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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO NEUSA MARIA DE SOUZA MESQUITA FELIX SER PROFESSORA... NÃO! Memórias e reflexões de uma vida dedicada à Educação CAMPINAS 2005

SER PROFESSORA NÃO! - Unicamp · Foi Dewey que teve mais influência sobre meu aprendizado, talvez por ser mais divulgado aqui no Brasil por educadores como Anísio Teixeira, e também

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

NEUSA MARIA DE SOUZA MESQUITA FELIX

SER PROFESSORA... NÃO!

Memórias e reflexões de uma vida dedicada à

Educação

CAMPINAS

2005

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

NEUSA MARIA DE SOUZA MESQUITA FELIX

SER PROFESSORA... NÃO!

Memórias e reflexões de uma vida dedicada à

Educação

Memorial de Formação, apresentado como

exigência parcial para o Programa Especial

de Formação de Professores em Exercício –

PROESF ­ Faculdade de Educação ­

UNICAMP

CAMPINAS

2005

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As palavras me antecedem e ultrapassam, elas me tentam e me modificam e se não tomo cuidado será tarde demais: as coisa serão ditas sem eu as ter dito. Ou pelo menos não era apenas isso. Meu enleio vem de que um tapete é feito de tantos fios que não posso me resignar a seguir um fio só; meu enredamento vem de que uma história é feita de muitas histórias. E nem todas posso contar.

Clarisse Lispector

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Dedicatória

Dedico minhas memórias àquela que mesmo estando longe está tão próxima e presente nessa narrativa. Àquela que foi minha aluna quando pequena e que foi minha interlocutora quando se tornou professora, consciente de sua responsabilidade política: minha filha Clarissa.

Dedico também aquele que sofreu todos os tateios educacionais e o estigma de ter de conviver com meus aprendizados em ser professora. Àquele que tão bem responde e luta por um mundo mais digno, com mais justiça e menos desigualdade social: meu filho Lucinio.

Dedico àqueles com os quais muito aprendi: meus mestres, amigos, companheiros de vida e de trabalho e principalmente, meus alunos.

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SUMÁRIO

1. Apresentação..........................................................................................06

2. Ser professora...não!............................................................................. 07

3. O curso Normal......................................................................................11

4. O primeiro emprego a gente nunca esquece..........................................14

5. Enfim, saí da Penha... ...........................................................................18

6. O encontro com os excluídos..................................................................22

7. O encontro com os universitários............................................................25

8. O encontro com Freinet...........................................................................30

9. Do particular para o público....................................................................37

10.Uma passagem pela educação não formal.............................................47

11. O encontro com professores..................................................................53

12. O (re)encontro com a Infância................................................................57

13. Enfim, o PROESF...................................................................................63

14.Conclusão................................................................................................72

15.Referências Bibliográficas.......................................................................73

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APRESENTAÇÃO

Este é um relato da contradição entre o não querer ser professora e a paixão

pela educação.

É minha autobiografia, minha vida e a identidade que foi se forjando com os

estudos, o trabalho, na relação com as crianças, na troca de experiências com os

colegas.

É uma conversa, um diálogo com os teóricos que me permitiram buscar

saídas, que me fizeram, escolher caminhos para que o processo do conhecimento

acontecesse.

É meu curriculum vitae determinado ora pelo currículo bancário e conteudista dos primeiros anos de formação até a tomada de consciência e percepção das

conexões entre os significantes, a identidade e o poder.

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SER PROFESSORA...NÃO!

Não é a sociedade quem deve dizer quais tipos de vida são sadios ou insanos. É a própria vida que tem de dizer se a sociedade é ou não sadia. E se a vida descobre que sociedade conspira contra ela, não há outra saída além da resistência e da rebeldia.

Rubem Alves

Tudo que lembro, aos 14 anos de idade e terminando o ginásio, é que eu não

queria ser professora.

Era a época dos cursos profissionalizantes e o curso de Química Industrial

abria uma nova oportunidade para as mulheres conquistarem um mercado de

trabalho predominantemente masculino. Era uma opção interessante para fugir dos

padrões femininos de ser professora ou secretária. Eu mesma não sabia o que

significava vir a ser uma química e meu interesse pela matéria não havia passado

além de algumas brincadeiras como fabricar “sangue do diabo” ou outra substância

sugerida por um brinquedo ganho alguns anos antes.

Ah! Mas havia algo mais interessante para se fazer na vida: ser filósofa. Eu

havia lido sobre os mitos gregos na obra de Monteiro Lobato, quando criança. O

contato com os filósofos, Sócrates, Platão e Aristóteles havia acontecido durante as

aulas de Latim, que tivera até a 3ª série do então curso ginasial. Não havia

aprendido a tal língua mas havia me apaixonado pelos personagens que se

expressavam através dela. Meus professores de Latim foram, com certeza, bons

contadores de história e os textos que líamos trazia aspectos da cultura grega seus

mitos e fábulas.

Meu pai, me questionava:

­ Para quê? De que lhe servirá um curso de Filosofia? O que faz um filósofo?

E eu lhe respondia com toda a certeza que se tem na adolescência:

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­ Para pensar como fez Sócrates, Platão...para ter idéias...para mudar o

mundo...

Minha fala não era convincente e ele dava de ombros e não prolongava o

diálogo.

Para cursar a Faculdade de Filosofia era necessário passar pelo Clássico, o

curso correspondente ao Ensino Médio de hoje, voltado para a área de Humanas e

Letras. Havia também o Curso Científico voltado para a área de Exatas e Ciências

Físicas e Biológicas, Medicina.

Eu freqüentava um colégio confessional, sob o comando de uma congregação

de freiras belgas, desde o Jardim da Infância. Ali, em nível de 2º Grau não existia

esta opção e esta, sem dúvida, era a melhor parte. O que eu desejava mesmo era

sair do bairro em que vivia, a Penha de França, um lugar tão longínquo do centro da

cidade de São Paulo, que possuía uma vida própria, um ar bucólico de cidade do

interior.

A Penha, nos tempos de D. Pedro I, era uma freguesia e funcionava como

pouso para os viajantes que se dirigiam ao Rio de Janeiro. A capela construída no

alto da colina era dedicada à Nossa Senhora da Penha, que mais tarde virou uma

igreja e a virgem foi consagrada a padroeira da cidade. Seu dia é comemorado a 8

de setembro e, até a década de 60, este dia era considerado um feriado municipal.

Os fiéis de todos os cantos da cidade acorriam a estas festividades para

participarem da grande procissão e da grande queima de fogos após a missa

campal. O comércio também lucrava com esta festa e as dezenas de lojinhas que

vendiam artigos religiosos viviam seus dias de glória. Hoje em dia as comemorações

são mais modestas e as lojinhas não mais existem.

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Meu desejo era conhecer outras pessoas, outras idéias. Morando no extremo

da Zona Leste eu percebia, através da leitura de jornais e revistas, que tudo de

interessante acontecia além da Praça da Sé em direção à Zona Oeste ou Sul: lá

estavam os cinemas, os teatros, a vida noturna...

Eu queria ir para o Colégio Mackenzie. Ele se parecia com as escolas

americanas que víamos nos filmes com aqueles rapazes e moças cantando baladas

românticas e surfando na praia durante as férias. Era um colégio misto e eu já

estava cansada de toda aquela feminilidade presente no Externato São Vicente de

Paulo: as classes só de meninas e a maioria dos professores sendo freiras da

congregação. Naquela época eu não tinha idéia da ideologia política que estava por

trás do Mackenzie, nem tampouco que estaria trocando um ensino confessional

católico por um protestante. Mas, naquele momento vestir um blusão com um

grande ”M” bordado no peito era o MÁXIMO.

É claro que meus pais castraram meu desejo e me convenceram a fazer o

Curso Normal (atual Magistério) e eu permaneci na mesma escola.

As mulheres da família, em sua maioria professoras, formadas nas melhores

escolas estaduais de São Paulo: Caetano de Campos e Padre Anchieta, me

convenciam das maravilhas da profissão. O mais interessante é que só uma exercia

o ofício; três haviam se casado e abandonado a carreira (uma delas era minha mãe)

e as gêmeas preparavam­se para entrar na universidade.

E assim, lá fui eu no ano de 1964, vestida de azul e branco... sem laço de fita

e sem o sorriso encantador... ser uma linda normalista!

O impedimento em fazer outro curso passava pela questão de gênero. Ser

professora é uma profissão basicamente feminina e esta idéia perpetua até os dias

de hoje. O professor do gênero masculino é uma profissão destinada aos que

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ministram aulas da 5ª série do Ensino Fundamental em diante, tornando­se mais

reconhecida, em nível universitário. O texto de Magnani(1997) fala da minha

indignação:

Mulher e professora. Desgraça pouca é bobagem.

Como se ferraram as mulheres que quiseram dizer não e pagaram o preço. A falta do

segundo sexo e a saudade do pênis: só pode ser explicação de homem.Para eles tudo foi

sempre mais fácil! Nunca precisaram de dupla jornada de trabalho: fora e dentro de casa.

Nunca sofreram para parir: só usam o depósito de sêmen.

Mas certamente se ferraram as mais sensíveis: Penélope, que tecia;Isadora, que

dançava; Sara que representava; Simone, que escrevia; Frida que pintava; Olga que lutava. E

as anônimas, a pobre ceifeira de Pessoa, a Terezinha e as mulheres de Atenas? E as

professoras que não podem sair sozinhas ou curtir uma leitura porque devem carinho e

atenção ao marido e aos filhos. Tão carentes, coitados! E depois, Deus fez primeiro o

homem... a mulher apenas para preencher sua solidão...

E lá fui eu para o curso “espera marido” submissa à minha condição de

mulher, contrariada em meu desejo. Fui fazer o curso mais feminino que já

inventaram. Será que alguém já escreveu romances ou poesias dedicadas a um

normalista? Não, normalista é palavra feminina por excelência e que me corrijam os

professores de Português, que consideram a palavra comum aos dois gêneros.

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O CURSO NORMAL

Enfim, professora é vista sempre como aquela que trabalha apenas na escola primária, sem nenhuma nobreza, sem nenhuma credibilidade, sem nenhum vôo teórico ou vivencial, sem nenhuma organização significativa de seu pensamento e de sua ação, e cuja titulação deve ser evitada de ser mencionada... É algo menor, desimportante, que não avaliza nenhuma informação, comentário ou cujo raciocínio possa ser levado a sério... Primária

Fanny Abramovich (1985)

Fevereiro de 1964... início das aulas... Um perigo real pairava no ar. O

governo do Presidente João Goulart já não se sustentava em sua idéia de defender

a nação do poder capitalista dos Estados Unidos. A oposição alertava para o perigo

do comunismo. Meus pais temiam por uma guerra civil até que a 31 de março desse

mesmo ano, as Forças Armadas tomaram o poder e davam início ao período de

ditadura mais longo e doloroso de nossa história.

O ano letivo começava e já que teria que continuar na mesma escola, com as

mesmas colegas, com as mesmas freiras, resolvi mudar de postura. Abandonei as

primeiras carteiras e fui sentar­me ao fundo. De lá poderia ter uma visão de toda

sala ao mesmo tempo que poderia me distrair, olhando pela janela. Passei a ser

uma espécie de informante dos acontecimentos da rua, da chegada dos rapazes

que acompanhavam nossa saída da escola, ou de qualquer outro acontecimento de

importância irrelevante.

Aos poucos fui me interessando pelas matérias: filosofia e psicologia da

educação, pedagogia. A professora de didática e metodologia do ensino se

destacava entre o grupo de docentes, na maioria religiosas, como convinha a um

ensino confessional. Moça vinda do interior paulista, recém formada em pedagogia,

propunha leituras de autores que se distanciavam da educação tradicional. Assim,

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fui apresentada a clássicos como Rousseau, Pestalozzi, Dewey, Decroly, entre

outros.

Foi Dewey que teve mais influência sobre meu aprendizado, talvez por ser

mais divulgado aqui no Brasil por educadores como Anísio Teixeira, e também por a

professora demonstrar uma clara preferência por ele. Tal autor ao contestar a

educação pela instrução e pela memorização, me dava subsídios para algumas

reflexões sobre coisas que tive que aprender durante o meu Curso Primário. Por

exemplo: de que me serviu decorar os afluentes, do lado esquerdo e direito, do Rio

Amazonas se na época, por volta dos 8 ou 9 anos de idade, nem o conceito de

afluente eu tinha? Desenhava o Rio Amazonas com seus afluentes “saindo” dele e

não entendia que o afluente é aquele que iria ao seu encontro. Atualmente só me

recordo de dois de seus afluentes: o Negro e o Solimões. Será porque também é

nome de dupla sertaneja? Também não sei se são da margem direita ou esquerda.

Porém, com algum esforço, sou capaz de me lembrar das cidades do Vale do

Paraíba, talvez por ter tido oportunidade de percorrer a Via Dutra e conhecer

algumas delas. Neste caso o conhecimento foi vivenciado e não só decorado.

Influenciado por Rousseau, Pestalozzi e Fröebel, Dewey defende a idéia que

a educação deve fazer parte do desenvolvimento natural do indivíduo, reconciliar o

dualismo tradicional entre razão e espírito, o psicológico e o social, o indivíduo e a

sociedade, os fins e os meios, a teoria e a prática, o trabalho e o lazer. A educação,

através de um processo natural e social, garante aos seres humanos a transmissão

de suas idéias, crenças e conhecimentos. Os conteúdos portanto, devem se articular

com a vida. Essas idéias iriam me acompanhar quando iniciei minha prática e

seriam acrescidas pela leitura de outros autores como Piaget, Freinet , Vygotsky e

pela própria reflexão do trabalho desenvolvido. O conhecimento não teria um fim em

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si mesmo mas, deveria estar dirigido para a experiência. A educação deveria

propiciar à criança condições de resolução de seus problemas. Assim, a escola não

prepararia para a vida mas, seria a própria vida. Nas palavras de Dewey (1908):

A moral está jungida às realidades da vida, não a ideais, fins e obrigações independentes das

realidades concretas. Os fatos dos quais ela depende, que são seus alicerces, procedem das

ligações ativas e recíprocas entre indivíduos, são conseqüências de suas atividades

entrelaçadas com a vida dos desejos, crenças , dos julgamentos, das satisfações e dos

descontentamentos. Neste sentido a conduta e, consequentemente, a moral são sociais (...)

