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Serra, Manual de Teoria Da Comunicação, CAP. 4, McLuhan

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J. Paulo Serra

Manual de Teoria da Comunicação

Universidade da Beira Interior2007

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bre o programa televisivo que está a passar, atendendo a chamada deum amigo no meu telemóvel, e assim sucessivamente.

4.3 Comunicação e meios de comunicação –a Escola de Toronto

Mais ou menos na mesma época em que, na sociologia da comuni-cação americana se armava o “paradigma dominante”, funcionalistae centrado na problemática dos “efeitos” das mensagens mediáticas,emergia, no Canadá, a chamada Escola de Toronto que, tendo em Ha-rold Innis e Marshall McLuhan dois dos seus principais representantes,desloca o centro de interesse dos estudos de comunicação das mensa-gens dos media – dos seus “conteúdos” e “efeitos” – para os mediapropriamente ditos.

Naquela que é geralmente considerada como a sua obra mais em-blemática, The Bias of Communication , de 1951, Harold A. Innis deixaperfeitamente clara a sua perspectiva quando arma:

Um meio de comunicação tem uma importante inuên-cia na disseminação do conhecimento através do espaçoe do tempo e torna-se necessário estudar as suas caracte-rísticas em ordem a avaliar a sua inuência no seu con-texto cultural. De acordo com as suas características, essemeio pode ser mais adequado à disseminação do conheci-mento através do tempo do que através do espaço, particu-larmente se o meio é pesado e durável e não adequado aotransporte; ou, ao invés, à disseminação do conhecimentoatravés do espaço em vez do tempo, particularmente se omeio é leve e facilmente transportável. A ênfase relativa notempo ou no espaço implicará uma orientação signicativada cultura no qual se encontra embebido.10

10 Harold A. Innis, “The bias of communication”, in The Bias of Communication ,Toronto, University of Toronto Press, 1999, p. 33.

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O que está em causa para Innis é, por conseguinte, não o meio decomunicação enquanto “meio” – mera conduta ou canal de mensagensou conteúdos indutores de determinados “efeitos” –, mas enquanto mi-lieu , forma ou estrutura conguradora do conjunto da cultura de umadeterminada sociedade. E, de forma consequente, admite-se também ahipótese de que, para uma determinada sociedade, “as vantagens de umnovo meio” se tornem tais que possam conduzir à “emergência de umanova civilização”.11 Concretizando a sua tese, Innis dá o exemplo daimprensa, que marca uma re-orientação da cultura ocidental do tempoe da duração para o espaço e a expansão (territorial):

Depois da introdução do papel e da imprensa, o mo-nopólio religioso foi seguido pelos monopólios dos verná-culos nos estados modernos. Um monopólio do tempo foiseguido por um monopólio do espaço.12

Mas a imprensa é mais do que um exemplo – é um marco. Comefeito, ela inaugura um processo que, aprofundado mais tarde com afotograa, representa o “monopólio” da visão na cultura ocidental e,com este, a ênfase no individualismo e na instabilidade:

A comunicação baseada na visão em termos de im-prensa e fotograa tinha desenvolvido um monopólio queameaçava destruir a civilização Ocidental primeiro na guerrae depois na paz. Este monopólio enfatizou o individua-lismo e, por sua vez, a instabilidade, criando ilusões empalavras fortes como democracia, liberdade de imprensa eliberdade de discurso.13

11 Innis, “The bias of communication”, ibidem , p. 34.12 Innis, “A plea for time”, ibidem , p. 64. Ainda sobre a imprensa, cf. também pp.76-77.

