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5/23/2018 Sherlock Holmes
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Sherlock Holmes: deduo, induo e abduo
Regra geral, pensamos em Sherlock Holmes como um dos grandes mestres do
raciocnio lgico-dedutivo. De facto, essa vertente est sempre presente nas suas
investigaes.
No entanto, em rigor, e aprofundando mais a questo, que tipo de
raciocnio(s) deveremos considerar na resoluo de um caso tpico de Holmes?
Concluiremos que, na verdade, alm da induo e da deduo que se encontram,
sem dvida, presentes, o tipo de inferncia (raciocnio) mais utilizado por Sherlock
Holmes a abduo.
De facto, a abduo que impera em toda a busca de solues nos casos
policiais. o tipo de raciocnio que faz parte, igualmente, de toda a invest igao
cientfica.
Vale a pena lembrar o nome de quem prestou grande contributo para a
clarificao de todos estes aspectos relativos ao raciocnio: Charles Sanders Peirce(1839-1914), filsofo, cientista e matemtico norte-americano. O seu pai,
Benjamim Peirce, era um dos mais importantes matemticos de Harvard, na poca.
Dedicou grande parte da sua vida e dos seus estudos Filosofia e Lgica, sendo
conhecido, sobretudo, pela sua contribuio nestas reas.
Peirce elaborou a sua teoria dos trs tipos de inferncias no contexto da
questo dos mtodos das cincias. De acordo com ele (uma vez que o chega aafirmar), a abduo o tipo mais importante de raciocnio. A abduo importante
na medida em que, para alm de dar origem s hipteses numa investigao,
contribui para a teoria acerca da percepo, tem um papel relevante na memria e
essencial para a histria. Para alm disso, seria a essncia do pragmatismo,
entendido por Peirce como a lgica da abduo.
Que , ento, concretamente, a abduo? No esquecendo a deduo e a
induo...
5/23/2018 Sherlock Holmes
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A deduo e a induo so conhecidas como inferncias, ou seja, como o
meio pelo qual chegamos a concluir alguma coisa a partir de outra (ou outras) j
conhecida(s).
Na deduo, se conheo X, infi ro (concluo) a, b, c, d, .. . conforme os casos.
Na induo, dados e conhecidos a, b, c, d, .. . ou seja , vrios casos part iculares com
caractersticas comuns, infiro (concluo) X. A deduo um procedimento pelo
qual, um facto ou um objecto particular passa a ser conhecido pela sua incluso
num conhecimento ou numa teoria geral previamente definida e tida como certa ou
verdadeira. "Caminha", portanto, do geral para o particular. O raciocnio dedutivo
pode, no entanto, desenrolar -se tambm do geral para o geral. A induo percorre
um caminho contrrio ao da deduo: de casos particulares para uma lei, uma
definio ou uma teoria geral.
Deduo e induo possuem regras precisas que devem ser respeitadas para
que as concluses obtidas possam ser consideradas vlidas. A verdade de qualquer
concluso, numa investigao, depender da validade dos raciocnios que a ela
possam ter conduzido.
Voltando abduo, Peirce considera que, alm da deduo e da induo,existe uma terceira modalidade de inferncia, a abduo, sendo esta diversa na
medida em que no propriamente demonstrativa. A abduo uma espcie de
intuio que procede passo a passo para chegar a uma concluso. Mais importante
ainda, a abduo a procura de uma concluso a partir da interpretao racional de
sinais, de indcios, de signos. Um esprito observador extremamente importante,
j que difici lmente deixar escapar qualquer indcio que possa ter in teresse para
uma investigao. Ser com base na recolha do maior nmero de indcios ou sinaisque todo o raciocnio abdutivo poder operar. Adquirido um determinado "material"
de trabalho, a abduo sugere hipteses explicativas. Trata-se de uma actividade de
intensa imaginao e criatividade. Neste sentido, o investigador verdadeiramente
um esprito inventivo.
Charles Peirce (1839-1914)
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Eis-nos, pois, em pleno universo sherlockiano! O exemplo dado por Peirce,
para explicar em que consiste a abduo, , precisamente , o dos contos ou histrias
policiais. Refere -se ao modo como os detect ives vo recolhendo indcios ou sinais ,
com base nos quais procuram formar uma teoria explicativa para o caso que
investigam.A abduo assemelha-se intuio do artista e capacidade de
adivinhao do detective, uma vez que estes, antes de iniciarem os seus trabalhos,
contam apenas com alguns sinais, os quais lhes sugerem ou indicam pistas a
seguir... Os historiadores tambm costumam usar a abduo.
