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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
NEUSA MARIA DE SOUZA MESQUITA FELIX
SER PROFESSORA... NÃO!
Memórias e reflexões de uma vida dedicada à
Educação
CAMPINAS
2005
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
NEUSA MARIA DE SOUZA MESQUITA FELIX
SER PROFESSORA... NÃO!
Memórias e reflexões de uma vida dedicada à
Educação
Memorial de Formação, apresentado como
exigência parcial para o Programa Especial
de Formação de Professores em Exercício –
PROESF Faculdade de Educação
UNICAMP
CAMPINAS
2005
As palavras me antecedem e ultrapassam, elas me tentam e me modificam e se não tomo cuidado será tarde demais: as coisa serão ditas sem eu as ter dito. Ou pelo menos não era apenas isso. Meu enleio vem de que um tapete é feito de tantos fios que não posso me resignar a seguir um fio só; meu enredamento vem de que uma história é feita de muitas histórias. E nem todas posso contar.
Clarisse Lispector
Dedicatória
Dedico minhas memórias àquela que mesmo estando longe está tão próxima e presente nessa narrativa. Àquela que foi minha aluna quando pequena e que foi minha interlocutora quando se tornou professora, consciente de sua responsabilidade política: minha filha Clarissa.
Dedico também aquele que sofreu todos os tateios educacionais e o estigma de ter de conviver com meus aprendizados em ser professora. Àquele que tão bem responde e luta por um mundo mais digno, com mais justiça e menos desigualdade social: meu filho Lucinio.
Dedico àqueles com os quais muito aprendi: meus mestres, amigos, companheiros de vida e de trabalho e principalmente, meus alunos.
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SUMÁRIO
1. Apresentação..........................................................................................06
2. Ser professora...não!............................................................................. 07
3. O curso Normal......................................................................................11
4. O primeiro emprego a gente nunca esquece..........................................14
5. Enfim, saí da Penha... ...........................................................................18
6. O encontro com os excluídos..................................................................22
7. O encontro com os universitários............................................................25
8. O encontro com Freinet...........................................................................30
9. Do particular para o público....................................................................37
10.Uma passagem pela educação não formal.............................................47
11. O encontro com professores..................................................................53
12. O (re)encontro com a Infância................................................................57
13. Enfim, o PROESF...................................................................................63
14.Conclusão................................................................................................72
15.Referências Bibliográficas.......................................................................73
6
APRESENTAÇÃO
Este é um relato da contradição entre o não querer ser professora e a paixão
pela educação.
É minha autobiografia, minha vida e a identidade que foi se forjando com os
estudos, o trabalho, na relação com as crianças, na troca de experiências com os
colegas.
É uma conversa, um diálogo com os teóricos que me permitiram buscar
saídas, que me fizeram, escolher caminhos para que o processo do conhecimento
acontecesse.
É meu curriculum vitae determinado ora pelo currículo bancário e conteudista dos primeiros anos de formação até a tomada de consciência e percepção das
conexões entre os significantes, a identidade e o poder.
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SER PROFESSORA...NÃO!
Não é a sociedade quem deve dizer quais tipos de vida são sadios ou insanos. É a própria vida que tem de dizer se a sociedade é ou não sadia. E se a vida descobre que sociedade conspira contra ela, não há outra saída além da resistência e da rebeldia.
Rubem Alves
Tudo que lembro, aos 14 anos de idade e terminando o ginásio, é que eu não
queria ser professora.
Era a época dos cursos profissionalizantes e o curso de Química Industrial
abria uma nova oportunidade para as mulheres conquistarem um mercado de
trabalho predominantemente masculino. Era uma opção interessante para fugir dos
padrões femininos de ser professora ou secretária. Eu mesma não sabia o que
significava vir a ser uma química e meu interesse pela matéria não havia passado
além de algumas brincadeiras como fabricar “sangue do diabo” ou outra substância
sugerida por um brinquedo ganho alguns anos antes.
Ah! Mas havia algo mais interessante para se fazer na vida: ser filósofa. Eu
havia lido sobre os mitos gregos na obra de Monteiro Lobato, quando criança. O
contato com os filósofos, Sócrates, Platão e Aristóteles havia acontecido durante as
aulas de Latim, que tivera até a 3ª série do então curso ginasial. Não havia
aprendido a tal língua mas havia me apaixonado pelos personagens que se
expressavam através dela. Meus professores de Latim foram, com certeza, bons
contadores de história e os textos que líamos trazia aspectos da cultura grega seus
mitos e fábulas.
Meu pai, me questionava:
Para quê? De que lhe servirá um curso de Filosofia? O que faz um filósofo?
E eu lhe respondia com toda a certeza que se tem na adolescência:
8
Para pensar como fez Sócrates, Platão...para ter idéias...para mudar o
mundo...
Minha fala não era convincente e ele dava de ombros e não prolongava o
diálogo.
Para cursar a Faculdade de Filosofia era necessário passar pelo Clássico, o
curso correspondente ao Ensino Médio de hoje, voltado para a área de Humanas e
Letras. Havia também o Curso Científico voltado para a área de Exatas e Ciências
Físicas e Biológicas, Medicina.
Eu freqüentava um colégio confessional, sob o comando de uma congregação
de freiras belgas, desde o Jardim da Infância. Ali, em nível de 2º Grau não existia
esta opção e esta, sem dúvida, era a melhor parte. O que eu desejava mesmo era
sair do bairro em que vivia, a Penha de França, um lugar tão longínquo do centro da
cidade de São Paulo, que possuía uma vida própria, um ar bucólico de cidade do
interior.
A Penha, nos tempos de D. Pedro I, era uma freguesia e funcionava como
pouso para os viajantes que se dirigiam ao Rio de Janeiro. A capela construída no
alto da colina era dedicada à Nossa Senhora da Penha, que mais tarde virou uma
igreja e a virgem foi consagrada a padroeira da cidade. Seu dia é comemorado a 8
de setembro e, até a década de 60, este dia era considerado um feriado municipal.
Os fiéis de todos os cantos da cidade acorriam a estas festividades para
participarem da grande procissão e da grande queima de fogos após a missa
campal. O comércio também lucrava com esta festa e as dezenas de lojinhas que
vendiam artigos religiosos viviam seus dias de glória. Hoje em dia as comemorações
são mais modestas e as lojinhas não mais existem.
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Meu desejo era conhecer outras pessoas, outras idéias. Morando no extremo
da Zona Leste eu percebia, através da leitura de jornais e revistas, que tudo de
interessante acontecia além da Praça da Sé em direção à Zona Oeste ou Sul: lá
estavam os cinemas, os teatros, a vida noturna...
Eu queria ir para o Colégio Mackenzie. Ele se parecia com as escolas
americanas que víamos nos filmes com aqueles rapazes e moças cantando baladas
românticas e surfando na praia durante as férias. Era um colégio misto e eu já
estava cansada de toda aquela feminilidade presente no Externato São Vicente de
Paulo: as classes só de meninas e a maioria dos professores sendo freiras da
congregação. Naquela época eu não tinha idéia da ideologia política que estava por
trás do Mackenzie, nem tampouco que estaria trocando um ensino confessional
católico por um protestante. Mas, naquele momento vestir um blusão com um
grande ”M” bordado no peito era o MÁXIMO.
É claro que meus pais castraram meu desejo e me convenceram a fazer o
Curso Normal (atual Magistério) e eu permaneci na mesma escola.
As mulheres da família, em sua maioria professoras, formadas nas melhores
escolas estaduais de São Paulo: Caetano de Campos e Padre Anchieta, me
convenciam das maravilhas da profissão. O mais interessante é que só uma exercia
o ofício; três haviam se casado e abandonado a carreira (uma delas era minha mãe)
e as gêmeas preparavamse para entrar na universidade.
E assim, lá fui eu no ano de 1964, vestida de azul e branco... sem laço de fita
e sem o sorriso encantador... ser uma linda normalista!
O impedimento em fazer outro curso passava pela questão de gênero. Ser
professora é uma profissão basicamente feminina e esta idéia perpetua até os dias
de hoje. O professor do gênero masculino é uma profissão destinada aos que
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ministram aulas da 5ª série do Ensino Fundamental em diante, tornandose mais
reconhecida, em nível universitário. O texto de Magnani(1997) fala da minha
indignação:
Mulher e professora. Desgraça pouca é bobagem.
Como se ferraram as mulheres que quiseram dizer não e pagaram o preço. A falta do
segundo sexo e a saudade do pênis: só pode ser explicação de homem.Para eles tudo foi
sempre mais fácil! Nunca precisaram de dupla jornada de trabalho: fora e dentro de casa.
Nunca sofreram para parir: só usam o depósito de sêmen.
Mas certamente se ferraram as mais sensíveis: Penélope, que tecia;Isadora, que
dançava; Sara que representava; Simone, que escrevia; Frida que pintava; Olga que lutava. E
as anônimas, a pobre ceifeira de Pessoa, a Terezinha e as mulheres de Atenas? E as
professoras que não podem sair sozinhas ou curtir uma leitura porque devem carinho e
atenção ao marido e aos filhos. Tão carentes, coitados! E depois, Deus fez primeiro o
homem... a mulher apenas para preencher sua solidão...
E lá fui eu para o curso “espera marido” submissa à minha condição de
mulher, contrariada em meu desejo. Fui fazer o curso mais feminino que já
inventaram. Será que alguém já escreveu romances ou poesias dedicadas a um
normalista? Não, normalista é palavra feminina por excelência e que me corrijam os
professores de Português, que consideram a palavra comum aos dois gêneros.
11
O CURSO NORMAL
Enfim, professora é vista sempre como aquela que trabalha apenas na escola primária, sem nenhuma nobreza, sem nenhuma credibilidade, sem nenhum vôo teórico ou vivencial, sem nenhuma organização significativa de seu pensamento e de sua ação, e cuja titulação deve ser evitada de ser mencionada... É algo menor, desimportante, que não avaliza nenhuma informação, comentário ou cujo raciocínio possa ser levado a sério... Primária
Fanny Abramovich (1985)
Fevereiro de 1964... início das aulas... Um perigo real pairava no ar. O
governo do Presidente João Goulart já não se sustentava em sua idéia de defender
a nação do poder capitalista dos Estados Unidos. A oposição alertava para o perigo
do comunismo. Meus pais temiam por uma guerra civil até que a 31 de março desse
mesmo ano, as Forças Armadas tomaram o poder e davam início ao período de
ditadura mais longo e doloroso de nossa história.
O ano letivo começava e já que teria que continuar na mesma escola, com as
mesmas colegas, com as mesmas freiras, resolvi mudar de postura. Abandonei as
primeiras carteiras e fui sentarme ao fundo. De lá poderia ter uma visão de toda
sala ao mesmo tempo que poderia me distrair, olhando pela janela. Passei a ser
uma espécie de informante dos acontecimentos da rua, da chegada dos rapazes
que acompanhavam nossa saída da escola, ou de qualquer outro acontecimento de
importância irrelevante.
Aos poucos fui me interessando pelas matérias: filosofia e psicologia da
educação, pedagogia. A professora de didática e metodologia do ensino se
destacava entre o grupo de docentes, na maioria religiosas, como convinha a um
ensino confessional. Moça vinda do interior paulista, recém formada em pedagogia,
propunha leituras de autores que se distanciavam da educação tradicional. Assim,
12
fui apresentada a clássicos como Rousseau, Pestalozzi, Dewey, Decroly, entre
outros.
Foi Dewey que teve mais influência sobre meu aprendizado, talvez por ser
mais divulgado aqui no Brasil por educadores como Anísio Teixeira, e também por a
professora demonstrar uma clara preferência por ele. Tal autor ao contestar a
educação pela instrução e pela memorização, me dava subsídios para algumas
reflexões sobre coisas que tive que aprender durante o meu Curso Primário. Por
exemplo: de que me serviu decorar os afluentes, do lado esquerdo e direito, do Rio
Amazonas se na época, por volta dos 8 ou 9 anos de idade, nem o conceito de
afluente eu tinha? Desenhava o Rio Amazonas com seus afluentes “saindo” dele e
não entendia que o afluente é aquele que iria ao seu encontro. Atualmente só me
recordo de dois de seus afluentes: o Negro e o Solimões. Será porque também é
nome de dupla sertaneja? Também não sei se são da margem direita ou esquerda.
Porém, com algum esforço, sou capaz de me lembrar das cidades do Vale do
Paraíba, talvez por ter tido oportunidade de percorrer a Via Dutra e conhecer
algumas delas. Neste caso o conhecimento foi vivenciado e não só decorado.
Influenciado por Rousseau, Pestalozzi e Fröebel, Dewey defende a idéia que
a educação deve fazer parte do desenvolvimento natural do indivíduo, reconciliar o
dualismo tradicional entre razão e espírito, o psicológico e o social, o indivíduo e a
sociedade, os fins e os meios, a teoria e a prática, o trabalho e o lazer. A educação,
através de um processo natural e social, garante aos seres humanos a transmissão
de suas idéias, crenças e conhecimentos. Os conteúdos portanto, devem se articular
com a vida. Essas idéias iriam me acompanhar quando iniciei minha prática e
seriam acrescidas pela leitura de outros autores como Piaget, Freinet , Vygotsky e
pela própria reflexão do trabalho desenvolvido. O conhecimento não teria um fim em
13
si mesmo mas, deveria estar dirigido para a experiência. A educação deveria
propiciar à criança condições de resolução de seus problemas. Assim, a escola não
prepararia para a vida mas, seria a própria vida. Nas palavras de Dewey (1908):
A moral está jungida às realidades da vida, não a ideais, fins e obrigações independentes das
realidades concretas. Os fatos dos quais ela depende, que são seus alicerces, procedem das
ligações ativas e recíprocas entre indivíduos, são conseqüências de suas atividades
entrelaçadas com a vida dos desejos, crenças , dos julgamentos, das satisfações e dos
descontentamentos. Neste sentido a conduta e, consequentemente, a moral são sociais (...)
