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SÉRIE VAGA-LUME - Um Rosto No Computadorprojeto.camisetafeitadepet.com.br/imagens/banco_imagem_livros/517... · 4 ELES VOLTARAM! Desde que Marcos Rey lançou em 1981 O mistério

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Marcos Rey

Um Rosto No Computador

Série Vaga-Lume editora ática

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TEXTO Editor

Fernando Paixão Assistente editorial

Carmen Lucia Campos Preparação dos originais

Janice Maria Florido Suplemento de trabalho

Maria Helena Teixeira da Silva

ARTE Editor

Ary A. Normanha Capa e ilustrações

Jayme Leão Diagramação e arte-final

Fukuko Saito Antonio Ubirajara

Composição/Paginação em vídeo José Anacleto Santana

Marco Antonio Fernandes

ISBN 85 O8 O4125 x

1992

Todos os direitos reservados pela Editora Ática S.A. Rua Barão de lguape, 110 - tel.: (PAU) 278-9322

Caixa Postal 8656 - End. Telegráfico "Bomlivro" - São Paulo

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ELES VOLTARAM!

Desde que Marcos Rey lançou em 1981 O mistério do cinco estrelas, romance que já vendeu um milhão de exemplares, passou a receber dos leitores cartas, telegramas e telefonemas pedindo novas histórias com os três personagens principais do livro: Léo, sua namorada Ângela e seu primo Gino. Para não decepcionar tanta gente, Marcos pôs o trio em ação em O rapto do garoto de ouro. Como os pedidos voltassem, multiplicados, escreveu mais um romance juvenil, envolvendo os mesmos heróis: Um cadáver ouve rádio.

Os pedidos não cessaram nem dessa vez, porém Marcos Rey andava curtindo outras idéias. Em 1984 lançou Sozinha no mundo, todo emoção e suspense. No ano seguinte preferiu fazer um romance meio autobiográfico, Dinheiro do céu. Voltou ao gênero policial em 86 com Bem-vindos ao Rio.

Aos que lhe solicitavam o retorno do trio, respondia que somente o faria quando pudesse apresentar uma história do mesmo nível ou ainda superior às anteriores.

Vieram Enigma na televisão, Garra de campeão, Quem manda já morreu, Corrida infernal e Na rota do perigo, um por ano. Mais de três milhões de exemplares vendidos, alguns títulos já sob a mira do cinema e das traduções no exterior.

Em 1992, finalmente, Rey anunciou que o próximo lançamento apresentaria o retorno do trio. "Agora, sim", garantiu, "criei uma história capaz de figurar ao lado das três já publicadas. Com a mesma garra, embora muito diferente no desenvolvimento. Um enredo tenso, elétrico, enigmático, mas sem fantasia, todo inspirado na realidade dos dias que vivemos."

Fiquem, pois, com Um rosto no computador. Leo, Ângela e Gino estão à espera de vocês.

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Sumário

1. TUDO COMEÇA NO AEROPORTO ...... 8

2. O ESTRANHO HOMEM DO PALACETE ...... 9 3. EMPEROR PARK HOTEL ...... 10

4. A PASSAGEIRA CLANDESTINA ...... 12 5. OLHOS, MÃOS E FOTOS ...... 14

6. PROFESSOR BANDEIRA, SOU EU ...... 15 7. ÂNGELA ..... 16

8. A MOÇA QUE VEIO DE LONGE ...... 16 9. O ADEUS PERIGOSO ...... 17

10. A NOVA MOÇA DO PALACETE ...... 18 11. O HÓSPEDE DO APARTAMENTO 222 ...... 20

12. CAMÉLIA, MAIOR DE IDADE ...... 22 13. O PÓSTER HIPNÓTICO ...... 24

14. CONVERSA NO QUARTO ESCURO ...... 25 15. ISTO É O EMPEROR! ...... 26 16. ÂNGELA ENCIUMADA ...... 29

17. CAMÉLIAS, CAMÉLIAS, CAMÉLIAS ...... 30 18. UM HOMEM VIOLENTO INVADE O HOTEL ...... 32

19. O ÚLTIMO ENSAIO ...... 35 20. BANDEIRA x EPAMINONDAS ...... 36

21. ELE, OUTRA VEZ ....... 38 22. CAMÉLIA, FRENTE A FRENTE COM O TIO ...... 39

23. A VENCEDORA É ...... 40 24. O INCRÍVEL DIA SEGUINTE ...... 43

25. ONDE ESTÁ A GAROTA DA CAPA? ...... 45 26. LEO, ÂNGELA E GINO ...... 48

27. QUASE UM ASSASSINATO ...... 52 28. ELE TAMBÉM LÊ OS JORNAIS ...... 53

29. PIZZAS AO LUAR ...... 54 30. OS DETETIVES DAS CAMÉLIAS ...... 58

31. O PÁSSARO E A GAIOLA ...... 63 32. BANDEIRA INTERROMPE UMA COMEMORAÇÃO ...... 63

33. DUELO DE PALAVRAS NO HOTEL ...... 64 34. UM FILME DE TERROR ...... 66

35. POR QUE ESSA CARA FEIA? ...... 67 36. A ÚNICA ESPERANÇA ...... 68

37. UM DOCE ENIGMA ...... 69 38. ELA E... ELE ...... 71

39. RICHARD ...... 73 40. LEO INVESTIGA ...... 74

41. RICHARD, O CINEASTA ...... 76

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42. RICARDO NÃO É RICHARD ...... 77 43. DR. J. L. FISHER - PSIQUIATRA ...... 78

44. UMA SURPRESA PARA ELE ...... 79 45. UM LANCE MUITO ESPERTO ...... 80

46. O TELEFONEMA DE QUEM SABE DEMAIS ...... 81 47. AS ONZE EM PONTO ...... 82

48. NOVAMENTE O COMPRADOR DE CAMÉLIAS ...... 83 49. UMA PISTA VALIOSA ...... 83

50. JOTA ...... 85 51. CAMÉLIA FERIDA ...... 86 52. JOTA ACUSADO ...... 87

53. BOA TARDE, DOUTOR ...... 88 54. O BURACO NO JARDIM ...... 89 55. A VOLTA DE CAMÉLIA! ...... 91

56. O LANCE FINAL ...... 94 57. A MANHÃ SEGUINTE ...... 94 58. TUDO NO ESCURO ...... 97

59. O FANTASMA ...... 98 60. DE VOLTA AO PORÃO ...... 99 61. OS PINGOS NOS IS ...... 101 62. AFINAL, O FINAL ...... 102

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1. TUDO COMEÇA NO AEROPORTO Era ousado demais, todo o seu corpo tremia e a boca estava

seca. Uma sensação que doía, cheia de agulhas. Até os olhos, belos olhos, muito abertos, pareciam picar. Observando dali do portão de Embarque, o campo de pouso parecia ainda maior, um mundo. Já tinha ido até lá outras vezes, mas só para estudar as possibilidades. Desta, não. Trouxera até a valise com algumas roupas. Mesmo correndo risco de fracasso, tentaria. Meu Senhor do Bonfim!

O aeroporto estava movimentado aquela manhã. Muita gente chegava e mais gente ainda embarcava. O maior tráfego era para o Rio de Janeiro e São Paulo. Homens portando maletas pretas, provavelmente viajando a negócios para outros Estados, casais felizes em suas elegantes roupas de viagem e famílias inteiras, ruidosas, preocupadas com o despacho de malas. Jornalistas entrevistavam e fotografavam um senhor de ares importantes. Devia ser político.

Os funcionários do aeroporto, atentos, circulavam por toda parte, dando ou obedecendo ordens. Para os que não sofriam uma forte tensão, com o pé numa encruzilhada do destino, como era seu caso, o clima geral era até muito festivo. Devia ser bom viajar sem riscos, sem a sensação constante de picadas de agulhas.

O portão que ligava a sala de espera à pista ia ser aberto. A primeira etapa. Podia ser barrada logo ali, pois não tinha passagem nem cartão de embarque do vôo das dez. Os passageiros reuniram-se para entrar. O político concluía sua entrevista sorrindo para as câmeras. O momento podia ser aquele. Juntou-se a uma família numerosa que ia embarcar. Notou que as passagens e os cartões estavam na mão do papai, que as exibiria ao funcionário postado no portão. Mas a fila, lenta, quase não andava. As agulhas picaram mais fundo e mais quentes.

▬ Cartões à mão, por favor! ▬ insistia o aeroviário. Três garotos e duas garotas, ao passarem por ele, apontaram o

polegar para trás, na direção do chefe da família, que segurava as passagens e os cartões de embarque. Misturou-se a eles e, diante do funcionário, fez o mesmo gesto.

Passou! Já estava na pista, vendo os aviões mais de perto. A família numerosa adiantou-se, mas ainda pôde ouvir papai

dizer: ▬ Que moço desatento! Fez confusão com os cartões. Sabia que o pior seria agora. Ao pé da escada de acesso ao avião,

uma aeromoça aguardava os passageiros para recolher os cartões.

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Quase não suportou as picadas das agulhas. Voltava ou ia em frente?

2. O ESTRANHO HOMEM DO PALACETE Era um belo palacete no Ibirapuera, bairro refinado da cidade de

São Paulo. Bem vistosa, sobre a porta, havia uma placa: PERSONA ▬ AGENCIA DE MODELOS PARA FOTOS E DESFILE DE MODAS.

O professor Bandeira, proprietário da agência, estava na sala da frente, seu escritório, selecionando fotografias de moças que chegavam de muitas cidades e Estados do país, atraídas pelos anúncios que colocara, requisitando modelos.

Bandeira era um homem anguloso e ossudo, de uns quarenta anos, em cujo rosto dominavam olhos agudos e espertos, acostumados a observar pessoas e intenções. Havia algo de perturbador neles, de sinistro mesmo, revelando uma pessoa que não

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gostava de perder, fossem quais fossem as circunstâncias. Olhava as fotos, uma a uma, concentrado.

Mara, sua assistente, muito jovem e bonita, entrou no escritório e também lançou um olhar às fotografias.

▬ Descobriu alguma Mis Brasil? ▬ Descobri ▬ disse o professor. ▬ Veja esta foto que chegou de

Salvador. Mara pegou a foto e logo exclamou: ▬ É maravilhosa! Uma beleza natural, forte, dessas que vencem

na carreira. Ela vem para cá? ▬ Não me arrisco a mandar passagem só pela foto. Mas

escreveu que virá. ▬ Ela parece menor de idade. ▬ Na carta diz que não tem pais. Vive com parentes que não

querem que ela trabalhe como modelo. ▬ Então, como virá? ▬ Não sei. Quanto a ser menor de idade, a gente resolve. ▬ Cuidado com complicações, chefe ▬ advertiu Mara. ▬ Já

tivemos demais. Bandeira retomou a foto da mão da assistente. ▬ Gostaria de inscrevê-la no "A garota da capa". Víviam é

bonita, mas já muito conhecida. As novatas geralmente têm mais chances. O prêmio será de cinqüenta mil dólares e haverá um contrato internacional. Eu, como "tio" dela, receberia a grana em seu nome. O que uma garotinha faria com tanto dinheiro? ▬ concluiu maliciosamente.

▬ Mas lembre-se de que Jorge Aragão, nosso concorrente, está na disputa. Ele inscreveu Sandra Mar, que também é uma beleza.

Bandeira continuava fixo na foto. ▬ Esse rosto... ▬ observou. ▬ É de uma pessoa muito

determinada, corajosa. É capaz de vir a São Paulo de carroça ou voando.

Mara sorriu. Era quem melhor sabia das ambições do professor Bandeira.

▬ Onde vai ser o concurso? ▬ No Emperor Park Hotel. Só podia ser em um cinco estrelas,

não é mesmo?

3. EMPEROR PARK HOTEL Leo ▬ Leonardo Fantini ▬ foi avisado pelo Guima, um dos

porteiros do hotel, seu velho amigo do Bexiga, que queriam falar com ele na gerência. Já não era o simples bellboy, mensageiro, como

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quando começara a trabalhar ali, mas o chefe deles, e já não usava o uniforme obrigatório. Sua identificação como funcionário resumia-se num emblema do hotel na lapela do terno azul muito bem cortado.

Aos dezessete anos, gostava bastante do novo posto que lhe permitia mostrar-se elegante aos hóspedes endinheirados do Park. E, em virtude dos casos policiais que ajudara a elucidar, alguns hóspedes até olhavam para ele com certa curiosidade.

Leo entrou na gerência. ▬ Vou lhe incumbir de uma tarefa agradável ▬ informou

Percival, o gerente do Park Hotel. ▬ Estou curioso, chefe. ▬ Você está sabendo que vai se realizar aqui no hotel o concurso

"A garota da capa", para modelos fotográficos? ▬ Claro. Ainda hoje saiu uma reportagem no jornal. Que

badalação! ▬ Também li a matéria. Já estamos nos preparando para o

evento. ▬ E onde eu entro nisso? ▬ Você vai ser uma espécie de coordenador do hotel, um elo de

ligação entre os promotores do concurso e a direção do Emperor. Em suma, o nosso funcionário destacado para atender as gatíssimas candidatas, todas hospedadas aqui. Aceita? ▬ perguntou o gerente, com um sorriso malicioso.

▬ Espero que a Ângela não fique enciumada ▬ brincou Leo, referindo-se à namorada. ▬ Mas já aceitei.

▬ Bem, era isso. Assim que elas chegarem você será apresentado como o responsável pelo bem-estar do grupo. Umas vinte moças, uma mais bonita que a outra. Espero que não perca a cabeça, garoto ▬ zombou Percival.

Leo tinha certeza de que não corria esse risco. Sua paixão por Ângela nascera na primeira conversa que tiveram e não diminuíra desde então. Afinal, o primeiro amor não se gasta facilmente, ainda mais no caso deles, tão atribulado, cheio de emoções, devido às complicações e aos perigos em que se haviam metido. Eles e o primo Gino.

Como fazia no mínimo uma vez por semana, Leo dirigiu-se à

casa de tia Zula, mãe de Gino. Na véspera recebera um recado do primo: "Venha que tenho novidade".

Leo tocou a campainha e logo foi recebido por tia Zula com um sorriso imenso.

▬ Oi, Leo, Gino está esperando por você. Entre.

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Leo entrou e logo viu o primo na sala, como sempre sentado em sua cadeira de rodas. Gino estava alegre. Aliás, ele sempre estava alegre, mas naquele fim de tarde parecia mais alegre ainda.

▬ Vamos para meu quarto ▬ disse, fazendo a cadeira rodar. Leo acompanhou-o e, ao entrar no quarto, exclamou: ▬ O que é isso!? ▬ Um computador. Comprei com economias das traduções que

fiz. ▬ Deve ter custado uma nota! ▬ Custou, sim, mas vai ser muito útil. É a máquina do futuro. ▬ Lá no hotel tem computadores, mas não sei lidar com eles.

Você sabe? ▬ Estou aprendendo. ▬ No que ele vai ser útil? ▬ Vai me ajudar muito no meu trabalho e até para esclarecer

mistérios deve servir. ▬ Está me gozando, primo? ▬ Não, e por falar em mistérios, não imagina a saudade que

tenho sentido de uma boa encrenca, como as que já tivemos. A vida anda monótona demais!

▬ Quem sempre fala assim é a Ângela. ▬ Ângela! Estou com saudade dela. Só a vejo quando alguma

coisa pega fogo. ▬ De fato a vida da gente está muito calma. Mas, sabe, às vezes

tenho a impressão de que outra encrenca está a caminho. Sinto no ar. ▬ No ar? ▬ admirou-se Gino. ▬ Então ela está vindo de avião. Os dois se puseram a rir tanto, que tia Zula colocou a cara no

quarto: ▬ Posso rir também ou é uma piada imprópria para senhoras de

respeito?

4. A PASSAGEIRA CLANDESTINA Decidiu prosseguir. Os passageiros do vôo das dez postavam-se

em fila diante da escada metálica, móvel, de acesso ao avião. Somente então olhou para ele. Era enorme e brilhava ao sol. Nunca fizera nenhuma viagem aérea. Apenas em sonhos. Mas sonhos não são feitos de material duro, pesado, como as aeronaves.

Viu outra vez o político, sorridente. Ele, como os demais, segurava na mão o cartão amarelo de embarque. Todos teriam de entregá-lo à aeromoça antes de subir os degraus.

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Pensou repetir o lance da sala de espera, colocando-se no meio da garotada da família numerosa, já que o pai retinha todos os cartões. Aproximou-se do grupo.

▬ Agora cada um segura o seu ▬ disse o pai à filharada. ▬ Vamos evitar confusão.

Ficou sem saber o que fazer. E a fila já se movia. Como entrar no avião sem cartão de embarque? Fingir que o perdera? Não. Teria de dizer seu nome e ele não constava da lista de passageiros.

À sua frente agora estava o político, um homem alto e gordo que com sorrisos parecia querer conquistar a simpatia de todos. Seu corpo volumoso a encobria, embora não fosse baixinha.

A fila já se movimentava mais depressa. Via passageiros entrando no avião. A cada passo sua tensão aumentava. O que diria à aeromoça?

▬ Pode nos dar uma palavrinha, senador? Alguns jornalistas e um fotógrafo tentavam entrevistar o político

quando ele já embarcava. A fila parou diante da escada móvel. Alguns passageiros, mostrando impaciência, saíram de seus lugares, passando pelo senador, que, entrevistado, dificultava o acesso.

É agora, decidiu ela, e misturou-se aos passageiros impacientes. Subiu a escada móvel esperando ouvir um psiu, ou qualquer chamado da aeromoça. À porta da aeronave outra aeromoça recebia os passageiros com cumprimento e sorriso.

Entrou no avião. Sentiu uma sensação de alívio, mas que não durou muito. E se o avião estivesse lotado? Alguém teria de ficar de pé, o que evidenciaria a existência de um clandestino a bordo. Nesse caso, supunha, todos precisariam mostrar suas passagens, o que não poderia fazer.

Entrou no apertado toalete do avião. Sua intenção era permanecer lá até que o avião levantasse vôo. Mas não foi possível. Outra pessoa queria entrar. Saiu e cedeu o lugar para uma senhora idosa. Poucos minutos depois, tornou a entrar, ficando desta vez mais tempo. Mas permanecer no toalete não a acalmava, pois sabia que uma hora ou outra, durante a viagem, teria de desocupá-lo. Esse entra e sai poderia tornar-se suspeito.

De repente, percebeu que todos os passageiros já haviam entrado. A porta estava sendo fechada. Resolveu caminhar até a parte traseira do avião. Azar. Não havia um só lugar vago. Seria obrigada a refugiar-se no toalete. Horas inteiras enfiada lá. Ainda corria risco!

Sentiu um toque no ombro. Voltou-se. Era uma das aeromoças. Novamente sentiu as agulhas, mil agulhas.

▬ Mocinha... Tem um lugar ali. Sentou-se. Agora, sim, podia sentir-se aliviada. São Paulo, estou

a caminho!

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5. OLHOS, MÃOS E FOTOS Chamava de estúdio aquela dependência de sua casa onde

passava a maior parte do tempo. Era ali que guardava pôsteres, álbuns de fotografias e recortes de jornais e revistas.

O melhor do dia para ele era manusear e ficar olhando para tudo aquilo. Sabia que, entre os rapazes de sua idade, havia os fanáticos da velocidade, que gostavam de carros e moto; outros, amantes das águas, preferiam surfe, velas e canoagem. Ele, não! Fixara-se em câmeras, vídeos e fotos. Seu mundo era o das imagens.

A princípio, menino ainda, qualquer imagem. Depois, animais selvagens. E, por último, o que lhe parecia a paixão definitiva: retratos de jovens bonitas. Belezas premiadas, vencedoras de concursos, rostos e corpos que jornais e revistas consagravam.

Colecionava também entrevistas dessas musas de papel, para conhecer seus gostos, desejos e preferências. Algumas delas ocupavam um álbum inteiro de fotos e reportagens. Seu maior prazer era folhear esses álbuns, o que sempre fazia com a porta fechada, para que os pais e os empregados não o perturbassem. Precisava de silêncio e concentração para conviver com suas deusas.

Bateram à porta. Guardou apressadamente os álbuns e abriu. ▬ Mãe! ▬ Está lembrado de que vamos viajar esta semana? ▬ Estou. Mas a senhora já sabe: eu não vou. A mãe aproximou-se bem dele, quase implorando. ▬ Ora, filho! Gostaria tanto que fosse conosco. Poderia visitar os

países que quisesse. A Grécia, por exemplo. Ainda não esteve lá. ▬ Não, por favor. Conheço a Europa até demais. Prefiro ficar

aqui. Demonstrando um pouco de impaciência, a mãe falou: ▬ Mas estávamos pensando em dispensar os empregados

durante a viagem. E não seria bom você ficar sozinho nesta casa tão grande. Não é seguro. Afinal, já fomos assaltados antes.

▬ Eu poderia ficar em um hotel. Acho até que seria divertido. ▬ Você não quer mesmo viajar conosco, filho? ▬ a mãe tentou

mais uma vez.

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▬ Não, mãe. Me deixe ficar. Queria me hospedar no Emperor Park Hotel. Dizem que é um lugar fabuloso, cheio de pessoas importantes.

Depois de observar o filho por alguns instantes, a mãe perguntou, com um ar de preocupação:

▬ Tem se sentido bem, ultimamente? ▬ Muito bem. ▬ Então você pode ficar e se hospedar no Emperor. Se em nossa

ausência tiver algum problema, procure logo o dr. Fisher. Depois que a mãe saiu, ele fechou a porta do quarto e voltou aos

seus álbuns. Mas por poucos instantes. Um pensamento, misturado com prazer e ansiedade, dominara sua mente: pela primeira vez na vida ia ficar tanto tempo sem a vigilância dos pais.

Foi ao espelho e sorriu. Precisava ver aquele sorriso.

6. PROFESSOR BANDEIRA, SOU EU O professor Bandeira passara o dia pensando no concurso, ou

melhor, nos cinqüenta mil dólares. Preocupava-se também com seu grande concorrente e inimigo pessoal, Jorge Aragão, que contava com uma candidata fortíssima. Era uma guerra. Para os espectadores tudo se resumia em sorrisos, mas era uma guerra.

O telefone tocou. Atendeu. ▬ Quero falar com o professor Bandeira ▬ disse uma voz

feminina, afobadamente. ▬ Pode falar. ▬ Professor Bandeira, sou eu. ▬ Eu quem? ▬ Camélia. ▬ Que Camélia? ▬ A moça da Bahia que lhe mandou a foto. ▬ Você está em São Paulo? ▬ perguntou Bandeira,

ansiosamente. ▬ Cheguei agora, estou no aeroporto. ▬ Venha para cá. ▬ Não tenho dinheiro para o táxi. ▬ Pegue assim mesmo, eu pago aqui. ▬ Desligou o aparelho e

chamou a assistente. ▬ Mara! A moça entrou e logo percebeu a expressão eufórica do chefe: ▬ Parece que recebeu boas notícias... ▬ A tal moça da Bahia está vindo do aeroporto. Pague o táxi

quando ela chegar. E, se for o que esperamos, se tem toda aquela

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beleza que está na foto, trate-a como uma princesa. Talvez ela possa nos tirar do aperto.

7. ÂNGELA Leo não conseguia ver a namorada sem conter uma exclamação.

Mesmo com a boca fechada, exclamava: Ângela! Ela estava lá, numa esquina do Morro dos Ingleses, como haviam combinado. Vestia-se de branco e sorria-lhe. Abraçaram-se.

▬ Você fica uma gata de branco! ▬ Sabe, acho que não vou usar mais roupas e cores da moda.

Seguir a moda está ficando careta. Adeus, massificação! ▬ Quer dizer que não vai ser mais a garota moderninha que

conheci? ▬ Se ser moderna é fazer tudo o que as outras fazem, gostar das

mesmas roupas, músicas e papos, então deixei de ser. Quero fazer a minha própria moda. Mas, chega. Não vá pensar que estou bronqueada. Quero é me distrair hoje.

▬ Então, vamos. O que me diz da Bienal? ▬ É uma piração ver aqueles quadros doidos! Mas é um bom

programa. ▬ Gino já foi. ▬ Como vai o Gino? Estou com muita saudade dele. ▬ Ele também está com saudade de você e dos casos que

ajudamos a resolver. ▬ Quer saber de uma coisa? Eu também. Essa vida pacífica está

muito chata. Não tem acontecido nada de extraordinário no seu hotel cinco estrelas?

▬ Nada. A não ser um concurso de modelos fotográficos. Mas o que se pode esperar de um concurso? Sorrisos, flashes, troféus e só.

8. A MOÇA QUE VEIO DE LONGE Mara saiu do palacete para pagar o táxi e logo voltou com uma

moça morena carregando uma valise. Levou-a para o escritório. O proprietário da agência de modelos anotava alguma coisa numa agenda quando olhou à porta. Ficou tão surpreendido com o que viu,

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que deixou cair a caneta. A fotografia o enganara. Ela era muito mais linda, de uma beleza diferente, interessante.

▬ Você é a Camélia? ▬ Sou. ▬ Conseguiu dinheiro para a passagem? ▬ Não. ▬ Como veio, então? ▬ Entrei no avião sem passagem. Bandeira não acreditava: ▬ Sem ajuda de ninguém? ▬ De ninguém. ▬ Que loucura! Seus parentes sabem que veio para São Paulo? ▬ Apenas deixei um bilhete dizendo que ia viajar, mas não disse

para onde. ▬ Ótimo. E quanto à foto? Disse a eles que me mandou? ▬ Não. ▬ Você é menor de idade? ▬ Sou ▬ ela confessou, tímida. ▬ Mas trouxe documentos. ▬ Você é mesmo meio doida, menina. Precisamos lhe arrumar

um novo documento. Mas não pense nisso agora. Está com fome? ▬ Estou. ▬ Mara ▬ chamou, ▬ providencie uma boa refeição para

Camélia e depois mostre-lhe o quarto. Deve estar cansada depois dessa aventura toda.

Assim que Mara e Camélia saíram do escritório, Bandeira exultou:

▬ A pátria está salva.

9. O ADEUS PERIGOSO Acompanhou os pais até o aeroporto, dirigindo ele próprio o

carro de luxo, pois o motorista já estava em férias, assim como os demais empregados da família.