No último ano passamos a fazer estágio de regência de aula. Aos sábados,

isto mesmo, havia aulas aos sábados, enquanto as professoras do primário

participavam da reunião pedagógica, nós normalistas assumíamos as salas de aula.

Preparávamos tudo com muito carinho, atentas às questões pedagógicas. Lembro­

me em especial de uma aula sobre acidentes geográficos. Levamos argila e as

crianças modelaram as montanhas, o rio, seus afluentes, um lago, ilha... A nossa

preocupação é que as crianças tivessem uma compreensão de conceitos

geográficos e que não reproduzíssemos as informações errôneas ou distorcidas de

nossos primeiros anos escolares como por exemplo: ilha é uma porção de terra

cercada de água por todos os lados...

Estávamos em outubro de 1966. Fomos para Piracicaba conhecer a

Faculdade de Agronomia e o Salto do Rio Piracicaba. Na semana seguinte comecei

a sentir­me muito sonolenta, desanimada. Achava que era o acúmulo de trabalhos, a

organização da formatura. Qual, nada! Estava com hepatite. O tipo, não me lembro.

Só sei que a tal doença me colocou na cama até janeiro do ano seguinte e, o que foi

pior, atrasou as minhas provas finais e me privou das comemorações de formatura

com minhas companheiras.

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O PRIMEIRO EMPREGO A GENTE NUNCA ESQUECE

As coisas têm muitos jeitos de ser.

Depende do jeito da gente ver

(...)

O amanhã de ontem é hoje. O hoje é o ontem de amanhã. O pouco pode ser muito. O quente pode ser frio. (...) Ver de um jeito agora e de outro jeito depois. Ou melhor ainda ver na mesma hora os dois.

Jandira Masur

Fui dar aula numa escolinha de fundo de quintal. Uma casa residencial com

os quartos transformados em salas de aula destinadas ao Ensino Infantil. As

carteiras colocadas de modo tradicional, uma atrás da outra e sem espaços entre

elas, obrigavam os alunos a passarem uns por cima dos outros. O que era mais

triste de se ver é que as crianças, mais ou menos umas quinze, tinham idade entre 5

e 6 anos e passariam a maior parte de seu tempo confinadas a esta sala com direito

a saírem um pouco na hora do lanche.

Tudo o que havia aprendido ficava quase impossível de se colocar em prática.

Tinha que recorrer de toda minha criatividade. E haja criatividade! Recordo­me que

cantávamos muito. Inventava instrumentos musicais com os materiais disponíveis:

estojos de madeira, viravam chocalhos; as mãos batendo sobre as mesas ou o

próprio corpo dava vários tipos de tambores; também aproveitávamos sons

onomatopéicos para complementar nossa bandinha. Parece incoerente o que vou

contar mas cantava para manter as crianças quietas, disciplinadas. Cantava também

para denunciar aquele confinamento a que eu e as crianças estávamos sujeitos.

Cantava como o poeta para trazer alegria e espantar a tristeza:

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CANTÁ

Gildes Bezerra

Cantá seja lá cumu fô Si a dô fô mais grandi qui o peito Cantá bem mais forte qui a dô

Cantá pru mor da aligria Tomém pru mor da tristeza Cantano é qui a natureza Insina os ome a cantá

Cantá sintino sodade Qui deixa as marca di verga Di argúem qui os óio num vê I o coração inda enxerga.

Cantá coieno as coieta Ou qui nem bigorna no maio Qui canto bão di iscuitá É o som da minhã di trabaio.

Cantá cumu quem dinuncia A pió injustiça da vida: A fomi i as panela vazia Nus lá qui num tem mais cumida.

Cantá nossa vida i a roça Nas quar germina a semente, As qui dão fruto na terra I as qui dão fruto na gente.

Cantá as caboca cum jeito, Cum viola i catiguria. Si elas cantá nu seu peito Num tem cantá qui alivia.

Cantá pru mor dispertá U amor qui bati i consola Pontiano dentro da gente Um coração di viola.

Cantá cum muitos amigos Quia vida canta mió. É im bando qui os passarim Cantano disperta o sol.

Cantá, cantá sempri mais: Di tardi, di noiti i di dia. Cantá, cantá qui a paiz Carece de mais cantoria.

Cantá seja lá cumu fô Si a dô fô mais grandi qui o peito Cantá bem mais forte qui a dô.

Retirado do CD Espiral do Tempo/ Grupo ANIMA (97)

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Acho que eu também cantava pra espantar a dor. De que me adiantava todo

o saber acumulado durante os anos do Curso Normal se não podia aplicar? Que

respeito havia pela infância confinada entre quatro paredes sem possibilidade de

expansão? Para onde iria o tempo das descobertas, de espantos, de

questionamentos? Para onde iria a possibilidade de correr com o vento, escabujar

na lama, tomar banho de chuva? A escola reproduzia a estrutura da sociedade

vigente, capitalista­patriarcal, onde a relação estava caracterizada pela hierarquia e

pela dominação, pela centralização do poder nas mãos do adulto. Este modelo

adultocêntrico que estabelece as relações pelo poder e transforma as diferenças em

desigualdade. Era preciso denunciar aquela situação, era necessário fazer barulho.

E nós fazíamos.

Após algum tempo, com os negócios melhorando, os proprietários da escola

alugaram um imóvel ao lado. Na realidade era uma grande terreno que servira de

estacionamento de carros e que agora ganharia as honras de páteo ampliado com

os brinquedos de parque. Fui agraciada com um sala bem ao fundo do terreno. Acho

que de lá os adultos não seriam importunados pelas nossas cantorias. Também

providenciaram um mobiliário mais adequado: mesinhas baixas com quatro cadeiras

cada uma, prateleiras na altura das crianças, que permitiam uma maior autonomia

para as atividades diversificadas e para a organização do trabalho em cantinhos.

Por uma ano e meio eu permaneci nessa escola. Eu havia tentado ser uma

boa professora, e de alguma forma me regozijava com minhas conquistas. Porém,

os patrões até então, não haviam providenciado meu registro trabalhista, alegando

que eu estava em “período de experiência”. Esta era uma fala muito comum quando

se conseguia o primeiro emprego e a Previdência Social parecia não ter

instrumentos para fiscalizar ou punir os infratores. O pior era quando se desejava

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obter o segundo emprego: aí era exigido experiência comprovada pela carteira de

trabalho. E ao trabalhador cabia um papel abobalhado frente ao cinismo do sistema.

Assim, diante das condições precárias do trabalho, a baixa remuneração, o

desejo de prestar os exames para Psicologia , principalmente, o velho desejo

acobertado de sair do bairro, levaram­me ao cursinho pré­vestibular e a pedir

demissão desta escola.

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ENFIM, SAÍ DA PENHA...

Pensar que se está escapando e se está correndo para dentro de si mesmo. O caminho mais longo é o caminho mais curto para casa. (...) pois quando se sai nunca se sabe quais os riscos.

James Joyce

1968... O mundo explodia em crises e os estudantes passavam a ser os

atores principais dos movimentos reivindicatórios por uma sociedade mais justa,

mais igualitária, mais humana. As palavras de Mª Cecília dos Santos registram o

momento histórico:

Quando os estudantes começaram a afluir para o Congresso da UNE, o terrorismo da

direita já lhes ensinara que o último trimestre de 1968 era diferente do primeiro. Na pequena

rua Maria Antonia, no bairro paulista de Higienópolis, conviviam a Faculdade de Filosofia,

Ciências e Letras da USP e a Universidade Mackenzie. Uma, conhecida popularmente pelo

nome da rua, era faculdade de produção brilhante, jóia da esquerda, fornecedora de quadros

para o radicalismo da esquerda paulistana. Na outra, militava o CCC 1 . Durante todo o ano os

dois lados da calçada hostilizaram­se, até que no dia 2 de outubro alunos da escola de

filosofia fecharam a Maria Antonia, cobrando pedágio em benefício da organização do

Congresso da UNE. Um estudante do Mackenzie jogou um ovo no grupo que bloqueava a

rua, e deu­se uma breve pancadaria, esfriada com o aparecimento da polícia. À noite o

laboratório do Mackenzie foi aberto para a fabricação de bombas.

Na manhã seguinte o CCC desceu os tanques. Sua tropa atacou com tiros e

centenas de coquetéis molotov. Mataram um secundarista de vinte anos, José Guimarães,

invadiram a Maria Antonia e incendiaram­na. (...) Esta fora refúgio de professores europeus

fugitivos do nazismo, era o berço da moderna sociologia brasileira. Nas suas ruínas,

estudantes cantaram “Saudosa maloca”. 2

Os conflitos entre os estudantes da USP e do Mackenzie trouxeram­me à luz

uma série de reflexões. Afinal, a que grupo social pertencia, sob que filosofia havia

1 Comando de Caça aos Comunistas

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sido criada, que elementos sociais partilhavam do meu modo de agir e pensar?

Estava vivendo um momento crítico e iniciava uma elaboração avaliativa de meu

processo educativo por treze anos em colégio de freiras; das crenças e valores

transmitidos por meus pais, como legítima descendente de tradicional família

penhense. Ainda das relações sociais e das concepções de mundo. Comparava

tudo isso com a atual situação política do país, as questões filosóficas divulgadas

por Sartre, as questões do feminino refletidas por sua companheira Simone de

Beauvoir e a realidade estampada nas primeiras páginas dos jornais. Chegava à

maioridade começando o processo do “conhece­te a ti mesmo”, estava em crise de

identidade e as palavras de Osakabe falam da minha inquietude:

(...) o indivíduo vive sempre em crise entre uma identidade conferida e estável e as

alterações que a experiência acidental e imprevisível lhe proporciona.

(...) se ela (a linguagem) imita a vida, ela tem de se expor às rupturas. Menos do que uma

decorrência “natural”. A reivindicação da ruptura funda um princípio de sobrevivência: a vida

formulada em sobressaltos. Esse é o “espaço” em que se constitui o sujeito do discurso,

incompletude por definição.

A mim me parece que esse sujeito se configura numa espécie de utopia inquietante por conta

da profunda consciência de sua falta que vem esclarecer os mecanismos de engodo em que

se assenta nosso próprio apaziguamento. A utopia incorpora o desejo e com isso mesmo, por

clarificar seu impossível, tem o poder de mobilizar.(p.37)

Frente aos conflitos da rua Maria Antonia eu olhava­me com horror. Era a

este grupo que eu um dia quis aderir? Era esta camisa que eu queria vestir? O M de

MÁXIMO virou o M dos manipuladores do sistema, o M dos monstros do poder

capitalista, um M de mer...

Durante o tempo de cursinho a insegurança e o medo andaram lado a lado.

Ser estudante era quase ser marginal ou vândalo. Os professores de Filosofia e

2 Mª Cecília Loschiavo dos Santos (org.) Maria Antonia: uma rua na contramão. In : Gaspari (2002:324)

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Matemática nos falavam de uma desobediência, de uma oposição ao governo.

Também nos alertavam para que ficássemos alerta nas ruas, pois a qualquer

momento poderíamos ser considerados “suspeitos” e aí teríamos que arcar com as

conseqüências.

Tenho a sensação que “esquizofrenei”. Na Penha, a vida parecia continuar da

mesma forma. Não havia crise cultural ou educacional, continuava a ir à missa das

11:00h (o melhor ponto de encontro do bairro), a freqüentar os mesmos amigos e os

mesmos bailinhos nos finais de semana. No cursinho e para além da avenida São

João a vida era diferente. Lá estavam os intelectuais , os filmes de Godard, Resnais,

Ingmar Bergman, que eu e provavelmente meus colegas não conseguíamos

entender, mas passávamos horas discutindo, bebendo cerveja e fumando Hollywood

sem filtro (era mais barato) e construindo as tão temidas idéias comunistas.

Prestei, por dois anos, os exames vestibulares na PUC (Pontifícia

Universidade Católica) de São Paulo. Não entrei, mas fazia parte da lista dos

“excedentes”: aqueles que obtiveram nota, mas não a vaga. Nunca consegui

entender este conceito. E afinal a culpa era minha, e não do sistema. Era eu quem

não havia se esforçado o bastante para tirar notas melhores. Infelizmente essas

idéias neo­liberais permanecem até hoje.

Participei de um acampamento nos jardins da Católica, com objetivos

reivindicatórios. Meu pai, um udenista convicto, apoiou­me neste movimento: levava­

me cedinho para a rua Monte Alegre e lá eu passava o dia todo até o anoitecer,

quando voltava para casa, desanimada e cansada. Ele sabiamente dizia que nada

daquilo ia adiantar. A PUC jamais abriria outra sala para nos atender, mas apoiava

nosso protesto pacífico e procurava conversar com os líderes do movimento. Minha

mãe, sempre mais insegura, temia pelas represálias mas ajudava­nos com seus

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lanchinhos para alimentar os corpos cansados. Não me lembro por quanto tempo

ficamos por lá... quinze dias, um mês. Enfim, desistimos do tal embate e pouco a

pouco cada um voltou para sua casa.

Foi no acampamento que soubemos da abertura de uma Faculdade de

Psicologia, em Mogi das Cruzes. Novo vestibular e finalmente adentrei ao mundo

universitário.

Por cinco anos freqüentei os trens de subúrbio da velha Central do Brasil em

direção ao interior. Meus professores eram os mesmos da USP (Universidade de

São Paulo) e da PUC. Poucos eram mestres ou doutores nessa área e a profissão

havia sido regulamentada recentemente, em 1962.

Os estágios na área clínica colocaram­me novamente em contato com as

crianças. Eu me sentia mais segura com elas. Fiz monitoria na área de

psicodiagnóstico e psicomotricidade e concluí o curso mais envolvida com as

questões de saúde mental e as políticas públicas destinadas aos pacientes

psiquiátricos. A Educação parecia ter se distanciado para sempre da minha vida.