Peirce descreve a abduo como "spontaneous conjectures of instintive
reason" (instinto racional).
Diz-nos tambm:
"A abduo, no fim de contas, no seno conjectura."
E ainda:
"A sugesto abdutiva advm-nos como um lampejo. um acto de introviso
(insight), embora de uma introviso extremamente falvel."
Pode dizer-se, em sntese, que a induo e a abduo so procedimentos
racionais que utilizamos para a aquisio de conhecimentos, ao passo que a
deduo ser o procedimento racional que empregamos na verificao e
comprovao da verdade dos conhecimentos j adquiridos (por exemplo, a anlise
efectuada com vista confirmao da veracidade das hipteses). Tpico de vrias
etapas das investigaes de Sherlock Holmes, nomeadamente na recapitulao do
caso, aquando da decifrao do enigma inicialmente existente.
Tudo o que procuramos averiguar, acerca de Sherlock Holmes e do seu
brilhante criador, nos conduz a um universo fascinante: o da vida humana . Este
universo do ser humano tambm o da sua procura de compreenso e de explicao
de si e do mundo. E, neste caso, uma interpretao pode fazer toda a diferena!
Um pequeno exemplo:
" (...)- O meu amigo v, mas no observa. A diferena bvia. Por exemplo,
j viu muitas vezes a escada que sobe do vest bulo para esta sala.
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- Muitas vezes, sim.
- Quantas?
- Ora, umas boas centenas.
- Ento quantos degraus tem a escada?
- Quantos?! No sei.
- Precisamente! No observou. E, todavia, viu. Era exactamente a que eu
queria chegar. (...)
Arthur Conan Doyle, "Um escndalo na Bomia"
Ou ainda:
"(...) ele nunca se mostrava to formidvel como depois de passar dias a fio
refastelado na poltrona, a improvisar ao violino e a folhear os seus volumes em
letra gtica. Era ento que a nsia da caada o invadia de sbito e as suas brilhantes
capacidades de raciocnio dedutivo ascendiam ao nvel da intuio, at que aqueles
que no estavam familiarizados com os seus mtodos o olhavam de vis, como
algum detentor de conhecimentos inalcanveis pelos outros mortais. (...)"
Arthur Conan Doyle, "A Liga dos Ruivos"
Lgica indutiva versuslgica dedutiva
Mark SainsburyKing's College London
H uma velha tradio segundo a qual h dois ramos da lgica: a lgica dedutiva e a indutiva. Maisrecentemente, as diferenas entre estas disciplinas tornaram-se to profundas que a maior partedas pessoas usam hoje em dia o termo "lgica" com o significado de lgica dedutiva, reservandotermos como "teoria da confirmao" para abranger pelo menos parte do que se costumava chamar"lgica indutiva". Irei seguir a prtica mais recente, interpretando "filosofia da lgica" como"filosofia da lgica dedutiva". Nesta seco, irei tentar mostrar as diferenas entre as duas
disciplinas, e indicar brevemente as razes pelas quais as pessoas pensam que a lgica indutiva no realmente lgica.
[Uma] maneira de as premissas de um argumento constiturem boas razes a favor da sua concluso quando a concluso se segue das premissas. Vamos chamar "vlido" a qualquer argumento cujaconcluso se siga das suas premissas. Um teste inicial de validade o seguinte. Perguntamos: serpossvel que as premissas sejam verdadeiras mas a concluso falsa? No caso do argumento "OHenrique um dramaturgo e alguns dramaturgos so pobres. Logo, o Henrique pobre" a resposta "Sim". Mesmo que algunsdramaturgos sejam pobres, possvel que outros, talvez at a maioria,sejam ricos, e que o Henrique seja um destes outros. Em geral, um argumento vlido unicamentese for impossvel que as premissas sejam todas verdadeiras mas a concluso falsa. Poderemos ter aesperana de distinguir a lgica dedutiva da indutiva dizendo que a primeira, mas no a segunda, seocupa da validade?
Considerem-se dois argumentos que ocorrem em centenas de manuais escolares:
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1. Todos os homens so mortais. Scrates um homem. Logo, Scrates mortal. 2. O Sol nasceu todas as manhs at hoje. Logo, ( provvel que) nasa amanh.
