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    OPINIO

    Armando Costa, Oduvaldo Vianna Filho,

    Paulo Pontes

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    AS INTENES DE OPINIO1

    Armando Costa, Oduvaldo Vianna Filho, Paulo Pontes

    Este espetculo tem duas intenes principais. Uma a do espetculopropriamente dito; Nara, Z Keti e Joo do Vale tem a mesma opinio a msicapopular tanto mais expressiva quanto mais tem uma opinio, quando se alia aopovo na captao de novos sentimentos e valores necessrios para a evoluo social;quando mantm vivas as tradies de unidade e integrao nacionais. A msicapopular no pode ver o pblico como simples consumidor de msica; ele fonte erazo de msica.

    A msica de Z Keti tem uma nova riqueza de variao que representa o novosambista que anda por Copacabana, canta em faculdades, participa de filmes, ouverdio e disco. A riqueza da variao da msica de Z Keti representa uma capacidade

    mais rica de sentir a realidade. A msica de Z Keti tambm tem uma nova violnciamenos ufanista e mais concreta.

    Joo do Vale descreve quase sempre uma contradio; a vontade e a fora desua gente, o amor que dedicam terra e a impossibilidade de us-la em proveitoprprio. O lamento antigo permanece, acrescido de uma extraordinria lucidez.

    Nara Leo no pretende cantar s Z Keti e Joo do Vale. Para ela, no h umexclusivo gnero de msica adaptado sua voz. Ela quem tenta se adaptar aosgneros de msica que existem e aos que surgem expressando as nossas aspiraes demaior liberdade. Nara Leo no pretende cantar para o pblico. Pretende interpretaro pblico.

    O show foi escrito junto com os trs. Primeiro foram entrevistas nasceu

    aonde? Quem Azuria? Vivia fazendo tric pro namorado, Nara? Rua da Golada,hoje rua Joo do Vale? Isso no pe no que vai dar bolo. E mais os lbuns,fotografias, cartas. A foi feita uma seleo. Um roteiro inicial. Voltamos a trabalharcom eles. Cada trecho do texto foi dito por cada um de improviso. O texto definitivoaproveita a construo das frases, as expresses, o jeito deles. Tudo era gravado, aera escrito.

    Da fomos atrs de Cartola, Heitor dos Prazeres, o pai de Cartola, dona Zica,Srgio Cabral, lton Medeiros pra ouvir em versos de Partido Alto. CavalcantiProena nos ajudou a achar os desafios mais clebres do Cego Aderaldo. JorgeCoutinho escreveu uma cena usando tudo que sabia de gria. Antonio Carlos Fontouratraduziu as letras e escreveu a apresentao das msicas de Pete Seeger. FerreiraGullar traduziu Jos Marti. Nos ensaios, Boal, Dorival Caymmi Filho, os msicos emais os trs modificaram o texto, a seqncia das msicas, etc. Opiniofoi feito maisou menos assim.

    A segunda inteno do espetculo refere-se ao teatro brasileiro. umatentativa de colaborar na busca de sadas para o problema do repertrio do teatro

    brasileiro que est entalado atravessando a crise geral que sofre o pas e uma criseparticular que, embora agravada pela situao geral, tem claro, seus aspectosespecficos.

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    Este texto constava no programa do show Opinio. Ele aparece, novamente, na verso em livro doshow [COSTA, Armando, VIANNA FILHO, Oduvaldo, PONTES, Paulo. Opinio. Rio de Janeiro:Edies do Val, 1965, p. 7-10] e no primeiro nmero do peridicoArte em revista[ano 1, n. 1, p. 58-59,jan.-mar. 1979].

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    O teatro brasileiro tinha uma tradio de teatro de autor. A criao de umrepertrio ajustado s solicitaes e inquietaes do pblico.

    Uma supervalorizao intelectual do teatro que tira sua espontaneidade, aimportao mecnica de sucessos comerciais da Europa e Estados Unidos, um fetichedo teatro internacional, uma falsa relao de subordinao entre o diretor e o atorque anula o poder criador do ator brasileiro, a transferncia das rdeas da direo

    cultural do teatro brasileiro para diretores estrangeiros (ao invs de inclu-los noprocesso geral da criao) terminaram por fazer do nosso teatro um teatro semautoria, sem deliberao, matroca. O teatro c, o pblico l.

    No estamos querendo dizer que este nosso espetculo a salvao da lavoura,nem nada disso. um caminho que inclusive tem sido experimentado FlvioRangel est inventando espetculos, o grupo Mambembe montou uma Eletra

    brasileira, o grupo da Orla faz pesquisas no repertrio da Idade Mdia, o Santa Rosaconseguiu fazer autores escreverem de encomenda.

    Alm do excelente repertrio do grupo Oficina, do grupo Deciso. Alm daspeas montadas pelo Teatro do Sete, Cacilda Becker, etc. preciso aumentar aintensidade da criao do espetculo. preciso restabelecer o teatro de autoria

    brasileira no somente o teatro do dramaturgo brasileiro o espetculo dohomem de teatro brasileiro. preciso que finalmente e definitivamente nos curvemos nossa fora e nossa originalidade.

    O show Opinio estreou dia 11 de dezembro de 1964, no teatro do Super-ShoppingCenter da Rua Siqueira Campos, numa realizao do Grupo Opinio e Teatro de

    Arena de So Paulo, com a participao de: Nara Leo, Z Kti, Joo do Vale.

    MSICOS: violo Roberto Nascimento; flauta Alberto Hekel Tavares; bateria

    Joo Jorge Vargas.

    DIREO MUSICAL: Dorival Caymmi Filho.

    DIREO GERAL: Augusto Boal.

    No dia 30 de janeiro de 1965 Suzana de Moraes substituiu Nara Leo.

    No dia 13 de fevereiro de 1965 Maria Bethnia substituiu Suzana de Moraes, comdireo musical de Geni Marcondes.

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    SHOW OPINIO

    PRIMEIRA PARTE

    APAGA-SE A LUZ DA PLATIA. SOM DE BERIMBAU.

    NARAMenino, quem foi teu mestre?

    A LUZ DOS REFLETORES SE ACENDE. ENTRA JOO DO VALE.

    JOO DO VALE (AO PBLICO)Peba um tatu. A gente caa ele pra comer. Com pimenta fica mais gostoso. Euvou cantar Peba na Pimenta.

    Seu Malaquia preparouCinco peba na pimenta

    S o povo de CampinasSeu Malaquia convidou mais de quarentaEntre todos os convidadosPra comer peba foi tambm Maria BentaBenta foi logo dizendo

    Se ard, num quero no.Seu Malaquia ento lhe disse:Pode com sem susto,Pimento no arde, no.Benta comeou a comerA pimenta era da brabaDanou-se a ardEla chorava, se maldizia.Se eu soubesse, desse peba no comia

    Ai, ai, ai seu Malaquia

    Ai, ai, voc disse que no ardiaAi, ai, t ardendo pra danAi, ai, t me dando uma agoniaAi, ai, que t bom eu sei que tAi, ai, mas t fazendo uma arrelia

    Depois houve arrasta-pO forr tava esquentandoO sanfoneiro ento me disse:Tem gente a que t danando soluando.

    Procurei pra ver quem era

    Pois no era BentaQue inda estava reclamando?

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    Ai, ai, ai seu MalaquiaAi, ai, voc disse que no ardiaAi, ai, t ardendo pra danAi, ai, t me dando uma agoniaAi, ai, que t bom eu sei que t

    Ai, ai, mas t fazendo uma arrelia

    ENTRAM EM CENA Z KETI, NARA LEO. CANTAM, BAIXO, AFINAMVIOLO. CANTAM TRECHOS ESPARSOS DE MSICAS DE JOO DO VALE E

    Z KETI.