O pai, um industrial que vendera sua fábrica para aproveitar melhor a fase derradeira da vida, parecia ansioso por viajar. O Velho Mundo o atraía muito. Já a mãe não parecia ter o mesmo entusiasmo. Estava preocupada com o filho. Quando era ainda pequeno, o médico constatara que o garoto vivia em um universo à parte. Mas a questão era saber que universo era esse e o que havia dentro dele. Apesar da sensibilidade maternal, ela mal se aproximara do núcleo dessa galáxia.

▬ O que pretende fazer enquanto estivermos fora? Não respondeu logo, atento à direção e ao tráfego.

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▬ Ainda não pensei nisso. ▬ Por que não vai visitar os museus? É educativo. Você nunca

fez isso. Não conhece nem o Museu do Ipiranga. ▬ O passado não me diz nada, mãe. Vou pensar no que fazer.

Garanto que saberei me distrair. Ela consultara o doutor Fisher. O psiquiatra fora da opinião de

que uma temporada sozinho, independente, sem a menor vigilância, poderia lhe fazer bem.

O pai meteu-se na conversa: ▬ Eu, no seu lugar, trataria de arranjar uma namorada. Vai

encontrar tempo para isso. ▬ Concordo ▬ disse a mãe. ▬ Seria mais interessante do que

ficar olhando seus álbuns de atrizes e modelos. Cerrou ligeiramente os olhos, não gostou da alusão aos seus

álbuns. Ela devia tê-los descoberto em sua ausência. Nunca os mostrara a ninguém. Faziam parte de seu mundo interior.

O pai, porém, fez um comentário que serenou os ânimos: ▬ Qual é o homem que não gosta de fotos de mulher bonita? Poucos minutos depois chegavam ao aeroporto. Carregadores

aproximaram-se tão logo ele estacionou o carro. Abriu o porta-malas e desceu, juntamente com os pais.

Era a hora do adeus. A despedida do pai foi formal: ▬ Não fique sozinho naquele casarão ▬ disse. ▬ Os ladrões

estão à solta... Vá logo para o hotel e divirta-se. Mas a mãe o envolveu num abraço um tanto descontrolada,

apertando-o e derramando algumas lágrimas. Era a primeira vez que deixava o filho só! Tentou falar e não conseguiu, vendo ou pressentindo algum perigo atrás daquele comovido adeus.

10. A NOVA MOÇA DO PALACETE Camélia, faminta, devorou um prato enorme de comida. Depois,

Mara, a braço direito do professor, levou-a para o andar superior do palacete e mostrou-lhe um quarto com duas camas e um guarda-roupa. Tudo simples e limpo. E quantas fotos de moças bonitas nas paredes!

▬ Este é seu quarto, agora. Pode ocupar aquela cama. A outra moça, Víviam, está posando numa agência de publicidade. Tente dormir um pouco.

Dormir! Era o que Camélia mais queria. Guardou a valise no guarda-roupa e atirou-se, vestida, na cama. Tivera emoções demais desde a manhã.

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Foi um desmaio. Ao despertar olhou pela vidraça e viu que era noite. Parecia ter

dormido um século. Levantou-se, saiu do quarto e no fim do corredor encontrou o banheiro. Até lá havia fotos. Uma boa ducha a faria sentir-se melhor. Afinal chegara a Sampa, a metrópole tão falada na Bahia. Precisava começar a curtir! Voltou para o quarto.

Outra moça, pouco mais velha que ela, loira e não muito alta, estava lá. Apresentou-se:

▬ Sou Víviam. Você é a garota que veio da Bahia, não? ▬ Sou. Meu nome é Camélia. ▬ Verdade que veio de avião como clandestina? ▬ Vim, sim. Acho que foi muita sorte. ▬ Sorte e coragem, guria. Eu não seria tão atirada! O Bandeira

está entusiasmado com você. Vai inscrevê-la no "A garota da capa". ▬ O professor? Víviam deu um risinho de canto de lábio: ▬ Bandeira, professor? Gostaria de saber o que já lecionou. ▬ Acha que não é? ▬ O que sei dele é que já teve problemas com a polícia. Dizem

que chefiava um bando de meninas ladras. Daí, talvez, o professor. Era ele quem ensinava as técnicas para elas.

Camélia sentou-se na cama, um tanto inquieta. ▬ Então ele não é honesto? ▬ Sossegue. A tal escolinha foi coisa do passado. Agora é agente

de modelos. Mas isso também não quer dizer que virou santo. ▬ Você mora aqui? ▬ Eu e mais algumas moças. Vim de Porto Alegre. Morar em

hotel seria caro demais. Mas não pense que moramos de graça. Parte do que ganhamos com as fotos e os desfiles de moda vai para o bolso do Bandeira. E a gente nunca sabe bem quanto.

▬ Nesse caso ▬ opinou Camélia, ▬ se desconfiam dele, por que continuam aqui?

▬ Temos contrato com Bandeira. Quando chegamos, não conhecíamos outro agente e fomos assinando os papéis. Ninguém lê contrato com atenção quando está desempregado. Com você, que veio da Bahia sem dinheiro, vai acontecer o mesmo.

Mara entrou no quarto. ▬ O professor quer falar com você, Camélia. Leve seus

documentos. Bandeira esperava Camélia em seu escritório com um sorriso

largo. Ela entrou com a assistente. ▬ Olá, está mais descansada? ▬ Estou. Dormi a tarde toda.

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▬ Gostou do quarto? ▬ Gostei. ▬ Aqui não vai lhe faltar nada, garotinha. Isto é uma família.

Todas as meninas se entendem perfeitamente. Agora, deixe-me ver seus documentos, sim!

Camélia entregou-lhe certidão de nascimento e carteira de identidade.

▬ Precisamos lhe arranjar outros. E, por segurança, também uma autorização de seu tio. Gosto das coisas bem esclarecidas, certinhas.

▬ O senhor vai me inscrever naquele concurso? ▬ Você e Víviam, sua companheira. Colocamos as duas no

mesmo quarto para que aprenda com ela. Víviam sabe das coisas. É quase uma profissional.

▬ E se eu não ganhar, o senhor não me contrata? ▬ perguntou Camélia, num tom infantil.

Bandeira cobriu a mão de Camélia com a sua para tranqüilizá-la. E alargou mais o sorriso. Depois passou-lhe uma página de papel em branco.

▬ Tudo bem. Assine aí embaixo e considere-se contratada. Sejamos práticos. Mara, mais tarde, datilografará as cláusulas do contrato. ▬ E, em outro tom, prosseguiu: ▬ Mas não espere encontrar moleza pela frente. Amanhã começará a aprender a posar e a desfilar. Vai ser correria o tempo todo.

Camélia pegou a caneta, porém olhava para o papel e vacilava. ▬ Vamos levar você para dar um passeio de Kombi ▬ anunciou

Mara. ▬ Precisa conhecer a cidade que vai conquistar. O que fazer? Assinou.

11. O HÓSPEDE DO APARTAMENTO 222

Ele se aproximou lentamente do balcão de recepção. Havia muitos hóspedes no saguão, porém os ignorou. Sua órbita estava muito distante. Tirou um documento do bolso e exibiu.

▬ Queira preencher a ficha - pediu o recepcionista. Foi escrevendo com a mesma lentidão de seus passos. ▬ Só isso? ▬ Falta preencher a procedência. ▬ Moro aqui mesmo ▬ disse, preenchendo a ficha. Como todos os bellboys estivessem ocupados, o próprio Leo,

chefe deles, teve de levar a mala do novo hóspede. Subiram juntos no elevador.

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Ao abrir a porta do apartamento, Leo comentou, para demonstrar afabilidade:

▬ Apartamento 222. Aqui esteve hospedado por muito tempo o Barão, um famoso traficante de drogas. Ele praticamente morava no Emperor.

O novo hóspede saiu de sua letargia: ▬ Lembro-me do caso. Houve um assassinato. Foi neste

apartamento?

▬ Foi ▬ respondeu Leo. ▬ Se isso o desagrada, podemos lhe

arranjar outro apartamento. Um hóspede, certa vez, não quis dormir aqui.

▬ Não me incomodo. ▬ O senhor então se lembra do caso? ▬ admirou-se Leo. ▬ Leio tudo que sai nos jornais, e o Barão deu manchete. Leo já ia saindo quando o outro lhe pôs na mão uma gorjeta

bastante generosa. Parecia grato por lhe ter lembrado o caso do Barão...

▬ Obrigado ▬ Leo agradeceu.

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Já abria a porta quando o hóspede o deteve: ▬ Espere. Parece que o conheço. Seu retrato não saiu nos

jornais? ▬ O resto veio à tona. ▬ Já sei, você foi o rapaz que ajudou a pôr o Barão na cadeia. Certo?

▬ Certo. Mas estou espantado com a sua memória. Já faz tempo. Guardei os recortes na ocasião.

▬ Coleciona crimes? ▬ pilheriou Leo. ▬ Guardei porque aparecia nas fotos uma moça que era uma

gracinha. Leo sabia perfeitamente de quem ele falava. E já saía do

apartamento, quando acrescentou: ▬ É minha namorada. O novo hóspede ficou tenso, o que Leo percebeu imediatamente. ▬ Parabéns, moço ▬ o estranho falou, num tom de voz

indefinido. Leo desceu às pressas à recepção. Quis ver a ficha do hóspede.

O nome não lhe dizia nada, mas o recepcionista, muito atento a nomes de pessoas e famílias importantes, devido às próprias funções, informou:

▬ O pai foi um tremendo industrial. Não sei por onde anda agora. O que posso apostar é que está aí o herdeiro de um caminhão de dinheiro. Disse caminhão? Ouça jamanta.

12. CAMÉLIA, MAIOR DE IDADE Há dias que Camélia não tinha descanso. Logo cedo, uma

senhora com sotaque estrangeiro, dona Karen, que parecia andar com o peso de um caminhão, fazendo o assoalho da sala estalar, ensinava-lhe a caminhar com elegância e naturalidade.

Precisava ter noções de postura, desembaraço e movimentos harmônicos. Era uma professora exigente. Às vezes, Bandeira ia espiar e sempre exigia mais. Ela ainda estava crua, dizia.

Camélia assustava-se: parecia que não ia aprender nunca. E a presença de outras alunas e modelos a inibia. Mas começou a sair-se melhor, mais segura, quando vestiu algumas peças do guarda-roupa da agência, bem como sapatos mais altos, cheios de classe. Que diferença das roupas que os tios lhe davam!

▬ Assim, assim... ▬ orientava dona Karen. Nos momentos de descanso, as moças assistiam a desfiles de

modas em vídeo. Até almoçavam vendo esses desfiles. Eram os momentos em que Camélia mais convivia com as "inquilinas" do professor.

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Ficou conhecendo Rosane, uma ex-universitária que viera do Paraná, que ainda não tivera sua chance. Pensava em desistir. Jasmim era um tanto gorda para a profissão, mas estava feliz porque já posara para anúncios de leite e fortificantes. Havia também uma chilena, Dolores, que não perdoava Bandeira por não ter incluído seu nome no concurso. E uma muito assustada, Paula, sempre confessando odiar o dono da agência e prometendo um dia aprontar-lhe uma boa.

Camélia gostava de conversar com as colegas, porém percebia que se divertiam com seu sotaque baiano. E, quando contou que trabalhara numa peixaria, provocou gargalhadas.

Certa tarde, apareceu um fotógrafo na agência. ▬ Agora é que vamos ver se é fotogênica mesmo, Camélia ▬

disse o professor. ▬ Vimos apenas uma foto sua. Não deu para avaliar se tem jeito mesmo para modelo fotográfico.

Camélia pensava que era só deixar-se fotografar. Não era isso. Tinha que interpretar. Fazer mil expressões diferentes. Em cada foto, vivia um papel. A moça que acabara de receber uma notícia feliz, a que sorria à janela para um belo dia, a que escrevia uma carta talvez para o noivo distante, a que amava os bichos ▬ lá havia muitos de pelúcia, ▬ a menina-moça jogando peteca, a rebelde que fazia careta para a câmera, a dona do mundo, vaidosa de sua beleza.

Passou a tarde posando. E foi o que mais a exauriu, mesmo porque sabia que era a parte decisiva dos testes. Perguntou ao fotógrafo se se saíra bem.

▬ Só a revelação vai dizer. Dois dias mais tarde, Camélia foi chamada ao escritório. O

professor entregou-lhe um papel timbrado e uma carteira. ▬ O que é isso? ▬ Sua certidão de nascimento e sua carteira de identidade. Você

já tem dezoito anos comprovadamente. Veja aí o ano em que nasceu. ▬ Mas os documentos parecem velhos! ▬ Novos despertam suspeitas, garotinha. ▬ Falsificar não é crime? ▬ Só quando descoberto. Camélia ia saindo quando se lembrou de perguntar: ▬ Quando as fotos ficam prontas? ▬ Já foram reveladas ▬ respondeu Bandeira. Camélia tremeu, ansiosa. ▬ Saíram boas? ▬ Não. Um susto. ▬ Não?

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Uma pausa. ▬ Ficaram simplesmente deslumbrantes. Eu tenho uma coisa

que os americanos chamam de feeling. Sensibilidade. Vi logo que você tinha jeito para a profissão. Deve-me esse favor. Tome nota, garotinha.

13. O PÔSTER HIPNÓTICO Ele não falava com ninguém. Passava o dia percorrendo o hotel.

Na parte da manhã demorava-se horas na piscina, mas não entrava na água. Ficava sentado na espreguiçadeira, vendo os hóspedes e tomando refrigerantes. Costumava também visitar os três restaurantes do Park. Em um deles havia uma pequena cachoeira que mudava de cor, segundo a programação de um jogo de holofotes. Visitava os bares do hotel, um mais sofisticado que o outro, o salão de leituras e o belo solário da cobertura.

Mesmo na sauna, com os hóspedes muito agrupados, conversando animadamente em meio a toda aquela fumaça, não trocava uma palavra com ninguém. Tinha a sensação de ter se tornado invisível. Por que não falavam com ele? Davam mais importância a um simples empregado como Leo. Irritou-se.

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Depois de alguns dias já se cansara do hotel, disposto a tomar

outro rumo. Foi quando parou casualmente diante da porta da espaçosa e elegante boate do Emperor. Era ali que se realizavam as festas e os eventos, as grandes promoções que mantinham bem elevado o prestígio daquele cinco estrelas.

Seus olhos se fixaram num pôster sobre um cavalete. O que estava vendo era uma linda moça, em trajes sumários, posando para uma foto. E tão atraente, para ele, como a fotografia, era a legenda que se seguia abaixo.

Sentiu-se como se estivesse hipnotizado. Havia um ímã naquele pôster. Nem saberia dizer por quanto tempo permaneceu ali, a olhar, dando asas à imaginação.

Mais tarde, ao passar pela recepção, um funcionário lhe perguntou:

▬ O senhor pediu a conta? ▬ Se pedi? ▬ Vai deixar o hotel?

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▬ Bem... eu ia, mas mudei de idéia. ▬ Já se afastava quando parou para fazer uma pergunta. ▬ É preciso reservar lugar para assistir ao concurso?

▬ Sim, senhor. ▬ Podia me reservar uma mesa junto à pista? ▬ Para quantas pessoas? ▬ Para mim, apenas. ▬ Vou reservar, senhor. Leo aproximou-se do recepcionista enquanto o hóspede se

afastava. ▬ Ele fez reserva? ▬ Uma mesa só para ele. ▬ Isso que é gostar de moças bonitas ▬ comentou Leo. ▬ Vai lhe sair uma nota!

14. CONVERSA NO QUARTO ESCURO Camélia estava exausta. Caiu na cama e dormiu no mesmo

instante. Acordou algumas horas depois, despertada pela companheira de

quarto, Víviam, que chegava. Ela não acendeu a luz. Trocou de roupa no escuro e deitou-se.

Porém, percebendo que a novata estava acordada, puxou conversa: ▬ Soube que seu teste fotográfico foi um estouro. ▬ O professor gostou. ▬ Você viu as fotos? ▬ Ele não me mostrou. ▬ Só para você não se entusiasmar muito. Ele sempre age

assim. Faz segredo de tudo. ▬ Ele já me inscreveu no "A garota da capa". ▬ Eu sei ▬ disse Víviam. ▬ Sei também sobre os documentos

falsificados. ▬ Tenho medo dessas coisas ▬ confessou Camélia. ▬ E é para ter mesmo. Agora, me diga, já assinou algum

contrato? ▬ Assinei. ▬ Leu o contrato antes? ▬ Não, apenas assinei. ▬ Por que não leu? ▬ Porque a página estava em branco ▬ justificou Camélia. Víviam riu com certa raiva: ▬ Esse Bandeira não tem jeito mesmo. Apoiando-se no cotovelo, Camélia perguntou:

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▬ Você tem esperanças de vencer o concurso? ▬ Poucas. Quem tem mais chance é Sandra Mar. O empresário

dela, Jorge Aragão, consegue ser mais esperto do que Bandeira, e sabe mexer os pauzinhos. Além disso, Sandra já tem um mundo de fãs. Ela já posou bastante.

▬ Paula me mostrou um retrato dela. É bonita. Um pequeno silêncio se fez entre as duas. ▬ Seus parentes ainda não sabem que está aqui? ▬ quis saber

Víviam, mudando completamente de assunto. ▬ Graças a Deus, não. Se meu tio souber, vem aqui e me mata. ▬ Mata? ▬ Todo mundo tem muito medo dele. É um bruto. Tenho tido

até pesadelos... Víviam sorriu com pena. ▬ Ele não vai descobrir que você está aqui. Agora, durma.

Amanhã vamos para o Emperor Park Hotel. ▬ Já, amanhã? ▬ A partir de agora os ensaios serão lá. É um hotel maravilhoso,

guria!

15. ISTO É O EMPEROR! No dia da inscrição Bandeira chamou Camélia e lhe disse: ▬ Seu nome não é muito adequado para modelo. Vamos usar o

final dele: Lia. Assim, se sua família ler sobre o concurso, não vai identificá-la. Lia qualquer coisa. Pensei Lia Magno. Curto, fácil de gravar. É isto: Lia Magno. Não vá esquecer. Mas, ao preencher a ficha do hotel, assine seu nome verdadeiro.

O saguão do cinco estrelas estava repleto de repórteres, fotógrafos, cinegrafistas e hóspedes, além dos promotores do concurso. Uma pequena comissão do hotel estava à porta para recepcioná-los. Entre o gerente e um dos diretores, lá estava Leo, tão ansioso como os outros dois. Às vinte e quatro concorrentes do "A garota da capa" estavam chegando. O grande show de beleza e fotogenia ia começar.

Lia Magno e Víviam chegaram num carro dirigido pelo diretor da agência. Outras também chegavam e reuniam-se no saguão do hotel para as primeiras fotos em conjunto, batidas sob um verdadeiro alarido. Enquanto se repetiam os flashes, o público lá instalado fazia comentários e manifestava suas preferências.

Ninguém permanecia indiferente. O próprio Leo opinou: ▬ Aquela moreninha é demais!

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▬ Está muito assustadinha ▬ disse o gerente. ▬ Mas é o que lhe dá certo charme. Para mim, estará entre as finalistas. Aposto.

▬ Qual é o nome dela? Diante deles, um repórter, também entusiasmado, perguntou o

nome à candidata. ▬ Lia Magno ▬ ela respondeu, pronunciando seu pseudônimo

pela primeira vez. ▬ Se você não ganhar será injustiça, Lia ▬ comentou o

jornalista. ▬ Espero que não haja marmelada. Nesse momento chegava a famosa e tão comentada Sandra Mar,

alta, loura, elegantíssima, com jeito de modelo internacional. Muito senhora de si, sorria para todos, acenando, atirando beijos. A seu lado um homem robusto, alegre e falando com todos, seu empresário, Jorge Aragão, com ar de quem já embolsara o dinheiro do prêmio e dos contratos no exterior. Vendo-a, Camélia sentiu-se derrotada, apenas uma figurante naquilo tudo.

Em seguida as candidatas subiram, juntamente com a reportagem, para a cobertura do hotel. Aquela amplidão, com centenas de edifícios ao fundo, era ideal para fotografias. Tiraram muitas fotos em conjunto, em grupo de três e individuais.

O pessoal da recepção esteve sempre presente, ao lado dos promotores do concurso. Garçons, circulando na cobertura, serviam refrigerantes, e os repórteres entrevistavam as candidatas.

Lia Magno, obedecendo orientação de Bandeira, foi cortês, simpática, mas lacônica. Não podia abrir-se muito sobre sua vida. Respondia mais com sorrisos. Mesmo assim era tão solicitada pelos repórteres quanto a estrelíssima Sandra Mar.

Depois das fotos na cobertura, concorrentes e promotores do concurso foram reunidos no elegante salão de recepção. Lá, enquanto corriam bandejas de doces e salgados, um diretor do evento falou do regulamento e dos prêmios reservados às três finalistas.

Também nessa ocasião foram apresentados os jurados e Sérgio Marques, profissional de tevê conhecido em todo o país, que conduziria o espetáculo frente às câmeras. Por último, em nome do hotel, pronunciou-se o gerente, garantindo todo o conforto e bem-estar às candidatas. Quando precisassem de qualquer coisa que chamassem seu anjo da guarda, disse, apontando para Leo.

O chefe dos bellboys, apanhado de surpresa, perdeu o jeito, só o recuperando quando todas as concorrentes bateram palmas. Jamais poderia esperar que vinte e quatro lindas moças o aplaudissem.

▬ E, se receberem recadinhos inconvenientes ▬ prosseguiu o gerente, de bom humor, ▬ recorram também ao Leo. ▬ Ele localizará o engraçadinho, pois é meio detetive.

Todos riram, aproveitando o clima de descontração.

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Depois de conversar mais um pouco, as candidatas foram preencher as fichas de entrada. Camélia, nervosa, teve dificuldades. Ia assinando o pseudônimo. Bandeira, a tempo, alertou-a do engano.

▬ Assine seu verdadeiro nome, Camélia ▬ disse, em voz alta, nervoso com a confusão.

Cumprida a burocracia, as candidatas recolheram-se aos seus apartamentos, à espera do almoço e dos ensaios da tarde. Lia Magno e Víviam ocuparam o mesmo apartamento, que era um luxo.

▬ Simpático o tal de Leo ▬ comentou Lia. Víviam, vestida mesmo, largou-se na cama. ▬ Você chegou da Bahia com o pé direito ▬ disse. ▬ Por que diz isso? ▬ Não percebeu o interesse dos fotógrafos por você? ▬ Acho que se interessaram mais por Sandra. ▬ Mais por você. Notei isso. E eles sempre acabam influindo na

decisão dos jurados. Lia dormiu um pouco. Bem próximo da hora do almoço, bateram

à porta do apartamento. Era um bellboy com uma braçada de camélias. ▬ Senhorita Camélia? ▬ o rapaz perguntou a Lia, que fora

atender à porta. ▬ Sim, sou eu. Lia pegou as flores e agradeceu ao funcionário. Havia um

pequeno envelope endereçado à senhorita Camélia, junto delas. Abriu-o e retirou um cartão. Leu em voz alta: ▬ Você ainda será minha. ▬ Quem assina? ▬ perguntou Víviam. ▬ Ninguém. ▬ Mas que pretensão! Lia ficou intrigada. ▬ Há um mistério aqui! ▬ Mistério? ▬ Para a imprensa e para todos meu nome é Lia. Foi como me

apresentei aqui. Ninguém sabe que me chamo Camélia, a não ser a gerência do hotel, por causa da ficha de entrada. Não acha estranho?

▬ As camélias podem ter sido enviadas por alguém que conheça você.

▬ Não tenho conhecidos em São Paulo ▬ disse Lia, ainda mais intrigada. ▬ E, se tivesse, não saberiam que estou aqui. Vivo há duas semanas entocada lá na agência.

▬ Não se preocupe ▬ acalmou-a Víviam. ▬ Pense no concurso e nas portas que ele vai abrir para você. Quanto à pessoa que lhe mandou as camélias, ela acaba aparecendo.

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Lia concordou, mas não conseguia tirar os olhos daquele cartão. Escrito à máquina, parecia mais uma ameaça que uma declaração de amor.

16. ÂNGELA ENCIUMADA Ângela logo pôde saber do que acontecia no Emperor Park Hotel

pelos diversos jornais e revistas, que o pai assinava. Todos os cadernos dedicados a entretenimento e as colunas sociais traziam farto material em textos e fotos sobre o concurso de modelos. Eram páginas e páginas focando as favoritas. E, entre elas, a que mais se destacava era uma morena muito jovem, que fascinava pela harmonia e simplicidade de seu rosto e maneiras. "Ela é uma beleza e não sabe", dizia a legenda de uma foto de Camélia. "Lia, feita para inspirar poetas e doidos", dizia uma manchete. "Cuidado, corações", era a advertência de um jornal.

Até aí, Ângela achou tudo muito normal. Mas virou onça quando viu um retrato da gata ao lado de outro gato, o seu Leo, tirado à beira da piscina. Ambos segurando nas pontas o mesmo sorriso, como no sobe e desce de uma gangorra.

Ângela tratou de esconder o jornal para a mãe não ver, ela que não era entusiasta do namoro. Em seguida, telefonou para o hotel.

▬ Quero falar com Leo Fantini. ▬ Ele não pode atender. ▬ Por que não pode? ▬ Está atendendo as concorrentes do concurso. Desligou. Voltou a ver a foto. Puxa, ele parecia mesmo muito

feliz! Teve uma idéia. Ligou para o Gino, o que não fazia há meses. ▬ Gino? Sou eu. ▬ Eu quem? ▬ Ângela. ▬ Ângela?! Pensei que nunca mais fosse ouvir sua voz. Que

saudade! Mas, aconteceu alguma coisa? ▬ Não, nada. Tem visto o Leo? ▬ Não. Sei que anda muito ocupado com o concurso das

modelos. Foi encarregado de dar assistência a elas o tempo todo. Coitadinho. Morro de pena! ▬ brincou Gino.

▬ Diz coitadinho porque não viu os jornais. ▬ Vi, sim. É até obrigado a posar junto delas. Que sacrifício! A

gente percebe pela cara dele que está sofrendo muito. Gino riu, mas, percebendo o silêncio de Ângela, indagou: ▬ Vai me dizer que está com ciúme? ▬ Não sou nem um pouco ciumenta ▬ ela defendeu-se.

