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A CORROSÃO DO CARÁTER PREFÁCIO Capitalismo Flexível Ataca as formas mais rígidas de burocracia. Nele os trabalhadores são mais ágeis, abertos a mudanças de curto prazo e menos dependentes das leis e procedimentos formais, ou seja, são mais capazes de moldar suas próprias vidas. Essa flexibilidade alterou o próprio significado do trabalho, além de gerar ansiedade nas pessoas, pois elas não sabem se seus riscos serão compensados / que caminho seguir. Flexibilidade x Caráter Caráter: Valor ético que atribuímos aos nossos desejos e relações com os outros. Depende das ligações da pessoa com o mundo, da sua experiência emocional a longo prazo. Problemas impostos pelo capitalismo flexível: Como decidimos o que tem valor duradouro em nós numa sociedade que se concentra no mundo imediato? Como se podem buscar metas de longo prazo numa economia de curto prazo? Como manter a lealdade e o compromisso mútuo em instituições que são continuadamente reprojetadas? O livro aborda as questões sobre trabalho e caráter numa economia que mudou radicalmente. CAPÍTULO 1 - DERIVA Personagens: Rico Enrico - Pai de Rico Flávia - Mãe de Rico Jeannette - Esposa de Rico O primeiro capítulo mostra a trajetória de Enrico e Rico (pai e filho). Sennett conhecera o pai de Rico em 1970, tratava-se de um faxineiro descendente de italianos que via no trabalho uma fonte de crescimento e seguridade social.

Sennett - A Corrosão do Caráter

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Resumo Cap 1 ao 3

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A CORROSÃO DO CARÁTER

PREFÁCIO

Capitalismo Flexível

Ataca as formas mais rígidas de burocracia.Nele os trabalhadores são mais ágeis, abertos a mudanças de curto prazo e menos dependentes das leis e procedimentos formais, ou seja, são mais capazes de moldar suas próprias vidas.Essa flexibilidade alterou o próprio significado do trabalho, além de gerar ansiedade nas pessoas, pois elas não sabem se seus riscos serão compensados / que caminho seguir.

Flexibilidade x Caráter

Caráter: Valor ético que atribuímos aos nossos desejos e relações com os outros. Depende das ligações da pessoa com o mundo, da sua experiência emocional a longo prazo.Problemas impostos pelo capitalismo flexível: Como decidimos o que tem valor duradouro em nós numa sociedade que se concentra no mundo imediato? Como se podem buscar metas de longo prazo numa economia de curto prazo? Como manter a lealdade e o compromisso mútuo em instituições que são continuadamente reprojetadas?O livro aborda as questões sobre trabalho e caráter numa economia que mudou radicalmente.

CAPÍTULO 1 - DERIVA

Personagens:

Rico Enrico - Pai de Rico Flávia - Mãe de Rico Jeannette - Esposa de Rico

O primeiro capítulo mostra a trajetória de Enrico e Rico (pai e filho). Sennett conhecera o pai de Rico em 1970, tratava-se de um faxineiro descendente de italianos que via no trabalho uma fonte de crescimento e seguridade social.

Era uma época marcada pela força do sindicato, resultado do controle das oscilações comerciais geradas por investimentos empresariais irracionais que culminaram na Grande Depressão, pelas raras variações do emprego, pelas garantias do Estado assistencialista e pela existência de empresas de grande escala. Tais aspectos criavam um cenário de relativa estabilidade.

Assim, Enrico sabia exatamente o quanto receberia de aposentadoria e quando ela aconteceria, porém dependia de uma grande estrutura burocrática (“jaula de ferro” - Weber) que consistia basicamente nas regras sindicais e nas leis governamentais. Além disso, era um personagem típico do “american way of life” e suas conquistas eram cumulativas, ou seja, Enrico era capaz de guardar suas economias do trabalho para realizar os seus sonhos.

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”Enrico conquistou uma nítida historia para si mesmo em que a experiencia se acumulava material e fisicamente; sua vida, assim, fazia

sentido para ele, numa narrativa linear” (SENNET, 2008, p. 14).