No último ano passamos a fazer estágio de regência de aula. Aos sábados,
isto mesmo, havia aulas aos sábados, enquanto as professoras do primário
participavam da reunião pedagógica, nós normalistas assumíamos as salas de aula.
Preparávamos tudo com muito carinho, atentas às questões pedagógicas. Lembro
me em especial de uma aula sobre acidentes geográficos. Levamos argila e as
crianças modelaram as montanhas, o rio, seus afluentes, um lago, ilha... A nossa
preocupação é que as crianças tivessem uma compreensão de conceitos
geográficos e que não reproduzíssemos as informações errôneas ou distorcidas de
nossos primeiros anos escolares como por exemplo: ilha é uma porção de terra
cercada de água por todos os lados...
Estávamos em outubro de 1966. Fomos para Piracicaba conhecer a
Faculdade de Agronomia e o Salto do Rio Piracicaba. Na semana seguinte comecei
a sentirme muito sonolenta, desanimada. Achava que era o acúmulo de trabalhos, a
organização da formatura. Qual, nada! Estava com hepatite. O tipo, não me lembro.
Só sei que a tal doença me colocou na cama até janeiro do ano seguinte e, o que foi
pior, atrasou as minhas provas finais e me privou das comemorações de formatura
com minhas companheiras.
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O PRIMEIRO EMPREGO A GENTE NUNCA ESQUECE
As coisas têm muitos jeitos de ser.
Depende do jeito da gente ver
(...)
O amanhã de ontem é hoje. O hoje é o ontem de amanhã. O pouco pode ser muito. O quente pode ser frio. (...) Ver de um jeito agora e de outro jeito depois. Ou melhor ainda ver na mesma hora os dois.
Jandira Masur
Fui dar aula numa escolinha de fundo de quintal. Uma casa residencial com
os quartos transformados em salas de aula destinadas ao Ensino Infantil. As
carteiras colocadas de modo tradicional, uma atrás da outra e sem espaços entre
elas, obrigavam os alunos a passarem uns por cima dos outros. O que era mais
triste de se ver é que as crianças, mais ou menos umas quinze, tinham idade entre 5
e 6 anos e passariam a maior parte de seu tempo confinadas a esta sala com direito
a saírem um pouco na hora do lanche.
Tudo o que havia aprendido ficava quase impossível de se colocar em prática.
Tinha que recorrer de toda minha criatividade. E haja criatividade! Recordome que
cantávamos muito. Inventava instrumentos musicais com os materiais disponíveis:
estojos de madeira, viravam chocalhos; as mãos batendo sobre as mesas ou o
próprio corpo dava vários tipos de tambores; também aproveitávamos sons
onomatopéicos para complementar nossa bandinha. Parece incoerente o que vou
contar mas cantava para manter as crianças quietas, disciplinadas. Cantava também
para denunciar aquele confinamento a que eu e as crianças estávamos sujeitos.
Cantava como o poeta para trazer alegria e espantar a tristeza:
15
CANTÁ
Gildes Bezerra
Cantá seja lá cumu fô Si a dô fô mais grandi qui o peito Cantá bem mais forte qui a dô
Cantá pru mor da aligria Tomém pru mor da tristeza Cantano é qui a natureza Insina os ome a cantá
Cantá sintino sodade Qui deixa as marca di verga Di argúem qui os óio num vê I o coração inda enxerga.
Cantá coieno as coieta Ou qui nem bigorna no maio Qui canto bão di iscuitá É o som da minhã di trabaio.
Cantá cumu quem dinuncia A pió injustiça da vida: A fomi i as panela vazia Nus lá qui num tem mais cumida.
Cantá nossa vida i a roça Nas quar germina a semente, As qui dão fruto na terra I as qui dão fruto na gente.
Cantá as caboca cum jeito, Cum viola i catiguria. Si elas cantá nu seu peito Num tem cantá qui alivia.
Cantá pru mor dispertá U amor qui bati i consola Pontiano dentro da gente Um coração di viola.
Cantá cum muitos amigos Quia vida canta mió. É im bando qui os passarim Cantano disperta o sol.
Cantá, cantá sempri mais: Di tardi, di noiti i di dia. Cantá, cantá qui a paiz Carece de mais cantoria.
Cantá seja lá cumu fô Si a dô fô mais grandi qui o peito Cantá bem mais forte qui a dô.
Retirado do CD Espiral do Tempo/ Grupo ANIMA (97)
16
Acho que eu também cantava pra espantar a dor. De que me adiantava todo
o saber acumulado durante os anos do Curso Normal se não podia aplicar? Que
respeito havia pela infância confinada entre quatro paredes sem possibilidade de
expansão? Para onde iria o tempo das descobertas, de espantos, de
questionamentos? Para onde iria a possibilidade de correr com o vento, escabujar
na lama, tomar banho de chuva? A escola reproduzia a estrutura da sociedade
vigente, capitalistapatriarcal, onde a relação estava caracterizada pela hierarquia e
pela dominação, pela centralização do poder nas mãos do adulto. Este modelo
adultocêntrico que estabelece as relações pelo poder e transforma as diferenças em
desigualdade. Era preciso denunciar aquela situação, era necessário fazer barulho.
E nós fazíamos.
Após algum tempo, com os negócios melhorando, os proprietários da escola
alugaram um imóvel ao lado. Na realidade era uma grande terreno que servira de
estacionamento de carros e que agora ganharia as honras de páteo ampliado com
os brinquedos de parque. Fui agraciada com um sala bem ao fundo do terreno. Acho
que de lá os adultos não seriam importunados pelas nossas cantorias. Também
providenciaram um mobiliário mais adequado: mesinhas baixas com quatro cadeiras
cada uma, prateleiras na altura das crianças, que permitiam uma maior autonomia
para as atividades diversificadas e para a organização do trabalho em cantinhos.
Por uma ano e meio eu permaneci nessa escola. Eu havia tentado ser uma
boa professora, e de alguma forma me regozijava com minhas conquistas. Porém,
os patrões até então, não haviam providenciado meu registro trabalhista, alegando
que eu estava em “período de experiência”. Esta era uma fala muito comum quando
se conseguia o primeiro emprego e a Previdência Social parecia não ter
instrumentos para fiscalizar ou punir os infratores. O pior era quando se desejava
17
obter o segundo emprego: aí era exigido experiência comprovada pela carteira de
trabalho. E ao trabalhador cabia um papel abobalhado frente ao cinismo do sistema.
Assim, diante das condições precárias do trabalho, a baixa remuneração, o
desejo de prestar os exames para Psicologia , principalmente, o velho desejo
acobertado de sair do bairro, levaramme ao cursinho prévestibular e a pedir
demissão desta escola.
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ENFIM, SAÍ DA PENHA...
Pensar que se está escapando e se está correndo para dentro de si mesmo. O caminho mais longo é o caminho mais curto para casa. (...) pois quando se sai nunca se sabe quais os riscos.
James Joyce
1968... O mundo explodia em crises e os estudantes passavam a ser os
atores principais dos movimentos reivindicatórios por uma sociedade mais justa,
mais igualitária, mais humana. As palavras de Mª Cecília dos Santos registram o
momento histórico:
Quando os estudantes começaram a afluir para o Congresso da UNE, o terrorismo da
direita já lhes ensinara que o último trimestre de 1968 era diferente do primeiro. Na pequena
rua Maria Antonia, no bairro paulista de Higienópolis, conviviam a Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras da USP e a Universidade Mackenzie. Uma, conhecida popularmente pelo
nome da rua, era faculdade de produção brilhante, jóia da esquerda, fornecedora de quadros
para o radicalismo da esquerda paulistana. Na outra, militava o CCC 1 . Durante todo o ano os
dois lados da calçada hostilizaramse, até que no dia 2 de outubro alunos da escola de
filosofia fecharam a Maria Antonia, cobrando pedágio em benefício da organização do
Congresso da UNE. Um estudante do Mackenzie jogou um ovo no grupo que bloqueava a
rua, e deuse uma breve pancadaria, esfriada com o aparecimento da polícia. À noite o
laboratório do Mackenzie foi aberto para a fabricação de bombas.
Na manhã seguinte o CCC desceu os tanques. Sua tropa atacou com tiros e
centenas de coquetéis molotov. Mataram um secundarista de vinte anos, José Guimarães,
invadiram a Maria Antonia e incendiaramna. (...) Esta fora refúgio de professores europeus
fugitivos do nazismo, era o berço da moderna sociologia brasileira. Nas suas ruínas,
estudantes cantaram “Saudosa maloca”. 2
Os conflitos entre os estudantes da USP e do Mackenzie trouxeramme à luz
uma série de reflexões. Afinal, a que grupo social pertencia, sob que filosofia havia
1 Comando de Caça aos Comunistas
19
sido criada, que elementos sociais partilhavam do meu modo de agir e pensar?
Estava vivendo um momento crítico e iniciava uma elaboração avaliativa de meu
processo educativo por treze anos em colégio de freiras; das crenças e valores
transmitidos por meus pais, como legítima descendente de tradicional família
penhense. Ainda das relações sociais e das concepções de mundo. Comparava
tudo isso com a atual situação política do país, as questões filosóficas divulgadas
por Sartre, as questões do feminino refletidas por sua companheira Simone de
Beauvoir e a realidade estampada nas primeiras páginas dos jornais. Chegava à
maioridade começando o processo do “conhecete a ti mesmo”, estava em crise de
identidade e as palavras de Osakabe falam da minha inquietude:
(...) o indivíduo vive sempre em crise entre uma identidade conferida e estável e as
alterações que a experiência acidental e imprevisível lhe proporciona.
(...) se ela (a linguagem) imita a vida, ela tem de se expor às rupturas. Menos do que uma
decorrência “natural”. A reivindicação da ruptura funda um princípio de sobrevivência: a vida
formulada em sobressaltos. Esse é o “espaço” em que se constitui o sujeito do discurso,
incompletude por definição.
A mim me parece que esse sujeito se configura numa espécie de utopia inquietante por conta
da profunda consciência de sua falta que vem esclarecer os mecanismos de engodo em que
se assenta nosso próprio apaziguamento. A utopia incorpora o desejo e com isso mesmo, por
clarificar seu impossível, tem o poder de mobilizar.(p.37)
Frente aos conflitos da rua Maria Antonia eu olhavame com horror. Era a
este grupo que eu um dia quis aderir? Era esta camisa que eu queria vestir? O M de
MÁXIMO virou o M dos manipuladores do sistema, o M dos monstros do poder
capitalista, um M de mer...
Durante o tempo de cursinho a insegurança e o medo andaram lado a lado.
Ser estudante era quase ser marginal ou vândalo. Os professores de Filosofia e
2 Mª Cecília Loschiavo dos Santos (org.) Maria Antonia: uma rua na contramão. In : Gaspari (2002:324)
20
Matemática nos falavam de uma desobediência, de uma oposição ao governo.
Também nos alertavam para que ficássemos alerta nas ruas, pois a qualquer
momento poderíamos ser considerados “suspeitos” e aí teríamos que arcar com as
conseqüências.
Tenho a sensação que “esquizofrenei”. Na Penha, a vida parecia continuar da
mesma forma. Não havia crise cultural ou educacional, continuava a ir à missa das
11:00h (o melhor ponto de encontro do bairro), a freqüentar os mesmos amigos e os
mesmos bailinhos nos finais de semana. No cursinho e para além da avenida São
João a vida era diferente. Lá estavam os intelectuais , os filmes de Godard, Resnais,
Ingmar Bergman, que eu e provavelmente meus colegas não conseguíamos
entender, mas passávamos horas discutindo, bebendo cerveja e fumando Hollywood
sem filtro (era mais barato) e construindo as tão temidas idéias comunistas.
Prestei, por dois anos, os exames vestibulares na PUC (Pontifícia
Universidade Católica) de São Paulo. Não entrei, mas fazia parte da lista dos
“excedentes”: aqueles que obtiveram nota, mas não a vaga. Nunca consegui
entender este conceito. E afinal a culpa era minha, e não do sistema. Era eu quem
não havia se esforçado o bastante para tirar notas melhores. Infelizmente essas
idéias neoliberais permanecem até hoje.
Participei de um acampamento nos jardins da Católica, com objetivos
reivindicatórios. Meu pai, um udenista convicto, apoioume neste movimento: levava
me cedinho para a rua Monte Alegre e lá eu passava o dia todo até o anoitecer,
quando voltava para casa, desanimada e cansada. Ele sabiamente dizia que nada
daquilo ia adiantar. A PUC jamais abriria outra sala para nos atender, mas apoiava
nosso protesto pacífico e procurava conversar com os líderes do movimento. Minha
mãe, sempre mais insegura, temia pelas represálias mas ajudavanos com seus
21
lanchinhos para alimentar os corpos cansados. Não me lembro por quanto tempo
ficamos por lá... quinze dias, um mês. Enfim, desistimos do tal embate e pouco a
pouco cada um voltou para sua casa.
Foi no acampamento que soubemos da abertura de uma Faculdade de
Psicologia, em Mogi das Cruzes. Novo vestibular e finalmente adentrei ao mundo
universitário.
Por cinco anos freqüentei os trens de subúrbio da velha Central do Brasil em
direção ao interior. Meus professores eram os mesmos da USP (Universidade de
São Paulo) e da PUC. Poucos eram mestres ou doutores nessa área e a profissão
havia sido regulamentada recentemente, em 1962.
Os estágios na área clínica colocaramme novamente em contato com as
crianças. Eu me sentia mais segura com elas. Fiz monitoria na área de
psicodiagnóstico e psicomotricidade e concluí o curso mais envolvida com as
questões de saúde mental e as políticas públicas destinadas aos pacientes
psiquiátricos. A Educação parecia ter se distanciado para sempre da minha vida.
Havia optado por não fazer a Licenciatura em Psicologia, pois tal curso só me daria
o direito de ministrar aulas no Curso Normal e ainda por cima disputar as vagas com
os pedagogos, que tinham este mesmo direito. Definitivamente, não!