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▬ E, se fosse, não haveria mal nisso. Ter ciúme é humano. ▬ Apenas queria saber se tem visto o Leo. Um dia desses a gente

se vê. Tchau. ▬ Espere. Você não gostaria de assistir ao concurso? Leo

certamente arranja dois ingressos para a gente. Claro, ela gostaria, mas... ▬ Leo talvez prefira que eu não apareça por lá ▬ justificou

Ângela. ▬ Nem quero atrapalhar o seu trabalho... ▬ A ciumenta outra vez. Deixe por minha conta. Vou pedir os

ingressos a ele. Ângela desligou o aparelho. Para espantar o ciúme foi a seu

quarto assistir à televisão. Em um mau momento. Lá estava a linda morena sorrindo para as câmeras. Depois, fez um adeuzinho e mergulhou na piscina. Do outro lado um rapaz do hotel a esperava com uma toalha para envolvê-la. Oh... Era Leo! O bandido do Leo! Fora traída! Oh...

17. CAMÉLIAS, CAMÉLIAS, CAMÉLIAS Era o boy do hotel. Mais uma braçada de camélias. Era a

terceira que recebia. O cartão. Sempre a mesma frase escrita à máquina: "Você ainda será minha". Decidiu fazer alguma coisa. Haviam dito, na manhã das apresentações, que o anjo da guarda, o rapaz chamado Leo, encarregado de atender as candidatas, era uma espécie de detetive, capaz de livrá-las dos engraçadinhos. Foi procurá-lo. Encontrou-o na portaria, atarefado.

▬ Posso falar com você? ▬ Algum problema, Lia? ▬ Quero lhe mostrar o que tenho recebido. ▬ E lhe passou os

três envelopes. ▬ Vêm com flores. Leo leu os cartões. ▬ São endereçados à senhorita Camélia... É você? ▬ Meu verdadeiro nome. ▬ Tem idéia de quem manda isso? ▬ Nenhuma. ▬ Temos uma floricultura no hotel. Vou averiguar. É logo aí.

Quer vir junto? Lia acompanhou Leo à floricultura. Lá estavam duas

funcionárias. O rapaz mostrou-lhes os cartões: ▬ Podem dizer se esses cartões são daqui? ▬ Os nossos são maiores e têm o timbre do hotel ▬ uma delas

esclareceu. ▬ Que flores mandaram junto? ▬ Camélias.

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▬ Justamente as que estão faltando. Leo voltou-se à candidata: ▬ Não foi hóspede do hotel. ▬ Isso me espanta. ▬ Espanta? ▬ Se não é gente daqui, quem seria? Estou em São Paulo há

poucos dias e não conheço ninguém aqui. ▬ Pode ter sido algum jornalista. Muitos se tornaram seus fãs. ▬ Mas não sabem meu verdadeiro nome. A não ser que vocês do

hotel tenham contado para eles. A resposta foi pronta. ▬ Isso, não. Estranhos não lêem nossas fichas. Só mesmo a

polícia ou o juizado de menores, se solicitarem. ▬ Então é um mistério mesmo. ▬ Sempre há um jeito de se descobrir as coisas ▬ garantiu Leo.

▬ Venha, vamos até à portaria. ▬ Lá, fardado e imponente, estava Guima, amigão de Leo, que

também participara das investigações passadas. ▬ Guima, tem um engraçadinho que vem mandando flores e

cartões para esta moça. Sempre camélias. Se chegar um entregador com camélias, pergunte de que floricultura foram mandadas ▬ pediu Leo.

▬ Farei isso. Mas sei que não são de nenhuma floricultura dos arredores. Temos duas próximas.

▬ Como sabe que não vieram delas? ▬ Porque eu recebi camélias duas vezes, hoje e ontem. Vieram

numa Kombi de entrega e não por mensageiros, como fazem as floriculturas próximas ao hotel.

▬ Não leu o nome da floricultura na Kombi? ▬ Não, Leo. Infelizmente. Mas da próxima vez lerei, e você

poderá localizar o atrevido. ▬ Obrigado, Guima. Leo e Lia afastaram-se. A moça mostrava-se muito grata: ▬ Você é porreta mesmo, como dizem em minha terra. ▬ Ora, não consegui descobrir nada. ▬ Mas se mexeu. ▬ Se o tal fã mandar mais flores e o Guima estiver na portaria,

com certeza descobriremos quem é o admirador anônimo. Lia deu alguns passos e viu o professor Bandeira entrando no

hotel com um ar triunfante. ▬ Que sucesso, não? Você está em todos os jornais e revistas.

Viu só a sensação que causamos? Lia não respondeu ao professor. Ainda se preocupava com o

enigma.

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▬ Estão me mandando flores e cartões anônimos. Sempre a mesma mensagem. Não estou gostando nada disso.

▬ Precisa se acostumar com a fama, garotinha. ▬ Pode ser algum tarado. ▬ Você está muito bem guardada no hotel. Pense só em coisas

boas. O otimismo torna as pessoas bonitas. Projeta simpatia. Atrai dinheiro.

▬ A pessoa que manda as flores não é daqui do hotel. ▬ Prova que seu êxito já se espalhou pela cidade. Não era isso o

que você queria? Não foi pra isso que viajou como clandestina? Agora suba e se arrume um pouco. Consegui uma reportagem em uma grande revista. Acho que ganharemos essa parada. Depois vamos para Nova Iorque, para Paris. Anime-se, garotinha.

Ela animou-se. 18. UM HOMEM VIOLENTO INVADE O HOTEL

Guima redobrou a atenção à porta do Emperor. Se parasse

algum carro de floricultura, leria o nome do estabelecimento. Pediria ao porteiro que o substituísse para fazer o mesmo. Gostava de ser útil a Leo, amigo que era de seus pais.

Algumas horas passaram e nenhum carro de floricultura parou em frente do hotel. Aconteceu, porém, algo preocupante. Um homem de uns quarenta anos, forte, muito irritado, invadiu o hotel, bufando. Parecia resolvido a agredir alguém. Guima o deteve:

▬ Aonde vai, cavalheiro? ▬ Vim buscar minha sobrinha. Saia da frente. ▬ Espere. Ninguém entra neste hotel assim. Nada de escândalo.

Sua sobrinha está hospedada aqui?

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▬ Ela está nesse diabo de concurso. ▬ Nome dela. ▬ Camélia Silva. ▬ Fique aí. Não se mexa. Vou me informar. Guima dirigiu-se às pressas à recepção. Leo estava lá. ▬ Leo ▬ disse, ▬ temos problemas. Um tipo um tanto violento

está aí à procura da sobrinha. Ela é do concurso. Chama-se Camélia. ▬ Camélia? É a moça que está recebendo flores de um fã

misterioso. ▬ Mas não é esse homem que mandou, não. Desse só poderia

receber bofetadas. ▬ Segure o cara. Vou telefonar para ela. ▬ Fez a ligação da

recepção. ▬ Lia? O Leo. Tem um homem aqui embaixo se dizendo seu tio. Guima disse que está uma fera. O que faço? ▬ A moça não respondia nada. ▬ O que faço, Lia?

▬ Ele veio me buscar... ▬ É seu tio mesmo? ▬ É.

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▬ Ele não pode arrancá-la daqui. Você é maior de idade. Aquilo era choro? ▬ Não sou maior de idade... Mas ninguém sabe aqui. ▬ Que sinuca! ▬ Eu precisaria falar com o Bandeira, o dono da agência. ▬ Mas acha que seu tio vai esperar? O Guima disse que está

muito nervoso! ▬ Leo, eu não sei o que fazer. Acho que vou fugir. Com ele não

volto. ▬ Não fuja ▬ disse Leo. ▬ Vou tentar alguma coisa. Enquanto

isso se comunique com esse Bandeira. Leo foi à portaria. Guima ainda tentava acalmar o homem. Apesar de não saber exatamente o que ia dizer a ele, Leo

aproximou-se e indagou: ▬ O senhor é tio da senhorita Camélia? ▬ Sou. E vim buscá-la. ▬ Bem, ela e um grupo de moças foram fazer uma pequena

viagem. Voltam amanhã, antes do concurso. Deixe o nome do hotel onde está hospedado. O diretor da agência de modelos que a inscreveu vai procurar o senhor.

▬ Para quê? Para me tapear? Vim buscar a menina e voltarei com ela.

▬ O senhor está no seu direito. Mas ela não está aqui. Voltará apenas amanhã à tarde. Em que hotel está hospedado?

▬ No Samambaia. ▬ Seu nome, por favor? ▬ Epaminondas. ▬ Muito bem, seu Epaminondas, o senhor será procurado. ▬ Vou aguardar, mocinho. Mas, fique sabendo: se tentarem me

enganar, venho ao hotel e faço o maior escândalo. Ponho fogo nele, se for preciso. ▬ E, dizendo isso, o brutamontes afastou-se.

Guima soprou todo o ar dos pulmões: ▬ E ele é do tipo que cumpre o que promete, pode ter certeza! ▬ É, não me parece muito refinado. ▬ O que vai fazer? ▬ O problema não é meu, Guima. É do agente que inscreveu a

moça no concurso. Ela é uma gracinha, mas minha namorada chama-se Ângela.

Meia hora mais tarde, pálido e agitado, Bandeira chegava ao hotel. A pedido de Lia, procurou Leo. Puxou o rapaz para um canto. Ninguém podia ouvir.

▬ Com quem mais o tio dela conversou? ▬ Com o Guima, o porteiro. Mas pode confiar. Sabe guardar

segredo, quando necessário.

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▬ Com ninguém mais? ▬ Com ninguém mais. Bandeira deu um suspiro de alívio: ▬ Antes de mais nada quero lhe agradecer. Você salvou a

situação. ▬ O homem ameaçava fazer escândalo. E cabe a mim esse tipo

de caso. ▬ Em que hotel ele está? ▬ Bandeira perguntou. ▬ Samambaia, um hotelzinho do centrão. E o cara se chama

Epaminondas. Um tipão grande, parece um trator. A descrição não agradou a Bandeira. ▬ Vou procurá-lo amanhã. Conheço o hotel. Darei tempo para

ele se acalmar. Enquanto isso Lia não atenderá telefonemas. Por favor, avise a telefonista que ela foi viajar.

▬ Acha que vai conseguir conter aquela fera? ▬ Tentarei ▬ disse Bandeira ▬ até amanhã à noite, quando se

realiza o concurso. A coitadinha não pode perder cinqüenta mil dólares. Acha que pode?

19. O ÚLTIMO ENSAIO Ele conseguiu entrar na boate para assistir ao último ensaio, já

no dia do desfile. Não era permitido o ingresso de pessoas não envolvidas no concurso, mas, como levava uma filmadora portátil, certamente acreditaram que fosse um repórter. As candidatas, o diretor e o apresentador do espetáculo estavam no palco, bem como alguns fotógrafos e cinegrafistas. Ele permaneceu na platéia, não sentado a uma das mesas, todas vazias, mas encostado numa das paredes para chamar menos atenção. Tinha o dom ou capacidade de não se fazer notar. Gostava de ser uma sombra. Porém, estava atento a movimentos e palavras.

Ouviu o apresentador, o âncora do concurso, dizer: ▬ Que repercussão o concurso alcançou! Viram os jornais? ▬ Páginas inteiras de texto e de fotos! ▬ exclamou um dos

promotores, satisfeito. ▬ A imprensa toda está de olho nele ▬ alguém no palco

concordou. ▬ Como nos antigos concursos de misses. O diretor do show de fotogenia perguntou: ▬ Todas as moças estão presentes? ▬ Faltam duas. Do seu posto, ele observou que quem falara fora o chefe dos

bellboys, o encarregado de atender as candidatas, o que levava a fama de detetive. Não gostava dele. E duvidava mesmo que fosse esperto.

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▬ Estão atrasadas ▬ disse o diretor. ▬ E não podemos esperar. Vamos começar mesmo sem elas.

Víviam apareceu no palco por uma das laterais. ▬ Estou aqui ▬ apresentou-se. ▬ Quem está faltando agora? ▬ Lia ▬ informou Víviam. ▬ Minha companheira de quarto. Sempre atento, ele ouviu a informação e preocupou-se. ▬ Ela já vem? ▬ quis saber o diretor. ▬ Não sei ▬ disse Víviam. ▬ Estava sentindo tonturas. "Coitada", ele lamentou. "Deve ser emoção." ▬ Vou ver como ela está ▬ disse Leo, saindo do palco. Ele não gostou nada daquilo. Imaginou Leo com a moça, no

apartamento, sozinhos. Não suportou permanecer ali. Saiu também da boate e tomou o elevador para o andar dos apartamentos das candidatas. Tenso e apressado.

20. BANDEIRA x EPAMINONDAS O professor Bandeira chegou ao Hotel Samambaia. Na véspera,

telefonara para o tio de Camélia e marcara a visita para aquela manhã. Assim ganharia tempo e talvez encontrasse o homem mais calmo.

O que não poderia era perder aquela mina de ouro. Lia, segundo a imprensa, tinha muita chance de vencer o concurso. Os jornais da manhã confirmavam essa expectativa. Não seria um bruto qualquer que estragaria seu negócio.

Na portaria do hotel, perguntou por Epaminondas. ▬ A primeira porta à direita. Bandeira seguiu por um corredor escuro, sentindo um cheiro

suspeito de ervas sendo queimadas. Bateu numa porta. Um homem alto, de aspecto rude, logo apareceu. Parecia

impaciente, irritado. ▬ Senhor Epaminondas? Sou o professor Bandeira. ▬ E, como

o outro nada dissesse, perguntou: ▬ Posso entrar? O tio de Camélia deu-lhe passagem, sem pronunciar uma

palavra sequer. Mesmo assim o agente de modelos mostrava-se à vontade:

▬ Fez boa viagem? A resposta foi apenas um movimento de cabeça. ▬ Veio de avião? ▬ Bandeira prosseguiu, no intuito de domar a

fera. ▬ Avião? Vim no caminhão de um amigo.

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▬ Muito desconfortável ▬ disse Bandeira. ▬ Minha agência lhe oferece uma viagem de volta de avião.

▬ Vim buscar minha sobrinha, não passear ▬ rugiu o homem. ▬ E vai levá-la, mas depois da realização do concurso, hoje à

noite. ▬ Camélia não vai participar de concurso algum, ouviu? ▬ Ouvi. Mas acontece que ela assinou um contrato comigo. ▬ Menores de idade não podem assinar contratos. Devia saber

disso. ▬ Mas ela é menor?! ▬ É. ▬ Tem certeza, seu Epaminondas? ▬ Trouxe uma cópia de sua certidão de nascimento. ▬ Posso ver? O homem imediatamente mostrou um papel. Bandeira

examinou-o. Puxa vida! Aquele, confrontado com o seu, evidenciaria a fraude. Teria de mudar de tática.

▬ Correto. Mas, me diga uma coisa: por que não quer que sua sobrinha participe do concurso?

▬ Porque sou contra isso de moças mostrarem o corpo. ▬ O concurso é de fotogenia. Não precisam tirar a roupa.

Importa a beleza, o sorriso, a pose. ▬ Assim que muitas começam, e acabam mal. ▬ O que os pais dela dizem? ▬ Morreram. Eu e minha mulher somos seus únicos parentes. ▬ Sabe que sua sobrinha poderá ganhar uma fortuna? ▬ Isso não me interessa. ▬ Como não interessa? Não precisa de dinheiro? ▬ Preciso, mas não ganho dessa maneira. Pecaminosamente. Bandeira reconheceu que estava difícil. Um osso duro de roer. ▬ Como soube que sua sobrinha está participando do concurso? ▬ Disseram para mim. Seu retrato saiu nos jornais. ▬ Viu esse retrato? ▬ Nem quis ver. ▬ Então não viu? ▬ Não. Bandeira precisou pensar. Havia alguma brecha ali: ▬ Então quer levar a moça de volta? ▬ Quero, e estou disposto a fazer uma quebradeira no hotel, se

for preciso. Ou então ir à polícia. Bandeira não gostava da palavra polícia. ▬ Como sabe, sua sobrinha foi viajar. Voltará no fim da tarde.

Vamos combinar uma coisa. Eu mesmo a trago aqui, às sete. Não precisa se preocupar.

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▬ Traz mesmo? ▬ Pode confiar, seu Epaminondas. ▬ Lembre: estou disposto a tudo para salvar minha sobrinha. ▬ Até às sete, amigo. Ao sair do Samambaia, Bandeira telefonou para o Emperor.

Pediu à telefonista para dizer a Camélia que era o seu agente, pois, temendo que fosse o tio, talvez a moça não quisesse atender.

▬ Lia, é o professor. ▬ Falou com meu tio? ▬ Não deveria estar ensaiando? ▬ indagou, fingindo não ouvir a

pergunta de Lia. ▬ Estou tão nervosa que me senti mal. ▬ Por favor, vá ensaiar. As coisas já se arranjaram. Depois eu

conto. Bandeira desligou. Tinha muito o que fazer até às sete. Muito.

21. ELE, OUTRA VEZ Ele se plantou no corredor. As arrumadeiras passavam e nem as

notava. E o tal Leo com ela no apartamento! Se não saísse, arrombaria a porta.

Estava prestes a realizar aquele gesto quando a porta do apartamento se abriu e a modelo e Leo apareceram no corredor. Bem apressados. Ouviu-a dizer:

▬ Como será que o Bandeira dobrou meu tio? Nunca ninguém o convenceu de nada.

Não quis descer com eles no mesmo elevador. Esperou outro. Depois voltou para a boate, onde os ensaios prosseguiam.

Já notou que a entrada de Lia foi bem recebida pelos organizadores. Perguntavam-lhe se estava recuperada. A moça respondia com sorrisos. Mas, para ele, mesmo à distância, não parecia descontraída. O diretor do show também notou, e exigiu maior naturalidade. Que se soltasse.

▬ Faça de conta que tudo é uma brincadeira. O público quer espontaneidade. Relaxe.

Terminados os ensaios, ela saiu depressa do palco com Víviam e Leo. Mostravam-se inquietos. Depois, viu os três telefonando da portaria. Ligação breve. Não deviam ter encontrado a pessoa procurada. Em seguida, o trio foi falar com o porteiro. Colocou-se perto para ouvir.

▬ Não o deixe entrar, diga que ela ainda não voltou de viagem ▬ dizia-lhe Leo.

▬ E se ele for direto ao gerente?

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▬ Impeça-o, Guima. Foram para o bar. Ela precisava de um refrigerante. Sede

nervosa. Ele observava-os. Alguma coisa estava acontecendo. Leo falava

como se quisesse acalmá-la. A outra moça ajudava-o com algumas palavras. Camélia, porém, continuava tensa.

O garçom do bar levou à mesa um telefone sem fio. Era para Leo.

▬ Ei, Gino! Sim, está tudo certo. Já reservei os ingressos para você e Ângela. Não faltem.

Ele não suportava ver Camélia na companhia de outro, mesmo em se tratando de um simples funcionário do hotel. Foi para o apartamento. Precisava pensar. E de um pouco de sorte.

22. CAMÉLIA, FRENTE A FRENTE COM O TIO Bandeira chegou ao Samambaia e foi direto ao quarto de

Epaminondas. Bateu à porta. Ele abriu, de paletó, pronto para viajar. ▬ Não me diga que ela não veio. ▬ Não vou dizer isso ▬ disse Bandeira. ▬ Quero apenas uma

coisa. ▬ O quê? ▬ perguntou o bruto. ▬ Que aceite duas passagens de avião. Para o senhor e sua

sobrinha. Epaminondas hesitou, mas... ▬ Está certo. Onde ela está? ▬ Na portaria. ▬ E implorou: ▬ Não a trate mal, por favor. Ela

veio chorando do hotel até aqui. ▬ Não preciso de seus conselhos. Vamos! Bandeira seguiu à frente, e os dois se dirigiram até a pequena

sala de entrada do Samambaia, um hall minúsculo. ▬ Seu tio, Camélia! ▬ anunciou o professor. ▬ Ele aceitou

passagens de avião. Epaminondas e a moça se encararam. ▬ Quem é essa aí? ▬ perguntou ele. A jovem arregalou os olhos: ▬ Esse homem não é meu tio! ▬ Que história é essa? Você não se chama Camélia, não tem um

tio da Bahia que queria lhe arrancar do concurso? ▬ espantou-se Bandeira.

▬ Mas não é esse aí, não é ele! ▬ protestou a moça. ▬ Olha; eu saí do hotel, me despedi das...

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▬ Isso a gente arranja ▬ garantiu Bandeira. ▬ O que houve foi um grande equívoco. Nomes iguais, a mesma procedência, os tios das duas querendo interferir... ▬ Voltou-se para Epaminondas. ▬ Sua sobrinha não está participando do evento. O senhor foi mal informado. Sua viagem foi uma perda de tempo. Lamento.

▬ E que susto o senhor me deu! ▬ a moça falou. ▬ Também levei um susto, você ia indo muito bem ▬ confessou

Bandeira. ▬ Só espero que não me excluam ▬ ela disse, olhando com ódio

para Epaminondas. ▬ Se me excluírem, vou processá-lo! Bandeira aproximou-se bem do apalermado brutamontes: ▬ Que encrenca o senhor nos armou! Epaminondas só fez um comentário. ▬ Não estou convencido desta história. ▬ Ah, não está? Quase leva essa pobre moça ao suicídio e não

está? Ele repetiu: ▬ Não, não estou convencido. ▬ Pode não estar, mas, se causar mais embaraço, aí o caso será

com a polícia. Vamos, Camélia. Andaram meia quadra, fazendo gestos, como se Bandeira lhe

esclarecesse o acontecido. Já distante, ela perguntou: ▬ Como me saí, Bandeirinha? ▬ Não entendo porque esses caras da televisão ainda não a

descobriram, Sueli. São uns trouxas. ▬ Acha que o Brucutu engoliu aquela história? ▬ Bem... Não estou muito certo. Convencer um ignorante é

sempre mais difícil que convencer um letrado. Principalmente quando ele está com a verdade.

▬ Vai me levar para assistir ao concurso? ▬ Claro. Se prometi, vou cumprir! ▬ Estou doida para conhecer aquele tremendo cinco estrelas.

23. A VENCEDORA É... Quando mais tarde Lia tentou recordar-se do concurso, não

conseguiu lembrar-se de muita coisa. Bastou a platéia lotada para desnorteá-la. Depois, ainda com medo de que o tio aparecesse, para humilhá-la em público, queria que tudo passasse muito depressa.

De fato, parecia estar metida dentro de um clipe, desses que via na Tevê, com roteiro musical e a seqüência de mil imagens desconexas. Para aumentar seu desnorteamento, havia os flashes de um sem número de máquinas, metralhando seus olhos e sentidos. E,

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a todas, máquinas e câmeras, tinha de sorrir, sorrir sempre, mesmo se seus olhos ardessem. Sorrir, se transformando ela também num aparelho, programado para distribuir sorrisos.

A certa altura houve um intervalo, deram-lhe um copo de água e alguém lhe disse que estava indo muito bem e que provavelmente seria uma das finalistas.

Entre as pessoas que dela se aproximaram, no intervalo, a única de quem se lembrou, depois, foi professor Bandeira, muito elétrico, e que em seu ouvido, como um agente de turismo, enfileirou nomes de cidades.

▬ Nova Iorque, Londres, Paris, Berlim... Ao regressar ao palco ouviu muitas palmas, demasiados decibéis

para quem já estava tonta. Soube que de fato era uma das finalistas, com mais duas ou três.

Descobriu também que havia um telão, como os de cinema, que ampliava o que acontecia no palco. O tamanho do seu rosto, em close, multiplicado por mil.

O apresentador esclarecia ao público que na rua também havia um igual, para consolo daqueles que não tinham conseguido adquirir ingresso. Essa informação, chegada entre novo bombardeio de flashes, a fez imaginar seu tio, diante do hotel, olhos no telão, certificando-se de que Bandeira o enganara. O que ele faria? Seria até capaz de matar alguém.

Já não tinha reações próprias, era uma engrenagem do espetáculo. Ia para onde lhe mandavam, sempre sorrindo. Uma candidata a seu lado chorou. Havia sido eliminada. Teve a impressão de ver Leo, movimentando-se na coxia e fazendo-lhe gestos de estímulo. Quanto à platéia, ondulava, líquida e iluminada.

Subitamente, o apresentador, todo elegante, anunciou: ▬ Terceira colocada... Víviam Mülle! Aclamada, Víviam sorriu, agradecendo ao público. Mais suspense e emoção: ▬ Segunda colocada... Sandra Mar! Protestos. Confusão. Jorge Aragão e sua candidata não se

conformavam. Bandeira começou a se mexer, inquieto. ▬ A vencedora é... LIA MAGNO! Aragão saltou para o palco: ▬ Marmelada! Vou impugnar o resultado! O público levantou-se. Flashes, abraços, beijos. Sandra, a segunda colocada, e seu empresário continuavam a

protestar. Lia sentiu-se rodeada por muitas pessoas, tudo girando,

iluminado e colorido. Já não sabia se era realidade ou imaginação.

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O limite havia se rompido. Como gostaria de ter pai e mãe naquele momento! Só eles poderiam lhe provar que ela estava no centro de tudo aquilo.

▬ Você esperava vencer? ▬ perguntou um repórter. ▬ Não, não e não. ▬ Está feliz? ▬ Estou tonta. ▬ Sabe que ganhou cinqüenta mil dólares? ▬ Tinha me esquecido. Bandeira pegou-a pelo braço: ▬ Vamos à cobertura, querida. Vai haver uma festa lá. Da festa também lembrou-se pouco. A cidade iluminada, vista

da cobertura, ar fresco e uma taça de champanhe. Depois, sono. Muito sono.

Entrou no apartamento e jogou-se na cama, boiando no espaço. Antes de pegar no sono, dormir muitas horas, ouviu Víviam dizer-lhe:

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▬ Aquele bruto do seu tio tentou entrar no salão. Bandeira, os porteiros, vigias e o Leo conseguiram barrá-lo. Foi uma confusão, mas quem estava dentro nem percebeu. Está dormindo? Lia!