    OS TRSSe algum perguntar por mimMeu sentido era Anabela, fia de si BalbinaPodem me prender, podem me baterEu sou o samba, a voz do morro

    L vai o danado do trem, levando Maria Fil

    DE ESTALO, A BATERIA ENTRA. OS TRS FAZEM CORO.

    OS TRSMorreu Malvadeza DuroValente mas muito considerado

    Morreu Malvadeza DuroE o criminoso ningum viuCarcar

    Pega, mata e come.

    CarcarNo vai morrer de fome.Carcar

    Mais coragem do que homem.Carcar

    Pega, mata e come !

    JOO DO VALE, COMEASOZINHOPisa na fulo, pisa na fuloPisa na fulo, no maltrata meu amor

    OS TRSPisa na fulo, pisa na fuloPisa na fulo, no maltrata meu amor

    JOO DO VALEUm dia desse fui dan l em Pedreira

    Na rua da Golada e gostei da brincadeiraZ Caxang era o tocadMas s tocava pisa na fulo

    CORO

    Pisa na fulo, pisa na fuloPisa na fulo, no maltrata meu amor

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    NARA LEOS Serafim cuchichava a MarviS capaz de jur que eu nunca vi forr miInt vov garr na mo de vovVobora meu veinho, pisa na ful

    COROPisa na fulo, pisa na fuloPisa na fulo, no maltrata meu amor

    Z KETIEu vi menina que nem tinha doze anoAgarrar seu par, tambm sair danandoSatisfeita e dizendo:Meu am, ai como gostoso, pisa na ful

    COROPisa na fulo, pisa na fuloPisa na fulo, no maltrata meu amor

    JOO DO VALEDe madrugada Zca CaxangDisse ao dono da casaNum precisa me pagMas por fav arranje outro tocadQue eu tambm quero pisa na ful

    COROPisa na fulo, pisa na fuloPisa na fulo, no maltrata meu amor

    NARA LEOMas o gozado que as meninas que danaramQuando chegaram em casa todas elas apanharam

    A mais novinha foi perguntar ao vovSe pecado pisa na fulo

    NARA LEO E Z KETI CONTINUAM O CORO

    JOO DO VALEMeu nome Joo Batista Vale. Pobre, no Maranho, ou Batista ou Ribamar.Eu sa Batista. Nasci na cidade de Pedreiras, rua da Golada. Modstia parte, arua da Golada, hoje, chamam rua Joo do Vale. Quer dizer: eu, assim com essacara, j sou rua. Moro na Fundao da Casa Popular de Deodoro, rua 17, quadra44, casa 5. Duas horas, sem encontrar ladro chega l. Tenho duzentas e trintamsicas gravadas, fora as que vendi. De quinhentos mil ris pra cima j vendimuita msica. Acho que as que so mais conhecida do povo so as msicas maisassim s pra divertir. Elas interessam mais aos cantores e s gravadoras. stocar, j sair cantando. Tenho outras msicas que so menos conhecidas, umas

    que nem foram gravadas. Minha terra tem muita coisa engraada, mas o quetem mais muita dificuldade pra viver.

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    Z KETIMeu nome Jos Flores de Jesus. Sou carioca, de Inhama. Tenho 43 anos, soupai de filho. Moro em Bento Ribeiro. Uma hora de trem at a cidade. Trabalhono IAPETC, lotado na Av. Venezuela, nvel oito. Oitenta contos por ms. Querdizer natal sem peru. Vida de sambista vou te contar. Passei oito anos em

    estdio de rdio, atrs de cantor, at conseguir gravar minha primeira msica.O samba A voz do morro eu sou o samba eu j tinha ele fazia sete anosna gaveta. A, ele teve mais de 30 gravaes. At o Carlos Ramirez, o Granada,gravou ele. O dinheiro que ganhei deu pra comprar uns mveis de quarto estilofrancs e comi trs meses de carne. Dava pra ir na feira nos domingos e trazer acesta cheia de compras.

    COROEla come dois quilos de carne por diaMeu Deus, que horror!Mas na hora da coisa

    Ela fica com coisaE no que amor.

    NARA LEOMeu nome Nara Lofego Leo. Nasci em Vitria mas sempre vivi emCopacabana. No acho que porque vivo em Copacabana s posso cantardeterminado estilo de msica. Se cada um s pudesse cantar o lugar onde viveque seria de Baden Powell que nasceu numa cidade chamada Varre e Sai? Andomuito confusa sobre as coisas que devem ser feitas na msica brasileira mas voufazendo. Mas mais ou menos isso eu quero cantar todas as msicas queajudem a gente a ser mais brasileiro, que faam todo mundo querer ser mais

    livre, que ensinem a aceitar tudo, menos o que pode ser mudado. 2

    Z KETI E JOO DO VALEMulher que fala muitoPerde logo o seu amor3

    2 [fala de MARIA BETHANIA, aps a substituio]: Meu nome Maria Bethnia Viana TelesVeloso. Tenho esse nome de latifundiria baiana mas sou baiana s. Tenho 18 anos, no consigosair do ginsio por causa da matemtica. Sou filha de um bom sujeito, funcionrio do Correio,eu e mais oito irmos [...] Agora sou cantora, mas at os 12 anos eu era meia esquerda do timede Santo Amaro, onde nasci. Uma amiga minha na Bahia, me procurou: -- Berr, querem quevoc v pro Rio correndo substituir a Nara Leo. Eu disse sei, minha filha, mas no possvel,tambm me chamaram de Nova Iorque pra substituir a Ella Fitzgerald mas... verdade,Bethnia. Era verdade, sim. Ai fui consultar o meu grupo. Ns somos um grupo jovenscantores, compositores, msicos. Queremos fazer na Bahia o que se faz em todo o Brasil cantar nossas filosofias e nossas esperanas. Ento um do grupo me disse, como bom baiano , que felicidade! Voc deve ir, Bethnia. No voc quem foi convidada, foi o nosso grupo, foi otrabalho que a gente j fez. Voc vai l, mostra que a Bahia tambm est na jogada e volta.Porreta. Assim eu topei. Estou aqui em nome da Bahia, em nome do meu grupo pra dizerque Opinio na Bahia (fala com sotaque) se diz Opinio, mas a mesma. Nosso grupo j faziasamba e cantava e ia ouvir samba de roda mas depois Zicartola, do Z Kti, do Joo do Vale,da bossa nova ns resolvemos tambm cantar da Bahia para o mundo.

    3Trecho de Maria Moita, de Vincius de Moraes e Carlos Lyra.

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    OS TRSSamba, samba, samba tudo o que lhe posso oferecerFoi o que aprendiNo tive professor

    Eu troco um samba por um beijo seu, meu amor

    O CONJUNTO PRA O INSTRUMENTOS E TODOS COMEAM A BATERPALMAS MARCANDO O RITMO PARA PARTIDO ALTO

    OS TRSO samba bom

    Batido na moO samba bom

    Batido na mo

    Z KETIMulher que casar comigoTem duas coisas pra escolher

    Apanhar quando mereceE apanhar sem merecer

    COROO samba bom, etc.

    NARA LEOPartido Alto. Versos de improviso recolhidos com a ajuda de Cartola e Heitordos Prazeres.

    JOO DO VALEMenina se queres vamosNo te ponhas a imaginarQuem imagina tem medoQuem tem medo no vai l

    CORO

    O samba bom, etc.