Tratava-se então de um mundo linear e a longo prazo que se desenvolvia num tempo previsível com uma narrativa relaxada e sem pressões profundas.

Enrico sempre sonhou com uma vida mais privilegiada para seu filho Rico (idéia de mobilidade ascendente), este que concluiu uma formação universitária (engenharia elétrica) e, dada as dissoluções, fusões e incorporações das organizações no mundo do trabalho na pós modernidade, acabou como um sujeito a deriva nas correntezas do capital.

Rico era fruto de um mundo marcado por esperas tensas, riscos, dúvidas e inseguranças, era a personificação da profunda mudança cultural ocorrida ao longo do último quarto de século. Ao contrário do seu pai, revelava tanto sucesso material quanto instabilidade profissional e confusão de valores, principalmente no âmbito do trabalho e familiar.

O jovem foi obrigado a mudar de emprego por várias vezes devido as incertezas da nova economia, o que gerou uma dificuldade para ele em dar sentido a sua vida profissional e a construir uma narrativa coerente do seu passado e do seu presente. Atributos esses que seu pai tinha, de forma que ele construiu e planejou a sua vida pessoal e familiar ao redor de uma concepção linear e estável do tempo.

Já para se tornar um consultor, Rico teve que realizar tarefas subalternas e se sujeitar aos horários e caprichos de pessoas desobrigadas a lhe corresponder. À medida que experiências como essas se acumulavam, surgia nele o receio da perda do controle da própria vida. No fundo, a vida “flexível” se tornou uma vida a deriva.

Sennett afirma isso enumerando as principais conseqüências da nova forma de organizar o tempo de trabalho no novo capitalismo. Com o foco voltado para o curto prazo, o próprio sentido do trabalho foi alterado, uma vez que os laços sociais se afrouxaram (relações como a confiança informal demandam tempo para surgir) e emergiu uma cooperatividade superficial, tornando difícil falar em compromissos mútuos.

Granovetter: As redes institucionais modernas se caracterizam pela “força dos laços fracos”. As formas passageiras de associação se tornam mais úteis as pessoas que as ligações de longo prazo. Dessa forma, os empregos passaram a ser substituídos por projetos / campos de trabalho e as empresas começaram a distribuir tarefas que eram permanentes antigamente a pequenas firmas / empregados com contratos de curto prazo.

Os problemas continuavam quando Rico precisava equalizar a vida profissional e a vida familiar, uma vez que as questões profissionais refletiam em casa. Emergia então o problema do exemplo. A sua vida profissional não podia servir de exemplo de como se portar eticamente para os seus filhos.

“As qualidades do bom trabalho não são as mesmas do bom caráter” (SENNETT, 2009, p. 21).

Isso, por que o princípio de curto prazo corrói valores importantes como a lealdade e o compromisso. O comportamento profissional flexível de Rico pouco lhe serviria em seu papel

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de pai e ele mesmo se sentia responsável por isso, embora estivesse diante de uma falta de controle sobre o processo. A verdade é que na vida a deriva a incerteza permeia o cotidiano.

A conclusão não pode ser outra, o capitalismo de curto prazo corrói o caráter humano, sobretudo aquelas qualidades que ligam os seres humanos uns aos outros.

CAPÍTULO 2 - ROTINA

Para entender como a incerteza foi incorporada a vida profissional, Sennett faz uma reflexão crítica sobre a rotina. O autor expõe que na época do capitalismo industrial, não era tão evidente assim que a rotina fosse um mal.

“Em meados do século dezoito, parecia que o trabalho repetitivo podia levar a duas diferentes direções, uma positiva e frutífera, outra

destrutiva” (SENNETT, 2009, p. 35).

Ele apresenta então autores que defendiam o lado positivo (Diderot) e que defendiam o lado negativo (Adam Smith). Os argumentos mais favoráveis faziam um elogio a repetição, interpretavam a rotina laboral como uma forma de aprendizado e aperfeiçoamento, relacionando com a própria atividade artística que requer o mesmo processo para o seu aprimoramento. Para esses autores, um violinista, por exemplo, ao ter que treinar repetidamente certo acorde refletia a mesma dignidade de um trabalhador em uma linha de produção.

