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Tese sobre semiótica e design
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Priscila Lena Farias
Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e SemióticaPontifícia Universidade Católica de São PauloSão Paulo, 2002
S ign Des ign , ou o design dos signos: a construção de diagramas dinâmicos das classes de signos de C.S.Peirce
Priscila Lena Farias
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutorem Comunicação e Semiótica, sob a orientação da Profa. Dra. Maria Lucia Santaella Braga.
Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e SemióticaPontifícia Universidade Católica de São PauloSão Paulo, 2002
S ign Des ign , ou o design dos signos: a construção de diagramas dinâmicos das classes de signos de C.S.Peirce
Autorizo, exclusivamente para fins
acadêmicos e científicos, a reprodução
total ou parcial desta tese por processos
fotocopiadores ou eletrônicos.
Priscila Lena Farias
São Paulo, fevereiro de 2002
Abstract
This thesis departs from the detection of some
problems and limitations in the diagrams for the classes of
signs designed by Peirce and peircean scholars. Its central
hypothesis is that many of those limitations may be over-
come by the use of computer graphic tools, combined with
more efficient design strategies. Sign design is the name
given to this set of strategies, applied to the visualization of
sign processes and structures. This thesis demonstrates how
it is possible to use those strategies to get to a new family of
diagrams —here referred to as dynamic diagrams—that are
more efficient as tools for investigation.
The thesis divides into three parts: (i) theoretical basis,
(ii) diagrams for the classes of signs, and (iii) dynamic
diagrams for the classes of signs. In Part I (theoretical
basis), the concepts of category, class, trichotomy and dia-
gram, within peircean theory, are introduced and analyzed,
as well as the concept of sign design, its methodology and
applications. In Part II (diagrams for the classes of sign),
the models of articulation proposed by Peirce and peircean
scholars are presented and discussed. Part III (dynamic
diagrams for the classes of signs) introduces 10cubes and
3N3, two new diagrammatic models for the classes of signs
developed using sign design strategies.
Resumo
Esta tese parte da detecção de alguns problemas e limitações
nos diagramas para as classes de signos elaborados por Peirce e
alguns de seus comentadores. Sua hipótese central é a de que
várias destas limitações podem ser superadas através do uso de
ferramentas da computação gráfica, aliado a estratégias de design
mais eficientes. A este conjunto de estratégias, aplicadas à
visualização de processos e estruturas sígnicas, deu-se o nome de
sign design. A tese demonstra como foi possível utilizar estas
estratégias para chegar a uma nova família de diagramas —aqui
referidos como diagramas dinâmicos—, que fossem mais eficientes
enquanto ferramentas de investigação.
A tese está dividida em três partes: (i) bases teóricas,
(ii) diagramas para as classes de signos, e (iii) diagramas dinâmicos
para as classes de signos. Na Parte I (bases teóricas), os conceitos de
categoria, classe, tricotomia e diagrama, dentro da teoria peirceana,
são apresentados e analisados, assim como o conceito de sign design,
sua metodologia e aplicações. Na Parte II (diagramas para as classes
de signos), são apresentados e discutidos os modelos de articulação
das classes propostos por Peirce e seus comentadores. A Parte III
(diagramas dinâmicos para as classes de signos) introduz 10cubes e
3N3, dois novos modelos diagramáticos para as classes de signos,
desenvolvidos utilizando estratégias de sign design.
Para RP, meu dj favorito.
Índice8
1314173241585962687374788286878795
103103112116117122123126127128130145153
154163176196204
• Introdução> Parte I. Bases teóricas• I.1- Categorias e classes dentro da teoria peirceanaI.1.1- Primeiridade, Secundidade e TerceiridadeI.1.2- TricotomiasI.1.3- Divisões dos signos em 10, 28 e 66 classes• I.2- O conceito de diagrama dentro da teoria peirceanaI.2.1- Diagrama como sinônimo, ou melhor exemplo de íconeI.2.2- Diagrama como um dos tipos de hipo-íconeI.2.3- Raciocínio diagramático• I.3- Sign design: um diálogo entre design e semióticaI.3.1- O que é sign designI.3.2- Uma proposta de metodologia para sign designI.3.3- Aplicações para sign design> Parte II. Diagramas para as classes de signos• II.1- Modelos desenvolvidos por PeirceII.1.1- O modelo do ‘Syllabus’ 1903 II.1.2- O modelo da carta para Lady Welby • II.2- Modelos desenvolvidos por comentadoresII.2.1- Modelos para 10 classes de signosII.2.2- Modelos para várias divisões de signos• II.3- Novas estratégias de modelagemII.3.1- Modelos que utilizam cores II.3.2- Modelos tridimensionaisII.3.3- Modelos dinâmicos> Parte III. Novos diagramas para as classes de signos• III.1- 10cubes: explorando a estrutura das 10 classes de signos de PeirceIII.1.1- ConceitualizaçãoIII.1.2- DesenvolvimentoIII.1.3- Experimentação• III.2- 3N3: explorando as estruturas e as relações entre as 10, 28 e 66classes de signos propostas por PeirceIII.2.1- ConceitualizaçãoIII.2.2- DesenvolvimentoIII.2.3- Experimentação• Conclusão• Bibliografia
Agradecimentos
A Lucia Santaella, minha orientadora, pelo apoio ao meu trabalho, e por seu exemplo como pessoa e como intelectual.
A João Queiroz, co-autor de diversos artigos, grande amigo, leitor paciente e atento de vários capítulos desta tese.
A Antonio Gomes, que executou brilhantemente a programação em Java dos diagramas dinâmicos 10cubes e 3N3, e seu
orientador, Ricardo Gudwin, que proporcionou este contato.
Aos professores que acompanharam parte deste trabalho, entre eles
Douglas Hofstadter, que me recebeu como pesquisadora em seu Center for Research on Concepts and Cognition na
Universidade de Indiana em Bloomington;
Nathan Houser, Albert Lewis, Andre de Tienne e Cornelis de Waal, do Peirce Edition Project, por seus comentários
sobre o meu projeto e por facilitar o acesso aos seus arquivos, em especial as cópias dos manuscritos de Peirce;
Solomon Marcus e Floyd Merell, por seus comentários inspiradores em um estágio muito inicial desta pesquisa;
Robert Marty e Shea Zellweger, com quem, apesar de nunca ter me encontrado pessoalmente, mantive contatos
surpreendentemente intensos, via correio e internet, durante minha pesquisa.
Aos meus colegas e professores na PUC-SP e na Universidade de Indiana em Bloomington, por sua amizade e inspi-
ração, em especial Breno Serson, Rejane Cantoni, Rogério da Costa, Edson Zampronha, Lafayette de Moraes,
Lucia Leão, Maria Teresa Santoro, Bob Port, Don Cunningham, Laura Shackelford e Cristina Iuli.
À FAPESP, pelo apoio à minha pesquisa através da bolsa DR-II 98/00301-9.
Introdução
Pensar na relação entre semiótica e visualidade, significa, na maior
parte da vezes, pensar em aplicações da teoria do signo para a
análise de obras realizadas nos diversos campos das artes visuais.
Este trabalho sugere um caminho diferente, propondo uma nova
forma, eminentemente visual, de se investigar aspectos fundamen-
tais da teoria peirceana do signo.
C. S. Peirce argumentou, em diversas ocasiões (CP 4.544,
4.571, NEM 4: 375), a favor de um tipo de raciocínio que privilegia
a visualidade, chegando mesmo a dedicar-se ao desenvolvimento
de sistemas lógicos baseados em notações visuais originais. Neste
mesmo espírito, o conjunto de estratégias adotadas nesta tese —ao
qual foi dado o nome de sign design, ou ‘design dos signos’— parte
da hipótese de que certos aspectos da teoria peirceana podem ser
mais bem compreendidos se investigados e re-enunciados de
forma visual.
A idéia de que boas estratégias de projeto devem levar a resul-
tados que sejam não apenas visualmente mais agradáveis, mas tam-
bém mais efetivos do ponto de vista comunicativo, encaixa-se den-
tro de um conjunto de pressupostos gerais e aceitos quanto à
8
natureza do design e da comunicação visual (Denis 1999:213,
Villas-Boas 1999: 17, Leite 2000: 28). À estes pressupostos, soma-
se a expectativa, sugerida pelos argumentos de Peirce quanto à
capacidade dos diagramas de “revelar verdades inesperadas” (CP
2.279), de que estas mesmas estratégias possam contribuir para
uma maior relevância, em termos investigativos, destes diagramas.
As bases teóricas para este desenvolvimento encontram-se
na Parte I desta tese. O capítulo I.1 tem como objetivo tornar claros
alguns tópicos da teoria do signo de Peirce necessários para a com-
preensão dos capítulos seguintes: as categorias peirceanas de
primeiridade, secundidade e terceiridade, as tricotomias, e as
divisões dos signos em 10, 28 e 66 classes que resultam da aplicação
destas categorias e tricotomias. O capítulo I.2 tem como foco as
várias facetas do conceito de ‘diagrama’ presentes na obra de
Peirce. Discute-se o conceito de diagrama como sinônimo de ícone,
como tipo de hipo-ícone, e como componente principal de proces-
sos de raciocínio. O capítulo I.3 apresenta o programa de pesquisa
sign design, discute uma possível metodologia para ele, e alguns
exemplos de aplicação.
A parte II apresenta e discute diversos diagramas para as
classes de signos, iniciando, no capítulo II.1, com a análise dos
9
diagramas elaborados por Peirce, para 10 classes: o diagrama do
‘Syllabus’ de 1903 (MS 540: 17, CP 2.264, EP2: 296), e o da carta
para Lady Welby (L463:146, CP 8.376, EP2: 491). O capítulo II.2
complementa o capítulo anterior, com a análise de diagramas
desenvolvidos por comentadores. A primeira seção apresenta dia-
gramas que foram concebidos especificamente para modelar a
divisão em 10 classes, como aqueles de Balat (1990: 81, 85) e
Merrell (1991, 1997). A segunda seção apresenta modelos que
podem ser aplicados a mais de um tipo de classificação, sugeridos
por Marty (1990) e Maróstica (1992). O último capítulo da parte II
aponta algumas limitações dos diagramas apresentados nos capí-
tulos anteriores, e propõe algumas estratégias de modelagem que
podem ser empregadas na construção de novos diagramas para as
classes de signos: a utilização de cores, a incorporação de uma ter-
ceira dimensão espacial, e o aproveitamento de recursos dinâmi-
cos como movimento e interatividade.
A Parte III demonstra como as estratégias discutidas nos
capítulos I.3 podem ser empregadas na construção de diagramas
que exploram os recursos apontados no capítulo II.3. O capítulo
III.1 apresenta 10cubes, um aplicativo que têm como objetivo mode-
lar de forma dinâmica as relações existentes na divisão dos signos
10
em 10 classes proposta por Peirce em seu ‘Syllabus’ de 1903 (MS
540, CP 2.233-72, EP2: 289-99). Ele é um modelo tridimensional e
interativo para estas classes, que pode ser manipulado em tempo
real. O capítulo III.2 apresenta 3N3, um software que constrói dia-
gramas equivalentes para diferentes classificações de signos —
divisões em 10, 28, 66, ou qualquer outro número de classes com-
patível com o modelo peirceano—, descreve sua fase de desenvolvi-
mento, expõe alguns experimentos e avalia seus resultados.
11
Parte I. Bases teóricas
S ign Des i gn , ou o design dos signos: a construção de diagramas dinâmicos das
classes de signos de C.S.Peirce
I.1- Categorias, tricotomias e classes
dentro da teoria peirceana
Introdução
Este primeiro capítulo tem como objetivo tornar claros alguns tópi-
cos da teoria do signo de Peirce que serão intensivamente emprega-
dos nos capítulos subseqüentes: as categorias peirceanas de
primeiridade, secundidade e terceiridade, as tricotomias, e as
divisões dos signos em 10, 28 e 66 classes que resultam da aplicação
destas categorias e tricotomias.
Peirce forneceu diversas definições de ‘signo’ em sua obra —
algumas mais técnicas, outras mais didáticas. R. Marty (1997)
colecionou e analisou 76 definições encontradas em diversas
fontes (CP, NEM, SS, cartas e manuscritos).1
Segundo Marty, é
possível identificar duas concepções diferentes de signo na obra
peirceana, uma anterior e outra posterior a 1905, notando que
80% das definições encontradas são posteriores a 1902. Marty
qualifica esta primeira concepção como “global,” e a segunda como
“analítica,” chamando atenção para o caráter mais rigoroso e for-
mal da segunda concepção, mas salientando, contudo, o caráter
triádico de ambas.
13
Considerando que a presença de três elementos relacionados
entre si é uma característica constante das definições de signo
fornecidas por Peirce, podemos dizer, em poucas palavras, que
um Signo (ou ‘representamen’) é um ‘primeiro’ que
estabelece algum tipo de relação genuína com um
‘segundo’ (seu Objeto), de modo a determinar um
‘terceiro’ (seu Interpretante).
Acompanhando a cronologia das definições expostas por Marty, é
possível notar que o termo ‘representamen,’ inicialmente utilizado
como um sinônimo de ‘signo’ (por exemplo, CP 2.228 [1897]),2
é
gradativamente abandonado. Em seu ‘Syllabus’ de 1903 (MS 540,
CP 2.233-272, EP2: 289-299), Peirce faz uma distinção entre ‘repre-
sentamen’ e ‘signo,’ definindo o primeiro como “o Primeiro
Correlato de uma relação triádica” (CP 2.242, EP2: 290) que envolve
ainda Objeto (Segundo Correlato) e Interpretante (Terceiro
Correlato). ‘Signos,’ por sua vez, são definidos como
“Representamen[s] cujo Interpretante é a cognicão de uma mente.
[…] os únicos representamens que já foram suficientemente estuda-
dos” (CP 2.242, EP2: 291,3
ver também CP 1.540,4
um esboço para a
terceira Lowell Lecture redigido em 1903). Por volta de 1905, porém,
Peirce decide abandonar o uso do termo ‘representamen,’ passando a
14
adotar apenas ‘signo,’ conforme explica em carta para Lady Welby:
Eu uso ‘signo’ no sentido mais amplo da definição. É um
caso maravilhoso de uso quase popular de uma palavra
muito abrangente quase no sentido exato da definição
científica. [...]
Eu costumava preferir a palavra representamen.
Mas não havia nenhuma necessidade de adotar esta
palavra terrivelmente longa. (SS 193)5
Uma vez que o objeto principal desta tese —as classificações de sig-
nos— são um tópico desenvolvido por Peirce principalmente a par-
tir de 1902, somente o termo ‘signo’ será utilizado, deixando de lado
o termo ‘representamen’ —com exceção dos casos onde uma referên-
cia à terminologia empregada for necessária. Sendo assim, diremos
que, para Peirce, todo signo é composto por uma relação indecom-
ponível entre 3 termos: Signo (S), Objeto (O) e Interpretante (I)
(figura I.1.a). Isto significa que qualquer processo sígnico implica
na presença destes três elementos, ou pode ser entendido como
uma combinação de tríades que contém estes elementos.
Através de sua fenomenologia,6
Peirce chegou à sua doutrina
triádica das categorias, que é o tema da seção I.1.1. A doutrina das
categorias, aplicada à sua teoria do signo, resulta em divisões dos
15
Figura I.1.a. O modelo triádico do signo peirceano.
signos de acordo com um certo número de tricotomias. Estas trico-
tomias, tema da seção I.1.2, dizem respeito a aspectos ou relações
entre os elementos do signo que podem ser analisados ou descritos
de acordo com as categorias. A seção I.1.3 trata das diferentes clas-
sificações que resultam da adoção de diferentes quantidades de tri-
cotomias para a análise dos signos.
I.1.1- Primeiridade, Secundidade e Terceiridade
Na história da filosofia ocidental, encontramos diversos autores
que se dedicaram à elaboração de doutrinas de categorias —articu-
lações de um certo número de conceitos ou aspectos universais,
presentes em todo tipo de fenômeno. Entre eles, Platão,
Aristóteles, Kant, Hegel e Peirce.
Aristóteles identificou 10 categorias que julgava serem irre-
dutíveis a outros fenômenos: substância, quantidade, qualidade,
relação, lugar, tempo, posição, estado, ação e afeição (ou paixão). As
categorias peirceanas de primeiridade, secundidade e terceiridade,
por sua vez, foram concebidas sob influência do sistema de Kant
(CP 8.329),7
no qual encontramos quatro tríades que dão origem a
12 categorias:
(i) Quantidade: unidade, pluralidade, totalidade
16
(ii) Qualidade: realidade, negação, limitação
(iii) Relação: inerência e subsistência, causalidade
e dependência, comunidade
(iv) Modalidade: possibilidade, existência,
necessidade
Em 1868, em um artigo intitulado “On a new list of categories” (CP
1.545-559, W2: 49-59), Peirce apresenta pela primeira vez sua
doutrina das categorias, nomeando-as:
Qualidade (referência a um fundamento),
Relação (referência a um correlato) e
Representação (referência a um interpretante)
(CP 1.555, W2: 54, ver também CP 4.3)8
Em 1896, após ter se desvencilhado da influência kantiana, e
através de seu estudo da lógica das relações, em um artigo sobre a
lógica da matemática, Peirce descreve as três categorias da seguinte
forma:
A primeira compreende as qualidades dos fenômenos, tais
como vermelho, amargo, tedioso, duro, tocante, nobre;
[…]
A segunda categoria de elementos dos fenômenos
compreende os fatos atuais […]
17
A terceira categoria de elementos dos fenômenos
consiste naquilo que chamamos de leis quando contem-
plamos do lado de fora somente, mas que quando podemos
observar de ambos os lados do escudo chamamos de pen-
samentos. (CP 1.418-20)9
Em 1898, reforçando uma idéia adiantada em seu artigo “One, Two,
Three: Fundamental Categories of Thought and of Nature,” de 1885,
Peirce argumenta a favor de sua terminologia definitiva para as
categorias, ‘firstness, secondness, thirdness ’ (primeiridade,
secundidade, terceiridade). Ele o faz depois de refutar a terminolo-
gia utilizada em “On a new list of categories” (Qualidade, Relação,
Representação), e cogitar a possibilidade de nomeá-las ‘Qualidade,
Reação e Mediação.’ Para ele, contudo, “enquanto termos científi-
cos, Primeiridade, Secundidade e Terceiridade são preferíveis por
serem palavras inteiramente novas sem nenhuma falsa associação
de tipo algum” (CP 4.3).10
De forma bastante sucinta, em uma carta para Lady Welby
datada de 12 de outubro de 1904 (CP 8.328), Peirce definiu
primeiridade, secundidade e terceiridade do seguinte modo:
Primeiridade é o modo de ser daquilo que é tal como é,
positivamente e sem referência a qualquer outra coisa.
18
Secundidade é o modo de ser daquilo que é tal como
é, com respeito a um segundo mas independente de qual-
quer terceiro.
Terceiridade é o modo de ser daquilo que é tal como
é, ao colocar um segundo e um terceiro em relação entre si.
(CP 8.328)11
Segundo Santaella (1992: 75), a partir de 1902, para Peirce
“primeiridade é qualidade […], talidade indiferenciada, não anali-
sável, secundidade é oposição, ação e reação, e terceiridade é repre-
sentação, mediação, enfim, continuidade.” Em seu Glossary of semi-
otics, V. Colapietro (1993: 60) define as categorias peirceanas como
in-itselfness ou imediaticidade qualitativa (primeiridade), over-
agaistness ou oposição bruta (secundidade) e in-betweenness ou
mediação dinâmica (terceiridade). No contexto de sua filosofia da
mente, Peirce definiu primeiridade, secundidade e terceiridade em
termos de “experiências monádicas, ou simples” (‘simples’ no origi-
nal), “experiências diádicas ou recorrências,” e “experiências triádicas,
ou compreensões” (CP 7.527-528, ver também Ibri 1992: 4-5 para
uma análise deste mesmo trecho). Algumas outras definições
encontradas nos Collected Papers (CP 1.532-33, 3.422, 6.202 e
8.330) para as categorias são as seguintes:
19
• Primeiridade: possibilidade, espontaneidade,
acaso, sentimento
• Secundidade: existência, dependência, reação
bruta, ação
• Terceiridade: mentalidade, mediação, con-
tinuidade, razão
A partir de 1902, em diversas ocasiões Peirce chamou suas catego-
rias de categorias cenopitagóricas (CP 2.87 [1902], 2.116 [1902], CP
8.328 [1904], CP 1.351 [1905], 5.555 [1906]).12
O prefixo ‘ceno—’
vem da palavra grega para ‘novo’. Segundo de Waal (2001: 11, ver
também CP 2.87), Peirce via uma clara conexão entre a sua doutrina
das categorias e a concepção de número adotada pela antiga escola
de Pitágoras. Os pitagoreanos não consideravam os números como
simples signos para quantidades específicas, mas sim como princí-
pios universais a serem descobertos na natureza. Da mesma forma,
para Peirce, no contexto de sua doutrina das categorias, os números
um, dois, e três, seriam tão reais e atuantes quanto leis naturais.
Peirce argumentou, em diversas ocasiões, a favor da irre-
dutibilidade e suficiência de suas categorias. Estes argumentos,
encontrados principalmente no contexto de sua lógica dos relativos,
caracterizam o que alguns especialistas chamaram de ‘teorema’
20
(Herzberger 1981, Houser 1997: 14, De Waal 2001: 12), ‘prova de
redutibilidade’ (Ketner 1986: 376-377), ou ‘tese de redutibilidade’
(Burch 1991) de Peirce. Este teorema, formulado pela primeira vez
em 1870, em seu “Description of a notation for the logic of rela-
tives” (W2: 365) (e posteriormente em W4: 221, W5: 243, EP2: 169-
170 e 364-65, entre outros), afirma que (i) mônadas, díadas e
tríadas são elementos indecomponíveis, isto é, que não podem ser
constituídos a partir de elementos mais simples, e (ii) que qualquer
relação com adicidade maior do que quatro, isto é, com quatro ou
mais elementos, pode ser construída a partir de tríadas.
Embora, aparentemente, Peirce não tenha elaborado uma
prova definitiva deste teorema (pelo menos não em termos algébri-
cos, segundo Ketner 1986: 376, Burch 1991: vii), ele forneceu diver-
sos exemplos que sustentam sua tese.
“A dá B para C” é um exemplo de relação triádica indecom-
ponível que aparece em seu “One, two, three: fundamental cate-
gories of thought and of nature,” de 1885 (CP 1.371, W5: 244), e que
Peirce repete em diversas ocasiões (por exemplo, em seu “The logic
of relatives” [CP 3.480, 1896], em suas Harvard Lectures [CP 5.89,
1903], e em carta para Lady Welby [CP 8.331, 1904]). Segundo
Peirce, a simples coexistência de relações diádicas que podem ser
21
obtidas com a decomposição da relação original (A abandona B, C
recebe B, A enriquece C) não recompõe o fato de A ter dado B para C.
Para a segunda parte do teorema, Peirce fornece, no mesmo
ensaio, o exemplo de propriedades das estradas com bifurcação em
comparação às de estradas sem bifurcação. As primeiras seriam
análogas a tríadas, pois colocam três terminais em conexão, e as
segundas análogas a díadas, pois conectam dois terminais. Segundo
ele, nenhuma combinação de estradas sem bifurcação terá mais de
dois terminais (figura I.1.1.a), ao passo que qualquer número de
terminais pode ser conectado por estradas que contenham nós
apontando para três direções (figura I.1.1.b).
Em “The basis of pragmaticism in phaneroscopy” (MS 908,
EP2: 360-70) Peirce apresenta outros exemplos de como formas
que representam relações de diversas adicidades podem ser cons-
truídas a partir de tríadas (figura I.1.1.c). Exemplos similares
podem ser encontrados em CP 1.347, CP 3.483-84 e CP 4.309.
Segundo Ketner (1986: 376), a prova de redutibilidade de
Peirce deve ser compreendida à luz de sua abordagem topológica e
diagramática da lógica e da análise lógica. Para Burch (1991: 1-6),
existe uma importante conexão entre, de um lado, a lógica dos rela-
tivos e os sistemas gráficos lógico-matemáticos desenvolvidos por
22
Figura I.1.1.a. Combinações de 2, 5 e 7 estradas sem bifurcação.
Figura I.1.1.b. Combinação de estradas com bifurcação conectando 8 ter-
minais (exemplo extraído de CP 1.371, W2: 244).
Peirce, e de outro, os conceitos de ‘valência’ e ‘ligação’ desenvolvi-
dos pela química no mesmo período (ver também CP 1.288-292, CP
3.468-471, CP 4.307-310, CP 5.469). Segundo ele,
Assim como Frege, Peirce passou a ver a adicidade de uma
relação como uma característica de sua capacidade de
‘ligar-se’ ou ‘juntar-se.’ Diferente de Frege, Peirce pensava
nesta capacidade de ‘juntar-se’ como uma capacidade de
juntar-se a outras relações, por ‘aplicação.’ E ele via esta
capacidade como algo tão similar à capacidade de ligação
dos ions químicos, que a adicidade de uma relação pare-
cia-lhe corresponder ao número de posições valentes em
um ion. Sendo assim, uma relação apresentava-se como
um tipo de ion conceitual. (Burch 1991: 3)
Em um tutorial para seus grafos existenciais escrito em 1909 (MS
514),13
Peirce sugere uma notação visual para mêdades, mônadas,
díadas e tríadas que remete, igualmente, à forma como elementos
químicos com valência 0, 1, 2 e 3 são representados graficamente:
Grafos indivisíveis usualmente contém “pegs” que são
lugares em sua periferia apropriados para denotar, cada
um deles, um dos sujeitos do grafo. […]
23
Figura I.1.1.c. Formas de diversas adicidades construídas a partir de 1 tríade
(primeira linha), 2 tríades (segunda linha), 3 tríades (terceira linha) e 4 tríades
(quarta linha), (exemplo extraído de EP2: 364).
Um grafo ou instância de grafo contendo 0 pegs é uma
mêdade.
Um grafo ou instância de grafo contendo 1 peg é uma
mônada.
Um grafo ou instância de grafo contendo 2 pegs é uma díada.
Um grafo ou instância de grafo contendo 3 pegs é uma
tríada. (MS 514)14
Ketner (1986) parte exatamente deste tipo de representação gráfica
(figura I.1.1.d) para reconstruir, com sucesso, a prova de redutibi-
lidade de Peirce. Burch (1991: 123-136) utiliza um sistema seme-
lhante para representar graficamente a “Lógica Algébrica
Peirceana” (Peircean Algebraic Logic, ou PAL) que desenvolveu para
provar, algebricamente, a tese de redutibilidade de Peirce.
Tendo em vista estes desenvolvimentos, e também a termi-
nologia adotada por outros especialistas contemporâneos em lógica
peirceana como Houser (1997: 14) e Kent (1997: 448), embora
Peirce não tenha utilizado o termo ‘relação’ para se referir às
mônadas (preferindo as expressões ‘caráter,’ ‘qualidade’ ou ‘relato’
monádico), diremos que
Um signo, no sentido peirceano, pode ser entendido
como um complexo de relações, formado por três tipos
24
Figura I.1.1.d. Notação visual para mônadas, díadas e tríadas
utilizada por Ketner (1986:377-381).
elementares de relações, ou categorias:
(i) relações ‘monádicas’ ou ‘de primeiridade’,
(ii) relações ‘diádicas’ ou ‘de segundidade’, e
(iii) relações ‘triádicas’ ou ‘de terceiridade’.