24. O INCRÍVEL DIA SEGUINTE Lia acordou tarde, quebrada. Não dormira, mergulhara até o

fundo do oceano. Também não sonhara, vira e ouvira flashes. Bolas coloridas, com dizeres, passaram-lhe diante dos olhos. Acenos soltos, mãos, mas não rostos. Apenas sons e imagens, descontínuos. Depois o sol, este real. Despertou.

▬ Que baderna ontem! Você estava meio tonta e não deve ter percebido. Bandeira e Aragão trocaram sopapos. Nunca vi um concurso tão tumultuado! ▬ era Víviam, de pé, ao lado da cama. ▬ Mas o que importa é que você venceu, princesa!

▬ Estou morta ▬ confessou Lia. ▬ Morta mas com cinqüenta mil dólares. Lia levou um susto. ▬ Me deram o dinheiro? ▬ Não, será dado hoje, no almoço de confraternização. Eu e

outras receberemos prêmios de consolação. ▬ Bandeira estará presente? ▬ Claro, e vai cobrar sua comissão. De hoje em diante ele será

sua sombra. Não vai lhe dar descanso. Lia lembrou-se: ▬ Foi você quem me falou de meu tio? ▬ Fui. Ele quis atrapalhar o concurso. Queria te tirar de lá de

qualquer maneira. Se o pessoal não estivesse alerta, estragaria sua festa. Aquele garoto, o Leo, foi quem o reconheceu e agiu depressa.

▬ Tenho medo que ele torne a aparecer. ▬ Depois do almoço sairemos todas do hotel, e ele não a

encontrará mais. Lia espreguiçou-se e foi à janela. Era bonita a cidade lá embaixo.

Já a conquistara, porém ainda não a conhecia. ▬ Quando é o almoço? ▬ Daqui a três horas. É cedo. ▬ Sabe o que gostaria de fazer? ▬ Já sei ▬ adivinhou Víviam. ▬ Dar uma volta. Eu também

gostaria. Isso de concurso cansa. As duas vestiram-se para sair, Lia começando a ficar alegre. Era

gostoso rir por prazer, não por obrigação. Sentiu-se livre, dona de seu nariz. Ao passarem pela portaria, algumas pessoas reconheceram a vencedora do concurso. Uma menina desligou-se dos seus pais,

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hóspedes do hotel, e aproximou-se com um papel. Seu primeiro autógrafo. Leo também estava ali.

▬ Viu os jornais? ▬ perguntou. ▬ Só dá você. ▬ Não vi ainda ▬ ela respondeu. ▬ Agora quero passear. ▬ Está um dia bonito. Mas não se esqueça do almoço. ▬ Ah! ▬ lembrou-se ela. ▬ Obrigado pelo que fez ontem,

barrando meu tio. ▬ Apenas dei o alarme. Nem dez iguais a mim conseguiriam

segurar o homem. Lia e Víviam saíram. Foram andando pela calçada sem destino,

apenas curtindo a manhã, vendo gente, automóveis e edifícios. Víviam confessou que não conhecia bem São Paulo, era de Porto Alegre. Até já se perdera. Sabia que era a quarta maior cidade do mundo? A quarta? Lia ignorava. Atravessaram uma praça e passaram por uma galeria, que ligava duas ruas. Viram uma estação do metrô e um viaduto imenso.

▬ Vou fazer compras ▬ disse Víviam. ▬ Aquela galeria tem lojas incríveis.

▬ O que vai comprar? ▬ Uma blusa, uma saia, qualquer coisa. Víviam entrou na loja. Lia preferiu ver a vitrina. Havia coisas

lindas ali. Que graça de sapatos! Assim que recebesse o dinheiro, compraria um par. De repente, sentiu uma garra em seu braço. Segura, com força animal. Gritou.

Era seu tio! Conseguiu soltar-se, num puxão, e correu, correu. Não sabia

onde ia dar aquela galeria, se estava perto ou longe do hotel, mas não parava. Fugia de um bicho, fugia de um fantasma, fugia do passado. Atropelou pessoas, ouviu um protesto de mulher, derrubou um cartaz à porta de uma loja, mas não parava.

Saiu da galeria, alcançando uma rua movimentada demais, onde não dava para correr. Apenas tentava andar depressa, o que fazia, olhando para trás. Por algum tempo pensou estar livre do tio, mas enganara-se. Viu-o bufando, vermelhão, empurrando gente, não muito longe dela. Passou para o meio da rua, onde quase era possível correr, se não houvesse tanto veículo. Por pouco um deles não a atropela.

Chegou numa praça. Quis atravessá-la. Um guarda a deteve. Olhou novamente para trás. Um homem grande, furioso, olhava para todos os lados à sua procura.

▬ Entre aqui ▬ ordenou alguém. Viu um carro grande. ▬ O quê? ▬ Entre! Entre!

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Parecia a salvação. Entrou.

25. ONDE ESTÁ A GAROTA DA CAPA? Víviam chegou ao Park Hotel toda agitada. Havia andado muito e

depressa. Viu Leo na recepção. ▬ Lia chegou? ▬ Não a vi. ▬ Aconteceu uma coisa. Ligue para o apartamento e veja se ela

está lá. Leo ligou. ▬ Não respondem. Mas o que aconteceu? ▬ O tio dela. Segurou-a pelo braço na porta de uma loja e ela

fugiu. ▬ Você viu? ▬ Não, mas uma balconista viu. Pela descrição que fez, só podia

ser ele, um homem grande, forte. ▬ Será que a pegou? ▬ Como posso saber? Leo lembrou: ▬ Seu Bandeira chegou. Vou chamá-lo pelo telefone. Fez uma ligação para o salão de recepções. A pessoa que

atendeu pediu que mandasse Bandeira rapidamente para o saguão. Nisto vinha Percival. Leo contou-lhe o que acontecera. O gerente tremeu.

▬ Mas toda a imprensa está chegando para o almoço! O bom nome do hotel está em jogo nisso! ▬ desesperou-se o homem.

▬ Já mandei chamar o Bandeira, o agente dela ▬ avisou Leo. ▬ Ele vem vindo ▬ disse Víviam. Bandeira vinha feliz, sem saber o que havia acontecido. ▬ Tudo bem por aqui? ▬ A garota sumiu - informou nervosamente Percival. ▬ Que garota? ▬ Víviam, por favor, conte o que aconteceu ▬ pediu Leo. Víviam contou, ainda descontrolada. ▬ Sei em que hotel esse bandido está hospedado ▬ disse

Bandeira. ▬ Vou lá. ▬ Vá você também ▬ ordenou o gerente a Leo. ▬ Eu seguro os

jornalistas. Bandeira e Leo precipitaram-se para a portaria. Pediram para

Guima chamar um táxi. Bandeira tentava acalmar-se: ▬ Lia deve estar com o tio no hotel. Só pode estar.

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O táxi chegou. Bandeira deu ao motorista o endereço do Samambaia.

▬ Se ela estiver mesmo com o tio, podemos tirá-la dele? ▬ perguntou Leo. ▬ A lei permite?

▬ Não me fale em lei nesse momento! ▬ O homem é uma fera! Não vai nos entregar a moça. ▬ Chamo a polícia e o acuso de traficante de coca. ▬ Mas seria preciso que houvesse coca no quarto dele. ▬ Eu arrumo. Permaneceram em silêncio durante todo o trajeto até o modesto

Hotel samambaia. Bandeira pagou a corrida e desceu rapidamente. Leo foi atrás. Nem pararam na portaria. Bandeira sabia onde era o quarto. Pôs-se a esmurrar a porta. Se não abrissem, seria derrubada. Abriram.

Um homem jovem, de aspecto delicado, apareceu: ▬ O que eu fiz? O que foi que eu fiz desta vez? ▬ perguntou,

espantado. ▬ Estamos procurando um tal de Epaminondas ▬ disse

Bandeira. O hóspede respirou com exagerado alívio: ▬ Preciso jurar que este não é o meu nome? ▬ E fechou a porta

com mansidão. O homem da portaria, pelo qual Bandeira passara sem olhar,

surgiu no corredor. ▬ Procura o baiano do outro dia? ▬ Procuro. ▬ Fechou a conta e foi embora hoje cedo. ▬ A que horas? ▬ perguntou Leo. ▬ As oito. ▬ A essa hora Camélia ainda dormia ▬ informou Leo. Bandeira perdeu toda a iniciativa, amoleceu. ▬ E agora? Leo sentiu que deveria tomar decisões, pois o outro parecia

prestes a desmaiar. ▬ Primeiro, vamos telefonar para o Park Hotel. Ela pode já ter

chegado. E, dirigindo-se ao desconhecido, perguntou: ▬ Posso telefonar, moço? Fez a ligação e pediu que chamassem o gerente. Não teve de

esperar dez segundos. ▬ Chefe, aqui é Leo. Ela chegou?! Estou no Samambaia. O tio

dela fechou a conta às oito. Pode ser que esteja na rodoviária com a sobrinha. Eu e seu Bandeira vamos para lá. Até mais tarde. ▬ Virando-se para o agente, falou:

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▬ Para a rodoviária, seu Bandeira! Qualquer estação rodoviária de São Paulo transmite duas

impressões opostas: a de que toda a população está indo embora da cidade ou de que está chegando tanta gente que não haverá lugar para todos.

Leo, mais jovem, mais ágil, ia à frente, mesmo porque sabia onde eram os guichês da empresa de ônibus que fazia a linha São Paulo-Salvador. Subiram escadas, deram e receberam empurrões, furaram filas de passageiros e afinal chegaram. Diante dos dois guichês da companhia nada de Epaminondas ou de Lia. Bandeira empurrou uma frágil porta de madeira como se fosse da polícia.

▬ Preciso de informações sobre dois passageiros. ▬ Um velhote de boné aproximou-se deles. ▬ A que horas partiu o último ônibus para Salvador?

▬ As oito horas. Leo e Bandeira entreolharam-se. Naquele horário, tio e sobrinha

não haviam partido ainda. ▬ E quando sai o próximo? ▬ quis saber Bandeira. ▬ Em dez minutos. ▬ Podemos ver os passageiros? ▬ perguntou Leo. ▬ Podem. Estão todos lá, perto daquela escada. Leo e Bandeira foram dar uma espiada nos passageiros. Lia e o

tio não estavam entre eles. ▬ Precisamos falar com a polícia ▬ disse Leo. ▬ Qual é o problema? ▬ quis saber o velho de boné. ▬ Está para embarcar para Salvador um homem chamado

Epaminondas e sua sobrinha, Camélia. Eles precisam ser detidos. ▬ Esperem um momento ▬ disse o homem, afastando-se. ▬

Vou ao posto da polícia. Voltou com um policial fardado que trazia na mão uma espécie

de agenda. ▬ O que foi que tio e sobrinha fizeram? ▬ perguntou o policial. ▬ Ele está forçando a moça a viajar com ele, certamente com

más intenções ▬ disse Bandeira. ▬ Tome notas dos nomes. E também dos nossos telefones. A moça está sendo esperada no

Emperor Park Hotel. Por favor, não a detenha, se ela aparecer. Bandeira e Leo saíram voando dali. À entrada da rodoviária

pegaram um táxi, rumo ao hotel. ▬ Ela pode ter se livrado do tio e chegado ao Park ▬ rezava o

empresário. Havia um tráfego torturante. Mais de meia hora para

percorrerem dois quilômetros. Correram para o salão do almoço de confraternização. Estava

repleto de convidados e jornalistas. As candidatas todas. Lia teria

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chegado? Bandeira e Leo não a viam. E ambos notaram nos responsáveis pelo evento, reunidos, certo constrangimento. Juntaram-se a eles.

▬ Encontraram a moça? ▬ perguntou-lhes o promotor principal do concurso.

▬ Não ▬ respondeu Bandeira. ▬ Deixamos a polícia de sobreaviso na rodoviária.

▬ O tio está mesmo metido nessa história? ▬ Víviam é testemunha: ele a seqüestrou. Um homem perigoso. A cúpula do evento trocou palavras entre si, decidindo o que

fazer, cabendo ao apresentador comunicar ao público, já desconfiado de que algo não caminhava bem.

Ele foi ao microfone e falou: ▬ Senhoras e senhores, tenho uma notícia desagradável a

transmitir. A vencedora do concurso "A garota da capa" desapareceu. Por favor, não pensem em truque publicitário. Parece que ela foi seqüestrada.

Nesse momento ouviu-se um rumor. Jorge Aragão pediu a palavra:

▬ Tendo sumido a vencedora, o título deve ficar com Sandra Mar, a segunda colocada.

Bandeira avançou para ele, protestando: ▬ Lia pode reaparecer a qualquer momento. Nada de

precipitações, senhores! Começou a confusão. Bandeira, Aragão e a própria Sandra

trocando insultos. E sobrava muitos também para Lia Magno, injustamente declarada vencedora na opinião da concorrente e de seu empresário.

De repente, novo tumulto. Alguém empurra brutalmente os convivas para se aproximar dos promotores. Com força de leão.

Leo e Bandeira não acreditavam no que viam. ▬ Onde está minha sobrinha? O que vocês fizeram com ela? Era Epaminondas, o tio. O apresentador, talvez com receio de ser triturado, disse: ▬ Acalme-se, meu senhor, acalme-se. Aí, outra surpresa. A fera sentou-se numa poltrona e

descontroladamente começou a chorar. Mas só por um instante. Depois levantou-se e começou a quebrar cadeiras e a empurrar pessoas. O finíssimo Emperor nunca vira nada igual. Flashes. Aquela cena, pelo inesperado e pelo exagero, merecia muitas fotos.

26. LEO, ÂNGELA E GINO

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Na casa de tia Zula, os três, Leo, Ângela e Gino, reuniram-se depois de muito tempo. Desde a última aventura, envolvendo um cadáver que ouvia rádio, que não se juntavam.

Leo e Ângela, sim, namorados, se viam sempre, mas a trinca não mais havia se encontrado. A vida numa metrópole é assim, cada um de seu lado.

Agora, porém, existia um motivo. Ângela e Gino estavam curiosos para saber o que acontecera com "A garota da capa". A televisão já noticiara o fato, mas de forma confusa. E Ângela, que comparecera com Gino ao evento, ajudando a mãe dele a conduzi-lo em sua cadeira de rodas, vencera sua crise de ciúme.

Leo, notara, dividira sua atenção com todas as concorrentes. Atendê-las podia ser um trabalho agradável, mas era um trabalho. Como recusá-lo em suas novas funções? Um dia, quem sabe chegasse a gerente. E ele não deixara, nos intervalos, de aproximar-se de sua mesa, com gestos de carinho.

▬ Continua desaparecida? ▬ perguntou Ângela. ▬Continua ▬ confirmou Leo. ▬ E o tio? ▬ Está detido para interrogatórios. Mas já causou complicações

▬ disse Leo. ▬ Contou à polícia que a sobrinha é menor de idade. Bandeira garante que não sabia de nada. E quer receber sua comissão dos cinqüenta mil dólares, pois tinha um contrato assinado com Lia.

▬ Certamente não vai receber nada, se ficar provado que é mesmo menor ▬ garantiu Gino.

▬ Mas o que interessa é saber onde ela está ▬ disse Ângela. ▬ O tio teria sido o seqüestrador?

Leo balançou a cabeça, sem saber o que responder. Ângela procurou ser prática, organizada, como o trio fora das

vezes anteriores. ▬ E Bandeira, teria algum interesse no seqüestro? ▬ Nenhum, Ângela. ▬ Mesmo com esse carnaval todo? A moça está muito famosa,

agora! ▬ Homens desonestos, como ele, talvez falsificador de

documentos, não apreciam muita publicidade. O que ele queria era ganhar sua comissão e explorar bem seu contrato com Lia.

Talvez para mostrar que ainda estava em forma, Ângela procurou engordar a lista:

▬ E aquela moça que estava com ela quando o tio apareceu? ▬ Víviam? Uma boa garota ▬ disse Leo. ▬ Está chocadíssima. ▬ Nenhuma das candidatas ficou despeitada com a vitória de

Lia?

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▬ Sandra Mar, a segunda colocada, fez escândalo, e seu empresário, Jorge Aragão, se pegou com Bandeira. Não se conformam com a derrota.

Os dois olharam para Gino. Sempre esperavam pelos seus palpites.

▬ Pode ser que ela tenha ficado tão assustada que decidiu sumir. Preferiu a liberdade ao prêmio.

Não parecia absurdo, mas... ▬ Para sumir é preciso ter algum dinheiro, Gino. ▬ Quem sabe tenha se instalado na casa de alguma amiga. ▬ Mas ela chegou faz poucos dias de Salvador, e não conhece

ninguém por aqui. Gino continuava não vendo muito mistério no caso. ▬ Uma moça bonita sempre faz amizade. Mas garanto que ela

acabará aparecendo na agência de modelos do estranho professor Bandeira.

A reunião do trio chegou ao fim. Gino estava mais interessado em mostrar o computador a Ângela. E Leo precisava voltar ao hotel.

▬ Quer que a leve para casa, Ângela? ▬ Ficarei mais algum tempo com Gino. Leo já estava à porta quando lembrou: ▬ Lia tinha um fã misterioso. Aí Gino interessou-se: ▬ Fã misterioso? ▬ Mandava-lhe braçadas de camélias. O nome verdadeiro dela é

Camélia, vocês sabem. E eram endereçadas à senhorita Camélia, o que a intrigava.

▬ Intrigava? Por quê? ▬ Porque ela adotou o pseudônimo de Lia Magno ao chegar. Por

sugestão de Bandeira. A imprensa ignorava seu nome real. Suas colegas também. Apenas no hotel, ao preencher a ficha, teve de declará-lo, por causa do documento de identidade. Mas, mesmo para os funcionários da recepção, continuou a ser Lia Magno.

Gino estava mais e mais interessado: ▬ Há floricultura no hotel? ▬ Há, mas as flores não foram mandadas de nossa floricultura.

O envelope e o cartão são diferentes. Contei o caso ao Guima e pedi que prestasse atenção ao nome

da floricultura, se chegassem mais flores para Lia. Mas não chegaram.

▬ Os cartões estavam assinados? ▬ Não. ▬ E o que diziam? ▬ ela perguntou.

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▬ Sempre a mesma frase. Mais ou menos: "Você ainda será minha".

Mais interessado que nunca, mexendo-se em sua cadeira, já curtindo o enigma, Gino perguntou:

▬ Contou isso lá no hotel? ▬ O Guima e o gerente sabem. Gino sorriu: ▬ Um fã misterioso. Gosto disso. Ângela, com um de seus risinhos maliciosos, perguntou: ▬ Você já foi fã misterioso de alguém? Ele hesitou, mas respondeu: ▬ Secreto; misterioso, não. Ângela, que às vezes se precipitava, sem o equilíbrio de Gino,

concluiu: ▬ Ela foi seqüestrada pelo fã misterioso. Está na cara. Leo admitiu a possibilidade, mas como estava em sua hora de

trabalho despediu-se e seguiu para o hotel. Leo estava a alguns passos da entrada do Emperor, quando

Guima o viu e se dirigiu rapidamente ao encontro dele. ▬ Chegaram mais camélias ▬ disse. ▬ Quando? ▬ Há uma hora. ▬ Viu o carro da floricultura? ▬ Não. ▬ Não? ▬ Não vieram de carro. Foram deixadas na recepção por um

mensageiro. Isso prejudicava a teoria do fã misterioso. Leo foi à recepção. As

camélias estavam lá. Pegou o envelope e retirou o cartão. Leu: "Você ainda será minha". A mesma mensagem. O apaixonado das camélias ignorava o desaparecimento da moça. Perguntou ao recepcionista:

▬ Lembra quem trouxe as flores? ▬ Um garoto. ▬ Tinha o uniforme de alguma floricultura? ▬ Não. Percival aproximou-se com jornais. A notícia do sumiço chegara

à imprensa.

27. QUASE UM ASSASSINATO

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O primeiro a ser interrogado pela polícia fora Epaminondas, tio

de Camélia. Contou que havia decidido deixar o Hotel Samambaia logo cedo e voltar para Salvador. Depois do ocorrido na boate do Emperor, na noite anterior, quando lhe barraram a entrada, reconheceu que não conseguiria mais reaver a sobrinha.

Antes de encaminhar-se para a rodoviária, resolveu dar uma volta pelo centro, quando, inesperadamente, viu Camélia diante de uma vitrina. Os céus lhe davam mais uma oportunidade. Agarrou-a com força pelo braço, mas ela se soltou e escapou, correndo. Perseguiu-a, quase conseguindo alcançá-la de novo, porém, pouco depois, perdeu-a totalmente de vista, como se tivesse evaporado. Imaginou que tivesse tomado um táxi.

▬ Acha que ela pode ter voltado para a Bahia? ▬ perguntou o delegado.

▬ Gostaria de pensar que sim, mas não acho. Para ela, este diabo de cidade é um paraíso.

O delegado comunicou-se com Salvador e conseguiu pôr a mulher de Epaminondas, tia de Camélia, na linha. A moça não chegara lá. E, se chegasse, seria logo reconhecida, porque se tornara famosa da noite para o dia.

O segundo a ser interrogado foi Bandeira. Muito deprimido. Ganhara um bilhete premiado e o perdera.

▬ Sabe onde está a garota? ▬ Perguntem ao tio dela. ▬ Ele não sabe. ▬ Quem sabe a tenha matado. O delegado olhou para uma folha de papel datilografada: ▬ O senhor já teve problemas com a polícia, não? ▬ Sim, mas nada foi provado. Imagine que me acusaram de

manter uma espécie de escolinha para meninas ladras. Eu que sempre me preocupei com a infância desamparada!

O delegado prosseguiu na mesma linha de assunto, desagradável para Bandeira.

▬ Sabia que Camélia é menor de idade? ▬ Ela é menor de idade?! ▬ espantou-se. ▬ Vi seus

documentos. Dezoito anos. ▬ Acredita que ela teria experiência para falsificá-los? A idéia de falsificação parece ter enojado Bandeira. ▬ Algum malandro pode ter feito isso por ela. ▬ Isso será verificado depois. Por enquanto, talvez ainda

precisemos de sua colaboração ▬ disse o delegado. ▬ Se ela foi seqüestrada, o seqüestrador logo fará contato. Se a mataram, o corpo acabará aparecendo.

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▬ Tudo aconteceu por sua causa! Por sua causa! ▬ bradou Epaminondas, avançando sobre Bandeira.

O delegado e mais dois detetives tiveram muito trabalho para salvar a vida de Bandeira.

28. ELE TAMBÉM LÊ OS JORNAIS

Leo foi ao salão de leituras. Enquanto lia as notícias dos jornais referentes ao desaparecimento de Camélia, lembrou-se de uma pessoa que assistira sozinha, numa mesa de pista, todo o desenrolar do concurso de modelos.

O jovem hóspede do apartamento 222! O espectador solitário! Aquele que, conduzido por ele ao apartamento, lembrara-se do Barão, o esperto traficante que ele, Leo, ajudara a agarrar, no rumoroso caso que os jornais chamaram de "o mistério do cinco estrelas". Lembrara-se até dos encantos de Ângela, cuja foto havia sido publicada.

Leo recordou-se também que, alguns dias depois, ao sair do apartamento de Lia, quando fora buscá-la para participar dos ensaios, lá estava ele, no corredor. O que estaria fazendo no andar reservado às modelos? Chegou até a pensar que o hóspede o tivesse seguido até lá.

Nos ensaios, cujo ingresso era vedado a estranhos, também o notara com uma filmadora muito moderna às mãos. Lembrou-se de sua ficha, comentada por um dos recepcionistas. Era de São Paulo mesmo, e possuía pai rico, ex-industrial, no passado muito conhecido.

Sentiu-se empolgado com a idéia. Se o rapaz tivesse abandonado o hotel pouco antes ou depois do desaparecimento de Lia, teria na mão um suspeito, ou, quem sabe, o fio da meada, algo que merecesse ser investigado.

Leo deixou o jornal calmamente sobre uma mesa. Havia pouca gente no salão de leitura. Apenas uma senhora idosa, muito bem vestida, e, mais afastado, um hóspede que mantinha um jornal à altura do rosto. Ignorou-os, já pensando no que faria. Primeira etapa, a recepção. Queria saber quando o hóspede do 222 deixara o hotel. Na verdade, não o vira desde a realização do concurso. Obtida a informação, marcaria uma reunião com Gino e Ângela. Seria prematuro levar suas suspeitas à polícia. Passou pela velha senhora. Já se encaminhava à porta quando o outro leitor baixou o jornal que lhe cobria o rosto.

▬ Olá! Era ele! O hóspede do 222!

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▬ Ainda está no hotel? ▬ perguntou Leo, surpreso e sem saber o que dizer.

▬ Gosto do Emperor. ▬ É um bom hotel. ▬ Estava lendo os jornais. Então "A garota da capa"

desapareceu? ▬ Não sabia? ▬ Fiquei sabendo agora. Alguma pista? ▬ Se a polícia tem, não sei. O hóspede do 222 mostrou curiosidade: ▬ Não vai investigar? ▬ Não sou detetive ▬ respondeu Leo. ▬ Sei que não é, mas investigou por conta própria alguns casos.

O jornal noticiou. Inclusive um caso de seqüestro, daquele cantor de rock, o tal garoto de ouro.

▬ Não investiguei sozinho. ▬ Você, sua bonita namorada e aquele pobre rapaz paralítico. Leo não gostou de ouvir isso. Então, retrucou: ▬ Gino não é um pobre rapaz. Muitos o consideram um gênio. Ele fez que não ouviu o protesto: ▬ Já que você trabalha aqui, no centro do caso, por que não

investiga? Acha que não vale a pena por se tratar de uma moça modesta, sem a projeção do garoto de ouro, milionário, ou do Barão? Seja mais solidário. Afinal, você também é um jovem modesto, de origem humilde.

Não era para simpatizar com um cara assim. ▬ Eu não faço investigações para atender a pedidos. E, quando

faço, não me importo com posições sociais. Ele sorriu. Divertia-o humilhar o ex-bellboy: ▬ Talvez este caso seja misterioso demais para você. Uma garota

que se evapora no ar... em pleno coração da cidade. Leo sentiu o desafio, mas não se abalou: ▬ Pode ser que o seqüestrador a esta hora já esteja telefonando. Ele dobrou o jornal, largou-o na mesa e levantou-se: ▬ Telefonando para quem? Para o tio dela? Acha que aquele

pobretão tem dinheiro para pagar resgate? Ou telefonando para o tal Bandeira, um vigarista, explorador de moças ingênuas. A não ser que o hotel, por generosidade, resolva negociar com o seqüestrador. Acredita nisso? Sinceramente, acredita?

