o gasto total para a aquisição universal de apenas 3 antirretrovirais patenteados (Efavirenz, Lopinavir/r e Tenofovir) elevem-se substancialmente, passando dos US$ 144.57 milhões em 2006 para US$ 247.96 milhões em 2011. Ao passo que, em havendo a produção nacional, ao longo dos próximos 5 anos, estima-se uma economia de US$ 769 milhões. Adicionalmente, a inclusão de novos medicamentos patenteados no Consenso implicará o acréscimo considerável do custo tratamento/ano, incompatível com o orçamento atualmente disponível e as expectativas de orçamento futuro. (Figura 1). Este problema já está sendo vivenciado em 2005 quando, para um gasto efetivo de mais de R$ 1 bilhão houve uma dotação orçamentária de R$ 550 milhões, obrigando a execução de remanejamentos que poderão comprometer o desempenho de outros Programas (CHEQUER, 2005). Gráfico 1 - Custo médio anual da terapia antirretroviral por paciente/ano (em US$), Brasil, 2005

6240

5486

4603

3464

22101500 1359 1336

2500

0

1000

2000

3000

4000

5000

6000

7000

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005*

Year

Tho

usan

ds (

US$

)

- Redução significativa

dos ARV patenteados de 2

ª linha cessaram

- Numero de pacientes em uso destes medicamentos aumentou

Introdução de novos ARV patenteados e de

preços elevados

Fonte: Chequer, 3ª Conferência do IAS sobre a Patogênese e o tratamento do HIV (2005)

O Brasil apresenta uma das maiores demandas mundiais por medicamentos antiretrovirais (ARVs). O mercado de compras governamentais de princípios ativos (matéria prima) para esses medicamentos é dominado por empresas grandes e estrangeiras, embora as empresas brasileiras estejam aptas a produzir economicamente competitivas junto aos melhores produtores mundiais de medicamentos genéricos. A competência técnico-científica e tecnológica existe e a experiência prévia de empresas nacionais, mas falta capacidade de investimento dentre outros fatores sistêmicos para reverter o atual cenário de dependência de importações de insumos farmacêuticos (FORTUNAK et al, 2007).

Atualmente, o acesso aos medicamentos de “segunda linha” é de importância crítica para se manter o controle da infecção por HIV, principalmente em pessoas resistentes às terapias ARVs anteriores.

As ONGs/AIDS e o GTPI vêm alertando para o fato de que a produção nacional de medicamentos de segunda linha é fundamental para a sustentabilidade do Programa Nacional de HIV/AIDS. Mas o problema é que estes medicamentos estão sob patentes, onerando sobremaneira o orçamento do Ministério da Saúde. Com relação aos custos, informações disponíveis mencionam que a produção nacional de medicamentos conseguiu baixar o custo anual de um paciente, com tratamento com ARV, de US$ 4,860, em 1997, para US$ 2,530, em 2001 (MS, 2001c). 7. AS AQUISIÇÕES PÚBLICAS DE MEDICAMENTOS ARVS A falta de informações claras e confiáveis sobre preços dos produtos farmacêuticos no mercado internacional é um fator que dificulta significativamente as decisões governamentais quanto às aquisições de ARV’s. Os Médicos sem Fronteiras (MSF) desde outubro de 2001 vêm editando um Guia para Compra de ARVs para Países em Desenvolvimento que já está em sua 9ª edição. O preço não deve ser o único fator a determinar a aquisição, mas sem dúvida ele tem um peso específico nas decisões. A OMS também desenvolveu projeto de pré-qualificação de medicamentos de qualidade aceitável e diagnóstico para HIV/AIDs, (que já está em sua 38ª edição - julho de 2006), com o intuito de ajudar principalmente os países pobres em suas aquisições. O projeto visa avaliar produtos farmacêuticos e seus produtores, segundo padrões de qualidade recomendados pela OMS e de acordo com as Boas Práticas de Manufatura (http://mednet3.who.int/prequal/).

As compras governamentais vêm sendo feitas pelo sistema de leilão eletrônico focado no menor preço de face ofertado, sem tratamento isonômico das partes concorrentes, o que resultou no alijamento dos fornecedores nacionais e num violento processo de desindustrialização na área da saúde, substituindo-se a produção nacional por importações de produtos baratos (porque subsidiados e desonerados de impostos) e de baixa qualidade fornecidos por países do leste asiático. Este sistema vem recebendo inúmeras críticas por parte das empresas nacionais e associações de classe do setor. O Ministério da Saúde está estudando meios para aprimorar essas aquisições, usando o poder de compra do governo para estimular a produção interna, buscando maior centralização e a fim de fortalecer o poder de barganha do MS nas negociações (PROTEC, 2009). O sistema está sendo modificado através de duas importantes medidas: a Portaria Interministerial nº 128, de 29/05/2008, que estabeleceu novas diretrizes para a contratação de fármacos e medicamentos pelos órgãos e entidades

integrantes do SUS, exigindo que a empresa contratada possua unidade produtiva estabelecida em território nacional, o que permitirá a rastreabilidade do processo produtivo pelo poder público. E a segunda Portaria, nº 978, de 16/05/2008, lista os 100 produtos prioritários para o governo, explicitando as áreas em que se espera maior investimento por parte do setor privado e que poderão ter maior facilidade de acesso a financiamentos do BNDES.

As compras governamentais significam cerca de 30% do mercado farmacêutico nacional. Do total, 45% destas compras são para o atendimento da demanda do SUS; 20% em medicamentos para a AIDS, 11% em produtos estratégicos (Hanseníase, Fator VIII, Malária, Insulina, Tuberculose); e 24% em gastos excepcionais, saúde mental e farmácia popular (MS, 2009). Os gastos do Ministério da Saúde com assistência farmacêutica no período de 2002 a 2005 apresentaram um crescimento total de 84%, passando de R$ 2.435 bilhões para R$ 4,5 bilhões. Porém, esta elevação não se deu de forma homogênea. Os medicamentos de dispensação em caráter excepcional, destinados às patologias raras ou tratamentos de alto custo ou de longa duração, registraram o aumento percentual de 170%. Os gastos com medicamentos de programas estratégicos, como os de tuberculose, os imunobiológicos e as drogas anti-HIV/AIDS, cresceram 80%. Já o dispêndio com os medicamentos para atenção básica (analgésicos, antiinflamatórios, antibacterianos e outros) cresceu ligeiramente abaixo, 68%4.