Além das três categorias, Peirce também distinguiu o que ele
chamou de formas ‘genuínas’ ou ‘puras’ e ‘degeneradas’ das catego-
rias. Em seu “The basis of pragmaticism in the normative sciences”
(MS 283, EP2: 371-397) ‘degeneração’ da seguinte forma:
Um fenômeno geral que ocorre na matemática é que quase
todo conceito fortemente marcado possui conceitos fronteir-
iços que perdem suas características fortes mas são incluí-
dos em um conceito mais amplo. […] Estas fronteiras des-
botadas (se me permitem a expressão) de conceitos alta-
mente coloridos são, na matemática, apropriadamente
chamadas de ‘formas degeneradas.’ O mesmo fenômeno
ocorre no reino da faneroscopia […]. (EP2: 390)15
Em várias ocasiões (CP 4.147, CP 1.365, EP2: 390), Peirce forneceu
como exemplo de degeneração matemática os casos fronteiriços de
intersecção de um cone por um plano (figura I.1.1.e). Nestes
casos, no lugar de uma curva, temos duas retas (quando o plano é
paralelo ao eixo central do cone), uma reta (quando o plano tan-
25
gencia a supefície do cone), ou um ponto (quando o plano tangen-
cia o ápice do cone).
Em relação às categorias, Peirce definiu dois tipos de secun-
didade e três tipos de terceiridade (CP 1.365, 367 e em várias partes
de seu “A guess at the riddle”, e também em CP 1.528-29, CP 2.91,
EP2: 160-161, entre outros). Segundo Peirce, primeiridades, devi-
do ao seu caráter extremamente rudimentar(EP2: 160), não pos-
suem formas degeneradas. Secundidades, por sua vez, possuem
uma forma ‘genuína,’ ou ‘forte,’ que Peirce definiu como ‘externa’
—“verdadeiras ações de uma coisa sobre a outra” (W6: 178, CP
1.365)—, e outra, ‘degenerada’ ou ‘fraca,’ que ele definiu como
‘interna,’ dando como exemplo uma relação de identidade do tipo
“Lucullus janta com Lucullus” (W6: 177, CP 1.365).
Terceiridades, por sua vez, além de sua forma genuína, pos-
suem dois graus de degeneração:
O primeiro ocorre onde não existe no fato em si nenhu-
ma Terceiridade ou mediação, mas onde existe ver-
dadeira dualidade; o segundo grau ocorre onde não há
nem mesmo verdadeira Secundidade no fato em si. (W6:
178, CP 1.366)16
26
Figura I.1.1.e. Na primeira linha: círculo, elípse, parábola e hipérbole for-
madas pela intersecção de um cone por um plano. Na segunda linha: casos
degenerados (duas retas, uma reta, e um ponto).
Um exemplo de terceiridade degenerada em primeiro grau seria um
grampo que segura duas folhas juntas, e que continuará a segurar
uma das folhas caso a outra seja aniquilada (W6: 178, CP 1.366),
configurando o que Peirce chamou de ‘terceiridade acidental.’ A
afirmação “um centauro é uma mistura de um homem e um cavalo”
é, para Peirce, um exemplo de terceiridade degenerada em segundo
grau, algo que ele também chamou de ‘terceiro intermediário’ ou
‘terceiro de comparação’ (W6: 179, CP 1.367).
Também é possível compreender a questão da degeneração das
categorias a partir da análise de valências proposta por Ketner (1986).
Se considerarmos as possibilidades de formação de grafos valentes
simples, ou sem ligações, com valências 1, 2 e 3, veremos que:
(i) só existe um tipo de grafo valente simples com
valência 1: aquele formado por 1 mônada (figura
I.1.1.f);
(ii) existem dois tipos de grafos valente simples com
valência 2: aquele formado por 2 mônadas, e
aquele formado por uma díada (figura I.1.1.g); e
(iii) existem três tipos de grafos valentes simples
com valência 3: aquele formado por 3 mônadas,
aquele formado por 1 mônada e 1 díada, e aquele
27
Figura I.1.1.f. Grafo valente simples com valência 1,
segundo notação adotada por Ketner (1986).
Figura I.1.1.g. Grafos valentes simples com valência 2,
segundo notação adotada por Ketner (1986).
Figura I.1.1.h. Grafos valentes simples com valência 3,
segundo notação adotada por Ketner (1986).
formado por 1 tríada (figura I.1.1.h).17
A idéia de degeneração, aplicada ao modelo de signo formado por
Signo, Objeto e Interpretante, apresentado na introdução deste capí-
tulo, resulta na distinção entre dois tipos de Objeto e três tipos de
Interpretante. Em concordância com as duas formas de secundi-
dade discutidas nos parágrafos anteriores, Peirce definiu dois tipos
de Objeto —um ‘interno,’ e outro ‘externo’ ao signo—, nomeando-
os, respectivamente:
(i) Objeto Imediato, ou objeto ‘dentro’ do, ou tal
como é apresentado pelo, Signo, que correspon-
de à segundidade degenerada; e
(ii) Objeto Dinâmico, ou objeto ‘fora’ do Signo, tam-
bém chamado de ‘dinamóide,’ ‘real,’ ou ‘media-
to,’ que corresponde à segundidade genuína.
Ele também definiu três tipos de Interpretante que se alinham com
os três tipos de terceiridade discutidos acima:
(i) Interpretante Imediato, ‘Inicial,’ ou ‘Explícito,’
que Peirce também chamou de “Felt” (L 463:
144, CP 8.369, EP2: 489, o que traduzimos por
‘Sentido,’ ou ‘Percebido’), que corresponde à
primeiridade do Interpretante, ou sua forma
28
degenerada em segundo grau;
(ii) Interpretante Dinâmico, ‘Intermediário,’ ou
‘Efetivo,’ que corresponde à secundidade do
Interpretante, ou sua forma degenerada em
primeiro grau; e
(iii) Interpretante Final, também chamado de
‘Normal,’ ‘Destinado,’ ‘Intencionado’ ou
“Eventual” (L 463: 145, CP 8.372, EP2: 490, que
traduziremos por ‘Conclusivo’), corresponden-
do à terceiridade, ou forma genuína, do
Interpretante.
Para uma descrição mais detalhada dos dois tipos de Objeto e três
tipos de Interpretante, ver Santaella (1995: 53-66, 90-116).
Conforme veremos nos próximos capítulos, no contexto da
teoria do signo de Peirce, encontramos suas categorias cenopitagó-
ricas explicitamente aplicadas em três dimensões: (i) na definição
dos componentes básicos do modelo sígnico (Signo como primeiro,
Objeto como segundo, Interpretante como terceiro), (ii) na
definição das tricotomias (por exemplo, as três tricotomias que
servem de base para as 10 classes de signos, Signo em si mesmo
como primeiro, relação do Signo com o Objeto como segundo,
29
relação do Signo com o Interpretante como terceiro), e (iii) nas
modalidades expressas dentro das tricotomias (por exemplo, no
fato da relação do Signo com o Objeto poder ser descrita como
icônica, ou de primeiridade; indexical, ou de segundidade; ou sim-
bólica, ou de terceiridade).
Ela também está implícita na regra de determinação que
restringe as possibilidades de formação das classes de signos: “uma
Idéia só pode determinar uma Idéia, um Hábito só pode ser deter-
minado por um Hábito” (MS 339D: 627). Isso significa que terceiri-
dades (hábitos ou leis) podem determinar secundidades (fatos ou
existentes) ou primeiridades (possibilidades ou qualidades), mas
somente podem ser determinados por outra terceiridade.
Primeiridades, por sua vez, podem determinar apenas outras
primeiridades, mas podem ser determinadas por secundidades ou
terceiridades. Secundidades, finalmente, podem determinar
primeiridades ou outras secundidades, e podem ser determinadas
por secundidades ou terceiridades.
No restante desta tese, e em especial no contexto das classifi-
cações de signos, a seguinte notação será utilizada para as catego-
rias: primeiridade = 1, secundidade = 2, terceiridade = 3.
30
I.1.2- Tricotomias
A teoria do signo de Peirce baseia-se em uma arquitetura lógico-
filosófica eminentemente triádica, fundamentada em sua doutrina
das categorias. Em toda sua obra encontramos exemplos de con-
ceitos que são, segundo o autor, divisíveis de acordo com as catego-
rias de primeiridade, secundidade e terceiridade, explicadas na
seção anterior. Esta visão é particularmente importante para a ela-
boração de sua classificação dos signos e de sua classificação das
ciências, mas também tem reflexos em sua matemática
(“Trichotomic Mathematics,” CP 4.307), e em sua lógica (MS 339,
MS 431B, ver também Zellweger 1991 para uma análise da lógica
triádica apresentada nestes manuscritos).
No contexto da classificação dos signos, uma tricotomia, ou
tríade, é um aspecto ou ponto de vista a partir do qual um signo pode
ser descrito ou analisado. Para Houser (1991: 432, 1992: 491), as
tricotomias são como perguntas que podemos fazer a respeito do
signo. Para cada uma destas perguntas, temos três tipos de
respostas, baseadas nas categorias de primeiridade, secundidade e
terceiridade. No restante desta tese, apenas o termo ‘tricotomia’
será empregado para nomear estes aspectos, ou perguntas que
podem ser feitas a respeito do signo. Este foi, ao que tudo indica, o
31
termo preferido por Peirce na fase mais madura do desenvolvimen-
to de suas classificações sígnicas (ver CP 2.233, 8.345, 8.365; EP2:
291-294, 483, 488-491, textos redigidos entre 1902 e 1908). O
termo ‘modalidade’ será empregado para nomear as subdivisões de
uma tricotomia, ou as respostas previstas para estas perguntas.
Embora Peirce já houvesse esboçado a idéia de uma divisão
tricotômica dos signos em seu “On a new list of categories” (CP
1.545-559, W2: 49-59 [1868]),18
é na quinta seção do ‘Syllabus’
elaborado por ele em 1903 (MS 540, CP 2.233-272, EP2: 289-299)
que encontramos uma descrição mais detalhada de como este tipo
de divisão resulta em uma classificação consistente com sua doutri-
na das categorias. Peirce retoma e expande a idéia de classificação
de signos a partir de tricotomias em uma série de manuscritos, car-
tas e esboços de cartas para Lady Welby escritos entre 1906 e 1908
(em especial, MS 339D [1906], L 463: 132-146, 150-160, EP2: 478-
491, SS 80-85, CP 8.342-376 [1908]).
Em “On a new list of categories” (CP 1.558, W2: 56) Peirce
define três tipos de ‘representações’ a partir do tipo de relação que
mantém com seus objetos —likenesses; índices ou signos; e signos
gerais ou símbolos—, e também propõe uma divisão dos símbolos em
termos, proposições e argumentos. Uma divisão similar é proposta na
32
terceira Harvard Lecture (CP 5.73-76 [1903]). Aqui, segundo Peirce,
é o representamen que se divide, por tricotomia, em ícone, índice e
signo geral ou símbolo.
Em seu ‘Syllabus’ de 1903 (CP 2.243, EP2: 291), Peirce propõe
uma divisão dos signos com base em três tricotomias, que podem
ser traduzidas nos seguintes grupos de perguntas e respostas:
(i) O que é o signo em si mesmo?
1. Uma mera qualidade, um quali-signo
2. Um existente atual, um sin-signo
3. Uma lei geral, um legi-signo
(ii) Como ele se relaciona com seu objeto?
1. Relaciona-se em virtude de suas próprias
características, é um ícone
2. Relaciona-se de forma existencial, é um
índice
3. Relaciona-se através de convenções, é
um símbolo
(iii) De que modo, através do interpretante, ele
apresenta seu objeto para um possível intérprete?
1. Como um signo de possibilidade, um rema
33
2. Como um signo de fato, existente, um
dicente
3. Como um signo de lei, um argumento
Note-se que a tricotomia (ii) corresponde à primeira divisão pro-
posta em “On a new list of categories,” sendo que a nomenclatura
para suas modalidades é igual àquela utilizada na terceira Harvard
Lecture. A tricotomia (iii), por sua vez, assemelha-se à divisão para
os símbolos proposta nestes dois textos, mantendo, inclusive, a
nomenclatura ‘argumento’ para sua modalidade de terceiridade.
Em um manuscrito datado de 31 de agosto de 1906 (MS 339D:
543), Peirce apresenta uma “divisão provisória dos signos” baseada
em 10 tricotomias:
I. Matéria do Signo
Tinge (qualidade vaga) Token Tipo
II. Forma de apresentação do Objeto
Indefinida Designativa Geral
III. Natureza do Objeto Real
Abstrato Concreto Coletivo
IV.Conexão do Signo com seu Objeto
Ícone Índice Símbolo
34
V. Forma de Significação ou Interpretante Inicial
Mêdade/Mônada Díada Políada
talvez Hipotético Categórico Relativo ?
VI. Natureza do Interpretante Intermediário
Simpatético Chocante Usual
congruente percussivo
VII. Modo de Apelo do Interpretante Intermediário
Interrogativo Imperativo Indicativo
(ou sugestivo)
VIII. Propósito do Interpretante Conclusivo
Gratificante Atuante Moral ou
Temperativo
produzir auto-controle
IX. Natureza das Influências pretendidas pelo signo
[Rema] [Dici-signo] [Argumento]19
Sema Fema Deloma
X. Natureza das Garantias oferecidas pelo Signo
Abducente Inducente Deducente
garantia garantia garantia
de instinto de experiência de forma
35
Note-se que as tricotomias I, IV e IX correspondem às tricotomias
apresentadas (i), (ii) e (iii) no Syllabus.
Em uma série de esboços de carta para Lady Welby escritos
entre 23 e 28 de dezembro de 1908 (L 463: 132-146 e 150-60, SS
80-85, CP 8.342-376, EP2: 478-491) Peirce apresenta uma última
versão de suas 10 tricotomias, com algumas modificações. Nestes
últimos manuscritos, as tricotomias e suas modalidades são
descritas da seguinte forma (variações na nomenclatura estão
reproduzidas entre chaves):
1. Modo de ser [ou modo de apreensão] do Signo
Marca Token Tipo
[Tinge, Tom]
[Poti-signo] [Acti-signo] [Fami-signo]
2. Modo de apresentação do Objeto Imediato
Descritivo Denominativo Distributivo
[Indefinido] [Designativo] [Copulante]
3. Natureza [ou modo de ser] do Objeto Dinâmico
Abstrativo Concretivo Coletivo
[possível] [ocorrência] [coleção]
4. Relação do signo com seu Objeto Dinâmico
Ícone Índice Símbolo
36
5. Natureza [ou modo de apresentação] do
Interpretante Imediato [ou percebido, ou explícito]
Hipotético Categórico Relativo
[Ejaculativo] [Imperativo] [Significativo]
6. Natureza [ou modo de ser] do Interpretante
Dinâmico [ou efetivo]
Simpatético Chocante Usual
[Congruentivo] [Percussivo]
7. Relação do Signo com o [ou modo de apelo do]
Interpretante Dinâmico
Sugestivo Imperativo Indicativo
8. Natureza [ou propósito] do Interpretante Normal
[ou conclusivo, ou destinado]
Gratificante Produzir Produzir
ação auto-controle
9. Relação do Signo com o Interpretante Normal [ou
natureza da influência do signo]
Sema Fema Deloma
37
10. Relação do Signo com seu Objeto Dinâmico e seu
Interpretante Normal [ou natureza da garantia da
expressão]
Garantia Garantia Garantia
do instinto da experiência da forma
Note-se que as tricotomias desta lista correspondem às tricoto-
mias apresentadas na lista anterior (MS 339D: 543), com algumas
variações na nomenclatura. As tricotomias 1, 4 e 9, por sua vez,
correspondem às tricotomias (i), (ii) e (iii) apresentadas na lista
do Syllabus.
Levando em consideração estes últimos desenvolvimentos de
Peirce, e a terminologia adotada por seus comentadores (em espe-
cial, Weiss & Burks 1945, Sanders 1970, Jappy 1985, Marty 1990,
Müller 1994 e Santaella 1995), adotaremos a nomenclatura para as
dez tricotomias e suas modalidades apresentada na lista a seguir. A
ordem das tricotomias segue a ordem de apresentação adotada por
Peirce em uma das últimas listas por ele elaboradas, e que aparece
em um rascunho de carta para Lady Welby datado 24-28 de dezem-
bro de 1908 (L 463: 134, CP 8.344, EP2: 482-483).20
As abreviatu-
ras adotadas são particamente as mesmas utilizadas por Jappy
(1985: 114-115) e Marty (1990: 229).21
As descrições para as tricoto-
38
mias são bastante similares às adotadas por Weiss & Burks (1945),22
Sanders (1970),23
Houser (1991),24
Müller (1994)25
e Santaella
(1995).26
Diferenças na terminologia adotada para as modalidades
estão indicadas em notas para as mesmas.
1. S ([natureza do] Signo): Quali-signo, Sin-signo,
Legi-signo27
2. Oi ([natureza do] Objeto Imediato): Descritivo,28
Denominativo,29
Distributivo30
3. Od ([natureza do] Objeto Dinâmico): Abstrativo,
Concretivo, Coletivo
4. S-Od (relação do Signo com o Objeto Dinâmico):
Ícone, Índice, Símbolo
5. Ii ([natureza do] Interpretante Imediato):
Hipotético, Categórico, Relativo
6. Id ([natureza do] Interpretante Dinâmico):
Simpatético, Percussivo, Usual
7. S-Id (relação do Signo com o Interpretante
Dinâmico): Sugestivo, Interrogativo,31
Cognificativo32
8. If ([natureza do] Interpretante Final):
Gratificante,33
Prático, Pragmático34
39
9. S-If (relação do Signo com o Interpretante
Final): Rema, Dicente, Argumento35
10. S-Od-If (relação do Signo com o Objeto
Dinâmico e Interpretante Final): Instintivo,
Experiencial, Habitual36
Na próxima seção, veremos como estas tricotomias dão origem às
diversas classificações de signos propostas por Peirce.
I.1.3- Divisões dos signos em 10, 28 e 66 classes
Em seu ‘Syllabus’ de 1903 (MS 540, CP 2.233-272, EP2: 289-299),
além de apresentar seu modelo de signo e definir as três tricotomias
discutidas no início da seção anterior (figura I.1.3.a), Peirce tam-
bém propõe uma divisão dos signos em 10 classes a partir de com-
binações das nove modalidades que resultam destas três tricoto-
mias (figura I.1.3.b). As possibilidades de combinação destas
modalidades são restritas pelo que Savan (1987-1988) chamou de
‘regra de qualificação’:
Um Primeiro pode ser qualificado apenas por um Primeiro;
um Segundo pode ser qualificado por um Primeiro e por um
40
Figura I.1.3.a. As nove modalidades que
resultam das três tricotomias apresentadas
no Syllabus (MS 540, CP 2.233-272, EP2:
289-299).
Segundo; e um Terceiro pode ser qualificado por um
Primeiro, Segundo, e Terceiro. (Savan 1987-1988: 14)
Considerando o teor das ‘respostas’ que aparecem na figura I.1.3.b,
isso significa, por exemplo, que quali-signos, ou signos que são da
natureza das aparências, não podem se relacionar com seu objeto
em virtude de algo além de suas características próprias, nem se
apresentar como algo além de uma possibilidade. Legi-signos, por
outro lado, enquanto signos de tipo geral, podem se relacionar com
seu objeto tanto em virtude de suas características (neste caso
sendo, necessariamente, apresentados como signos de possibili-
dade), quanto em virtude de alguma relação existente (e assim
apresentarem-se como signos atuais, ou de possibilidade), ou em
virtude de algum tipo de convenção (e, somente neste caso, apre-
sentarem-se como signos de lei, atualidade ou possibilidade).
Weiss & Burks (1945) chamaram esta regra de ‘princípio 5’:
O que quer que seja um Primeiro determina apenas um
Primeiro; o que quer que seja um Segundo determina um
Segundo, ou (degeneradamente) um primeiro; o que quer
que seja um Terceiro determina um Terceiro, ou (degenera-
damente) um Segundo ou um Primeiro. (Weiss & Burks
1945: 384)
41
Figura I.1.3.b. Combinações das nove modalidades tricotômicas que
geram as 10 classes de signos descritas no Syllabus (figura baseada na
tabela apresentada em Merrell 1996: 8).
Eles argumentaram que este é um princípio que se aplica não
somente à composição das 10 classes, mas que determina, de uma
forma geral, quantas classes poderão ser formadas a partir de um
certo número de tricotomias (Weiss & Burks 1945: 387). Segundo a
fórmula proposta por eles,
(n + 1) (n + 2) / 2
(onde n é o número de tricotomias),
três tricotomias geram 10 classes de signos (conforme descrito no
Syllabus), seis tricotomias geram 28, e dez tricotomias geram 66
classes de signos (conforme afirma Peirce em carta para Lady
Welby, SS 85, EP2: 481). Sempre segundo esta fórmula, se conside-
rarmos apenas uma tricotomia, teremos uma divisão em apenas 3
classes de signos, como a que ocorre em “On a new list of cate-
gories” (CP 1.545-559, W2: 49-59) e outros textos anteriores ao
Syllabus (por exemplo, “One, two, three: fundamental categories of
thought and of nature” [CP 1.369, W5: 243], “An elementary
account of the logic of relatives” [MS 585, W2: 379]), onde Peirce
considera apenas a divisão entre ícones, índices e símbolos.
Peirce deu exemplos para cada uma das 10 classes descritas
no Syllabus, e também percebeu que, devido às restrições impostas
pela pela ‘regra de qualificação,’ seus nomes poderiam ser simpli-
42
ficados. O nome da primeira classe, ‘quali-signo icônico remático’
por exemplo, pode ser simplificado para ‘quali-signo’ uma vez que
não existem quali-signos que não sejam icônicos e remáticos. O
mesmo ocorre com a classe dos ‘argumentos,’ que são necessaria-
mente legi-signos simbólicos, e assim por diante. A tabela I.1.3.a
mostra a ordem na qual as 10 classes foram apresentadas, seus
nomes37
e exemplos de cada uma delas.
Peirce desenhou dois diagramas para as 10 classes de signos,
sendo que um deles refere-se explicitamente às 10 classes indicadas
na tabela acima. Estes dois diagramas, e os diagramas elaborados por
seus comentadores, são o assunto principal da parte II desta tese.
Peirce também sugeriu que existem certas relações especiais entre
determinadas classes (tabela I.1.3.b), algo que os comentadores
interpretaram em termos de ‘instanciação e envolvimento’ (Balat
1990, Serson 1997), ou simplesmente ‘implicação’ (Marty 1990). O
diagrama dinâmico 10cubes, introduzido no capitulo III.1 desta tese,
implementa uma nova estratégia para a visualização destas classes e
suas relações, apresentadas de forma interativa.
Além destas 10 classes, determinadas a partir de três tricoto-
mias, Peirce sugeriu a possibilidade de analisarmos o signo mais a
fundo, a partir de seis e dez tricotomias. De acordo com a mesma
43
Nome Exemplo
I Quali-signo (111) uma sensaçãode “vermelho”
II Sin-signo icônico (211) um diagramaindividualizado
III Sin-signo indexical remático (221) um grito espontâneo
IV Sin-signo dicente (222) um catavento
V Legi-signo icônico (311) um diagrama em sua generalidade
VI Legi-signo indexical remático (321) um pronome demonstrativo
VII Legi-signo indexical dicente (322) um pregão de mascate
VIII Símbolo remático (331) um substantivo comum
IX Símbolo dicente (332) qualquer proposição
X Argumento (333) abdução, dedução,indução
Tabela I.1.3.a. As 10 classes de signos apresentadas no Syllabus.
lógica que rege a formação das 10 classes, as seis tricotomias deter-
minam 28 classes, e as dez tricotomias determinam 66 classes.
Peirce apresenta esta idéia na série de manuscritos, cartas e esboços
de cartas para Lady Welby escritos entre 1906 e 1908 (em especial,
MS 339D [1906], L 463: 132-146, 150-160, EP2: 478-491, SS 80-
85, CP 8.342-376 [1908]), comentados na seção I.1.2, acima. Na
carta datada 23 de dezembro de 1908 (SS 80-85, EP2: 478-481),
Peirce afirma que
As seis tricotomias, ao invés de determinar 729 classes de
signos, como fariam se fossem independentes, geram apenas
28 classes; e se, como eu opino com veemência (para não
dizer que quase provo) existem outras quatro tricotomias de
signos de igual importância, ao invés de produzir 59.049
classes, elas totalizarão apenas 66. (SS 85, EP2: 481)38
Peirce não fornece nomes definitivos ou descrições detalhadas
destas 28 ou 66 classes, como faz para as 10 classes no ‘Syllabus,’
mas aponta quais seriam as tricotomias envolvidas nestas novas
classificações. Na mesma carta, Peirce afirma que as seis tricoto-
mias que produzem as 28 classes de signos são, em ordem de deter-
minação:
1. Objeto Dinâmico39
(Od),
44
Classe Relação com outras classes
Quali-signo (111)
Sin-signo icônico (211) Incorpora um quali-signo (111)
Sin-signo indexical remático (221) Envolve um sin-signo icônico (211)
Sin-signo dicente (222) Envolve um sin-signo icônico (211) e um sin-signo indexical remático (221)
Legi-signo icônico (311) Governa sin-signos icônicos (211)
Legi-signo indexical remático (321) Suas réplicas são sin-signos indexicais remáticos (221),Seu Interpretante o representa como um legi-signo icônico (311)
Legi-signo indexical dicente (322) Envolve um legi-signo icônico (311), e um legi-signo indexical remático (321). Suas réplicas são sin-signos dicentes (222).
Símbolo remático (331) Suas réplicas são sin-signos indexicais remáticos (221). Seu Interpretante o representa como um legi-signo indexical dicente (322) ou como um legi-signo icônico (311).
Símbolo dicente (332) Envolve um símbolo remático (331)e um legi-signo indexical
remático (321). Suas réplicas são sin-signos dicente (222).
Argumento (333) Suas réplicas são sin-signos dicentes (222).
Tabela I.1.3.b. Relações entre as 10 classes de
signos apresentadas no ‘Syllabus.’
2. Objeto Imediato (Oi),
3. Signo em si mesmo (S),
4. Interpretante Final40
(If),
5. Interpretante Dinâmico41
(Id), e
6. Interpretante Imediato42
(Ii).
Ele segue elencando as outras quatro tricotomias envolvidas na
divisão em 66 classes, mas afirma não estar totalmente seguro
quanto a elas.
Embora haja, entre os comentadores, uma certa concordân-
cia quanto às tricotomias envolvidas nas divisões em 28 e 66 classes
de signos (ver a última lista apresentada na seção anterior, e suas
notas), não é possível dizer que haja uma posição clara e definitiva
quanto à ordem de determinação destas tricotomias. Mudanças na
ordem de determinação das tricotomias que formam as classifi-
cações são extremamente importantes neste contexto, uma vez que,
mantida a ‘regra de qualificação’ descrita acima, algumas das clas-
ses de signos formadas por tricotomias em uma certa ordem de
determinação podem simplesmente não existir se considerarmos
uma ordem diferente. Por exemplo, se invertessemos a ordem das
duas primeiras tricotomias que formam as 10 classes, não teríamos
mais Legi-signos Idexicais, nem Legi-signos ou Sin-signos
45
Icônicos. Por outro lado, teríamos Sin-signos e Quali-signos sim-
bólicos, algo que não existe nas 10 classes descritas por Peirce.