    NARA LEOFui batizadaNa matriz da CascaduraQuem bom j nasce feitoQuem bom no se mistura

    CORO piau

    Pula por cima do pau, piau

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    Z KETIMenina, casa comigoQue eu sou bom trabalhadorCom chuva no vou roa

    E com sol tambm no vou

    CORO piau

    Pula por cima do pau, piau

    JOO DO VALEArranjei uma crioulaQue era o suco da belezaTodo o dia ele me davaCinco mangos pra despesa

    REFRO

    X, x, barataDas cadeiras da mulataX, x, barataDas cadeiras da mulata

    Z KETIPreto no vai para o cuNem que seja rezadorPreto cabelo de espinhoVai espetar Nosso Senhor

    REFROX, x, barataDas cadeiras da mulataX, x, barataDas cadeiras da mulata

    JOO DO VALETava jogando baralho

    Na porta do cemitrioTodo mundo tava rindo

    S o defunto tava srio

    REFROX, x, barataDas cadeiras da mulataX, x, barataDas cadeiras da mulata

    NARA LEOEu vou-me emboraEu no quero mais voc

    Vou lhe jogar no mato

    Pra macaco lhe comer

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    REFROAdeus, ; adeus ;A dona da casa, adeus Adeus, ; adeus .

    Z KETIQuem tiver mulher bonita

    REFROAi, ai, ai

    Z KETITraga presa na corrente

    REFRO

    Ai, ai, ai

    Z KETIEu tambm j tive a minha

    REFROAi, ai, ai

    Z KETIJacar passou o dente

    REFROAdeus, ; adeus ;A dona da casa, adeus Adeus, ; adeus .

    Z KETINo meu tempo, quando comecei a frequentar o samba, o samba era mais duro.Davam pernada pra valer. Muitas vezes s terminava com a polcia, quando apolcia entrava na pernada tambm.CANTA

    Din, din, din

    Querem me matar meu DeusDeixa o bobo cairDeixa o bobo cair que ele bom caidor

    Hoje tem pouco samba duro. Invs de pernada a gente s encosta a perna prooutro entrar no samba.

    JOO DO VALEEu tambm sempre gostei de msica. Em Pedreiras, pra ouvir msica era na

    banda ou ento no nico rdio da cidade do seu Zeca Arajo que por sinalvendeu umas vacas pra comprar um rdio. E eu fazia msica sobre tudo. At

    sobre morcego. Sabe como morcego? Ns caamos um e abrimos o bicho:

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    feito palmito, feito cebola. Vai tirando uma camada tem outra e mais outra esquisito. E eu fiz essa msica:

    O homem o rei dos animaisA mulher a rainha da beleza

    Atravs da cincia tudo fazEngrandece a terra e a naturezaFaz um moiode ferro avoarMata e cura a prpria humanidade

    Mas tem coisa pequena nesse mundoQue desafia a cincia de verdadeT aqui uma que causa confuso

    A cincia no d explicaoSe morcego ave ou animalE como que feita a gerao

    Mata um, tem outro dentro deleDentro dele tem outro menorzinhoProcurando com jeito ainda encontraDentro do outro um outro morceguinho

    Mas a coisa que mais ficou gravada na minha memria desse tempo foi onegcio do aralm. Quando o rio Mearim enche, d sempre a sezo, febre deimpaludismo. L em casa, meu av estava com a sezo. Ele era bem velho, tinhasido escravo. O remdio que cura a febre o aralm. dado pelo governo. Mas,chega l, os chefes polticos do pra quem cabo eleitoral deles. Eles vo etrocam o aralm por saco de arroz. Lembro que muita gente fez isso. Muita

    gente. Ficou marcado isso em mim, ver um saco de arroz que custou seis mesesde trabalho capinando, brocando, ser trocado por um pacotinho com duasplulas que era pra ser dado de graa.

    NARA LEOVambor and4Que a terra j secou

    Borand borandQue a chuva no chegou

    Borand

    J fiz mais de mil promessasRezei tanta oraoDeve ser que eu rezo baixoPois Meu Deus no ouve, noVou me embora, vou chorandoVou me lembrando do meu lugar

    Mas vamborand, etc.

    Quanto mais eu vou pra longeMais eu penso sem parar

    4Borand, de Edu Lobo.

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    Que melhor partir lembrandoQue ver tudo piorar

    BorandQue a terra j secou

    Borand

    borandQue a chuva no chegouBorandQue a chuva no chegou

    BorandQue a chuva no chegou

    Borand

    Quando eu tinha doze anos eu ganhei um violo. Eu era muito mais tmidanaquela poca. Chorava, me escondia atrs do sof. Me convidavam pra tocar

    violo, eu fugia. No ia praia e morava na Avenida Atlntica. Depois, maistarde, arranjava sempre um namorado. E ficava tocando violo e fazendo tric.Estava sempre fazendo um suter prum namorado. Mais tarde um pouco tiveuma amiga que aprendia ballet expressionista, xilogravura, cultura inglesa,aliana francesa, tnis no Fluminense, cientfico, estava comeando cermicacom um professor espanhol, fazia pesca submarina, montava na Hpica, e iacomear um curso de economia poltica e zen-budismo assim que terminasse ode dico. Eu fazia s ballet expressionista, xilogravura, pesca submarina e tric. a melhor maneira de no fazer coisa nenhuma. S violo, o resto eu no faziadireito. A eu comecei a colecionar apelido: caramujo, belinda, vassoura,

    jacarezinha do pntano, Greta Garbo, Bernada Eremita, bobina, Gruta da

    Imprensa, testemunha.

    Z KETIEsse negcio de apelido, sabe por que que eu me chamo Z Kti? o seguinte:quando minha me ficou sozinha pra me sustentar ela foi ser empregadadomstica. E no arranjava emprego comigo. Ento ela me deixava na casa deuns parentes, numa avenidinha. Eu ficava na janela vendo os outros garotos

    brincar. Ficava empinando papagaio da janela. Parece filme italiano, n? A,minha me voltava e eles diziam pra ela o Z ficou quietinho. Ih, como o Z quietinho. Olha o Z Quieto. Z Quietinho, Z Quieto, acabou Z Kti. A, eucomecei a escrever com K, que estava dando sorte Kubitschek, kruchev,

    Kennedy. Mas agora, meus camaradinhas, acho que a sorte michou. Michou.

    JOO DO VALEO apelido mais engraado que eu me lembro Joo Piston. Joo Piston tinhaesse apelido porque ele estava do nosso tamanho, uns onze anos, da nossacurriola e chupava o dedo.IMITA COMO .A, ficou Joo Piston. Sempre firmeno piston. Mas apelido de lascar o cano mesmo quem punha era o Cego

    Aderaldo. L no Maranho, todo mundo sabe seus versos de cor.

    Negro s um monturoMolambo rasgado

    Cachimbo apagadoRecanto de muro

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    NARA LEONegro sem futuroPerna de tioBoca de poro

    Camisa de saiaTe deixo na praiaEscovando urubu.

    NARA LEO E JOO DO VALE PREPARAM-SE PARA UM DESAFIO.