Tabela 2

Gastos Anuais em Aquisições de ARVs pelo MS

1996-2004

Ano Gasto em ARVs

/Milhões de Reais 1996 14 1997 149 1998 219 1999 487 2000 556 2001 515 2002 612 2003 551 2004 621

Fonte: MS (2005)

O aumento progressivo de recursos, ao longo dos anos, demonstra o compromisso do Estado brasileiro em garantir o acesso universal dos medicamentos às pessoas vivendo com HIV/AIDS. Todo o recurso destinado para a compra dos antirretrovirais é proveniente do Tesouro Nacional.

A demanda de insumos farmacêuticos tanto de laboratórios oficiais como de empresas privadas, e a demanda do Ministério da Saúde por medicamentos acabados deverão, no novo sistema de aquisições públicas de medicamentos, orientar as aquisições públicas para as empresas nacionais fortalecendo-as, sem favoritismos.

Em nível internacional, o Programa ETAPSUD foi lançado em 2001 e vem prestando um grande serviço aos PEDs – Países Pobres e Em Desenvolvimento, promovido pela ANRS. O Programa tem por objetivo prestar informações quantitativas e qualitativas para orientar os PEDs no processo de compra de ARVs. Os técnicos realizam uma avaliação econômica do acesso a TARV nos PEDs e também em relação a capacidade de financiamento do tratamento. O impacto econômico do HIV/AIDS e da Terapia Antirretroviral conta com um estudo longitudinal dos determinantes, variações e evolução dos preços dos ARVs. A ANRS disponibiliza um banco de preços dos medicamentos em que dados sobre transações efetivas e contexto de compra em 13 países africanos e no Brasil. Entre 1998 e 2006 houve 476 transações de compra de ARVs (Fonte: Banco de Dados do Programa ETAPSUD, 2007). Desde 2002, a Iniciativa Clinton em HIV/AIDS, projeto da Fundação William J. Clinton, auxilia países na implementação de programas de atenção integrada, tratamento e prevenção de grande escala. A Fundação Clinton trabalha com mais de 20 países na África, Ásia, Leste Europeu, América Latina e Caribe. O objetivo é construir estratégias de tratamento e atenção em HIV/AIDS (por meio de apoio técnico aos governos), alavancar recursos humanos e financeiros e facilitar o compartilhamento de melhores práticas entre projetos nacionais. A Iniciativa também negocia acordos para reduzir os preços de medicamentos e kits diagnósticos essenciais, que estão acessíveis a mais de 70 países, representando mais de 90% das pessoas que vivem com HIV/Aids nos países em desenvolvimento. Variáveis consideradas nas transações dos ARVs

• Ano da transação (aquisição do medicamento) • Classe terapêutica: INTI, INNTI, IP, IF • Volume de compra • Idade: número de anos após introdução do ARV no mercado • Fornecedor: referência ou genérico (proxy do status patentário) • Uso: tratamento inicial ou de resgate (1ª, 2ª ou 3ª linha).

8. POLÍTICA E ESTRATÉGIAS PARA A SUSTENTABILIDADE DO ACESSO Para responder ao problema da sustentabilidade da Política de Acesso Universal, o governo brasileiro tem adotado diversas estratégias. As estratégias governamentais desenvolvidas pelo Ministério da Saúde do Brasil tem sido diferentes para produtos fora de patente (já em domínio público) e para aqueles medicamentos sob patentes, dentre as quais podemos citar: a produção de medicamentos genéricos; a negociação de preços com empresas farmacêuticas; a alteração da legislação nacional e da referente ao licenciamento compulsório; e a ação internacional, visando a estabelecer consensos que definam o acesso a medicamentos como uma questão de direitos humanos. (Grangeiro et al, 2006). Para produtos fora de patentes (Laboratórios Públicos), o governo vem incentivando:

1) Fabricação Local de Genéricos e Aprendizado Tecnológico; 2) Cooperação Técnica e Parcerias Público-Privadas.

Para produtos patenteados:

3) Controle de Preços e Negociação com as Empresas (uso do poder de barganha do governo através de aquisições centralizadas); 4) Licenças Compulsórias (em último caso).

8.1 Fabricação Local de Genéricos ARVs e o Aprendizado Tecnológico

Para os medicamentos fora de patentes, a política brasileira brasileiro é de incentivo às empresas nacionais para produzirem internamente. A produção nacional dos antirretrovirais tem sido decisiva para a continuidade do Programa DST/AIDS, que atualmente constitui um modelo para os PEDs no combate à doença. A produção de medicamentos genéricos, isto é, química e farmacologicamente idênticos aos de marca, mas passíveis de revenda a um custo menor por não embutirem os gastos com P&D, propaganda e marketing na composição de seu preço, é uma arma importante do governo brasileiro desenvolveu para suprir o Programa e na aproximação com a indústria farmacêutica. De fato. a estratégia adotada pelo governo brasileiro com vistas à promoção da autonomia tecnológica nacional para fabricação de princípios ativos e medicamentos antirretrovirais constitui não somente em uma ação de fortalecimento da capacidade técnica 5instalada, como também em uma alternativa para a redução efetiva de preços. A política de genéricos (cópia e produção interna dos medicamentos fora de patentes) e o estímulo à P&D, reforçados pelo sistema regulatório e de controle de preços têm auxiliado na definição das melhores estratégias de promoção do acesso, trazendo efetivamente reduções nas compras governamentais e economias substanciais aos cofres públicos.

Desde o final de 1998, o Ministério da Saúde têm investido na infra-estrutura e na capacitação dos laboratórios farmacêuticos oficiais com vistas à fabricação nacional de antirretrovirais, realizando investimentos para adequação e melhoria da infra-estrutura das instalações aos requerimentos exigidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e a ANVISA, referentes às Boas Práticas de Fabricação (BPF), assim como quanto controle e garantia da qualidade (CGQ). O fortalecimento dos laboratórios públicos por parte do governo brasileiro, modernizando instalações e equipamentos, tem sido elemento fundamental para a maior oferta desses medicamentos através do SUS e também para a implantação de uma rede de distribuição de medicamentos anti-HIV.

