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Serpentes do Rio Grande do Sul

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Amostra do Livro "Serpentes do Rio Grande do Sul"

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“Trata-se de uma obra sensacional que vem muito a contribuir para o conhecimento da riqueza de serpentes do Sul do Brasil, uma vez que, para querer preservar a biodiversidade, é fundamental que precisemos conhecê-la. Recomendado não somente para os estudantes e profissionais das áreas biológicas, veterinárias e da saúde, como também para todos aqueles que querem saber mais sobre a bioecologia e diversidade das serpentes.”

- Dr. Paulo Sérgio Bernarde

SUMÁRIO

POR QUE ESCREVER UM LIVRO? 12

CLASSIFICAÇÃO CIENTÍFICA DAS ESPÉCIES 13

BREVE DESCRIÇÃO SOBRE AS SERPENTES 14

TEORIA DE EVOLUÇÃO DAS SERPENTES 31

ANIMAIS CONFUNDIDOS COM SERPENTES 33

MITOS E CURIOSIDADES SOBRE AS SERPENTES 37

ESPÉCIES DE SERPENTES DO RIO GRANDE DO SUL 46

ANOMALEPIDIDAE 47

TYPHLOPIDAE 50

LEPTOTYPHLOPIDAE 52

BOIDAE 54

COLUBRIDAE 56

DIPSADIDAE 62

ELAPIDAE 126

VIPERIDAE 132

GLOSSÁRIO 140

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 141

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1. Quanto aos tipos de dentição: para que se entendam as estratégias de

caça e o motivo pelo qual algumas serpentes são peçonhentas enquanto

outras são inofensivas, é de fundamental importância conhecer os

quatro tipos de dentição. Na descrição de cada espécie do livro, estará

explícito o tipo de dentição, para melhor entendimento e assimilação do

leitor:

- Dentição áglifa (a = ausência + glyph = sulcos): quando a serpente

não possui dentes modificados e especializados para inoculação de

toxinas. Dentro dessa categoria existem variações, como a

homodonte (dentes iguais, de mesmo tamanho) e heterodonte

(dentes de tamanhos diferentes, com alguns mais alongados, que

podem ter função específica). Serpentes com esse tipo de dentição

não são peçonhentas. Alguns ofídios das famílias Colubridae e

Dipsadidae são portadores dessa dentição.

- Dentição opistóglifa (opistho = atrás): essa dentição se caracteriza

pela presença de um ou mais pares de dentes modificados na parte

posterior da maxila. Esses dentes especiais são sulcados

verticalmente, e são por essas fendas que escorre a saliva tóxica

produzida pelas glândulas de Duvernoy. Seguindo classificação feita

por Freitas (1999), consideraremos aqui as serpentes que detêm

esse tipo de dentição como sendo semipeçonhentas, isto é, possuem

peçonha, mas sua índole normalmente é dócil e raramente

conseguem morder com os dentes sulcados, uma vez que esses se

encontram mais ao fundo da boca. Algumas serpentes da família

Colubridae são portadoras dessa dentição.

- Dentição proteróglifa (protero = dianteiro): são serpentes

proteroglifodontes as espécies que apresentam dois dentes

modificados na parte anterior do maxilar. Nas Américas, os únicos

ofídios que têm esse tipo de dentição são as corais-verdadeiras, e

são os únicos dentes que elas possuem no maxilar, sendo que os

mesmos são pequenos, fixos e sulcados. Serpentes proteróglifas

normalmente mordem, não picam. Ou seja, a mordida é constante,

para garantir que as toxinas sejam inoculadas. Portanto, serpentes

de dentição proteróglifa são peçonhentas.

- Dentição solenóglifa (solen = canal): nessa dentição, as serpentes

têm um par de presas grandes e protráteis, na parte anterior da

maxila. Esses dentes são ocos e funcionam como agulhas

hipodérmicas, canalizando a peçonha diretamente para o ferimento.

Quando em repouso, as presas dobram-se para trás, ficando

paralelas ao crânio, mas movem-se à frente no momento do ataque,

devido a uma série de movimentos em ossos cranianos, como o

pterigoide, ectopterigoide e o palatino. Trata-se da dentição mais

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eficiente para inoculação da peçonha. É o tipo de dentição das

víboras, as serpentes que picam, verdadeiramente: executam o

bote, geralmente recuando em seguida, numa fração de segundo.

Portanto, as serpentes solenóglifas são peçonhentas. No Rio Grande

do Sul, são portadoras desse tipo de dentição as cascavéis,

jararacas, urutus, cruzeiras, etc.

Dentição áglifa homodonte de cobra-cipó (Chironius carinatus).

Foto: Marco Antonio de Freitas

Dentição áglifa heterodonte de falsa-jararaca (Xenodon merremii).