    PLAY BACKDe Manuel Cavalcanti Proena, romancista, crtico literrio e estudiosoda literatura popular brasileira: O desafio chega ao Nordeste nascaravelas. O baio nasce da viola dos cantadores. O desafio que vo ouviragora um famoso desafio entre o Cego Aderaldo, cantador cearense, e

    Z Pretinho, do Piau. Esse quase lendrio desafio deu-se na cidade deVarzinha, no Piau, em 1916 e rendeu na poca 80 mil ris.Aproximadamente 300 contos hoje em dia. Quase toda a Cida presenciouum dos mais famosos desafios de que se tem notcia. Note-se que nosdois ltimos versos cada cantador prope um trava-lnguas que deve serrepetido pelo adversrio.

    JOO DO VALECego, minha toada Um trabalho garantido

    Pra voc cantar mais eu

    Precisa ser aprendidoQueira Deus me acompanheAi, Ai, ui, uiPra cantar nesse gemido

    NARA LEOSe gemer for cantoriaVoc bom cantador

    Pois gemes perfeitamenteNo gemido tem valorMas o povo nordestino

    S geme com grande dor

    JOO DO VALEEu vou mudar de toadaPra uma que meta medoNunca encontrei um cantorQue desmanchasse esse enredo:

    um dedo, um dado, um dia um dia, um dado, um dedo

    NARA LEO

    Z Preto, esse teu enredoTe serve de zombaria

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    Tu hoje cega de raivaO diabo teu guia:

    um dia, um dado, um dedo um dedo, um dado, um dia.

    JOO DO VALECego, respondeste bemComo que tivesse estudado

    Eu tambm da minha parteCanto verso aprumado:

    um dado, um dedo, um dia um dia, um dedo, um dado.

    NARA LEOVamos l, Jos PretinhoQue eu j perdi o medo

    Sou bravo como leoSou forte como penedo: um dedo, um dado, um dia um dia, um dado, um dedo

    JOO DO VALECego, agora puxe uma

    Das tuas belas toadas.

    NARA LEOAmigo Jos Pretinho,

    No sei que hei de cantarS sei que depois da lutaO senhor vencido est:Quem a paca cara compra,

    Paca cara pagar!

    JOO DO VALEEu estou me vendo apertadoQue s um pinto no ovo

    Esse cego velho danadoSatisfazendo esse povo

    Cego, se no for massadaRepita a paca de novo.

    NARA LEODigo uma, digo dezNo cantar no tenho pompaPresentemente no achoQuem hoje o meu mapa rompa:

    Pagar a paca caraQuem a paca cara compra.

    JOO DO VALECego, teu peito de ao

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    Foi bom ferreiro quem fezPensei que o cego no tinhaNesse verso rapidez:Cego, se no for massada

    Repita a paca outra vez.

    NARA LEOArre com tanta massadaDesse preto capivaraNo h quem cuspa pra cimaQue no lhe caia na cara:Quem a paca cara compra

    Pagar a paca cara.

    JOO DO VALEDemore cego Aderaldo

    Cantarei a paca jTema assim s um burregoNo bico de um carcarQuem a paca...[SE ATRAPALHA NOS VERSOS FINAIS...]

    Z KETIMoro longe l na Zona NorteE trabalho no centro da nossa cidadeLeio todos os jornais da manh e da tardePara estar a par das novidades.

    Foi o jornal que disseQue morrem 500 crianas por diaEu digo o que leio, no digo o que vejoPorque o que vejo no posso dizerEu acho que a infncia precisa viverEu acho que a infncia precisa viverFoi o jornal que disseQue a vida subiu 400 por cento

    Eu digo o que leio, no digo o que vejoPorque o que vejo no posso dizerEu acho que o povo precisa comer

    Eu acho que o povo precisa comerFoi o jornal que disseQue tem mil escolas pra lecionar

    Eu digo o que leio, no digo o que vejoPorque o que vejo no posso dizerEu acho que o povo precisa estudarEu acho que o povo precisa estudarFoi o jornal que disseQue 99, que 99, que 99 por cento do povo

    No passa nem na porta da faculdadeQue s 1 por cento pode ser doutor

    Coitado do pobre, do trabalhadorCoitado do pobre, do trabalhador

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    JOO DO VALEDe Fortaleza eu escrevi uma carta pra meu pai. Perdo, pai, por ter fugido decasa. Mas tambm no tinha outro jeito, pai. Pedreiras no d pra gente viverfeliz. No pedi licena porque conheo o senhor: muito pegado com os filhos,no deixaria eu sair de casa s com quatorze anos. Estou em Fortaleza. Sou

    ajudante de caminho. Ganho duzentos mil ris por ms mas acho certo que nofico aqui. Vou pro sul, pai. Todo mundo ta indo. Diz que l quem sabe melhora.Os meninos que terminaram o quinto ano vo pra Marinha, pra Aviao. Eu stinha at o segundo, no deu pra ir pra Marinha. Mas no quero mais ficar

    vendendo banana, vendendo pirulito em So Lus.

    NARA LEO, CANTA BAIXOPirulito enroladoNo papel enfiadoPapai eu choroMame eu grito

    Me d um tostoPra comprar um pirulito

    JOO DO VALEJuntei setenta mil ris, pai. Vou arriscar minha sorte. Quem sabe dou certo. Seifazer verso. Lembrana a Duda, Deouro, Rafael, Leprinha, Joo Pisto.Lembrana a Tia Agda, Tia Pituca, Tia Palmira. Peo que o senhor me abenoe.Pea a mame pra rezar por mim. No sei quando vejo o senhor de novo, masum dia , se Deus ajudar, a gente se v.

    NARA LEOGlria a Deus, Senhor nas altura5e viva eu de amarguranas terra do meu senhor ...

    Carcar pega, mata e come.Carcar no vai morrer de fome.Carcar mais coragem do que homem.Carcar pega, mata e comeCarcar...

    L no serto um bicho

    que avoa que nem avio um pssaro malvadotem um bico volteadoque nem gavio.Carcarquando v roa queimadasai voando e cantandoCarcar...vai fazer sua caada !Carcar...

    5 Missa Agrria [Trecho da pea musical de Carlos Lyra Gianfrancesco Guarnieri]; Carcar[Joo do Vale Jos Candido]

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    come int cobra queimada !Mas, quando chega o tempo da invernadano serto no tem mais roa queimada.Carcar mesmo assim no passa fomeos borrego que nasce na baixada...

    Carcar pega, mata e come.Carcar no vai morrer de fome.Carcar mais coragem do que homem.Carcar pega, mata e come !Carcar malvado, valento, a guia de l do meu serto.Os borrego novinho no pode and

    Ele pega no imbigo int matCarcar

    Em 1950, havia doismilhes de nordestinosviviam fora de seusestados natais. 10% dapopulao do Cearemigrou, 13% do Piau,mais de 15% da Bahia,17% de Alagoas...

    Em 58, quarenta quilos deguas marinhasbrasileiras foramoferecidas RainhaElizabeth. Em 60, o Brasilpassou primeira linha nafabricao mundial decosmticos. Em 62, Dennerfoi premiado na feirainternacional de New York.Em 64, o Brasil passou afabricar o puro tergal.6

    Carcar pega, mata e come.Carcar no vai morrer de fome.Carcar mais coragem do que homem.Carcar pega, mata e come!

    Z KETIA nega mandou fazerUm tal de vestido tubinho

    E mandou pintar a leoUma flor na altura da barriga

    Eu no gostei, quis brigar.

    Dessa moda eu no gostoEu j disse que no queroE pra ser muito sinceroVou dizer uma verdade

    que os homens de hoje em diaVo olhar pra flor da nega

    E a flor vai virar saudade.

    6Versos falados por Maria Bethnia, sob ao da Censura.