Já os argumentos menos favoráveis apresentam a redução do aspecto humano na rotina do trabalho industrial, em que o trabalhador é submetido a atividades que lhe demandam uma parcela insignificante da sua capacidade. Nesse caso, a rotina é autodestrutiva, oprime a simpatia ao ponto de tirar a espontaneidade do indivíduo ao perder o controle sobre seus próprios esforços.

É importante destacar que Sennett, ao recuperar argumentos de Diderot, não faz um elogio ingênuo a rotina. Muito pelo contrario, ele discute o fordismo e o taylorismo a luz dos dois tipos de argumentação, incluindo os críticos mais severos ao trabalho rotinizado.

Ford: Ao industrializar seu processo de produção, favoreceu o emprego dos trabalhadores especialistas, aqueles que realizavam operações que não demandavam uma alta qualificação, em relação aos artesãos qualificados.

Taylor: Acreditava que a maquinaria e o projeto industrial poderiam ser altamente complicados numa grande empresa, mas não havia necessidade de os trabalhadores entenderem essa complexidade; na verdade, quanto menos fossem distraídos pela compreensão do projeto do todo, mais eficientemente se ateriam aos seus próprios serviços.

Experiências mostraram que toda a atenção dada aos trabalhadores como seres humanos sensíveis melhorava sua produtividade. Com isso, alguns trabalhos de psicologia industrial

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foram implantados, porém os psicólogos estavam cientes: eles podiam temperar as dores do tédio, mas não abolir o tédio naquela jaula de ferro do tempo.

Na geração de Enrico, as dores da rotina culminaram. As empresas eram gigantes e montadas sob 3 pilares: A lógica da dimensão, do tempo métrico e da hierarquia.

a) Lógica da dimensão: Simples, maior e mais eficiente. Concentrava toda a produção em um lugar, desde os fornecedores, passando pelo processo produtivo e vendas.

b) Lógica da hierarquia: Mais complexa, ligada as superestruturas que organizam e dirigem a produção, tudo é centralizado nos departamentos de planejamento, cronograma e projeto. Ou seja, os técnicos e administradores eram afastados do chão de fábrica.

c) Lógica do tempo métrico: Voltada para o controle, para que todos saibam o que o trabalhador deveria estar fazendo naquela determinada hora. Inclusive o pagamento é feito por horas.

Apesar disso, Enrico criou uma narrativa positiva para sua vida dentro desse sistema. Sennett concluiu então que:

“ A rotina pode degradar, mas também proteger; pode decompor o trabalho, mas também compor uma vida” (SENNETT, 2009, p. 49).

Ou seja, a rotina não é em si um problema. E o autor trabalha as narrativas de Eurico, o pai faxineiro, para demonstrar isso. Por esse motivo, Sennett queria que Rico compreendesse a época em que vive, pois seu pai, mesmo sendo um iletrado foi capaz de interpretar em qual das esferas estava inserido e com isso conseguiu extrair positividade até da Rotina.

Esta discussão é feita para questionar se a flexibilidade, com toda a incerteza que acarreta, seria uma solução de fato para o verdadeiro problema.

CAPITULO 3 - FLEXÍVEL

Espera-se que a flexibilidade possa ser um escape da pressão do tempo, porém a realidade descrita por Sennett parece desapontar esta expectativa.

Como o autor aponta, flexibilidade é a capacidade de ceder e recuperar-se, de ser adaptável a circunstâncias variáveis sem se quebrar, o homem deve ter igualmente essa força tênsil, ou seja, ser adaptável as circunstâncias variáveis, mas não quebrado por elas. Combate-se a rotina com o trabalho flexível, mas a flexibilidade se concentra na força que “dobra as pessoas”. Atrelada a aversão pela rotina, ela não produziu maior liberdade, mas acabou gerando novas estruturas de poder e controle, compostas por três elementos.

a) Reinvenção descontínua de instituições: Trata da ruptura da forma com que tudo acontece nas organizações, na busca de uma reinvenção decisiva e irrevogável, descontinuando o presente do passado. Mais ou menos um divisor de águas. Para tanto, o autor coloca a adoção da tecnologia como meio de ampliar o controle sobre

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um maior número de subordinados, por um menor número de administradores (desagregação vertical).