22
O ENCONTRO COM OS EXCLUÍDOS
A gente vê velho (e jovem também) aí pra esses fundos que não sabe separar um a de um b. Gente que pega dum lápis e desenha o nome dele lá naquela dificuldade, naquele sofrimento. É isso e não muito mais que resta do esforço de tantos trabalhadores do ensino elementar. Continuará a ser essa escola do povo? É ou não possível instruir os filhos das classes subalternas deste país, neste país?
Arroyo (1991:09)
Por volta de 72 ou 73 participei do movimento MOBRAL (Movimento Brasileiro
de Alfabetização). Dei aula por alguns meses numa sala de um bairro da periferia de
São Paulo, lá para os lados da Vila Nhocuné. A classe funcionava numa sala cedida
pelo padre da paróquia do bairro. Novamente me defrontava com condições
precárias de trabalho: uma mesa grande, bancos, algumas cadeiras. Os alunos,
senhoras em sua maioria, acomodavamse como podiam. O grupo sempre tinha
muitas histórias para contar sobre os impeditivos que lhes fizeram abandonar, ou até
mesmo, nunca terem freqüentado escola. Muitos, de origem rural, não freqüentaram
a escola em sua infância, por conta do trabalho na lavoura. Denunciavam em seus
depoimentos a exploração da mão de obra infantil tão combatida nos dia de hoje.
Falavam também do preconceito contra a mulher: “mulher não precisa de estudo
para cuidar da casa e dos filhos” era figura considerada de menos valia dentro de
uma sociedade machista e patriarcal. Eram analfabetos, a maioria nem o nome
sabia escrever. Utilizávamos uma cartilha como livro de apoio, que foi uma
deturpação da pedagogia freiriana. Partíamos do “tijolo” para construir conhecimento
da leitura/escrita. Porém, tentávamos construir o conhecimento sem colocarmos o
“alicerce” que embasava a proposta. O que Freire sugeria é que uma equipe de
profissionais e elementos da comunidade que se ia alfabetizar preparassem o
material específico para cada comunidade a fim de perceber a realidade em que
23
estavam inseridos. Porém o que ocorreu de fato é que as codificações foram
elaboradas para todo o Brasil, tanto quanto as palavras geradoras.
Fundamentalmente, o MOBRAL ensinou a ler, escrever e contar e não buscou as
visões da realidade do povo.
O método freiriano foi refuncionalizado como prática, não de liberdade, mas
de integração ao “‘Modelo Brasileiro” ao nível das três instâncias: infraestrutura,
sociedade política e sociedade civil. (Freitag, 1986:93)
Após alguns meses prestei novo concurso e passei a ser Assistente
Pedagógico. Coordenava um grupo de monitores (só agora me dou conta que não
eram chamados de professores): visitava as salas e nos reuníamos aos sábados
para traçar estratégias pedagógicas de atuação. Através de dinâmicas de grupo os
monitores expunham suas dúvidas e trocavam suas experiências.
Se por um lado Paulo Freire propunha a “educação como prática de
liberdade” (1975) o projeto pedagógico do MOBRAL propunha intrinsicamente o
condicionamento do indivíduo ao status quo. O referencial ideológico foi subvertido
em sua prática. Baseandome nas idéias de Althusser (1983) considero que o
MOBRAL foi um “Aparelho Ideológico do Estado”.
O programa foi extinto em meados dos anos 80 com a recessão econômica
vigente. A experiência de qualquer forma foi bastante válida. Durante os dois anos
em que trabalhei no MOBRAL pude entender que a educação deveria ser algo para
além da decifração do código da escrita ou de continhas de soma e subtração. Havia
a necessidade de instrumentalizar os alunos para uma reflexão crítica de seu papel
na sociedade. Porém a forma como abordávamos nossos alunos só os
transformavam de analfabetos de fato em analfabetos funcionais.
Quanto à educação emancipadora de Paulo Freire, Moreira (1990) comenta:
24
No que se refere ao pensamento curricular, entretanto, sua teoria representa o
primeiro esforço, no Brasil, de enfocar conhecimento e currículo a partir de um interesse em
emancipação. São evidentes as semelhanças entre a educação libertadora de Freire e o
interesse emancipatório de Habermas. Primeiramente, os dois autores relacionam discurso
com liberdade e consideram o diálogo como fenômeno humano fundamental. Em segundo
lugar, ambos desejam que as pessoas reflitam sobre suas experiências e compreendam que
há outras explicações, além daquelas do senso comum, que permitem entender mais
profundamente as causas de situações de opressão. Finalmente, os dois vêem emancipação
como uma conquista social e não individual (...).
Porém, em tempos de militares regendo o Brasil sob a ideologia da segurança
nacional, era melhor que o povo não se emancipasse e os tecnocratas ficassem
responsáveis pelo desenvolvimento industrial e tecnológico do país. As idéias de
Freire, consideradas “subversivas”, na realidade subvertiam os currículos
tradicionais e propunham uma ampliação do currículo legitimando a “cultura popular”
que teria um valor equivalente à cultura erudita. Também problematizavam nossa
condição social de povo précolonialista, de sociedade dividida em dominantes e
dominados. Suas idéias passaram a ser discutidas por educadores do mundo inteiro
e até hoje, no Brasil, elas fazem parte dos currículos universitários de educação.
Aprendemos sobre Freire, porém não o “colocamos” em prática.
25
O ENCONTRO COM OS UNIVERSITÁRIOS
A realidade Sempre é mais ou menos Do que nós queremos. Só nós somos sempre Iguais a nóspróprios.
Fernando Pessoa
Terminada a faculdade fui me dedicar àquilo que havia proposto ser:
psicoterapeuta. Em parceria com mais três amigas abrimos uma clínica em São
Bernardo do Campo, o município B do Grande ABC (região metropolitana de São
Paulo) em grande expansão econômica por conta do incentivo à indústria
automobilística, mas carente de profissionais da área psicológica.
Não sei se por ironia do destino ou por ter demonstrado grande interesse pela
área durante a formação acadêmica, a maioria dos meus pacientes eram crianças
com problemas de aprendizagem. Eram crianças que estavam a beira de serem
afastadas da escola porque esta não dava conta deles. Para alguns a queixa
referia–se a um comportamento inquieto, não tinham “bom comportamento”, viviam
distraídos olhando pela janela ou prestando a atenção em algo diferente da
professora com seu blá, blá blá... interminável. Outros já chegavam com um
diagnóstico fechado pela escola: eram “retardados”, não eram “normais”, precisavam
ser encaminhados para a classe especial e necessitavam do laudo psicológico que
atestasse sua não adequação ao sistema.
Naquele tempo não tinha experiência nem subsídios para discutir as questões
pedagógicas que envolviam aqueles excluídos. Acolhi estas crianças e seus
familiares em seu sofrimento, na angústia de serem diferentes numa sociedade que
os marginalizava. Não havia legislação que protegesse essas crianças, o que só
aconteceu com a Constituição de 1988, que lhes garantiu o acesso à escola. Porém
26
até hoje nos deparamos lutando pela qualidade desse direito e cobrando dos
municípios as ações e políticas públicas que garantam a verdadeira inclusão.
Concomitante ao trabalho clínico recebi uma proposta para ministrar aulas
nas duas mais recentes faculdades de Psicologia. Os cursos de Psicologia eram
muito recentes e não havia profissionais com mestrado para darem conta da
demanda. Assim sendo, fui dar aulas de Técnicas Psicoterápicas e de Testes
Psicológicos numa faculdade em São Caetano e numa faculdade em Santo André,
Parece que o vírus do magistério havia me contaminado e permanecia pronto a
eclodir assim que lhe desse oportunidade. O mais estranho é que estava
completamente envolvida pelos “santos” do ABC “alfabetizandome” pelos caminhos
da psicologia.
Confesso que peguei gosto pela coisa. Tinha que estudar muito. Preparava as
aulas com cuidado e lá ia eu enfrentar uma classe com pessoas, em sua maioria,
mais velhas do que eu. Acreditava, e continuo acreditando, como ouvi numa palestra
proferida pelo Prof. Adriano Nogueira (2005), que aquilo que o estudante aprende
depende de minha atuação docente, depende de minha postura. O pensamento
que o aluno tem sobre a realidade pode ser cambiável e está diretamente ligado ao
que está sendo transmitido pelo professor.
Por outro lado o estudante universitário que se apresentava à minha frente
vinha de uma formação (ou seria deformação?) acostumado a engolir as coisas
prontas. Poucos se destacavam por uma atitude crítica ou eram provocados pelas
leituras sugeridas.
A memória é uma coisa estranha! As vezes nos lembramos de coisas que
seriam melhor que fossem esquecidas. Mas, talvez porque nos causou tanta
indignação, nos assombram sempre. Assim foi com Antonio, nem sei realmente
27
como era seu nome, mas isto não importa. O que importa é o fato em si e o
personagem de quem falo. Era meu aluno mais velho e deveria ter mais de 50 anos
de idade. Diziase advogado formado que via no curso de Psicologia um desafio
para obtenção de novos saberes. Sentavase no meio da sala e pouco ou nada
contribuía em nossas discussões.
Estávamos no final do ano, já em fase final de avaliação da matéria de
Técnicas Psicoterápicas. Os alunos me entregavam seus textos sobre Freud e a
psicanálise. Este trabalho exigia uma pesquisa e fazia parte de um conjunto de
atividades previamente combinadas com os alunos para composição da nota final.
Notei que Antonio não havia entregue o trabalho. Ao chamarlhe a atenção para o
fato, o aluno solicitoume:
Posso lhe entregar até o final da aula?
Você tem material suficiente para consultar? – pergunteilhe.
Não será necessário, sei muito bem o assunto – respondeume
desafiadoramente.
Sentouse no fundo da sala e eu continuei a concluir nosso curso,,
devolvendo as notas aos alunos e ouvindo suas autoavaliações. Ao final da aula
apresentoume uma folha escrita em papel arrancado de seu caderno universitário.
Recolhi minhas coisas e dirigime à sala dos professores. Ia começar a ler o
texto produzido por Antonio quando fui surpreendida pelo título. O nome de meu tão
admirado Freud estava escrito exatamente como se pronuncia: FROIDE. Minha
indignação foi imensa e não veria mais o aluno para lhe corrigir o equívoco. Presa
que estava à sua petulância ao me dizer que dominava o assunto, usei de minha
autoridade e também de uma certa arrogância e ironia, reconheço hoje, e escrevi no
canto inferior direito da página, algo como: Antonio, estou lhe dando zero pois seu
28
trabalho não merece nem ser lido. Primeiramente você deve aprender a escrever o
nome correto do autor que você alegou conhecer tão bem.
O trabalho foi deixado na secretaria para ser devolvido ao aluno e eu passei
as notas na caderneta. Antonio ao ficar com zero naquele trabalho, teve sua média
final bastante reduzida e provavelmente estaria de dependência naquela matéria.
Naquela época, isto me pareceu muito justo.
Porém, qual não foi minha surpresa ao voltar dias mais tarde para uma
reunião de avaliação do curso, no quadro de avisos a nota atribuída a Antonio havia
sido alterada pela secretaria da escola. Tentei trocar idéias com outros colegas.
Estava chocada. Queria ir direto à direção da escola. Orientaramme a ficar quieta.
O advogado Antonio era amigo pessoal do dono da escola, seria minha palavra
contra a dele.
Quem seria na verdade o tal Antonio, qual seria seu papel dentro da sala?
Talvez fosse alguém colocado ali para vigiarnos. Eu era uma professora muito
jovem e poderia através de minhas aulas transmitir idéias de liberdade e
emancipação. Afinal, não há neutralidade quando se é professor e se estabelece um
diálogo com os alunos. É como diz Guattari (1988):
(...) devemos interpelar todos aqueles que ocupam uma posição de ensino nas ciências
sociais e psicológicas, ou no campo de trabalho – todos aqueles, enfim cuja posição consiste
em se interessar pelo discurso do outro. Eles se encontram numa encruzilhada política e
micropolítica fundamental. Ou vão fazer o jogo dessa reprodução de modelos que não nos
permitem criar saídas para o processo de singularização, ou, ao contrário, vão estar
trabalhando para o funcionamento desses processos na medida de suas possibilidades e dos
agenciamentos que consigam pôr para funcionar. Isto quer dizer que não há objetividade
científica alguma nesse campo, nem uma suposta neutralidade na relação.
Eu me calei, o medo me paralisou. Mas, no ano seguinte não quis mais dar
aulas na tal faculdade. Foi meu protesto silencioso, sofrido contra as arbitrariedades
do sistema.
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A poesia que se segue traduz melhor meus sentimentos:
eles tentaram me transformar num ser menos seguro eles tentaram eu te asseguro eles tentaram
minha mãe meu tio minha professora meu cachorro eles tentaram eu te asseguro eles tentaram
e até o grande ditador e o diretor da faculdade eles tentaram eu te asseguro eles tentaram
e o meu primeiro namorado e a mãe do cara queu amei eles tentaram eu te asseguro eles tentaram
e os meus amigos mais diletos e o meu filósofo mais lido eles tentaram eu te asseguro eles tentaram
e às vezes minha própria imagem e o padre que eu ouvi na infância eles tentaram eu te asseguro eles tentaram
dia veio que me inteirei de suas intenções assim como eles se inteiraram das minhas.
Ana M.P.F. de Castro, na coletânea: Mulheres da Vida
Eu havia me tornado mais insegura, estava grávida do primeiro filho e mais
sensível à vida que gerava em mim. Porém, continuava acreditando nas minhas
intenções de entender o discurso dos outros.
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O ENCONTRO COM FREINET
Ó menina vai ver nesse almanaque como é que isso tudo começo Diz quem é que marcava o tictac e a ampulheta do tempo disparou (...) Diz quem inventou o analfabeto e ensinou o alfabeto ao professor Me responde por favor (...) Pra que tudo começou (...)