Segundo Sanders (1970), embora Peirce não tenha fornecido
uma lista definitiva das dez tricotomias em sua ordem de determi-
nação, é possível encontrar em seus escritos algumas ordenações
parciais. Ele afirma que, qualquer que seja a ordem definitiva das
dez tricotomias, ela deve respeitar as seguintes ordens parciais de
determinação:
1. Oi deve preceder S
2. S deve preceder S-Od, que deve preceder S-If
3. Od deve preceder S, que deve preceder Id
Existem, é claro, muitas ordens de determinação possíveis que
respeitam estas três ordens parciais, mas Sanders afirmava desco-
nhecer, na época da publicação de seu artigo, qualquer tentativa
neste sentido.
No “Apêndice B” de Semiotics and Significs (Peirce 1977), I.
Lieb afirma que a ordem de determinação das seis primeiras trico-
tomias é explícita (em SS 85, EP2: 481, citado acima), e fornece uma
tentativa de ordem para as tricotomias restantes:
Od, Oi, S, Ii,43
Id,44
If,45
S-Od, S-Id, S-If, S-Od-If.
Levando em consideração diversos manuscritos de Peirce, e os tra-
46
balhos de diversos comentadores (em especial Weiss and Burks
1945 e Sanders 1970), Müller (1994: 147) defende a seguinte ordem
de determinação:
Od, Oi, S, If, Id, Ii, S-Od, S-If, S-Id, S-Od-If.
Como podemos notar, ambas as ordens de determinação satisfazem
as ordens parciais apontadas por Sanders (1977), embora apenas a
posição das três primeiras, da quinta, da sétima, e da última trico-
tomia sejam as mesmas.
Entre os comentadores franceses, Marty (1990: 228-233)
afirma acreditar que a divisão em 66 classes é redundante em
relação à divisão em 28 classes que resulta das tricotomias apresen-
tadas por Peirce na carta de 23 de dezembro de 1908 (SS 85, EP2:
481, ver acima). A ordem das tricotomias apresentada nesta carta
não é a mesma adotada pela semioticista argentina A. Marostica
(1992: 117-119), que utiliza a seqüência
S, Oi, Od, Ii, Id, If
para fundamentar seus argumentos acerca das relações entre as 28
e as 10 classes de signos. A. Jappy (1989), por sua vez, propõe uma
reformulação da estrutura da classificação em 66 classes, na qual
existiria uma ‘bifurcação’ na ordem de determinação das tricoto-
mias a partir da tricotomia S (figura I.1.3.c). Note-se que as ordens
47
Figura I.1.3.c. Reformulação da estrutura de determinação das 10
tricotomias proposta por Jappy (1989: 147).
parciais defendidas por Sanders (1977, acima) são respeitadas,
embora a seqüência dos interpretantes (Ii, Id, If) apareça em ordem
diferente daquela que, segundo comentadores (Savan 1976: 48-49,
Marty 1990: 210, Müller 1993: 147) é a proposta por Peirce (ver a
lista das seis tricotomias da carta de 23 de dezembro de 1908, acima,
e suas notas).
Em resumo, podemos dizer que, se a questão da divisão dos
signos em 10 classes, conforme proposta no ‘Syllabus’ é bastante
bem compreendida, e abordada de forma concordante por seus
comentadores, o mesmo não pode ser dito sobre as 28, e principal-
mente sobre as 66 classes de signos. O diagrama dinâmico 3N3,
apresentado no capitulo III.2 desta tese pretende ser uma con-
tribuição para um melhor entendimento das questões relacionadas
às classificações de signos de Peirce, em especial às divisões em 28
e 66 classes.
48
Notas
1 . Ao longo deste trabalho, as seguintes abreviaturas serão utilizadas para facili-
tar a referência à obra de Peirce:
CP: The Collected Papers of Charles S. Peirce (Peirce 1994)
EP: The Essencial Peirce: selected philosophical writings (Peirce 1998)
L: cartas datadas segundo o Annotated catalogue of the papers of Charles S.
Peirce (Robin 1967)
MS: manuscritos datados segundo o Annotated catalogue of the papers of
Charles S. Peirce (Robin 1967)
NEM: New Elements of Mathematics by Charles S. Peirce (Peirce 1976)
SS: Semiotics and Significs: the correspondence between Charles S. Peirce and
Victoria Lady Welby (Peirce 1977)
W: Writings of Charles S. Peirce - a cronological edition (Peirce 1982-2000)
2 . A sign, or representamen, is something which stands to somebody for something in
some respect or capacity. It addresses somebody, that is, creates in the mind of
that person an equivalent sign or perhaps a more developed sign. That sign which
it creates I call the interpretant of the first sign. The sign stands for something, its
object. It stands for that object, not in all respects, but in reference to a sort of idea,
which I have sometimes called the ground of the representamen. [...] (CP 2.228)
3 . A Representamen is the First Correlate of a triadic relation, the Second Correlate
being termed its Object, and the possible Third Correlate being termed its
Interpretant, by which triadic relation the possible Interpretant is determined to
be the First Correlate of the same triadic relation to the same Object, and for some
possible Interpretant. A Sign is a representamen of which some interpetant is a
cognition of a mind. Signs are the only representamens that have been much stud-
49
ied. (MS 540, CP 2.242, EP2: 290-291)
4 . […] I use these two words, sign and representamen, differently. By a sign I mean
anything which conveys any definite notion of an object in any way, as such con-
veyers of thought are familiarly known tous. Now I start with this familiar idea
and make the best analysis I can of what is essential to a sign, and I define a rep-
resentamen as being whatever that analysis applies to. [...] (CP 1.540)
5 . I use “sign” in the widest sense of the definition. It is a wonderful case of an almost pop-
ular use of a very broad word in almost the exact sense of the scientific definition. [...]
I formerly preferred the word representamen. But there was no need of this horrid
long word. (SS 193)
6 . Em respeito aos limites do escopo deste trabalho, não será possível, aqui,
entrar em maiores detalhes quanto à fenomenologia de Peirce. Aos interes-
sados, recomenda-se a leitura de Savan (1951), Rosensohn (1974),
Spiegelberg (1981), Parker (1998: 103-127) e Rosenthal (2001).
7 . Nesta mesma passagem dos Collected Papers (CP 8.329) Peirce afirma que
suas três categorias assemelham-se aos três estágios do pensamento de
Hegel, embora esta semelhança só tenha sido notada muitos anos depois da
concepção das categorias.
8 . Quality (Reference to a Ground),
Relation (Reference to a Correlate),
Representation (Reference to an Interpretant)
(CP 1.555, W2: 54)
9 . The first comprises the qualities of phenomena, such as red, bitter, tedious, hard,
pitiful, noble; […]
The second category of elements of phenomena comprises the actual facts. […]
50
The third category of elements of phenomena consists of what we call laws when
we contemplate them from the outside only, but which when we see both sides of
the shield we call thoughts. […] (CP 1.418-20)
10 . […] But for scientific terms, Firstness, Secondness, and Thirdness, are to be preferred
as being entirely new words without any false associations whatever. […] (CP 4.3)
11 . Firstness is the mode of being of that which is such as it is, positively and without
reference to anything else.
Secondness is the mode of being of that which is such as it is, with respect to a sec-
ond but regardless of any third.
Thirdness is the mode of being of that which is such as it is, in bringing a second
and third into relation to each other. (CP 8.328)
12 . Em um manuscrito sem data (CP 7.528), Peirce chama suas categorias de
Kainopytagóricas.
13 . Para uma análise detalhada deste manuscrito, consultar Sowa (2001).
14 . Indivisible graphs usually carry “pegs” which are places on their periphery appro-
priated to denote, each of them, one of the subjects of the graph. […]
A graph or graph instance having 0 peg is medad.
A graph or graph instance having 1 peg is monad.
A graph or graph instance having 2 pegs is dyad.
A graph or graph instance having 3 pegs is triad. (MS 514)
15 . The general phenomenon throughout mathematics is that almost every strongly
marked concept has border concepts which lose the strong characteristics but are
included in a broader concept. […] These colorless borders (is the expression be
allowed) of highly colored concepts are, in mathematics, well called ‘degenerate forms.’
The same phenomenon presents itself in the realm of phaneroscopy […]. (EP2: 390)
51
16 . Among thirds, there are two degrees of degeneracy. The first is where there is in the
fact itself no Thirdness or mediation, but where there is true duality; the second degree
is where there is not even true Secondness in the fact itself. (W6: 178, CP 1.366)
17 . A seguinte observação de Peirce:
Uma tríade diadicamente degenerada é uma [tríade] que resulta de díadas
(“A dyadically degenerate triad is one which results from dyads”, CP 1.473),
contudo, não é provável dentro da análise de valências proposta por Ketner
(1996), uma vez que viola sua regra delta: Uma tríada (seja ela simples ou
complexa) não pode ser composta por díadas exclusivamente, nem por díadas
e mônadas exclusivamente, e nem apenas por mônadas. (Ketner 1986: 380)
Note-se que esta é exatamente a regra que comprova a irredutibilidade
das tríadas.
18 . Propostas de divisão dos signos em ícones, índices, símbolos, similares a
esta, aparecem em outros textos anteriores a 1900, como “One, two, three:
fundamental categories of thought and of nature” (CP 1.369, W5: 243
[1885]). A mesma divisão aparece também em um texto para a terceira
Harvard Lecture CP 5.73-76, 1903), onde, porém, Peirce avança nas classifi-
cações de forma diferente daquela exposta no Syllabus.
19 . Estas três palavras entre chaves estão rasuradas no original.
20 . Sanders (1970: 9-10), Marty (1990: 228-230), e Santaella (1995: 125) tam-
bém apresentam as tricotomias nesta ordem. Weiss & Burks (1945: 386-387)
adotam uma ordem diferente, iniciando com as tricotomias que se referem
às naturezas dos elementos do signo, seguidas por aquelas que se referem a
relações entre estes elementos.
21 . Embora ambos utilizem “S, O, I” (e não S-Od-If) como abreviatura para a
52
décima tricotomia. Sanders (1970: 9-10) e (Müller 1994: 143) também ado-
tam abreviaturas similares, mas utilizam “N” (para “normal”) onde aqui
adotamos “f” (para “final”).
22 . Weiss & Burks (1945: 386-387) utilizam uma descrição um pouco diferente
(“Relation of Final or Logical Interpretant to Object”) para a décima tricotomia.
Eles foram, aparentemente, os primeiros entre os comentadores a adotar o
termo “interpretante final” (tambem utilizado por Peirce em CP 4.536, 4.572,
8.184, 8.314) no lugar de “interpretante normal.” A expressão “interpretante
final” foi preferida para esta tese por ser considerada menos ambígua.
23 . Sanders (1970: 9-10) utiliza o termo “interpretante normal” onde aqui ado-
tamos “interpretante final.”
24 . Houser (1991: 435) utiliza a descrição “nature of the assurance afforded [to]
the interpreter” para a décima tricotomia. Esta tese adota a descrição “relação
do Signo com o Objeto Dinâmico e Interpretante Final” com base em Peirce
(SS 85, EP2: 483), Sanders (1977: 10) e Müller (1994: 143).
25 . A simplificação dos termos adotados para descrever as tricotomias foi inspi-
rada pela abordagem de Müller (1994), e por sua demonstração de como as
tricotomias podem ser derivadas a partir dos elementos do signo e da doutri-
na das categorias de Peirce. Ele utiliza, contudo, o termo “interpretante nor-
mal” onde aqui adotamos “interpretante final” (Müller (1994: 142-143).
26 . Santaella (1995: 122-126) utiliza o termo “interpretante normal” onde aqui
adotamos “interpretante final.” Ela também utiliza uma descrição um pouco
diferente (“conforme a natureza da garantia de uso do signo ou de acordo
com a relação triádica do signo com seu objeto”), similar à adotada por
Weiss & Burks (1945: 386-387, ver nota acima), para a décima tricotomia.
53
27 . Jappy (1985: 115) e Marty (1990: 229) adotam a terminologia “poti-signo,
acti-signo, fami-signo” para estas modalidades no contexto das dez tricoto-
mias, embora utilizem as expressões ‘quali-signo, sin-signo, legi-signo,’
adotadas aqui, em outros contextos (por exemplo, Jappy 1985: 114; Marty
1990: 216-219, 227).
28 Além de ‘descritivo,’ Houser (1991: 435) adota também a expressão
‘indefinido’ como alternativa para a descrição desta modalidade.
29 Sanders (1970: 9), Jappy (1985: 115), Marty (1990: 229), Houser (1991: 435)
e Santaella (1995: 123) adotam “Designativos” no lugar do termo
‘Denominativo,’ adotado aqui por ser, aparentemente, aquele preferido por
Peirce (L469: 143, EP2: 488). Houser (1991: 435) também sugere a
expressão ‘singular’ como alternativa para a descrição desta modalidade.
30 . Weiss & Burks (1945: 386) e Houser (1991: 435) adotam o termo
“Copulativo”; Sanders (1970: 9), Jappy (1985: 115) e Marty (1990: 229) ado-
tam “Copulantes” no lugar do termo ‘Distributivo,’ adotado aqui por ser,
aparentemente, aquele preferido por Peirce (L469: 143, EP2: 488). Houser
(1991: 435) também sugere a expressão ‘geral’ como alternativa para a
descrição desta modalidade.
31 . Sanders (1970: 10), Jappy (1985: 115), Marty (1990: 229), Houser (1991:
435) e Santaella (1995: 124) adotam “Imperativo” onde aqui adotamos
‘Interrogativo.’
32 . Weiss & Burks (1945: 387), Sanders (1970: 10), Jappy (1985: 115), Marty
(1990: 229) e Houser (1991: 435) adotam “Indicativo;” Santaella (1995: 124)
adota “Significativo” onde aqui adotamos ‘Cognificativo.’
33 . Marty (1990: 229) adota “Gráfico” onde aqui adotamos ‘Gratificante.’
54
34 . Sanders (1970: 10) adota os termos “Produzir ação” e “Produzir autocont-
role” onde aqui adotamos ‘Prático’ e ‘Pragmático.’
35 . Jappy (1985: 115) adota a terminologia “Semas, Femas, Delomas” para estas
modalidades no contexto das dez tricotomias, embora utilize as expressões
‘Rema, Dicente e Argumento,’ adotadas aqui, em outros contextos (por
exemplo, Jappy 1985: 114).
36 . Weiss & Burks (1945: 387) e Santaella (1995: 125) adotam a terminologia
“Garantia do instinto, Garantia da experiência, Garantia da forma” onde
aqui adotamos ‘Instintivo, Experiencial e Habitual.’ Houser (1991: 435)
adota “Abducentes, Inducentes, Deducentes.” Jappy (1985: 115) e Marty
(1990: 229) adotam “Formal” onde aqui adotamos ‘Habitual.’
37 . No decorrer desta tese, serão utilizadas seqüências numéricas compostas
pelos algarismos ‘1,’ ‘2,’ e ‘3’ para identificar as classes de signos em diferen-
tes classificações. Estes números, conforme explicado no final da seção I.1.1,
correspondem às categorias de primeiridade, secundidade e terceiridade,
aplicadas às modalidades tricotômicas que formam as classes. A quantidade
de algarismos utilizados em uma seqüência corresponde à quantidade de tri-
cotomias envolvidas na classificação (também chamado de valor ‘n-tri-
cotômico’ de uma classificação). O fato dos algarismos que compõem estas
seqüências estarem dispostos em ordem decrescente reflete a ‘regra de quali-
ficação’ ou ‘princípio de determinação,’ discutidos no início desta seção.
38 . […] the six trichotomies, instead of determining 729 classes of signs, as they would
if they were independent, only yield 28 classes; and if, as I strongly opine (not to
say almost prove) there are four other trichotomies of signs of the same importance,
instead of making 59,049 classes, these will only come to 66. (SS 85, EP2: 481)
55
39 . “Dynamoid,” no original (SS 85, EP2: 481).
40 . “Destinate” no original (SS 85, EP2: 481). Embora alguns comentadores (em
especial Weiss & Burks 1945, Marty 1982, Jappy 1985 e 1989) tenham inter-
pretado este termo como “imediato” (possivelmente devido à sua posição,
anterior ao Interpretante Dinâmico, na ordem de determinação), e o termo
“Explicit”, que aparece na mesma lista, como “final,” existe atualmente um
certo consenso (ver, por exemplo, Savan 1976: 48-49, Marty 1990: 210,
Müller 1993: 147) de que o que Peirce entende como ‘destinate’ neste manu-
scrito é o que ele chama, em outras ocasiões, de ‘normal’ ou ‘final,’ e o que
ele entende como ‘explicit’ é o que ele chama de ‘immediate.’
41 . “Effective,” no original (SS 85, EP2: 481).
42 . “Explicit,” no original (SS 85, EP2: 481). Ver nota acima.
43 . Lieb (1977: 162) descreve esta tricotomia como “destinate interpretants in
themselves,” mas utiliza como modalidades as mesmas que adotamos para a
tricotomia Ii (Hipotético, Categórico, Relativo).
44 . Lieb (1977: 162) descreve esta tricotomia como “effective interpretants in
themselves,” mas utiliza como modalidades as mesmas que adotamos para a
tricotomia Id (Simpatético, Percussivo, Usual).
45 . Lieb (1977: 162) descreve esta tricotomia como “explicit interpretants in
themselves,” mas utiliza como modalidades as mesmas que adotamos para a
tricotomia If (Gratificante, Prático, Pragmático).
56
I.2- O conceito de diagrama dentro da
teoria peirceana
Introdução
No contexto deste trabalho, um ‘diagrama’ pode ser definido como
uma associação entre elementos expressa por meio de relações em
um ambiente visual. Este capítulo aprofunda essa definição, apre-
sentando as várias facetas do conceito de ‘diagrama’ presentes na
obra de Peirce.
Veremos que, em algumas ocasiões (e.g. CP 1.369, 4.447; W6:
259; EP2: 10, 303), ‘diagrama’ é um sinônimo, ou um exemplo, de
ícone. O conceito de ‘diagrama’ como um tipo específico, entre
outros, de ícone, torna-se mais claro a partir da formulação de uma
tipologia dos ícones atualizados, ou hipo-ícones, feita por Peirce na
seção dedicada à gramática especulativa de seu ‘Syllabus’ de 1903
(CP 2.276-277, EP2: 273-274).
Paralelamente, Peirce sempre destacou o papel dos diagra-
mas no raciocínio —em especial no pensamento matemático e lógi-
co—, fornecendo vários exemplos do funcionamento daquilo que
ele chamou, em algumas ocasiões, de ‘raciocínio diagramático’ (CP
4.571, 5.148, 6.213). Neste contexto, o desenvolvimento de seus sis-
57
temas de diagramas lógicos —em especial seus grafos existenciais1—
deve ser entendido como um esforço para colocar em prática seus
argumentos a favor de uma forma eminentemente visual, e suposta-
mente mais intuitiva, de raciocínio.
I.2.1- Diagrama como sinônimo, ou melhor exemplo
de ícone
Conforme foi dito na seção I.1.2, em “On a new list of categories”
(CP 1.558, W2: 56 [1867]) Peirce define três tipos signos, a partir do
tipo de relação que mantêm com seus objetos. Em concordância
com sua doutrina das categorias, ele chama os primeiros, cuja
relação está baseada em simples qualidades que ambos têm em
comum, de ‘likenesses;’ os segundos, cuja relação é uma correspon-
dência factual de índices; e os terceiros, aqueles cuja relação está
baseada em alguma característica imputada, de símbolos.
Cerca de 20 anos mais tarde, em “One, two, three: fundamen-
tal categories of thought and of nature” (CP 1.369, W5: 243 [1885]),
Peirce retoma esta discussão, substituindo o termo ‘likeness’ por
‘signo diagramático’ ou ‘ícone.’ Este tipo de signo é então definido
como aquele que exibe alguma similaridade ou analogia com seu
objeto, em contraste com os índices, que apenas forçam a atenção
58
sobre o objeto, sem descrevê-lo, e com os símbolos, que se referem
ao objeto através de associações habituais de idéias. Um diagrama,
por sua vez, é descrito, em “On quantity” (1895) como “imagem
visual, seja ela composta por linhas, como uma figura geométrica,
ou uma sequência de signos, como uma fórmula algébrica, ou de
natureza mista, como um grafo” (NEM 275).2
Embora, ao que tudo indica, a diferença entre os conceitos de
‘ícone puro’ e ‘diagrama,’ tenha estado evidente para Peirce desde o
início (ver, por exemplo, CP 3.362 [1885]), é possível encontrar
diversas passagens onde os conceitos de ‘diagrama’ e ‘ícone’ pare-
cem se sobrepor (CP 2.282, 7.467 [1893], 2.279 [1895], 3.429
[1896]), ou onde diagramas são apresentados como exemplos de
ícone (EP2: 303 [1904], 4.531 [1905]) e vice-versa (W6:258-259
[1889]). Uma análise destas, e outras passagens onde ambos os ter-
mos aparecem, revela que diagramas são tratados como ícones por
serem signos que se relacionam com seus objetos devido a seme-
lhanças que são fundamentalmente estruturais, mas que, não rara-
mente, se refletem em sua aparência.
Um exemplo, dado por Peirce, onde os dois conceitos se
sobrepõem, é uma equação algébrica (CP 2.279, 2.282). Uma
equação algébrica é um ícone porque se assemelha ao problema que
59
pretende resolver, e é um diagrama porque esta semelhança baseia-
se, principalmente, no fato da estrutura da equação ser similar à
estrutura do problema. Além disso, para Peirce
[…] uma propriedade muito característica do ícone é que
através da observação direta dele outras verdades a
respeito de seu objeto podem ser descobertas além daquelas
suficientes para determinar sua construção. […] Esta
capacidade de revelar verdades inesperadas é precisa-
mente aquilo em que a utilidade das fórmulas algébricas
consiste, de forma que o caráter icônico é o que prevalece.
(CP 2.279 [1895])3
A relação disso com o que Peirce chamou de ‘raciocínio diagramáti-
co’ será analisada na última seção deste capítulo. Por hora, é sufi-
ciente ter em mente, à luz do que foi discutido no capítulo I.1, que
existe uma diferença, bastante importante, entre ‘ícone’ enquanto
primeiridade genuína (algo, portanto, da natureza de uma possibi-
lidade), e diagramas enquanto ícones atualizados. Esta diferença só
foi sistematizada por Peirce em 1903, e é o tema da próxima seção.
60
I.2.2- Diagrama como um dos tipos de hipoícone
Embora em 1885 (CP 3.362) Peirce já houvesse afirmado que “um
diagrama […] não é um ícone puro,” somente em 1903 ele extrai
maiores conseqüências desta afirmação. Não por acaso, Peirce faz
isso em uma seção de seu ‘’Syllabus’’ dedicada à gramática especula-
tiva (CP 2.274-77, EP2: 272-288). Este é, justamente, o ramo da
semiótica —entendida como lógica— que investiga a natureza dos
signos, suas condições de existência e classificação.4
Ele inicia com uma definição mais rigorosa de seu conceito de
ícone, diferenciando ‘ícones’ de ‘signos icônicos’:
[…] em um sentido mais estrito, nem mesmo uma idéia,
exceto no sentido de uma possibilidade, ou Primeiridade,
pode ser um Ícone. […] Mas um signo pode ser icônico, isto
é, pode representar seu objeto principalmente por sua simi-
laridade, não importando seu modo de ser. Se o que se
quer é um substantivo, um representamen icônico pode ser
denominado hipoícone. (CP 2.276, EP2: 273)5
Logo após, naquela que, segundo Jappy (2001), parece ser a única
definição completa dos hipo-ícones que podemos encontrar em sua
obra,6
Peirce descreve a seguinte divisão:
61
Hipo-ícones podem ser grosseiramente divididos de acordo
com o tipo de Primeiridade da qual participam. Aqueles
que participam de simples qualidades, ou Primeiras
Primeiridades, são imagens; aqueles que representam as
relações, principalmente diádicas, ou assim consideradas,
das partes de uma coisa por relações análogas em suas
próprias partes, são diagramas; aqueles que representam o
caráter representativo de um representamen pela represen-
tação de um paralelismo em outra coisa, são metáforas.
(CP 2.277, EP2: 274)7
Sendo assim, podemos dizer que, em termos estritos, um
‘ícone puro’ é apenas uma possibilidade lógica, e não algo existente.
Signos icônicos, ou hipo-ícones, por outro lado, são ícones instan-
ciados, participando de relações sígnicas existentes, devido a algum
tipo de semelhança que possuem com seus objetos. Neste contexto,
diagramas podem ser definidos como hipo-ícones cuja semelhança
com seu objeto baseia-se, antes de mais nada, em uma semelhança
estrutural. Se ícones são relações de ‘semelhança,’ um ‘diagrama’ é
um ícone instanciado das relações entre as partes de seu objeto. Os
‘diagramas’ se diferenciam das ‘imagens,’ que são ícones instanci-
ados de qualidades imediatas, aparentes, ou superficiais, e das
62
‘metáforas,’ que são ícones instanciados de hábitos, convenções ou
leis gerais.
Seguindo a lógica das categorias que rege a semiótica de
Peirce, devemos esperar também que as ‘metáforas,’ por um lado,
se apresentem na forma de ‘diagramas’ e, por outro, dependam da
insistência destes para adquirir seu status de convenção ou lei
(figura I.2.2.a). ‘Diagramas,’ por sua vez, devem depender da
incorporação de ‘imagens’ para serem reconhecidos como análogos
da estrutura de seus objetos (figura I.2.2.b), ao mesmo tempo em
que ‘imagens’ minimamente complexas, a partir do momento em
que são vistas como um composto de elementos mais simples,
podem ser entendidas como ‘diagramas’ (figura I.2.2.c). Isso
explica a posição central dos diagramas na lógica do ícone de Peirce.
Para Ransdell, “um ícone propriamente dito é sempre um
quali-signo […] embora o signo que ele incorpora possa ser
chamado de ‘icônico’ (ou de ‘hipoícone’)” (1997: 38). Nöth (1995:
122) e Santaella (1995: 143-1451996) adotam interpretações simi-
lares, localizando os hipo-ícones, no contexto das 10 classes de sig-
nos, entre os sin-signos e os legi-signos icônicos.
Conforme vimos na seção I.1.3 desta tese, Peirce de fato
fornece, como exemplos de sin-signo icônico e legi-signo icônico,
63
Figura I.2.2.a. Exemplo de metáfo-
ra visual: a figura ‘vamos acabar
com o nazismo’ se apresenta como
uma instância do diagrama ‘jogar
algo no lixo’ (ver figura I.2.2.b). A
compreensão desta metáfora
depende tanto de nossa capacidade
de reconhecer este diagrama quan-
to da capacidade de relacionar a
suástica com o nazismo.
Figura I.2.2.b. Exemplo de dia-
grama visual: a figura ‘jogar algo
no lixo’ depende do reconheci-
mento dos elementos ‘homem’
(ver figura I.2.2.c) e ‘cesta de lixo,’
aliada à noção de lei da gravidade.
respectivamente, “um diagrama individual” (CP 2.255) e “um dia-
grama, independente de sua individualidade factual” (CP 2.258).