A reengenharia (fazer mais com menos) implica redução de empregos e estabelece uma relação direta com a desigualdade. Entretanto, na maioria das vezes o processo de reengenharia fracassa, porque quando muitos trabalhadores são demitidos, há uma queda de produtividade entre aqueles que ficam. Estes, não ficam animados por serem os “eleitos” para continuar, mas ficam amedrontados pela possibilidade de também serem demitidos. As empresas tornam-se disfuncionais, os planos comerciais são descartados, os benefícios esperados duram pouco, enfim, a organização perde o rumo.

Então por que o ímpeto pela mudança? Por que quando ela é anunciada, as ações sobem. Desta forma, as organizações são pressionadas a provar a sua capacidade de mudar, independente se o resultado é bom ou ruim. De qualquer forma, para os que detêm as ações, o saldo será positivo. É como se qualquer mudança fosse melhor do que permanecer como antes.

b) Especialização flexível de produção – O objetivo é colocar, cada vez mais rápido, uma variedade maior de produtos no mercado. Piore e Sobel (p. 59) chamam este sistema de “estratégia de inovação permanente: adaptação a mudança incessante, em vez de esforço para controlá-la”. É a antítese do sistema de produção incorporado no fordismo.

Outros autores enfatizam a importância da inovação em resposta a demanda do mercado, mudando-se as tarefas semanais, e as vezes até diárias, que os proprietários têm que cumprir. Naturalmente, a tecnologia assume importante papel nesse tipo de produção, bem como a rapidez das comunicações modernas que fornecem sempre informações atualizadas de mercado.

As tomadas de decisão devem ser mais rápidas, e num grupo de trabalho pequeno (a distância burocrática não serve nesse modelo), mas o principal ingrediente é a disposição de deixar que as mutantes demandas externas determinem a estrutura interna das instituições. Por fim, a operação da produção flexível depende de como uma sociedade define o bem comum.

Um aspecto importante a ser considerado é o regime político do país em que a instituição se movimenta, pois, em muitos casos, é o Estado que freia a mudança. Isso pode ocorrer, por exemplo, para retardá-la até que se torne socialmente suportável, como demonstrou Polanyi (2000). De qualquer forma, segundo Sennett, um regime mais liberal terá que enfrentar a desigualdade de renda, e um mais intervencionista, o desemprego. O problema é decidir qual dos males tolerar. O fato é que, em todo caso, a demanda do mercado exerce o poder sobre as instituições.

c) Concentração de poder sem centralização – Essa terceira característica do regime flexível aborda, primeiramente, a descentralização do poder (pessoas das categorias inferiores com mais controle sobre suas atividades). No entanto, elas passam a ter pouco espaço onde se esconder e a responsabilidade passa a ser dividida. Em caso de

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problema, eles serão mais diretamente responsabilizados do que em uma hierarquia, como no regime burocrático.

“A contestação da velha ordem burocrática não significou menos estrutura institucional”. SENNETT (2009, p. 65),

A dominação continua forte, mas agora é informe, demonstrando o quanto a desburocratização é enganadora. Discutindo as origens do chamado “flexitempo”, o autor demonstra que ele é distribuído de maneira racionada e desigual. No exemplo mais expoente que é o trabalho em casa, o trabalhador controla o local do trabalho, mas não o processo. O que algumas pesquisas demonstram é que este tipo de trabalhador pode até mesmo ser mais controlado do que aqueles que ficam no local da empresa. Uma ilusão para aqueles que esperavam maior liberdade.

A grande empresa tem seu poder nas empresas dependentes – relações desiguais instáveis – concentração sem centralização, cujo controle é instituído aplicando-se metas de produção, em geral de difícil cumprimento, como uma forma de pressionar as unidades a produzir muito mais do que sua capacidade imediata. Por fim, é uma maneira de transmitir a operação de comando numa estrutura que não tem mais a clareza de uma pirâmide.