Chico Buarque. música:Almanaque
Após o nascimento de meu primeiro filho e grávida da segunda, resolvi dar
uma pausa na minha vida profissional. Meu marido, engenheiro civil, havia se
transferido para Campinas que acenava como cidade promissora em plena
expansão imobiliária. Foi o tempo da construção de grandes conjuntos habitacionais.
A cidade vivia sua maior contradição: ao mesmo tempo que surgiam muitas
moradias para a classe média, a cidade se enchia de uma população de “semtetos”
que aportavam à cidade em busca de emprego na construção civil. A cidade pacata
do interior com ares aristocráticos decadentes, ainda presa às suas origens
burguesas e ao baronato do café, tomava ares de metrópole. O poder público
incentivava a migração objetivando alcançar o marco de um milhão de habitantes
que aumentaria, através de cobrança de impostos e subsídios do governo estadual e
federal, a receita do Município. Ledo engano, as pessoas vieram e junto com elas as
mazelas, a discriminação sofrida em outros estados da Federação. Campinas e seu
entorno não se preparou para receber este contingente de desempregados famintos
e sem instrução. Não previu políticas públicas na área da saúde, educação, moradia
e saneamento básico e hoje vê estampada nas páginas dos jornais, as
conseqüências de seus atos ambiciosos e levianos: o aumento da violência urbana.
Meu primeiro contato com essa população foi através de meu trabalho com
adolescentes autores de ato infracional, que irei relatar em outro momento desta
31
narrativa. O outro contato se deu recentemente por exigência da disciplina de
Educação Não Formal através das interferências que fizemos com as classes da
FUMEC (Fundação Municipal para Educação Comunitária).
Bem, retomando. Esta mudança de cidade era importante para todos nós, que
vínhamos em busca de uma vida melhor, com mais sossego para criar os filhos,
novas oportunidades de relacionamento. Logo porém, me dei conta que estava
sozinha: a esposa do engenheirochefe era bem mais velha que eu, seus filhos já
eram adolescentes e ela vivia se lamentando do fato de ter se mudado de São Paulo
para Campinas. A esposa do outro engenheiro era tão jovem quanto eu, porém
estava recémcasada e já possuía um círculo de amizades que não incluíam
crianças.
Tinha que ir à luta. Não poderia continuar me submetendo às idéias de
Rousseau sobre a supremacia do governo doméstico, não poderia continuar
trancada em casa. Preferi correr os riscos da vida “do fora” pois a vida “do dentro”
me deprimia, e não poderia ser o meu destino feminino.
Comecei a buscar trabalho e ao mesmo tempo, uma escola para meus filhos.
Foi Ruth Joffily quem me recebeu na Escola Curumim e me falou de Freinet.
Sua fala foi tão contagiante que comecei a fazer parte de um grupo de estudo. Após
alguns meses eu e meus filhos já estávamos fazendo parte da Cooperativa
Curumim.
O tempo em que fiquei nessa escola foi aquele que considero mais profícuo
para minha formação de professora. O estudo e a prática se faziam diariamente.
Cada dia era um novo desafio, uma troca de idéias com os colegas, um erro, um
acerto, um refazer...
32
Parece que tudo mudou em minha vida ganhei amigos com os quais
mantenho relação até hoje, ganhei prestígio, fui valorizada e criticada (é claro que
nem sempre todo mundo concorda com a gente).
O estudo da pedagogia freinetiana foi me dando parâmetros e reforçando as
idéias esboçadas no meu Curso Normal. Cabe aqui um recorte para falar um pouco
sobre Freinet, autor pouco estudado e pouco valorizado no meio universitário.
Célestin Freinet (1896/1966) retorna da Primeira Guerra Mundial, em 1920,
com uma grave lesão nos pulmões o que dificultava sua respiração e comprometia
sua fala. Retoma sua sala de aula multietária, numa pequena aldeia no sul da
França, desenvolvendo técnicas que pudessem ser compatíveis com sua limitação
física.
Freinet passa a ser um professor pesquisador. Procura em autores
consagrados apoio para suas idéias. Leu Montaigne, Rousseau e Pestalozzi. É com
as idéias deste último (Escola Ativa) que vai encontrar mais afinidade. Visitou
escolas comunitárias em Altona e Hamburgo. Participou do Congresso de Montreaux
da Liga Internacional para a Educação Nova (1923) e foi fortemente influenciado
pelos estudos de Pistrak, quando de sua visita à Rússia em 1925.
Todo este saber acumulado precisava ser colocado em prática mas, como
fazêlo diante de tanta diversidade: crianças carentes, de origem rural, sofridas pela
guerra, de idades diferentes, de saberes diversos (...) era necessário, neste clima
esgotante, insistir extenuamente como um palhaço sem talento, para reter durante
um instante, de maneira artificial, a atenção fugaz de meus alunos (...) (Freinet,
1976:22).
A proposta de uma aula cooperativa rompe com o poder adultocêntrico do
professor permitindo ao aluno que construa um aprendizado que lhe faça sentido.
33
Naquele tempo não usávamos o termo pedagogia de projetos, tão em voga
atualmente em classes interativas. Falávamos, talvez de outra forma e
denominávamos de plano de trabalho às propostas individuais e coletivas das
crianças. Como costumo dizer:”mudase o nome mas, o boi é o mesmo”. Conforme
afirma Jolibert(1994)
Nossa abordagem só pode inserirse eficazmente no quadro de aulas cooperativas,
onde a pedagogia de projetos gera a atividade. É preciso que as crianças que vêm à escola
possam engajarse em seu próprio aprendizado (ao invés de sofrer um ensinamento). Além
disso, a pedagogia de projetos permite viver numa escola alicerçada no real, aberta a
múltiplas relações com o exterior: nela a criança trabalha “para valer” e dispõe dos meios
para afirmarse(p.21)
Assim combinávamos o que faríamos no dia, na semana, no mês. Fomos com
o tempo, criando fichas onde a criança podia ter controle do que já tinha dado
conta e do que ainda faltava para o término de seu trabalho. Nas reuniões com os
pais essa fichas serviam de acompanhamento dos caminhos percorridos por seus
filhos. Era um instrumento de avaliação.
Além da vida cooperativa três aspectos nessa pedagogia chamaramme a
atenção: a questão da educação pelo trabalho, o tateio experimental e o texto livre.
A questão do trabalho está intimamente ligada com a auto organização das
crianças, que por sua vez irão estabelecer o hábito da cooperação e o seu
compromisso de responsabilidade diante da coletividade. Através dos trabalhos em
ateliês (que não devem ser confundidos com os “cantinhos” sugeridos por outros
autores), a criança cria ao mesmo tempo o espírito de iniciativa e o espírito coletivo.
A gestão da classe não mais estará só na responsabilidade do professor. É a Turma
(geralmente nomeada por uma eleição democrática de seus membros) que se torna
responsável por suas aprendizagens. As crianças ocupam sucessivamente todos os
lugares nesse tipo de organização, ora como dirigentes, ora como subordinados. O
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Conselho de Classe 3 se reúne semanalmente para avaliar as atitudes de seu
membros com a leitura dos bilhetes colocados no Jornal de Parede e devidamente
colados no Livro da Vida.
Eu mesma recebi vários “Eu Critico” por ter tido uma atitude mais autoritária
com determinado aluno ou diante de alguma situação, ou por estar falando alto
demais (gritando, segundo meus críticos). Cada vez que isto acontecia era a
oportunidade para todos despejarem suas angústias. Eu, por minha vez, procurava
rever minhas atitudes. A relação de afetividade era retomada e o processo de ensino
aprendizagem não era prejudicado.
A outra questão é a do Tateio Experimental. Neste aspecto as idéias de
Freinet são influenciadas pelas idéias de Gaston Bachelard, filósofo francês e
contemporâneo do pedagogo, cujo pensamento vai se opor ao positivismo kantiano
onde todo o conhecimento deriva da experiência. Existe uma realidade na qual a
razão se apóia e esta realidade é o mundo sensível, real. O conhecimento científico
portanto¸ seria um refinamento, uma extensão mais elaborada da experiência
imediata. A ciência não é um conhecimento absoluto e deve cada vez mais se
aproximar da natureza.
Bachelard é o filósofo que acredita no sonho mas, para que ele se realize,
deve estar atrelado ao real, não só aos elemento da matéria mas às palavras, à
poesia. Com suas idéias uniu conceitos aparentemente antagônicos: o sonho e o
racional da ciência. Sua obra está enraizada no concreto; valoriza a liberdade
criadora e reabilita a imaginação. Aproximase da fenomenologia e da psicanálise
3 O conselho de Classe é formado por todos os membros da turma, lembrando que o professor faz parte da turma. O Jornal de
Parede é uma cartaz onde são colados três envelopes: “EU CRITICO” para receber as críticas, os desagravos, os descontentamentos; “EU FELICITO” para receber os elogios às pessoas ou às suas atitudes; “EU PROPONHO” para resolver conflitos levantados pela crítica ou para propor alguma atividade para a coletivo. Atualmente há classes que acrescentaram um 4º envelope “EU QUERO SABER” para dúvidas ou curiosidades. O Livro da Vida é um portifólio com o registro diário das ocorrências em classes.
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rejeitando uma concepção “coisista” da imagem. A imaginação é a força do
psiquismo mas é necessário que seja disciplinada para que o devaneio poético
contribua para o desenvolvimento do ser, para que haja tomada de consciência.
Como afirma Gilbert (1991): O tateamento experimental nada mais é do que a
conjuntura que permite à criança, como ao “cientista” confrontarse com as
dificuldades de construir um pensamento racional.
Depararse com obstáculos e superálos é indispensável ao desenvolvimento
da criança. Portanto, esse processo é muito importante pois faz parte de formação
do pensamento lógicodedutivo. Ora, se acreditamos que a criança pensa, faz
hipótese, cria idéias, se faz necessário que ela comunique as suas descobertas de
alguma forma. Em Félix (2001:16) encontramos que a comunicação entre os alunos
é uma necessidade para o aprendizado e não um empecilho, como é visto pelo
ensino tradicional, no qual é normalmente reprimida, podendo só ser praticada
durante o recreio.
Suas descobertas podem estar registradas num desenho, numa colagem,
num texto, na correspondência com colegas de outra escola, nas aulasconferência,
no Livro da Vida. Poderão também fazer parte do jornal escolar, ganhar o status de
álbum e fazer parte do acervo bibliotecário da classe.
O jornal escolar é o resultado de um trabalho, é a comunicação aos leitores,
geralmente os pais, das pesquisas realizadas, dos textos, das poesias, dos
acontecimentos vividos pela Turma. A meu ver, também é um instrumento de
avaliação pois, revela o resultado de um trabalho que teve sucesso.
Dar a palavra à criança é proporcionarlhe meios de se exprimir e se
comunicar. A expressão livre é algo que se constrói; é ingênuo acreditar que brote
espontaneamente. O papel do professor é fundamental nesse processo. É ele que
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através de um clima de confiança estabelece as relações necessárias para que a
criança desabroche. Será ele o escriba dos acontecimentos relatados pelas
crianças.
Foi assim que eu também comecei meus tateios pela pedagogia Freinet, fui
construindo meus saberes, fui deixando outros de lado. Mas o que sinto é que a
Curumim foi minha grande escola de formação, foi onde me tornei professora de
fato.
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DO PARTICULAR PARA O PÚBLICO
(...) O tempo rodou num instante Nas voltas do meu coração A gente vai contra a corrente Até não poder resistir Na volta do barco é que sente O quanto deixou de cumprir
Chico Buarque, música: Roda Viva
Em 1985 ingressei no ensino público. A transição se fez gradativa. Por um
tempo conciliei com o ensino particular porém ao cabo de dois anos, com a saúde
abalada, optei pelo público. Era chegada a hora da verdade: tudo o que havia
vivenciado na Curumim poderia ser transposto para uma sala de periferia, com mais
de trinta alunos, sem condições físicas adequadas? E como responder a todos os
outros questionamentos, que muitos colegas nos fazem até hoje, com suas falas
pessimistas e às vezes com conotação de praga de bruxa ou aves de mal agouro
grasnando?
Chiii! Essas crianças não são iguais àquelas que você está acostumada.
Você vai ver a diferença!
Aqui não tem mordomia, não! Falta tudo. A Prefeitura não manda nada, nem
giz. Você vai ver!
Primeiro dia de aula, no Parque D. Pedro I (não o mega shopping construído
recentemente), bairro da zona sudoeste de Campinas, formado por trabalhadores da
indústria, em evidente processo de expansão. Esta escola tinha três ou quatro salas
de aula (não me lembro ao certo), um grande campo de futebol (de terra batida).
Tinha por colegas uma diretora legalista, uma merendeira amorosa, uma faxineira
negra que odiava os brancos. Com ela vivenciei o preconceito e a sensação de
exclusão de seu mundo.
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A sala de aula me fez remeter aos meus primeiros anos de escola: as
mesmas carteiras duplas acopladas aos bancos, enfileiradas umas atrás das outras,
o mesmo buraco no meio da mesa que outrora servira de tinteiro e hoje perdida a
sua gloriosa função, servia de lixeira.
Meu Deus! Já se passavam vinte e sete anos da conclusão do meu Curso
Primário, novas estratégias pedagógicas foram sendo sugeridas no decorrer desse
tempo e o que estava à minha frente era o modelo mais tradicional de escola que
poderia haver.