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    Voc no pode largar os estudos, no! Tem 13 anos, no pode largar os estudos!Vou largar, sim. Esse ano, largar o ano que vem, qual a diferena? Sei, prafazer msica, no ? . Vou trabalhar mas quero ser artista. Isso de ficar

    batendo caixa de fsforo na esquina no coisa de artista, no. coisa devagabundo. Eu queria que voc estudasse Odontologia! Ah, eu no ou pra esse

    negcio de dentista, no. A, eu me mandei de casa. Fiquei mais de um ano aoDeus dar. Dormi muito na Estao de Engenho de Dentro e Deodoro. Eudormia, a toda manh, quando eu acordava, meus bolsos estavam do lado defora, e tinha uma poro de papel no cho. que os gatos, os laras, toda asanta noite me passavam uma revista e s encontravam letra de samba no meu

    bolso. A, largavam tudo no cho. Comia na casa dos amigos, s vezes nocomia, ficava no ora veja. Naquele meio eu conheci muito malandro, muitomaconheiro. Maconheiro queria que eu fumasse. Eu, pra no passar por otrio,dizia que j tinha fumado, e ia ficando por ali.

    NARA LEO

    Oi, poeta, t de touca? VEM FUMANDO

    Z KETINo, meu trato, tenho um apontamento com uma nega.

    NARA LEOAh, vai pra Caxias, tirar seu coquinho?AO PBLICO. Isso de ir pra Caxias, no onda, no. O Caubi Peixoto a, at hoje, est sempre esperando uma neguinhapra levar pra Caxias.

    Z KETI

    Pi, que isso, Boa Roupa? Olha minha barra.

    NARA LEOFica vontade, meu trato, bem baseado. OFERECE O CIGARRO.Toma. D umapuxada.

    Z KETIJ peguei.

    NARA LEOPegou de grota. Toma. Manda pra cuca. PE O CIGARRO NA BOCA DE Z

    KETI. No tou te cobrando nada, ainda fica de onda?

    Z KETIBrigado mas j peguei camaradinha. Agora mesmo com o Praga de Me e oCoisa Ruim. T doido, doido.

    NARA LEOQue nada, deixa eu ver o olho. OLHA O OLHO DE Z KETI. Nem t vermelho!

    Z KETI, meu camaradinha, no fica falando em vermelho, no, que vermelho t fora

    de moda. Fora de moda.

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    NARA LEOT, tu no de nada, papo careca. TOM. Tem que fumar a erva pra ircarregando, meu trato. S assim a gente no pensa em meter a mo. METE A

    MO NO BOLSO DE Z. Falar em meter a mo, me adianta uma nota a.

    Z KETIT duro. Duro. Agora sou da linha dura!

    NARA LEOTIRA PAPIS DO BOLSO DE Z.Eu sou o samba, samba. S letra de samba, ,Caubi? Letra de cmbio d mais.L... Se algum perguntar por mim, diz que fuipor a...? Que recado esse meu trato? Diz que fui por a, no da o endereonem nada? Ningum vai te achar. Tchau, Caubi. Se a justa d as caras, diz quefui por a...SAI.

    Z KETI

    O morro sorri a todo momentoO morri sorri mas chora por dentroQuem v o morro sorrindo

    Pensa que ele felizCoitadoO morro tem sedeO morro tem fomeO morro sou euUm favelado.O morro sou euUm favelado.

    Z KETIA Dina subiu o morro do PintoPra me procurarNo me encontrando foi ao Morro da FavelaCom a filha da Estela

    Pra me pertubarMas eu estava l no morro de So CarlosQuando ela chegou

    Fazendo escndalo, fazendo quizumba

    Dizendo que levou meu nome pra macumba,S porque faz uma semana que eu no deixo uma granaPra nossa despesaEla pensa que a minha vida uma belezaEu dou duro no baralho pra poder viver.A minha vida no mole, noEntro em cana toda hora sem apelaoEu j ando assustado e sem paradeiroSou um marginalBrasileiro!

    BATUCADA. OS TRS SAMBAM. PARA DE ESTALO.

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    NARA LEODiz um A-Ave MariaDiz um B-brandosa e belaDiz um C-cofrin de graa

    um D-divina estrelaEsperana nossa

    NARA CONTINUA CANTANDO BAIXO.

    JOO DO VALEIsso ai uma incelena com as letras do alfabeto. Incelena msica que secanta em velrio. Vem rezadeira famosa, de longe, pra cantar incelena. Temcachaa, bolo de fub, p de moleque. Morte coisa de todo dia. comum,quando algum da famlia est doente, chega um outro e pergunta como ?quando que sai os doces? Viajando no caminho, quando a gente via luz de

    lampio acesa numa casa de madrugada, podia contar era velrio. De longe seouvia a cantoria.

    NARA LEOMe dos mortaisNuvem do brilhoOrai por ns

    Por nossos filhosDiz um M me dos mortaisDiz um N nuvem do brilhoDiz um O orai por ns

    E um P por nossos filhos.

    Joo Cabral de Melho Neto:Como aqui a morte tanta

    S possvel trabalharNessas profisses que fazemDa morte ofcio ou bazarS os roados da morteCompensam aqui cultivar

    Simples questo de plantarQue a morte de que se morre

    De velhice antes dos vinteDe fome um pouco por dia.

    Diz um U nica sadaDiz um V vital fecundoDiz um X x dos mistriosE um Z zelai o mundo.

    COROTe entrega Corisco

    Eu no me entrego no

    No sou passarinhoPra viver l na priso

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    No me entrego a tenenteNo me entrego a capitoS me entrego na morteDe parablum na moO serto vai virar mar

    E o mar virar serto.7

    que eu sou chofer de caminho que eu sou chofer de caminho

    JOO DO VALESer chofer de caminho l no Norte importante. Tem mais dinheiro. Feitomarinheiro quando chega na Praa Mau. Mulher assim. Chega na cidade,tocando buzina, quatro, cinco buzina. Fon, fon, fon, fon, fon. Chegou a turma doleo. A gente vai nas festas sujo de graxa e leo pra todo mundo saber choferde caminho. Tocou uma buzina, mulher no apareceu na porta, essa no tem

    roupa. E mulher s pode dizer quatro coisas Valha-me Nossa Senhora do BomParto; x, galinha; entra pra dentro, menino; e acuda vizinho que meu marido tme matando. Dois anos num caminho, dormindo na boleia. Vi gente sovinargua. Muita gente. Pedia gua. No dava. Quando acontece seca, no seca de

    jornal, ento muita gente sovina gua.

    Ouricuri madurou sinal que arapu j fez melCatingueira fulorou l no sertoVai cair chuva a granel.

    Arapu esperando

    Ouricuri madrucerCaatingueira fulorandoSertanejo esperando chover.L no sertoQuase ningum tem estudoUm ou outro que l aprendeu ler

    Mas tem homem capaz de fazer tudo doutorQue antecipa o que vai acontecer.Caatingueira fulora vai chover

    Andorinha voou vai ter veroGavio se cantar estiada

    Vai haver boa safra no serto.Se o galo cantar fora de hora mulher dando o fora pode crerAcau se cantar perto de casa agouro algum que vai morrer.So segredos que o sertanejo sabeE no teve o prazer de aprender ler

    EMENDA

    7Trecho de Deus e o Diabo na terra do Sol, de Srgio Ricardo/Glauber Rocha.