Contudo, os laboratórios oficiais brasileiros mesmo dominando a geração de medicamentos ARVs finais (similares e genéricos), não fabricam os princípios ativos e dependem de produção interna das farmoquímicas ou da importação.

Muitos estudos tem sido desenvolvidos para o desenvolvimento de uma farmoquímica pública, mas ainda está longe de se concretizar tal projeto, embora tenham o apoio da Petrobras.

Ao avaliar a capacidade de Produção de Ingredientes Farmacêuticos Ativos (APIs), item fundamental dos antirretrovirais, pesquisa desenvolvida por Fortunak et al. (2007) afirma que os laboratórios podem produzir um volume muito significativo dos APIs necessários a demanda nacional.

5 Os valores precisam ser recalculados, uma vez que há atualmente produção interna sob licenciamento compulsório do Efavirenz.

As empresas brasileiras já produzem atualmente APIs comerciais com desafios técnicos semelhantes àqueles para produção de ARVs. Além disso, a produção, a qualidade e os cargos de gerenciamento estão preenchidos por profissionais bem treinados e com excelentes qualificações. Entretanto ainda é baixa a produção nacional em relação à demanda. Em 1989, o valor da produção era US$ 100 milhões (90% para consumo cativo). Hoje, devido ao fechamento de grande número de plantas farmoquímicas, é bem menor, sendo baixa a fabricação nacional.

As empresas estrangeiras dominam praticamente todo o mercado e não têm interesse na fabricação de fármacos, visto que obtém melhores margens com a importação, gerando lucros para a empresa matriz em moeda forte e mantendo os preços dos fármacos elevados.

Os laboratórios nacionais dependem do fornecimento dos insumos dos grandes laboratórios. Estes, por sua vez, preferem importar diretamente das matrizes. Sendo assim, a farmoquímica nacional se encontra em declínio, apesar dos esforços do governo (Prioridade do MDIC) e dos programas da FINEP, BNDES, em apoio à produção de fármacos.

Os laboratórios oficiais são parte integrante da Política Nacional de Saúde, inseridos no SUS, com competência estabelecida na Lei Orgânica da Saúde – Lei 8080/90, em seu artigo 4º parágrafo 1º “como um conjunto de ações e serviços, estaduais e municipais

de controle de qualidade, pesquisa produção de insumos e medicamentos, inclusive de

sangue e hemoderivados e equipamentos para saúde”. Os laboratórios públicos são responsáveis por 70% dos produtos da Assistência Farmacêutica Básica, 14 dos 17 itens do Programa DST/AIDS, além de 100% da produção dos chamados “medicamentos órfãos que atendem às doenças negligenciadas” (tuberculose, hanseníase, leishmaniose, malária). A política brasileira de acesso universal tem sido viável graças, em parte, aos laboratórios nacionais, que produzem, desde 1995, alguns medicamentos em forma de produtos similares ou genéricos.

Os laboratórios estatais produtores de antirretrovirais são:

• FARMANGUINHOS/RJ · • FURP/SP • LAFEPE/PE • IQUEGO/GO • FUNED/MG • IVB/RJ

FARMANGUINHOS Criado em 1950, o Farmanguinhos é uma das treze Unidades Técnico-Científicas da Fundação Oswaldo Cruz. Vinculado ao Ministério da Saúde, o instituto desenvolve

medicamentos essenciais com prioridade para doenças como AIDS, malária, leishmaniose, tuberculose, diabetes, doença de Chagas, herpes e esquistossomose. O Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos) realizou investimentos para adequação e melhoria da infra-estrutura, adequação das suas instalações aos requerimentos exigidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e a ANVISA, referentes às GMP (Good Manufacturing Practices), assim como do controle e garantia da qualidade (CGQ). Farmanguinhos já fornece oito antirretrovirais ao Ministério da Saúde (entre eles o Efavirenz, resultado do primeiro licenciamento compulsório realizado no país). Além da ampliação da produção de medicamentos, a Farmanguinhos pretende começar a produzir, já em 2010, dois novos medicamentos do tipo "três em um" - reunindo três fármacos atualmente utilizados numa mesma droga -, que facilitarão a administração do coquetel. Em breve produzirá outro antirretroviral, só que para crianças soropositivas. Será o primeiro comprimido no mundo para esta faixa de idade.

O consórcio formado pelos Laboratórios Cristália, Globe Química e Nortec será estendido até 2010, garantindo a distribuição do remédio para pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). Cada uma das empresas será responsável pela produção de 5 (cinco) toneladas anuais do princípio ativo utilizado pela Farmanguinhos para fabricação do Efavirenz, totalizando 15 toneladas ao ano.

A renovação do contrato foi anunciada durante a inauguração das novas instalações do Centro de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação do Laboratório Cristália, em Itapira, cidade a 160 quilômetros de São Paulo. O local reúne todo o planejamento e coordenação das pesquisas desenvolvidas pelo Laboratório, que hoje tem 29 projetos de novos medicamentos em andamento.

Para o atual diretor do Farmanguinhos, Hayne Felipe da Silva, a iniciativa do governo em garantir a produção de remédios no País estimula o fortalecimento da tecnologia farmoquímica brasileira. "Essas empresas parceiras têm o compromisso de internalizarem o processo de produção do princípio ativo do Efavirenz, o que evita que tenhamos que importar esse insumo. Assim, a produção do Efavirenz no Brasil diminui nossa dependência do mercado internacional e contribui para a redução do déficit da balança comercial existente no setor".