Leo, a contragosto, admitiu que o rapaz sabia pensar. Aquele não era um caso normal de seqüestro porque não havia a quem pedir o resgate.

▬ Ninguém sabe ainda se ela foi seqüestrada ▬ disse Leo.

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▬ Pode ser que ainda esteja fugindo do tio. Talvez apareça ao ler as notícias de hoje.

▬ E se não aparecer? ▬ Então estará morta ou... ou nas mãos de algum anormal. ▬ Só vejo essas duas hipóteses ▬ disse ele, deixando a sala de

leitura com ar de superioridade.

29. PIZZAS AO LUAR A reunião foi num restaurante do Bexiga, o Chiaromonte, do

qual dona Zula, mãe de Gino, se tornara sócia, depois de trabalhar nele muitos anos como cozinheira. Não era um restaurante grande, mas tinha ótima aparência e um alpendre delicioso nas noites de calor. Era onde Gino e Leo mais gostavam de se instalar.

Aquela noite os dois haviam convidado uma pessoa muito especial: Ângela. O trio estava formado, com pizza e tudo. Zula, que circulava pelo restaurante, estava feliz. Sabia o quanto seu filho apreciava a companhia da namorada do primo.

▬ O fã misterioso tornou a mandar flores para Lia Magno, e com os mesmos dizeres: "Você ainda será minha".

▬ Guima conseguiu ler o nome da floricultura na Kombi de entrega?

▬ Não, Gino. Desta vez as camélias não vieram de Kombi. Um garoto as deixou na recepção.

▬ Mas as camélias sempre vinham de Kombi, não? ▬ perguntou Gino, exigindo confirmação.

▬ Sempre. Ângela precipitou-se: ▬ Que diferença faz? Está provado que o fã misterioso das

camélias não sabia do seqüestro. Continuou a mandar... ▬ Está provado? ▬ replicou Gino. ▬ Para mim, não. Pode ser

um despiste, uma precaução, caso o localizem. ▬ Gino tem razão ▬ concordou Leo. ▬ Se o fã misterioso for o

seqüestrador, há certa lógica. Um detalhe que pode atestar sua inocência. Quanto à entrega pessoal, feita por um mensageiro...

Gino interrompeu o que o primo tinha a dizer: ▬ Aposto que não se tratava de um mensageiro fardado, um

empregado de floricultura. ▬ Não precisa apostar ▬ confirmou Leo. ▬ O recepcionista

disse que era um garoto qualquer, sem uniforme. Gino, vitorioso, cortou um pedaço de muzzarela.

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▬ Minha mãe mandou caprichar na pizza ▬ disse, com certo orgulho. ▬ Está ótima. ▬ E logo acrescentou: ▬ Creio que só nos resta encontrar o fã misterioso e o caso estará liquidado.

Ângela, grande admiradora do Sherlock do Bexiga, cobriu-lhe a mão com a sua:

▬ Acha então que estamos na pista certa? Leo protestou, como se quisesse interromper aquela

demonstração de afeto. ▬ Nada de entusiasmo. Havia outro suspeito... ▬ Havia? ▬ perguntou Gino. ▬ E não há mais? ▬ Ainda não lhes falei do hóspede do apartamento 222? Um

estranho jovem solitário? Pois, então, ouçam. Leo contou tudo o que observara do hóspede. A partir do dia em

que o conduziu ao apartamento, quando ele se lembrou do Barão e de Ângela. Terminou a narrativa no salão de leitura, momento em que sua suspeita se desfez, já que o moço continuava como hóspede do Emperor.

O primeiro comentário foi feito por Ângela: ▬ Então, ele viu uma foto minha no jornal e não me esqueceu

mais? ▬ E sorriu. ▬ Que rapaz de bom gosto! ▬ Mas se interessou também por Lia Magno ▬ disse Leo. ▬ Um grande apaixonado por mulheres bonitas. O que diz disso

tudo, Gino? Acha que devemos colocá-lo como o suspeito número dois?

Gino nunca respondia apressadamente. Deixava as precipitações para Ângela:

▬ Milhares de jovens e mesmo homens maduros devem ter se apaixonado pelos retratos de Lia Magno. A diferença entre eles e o hóspede do 222 é que este estava mais perto dela, podendo vê-la no restaurante, nos corredores, na piscina do Park Hotel, e com dinheiro no bolso para reservar uma mesa de pista na noite do concurso.

▬ Considera, então, que ele não seja suspeito? ▬ Seqüestrar e continuar morando no hotel... Ângela estava elétrica. Como ficava bonita assim, querendo ação!

Tornou a cobrir a mão de Gino com a sua. ▬ Gino, o que devemos fazer? ▬ Descobrir qual era a floricultura usada pelo fã misterioso. Não

me parece difícil. Qual delas mandou quatro vezes camélias para o Emperor Park Hotel, destinadas a uma certa Camélia. Se o remetente fez o pedido usando seu nome correto, o caso pode ser imediatamente esclarecido. Se não, ao menos a floricultura poderá fornecer seu retrato falado, além de outros esclarecimentos.

O primeiro passo só podia ser esse mesmo. Mas...

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▬ Quantas floriculturas existem na cidade? ▬ perguntou Leo, revelando um obstáculo.

▬ Dezenas ▬ disse Gino. ▬ Mas podemos riscar as mais

distantes. Não fazem entregas longínquas. Pela lista telefônica podemos selecionar as mais próximas do hotel. Mesmo assim, será um tanto trabalhoso ▬ admitiu.

▬ Não podemos perder muito tempo ▬ disse Leo. ▬ Vamos fazer a seleção já. ▬ E, com a autoridade de filho da

sócia do Chiaromonte, ordenou: ▬ Garçom, traga as listas telefônicas.

Ao saírem do restaurante, duas horas mais tarde, o trio levava uma lista de vinte e duas floriculturas. Leo e Ângela visitariam onze cada um a partir do dia seguinte. Imaginaram que muitas se negariam a fornecer nomes. Nesse caso, combinaram, revelariam o motivo da pesquisa. Se mesmo assim a negativa prosseguisse, diriam que o caso seria entregue à polícia para obter a informação a seu modo.

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Já em casa, Zula empurrava a cadeira de rodas quando resolveu perguntar-lhe:

▬ Feliz por rever Ângela? Gino respondeu simplesmente: ▬ Estou. ▬ Ela estava linda, não estava? Mais uma vez ele concordou com monossílabo. "Ele deve estar todo concentrado no desaparecimento da 'A

garota da capa"', pensou a mãe. "É isso. Acho que é isso." 30. OS DETETIVES DAS CAMÉLIAS

Leo

No dia seguinte, logo cedo, Leo e Ângela, cada um a seu lado, já estavam na rua com sua lista de onze endereços de floricultura. Na primeira em que ele entrou, Leo logo ouviu que não trabalhavam com aquele tipo de flor. Implicância do proprietário. Em outras, ao ouvir o nome do Emperor Park Hotel, sacudiram a cabeça. Jamais haviam mandado flores para aquele hotel. Em compensação, o gerente de uma das floriculturas listadas apressou se em abrir um livrão.

O nome do Emperor aparecia nele muitas vezes. ▬ Gente que manda flores para artistas que lá se hospedam. ▬

E acrescentou quase em segredo: ▬ Admiradores fanáticos que enviam flores todos os dias.

▬ Não diga? ▬ Pois digo. Veja o livro, veja... Leo viu. A data mais recente era de dois anos atrás. Em outra floricultura, alguém mandara camélias dois dias

seguidos, mas para certa maternidade. Meio desanimado, Leo foi continuando a pesquisa até o último

endereço. Era uma floricultura pequena, sem muitas flores, e bastante desorganizada. O próprio dono, um homem idoso, atendia ao balcão. Ao ouvir as perguntas de Leo, arrancou da gaveta um punhado de talões impressos, todos anotados com rabiscos.

▬ Procure aqui. Leo procurou, procurou. A primeira descoberta! Camélias para o Emperor Park Hotel!

Destinatário: senhorita Camélia Silva! Olhou outras notas, todas garranchadas pelo proprietário. Mais

nenhuma para Camélia. ▬ O senhor se lembra da pessoa que mandou estas flores?

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▬ O quê?! ▬ Perguntei se se lembra de quem mandou as camélias para o

Emperor. O homem riu. Do que se ria? ▬ Se me lembro... ▬ Lembra ou não lembra? ▬ Há quarenta anos que estou no ofício, moço. Acha que presto

atenção nas pessoas que compram flores? Ainda mais em alguém que comprou só uma vez? Para lembrar de minha própria cara tenho de me ver no espelho...

Ao chegar à rua, Leo desejou que Ângela tivesse mais sorte que ele. Mas não precisava ser um Gino para imaginar que o fã misterioso comprara flores em diferentes lugares para não ser facilmente reconhecido. Um inocente não tomaria tais precauções.

Ângela

Ângela também começou a investigação logo cedo e com muita

garra. A primeira floricultura que visitou foi uma decepção. Nunca haviam mandado flores para o Emperor. Sua freguesia era constituída por pessoas mais modestas. A segunda da lista já se mudara dali. A terceira não vendia camélias, já que tinham pouca saída. Mas na quarta visita Ângela começou a ter esperanças.

▬ Sempre enviamos flores ao Emperor ▬ disse uma senhora ao balcão.

▬ Lembra de ter enviado camélias? ▬ Não lembro, mas posso verificar. Com muita boa vontade, a senhora trouxe um caderno onde

apareciam anotados dia, horário, destinatário e espécie de flor enviada.

▬ No dia 11, camélias para a senhorita Camélia Silva. Está aqui. ▬ Só isso? ▬ A pessoa só mandou uma vez. ▬ Traz o nome do remetente? ▬ Isso vai no cartão, não exigimos. Mas ainda havia uma possibilidade. ▬ Lembra-se de como ele era? Isso é importante. Essa pessoa

pode ter seqüestrado "A garota da capa". ▬ Meu Deus! ▬ exclamou a mulher. ▬ Ou matado ▬ acrescentou Ângela. Fez mal. A responsabilidade apavorou a florista. Perturbou-a. ▬ Eu tenho boa memória, mas... vou chamar a outra balconista.

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Foi para o interior da loja e logo voltava com outra balconista mais jovem. Fez com que Ângela repetisse a pergunta. Quem mandara as camélias para o Emperor Park Hotel?

A moça foi taxativa. ▬ Não fui eu que atendi o freguês ou freguesa. Sendo para o

Park Hotel, me lembraria. ▬ Ela disse que essa pessoa poderá ter sido a que seqüestrou a

moça que ganhou o concurso de modelos ▬ informou a senhora. ▬ Há outra balconista? ▬ perguntou Ângela. ▬ Há, sim, mas está de férias desde o princípio do mês. Mas

você pode me deixar seu telefone. Se lembrar, me comunico ▬ propôs a senhora.

Ângela deu seu nome e telefone e saiu para continuar a pesquisa. Outras duas floriculturas também não vendiam camélias. Outra vendia, mas nenhuma compra ou pedido fora endereçado ao hotel. Na última visita teve mais sorte. O próprio dono da floricultura, que a atendeu, se lembrou de ter mandado flores para o Emperor Park Hotel, recentemente.

▬ Camélias? ▬ Camélias. ▬ O senhor tem anotado o nome da pessoa que as recebeu? ▬ Nunca anoto. Nome e endereço vão no envelope. Lembro-me

de que o comprador já trouxe o envelope pronto. Nós apenas o juntamos às camélias.

Agora a pergunta que poderia solucionar o enigma: ▬ Como era essa pessoa? ▬ Ficou pouquíssimo tempo. Primeiro telefonou perguntando se

tínhamos camélias e qual era o preço. Meia hora depois passava com o envelope e o dinheiro. Não permaneceu aqui mais que um minuto. Mas, por que está querendo saber isso?

▬ Porque essa pessoa pode estar envolvida no seqüestro da vencedora do concurso "A garota da capa". O caso está nos jornais. Não leu?

▬ Li, sim. Seqüestrada em pleno centro da cidade. ▬ Como era essa pessoa? ▬ insistiu Ângela. O proprietário da loja fez uma pausa angustiante para a moça. ▬ Como disse, ficou menos de um minuto e eu atendia a uma

freguesa. Mas acho que essa pessoa não estava em condições de seqüestrar ninguém.

▬ Por que não? ▬ afligiu-se Ângela. ▬ Tinha o braço direito numa espécie de tipóia e parecia sentir

dores. ▬ Ele apenas entregou o envelope, não disse mais nada? O florista lembrava-se bem.

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▬ Perguntou se o hotel era longe. E eu respondi que não o conhecia.

▬ Seria capaz de reconhecer essa pessoa? Qual era o tipo dela? ▬ Ângela indagou, ansiosa.

▬ Era um rapaz. Estava usando óculos escuros. Gaguejava um pouco...

▬ Os cabelos, lembra dos cabelos? ▬ Não, porque usava uma espécie de gorro. Quanto a

reconhecê-lo, seria capaz, sim, com a tipóia, os óculos escuros e o gorro.

Ângela deixou seu endereço, caso o florista se recordasse de mais algum detalhe.

Ângela chegou pouco antes do meio-dia à casa de Gino, que,

como sempre, a recebeu com alegria, mais ainda, com emoção. ▬ Gino, localizei duas floriculturas de onde partiram camélias

para o Park Hotel. Numa delas não se lembravam do remetente. Na outra, o proprietário lembrou.

▬ Tinham o nome dele? ▬ Não. ▬ Fez ao menos uma descrição? ▬ Era um rapaz que usava óculos escuros, gorro cobrindo os

cabelos, gaguejava e tinha um braço numa tipóia. Demorou-se na floricultura menos de um minuto, tempo suficiente para pagar as flores e perguntar se o hotel era próximo, pois não o conhecia.

Gino digitou as informações no computador, meneando a cabeça.

▬ O cara parece ser um bom dissimulador. Logo em seguida, chegou Leo. Deu um beijo em Ângela e contou

o resultado da pesquisa. ▬ Fui nas onze floriculturas. Apenas uma enviou camélias para

o hotel. Mas não se lembraram da pessoa. ▬ Das onze da minha lista, duas mandaram ▬ informou Ângela.

▬ E apenas em uma se recordaram da pessoa. Gino mostrou ao primo a tela do computador, onde leu a

descrição do suspeito. ▬ Isso mais parece uma fantasia. ▬ Parece mesmo ▬ concordou Gino, ▬ mas a pesquisa em

parte foi bem-sucedida. Já se sabe que o fã misterioso de fato sempre usou floriculturas diferentes. Na quarta, provavelmente, apenas comprou as flores, entregues por um garoto qualquer. Isso revela uma intenção. Um plano. O plano do seqüestro.

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Leo aprendera, nos casos passados, que toda dedução podia ter um furo, uma falha, capaz de levar a equívocos. Os recortes daquele jogo de armar estariam se ajustando perfeitamente?

▬ Estranho um pouco ▬ disse ▬ um seqüestrador mandando flores. Com que propósito? Afinal, estava deixando uma pista, apesar das precauções. Estava criando um clima de apreensão para a moça. Pensaram nisso?

Ângela recebeu as ponderações de Leo como um balde de água fria, mas Gino, não:

▬ As flores para mim provam que não se trata de um seqüestrador interessado em dinheiro. A mensagem "Você ainda será minha" evidencia um espírito apaixonado, um romântico prepotente. Quem sabe o seqüestro, embora planejado, seria o último recurso de uma conquista que não deu certo ou que ele nem tentou. Mandou primeiro as flores. Como não resultaram em nada, seqüestrou a garota. E então mandou mais camélias, por um portador, para desfazer a suspeita que poderia recair sobre o fã misterioso.

As deduções de Gino desenhavam o perfil do seqüestrador, o do romântico prepotente, mas não apontavam a nenhum suspeito. A pesquisa nas floriculturas, a única pista provável, fracassara. Estavam no marco zero. Leo arriscou:

▬ Para mim o seqüestrador estava hospedado no hotel. ▬ Por que disse estava? ▬ Ângela perguntou.

▬ Porque, pela lógica, ele abandonaria o hotel no dia do seqüestro. Talvez tenha fechado a conta no mesmo dia, pela manhã. Não na véspera, porque, apaixonado, não perderia o concurso de maneira alguma.

▬ O que diz, Gino? ▬ indagou Ângela. Gino não se mostrou muito entusiasmado. Aquilo tudo era uma

vaga possibilidade, um jogo de cabra-cega, mas eles não poderiam ficar de braços cruzados:

▬ Você, Leo, que já manda um bocado no Park Hotel, arranje-nos então uma lista dos hóspedes que saíram do hotel na manhã do seqüestro. Espero que não seja quilométrica.

Depois de garantir aos dois que não teria dificuldades em conseguir a tal lista, Leo falou:

▬ Vamos, Ângela, eu a levo para casa. Fazendo rodar sua cadeira, Gino foi até a janela da sala de

jantar. Espiou. Leo e Ângela afastavam-se de mãos dadas, sorrindo, sob o sol que inundava a rua. Voltou ao computador.

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31. O PÁSSARO E A GAIOLA Camélia estava largada na cama, exausta. Cansara-se de tanto

bater na porta para que abrissem. As mãos doíam. Gritara, chamando por alguém, mas fora igualmente inútil. Sabia estar em um quarto de porão, o que abafava seus chamados. Ouvia, porém, ruídos exteriores, de pássaros variados e de aviões, símbolos de espaço aberto, liberdade. Ao lado do quarto havia um banheiro.

A primeira necessidade que sentira fora de beber água, logo satisfeita. Ao lado da cama havia uma pequena geladeira com garrafas de água mineral. Numa divisão inferior, algumas frutas. Notou, depois, que sobre a geladeira havia pacotes de bolacha. Mas fome era o que não tinha.

Descobriu, em seguida, sobre uma mesa baixa um aparelho de televisão. Ligou e desligou apenas para verificar se funcionava. Sobre ele havia um videocassete, uma fita e um papel onde leu um recado: "Assista". Junto dele viu uma página impressa com desenhos. Eram instruções para uso do cassete. Ainda apavorada, não tinha ânimo para assistir a filmes. Voltou para a cama e chorou.

Começou a perder a noção do tempo. Havia, sim, uma janela naquele quarto de porão. Porém não via luz. Comunicava-se com um corredor interno, todo fechado, formado pela parede do quarto e um muro alto, coberto de musgo. Era como se estivesse aprisionada no subterrâneo de um castelo, cenário dos contos de fadas, ambiente de fantasia e pesadelo. Às vezes tornava a bater com os punhos na porta, que era tosca, pesada, mas tinha a impressão de que não conseguia produzir som algum que a ultrapassasse.

Cansada e desesperada, olhou novamente para o videocassete. Lembrou-se da mensagem "Assista". O que aquilo queria dizer? Ligou a televisão, introduziu a fita no driver, acionou a tecla play, e ficou à espera das imagens. Era um filme, O colecionador, que começou a assistir apenas com os olhos, sem interesse. Porém, depois de algum tempo, concentrou-se subitamente na tela.

Sim, o filme tinha muito a ver com sua situação. Era a reprodução do que acontecia com ela.

32. BANDEIRA INTERROMPE UMA COMEMORAÇÃO Na cobertura de um edifício do bairro dos Jardins realizava-se

uma pequena comemoração com salgados, doces e bebidas. Havia até um champanhe para ser aberto. A empresa chamava-se Mirror e pertencia ao agente de modelos fotográficos Jorge Aragão, aquela

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tarde muito eufórico. A seu lado, esfuziante, encontrava-se Sandra Mar, junto de outras modelos, fotógrafos e funcionários.

▬ Vou abrir o champanhe ▬ Jorge anunciou. ▬ Deixe o champanhe para quando tivermos certeza ▬ disse

Sandra. ▬ Estive falando com os promotores ▬ informou o agente. ▬ Se

Lia não aparecer em quarenta e oito horas, você será proclamada a vencedora.

▬ Mas pode ser que ela apareça, Jota. ▬ Não aparecerá. Um fotógrafo quis saber: ▬ Por que tem tanta certeza? Quarenta e oito horas é muito

tempo. ▬ A moça está morta ▬ disse Jorge. ▬ É lamentável, mas está.

Morta. ▬ Aragão, nem diga isso ▬ pediu uma das modelos. ▬ A gente

torce por Sandra, mas... ▬ Se estivesse viva os seqüestradores já teriam feito contato.

Deve ter sido morta por um maníaco. Abro o champanhe? Ouviram passos firmes. ▬ Esqueceram de me convidar? Era Bandeira. ▬ O que quer aqui, Bandeira? ▬ Notícias de Lia Magno. ▬ Vá pedir à polícia. Bandeira estava fora de si: ▬ Onde estava quando Lia sumiu? No hotel você não estava. ▬ Não tenho de lhe dar satisfações. ▬ Você foi visto saindo. ▬ Caia fora daqui ▬ exigiu Aragão. ▬ Vamos. Abra o champanhe. Comemore! Aragão não disse uma palavra. Avançou sobre Bandeira,

derrubando copos e bandejas. Mas foi seguro por todos os presentes. O agente de Lia retirou-se, porém a comemoração antecipada

não prosseguiu: ▬ Vocês acham que tenho alguma culpa nesse caso? ▬ Aragão

perguntou. Mas não esperou resposta. Também retirou-se.

33. DUELO DE PALAVRAS NO HOTEL Leo obteve sem dificuldade a lista dos hóspedes que deixaram o

hotel no dia do seqüestro, facilitada por Percival, o gerente que no

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passado lhe causara tanto embaraço, mas que se tornara seu amigo. Embora acreditando na capacidade de o rapaz esclarecer enigmas, Percival não pôde lhe dar nenhuma dica, apontar possíveis suspeitos, pois tantos entravam e saíam diariamente do hotel que não era possível observar, reter fisionomias, hábitos e procedimentos.

A pedido de Leo, porém, não foram selecionados hóspedes de um dia, em passagem pela cidade, mas aqueles que já estavam hospedados quando as candidatas chegaram ou que haviam preenchido a ficha de entrada na mesma data. Constava ainda da lista a procedência dos hóspedes, a cidade onde residiam, bem como a profissão. Informações, em suma, que poderiam orientar as investigações.

Com a lista no bolso, Leo circulou pelas áreas sociais do hotel. Fazia parte de sua rotina de trabalho ver se tudo corria bem entre funcionários e hóspedes. O bom atendimento era uma das qualidades que aquele cinco estrelas mais alardeava. Ao passar pela piscina, um mergulhador voltou à tona, aproximou-se da margem e chamou-o:

▬ Você! Era ele. ▬ Deseja alguma coisa? ▬ Há notícia sobre aquela moça? ▬ Que eu saiba, não ▬ disse Leo. ▬ Eu tive uma idéia ▬ declarou, já saindo da piscina. ▬ Não é

nenhuma novidade, mas às vezes funciona. Leo não demonstrou curiosidade. ▬ A polícia talvez se interesse. ▬ Não quero publicidade para mim ▬ ele replicou. ▬ Leve você

minha idéia à polícia ou àquele tal Bandeira. Apenas uma colaboração. Consiste em oferecer uma soma polpuda a quem informar onde a moça se encontra ou mesmo fornecer uma pista. Muita gente sabe das coisas, mas prefere não se envolver. Porém, havendo uma recompensa...

▬ Isso não é comigo. ▬ Pensei que tivesse maior interesse nela, interesse especial,

quero dizer... ▬ Enganou-se ▬ respondeu Leo, irritado. ▬ Atender às

candidatas era minha função no concurso. ▬ Função muito agradável ▬ ele comentou, já se afastando. Leo era um rapaz paciente, só até certo ponto. ▬ Parece que seu interesse pela moça era muito maior que o

meu. Ele não gostou de ouvir isso. Pareceu-lhe petulância de um

simples mensageiro. ▬ É muito atrevimento para um boy ▬ disse, fazendo cara séria.

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Leo sentiu prazer em fustigá-lo. O hóspede tímido dos primeiros dias mostrava a outra face. Era arrogante. Tão arrogante como outros hóspedes ricos do Emperor.

▬ Quanto à sua idéia ▬ acrescentou Leo, ▬ coloque-a em prática você mesmo. Pode inclusive pagar a gratificação.

Aquilo já era suficiente para ele reagir, invocar sua condição de hóspede diante de um funcionário, mas se conteve e até sorriu.

▬ Você está é se sentindo humilhado. Desta vez as coisas estão muito difíceis, não? Parece que não haverá entrevistas, fotos, e aquele oba-oba todo. Nada de declarações à imprensa. Por isso está se fazendo de desinteressado. Até a vista, boy.

Leo observou o rapaz se afastar, com uma expressão indecifrável no rosto. Jamais desejara tanto solucionar um enigma como agora. A satisfação de parecer diante daquele hóspede, então, seria sua resposta. Mas reconhecia que por enquanto não tinha motivo para mostrar-se animado. Sentia-se como um jogador de tênis que perdera um set, um pugilista que perdera um assalto.

A hora do almoço, levou a lista de hóspedes para o primo Gino.

34. UM FILME DE TERROR Assistiu ao filme até o fim. Tratava-se da história de um modesto

funcionário público, doentiamente tímido, que tinha por hobby colecionar borboletas, e que um dia ganha um grande prêmio lotérico, uma fortuna, abandona o emprego e compra uma mansão campestre, longe de qualquer centro urbano. Adquire a casa com uma única intenção: seqüestrar e aprisionar ali uma moça a quem amava muito, obsessivamente, embora só a conhecesse à distância, pois sua timidez impedira qualquer aproximação.

Sob efeito de clorofórmio, ela é levada ao porão da mansão. Um quarto até confortável, porém sem possibilidades de fuga. A moça, que reconhecera o seqüestrador, cujo retrato os jornais estamparam ao receber o prêmio, reage de todas as formas para escapar. No entanto, logo se convence de que não seria possível por meios violentos. Finge, inclusive, gostar do seqüestrador, tornando-se amiga dele, como se o compreendesse. Faz algumas tentativas de fuga, todas fracassadas.

