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Seu Diocir, sua arte e sua gente Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Ano 8 • nº 2022 Outubro/2014 Quixeramobim Morador do Assentamento Santa Helena, no município de Quixeramobim, no Sertão Central do Ceará, Seu Diocir é um daqueles grandes exemplos de agricultor que carrega a marca da resistência, da vontade de trabalhar e construir. Casado com a Dona Hozana, sempre viveu da agricultura, onde conseguiu criar com muita dignidade os cinco filhos. Em tempos de outrora, os últimos meses de cada ano traziam consigo a esperança de chuva para o Sertão. Os mais velhos, faziam as famosas "Experiências" que eram previsões do tempo. As profecias da chuva eram feitas a partir da análise dos sinais e dos fenômenos naturais emitidos pelo tempo, vento e pelos animais da região. As previsões dos sertanejos fazem parte da Cultura Popular do Semiárido brasileiro e são aceitas por todos até hoje: "Num desses inverno bom, eu plantei uma saca de milho pra mim tratar e era na enxada braba, num tinha negócio de máquina não, só trabalhava com os meus meninos." Relembra o Seu Diocir da época em que ele pegava pesado no roçado com a ajuda da família. A história de Seu Diocir e sua família resgata o cenário em que o sertanejo protagonizava os programas de governo no período do "Combate à Seca", com a escassez de chuvas e a falta de terra para viver e produzir, eles se submetiam a morar em fazendas onde a terra tinha dono e o fruto de todo trabalho sempre beneficiava mais ao patrão do que a própria família. A renda de toda a produção era dividida ao meio, o empregado sempre comprava os mantimentos ao próprio latifundiário e depois de tanto trabalhar, no final das contas o saldo continuava negativo para o agricultor que sempre acumulava dívidas de um ano para o outro, não podendo enxergar naquele momento outro meio de sobreviver. O Assentamento apareceu para a família como a fonte de autonomia e vida digna que sempre sonharam: "O meu filho sempre dizia, mãe, lugar de pobre é no assentamento" fala Dona Hozana, relembrando dos tempos em que trabalhavam na terra alheia: "muda muito e muda pra melhor, porque aqui o pouco que você faz é seu e quando a gente morava nas fazendas a gente trabalhava muito, que toda vida nós trabalhamos com roçado e só trabalhava pros outros, porque tudo era partido no meio e não podia criar nada" contando 11 anos de conquista da terra, onde se dedica ao que mais gosta, a criação de animais em volta de casa e no cuidado das variadas plantas medicinais.

Seu Diocir, sua arte e sua gente

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Morador do Assentamento Santa Helena, no município de Quixeramobim, no Sertão Central do Ceará, Seu Diocir é um daqueles grandes exemplos de agricultor que carrega a marca da resistência, da vontade de trabalhar e construir. Casado com a Dona Hozana, sempre viveu da agricultura, onde conseguiu criar com muita dignidade os cinco filhos. Quando perguntado sobre sua profissão, a resposta é simples: "Essa é a minha arte!

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Seu Diocir, sua arte e sua gente

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Ano 8 • nº 2022

Outubro/2014

Quixeramobim

Morador do Assentamento Santa Helena, no município de Quixeramobim, no Sertão Central do Ceará, Seu Diocir é um daqueles grandes exemplos de agricultor que carrega a marca da resistência, da vontade de trabalhar e construir. Casado com a Dona Hozana, sempre viveu da agricultura, onde conseguiu criar com muita dignidade os cinco filhos.

Em tempos de outrora, os últimos meses de cada ano traziam consigo a esperança de chuva para o Sertão. Os mais velhos, faziam as famosas "Experiências" que eram previsões do tempo. As profecias da chuva eram feitas a partir da análise dos sinais e dos fenômenos naturais emitidos pelo tempo, vento e pelos animais da região. As previsões dos sertanejos fazem parte da Cultura Popular do Semiárido brasileiro e são aceitas por todos até hoje: "Num desses inverno bom, eu plantei uma saca de milho pra mim tratar e era na enxada braba, num tinha negócio de máquina não, só trabalhava com os meus meninos." Relembra o Seu Diocir da época em que ele pegava pesado no roçado com a ajuda da família.

A história de Seu Diocir e sua família resgata o cenário em que o sertanejo protagonizava os programas de governo no período do "Combate à Seca", com a escassez de chuvas e a falta de terra para viver e produzir, eles se submetiam a morar em fazendas onde a terra tinha dono e o fruto de todo trabalho sempre beneficiava mais ao patrão do que a própria família. A renda de toda a produção era dividida ao meio, o

empregado sempre comprava os mantimentos ao próprio latifundiário e depois de tanto trabalhar, no final das contas o saldo continuava negativo para o agricultor que sempre acumulava dívidas de um ano para o outro, não podendo enxergar naquele momento outro meio de sobreviver.

O Assentamento apareceu para a família como a fonte de autonomia e vida digna que sempre sonharam: "O meu filho sempre dizia, mãe, lugar de pobre é no assentamento" fala Dona Hozana, relembrando dos tempos em que trabalhavam na terra alheia: "muda muito e muda pra melhor, porque aqui o pouco que você faz é seu e quando a gente morava nas fazendas a gente trabalhava muito, que toda vida nós trabalhamos com roçado e só trabalhava pros outros, porque tudo era partido no meio e não podia criar nada" contando 11 anos de conquista da terra, onde se dedica ao que mais gosta, a criação de animais em volta de casa e no cuidado das variadas plantas medicinais.

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Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Articulação Semiárido Brasileiro – Ceará

Realização Apoio

Foi com a chegada ao Assentamento que Seu Diocir e sua família aprenderam novas formas de viver e produzir no Semiárido. Foi então que ele começou a participar das ações do Projeto Dom Helder Câmara - PDHC, foram muitas reuniões, intercâmbios e troca de experiências entre agricultores que fizeram com que eles enxergassem que era possível: "Eu não perdia nenhuma, aprendi muitas coisas, onde eu vi coisa mais linda foi na Serra da Ibiapaba, muito maracujá, muita tomate, muito pimentão, coisa linda mesmo." Lembra Seu Diocir.

Em 2008, o Projeto de Formação pela Experimentação em Hortaliças e Frutas Agroecológicas, possibilitaram muito conhecimento e descobertas ao Seu Diocir: "A gente foi assistindo os cursos, as reuniões e foi aprendendo e ensinando alguma coisa que a gente sabia e fomos levando, o projeto parou e eu continuei aqui com os meus trabalhos"

Exemplo de consciência agroecológica e articulação, a família conseguiu algumas tecnologias sociais que facilitaria a convivência com o rico Semiárido Cearense. Eles contavam com uma cisterna de 16 mil litros conquistada através do Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC), que armazena a água utilizada para o consumo da família. Há cerca de um ano, foi a vez da cisterna calçadão, construída para auxiliá-los na irrigação das hortaliças e fruteiras do quintal produtivo. Ainda utilizam os dejetos animais, para produzir gás através do Biodigestor Sertanejo, implantado no quintal da família há cerca de quatro anos.

Dona Hozana expressa a alegria de viver no Assentamento, de criar, plantar e colher no seu pedacinho de chão conquistado através da luta dos trabalhadores e trabalhadoras por Terra, trabalho e pão. Quando perguntado sobre sua profissão e o que ela representa pra ele, a resposta é simples: "Essa é a minha arte!" completa Seu Diocir.