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    Coronel Antonio BentoQuando fez casamento

    Da sua filha MariEle no quis sanfoneiroFoi no Rio de Janeiro

    Convidou Ben Nunes pra tocarO l, r, l rO l, r, l r

    Nesse dia BodocTodo mundo que mora por ali

    Nesse dia no pode arresistirQuando ouvia o toque do piano

    Se alegraram e saram requebrandoInt Z Macaxeira que era o noivoDanou a noite inteira sem pararQue costume de todos que se casam

    Ficar doido pra festa se acabarL pras tantas Ben se enfezouE tocou um tal de roque a rollOs matutos caram no salo

    No queriam mais xote nem baioE que briga se eu falasse de xaxadoFoi ai que eu vi que no sertoTambm tem matuto transviadoO l, r, l r

    Nesse dia Bodocfaltou pouco pra virar.

    OS TRSEu sou o sambaA voz do morro sou eu mesmo, sim senhorQuero mostrar ao mundo que tenho valor

    Eu sou o rei do terreiros.

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    SEGUNDA PARTE

    NARA LEO

    If had a hammerId hammer in the morningId hammer in the eveningAll over this land

    Essa uma msica de Pete Seeger, que conhecida no mundo inteiro, cantadapelo Trini Lopez. Eu nunca tinha prestado ateno direito na letra, porque eraum surfe a gente tem mania que surf pra danar. Mas diz mais ou menosassim se eu tivesse um martelo, um sino e uma cano eu os usaria de manh,de noite, em toda essa terra. E eu tenho um martelo, um sino e uma cano. omartelo da justia, o sino da liberdade e uam cano que fala de amor entre

    todos os homens da terra.

    Its the hammer of justiceIts the Bell of freedomIts the song about loveBetween the brother and sistersAll over this land.

    Pete Seeger um cantor e compositor que percorre os Estados Unidosrecolhendo msicas que o povo est cantando. So chamadas canes deprotesto. Protest songs. Pete Seeger apresentou-se no Carnegie Hall, no dia 5 de

    junho de 1933, cantando Protest Songs. Esse twist de Birmingham e diz euno tenho medo de sua cadeia porque eu quero minha liberdade agora.

    Z KETIEu ouvi esse disco na casa de Nara. Primeiro eu achei chato, que o cara canta emingls e eu estou por fora. Mas ai traduziram. Ia ter uma manifestao de ruacontra a segregao. Ento um pastor reuniu todo mundo na igreja e disse olha, vocs andem na fila em silncio. Se a turma xingar, vocs aguentam, ficamandando. At chegar a polcia. Ai vocs podem comear a cantar. Ento elesforam pra rua. Dali a pouco chegou a polcia. Todo mundo em cana.

    NARA LEOI aint scared of your jailCause I want my freedom

    I want my freedom nowI want my freedom now

    Pete Seeger no canta s msicas americanas. Uma das msicas maisaplaudidas no Carnegie Hall foi Guatanamera, com letra de Jos MArti. JosMarti foi um revolucionrio cubano do sculo passado, um dos maioresescritores da lngua espanhola, escreveu mais de 70 livros. Esse um dos seusltimos poemas, escrito ao voltar do exlio, pouco antes de morrer. O povo fez,

    de sua poesia, uma cano.

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    GuantanameraGuajira guantanameraGuajira guantanameraYo soy um hombre sincero

    De onde cresce la palma

    Antes de morir me quieroEchar mis versos del alma.Guantanamera, etc.

    Mi versos s de um verde claroE de um carmim encendidoMi verso s um ciervo heridoQue busca em el monte amparoGuantanamera, etc.

    O ltimo verso diz: Com los pobres de la tierra...

    Com os homens pobres da terraQuero minha vida arriscarO fio de gua da serraMe comove mais que o mar

    O refro Guajira Guantanamera quer dizer: Camponesa do Guantnamo!

    Guantanamera, etc.Com los pobres de la tierraQuiero yo mi suerte echar

    El arroyo de la sierra

    Me complace mas que el mar.Guantanamera, etc.

    A LUZ ESCURECE. ENTRA PLAY BACK.

    PLAY BACKDe Nelson Lins de Barros, compositor e crtico: A partir de 1940, com oincremento do rdio e do disco, chegam ao Brasil em grande quantidade asmsicas estrangeiras. mais barato para as companhias gravadoras vender ums tipo de msica no mundo todo. Para isso as msicas precisam serdespersonalizadas. At hoje, o que h de pior na excelente msica americana

    que disputa o nosso mercado. Naquela poca virou mau gosto ouvir samba.Alguns poucos compositores continuavam compondo. Passamos to somente acopiar.

    Z KETIHipcritaSencillamente hipcritaPerversaTe burlaste de mi

    NARA LEO

    Drink run and Coca-Cola

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    OS DOIS IMITAM CONJUNTO AMERICANO THE PLATTERS

    NARA LEO boi roado bo

    O melhor do meu sertoDo serto do BiriguirIguar eu nunca vi.

    JOO DO VALEComeram o boi.

    Z KETIEm 1943, o Brasil entrou na guerra. Quando estoura a guerra uma poro degente vai PR apolcia porque polcia o ltimo que vai pra guerra. Vai da, euentrei na Polcia Militar. L na PM quem atleta tem vida mansa, no pega

    escala dura, horrio de ronda de meia-noite s 6. Ai fui pro atletismo porquemeu negcio no era fazer muita fora. Fui fazer corrida de fundo. Quase tododia a turma saa l de So Clemente correndo e tinha que dar a volta na LagoaRodrigo de Freitas. A turma estava acostumada a correr e ia embora. Eu atrs.Era sempre o ltimo. Eles ficavam 200, 500 metros na minha frente. Eu estou latrs. Eles voltavam pro Batalho, tomavam banho, iam pro rancho almoar,almoavam eu estou na rua batendo perna. Chegava botando os bofes pela

    boca. Nessa poca os alemes afundaram o navio brasileiro Baependi. Minhaturma que fez linha de tiro comigo estava toda no navio. Eu devia estar noBaependi. Por sorte estava batendo perna na rua.

    NARA LEOVim de muito longe8Vim de muita dor

    Atravessei o mundoAtrs de um amorMas no que eu me queixeEu no tenho ningumNem pra dar meu peixeNem pra dar ningum.

    JOO DO VALE

    Eu vim foi do Maranho, terra de Gonalves Dias, de Ferreira Gullar. Primeironum caminho de Salvador at Tefilo Otoni. L tinha um garimpo. Me lembreique meu av leu minha mo e disse que eu ia ser rico. Fui pro garimpo arriscar.Cavei, cavei, buraco de trs, quatro metros no cho. Cristal, no achei. Pedra

    Azul tambm no. Achei foi formigueiro. No quinto formigueiro desisti de serrico e vim de ajudante de caminho at o Rio. Dormia montado encima dacarga, era saco de arroz. O chofer, pra me pagar, me dava almoo ou janta.Parava numa penso e dizia Escolhe, neguinho, hoje quer jantar ou almoar?

    A eu cheguei no Rio com quatrocentos ris no bolso. Onde Copacabana,moo? Ta me gozando? No. Tou chegando. Fui pra Copacabana. Me empreguei

    8Lamento de um homen s, de Carlos Lira e Vinicius.

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    numa obra de ajudante de pedreiro. Dormia na obra, s saa de noite. Semfamlia, sem amigo, sem ningum.

    NARA LEOMas plantar pra dividir9

    No fao mais isso, no.Eu sou um pobre cabocloGanho a vida na enxadaO que eu colho divididoCom quem no plantou nada

    Se assim continuarVou deixar o meu serto

    Mesmo os olhos cheios dguaE com dor no coraoVou pro Rio carregar massa

    Pros pedreiros em construo

    Deus at est ajudandoEst chovendo no sertoMas plantar pra dividirNo fao mais isso, no.