Foto: Marco Antonio de Freitas

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Dentição proteróglifa de coral-verdadeira (Micrurus ibiboboca).

Foto: Marco Antonio de Freitas

Dentição solenóglifa de surucucu (Lachesis muta).

Foto: Marco Antonio de Freitas

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- Enrolar a cauda: é comum observar esse mecanismo de defesa em

corais-verdadeiras. Algumas miméticas delas também o fazem.

Basicamente, a serpente enrola e levanta a cauda acima do corpo,

induzindo o predador a pensar que a extremidade levantada é a

cabeça da serpente. Dessa forma, o ofídio protege sua extremidade

vital (cabeça). Enquanto é atacado na cauda, ganha tempo para

efetuar uma fuga.

Cauda enrolada de cobra-coral (Micrurus altirostris). Foto: Arthur Abegg

- Escancarar a boca: este método visa a intimidar o agressor por

meio da exposição da mucosa oral da serpente, muitas vezes sem

chegar a morder. É realizado por diversas serpentes, entre elas as

corredeiras-do-mato (Tomodon dorsatus), a cobra d’água serrana

(Ptychophis flavovirgatus) e as boipevas (Xenodon spp.).

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FAMÍLIA

ANOMALEPIDIDAE Essa família é representada por quatro gêneros e 18 espécies,

distribuindo-se desde a América Central (Nicarágua, Costa Rica e Panamá) até

a América do Sul (Argentina, Brasil, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru e

Uruguai) (Loebmann, 2009). No Rio Grande do Sul, ocorre o gênero

Liotyphlops, com duas espécies. Os anomalepidídeos são de coloração escura,

corpo fino com aspecto comprido e cauda curta. São serpentes que não

representam perigo algum ao ser humano, pois não produzem peçonha e sua

índole é dócil.

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Liotyphlops beui (AMARAL, 1924)

COBRA-CEGA, COBRA-CEGA-PRETA

Foto: Arthur Abegg/ Três Passos - RS

ALIMENTAÇÃO: Larvas de formigas e cupins.

SUBJUGAÇÃO DE PRESAS: Deglutição da presa viva.

PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS: Dentição áglifa, não peçonhenta. Não é agressiva e sua

reação a humanos é de fuga, tentando se enterrar. Serpente completamente

inofensiva. Olhos pequenos e quase imperceptíveis, sendo úteis apenas para

diferenciar a luz da escuridão. Possui coloração negra em todo corpo, o que lhe

confere um aspecto brilhante, exceto na cabeça, que é clara, puxando para o bege.

Corpo fino e comprido, medindo cerca de 30 cm. É de hábitos noturnos e subterrâneos

(fossorial), vivendo em galerias que ela própria escava. Pode ser encontrada embaixo

de troncos, pedras, telhas e demais entulhos. Pode ser vista com mais frequência após

fortes chuvas, quando seus túneis subterrâneos são alagados e o animal é forçado a ir

à superfície. Em estudo recente sobre a diversidade de serpentes no município de São

Paulo, Liotyphlops beui foi uma das espécies mais facilmente encontradas, e os autores

acreditam que isso se deve à sua dieta, que é composta principalmente por larvas de

formigas do gênero Solenopsis (lava-pés), muito comuns na cidade (Barbo et al.,

2011). Sua reprodução é ovípara (por meio de ovos) e Barbo et al. (2011)

encontraram fêmea com sete ovos no oviduto.

DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA: Sudeste e sul do Brasil (Freitas, 2003). No Rio Grande do

Sul, ocorre principalmente na parte ocidental do estado (Lema, 2002).

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FAMÍLIA

VIPERIDAE Esse grupo é constituído por cerca de 42 gêneros e 297 espécies e teve

sua origem no Mioceno. São as víboras! Habitam quase todo o mundo, com exceção

dos polos, Austrália e Papua-Nova Guiné. O tamanho dos ofídios dessa família é

bastante variável, com a surucucu (Lachesis muta) podendo ultrapassar 3,5 metros e

havendo espécies muito pequenas, como a africana Bitis schneideri, que não ultrapassa

30 centímetros de comprimento. Recentemente, foram descritas novas espécies

asiáticas, dos gêneros Trimeresurus e Protobothrops, também de porte pequeno. As

víboras que habitam as Américas pertencem à subfamília Crotalinae. Esse grupo, os

crotalíneos, que também ocorre no leste do continente asiático, possui um aparelho

termorreceptor conhecido como fosseta loreal, que capta a radiação infravermelha

emitida por animais endotérmicos. Portanto, não são todas as víboras que dispõem de

fosseta loreal, e sim um grupo isolado dentro dessa família. A dentição dos viperídeos

é do tipo solenóglifa, a mais eficiente para inoculação de veneno. A peçonha

geralmente é bastante potente, e poucos são os animais imunes a essas toxinas.