Havia optado por não fazer a Licenciatura em Psicologia, pois tal curso só me daria

o direito de ministrar aulas no Curso Normal e ainda por cima disputar as vagas com

os pedagogos, que tinham este mesmo direito. Definitivamente, não!

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O ENCONTRO COM OS EXCLUÍDOS

A gente vê velho (e jovem também) aí pra esses fundos que não sabe separar um a de um b. Gente que pega dum lápis e desenha o nome dele lá naquela dificuldade, naquele sofrimento. É isso e não muito mais que resta do esforço de tantos trabalhadores do ensino elementar. Continuará a ser essa escola do povo? É ou não possível instruir os filhos das classes subalternas deste país, neste país?

Arroyo (1991:09)

Por volta de 72 ou 73 participei do movimento MOBRAL (Movimento Brasileiro

de Alfabetização). Dei aula por alguns meses numa sala de um bairro da periferia de

São Paulo, lá para os lados da Vila Nhocuné. A classe funcionava numa sala cedida

pelo padre da paróquia do bairro. Novamente me defrontava com condições

precárias de trabalho: uma mesa grande, bancos, algumas cadeiras. Os alunos,

senhoras em sua maioria, acomodavam­se como podiam. O grupo sempre tinha

muitas histórias para contar sobre os impeditivos que lhes fizeram abandonar, ou até

mesmo, nunca terem freqüentado escola. Muitos, de origem rural, não freqüentaram

a escola em sua infância, por conta do trabalho na lavoura. Denunciavam em seus

depoimentos a exploração da mão de obra infantil tão combatida nos dia de hoje.

Falavam também do preconceito contra a mulher: “mulher não precisa de estudo

para cuidar da casa e dos filhos” era figura considerada de menos valia dentro de

uma sociedade machista e patriarcal. Eram analfabetos, a maioria nem o nome

sabia escrever. Utilizávamos uma cartilha como livro de apoio, que foi uma

deturpação da pedagogia freiriana. Partíamos do “tijolo” para construir conhecimento

da leitura/escrita. Porém, tentávamos construir o conhecimento sem colocarmos o

“alicerce” que embasava a proposta. O que Freire sugeria é que uma equipe de

profissionais e elementos da comunidade que se ia alfabetizar preparassem o

material específico para cada comunidade a fim de perceber a realidade em que

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estavam inseridos. Porém o que ocorreu de fato é que as codificações foram

elaboradas para todo o Brasil, tanto quanto as palavras geradoras.

Fundamentalmente, o MOBRAL ensinou a ler, escrever e contar e não buscou as

visões da realidade do povo.

O método freiriano foi refuncionalizado como prática, não de liberdade, mas

de integração ao “‘Modelo Brasileiro” ao nível das três instâncias: infra­estrutura,

sociedade política e sociedade civil. (Freitag, 1986:93)

Após alguns meses prestei novo concurso e passei a ser Assistente

Pedagógico. Coordenava um grupo de monitores (só agora me dou conta que não

eram chamados de professores): visitava as salas e nos reuníamos aos sábados

para traçar estratégias pedagógicas de atuação. Através de dinâmicas de grupo os

monitores expunham suas dúvidas e trocavam suas experiências.

Se por um lado Paulo Freire propunha a “educação como prática de

liberdade” (1975) o projeto pedagógico do MOBRAL propunha intrinsicamente o

condicionamento do indivíduo ao status quo. O referencial ideológico foi subvertido

em sua prática. Baseando­me nas idéias de Althusser (1983) considero que o

MOBRAL foi um “Aparelho Ideológico do Estado”.

O programa foi extinto em meados dos anos 80 com a recessão econômica

vigente. A experiência de qualquer forma foi bastante válida. Durante os dois anos

em que trabalhei no MOBRAL pude entender que a educação deveria ser algo para

além da decifração do código da escrita ou de continhas de soma e subtração. Havia

a necessidade de instrumentalizar os alunos para uma reflexão crítica de seu papel

na sociedade. Porém a forma como abordávamos nossos alunos só os

transformavam de analfabetos de fato em analfabetos funcionais.

Quanto à educação emancipadora de Paulo Freire, Moreira (1990) comenta:

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No que se refere ao pensamento curricular, entretanto, sua teoria representa o

primeiro esforço, no Brasil, de enfocar conhecimento e currículo a partir de um interesse em

emancipação. São evidentes as semelhanças entre a educação libertadora de Freire e o

interesse emancipatório de Habermas. Primeiramente, os dois autores relacionam discurso

com liberdade e consideram o diálogo como fenômeno humano fundamental. Em segundo

lugar, ambos desejam que as pessoas reflitam sobre suas experiências e compreendam que

há outras explicações, além daquelas do senso comum, que permitem entender mais

profundamente as causas de situações de opressão. Finalmente, os dois vêem emancipação

como uma conquista social e não individual (...).

Porém, em tempos de militares regendo o Brasil sob a ideologia da segurança

nacional, era melhor que o povo não se emancipasse e os tecnocratas ficassem

responsáveis pelo desenvolvimento industrial e tecnológico do país. As idéias de

Freire, consideradas “subversivas”, na realidade subvertiam os currículos

tradicionais e propunham uma ampliação do currículo legitimando a “cultura popular”

que teria um valor equivalente à cultura erudita. Também problematizavam nossa

condição social de povo pré­colonialista, de sociedade dividida em dominantes e

dominados. Suas idéias passaram a ser discutidas por educadores do mundo inteiro

e até hoje, no Brasil, elas fazem parte dos currículos universitários de educação.

Aprendemos sobre Freire, porém não o “colocamos” em prática.

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O ENCONTRO COM OS UNIVERSITÁRIOS

A realidade Sempre é mais ou menos Do que nós queremos. Só nós somos sempre Iguais a nós­próprios.

Fernando Pessoa

Terminada a faculdade fui me dedicar àquilo que havia proposto ser:

psicoterapeuta. Em parceria com mais três amigas abrimos uma clínica em São

Bernardo do Campo, o município B do Grande ABC (região metropolitana de São

Paulo) em grande expansão econômica por conta do incentivo à indústria

automobilística, mas carente de profissionais da área psicológica.

Não sei se por ironia do destino ou por ter demonstrado grande interesse pela

área durante a formação acadêmica, a maioria dos meus pacientes eram crianças

com problemas de aprendizagem. Eram crianças que estavam a beira de serem

afastadas da escola porque esta não dava conta deles. Para alguns a queixa

referia–se a um comportamento inquieto, não tinham “bom comportamento”, viviam

distraídos olhando pela janela ou prestando a atenção em algo diferente da

professora com seu blá, blá blá... interminável. Outros já chegavam com um

diagnóstico fechado pela escola: eram “retardados”, não eram “normais”, precisavam

ser encaminhados para a classe especial e necessitavam do laudo psicológico que

atestasse sua não adequação ao sistema.

Naquele tempo não tinha experiência nem subsídios para discutir as questões

pedagógicas que envolviam aqueles excluídos. Acolhi estas crianças e seus

familiares em seu sofrimento, na angústia de serem diferentes numa sociedade que

os marginalizava. Não havia legislação que protegesse essas crianças, o que só

aconteceu com a Constituição de 1988, que lhes garantiu o acesso à escola. Porém

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até hoje nos deparamos lutando pela qualidade desse direito e cobrando dos

municípios as ações e políticas públicas que garantam a verdadeira inclusão.

Concomitante ao trabalho clínico recebi uma proposta para ministrar aulas

nas duas mais recentes faculdades de Psicologia. Os cursos de Psicologia eram

muito recentes e não havia profissionais com mestrado para darem conta da

demanda. Assim sendo, fui dar aulas de Técnicas Psicoterápicas e de Testes

Psicológicos numa faculdade em São Caetano e numa faculdade em Santo André,

Parece que o vírus do magistério havia me contaminado e permanecia pronto a

eclodir assim que lhe desse oportunidade. O mais estranho é que estava

completamente envolvida pelos “santos” do ABC “alfabetizando­me” pelos caminhos

da psicologia.

Confesso que peguei gosto pela coisa. Tinha que estudar muito. Preparava as

aulas com cuidado e lá ia eu enfrentar uma classe com pessoas, em sua maioria,

mais velhas do que eu. Acreditava, e continuo acreditando, como ouvi numa palestra

proferida pelo Prof. Adriano Nogueira (2005), que aquilo que o estudante aprende

depende de minha atuação docente, depende de minha postura. O pensamento

que o aluno tem sobre a realidade pode ser cambiável e está diretamente ligado ao

que está sendo transmitido pelo professor.

Por outro lado o estudante universitário que se apresentava à minha frente

vinha de uma formação (ou seria deformação?) acostumado a engolir as coisas

prontas. Poucos se destacavam por uma atitude crítica ou eram provocados pelas

leituras sugeridas.

A memória é uma coisa estranha! As vezes nos lembramos de coisas que

seriam melhor que fossem esquecidas. Mas, talvez porque nos causou tanta

indignação, nos assombram sempre. Assim foi com Antonio, nem sei realmente

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como era seu nome, mas isto não importa. O que importa é o fato em si e o

personagem de quem falo. Era meu aluno mais velho e deveria ter mais de 50 anos

de idade. Dizia­se advogado formado que via no curso de Psicologia um desafio

para obtenção de novos saberes. Sentava­se no meio da sala e pouco ou nada

contribuía em nossas discussões.

Estávamos no final do ano, já em fase final de avaliação da matéria de

Técnicas Psicoterápicas. Os alunos me entregavam seus textos sobre Freud e a

psicanálise. Este trabalho exigia uma pesquisa e fazia parte de um conjunto de

atividades previamente combinadas com os alunos para composição da nota final.

Notei que Antonio não havia entregue o trabalho. Ao chamar­lhe a atenção para o

fato, o aluno solicitou­me:

­ Posso lhe entregar até o final da aula?

­ Você tem material suficiente para consultar? – perguntei­lhe.

­ Não será necessário, sei muito bem o assunto – respondeu­me

desafiadoramente.

Sentou­se no fundo da sala e eu continuei a concluir nosso curso,,

devolvendo as notas aos alunos e ouvindo suas auto­avaliações. Ao final da aula

apresentou­me uma folha escrita em papel arrancado de seu caderno universitário.

Recolhi minhas coisas e dirigi­me à sala dos professores. Ia começar a ler o

texto produzido por Antonio quando fui surpreendida pelo título. O nome de meu tão

admirado Freud estava escrito exatamente como se pronuncia: FROIDE. Minha

indignação foi imensa e não veria mais o aluno para lhe corrigir o equívoco. Presa

que estava à sua petulância ao me dizer que dominava o assunto, usei de minha

autoridade e também de uma certa arrogância e ironia, reconheço hoje, e escrevi no

canto inferior direito da página, algo como: Antonio, estou lhe dando zero pois seu

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trabalho não merece nem ser lido. Primeiramente você deve aprender a escrever o

nome correto do autor que você alegou conhecer tão bem.

O trabalho foi deixado na secretaria para ser devolvido ao aluno e eu passei

as notas na caderneta. Antonio ao ficar com zero naquele trabalho, teve sua média

final bastante reduzida e provavelmente estaria de dependência naquela matéria.

Naquela época, isto me pareceu muito justo.

Porém, qual não foi minha surpresa ao voltar dias mais tarde para uma

reunião de avaliação do curso, no quadro de avisos a nota atribuída a Antonio havia

sido alterada pela secretaria da escola. Tentei trocar idéias com outros colegas.

Estava chocada. Queria ir direto à direção da escola. Orientaram­me a ficar quieta.

O advogado Antonio era amigo pessoal do dono da escola, seria minha palavra

contra a dele.

Quem seria na verdade o tal Antonio, qual seria seu papel dentro da sala?

Talvez fosse alguém colocado ali para vigiar­nos. Eu era uma professora muito

jovem e poderia através de minhas aulas transmitir idéias de liberdade e

emancipação. Afinal, não há neutralidade quando se é professor e se estabelece um

diálogo com os alunos. É como diz Guattari (1988):

(...) devemos interpelar todos aqueles que ocupam uma posição de ensino nas ciências

sociais e psicológicas, ou no campo de trabalho – todos aqueles, enfim cuja posição consiste

em se interessar pelo discurso do outro. Eles se encontram numa encruzilhada política e

micropolítica fundamental. Ou vão fazer o jogo dessa reprodução de modelos que não nos

permitem criar saídas para o processo de singularização, ou, ao contrário, vão estar

trabalhando para o funcionamento desses processos na medida de suas possibilidades e dos

agenciamentos que consigam pôr para funcionar. Isto quer dizer que não há objetividade

científica alguma nesse campo, nem uma suposta neutralidade na relação.

Eu me calei, o medo me paralisou. Mas, no ano seguinte não quis mais dar

aulas na tal faculdade. Foi meu protesto silencioso, sofrido contra as arbitrariedades

do sistema.

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A poesia que se segue traduz melhor meus sentimentos:

eles tentaram me transformar num ser menos seguro eles tentaram eu te asseguro eles tentaram

minha mãe meu tio minha professora meu cachorro eles tentaram eu te asseguro eles tentaram

e até o grande ditador e o diretor da faculdade eles tentaram eu te asseguro eles tentaram

e o meu primeiro namorado e a mãe do cara queu amei eles tentaram eu te asseguro eles tentaram

e os meus amigos mais diletos e o meu filósofo mais lido eles tentaram eu te asseguro eles tentaram

e às vezes minha própria imagem e o padre que eu ouvi na infância eles tentaram eu te asseguro eles tentaram

dia veio que me inteirei de suas intenções assim como eles se inteiraram das minhas.

Ana M.P.F. de Castro, na coletânea: Mulheres da Vida

Eu havia me tornado mais insegura, estava grávida do primeiro filho e mais

sensível à vida que gerava em mim. Porém, continuava acreditando nas minhas

intenções de entender o discurso dos outros.

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O ENCONTRO COM FREINET

Ó menina vai ver nesse almanaque como é que isso tudo começo Diz quem é que marcava o tic­tac e a ampulheta do tempo disparou (...) Diz quem inventou o analfabeto e ensinou o alfabeto ao professor Me responde por favor (...) Pra que tudo começou (...)