Além destas duas classes, temos ainda os quali-signos (111, neces-
sariamente, icônicos e remáticos), como uma terceira classe de sig-
nos icônicos entre aqueles descritos nas 10 classes. Embora a
divisão dos signos em 10 classes e a divisão dos hipo-ícones façam
parte do mesmo documento (o ‘’Syllabus’’ de 1903), não encon-
tramos nele8
nenhuma menção explícita a uma relação entre estas
duas divisões. Contudo, se desejarmos estabelecer algum tipo de
correspondência entre as 10 classes e os 3 tipos de hipoícone, e se
começamos por identificar a classe dos quali-signos com os ícones
puros, restam apenas duas classes dentro das quais poderíamos
‘encaixar’ imagens, diagramas e metáforas: sin-signos e legi-signos
icônicos (211 e 311).
Ransdell e Nöth não deixam claro onde, entre os sin-signos
ou os legi-signos, poderíamos localizar os hipo-ícones diagramáti-
cos. Santaella (1995: 143-1451996), por sua vez, argumenta que os
três hipo-ícones podem ser considerados como três níveis de
iconicidade relacionados aos legi-signos icônicos.9
Em sua proposta para uma “classificação peirceana de mode-
los,” Houser (1991) relaciona os três tipos de signos icônicos
64
Figura I.2.2.c. Exemplo de imagem visual: a compreensão da figura
‘homem’ (no centro) se dá por sua semelhança com a silhueta de um ser
humano do sexo masculino (à esquerda). Também podemos compreender
esta figura como um diagrama das relações entre cabeça, tronco e mem-
bros que encontramos nos seres humanos (à direita).
encontrados nas 10 classes (quali-signos [111], sin-signos icônicos
[211] e legi-signos icônicos [311]) com três tipos de modelos:
• 111: aqueles que modelam seus objetos ao dividir
ou duplicar propriedades significantes (e.g.,
uma amostra de cor)
• 211: aqueles que modelam objetos ou eventos par-
ticulares por serem estrutural ou materialmente
parecidos com eles (e.g. uma maquete
arquitetônica)
• 311: aqueles que servem como modelo por serem
tipos gerais, similares a leis que todas as instân-
cias devem respeitar (e.g. figuras geométricas
desenhadas em uma lousa)
Houser (1991: 437) sugere que existem pontos em comum entre
estas três classes icônicas e os três hipo-ícones, e também que estas
relações talvez possam ser mais bem entendidas dentro da divisão
em 66 classes de signos. Ele não chega, porém, a nenhuma con-
clusão a este respeito, afirmando que estas questões ainda precisam
ser mais estudadas.
Stjernfelt (1999: 22), por sua vez, sugere a possibilidade de se
desenvolver uma “taxonomia racional dos diagramas,” a partir da
65
descrição de Peirce para ‘diagrama’ comentada no início da seção
I.2.1 (NEM 275). Ele também identifica, em uma passagem de
“Prolegomena to an apology for pragmaticism” (NEM 316-319
[1906]) algumas facetas da definição peirceana de diagrama:
(i) diagrama como um ícone de objetos racional-
mente relacionados, cuja compreensão não
dependeria de hábitos ou experiência;
(ii) diagrama como um tipo, isto é, um conjunto de
relações racionais que podem ser comunicadas
através de instâncias deste tipo, ou tokens; e
(iii) diagrama como elemento crucial dos processos
de inferência e raciocínio, “máquina formal para
experimentos mentais” (Stjernfelt 1999: 14).
A primeira faceta se aproxima à definição de ‘diagrama’ como
‘ícone,’ discutida na primeira seção deste capítulo. A segunda é bas-
tante similar ao tipo de ‘diagrama’ invocado para exemplificar os
legi-signos icônicos (CP 2.258), e à visão, proposta por Houser
(1991), dos signos icônicos como ‘modelos,’ discutida nos pará-
grafos anteriores. A última faceta é o tema da próxima seção.
66
I.2.3- Raciocínio diagramático
Em 1905, em uma passagem de seu “Prolegomena to an apology for
pragmaticism” onde introduz seus grafos existenciais, Peirce afirma
que “o raciocínio diagramático é o único tipo realmente fértil de
raciocínio” (CP 4.571). Esta afirmação reflete a força com que
Peirce defende, em várias passagens de sua obra, um tipo de pensa-
mento eminentemente visual, baseado na elaboração e manipu-
lação de diagramas.
Para Peirce, os diagramas são indispensáveis na matemática,
e de extrema importância na lógica (CP 4.544). Segundo ele, se a
lógica pode ser definida como a ciência das leis que regulam o esta-
belecimento de crenças estáveis, a ‘lógica exata,’ enquanto doutrina
das condições que fundamentam a lógica, deveria se basear em um
tipo de pensamento cujas observações sejam indubitáveis (CP
3.429). Este é, de acordo com ele, o caso do pensamento ou
raciocínio diagramático, também chamado de ‘icônico’ ou
‘esquemático.’
Em 1901, Peirce descreveu o processo envolvido neste tipo de
raciocínio da seguinte forma:
Formamos na imaginação algum tipo de representação
diagramática, isto é, icônica, dos fatos […]. Este diagra-
67
ma, que foi construído para representar intuitivamente ou
semi-intuitivamente as mesmas relações que estão expres-
sas de forma abstrata nas premissas, é então observado, e
uma hipótese se sugere […]. Para testá-la, vários experi-
mentos são feitos sobre o diagrama, que é modificado de
várias maneiras. […] a conclusão é por força verdadeira
devido às condições de construção do diagrama. (CP
2.778)10
Em diversas ocasiões, Peirce salientou a importância dos diagramas
no raciocínio dedutivo ou necessário (CP 1.66, 2.267, 3.363, 5.162,
6.471), chegando mesmo a afirmar que qualquer silogismo regular-
mente expresso é um diagrama (CP 4.544). Segundo Stjernfelt
(1999: 19), o raciocínio diagramático proposto por Peirce pode ser
entendido como processo que vai dando forma a um núcleo de
raciocínio dedutivo a partir de uma série de tentativas (abduções) e
testes (induções). Este tipo de raciocínio teria, portanto, como
principais vantagens, a possibilidade de revelar verdades ‘novas,’
não aparentes em uma simples listagem das relações apresentadas
por um problema, e a capacidade de conduzir a conclusões
testáveis, corretas e necessárias.
Estas vantagens não se restringem, segundo Peirce, aos cam-
68
pos da matemática e da lógica —algo que, tendo em vista a posição
fundante da matemática em sua classificação das ciências é per-
feitamente esperado. Para ele, a filosofia e a metafísica também se
beneficiam ao adotar este tipo de raciocínio.
Quanto à aplicabilidade e às vantagens do raciocínio dia-
gramático para a teoria do signo, não teremos dúvidas a este
respeito se lembrarmos que, para Peirce, ‘semiótica’ é apenas um
outro nome para a lógica “em seu sentido geral,” consistindo na
doutrina “quase-necessária, ou formal, dos signos” (CP 2.227).
69
Notas1 . Não será possível, dentro dos limites desta tese, entrar em detalhes quanto
aos sistemas de diagramas lógicos desenvolvidos por Peirce. Aos interessa-
dos, recomenda-se a leitura de Roberts (1973), Ketner (1981), Shin (1995), e
Sowa (2001).
2 . […] a diagram, or visual image, whether composed of lines, like a geometrical fig-
ure, or an array of signs, like an algebraical formula, or of a mixed nature, like a
graph (NEM 275).
3 . […] a great distinguishing property of the icon is that by the direct observation of it
other truths concerning its object can be discovered than those which suffice to
determine its construction. […] This capacity of revealing unexpected truth is pre-
cisely that wherein the utility of algebraical formulae consists, so that the iconic
character is the prevailing one. (CP 2.279 [1895])
4 . Os outros são lógica crítica, que estuda as várias formas de argumento ou
inferência, e retórica especulativa ou metodêutica, que se ocupa dos proce-
dimentos investigativos. O aprofundamento deste aspecto da obra de Peirce,
que deve ser entendido dentro do contexto de sua classificação das ciências,
foge ao escopo desta tese. Aos interessados, recomenda-se a leitura de Kent
(1987), Tursman (1987), Santaella (1992: 101-140).
5 . […] most strictly speaking, even an idea, except in the sense of a possibility, or
Firstness, cannot be an Icon. […] But a sign may be iconic, that is, may represent its
object mainly by its similarity, no matter what its mode of being. If a substantive be
wanted, an iconic representamen may be termed a hypoicon. (CP 2.276, EP2: 273)
6 . Uma busca nas principais obras publicadas (CPs, EPs, Ws) confirma esta
hipótese.
70
7 . Hypoicons may roughly [be] divided according to the mode of Firstness of which
they partake. Those which partake the simple qualities, or First Firstnesses, are
images; those which represent the relations, mainly dyadic, or so regarded, of the
parts of one thing by analogous relations in their own parts, are diagrams; those
which represent the representative character of a representamen by representing a
parallelism in something else, are metaphors. (CP 2.277, EP2: 274)
8 . Pelo menos não em suas versões publicadas nos CPs e nos EPs.
9 . Santaella (1995: 143-145, 1996) propõe uma sistematização composta por
seis níveis de iconicidade, que vão do “ícone puro,” passando pelos “ícones
atuais,” até os “signos icônicos.” O ícone puro teria apenas um nível, sendo
caracterizado como um quali-signo. Os ícones atuais, identificados como
sin-signos degenerados, ou ícones tais como aparecem nos processos per-
ceptivos, teriam dois níveis: um nível de ação, onde algo externo se impõe à
consciência, e um nível de reação, onde a consciência reage ao estímulo
externo. Os signos icônicos, por sua vez, teriam três níveis, alinhados aos
três tipos de hipo-ícones propostos por Peirce, e que Santaella caracteriza
como legi-signos.
10 . We form in the imagination some sort of diagrammatic, that is, iconic, represen-
tation of the facts. […] This diagram, which has been constructed to represent
intuitively or semi-intuitively the same relations which are abstractly expressed in
the premisses, is then observed, and a hypothesis suggests itself […]. In order to
test this, various experiments are made upon the diagram, which is changed in
various ways. […] the conclusion is compelled to be true by the conditions of the
construction of the diagram. (CP 2.778)
71
I.3- Sign design: um diálogo entre design e semiótica
Introdução
A compreensão dos aspectos fundamentais da semiótica de Peirce,
conforme vimos nos capítulos anteriores, depende do entendimen-
to dos princípios básicos que orientaram a construção de sua teoria
do signo. Isso passa pela compreensão de seu modelo de signo, de
sua doutrina das categorias, e da forma como esta teoria, aplicada a
este modelo, dá origem às tricotomias e às modalidades tricotômi-
cas que fundamentam as classes de signos. Se, conforme foi afirma-
do na seção I.1.1, um signo, no sentido peirceano, pode ser enten-
dido como um complexo de relações, então as classificações de sig-
nos de Peirce podem ser descritas como mapeamentos das relações
possíveis entre estas relações.
Conforme foi salientado na seção I.1.3, estes mapeamentos
tornam-se cada vez mais intrincados quanto maior o número de
aspectos que estivermos levando em consideração. Isso diz respeito
não só à quantidade de tricotomias envolvidas em uma determina-
da classificação, mas também às relações entre classes, como, por
exemplo, aquelas expostas na tabela I.1.3.b.
Contudo, se levarmos a sério os argumentos de Peirce quanto
72
às vantagens do raciocínio diagramático para a compreensão de
problemas que podem ser expressos em termos de relações, deve-
mos esperar que o desenvolvimento de diagramas mais eficientes
auxilie no entendimento destes conjuntos de complexos de
relações, que são a base de sua teoria do signo. Foi pensando nisso
que, em Farias & Queiroz (2000a), ao buscar esclarecer o modo
como chegamos ao projeto que deu origem ao diagrama 10cubes
(descrito no capítulo III.1 desta tese), propusemos um esboço de
metodologia para um tipo de investigação, eminentemente visual,
de certos aspectos da teoria do signo de Peirce.
Esta proposta tornou-se o embrião de um programa de
pesquisa ao qual, em Farias & Queiroz (2000b, 2000d e 2001a)
demos o nome de ‘sign design.’ Este capítulo apresenta esse progra-
ma de pesquisa, discute sua possível metodologia, e introduz alguns
exemplos de aplicação.
I.3.1- O que é sign design
Conforme discutido no capítulo de Introdução, no contexto desta
tese, e de trabalhos relacionados (em especial Farias & Queiroz
2000b, 2000d e 2001a), a expressão ‘sign design’ deve ser entendi-
da como a denominação de um programa de pesquisa que busca
73
descobrir novas estratégias de modelagem, e implementar novas
formas de visualização para certos aspectos da teoria do signo. Uma
tradução razoável, embora não totalmente satisfatória, desta
expressão para o português seria ‘design dos signos’ —entenden-
do-se ‘signos,’ evidentemente, no sentido semiótico do
termo. Este projeto não deve ser confundido com a expressão idên-
tica em inglês que, no contexto da prática do design, pode ser
traduzida como ‘design,’ ou ‘projeto,’ ‘de sinalização.’ Como se
verá, ele têm muito mais proximidade com o campo que se denomi-
na ‘design da informação’ (‘information design’), do qual pode-se
dizer que o ‘design de sinalização’ é um ramo aplicado.
Para os propósitos desta tese, portanto, entenderemos sign
design como uma abordagem sistemática de aspectos específicos da
teoria do signo de Peirce. Esta abordagem tem como objetivo a
construção de modelos visuais de estruturas e processos sígnicos,
estabelecendo conexões entre a semiótica peirceana e os campos do
design e do raciocínio diagramático (ou diagrammatic reasoning, tal
como é entendido, por exemplo, em Chandrasekaran et al. 1995 e
Blackwell 2001, onde encontramos visões muito similares à de
Peirce). Do design, e em particular do design gráfico, ela extrai uma
possível metodologia. Em comum com o campo de investigação
74
conhecido como raciocínio diagramático, ela adota a hipótese de que
diagramas são objetos valiosos, não apenas enquanto ferramentas
para solução de problemas específicos e imediatos, mas também, de
uma forma geral, enquanto auxiliares na organização das atividades
cognitivas (cf. Chandrasekaran et al. 1995: xv-xxvii).
Em Farias & Queiroz (2000a, 2000b, 2000c, 2000d, 2001a e
2001b) apresentamos os resultados parciais de duas pesquisas que
envolviam a aplicação deste tipo de abordagem no campo das clas-
sificações sígnicas de Peirce. Dois outros artigos (Farias 2001a e
2001b) apresentam desenvolvimentos ulteriores destas pesquisas.
Estes últimos descrevem os estágios iniciais da implementação dos
diagramas dinâmicos 10cubes e 3N3, descritos com maiores detalhes
nos capítulos III.1 e III.2 desta tese. Em Farias & Queiroz (2000a),
afirmamos acreditar que a estratégia adotada nestas pesquisas
pudesse ser generalizada como um método de investigação no
campo da semiótica.
Este método de investigação aproxima-se do que Shea
Zellweger (1982: 17) chama de “man-sign engineering.” Neste arti-
go, Zellweger destaca a necessidade de exploração de uma área apli-
cada e experimental da semiótica, dedicada à “criação de signos”
com base em “esforços coletivos altamente especializados para
75
compreender e melhorar nossas ferramentas mentais” (Zellweger
1982: 17-18). Segundo ele, o principal desafio desta área seria “pro-
jetar signos” capazes de estabelecer, através da “iconicidade visual”
de suas “estruturas de superfície,” um isomorfismo entre “a rede de
relações existentes em uma sociedade de signos e a rede correspon-
dente que existe na estrutura profunda daquilo que está sendo sim-
bolizado” (Zellweger 1982: 19-20). A este isomorfismo, Zellweger
dá o nome de “iconicidade relacional.” Na prática, seu plano se
divide em duas partes: (i) identificação das estruturas abstratas que
deverão ser simbolizadas; e (ii) invenção de um sistema de signos
que incorpore e revele, de forma visual, as relações presentes nes-
tas estruturas. Em diversos artigos, Zellweger demonstrou os resul-
tados de seus esforços no campo da lógica (Zellweger 1982, 1991,
1992, 1997a, 1997b).
Conforme afirmamos na Introdução, a obtenção de diagra-
mas mais efetivos do ponto de vista comunicacional, a partir da
aplicação de estratégias metodológicas do design, faz parte de um
conjunto de pressupostos gerais e aceitos quanto à natureza do
próprio design. A estes pressupostos, sign design adiciona a
hipótese de que estas mesmas estratégias poderiam contribuir para
a capacidade dos diagramas de “revelar verdades inesperadas” (CP
76
2.279, seção I.2.1, acima). Outro traço distintivo de sign design con-
siste em seu objetivo de fornecer instrumentos para investigações
semióticas (inclusive na área do design) a partir da compreensão
daquilo que podemos chamar de ‘design da semiótica.’ A semiótica,
portanto, é vista como um tipo de ‘projeto’ a partir do qual podemos
analisar e conceber outros projetos.
A próxima seção apresenta uma possível metodologia para
sign design.
I.3.2- Uma proposta de metodologia para sign design
A metodologia proposta para sign design consiste em três fases
interrelacionadas: (i) conceitualização, (ii) desenvolvimento, e (iii)
experimentação. Metodologias do design baseadas em três fases são
bastante comuns. Para Villas-Boas (1999), elas podem ser resumi-
das no trinômio “problematização, concepção e especificação”
(Villas-Boas 1999: 41). Alguns exemplos deste tipo de metodologia
são a estrutura de desenvolvimento baseada em três passos, “meta-
planejamento, planejamento e design,” proposta por Owen (1998),
o “Método de Desdobramento em 3 Etapas” (MD3E) formalizado
por Santos (2000),1
e o processo recursivo “descoberta -> design -
> uso -> descoberta -> …” descrito por Cato (2001: 9-17). Não por
77
acaso, é possível traçar paralelos entre a maioria destas propostas e
os procedimentos investigativos baseados em abdução, indução e
dedução descritos pela metodêutica de Peirce.2
A metodologia aqui descrita foi apresentada pela primeira vez
em Farias & Queiroz (2000a). Embora o estudo dos tipos de
raciocínio propostos por Peirce (Farias 1999), e o contato com a
proposta de Owen (Owen 1998 foi apresentado como palestra em
São Paulo e no Rio de Janeiro, durante o 3º P&D Design) tenham
servido como inspiração, a proposta de metodologia para sign design
baseou-se principalmente em uma reflexão quanto ao meu proces-
so de criação. Mais especificamente, ela é uma tentativa de definir
quais foram os passos empregados no processo que culminou com a
realização dos dois diagramas dinâmicos descritos nos capítulos
III.1 e III.2.
As três fases da metodologia proposta para sign design são:
(i) Fase de conceitualização: onde são exploradas
as bases teóricas e conceituais para o design de
estruturas e processos sígnicos específicos. A
fase de conceitualização dos modelos que serão
apresentados nos capítulos III.1 e III.2
envolveu uma detalhada investigação do mode-
78
lo de signo, e sua descrição, em diferentes
tipos, através das classificações sígnicas. As
primeiras seções dos capítulos III.1 e III.2 são
exemplos de descrição esta fase.
(ii) Fase de desenvolvimento: onde os resultados da
fase de conceitualização são aplicados ao design
de um novo modelo. Trata-se de uma fase emi-
nentemente prática, fundamentada na tradução
visual dos elementos teóricos levantados na fase
anterior. Boa parte dos capítulos III.1 e III.2 é
dedicada a esta fase, que inclui desde a geração
de alternativas para a interface até a implemen-
tação dos diagramas.
(iii) Fase de experimentação: onde as informações
visuais proporcionadas pelo modelo construído
na fase de desenvolvimento devem ser testadas.
Os resultados desta fase devem ser comparados
e avaliados à luz da fase conceitualização. As
últimas seções dos capítulos III.1 e III.2 trazem
alguns resultados desta fase. Em Farias &
Queiroz (2000a), afirmamos que a ênfase na
79
experimentação seria um traço distintivo desta
estratégia em relação à postura de outros
comentadores, cujos modelos pareciam ser
objetos estanques, e não ferramentas dinâmicas
para investigação.
Em Farias & Queiroz (2000b) chamamos atenção para o fato de que
os modelos desenvolvidos com esta metodologia, mais do que ilus-
trações de aspectos de uma teoria, deveriam funcionar como ferra-
mentas visuais de investigação desta teoria. Isto significa que, se um
modelo é suficientemente bem desenvolvido, devemos ser capazes
de postular e testar visualmente certas hipóteses em relação aos
processos e estruturas sígnicas especificadas na fase conceitual
(fase i). Em relação ao processo como um todo, afirmamos acredi-
tar que uma melhor estratégia de design na fase de desenvolvimen-
to (fase ii) deve levar a um modelo mais produtivo na fase de exper-
imentação (fase iii). De forma complementar, fraquezas ou incon-
sistências na fase de experimentação (fase iii) deveriam levar a uma
reconsideração das premissas assumidas na fase de conceitualiza-
ção (fase i) e das estratégias utilizadas na fase de desenvolvimento
(fase ii).
80
I.3.3- Aplicações para sign design
A estratégia descrita nas seções anteriores foi desenvolvida a par-
tir da hipótese de que certos aspectos, bastante específicos, da teo-
ria peirceana, poderiam ser mais bem compreendidos se investi-
gados e re-enunciados de forma visual. Os dois diagramas dinâmi-
cos apresentados nos capítulos III.1 e III.2 desta tese são os mel-
hores exemplos de como esta estratégia pôde ser aplicada, com
sucesso, no campo das classificações sígnicas de Peirce. A
definição de uma possível metodologia para sign design tem como
objetivo não apenas tornar pública uma reflexão quanto ao proces-
so de criação destes diagramas, mas também incentivar o desen-
volvimento de novos modelos.
Em Farias & Queiroz (2000b) afirmamos acreditar que esta
estratégia, ao aproximar o estudo da semiótica à prática do design,
seja de especial interesse para áreas do design e da comunicação.
Nota-se que existe um certo consenso sobre a importância do ensi-
no da semiótica em cursos destas áreas. A semiótica de Peirce, sua
teoria geral do signo e suas classificações sígnicas, são de grande
interesse tanto para a análise quanto para o desenvolvimento de
projetos nestas áreas. Ao mesmo tempo, uma abordagem estrita-
mente teórica desta disciplina torna-a, por vezes, tão dissociada da
81
prática do design que sua relevância pode parecer questionável.
Mesmo o que chamamos de ‘semiótica aplicada’ é um tópico geral-
mente tratado através de uma abordagem baseada em leituras e
desenvolvimentos descritivos, classificatórios ou analíticos (ver,
por exemplo, Im 1998:176).
A metodologia apresentada na seção anterior poderia ser uti-
lizada com propósitos educacionais, orientando estudantes no
desenvolvimento de trabalhos práticos que requerem um estudo
cuidadoso da teoria do signo de Peirce. O resultado deste esforço
seria um conjunto de ferramentas que poderiam, por sua vez, ser
utilizadas em um curso de design para explicar tópicos complexos
da teoria do signo de Peirce. Tais ferramentas, enquanto recurso
pedagógico, são de especial interesse vista a afinidade dos estu-
dantes de design com o que chamamos de raciocínio diagramático,
ou seja, uma forma de raciocínio que privilegia estruturas visuais,
imagéticas e multidimensionais.
Em resumo, sign design parece ter um duplo interesse para as
áreas do design e da comunicação. Por um lado, sua metodologia
sugere uma forma prática e visual de investigação, que poderíamos
chamar de ‘semiótica do design’, ou ‘design aplicado à semiótica’.
Por outro, as ferramentas construídas através desta metodologia
82
deveriam ser capazes de auxiliar o ensino da semiótica em cursos de
design, com especial interesse para o desenvolvimento de uma
semiótica do design baseada na teoria de C. S. Peirce.
83
Notas
1 . Santos (2000) propõe uma estrutura baseada em três etapas que se desdo-
bram em três, da seguinte forma:
1. Pré-concepção
1.1. Definição do problema
1.2. Especificação do produto
1.3. Especificação do projeto
2. Concepção
2.1. Geração de alternativas
2.2. Seleção das alternativas
2.3. Definição e justificativa
3. Pós-concepcão
3.1. Detalhamento dos subsistemas
3.2. Especificação de componentes
3.3. Especificação da produção, venda e pós-venda
2 . Uma análise mais aprofundada da metodêutica, ou retórica especulativa, de
Peirce (ver seção I.2.1, nota 3) foge ao escopo desta tese. Para uma ótima
apresentação deste aspecto da teoria peirceana, feita dentro do contexto de
uma discussão dos métodos de pesquisa em comunicação, ver Santaella
(2001: 116-126).
84
Parte II. Diagramas para as classes de signos
II.1- Modelos desenvolvidos por Peirce
Introdução
Neste capítulo são analisados os únicos dois diagramas conhecidos,
elaborados por Peirce, para as 10 classes de signos (MS 540: 17, CP
2.264, EP2: 296; e L463:146, CP 8.376, EP2: 491). Conforme men-
cionado na seção I.1.3 desta tese, um deles refere-se explicitamente
às 10 classes descritas no ‘Syllabus’ de 1903. O outro, encontrado
entre os esboços de uma carta para Lady Welby escrita no final de
dezembro de 1908, também apresenta um arranjo para 10 classes.
As duas seções apresentam não apenas os modelos tal como
foram publicados nos Collected Papers e no Essential Peirce, mas tam-
bém analisam uma série de esboços para estes diagramas encontra-
dos entre seus manuscritos. Elas servem de base para a discussão a
respeito dos diagramas de Peirce que ocorre nas seções III.1.1 e
III.2.1 desta tese, dedicadas à fase de conceitualização dos diagra-
mas dinâmicos 10cubes e 3N3.
II.1.1- O modelo do ‘Syllabus’ 1903
Conforme já foi discutido no capítulo I.1 desta tese, em seu ‘Syllabus’
de 1903 (MS 540, CP 2.233-72, EP2: 289-99) Peirce apresenta uma
86
divisão dos signos em 10 classes, baseada em três tricotomias.
Depois de descrever cada uma delas, Peirce apresenta um diagrama
onde elas aparecem dentro de 10 quadrados arranjados de forma tri-
angular (figura II.1.1.a), e faz o seguinte comentário:
As afinidades das dez classes são exibidas pelo arranjo de
suas designações na tabela triangular aqui apresentada,
que possui divisões mais grossas entre quadrados adja-
centes que são apropriados para classes similares em ape-
nas um aspecto. Todos os outros quadrados adjacentes
pertencem a classes similares em dois aspectos. Quadrados
não adjacentes pertencem a classes similares em um
aspecto apenas, exceto que cada um dos três quadrados
nos vértices do triângulo pertence a uma classe que difere
em todos os três aspectos das classes para as quais os
quadrados ao longo do lado oposto do triângulo são apro-
priados. As designações escritas com letras mais finas são
supérfluas. (CP 2.264)1
Este diagrama, ao qual nos referiremos como ‘diagrama do
Syllabus,’ foi reproduzido de forma similar à figura II.1.1.b nos
Collected Papers (CP 2.264) e no segundo volume do Essential Peirce
87
Figura II.1.1.a. Diagrama encontrado em manuscrito de
Peirce (MS 540: 17) para seu ‘Syllabus’ de 1903.