Empresa 100% nacional, o laboratório Cristália vem surpreendendo o mercado de fármacos. A empresa, que começou em 1972 para atender apenas à demanda local de medicamentos psiquiátricos, cresceu e ampliou sua gama de produtos, que hoje totaliza 180 medicamentos em 376 diferentes vias de administração e dosagens. Por manter a filosofia de oferecer medicamentos com qualidade e preço justo, o Laboratório Cristália se tornou balizador de preços no mercado público e privado, incrementando a concorrência nesses dois setores até então dominados pelos laboratórios internacionais. No Cristália, grande parte da linha de produção é destinada aos hospitais, concentrada na fabricação de anestésicos e adjuvantes, o que rendeu ao laboratório o título de maior fabricante desses produtos na América Latina. Além disso, é o único laboratório brasileiro que produz medicamentos para o Programa Antiaids do Ministério da Saúde, verticalmente - desde a matéria-prima (princípio ativo) ao produto acabado. Até agora, o

Laboratório soma 117 pedidos de patentes, um número recorde na indústria farmacêutica nacional, sendo que 15 já foram concedidas.O Laboratório é responsável pela sintetização dos princípios ativos de medicamentos que são usados pela própria empresa e/ou exportados. Destes, a empresa conta com 5 moléculas consideradas padrão de referência pela United States Pharmacopeia, entidade norte-americana que controla os padrões de qualidade dos fármacos produzidos nos EUA e em outros países.

Em 2010 houve a entrada oficial do Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz) na Rede de CooperaçãoTecnológica em HIV/Aids. O Instituto deverá ser peça fundamental no desenvolvimento de uma formulação inovadora para o antirretroviral ritonavir, além de um medicamento que combine o fármaco e o lopinavir, também utilizado no combate à Aids. O desenvolvimento de uma formulação termoestável é fundamental, além de facilitar a vida dos pacientes, que não serão mais dependentes de uma geladeira, será uma economia de gastos por parte do governo

A Rede de Cooperação Tecnológica em HIV/Aids, da qual fazem parte oito países (Argentina, Brasil, China, Cuba, Nigéria, Tailândia, Rússia e Ucrânia), busca diminuir a dependência tecnológica em relação às nações desenvolvidas, incentivar a promoção de novos produtores de medicamentos genéricos e reduzir os preços dos antirretrovais. No Brasil, além de Farmanguinhos, a Rede tem parcerias com o Laboratório Farmacêutico do Estado de Pernambuco (Lafepe), o Instituto Nacional de Tecnologia (INT) e os laboratórios privados Cristália e Nortec.

Por meio de um consórcio internacional com a China e a Tailândia, os envolvidos no projeto trabalham no desenvolvimento de uma formulação termoestável (que dispensa a refrigeração) para o antirretroviral ritonavir e em um medicamento que associe o fármaco e o lopinavir. " Os testes pré-clínicos deverão ter início em um ano" , explicou o coordenador de Serviços Tecnológicos de Farmanguinhos, Halvécio Rocha.

Segundo a coordenadora da Unidade de Assistência e Tratamento do Departamento de DST/Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, Rachel Baccarini, os projetos são estratégicos para a Rede e o Governo Federal. " O ritonavir é utilizado em praticamente todas as terapias anti-Aids junto com inibidores de protease. O desenvolvimento de uma formulação termoestável, que ainda não existe no mercado, é fundamental: além de facilitar a vida dos pacientes, que não serão mais dependentes de uma geladeira, vai representar uma economia de gastos por parte do governo" .

LAFEPE O LAFEPE, o segundo maior laboratório público do Brasil, foi criado em 1966 para produzir medicamentos a baixo custo para as populações de menor poder aquisitivo. Tem sede no Recife, capital do Estado de Pernambuco e se situa no Nordeste brasileiro. O LAFEPE foi o primeiro laboratório oficial no Brasil a produzir, em 1994, o antiretroviral Zidovudina (AZT). O laboratório pernambucano investe na modernização de suas instalações, ao dotar de alta tecnologia seu parque industrial. Seu programa pioneiro de Farmácias Populares, instaladas em áreas de comércio popular nas diversas regiões do Estado, servindo de modelo para o Governo Federal.

O LAFEPE atua como regulador de preços do mercado apóia a assistência farmacêutica em Pernambuco e nacionalmente, além de caracterizar-se como centro de desenvolvimento e produção de medicamentos de alta tecnologia. Com isso, o laboratório oficial credenciar-se para fazer também parcerias com outros países. Atualmente, tem uma área dedicada para produção destes medicamentos que totalizam o estudo de 06 ativos (zidovudina, lamivudina, estavudina, didanosina, indinavir, ritonavir), apresentados em diferentes formas farmacêuticas (comprimido, cápsula, comprimido revestido, xarope, pó para solução), devendo ser considerado os produtos em desenvolvimento, como o efavirenz, o nelfinavir e as associações de dose fixa combinada. A experiência de produção de ARVs para o governo brasileiro resultou em ganho em competência tecnológica e, sobretudo, relacional, na medida em que proporcionou o aprendizado em colaboração e desenvolvimento de parcerias entre laboratório público e empresa privada. Isso não tem sido muito usual no Brasil e assumiu novas formas no contexto farmacêutico, como: acordos não exclusivos para compra de matéria-prima de produtores nacionais pelo setor público; acordos para o desenvolvimento compartilhado ou conjunto de licenças de know-how para a produção de medicamentos não protegidos por patentes; e, mesmo, aprendizado local na transferência formal de tecnologias para o setor produtivo. Ou seja, uma gama variada e criativa de conhecimentos e tecnologias se deveu ao contexto ímpar de atender à necessidade de produzir ARVs para o Programa Estratégico do Ministério da Saúde; produção essa, não voltada para o comércio, organizada pelo Estado, e contando com um laboratório oficial para sua fabricação. Esses elementos foram fundamentais para a criação de uma base tecnológica para a produção nacional de anti-retrovirais para o tratamento da AIDS. 8.2 Cooperação Técnica e Parcerias Público-Privadas

Como já foi dito acima, a política do MS tem sido incentivar o aprendizado tecnológico dos laboratórios oficiais e a transferência de tecnologia para o setor privado nacional. Essa experiência tem dado certo, com alguns descompassos, mas tem resultado principalmente em contratos com firmas nacionais para suprir de APIs os produtores oficiais. A experiência tem demonstrado que é preciso aliar a política de compras do governo às políticas de incentivo ao desenvolvimento industrial, através da formação de parcerias público-privadas para o desenvolvimento endógeno de insumos e de produtos acabados. Farmanguinhos e a indústria de medicamentos Cristália assinaram, em maio de 2002, acordos para transferência de tecnologia e produção dos remédios Ritonavir e Saquinavir, usados no tratamento da AIDS. Além destes medicamentos ARVs, Farmanguinhos pesquisou também as fórmulas do Efavirenz, comercializado pela Merck, e do Nelfinavir, da Roche, o que possibilitou ao Brasil forçar as duas multinacionais a reduzirem em 59% e 40%, respectivamente, o preço de seus medicamentos, que antes somavam juntos 36% de todo o gasto na compra dos antirretrovirais feita pelo Ministério da Saúde. O Nelfinavir é um dos mais caros do tratamento: representa 28% do preço do coquetel e é utilizado por 25% dos pacientes com AIDS que recebem, na rede pública de saúde, o coquetel.