Chico Buarque. música:Almanaque

Após o nascimento de meu primeiro filho e grávida da segunda, resolvi dar

uma pausa na minha vida profissional. Meu marido, engenheiro civil, havia se

transferido para Campinas que acenava como cidade promissora em plena

expansão imobiliária. Foi o tempo da construção de grandes conjuntos habitacionais.

A cidade vivia sua maior contradição: ao mesmo tempo que surgiam muitas

moradias para a classe média, a cidade se enchia de uma população de “sem­tetos”

que aportavam à cidade em busca de emprego na construção civil. A cidade pacata

do interior com ares aristocráticos decadentes, ainda presa às suas origens

burguesas e ao baronato do café, tomava ares de metrópole. O poder público

incentivava a migração objetivando alcançar o marco de um milhão de habitantes

que aumentaria, através de cobrança de impostos e subsídios do governo estadual e

federal, a receita do Município. Ledo engano, as pessoas vieram e junto com elas as

mazelas, a discriminação sofrida em outros estados da Federação. Campinas e seu

entorno não se preparou para receber este contingente de desempregados famintos

e sem instrução. Não previu políticas públicas na área da saúde, educação, moradia

e saneamento básico e hoje vê estampada nas páginas dos jornais, as

conseqüências de seus atos ambiciosos e levianos: o aumento da violência urbana.

Meu primeiro contato com essa população foi através de meu trabalho com

adolescentes autores de ato infracional, que irei relatar em outro momento desta

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narrativa. O outro contato se deu recentemente por exigência da disciplina de

Educação Não Formal através das interferências que fizemos com as classes da

FUMEC (Fundação Municipal para Educação Comunitária).

Bem, retomando. Esta mudança de cidade era importante para todos nós, que

vínhamos em busca de uma vida melhor, com mais sossego para criar os filhos,

novas oportunidades de relacionamento. Logo porém, me dei conta que estava

sozinha: a esposa do engenheiro­chefe era bem mais velha que eu, seus filhos já

eram adolescentes e ela vivia se lamentando do fato de ter se mudado de São Paulo

para Campinas. A esposa do outro engenheiro era tão jovem quanto eu, porém

estava recém­casada e já possuía um círculo de amizades que não incluíam

crianças.

Tinha que ir à luta. Não poderia continuar me submetendo às idéias de

Rousseau sobre a supremacia do governo doméstico, não poderia continuar

trancada em casa. Preferi correr os riscos da vida “do fora” pois a vida “do dentro”

me deprimia, e não poderia ser o meu destino feminino.

Comecei a buscar trabalho e ao mesmo tempo, uma escola para meus filhos.

Foi Ruth Joffily quem me recebeu na Escola Curumim e me falou de Freinet.

Sua fala foi tão contagiante que comecei a fazer parte de um grupo de estudo. Após

alguns meses eu e meus filhos já estávamos fazendo parte da Cooperativa

Curumim.

O tempo em que fiquei nessa escola foi aquele que considero mais profícuo

para minha formação de professora. O estudo e a prática se faziam diariamente.

Cada dia era um novo desafio, uma troca de idéias com os colegas, um erro, um

acerto, um refazer...

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Parece que tudo mudou em minha vida ganhei amigos com os quais

mantenho relação até hoje, ganhei prestígio, fui valorizada e criticada (é claro que

nem sempre todo mundo concorda com a gente).

O estudo da pedagogia freinetiana foi me dando parâmetros e reforçando as

idéias esboçadas no meu Curso Normal. Cabe aqui um recorte para falar um pouco

sobre Freinet, autor pouco estudado e pouco valorizado no meio universitário.

Célestin Freinet (1896/1966) retorna da Primeira Guerra Mundial, em 1920,

com uma grave lesão nos pulmões o que dificultava sua respiração e comprometia

sua fala. Retoma sua sala de aula multietária, numa pequena aldeia no sul da

França, desenvolvendo técnicas que pudessem ser compatíveis com sua limitação

física.

Freinet passa a ser um professor pesquisador. Procura em autores

consagrados apoio para suas idéias. Leu Montaigne, Rousseau e Pestalozzi. É com

as idéias deste último (Escola Ativa) que vai encontrar mais afinidade. Visitou

escolas comunitárias em Altona e Hamburgo. Participou do Congresso de Montreaux

da Liga Internacional para a Educação Nova (1923) e foi fortemente influenciado

pelos estudos de Pistrak, quando de sua visita à Rússia em 1925.

Todo este saber acumulado precisava ser colocado em prática mas, como

fazê­lo diante de tanta diversidade: crianças carentes, de origem rural, sofridas pela

guerra, de idades diferentes, de saberes diversos (...) era necessário, neste clima

esgotante, insistir extenuamente como um palhaço sem talento, para reter durante

um instante, de maneira artificial, a atenção fugaz de meus alunos (...) (Freinet,

1976:22).

A proposta de uma aula cooperativa rompe com o poder adultocêntrico do

professor permitindo ao aluno que construa um aprendizado que lhe faça sentido.

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Naquele tempo não usávamos o termo pedagogia de projetos, tão em voga

atualmente em classes interativas. Falávamos, talvez de outra forma e

denominávamos de plano de trabalho às propostas individuais e coletivas das

crianças. Como costumo dizer:”muda­se o nome mas, o boi é o mesmo”. Conforme

afirma Jolibert(1994)

Nossa abordagem só pode inserir­se eficazmente no quadro de aulas cooperativas,

onde a pedagogia de projetos gera a atividade. É preciso que as crianças que vêm à escola

possam engajar­se em seu próprio aprendizado (ao invés de sofrer um ensinamento). Além

disso, a pedagogia de projetos permite viver numa escola alicerçada no real, aberta a

múltiplas relações com o exterior: nela a criança trabalha “para valer” e dispõe dos meios

para afirmar­se(p.21)

Assim combinávamos o que faríamos no dia, na semana, no mês. Fomos com

o tempo, criando fichas onde a criança podia ter controle do que já tinha dado

conta e do que ainda faltava para o término de seu trabalho. Nas reuniões com os

pais essa fichas serviam de acompanhamento dos caminhos percorridos por seus

filhos. Era um instrumento de avaliação.

Além da vida cooperativa três aspectos nessa pedagogia chamaram­me a

atenção: a questão da educação pelo trabalho, o tateio experimental e o texto livre.

A questão do trabalho está intimamente ligada com a auto organização das

crianças, que por sua vez irão estabelecer o hábito da cooperação e o seu

compromisso de responsabilidade diante da coletividade. Através dos trabalhos em

ateliês (que não devem ser confundidos com os “cantinhos” sugeridos por outros

autores), a criança cria ao mesmo tempo o espírito de iniciativa e o espírito coletivo.

A gestão da classe não mais estará só na responsabilidade do professor. É a Turma

(geralmente nomeada por uma eleição democrática de seus membros) que se torna

responsável por suas aprendizagens. As crianças ocupam sucessivamente todos os

lugares nesse tipo de organização, ora como dirigentes, ora como subordinados. O

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Conselho de Classe 3 se reúne semanalmente para avaliar as atitudes de seu

membros com a leitura dos bilhetes colocados no Jornal de Parede e devidamente

colados no Livro da Vida.

Eu mesma recebi vários “Eu Critico” por ter tido uma atitude mais autoritária

com determinado aluno ou diante de alguma situação, ou por estar falando alto

demais (gritando, segundo meus críticos). Cada vez que isto acontecia era a

oportunidade para todos despejarem suas angústias. Eu, por minha vez, procurava

rever minhas atitudes. A relação de afetividade era retomada e o processo de ensino

aprendizagem não era prejudicado.

A outra questão é a do Tateio Experimental. Neste aspecto as idéias de

Freinet são influenciadas pelas idéias de Gaston Bachelard, filósofo francês e

contemporâneo do pedagogo, cujo pensamento vai se opor ao positivismo kantiano

onde todo o conhecimento deriva da experiência. Existe uma realidade na qual a

razão se apóia e esta realidade é o mundo sensível, real. O conhecimento científico

portanto¸ seria um refinamento, uma extensão mais elaborada da experiência

imediata. A ciência não é um conhecimento absoluto e deve cada vez mais se

aproximar da natureza.

Bachelard é o filósofo que acredita no sonho mas, para que ele se realize,

deve estar atrelado ao real, não só aos elemento da matéria mas às palavras, à

poesia. Com suas idéias uniu conceitos aparentemente antagônicos: o sonho e o

racional da ciência. Sua obra está enraizada no concreto; valoriza a liberdade

criadora e reabilita a imaginação. Aproxima­se da fenomenologia e da psicanálise

3 O conselho de Classe é formado por todos os membros da turma, lembrando que o professor faz parte da turma. O Jornal de

Parede é uma cartaz onde são colados três envelopes: “EU CRITICO” para receber as críticas, os desagravos, os descontentamentos; “EU FELICITO” para receber os elogios às pessoas ou às suas atitudes; “EU PROPONHO” para resolver conflitos levantados pela crítica ou para propor alguma atividade para a coletivo. Atualmente há classes que acrescentaram um 4º envelope “EU QUERO SABER” para dúvidas ou curiosidades. O Livro da Vida é um portifólio com o registro diário das ocorrências em classes.

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rejeitando uma concepção “coisista” da imagem. A imaginação é a força do

psiquismo mas é necessário que seja disciplinada para que o devaneio poético

contribua para o desenvolvimento do ser, para que haja tomada de consciência.

Como afirma Gilbert (1991): O tateamento experimental nada mais é do que a

conjuntura que permite à criança, como ao “cientista” confrontar­se com as

dificuldades de construir um pensamento racional.

Deparar­se com obstáculos e superá­los é indispensável ao desenvolvimento

da criança. Portanto, esse processo é muito importante pois faz parte de formação

do pensamento lógico­dedutivo. Ora, se acreditamos que a criança pensa, faz

hipótese, cria idéias, se faz necessário que ela comunique as suas descobertas de

alguma forma. Em Félix (2001:16) encontramos que a comunicação entre os alunos

é uma necessidade para o aprendizado e não um empecilho, como é visto pelo

ensino tradicional, no qual é normalmente reprimida, podendo só ser praticada

durante o recreio.

Suas descobertas podem estar registradas num desenho, numa colagem,

num texto, na correspondência com colegas de outra escola, nas aulas­conferência,

no Livro da Vida. Poderão também fazer parte do jornal escolar, ganhar o status de

álbum e fazer parte do acervo bibliotecário da classe.

O jornal escolar é o resultado de um trabalho, é a comunicação aos leitores,

geralmente os pais, das pesquisas realizadas, dos textos, das poesias, dos

acontecimentos vividos pela Turma. A meu ver, também é um instrumento de

avaliação pois, revela o resultado de um trabalho que teve sucesso.

Dar a palavra à criança é proporcionar­lhe meios de se exprimir e se

comunicar. A expressão livre é algo que se constrói; é ingênuo acreditar que brote

espontaneamente. O papel do professor é fundamental nesse processo. É ele que

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através de um clima de confiança estabelece as relações necessárias para que a

criança desabroche. Será ele o escriba dos acontecimentos relatados pelas

crianças.

Foi assim que eu também comecei meus tateios pela pedagogia Freinet, fui

construindo meus saberes, fui deixando outros de lado. Mas o que sinto é que a

Curumim foi minha grande escola de formação, foi onde me tornei professora de

fato.

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DO PARTICULAR PARA O PÚBLICO

(...) O tempo rodou num instante Nas voltas do meu coração A gente vai contra a corrente Até não poder resistir Na volta do barco é que sente O quanto deixou de cumprir

Chico Buarque, música: Roda Viva

Em 1985 ingressei no ensino público. A transição se fez gradativa. Por um

tempo conciliei com o ensino particular porém ao cabo de dois anos, com a saúde

abalada, optei pelo público. Era chegada a hora da verdade: tudo o que havia

vivenciado na Curumim poderia ser transposto para uma sala de periferia, com mais

de trinta alunos, sem condições físicas adequadas? E como responder a todos os

outros questionamentos, que muitos colegas nos fazem até hoje, com suas falas

pessimistas e às vezes com conotação de praga de bruxa ou aves de mal agouro

grasnando?

­ Chiii! Essas crianças não são iguais àquelas que você está acostumada.

Você vai ver a diferença!

­ Aqui não tem mordomia, não! Falta tudo. A Prefeitura não manda nada, nem

giz. Você vai ver!

Primeiro dia de aula, no Parque D. Pedro I (não o mega shopping construído

recentemente), bairro da zona sudoeste de Campinas, formado por trabalhadores da

indústria, em evidente processo de expansão. Esta escola tinha três ou quatro salas

de aula (não me lembro ao certo), um grande campo de futebol (de terra batida).

Tinha por colegas uma diretora legalista, uma merendeira amorosa, uma faxineira

negra que odiava os brancos. Com ela vivenciei o preconceito e a sensação de

exclusão de seu mundo.

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A sala de aula me fez remeter aos meus primeiros anos de escola: as

mesmas carteiras duplas acopladas aos bancos, enfileiradas umas atrás das outras,

o mesmo buraco no meio da mesa que outrora servira de tinteiro e hoje perdida a

sua gloriosa função, servia de lixeira.

Meu Deus! Já se passavam vinte e sete anos da conclusão do meu Curso

Primário, novas estratégias pedagógicas foram sendo sugeridas no decorrer desse

tempo e o que estava à minha frente era o modelo mais tradicional de escola que

poderia haver.