Olhei então para as crianças e me deparei com os mesmos olhares já vistos
antes, a mesma ansiedade, a mesma curiosidade, a mesma desconfiança. Não pude
deixar de me lembrar do meu olhar de criança indo para escola. Lembreime de meu
avô Francisco, do caminho de casa à escola, de sua mão firme me ensinando a
atravessar a rua com cuidado, a saltar o trilho do bonde (ah! havia bondes naquela
época, que pena que não existam mais!) Também me lembrei não da primeira
professora, mas daquela que realmente foi significativa para mim, a bela e jovem
Dona Isabel. Era importante naquela hora que eu retribuísse o olhar daqueles
alunos. E assim assumi a 3ª série B . As palavras que se seguem falam de meus
sentimentos:
(...) o ver em geral, conota no vidente uma certa discrição e passividade, ou, ao menos
alguma reserva. Nele um olho dócil, quase desatento, parece deslizar sobre as coisas, e as
espelha e registra, reflete e grava (...) Com o olhar é diferente. Ele remete, de imediato, à
atividade e às virtudes do sujeito, e atesta a cada passo nesta ação a espessura de sua
interioridade. Ele perscruta e investiga, indaga a além do visto, e parece originarse sempre
da necessidade de ‘ver de novo’ (ou ver o novo), com o intento de ‘olhar bem’.Por isso é
sempre direcionado e atento, tenso e alerta no seu impulso inquiridor (...) o olhar não acumula
e não abarca, mas procura; não deriva sobre uma superfície plana, mas escava, fixa e fura,
mirando frestas deste mundo instável e deslizante que instiga e provoca a cada instante sua
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empresa de inspeção e interrogação (...) a simples visão, supõe e expõe um campo de
significações, ele, o olhar – necessitado, inquieto e inquiridor – as deseja e procura, seguindo
a trilha do sentido. O olhar pensa; é a visão feita interrogação.
Sergio Cardoso 4
O velho e bom Dr. Di Loreto, meu grande mestre quando de meus tempos de
estagiária (1973) no Hospital Psiquiátrico Pinel, em Pirituba, bairro da zona oeste de
São Paulo, me veio à mente. Naquele tempo eu “burrinha como queria os anjos”
como diria o Di, me escandalizei diante das precárias condições em que se
encontravam as mulheres internadas no Pavilhão 5. Um dia observandoas no pátio
enquanto perambulavam sem rumo, com seus olhares distantes, com movimentos
esteriotipados pela impregnação dos medicamentos, ou paradas, catatônicas
absorvendo os raio do sol, meu olhar se dirigiu a uma paciente cujo sangue
menstrual escorria pela perna. Chamei a enfermeira e lhe perguntei se não havia
absorvente higiênico para oferecer àquela senhora. Claro que não havia, o Estado
estava em falta no envio deste e de outros gêneros de primeira necessidade. No
sábado, durante a reunião clínica levei meu protesto e meu questionamento:
O que fazer com as pacientes quando falta tudo? Como posso exercer meu
ofício de psicóloga em situação tão precária? Como reverter aquela situação? E blá,
blá blá?!?!? Minha indignação era grande.
Di Loreto me dirigiu um sorriso benevolente e me respondeu:
Você pode escolher atender a pacientes cheirando lavanda francesa, num
consultório bem instalado nos Jardins, ou atender a pacientes mal cheirosos num
hospital público. A decisão é sua. As estratégias são diferentes cabe a você buscá
las.
4 In: MARTINS, Miriam C. O sensível olharpensante . 2003
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Entendi que meu olhar estava focado na instituição. Faziase necessário
mudar o foco, nascia em mim um novo olhar, como denomina Miriam Celeste
Martins, “um sensível olharpensante”, aquele que me propiciou um novo
questionamento: Por que aquelas mulheres precisavam de mim?
Suas palavras sempre retornam quando me encontro em situações
problemáticas, onde parece que tudo que se aprendeu não serve para nada, onde
novos aprendizados são necessários. Mentalmente me fiz a pergunta: Por que estas
crianças precisam de mim? E acrescentei outra por minha conta: O que realmente
eu lhes posso oferecer?
Foi assim que comecei a trabalhar com “a Turma” (não me lembro como nos
denominamos). Aos poucos fomos virando as carteiras, arranjando doação de
materiais, formando os ateliês em caixas guardadas no armário e colocadas à
disposição dos alunos durante o período de aula, fazendo de velhos livros didáticos,
fichas autocorretivas. Nosso grande projeto aconteceu por volta do 21 de abril, o
Dia de Tiradentes.
Ora, como falar de Tiradentes sem nos reportar aos primórdios de nossa
história de colônia de Portugal? Assim passamos o ano pesquisando esse assunto.
Fizemos uma aulapasseio ao Centro de Campinas, conhecemos os pontos
históricos, fomos à Prefeitura, ao túmulo de Carlos Gomes, ao túmulo de Barreto
Leme, à Catedral. O passeio ocorreu em clima de total confiança entre os alunos e
eu, e não houveram incidentes.
De volta à sala de aula havia muito o que fazer: o registro das observações, a
continuidade da pesquisa, as ilustrações. Ao final do ano tínhamos uma coleção de
álbuns relatando nossas experiências e um teatro onde as crianças encenavam em
enquetes rápidas, a história do Brasil, desde o Descobrimento até a Independência.
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Creio que desta forma, como sugere Zamboni (2004), estava situando os alunos no
momento histórico em que viviam, de modo que percebessem os acontecimentos
que os rodeava. Acredito que tenha contribuído para seu crescimento social e
afetivo dando lhes um sentido de pertinência.
No ano seguinte entrei no Concurso de Remoção, buscava uma escola mais
perto de casa. Assim, fui parar no Jardim Maria Rosa, bairro situado ao lado da
antiga zona de meretrício.
No final de semana que antecedeu o início do ano letivo fui conhecer a
escola. Naquele tempo não havia acesso direto ao bairro e para se chegar a ele ou
se passava pelo Jardim Itatinga (a zona de meretrício), um trajeto mais curto pela
Rodovia Santos Dumont ou teria que percorrer a Av. das Amoreiras até seu final
(ainda não asfaltado) o que fazia o trajeto se tornar mais longo e demorado por
conta do tráfego intenso. Ao me deparar com aquela paisagem chorei muito. Teria
eu feito uma boa escolha?
A resposta veio logo no primeiro dia de aula. Apesar de me encontrar num
bairro mais carente, com uma população mais pobre, mais vitimizada pela violência
social, encontrei uma ambiente de trabalho mais acolhedor. Foi lá que eu aprendi o
que é uma gestão de qualidade com aquela que eu considero meu modelo de
diretora, Ivone Garcia. As salas eram amplas, claras, e o mais importante, com
carteiras modernas, tipo mesa e cadeiras separadas que permitiam a disposição de
várias maneiras
As crianças... ah! essas eram, como sempre, encantadoras. É bem verdade
que havia alguns adolescentes não muito encantadores ao primeiro contato. A
Margarida, briguenta, brava que aos poucos foi se tornado dócil, minha defensora e
uma espécie de anjo da guarda (se eu me atrasasse para tomar o ônibus na ora da
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saída era ela que me fazia companhia esperando o próximo) e que apesar das
dificuldades cognitivas, ia aos poucos conseguindo escrever seus textos,
aprendendo no seu ritmo. O José Francisco, já homem feito, tímido (talvez muito
envergonhado pela sua situação de já estar com 18 anos de idade e estar na 2ª
série do Ensino Fundamental), sentavase ao fundo da sala. Nunca consegui que
participasse de uma atividade grupal, dizia que eram coisas de crianças. O Renato,
moleque esperto, ninguém o enganava na venda da sucata que recolhia no “lixão”.
Sabia lidar com dinheiro, fazer conta de cabeça, mas tinha dificuldade na escrita e
mal e mal conseguia escrever seu nome. Dizia que tinha a “memória fraca”; andava
todo desengonçado mas era capaz de dar uma salto mortal com toda a habilidade
de um atleta olímpico.
A comunidade era muito participativa e logo entenderam a minha proposta de
trabalho. Com a permissão da direção da escola o dinheiro que seria empregado
para compra de material individual das crianças me foi repassado e assim pudemos
ter um material coletivo que facilitava a proposta de trabalho em ateliês.
No ano seguinte eu iria continuar com a turma na 3ª série, porém com a
abertura de mais uma 1ª série no período vespertino, minha classe passou para o
período da manhã e eu acabei ficando com a nova classe de alfabetização. A classe
era formada por crianças novas, a maioria chegando à escola pela primeira vez.
Poucas haviam feito o préprimário numa sala cedida pela paróquia e coordenada
pela FUMEC.
Logo no início do ano fui questionada pelos pais. Que jeito era aquele de
ensinar sem cartilha? Como é que as crianças iriam ler e escrever? Eu os acolhia
com paciência e lhes transmitia minha experiência vivida na Curumim. Também
nessa época passei a me interessar pelos ensinamentos de Emilia Ferreiro e a
43
participar de um grupo de estudo, oferecido pelo poder público, sob a coordenação
de Esther Pilar Grossi. Hoje tenho consciência que houveram muitos equívocos de
nossa parte em tentarmos transformar a questão da evolução da escrita em uma
metodologia de alfabetização. A criança chega à escola com concepções sobre a
escrita e cabe à escola dar continuidade a esse processo, sistematizálo. Esta tarefa
se estende para além das séries iniciais e é de responsabilidade, não só do
professor de Língua Portuguesa: é um trabalho coletivo que envolve uma ação
social coletivo. A avaliação é um processo contínuo de reflexão sobre a prática, que
permite que a mesma seja redimensionada e adaptada às diversidades.
Nossa classe denominouse “A Turminha”. Fizemos um jornal escolar, com o
auxílio de um limógrafo (uma espécie de mimeógrafo manual), mantivemos
correspondência com uma turma de 1ª série da Escola Curumim, fomos visitálos e
eles também a nós. Foi um ano muito rico e repleto de aprendizados. O ano
terminou com 30% alfabéticos, 65% silábicoalfabéticos e 5% silábicos. Eu não iria
continuar com a turma no ano seguinte pois iria me remover de escola. Em
conselho de escola optamos pela aprovação só dos alfabéticos pois, as professoras
que seguiriam com as turmas na 2ª série queriam só as “crianças alfabetizadas”.
Tentei dissuadilas de tal postura, tentei lhes mostrar que as crianças estavam em
processo. Tudo em vão. Chamei os pais e lhes expliquei a situação. Todos
concordaram com a reprovação. Muitos tinham filhos mais velhos que chegavam à
5ª série sem saber ler, na realidade só decifravam o código escrito porém, não
conseguiam compreender o conteúdo. As crianças foram reprovadas e eu, junto com
a direção da escola (que também se removeria no ano seguinte), justificamos tal
procedimento junto à Secretaria de Educação.
44
No ano seguinte desiludida, que estava com o Ensino Fundamental, como
seus critérios de avaliação conteudista, com seu olhar preconceituoso para o
diferente, com as colegas que não se abriam a novas propostas, mudeime para o
Ensino Infantil. Fui para Barão Geraldo, onde permaneço até hoje, na EMEI (Escola
Municipal de Educação Infantil) “Agostinho Páttaro”, uma escola linda: repleta de
árvores, com um grande anfiteatro ao ar livre, palco de grandes representações de
nossos alunos e de artistas convidados; com uma piscina (que só mais tarde se
tornou utilizável com a colocação de uma unidade de tratamento), três áreas de
brinquedos de parque, sete salas, algumas mais arejadas e iluminadas, outras nem
tanto e toda um infra estrutura que dava suporte ao meu trabalho e ao de minhas
colegas.
A parceria com Cristina Ruffino, pedagoga recém formada pela UNICAMP e
cheia de idéias para trocar, se fez sentir nos primeiros contatos. Nosso trabalho era
muito parecido e assim conseguíamos levar adiante os projetos que tínhamos na
cabeça. Fomos pioneiras em alguns projetos que até hoje fazem parte do cotidiano
da escola: o projeto de informática e o projeto com as crianças de período integral.
Ao final de 1989 o Diário Oficial do Município registrava a seguinte matéria:
CRIANÇAS FAZEM PROGRAMA
Na Escola Municipal de Educação Infantil “Agostinho Páttaro”, em Barão Geraldo, já
existe uma classe com trinta e dois alunos (na faixa dos seis anos de idade) desenvolvendo
aprendizado nos computadores do NIED (Núcleo de Informática Aplicada à Educação) na
UNICAMP, onde as crianças aprendem a fazer seus próprios programas.
Tudo começou através de um projeto elaborado pelas professoras Cristina Márcia
Caron Ruffino e Neusa Mesquita Felix, que mostra a importância da “linguagem Logo”,
específica para a educação. O projeto foi aprovado pela Secretaria de Educação que firmou
convênio com o NIED da UNICAMP, para a viabilização. Após um período de preparo com as
crianças, para a familiarização com a “linguagem Logo” e com os jogos corporais dos
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computadores, partiuse para a fase operacional. Segundo Cristina Ruffino, o princípio básico
consiste no fato da criança ensinar o computador e não o oposto.
D.O. do Município de Campinas
30/11/89
Outras professoras aderiram ao nosso projeto e acabamos ganhando
computadores para incrementar as atividades em sala de aula. Era um novo ateliê,
digno dos avanços das novas tecnologias. Era novamente a vida sendo trazida para
a sala de aula.
As crianças de período integral passavam o período matutino com uma
professora e o vespertino com outra. As classes tinham um planejamento diferente,
só as crianças eram as mesmas. Cristina e eu passamos a observar que as crianças
pareciam ficar muito cansadas, agitadas, desinteressadas e, como conseqüência,
tendo um comportamento bastante agressivo e desafiador. Mudamos o enfoque e
propusemos então que a sala seria nossa, a Turma só teria um período maior de
trabalho: o dia começava comigo e encerrava com a Cristina.
Pela manhã registrávamos as novidades no Livro da Vida e combinávamos o
dia de trabalho. Quando Cristina chegava, iria dar continuidade aos combinados e
fazer o registro de avaliação do dia. Desta maneira dávamos uma função para a
linguagem oral das crianças e elas percebiam que a qualquer momento podíamos
recorrer à linguagem escrita contida em nosso diário.
Duas vezes por semana prolongávamos o nosso período de trabalho: Cristina
chegava às 4ª feiras às 10:00h e eu saía às 6ª feiras às 14:00h. Também nos
víamos todos os dias na troca de turnos: eu acompanhava o almoço, a higiene bucal
e iniciava o repouso. Era quando Cristina chegava e dava uma ajuda com as
crianças mais agitadas, fazendolhes uma massagem ou apenas ficando próxima.