A partir de 2002, deu-se início às negociações público/privado (laboratórios oficiais e empresas privadas genéricas nacionais e internacionais) visando o estabelecimento de acordos de cooperação técnica e de transferência de tecnologia para o fortalecimento da capacitação local. Em 2004, a partir de setembro, por iniciativa do PNDST/AIDS, foram realizadas diversas Oficinas de Trabalho e reuniões entre o Ministério da Saúde, as empresas farmoquímicas nacionais e os laboratórios públicos, incluindo a participação do BNDES, para a definição de parcerias público-privado para a produção nacional de princípios ativos e antirretrovirais. Como resultado destas ações, foi possível chegar à definição da capacidade nacional instalada para a produção local de princípios ativos e antirretrovirais. O Laboratório Cristália e o Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos) anunciaram, em 2009, a renovação do contrato para a produção nacional do Efavirenz, um dos principais medicamentos utilizados no coquetel anti-AIDS. Uma rápida verificação nos resultados obtidos pelo programa de combate a AIDS, que trata de 185 mil pacientes é suficiente para comprovar a eficiência da política governamental e do investimento realizado em aprendizado tecnológico. O Programa distribui gratuitamente um coquetel com medicamentos fabricados por laboratórios brasileiros, o que baixa o custo anual médio do tratamento no Brasil (sendo 2/3 deste valor relativo aos produtos importados). Embora com infra-estrutura científica razoavelmente consolidada, resultante de políticas de investimentos contínuos, ainda que por vezes insuficientes, o desenvolvimento tecnológico em fármacos e medicamentos, no Brasil, é mínimo. Está restrito a algumas empresas nacionais públicas e privadas. Chama atenção a desproporção do esforço de desenvolvimento tecnológico realizado frente ao tamanho do mercado. Estratégias Governamentais para produtos patenteados 8.3 Controle e Negociação de Preços com as Empresas Detentoras das Patentes dos ARVs O controle de preços de medicamentos é necessário devido às especificidades do bem e a maioria dos governos praticam essa política. No Brasil, a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos - CMED, do Conselho de Governo, tem por objetivos a adoção, implementação e coordenação de atividades relativas à regulação econômica do mercado de medicamentos voltada a promover a assistência farmacêutica à população, por meio de mecanismos que estimulem a oferta de medicamentos e a competitividade do setor (Decreto nº 4.766 de 26 de junho de 2003). As compras públicas de medicamentos representam 30% do mercado brasileiro. O governo utiliza seu poder de compra como poder de barganha nas aquisições centralizadas, nas negociações com as empresas fornecedoras. Os medicamentos antirretrovirais são adquiridos pelo Ministério da Saúde e repassados às secretarias estaduais de saúde que os distribuem às unidades responsáveis pela dispensação aos pacientes cadastrados no Sistema de Controle Logístico de Medicamentos (SICLOM). O elenco disponibilizado é definido tecnicamente pela Coordenação Nacional de DST/AIDS.

Atualmente, o Brasil utiliza 19 antirretrovirais, sendo que oito já são produzidos no País. Dos importados, três consomem 63% (R$ 358 milhões) do orçamento: Lopinavir, Nelfinavir e Efavirenz. Na Tabela abaixo, tem-se um histórico do gasto com a aquisição dos medicamentos antirretrovirais entre 1996 e 2003.

Tabela 3

Evolução de Gastos com Aquisição de Medicamentos ARV pelo Ministério da Saúde, no Período de 1996 – 2003.

1996 40 - 0,2

1997 254 35.900 1,2 1998 358 55.600 1,8 1999 622 73.000 3,2 2000 554 87.500 2,9

2001 545 105.000 2,1 2002* 534 119.500 1,9

2003* 573 128.000

* dados sujeitos a revisão Fonte: Coordenação de DST/AIDS-MS

As reduções dos preços que vêm ocorrendo ao longo do período são em função de novas realidades do mercado internacional, da economia de escala e da introdução de genéricos e negociações com os laboratórios nacionais e internacionais.

Com relação aos medicamentos que compõem o coquetel, protegidos por patentes, o governo conseguiu significativas vitórias como no caso do Efavirenz, da MerckSharp&Dohme, que passou a custar 59% a menos. Só no ano 2000, o Ministério da Saúde desembolsou US$ 33milhões para comprar este medicamento, responsável por 11% dos gastos efetuados com o coquetel.

A Merck também reduziu em 65% o preço do Indinavir, remédio que chegou a representar mais de 20% do custo total. As negociações mais difíceis foram com o laboratório Roche. Durante alguns meses o governo tentou negociar, sem alcançar bons resultados, a redução do Nelfinavir, um dos medicamentos mais caros do coquetel.

Desde a Introdução da HAART � 2003 • Efavirenz - redução de preço - 77,4 %

U$ 2.32/cápsula. (1999) � U$ 0.525/ cápsula (2003) • Nelfinavir - redução de preço - 56,5 %

U$ 1.075/tablete (1998) � U$ 0.468/tablete(2003) • Lopinavir - redução de preço - 56,2 %

U$ 2.97/cap. (2001) � U$ 1.30/cápsula.(2003) • Atazanavir - redução de preço 76,4 %

U$ 13.8/cápsula. (2003) � U$ 3.25/ cápsula 2003)

8.4 Licenciamento Compulsório. Em 30 de agosto de 2003, o Conselho Geral da OMC aprovou uma resolução referente ao parágrafo 6º de Declaração de Doha, o qual versa sobre a possibilidade da emissão de licenciamento compulsório para fins de atendimento das demandas de países de menor desenvolvimento relativo e países em desenvolvimento que detivessem pouca ou nenhuma capacidade tecnológica para a fabricação de medicamentos essenciais. A licença compulsória está prevista no artigo 31 do Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionadas ao Comércio (TRIPS, na sigla em Inglês). No entanto, para que o Brasil possa usufruir deste mecanismo, era necessário que este dispositivo fosse internalizado na legislação nacional.