Olhei então para as crianças e me deparei com os mesmos olhares já vistos

antes, a mesma ansiedade, a mesma curiosidade, a mesma desconfiança. Não pude

deixar de me lembrar do meu olhar de criança indo para escola. Lembrei­me de meu

avô Francisco, do caminho de casa à escola, de sua mão firme me ensinando a

atravessar a rua com cuidado, a saltar o trilho do bonde (ah! havia bondes naquela

época, que pena que não existam mais!) Também me lembrei não da primeira

professora, mas daquela que realmente foi significativa para mim, a bela e jovem

Dona Isabel. Era importante naquela hora que eu retribuísse o olhar daqueles

alunos. E assim assumi a 3ª série B . As palavras que se seguem falam de meus

sentimentos:

(...) o ver em geral, conota no vidente uma certa discrição e passividade, ou, ao menos

alguma reserva. Nele um olho dócil, quase desatento, parece deslizar sobre as coisas, e as

espelha e registra, reflete e grava (...) Com o olhar é diferente. Ele remete, de imediato, à

atividade e às virtudes do sujeito, e atesta a cada passo nesta ação a espessura de sua

interioridade. Ele perscruta e investiga, indaga a além do visto, e parece originar­se sempre

da necessidade de ‘ver de novo’ (ou ver o novo), com o intento de ‘olhar bem’.Por isso é

sempre direcionado e atento, tenso e alerta no seu impulso inquiridor (...) o olhar não acumula

e não abarca, mas procura; não deriva sobre uma superfície plana, mas escava, fixa e fura,

mirando frestas deste mundo instável e deslizante que instiga e provoca a cada instante sua

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empresa de inspeção e interrogação (...) a simples visão, supõe e expõe um campo de

significações, ele, o olhar – necessitado, inquieto e inquiridor – as deseja e procura, seguindo

a trilha do sentido. O olhar pensa; é a visão feita interrogação.

Sergio Cardoso 4

O velho e bom Dr. Di Loreto, meu grande mestre quando de meus tempos de

estagiária (1973) no Hospital Psiquiátrico Pinel, em Pirituba, bairro da zona oeste de

São Paulo, me veio à mente. Naquele tempo eu “burrinha como queria os anjos”

como diria o Di, me escandalizei diante das precárias condições em que se

encontravam as mulheres internadas no Pavilhão 5. Um dia observando­as no pátio

enquanto perambulavam sem rumo, com seus olhares distantes, com movimentos

esteriotipados pela impregnação dos medicamentos, ou paradas, catatônicas

absorvendo os raio do sol, meu olhar se dirigiu a uma paciente cujo sangue

menstrual escorria pela perna. Chamei a enfermeira e lhe perguntei se não havia

absorvente higiênico para oferecer àquela senhora. Claro que não havia, o Estado

estava em falta no envio deste e de outros gêneros de primeira necessidade. No

sábado, durante a reunião clínica levei meu protesto e meu questionamento:

­ O que fazer com as pacientes quando falta tudo? Como posso exercer meu

ofício de psicóloga em situação tão precária? Como reverter aquela situação? E blá,

blá blá?!?!? Minha indignação era grande.

Di Loreto me dirigiu um sorriso benevolente e me respondeu:

­ Você pode escolher atender a pacientes cheirando lavanda francesa, num

consultório bem instalado nos Jardins, ou atender a pacientes mal cheirosos num

hospital público. A decisão é sua. As estratégias são diferentes cabe a você buscá­

las.

4 In: MARTINS, Miriam C. O sensível olhar­pensante . 2003

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Entendi que meu olhar estava focado na instituição. Fazia­se necessário

mudar o foco, nascia em mim um novo olhar, como denomina Miriam Celeste

Martins, “um sensível olhar­pensante”, aquele que me propiciou um novo

questionamento: ­ Por que aquelas mulheres precisavam de mim?

Suas palavras sempre retornam quando me encontro em situações

problemáticas, onde parece que tudo que se aprendeu não serve para nada, onde

novos aprendizados são necessários. Mentalmente me fiz a pergunta: Por que estas

crianças precisam de mim? E acrescentei outra por minha conta:­ O que realmente

eu lhes posso oferecer?

Foi assim que comecei a trabalhar com “a Turma” (não me lembro como nos

denominamos). Aos poucos fomos virando as carteiras, arranjando doação de

materiais, formando os ateliês em caixas guardadas no armário e colocadas à

disposição dos alunos durante o período de aula, fazendo de velhos livros didáticos,

fichas auto­corretivas. Nosso grande projeto aconteceu por volta do 21 de abril, o

Dia de Tiradentes.

Ora, como falar de Tiradentes sem nos reportar aos primórdios de nossa

história de colônia de Portugal? Assim passamos o ano pesquisando esse assunto.

Fizemos uma aula­passeio ao Centro de Campinas, conhecemos os pontos

históricos, fomos à Prefeitura, ao túmulo de Carlos Gomes, ao túmulo de Barreto

Leme, à Catedral. O passeio ocorreu em clima de total confiança entre os alunos e

eu, e não houveram incidentes.

De volta à sala de aula havia muito o que fazer: o registro das observações, a

continuidade da pesquisa, as ilustrações. Ao final do ano tínhamos uma coleção de

álbuns relatando nossas experiências e um teatro onde as crianças encenavam em

enquetes rápidas, a história do Brasil, desde o Descobrimento até a Independência.

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Creio que desta forma, como sugere Zamboni (2004), estava situando os alunos no

momento histórico em que viviam, de modo que percebessem os acontecimentos

que os rodeava. Acredito que tenha contribuído para seu crescimento social e

afetivo dando lhes um sentido de pertinência.

No ano seguinte entrei no Concurso de Remoção, buscava uma escola mais

perto de casa. Assim, fui parar no Jardim Maria Rosa, bairro situado ao lado da

antiga zona de meretrício.

No final de semana que antecedeu o início do ano letivo fui conhecer a

escola. Naquele tempo não havia acesso direto ao bairro e para se chegar a ele ou

se passava pelo Jardim Itatinga (a zona de meretrício), um trajeto mais curto pela

Rodovia Santos Dumont ou teria que percorrer a Av. das Amoreiras até seu final

(ainda não asfaltado) o que fazia o trajeto se tornar mais longo e demorado por

conta do tráfego intenso. Ao me deparar com aquela paisagem chorei muito. Teria

eu feito uma boa escolha?

A resposta veio logo no primeiro dia de aula. Apesar de me encontrar num

bairro mais carente, com uma população mais pobre, mais vitimizada pela violência

social, encontrei uma ambiente de trabalho mais acolhedor. Foi lá que eu aprendi o

que é uma gestão de qualidade com aquela que eu considero meu modelo de

diretora, Ivone Garcia. As salas eram amplas, claras, e o mais importante, com

carteiras modernas, tipo mesa e cadeiras separadas que permitiam a disposição de

várias maneiras

As crianças... ah! essas eram, como sempre, encantadoras. É bem verdade

que havia alguns adolescentes não muito encantadores ao primeiro contato. A

Margarida, briguenta, brava que aos poucos foi se tornado dócil, minha defensora e

uma espécie de anjo da guarda (se eu me atrasasse para tomar o ônibus na ora da

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saída era ela que me fazia companhia esperando o próximo) e que apesar das

dificuldades cognitivas, ia aos poucos conseguindo escrever seus textos,

aprendendo no seu ritmo. O José Francisco, já homem feito, tímido (talvez muito

envergonhado pela sua situação de já estar com 18 anos de idade e estar na 2ª

série do Ensino Fundamental), sentava­se ao fundo da sala. Nunca consegui que

participasse de uma atividade grupal, dizia que eram coisas de crianças. O Renato,

moleque esperto, ninguém o enganava na venda da sucata que recolhia no “lixão”.

Sabia lidar com dinheiro, fazer conta de cabeça, mas tinha dificuldade na escrita e

mal e mal conseguia escrever seu nome. Dizia que tinha a “memória fraca”; andava

todo desengonçado mas era capaz de dar uma salto mortal com toda a habilidade

de um atleta olímpico.

A comunidade era muito participativa e logo entenderam a minha proposta de

trabalho. Com a permissão da direção da escola o dinheiro que seria empregado

para compra de material individual das crianças me foi repassado e assim pudemos

ter um material coletivo que facilitava a proposta de trabalho em ateliês.

No ano seguinte eu iria continuar com a turma na 3ª série, porém com a

abertura de mais uma 1ª série no período vespertino, minha classe passou para o

período da manhã e eu acabei ficando com a nova classe de alfabetização. A classe

era formada por crianças novas, a maioria chegando à escola pela primeira vez.

Poucas haviam feito o pré­primário numa sala cedida pela paróquia e coordenada

pela FUMEC.

Logo no início do ano fui questionada pelos pais. Que jeito era aquele de

ensinar sem cartilha? Como é que as crianças iriam ler e escrever? Eu os acolhia

com paciência e lhes transmitia minha experiência vivida na Curumim. Também

nessa época passei a me interessar pelos ensinamentos de Emilia Ferreiro e a

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participar de um grupo de estudo, oferecido pelo poder público, sob a coordenação

de Esther Pilar Grossi. Hoje tenho consciência que houveram muitos equívocos de

nossa parte em tentarmos transformar a questão da evolução da escrita em uma

metodologia de alfabetização. A criança chega à escola com concepções sobre a

escrita e cabe à escola dar continuidade a esse processo, sistematizá­lo. Esta tarefa

se estende para além das séries iniciais e é de responsabilidade, não só do

professor de Língua Portuguesa: é um trabalho coletivo que envolve uma ação

social coletivo. A avaliação é um processo contínuo de reflexão sobre a prática, que

permite que a mesma seja redimensionada e adaptada às diversidades.

Nossa classe denominou­se “A Turminha”. Fizemos um jornal escolar, com o

auxílio de um limógrafo (uma espécie de mimeógrafo manual), mantivemos

correspondência com uma turma de 1ª série da Escola Curumim, fomos visitá­los e

eles também a nós. Foi um ano muito rico e repleto de aprendizados. O ano

terminou com 30% alfabéticos, 65% silábico­alfabéticos e 5% silábicos. Eu não iria

continuar com a turma no ano seguinte pois iria me remover de escola. Em

conselho de escola optamos pela aprovação só dos alfabéticos pois, as professoras

que seguiriam com as turmas na 2ª série queriam só as “crianças alfabetizadas”.

Tentei dissuadi­las de tal postura, tentei lhes mostrar que as crianças estavam em

processo. Tudo em vão. Chamei os pais e lhes expliquei a situação. Todos

concordaram com a reprovação. Muitos tinham filhos mais velhos que chegavam à

5ª série sem saber ler, na realidade só decifravam o código escrito porém, não

conseguiam compreender o conteúdo. As crianças foram reprovadas e eu, junto com

a direção da escola (que também se removeria no ano seguinte), justificamos tal

procedimento junto à Secretaria de Educação.

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No ano seguinte desiludida, que estava com o Ensino Fundamental, como

seus critérios de avaliação conteudista, com seu olhar preconceituoso para o

diferente, com as colegas que não se abriam a novas propostas, mudei­me para o

Ensino Infantil. Fui para Barão Geraldo, onde permaneço até hoje, na EMEI (Escola

Municipal de Educação Infantil) “Agostinho Páttaro”, uma escola linda: repleta de

árvores, com um grande anfiteatro ao ar livre, palco de grandes representações de

nossos alunos e de artistas convidados; com uma piscina (que só mais tarde se

tornou utilizável com a colocação de uma unidade de tratamento), três áreas de

brinquedos de parque, sete salas, algumas mais arejadas e iluminadas, outras nem

tanto e toda um infra estrutura que dava suporte ao meu trabalho e ao de minhas

colegas.

A parceria com Cristina Ruffino, pedagoga recém formada pela UNICAMP e

cheia de idéias para trocar, se fez sentir nos primeiros contatos. Nosso trabalho era

muito parecido e assim conseguíamos levar adiante os projetos que tínhamos na

cabeça. Fomos pioneiras em alguns projetos que até hoje fazem parte do cotidiano

da escola: o projeto de informática e o projeto com as crianças de período integral.

Ao final de 1989 o Diário Oficial do Município registrava a seguinte matéria:

CRIANÇAS FAZEM PROGRAMA

Na Escola Municipal de Educação Infantil “Agostinho Páttaro”, em Barão Geraldo, já

existe uma classe com trinta e dois alunos (na faixa dos seis anos de idade) desenvolvendo

aprendizado nos computadores do NIED (Núcleo de Informática Aplicada à Educação) na

UNICAMP, onde as crianças aprendem a fazer seus próprios programas.

Tudo começou através de um projeto elaborado pelas professoras Cristina Márcia

Caron Ruffino e Neusa Mesquita Felix, que mostra a importância da “linguagem Logo”,

específica para a educação. O projeto foi aprovado pela Secretaria de Educação que firmou

convênio com o NIED da UNICAMP, para a viabilização. Após um período de preparo com as

crianças, para a familiarização com a “linguagem Logo” e com os jogos corporais dos

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computadores, partiu­se para a fase operacional. Segundo Cristina Ruffino, o princípio básico

consiste no fato da criança ensinar o computador e não o oposto.

D.O. do Município de Campinas

30/11/89

Outras professoras aderiram ao nosso projeto e acabamos ganhando

computadores para incrementar as atividades em sala de aula. Era um novo ateliê,

digno dos avanços das novas tecnologias. Era novamente a vida sendo trazida para

a sala de aula.

As crianças de período integral passavam o período matutino com uma

professora e o vespertino com outra. As classes tinham um planejamento diferente,

só as crianças eram as mesmas. Cristina e eu passamos a observar que as crianças

pareciam ficar muito cansadas, agitadas, desinteressadas e, como conseqüência,

tendo um comportamento bastante agressivo e desafiador. Mudamos o enfoque e

propusemos então que a sala seria nossa, a Turma só teria um período maior de

trabalho: o dia começava comigo e encerrava com a Cristina.

Pela manhã registrávamos as novidades no Livro da Vida e combinávamos o

dia de trabalho. Quando Cristina chegava, iria dar continuidade aos combinados e

fazer o registro de avaliação do dia. Desta maneira dávamos uma função para a

linguagem oral das crianças e elas percebiam que a qualquer momento podíamos

recorrer à linguagem escrita contida em nosso diário.

Duas vezes por semana prolongávamos o nosso período de trabalho: Cristina

chegava às 4ª feiras às 10:00h e eu saía às 6ª feiras às 14:00h. Também nos

víamos todos os dias na troca de turnos: eu acompanhava o almoço, a higiene bucal

e iniciava o repouso. Era quando Cristina chegava e dava uma ajuda com as

crianças mais agitadas, fazendo­lhes uma massagem ou apenas ficando próxima.