O primeiro um exemplo cannico de um argumento classificado como vlido pela lgica dedutiva.
O segundo um argumento que no classificado como vlido pela lgica dedutiva. Contudo, olgico indutivo deve atribuir ao ltimo um estatuto favorvel qualquer. Sem dvida que as razesque as premissas do argumento 2 nos do a favor da sua concluso so muito melhores do que asrazes dadas pela mesma premissa a favor da concluso oposta:
3. O Sol nasceu todas as manhs at hoje. Logo, ( provvel que) no nasa amanh.Isto pode parecer um argumento tolo, mas aparentemente qualquer coisa como isto que d vida aalguns apostadores. A "Falcia de Monte Carlo" consiste na crena de que se o vermelho saiu vriasvezes na roleta, mais provvel que da prxima vez saia o preto. O lgico dedutivo contrasta osargumentos 1 e 2 dizendo que o primeiro, mas no o segundo, vlido. O lgico indutivo ircontrastar os argumentos 2 e 3 provavelmente sem usar a palavra "vlido", mas dizendo talvez
que 2, ao contrrio de 3, "indutivamente forte". As premissas de 2, mas no as de 3, fornecemfortes razes a favor da sua concluso.
As premissas de 1 tambm fornecem fortes razes a favor da sua concluso. Como poderemosdistinguir razes dedutivas fortes de razes indutivas fortes? Temos uma sugesto perante ns: averdade das premissas de um argumento dedutivo vlido torna a falsidade da sua conclusoimpossvel, mas isso no acontece no caso de argumentos indutivamente fortes. Outro modo decolocar esta questo : as razes dadas por um argumento dedutivamente vlido so conclusivas: averdade das premissas garante a verdade da concluso. Este modo de traar o contraste adequa-sea 1 e 2. A verdade da premissa de 2 pode tornar a conclusoprovvel, mas no a garante: no lhed certeza.
A lgica indutiva, como a terminologia da fora indutiva sublinha, tem de se ocupar de uma relaoque obtm numgraumaior ou menor. Algumas razes no conclusivas so mais fortes do queoutras. Assim, ao contrrio da lgica dedutiva, que faz uma dicotomia clara entre argumentosvlidos e invlidos, a lgica indutiva ir distinguir um contnuo de casos, no qual o argumento 2talvez fique com uma alta classificao, ao passo que o 3 fica bastante baixo.
A validade dedutiva , como dizem os lgicos, monotnica. Isto , se comearmos com umargumento dedutivamente vlido, ento, independentemente das premissas que acrescentarmos,teremos no fim um argumento dedutivamente vlido. A fora indutiva no monotnica:acrescentar premissas a um argumento indutivamente forte pode transform-lo num argumentoindutivamente fraco. Considere-se o argumento 2, que considerado um paradigma da foraindutiva. Suponha-se que acrescentamos as seguintes premissas: h um meteoro enorme que est aviajar na nossa direco; hoje noite entrar no sistema solar, onde permanecer numa rbita
estvel em torno do Sol; ir ficar entre o Sol e a Terra, de modo que a Terra ir ficarpermanentemente na sombra. Quando acrescentamos estas premissas, o argumento que resulta estlonge de ser forte. (Admiti uma certa interpretao do que quer dizer que o Sol "nasce". Seja comofor que interpretemos esta expresso, fcil encontrar premissas cuja adio enfraquea oargumento.)
Grande parte do raciocnio quotidiano no monotnico, e h incontveis casos mais realistas emais simples do que o que apresentmos. Ao comear uma investigao, a confisso de Robinsonconstitui uma razo poderosa para pensar que ele o culpado. Mas podemos muito bem mudar deopinio quanto sua culpabilidade, sem mudarmos de opinio sobre a questo de saber se eleconfessou, quando uma dzia de testemunhas independentes afirmam que ele estava a 100quilmetros de distncia, na altura do crime. Este um caso tpico em que acrescentar informaopode enfraquecer razes que, isoladamente, so fortes.
A tabela 1 resume as diferenas entre a lgica indutiva e a dedutiva que mencionmos at agora.