(EP2: 296). A numeração em algarismos árabes foi adicionada pelos
editores dos Collected Papers para facilitar a referência às 10 classes
descritas no texto, e foi omitida pelos editores do The Essential
Peirce. Em outras páginas do manuscrito MS 540 (MS 540: 27, 28 e
29, figuras II.1.1.c, II.1.1.d e II.1.1.e), e também em uma das pági-
nas do manuscrito MS 799 (MS 799: 2, figura II.1.1.f), encon-
tramos desenhos que parecem ser esboços para este diagrama.
Nos esboços encontrados no manuscrito MS 540 (figuras
II.1.1.c, II.1.1.d e II.1.1.e), podemos notar o esforço de Peirce para
chegar a um arranjo das classes que refletisse as relações de simi-
laridade em suas estruturas internas, expressas através das modali-
dades tricotômicas (por exemplo, classes que são icônicas, ou clas-
ses que são sin-signos). Eles parecem ser uma série de tentativas
para chegar ao arranjo final do diagrama do Syllabus, onde Peirce
fica finalmente satisfeito com a posição relativa das classes, con-
forme afirma no trecho citado acima (CP 2.264).
O desenho encontrado em MS 540: 29 (figura II.1.1.e)
parece ser o primeiro desta série. Existem quatro tentativas de
arranjo nesta página, sendo que em nenhuma delas encontramos
todas as 10 classes. O arranjo mais completo é aquele no canto infe-
rior esquerdo da figura II.1.1.e, onde a classe dos quali-signos
88
Figura II.1.1.b. O diagrama do ‘Syllabus’ conforme foi reproduzido nos
Collected Papers (CP 2.264). A reprodução encontrada no segundo volume da
série The Essential Peirce (EP2: 296) omite os algarismos romanos.
89
Figura II.1.1.c. Esboço para o diagrama do Syllabus
encontrado no manuscrito MS 540: 27.
Figura II.1.1.d. Esboço para o diagrama do Syllabus encontra-
do no manuscrito MS 540: 28.
90
Figura II.1.1.e. Esboço para o diagrama do
Syllabus encontrado no manuscrito MS 540: 29.
91
Figura II.1.1.f. Esboço para o diagrama do Syllabus encontrado
no manuscrito MS 799: 2.
(111) foi colocada no vértice superior de um triângulo apoiado em
um dos lados. A figura II.1.1.g mostra a mesma estrutura, com as
classes expressas em algarismos arábicos (conforme convenção
explicada no final da seção I.1.1) e romanos (seguindo a mesma
convenção adotada pelos editores dos Collected Papers para o diagra-
ma do Syllabus).
No manuscrito MS 540: 28 (figura II.1.1.d) encontramos, no
alto, à direita, uma lista de pares de aspectos das classes (por exem-
plo, ‘remático icônico,’ ‘remático legi-signo’) seguidos por algaris-
mos arábicos e romanos (apenas para o numeral ‘dez,’ grafado como
‘X’) que indicam quais classes possuem estes aspectos. A convenção
adotada para esta notação é idêntica àquela adotada pelos editores
dos Collected Papers (numeração segue a ordem de apresentação das
classes no ‘Syllabus’), a única diferença sendo a adoção de algaris-
mos arábicos no lugar dos romanos.
À esquerda e abaixo desta lista encontramos dois arranjos tri-
angulares para estas classes. O arranjo à esquerda parece estar
baseado somente na ordem numérica das classes. O arranjo maior,
abaixo, parece ser mais uma tentativa de organizar as classes de
acordo com sua composição interna. Deve-se notar que a posição
das classes I, II, III e V é idêntica à que aparece na estrutura do
92
Figura II.1.1.g. Estrutura das classes presente no esboço para o diagrama
do Syllabus encontrado no manuscrito MS 540: 29 (figura II.1.1.e).
esboço da página posterior (MS 540: 28 II.1.1.e e II.1.1.g). A
posição relativa das classes também é similar àquela encontrada no
diagrama do Syllabus (para compará-los, basta tombar este último à
esquerda, deixando a classe 111 no vértice superior), com exceção da
posição das classes VI (321) e X (333), que encontra-se invertida.
Os esboços encontrados em MS 540: 27 (figuras II.1.1.c) e
MS 799: 2 (figura II.1.1.f) parecem ser os últimos da série que leva
ao diagrama do Syllabus. Nos dois, a posição das classes é delimita-
da por quadrados. Em ambos, a posição das classes IV (222) e VI
(321) encontra-se invertida, revelando a dificuldade de posicionar
a classe VI em relação às outras. Esta é, de fato, a única diferença,
em relação à posição das classes, entre o diagrama do Syllabus e o
esboço do manuscrito MS 799: 2 (figura II.1.1.f). Aquele do manu-
scrito MS 540: 27 (figuras II.1.1.c), por outro lado, deve ser girado
em 180 graus, e espelhado, para que a posição das classes coincida
com a posição encontrada no diagrama do Syllabus.
Alguns últimos ajustes na versão final do diagrama do
Syllabus foram, aparentemente, a diferenciação na espessura das
linhas divisórias entre as classes e no peso das letras utilizadas para
escrever seus nomes. Nesta versão final (MS 540: 17, figura
II.1.1.a), as divisões das classes II e VI, VI e IX, e III e VII, são mais
93
espessas para indicar que, diferente das outras classes ‘fronteiri-
ças,’ estas possuem apenas um aspecto em comum (II e VI, por
exemplo, são remas). A variação na espessura das letras utilizadas
na descrição das classes segue a tendência para a simplificação de
seus nomes explicada na seção I.1.3.
II.1.2- O modelo da carta para Lady Welby
Em um esboço de carta para Lady Welby, datado 24-28 de dezembro
de 1908 (L463: 132-146, CP 8.342-76, EP2: 483 - 491), Peirce
desenhou um segundo diagrama para 10 classes de signos. O dia-
grama reproduzido na figura II.1.2.a (L463:146) aparece no post
scriptum deste esboço, cujo assunto principal são as dez tricotomias
discutidas na seção I.1.2 desta tese. Logo abaixo da figura, Peirce faz
o seguinte comentário:
O número acima à esquerda descreve o Objeto do Signo.
Aquele acima à direita descreve seu interpretante. Aquele
abaixo descreve o Signo em si mesmo.
1 significa a Modalidade Possível, aquela de uma Idéia.
2 significa a Modalidade Atual, aquela de uma Ocorrência.
3 significa a Modalidade Necessária, aquela de um Hábito.
(L463: 146, EP2: 491)2
94
Figura II.1.2.a. Diagrama para 10 classes desenhado por Peirce em um esboço
de carta para Lady Welby datado 24-28 de dezembro de 1908 (L463:146).
Este diagrama, ao qual nos referiremos como ‘diagrama de
Welby,’ foi reproduzido de forma similar à figura II.1.2.b nos
Collected Papers (CP 8.376) e no segundo volume da série The
Essential Peirce (EP2: 491).
Existem outras versões do diagrama de Welby entre os manu-
scritos de Peirce. Algumas delas, encontradas em um manuscrito
datado de 27 de dezembro de 1908 (MS 399D: 627, figura II.1.2.c),
parecem ser anotações preparatórias para este diagrama, que foi
provavelmente desenhado, posteriormente, com a ajuda de uma
régua ou instrumento similar (figura II.1.2.a). O que parece estar
em jogo aqui é, principalmente, a posição dos algarismos que iden-
tificam cada classe. No conjunto mais abaixo, a posição das classes
e dos algarismos que formam as classes é idêntica à que encon-
tramos no diagrama de Welby.
Um desenho muito similar ao diagrama de Welby encontra-se
no manuscrito L463: 155 (figura II.1.2.d).3
Este parece ter sido
desenhado, aproveitando a transparência da folha de papel, a partir
da figura encontrada no manuscrito L463:146 (figura II.1.2.a). Ele
é formado por apenas 10 triângulos, que contém as 10 classes, e não
possui células ‘em branco’ como o diagrama de Welby. Peirce intro-
duz este diagrama da seguinte forma:
95
Figura II.1.2.b. O diagrama de Welby (L463:146, figura II.1.2.a),
conforme foi reproduzido nos Collected Papers e no segundo volume
da série The Essential Peirce (CP 8.376, EP2: 491).
96
Figura II.1.2.c. Anotações preparatórias para o diagrama de Welby encontradas
em manuscrito datado de 27 de dezembro de 1908 (MS 399D: 627).
[…] as três divisões de acordo com a Modalidade de Ser do
Signo em si mesmo, de seu objeto, e de seu Interpretante
não podem gerar 27 classes de Signos mas apenas Dez;
sendo assim, utilizando um pequeno espaço triangular
com o vértice para baixo _ para descrever cada classe, e
denotando as por
1 a Modalidade Possível
2 a Modalidade Atual
3 a Modalidade Necessitante,
eu escrevo um destes números em cada um dos cantos do
espaço triangular.
O canto inferior para caracterizar o Modo de Ser do Signo
em si mesmo.
O canto superior esquerdo para caracterizar o Modo de Ser
de seu Objeto.
O canto superior direito para caracterizar o Modo de Ser de
seu Interpretante.
Então as Dez classes resultantes serão aquelas apresen-
tadas no Esquema abaixo. (L463: 155)4
Ao lado do diagrama, Peirce incluiu os seguinte comentário:
Um Abstrativo pode apenas ser Descritivo, não Designativo
97
Figura II.1.2.d. Diagrama para 10 classes encontrado em
L463: 155. Ele parece ter sido desenhado a partir do diagrama
de Welby (L463:146, figura II.1.2.a).
nem Copulativo, enquanto um Copulativo pode apenas ser
Coletivo, não Abstrativo nem Concretivo. (L463: 155)5
Conforme vimos na seção I.1.2, os termos utilizados por
Peirce neste comentário referem-se às modalidades das tricoto-
mias Od ([natureza do] Objeto dinâmico) e Oi ([natureza do] Objeto
imediato). Este comentário é bastante curioso neste contexto, uma
vez que, conforme vimos na seção I.1.3, estas duas tricotomias só
passam a fazer parte das classificações levadas em consideração
pelos especialistas a partir da divisão em 28 classes. Além disso,
embora estes diagramas sejam estruturalmente bastante parecidos
com o diagrama do Syllabus, e suas variações, existem diferenças
importantes em relação às classes expressas em suas células.
Se considerarmos que a seqüência de leitura dos algarismos
que compõem as classes no diagrama de Welby é: (i) canto superior
esquerdo, (ii) canto inferior, (iii) canto superior direito; isso cor-
responderia, em termos de ordem de determinação (ver seções I.1.2
e I.1.3), a dizer que O determina S, que determina I. Isso parece estar
em contradição com o que ocorre no diagrama do Syllabus, onde,
conforme discutido na seção I.1.3, S determina S-Od, que determina
S-If. Contudo, se levarmos em consideração que, no diagrama de
Welby, o que estamos chamando de ‘O’ é descrito como “o Modo de
98
Ser de seu Objeto” (e não ‘a relação com seu Objeto), e, de forma
similar, o que estamos chamando de I é descrito como “o Modo de
Ser de seu Interpretante,” então o que temos aqui deveria, na ver-
dade, ser entendido como O (Oi ou Od) determina S, que determina
I (Ii, Id ou If). Esta não é a ordem de determinação que gera as 10
classes de signos descritas no Syllabus, mas também não está em
contradição com ela. Conforme vimos na seção I.1.3, esta é a estru-
tura básica da ordem de determinação que dá origem às 28 classes.
Tudo isso nos leva a crer que, embora a estrutura do diagrama
de Welby e do diagrama do Syllabus sejam muito similares, e embo-
ra os dois sejam diagramas para 10 classes, as classes apresentadas
nas duas figuras podem não ser as mesmas.6
A construção do dia-
grama dinâmico 3N3, apresentado no capítulo III.2 desta tese, teve,
como motivação principal, ajudar na resolução deste tipo de
incerteza a respeito das classificações.
99
Notas
1 . The affinities of the ten classes are exhibited by arranging their designations in the
triangular table here shown, which has heavy boundaries between adjacent
squares that are appropriated to classes alike in only one respect. All other adja-
cent squares pertain to classes alike in two respects. Squares not adjacent pertain
to classes alike in one respect only, except that each of the three squares of the ver-
tices of the triangle pertains to a class differing in all three respects from the classes
to which the squares along the opposite side of the triangle are appropriated. The
lightly printed designations are superfluous. (CP 2.264)
2 . The number above to the left describes the Object of the Sign. That above to the right
describes its Interpretant. That below describes the Sign itself.
1 signifies the Possible Modality, that of an Idea.
2 signifies the Actual Modality, that of an Occurrence.
3 signifies the Necessary Modality, that of a Habit.
(L463 : 146, EP2: 491)
3 . Este parece ser mais um dos muitos esboços para a carta efetivamente envia-
da que é, ao que tudo indica, aquela datada de 23 de dezembro de 1908,
publicada em SS 80-85 e EP2: 478-481, e não contém nenhum diagrama.
4 . [...] the three divisions according to the Modality of Being of the Sign itself, of its
Object, and of its Interpretant cannot make 27 classes of Signs but only Ten; name-
ly, appropriating a little triangular space with a vertex down ∇ to the description
of each class, and denoting by
1 Possible 2 Actual Modality, I write one of these numbers in 3 Necessitant each of the three corners of the triangular space.
100
The lower corner to characterize the Mode of Being of the Sign Itself.
The left hand upper corner to characterize the Mode of Being of its Object.
The right hand upper corner to characterize the Mode of Being of its Interpretant.
Then the Ten resulting classes of signs will be those shown in the Scheme below.
(L463: 155)
5 . An Abstractive can only be Descriptive not Designative nor Copulative while a
Copulative can only be Collective, not Abstractive nor Concretive. (L463: 155)
6 . Esta também é a opinião de Nathan Houser (1999, comunicação pessoal).
101
II.2- Modelos desenvolvidos por comentadores
Introdução
Este capítulo traz um estado da questão a respeito dos diagramas
para as classes de signos de Peirce. Ele complementa o capítulo
anterior, com a análise de diagramas desenvolvidos por comenta-
dores da obra de Peirce. A primeira seção apresenta diagramas que
foram concebidos especificamente para modelar a divisão em 10
classes, conforme proposta no ‘Syllabus’ de 1903. O diagrama
10cubes, apresentado no capítulo III.1, se encaixa nesta categoria de
diagramas, oferecendo uma alternativa dinâmica aos modelos
estáticos aqui expostos.
A segunda seção apresenta modelos mais flexíveis, que
podem ser aplicados a mais de um tipo de classificação. O diagrama
3N3, apresentado no capítulo III.2, também é um modelo deste tipo,
com a vantagem de ser interativo.
II.2.1- Modelos para 10 classes de signos
Os diagramas de M. Balat
M. Balat faz parte de um grupo de semioticistas, ligados à
Universidade de Perpignan, na França (outro expoente deste grupo
102
é R. Marty, cujos diagramas são apresentados na próxima seção),
que, principalmente durante a década de 1980, se dedicaram ao
estudo das estruturas e relações presentes nas classificações sígni-
cas de Peirce. Em Balat (1990), ele apresenta três modelos, aos
quais nos referiremos como ‘diagrama triangular’ (Balat 1990: 81,
figura II.2.1.a), ‘diagrama quadrado’ (Balat 1990: 85, figura
II.2.1.b), e ‘diagrama 3D’ (Balat 1990: 86, figura III.1.2.a). Este
último serviu de inspiração para a criação do diagrama dinâmico
10cubes, e é analisado na seção III.1.2.
Nos três diagramas, a notação para as 10 classes é a mesma
adotada nesta tese (seqüências de algarismos 1, 2 e 3), e existem
conexões orientadas (flexas) ligando certas classes. Estas conexões
são exatamente as mesmas nos três diagramas (conectam as mes-
mas classes, apontando nas mesmas direções), embora o arranjo
geral dos diagramas seja bastante diferente. O diagrama quadrado
(figura II.2.1.b) e o diagrama 3D (figura III.1.2.a) adotam a
mesma convenção para representar as modalidades tricotômicas
que formam as classes: algarismos romanos (I, II, III) para as
modalidades da primeira; letras (A, B, C) para as modalidades da
segunda; e algarismos arábicos (1, 2, 3) para as modalidades da ter-
ceira tricotomia.
103
Figura II.2.1.a. ‘Diagrama triangular’ de M. Balat para as 10
classes de signos de Peirce (Balat 1990: 81).
Figura II.2.1.b. ‘Diagrama quadrado’ de M. Balat para as 10
classes de signos de Peirce (Balat 1990: 85).
Balat (1990: 86) descreve três tipos de relação que seriam
representados por suas conexões orientadas —incorporação, instan-
ciação, e regência1—, mas não chega, contudo, a definir o significado
de todas elas. Ele faz menção especifica somente às flechas horizon-
tais encontradas no diagrama quadrado (figura II.2.1.b), agrupadas
segundo as colunas (I, II e III) nas quais se encontram. Segundo ele,
aquela da coluna I significa incorporação, as da coluna II instanci-
ação, e as da coluna III regência.
Comparando a posição de Balat com a descrição das relações
entre classes apontadas por Peirce no ‘Syllabus’ de 1903 (ver tabela
I.1.3.b, seção I.1.3), Serson (1997: 134-136) faz uma leitura um
pouco diferente destas conexões orientadas. Ele as divide entre
relações de “instanciação” (flechas horizontais) e de “envolvimento”
(flechas verticais), fazendo notar que existe um pequeno problema
nesta leitura —“‘anomalias’ ou exceções a uma clara distinção entre
instanciação e envolvimento” (Serson (1997: 136)— no que diz
respeito às flechas que unem as classes 333 e 332, e as classes 211 e
111. Entre as duas primeiras (333/332), segundo ele, existiria uma
relação de instanciação que no diagrama aparece como uma flecha
vertical. Entre as outras duas (211/111), ao contrário, uma relação de
envolvimento está representada no diagrama por uma flecha horizon-
104
tal. Serson, aparentemente, deixou de perceber que no diagrama tri-
angular de Balat (1990: 81, figura II.2.1.a) tais ‘anomalias’ não ocor-
rem, sendo possível dizer que, neste, todas as flechas apontando
para baixo representam relações de instanciação, e todas aquelas
apontando para o alto representam relações de envolvimento.
Se o diagrama triangular (figura II.2.1.a) destaca-se pela
facilidade e coerência na interpretação de suas conexões orien-
tadas, a principal vantagem do diagrama quadrado (figura II.2.1.b)
é apresentar, de forma clara, os diversos subgrupos que existem
dentro das 10 classes de signos. Tendo em mente que algarismos
romanos correspondem às modalidades da primeira, letras corres-
pondem às modalidades da segunda, e algarismos arábicos corres-
pondem às modalidades da terceira tricotomia, é fácil notar a pre-
sença de nove subgrupos:
Quali-signos (primeira coluna, I)
Sin-signos (segunda coluna, II)
Legi-signos (terceira coluna, III)
Ícones (conjunto delimitado pelo quadrilátero A)
Índices (conjunto delimitado pelo quadrilátero B)
Símbolos (conjunto delimitado pelo quadrilátero C)
Remas (primeira linha, 1)
105
Dicentes (segunda linha, 2)
Argumentos (terceira linha, 3)
O diagrama dinâmico 10cubes, apresentado no capítulo III.1 pode
ser visto como uma tentativa de recuperar estas propriedades
heurísticas a partir de uma interface baseada no diagrama 3D (figu-
ra III.1.2.a), utilizando estratégias de modelagem apontadas no
capítulo II.3.
Os diagramas de F. Merrell
O semioticista norte-americano F. Merrell desenhou diversos dia-
gramas para as 10 classes de signos de Peirce. Entre eles, encontra-
se uma tabela que mostra as combinações entre modalidades tri-
cotômicas que geram as 10 classes (Merrell 1996: 8), adaptada na
figura I.1.3.b. O primeiro diagrama apresentado nesta seção
(Merrell 1991: 17, figura II.2.1.c) refere-se exclusivamente às 10
classes e suas possíveis relações. O segundo (Merrell 1997: 298-
299, figura II.2.1.d) propõe uma relação entre as 10 classes e os três
tipos de hipo-ícone descritos por Peirce.
A figura II.2.1.c é uma versão simplificada do diagrama pro-
posto por Merrell (1991: 17). A versão original continha letras e out-
ros recursos que facilitavam a referência a um exemplo dado no
106
Figura II.2.1.c. Diagrama para as 10 classes de signos proposto por Merrell (1991: 17).
texto do artigo (Merrell 1991) onde este diagrama aparece. A versão
reproduzida aqui preserva a estrutura de relações entre classes, que
é o aspecto mais relevante desta proposta de Merrell. As classes,
mais uma vez identificadas através da mesma notação adotada nesta
tese, estão divididas em três colunas, de acordo com o subgrupo,
definido pela modalidade da segunda tricotomia (ícone, índice,
símbolo), ao qual pertencem.
As conexões orientadas que aparecem neste diagrama são,
segundo Merrell (1991: 20), “operadores” que podem ser divididos
em quatro grupos, de acordo com seu tipo e direção. Conexões con-
tínuas representam “caminhos normais de transmutação sígnica,”
enquanto conexões segmentadas representam caminhos “anor-
mais” entre as classes. Conexões unidirecionais apontam caminhos
de “geração,” ou “evolução” de signos mais simples para signos
mais complexos, enquanto conexões bidirecionais significam que
um caminho de “evolução” pode, na direção contrária, significar
um provável caminho de “subdivisão” ou “degeneração” (Merrell
1991: 20).
Segundo Merrell (1991), relações entre classes como aquelas
que aparecem nos diagramas de Balat (figuras II.2.1.a, II.2.1.b e
III.1.2.a) podem ser entendidas como “relações de geração” dentro
107
Figura II.2.1.d. Diagrama relacionando as 10 classes de signos com os
três tipos de hipo-ícone proposto por Merrell (1997: 298-299).
do processo da semiose, limitando-se a descrever as propriedades
estruturais de signos mais gerais. A estrutura proposta na figura
II.2.1.c, por outro lado, ao levar em conta os caminhos de “degen-
eração,” seria mais adequada para descrever o processo da semiose.
O segundo diagrama (Merrell 1997: 298-299, figura II.2.1.d)
coloca em foco a estrutura, e não as relações entre as 10 classes,
mostrando-as como conjuntos constituídos a partir das modalida-
des tricotômicas. Assim como na figura I.1.3.b (capítulo I.1, basea-
da em Merrell 1996: 8), as classes são identificadas com números
de 1 a 10, e as modalidades agrupadas conforme a tricotomia à qual
pertencem. Além das três grandes elipses que separam, por tricoto-
mia, as modalidades, vemos uma quarta elipse que abrange a
modalidade ‘ícone’ e contém os três tipos de hipo-ícone (imagem,
diagrama, metáfora). Embora esta questão não fique clara em seu
texto, isso sugere que, para Merrell, as classes que contém a modal-
idade ‘ícone’ poderiam ser subdivididas em classes hipo-icônicas
imagéticas, diagramáticas e metafóricas.
Outros modelos
Outros modelos para as 10 classes são aqueles propostos por Olsen
(1999, figura II.2.1.e), Hoffman (2000, figura II.2.1.f) e Amadori
108
Figura II.2.1.e. Modelo para as 10 classes de relações
triádicas proposto por Olsen (1999: 8).
(2001: 34, figura II.2.1.g). Os modelos de Olsen e Amadori utilizam
cores. Os modelos de Amadori e Hoffman utilizam cubos represen-
tados em um espaço tridimensional para localizar as classes.
Olsen (1999) propõe um novo modelo de notação para as
classes de signos descritas por Peirce em seu Syllabus de 1903. Na
figura II.2.1.e vemos a estrutura básica desta notação, composta
por três correlatos (representados pelos círculos contendo os
números 1, 2 e 3) e suas relações (conexões entre os círculos).
Segundo Olsen, esta estrutura, composta apenas por relações diádi-
cas entre correlatos, combinada com um trio de cores que corres-
ponde às três categorias (primeiridade, secundidade e terceiri-
dade), é suficiente para modelar as “10 classes de relações triádi-
cas” descritas por Peirce (Olsen 1999: 8). A partir desta estrutura e
de uma notação suplementar para relações triádicas, Olsen chega a
uma notação para as 10 classes de signos descritas no ‘Syllabus’
(figura II.2.1.f). Conforme podemos notar, a conclusão de Olsen é
que a lógica da divisão dos signos exposta no ‘Syllabus’ permite a
existência de seis tipos diferentes de quali-signos (111), e três tipos
diferentes de sin-signos icônicos (211), sin-signos indexicais
remáticos (221) e sin-signos dicentes (222).
Os modelos de Hoffmann (2000, figura II.2.1.g) e Amadori
109
Figura II.2.1.f. Notação para as 10 classes de signos
descritas no ‘Syllabus,’ segundo o modelo proposto
por Olsen (1999: 18). De cima para baixo: na
primeira linha, seis tipos de quali-signos (111); nas
três linhas seguintes, três tipos de sin-signos icôni-
cos (211), três tipos de sin-signos indexicais remáti-
cos (221) e três tipos de sin-signos dicentes (222);
nas outras, notações para as classes remanescentes
(311, 321, 322, 331, 332, 333).
(2001: 34, figura II.2.1.h) são bastante similares, e sua estrutura
interna se assemelha àquela indicada no diagrama 3D de Balat
(figura III.1.2.a). De fato, as relações de proximidade entre os
cubos, que nestes diagramas representam as classes, são exata-
mente as mesmas, embora, em comparação com o diagrama 3D de
Balat, o conjunto de cubos do diagrama de Amadori pareça ter sido
girado, e o de Hoffmann, além disso, pareça ter sido espelhado.2
O modelo de Hoffmann (2000, figura II.2.1.g) não utiliza
cores, e as classes são identificadas por uma numeração de 1 a 10
colocada sob a sigla SR (para sign-relation) em cada cubo. Ao lado e
abaixo do conjunto, vemos as siglas S (para sign itself), OR (para
object relation) e IR (para interpretant relation), acompanhadas pelos
números 1, 2, ou 3, indicando as modalidades tricotômicas repre-
sentadas em cada um dos eixos do diagrama.
No modelo de Amadori (2001: 34, figura II.2.1.h), as classes
estão identificadas por sua notação numérica habitual (a mesma
adotada nesta tese), e por um sistema de cores. Conforme podemos
acompanhar na legenda abaixo do diagrama, as modalidades de
primeiridade estão representadas por três tons do espectro verme-
lho, as modalidades de secundidade por tons de verde, e as modali-
dades de terceiridade por tons de azul.
110
Figura II.2.1.g. Modelo tridimensional para as 10 classes
de signos proposto por Hoffmann (2000).
Figura II.2.1.h. Modelo tridimensional para as 10 classes
de signos proposto por Amadori (2001: 34).
II.2.2- Modelos para várias divisões de signos
Os modelos de R. Marty
Em seu livro L’algebre des signes (Marty 1990), e em uma série de
artigos (entre eles, Marty 1982a e 1982b), o semioticista francês R.
Marty apresenta um tratamento matemático das classificações síg-
nicas de Peirce, tendo em vista o que ele chama de “faneroscopia
analítica” (Marty 1990: 143). Através deste tratamento, ele não ape-
nas justifica matematicamente a construção das classes, mas tam-
bém deriva uma série de relações entre estas classes.