Para que tivéssemos êxito com o repouso, contávamos uma história ou líamos
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algum conto, porém sem gravuras, para que silenciosamente e individualmente se
apropriassem do imaginário do autor e se criasse neles um outro imaginário que lhes
ajudava na elaboração de seus medos e fantasias. Líamos Grimm, Andersen,
Perrault e Oscar Wilde na íntegra. Às vezes, em capítulos, quando a história era
longa. Ao fundo colocávamos uma música suave e deixávamos o ambiente na
penumbra. Esse tempo de vinte ou trinta minutos era muito importante para a
continuidade das atividades à tarde. Alguns adormeciam por mais tempo o que
pedia que as atividades recomeçassem num tom de voz baixinho para não perturbar
o sono dos colegas.
A questão do material coletivo, adquirido pela direção da escola mediante a
contribuição da Cooperativa Escolar, já era prática corrente na escola e isto facilitava
sobremaneira nosso trabalho pois, era só requisitar ao almoxarifado que tínhamos o
material em mãos.
Nossa sala transformouse num laboratório de experiências e foi palco para
muitas observações e registros de mestrandos e doutorandos da UNICAMP, e de
visitas de professores estrangeiros. Os saberes eram compartilhados e todos
aprendíamos, seja com os erros ou com os acertos. Até hoje os estagiários são bem
vindos, desde que apresentem um projeto de trabalho para ser compartilhado com a
turma.
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UMA PASSAGEM PELA EDUCAÇÃO NÃO FORMAL
Não basta abrir a janela Para ver os campo e o rio Não é bastante não ser cego Para ver as árvores e as flores É preciso não ter filosofia nenhuma. Com filosofia não há árvores: há idéia apenas. Há só cada um de nós, como uma cave. Há só uma janela fechada, e todo mundo lá fora; E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse, Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.
Fernando Pessoa
Em 1991 recebi um convite do COMEC (Centro de Orientação ao
Adolescente de Campinas) para trabalhar com adolescentes autores de ato
infracional em cumprimento da medida de Liberdade Assistida,
No ano anterior eu já havia desenvolvido um trabalho voluntário com grupos
de mães/pais/responsáveis como conclusão de um Curso de Formação em
Psicodrama. Tal atividade permitiu que se estabelecesse um vínculo de confiança
entre a equipe técnica do COMEC e eu.
A Secretaria de Educação me removeu para a entidade onde continuei
exercendo minha função de professora. Porém o olhar da psicóloga foi aguçado
diante da vulnerabilidade dos jovens que se apresentavam a mim. Não era simples
fazêlos retornar à escola. A escola já não os queria: eram problemáticos,
repetentes, tinham dificuldade em manter relações amigáveis com colegas e
professores, estavam em defasagem de série em relação à idade. E eles, por sua
vez, também não queriam a escola: era chata, desinteressante, os professores eram
autoritários e não mantinham um bom diálogo.
Os jovens infratores vivem num círculo vicioso. Querem ganhar dinheiro,
desejam tudo que a mídia faz questão de mostrar como sendo fornecedores de
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sucesso: o tênis de marca, a camiseta do seu ídolo ou outra coisa qualquer. Porém,
como não têm qualificação para o mercado de trabalho, se deixam seduzir pelo
poder do crime e do tráfico de drogas. Se envolvendo com atos infracionais,
abandonam a escola ou dela são expulsos. A escola é um ambiente que contém
regras, disciplinas e o adolescente está vivenciando justamente o contrário. Iludido
pela força que uma arma lhe dá, não percebe que o mundo do crime também tem
suas regras e quem tentar burlálas está fora do esquema, vira defunto.
Certa feita perdi um garoto. Ele tinha por volta de 15 anos. Perdio para os
traficantes. Ele devia trinta reais para o “patrão”. Consumido pelo uso de “crack”
esqueceuse da dívida. Foi morto como medida exemplar.
Voltando ao tal do círculo que me referia anteriormente, não participando da
escola, pouca ou nenhuma chance os adolescentes tem de ingressar no mercado
formal de trabalho. Se não conseguem trabalho, voltam ao crime.
Como Willians (1990:76) enfatiza:
É bastante típico do adolescente querer tudo e imediatamente, e apesar disto ser um
desejo natural, eu creio que sua satisfação constituí um obstáculo para o desenvolvimento. Durante o crescimento o limite entre a privação e a indulgência excessiva é muito incerto e,
por isso, com o passar dos anos as crianças que foram privadas se comportam de forma
semelhante àquelas que tiveram demais: uns são ávidos e incapazes de acreditar na
realidade de experiências boas, enquanto os outros pensam que aquilo que eles possuem
não é nunca suficientemente bom. Portanto, tanto a pessoa que passou por privações, como
a pessoa “mimada” foram ambas prejudicadas, o que aliás está contido no termo “mimar”,
prejudicar a capacidade de adaptação.
Retomo à questão do olhar. Se fazia imprescindível ter o que Martins (2003)
denomina de “olhar pensante”, o que transcende a aparência e perscruta o que
está por trás. Era a possibilidade de ter um olhar diferente daquele olhar
preconceituoso que a sociedade lhe impingia. Era buscar nesses adolescentes o
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olhar sensível por trás da máscara feita com uma camiseta e tão divulgada pela
mídia.
Foi através das artes plásticas que busquei resgatar esse olhar sensível.
Através da representação simbólica mais primitiva do ser humano, o desenho,
poderíamos fazer o registro de seu olharpensante. Através do desenho o sujeito se
colocava diante de um espelho e se mostrava a mim para que eu o visse. Nesse
momento o diálogo acontecia e o sujeito se revelava e atribuía significados à sua
vida.
Em alguns de nossos encontros levava livros de arte de pintores famosos e
propunha uma reinterpretação da obra. Era a possibilidade de se ter um novo olhar
sobre o olhar do outro. E o que surgia era a expressão do adolescente, era uma
outra imagem que podia ser refletida para a sociedade. E assim as obras eram
expostas com status de vernissage onde convidávamos os familiares, os amigos, as
autoridades para verem nosso trabalho. Era a possibilidade de dar um novo
significado aos significantes de olhar desviante desses adolescentes.
Continuei também atendendo ao grupo de mães/ pais/ responsáveis já que a
medida de Liberdade Assistida (Art.119 do ECA Estatuto da Criança e do
Adolescente) prevê uma parceria com os familiares. O que no início era um
obrigação vergonhosa, um querer distanciamento do ato infracional do filho, um
querer não ter nada com isso, ia se tornado um espaço de acolhimento, de escuta.
Alguns grupos começaram a chegar até meia hora antes do atendimento. Havia uma
troca, já na sala de espera.
Aos poucos os motivos que traziam aquelas pessoas ao grupo ia virando
pano de fundo. Passavam a olhar para si mesmas, para seus problemas.
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Começavam a mudar sua aparência, se arrumavam com mais esmero, a se
preocupar consigo mesmas.
Às mulheres, a maioria dentro do grupo, cabia o papel da educação dos
filhos. Sem nunca terem lido Rousseau, sofriam a influência de suas idéias do
imperativo materno que lhes exigia um papel de mães extremosas e zelosas pelos
seus filhos. Como não davam conta de desempenhar esse papel, ficavam
irremediavelmente tomadas pela culpa.
Vivendo num mundo de desempregos, estas mulheres inseridas com mais
facilidade no mercado informal (são faxineiras, fazem algum tipo de quitute ou
artesanato que lhe gere renda) passam a ser as provedoras da casa. Ao marido,
desempregado e já com dificuldade de exercer a função paterna, recairá todo o ódio
da mulher. Irá se referir a ele de modo pejorativo e discriminatório:
Não presta pra nada! Não me ajuda em nada... Fica o dia todo em casa
vendo televisão ou jogando e bebendo com os amigos no boteco. Aí, chega em casa
e quer mandar. Não deixo, não!
Esse poder ilusório alçando pela mulher a desestabiliza ao mesmo tempo que
como diz Badinter (1985), ela irá se convocar ao banco dos réus para responder
pelo filho morto ou criminoso.
A psicanálise nos traz importante contribuição para que o pai retome seu
papel. Um papel que só é possível de ser exercido como sugere autores como
Lacan e Winnicott, se a mãe o introduzir na tríade familiar. É ela que vai poder
tornar esse relacionamento possível. Lacan aprofunda esta questão quando se
refere ao “nome do pai” um significante que se insere no inconsciente da criança,
como o pai simbólico, a lei, o interdito, a proibição do incesto. A criança sem esse
elemento de ordem simbólica, sofrerá grandes danos em seu psiquismo pois se a
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díade mãe/filho, tão necessária à sobrevivência do bebê for prolongada para além
dos cinco primeiros anos de vida (ou além dos três primeiros anos, como sugerem
outros autores), o sujeito não consegue se construir como sujeito de discurso ou
sujeito social. Muitas vezes estará irremediavelmente envolto por uma psicose que o
acompanhará para sempre. Ao adolescente infrator, distanciado da lei paterna
caberá se submeter à Lei do Estado. Cumprirá então as medidas sócioeducativas
previstas no ECA, de acordo com a gravidade de seu ato infracional.
Diante das últimas rebeliões ocorridas nas unidades de internação da FEBEM
(Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor), em São Paulo, está na hora de
revermos que educação ou reeducação (se é que isto seja possível) está sendo
desenvolvida dentro desta instituição. O que eu pude presenciar, em algumas
visitas, foi uma reprodução do modelo prisional já tão apontado por sociólogos e
estudiosos do judiciário, como falido e reprodutor de violência. Estamos
reproduzindo pequenos Carandirus, só que seus atores são mais jovens. Reconheço
que não são mais ingênuos: a vida lhes negou os sonhos de infância e estamos,
infelizmente, diante de uma ou mais gerações perdidas.
Emocionome diante das palavras de Souza(1992), o Betinho, sociólogo
sensível aos problemas da infância nas ruas, e colocoas neste memorial para que
não me esqueça que...
(...) criança é coisa séria
A criança é o princípio sem fim
O fim da criança é o princípio do fim.
Quando uma sociedade
Deixa matar uma criança
É porque começou seu suicídio
Como sociedade.
Quando não as ama
É porque deixou de se reconhecer
Como humanidade.
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Afinal, a criança
É o que fui em mim e em meus filhos,
Enquanto eu humanidade
Ela como princípio é promessa de tudo.
É minha obra livre de mim.
Se não vejo na criança, uma criança
É porque alguém a violentou antes
E o que vejo é o que sobrou
De tudo que lhe foi tirado
Mas essa que vejo na rua sem pai,
Sem mãe, sem casa, cama e comida,
Essa que vive a solidão das noites
Sem gente por perto,
É um grito de espanto.
Diante deles,
O mundo deveria parar
Para começar um novo encontro,
Porque a criança
É o princípio sem fim
E seu fim é o fim de todos nós.
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O ENCONTRO COM PROFESSORES
Trabalhamos no escuro – fazemos o que podemos – damos o que temos. Nossa dúvida é nossa paixão e nossa paixão é nosso dever. O resto é loucura da arte.
Henry James
Retomando o tempo em que trabalhei na Escola Curumim, me reporto à
minha contribuição na formação de professores em Pedagogia Freinet. Se fazia
necessário uma reflexão sobre a ação. Assim, instituímos o que carinhosamente
chamávamos de “Freinetour”. Montamos diversos ateliês e percorremos cidades do
interior paulista, Minas Gerais e Florianópolis, levando nossa experiência.
Rompíamos a barreira do estudo para uma imersão crítica em nossa reflexão,
provocando através do repassar de nossos saberes, uma ampliação e um
reformulação de nosso próprio conhecimento.
O grupo, que inicialmente se restringia aos professores da Curumim, passou
a ser enriquecido com outros profissionais de São Carlos e Belo Horizonte.
Em meados dos anos 80 participamos de um grande congresso internacional
sobre pedagogia Freinet, ocorrido em Florianópolis. Era hora de aprendermos com
colegas professores da Dinamarca, Alemanha, Itália, França, entre outros. Era hora
de fazermos uma reciclagem sobre nossos saberes, era o momento de novos
questionamentos, de estabelecermos uma relação dialética. Era a hora de sentir o
prazer advindo do desejo satisfeito pelo conhecimento.
No final dos anos 80, em parceria com a Secretaria Municipal de Educação de
Campinas, promovemos o 1º Encontro Nacional de Pedagogia Freinet. Além de
recebermos a colaboração de vários profissionais de todo o país, contamos com
presença de profissionais franceses que muito enriqueceram nossas discussões e
nos ajudaram na composição de nossa identidade.
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O último curso de formação do qual participei ocorreu em 2003 , já cursando o
PROESF. Convidada pela Secretaria Municipal de Educação de Campinas
montamos em parceria com Ruth Joffily e Cleusa Luporini, um curso de iniciação à
Pedagogia Freinet. As inscrições foram feitas através da própria Secretaria. O curso
foi montado em dois módulos. O primeiro módulo constava de trinta e duas horas
onde seriam apresentados os princípios da Pedagogia Freinet e seus fundamentos
metodológicos. No segundo módulo, dedicado apenas àqueles que queriam
realmente mudar sua prática em sala de aula, foi oferecido uma supervisão semanal
onde podíamos escutar as angústias, reformular idéias, trocar experiências.
A supervisão foi um momento de encontro. Voltei à velha pergunta: Seria
ela de algum auxílio? Era importante escutar aquelas professoras e monitoras em
seus tateios. A aprendizagem se fazia na palavra trocada, nas relações que as
organizavam. Valeu a pena, nosso exército quixotesco ganhou cerca de mais uma
dúzia de valentes lutadoras.
Foi ao final da década de 80 que participei juntamente com Robêni da Costa,
do Projeto Inajá: um curso de habilitação em nível médio, destinado a professores de
classes rurais. Na sua essência, um curso muito parecido com o nosso PROESF
pois formava professores em exercício.