A legislação permite o licenciamento compulsório de medicamentos nos casos de interesse público. Ressalta-se que a autorização é absolutamente legal: está prevista no artigo 71 da Lei de Patentes do Brasil (9279/96); nos decretos nº 3201/99 e nº 4830/03.

" Art. 71. Nos casos de emergência nacional ou interesse público, declarados

em ato do Poder Executivo Federal, desde que o titular da patente ou seu

licenciado não atenda a essa necessidade, poderá ser concedida, de ofício,

licença compulsória, temporária e não exclusiva, para a exploração da patente,

sem prejuízo dos direitos do respectivo titular.

Parágrafo único. O ato de concessão da licença estabelecerá seu prazo de

vigência e a possibilidade de prorrogação."

O mecanismo pode ser aplicado nas situações como exercício abusivo dos direitos, abuso do poder econômico, não-exploração local, comercialização insatisfatória, emergência nacional e interesse público. O licenciamento compulsório, também denominado “Licença Compulsória”, diz respeito às situações em que os DPI poderão ser utilizados por terceiros sem o consentimento do seu titular, com vistas a coibir o exercício abusivo do privilégio. Neste caso, o TRIPS aponta cinco justificativas possíveis para a adoção dessa medida, a saber: (i) recusa do titular da patente em negociar a autorização do uso dos DPI por terceiros; (ii) casos de emergência ou extrema urgência; (iii) práticas anti-competitivas; (iv) uso não comercial e (v) existência de patentes dependentes. Apesar de ser uma utilização do privilégio sem o consentimento do titular da patente, o licenciado deverá da mesma forma pagar royalties pela utilização da invenção, ainda que reduzidos. O Decreto nº 3201/99, através do seu art. 2º, trouxe uma definição mais detalhada dos conceitos de Emergência Nacional e Interesse Público, além de esclarecer os mecanismos necessários para a emissão de licenciamento compulsório, a ser realizado de ofício.

Breve História do Licenciamento Compulsório no Brasil

Os medicamentos sob patentes, como já foi dito, são os que mais oneram as aquisições públicas de medicamentos. No caso dos ARVs, os medicamentos Efavirenz, Nelfinavir

e Ritonavir eram os mais usados no coquetel6 à época da edição da Lei de Patentes brasileira. De fato, p Brasil vem produzindo antirretrovirais desde 1996, em substituição aos importados, quando virou alvo da ira da multinacionais farmacêuticas, quando o governo brasileiro ameaçou produzir internamente e foi acusado de violar patente.

Em agosto de 2001, o ministro da Saúde, José Serra, cogitou realizar o licenciamento compulsório da patente do Nelfinavir, com base no artigo 71 da Lei de Propriedade Intelectual. Após meses de discussões, não houve acordo entre o Ministério e o fabricante, o laboratório Roche, que propôs redução de cerca de 35% no preço. Esperava-se algo perto de 50%. O governo alegou emergência na saúde, uma das situações previstas pela legislação para autorizar a licença compulsória e a produção da droga por outros laboratórios. Uma semana depois, a Roche concordou em reduzir em 40% o preço do remédio, uma economia de RS$ 88,5 milhões anuais ao Brasil.

Farmanguinhos e a indústria de medicamentos Cristália assinaram, em maio de 2002, acordos de transferência de tecnologia e produção dos remédios Ritonavir e Saquinavir, usados no tratamento da AIDS, cuja fórmula já havia sido pesquisada e copiada por Farmanguinhos. Além destes, o laboratório Farmanguinhos pesquisou também as fórmulas do Efavirenz, comercializado pela Merck, e do Nelfinavir, da Roche Além disso, o laboratório informou que deveria começar, no ano seguinte, a produção local da droga Nelfinavir. ''Essa transferência para a fabricação local de Viracept'' (nome fantasia do Nelfinavir) ''pela Roche só seria possível em virtude do volume de compra envolvido na licitação acordado com o Ministério da Saúde'', dizia a nota distribuída pela Roche. Economicamente, saiu mais vantajoso realizar o acordo, porque se a Fiocruz (através da Farmanguinhos) fosse produzir teríamos que pagar royalties, entre 5% e 10% mais que o preço de custo.

Na reunião ministerial da Organização Mundial do Comércio, ocorrida meados de novembro, em Doha, no Catar, o Brasil conseguiu uma importante vitória nessa área. Foi aprovado um documento que autoriza a interpretação de forma menos rígida do acordo TRIPS. Na prática, isso significa que o Brasil ou outro país pode, em situações de emergência, quebrar a patente de medicamentos, ou seja, aplicar licenças compulsórias e dar a um laboratório o credenciamento para produzir um remédio patenteado em outro país. A medida já existia na lei brasileira, mas não era aceita pela OMC. O Instituto de Tecnologia em Fármacos da Fiocruz começou a produzir alguns dos antirretrovirais em 2000 sem patentes reconhecidas no Brasil, e a investir no desenvolvimento tecnológico visando a disponibilidade e regulação de preços, para ampliar o acesso aos portadores do HIV atendidos pelo Programa DST/AIDS do Ministério da Saúde.

6 As patentes dos medicamentos Efavirenz (US 5519021, US 5663169, US 5811423) e Nelfinavir (US 5484926, US 5952343), conseguiram ser depositadas no Brasil através do pipeline.. A patente do Nelfinavir foi depositada nos EUA em 1993, antes do TRIPs entrar em vigor no Brasil. No entanto, a companhia Agouron, associada à Roche, usou o mecanismo do pipeline para garantir a patente do medicamento em sete de março de 1997. No caso da patente do Efavirenz, depositada nos EUA em 1992, a Merck, por alguma razão não usou o "pipeline" para registrá-la no Brasil. Simplesmente apresentou, como sendo uma idéia nova, formas orais de ingestão do remédio com substâncias que facilitam sua dissolução no organismo, e o INPI nunca questionou essa patente.