Aplicando o mesmo tratamento às 10 e às 28 classes, Marty
chega aos diagramas apresentados nas figuras II.2.1.i e II.2.1.j. Em
ambos, as classes são apresentadas em uma estrutura hierárquica
(Marty 1982: 178), onde, segundo o autor, cada classe implica a pre-
sença das classes que estão abaixo dela. As conexões segmentadas
no diagrama para 10 classes (figura II.2.1.i) indicam relações de
tipo especial (réplicas) entre legi-signos e sin-signos.
Marty também argumenta que seu tratamento permite esta-
belecer relações coerentes entre a classificação em 10 e a classifi-
cação em 28 classes de signos (Marty 1990: 225-228). A figura
II.2.1.k reproduz um diagrama, de estrutura similar ao da figura
II.2.1.i, onde Marty substitui o conteúdo das posições originais por
111
Figura II.2.1.i. Diagrama para as 10 classes de signos proposto
por Marty (1982a: 178, 1990: 171).
112
Figura II.2.1.j. Diagrama para as 28 classes de signos proposto
por Marty (1982b: 10, 1990: 224).
Figura II.2.1.k. Diagrama onde as 28 classes de signos são
apresentadas dentro da estrutura hierárquica das 10 classes,
proposto por Marty (1990: 228).
uma numeração que indica as classes que, dentro da divisão em 28,
correspondem a cada uma das 10 classes de signos. Ele não aplica o
mesmo tratamento às 66 classes de signos, como poderíamos
esperar, pois afirma acreditar que as classificações além da divisão
em 28 classes sejam redundantes (Marty 1990: 228-235).
O modelo de A. Maróstica
Percebendo uma relação entre a quantidade de tricotomias e o
número de classes nas divisões de signos descritas por Peirce, a
semioticista argentina A. Maróstica (1992) propõe um tratamento
das classificações baseado em equações da combinatória. Os resul-
tados numéricos obtidos são os mesmos que conseguimos através
da equação de Weiss & Burks (1945), (n+1) (n+2) / 2, onde n é o
número de tricotomias. O aspecto mais interessante deste artigo é a
proposta de uma estrutura diagramática, baseada no diagrama de
Welby (figura II.1.2.a), capaz de conter qualquer número de classes
(figura II.2.1.l). Esta estrutura é bastante similar à utilizada no dia-
grama dinâmico 3N3, apresentado no capítulo III.2.
O próximo capítulo discute algumas limitações encontradas
nestes modelos, e propõe novas estratégias que podem ser utilizadas
na construção de diagramas para as classes de signos de Peirce.
113
Figura II.2.1.l. Estrutura diagramática para abrigar diversas classificações
de signos proposta por Maróstica (1992: 130-132).
Notas
1 . La flèche du genre I se lit «incorpore». Ainsi une trace iconique (211) incorpore un
ton (111). Les trois flèches horizontales du genre II se lisent «s’instancie dans».
Ainsi un type iconique (311) s’instancie dans une trace iconique (211). Les flèches
horizontales du genre III ne concernent qu’indirectement la division
type/trace/ton: on dira qu’elles «régissent». En effet les symboles du genre C régis-
sent des indices du genre B. (Balat 1990: 86)
2 . Estas comparações podem ser facilmente conferidas utilizando o diagrama
dinâmico 10cubes, apresentado no capítulo III.1 desta tese. Em 10cubes, os
cubos que representam as classes foram arranjados de acordo com a posição
das mesmas no diagrama 3D de Balat.
114
II.3- Novas estratégias de modelagem
Introdução
Tendo em vista o que foi discutido no capítulo sobre sign design
(capítulo I.3), e os modelos propostos por Peirce e seus comenta-
dores apresentados nas seções anteriores, este capítulo aponta
algumas estratégias de modelagem que podem ser empregadas na
construção de novos diagramas para as classes de signos. Os mode-
los analisados até aqui são, em sua grande maioria, monocromáti-
cos, bidimensionais e estáticos, características em grande medida
impostas por limitações típicas do meio impresso.
Estas características, contudo, não devem ser confundidas
com limites próprios das formas visuais diagramáticas. Muito pelo
contrário, estudiosos do raciocínio diagramático, como Harel
(1995: 263), apontam a possibilidade de se resolver problemas
notacionais específicos através do uso de formalismos visuais tridi-
mensionais e simulações gráficas dinâmicas. Sivasankaran & Owen
(1992), por sua vez, são enfáticos quanto à elevação do status de fer-
ramenta investigativa de um diagrama através do uso de recursos da
computação gráfica:
115
As restrições do formato convencional, estático e bidi-
mensional dos diagramas, faz com que seja impossível
para o usuário examinar mais de um punhado de
relações simples por vez. A adição de uma terceira
dimensão espacial utilizável, e do tempo como uma
quarta dimensão, aumentam de modo considerável a
utilidade de um diagrama enquanto ferramenta.
(Sivasankaran & Owen 1992: 453)
II.3.1- Modelos que utilizam cores
Com exceção dos modelos de Olsen (1999, figura II.2.1.e) e
Amadori (2001, figura II.2.1.g), nenhum dos diagramas apresenta-
dos nas seções anteriores utiliza recursos baseados em variações
cromáticas. A introdução de cores além do preto (até mesmo tons
de cinza) permite, entre outras coisas, que o observador estabeleça
relações entre elementos que se encontram espacialmente dis-
tantes no diagrama. Embora seja, de modo geral, reconhecido como
um aspecto interessante das representações visuais, o uso da cor em
diagramas é um tópico raramente abordado por especialistas em
raciocínio diagramático.
116
Em Anderson & Armen (1998), os autores apresentam uma
generalização da teoria do raciocínio inter-diagramático proposta por
Anderson & McCartney (1995), incorporando o uso da cor como
uma dimensão formalizável. Esta teoria associa conhecimentos vin-
dos da teoria da cor ao estudo daquilo que pode ser computado a
partir de representações diagramáticas. A estratégia geral proposta
consiste em associar valores de uma escala cromática aos elementos
de um problema, e funções de combinação destes valores aos ope-
radores que ajudarão a definir e resolver este problema.
Exemplos de aplicação dados por Anderson & Armen (1998)
incluem o agendamento de reuniões e a combinação de seqüências
de DNA. No agendamento de reuniões, a disponibilidade de cada
participante a cada hora do dia é representada por um grau na escala
de cor, e a combinação destes fornece, para cada hora, um valor
geral de disponibilidade. No caso do seqüenciamento de DNA, as
seqüências de bases são representadas por seqüências de tons em
um sistema de cor, e as várias possibilidades de combinação de
seqüências são exploradas em termos de combinações de cores.
As figuras II.3.1.a e II.3.1.b, mostram como esta estratégia
pode ser aplicada para representar as 10 classes de signos em ter-
mos de cores nos sistemas RGB (vermelho, verde, azul) e CMY
117
(ciano, magenta, amarelo). As figuras II.3.1.c e II.3.1.d mostram o
resultado da mesma estratégia aplicada às 66 classes, representadas
como tripletos que indicam a quantidade de algarismos ‘1’, ‘2’ e ‘3’
que compõem a notação numérica para cada classe. Nas figuras
II.3.1.a e II.3.1.c, o sistema utilizado é o RGB. Em ambas, R (ver-
melho) corresponde à categoria peirceana de primeiridade, G
(verde) à secundidade, e B (azul) à terceiridade. As classes são vis-
tas como combinações de elementos destas três categorias, traduzi-
dos em termos de quantidades de ‘1’s (primeiridades), ‘2’s (secun-
didades) e ‘3’s (terceiridades). As escalas graduadas acima dos dia-
gramas indicam a correspondência entre a quantidade de elemen-
tos de uma determinada categoria em uma classe, e um ponto na
escala de cor. Por exemplo, na figura II.3.1.a, duas ‘terceiridades’
(como ocorre em 331 e 332) correspondem a 66% de azul (ou 170 de
B, em uma escala RGB que vai de 0 a 255). Nas figuras II.3.1.b e
II.3.1.d, onde o sistema utilizado é o CMY, as mesmas regras foram
adotadas, sendo que aqui M (magenta) corresponde a primeiridade,
Y (amarelo) corresponde a secundidade, e C (ciano) corresponde a
terceiridade.
118
119
Figura II.3.1.a. Diagrama para 10 classes de signos, representadas
como combinações de cores do sistema RGB.
Figura II.3.1.b. Diagrama para 10 classes de signos, representadas
como combinações de cores do sistema CMY.
120
Figura II.3.1.c. Diagrama para 66 classes de
signos, representadas como combinações de
cores do sistema RGB.
Figura II.3.1.d. Diagrama para 66 classes de
signos, representadas como combinações de
cores do sistema CMY.
II.3.2- Modelos tridimensionais
Os diagramas apresentados nas seções anteriores, com exceção dos
modelos de Hoffman (2000, figura II.2.1.f) e Amadori (2001: 34,
figura II.2.1.g), além de serem, em sua maioria, monocromáticos,
são também bidimensionais. Mesmo aqueles que simulam ou
indicam uma terceira dimensão espacial (ver também o diagrama
3D de Balat, figura III.1.2.a), acabam sendo prejudicados por
serem, de fato, representações bidimensionais e estáticas, próprias
do meio impresso. Um dos cubos de Hoffman (o que corresponde à
classe 321, ou ‘SR6’, figura II.2.1.f), por exemplo, tornou-se
invisível devido ao arranjo do conjunto. No modelo de Amadori
(figura II.2.1.g), a identificação numérica da classe 222 teve que ser
colocada, em parte, sobre o cubo 311, à sua frente, contrariando as
regras de perspectiva. As vantagens da inclusão de uma terceira
dimensão espacial são mais apropriadamente desfrutadas em um
ambiente tridimensional, onde o observador possa modificar sua
posição em relação ao objeto observado.
Alguns cuidados devem ser tomados, contudo, para que
recursos tridimensionais não sejam interpretados de maneira erra-
da ou pouco precisa. Diferenças de tamanho, por exemplo, podem
ser interpretadas como diferenças de distância em relação ao
121
observador. Campbell (2000: 80-83) demonstra como este proble-
ma pode ser, em alguns casos, contornado pelo uso de volumes
gradeados, cujo tamanho pode ser mais facilmente comparado.
A aplicação de cores em objetos tridimensionais também
exige cuidados, uma vez que variações de intensidade (por exemplo,
azul, azul escuro e azul claro) podem ser erroneamente interpre-
tadas como variações de sombra e luz. Isso ocorre, por exemplo, no
cubo 333 do diagrama de Amadori (figura II.2.1.g), que pode ser
visto como um objeto de uma cor só se não prestarmos atenção nas
legendas abaixo.
II.3.3- Modelos dinâmicos
Todos os diagramas examinados até aqui são, sem exceção, repre-
sentações estáticas, com as quais só podemos interagir sob o risco
de deforma-las (ao fazer uma cópia errada, por exemplo) ou
destrui-las (ao rasura-las ou apaga-las). A inclusão de uma dimen-
são temporal não apenas facilita o entendimento de alguns diagra-
mas (os modelos de Hoffman e Amadori comentados acima, por
exemplo, se beneficiariam neste aspecto), como também possibili-
ta a representação de outros tipos de relações, que em diagramas
122
estáticos não são facilmente perceptíveis ou simplesmente não
podem ser representadas.
A possibilidade de representar muitos níveis e tipos de
relação ao mesmo tempo, contudo, pode se tornar um problema
caso não seja possível selecionar os tipos de relação que desejamos
observar. Ocasionalmente, pode ser mais útil observar apenas um
nível de relações, descartando detalhes do que ocorre em níveis
diferentes. Harel (1995: 262) aponta vantagens na capacidade de
executar “zoom outs”, suprimindo detalhes menores, ao se trabalhar
com diagramas muito complexos. Em modelos convencionais,
estáticos, a única forma de se obter isso é observar diversas versões
do mesmo diagrama. Em diagramas dinâmicos, através de recursos
computacionais, este é apenas um dos muitos tipos de interação que
podem ser implementados.
Em ambientes tridimensionais e dinâmicos, relações podem
ser representadas por mudanças na posição e volume de objetos
tridimensionais, além de mudanças na direção e forma de movi-
mento. Relações que são representadas por meio de conexões orien-
tadas, por exemplo (ver figuras II.2.1.a, II.2.1.b, II.2.1.c, II.2.1.i e
II.2.1.j), podem ser traduzidas em termos de movimento. Em dia-
gramas que se transformam com o tempo, o exame dos processos
123
desencadeados pode se basear em novas considerações: mudanças
na configuração, ritmo das mudanças, sincronicidade, etc.
Os diagramas dinâmicos apresentados nos próximos capí-
tulos são exemplos de como as estratégias apontadas aqui podem
ser aplicadas na construção de modelos das classificações de sig-
nos de Peirce.
124
Parte III. Novos diagramas para as classes de signos
III.1- 10cubes: explorando a estrutura das
10 classes de signos de Peirce
Introdução
10cubes é um aplicativo, desenvolvido em linguagem Java, que têm
como objetivo modelar de forma dinâmica (i.e., incorporando,
através do uso de recursos informáticos, interatividade e possibili-
dades de modificação temporal) as relações existentes na divisão
dos signos em 10 classes proposta por Charles Sanders Peirce em
seu ‘Syllabus’ de 1903 (MS 540, CP 2.233-72, EP2: 289-99). Ele é
um modelo tridimensional e interativo para estas classes, que pode
ser manipulado em tempo real.1
O projeto para a elaboração deste diagrama iniciou com a
constatação da existência de certas limitações nos modelos visuais
para as classes e as classificações de signos propostos por Peirce
(MS 540: 17, L463: 146, CP 2.264, CP 8.376, EP2: 296, 491), e por
seus comentadores (em particular Marty 1990, Balat 1990, Merrell
1991 e 1997, Maróstica 1992, Müller 1993). Estas limitações, de
modo geral, estavam ligadas principalmente à natureza estática,
bidimensional e monocromática destes modelos, características
em grande medida impostas pelas restrições existentes nos proces-
126
sos tradicionais de impressão.
Em Farias & Queiroz (2000a), argumentamos que existiam
boas razões para crer que, fazendo uso de recursos oferecidos pela
computação gráfica e pelas tecnologias digitais em geral,
poderíamos chegar a uma nova família de diagramas, mais efi-
cientes enquanto ferramentas de investigação das classes e classifi-
cações sígnicas propostas por Peirce. Estas tecnologias permitiri-
am, por exemplo, a construção de diagramas em ambientes digitais
tridimensionais, aos quais poderíamos atribuir movimento e cores
de maneira significativa. Fazendo uma referência ao trabalho de
Sivasankaran & Owen (1992), denominamos estes diagramas ‘dia-
gramas dinâmicos’.
Este capítulo apresenta as questões que levaram à elabo-
ração de 10cubes, descreve sua fase de desenvolvimento, e avalia
seus resultados.
III.1.1- Conceitualização
Conforme já vimos no capítulo I.1.3 desta tese, Peirce propõe, em
seu ‘Syllabus’ de 1903 (MS 540, EP2: 289-99), uma divisão dos sig-
nos em 10 classes. De forma bastante resumida (para uma descrição
mais detalhada consultar o capítulo I.1.3), podemos dizer que a
127
divisão descrita neste manuscrito é constituída a partir de uma
análise que leva em consideração a existência de três tricotomias,
ou três aspectos segundo os quais os signos podem ser observados:
(i) signo em si mesmo, (ii) relação do signo com seu objeto, e (iii)
relação do signo com seu interpretante. Considerando que cada
uma destas tricotomias pode ser entendida como uma pergunta
sobre o signo (cf. Houser 1991: 432), podemos afirmar que esta
análise prevê também a existência de três tipos de resposta para
estas perguntas, baseadas, por sua vez, nas categorias cenopitagóri-
cas de primeiridade, secundidade e terceiridade. O cruzamento das
três tricotomias com as três categorias forma uma matriz de 9 ele-
mentos (3 linhas por 3 colunas, ver figura I.1.3.a), da qual Peirce
extrai as 10 classes de signos. Em suas descrições destas 10 classes,
Peirce aponta também para a existência de certas relações especiais
entre as classes, discutidas no mesmo capítulo I.1.3.
A partir das descrições das 10 classes, o próprio Peirce, e
alguns de seus comentadores, elaboraram diagramas que tinham
como objetivo facilitar a visualização, e, conseqüente, a compreen-
são destas classificações. Contudo, conforme vimos na Parte II
desta tese, maioria destes diagramas mostra apenas as classes, ou as
relações entre tricotomias e categorias cenopitagóricas que formam
128
estas classes, deixando de lado as relações existentes entre as clas-
ses. O objetivo principal do projeto que levou à implementação do
diagrama dinâmico 10cubes era elaborar um diagrama onde fosse
possível observar tanto as relações entre tricotomias e categorias, que
formam as classes, quanto as relações entre as classes presentes nas
10 classes de signos.
III.1.2- Desenvolvimento
Projeto de interface
O desenvolvimento do diagrama 10cubes teve como ponto de parti-
da uma estrutura proposta pelo semioticista francês Michel Balat
(1990: 86, figura III.1.2.a). O primeiro passo para a concepção de
uma versão dinâmica deste modelo consistiu na elaboração de uma
nova notação para as classes, envolvendo cores e volumes. Este dia-
grama (figura III.1.2.b) foi apresentado pela primeira vez em
Farias & Queiroz (2000a), sob o título de “SANDERS I”.
Diferentemente da maior parte dos diagramas elaborados
para as classes de signos (ver capítulo II.2 para uma análise mais
detalhada destes diagramas), o diagrama de Balat apresentado na
figura III.1.2.a, embora seja de natureza bidimensional, sugere
uma terceira dimensão espacial.
129
Figura III.1.2.a. Diagrama proposto por Michel Balat (1990:86).
Observe-se que, neste diagrama, as três tricotomias que for-
mam as 10 classes são representadas por três eixos, ao longo dos
quais estão dispostas suas modalidades de primeiridade, secundi-
dade e terceiridade. Estas modalidades são representadas por
algarismos romanos (I, II, III) no eixo da primeira tricotomia;
letras (A, B, C) no eixo da segunda tricotomia; e algarismos arábicos
(1, 2, 3) no eixo da terceira tricotomia.2
No espaço interno destes
eixos, a posição de cada classe é determinada por sua tradução em
um conjunto de coordenadas <x, y, z>, onde x corresponde a uma
posição no eixo da primeira tricotomia (I = quali-signo, II = sin-
signo, III = legi-signo)3, y a uma posição no eixo da segunda (A =
ícone, B = índice, C = símbolo), e z a uma posição no eixo da terceira
tricotomia (1 = rema, 2 = dicente, 3 = argumento). O diagrama é
desenhado de tal maneira que no ponto de intersecção entre os três
eixos localiza-se a classe 111 (quali-signo), que corresponde à coor-
denada <I, A, 1>. Seguindo a mesma lógica, a classe 211 (sin-signo
icônico) posiciona-se logo acima, em <II, A, 1>; 322 (legi-signo
indexical dicente) posiciona-se em <III, B, 2>; 333 (argumento)
posiciona-se em <III, C, 3>, e assim por diante.
Em SANDERS I (figura III.1.2.b), as classes foram mantidas
nas mesmas posições relativas, embora agora identificadas de acor-
130
Figura III.1.2.b. SANDERS I: Diagrama proposto por Priscila
Farias e João Queiroz (2000a).
do com um novo formalismo visual. As tricotomias, antes represen-
tadas por três eixos em um sistema de coordenadas tridimension-
ais, passaram a ser representadas por três planos com uma inter-
seção comum, identificados pelas letras S (de Signo, abreviação
para ‘Signo em si mesmo’ ou ‘natureza do Signo’, primeira tricoto-
mia), O (de Objeto, abreviação para ‘relação do Signo com seu
Objeto [Dinâmico]’, segunda tricotomia), e I (de Interpretante,
abreviação para ‘relação do Signo com seu Interpretante [Final]’,
terceira tricotomia). Dentro deste sistema de superfícies coorde-
nadas, as classes passaram a ser representadas por cubos com faces
paralelas aos planos S, O e I.4
As faces destes cubos foram pintadas de cores diferentes
(vermelho para primeiridade, verde para secundidade e azul para
terceiridade)5
de acordo com os tipos de relação (1 = primeiridade,
2 = secundidade e 3 = terceiridade) que constituem cada classe, e o
plano (S, O ou I) ao qual cada uma destas faces é paralela. Por exem-
plo, o cubo que corresponde à classe 321 teve suas faces paralelas ao
plano S pintadas de azul, aquelas paralelas ao plano O pintadas de
verde, e as paralelas ao plano I pintadas de vermelho.6
De acordo
com o mesmo formalismo, o cubo que corresponde à classe 222 teve
todas as suas faces pintadas de verde (figura III.1.2.c).
131
Uma conseqüência importante deste formalismo é que,
mesmo sem considerarmos quais faces de um cubo são paralelas a
quais planos, quando três de suas faces estão visíveis é fácil perce-
ber que cada cubo é um elemento diferente pois está pintado de
maneira diferente. Isso ocorre porque, em concordância com as
leis da combinatória, se estamos trabalhando com apenas três
cores, e se faces paralelas devem ter a mesma cor, existem apenas 10
maneiras diferentes de se pintar um cubo (figura III.1.2.d). Esta é
uma demonstração visual da Formula das aplicações crescentes de X em
Y (Rosenstiehl 1988: 302)7:
Esta formula combinatória permite calcular o número C de combi-
nações possíveis de n elementos pertencentes a um alfabeto k, sem
considerar a ordem destes elementos como fator de diferenciação.8
Note-se que, no caso das classes (combinações) criadas a partir das
tricotomias, o valor de k (número de elementos no alfabeto) não
seria uma variável, e sim uma constante igual a 3, pois 3 é o número
de elementos que fazem parte de qualquer tricotomia. Esta fórmula
converge com aquela proposta por Weiss & Burks (1945: 387):
C=(n+1) (n+2) /2,9
C k nk n
n( , ) =
+ −
1
132
Figura III.1.2.c. Os cubos que correspondem às classes 321 (à esquerda) e 222
(à direita), segundo o formalismo adotado em SANDERS I.
a partir da qual podemos calcular o número C de classes que forma
uma classificação de signos válida dentro do sistema peirceano a
partir da determinação de um número n de tricotomias.
Tendo resolvido a questão da notação para as classes, agora
representadas por cubos coloridos, o próximo passo foi determinar
a melhor posição para estes cubos dentro dos planos do diagrama,
preservando as posições relativas das classes. Ao observar um cubo
em um espaço tridimensional, dependendo de nosso ponto de vista
poderemos enxergar apenas uma, duas, ou três de suas faces de cada
vez. Além disso, ao observarmos um conjunto de cubos, é bem
provável que alguns deles, dependendo de seu arranjo, sejam com-
pleta ou parcialmente escondidos pelos outros. Em SANDERS I a
posição relativa dos cubos segue a posição das classes no diagrama
de Balat (figura III.1.2.a), mas existe um espaço entre eles que
facilita a visualização de cubos que estejam mais distantes do obser-
vador. Conforme já vimos no capítulo II.2.1., caso houvéssemos
optado por posicionar os cubos sem nenhum espaço entre eles,
como em Hoffman (200o, figura II.2.1.g) ou Amadori (2001: 34,
figura II.2.1.h), perderíamos a capacidade de visualizar pelo menos
uma das faces de cada cubo (com exceção do cubo 333 em Amadori),
mesmo tendo a possibilidade de girar o conjunto de cubos, con-
133
Figura III.1.2.d. As 10 únicas maneiras diferentes de se pintar as
faces paralelas de um cubo utilizando três cores. Seguindo a mesma
lógica da figura III.1.2.c, estes 10 cubos podem ser colocados em
correspondência com as 10 classes de signos.
forme proposto em SANDERS I.
Em Farias & Queiroz (2000a) previmos que a implementação
desta possibilidade de girar o conjunto de cubos não apenas permi-
tiria visualiza-los todos, mas também facilitaria o estabelecimento
de relações significativas entre grupos especiais de classes.
Mostramos que seria possível, por exemplo, observar o diagrama
tendo à frente o plano O (figura III.1.2.e), e rapidamente perceber a
existência de três grupos de cubos/classes: (i) aqueles com faces ver-
melhas paralelas a este plano (ícones), (ii) aqueles com faces verdes
paralelas a este plano (índices), e (iii) aqueles com faces azuis para-
lelas e este plano (símbolos). O mesmo ocorreria ao observarmos o
diagrama tendo à frente os planos S ou I (figuras III.1.2.f e
III.1.2.g). Esta importante propriedade heurística, também pre-
sente em outro diagrama de Balat (1990: 85, figura II.2.1.b, onde
podemos observar claramente 9 grupos de classes formados pelas 10
classes de signos) havia sido perdida em seu diagrama ‘3D’.
Neste contexto, é possível afirmar que o arranjo específico de
cubos, cores, e posições de SANDERS I cumpria, já, boa parte dos
objetivos do projeto, uma vez que permitia que observássemos tanto
as relações entre tricotomias (combinações de faces coloridas que
formam os cubos) quanto um aspecto importante da relação entre
134
Figura III.1.2.e. SANDERS I visto a partir do plano O. Prestando atenção nas cores
(vermelho, verde ou azul) das faces que são paralelas a este plano, é fácil observar a
existência de três grupos especiais de cubos: ícones (à esquerda, em vermelho),
índices (ao meio, em verde) e símbolos (à direita, em azul).
Figura III.1.2.f. SANDERS I visto a partir do plano S. Prestando atenção nas cores
(vermelho, verde ou azul) das faces que são paralelas a este plano, é fácil observar a
existência de três grupos especiais de cubos: quali-signos (abaixo, em vermelho),
sin-signos (no meio, em verde), e legi-signos (no alto, em azul).
as classes (a posição de cada classe em relação às demais, determi-
nada em função das tricotomias e das modalidades cenopitagóri-
cas). Em Farias e Queiroz (2000b) chamamos estas relações de
“relações estáticas,” e afirmamos que o projeto não se limitaria a
este tipo de relação. Conforme mencionado no primeiro parágrafo
desta seção, pretendíamos construir um diagrama onde fosse pos-
sível visualizar também as relações entre as classes presentes nas 10
classes de signos.
Para representar este outro tipo de relação, ao qual demos o
nome de “relações dinâmicas”, propusemos, em Farias & Queiroz
(2000a), a adoção de um conjunto de regras visuais envolvendo o
aparecimento e desaparecimento de cubos específicos, e difer-
enças nos tamanhos destes cubos. Para esclarecer melhor este
ponto, elaboramos, como exemplo, um storyboard (figura
III.1.2.h) contendo os principais passos das relações ‘dinâmicas’
entre as 10 classes que aparecem nos diagramas de Balat (figuras
III.1.2.a, II.2.1.a e II.2.1.b), na forma de conexões orientadas.
Segundo interpretação de Serson (1997:134-136), as relações rep-
resentadas por estas flechas podem ser divididas entre relações de
‘instanciação’ e de ‘envolvimento’.10
Neste storyboard, foram adotadas duas regras visuais diferen-
135
Figura III.1.2.g. SANDERS I visto a partir do plano I. Prestando atenção nas cores
(vermelho, verde ou azul) das faces que são paralelas a este plano, é fácil observar a
existência de três grupos especiais de cubos: remas (à esquerda, em vermelho),
dicentes (ao meio, em verde), e argumentos (à direita, em azul).
tes para representar os dois tipos de relação: relações de instanci-
ação estão representadas por uma substituição das classes ‘instan-
ciadoras’ pelas classes ‘instanciadas’; e relações de envolvimento
estão representadas pela aparição simultânea das duas classes rela-
cionadas, sendo que as classes ‘envolvedoras’ estão representadas
por cubos maiores do que os das classes ‘envolvidas’.