O projeto era uma parceria da UNICAMP, Secretaria Estadual de Educação
do Mato Grosso e Prefeituras dos municípios, localizados no vale do Rio Araguaia:
São Félix, Santa Terezinha, Canarana, Porto Alegre do Norte e Aldeia Indígena
Tapirapé. A proposta era melhorar a atividade metodológica dos professores
sertanejos ao mesmo tempo que os habilitava em nível médio. O desafio era grande
para muitos deles, uma vez que só haviam concluído o antigo Primário ou parado
nas primeiras série do Ensino Fundamental.
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O trabalho era dividido em dois momentos: Etapas Intensivas e Etapas
Intermediárias. As Etapas Intensivas, compreendiam um mês intensivo de trabalho,
nos períodos de férias escolares (janeiro e julho). Eram orientados por nós alunos e
professores da UNICAMP. Os monitores e supervisores das Secretarias Municipais
de Educação também acompanhavam nossas aulas. As Etapas Intermediárias, eram
realizadas durante o período letivo, num total de oitenta horas, onde os professores
eram orientados e acompanhados pelos supervisores e monitores.
Robêni e eu ficamos responsáveis pela área de alfabetização e Língua
Portuguesa. Levamos para o cerrado matogrossense a nossa proposta freinetiana.
Nos surpreendemos com a receptividade dos professores e com suas habilidades
em driblar as condições precárias de ensino. Era importante que cada um assumisse
o seu jeito, como tinha se constituído como escritor/leitor. No momento seguinte
debruçavamse sobre suas hipóteses lingüísticas e descobriam o verdadeiro
significado do ato de escrever, a comunicação do pensamento. A fundamentação
teórica se fazia necessária na medida que ocorria a reflexão e a instrumentalização
do educador.
Em janeiro de 1990, a Etapa Intensiva ocorreu aqui na UNICAMP.
Realizamos uma aula–passeio pelo Centro de Campinas. Começamos pela antiga
estação da FEPASA (Ferrovia Paulista, Sociedade Anônima), passando pela
Catedral, Palácio dos Azulejos, Túmulo de Carlos Gomes e terminamos no Paço
Municipal. O olhar dos educandos observava, invadia espaços, admirava, ao mesmo
tempo que se deixavam ser admirados. Era impossível que um grupo de cerca de
sessenta pessoas, comunicando suas descobertas e espantos diante da selva
urbana, não fosse notado. Faziam suas considerações sobre o cotidiano da cidade,
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tão longínquo de seus lugares de origem, e acrescentavam novos elementos às sua
histórias de vida.
No Paço Municipal, após a emocionante subida de elevador até o terraço (20º
andar), fomos recebidos pelo presidente da Câmara Municipal, Alcides Mamizuka.
Viramos notícia nos dois jornais da cidade. O cacique Elder Tapirapé, recebido com
as honras devidas a um chefe de nação, exibindo seu lindo cocar de penas
coloridas, sentouse à mesa e pronunciouse sobre seu envolvimento e de seus dois
companheiros no Projeto Inajá. Ressaltou a importância da educação dos indígenas
estar sendo assumida por eles para manutenção de sua cultura, da transmissão de
seus saberes.e principalmente, da sua língua.
Tenho certeza que a luta desses indígenas continuou pois foi com um misto
de orgulho e satisfação que soube pela revista Nova Escola (set/2003), que um
professor indígena, Josimar Xawapare’ymi Tapirapé, havia sido agraciado com
prêmio Professor Nota 10, por seu trabalho Recuperando as palavras de nossa
Língua Tapirapé. Eu havia, em algum tempo e lugar, participado dessa história.
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O (RE)ENCONTRO COM A INFÂNCIA
As crianças pequenas são seres humanos portadores de todas as melhores potencialidades da espécie
. Regina de Assis
Após nove anos no COMEC retorno a EMEI Agostinho Páttaro. Já portando
uma síndrome neurológica que provoca espasmos involuntários, por solicitação
médica, fui afastada da sala de aula. Era o momento, apesar do blefaroespasmo
(nome que os doutores médicos dão para piscamento), que se fazia necessário um
novoolhar.
A escola continuava a funcionar do mesmo jeito que alguns anos antes. As
instalações tinham sofrido algumas modificações, a piscina funcionava, havia uma
cobertura do portão até a entrada do prédio (bastante útil, principalmente em dias
chuvosos), estava sendo construída uma casinha de bonecas que por ter
instalações tão confortáveis, acabou virando a Biblioteca Gato Pintado. Uma ou
duas professoras ainda permaneciam na escola, outras já haviam se aposentado, se
removido ou mudado.
Lá vou eu fazer a velha pergunta, primeiramente dirigida aos professores:
Algum de vocês precisa de mim? Naquele momento, não. Eram todos experientes e
alguns, que trabalhavam com a pedagogia de projeto, já eram velhos conhecidos e
já buscavam supervisão fora da escola.
Fui fazer a pergunta às gestoras. Encontrei uma resposta positiva A diretora
também voltava junto comigo depois de estar comissionada em outra Secretaria, e a
vicediretora retornava ao seu posto depois de ficar no cargo de direção pelo tempo
que a primeira se afastou. Era o momento de nos adaptarmos ao novo lugar de
cada uma.
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Na figura da orientadora pedagógica, apesar de às vezes termos pontos de
divergência, encontrei uma interlocutora em algumas questões de cunho
pedagógico.
Enquanto ficava na secretaria da escola não pude deixar de olhar as crianças.
Algumas pareciam sofrer mais que as outras e seu sofrimento não tinha a ver com a
escola, ou com seus colegas, ou muito menos, com a professora. O sintoma que se
manifestava como uma recusa em entrar ou permanecer na escola era de outra
ordem. Passei então a olhar seus familiares, quem as trazia ou vinha buscálas. O
que vi foram mães e pais muitas vezes grudados ao alambrado da escola vendo
seus filhos se afastarem pela mão da professora ou correndo com seus colegas. A
angústia ficava estampada no rosto, as lágrimas rolando. Estava sendo difícil se
separarem de sua cria. Alguns verbalizavam sua angústia, outros não agüentavam e
ao cabo de uma semana arranjavam algo externo para justificar seu sofrimento:
Ah, Joãozinho está chorando muito para vir à escola. Ele nunca foi assim.
O Pedro não gostou da professora e na classe tem um amiguinho que bate
nele.
Em casa, a Letícia é um amor. Antes dela vir pra escola ela ficava com a avó
para eu ir trabalhar. Agora não consigo ir pro trabalho sossegada porque é só
chegar aqui que ela começa chorar. Não sei o que está acontecendo com ela.
Olhava um movimento todo favorável para a criança se adaptar à escola: a
direção permitindo que a criança ficasse durante certo período. por menos tempo na
escola; a presença da mãe acompanhandoo até a sala. Muitas vezes o sintoma
persistia. Algumas mães chegaram a tirar os filhos da escola prometendo voltar no
ano seguinte. Talvez quando eles forem maiores – diziam.
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Havia um sintoma que diz respeito à subjetividade da mãe e que possibilita a
intervenção analítica. A criança é envolvida pela fantasia e se faz necessário uma
mediação entre o desejo da mãe e a criança. Se isto não ocorrer a criança tornarse
á objeto da mãe não encontrando outra saída além de emitir um sintoma somático. A
criançasintoma, como denomina Ferreti (2004) revelará a verdade de ser objeto e
incorporará uma verdade fantasmática.
Solicitei permissão à direção e aos professores, e principalmente à figura do
orientador pedagógico, para intervir. Teria que ser muito cuidadosa porque a escola
tem um horror a atitudes psicologizantes que ao longo dos últimos anos apontou
falhas nas capacidades cognitivoafetivas de seus alunos ou distúrbios de
aprendizagem como impeditivos do êxito escolar. A minha proposta era de outra
ordem, estava propondo uma escuta dessas mães (haviam alguns pais, também).
Permissão concedida me ofereci às mães: Poderia ajudálas?
Henrique chega à escola, tem cinco anos e recusase a entrar. Chora, faz
birra, escondese atrás da mãe.
A mãe olha para mim e com os olhos cheios de lágrimas diz:
Ele não que mais vir à escola. No primeiro dia de aula ele ficou doente, teve
febre. Eu sei que ele não ficou doente por causa da escola. Mas ele não ficou bem.
Quando voltamos para casa a avó lhe perguntou como havia sido seu primeiro dia
de aula. Eu lhe respondi: Não foi bom, ele teve febre.
Deparome neste momento com o sintoma da mãe. À minha frente não estava
só a criança com seu choro sincopado, sem convicção, manhosa, birrenta. Seus
olhinhos se dirigiam a mim como a pedir ajuda. Estava claro que a dificuldade estava
na mãe, objeto primordial e de tal forma constituído que seu desejo acaba sendo
desejado por um outro desejo, o do filho.
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Levei Henrique para a classe assegurandolhe que iria conversar com sua
mãe. Acolhido pela professora e colegas, logo sossegou.
Escutei a mãe. Estava tendo dificuldade em separarse de seu filho mais
novo; conflitava entre o “dever” em mandálo para a escola e mantêlo preso a ela
por um cordão umbilical invisível. Sua fala estava repleta de significantes que
interferiam no significado da escola para a criança.
Para Hilda, a separação, esse corte, esse “não” é uma mensagem sobre uma
mensagem... é a mensagem da proibição: Não reintegrarás teu produto.
(Lacan,1999)
No dia seguinte, Fernando encontroume no pátio e me interpelou:
Você conversou com a minha mãe?
No seu questionamento havia a confirmação da certeza. De alguma forma a
lei estava instaurada, como diz Lacan (1995)
(...)recalcada no inconsciente, mas permanente. É nessa medida que algo responde ao simbólico. A lei não é simplesmente (...) aquilo sobre o que nos perguntamos por que, afinal,
a comunidade dos homens nela é introduzida e implicada. Ela também está baseada no real,
sob a forma desse núcleo deixado atrás de si pelo complexo de Édipo, que a análise mostrou
(...) ser a forma real sob a qual se inscreve aquilo que os filósofos (...) haviam mostrado (...)
como a densidade, o núcleo permanente da consciência moral (...) que se chama
supereu.(p.216)
Diante de minha resposta afirmativa, Henrique partiu saltitante acompanhado,
provavelmente pelo sentimento de liberdade: liberdade de abandonar a infância e de
abandonar a dependência fatal do eu ideal dos pais. (Dolto,1996)
A mãe também ficou vivendo uma crise ao operar uma mudança no seu
modelo tutelar, e suportando junto ao pai as conseqüências dessa mudança.
Segundo Dolto (1996)
O sentimento materno, por mais atencioso e amoroso que seja , só é vivificante para
a criança quando coexiste, na mãe, com sentimentos conjugais e com interesses culturais e
61
sociais, o que só se realiza na mulher que se tornou inconscientemente adulta no plano
narcísico. É o sentimento materno, portanto, que inicia e apóia autenticamente a criança que
é objeto dele, e que lhe permite tornarse um sujeito satisfeito com sua autonomia, com a
conquista de suas responsabilidades e com a busca de objetos de seu desejo fora da família:
em outras palavras, orgulhoso de sua condição humana.(p. 228)
Aos poucos fui ganhando confiança dos pais, através das companheiras da
escola. Sempre que a aliança tornavase possível, marcavase uma hora e
partíamos para o encontro. O tão famoso setting terapêutico ocorria independente
do lugar; podia ser num banco no jardim, na sala de professores, no salão... não
importa, o que de fato contava é a palavra ouvida, a palavra trocada que permitia um
novo enfoque, um novo olhar. Para Calligaris (2004)
(...) o setting não é condição nem garantia de nada. Uma análise ou uma terapia acontecem pelas palavras trocadas e pelas relações que elas organizam, não pela disposição dos
traseiros dos interessados. Durante a ditadura militar, na Argentina, mais de um analista se
dispunha a encontrar seus pacientes na clandestinidade, no carro, dirigindo, pegandoos de
carona. (p.112)
Quando o motivo pelo qual o familiar veio aos encontros está sanado é hora
de interrompermos as sessões. Já não estarei sendo mais de nenhum auxílio.
Hoje em dia parece que adotamos um procedimento que tem dado bons
resultados. Em primeiro lugar a professora discute o caso comigo; em seguida
convoca os pais para um conversa particular onde ela expõe o problema da criança
e levanta as hipóteses sobre o que pensam sobre tal comportamento; dependendo
da condução dessa primeira entrevista a professora me colocará à disposição deles.
A mudança não pode ser imposta; tem de partir de uma relação que só acontecerá
se este familiar se dispuser a vivenciála.
Hoje, escrevendo sobre minha trajetória, percebo que o olharpiscante que
me afastou da sala de aula não foi impeditivo para me aproximar das crianças pelo
olharanalítico. É através desse olhar que eu as vejo e posso continuar meu trabalho
62
educativo. A escola é uma imposição social onde a criança aprende a separarse da
mãe e viver sentimentos contraditórios. Aos poucos a criança caminhará para sua
autonomização e individuação. A escola faz o mesmo papel do interdito paterno,
exerce uma função simbólica que evita que a criança fique presa ao discurso
materno.
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ENFIM, O PROESF
(...) Resisto e penso numa terra enfim despojada de plantas inúteis, num país extraordinário, nu e terno, qualquer coisa de melodioso, (...)
Carlos Drummond de Andrade
2001... Uma nova perspectiva surge: a Prefeitura anuncia a abertura de
inscrições para um vestibular na UNICAMP para os professores da rede que não
possuem pedagogia. Incentivo as colegas da escola, na mesma situação que a
minha, a prestarem a prova. Inscrevome logo e começo a estudar com afinco para o
vestibular. Minha filha, professora formada pelo CEFAM (Centro Específico de
Formação e Aperfeiçoamento do Magistério), contribuiu com um bibliografia que me
foi de grande utilidade para o êxito na prova.
Primeiro dia de aula! Todos os colegas eram desconhecidos para mim.