Desesperada, propõe casamento ao seu algoz. Por fim adoece, acometida de pneumonia. Como, na Inglaterra, onde a história se desenrola, só se vende antibióticos sob receita médica, o seqüestrador hesita em comprá-lo e a moça acaba morrendo. É enterrada no jardim da mansão sem que ninguém venha saber de nada.

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Camélia logo entendeu que a idéia do seqüestro fora inspirada pelo filme. Mas o seqüestrador, tão jovem, moraria sozinho naquela casa como o personagem? E por que deixara o vídeo para que ela o assistisse? A resposta para essa questão poderia ser apenas uma: ele queria que soubesse que não havia nenhuma possibilidade de fuga. Ela, como a moça do filme, seria prisioneira até a morte.

Estava sob a guarda de um louco. 35. POR QUE ESSA CARA FEIA? Era a pergunta de Gino a Leo. Com repique. ▬ O que aconteceu? ▬ Briguei com um hóspede do hotel, aquele que me pareceu

interessado em Lia. É um despeitado. Imaginou que eu tivesse algum interesse por ela, ou ela por mim, e por isso provoca-me. Refere-se aos casos que solucionamos como se fossem todos galinha-morta. Coisas que estavam na cara. E, ainda, para me gozar, me deu uma sugestão para encontrar a moça.

▬ Qual? ▬ Pôr um anúncio nos jornais oferecendo uma gratificação a

quem soubesse onde ela está ou a quem apresentasse uma pista. ▬ Até que não é má idéia ▬ comentou Gino. ▬ Mas isso caberia

aos promotores do concurso, que têm dinheiro. ▬ Esse é o cara mais antipático que já passou pelo Emperor.

Parece o rei do mundo. Gino tentou acalmá-lo: ▬ Esqueça, Leo, e passe-me a lista. O importante é descobrir

onde está essa pobre moça. A verdade é que já não estou otimista. Desânimo em Gino sempre repercutia em Leo: - Por quê? ▬ Se o seqüestrador não pede resgate, bem pode ser um desses

loucos que andam à solta por aí. E, quando é assim, a seqüestrada sempre acaba sendo encontrada morta.

▬ Eu também tenho esse receio ▬ confessou Leo. Gino reagiu: ▬ Mas vamos nos concentrar na lista de hóspedes. Primeiro vou

digitá-la no computador. Leo moveu-se. ▬ Lamento, Gino, mas não posso ajudá-lo nisso. Vai haver uma

convenção importante no hotel e precisarei estar presente. Mas já telefonei para Ângela. Ela logo estará aqui.

Surpresa para Gino. ▬ Ângela vem? ▬ Deve estar a caminho. Tchau, primo.

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Gino pegou a lista. Só pegou. Estava muito feliz com a visita de Ângela.

36. A ÚNICA ESPERANÇA Camélia tentou assistir ao filme mais uma vez, mas não

agüentou muito tempo. Era opressivo demais. Desligou o videocassete.

Lembrou-se pela milésima vez do seu encontro com ele na praça. Fugiu desesperada do tio quando um carro parou a sua frente. Não havia tempo para nada. Entrou e abaixou-se para que o tio não a visse.

No primeiro instante reconhecera o hóspede do hotel que sempre aparecia com sua filmadora. Contou-lhe o que estava acontecendo. Nem se lembrava de quanto tempo ficara abaixada. Ao sentar-se no carro, perguntou:

▬ Para onde estamos indo? ▬ Não vai querer ir já para o hotel, vai? Seu tio pode aparecer

por lá. Vi ontem o escândalo que ele deu. Deixe por minha conta. Você só pode voltar quando telefonar e souber que o perigo passou.

Camélia abandonou-se à decisão de seu salvador. Apesar de não simpatizar muito com ele, estava sendo extremamente gentil. Rodaram cerca de meia hora até chegarem num belo casarão, verdadeira mansão, à esquerda de outro que lhe pareceu abandonado. Diante dele, uma pequena praça.

▬ Eu nasci aqui ▬ disse ele. ▬ Vamos entrar. Ela não viu ninguém lá dentro, mas não fez perguntas. Seguiu o

rapaz, com a certeza de que ele lhe levaria até um cômodo que houvesse um telefone.

Desceram uma escada. Não entendeu por que a levava para o porão. Ele abriu uma porta. Viu uma cama e uma geladeira pequena.

▬ Aqui tem telefone? ▬ Não ▬ respondeu seu salvador. ▬ Mas preciso falar com o professor Bandeira. ▬ Sua colega vai dizer que seu tio a seqüestrou. ▬ Meu tio não me seqüestrou. Ele escreveu uma palavra num papel e depositou-o sobre o

vídeo. ▬ É o que vão dizer, senhorita Camélia... ▬ falou, revelando que

sabia seu nome verdadeiro. E fechou a porta. Lia tinha caído numa armadilha. Chorou.

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Resolveu procurar noticiários na televisão. Esperou alguns minutos até que começasse um telejornal. Depois de algumas notícias complementadas por imagens viu sua foto enchendo o vídeo. Seu paradeiro ainda era ignorado. Viu seu tio Epaminondas e sua tia Suzana, ela abatida. Suplicou à sobrinha que voltasse. Garantiu que não seria castigada, que a tratariam com todo o carinho.

Ao contrário deles, Bandeira, focalizado em seguida, disse não acreditar que Lia estivesse escondida em algum lugar. Para ele, tratava-se de seqüestro. Mais cedo ou mais tarde os autores manteriam contato.

Seguia-se uma tomada do saguão do hotel com uma breve entrevista do gerente, que repelia aquele tipo de publicidade, negativa, para o estabelecimento. Atrás do gerente Camélia viu uma pessoa cuja imagem lhe reacendeu a esperança.

Leo! O gentil chefe dos mensageiros do Emperor Park Hotel! Víviam

lhe dissera que aquele rapaz era um verdadeiro detetive, tendo solucionado diversos casos policiais. Por isso tinha recorrido a ele quando recebera as camélias com aquele cartão anônimo.

Leo mostrou-se bastante solícito na ocasião. Logo se mexeu para descobrir quem era o estranho admirador. Estava à espera apenas de mais uma entrega de flores. Mais tarde, foi também muito esperto ao impedir a entrada do tio no salão onde se realizava o concurso.

Assim que o conheceu, sentiu que poderia confiar nele. Agora tinha certeza de que Leo não ficaria parado. Imaginou-o movimentando-se pela cidade, à procura do seqüestrador. Era sua grande esperança, talvez sua única esperança!

▬ Leo vai salvar-me! ▬ chegou a dizer em voz alta. Ouviu ruídos vindo da porta. Ficou toda tensa. A maçaneta

girou. Ele ia entrar.

37. UM DOCE ENIGMA Gino recebeu com emoção a visita da namorada de seu primo.

Ângela sempre o lembrava luz, perfume, suavidade. Mas também sensações de perigo. Ele, ela e Leo haviam repartido essas sensações na solução de três enigmas que haviam envolvido risco de vida. Agora, mais velhos, conservariam a mesma coragem? E aquele caso, o do desaparecimento da vencedora do concurso, exigiria tanto?

▬ Já digitei no computador as informações que Leo me trouxe do hotel ▬ disse Gino. ▬ Não foram muitos os hóspedes que deixaram o Park no dia do seqüestro. E alguns podem ser retirados imediatamente da lista. Há uma família inteira, pai, mãe e três filhos

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pequenos. Insuspeitos, não? Um senador. Às vezes senadores se metem em trapalhadas, mas a de seqüestrar garotinhas seria demais. Um industrial dinamarquês, que já voltou a seu país. Uma dupla caipira, Zeca e Zico. Ganham tanto dinheiro com discos e shows que não precisam de mais nada. Estão numa boa. Miss Grace Davies, missionária norte-americana a caminho da Amazônia. Já catequizou pigmeus e esquimós, e agora quer fazer o mesmo com índios brasileiros.

Ângela riu. Que bom estar ao lado de Gino, mesmo nas situações difíceis! Nunca perdia o bom humor.

▬ Pelo jeito todos são insuspeitos. ▬ Quando alguém se hospeda num grande hotel, imediatamente

se torna insuspeito de qualquer crime. No geral, apenas os pobres, que moram mal ou que não têm onde morar, são acusados de tudo.

▬ Um hotel cinco estrelas às vezes vale por uma operação plástica para mudar de cara! ▬ Ângela brincou. ▬ Mas, afinal, sobrou algum hóspede na lista com pinta de seqüestrador?

▬ Sobraram três. ▬ Três? Diga logo quais são. Gino olhava para o computador e para Ângela. Como ela estava

bonita aquela tarde! Aliás, sempre estava, mas havia certos dias que...

▬ Vamos, os três ▬ exigiu Ângela, ansiosa. ▬ Três hóspedes deixaram o hotel na manhã seguinte ao

concurso e antes do desaparecimento de Camélia. Marino Dias, Ricardo Sinclair e Jorge Said.

▬ Temos de localizá-los ▬ disse Ângela. ▬ Difícil! Não residem em São Paulo. ▬ Isso complica, não? ▬ Se complica! Temos de recorrer à polícia. Vou telefonar para o

doutor Arruda, o delegado, com quem tratamos das outras vezes. Ângela fez uma cara de desapontamento e falou: ▬ Pensei que a gente fosse bancar os detetives outra vez, sair

por aí investigando. Depois, entrevistas à imprensa... ▬ O importante é libertar a moça ▬ disse Gino, ▬ não ter

nossos retratos nos jornais. ▬ Pegou o telefone e discou. ▬ Quero falar com o doutor Arruda. ▬ Sorriu para Ângela enquanto esperava que o delegado atendesse. ▬ Doutor Arruda? É o Gino. Lembra-se de mim?

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38. ELA E... ELE Camélia continuou com os olhos fixos na porta. Que se abriu

lentamente. Ele entrou e fechou-a. Já não era a pessoa solícita que lhe dera carona, na praça, permitindo que escapasse do tio. E que, para que ela se refizesse, a levara para sua casa, em segurança. Já não sorria, e exibia uma ostensiva arrogância. Parecia alguém que conseguira um grande feito.

▬ Viu o filme? ▬ perguntou. ▬ Vi. Por que quis que o visse? ▬ Para entender a situação. Você é minha prisioneira. Não

adianta tentar fugir. Depois dessa porta há mais duas, também fechadas ▬ ele foi dizendo, sem precipitação, deixando as palavras pingarem.

▬ Mas por que está fazendo isso? ▬ Para causar certo rumor, causar sensação, me divertir. Não

pense que coleciono borboletas, como o personagem do filme. Tampouco estou apaixonado por você. Pode tirar isso da cabeça. Entre nós dois há um abismo social. Se escolhi você, foi para causar repercussão. Aprisionar uma anônima não daria esse estardalhaço.

Camélia fez a pergunta mais urgente: ▬ Quando vai me soltar? ▬ Não pensei nisso. ▬ Mora sozinho nesta casa? Desta vez as palavras não vieram logo. Pelo contrário, ele

mostrou-se embaraçado. Respondeu, afinal: ▬ Moro com meus pais. Estão viajando. ▬ Quando voltam? ▬ Camélia indagou, aflita. ▬ Será uma viagem longa. Eles merecem. Mas, quando a soltasse, não teria medo de que ela informasse a

polícia? ▬ Minha família deve estar sofrendo muito... ▬ murmurou

Camélia. ▬ Refere-se àquele grosseirão? O que me importa que ele sofra?

E o tal empresário? Devo também ter pena dele? Aposto que ia abocanhar o seu dinheiro. Quanto ao público, essa gente que vê televisão e lê jornais adora sensacionalismo e violência. Não pense que está com pena de você.

Camélia sentia ódio, ódio, ódio. Mas precisava obrigá-lo a pensar:

▬ A policia está toda a minha procura, você sabe disso. ▬ Coitada! Não tem pista alguma. ▬ Alguém pode ter visto eu entrar em seu carro.

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▬ Se tivesse, já teria aparecido ▬ disse ele, voltando a pingar as palavras. ▬ Mas quem lembraria de uma moça entrando espontaneamente num automóvel?

Atrás do ódio havia a curiosidade: ▬ Mas você já tinha preparado tudo. A geladeira, o vídeo... ▬ Não preparei nada. Tudo já estava aqui. Menos o filme, claro.

Eu não pretendia seqüestrá-la. Não haveria jeito de fazer isso. Seu tio é que facilitou tudo.

Faltava a Camélia saber mais alguma coisa: ▬ E as flores, era você quem mandava? ▬ Gostou delas? ▬ Era você? ▬ Era. ▬ Por que fez isso, se não tinha interesse por mim? Ele ficou um tanto embaraçado: ▬ Pareceu-me divertido. ▬ Como soube meu nome verdadeiro? ▬ Não se lembra da confusão que fez ao preencher a ficha do

hotel? Eu estava perto. Aliás, foi esse segredinho que me inspirou o começo da brincadeira...

▬ Tem certeza de que ninguém sabe disso? ▬ arriscou Camélia, para provocá-lo.

▬ Tenho. Você falou com o tal Leo a respeito, não? Sei ler lábios. Aprendi observando lábios de médicos e enfermeiras. Ele esperava a próxima remessa para identificar a floricultura. E, depois do... seqüestro, chegaram mais camélias. Desta vez levadas por um garoto. Portanto, aquele rapaz que se julga esperto não vai me apanhar localizando as floriculturas. Fui a quatro delas, com algum disfarce, sem deixar, claro, nome e endereço. E cartões usei os meus. O seu detetive apaixonado desta vez não se sairá bem.

Camélia tentou assustá-lo: ▬ Acabarão notando sua falta no hotel. Ele riu: ▬ Minha falta? Continuo hóspede do hotel. ▬ Continua? ! ▬ Não vejo motivo para sair de lá. É confortável, sofisticado, e,

além disso, minha permanência no Emperor me torna um cidadão acima de qualquer suspeita.

Camélia teve de admitir, desanimada: ele era um demente, sim, mas capaz de raciocinar com lucidez e frieza. Era o que o tornava mais terrível.

▬ Agora alegre-se ▬ disse ele, ▬ trouxe sanduíches.

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39. RICHARD Ângela decidiu ficar na casa de Gino um pouco mais, já que não

tinha nenhum compromisso. Ele lhe deu algumas informações sobre o funcionamento do computador, como se passava sua "memória" para os disquetes e como era divertido apagar e trocar palavras. Depois falou de seu trabalho profissional. Estava traduzindo romances policiais ingleses para uma editora.

▬ E xadrez, tem jogado? ▬ Tenho, sim, e bastante. ▬ Com quem? ▬ Ora, com o Richard. ▬ Quem é o Richard? ▬ O computador. ▬ Ele joga xadrez? ▬ Quer ver? Gino colocou um disquete no driver do computador e logo

apareceu um tabuleiro. Fez um lance. O computador fez o seu. E começaram a jogar. Richard não precisava pensar muito.

▬ Quem vence mais? ▬ Ângela perguntou. ▬ Jamais ganhei dele ▬ confessou Gino. ▬ Mas espero ganhar,

ainda. Bem, chega de demonstração. ▬ Desligou o computador e falou: ▬ Prefiro mil vezes ficar conversando com você a ter de enfrentar esse monstro.

▬ Quem sabe o seqüestrador seja um computador? Alguém que tenha a capacidade do Richard. Frio como ele ▬ disse Ângela.

Essa comparação inquietou Gino: ▬ Não gostaria de ter um computador como adversário. Ele falou tão seriamente que Ângela, solidária, segurou-lhe a

mão. ▬ Você vencerá Richard, tenho certeza. Não conheço ninguém

mais persistente que você, Gino. ▬ Sabe, Ângela, há uma sensação estranha em jogar com

Richard. É um adversário invisível, como um fantasma. Ele não olha nos olhos da gente, não respira e não pede licença para ir ao banheiro. Chego a odiá-lo quando jogamos. Tanto quanto odeio o seqüestrador de Lia Magno.

Ângela apertou-lhe a mão novamente, como se pretendesse passar-lhe seu otimismo. Se Gino desanimasse, jamais encontrariam o seqüestrador.

Tocou o telefone. Gino atendeu: ▬ Doutor Arruda? ▬ Já havia novidades. ▬ É o Gino, pode

falar.

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Ângela, muito ansiosa, febril mesmo, aproximou-se do aparelho. A polícia devia ter encontrado alguma pista.

A conversa foi breve. Assim que Gino colocou o telefone no gancho, Ângela indagou:

▬ O que ele disse? ▬ Marino Dias, o primeiro da lista, embarcou no mesmo dia do

seqüestro para Paris. A polícia do aeroporto informou. Trata-se de um comerciante de nome limpo.

▬ Há mais dois nomes na lista ▬ disse ela, querendo manter as esperanças.

▬ O doutor Arruda está tentando localizar o Ricardo Sinclair, o segundo da lista.

Ângela sorriu, fazendo uma espécie de trocadilho: ▬ Talvez Ricardo seja o Richard...

40. LEO INVESTIGA Leo, mesmo sem consultar Gino e Ângela, decidiu movimentar-

se. Foi fazer uma visita à Persona, a agência de modelos do professor Bandeira. Quem sabe viesse de lá alguma informação. Bandeira não estava, e Mara, sua secretária, disse que desde o desaparecimento de Lia o chefe não parava muito no escritório.

▬ Por causa da falsificação dos documentos? ▬ perguntou Leo. ▬ Não. ▬ E confidenciou: ▬ Ele anda seguindo uma pessoa por

toda a parte. Parece mania. ▬ Posso saber que pessoa é essa? ▬ Jorge Aragão. O empresário de Sandra Mar. Leo animou-se com a revelação, e indagou: ▬ Bandeira tem alguma prova contra ele? ▬ Receio que não. Apenas desconfiança. ▬ Você acha que Aragão seria capaz de um seqüestro? ▬ Não sei! O interesse dele na premiação de Sandra é grande. Leo lembrou-se de Víviam. Perguntou por ela. ▬ Está no andar de cima. Levo você até lá. Mara subiu as escadas na frente e bateu em uma porta. ▬ Víviam, visita. ▬ Pode entrar. Leo entrou. Era um pequeno quarto. Víviam estava sentada,

diante de um espelho. ▬ Leo! ▬ exclamou. ▬ Alguma novidade? ▬ Infelizmente, não. O homem que enviava as camélias não foi

identificado. Mandava-as de floriculturas diferentes. A única pista que consegui é que gaguejava e tinha um braço numa tipóia.

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▬ O que mais disseram dele? ▬ Que era jovem. Só. Víviam ficou pensativa: ▬ Lia falou de um hóspede do hotel que sempre aparecia onde

ela estava. Costumava filmá-la. ▬ Sei de quem se trata ▬ disse Leo. ▬ Também desconfiei desse

cara, mas ele continua hospedado no hotel. E raramente sai. É um jovem milionário, de família importante.

▬ Mas se o seqüestrador não fez contato, talvez não precise de dinheiro ▬ ponderou Víviam.

▬ Nisso já pensamos, mas surgiram mais três suspeitos, todos do hotel. Hóspedes que saíram do Emperor no dia do seqüestro. A polícia está atrás deles.

▬ Espero que o apanhem ▬ desejou Víviam. ▬ Mas não esqueçam aquele carinha. Toda vez que Camélia o

encontrava, ficava muito nervosa. Não gostava do jeito que ele a olhava.

▬ E sobre Aragão, sabe de alguma coisa? ▬ Eu não acredito que esteja envolvido nisso. Bandeira está

desconfiado porque ficou meio biruta com essa história. ▬ Bem, de qualquer maneira, vamos continuar investigando. ▬ Se precisarem, podem contar comigo. Gostei muito de

Camélia. Uma guria simpática! Leo despediu-se de Víviam, deixou o palacete do Ibirapuera e em

seguida dirigiu-se à delegacia. Pelo telefone Gino o informara de seu papo com o doutor Arruda.

Um detetive o fez entrar bem depressa à sala do chefe, como se, o esperasse.

▬ Não sei se já sabe ▬ disse o policial, um tanto eufórico. Mas um dos hóspedes, Marino Dias, viajou para a França no mesmo dia do seqüestro. O outro, Jorge Said, está no hospital. Veio para São Paulo para se submeter a uma cirurgia muito delicada. Mas há outro, que usa o nome falso de Ricardo Sinclair, bastante visado pela polícia. Esteve preso diversas vezes. No momento, temos dez detetives atrás dele.

▬ Acha que pode ser o homem? ▬ Estou apostando que sim. ▬ Puro palpite, doutor? ▬ O passado desse homem o condena. Leo ia se retirando quando lembrou do que Víviam dissera: ▬ O seqüestrador não está interessado em dinheiro. Seria o caso

de Sinclair, um bandido profissional? O delegado estranhou a afirmação de Leo: ▬ Não está vindo do hotel agora?

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▬ Não. ▬ O seqüestrador ligou para o Emperor. Falou com o

superintendente. Exige quinhentos mil dólares para libertar Camélia.

Então o objetivo fora mesmo o resgate. Como sempre. ▬ E o hotel vai pagar? ▬ Entregou o caso à polícia. Camélia não é filha do

proprietário...

41. RICHARD, O CINEASTA Ele deixara uma outra fita de vídeo no porão. Camélia colocou-a

no aparelho e acionou a tecla play. Eram imagens dela, na piscina, andando pelo hotel e no salão durante a grande noite do concurso. E, para torturá-la ainda mais, acrescentara cenas que quase suscitaram um grito inútil de socorro: Leo circulando pelo hotel, lançando olhares atentos por todos os lados. Nunca, desde que estava ali, prisioneira, sentira tanta angústia.

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Ela não conseguia entender as intenções de seu carcereiro. O que ele faria quando seus pais voltassem? Confessaria a eles que aprisionara uma moça no porão? Continuaria detendo-a sem que percebessem? Impossível. O que ele não poderia era contar com seu silêncio após a libertação, confiar que ela não diria a ninguém o que acontecera. Tolo, já provara que não era. Tudo nele era planejado, medido. Quais seriam as intenções de um demente, naquelas circunstâncias? De um demente que parecia desprezá-la por ser pobre, que não se mostrava apaixonado por ela, como o personagem do filme, voltado exclusivamente para a repercussão do fato.

Um homem assim, pensou Camélia, não vai querer jamais revelar seu segredo. Desejará viver com ela para sempre, como um objeto permanente de satisfação. Lembrou-se do jardim ao redor da mansão. Na casa do colecionador também havia um jardim. E disse em voz alta:

▬ Antes que seus pais voltem, ele me matará! Então o terror começou.

42. RICARDO NÃO É RICHARD Leo, Ângela e Gino tiveram outra reunião. E ao ar livre. Gino

queria dar uma volta, e Ângela fez questão de empurrar a cadeira de rodas pelo bairro.

▬ Marino Dias e Jorge Said já estão fora da lista ▬ comentou Leo. ▬ Um em Paris, outro no hospital. Resta Ricardo Sinclair. É um delinqüente que usa diversos nomes.

O doutor Arruda acredita que foi ele o autor do telefonema pedindo quinhentos mil dólares. E já pôs toda a polícia em seu encalço.

Gino massageava a cabeça com a mão direita: ▬ Alguma coisa parece errada nessa história ▬ disse. ▬ Será

que o seqüestrador acredita que o hotel vai pagar o resgate? Seria muita ingenuidade. Como também seria ingenuo esperar o mesmo do Bandeira e dos promotores do concurso. Só família paga resgate. E Epaminondas nunca deve ter visto um dólar na vida.

▬ Muitos sabidos dão mancada, cometem erros ▬ lembrou o primo.

▬ Geralmente não os seqüestradores. São mais frios e profissionais. Parecem-se com o Richard, meu computador, quando joga xadrez.

Ângela, meio frustrada com a evolução do caso, perguntou: ▬ Qual será nosso próximo passo? ▬ Depende do próximo passo dele ▬ respondeu Gino.

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▬ Ou do próximo passo da polícia. Ela está na jogada ▬ disse Leo. ▬ Há muitos tiras atrás do Ricardo Sinclair.

Pararam à porta do Chiaromonte. Leo aproveitou a parada para dar um beijo em Ângela.

Tia Zula, de avental, veio do interior do restaurante apressadamente. Tinha uma notícia.

▬ A polícia pegou o seqüestrador! Todos: ▬ Pegou? ▬ Diz que pegou. ▬ A televisão deu? ▬ Vai dar tudo agora. Os três entraram precipitadamente, Gino forçando as mãos nas

rodas para movimentar a cadeira rapidamente. Havia um televisor no alpendre. O trio, mais dona Zula, ficou atento. Encerrado o capítulo da novela, uma notícia extraordinária foi posta no ar. Sim, haviam apanhado Ricardo Sinclair! Num hotel próximo ao aeroporto: ia fugir. Na tela o próprio doutor Arruda, acompanhado por dois detetives, entrando no apartamento. A câmera focou Ricardo, apavorado.

▬ Ela está com você? ▬ perguntava o delegado, agressivo. ▬ Está - confessou. ▬ Onde, onde? Ricardo Sinclair enfiou a mão no bolso, sob o olho da câmera.

Ansiedade na tela e nos espectadores do restaurante. Retirou uma jóia faiscante.

▬ Aqui está, doutor. O trio desviou os olhos da tevê. Ricardo, que não era Richard,

roubava pedras valiosas, não garotas bonitas.

43. DR. J. L. FISHER - Psiquiatra ▬ Então, está se sentindo bem? ▬ perguntou o médico. ▬ Nunca estive tão bem ▬ ele confirmou. ▬ Não teve mais nenhuma crise? ▬ Nenhuma. Estou curado. Sinto isso. ▬ Mas tem tomado o medicamento? ▬ Tenho, doutor. O doutor Fisher cuidava daquele paciente havia muitos anos e

conhecia profundamente o seu caso. ▬ Seus pais estão fazendo falta? ▬ Tenho me dado bem sozinho. ▬ Mas não se aborrece de ficar naquele casarão? É até perigoso,

com os assaltos que têm havido no bairro.

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▬ Estou hospedado num hotel. O Emperor ▬ disse ele, com certo orgulho. Será que o médico poderia hospedar-se em um cinco estrelas?

▬ Se se cansar passe uns dias na Granja ▬ aconselhou o médico. ▬ Talvez encontre lá alguns companheiros. Hotéis são monótonos.