Para que tivéssemos êxito com o repouso, contávamos uma história ou líamos

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algum conto, porém sem gravuras, para que silenciosamente e individualmente se

apropriassem do imaginário do autor e se criasse neles um outro imaginário que lhes

ajudava na elaboração de seus medos e fantasias. Líamos Grimm, Andersen,

Perrault e Oscar Wilde na íntegra. Às vezes, em capítulos, quando a história era

longa. Ao fundo colocávamos uma música suave e deixávamos o ambiente na

penumbra. Esse tempo de vinte ou trinta minutos era muito importante para a

continuidade das atividades à tarde. Alguns adormeciam por mais tempo o que

pedia que as atividades recomeçassem num tom de voz baixinho para não perturbar

o sono dos colegas.

A questão do material coletivo, adquirido pela direção da escola mediante a

contribuição da Cooperativa Escolar, já era prática corrente na escola e isto facilitava

sobremaneira nosso trabalho pois, era só requisitar ao almoxarifado que tínhamos o

material em mãos.

Nossa sala transformou­se num laboratório de experiências e foi palco para

muitas observações e registros de mestrandos e doutorandos da UNICAMP, e de

visitas de professores estrangeiros. Os saberes eram compartilhados e todos

aprendíamos, seja com os erros ou com os acertos. Até hoje os estagiários são bem

vindos, desde que apresentem um projeto de trabalho para ser compartilhado com a

turma.

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UMA PASSAGEM PELA EDUCAÇÃO NÃO FORMAL

Não basta abrir a janela Para ver os campo e o rio Não é bastante não ser cego Para ver as árvores e as flores É preciso não ter filosofia nenhuma. Com filosofia não há árvores: há idéia apenas. Há só cada um de nós, como uma cave. Há só uma janela fechada, e todo mundo lá fora; E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse, Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.

Fernando Pessoa

Em 1991 recebi um convite do COMEC (Centro de Orientação ao

Adolescente de Campinas) para trabalhar com adolescentes autores de ato

infracional em cumprimento da medida de Liberdade Assistida,

No ano anterior eu já havia desenvolvido um trabalho voluntário com grupos

de mães/pais/responsáveis como conclusão de um Curso de Formação em

Psicodrama. Tal atividade permitiu que se estabelecesse um vínculo de confiança

entre a equipe técnica do COMEC e eu.

A Secretaria de Educação me removeu para a entidade onde continuei

exercendo minha função de professora. Porém o olhar da psicóloga foi aguçado

diante da vulnerabilidade dos jovens que se apresentavam a mim. Não era simples

fazê­los retornar à escola. A escola já não os queria: eram problemáticos,

repetentes, tinham dificuldade em manter relações amigáveis com colegas e

professores, estavam em defasagem de série em relação à idade. E eles, por sua

vez, também não queriam a escola: era chata, desinteressante, os professores eram

autoritários e não mantinham um bom diálogo.

Os jovens infratores vivem num círculo vicioso. Querem ganhar dinheiro,

desejam tudo que a mídia faz questão de mostrar como sendo fornecedores de

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sucesso: o tênis de marca, a camiseta do seu ídolo ou outra coisa qualquer. Porém,

como não têm qualificação para o mercado de trabalho, se deixam seduzir pelo

poder do crime e do tráfico de drogas. Se envolvendo com atos infracionais,

abandonam a escola ou dela são expulsos. A escola é um ambiente que contém

regras, disciplinas e o adolescente está vivenciando justamente o contrário. Iludido

pela força que uma arma lhe dá, não percebe que o mundo do crime também tem

suas regras e quem tentar burlá­las está fora do esquema, vira defunto.

Certa feita perdi um garoto. Ele tinha por volta de 15 anos. Perdi­o para os

traficantes. Ele devia trinta reais para o “patrão”. Consumido pelo uso de “crack”

esqueceu­se da dívida. Foi morto como medida exemplar.

Voltando ao tal do círculo que me referia anteriormente, não participando da

escola, pouca ou nenhuma chance os adolescentes tem de ingressar no mercado

formal de trabalho. Se não conseguem trabalho, voltam ao crime.

Como Willians (1990:76) enfatiza:

É bastante típico do adolescente querer tudo e imediatamente, e apesar disto ser um

desejo natural, eu creio que sua satisfação constituí um obstáculo para o desenvolvimento. Durante o crescimento o limite entre a privação e a indulgência excessiva é muito incerto e,

por isso, com o passar dos anos as crianças que foram privadas se comportam de forma

semelhante àquelas que tiveram demais: uns são ávidos e incapazes de acreditar na

realidade de experiências boas, enquanto os outros pensam que aquilo que eles possuem

não é nunca suficientemente bom. Portanto, tanto a pessoa que passou por privações, como

a pessoa “mimada” foram ambas prejudicadas, o que aliás está contido no termo “mimar”,

prejudicar a capacidade de adaptação.

Retomo à questão do olhar. Se fazia imprescindível ter o que Martins (2003)

denomina de “olhar­ pensante”, o que transcende a aparência e perscruta o que

está por trás. Era a possibilidade de ter um olhar diferente daquele olhar

preconceituoso que a sociedade lhe impingia. Era buscar nesses adolescentes o

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olhar sensível por trás da máscara feita com uma camiseta e tão divulgada pela

mídia.

Foi através das artes plásticas que busquei resgatar esse olhar sensível.

Através da representação simbólica mais primitiva do ser humano, o desenho,

poderíamos fazer o registro de seu olhar­pensante. Através do desenho o sujeito se

colocava diante de um espelho e se mostrava a mim para que eu o visse. Nesse

momento o diálogo acontecia e o sujeito se revelava e atribuía significados à sua

vida.

Em alguns de nossos encontros levava livros de arte de pintores famosos e

propunha uma reinterpretação da obra. Era a possibilidade de se ter um novo olhar

sobre o olhar do outro. E o que surgia era a expressão do adolescente, era uma

outra imagem que podia ser refletida para a sociedade. E assim as obras eram

expostas com status de vernissage onde convidávamos os familiares, os amigos, as

autoridades para verem nosso trabalho. Era a possibilidade de dar um novo

significado aos significantes de olhar desviante desses adolescentes.

Continuei também atendendo ao grupo de mães/ pais/ responsáveis já que a

medida de Liberdade Assistida (Art.119 do ECA­ Estatuto da Criança e do

Adolescente) prevê uma parceria com os familiares. O que no início era um

obrigação vergonhosa, um querer distanciamento do ato infracional do filho, um

querer não ter nada com isso, ia se tornado um espaço de acolhimento, de escuta.

Alguns grupos começaram a chegar até meia hora antes do atendimento. Havia uma

troca, já na sala de espera.

Aos poucos os motivos que traziam aquelas pessoas ao grupo ia virando

pano de fundo. Passavam a olhar para si mesmas, para seus problemas.

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Começavam a mudar sua aparência, se arrumavam com mais esmero, a se

preocupar consigo mesmas.

Às mulheres, a maioria dentro do grupo, cabia o papel da educação dos

filhos. Sem nunca terem lido Rousseau, sofriam a influência de suas idéias do

imperativo materno que lhes exigia um papel de mães extremosas e zelosas pelos

seus filhos. Como não davam conta de desempenhar esse papel, ficavam

irremediavelmente tomadas pela culpa.

Vivendo num mundo de desempregos, estas mulheres inseridas com mais

facilidade no mercado informal (são faxineiras, fazem algum tipo de quitute ou

artesanato que lhe gere renda) passam a ser as provedoras da casa. Ao marido,

desempregado e já com dificuldade de exercer a função paterna, recairá todo o ódio

da mulher. Irá se referir a ele de modo pejorativo e discriminatório:

­ Não presta pra nada! Não me ajuda em nada... Fica o dia todo em casa

vendo televisão ou jogando e bebendo com os amigos no boteco. Aí, chega em casa

e quer mandar. Não deixo, não!

Esse poder ilusório alçando pela mulher a desestabiliza ao mesmo tempo que

como diz Badinter (1985), ela irá se convocar ao banco dos réus para responder

pelo filho morto ou criminoso.

A psicanálise nos traz importante contribuição para que o pai retome seu

papel. Um papel que só é possível de ser exercido como sugere autores como

Lacan e Winnicott, se a mãe o introduzir na tríade familiar. É ela que vai poder

tornar esse relacionamento possível. Lacan aprofunda esta questão quando se

refere ao “nome do pai” um significante que se insere no inconsciente da criança,

como o pai simbólico, a lei, o interdito, a proibição do incesto. A criança sem esse

elemento de ordem simbólica, sofrerá grandes danos em seu psiquismo pois se a

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díade mãe/filho, tão necessária à sobrevivência do bebê for prolongada para além

dos cinco primeiros anos de vida (ou além dos três primeiros anos, como sugerem

outros autores), o sujeito não consegue se construir como sujeito de discurso ou

sujeito social. Muitas vezes estará irremediavelmente envolto por uma psicose que o

acompanhará para sempre. Ao adolescente infrator, distanciado da lei paterna

caberá se submeter à Lei do Estado. Cumprirá então as medidas sócio­educativas

previstas no ECA, de acordo com a gravidade de seu ato infracional.

Diante das últimas rebeliões ocorridas nas unidades de internação da FEBEM

(Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor), em São Paulo, está na hora de

revermos que educação ou reeducação (se é que isto seja possível) está sendo

desenvolvida dentro desta instituição. O que eu pude presenciar, em algumas

visitas, foi uma reprodução do modelo prisional já tão apontado por sociólogos e

estudiosos do judiciário, como falido e reprodutor de violência. Estamos

reproduzindo pequenos Carandirus, só que seus atores são mais jovens. Reconheço

que não são mais ingênuos: a vida lhes negou os sonhos de infância e estamos,

infelizmente, diante de uma ou mais gerações perdidas.

Emociono­me diante das palavras de Souza(1992), o Betinho, sociólogo

sensível aos problemas da infância nas ruas, e coloco­as neste memorial para que

não me esqueça que...

(...) criança é coisa séria

A criança é o princípio sem fim

O fim da criança é o princípio do fim.

Quando uma sociedade

Deixa matar uma criança

É porque começou seu suicídio

Como sociedade.

Quando não as ama

É porque deixou de se reconhecer

Como humanidade.

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Afinal, a criança

É o que fui em mim e em meus filhos,

Enquanto eu humanidade

Ela como princípio é promessa de tudo.

É minha obra livre de mim.

Se não vejo na criança, uma criança

É porque alguém a violentou antes

E o que vejo é o que sobrou

De tudo que lhe foi tirado

Mas essa que vejo na rua sem pai,

Sem mãe, sem casa, cama e comida,

Essa que vive a solidão das noites

Sem gente por perto,

É um grito de espanto.

Diante deles,

O mundo deveria parar

Para começar um novo encontro,

Porque a criança

É o princípio sem fim

E seu fim é o fim de todos nós.

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O ENCONTRO COM PROFESSORES

Trabalhamos no escuro – fazemos o que podemos – damos o que temos. Nossa dúvida é nossa paixão e nossa paixão é nosso dever. O resto é loucura da arte.

Henry James

Retomando o tempo em que trabalhei na Escola Curumim, me reporto à

minha contribuição na formação de professores em Pedagogia Freinet. Se fazia

necessário uma reflexão sobre a ação. Assim, instituímos o que carinhosamente

chamávamos de “Freinetour”. Montamos diversos ateliês e percorremos cidades do

interior paulista, Minas Gerais e Florianópolis, levando nossa experiência.

Rompíamos a barreira do estudo para uma imersão crítica em nossa reflexão,

provocando através do repassar de nossos saberes, uma ampliação e um

reformulação de nosso próprio conhecimento.

O grupo, que inicialmente se restringia aos professores da Curumim, passou

a ser enriquecido com outros profissionais de São Carlos e Belo Horizonte.

Em meados dos anos 80 participamos de um grande congresso internacional

sobre pedagogia Freinet, ocorrido em Florianópolis. Era hora de aprendermos com

colegas professores da Dinamarca, Alemanha, Itália, França, entre outros. Era hora

de fazermos uma reciclagem sobre nossos saberes, era o momento de novos

questionamentos, de estabelecermos uma relação dialética. Era a hora de sentir o

prazer advindo do desejo satisfeito pelo conhecimento.

No final dos anos 80, em parceria com a Secretaria Municipal de Educação de

Campinas, promovemos o 1º Encontro Nacional de Pedagogia Freinet. Além de

recebermos a colaboração de vários profissionais de todo o país, contamos com

presença de profissionais franceses que muito enriqueceram nossas discussões e

nos ajudaram na composição de nossa identidade.

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O último curso de formação do qual participei ocorreu em 2003 , já cursando o

PROESF. Convidada pela Secretaria Municipal de Educação de Campinas

montamos em parceria com Ruth Joffily e Cleusa Luporini, um curso de iniciação à

Pedagogia Freinet. As inscrições foram feitas através da própria Secretaria. O curso

foi montado em dois módulos. O primeiro módulo constava de trinta e duas horas

onde seriam apresentados os princípios da Pedagogia Freinet e seus fundamentos

metodológicos. No segundo módulo, dedicado apenas àqueles que queriam

realmente mudar sua prática em sala de aula, foi oferecido uma supervisão semanal

onde podíamos escutar as angústias, reformular idéias, trocar experiências.

A supervisão foi um momento de encontro. Voltei à velha pergunta: ­ Seria

ela de algum auxílio? Era importante escutar aquelas professoras e monitoras em

seus tateios. A aprendizagem se fazia na palavra trocada, nas relações que as

organizavam. Valeu a pena, nosso exército quixotesco ganhou cerca de mais uma

dúzia de valentes lutadoras.

Foi ao final da década de 80 que participei juntamente com Robêni da Costa,

do Projeto Inajá: um curso de habilitação em nível médio, destinado a professores de

classes rurais. Na sua essência, um curso muito parecido com o nosso PROESF

pois formava professores em exercício.