13 Innis, “A plea for time”, ibidem , pp. 80-81.

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Foi precisamente a necessidade de contrariar este “efeito desastrosodo monopólio da comunicação baseada na visão” que “apressou o de-senvolvimento de um tipo de comunicação competitiva baseada no ou-vido, na rádio e na ligação de som ao cinema e à televisão”, e em rela-ção à qual “o material impresso perdeu efectividade”.14 Mas a rádio e ocinema não deixaram de acentuar, com a sua procura do entretenimentoe do divertimento, a importância do efémero e do supercial que já setinha revelado como uma das inuências fundamentais da mecaniza-ção na “indústria da impressão”, e que compele esta a chegar a cadavez mais destinatários.15

E, tal como para Simmel, também para Innis a cultura moderna tema sua “tragédia” – residindo a sua origem na destruição de “um sentidodo tempo” provocada pelas “invenções no comercialismo”:

A cultura diz respeito à capacidade de o indivíduo ava-liar os problemas em termos de espaço e de tempo e de daros passos correctos no tempo certo. Foi neste ponto que atragédia da cultura surgiu, à medida que as invenções nocomercialismo destruíram um sentido do tempo.16

Não é difícil ver que – e como – as teses de Innis que acabámosde apresentar antecipam e preparam o essencial da concepção acercados media e da cultura que virá a ser a de Marshall McLuhan. Essaconcepção pode ser resumida em três armações fundamentais, todaselas desenvolvidas na sua obra Understanding Media. The Extensionsof Man , de 1964.

A primeira – e primária – dessas armações, patente logo no pró-prio título da obra mencionada, é a de que os media 17 são “extensões do

14 Innis, “A plea for time”, ibidem , p. 81.15 Cf. Innis, “A plea for time”, ibidem , p. 82.16 Innis, “A plea for time”, ibidem, pp. 85-86.17 Como se sabe, McLuhan dá a este termo um sentido tão amplo que ele inclui

não só os media propriamente ditos – os meios de comunicação – como os meiostecnológicos em geral.

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homem”. Signica isto que os media , longe de serem meros “meios”ou “instrumentos” de que o homem se serve, nomeadamente para “co-municar” uma “mensagem”, são uma espécie de prolongamento do ho-mem sobre o que o rodeia. E, ao prolongar o corpo humano, os senti-dos, os membros, o próprio sistema nervoso de uma certa maneira, cadameio acaba por congurar a “realidade” também de uma certa maneira,sendo assim, por si só e independentemente do seu “conteúdo” – que,aliás, e como observa McLhuan, é sempre um outro “meio” –, umacerta forma de conhecimento da realidade. Por conseguinte, dizermosque as tecnologias são “extensões” do homem equivale a dizermos queelas são “traduções”, maneiras de traduzirmos um modo de conheci-mento num outro, uma forma de experiência em novas formas; destamaneira, por exemplo, a “mecanização” não é senão “uma traduçãoda natureza, e das nossas próprias naturezas, em formas ampliadas eespecializadas”18 Mas se os meios são, como dizíamos, uma espéciede prolongamento do homem sobre o que o rodeia, eles também são,inevitavelmente – embora este aspecto não costume ser tão enfatizado– um prolongamento do que rodeia o homem sobre si próprio. Comefeito, contemplar, usar ou perceber qualquer extensão tecnológica denós próprios é “abraçá-la”. Ouvir o rádio ou ler o jornal é aceitar estasextensões de nós próprios no nosso sistema pessoal, e suportar os efei-tos que em nós provocam automaticamente; é relacionarmo-nos comelas como seus servomecanismos: “Um Índio é o servomecanismo dasua canoa, tal como o cow-boy o é do seu cavalo ou o executivo do seurelógio.”19 Apesar de todos os meios ou tecnologias serem “extensõesdo homem”, só com a tecnologia eléctrica, que permite a extensão doseu sistema nervoso central, transferindo as funções de conhecimentoconsciente e ordem para o mundo físico, o homem se dá plenamente

conta de que os media são extensões de si próprio, do seu corpo fí-sico; parece que tal consciência não poderia ter surgido antes de que18 Marshall McLuhan, Understanding Media. The Extensions of Man , Londres,

Nova Iorque, Ark Paperbacks, 1987, p. 56.19 McLuhan, ibidem , p. 46.