Implementação
A primeira versão do software 10cubes foi baseada, principalmente,
nas idéias apontadas em Farias & Queiroz (2000a), e descritas nos
parágrafos acima. Tratava-se de uma versão bastante simples e
direta de SANDERS I: um modelo informático tridimensional, bas-
tante similar ao da figura III.1.2.b, que podia ser girado em qual-
quer direção utilizando-se o recurso de clicar-e-arrastar com o
mouse. A este modelo, foi acrescentado um segundo recurso de
interatividade que não estava previsto no projeto original: ao clicar
sobre um cubo, este ficava ‘realçado’, com suas arestas em amarelo,
e uma legenda indicando qual a classe por ele representada apare-
cia logo acima do diagrama (figura III.1.2.i).
A partir da versão alpha-2, novos recursos foram sendo acres-
centados. Em primeiro lugar, o recurso da legenda para os
136
Figura III.1.2.h. Storyboard com os 6 passos principais das relações de
instanciação e envolvimento entre as 10 classes de signos. No sentido da
leitura, temos:
1- 333…
2- …instancia 332, que envolve 331.
3- 332 instancia 322, que envolve 321. 331 instancia 321.
4- 321 envolve 311.
5- 322 instancia 222, que envolve 221. 321 instancia 221, que envolve 211. 311
instancia 211,…
6- … e 211 envolve 111.
cubos/classes foi aprimorado, de forma que, além da descrição em
termos numéricos (por exemplo, “321”), os cubos também fossem
descritos verbalmente (por exemplo, “legi-signo indexical remáti-
co”). Também ficou estabelecido que as cores utilizadas nas legen-
das, para ambas as formas de descrição, deveriam obedecer o mesmo
critério utilizado para colorir os cubos: vermelho para primeiridade,
verde para secundidade, azul para terceiridade (figura III.1.2.j).
O próximo recurso acrescentado foi um botão reproduzindo
os três planos do diagrama (botão ‘S/O/I’), criado para possibilitar
‘saltos diretos’ para vistas especiais, sem a necessidade de girar o
modelo. Ao clicar sobre um dos planos que formam este botão,
saltamos de qualquer posição para uma vista do modelo que tem
como plano principal (de frente para o usuário) o plano escolhido.
Concomitantemente, ao lado do botão S/O/I podemos observar uma
legenda que informa a tricotomia à qual o plano selecionado se ref-
ere (por exemplo, ‘relação SIGNO/OBJETO’),11
e quais são suas
modalidades (por exemplo, ícones, índices e símbolos). Ao clicar-
mos sobre uma destas modalidades, (por exemplo, ‘índices’), as
faces dos cubos nas quais ela aparece (neste caso, 221, 222, 321 e
322) passaram a ser sinalizadas (figura III.1.2.k).
A partir da versão alpha-5, estabeleceu-se uma diferença no
137
Figura III.1.2.i. Aspecto da interface de 10cubes, versão alpha-1, com o cubo que
corresponde à classe 321 selecionado (arestas em amarelo).
Figura III.1.2.j. Aspecto da interface de 10cubes, versão alpha-2, com o
cubo 321 selecionado (arestas e diagonais amarelas nas 6 faces).
modo de realçar um cubo selecionado, conforme se tratasse de uma
seleção de modalidade (por exemplo, ‘índices’), ou uma seleção de
classe (por exemplo, sin-signo indexical remático). Tendo em vista
evitar confusões na leitura das legendas, as faces de cubos realçadas
a partir das seleções ‘por modalidade’ passaram a ser realçadas por
traços amarelos em suas diagonais, enquanto os cubos selecionados
diretamente passaram a ser realçados por traços amarelos sobre
suas arestas. (figura III.1.2.l).
Além disso, outros botões e recursos foram acrescentados.
Logo abaixo do botão S/O/I, foi inserido um pequeno botão em
forma de flecha que faz com que o diagrama dê um giro de 180 graus.
À sua direita, um botão em forma de alvo faz com que o diagrama
retorne à posição inicial, sem nenhum cubo ou legenda seleciona-
dos. Este último mostra-se particularmente útil no caso de termos
efetuado diversos giros e seleções diferentes durante a navegação, e
desejarmos retornar à posição inicial.
Abaixo deste grupo, um botão na forma de cubo dá acesso à
visualização de duas seqüências de relações dinâmicas entre as
classes (figura III.1.2.m). O usuário pode optar entre visualizar as
relações de ‘instanciação/envolvimento’ (recurso previsto no pro-
jeto inicial, e comentado acima) ou as relações de ‘implicação’. Para
138
Figura III.1.2.k. Aspecto da interface de 10cubes, versão alpha-2, com as faces dos cubos
que correspondem aos índices selecionadas (contornos e diagonais em amarelo).
Figura III.1.2.l. Aspecto da interface de 10cubes, versão alpha-6, com as faces dos
cubos que correspondem aos ícones (diagonais em amarelo), e o cubo que corresponde
à classe 322 (arestas em amarelo) selecionados.
estas últimas, que seguem a seqüência de conexões orientadas que
aparecem no diagrama proposto por Marty (1982a: 178, figura
II.2.1.i), foi adotada uma regra visual segundo a qual as
classes/cubos ‘implicadas’ vão se tornando visíveis, e fazendo com
que se tornem também visíveis as classes/cubos que elas ‘implicam’
(ver seqüência completa na figura III.1.2.n). Para as relações de
instanciação/envolvimento’ foram adotadas duas regras: (i) clas-
ses/cubos ‘instanciadoras’ são substituídas pelas classes/cubos
‘instanciadas’; e (ii) classes/cubos ‘envolvidas’ aparecem simul-
taneamente às classes/cubos ‘envolvedoras’ (ver seqüência com-
pleta na figura III.1.2.o).
Em ambas as seqüências, é possível optar entre uma visual-
ização em animação contínua (‘loop’), ou uma visualização passo-a-
passo (clicando diretamente nos ‘steps’, ou passos que compõem
cada seqüência). Cada ‘passo’ corresponde a uma configuração
específica do diagrama, e sua descrição é dada por uma legenda logo
abaixo do mesmo (figura III.1.2.p). Mesmo dentro deste modo de
visualização ‘animado’ ainda é possível selecionar cubos (clicando
diretamente sobre eles) e modalidades (clicando sobre uma modal-
idade dentro de uma lista de tricotomia) (figura III.1.2.q).
A partir da versão beta-1, foi acrescentado um recurso de
139
Figura III.1.2.m. Aspecto da interface de 10cubes, versão alpha-6, com o botão
‘Relations between classes’ selecionado (em amarelo).
140
Figura III.1.2.n. Seqüência de passos da relação ‘Implication’ na versão alpha-7 de 10cubes.
141
Figura III.1.2.o. Seqüência de passos da relação
‘Instantiation/involvement’ na versão alpha-6 de 10cubes.
Figura III.1.2.p. Aspecto da interface de 10cubes, versão alpha-6, com o
passo 6 da relação ‘instanciação/envolvimento’ selecionado. Somente os
cubos que correspondem a este passo (111, 211 e 222) estão visíveis.
ajuda ao usuário, que consiste em um botão ‘help’ e uma página em
html, ligada a ele, com créditos e informações básicas sobre como
utilizar o diagrama (figura III.1.2.r). Também foi acrescentado à
interface o título do diagrama.
A página de ajuda ‘About 10cubes’ (figura II.1.2.s) têm como
objetivo principal apresentar ao usuário os recursos oferecidos pelo
diagrama. Ela consiste em uma lista de sugestões de ações e seus
efeitos, precedida por pequenas ilustrações informativas (ícones, no
jargão da informática) relativas a estas ações. Estas ilustrações bus-
cam traduzir de forma visual o conteúdo das informações dadas ver-
balmente, em uma tentativa de tornar o acesso a estas informações
mais intuitivo e mais rápido. Duas destas ilustrações informativas
são imagens em movimento (figuras III.1.2.t e III.1.2.u), recurso
utilizado para demonstrar com maior clareza as ações em questão.
A partir da versão alpha-6, 10cubes foi colocado online para
testes. A versão mais atualizada deste diagrama pode ser encontra-
da no seguinte endereço:
http://www.dca.fee.unicamp.br/~asrgomes/pri/d10cubes/
142
Figura III.1.2.q. Aspecto da interface de 10cubes, versão alpha-6, com o passo 6 da
relação ‘instanciação/envolvimento’, o cubo/classe 221, e a modalidade ‘ícone’ sele-
cionados. Somente os cubos que correspondem ao passo 6 da relação
‘instanciação/envolvimento’ (111, 211 e 222) estão visíveis. O cubo que corresponde à
classe 221 está com suas arestas realçadas (em amarelo), assim como as diagonais das
faces dos cubos/classes 111 e 211 paralelas ao plano O, que correspondem aos ícones (o
cubo/classe 311, que também possui uma face ‘icônica’, não está visível neste passo da
relação ‘instanciação/envolvimento’).
143
Figura III.1.2.r. Aspecto da interface de 10cubes, versão beta-2, onde vemos,
acima, à esquerda, o título do diagrama, e à direita o botão ‘help’.
Figura III.1.2.s. ‘About 10cubes’, página de ajuda ao diagrama 10cubes.
Figura III.1.2.t. Seqüência de imagens do gif animado ‘clicar-
e-arrastar’, na página de ajuda ‘About 10cubes’.
Figura III.1.2.u. Seqüência de imagens do gif animado ‘loop-ou-steps’,
na página de ajuda ‘About 10cubes’.
III.1.3- Experimentação
Conforme foi dito na introdução deste capítulo, 10cubes tem como
objetivo modelar de forma dinâmica (i.e., incorporando, através do
uso de recursos informáticos, interatividade e possibilidades de
modificação temporal) as relações existentes na divisão dos signos
em 10 classes proposta por Charles Sanders Peirce em seu ‘Syllabus’
de 1903. O projeto inicial previa os seguintes recursos:
(i) visualização das relações entre tricotomias que
formam as classes (figura III.1.2.c e III.1.2.d),
(ii) visualização de subgrupos significativos de
classes (por exemplo, ícones, índices e símbo-
los, figuras III.1.2.e, III.1.2.f, e III.1.2.g), e
(iii) visualização de relações dinâmicas entre as
classes (por exemplo, relações de instanciação e
envolvimento, figura III.1.2.h)
O recurso adicional (não previsto no projeto inicial) de apresentar
legendas para os cubos selecionados fez com que a visualização das
relações que formam as classes, prevista item (i) se realizasse de
forma mais eficiente, ao informar, de forma mais clara, as modali-
dades tricotômicas que constituem cada cubo/classe. O fato destas
legendas seguirem as mesmas regras para utilização de cores adota-
144
da para pintar os cubos contribui para a percepção, por parte do
usuário, da existência de correspondências constantes entre cores e
categorias cenopitagóricas (primeiridade, secundidade, terceiri-
dade). O recurso de realçar, pintando de amarelo suas arestas, os
cubos selecionados, faz com que seja possível escolher um determi-
nado cubo e depois girar o diagrama livremente para analisar, por
exemplo, suas relações de proximidade e posição com os outros
cubos.
A inclusão do botão S/O/I e das legendas relativas às tricoto-
mias contribuiu para a realização do item (ii). De forma similar ao
que ocorre com as legendas para as classes, as informações verbais
fornecidas pelas legendas para as tricotomias fazem com que a visu-
alização de grupos especiais de cubos/classes ocorra de forma mais
clara e eficiente. Além disso, a possibilidade de selecionar estes
grupos de cubos/classes a partir das legendas proporciona maior
flexibilidade na visualização dos mesmos, uma vez que as faces dos
cubos em questão permanecem realçadas ao girarmos o diagrama.
Neste sentido, também cabe frisar a relevância da existência de
regras visuais diferentes para a seleção de classe (cubo inteiro
realçado por suas arestas) ou modalidade tricotômica (face do cubo
realçada por suas diagonais), o que permite a visualização de infor-
145
mações ‘cruzadas’ sobre os cubos/classes (por exemplo, qual a
posição dos sin-signos icônicos dentro do grupo de classes de sig-
nos icônicos).
No que diz respeito ao item (iii), as duas seqüências imple-
mentadas (‘instanciação/envolvimento’ e ‘implicação’) demon-
stram que é possível implementar a visualização de relações
dinâmicas entre as classes em 10cubes de forma bastante simples.
Desenvolvimentos ulteriores deste diagrama poderão incluir a
implementação de outras seqüências de relações entre classes,
como, por exemplo, aquelas indicadas em Merrell (1991:17, figura
II.2.1.c). Outro desenvolvimento interessante seria a implemen-
tação de um mecanismo que possibilitasse a criação de seqüências
de relações por parte do usuário.
Grande parte dos botões e recursos descritos nesta seção não
estavam previstos no projeto original, e foram sendo acrescentados
ao projeto básico de interface a partir da utilização de versões pre-
liminares do diagrama. Embora nenhum tipo de teste de usabili-
dade tenha sido efetuado de forma sistemática, comentários feitos
por usuários, a partir da versão alpha-6 —colocada online para
testes em maio de 2001— também foram levados em consideração
no refinamento do design de interface. Estes comentários moti-
146
varam a inclusão do mecanismo de ajuda descrito nos últimos pará-
grafos da seção anterior. Acredito que este mecanismo esteja de
acordo com os requisitos para um sistema de ajuda eficiente elen-
cados por especialistas em design de interface (Raskin 2000: 174-
177, Cato 2001: 265), e que a versão beta-2 de 10cubes seria avaliada
positivamente caso submetida a testes controlados de usabilidade.
147
Notas
1. Os pressupostos teóricos para a construção deste diagrama foram longamente
expostos em Farias & Queiroz (2000a), e de forma um pouco mais resumida
em Farias & Queiroz (2000b e 2000d).
2. Esta notação é a mesma utilizada em outro diagrama do mesmo autor, discuti-
do no capítulo II.2.1, e apresentado na figura II.2.1.b (Balat 1990: 85).
3. No artigo onde este diagrama é apresentado (Balat 1990), o autor utiliza a
nomenclatura “tom” (no original em francês, ton), “tipo” (type) e “traço”
(trace), respectivamente, para definir o significado das as posições I, II e III.
4. As abreviaturas ‘S’, ‘O’ e ‘I’, utilizadas para identificar as três tricotomias
envolvidas na classificação de signos em 10 classes proposta no Syllabus de
1903 (MS 540, CP 2.233-72, EP2: 289-299) não devem ser confundidas com
abreviaturas para os três correlatos do signo (Representamen, Objeto e
Interpretante) descritos neste mesmo manuscrito, e que poderiam sugerir
que a letra ‘R’ fosse utilizada no lugar de ‘S’ no diagrama aqui proposto.
5. A escolha das três cores primárias do sistema aditivo RGB (red, green, blue ou
vermelho, verde, azul) para representar as categorias cenopitagóricas, em
detrimento às três cores primárias do sistema subtrativo CMY (cyan, magen-
ta, yellow, ou ciano, magenta, amarelo) deve-se ao fato deste (RGB) ser o
sistema adotado pelas telas de computadores. Uma vez que o projeto
SANDERS I previa, desde o início, a implementação do diagrama em meios
digitais, considerou-se que o sistema RGB seria o mais adequado por ser
mais coerente com esta implementação. Também seria possível, conforme
discutido no capítulo II.3.1, considerar a utilização de combinações de cores
primárias para as diferentes faces dos cubos, mas isso se tornaria um pro-
148
blema para a representação dos volumes em 3 dimensões, onde estas combi-
nações poderiam ser confundidas com a aplicação de sombras (algo similar
ocorre no diagrama de Amadori [2001: 34], comentado no mesmo capítulo).
6. A escolha das relações entre cores do sistema aditivo RGB e categorias ceno-
pitagóricas segue a ordem em estas cores costumam ser apresentadas (1=R,
2=G, 3=B). Mas não deixa de ser uma coincidência interessante o fato de um
dos exemplos mais conhecidos de ‘quali-signo’ (classe formada por três
relações de primeiridade), fornecido pelo próprio Peirce, ser “um senti-
mento de vermelho” (CP 2.254).
7. As letras utilizadas para nomear as variáveis da fórmula encontrada nesta
página foram alteradas para torna-la coerente com a fórmula de Weiss &
Burks (1945: 387) que será apresentada a seguir, tendo em vista uma maior
clareza na explicação de sua equivalência. Na fórmula originalmente apre-
sentada por Rosenstiehl,
,
B corresponde ao número de palavras com k letras que podem ser escritas
com um alfabeto de n letras. Em contraste com isso, na fórmula de Weiss &
Burks n corresponde ao número de tricotomias que formam uma classe (ou,
nos termos de Rosenstiehl, ao número de letras de que formam uma palavra)
dentro de uma classificação —sempre baseada no mesmo ‘alfabeto’ de 3
letras, que corresponde às 3 categorias cenopitagóricas. Para evitar conflitos
na nomeação das variáveis utilizadas nos próximos parágrafos, a fórmula de
Rosenstiehl foi alterada de forma que a variável ‘n’ correspondesse, como na
B n kn k
k( , ) =
+ −
1
149
de Weiss & Burks, ao número de letras (ou número de tricotomias) que for-
mam uma palavra (ou classe).
8. Isso significa, por exemplo, que, ao calcular o número máximo de combi-
nações de três elementos a partir de um alfabeto {R, G, B}, a combinação (B,
G, G) será considerada igual a (G, B, G) e (G, G, B), assim como a combi-
nação (B, G, V) será considerada igual a qualquer outra combinação onde
apenas a ordem dos elementos do alfabeto {R, G, B} foi alterada.
9. A expressão ‘C=’ não faz parte da fórmula encontrada em Weiss & Burks
(1945: 387), e foi incluída aqui para dar maior clareza à explicação a seguir.
10. Para uma análise das relações representadas nos diagramas de Balat (1990),
ver seção II.2.1 desta tese.
11. As tricotomias representadas pelos planos S, O e I são descritas nestas legen-
das, respectivamente, como: SIGN/SIGN relation, SIGN/OBJECT relation, e
SIGN/INTERPRETANT relation. Acredito que seja fácil, para um usuário que
possua alguma familiaridade com a divisão em 10 classes proposta por Peirce,
intuir que as duas últimas legendas são versões abreviadas de ‘relação do
signo com seu objeto’ e ‘relação do signo com o interpretante’. A primeira
legenda, contudo, merece uma explicação. Trata-se, obviamente, de uma ten-
tativa de abreviação para a descrição verbal da primeira tricotomia. Peirce,
assim como boa parte de seus comentadores, refere-se a esta tricotomia
como ‘signo em si mesmo’ (EP2: 291, Lieb 1977: 160, Weiss & Burks 1945:
385, Houser 1991: 433, Müller 1994: 140, Santaella 1995: 120), ‘modo de
apreensão do signo em si mesmo’ (EP2: 482), ‘modo de apresentação do
signo’ (EP2: 483), ou ainda ‘natureza do signo’ (Houser 1991: 435, Santaella
1995: 122). Neste contexto, a expressão ‘SIGN/SIGN relation’ é uma tentativa
150
de aproximar a descrição desta primeira tricotomia às descrições das outras
duas, definindo-a em termos de uma ‘relação do signo com si mesmo’.
Embora a relação de algo ‘consigo mesmo’ possa parecer estranha à primeira
vista, a escolha desta descrição se justifica se levarmos em consideração que,
quando Peirce fala em ‘signo em si mesmo’, ele provavelmente tem em mente
algo similar ao conceito de identidade tal como descrito no primeiro capítulo
de seu A Guess at the Riddle (W6: 165-210):
Other relations … consist in the relation between two parts of one complex con-
cept, or, as we may say, in the relation of a complex concept to itself, in respect
to two of its parts. … Identity is the relation that everything bears to itself.
151
III.2- 3N3: explorando as estruturas e
as relações entre as 10, 28 e 66 classes de signos
propostas por Peirce
Introdução
3N3 é um software que constrói diagramas triangulares para dife-
rentes classificações de signos —divisões em 10, 28, 66, ou qualquer
outro número de classes compatível com o modelo peirceano.1
Desenvolvido em linguagem Java, ele tem como objetivos principais
(i) facilitar a análise de signos de acordo com os princípios dia-
gramáticos das categorias, tricotomias e classes propostos por
Peirce, (ii) possibilitar comparações de estruturas sígnicas semel-
hantes (por exemplo, legi-signos icônicos) no contexto de diferen-
tes classificações, e (iii) auxiliar na consideração de diferentes
hipóteses, levantadas pelo próprio Peirce e por alguns de seus
comentadores (em particular Weiss & Burks 1945, Sanders 1970,
Lieb 1977, Marty 1990, Maróstica 1992 e Müller 1994), acerca das
classificações baseadas em mais de 3 tricotomias —as divisões em
28 e 66 classes.
O projeto que se concretiza com a implementação deste soft-
ware iniciou com a análise de dois diagramas elaborados por Peirce
152
para 10 classes de signos (MS 540: 17, CP 2.264, EP2: 289-99, figu-
ra II.1.1.b, e L463: 132-146, CP 8.376, EP2: 483 – 491, figura
II.1.2.b). Em Farias & Queiroz (2000c e 2001a), demonstramos que
estes dois diagramas foram construídos com base nos mesmos
princípios diagramáticos, e propusemos que estes princípios pode-
riam ser aplicados na construção de diagramas para qualquer con-
junto n-tricotômico de classes baseado no modelo triádico do signo
peirceano. A implementação destes princípios diagramáticos é o
principal recurso do software 3N3, que possui ainda outros mecanis-
mos interativos. O fato de podermos contar com uma ferramenta
consolidada para construir estes diagramas tem implicações impor-
tantes não somente para a compreensão da estrutura das classes e
das classificações, mas também para a discussão acerca da ordem de
determinação das tricotomias nas classificações em 28 e 66 classes.
Este capítulo apresenta as questões que levaram à elaboração
de 3N3, descreve sua fase de desenvolvimento, expõe alguns exper-
imentos e avalia seus resultados.
III.2.1- Conceitualização
Conforme foi visto no capítulo I.1.3, Peirce descreveu, em diversas
partes de sua obra (MS 540; L463: 132-60; CP 2.233-72 e 8.342-76;
153
Lieb 1977: 80-85; EP2: 289-99 e 478-91), diferentes classificações
de signos —divisões em 3, 10, 28 e 66 classes. A primeira e mais
conhecida destas classificações, baseada em apenas uma tricoto-
mia, divide os signos em ícones, índices e símbolos. Também é
razoavelmente bem conhecida sua divisão em 10 classes, baseada
em 3 tricotomias, e longamente descrita em seu ‘Syllabus’ de 1903
(MS 540, CP 2.233-72, EP2: 289-99).
Muito menos conhecidas, as divisões em 28 e 66 classes
aparecem em diversos manuscritos e rascunhos de cartas escritas
por Peirce para Lady Welby em dezembro de 1908 (L463: 132-60;
CP 8.342-76; EP2: 478-91; Lieb 1977: 80-85). Estas divisões
baseiam-se, respectivamente, em 6 e em 10 tricotomias. Embora
diversos especialistas (Houser 1992: 501-502, Müller 1994:135,
Santaella 1995: 125, entre outros) concordem quanto à relevância
destas classificações para a compreensão da semiótica peirceana,
elas nunca receberam, por parte do próprio autor, o tratamento
exaustivo dado às 10 classes descritas no ‘Syllabus’. Conforme
vimos no capítulo II.1, Peirce também desenhou vários diagramas
para 10 classes de signos (figuras II.1.1.a, II.1.2.a, e II.1.2.d), mas
aparentemente2
nunca fez o mesmo para suas divisões em 28 e 66
classes. A constatação de que este era um aspecto pouco compreen-
154
dido da teoria peirceana do signo foi a principal motivação para as
investigações que levaram ao diagrama descrito nesta seção.
A fase de conceitualização de 3N3 iniciou com a análise com-
parativa de dois diagramas para 10 classes de signos concebidos por
Peirce (o ‘diagrama do Syllabus’, MS 540: 17, CP 2.264, EP2: 296,
figura II.1.1.b; e ‘o diagrama de Welby’, L463:146, CP 8.376, EP2:
491, figura II.1.2.b). O primeiro deles, conforme vimos no capítu-
lo II.1.1, aparece no contexto de sua apresentação mais completa das
10 classes de signos, e é sem dúvida o mais conhecido dos dois. O
segundo, conforme vimos na seção seguinte, aparece no contexto de
uma série de rascunhos de cartas para Lady Welby, e aparentemente
não se refere às mesmas 10 classes.3
Deixando de lado, por um momento, as possíveis diferenças
entre as classes de signos presentes nos dois diagramas, podemos
apreciar suas similaridades estruturais. Em primeiro lugar,
podemos notar que os dois diagramas possuem silhuetas bastante
parecidas, que podem ser descritas como formas triangulares
eqüiláteras apoiadas em um de seus vértices. Estas silhuetas são
formadas por células quadradas no diagrama do Syllabus, e por
células triangulares no diagrama de Welby. Além disso, em relação
ao arranjo das classes, podemos constatar que os dois diagramas
155
possuem a mesma estrutura interna, organizada de forma espelha-
da por um eixo vertical no centro do diagrama. O espelhamento se
dá de tal forma que as classes localizadas sobre este eixo (321 e 222)
permanecem no mesmo lugar, enquanto as outras (por exemplo, 111
e 333) invertem suas posições. Estes dois pontos ficam mais claros
ao compararmos as versões simplificadas dos dois diagramas, apre-
sentadas nas figuras III.2.1.a e III.2.1.b.
No diagrama do Syllabus simplificado (Syllabus-S, figura
III.2.1.a), a notação para as classes, feita de forma verbal no diagra-
ma original (figura II.1.1.b), foi substituída por notação numérica,4
disposta de forma similar à que aparece no diagrama para Welby
(figura III.1.2.b). Além disso, a numeração em algarismos
romanos, assim como a variação nas espessuras das divisões entre
células, foi suprimida. No diagrama de Welby simplificado (Welby-
S, figura III.2.1.b), os triângulos que não que estavam ‘em branco’
no diagrama original (figura III.1.1.2.b) foram suprimidos.5
Para generalizar estas questões estruturais, e demonstrar que
estes dois diagramas seguem os mesmos princípios diagramáticos,
o próximo passo foi compreender o posicionamento das classes
nestes diagramas, em termos de coordenadas triangulares,6
onde
cada classe é representada por um tripleto (a, b, c). Para cada triple-
156
Figura III.2.1.a. Syllabus-S: versão simplificada do diagrama para 10 classes
de signos desenhado por Peirce em seu Syllabus de 1903 (MS 540: 17, CP
2.264, EP2: 296, figura II.1.1.b).
Figura III.2.1.b. Welby-S: versão simplificada do diagrama para 10 classes de
signos desenhado por Peirce em rascunho de carta para Lady Welby (L463:146,
CP 8.376, EP2: 491, figura II.1.2.b).
to, os valores de a, b, e c são números inteiros variando de 0 a 3 (cor-
respondendo à quantidade de algarismos ‘1’, ‘2’ e ‘3’ que compõem
a notação numérica para cada classe), sendo que a+b+c=3.7
Existem
apenas 10 tripletos que atendem a estas exigências. São eles: (3, 0,
0), (2, 1, 0), (1, 2, 0), (0, 3, 0), (0, 2, 1), (0, 1, 2), (0, 0, 3), (1, 0, 2),
(2, 0, 1), e (1, 1, 1).