O projeto era uma parceria da UNICAMP, Secretaria Estadual de Educação

do Mato Grosso e Prefeituras dos municípios, localizados no vale do Rio Araguaia:

São Félix, Santa Terezinha, Canarana, Porto Alegre do Norte e Aldeia Indígena

Tapirapé. A proposta era melhorar a atividade metodológica dos professores

sertanejos ao mesmo tempo que os habilitava em nível médio. O desafio era grande

para muitos deles, uma vez que só haviam concluído o antigo Primário ou parado

nas primeiras série do Ensino Fundamental.

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O trabalho era dividido em dois momentos: Etapas Intensivas e Etapas

Intermediárias. As Etapas Intensivas, compreendiam um mês intensivo de trabalho,

nos períodos de férias escolares (janeiro e julho). Eram orientados por nós alunos e

professores da UNICAMP. Os monitores e supervisores das Secretarias Municipais

de Educação também acompanhavam nossas aulas. As Etapas Intermediárias, eram

realizadas durante o período letivo, num total de oitenta horas, onde os professores

eram orientados e acompanhados pelos supervisores e monitores.

Robêni e eu ficamos responsáveis pela área de alfabetização e Língua

Portuguesa. Levamos para o cerrado mato­grossense a nossa proposta freinetiana.

Nos surpreendemos com a receptividade dos professores e com suas habilidades

em driblar as condições precárias de ensino. Era importante que cada um assumisse

o seu jeito, como tinha se constituído como escritor/leitor. No momento seguinte

debruçavam­se sobre suas hipóteses lingüísticas e descobriam o verdadeiro

significado do ato de escrever, a comunicação do pensamento. A fundamentação

teórica se fazia necessária na medida que ocorria a reflexão e a instrumentalização

do educador.

Em janeiro de 1990, a Etapa Intensiva ocorreu aqui na UNICAMP.

Realizamos uma aula–passeio pelo Centro de Campinas. Começamos pela antiga

estação da FEPASA (Ferrovia Paulista, Sociedade Anônima), passando pela

Catedral, Palácio dos Azulejos, Túmulo de Carlos Gomes e terminamos no Paço

Municipal. O olhar dos educandos observava, invadia espaços, admirava, ao mesmo

tempo que se deixavam ser admirados. Era impossível que um grupo de cerca de

sessenta pessoas, comunicando suas descobertas e espantos diante da selva

urbana, não fosse notado. Faziam suas considerações sobre o cotidiano da cidade,

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tão longínquo de seus lugares de origem, e acrescentavam novos elementos às sua

histórias de vida.

No Paço Municipal, após a emocionante subida de elevador até o terraço (20º

andar), fomos recebidos pelo presidente da Câmara Municipal, Alcides Mamizuka.

Viramos notícia nos dois jornais da cidade. O cacique Elder Tapirapé, recebido com

as honras devidas a um chefe de nação, exibindo seu lindo cocar de penas

coloridas, sentou­se à mesa e pronunciou­se sobre seu envolvimento e de seus dois

companheiros no Projeto Inajá. Ressaltou a importância da educação dos indígenas

estar sendo assumida por eles para manutenção de sua cultura, da transmissão de

seus saberes.e principalmente, da sua língua.

Tenho certeza que a luta desses indígenas continuou pois foi com um misto

de orgulho e satisfação que soube pela revista Nova Escola (set/2003), que um

professor indígena, Josimar Xawapare’ymi Tapirapé, havia sido agraciado com

prêmio Professor Nota 10, por seu trabalho Recuperando as palavras de nossa

Língua Tapirapé. Eu havia, em algum tempo e lugar, participado dessa história.

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O (RE)ENCONTRO COM A INFÂNCIA

As crianças pequenas são seres humanos portadores de todas as melhores potencialidades da espécie

. Regina de Assis

Após nove anos no COMEC retorno a EMEI Agostinho Páttaro. Já portando

uma síndrome neurológica que provoca espasmos involuntários, por solicitação

médica, fui afastada da sala de aula. Era o momento, apesar do blefaroespasmo

(nome que os doutores médicos dão para piscamento), que se fazia necessário um

novo­olhar.

A escola continuava a funcionar do mesmo jeito que alguns anos antes. As

instalações tinham sofrido algumas modificações, a piscina funcionava, havia uma

cobertura do portão até a entrada do prédio (bastante útil, principalmente em dias

chuvosos), estava sendo construída uma casinha de bonecas que por ter

instalações tão confortáveis, acabou virando a Biblioteca Gato Pintado. Uma ou

duas professoras ainda permaneciam na escola, outras já haviam se aposentado, se

removido ou mudado.

Lá vou eu fazer a velha pergunta, primeiramente dirigida aos professores: ­

Algum de vocês precisa de mim? Naquele momento, não. Eram todos experientes e

alguns, que trabalhavam com a pedagogia de projeto, já eram velhos conhecidos e

já buscavam supervisão fora da escola.

Fui fazer a pergunta às gestoras. Encontrei uma resposta positiva A diretora

também voltava junto comigo depois de estar comissionada em outra Secretaria, e a

vice­diretora retornava ao seu posto depois de ficar no cargo de direção pelo tempo

que a primeira se afastou. Era o momento de nos adaptarmos ao novo lugar de

cada uma.

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Na figura da orientadora pedagógica, apesar de às vezes termos pontos de

divergência, encontrei uma interlocutora em algumas questões de cunho

pedagógico.

Enquanto ficava na secretaria da escola não pude deixar de olhar as crianças.

Algumas pareciam sofrer mais que as outras e seu sofrimento não tinha a ver com a

escola, ou com seus colegas, ou muito menos, com a professora. O sintoma que se

manifestava como uma recusa em entrar ou permanecer na escola era de outra

ordem. Passei então a olhar seus familiares, quem as trazia ou vinha buscá­las. O

que vi foram mães e pais muitas vezes grudados ao alambrado da escola vendo

seus filhos se afastarem pela mão da professora ou correndo com seus colegas. A

angústia ficava estampada no rosto, as lágrimas rolando. Estava sendo difícil se

separarem de sua cria. Alguns verbalizavam sua angústia, outros não agüentavam e

ao cabo de uma semana arranjavam algo externo para justificar seu sofrimento:

­ Ah, Joãozinho está chorando muito para vir à escola. Ele nunca foi assim.

­ O Pedro não gostou da professora e na classe tem um amiguinho que bate

nele.

­ Em casa, a Letícia é um amor. Antes dela vir pra escola ela ficava com a avó

para eu ir trabalhar. Agora não consigo ir pro trabalho sossegada porque é só

chegar aqui que ela começa chorar. Não sei o que está acontecendo com ela.

Olhava um movimento todo favorável para a criança se adaptar à escola: a

direção permitindo que a criança ficasse durante certo período. por menos tempo na

escola; a presença da mãe acompanhando­o até a sala. Muitas vezes o sintoma

persistia. Algumas mães chegaram a tirar os filhos da escola prometendo voltar no

ano seguinte. ­ Talvez quando eles forem maiores – diziam.

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Havia um sintoma que diz respeito à subjetividade da mãe e que possibilita a

intervenção analítica. A criança é envolvida pela fantasia e se faz necessário uma

mediação entre o desejo da mãe e a criança. Se isto não ocorrer a criança tornar­se­

á objeto da mãe não encontrando outra saída além de emitir um sintoma somático. A

criança­sintoma, como denomina Ferreti (2004) revelará a verdade de ser objeto e

incorporará uma verdade fantasmática.

Solicitei permissão à direção e aos professores, e principalmente à figura do

orientador pedagógico, para intervir. Teria que ser muito cuidadosa porque a escola

tem um horror a atitudes psicologizantes que ao longo dos últimos anos apontou

falhas nas capacidades cognitivo­afetivas de seus alunos ou distúrbios de

aprendizagem como impeditivos do êxito escolar. A minha proposta era de outra

ordem, estava propondo uma escuta dessas mães (haviam alguns pais, também).

Permissão concedida me ofereci às mães: ­ Poderia ajudá­las?

Henrique chega à escola, tem cinco anos e recusa­se a entrar. Chora, faz

birra, esconde­se atrás da mãe.

A mãe olha para mim e com os olhos cheios de lágrimas diz:

­ Ele não que mais vir à escola. No primeiro dia de aula ele ficou doente, teve

febre. Eu sei que ele não ficou doente por causa da escola. Mas ele não ficou bem.

Quando voltamos para casa a avó lhe perguntou como havia sido seu primeiro dia

de aula. Eu lhe respondi: ­ Não foi bom, ele teve febre.

Deparo­me neste momento com o sintoma da mãe. À minha frente não estava

só a criança com seu choro sincopado, sem convicção, manhosa, birrenta. Seus

olhinhos se dirigiam a mim como a pedir ajuda. Estava claro que a dificuldade estava

na mãe, objeto primordial e de tal forma constituído que seu desejo acaba sendo

desejado por um outro desejo, o do filho.

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Levei Henrique para a classe assegurando­lhe que iria conversar com sua

mãe. Acolhido pela professora e colegas, logo sossegou.

Escutei a mãe. Estava tendo dificuldade em separar­se de seu filho mais

novo; conflitava entre o “dever” em mandá­lo para a escola e mantê­lo preso a ela

por um cordão umbilical invisível. Sua fala estava repleta de significantes que

interferiam no significado da escola para a criança.

Para Hilda, a separação, esse corte, esse “não” é uma mensagem sobre uma

mensagem... é a mensagem da proibição: Não reintegrarás teu produto.

(Lacan,1999)

No dia seguinte, Fernando encontrou­me no pátio e me interpelou:

­ Você conversou com a minha mãe?

No seu questionamento havia a confirmação da certeza. De alguma forma a

lei estava instaurada, como diz Lacan (1995)

(...)recalcada no inconsciente, mas permanente. É nessa medida que algo responde ao simbólico. A lei não é simplesmente (...) aquilo sobre o que nos perguntamos por que, afinal,

a comunidade dos homens nela é introduzida e implicada. Ela também está baseada no real,

sob a forma desse núcleo deixado atrás de si pelo complexo de Édipo, que a análise mostrou

(...) ser a forma real sob a qual se inscreve aquilo que os filósofos (...) haviam mostrado (...)

como a densidade, o núcleo permanente da consciência moral (...) que se chama

supereu.(p.216)

Diante de minha resposta afirmativa, Henrique partiu saltitante acompanhado,

provavelmente pelo sentimento de liberdade: liberdade de abandonar a infância e de

abandonar a dependência fatal do eu ideal dos pais. (Dolto,1996)

A mãe também ficou vivendo uma crise ao operar uma mudança no seu

modelo tutelar, e suportando junto ao pai as conseqüências dessa mudança.

Segundo Dolto (1996)

O sentimento materno, por mais atencioso e amoroso que seja , só é vivificante para

a criança quando coexiste, na mãe, com sentimentos conjugais e com interesses culturais e

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sociais, o que só se realiza na mulher que se tornou inconscientemente adulta no plano

narcísico. É o sentimento materno, portanto, que inicia e apóia autenticamente a criança que

é objeto dele, e que lhe permite tornar­se um sujeito satisfeito com sua autonomia, com a

conquista de suas responsabilidades e com a busca de objetos de seu desejo fora da família:

em outras palavras, orgulhoso de sua condição humana.(p. 228)

Aos poucos fui ganhando confiança dos pais, através das companheiras da

escola. Sempre que a aliança tornava­se possível, marcava­se uma hora e

partíamos para o encontro. O tão famoso setting terapêutico ocorria independente

do lugar; podia ser num banco no jardim, na sala de professores, no salão... não

importa, o que de fato contava é a palavra ouvida, a palavra trocada que permitia um

novo enfoque, um novo olhar. Para Calligaris (2004)

(...) o setting não é condição nem garantia de nada. Uma análise ou uma terapia acontecem pelas palavras trocadas e pelas relações que elas organizam, não pela disposição dos

traseiros dos interessados. Durante a ditadura militar, na Argentina, mais de um analista se

dispunha a encontrar seus pacientes na clandestinidade, no carro, dirigindo, pegando­os de

carona. (p.112)

Quando o motivo pelo qual o familiar veio aos encontros está sanado é hora

de interrompermos as sessões. Já não estarei sendo mais de nenhum auxílio.

Hoje em dia parece que adotamos um procedimento que tem dado bons

resultados. Em primeiro lugar a professora discute o caso comigo; em seguida

convoca os pais para um conversa particular onde ela expõe o problema da criança

e levanta as hipóteses sobre o que pensam sobre tal comportamento; dependendo

da condução dessa primeira entrevista a professora me colocará à disposição deles.

A mudança não pode ser imposta; tem de partir de uma relação que só acontecerá

se este familiar se dispuser a vivenciá­la.

Hoje, escrevendo sobre minha trajetória, percebo que o olhar­piscante que

me afastou da sala de aula não foi impeditivo para me aproximar das crianças pelo

olhar­analítico. É através desse olhar que eu as vejo e posso continuar meu trabalho

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educativo. A escola é uma imposição social onde a criança aprende a separar­se da

mãe e viver sentimentos contraditórios. Aos poucos a criança caminhará para sua

autonomização e individuação. A escola faz o mesmo papel do interdito paterno,

exerce uma função simbólica que evita que a criança fique presa ao discurso

materno.

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ENFIM, O PROESF

(...) Resisto e penso numa terra enfim despojada de plantas inúteis, num país extraordinário, nu e terno, qualquer coisa de melodioso, (...)

Carlos Drummond de Andrade

2001... Uma nova perspectiva surge: a Prefeitura anuncia a abertura de

inscrições para um vestibular na UNICAMP para os professores da rede que não

possuem pedagogia. Incentivo as colegas da escola, na mesma situação que a

minha, a prestarem a prova. Inscrevo­me logo e começo a estudar com afinco para o

vestibular. Minha filha, professora formada pelo CEFAM (Centro Específico de

Formação e Aperfeiçoamento do Magistério), contribuiu com um bibliografia que me

foi de grande utilidade para o êxito na prova.

Primeiro dia de aula! Todos os colegas eram desconhecidos para mim.