Senteime ao fundo, achava que era melhor observar do que ser observada. Logo
estabeleci laços afetivos e praticamente fiz todas as combinações possíveis nos
grupos de trabalho. Foi a forma que eu encontrei para que me conhecessem e eu a
classe. Ao final do primeiro semestre não sabia o nome de todas, pois tenho muita
dificuldade em guardar nomes e até hoje troco alguns. O nome do sujeito do sexo
masculino, por se constituir como único, foi fácil de guardar.
Até hoje o grupoclasse se mantém unido respeitando nossas diferenças.
Muitas vezes somos vistos com reserva ou com muito carinho pela equipe de
assistentes pedagógicos, por nossas idéias polêmicas. Em determinado momento
nos intitulamos, jocosamente, de Turma D – de Dementes, nos reportando a uma
prática muito comum em nossas classes de alfabetização, de associar a letra inicial
64
à uma palavra: A de árvore, B de bicicleta .... ou como escreveu minha filha aos 7
anos de idade, na tentativa de listar o alfabeto H de agalinha .
Ocorreme neste exato momento em que escrevo que talvez não
estivéssemos presos ao significado da palavra “dementes”. Apesar de fazermos
“loucuras”, não somos loucos. Prendíamonos sim, ao seu significante “de– mentes”,
como possuidores de idéias brilhantes (às vezes, nem tanto) mas fruto do
conhecimento que perpassa pelas nossas cabeças.
Alguns autores, como Piaget e Vygotsky, Skinner, Rogers foram revisitados e
meu diálogo com eles foi intensificado através da reflexão sobre a minha prática e
das escolhas que fiz.
Outros se apresentaram a mim no decorrer do curso e exigiramme uma
atenção especial pois, fizeramme questionamentos e obrigaramme a repensar
minha prática. Assim foi, por exemplo, com os autores sugeridos pelas disciplinas de
Teoria Pedagógica e Produção em Matemática, História, Geografia e Saúde e
Sexualidade.
Outros disseramme que eu compartilhava de suas idéias e que poderia
continuar acompanhandoos pelo percurso que ainda está por vir. Assim foi com os
autores de Teoria Pedagógica e Produção em Português e também com a Educação
Infantil.
A disciplina de Português retomou alguns aspectos que já haviam sido
abordados quando cursei o curso de Especialização em Alfabetização, oferecido
pelo IEL (Instituto de Ensino da Linguagem) – UNICAMP no início dos anos 90.
Esse curso foi oferecido para professores de classes de alfabetização da rede
pública estadual e municipal de Campinas. O curso, em nível de pós graduação
permitiume o encontro com vários autores especializados no assunto e propiciaram
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um diálogo bastante rico com a minha prática. Na ocasião recebi um convite para
aprofundar minha hipóteses sobre a aquisição da linguagem Logo, utilizada para
fazer desenhos no computador e seus pontos de convergência e divergência com a
aquisição da linguagem escrita. O convite foi gentilmente recusado, não me sentia
segura e muito menos disposta a me comprometer com essa pesquisa. Meu olhar ao
término do curso já estava focado nas questões da adolescência marginalizada.
Havia tomado outro atalho, precisava de tempo para conhecer o novo caminho.
Rousseau e ultimamente Comenius (autor que só vim a conhecer agora) me
encantaram pelas idéias. Permitiramme voltar ao tempo em que a Filosofia era meu
desejo de saber.
Comenius, um educador que me pareceu estar mais atual do que nunca,
propõe três princípios fundamentais em sua Didática Magna:
1º a igualdade dos seres humanos: prevê uma escola aberta a todos, meninos
e meninas, sem distinção de sexo ou classe social, um escola democrática;
2º o papel humanizante da educação: acredita que o homem só será bom
quando for instruído;
3º o primado do sensível e dos sentidos: a educação deve desenvolverse
pela intuição sensível.
A natureza ensina e o homem deve imitála. Ensinar pressupõe uma
disposição entre tempo, espaço e método. Observandose a natureza vemos que o
que cresceu em abundância nasceu em lugar determinado: as árvores no bosque, a
relva no campo, o metal nas entranhas da terra. Através dessa metáfora, Comenius
valoriza o espaçoescola. O pensamento é comparado à ordem natural da natureza.
A arte de ensinar exige essa ordem disciplinar da natureza e a compara a uma
plantação espiritual que nunca deve falhar. O fracasso só ocorreria se não se
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aproveitasse o tempo oportuno, se os ensinamentos fossem feitos em tempo errado.
É em Comenius que vamos notar a introdução do tempo escolar, os turnos
matutinos e vespertinos, os intervalos, as férias, os graus de escolarização.
Rousseau, considerado o filósofo do Iluminismo, quase cem anos depois
retomará Comenius e acrescentará à sua idéia que formação de homem como só é
possível na primeira infância. Seu conceito de criança, é de que a infância é um
estágio do desenvolvimento do ser humano. Este conceito influenciará toda a
pedagogia moderna. Ele acredita que a criança tem maneiras próprias de pensar,
de sentir, de enxergar o mundo. Acredita também que seja capaz, frente a um
problema, de buscar maneiras de resolvêlo Aborda a questão da natureza como
sendo equivalente ao essencial do homem, como um valor substantivo e
permanente, mas suas idéias serão mais humanistas que naturalistas.
A história da infância, que me contou Ariès, denuncia uma mentalidade,
sempre presente na humanidade, que a vê como ser inferior, um ser menor. Com o
advento da Idade Moderna começa a surgir uma nova idéia acerca da infância e da
família. O espaço doméstico é privatizado e delegase aos pais os cuidados e
educação dos filhos, o que lhes dá total poder sobre a criança. Esta relação,
caracterizada pela hierarquia e pela dominação, pela centralização do poder nas
mãos do adulto, adultocentrismo, reproduz a estrutura de nossa sociedade
capitalistapatriarcal. É nesse modelo adultocêntrico que as relações se
estabelecem, na base do poder, onde as diferenças são transformadas em
desigualdades.
Steinberg e Kincheloe vão me falar de uma outra infância, daquela advinda
após a 2ª Guerra Mundial, da infância pósmoderna seriamente influenciada pela
mídia que recria artificialmente o real. É com essa infância que tenho trabalhado,
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uma infância problemática. Por isso nos referimos a chamada “inocência infantil”
como algo nostálgico ou não mais existente. E eu por minha vez, lhes conto da
minha preocupação com as mães cada vez mais permissivas e mimando seus filhos,
deixandoos com fraldas até os quatro anos de idade, ou lhes dando mamadeiras
até os seis anos . Parecelhes que desta forma o tempo de infância fica prolongado
e elas se livram da culpa de terem de trabalhar fora.
Voltando a Rousseau, fico sabendo que suas idéias vão ser de grande
influência para pensadores brasileiros como Anísio Teixeira e Lauro de Oliveira
Lima, que já, na década de 20 , questionavam a qualidade do ensino e a formação
do docente e propunham métodos novos e participativos que valorizassem as
relações democráticas entre professor e aluno. Apesar da forte influência americana,
esses autores tentaram um currículo brasileiro, aproveitandose das idéias
progressivistas de Dewey . Eu mesma já citei em outro momento deste relato, essas
idéias fazendo parte da minha formação de professora, em meados da década de
60. Porém o mundo capitalista americano, se intrometendo como faz até hoje, com
países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, subverteu a ordem das coisas.
Era importante formar técnicos para serem aproveitados pelas indústrias em franco
desenvolvimento impulsionadas pela injeção de capital estrangeiro. Vítimas de um
currículo tecnicista que nos afastou cada vez mais das relações entre indivíduos e
classes sociais, que nos afastou da sensibilidade da natureza, da relações afetivas,
cantávamos ingenuamente: este é um país que vai pra frente... É caro Rousseau,
as coisas melhoraram, mas ainda continuamos em crise.
Só me foi possível fazer essa reflexão agora depois de ler pensadores e
estudiosos como Bordieu, Weber, Durkheim, Baudelot, Steinberg e Kincheloe, Paro,
Enguita, Ariès, Acácia Kuenzer, Sandra Zákia, Luis Carlos Freitas, Tomaz Tadeu,
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Heloani, sugeridos entre outros pelas disciplinas de Multiculturalismo e Diversidade
Cultural, Políticas Públicas, Avaliação, Planejamento e Gestão Escolar, Educação
da Criança de 0 a 6, Pensamento Filosófico e Sociológico e Escola e Currículo.
Estas disciplinas foram se entrelaçando, formando a urdidura por onde os fios das
outras disciplinas, com suas espessuras diferentes, com suas nuances específicas,
foram fazendo a trama que alterou minha identidade.
A trama foi se construindo ao longo desses três anos. O tecido pronto permitiu
uma customização com autores que busquei para além do PROESF e que
aparecem com destaque nesse memorial: Freud, Lacan, Winnycott, Dolto, Freinet,
formando um desenho especial, que tornou o que poderia ser igual em diferente, o
que seria comum a muitos, em particular, em individual.
Perdoemme os leitores se às vezes coloco muito de mim nesses escritos.
Talvez tenha tratado alguns assuntos de forma leviana ou equivocada. Talvez
porque tenha chegado o tempo de fazer o recorte de um tema para que possa
aprofundálo. Talvez tenha que chamar, de novo, os autores de minha urdidura e
aprofundar nossas conversas em busca de soluções mais efetivas. Infelizmente não
sei se terei tempo de vêlas. Mas com certeza me reporto ao 30º invariante da
Pedagogia Freinet que justifica todos o meus tateios e autentica minha ação: a
esperança otimista na vida.
Alguns estudiosos acreditam em reformas educacionais como um processo
de regulação social. Ora, não dá mais para acreditar que haja um “poder redentor”
na educação que teria o poder de superar todos os problemas sociais existentes.
Foi nos diálogos em classe, principalmente com as disciplinas de Avaliação,
Politícas Públicas, Gestão Escolar, Currículo, Educação Especial, Educação Não
Formal que fui me dando conta que muitas vezes as minhas opiniões de cunho
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político foram equivocadas pois pensava estar expressando idéias socialistas
quando na realidade meu discurso estava impregnado por idéias neoliberais.
Não dá mais para pensar que a educação seja uma prática social autônoma,
desvinculada do contexto social. Nesses últimos anos presenciamos uma série de
medidas implantadas por orientação do Banco Mundial que resultaram em ações
como FUNDEF (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental),
Amigos da Escola, municipalização do ensino (esta em vias de extinção), aumento
do período letivo, apoio ao livro didático, reestruturação do currículo, formação de
professores continuada e à distância, avaliações como SARESP (Sistema de
Avaliação de Rendimento do Estado de S. Paulo), SAEB (Sistema Nacional de
Avaliação da Educação Básica) ou Provão, aumento dos turnos e privatização do
ensino superior. Os projetos foram implantados de cima para baixo sem haver uma
escuta de qualquer um de nós professores, que considero sermos os sujeitos
diretamente ligados a esses processos.
Conversando com as colegas que atuam em outras Prefeituras e comparando
nossos salários, percebo que algumas recebem um salário indigno em relação ao
que é pago pelo município de Campinas. Nosso salário é considerado o melhor da
região !?!?! A maioria se queixa da grande quantidade de alunos por sala (tem gente
que tem até mais de 40) o que compromete a prática docente e aprisiona os
traseiros aos bancos escolares num espaço físico que não permite a expansão de
seus corpos, que necessitam de movimento, que não conseguem ficar parados
(como é o caso no Ensino Fundamental) por até 5 horas/dia, com curtos intervalos
para recreio e Educação Física. E lá vêm de novo as idéias fantasmagóricas,
trazidas geralmente pela quixotesca figura do OP (orientador pedagógico)
apregoando: temos que adaptar o currículo; temos que rever a metodologia... Ah!
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tem também a figura do meritíssimo Juiz da Vara da Infância e Juventude que
determina que a criança seja matriculada na escola sem atentar para as condições
de acolhimento da mesma. E cumprase a lei!
Olho para a instituição Escola e me pergunto: que caminho é esse que
parece não chegar a lugar nenhum? Que tempo é esse que sempre está por vir?
Quando começo a pensar nesta coisa me vejo a mesma jovem “burrinha como quer
os anjos” queixandome, queixandome... E volto a me perguntar: eu posso ajudar
em alguma coisa? A Escola precisa de mim?
Sentada pela terceira vez nos bancos universitários, já sabia que não obteria
todas as respostas e estaria saindo mais uma vez, cheia de indagações. Acho que
este é o destino mais nobre da educação, aquilo que a psicanálise apontou como
nossa irremediável incompletude, que somos “seres em falta”, sempre procurando,
fora de nós, aquilo que nos completará.
Sabendo que estou em falta em alguns aspectos do meu conhecimento,
permitome desejar enveredar por novos caminhos. Talvez aprofundar as questões
de amoralidade que observei nos adolescentes e em algumas mães dos mesmos.
Acredito que esta amoralidade seja fruto das idéias neoliberais que permeiam a
educação atual. Estamos vivendo uma situação de aumento da violência urbana,
que podem ter duas origens: uma de cunho particular, ligado às relações familiares
fragilizadas pela presença das crianças que não se submetem à lei paterna e que
vivem atadas ao discurso materno; a outra de origem mais geral, estaria inserida no
social, que exige da figura feminina uma atitude fantasiosa de poder, distanciada do
real. Esse motivo social é claro que age diretamente no particular criando um círculo
vicioso que necessita ser quebrado. Pensar sobre essa possibilidade é o que me
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motiva nesse momento e nela coloco meu desejo de enveredar pelos caminhos da
pesquisa.
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CONCLUSÃO
Aprendi a lidar com minha própria loucura. Não eliminei todos os equívocos.
Ainda me permito fazer coisas sem sentido e não erradiquei da minha vida, a
categoria do impossível da existência humana. Ainda tenho conflitos e às vezes a
angústia exerce um controle obsessivo sobre aquilo que sou. Porém tudo isto me
garante que nem todos os caminhos foram percorridos. Existem outros que podem
ser explorados...
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