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a tecnologia eléctrica nos desse a possibilidade de um conhecimentoinstantâneo e total.20

A segunda armação de McLuhan que aqui pretendemos destacaré a de que “o meio é a mensagem” (the medium is the message ). Sobreesta sua tese diz McLuhan em Understanding Media que ela equivalea “dizer que as consequências pessoais e sociais de qualquer medium(. . . ) resultam da nova escala que é introduzida na nossa circunstânciapor cada extensão de nós próprios, ou seja, por qualquer nova tecno-logia”.21 Para ilustrar esta sua tese, McLuhan dá o exemplo da au-tomação, da electricidade, do caminho-de-ferro, do avião: todos elessão meios ou tecnologias que, independentemente da sua utilização –do seu “conteúdo” ou “mensagem” –, alteraram profundamente a so-ciedade e o indivíduo humano, de formas muitas vezes imprevisíveispara os seus criadores. O caso da electricidade é particularmente im-portante para McLuhan, na medida em que ela é “informação pura”,“meio sem mensagem” e, apesar disso, revolucionou toda a nossa exis-tência, levando, nomeadamente, à eliminação das barreiras do tempo edo espaço. A sua importância é tal que McLuhan fala, repetidas vezesao longo da sua obra, do nosso tempo como “idade da electricidade”(electric age ). Aqueles que estão preocupados com o “conteúdo” domeio e com os seus “efeitos”, e não com o próprio meio, fazem lembraro médico que se preocupa com a “doença”, mas esquecendo o doente.Aliás, McLuhan faz notar que o conteúdo de um meio é sempre outromeio: o conteúdo do cinema é a fotograa, o da novela é a escrita, etc.O essencial não é, portanto, o conteúdo do meio, mas o meio em sipróprio. Para além disso, os efeitos dos media não ocorrem ao nívelintelectual, das opiniões e dos conceitos, mas ao nível mais primáriodos sentidos, dos modos de sentir e percepcionar.22

A terceira e última das armações de McLuhan que aqui nos inte-ressa, e que perpassa não só o conjunto de Understanding Media como20 Cf. McLuhan, ibidem , 47.21 McLuhan, ibidem , p. 7.22 McLuhan, ibidem , p. 18.

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o conjunto das várias obras do autor canadiano, é a que diz que os me-dia são uma espécie de “motor da história”, que toda a história pode servista como uma evolução dos meios de comunicação– uma tese em vir-tude da qual McLuhan é visto, habitualmente, como um “deterministatecnológico”. A humanidade passará, de acordo com esta concepção,por três fases fundamentais: a “sociedade tribal”, dominada pela voze em que a comunicação envolve todos os sentidos; a “galáxia Guten-berg”, dominada pela escrita e, sobretudo pela imprensa, e em que acomunicação privilegia o olhar; e a “galáxia Marconi”, dominada pe-los media electrónicos, e em que a comunicação volta a envolver todosos sentidos, congurando uma verdadeira “aldeia global” ou “tribo pla-netária”. No início da introdução de Understanding Media , McLuhanfaz o contraste entre o nosso tempo – a “idade da electricidade” – ea época que o precedeu em termos de “explosão” versus ”implosão”:depois de três milénios de explosão, provocada pelos meios mecânicose fragmentários, o Mundo Ocidental está, há mais de um século, a im-plodir por efeito da tecnologia eléctrica. Esta permite a extensão donosso sistema nervoso central, abolindo espaço e tempo, aproximando-nos da fase nal da extensão do homem: a simulação tecnológica daconsciência.23 Ao contrair-se electricamente, “o globo não é mais doque uma aldeia”;24 a velocidade é a da luz.25 No contexto das tecnolo-gias eléctricas, os computadores representarão, segundo McLuhan, umpasso decisivo: “Tendo estendido ou traduzido o nosso sistema nervosocentral na tecnologia electromagnética, a transferência da nossa cons-ciência para o computador não é senão um estádio mais.”26 Então, aoter a possibilidade de “programar a consciência”, nós poderemos esca-par ao “entorpecimento” dos outros media . Ao traduzirmos todas asnossas vidas “na forma espiritual da informação”, o globo tornar-se-á

como que uma imensa consciência única.23 McLuhan, ibidem , pp. 3-4.24 McLuhan, ibidem , p. 5.25 McLuhan, ibidem , p. 58.26 McLuhan, ibidem , p. 60.

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