Sentei­me ao fundo, achava que era melhor observar do que ser observada. Logo

estabeleci laços afetivos e praticamente fiz todas as combinações possíveis nos

grupos de trabalho. Foi a forma que eu encontrei para que me conhecessem e eu a

classe. Ao final do primeiro semestre não sabia o nome de todas, pois tenho muita

dificuldade em guardar nomes e até hoje troco alguns. O nome do sujeito do sexo

masculino, por se constituir como único, foi fácil de guardar.

Até hoje o grupo­classe se mantém unido respeitando nossas diferenças.

Muitas vezes somos vistos com reserva ou com muito carinho pela equipe de

assistentes pedagógicos, por nossas idéias polêmicas. Em determinado momento

nos intitulamos, jocosamente, de Turma D – de Dementes, nos reportando a uma

prática muito comum em nossas classes de alfabetização, de associar a letra inicial

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à uma palavra: A de árvore, B de bicicleta .... ou como escreveu minha filha aos 7

anos de idade, na tentativa de listar o alfabeto ­ H de agalinha .

Ocorre­me neste exato momento em que escrevo que talvez não

estivéssemos presos ao significado da palavra “dementes”. Apesar de fazermos

“loucuras”, não somos loucos. Prendíamo­nos sim, ao seu significante “de– mentes”,

como possuidores de idéias brilhantes (às vezes, nem tanto) mas fruto do

conhecimento que perpassa pelas nossas cabeças.

Alguns autores, como Piaget e Vygotsky, Skinner, Rogers foram revisitados e

meu diálogo com eles foi intensificado através da reflexão sobre a minha prática e

das escolhas que fiz.

Outros se apresentaram a mim no decorrer do curso e exigiram­me uma

atenção especial pois, fizeram­me questionamentos e obrigaram­me a repensar

minha prática. Assim foi, por exemplo, com os autores sugeridos pelas disciplinas de

Teoria Pedagógica e Produção em Matemática, História, Geografia e Saúde e

Sexualidade.

Outros disseram­me que eu compartilhava de suas idéias e que poderia

continuar acompanhando­os pelo percurso que ainda está por vir. Assim foi com os

autores de Teoria Pedagógica e Produção em Português e também com a Educação

Infantil.

A disciplina de Português retomou alguns aspectos que já haviam sido

abordados quando cursei o curso de Especialização em Alfabetização, oferecido

pelo IEL (Instituto de Ensino da Linguagem) – UNICAMP no início dos anos 90.

Esse curso foi oferecido para professores de classes de alfabetização da rede

pública estadual e municipal de Campinas. O curso, em nível de pós graduação

permitiu­me o encontro com vários autores especializados no assunto e propiciaram

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um diálogo bastante rico com a minha prática. Na ocasião recebi um convite para

aprofundar minha hipóteses sobre a aquisição da linguagem Logo, utilizada para

fazer desenhos no computador e seus pontos de convergência e divergência com a

aquisição da linguagem escrita. O convite foi gentilmente recusado, não me sentia

segura e muito menos disposta a me comprometer com essa pesquisa. Meu olhar ao

término do curso já estava focado nas questões da adolescência marginalizada.

Havia tomado outro atalho, precisava de tempo para conhecer o novo caminho.

Rousseau e ultimamente Comenius (autor que só vim a conhecer agora) me

encantaram pelas idéias. Permitiram­me voltar ao tempo em que a Filosofia era meu

desejo de saber.

Comenius, um educador que me pareceu estar mais atual do que nunca,

propõe três princípios fundamentais em sua Didática Magna:

1º a igualdade dos seres humanos: prevê uma escola aberta a todos, meninos

e meninas, sem distinção de sexo ou classe social, um escola democrática;

2º o papel humanizante da educação: acredita que o homem só será bom

quando for instruído;

3º o primado do sensível e dos sentidos: a educação deve desenvolver­se

pela intuição sensível.

A natureza ensina e o homem deve imitá­la. Ensinar pressupõe uma

disposição entre tempo, espaço e método. Observando­se a natureza vemos que o

que cresceu em abundância nasceu em lugar determinado: as árvores no bosque, a

relva no campo, o metal nas entranhas da terra. Através dessa metáfora, Comenius

valoriza o espaço­escola. O pensamento é comparado à ordem natural da natureza.

A arte de ensinar exige essa ordem disciplinar da natureza e a compara a uma

plantação espiritual que nunca deve falhar. O fracasso só ocorreria se não se

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aproveitasse o tempo oportuno, se os ensinamentos fossem feitos em tempo errado.

É em Comenius que vamos notar a introdução do tempo escolar, os turnos

matutinos e vespertinos, os intervalos, as férias, os graus de escolarização.

Rousseau, considerado o filósofo do Iluminismo, quase cem anos depois

retomará Comenius e acrescentará à sua idéia que formação de homem como só é

possível na primeira infância. Seu conceito de criança, é de que a infância é um

estágio do desenvolvimento do ser humano. Este conceito influenciará toda a

pedagogia moderna. Ele acredita que a criança tem maneiras próprias de pensar,

de sentir, de enxergar o mundo. Acredita também que seja capaz, frente a um

problema, de buscar maneiras de resolvê­lo Aborda a questão da natureza como

sendo equivalente ao essencial do homem, como um valor substantivo e

permanente, mas suas idéias serão mais humanistas que naturalistas.

A história da infância, que me contou Ariès, denuncia uma mentalidade,

sempre presente na humanidade, que a vê como ser inferior, um ser menor. Com o

advento da Idade Moderna começa a surgir uma nova idéia acerca da infância e da

família. O espaço doméstico é privatizado e delega­se aos pais os cuidados e

educação dos filhos, o que lhes dá total poder sobre a criança. Esta relação,

caracterizada pela hierarquia e pela dominação, pela centralização do poder nas

mãos do adulto, adultocentrismo, reproduz a estrutura de nossa sociedade

capitalista­patriarcal. É nesse modelo adultocêntrico que as relações se

estabelecem, na base do poder, onde as diferenças são transformadas em

desigualdades.

Steinberg e Kincheloe vão me falar de uma outra infância, daquela advinda

após a 2ª Guerra Mundial, da infância pós­moderna seriamente influenciada pela

mídia que recria artificialmente o real. É com essa infância que tenho trabalhado,

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uma infância problemática. Por isso nos referimos a chamada “inocência infantil”

como algo nostálgico ou não mais existente. E eu por minha vez, lhes conto da

minha preocupação com as mães cada vez mais permissivas e mimando seus filhos,

deixando­os com fraldas até os quatro anos de idade, ou lhes dando mamadeiras

até os seis anos . Parece­lhes que desta forma o tempo de infância fica prolongado

e elas se livram da culpa de terem de trabalhar fora.

Voltando a Rousseau, fico sabendo que suas idéias vão ser de grande

influência para pensadores brasileiros como Anísio Teixeira e Lauro de Oliveira

Lima, que já, na década de 20 , questionavam a qualidade do ensino e a formação

do docente e propunham métodos novos e participativos que valorizassem as

relações democráticas entre professor e aluno. Apesar da forte influência americana,

esses autores tentaram um currículo brasileiro, aproveitando­se das idéias

progressivistas de Dewey . Eu mesma já citei em outro momento deste relato, essas

idéias fazendo parte da minha formação de professora, em meados da década de

60. Porém o mundo capitalista americano, se intrometendo como faz até hoje, com

países sub­desenvolvidos ou em desenvolvimento, subverteu a ordem das coisas.

Era importante formar técnicos para serem aproveitados pelas indústrias em franco

desenvolvimento impulsionadas pela injeção de capital estrangeiro. Vítimas de um

currículo tecnicista que nos afastou cada vez mais das relações entre indivíduos e

classes sociais, que nos afastou da sensibilidade da natureza, da relações afetivas,

cantávamos ingenuamente: este é um país que vai pra frente... É caro Rousseau,

as coisas melhoraram, mas ainda continuamos em crise.

Só me foi possível fazer essa reflexão agora depois de ler pensadores e

estudiosos como Bordieu, Weber, Durkheim, Baudelot, Steinberg e Kincheloe, Paro,

Enguita, Ariès, Acácia Kuenzer, Sandra Zákia, Luis Carlos Freitas, Tomaz Tadeu,

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Heloani, sugeridos entre outros pelas disciplinas de Multiculturalismo e Diversidade

Cultural, Políticas Públicas, Avaliação, Planejamento e Gestão Escolar, Educação

da Criança de 0 a 6, Pensamento Filosófico e Sociológico e Escola e Currículo.

Estas disciplinas foram se entrelaçando, formando a urdidura por onde os fios das

outras disciplinas, com suas espessuras diferentes, com suas nuances específicas,

foram fazendo a trama que alterou minha identidade.

A trama foi se construindo ao longo desses três anos. O tecido pronto permitiu

uma customização com autores que busquei para além do PROESF e que

aparecem com destaque nesse memorial: Freud, Lacan, Winnycott, Dolto, Freinet,

formando um desenho especial, que tornou o que poderia ser igual em diferente, o

que seria comum a muitos, em particular, em individual.

Perdoem­me os leitores se às vezes coloco muito de mim nesses escritos.

Talvez tenha tratado alguns assuntos de forma leviana ou equivocada. Talvez

porque tenha chegado o tempo de fazer o recorte de um tema para que possa

aprofundá­lo. Talvez tenha que chamar, de novo, os autores de minha urdidura e

aprofundar nossas conversas em busca de soluções mais efetivas. Infelizmente não

sei se terei tempo de vê­las. Mas com certeza me reporto ao 30º invariante da

Pedagogia Freinet que justifica todos o meus tateios e autentica minha ação: a

esperança otimista na vida.

Alguns estudiosos acreditam em reformas educacionais como um processo

de regulação social. Ora, não dá mais para acreditar que haja um “poder redentor”

na educação que teria o poder de superar todos os problemas sociais existentes.

Foi nos diálogos em classe, principalmente com as disciplinas de Avaliação,

Politícas Públicas, Gestão Escolar, Currículo, Educação Especial, Educação Não

Formal que fui me dando conta que muitas vezes as minhas opiniões de cunho

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político foram equivocadas pois pensava estar expressando idéias socialistas

quando na realidade meu discurso estava impregnado por idéias neo­liberais.

Não dá mais para pensar que a educação seja uma prática social autônoma,

desvinculada do contexto social. Nesses últimos anos presenciamos uma série de

medidas implantadas por orientação do Banco Mundial que resultaram em ações

como FUNDEF (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental),

Amigos da Escola, municipalização do ensino (esta em vias de extinção), aumento

do período letivo, apoio ao livro didático, reestruturação do currículo, formação de

professores continuada e à distância, avaliações como SARESP (Sistema de

Avaliação de Rendimento do Estado de S. Paulo), SAEB (Sistema Nacional de

Avaliação da Educação Básica) ou Provão, aumento dos turnos e privatização do

ensino superior. Os projetos foram implantados de cima para baixo sem haver uma

escuta de qualquer um de nós professores, que considero sermos os sujeitos

diretamente ligados a esses processos.

Conversando com as colegas que atuam em outras Prefeituras e comparando

nossos salários, percebo que algumas recebem um salário indigno em relação ao

que é pago pelo município de Campinas. Nosso salário é considerado o melhor da

região !?!?! A maioria se queixa da grande quantidade de alunos por sala (tem gente

que tem até mais de 40) o que compromete a prática docente e aprisiona os

traseiros aos bancos escolares num espaço físico que não permite a expansão de

seus corpos, que necessitam de movimento, que não conseguem ficar parados

(como é o caso no Ensino Fundamental) por até 5 horas/dia, com curtos intervalos

para recreio e Educação Física. E lá vêm de novo as idéias fantasmagóricas,

trazidas geralmente pela quixotesca figura do OP (orientador pedagógico)

apregoando: ­ temos que adaptar o currículo;­ temos que rever a metodologia... Ah!

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tem também a figura do meritíssimo Juiz da Vara da Infância e Juventude que

determina que a criança seja matriculada na escola sem atentar para as condições

de acolhimento da mesma. E cumpra­se a lei!

Olho para a instituição Escola e me pergunto: que caminho é esse que

parece não chegar a lugar nenhum? Que tempo é esse que sempre está por vir?

Quando começo a pensar nesta coisa me vejo a mesma jovem “burrinha como quer

os anjos” queixando­me, queixando­me... E volto a me perguntar: eu posso ajudar

em alguma coisa? A Escola precisa de mim?

Sentada pela terceira vez nos bancos universitários, já sabia que não obteria

todas as respostas e estaria saindo mais uma vez, cheia de indagações. Acho que

este é o destino mais nobre da educação, aquilo que a psicanálise apontou como

nossa irremediável incompletude, que somos “seres em falta”, sempre procurando,

fora de nós, aquilo que nos completará.

Sabendo que estou em falta em alguns aspectos do meu conhecimento,

permito­me desejar enveredar por novos caminhos. Talvez aprofundar as questões

de amoralidade que observei nos adolescentes e em algumas mães dos mesmos.

Acredito que esta amoralidade seja fruto das idéias neo­liberais que permeiam a

educação atual. Estamos vivendo uma situação de aumento da violência urbana,

que podem ter duas origens: uma de cunho particular, ligado às relações familiares

fragilizadas pela presença das crianças que não se submetem à lei paterna e que

vivem atadas ao discurso materno; a outra de origem mais geral, estaria inserida no

social, que exige da figura feminina uma atitude fantasiosa de poder, distanciada do

real. Esse motivo social é claro que age diretamente no particular criando um círculo

vicioso que necessita ser quebrado. Pensar sobre essa possibilidade é o que me

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motiva nesse momento e nela coloco meu desejo de enveredar pelos caminhos da

pesquisa.

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CONCLUSÃO

Aprendi a lidar com minha própria loucura. Não eliminei todos os equívocos.

Ainda me permito fazer coisas sem sentido e não erradiquei da minha vida, a

categoria do impossível da existência humana. Ainda tenho conflitos e às vezes a

angústia exerce um controle obsessivo sobre aquilo que sou. Porém tudo isto me

garante que nem todos os caminhos foram percorridos. Existem outros que podem

ser explorados...

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