    JOO DO VALEQuer ver eu bater

    Enxada no choCom fora e coragemCom satisfao

    s me dar terra

    Pra ver como Eu planto feijoArroz e cafVai ser bom para mim

    E bom pro doutorEu mando feijoEle manda tratorVocs vo verO que produo

    Modstia parteEu bato no peito

    Eu sou bom lavradorMas plantar pra dividirNo fao mais isso, no.

    Z KETIPodem me prenderPodem me baterPodem at deixar-me sem comerQue eu no mudo de opinio

    9Sina de Caboclo [Joo do Vale/J.B. de Aquino].

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    Se no tem guaEu furo um pooSe no tem carneEu compro um ossoE ponho na sopa e

    Deixa and.Deixa and.Fale de mim quem quiser falarAqui eu no pago aluguelSe eu morrer amanh, seu doutorEstou pertinho do cu.

    NARA LEOA flor mulherIludiu meu coraoMas meu amor

    uma flor ainda em botoO seu olhar diz que ela me quer bemO seu amor s meu, de mais ningum

    COROMas acorrentado ningum pode amar.Mas acorrentado ningum pode amar.Mas acorrentado ningum pode amar.

    NARA LEOEu no gostava de cantar em pblico. S resolvi mesmo ser cantora depois de

    abril de 64. Gostava s de cantar junto com a turma da Bossa Nova. s vezes, agente ficava trs dias virando sem parar, cantando com raiva do bolero. Um diauma gravadora insistiu muito para eu fazer um teste. Eu no queria, masinsistiram. Eu fui. Cheguei l, fiquei esperando quatro horas. No fui emboraporque eu queria que tudo acontecesse comigo, pra ver como eram as coisas. Euestava no mundo s de testemunha. A, eu entrei no estdio e cantei uma dasmsicas que mais gosto A Insensatez, do Tom. A msica aind ano tinha sidolanada. Um sujeito l me ouviu.

    A insensatez que voc fezCorao mais sem cuidado

    Fez chorar de dorO seu amorUm amor to delicado

    Ah, porque voc foi fraco assimAssim to desalmadoAh, meu corao que nunca amouNo merece ser amadoVai meu corao...

    Z KETICorao, corao, minha filha, corao j est superado. Voc no m. Mas

    voc to bonitinha, to gostosinha, perdendo tempo com corao, corao.Sabe? Sua voz, se voc caprichar, joga pro nariz que fica sensual. Isso PE que

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    interessa, filha. Voz de cama, entende? Eu te ajudo, te promovo. Vai pra minhacasa, pe a voz no nariz e vamos dar um treino.

    JOO DO VALENessa parte eu tive mais sorte que voc, Nara. Nunca ningum me cantou. Eu

    trabalhava de servente de pedreiro numa obra da Rua Baro de Ipanema. Denoite ia na rdio conhecer os artistas. Depois de dois meses o Z Gonzagagravou minha primeira msica. Depois de um ano a Marlene gravou EstrelaMida. E comeou a fazer sucesso. Eu ainda trabalhava e dormia na obra. Pertoda obra tinah uma moa que morava perto e tocava o disco o dia inteiro. Eununca me achei com coragem de dizer que eu era o autor, mas um dai noaguentei mais. Est ouvindo essa msica? Estou. a Estrela Mida Sabequem est cantando? a Marlene Sabe quem o autor da msica? Oautor... no... Sou eu Que isso, neguinho? T delirando? Traz massa,neguinho, traz massa.

    COROAvante, avanteAvante, companheirosVamos fazer mais filmes

    Muitos filmes brasileiros

    Z KETIEsse um hino que eu fiz de brincadeira para a equipe do filme Rio 40 graus.Fiz parte da equipe. Foi uma batalha. Primeiro pra filmar. Depois veio acensura. O chefe de polcia dizia que o Rio nunca tinha feito 40 graus. Omximo que tinha feito era 39 e 7 dcimos. E por a foi. Juntou todo mundo

    jornalistas, estudantes, artistas, todo mundo, e a fita saiu. O cinema brasileiroestava comeando de novo.

    COROFazer cinema no sopa, noNo sopa, no, no sopa, noBrasil, meu Brasil, teu cenrio sem igualNs te dedicamosRio 40 graus, mais um filme nacional

    JOO DO VALE

    Cinema era difcil mesmo. Eu trabalhei com o Roberto farias, o que dirigiu oAssalto ao Trem Pagador. Fazia chanchada porque no tinha outro jeito. Depois,ficava sem dinheiro e ia pra fazenda do pai. Lia o livro Selva Trgicae dizia quando que eu vou poder fazer um filme assim, hein, Sabar?

    NARA LEOFoi Cinema Novo, foi Bossa Nova, foi o teatro que apresentou novos autores

    brasileiros. Teve uma coisa que eu descobri, que todo mundo descobriu oBrasil era o que a gente fazia dele. Era uma verdade trabalhosa, mas era uma

    verdade. O Cinema Novo ajudou muito a msica popular brasileira. Pra que elafalasse novos temas, para que ficasse mais ampla, voltada para as grandes

    platias, para sentimentos coletivos. Rio 40 graus deu Voz do morro, RioZona Norte deu Malvadeza Duro.

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    Z KETIMais um malandro fechou o paletEu tive d, eu tive dQuatro velas acesas

    Em cima de uma mesa

    E uma subscrio para ser enterradoMorreu Malvadeza DuroValente mais muito consideradoValente mais muito considerado.

    Cu estrelado, lua prateadaMuito samba, grande batucadaO morro estava em festaQuando algum caiuCom a mo no corao, sorriu

    Morreu Malvadeza Duro

    E o criminoso ningum viu.

    NARA LEOFeio, no bonitoO morro existe mas pede pra se acabar

    Z KETIGimba Carlos Lira e Gianfrancesco Guarnieri

    Canta, mas canta tristePorque tristeza s o que se tem pra cantar.Chora, mas chora rindo

    Porque valente, nunca se deixa quebrarAma, o morro amaUm amor aflito, um amor bonito, que pede outra histria.

    OS TRSTristeza, no tem fim

    Felicidade, sim.

    NARA LEOVincius e Tom Orfeu

    Tristeza no tem fim

    NARA LEOEsse mundo meuEsse mundo meu

    JOO DO VALESrgio Ricardo e Rui Guerra Esse mundo meu

    NARA LEOSarav, OgumMandinga da gente continua

    Cad o despacho pra quebrar?Santo guerreiro da floresta

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    Se voc no vem, eu mesmo vouBrigar

    COROO serto vai virar mar

    E o mar virar serto

    Z KETIGlauber Rocha e Srgio Ricardo - Deus e o Diabo na Terra do Sol

    NARA LEOEst contada nossa histriaVerdade, imaginao

    Espero que o senhorTenha tirado uma lioQue assim mal dividido

    Esse mundo est erradoQue a terra do homemNo de Deus nem do Diabo

    Com tudo isso acontecendo a Bossa Nova avanou. Vinicius deu uma entrevistaa O Cruzeiro: Na bossa nova h duas linhas principais a linha brasileira,cada vez mais identificada com os temas nacionais, pesquisando as fontes

    brasileira e o pessoal da linha jazzstica. Carlos Lira foi trabalhar com Z Keti,Cartola, Nlson Cavaquinho, Baden Powell foi colher material na Bahia. E aBossa Nova deu um novo passo.