Existem dois gêneros de viperídeos que habitam o estado: Bothrops,

que são as jararacas, e Crotalus, que é a cascavel. As víboras são de grande utilidade

por causa de seu controle de pestes, predando principalmente ratos, que são

transmissores de inúmeras doenças e destruidores de safras. Lamentavelmente, é de

consenso popular que tais ofídios sejam exterminados, devido ao fato de que possuem

peçonha e podem oferecer risco às pessoas. Porém, sabe-se que a maioria dos

acidentes ofídicos com viperídeos são causados pela própria imprudência humana,

quando são deixadas de lado regras e equipamentos de segurança básicos como luvas

e botas, muito necessários a trabalhadores rurais e pessoas do campo, e que evitariam

mais de 80% dos casos de envenenamento. Infelizmente, é preferível, à maioria das

pessoas, matar esses animais, ignorando as consequências. São sete as espécies de

víboras registradas para o Rio Grande do Sul. Entretanto, é praticamente certa a

ocorrência de outra espécie, Bothrops moojeni, pelo menos, a noroeste do estado.

Lema (com. pess.) nos disse ter recebido duas ecdises (troca de pele) da espécie,

provenientes do Parque do Turvo. Essa espécie de serpente peçonhenta também tem

ocorrência registrada para a Bacia do Paraná e para a província de Misiones, nordeste

da Argentina, que só não se conecta ao Rio Grande do Sul devido à presença do Rio

Uruguai, que, teoricamente, não é barreira para a herpetofauna.

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Bothrops diporus COPE, 1862

JARARACA-PINTADA

Foto: Arthur Abegg/ Três Passos - RS

ALIMENTAÇÃO: Anfíbios, lagartos e pequenos mamíferos.

SUBJUGAÇÃO DE PRESA: Injeção de peçonha.

PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS: Dentição solenóglifa, peçonhenta. O acidente ofídico é

grave, com o veneno causando extrema dor local, hemorragias e necrose. Em casos

raros, pode haver amputação do membro afetado ou morte. Atingem pouco mais de 1

m de comprimento. Recebemos um exemplar de Três Passos. O animal fora morto

enquanto movimentava-se, durante a noite. A serpente era robusta e media 96 cm.

Quando perturbadas, geralmente enrolam-se, agitam a cauda e assumem a típica

“posição de bote”. Cabeça triangular, notadamente destacada do corpo, com

padronagem composta de desenhos semelhantes a trapézios, de coloração marrom

sobre um fundo marrom-acinzentado. Ventre claro. Os filhotes têm a cauda branco-

amarelada e realizam engodo caudal. É muito parecida com a outra jararaca-pintada

do estado, Bothrops pubescens. Diferencia-se daquela por ter as escamas supralabiais

(escamas que contornam a parte de cima da boca) imaculadas (há exceções) e por

apresentar faixas escuras pós-cefálicas dorsais, geralmente um prolongamento do par

de manchas na parte dorsal posterior da cabeça. Essas faixas são comuns na espécie e

normalmente têm comprimento maior que o da cabeça (Silva & Rodrigues, 2008).

Possuem peçonha mais potente que a da jararaca-comum (Bothrops jararaca).

Atividade noturna e terrestre. Reprodução vivípara.

DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA: Sul do Brasil, Argentina e Paraguai. No estado, habitam a

porção norte (Silva, 2000).

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GLOSSÁRIO

As siglas de táxons seguem o proposto por Lema e Aldado-Martins, 2011:

“sp.”: Equivale à espécie. Usa-se quando não se sabe a que espécie pertence, ou é uma

espécie nova, a ser descrita ou em estudo.

EXEMPLO: Micrurus sp., sabe-se que é uma coral-verdadeira, do gênero Micrurus. No

entanto, não se sabe sua espécie.

“spp.”: São todas as espécies de um gênero.

EXEMPLO: As Bothrops spp. são peçonhentas. Isto é, todas as espécies do gênero

Bothrops são peçonhentas.

“cf.”: Usa-se para uma espécie parecida com uma já descrita, mas o autor não tem

certeza de que é ela realmente.

EXEMPLO: Philodryas cf. patagoniensis. Sabe-se que é uma serpente parecida com

Philodryas patagoniensis, que pode ser ela ou não.

“aff.”: Espécie nova, indicando-se a espécie mais parecida, que pode ser a mais

próxima.

EXEMPLO: Sibynomorphus aff. neuwiedi. Trata-se de uma espécie nova, proximamente

relacionada com Sibynomorphus neuwiedi.

“gr.”: Significa que a espécie em questão pertence a um determinado grupo de

espécies que compartilham características e são muito próximas filogeneticamente.

EXEMPLO: Taeniophallus gr. occipitalis. Indica-se que é uma serpente pertencente ao

grupo occipitalis, que comporta outras espécies com características semelhantes.