Com Eloan Pinheiro7 como diretora de Farmanguinhos, e através da 'engenharia reversa', o Brasil aprendeu a produzir moléculas novas dos inibidores de protease e da transcriptase reversa, as mesmas que formam o coquetel atual, mas que seriam menos tóxicas e com maior eficácia. Pesquisas foram feitas por cientistas do Laboratório Farmanguinhos e da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O objetivo era desenvolver tanto a tecnologia na cópia de moléculas já existentes, para internalizar a produção, quanto empreender tecnologias inovativas.

No ano de 2005, e com base no artigo 71 da Lei de Patentes brasileira (Lei 9.279/96), que prevê o licenciamento compulsório no caso de interesse público, o Brasil decretou a quebra da patente do antirretroviral Kaletra, da Abbott. A portaria, publicada no Diário Oficial, se deu em função da recusa do laboratório a entrar na negociação de preços do medicamento para o tratamento da AIDS, proposta pelo governo a três grandes laboratórios detentores de patentes. O Kaletra – composto por dois princípios ativos: ritonavir e lopinavir – era comprado da Abbott pelo Ministério da Saúde por US$ 1,17 a unidade, o que representava na época da suspensão da patente cerca de R$ 2,78. Depois da portaria de suspensão da patente, Farmanguinhos, previu que a produção do genérico do Kaletra poderia reduzir seu preço para R$ 1,61, ou US$ 0,68. Apenas um dos laboratórios aceitou negociar com o governo brasileiro a redução dos preços. A canadense Gilead Science reduziu o preço do Tenofovir em 51%. O valor unitário do comprimido passou de US$ 7,68 para US$ 3,80, representando uma economia imediata de US$ 31,4 milhões por ano. Mas, nem a Merck nem a Abbott negociaram os preços para o coquetel. A atuação do governo brasileiro chegou a uma situação-limite em que deveria ter sido decretada a licença compulsória, mas não foi isso que ocorreu.

O Programa Nacional de DST/Aids, do Ministério da Saúde, preocupado com os vultosos gastos, declarou publicamente, em junho de 2005, que apenas três antiretrovirais patenteados, entre eles o Kaletra, representavam 65% do orçamento previsto para a compra dos medicamentos que compõem a lista de antirretrovirais fornecidos pelo governo brasileiro. O Programa Nacional afirmou ainda que, “(...) se fossem produzidos no país, utilizando-se os mecanismos legais vigentes, poder-se-ia alcançar uma economia superior a R$ 200 milhões”.

O então ministro da Saúde Humberto Martins publicou uma portaria declarando a associação do lopinavir + ritonavir (formulação do Kaletra) de interesse público, para fins de decretação da licença compulsória. Foi o início de uma grande pressão contra o Brasil. Membros do Congresso e empresas farmacêuticas norte americanas pediam ao governo dos EUA que fossem impostas sanções comerciais ao Brasil. Mas o País também recebeu relevantes apoios nacional e internacionalmente. Um dos principais jornais do mundo, The New York Times, se manifestou a favor do Brasil. Em editorial, o jornal afirmou que a OMC e o TRIPS permitem medidas como essa e que os países, em geral, não faziam uso dessa alternativa por medo das sanções comerciais que poderiam vir a sofrer. Em decorrência da grave situação, em agosto de 2005, o

7 Em junho de 2002 Eloan Pinheiro, Diretora de Farmanguinhos à época, recebeu a Medalha da Ordem do Rio Branco, pelas suas relevantes contribuições à bem-sucedida política de distribuição de medicamentos do Ministério da Saúde e de combate a AIDS, com destaque para o Programa de DST/AIDS. A insígnia é uma das principais condecorações do país. A cerimônia de entrega foi no dia 12 de junho de 2002, no Palácio do Itamaraty em Brasília, e contou com a presença do Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. A Ordem de Rio Branco foi instituída em fevereiro de 1963, para premiar pessoas físicas, jurídicas, corporações militares ou instituições civis, nacionais ou estrangeiras, pelos seus serviços ou méritos excepcionais.

Conselho Nacional de Saúde, diante de sua preocupação com a manutenção da política de acesso universal aos medicamentos anti-AIDS, elaborou uma resolução recomendando ao Ministério da Saúde o imediato licenciamento compulsório de três antirretrovirais: além do lopinavir (que faz parte da composição do Kaletra), do efavirenz e do tenofovir. A resolução não foi homologada pelo então ministro da Saúde, Saraiva Felipe, e por isso também não foi publicada. Ao invés de decretar a licença compulsória, em outubro de 2005 o ministro da Saúde firmou um acordo com a Abbott. Apesar de aparente redução do custo para a aquisição do remédio, o acordo teve diversas cláusulas desfavoráveis ao Brasil, recebendo severas críticas da sociedade civil.

Essas diversas tentativas de licenciamento compulsório, se por um lado proporcionavam poder de barganha do governo brasileiro na negociação com as empresas, por outro lado desgastava a imagem do Brasil, pois já estava sendo chamado de “tigre sem dentes” no noticiário internacional. As empresas duvidavam que o país tivesse de fato condições tecnológicas para produzir internamente os medicamentos patenteados.

O Brasil provou não estar blefando quando editou pela primeira vez, efetivamente, o licenciamento compulsório de um medicamento antirretroviral, decretado em 4 de maio de 2006, quando o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva assinou o decreto 6.108, que oficializou o licenciamento compulsório do Efavirenz, para uso público não-comercial. O dispositivo tem validade de cinco anos e pode ser renovado por mais cinco. O processo teve início em 24 de abril, com a publicação de portaria nº. 886, que declarou o medicamento de interesse público. Assinada pelo ministro da Saúde, José Gomes Temporão, a portaria foi o primeiro passo legal para decretar o licenciamento compulsório do antirretroviral.

Após a declaração de interesse público, o laboratório Merck Sharp & Dohme teve um prazo de sete dias para se pronunciar. Depois de várias negociações, que se estenderam a partir de novembro de 2006, por meio de reuniões, correspondências e fonoconferências, o laboratório ofereceu redução de 30% sobre o preço de US$ 1,59 por comprimido de 600mg, levando o valor unitário do produto a US$ 1,11.