    Nasci l na BahiaDe Mucama com feitorMeu pai dormia em camaMinha me no pisadorMeu pai s dizia assim, venhaMinha me dizia sim, sem falarMulher que fala muito perde logo seu amor

    O rico acorda tarde, j comea resmungarO pobre acorda cedo, j comea trabalharVou pedir ao meu Babalorix

    Pra fazer uma orao pra XangPra por pra trabalhar, gente que nunca trabalhou

    JOO DO VALEEnto eu voltei pra Pedreiras. Fui recebido como seu eu fosse o presidente.Puseram meu nome na Rua da Golada. Foi tudo bem, menos minha terra, quecontinuava a mesma depois de todo esse tempo.

    Seu moo, quer saber, eu vou cantar num baioMinha histria pra o senhor, seu moo, preste atenoEu vendia pirulito, arroz doce, mungunz

    Enquanto eu ia vender doce, meus colegas iam estudarA minha me, to pobrezinha, no podia me educar

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    E quando era de noitinha, a meninada ia brincarVixe, como eu tinha inveja, de ver o Zezinho contar:- O professor raiou comigo, porque eu no quis estudar

    Hoje todo so "dout", eu continuo Joo NingumMas quem nasce pra pataca, nunca pode ser vintm

    Ver meus amigos "dout", basta pra me sentir bemMas todos eles quando ouvem, um baiozinho que eu fiz,Ficam tudo satisfeito, batem palmas e pedem bisDiz: - Joo foi meu colega, como eu me sinto felizMas o negcio no bem eu, Man, Pedro e Romo,Que tambm foi meus colegas , e continuam no serto

    No puderam estudar, e nem sabem fazer baio

    NARA LEOEu queria fazer um disco com msicas de vocs, com msica de Srgio Ricardo,Tom, Vincius, Lira, com folclore, com grandes sucessos da msica brasileira.

    Um disco de todo mundo pra todo mundo. Como o Sina de Caboclo?

    JOO DO VALEMas plantar pra dividirNo fao mais isso, no.

    CANTA, PROCURANDO ACERTAR.

    NARA LEOMas plantar pra....

    VOZ INTERROMPE PLAY BACKNara Leo.

    NARA LEOHein?

    VOZVoc vai fazer um disco cantando baio, Nara?

    NARA LEOVou.

    VOZBaio, Nara?

    COMEA DE NOVO A APRENDER COM JOO. UM TEMPO.

    NARA LEO.

    VOZNara, Baio?

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    NARA LEO. Baio.

    VOZNara!

    NARA LEOPor que? A constituio no permite cantar baio?

    VOZNara. Voc bossa nova. Tem voz de Copacabana, jeito de Copacabana...

    NARA LEOEu me viro.Mas plantar pra...

    VOLTA A ENSAIAR.

    VOZNara!

    NARA LEOQue ?

    VOZO dinheiro do disco voc vai distribuir entre os pobres, ?

    NARA LEO

    Ah, no me picota a pacincia.

    VOZVoc pensa que msica Cruz Vermelha, ?

    NARA LEONo. Msica pra cantar. Cantar o que a gente acha que deve cantar. Com o

    jeito que tiver, com a letra que for. Aquilo que a gente sente, canta.

    VOZVoc no sente nada disso, Nara, deixa de frescura. Voc tem uma mesa de

    cabeceira de mrmore que custou 180 contos, Nara. Voc j viu um lavrador,Nara?

    NARA LEONo. Mas todo dia vejo gente que vive s custas dele.

    VOZManera, Nara, manera.

    NARA LEOEnto, me deixa sossegada.

    COMEA DE NOVO A ENSAIAR.

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    VOZNo vai dar certo, Nara. Voc vai perder o pblico de Copacabana, lavrador no

    via te ouvir que no tem rdio, o morro no vai entender. Nara, por favor,ningum mais eu amigo e...

    NARA LEO,CANTAE no entanto preciso cantarMais que nunca preciso cantar preciso cantar e alegrar a cidadeA tristeza que a gente temQualquer dia vai se acabarTodos vo sorrir, voltou a esperana

    o povo que dana, contente da vidaFeliz a cantarPorque so tantas coisas azuis

    H to grandes promessas de luzTanto amor para amar que a gente nem sabeQuem me dera viver pra ver

    E brincar outros carnavaisCom a beleza dos velhos carnavaisO povo na rua danando e cantando

    Seu canto de pazSeu canto de paz

    OS TAMBORES RUFAM.

    ZL A SENTENA DE TIRADENTES, EXTRADA DOS AUTOS DA DEVASSADA INCONFIDNCIA MINEIRA.Portanto, condenam o ru Joaquim da Silva Xavier, por alcunha o Tiradentes, aque seja conduzido pelas ruas pblicas ao lugar da frca e ali morra mortenatural para sempre e que de pois de morto lhe seja cortada a cabea e sejapregada em um poste alto at que o tempo a consuma e o seu corpo serdividido em quatro quartos e pregado em postes pelos caminho de Minas, aondeo ru teve as suas infames prticas. Declaram o ru infame, e seus filhos e netos,sendo os seus bens confiscados. A casa em que vivia ser arrasada e salgada

    para que nunca mais no cho se edifique.

    NARA LEOFoi no ano de 1789Em Minas GeraisQue o fato se deu

    E havia derrame de ouroQue era um tesouroQue os brasileiros tinham de pagar.

    Esse ouro ia longe, distanteAtravessava o mar

    Ia pra PortugalPara o rei gastar.

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    O mineiro que bom brasileiroE que altaneiro, garrou a pensarSe esse ouro ouro da terraDa nossa terra

    Porque que ele vaiSe juntaram numa reunioResolveram fazer uma conspirao.Manoel da CostaAntnio GonzagaOliveira Rolim

    E tem mais um nomeQue o nome do homemQue foi mais heri

    Aprenda quem quiser:Joaquim Jos da Silva Xavier

    E que foi chamadoEm todos os temposPos todas as gentesDe O Tiradentes.De O tiradentes.Se saber mais tu queresLhe digo era alferesEra um militarE havia entre os conjuradosUm homem danado, veja o que ele fez:

    Seu nome triste sem glria

    Silvrio dos Reis, Silvrio dos ReisEscondido feito um bandidoEsse traidor foi correndoFalar pro governadorContou tudo, fez uma tal cenaQue o Visconde de Barbacena

    Soltou os milicos na ruaMandou sentar a puaPegar e baterMatar e prenderMatar e prender

    Foi ento que pegaram todos conjuradosEncarceram todos numa prisoE depois de um tempo foram todos soltadosS o Tiradentes foi enforcadoChamando pra si a culpa por inteiro

    A culpa de tudoFoi homem peitudoFoi bom brasileiroEssa histria bem verdadeiraFoi a luta primeira que se deu no BrasilE depois tantas houveram que por fim fizeram

    Um Brasil mais decentes, um Brasil Independente.

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    Z KETIPobre no umPobre mais de doisMuito mais de trsE vai por a

    E vejam sDeus dando a paisagemMetade do cu j meuPobre nunca teve postoA tristeza sua cicatrizReparem bem queS de vez em quandoPobre felizAi, tanto desgostoAi, tanto desgostoAssim a vida vale a pena, no

    Mas explicar a situaoDizer pra ele quePobre no umPobre mais de cemMuito mais de milMais de um milhoE vejam sDeus dando a paisagemMetade do cu j meu

    CORO

    Mas plantar pra dividirNo fao mais isso noPodem me prender, podem me baterQue eu no mudo de opinio

    Deus dando a paisagemO resto s ter coragem.Carcar

    Pega, mata e come!