Ele se ofendeu. Granja. Odiava aqueles sanatórios disfarçados. ▬ Aquele é um lugar para dementes ▬ rebateu. ▬ Não preciso

mais viver em sanatórios. Não sou louco! ▬ concluiu, quase num grito. Em seguida, caindo em si, tentou controlar-se. ▬ Gosto do hotel. Fiz amizades lá... Bem, já vou indo, doutor. Se meus pais telefonarem, diga que está tudo bem, por favor.

E eles telefonariam. O doutor Fisher ficou com um problema: ▬ O que direi aos pais dele quando me telefonarem da Europa?

44. UMA SURPRESA PARA ELE Ele estava em seu apartamento no Emperor, com a televisão

ligada, à espera de notícias. Divertira-se ao saber que Ricardo Sinclair, suspeito de ter seqüestrado Camélia, era apenas um ladrão de jóias.

Imaginou o desnorteamento em que a polícia caíra. Aguardava agora que o telejornal noticiasse seu último gesto, feito de uma cabine telefônica, com o intuito de tumultuar ainda mais o caso.

Era o noticiário da cidade: lá estavam flashes do desaparecimento da "garota da capa". O seqüestrador havia feito contato. Queria quinhentos mil dólares. Pediu que aguardassem novos telefonemas. O pedido de resgate fora feito ao dono do hotel.

Apareceu, depois, na tela, o empresário Bandeira, entrevistado. ▬ Acho que sei quem seqüestrou Camélia ▬ falou. ▬ Quem foi? ▬ perguntou o repórter. ▬ Não posso dizer, por enquanto... O repórter quis mais... ▬ Pode falar ao menos a inicial dele. Bandeira vacilou, mas disse: ▬ Jota. ▬ Jota? ▬ Jota. Ele deu um salto na cama. Jota! Era a inicial de seu nome!

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45. UM LANCE MUITO ESPERTO Ao assistir ao telejornal, Camélia foi surpreendida pela notícia do

pedido de resgate. Um alívio. Se ele estava interessado em dinheiro não pretendia matá-la. O pavor arrefeceu um pouco. Respirou. A importância era muita, supunha. Nem sabia quanto eram quinhentos mil dólares em cruzeiros. Mas os seqüestradores sempre acabavam aceitando muito menos.

Quem sabe, o hotel, os patrocinadores, as pessoas do seu Estado, reunidos, pagassem a quantia. Começou a acreditar nisso. Fazia-lhe bem acreditar.

Uma hora depois ele entrava. Muito agitado. ▬ Ouvi a televisão ▬ disse ela. ▬ Você pediu o resgate? Ele riu. ▬ É o que estão dizendo, não? ▬ Quando vai telefonar de novo? Ele mudou de assunto. ▬ Estavam bons os sanduíches? Ela nem ouviu: ▬ Você pediu o resgate? ▬ Não. ▬ Não? ▬ Nunca estive interessado em resgate. Aquilo foi para

despistar. A esta hora estão pensando que foi trabalho de uma quadrilha. Mas vim por outro motivo. Falou de mim para seu empresário?

Camélia se lembrou de que na entrevista Bandeira dissera saber quem era o seqüestrador. Quem sabe isso o estivesse preocupando. Se ele era esperto, ela precisava ser também.

▬ Falei ▬ mentiu. ▬ Falou o quê? ▬ Que você estava sempre perto de mim, me observando,

filmando. ▬ E ele? ▬ Ele disse que também já havia notado. ▬ Disse mesmo? ▬ Disse. Por isso, acho melhor me soltar. ▬ Vou pensar nisso ▬ retrucou. ▬ Quem sabe, já na próxima

vez que eu vier... Quem sabe. E não disse mais nada. Saiu. Camélia se encheu de esperanças. Desta vez, ele não lhe

parecera nada seguro.

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46. O TELEFONEMA DE QUEM SABE DEMAIS Bandeira estava sozinho em sua agência, pensativo.

Arrependera-se de ter dito ao repórter a inicial de Jorge, já duvidando de que ele estivesse envolvido no desaparecimento da baianinha. Ainda bem que não falara o nome completo dele, o que lhe poderia custar um processo por calúnia. Foi quando o telefone tocou.

▬ Professor Bandeira? Aqui é uma pessoa que sabe onde seu modelo está.

Era uma voz velada, filtrada provavelmente por um lenço. ▬ Pode dizer. Estou ouvindo. ▬ Mas essa informação custará algum dinheiro. ▬ Eu pago ▬ respondeu Bandeira, ansioso. ▬ Sabe onde é meu

escritório? ▬ Eu não irei aí. Seria arriscado para mim. ▬ Então podemos marcar um encontro. Tem um bar aqui perto. ▬ Só irei no local que eu marcar. Para minha segurança. Anote

o endereço. Bandeira tomou nota, mas protestou. ▬ É muito longe. ▬ Às onze horas. E desligou. Seguindo sua intuição, Bandeira ligou imediatamente para o

escritório de Jorge Aragão. Uma secretária atendeu. ▬ Não, senhor. Seu Jorge não está. ▬ Sabe onde ele foi? ▬ Foi à polícia, prestar declarações. Quer deixar recado? Bandeira desligou. Permaneceu mais algum tempo na agência e

voltou para seu apartamento. Precisava decidir se ia ou não ao encontro marcado. Preparou um coquetel e ficou pensativo. Podia ter sido um trote. Decidiu não ir.

Telefone. ▬ Professor Bandeira? Era a voz outra vez. ▬ Sim. ▬ É a respeito do encontro. Queria sua confirmação e também

dizer que não precisa levar dinheiro. Acertaremos depois de salvar a moça. Mas é importante que o encontro seja hoje. Ela corre perigo. O senhor irá?

▬ Irei. ▬ O senhor deve descer do carro e ficar na esquina. E, por favor,

vá sozinho. Esteja lá às onze em ponto.

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47. ÀS ONZE EM PONTO Bandeira teve alguma dificuldade em localizar a esquina do

encontro. Era uma rua sombria, cheia de árvores e quase nenhum trânsito. Apenas viu um automóvel parado a distância. Saiu do carro e seguiu até a esquina, onde havia uma casa às escuras, talvez abandonada. Numa cidade com tantos assaltos, era até perigoso ficar ali. Prevendo isso, levara uma arma, que segurava no bolso.

Dez minutos depois, Bandeira já acreditava que tudo não passara de um, trote. Além do mais, incomodava-o aquele silêncio. Resolveu voltar para o carro.

Foi quando viu um automóvel aproximar-se velozmente.

Percebeu que era o mesmo que estava estacionado um pouco adiante, quando chegara. E vinha em sua direção com os faróis altos acesos, dois sóis. Tentou escapar, mas o carro passou pelo rebaixamento da calçada, diante da casa às escuras, como um touro enlouquecido, e o alcançou. Não viu mais nada.

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48. NOVAMENTE O COMPRADOR DE CAMÉLIAS Ângela estava lendo um livro tranqüilamente em seu quarto

quando a empregada entrou e disse que a chamavam ao telefone. Imaginando que poderia ser Leo ou Gino, apressou-se.

▬ É a Ângela? ▬ perguntou uma voz de mulher. ▬ Sim. Pode falar. ▬ Aqui é da Floricultura Soraya. Você esteve aqui para obter

informações sobre um comprador de camélias, lembra? ▬ Ah, sim. Vocês não conseguiam se lembrar dele... ▬ Mas já lembramos. ▬ Estarei aí em meia hora. Ângela respirou fundo. Estariam na pista?

49. UMA PISTA VALIOSA Guima recebeu a correspondência do hotel e levou-a à recepção.

O recepcionista do horário foi distribuindo as cartas, nos boxes correspondentes a cada apartamento. Subitamente um cartão-postal lhe chamou a atenção.

▬ Que beleza de cartão! Nunca vi um tridimensional e luminoso! Leo, que estava perto, quis ver. Era uma gravura de Paris, com a

vista do rio Sena. Era tão perfeito que parecia real. ▬ Bonito mesmo! Lendo o nome do destinatário, Leo percebeu que se tratava do

hóspede do apartamento 222. No verso do cartão estava escrito com letras femininas: "Para matar saudade do Velho Mundo. Você está bem? Não se esqueça de visitar o doutor J. L. Fisher. Trate o seu médico com respeito, desta vez, por favor. Resolvemos antecipar nossa volta. Beijos de sua mãe". Leo releu o verso do cartão para gravar as palavras. Havia nelas uma informação ou pista digna de análise. Ao voltar o rosto para o saguão, uma surpresa.

▬ Olá, Leo! ▬ Ângela, o que faz aqui? ▬ Estou vindo da Floricultura Soraya. Telefonaram para casa. ▬ O que houve lá? ▬ A proprietária se lembrou do comprador de camélias. Era

jovem, usava óculos escuros e um gorro na cabeça. ▬ Braço quebrado? ▬ Não, nada de gesso. ▬ Seria outra pessoa?

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▬ Talvez seja essa a impressão que quisesse passar, em caso de investigação. Que várias pessoas mandaram as camélias.

Leo fixou os olhos em Ângela por um momento apenas. Depois, puxou-a, como se para evitar que alguém a visse.

▬ O que foi? ▬ Veja, é ele! Era o hóspede do 222 entrando no hotel. ▬ O tipo de quem tem o rei na barriga, como dizia minha avó. Ao pedir a chave do apartamento, ele recebeu também o cartão-

postal. Leu e, pela sua expressão, não gostara nada da mensagem. ▬ Gostaria de saber o que diz ali ▬ comentou Ângela. ▬ Eu sei ▬ Leo sussurrou. ▬ Acabei de ler. ▬ Aliás, queria

fazer uma reunião imediatamente. Tenho tempo. Se você também tiver, podemos ir para a casa do Gino. O Guima, que está de saída, pode nos dar uma carona.

Vinte minutos depois, Guima estacionava seu carro no Bexiga. Como acontecera em outros casos, participou da reunião. Gino ficou feliz em revê-lo. Há quanto tempo não via aquele grandalhão em seu majestoso uniforme do Emperor Park Hotel! Mas Leo estava apressado. Falou logo do cartão-postal.

▬ Veio de Paris, assinado pela mãe dele. Ela o advertia para desta vez tratar com respeito seu médico, um tal doutor Fisher. E avisava que iam, certamente ela e o marido, antecipar o regresso.

▬ Vimos a cara que ele fez ao ler o cartão ▬ disse Ângela. ▬ Não gostou.

▬ Não gostou nenhum pouco ▬ foi a confirmação de Leo. Gino, pelo contrário, gostou: ▬ Então ele já havia tratado mal o médico, esse tal de Fisher.

Qual é o tipo de doente que muitas vezes se rebela contra quem o trata? Os que sofrem dos rins, da coluna, do fígado?

▬ Os que sofrem da cuca ▬ disse Guima. ▬ Tive um tio demente que tentou matar seu médico.

▬ É uma pista ▬ considerou Leo. ▬ Senti que havia alguma coisa naquele cartão. Será que o hóspede do 222 é um psicótico, ou sei lá o quê, em tratamento?

▬ Mas não deve ser o conselho da mamãe que o irritou ▬ avançou Gino. ▬ Pode ser outra coisa. A notícia da antecipação do regresso dos pais, por exemplo. Na presença deles voltará a ser vigiado, enquanto, sozinho, é uma pessoa livre, dona de seus passos, independente.

▬ Aonde você quer chegar? ▬ perguntou Ângela. ▬ Não gosto muito de antecipações ▬ disse Gino. ▬ Sei lá

aonde quero chegar. Mas quero saber onde esse cara mora.

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▬ Ele não pôs seu endereço na ficha de entrada do Emperor, como todos fazem, mas não é apenas o doutor Gino que sabe pensar ▬ avisou Leo. ▬ O endereço está na lista telefônica. Anotei. Podemos, antes de mais nada, ligar para lá. ▬ Tirou um pequeno papel do bolso e fez a ligação.

Todos ficaram em silêncio, à espera. Ninguém atendia. ▬ A família deve ter aproveitado a viagem para dar férias aos

empregados ▬ disse Ângela. Dona Zula aproximou-se com um jornal. ▬ Sabem o que aconteceu? ▬ O quê, mãe? ▬ O Bandeira sofreu um acidente. ▬ Acidente? ▬ Está aqui no jornal. Foi atropelado em plena calçada.

50. JOTA Leo, Ângela e Víviam foram visitar Bandeira no hospital. Sofrera

inúmeras fraturas e estava desacordado. Pouco se sabia do acidente. Apenas que o atropelaram na calçada, num bairro distante, tarde da noite, e que o motorista desaparecera. O carro do empresário fora encontrado a cinqüenta metros do local. A polícia estava investigando.

▬ O que ele estaria fazendo tão longe do escritório? ▬ admirou-se Víviam.

▬ E fora de seu carro ▬ acrescentou Leo. Víviam tentou arrancar-lhe alguma palavra. ▬ Bandeira... Bandeira... Você pode falar? Ele mexeu os lábios. ▬ Quem o atropelou? Tiveram de se curvar sobre ele para ouvir. ▬ Jota... ▬ Ele disse Jota. Entrou o médico. ▬ Por favor, queiram sair, vamos submetê-lo a novos exames. Os três saíram. ▬ Jota... ▬ repetiu Leo. ▬ É a inicial de Jorge ▬ disse Víviam. ▬ De Jorge Aragão. Foi

Jorge quem o atropelou. ▬ E nós que estávamos seguindo outra pista ▬ comentou Leo.

▬ O cartão-postal de Paris e o telefonema da floricultura estavam nos colocando fora de órbita.

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51. CAMÉLIA FERIDA A porta abriu e ele entrou com um ar triunfante: ▬ A televisão já deu? ▬ Deu o quê? ▬ quis saber Camélia. ▬ A notícia sobre seu protetor. Bandeira. ▬ Não deu nada ▬ ela respondeu, assustada. ▬ Sofreu um acidente. Alguém o atropelou. Está entre a vida e a

morte. ▬ Foi você... ▬ Esta cidade tem um trânsito terrível. Estou apenas de

passagem. Vim trazer dois sanduíches para você. Enfurecida, Camélia caiu sobre ele, tentando atingi-lo pelas

costas com um garfo que encontrara no porão e que guardara sem saber muito bem por quê. Mas o rapaz se voltou a tempo e protegeu-se do golpe.

Foi tudo rápido demais. Ambos caíram no chão e rolaram um

sobre o outro. Ele não era forte, mas o ataque da moça foi desastrado.

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Perdeu o garfo, sua arma, ao rolar pelo assoalho. A certa altura, ele a deixou escapar. Sabia que havia outra porta mais adiante.

Enquanto Camélia a espancava com os punhos cerrados, ele aproveitou o tempo para respirar, refazer-se. Foi inteligente. Quando a forçou retornar ao cativeiro, Camélia estava muito mais cansada que ele e um tanto assustada com os ferimentos que se fizera com o garfo. Sangrava.

▬ Mais uma tentativa e a matarei ▬ ele garantiu, soturno. Ela largou-se na cama com as mãos e os braços sangrando. O

esforço a convencera de que estava muito fraca. Alimentara-se mal todos aqueles dias. Convencera-se também de uma coisa. Está triste demais. Apenas seu amigo Leo, o gentil chefe dos bellboys, poderia salvá-la. Se ele não a descobrisse lá, e depressa, seria assassinada. Chorar era pouco. Ajoelhou-se e começou a rezar.

52. JOTA ACUSADO Leo e Ângela foram falar com o doutor Arruda. Precisavam lhe

falar de Jota. Só podia ter relação com Jorge. Nesse caso, caberia à polícia agir.

▬ Não pensem que me esqueci dessa pessoa ▬ disse o delegado. ▬ Sabemos da rivalidade entre ele e Bandeira. Mas no momento do seqüestro ele estava dando entrevista num jornal. Isso foi confirmado. E na noite do acidente jantava num restaurante com amigos.

▬ Mas Bandeira, no hospital, disse Jota, querendo certamente responsabilizar Jorge.

▬ Essa pode ter sido a intenção dele. Mas não comprova nada. Pelo menos por enquanto...

Leo e Ângela deixaram a delegacia meio desanimados. Tinham dado alguns passos quando Leo parou e disse:

▬ Que imbecil eu sou! ▬ Por quê? ▬ O nome dele, do hóspede do 222, também começa com jota!

Sim, jota! ▬ Será que o Bandeira estava na pista dele? ▬ Sei lá! Pode ser... ▬ Camélia pode ter falado dele com Bandeira. ▬ Quem sabe. Vamos conversar com o Gino e retomar nosso fio

da meada.

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53. BOA TARDE, DOUTOR O doutor Fisher viu a porta de seu consultório abrir e entrarem

dois jovens, um deles numa cadeira de rodas. Haviam marcado hora. Certamente o paraplégico estava necessitando de seus serviços. Recebeu-os cordialmente. Perguntou se haviam vindo por recomendação.

▬ Não ▬ disse Gino, ▬ encontramos seu nome na lista telefônica.

Ele estranhou: ▬ Não é comum escolher um psiquiatra pela lista. ▬ Suponho que nenhum de nós esteja, por enquanto,

precisando de psiquiatra ▬ pilheriou Gino. ▬ Viemos lhe pedir informações sobre um cliente seu, caso possa nos ajudar.

O médico acomodou-se em sua cadeira, atento e intrigado. Leo, também sentado, falou-lhe sobre o hóspede do apartamento 222, concluindo com suas suspeitas, a do seqüestro de uma jovem.

▬ Como sabem que ele é meu cliente? ▬ indagou o psiquiatra. ▬ Vi seu nome num cartão-postal enviado de Paris. A mãe do

nosso hóspede o aconselhava a visitar um tal de doutor J. L. Fisher e tratá-lo com respeito. Resolvemos seguir nosso palpite; talvez fosse um médico psiquiatra. Depois de algumas consultas à lista conseguimos localizá-lo.

▬ Vocês têm algum motivo ou prova para acreditarem que o meu cliente esteja envolvido nesse caso?

▬ Não ▬ respondeu Gino. ▬ Nada de concreto. Apenas queríamos saber do senhor se ele é um tipo de doente capaz de violências, como seqüestrar ou matar uma moça.

O psiquiatra não respondeu logo para ponderar e medir suas palavras. Era um assunto delicado. Uma palavra impensada poderia prejudicar seu cliente e sua família:

▬ A ciência não responde a todas as perguntas ▬ disse, de forma evasiva.

▬ Já esteve internado? ▬ indagou Gino. ▬ Esteve, mas detesta sanatórios. ▬ O senhor quer dizer que nunca prejudicou ninguém ▬ forçou

Leo. ▬ Que eu saiba, não. ▬ Sabe se seus pais anteciparam a volta? ▬ quis saber Leo. ▬ Sim. A mãe dele me informou pelo telefone. Estão

preocupados, é a primeira vez que viajam sem o filho. ▬ Por quê? ▬ Ele se recusou a acompanhá-los. Certamente para provar que

é capaz de viver só, independente, como qualquer pessoa sadia.

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▬ Obrigado ▬ disse Gino. ▬ Vamos, Leo. Leo empurrou a cadeira de Gino para fora do consultório. ▬ O médico não pôde esclarecer muito ▬ comentou Leo. ▬ Mas

evidentemente duvida do equilíbrio de seu paciente. Gino não respondeu. Seus olhos estavam fixos na mesinha da

atendente do psiquiatra, por sinal uma moça muito bonita, com ar feliz.

▬ Camélia ▬ murmurou Gino, vendo um vaso com uma única flor.

▬ Gosta de camélias? ▬ perguntou a atendente. ▬ Gosto ▬ respondeu Gino. ▬ Há um cliente do doutor Fisher que sempre que vem me traz

uma. Gino e Leo disseram ao mesmo tempo o nome dele. A atendente

admirou-se: ▬ Vocês o conhecem? Já na rua, Leo perguntou a Gino: ▬ Coincidência? ▬ Não, primo. Ele é o fã misterioso. E, pensando bem, só um

funcionário do hotel ou um de seus hóspedes poderia saber que o verdadeiro nome de Lia é Camélia.

▬ Mas o fã misterioso pode não ser o seqüestrador. ▬ Pode. ▬ O que devemos fazer? Ir à polícia? ▬ Pouco teríamos a dizer à polícia. Ela não invadiria a mansão

sem nada de concreto. No máximo chamaria o suspeito para um interrogatório. E acabaria lhe dando tempo para sumir com a moça, viva ou morta.

▬ Provavelmente morta ▬ disse Leo, sombrio. ▬ É um típico caso para o trio ▬ asseverou Gino. ▬ Agora me

leve para casa. Preciso jogar xadrez com Richard, o diabo do Richard.

54. O BURACO NO JARDIM Ele acabara de retirar o televisor e o videocassete do quarto do

porão. A garota viu-o sair com os aparelhos quase esperançosa. Talvez

seu cativeiro estivesse no fim. Mas ele estava apenas fazendo com que o cômodo voltasse a seu

aspecto anterior, caso o retorno antecipado dos pais o surpreendesse. Parecia estar adivinhando. O telefone tocou.

Era sua mãe, de Paris. Ela ligara para o hotel, mas não o localizara.

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▬ Foi sorte encontrá-lo aí. Estou telefonando para avisar que depois de amanhã a gente embarca.

▬ Por que tão cedo? ▬ Está fazendo muito frio e seu pai, você sabe, odeia o frio. ▬ Por que não passam alguns dias em Portugal? ▬ Estivemos lá, na ida. ▬ Mas fiquem mais. Eu estou bem. ▬ Já chegou a hora de voltar, filho. Quer que lhe compremos

alguma coisa? ▬ Não, obrigado. ▬ O que está fazendo aí em casa? Não se sente melhor no hotel?

Lá ao menos é mais seguro. ▬ Estava só de passagem. ▬ Até breve, meu filho. Cuide-se. Não bebia. Nunca bebia nada que contivesse álcool, mas tomou

uma dose dupla de licor. Depois, largou-se numa poltrona. Ficou um longo tempo, solto, pensando. Quando se levantou foi para ir ao jardim da parte traseira da casa.

Lá havia um pequeno depósito. Retirou dele uma enxada. Tinha um duro trabalho a fazer. Jamais cavara um buraco. De tudo que realizara naquelas duas semanas, era sem dúvida a parte mais desagradável. Preferia planejar, interpretar, lançar pistas falsas.

Trabalhou aproximadamente duas horas para abrir um buraco de cerca de um metro e meio de comprimento por outro tanto de profundidade. Cansou-se muito, nunca fora forte nem praticara esportes.

Voltou para o hotel no fim da tarde, de mau humor. O chefe dos bellboys o viu entrar. O jovem detetive. O hóspede

do 222 achou que merecia um pouco de diversão, depois do árduo trabalho.

▬ Notícias da moça seqüestrada? ▬ indagou a Leo. ▬ Temos, sim, mas não serão divulgadas, por enquanto. ▬ Posso saber? ▬ Os seqüestradores voltaram a fazer contato. Agora com

abatimento no resgate. Vai ser pago. Ele pensou rápido: "São falsos seqüestradores, golpistas. Ou...

ou Leo desconfia de mim e está querendo me confundir?" ▬ Deus queira que a encontrem ▬ disse. E dirigiu-se ao

elevador.

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55. A VOLTA DE CAMÉLIA Entrou no apartamento disposto a tomar um banho. Ia retirando

a roupa quando olhou para a mesa. Havia sobre ela um jarro com... camélias. Sim, eram camélias. Estremeceu. Aquilo teria algum significado? Não se lembrava de ter visto aquele jarro lá. Abriu a porta do apartamento para ver se encontrava alguma camareira no corredor, que pudesse lhe informar sobre as flores. Viu uma a distância, mas se deteve. Estaria se precipitando?

Voltou ao apartamento, já sem pensar no banho. Estava nervoso, mas tinha de controlar-se. Olhou casualmente os sapatos. Estavam sujos da terra do jardim. Foi ao banheiro limpá-los. Ligou a televisão. Usou o controle remoto para correr os canais. Num deles, notícia do seqüestro.

O tio de Camélia voltava a São Paulo. Ouviu-o fazer declarações com seu sotaque baiano. Permaneceria na cidade até que a sobrinha reaparecesse. Num candomblé lhe haviam assegurado que ainda estava viva, e dentro do município.

O telefone tocou. Atendeu. Era a telefonista: ▬ O senhor poderia descer? Camélia está aqui. ▬ O quê??? ▬ Camélia está esperando o senhor. ▬ Desligou. O impacto o fez sentar-se na cama. Depois, tomou um copo de

água, pegou a chave e seguiu pelo corredor. No saguão só viu hóspedes e empregados transitando. Estavam brincando com ele. Mas era evidente que desconfiavam de alguma coisa. Uma moça caminhou em sua direção. Bonita, parecia conhecê-la.

▬ Fui eu que pedi para você descer. ▬ Disseram que era Camélia. ▬ Falei à telefonista que era uma amiga de Camélia. Ela deve ter

entendido mal. Parece que o senhor se assustou. ▬ Eu nem conheci Camélia. Só de vista. Estranhei. A moça se apresentou: ▬ Meu nome é Víviam. Participei do concurso. Estava

hospedada com ela no mesmo apartamento. Ele lembrou-se. Sempre andavam juntas. ▬ Sim? Mas o que você quer? ▬ Pedir-lhe um favor. Camélia ia pedir-lhe a mesma coisa. ▬ Camélia? O quê? ▬ Podíamos ir para o bar? Foram até um dos luxuosos bares do Emperor e sentaram-se.

Ele não se mostrava à vontade. Nunca ia com moças a lugar algum. E aquela era linda demais, perturbadora. Mas uma pergunta ficara no ar.

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▬ Que favor você quer? ▬ Não vai beber nada? ▬ estranhou Víviam. O garçom aproximou-se. Ela pediu um coquetel; ele, água

mineral. ▬ Se eu puder atendê-la... ▬ Você nos filmou muitas vezes. Nos ensaios e durante o

concurso. Podia me emprestar os filmes para eu tirar cópia? O pessoal que filmou é profissional, e não empresta.

Ele ficou aliviado, mas ainda estranhava: ▬ Engraçado se lembrar de mim com tanta gente... ▬ Lembrei por causa da Camélia. Ela disse que você era o fã

número um dela... ▬ E maliciosamente: ▬ O mais apaixonado. Quer saber mais? Acreditava que você ia lhe pedir em casamento. E estava esperando por isso. Sabia que você é muito rico e que...