A proposta do Brasil era que o laboratório praticasse o mesmo preço pago pela Tailândia – US$ 0,65 por comprimido, 136% a mais que o valor pago pelo Brasil. Assim, a redução de 30% oferecida pela Merck foi considerada insatisfatória pelo governo brasileiro, que recebeu propostas de laboratórios internacionais oferecendo a versão genérica do medicamento por US$ 0,45. Qualidade - O licenciamento compulsório permite que o Ministério da Saúde importe versões genéricas do Efavirenz de laboratórios pré-qualificados pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Assim, a qualidade, segurança e eficácia do medicamento estão asseguradas pelos testes de bioequivalência e biodisponibilidade exigidos pela OMS. Inicialmente, foram compradas versões genéricas do medicamento produzidas por laboratórios da Índia. Os primeiros lotes chegaram ao Brasil no começo de julho de 2007. Até então, o abastecimento do antirretroviral estava assegurado pelos estoques. Dentro de 12 a 15 meses, laboratórios nacionais iniciaram a produção local do Efavirenz. Pela lei, o laboratório detentor da patente recebe pagamento de royalties, que podem variar de 0,5% a 2% do valor de aquisição. O Brasil pagará 1,5% do valor de compra. 75 mil usuários. O Efavirenz é o medicamento importado mais usado no

tratamento da AIDS no Brasil. Hoje, 38% dos doentes utilizam o remédio nos seus esquemas No Brasil, o licenciamento ocorreu por interesse público. No caso dos antirretrovirais, o licenciamento compulsório já foi utilizado por Moçambique, Malásia, Indonésia e Tailândia. A experiência de produção de ARVs para o governo brasileiro resultou em ganho em competência tecnológica e, sobretudo, relacional, na medida em que proporcionou o aprendizado em colaboração e desenvolvimento de parcerias entre laboratório público e empresa privada. Isso não tem sido muito usual no Brasil e assumiu novas formas no contexto farmacêutico, como: acordos não exclusivos para compra de matéria-prima de produtores nacionais pelo setor público; acordos para o desenvolvimento compartilhado ou conjunto de licenças de know-how para a produção de medicamentos não protegidos por patentes; e, mesmo, aprendizado local na transferência formal de tecnologias para o setor produtivo. Ou seja, uma gama variada e criativa de conhecimentos e tecnologias se deveu ao contexto ímpar de atender à necessidade de produzir ARVs para o Programa Estratégico do Ministério da Saúde; produção essa, não voltada para o comércio, organizada pelo Estado, e contando com um laboratório oficial para sua fabricação. Esses elementos foram fundamentais para a criação de uma base tecnológica para a produção nacional de anti-retrovirais para o tratamento da AIDS. CONCLUSÕES Os resultados demonstraram que os esforços empreendidos pelo governo vêm obtendo êxito não só em relação à produção interna de genéricos, como também em relação ao licenciamento compulsório de medicamentos importados. Demonstraram ainda que o Brasil possui capacitação tecnológica para desenvolver e produzir antirretrovirais em um prazo relativamente curto. A licença compulsória é instrumento válido, em um ambiente de recursos limitados, para garantir o acesso da população a medicamentos de alto custo e estratégicos para o Sistema Único de Saúde, sempre que se chegar a um impasse na negociação para redução de preços com os laboratórios farmacêuticos detentores das patentes. Apesar de negociações de preços bem sucedidas ao longo do período, o Brasil vem ainda pagando preços exorbitantes e inaceitáveis por medicamentos importados, chegando a equivaler até 8 vezes o valor praticado no mercado internacional. Contudo, estas medidas, assim como a adoção de restrições ao patenteamento interno, não serão suficientes para garantir a manutenção do PN DST/AIDS e ampliação da cobertura, tendo em vista a crescente resistência que os medicamentos de primeira geração vêm causando, a necessidade de adoção dos de segunda e terceira linha, uma vez que os orçamentos de saúde não crescem em idêntica proporção. Caso o Brasil não invista mais pesadamente em P&D e esforços no sentido de ampliar as parcerias público-privadas para a fabricação de fármacos internamente, vê-se seriamente ameaçada a produção interna de medicamentos ARVs no longo prazo e o comprometimento do PN DST/AIDS, visto que o Brasil importa quase a totalidade dos insumos. Não podemos “demonizar” a patente farmacêutica atribuindo somente a ela a causa do constrangimento ao acesso, pois alguns medicamentos fora de patente já poderiam ser produzidos internamente e não o são. É preciso que o País consolide a infra-estrutura tecnológica do setor farmacêutico e trate a propriedade intelectual como estímulo, e não como entrave, à inovação. É preciso lembrar que o privilégio temporário concedido pela patente é fundamental para que a empresa recupere os seus investimentos e tenha condições de reinvestir recursos em pesquisas, recursos esses que gerarão outros medicamentos novos e inovadores. Portanto, não se deve culpar a lei de patentes pela falta das outras competências na cadeia de P&D e de produção. Temos que incentivar a inovação tecnológica, pois dela depende a competitividade das empresas e graças

aos medicamentos inovadores é que a expectativa de vida aumentou tanto nos últimos anos. Tampouco devemos nos submeter às estratégias da BIG PHARMA na sua crescente ânsia por lucro. Uma política de estímulo à produção doméstica requer coordenação com a política de saúde e com as políticas de regulação. É importante que o sistema de defesa da concorrência monitore sistematicamente preços e concentração nos mercados relevantes, penalizando condutas anticompetitivas. O governo deve continuar a desenvolver políticas e estratégias para a promoção do acesso, mas estas políticas devem ser traçadas em consonância com a política industrial e de inovação tecnológica do setor saúde, porém o licenciamento compulsório é uma medida de exceção e não pode ser usado peermanentemente como uma política de desenvolvimento industrial. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS AMARAL, J. L. G. Buscando Uma Política de Medicamentos para o Brasil. Seminário Política Nacional de Medicamentos (3.:2007: São Paulo) IN: Buscando uma política de

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