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Tabela 1
Raciocnio dedutivovlido
Raciocnio indutivoforte
A verdade das premissas fornece boas razes a favor daverdade da concluso SIM SIM*
A verdade das premissas torna a falsidade da conclusoimpossvel SIM NO
As premissas so razes conclusivas SIM NO
Monotnico SIM NO
As razes tm graus diferenciados de fora NO SIM*
Afirmei que nem toda a gente concordaria que a lgica indutiva seja coisa que exista realmente. Umproponente famoso de uma verso extrema desta perspectiva Karl Popper (The Logic of ScientificDiscovery, cap. 1, 1), que defendeu que o nico tipo de boa razo uma razo dedutivamentevlida. Uma consequncia desta perspectiva a ideia de que no h que escolher entre 2 e 3, se osconsiderarmos unicamente como argumentos: so ambos igualmente maus, dado que so igualmenteinvlidos dedutivamente. Popper rejeitaria por isso as respostas assinaladas com asterisco na nossatabela 1. Para Popper, no existe o objecto de estudo que procurei demarcar com a expresso"lgica indutiva"; nenhum argumento indutivo nos d boas razes; e no h diferena de grau entrea fora de "razes indutivas", sendo todas elas igualmente ms.
Um cptico menos radical quanto lgica indutiva pode conceder que h boas razes que no sodedutivamente vlidas, mas negar que haja qualquer disciplina sistemtica que merea o nome de"lgica indutiva". A reflexo sobre o papel do conhecimento de fundo no que chamamos "argumentosindutivamente fortes", como o 2, podem apoiar um tal cepticismo. A fora indutiva, como vimos,no monotnica. Logo, no se pode dizer que um argumento indutivamente forte emabsoluto: pois alguma informao de fundo possvel ir conter elementos que enfraqueceriam emmuito a concluso. Isto significa que tem de se relativizar qualquer avaliao da fora indutiva a umcorpo de conhecimento de fundo. Contudo, est longe de ser bvio como deve o projecto da lgicaindutiva tentar acomodar este aspecto, pois no nada claro como se poder especificar oconhecimento de fundo de modo a que no seja nem uma petio de princpio (afirmando, porexemplo, que tal e tal argumento indutivamente forte relativo a quaisquer corpos deconhecimento que no contenham qualquer informao que enfraquea a sua concluso), nembastante assistemtico (fazendo listas, por exemplo, de vrios corpos de conhecimento de fundo).
H pois uma base genuna (no digo que seja decisiva) para duvidar que a lgica indutiva possaaspirar ao tipo de sistematizao e generalidade atingido pela lgica dedutiva.
Um cepticismo ainda menos radical sobre a possibilidade da lgica indutiva tem a seguinte forma:h realmente um tal objecto de estudo, mas no merece chamar-se "lgica". Eis uma razo pelaqual uma pessoa pode adoptar esta perspectiva. Pode dizer-se que qualquer coisa que merea onome "lgica" tem de serformal: tal estudo ter de se ocupar da propriedade dos argumentos queresultar completamente da forma ou padro ou estrutura das proposies envolvidas. Seja o que forque "formal" queira exactamente dizer, parece sem dvida ser verdade que o que divide as pessoasque acham que os dados mostram que fumar aumenta o risco de doenas cardacas e os que achamque no, no est em causa nenhuma questo formal.
Outra forma deste tipo de cepticismo o seguinte. A lgica a priori, mas a "lgica" indutiva no;
logo, no realmente uma lgica. Considere-se o argumento 4:
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4. O Joo e o Henrique tiveram vidas bastantes semelhantes excepto o facto de o Joo nofumar ao passo que o Henrique fuma 20 cigarros por dia. Logo, mais provvel que oHenrique morra de doena cardaca do que o Joo.
Sem dvida que a interpretao dos dados estatsticos seria importante, e talvezhaja umadisciplina estatstica a priori. Mas mesmo concedendo isto, parece pelo menos defensvel que halgum material no a priorienvolvido. Se assim for, isto , se a questo de saber se um argumento ou no indutivamente forte no puramente a priori, ento a "lgica" indutiva no seria umadisciplina a priori, o que a tornaria em algo bastante diferente da lgica dedutiva.
A tabela 2 resume os vrios tipos de cepticismo sobre a possibilidade da lgica indutiva.
Tabela 2
Lgicadedutiva "Lgica"indutiva
A verdade das premissas fornece boas razes a favor da verdade daconcluso. SIM ?
Sistemtica SIM ?
Formal SIM ?
A priori SIM ?
Mark SainsburyTraduo de Desidrio Murcho.
Texto retirado da obra(Blackwell, Oxford, 1991, pp. 9-13).
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