Ele não gostou do que ouviu: ▬ Espere! Eu não estava interessado nela, não. Sou muito moço

para casar. E garanto que jamais conversamos. ▬ Pode ser que não ▬ retrucou Víviam. ▬ Mas ela estava

esperando sua declaração, tanto que procurou saber tudo sobre você. ▬ Tudo sobre mim? ▬ indignou-se o hóspede do 222. ▬ Tudo! Até comentou comigo. ▬ Por exemplo? ▬ Ora, que é muito rico, que mora num casarão imenso, que já

viajou muito e que seus pais no momento estão na Europa. Ele tomou um lento gole de água para pensar na resposta: ▬ Não tenho culpa se ela andou alimentando sonhos a meu

respeito. Nunca lhe demonstrei nada. ▬ Mas você sempre aparecia, no restaurante, na piscina, no bar,

com a filmadora... ▬ Coincidência ▬ disse ele, já irritado. Víviam fez um gesto de quem entende uma situação

embaraçosa: ▬ É natural que não queira ser envolvido com um modelo

fotográfico, vítima de seqüestro. É um tipo de publicidade que não pega bem. Mas agora não vá negar tudo! E as flores que você mandava?

Ele quase caiu da cadeira. ▬ Flores? ! ▬ Flores, camélias... ▬ Nunca lhe mandei flores. ▬ Mandou. Os recadinhos estão comigo. ▬ Não mandei. Juro. ▬ Camélia disse que sim. ▬ Ela mentiu ▬ rebateu, com um ódio quase aparente.

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Víviam sorriu. Todos os modelos fotográficos sabem sorrir muito bem!

▬ Sabe, a princípio ela não fazia a menor idéia de quem mandava as camélias. Mas contaram para ela.

▬ Contaram? ▬ Sim. ▬ Não seria invenção do tal Leo, esse que tem mania de

detetive? ▬ Não ▬ replicou Víviam. ▬ Foi uma florista. Ela trabalhou na

ornamentação floral do concurso e viu você ali nos ensaios. Depois, conversando com Camélia, apontou você com o dedo e falou das flores. O moço das camélias...

Ele ouviu, sério: ▬ Há um engano aí. Nunca mandei flores a ela. ▬ Se você quiser conversar com a florista... ▬ Não me interessa ▬ respondeu, frio. A conversa chegara ao fim. ▬ Pode então conseguir os filmes? ▬ Vou procurá-los ▬ disse. Estava confuso. Precisava ficar só.

▬ Boa noite. Víviam ficou na mesa vendo-o afastar-se. Depois jogou os

cabelos para o lado e retirou do ouvido um ponto eletrônico. Algumas perguntas que fizera foram ditadas. Guima passou por ela e fez-lhe um sinal. Ela seguiu-o até uma sala reservada à imprensa nos dias de eventos.

Leo, Ângela e Gino estavam lá. ▬ Ouviu bem a minha voz? ▬ perguntou Ângela. ▬ Meu medo era de que ele também ouvisse. ▬ Como ele lhe pareceu? ▬ indagou Gino. ▬ Um tanto arrasado ▬ disse Víviam. ▬ Será que acreditou na história da florista? ▬ perguntou Leo. Víviam não tinha certeza: ▬ Se não acreditou, ao menos ficou abalado. Como cavalheiro

que mostra ser, até se esqueceu de pagar a conta... Imperdoável, não? Todos riram, menos Gino: ▬ Ninguém é totalmente frio neste mundo, e Jota mostrou que

não é exceção. O fato de ser identificado como o fã misterioso, o homem das camélias, o fez balançar. Mas isso não diminui o perigo que ameaça a "garota da capa". Talvez ele decida livrar-se ainda mais depressa dela, mesmo porque os pais já estão voltando.

▬ Acha que ele poderá matá-la? ▬ perguntou Ângela, aflita. ▬ É bem provável. De qualquer forma, o próximo lance vai caber

a ele. Talvez o lance final.

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56. O LANCE FINAL Ele, que quase não dormia, para gozar o seu triunfo no silêncio

da noite, desta vez não dormiu por outro motivo. Estava inquieto, sedento, quase febril. E com muito ódio de Víviam, que o deixara naquele estado. Procurava também lembrar-se da maldita florista. Estranho, permanecera tão pouco tempo nas floriculturas! Mesmo assim, fora visto e, por terrível coincidência, reconhecido por uma tagarela. Seu erro fora disfarçar-se, com gesso e tudo, apenas uma vez. Camélia, no porão, não fizera nenhuma alusão à florista. Talvez seu último trunfo. Pensou em voltar às floriculturas à procura da informante. Imediatamente desistiu da idéia. Seria comprometedor fazer isso. Além do mais, não podia perder tempo. Seus pais estavam de volta. Teria de agir rapidamente. Logo na manhã seguinte.

57. MANHÃ SEGUINTE Assim que amanheceu, levantou-se da cama. Fez seu lanche no

restaurante e não no apartamento, para ser visto. Conversou com o garçom, o que não costumava fazer. Viu Percival, o gerente, passou por ele e cumprimentou-o. Lá estava o porteiro com quem Leo sempre conversava. Acenou para ele.

Depois desceu à garagem e entrou em seu carro. Pretendia demorar-se umas duas horas, no máximo. Ao afastar-se do hotel, pisou no acelerador. Era bom de volante. Voou.

Chegou à mansão mais depressa do que calculara. Não deixou o carro na rua, exposto. Abriu o portão e entrou com ele. Primeiramente, foi dar uma olhada no jardim. O buraco aberto na véspera estava lá. O tamanho lhe pareceu suficiente.

Em seguida foi para a sala das velharias, onde sua mãe acumulava móveis e peças de antiquários. Aquele móvel, diziam, era chinês, não lembrava de qual dinastia. Puxou uma gaveta. Lá estava a relíquia: um punhal. Precisava de uma arma silenciosa. Retirou-a. Pesava muito, e o peso forçou-o a encarar a realidade do momento. Não se perguntou se teria coragem. Se soltasse o pássaro, seria ele que iria para a gaiola. Não dava mais para recuar.

Encaminhou-se ao porão, na casa às escuras. Seguiu pelo corredor, desceu escadas. Tirou a chave do bolso para abrir a porta. Acreditava que tudo seria breve. Camélia devia estar fraca, pois não lhe levara comida desde sua tentativa de fuga. Enfiou a chave na fechadura.

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Campainha. Quem seria? Algum vendedor, certamente. Resolveu esperar por novo toque. Já ia girar a chave quando a campainha soou outra vez. Decidiu ver quem era. Mas deixou o punhal dentro de um jarro na sala. Abriu a porta da rua. Uma moça ruiva.

▬ Recenseamento! Havia milhões de moradias para visitar, e o recenseador chegava

bem naquele instante! ▬ Estou só em casa. ▬ Por favor ▬ pediu a moça do censo em voz alta, ▬ já vim

aqui três vezes! Serei breve. Ele a fez entrar. A ruivinha trazia uma pasta. Sentaram-se diante de uma pequena mesa. ▬ Quantas pessoas moram aqui? ▬ Três. Eu e meus pais. ▬ Casa própria? ▬ Claro. ▬ Comecemos pelos nomes. Ele foi informando: nomes, idade, profissão, escolaridade e

religião. Falava depressa, a respiração meio descontrolada. ▬ Só isso? ▬ Só, obrigada. Mas queria lhe pedir um favor. ▬ Favor? ▬ Estou morrendo de sede. Andei tanto... Podia me dar um copo

de água? Gelada, se for possível. Ele levantou-se, um tanto de má vontade. Gelada. Teria de

andar até a cozinha. Assim que ele saiu, a moça ruiva levantou-se, elétrica. Quando ele voltou, com o copo, não viu a recenseadora na sala.

Espantou-se. ▬ Estou aqui ▬ disse ela, num prolongamento da sala. ▬

Estava vendo o jardim. Ele não gostou do atrevimento. ▬ Não vai beber? ▬ Ah, sim. ▬ Ela pegou o copo. Um gole apenas. Ele a olhou fixamente. ▬ Tenho a impressão de que... ▬ O quê? ▬ Você já me conhecia? ▬ ele perguntou. ▬ Não. ▬ Espere... Acho que conheço você. A ruiva ficou preocupada. ▬ Será? ▬ Não lembro de onde, mas... ▬ Moro em São Paulo faz pouco tempo.

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Ele esquadrinhava o rosto da moça com um olhar avaliador. Conhecia aquele rosto, só o rosto ao menos, mas de onde? Não a deixaria sair enquanto não se lembrasse.

A moça pegou a pasta e olhou para a porta. Amedrontada? ▬ Como é seu nome? ▬ ele perguntou. Outra vez a campainha. ▬ Quer que eu abra a porta? ▬ Eu abro ▬ disse ele. E abriu. Ambos viram um rapaz uniformizado, com uma braçada de

flores muito bem embalada. Junto das flores, um cartão. Ficou preocupado.

▬ Lindas camélias! ▬ exclamou a moça do censo. Ele gratificou o entregador, que desapareceu deixando a porta

aberta. Depois, leu o cartão. Empalideceu, tremeu, suou. O cartão dizia: "Nunca serei sua", à máquina, e assinado: "Camélia".

▬ Estou atrasada ▬ disse a recenseadora. ▬ Preciso ir. Bom dia e obrigada. ▬ E saiu.

Ele ficou segurando o cartão e as camélias. Depois foi à porta e viu a ruivinha já na rua. Fechou a porta, ainda sofrendo o impacto causado pelo cartão.

A recenseadora andou uns cem metros e parou diante de um

carro utilitário. Guima estava à direção e, junto dele, Gino. ▬ Foi tudo bem? ▬ este perguntou. ▬ Sim. Leo conseguiu entrar. ▬ Tem certeza de que ele não viu o Leo? ▬ Conforme combinamos, pedi um copo de água gelada. Foi

bom ter pedido gelada, porque teve de ir buscar na cozinha. Bem perto havia um lavabo. Se pegasse água dele não daria tempo para Leo entrar.

▬ Acha que não desconfiou de nada? ▬ insistiu Gino. ▬ Ele quase me reconhece das fotos nos jornais. O entregador

chegou bem na hora... ▬ Trouxemos o entregador justamente para que ele não ficasse

muito tempo com você. Foi tudo planejado. ▬ E agora? ▬ afligiu-se a falsa recenseadora e falsa ruiva. Gino estava muito preocupado. ▬ Os planos nunca funcionam perfeitamente, na realidade.

Ainda mais quando se lida com alguém que a gente não sabe do que é capaz...

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58. TUDO NO ESCURO Ele ficou alguns minutos totalmente desorientado. No escuro da

mansão, com todas as janelas fechadas, tateou o bar, tão visitado pelo pai, e encheu um cálice de uma bebida forte. Conhaque. Bebeu.

As camélias confirmavam a suspeita, quase a certeza, de que sabiam que era ele quem várias vezes mandara flores a Lia Magno, porém não mais que isso. Como poderiam saber que ela estava lá, no porão, presa? Portanto, devia fazer o que já estava decidido.

Seguiu na escuridão até o vaso e retirou o punhal, deixando as flores e o cartão na mesa. Foi se encaminhando para o porão. O que era aquilo?

Ouvira um ruído como de alguém que tropeça. ▬ Alguém aqui? ▬ perguntou. Nenhuma resposta. ▬ Quem está aí? Nada. Pensou em ladrão. Podia ter entrado pulando o muro.

Ou... ou o mais provável: entrara facilitado pela recenseadora, também uma ladra. Ela pedira água, quase não bebera e depois mostrara pressa. Ladrões inventam os mais ousados truques para entrar em casas e apartamentos. E aquela já fora assaltada quando viajara com os pais à Europa pela última vez.

Seu impulso foi o de fechar-se num cômodo e telefonar à polícia. Chegou a dar alguns passos com essa intenção. Mas... chamar a polícia, tendo uma prisioneira no porão? A policia iria querer examinar todos os cômodos. Tomou outra decisão. Começou a abrir as janelas, sem largar sua arma. Teria de enfrentar o ladrão ou afugentá-lo.

Disse em voz bem alta: ▬ Sei que você está aí. Pode fugir, abrirei a porta da rua. Foi o que fez. Abriu a porta de saída e a deixou encostada.

Depois, indo para o interior da casa, disse, também em tom alto, ao suposto ladrão:

▬ Aqui não há jóias nem dólares. Deixo você fugir. Se não fugir, soltarei o meu fila. ▬ Ele havia tido um fila, em outros tempos, mas agora não possuía cachorro algum.

Como não obteve resposta, um tanto estimulado pelo álcool, decidiu procurar o ladrão pela casa. Estava armado, o ladrão talvez não estivesse. Foi abrindo janelas e portas. Algumas fechadas à chave. Outras ele próprio fechava para estreitar o cerco. Afinal, restou o que lhe pareceu o último cômodo do andar inferior. Hesitou mas entrou.

Um susto. O que era aquilo?

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Dentro do carro, Gino, Ângela e Guima estavam inquietos demais. Gino lamentava-se.

▬ Já estou arrependido de ter traçado esse plano. ▬ Quando ele sair, Leo poderá agir mais à vontade e encontrar

Camélia, se ela estiver na casa ▬ disse Ângela. ▬ Mas ele está demorando para sair. ▬ Temo que tenha encontrado o Leo ▬ receou Guima. ▬ Eu também ▬ disse Gino. ▬ Isso estragaria tudo. Como Leo

explicaria sua presença lá dentro? ▬ Meu medo ▬ confessou Ângela ▬ é que ele o mate. ▬ Matar o Leo? ▬ indagou Guima▬. Não faria isso. Gino estava menos otimista. ▬ Se ele pretende matar Camélia, vai ter de matar Leo também.

Afinal, ele invadiu a sua casa. Como um ladrão. ▬ O que estará acontecendo lá dentro? ▬ angustiou-se Ângela. ▬ Se ele demorar mais um pouco para sair eu... eu... ▬ Você o quê? ▬ perguntou Gino. ▬ Irei até a porta ver se escuto alguma coisa. É o que farei. Não

dá mais para continuar aqui no carro.

59. O FANTASMA Ele não conseguia entender o que via; um lençol que se

movimentava. Alguém que se fazia de fantasma. ▬ Fuja ▬ disse ele. ▬ A porta está encostada. Mas o fantasma não se mexeu. Um fantasma que respirava forte. Ele perdeu a paciência. Vibrando o punhal no ar, foi se

aproximando do ladrão. Chegou a rasgar alguns centímetros do tecido. O ladrão não estava realmente armado e não parecia ser alto e forte. Desfechou novos golpes. Foi avançando sobre ele, avançando...

▬ Não quer fugir, então vou matar você! ▬ falou, como resolução, não ameaça.

Subitamente, o lençol do fantasma voou sobre ele. Ficou com o rosto coberto e os braços embaraçados. Um forte empurrão. Caiu coberto pelo lençol. Ainda segurando o punhal. O ladrão, sobre ele, segurava-lhe a mão. Tentava reagir, mas, caído, com o rosto coberto pelo lençol e quase imobilizado pelo corpo agora bastante sólido do fantasma, era quase impossível qualquer gesto. Fazendo um esforço supremo, conseguiu espaço para vibrar o punhal. Foi quando sentiu um golpe na nuca.

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60. DE VOLTA AO PORÃO Ele não teve idéia de quanto tempo esteve desmaiado. Um

minuto, cinco, dez? O ladrão não estava mais lá. Com dores da pancada, foi esfregando a nuca até a porta da rua. Fechada. O ladrão a batera ao sair. Teria ele roubado alguma coisa? O que lhe importava? Há anos que seus pais não guardavam jóias e dinheiro em casa.

O que faria? Ficou pensativo por alguns instantes, depois decidiu que primeiro mataria Camélia e a enterraria. Mais tarde comunicaria o assalto à polícia. Que criminoso chamaria a polícia depois de matar? Perfeito. Procurou o punhal. Não estava à vista em nenhum dos cômodos. Certamente o ladrão o levara.

Mas como matar Camélia? Voltou à sala das antiguidades. Lá não havia armas de fogo. Seu pai as detestava. Encontrou outro punhal, menos valioso, mais grosseiro. Também servia. Dirigiu-se para o porão. Foi descendo as escadas. Já não refletia mais, agia.

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Parou diante da porta. O molho de chaves ainda estava com ele. Entrou no quarto.

Onde estava Camélia? Onde ela estava? No banheiro? ▬ Lia! ▬ chamou. Foi ao banheiro. A porta estava aberta e ela

não se achava lá. Ficou desesperado. ▬ Procurando por mim? Ele voltou-se. A moça saíra detrás da espessa cortina do quarto.

Mas não era... ▬ Você? A ruiva recenseadora lá estava, mordendo uma maçã. Calma. ▬ Quem era a moça que estava aqui? ▬ quis saber a ruiva. ▬ Você é uma ladra, não? ▬ Não ofenda assim as pessoas que não conhece! ▬ rebateu ela. ▬ Onde está seu comparsa? ▬ Com a moça que estava aqui. Ela é meio louca? Está

contando uma história fantástica. ▬ Como entraram aqui? ▬ perguntou, desorientado. ▬ Quando você foi buscar o copo de água, meu comparsa

entrou. Você não é nada esperto. Ele olhou a moça detidamente: ▬ Parece que estou reconhecendo você... ▬ Talvez me conheça, por fotografia. Pensei que fosse melhor

fisionomista. ▬ Disse fotografia? Uma foto de jornal? Ela arrancou a peruca ruiva. Desta vez ele a reconheceu: ▬ É a namorada daquele cara do hotel, não? ▬ Meu nome é Ângela. Muito prazer. Era demais para ele. Deu um passo à frente, mostrando o

punhal: ▬ Não sairá viva daqui! ▬ bradou, avançando para ela. Nada mais além do ódio existia nele. Foi se aproximando,

fazendo a arma vibrar em sua mão. Ângela recuou, recuou, até encostar-se à parede.

Leo e Guima entraram. O porteiro do Emperor exibiu um revólver. Mas não era para a arma que ele olhava, era para Leo, e com que ódio!

▬ Como entraram aqui? ▬ perguntou. ▬ Esqueceu que deixou a porta encostada para o ladrão fugir?

▬ lembrou-o Leo. ▬ Enquanto você enfrentava o fantasma, Guima e Ângela entraram. E Guima lhe deu um golpe na nuca. Quando desmaiou, lhe tiramos as chaves e abrimos diversas portas até encontrar esta. Depois lhe devolvemos o molho. Queríamos nos divertir um pouco.

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Alguém mais vinha entrando. Era Gino, movimentando a cadeira de rodas. Parou no topo da escada. Disse lá de cima:

▬ Viram a cova que ele preparou no jardim? Ele aproveitou a intromissão para tentar apunhalar-se. Guima,

atento, o impediu e o desarmou. ▬ Você tem de permanecer vivo para sentir como é chato ficar

preso. Logo em seguida ouviram uma voz que vinha da porta da rua. ▬ Tudo bem aí? Era Lia-Camélia, que ficara todo o tempo no carro. Ele, desarmado, permaneceu sentado numa cadeira, vigiado por

Guima, enquanto Leo telefonava para o delegado Arruda. A policia chegou depressa: ▬ Eu não queria fazer mal algum a ela ▬ disse o prisioneiro. ▬ Apenas matá-la ▬ completou Leo. Ele fez uma confissão bastante confusa: ▬ Eu me apaixonei por ela. Por isso mandava as flores. Mas ela

nunca olhava para mim... Gostava do boy do hotel. Eu não pretendia seqüestrá-la...

A saída, já algemado, ele viu Camélia cara a cara. Baixou os olhos. Ela assustou-se ao revê-lo. Nem conseguiu dizer nada. Abraçou Ângela.

▬ Devo minha vida a você e seus amigos ▬ reconheceu a moça, grata.

O delegado, que acreditara no falso pedido de resgate, e que estivera aqueles dias à espera de novo telefonema, talvez de uma quadrilha de seqüestradores, teve de dar outra vez a mão à palmatória ao grupo, embora com restrições:

▬ Deu tudo certo, mas vocês expuseram demais a vida da moça. Quando ele era posto no carro da polícia chegou uma perua de

reportagem. E pipocaram os flashes. O seqüestrador insistia: ▬ Ela que entrou no meu carro... Foi tudo uma coincidência. Eu

estava apenas querendo ver aonde ela ia. Pretendia convidá-la para um passeio.

61. OS PINGOS NOS IS O trio, juntamente com Guima, ia voltar às páginas dos jornais.

Gino declarou aos jornalistas que a idéia era desorientar o seqüestrador, acuá-lo. Começaram a acreditar que ele era mesmo o hóspede do 222 que a florista lembrou do comprador de camélias. A descrição feita conferia com ele. Depois, surgiu o cartão-postal, de Paris, que os levou ao médico e à informação de que o hóspede do 222

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era um doente em tratamento. Surgiu então a idéia de penetrarem na casa usando a estratégia do recenseamento. E se recorressem a uma recenseadora?

▬ Fiquei louca para interpretar esse papel! ▬ exclamou Ângela. Numa reunião, convidaram Víviam e decidiram dar um xeque-

mate. Já que ele não usara o gesso no braço todas às vezes, inventaram que ele fora reconhecido. Foi provocar a fera com vara curta. Um perigo.

▬ O delegado tem razão. Fomos bastante inconseqüentes ▬ reconheceu Leo.

▬ E quanto ao nome dele, que começa com Jota? Gino riu: ▬ Apenas uma confusão. Bandeira referia-se a Jorge Aragão. O

empresário nem conhecia o rapaz. Mas ele pensou que Bandeira o tinha identificado. E resolveu acabar com o professor. Isso nos deu a certeza de que um dos jotas era o seqüestrador... Jorge tinha um bom álibi e logo foi descartado.

Leo, entrevistado, referiu-se aos seus piores momentos: ▬ Foi quando me vi com ele na casa às escuras. Abria as portas

e nada de encontrar Camélia. Cheguei a pensar que tínhamos nos enganado. Foi quando dei um tropeção na cadeira. Sorte foi ter encontrado o lençol... Fantasmas não morrem. Mas sorte ainda maior foi Guima ter aparecido. Puxa!

62. AFINAL, O FINAL No dia seguinte, quando os pais dele chegaram da Europa,

ficaram sabendo de tudo. Ao ver a cova aberta no jardim, choraram. A mãe, porém, disse à imprensa:

▬ Ele é um bom rapaz, sempre foi exemplar, mas está em tratamento e não pode ser julgado pelo que fez.

Dizendo isso, ela e o marido já se articulavam para o abrandamento da pena ou que ela fosse cumprida no manicômio judiciário. O doutor Fisher fez também declaração nesse sentido.

▬ O caso já não é conosco ▬ comentou Gino. A repercussão na tevê e nos jornais foi imensa. Lia Magno deu

capa até de revista, já que era "A garota da capa". Concede mil entrevistas, sempre elogiando Leo, Ângela, Gino e Guima. E contou detalhadamente o que se passara no porão.

O modelo, contudo, não recebeu a estatueta de rainha da fotogenia nem os cinqüenta mil dólares. Comprovadamente menor de idade, foi desclassificada. O prêmio e o dinheiro couberam a Sandra Mar. Víviam ficou com o segundo lugar.

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Assim que pôde, Camélia foi visitar Bandeira no hospital. Ele prometeu inscrevê-la no ano seguinte.

▬ E até pago a passagem ▬ acrescentou. A moça se comoveu. Dele não guardava mágoa alguma. Assim, Lia Magno voltou a ser Camélia. O tio continuou de cara

fechada. Mas foi quem a levou de volta para a Bahia. Leo, Ângela, Víviam e Gino a acompanharam ao aeroporto.

▬ Mesmo sem ter ganho o troféu me sinto famosa ▬ disse. Havia um fotógrafo atento por perto. Ela sorriu para o último

flash. ▬ Fui rainha por um dia, mas valeu! ▬ disse. Minutos depois, Camélia entrava no avião. ▬ Será que ela volta no ano que vem? ▬ perguntou Leo. ▬ Com aquele tio, duvido ▬ respondeu Ângela. Tia Zula entrou no quarto do filho. Estivera lendo os jornais e

mais uma vez orgulhara-se dele. Encontrou-o diante do computador, mas com os olhos fixos numa foto de Ângela estampada em um jornal. A legenda dizia: "Fingindo-se de recenseadora ela entrou na mansão do terror". Zula, por detrás dele, ficou olhando a foto.

▬ Ela sempre sai bonita nas fotos. Por isso Jota não a esqueceu ▬ observou.

▬ É verdade ▬ concordou Gino. ▬ Você gosta muito dela, não? ▬ Quase tanto quanto Leo ▬ respondeu. E, para o

entendimento sensível de sua mãe, tudo estava dito. A campainha soou. Eram Leo e Ângela. Precisavam comemorar.

Que tal um jantar? Convidariam Guima e Víviam. Claro que Gino aceitou.

▬ Camélia disse que o seqüestrador foi influenciado por um filme ▬ comentou Ângela, depois.

Gino sacudiu a cabeça, entendendo: ▬ Qualquer coisa impressa, filmada, gravada, fotografada, o

influenciava. Sentia-se hipnotizado por imagens, manchetes, luzes, cores, símbolos... Mas...

▬ Mas o quê? ▬ perguntou Leo. ▬ Acho que Jota estava realmente apaixonado por Lia Magno.

Daí o ódio que sentia por você, primo. Você sempre perto dela, no seu gostoso trabalho. E ainda mais tendo uma namorada como Ângela. Era demais para ele.

▬ Explique melhor, primo. Gino ia tentar explicar quando olhou o monitor do computador

onde se via o gráfico de um tabuleiro de xadrez.

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▬ Há dias que está jogando essa partida contra o computador ▬ informou tia Zula.

Gino, fixando-se no tabuleiro, lenta e matreiramente, apertou uma das teclas de direção do computador. Enquanto esboçava um sorriso, o aparelho mostrou uma legenda: xeque-mate. A partida acabara.

Zula foi a primeira a perceber e abraçou-o. ▬ O que aconteceu? ▬ perguntou Leo, olhando para o

computador. Gino explicou com um orgulho que iluminou o quarto: ▬ Acabo de derrotar Mr. Richard!

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