Estes 10 tripletos podem ser arranjados de acordo com coor-
denadas triangulares, conforme podemos acompanhar nas figuras
III.2.1.c, III.2.1.d e III.2.1.e. Para construir estas coordenadas,
começamos por desenhar um triângulo eqüilátero e posicionar os
tripletos ‘extremos,’ isto é, aqueles onde dois de seus elementos são
iguais a zero,8
em seus vértices (figura III.2.1.c). A seguir, os
tripletos ‘intermediários,’ isto é, aqueles onde os valores de a, b e c
correspondem a seqüências onde um dos elementos permanece
igual a zero e os outros dois assumem valores do tipo (n+1, n-1), são
posicionados entre estes vértices (figura III.2.1.d). Por fim, os
pontos que correspondem aos tripletos ‘intermediários’ são ligados
por retas paralelas aos lados do triângulo, ao longo das quais são
dispostos os tripletos ‘centrais’ (figura III.2.1.e).
O que temos na figura III.2.1.e é um padrão de 10 vértices
que, conforme veremos, corresponde à estrutura interna dos dois
157
158
Figura III.2.1.c. Construindo coordenadas triangulares
para 10 classes. Passo 1: posicionando os tripletos
‘extremos’ (3, 0, 0), (0, 3, 0) e (0, 0, 3) nos vértices de um
triângulo eqüilátero.
Figura III.2.1.d. Construindo coordenadas triangulares
para 10 classes. Passo 2: posicionando os tripletos ‘inter-
mediários’ (2, 1, 0), (1, 2, 0), (0, 2, 1), (0, 1, 2), (1, 0, 2) e
(2, 0, 1) entre os vértices extremos das coordenadas trian-
gulares iniciadas no passo 1.
Figura III.2.1.e. Construindo coordenadas triangu-
lares para 10 classes. Passo 3: posicionando o tripleto
‘central’ (1, 1, 1) no cruzamento das retas que ligam os
pontos (2, 1, 0) e (1, 2, 0), (0, 2, 1) e (0, 1, 2), (1, 0, 2)
e (2, 0, 1).
diagramas para 10 classes desenhados por Peirce (figura II.1.1.b e
figura III.1.2.b). Se considerarmos que o elemento ‘a’ dos tripletos
corresponde à quantidade de algarismos ‘1’, o elemento ‘b’ à quan-
tidade de algarismos ‘2’, o elemento ‘c’ à quantidade de algarismos
‘3’ que formam a notação numérica para cada classe, e desenharmos
quadrados ao redor dos vértices, obteremos um diagrama idêntico a
Syllabus-S (comparar figura III.2.1.f e figura III.2.1.a). Por outro
lado, se invertermos as correspondências de ‘a’ e ‘c’, isto é, se con-
siderarmos que o elemento ‘a’ dos tripletos corresponde à quanti-
dade de algarismos ‘3’, o elemento ‘b’ à quantidade de algarismos
‘2’, o elemento ‘c’ à quantidade de algarismos ‘1’, e desenharmos
triângulos ao redor dos vértices, obteremos um diagrama idêntico a
Welby-S (comparar figura III.2.1.g e figura III.2.1.b).
É possível utilizar coordenadas triangulares para determinar
o arranjo de qualquer conjunto cuja quantidade de elementos seja
igual a um número triangular. A matemática define número trian-
gular como um inteiro que segue a fórmula n(n+1)/2, onde n é um
natural. Aplicada aos inteiros positivos, esta fórmula nos fornece a
seqüência {1, 3, 6, 10, 15, 21, 28,…}. A fórmula proposta por Weiss
& Burks (1945: 387) para calcular o número de classes de signos
válidas dentro do sistema peirceano a partir de um certo número de
159
Figura III.2.1.f. Syllabus-S reconstruído a partir das coordenadas
triangulares para 10 classes (comparar com figura III.2.1.a).
Figura III.2.1.g. Welby-S reconstruído a partir das coordenadas
triangulares para 10 classes (comparar com figura III.2.1.b).
tricotomias, (n+1)(n+2)/2, pode ser considerada um caso especial
da fórmula anterior, fornecendo números triangulares a partir de 3.
Uma vez que esta fórmula sempre nos dará números triangulares,
podemos dizer que é possível utilizar coordenadas triangulares para
construir diagramas para qualquer número de classes de signos.
Sendo assim, o mesmo procedimento utilizado para reconstruir os
diagramas Syllabus-S e Welby-S pode ser utilizado para construir
diagramas para qualquer classificação de signos, inclusive para as
divisões em 28 e 66 classes, conforme veremos a seguir.
Para construir um diagrama baseado em coordenadas trian-
gulares para as 28 classes, devemos criar um padrão de vértices
onde localizaremos os 28 tripletos da forma (a, b, c) que correspon-
dem a estas classes. Uma vez que a divisão em 28 classes está basea-
da em 6 tricotomias, os elementos a, b e c destes tripletos deverão
variar entre {0, 1, 2, 3, 4, 5, 6},9
respeitando a regra a+b+c=6. Da
mesma forma como procedemos para determinar o arranjo de 10
vértices (figuras III.2.1.c, III.2.1.d e III.2.1.e), começaremos por
posicionar os tripletos ‘extremos’ (6, 0, 0), (0, 6, 0) e (0, 0, 6) nos
vértices de um triângulo eqüilátero, e os 15 tripletos ‘inter-
mediários’ ao longo dos lados correspondentes deste mesmo triân-
gulo.10
Ligando os pontos marcados pelos tripletos intermediários
160
com retas paralelas aos lados do triângulo, obteremos um padrão de
28 vértices, ao redor dos quais podemos construir células triangu-
lares para abrigar as 28 classes (figura III.2.1.h).
Podemos agora ‘traduzir’ os tripletos nas seqüências de algar-
ismos ‘1’, ‘2’ e ‘3’ que formam a notação numérica para as classes. Se
adotarmos as mesmas correspondências utilizadas para reconstru-
ir o diagrama Welby-S obteremos um diagrama bastante similar ao
diagrama de Welby original (figura III.1.2.b). Esta é uma impor-
tante indicação de que, caso Peirce houvesse desenhado diagramas
para as 28 classes, ele provavelmente utilizaria um método similar
ao que estamos empregando aqui. O mesmo método pode ser uti-
lizado para construir um diagrama equivalente para as 66 classes de
signos (figura III.2.1.j).
A principal vantagem deste procedimento é poder construir
diagramas equivalentes para qualquer classificação de signos con-
sistente com o sistema peirceano. Isto, conforme afirmamos em
Farias & Queiroz (2000b, 2000c, 2001a e 2001b), faz com que seja
possível analisar e comparar as diferentes —e muitas vezes confli-
tantes— hipóteses acerca das divisões dos signos em 28 e 66 classes
propostas por Peirce feitas por seus comentadores, apresentadas no
capítulo I.1.3. Nestes mesmos artigos, foram apresentados alguns
161
Figura III.2.1.h. Diagrama para 28 classes construído ao redor de um padrão
de 28 vértices dispostos de acordo com coordenadas triangulares.
Figura III.2.1.i. Diagrama triangular para 28 classes, com notação numérica. Os pontos
indicam as células ocupadas por classes no diagrama de Welby (figura III.1.2.b).
exemplos de como estas análises e comparações poderiam ser
feitas. Estes resultados e exemplos serviram de base para o design
de 3N3, um software que implementa a estratégia de construir e
facilitar a análise destes ‘diagramas triangulares.’
III.2.2- Desenvolvimento
Uma das maiores dificuldades no processo de construção dos diagra-
mas triangulares apresentado na seção anterior é traçar as coorde-
nadas triangulares, e cuidar para que os tripletos sejam expressos cor-
retamente e dispostos nas posições adequadas. A análise e comparação
de hipóteses, por sua vez, requer a tradução destes tripletos na notação
numérica, e também, muitas vezes, em uma descrição verbal.
O software 3N3 foi concebido para facilitar a construção e
análise destes diagramas, automatizando o processo de geração de
diagramas triangulares e providenciando uma forma rápida e sim-
ples de analisar seus componentes. A primeira versão de 3N3 pos-
suía apenas o recurso de gerar diagramas equivalentes para um
certo número de classes, de acordo com uma quantidade de tricoto-
mias variando entre 3 e 10 (figura III.2.2.a). As classes apareciam
descritas como tripletos, e era possível selecionar um ou mais ele-
mentos do diagrama (figura III.2.2.b).
162
Figura III.2.1.j. Diagrama triangular para 66 classes de signos. As classes
são mostradas na forma de tripletos.
A partir deste desenvolvimento, foram estabelecidas uma
série de especificações para a interface e funcionamento do progra-
ma, que começaram a ser implementadas nas versões subseqüentes
do software. As principais inovações quanto ao esboço original
foram a criação de um campo que mostra a notação numérica para
as classes selecionadas, e uma tabela que fornece a descrição verbal
para estas classes (figuras III.2.2.c e III.2.2.d).
Interface de entrada
A partir da versão alpha-2, a interface de entrada passou a ter, como
elementos principais, dois campos para inserção de valores
numéricos, intitulados ‘number of classes’ (‘número de classes’) e
‘number of trichotomies’ (‘número de tricotomias’), e um botão
chamado ‘build diagram’ (‘construir diagrama’). 3N3 utiliza os val-
ores inseridos no campo ‘number of trichotomies’ como n para calcu-
lar e mostrar o valor c de classes no campo ‘number of classes,’ de
acordo com a fórmula c=(n+1)(n+2)/2, e vice-versa. Tendo um
destes campos preenchidos, basta clicar sobre o botão ‘build dia-
gram’ para que o software construa o diagrama correspondente.
O número de classes e tricotomias foi limitado a duas casas
decimais, podendo chegar até 12 tricotomias, ou 91 classes. Estes
163
Figura III.2.2.a. Aspecto da versão alpha-1 de 3N3, com o menu de
seleção do número de tricotomias ativado.
Figura III.2.2.b. Aspecto da versão alpha-1 de 3N3, com algumas
células de um diagrama para 28 classes selecionadas.
números não precisariam, necessariamente, ser limitados, mas a
falta de um limite aumentaria desnecessariamente a complexidade
da implementação, principalmente no que diz respeito à construção
dos diagramas e respectivas tabelas, conforme veremos a seguir. Os
diagramas se tornariam ilegíveis caso mantivessem o mesmo
tamanho, como ocorre na versão que está sendo apresentada, ou
precisariam crescer ilimitadamente, aumentando sua área em pro-
porção ao número de classes em questão. As tabelas, por outro lado,
se tornariam infinitamente longas, crescendo em proporção ao
número de tricotomias envolvidas.
Alertas
O número de tricotomias inserido no campo ‘number of trichotomies’
deve ser um inteiro maior ou igual a 1. O numero de classes no
campo ‘number of classes,’ por sua vez, deve obedecer a formula
(n+1)(n+2)/2. Um campo foi criado logo abaixo do botão ‘build dia-
gram’ para mostrar mensagens de alerta a respeito dos valores
inseridos nos campos ‘number of trichotomies’ e ‘number of classes.’
Caso o usuário insira um número de tricotomias ou classes maior do
que o limite aceito pelo programa (12 tricotomias, 91 classes), este
164
Figura III.2.2.c. Aspecto do projeto de interface para 3N3, mostrando o que deveria
ocorrer ao selecionar uma das células do diagrama: a descrição verbal da classe
aparece realçada na tabela, e em notação numérica na lista ‘show class,’ acima dela.
Figura III.2.2.d. A interface de entrada de 3N3 na versão alpha-5.1.
campo exibirá uma mensagem de erro informando o valor deste
limite (figuras III.2.2.e e III.2.2.f).
Caso o usuário insira no campo ‘number of classes’ um valor
que não obedece à formula (n+1)(n+2)/2, o programa substitui este
número pelo maior valor válido mais próximo e envia uma men-
sagem de alerta (figura III.2.2.g). Embora o software permita criar
diagramas com diferentes número de classes e tricotomias, no con-
texto da semiótica peirceana apenas alguns destes valores (1, 3, 6 e
10 para o número de tricotomias; 3, 10, 28 e 66 para o número de
classes) são considerados válidos pelos especialistas. Caso os val-
ores inseridos forem diferentes destes, o programa constrói o dia-
grama, mas também envia uma mensagem de alerta (figura
III.2.2.h).
Construindo diagramas
Ao clicar no botão ‘build diagram’, um diagrama triangular com o
número de classes determinado no campo ‘number of classes’ é con-
struído. As classes são representadas nos diagramas por tripletos da
forma (a, b, c) onde a corresponde ao número de algarismos ‘1,’ b ao
número de algarismos ‘2,’ e c ao número de algarismos ‘3’ que com-
põem a notação numérica para cada classe. O tripleto ‘extremo’ no
165
Figura III.2.2.e. Mensagem de erro para
número de tricotomias maior do que o limite
estipulado, na versão alpha-5.1 de 3N3.
Figura III.2.2.f. Mensagem de erro para
número de classes maior do que o limite
estipulado, na versão alpha-5.1 de 3N3.
Figura III.2.2.g. Mensagem de alerta para
número de classes que não obedece à formula
(n+1)(n+2)/2, na versão alpha-5.1 de 3N3.
Figura III.2.2.h. Mensagem de alerta para número de
classes ou de tricotomias que não considerados válidos
pelos especialistas, na versão alpha-5.1 de 3N3.
qual a é igual ao valor expresso no campo ‘number of trichotomies’ é
colocado no canto superior direito do diagrama, aquele onde c é
igual a este valor é colocado no canto superior esquerdo, e aquele
onde b é igual a este valor é colocado no canto inferior.
A organização dos tripletos, assim como a convenção para sua
tradução na notação numérica poderiam ser diferentes sem prejuí-
zo para a coerência dos diagramas: as posições dos tripletos
extremos superiores poderiam ser invertidas, assim como a con-
venção para a tradução dos elementos a e c. A escolha dos parâmet-
ros utilizados na versão atual do programa levou em consideração o
fato de que o diagrama mais conhecido para as classificações sígni-
cas de Peirce é o diagrama do Syllabus (figura II.1.1.b), e buscou
tornar mais intuitiva a tradução dos tripletos em notação numérica.
Para isso, a estrutura deste diagrama (classe 111 no canto superior
direito, classe 333 no canto superior esquerdo) foi mantida, e, para
o estabelecimento de correspondências entre os elementos dos
tripletos e sua tradução em algarismos, seguiu-se a ordem alfabéti-
ca (a= quantidade de ‘1’s, b= quantidade de ‘2’s, c= quantidade de
‘3’s).
166
Figura III.2.2.i. Diagrama triangular para 10 classes de
signos criado pela versão alpha-5.1 de 3N3.
Tabelas de tricotomias
Além do diagrama, o programa também constrói, abaixo dele, uma
tabela com as tricotomias envolvidas na classificação. Estas tabelas
tem a função de fornecer a chave para a leitura dos tripletos em ter-
mos de descrições verbais para classes de signos. Elas são formadas
por 4 linhas, sendo que, de cima para baixo, a primeira correspon-
de ao nome da tricotomia, e as outras três às modalidades em
primeiridade (2ª linha), secundidade (3ª linha) e terceiridade (4ª
linha) de cada uma destas tricotomias. O número de colunas é sem-
pre igual ao número de tricotomias determinado no campo ‘number
of trichotomies’.
A primeira linha das tabelas é formada por uma seqüência de
menus drop-down (que se transformam em listas quando clicamos
sobre eles, figura III.2.2.j), todos com as seguintes opções:11
S ([natureza do] Signo)
Oi ([natureza do] Objeto Imediato)
Od ([natureza do] Objeto Dinâmico)
S-Od (relação do Signo com o Objeto Dinâmico)
Ii ([natureza do] Interpretante Imediato)
Id ([natureza do] Interpretante Dinâmico)
167
S-Id (relação do Signo com o Interpretante
Dinâmico)
If ([natureza do] Interpretante Final)
S-If (relação do Signo com o Interpretante Final)
S-Od-If (relação do Signo com o Objeto Dinâmico e
Interpretante Final)
other (outro)
O projeto de interface previa que o significado das abreviaturas dos
menus drop-down apareceria na forma de sub-menu ao lado de
cada uma delas (figura III.2.2.k). Este recurso, contudo, não pode
ser implementado devido a limitações correntes da linguagem Java,
e as informações sobre o significado destas abreviaturas passou a
ser dado na página de ajuda, conforme discutiremos mais adiante.
Por default, e com base no que foi discutido a respeito das tri-
cotomias e classificações nos capítulos I.1.2 e I.1.3, algumas combi-
nações especiais de número de tricotomias/número de classes
geram seqüências específicas de opções das listas dos menus drop-
down. A combinação que corresponde à divisão em 10 classes gera a
seqüência (S, S-Od, S-If) (figura III.2.2.i); a que corresponde à
divisão em 28 gera a seqüência (Od, Oi, S, If, Id, Ii) (figura III.2.2.l);
e aquela que corresponde à divisão em 66 classes gera a seqüência
168
Figura III.2.2.j. Diagrama triangular para 10 classes de signos criado pela versão
alpha-5.1 de 3N3, com o menu drop-down da última coluna da tabela ativado.
Figura III.2.2.k. Aspecto do projeto de interface de 3N3, simulando a ativação do
recurso de sub-menus dentro dos menus drop-down.
(S, Oi, Od , S-Od , Ii , Id , S-Id , If , S-If , S-Od-If) (figura III.2.2.m).
Para todas as outras combinações, a seqüência de opções
segue a ordem dos itens do menu drop-down.12
Em qualquer caso, o
usuário tem sempre a possibilidade de modificar estas seqüências
através da manipulação dos menus. O conteúdo das demais células
da tabela segue, com a exceção da opção ‘other,’ a nomenclatura para
as modalidades atualmente mais utilizadas pelos comentadores e
discutida no capítulo I.1.3:
S : Qualisign, Sinsign, Legisign
Oi : Descriptive, Denominative, Distributive
Od : Abstractive, Concretive, Collective
S-Od : Icon, Index, Symbol
Ii : Hypothetical, Categorical, Relative
Id : Sympathetic, Percussive, Usual
S-Id : Suggestive, Interrogative, Cognificative
If : Gratific, Practical, Pragmatistic
S-If : Rheme, Dicent, Argument
S-Od-If : Instinctive, Experiential, Habitual
A opção ‘other’ permite, ainda, que o usuário utilize nomenclatu-
ras alternativas, ou mesmo que estabeleça sua própria nomen-
clatura. Para isso, basta digitar nos campos apropriados a nomen-
169
Figura III.2.2.l. Diagrama triangular para 28 classes de signos
criado pela versão alpha-5.1 de 3N3.
Figura III.2.2.m. Diagrama triangular para 66 classes de signos
criado pela versão alpha-5.1 de 3N3.
clatura desejada e em seguida pressionar a tecla ‘return’ para fixá-
la na tabela.
Tripletos, classes, listas e tabelas
Ao clicar em uma célula do diagrama podemos observar, na lista
‘show class,’ a tradução do tripleto ao qual esta célula corresponde
em uma seqüência de algarismos 1, 2 e 3 que descrevem esta classe
‘numericamente,’ de acordo com as categorias cenopitagóricas
adotadas por Peirce. Também podemos observar, realçadas em ver-
melho na tabela, uma seqüência de células que corresponde à
descrição verbal desta classe (figura III.2.2.n). Este procedimento
é particularmente útil para desvendar o significado de um tripleto
em termos verbais ou numéricos.
De forma similar, ao clicar em uma célula da tabela podemos
observar, na lista ‘show class’ a classe (ou o conjunto de classes) que
possui este elemento —uma modalidade dentro de uma tricotomia,
em uma certa posição, por exemplo, ‘ícones’ na segunda tricoto-
mia— em sua composição. No diagrama, as células com os tripletos
correspondentes a estas classes são automaticamente realçadas. No
restante da tabela, células que correspondem a modalidades neces-
sariamente envolvidas pela modalidade selecionada (por exemplo,
170
Figura III.2.2.n. Diagrama triangular para 10 classes de
signos criado pela versão alpha-5.1 de 3N3 com a célula que
contém o tripleto (2, 1, 0) selecionada.
‘remas’, pois todos os ícones são remáticos) aparecerão em verme-
lho, e células que correspondem a modalidades que podem estar
envolvidas mas que não fazem parte da composição de todas as clas-
ses que compõem o conjunto das classes com a modalidade sele-
cionada (por exemplo, ‘quali-signo,’ ‘sin-signo’ e ‘legi-signo,’ uma
vez que os ícones podem ser signos com uma destas naturezas)
aparecem com o contorno em vermelho. As modalidades que não
estão envolvidas de nenhuma forma, permanecem em branco
(figura III.2.2.o).
Este último procedimento é particularmente útil para identi-
ficar sub-grupos especiais de classes dentro de uma classificação.
Através deste recurso podemos, por exemplo, localizar com facili-
dade todos os ícones presentes em um diagrama triangular que tem
a mesma estrutura do diagrama do Syllabus (figura III.2.2.o).
Selecionando mais de uma célula da tabela podemos também rela-
cionar diferentes classificações e identificar, por exemplo, quais
são as classes que podem ser descritas como ‘legi-signos indexicais
remáticos’ (321) dentro de um diagrama para 66 classes. Este
recurso foi implementado na versão beta-1 do programa (figura
III.2.2.p).
A partir da versão beta-1 de 3N3 também passou a ser possível
171
Figura III.2.2.o. Diagrama triangular para 10 classes de signos criado pela versão
alpha-5.1 de 3N3 com a célula ‘icon’ da tabela selecionada.
172
Figura III.2.2.p. Diagrama triangular para 66 classes de signos criado na versão
beta-1 de 3N3, com as células ‘legisign,’ ‘index’ e ‘rheme’ da tabela selecionadas.
interagir com os diagramas construídos a partir da lista ‘show class.’
Um campo para inserção de seqüências numéricas foi colocado
acima da lista, tendo ao lado um botão ‘mais’ e um botão ‘menos.’ É
possível acrescentar classes à lista digitando sua seqüência numéri-
ca neste campo, e clicando em seguida sobre o botão ‘mais’ (figura
III.2.2.q). O campo aceita apenas seqüências compostas pelos
algarismos 1, 2 e 3, e que obedecem à regra (x1, x2≤x1, x3≤x2, …
xn+1≤xn), e cuja quantidade de elementos seja igual à quantidade de
tricotomias do diagrama em questão. Para excluir classes da lista,
basta seleciona-las e clicar no botão ‘menos’ (figura III.2.2.r).
Ajuda
Assim como em 10cubes, em 3N3 também foi acrescentado um recur-
so de ajuda ao usuário, consistindo em um botão ‘help’ localizado no
canto superior direito da interface de entrada (figura III.2.2.d), e
uma página em html, ligada a ele, com créditos e informações bási-
cas sobre o funcionamento do software (figura III.2.2.s).
A partir da versão alpha-4, 3N3 foi colocado online para
testes. A versão mais atualizada deste diagrama pode ser encontra-
da no seguinte endereço:
http://www.dca.fee.unicamp.br/~asrgomes/pri/d3n3/
173
Figura III.2.2.q. Inserindo uma classe na lista ‘show class,’ na versão beta-1 de 3N3,
Figura III.2.2.r. Excluindo uma classe da lista ‘show class,’ na versão beta-1 de 3N3.
174
Figura III.2.2.s. Página de ajuda de 3N3.
III.2.3- Experimentação
Conforme foi discutido no capítulo I.1.3, existem controvérsias
quanto à ordem das tricotomias envolvidas nas classificações em 28
e 66 classes de signo, e mesmo alguns questionamentos quanto à
validade destas classificações. A divisão em 10 classes proposta no
Syllabus de 1903 (MS 540, EP2: 289-99), por outro lado, é
razoavelmente bem conhecida, e abordada de forma bastante con-
sistente pelos especialistas. Os recursos fornecidos por 3N3 per-
mitem que diferentes hipóteses acerca das classificações encon-
tradas na literatura especializada sejam testadas e comparadas com
facilidade.
Os exemplos a seguir mostram como este software pode ser
utilizado para comparar algumas afirmações conflitantes sobre as
28 e as 66 classes de signos. Para isso, partiremos do princípio de
que, conforme sugerem alguns especialistas (Marty 1990: 225-228,
Maróstica 1992: 117-120), é possível estabelecer correspondências
entre as 10 classes de signos descritas no Syllabus de 1993 (MS 540,
EP2: 289-99) e as divisões em 28 e 66 classes. As 10 classes
servirão, assim, como referência para estas comparações.
175
O diagrama de Welby e as 28 classes
Uma primeira hipótese a ser analisada é a possível correspondência
entre o diagrama de Welby —um diagrama para 10 classes desen-
hado por Peirce em um esboço de carta para Lady Welby no final de
dezembro de 1908 (figura III.1.2.b)— e as 10 classes de signos
descritas no Syllabus. Na seção dedicada à fase de conceitualização
(III.2.1), foi chamada atenção para o fato deste diagrama ser bas-
tante similar aos diagramas triangulares para 28 classes de signos
construídos a partir de coordenadas triangulares. De fato, o diagra-
ma de Welby possui o mesmo número de células triangulares apon-
tando para baixo (28), embora apenas 10 delas estejam ocupadas
por classes. Uma vez que as classes descritas neste diagrama pare-
cem não ser as mesmas encontradas no diagrama do Syllabus,13
e
uma vez que existe menção explícita às 28 classes em pelo menos um
outro manuscrito datado da mesma semana (uma carta enviada a
Lady Welby datada de 23 de dezembro de 1908, Peirce 1977: 84-85,
EP2: 481), podemos perguntar se Peirce não teria as 28 classes em
mente quando desenhou este diagrama. Além disso, podemos per-
guntar se existe alguma relação entre as 10 classes que aparecem no
diagrama de Welby e as 10 classes descritas no Syllabus.
176
Para checar esta hipótese, podemos iniciar construindo um
diagrama triangular para 28 classes de signos e identificando nele
as posições ocupadas por classes no diagrama de Welby (comparar
figura III.2.2.q com figura III.1.2.b e figura III.2.1.i). Na lista
‘show class’ podemos observar que as classes selecionadas seguem
um padrão peculiar, que pode ser descrito como h1=h2=t1, h3=h4=t2,
h5=h6=t3.14
Se considerarmos que a ordem correta das tricotomias
envolvidas na divisão em 28 é aquela fornecida por Peirce em sua
carta de 23 de dezembro (Peirce 1977: 84-85, EP2: 481), 15
ou seja,
[h1=Od, h2=Oi, h3=S, h4=Ii, h5=Id, h6=If] só existe uma relação
possível com as 10 classes descritas no Syllabus. Ela se dá a partir da
terceira tricotomia da divisão 6-tricotômica (h3), que corresponde
à primeira divisão 3-tricotômica (t1) descrita no Syllabus: a
natureza do signo, ou o signo em si mesmo (S). Cruzando as
posições das classes do diagrama de Welby com as três modalidades
da tricotomia S no diagrama triangular para 28 classes, percebemos
que entre as 10 classes de Welby, entendidas como parte das 28
classes, existem três quali-signos, quatro sin-signos e três legi-sig-
nos.
177
Figura III.2.3.a. Diagrama triangular para 28 classes com as 10
células que correspondem às posições de classes no diagrama de
Welby (figura III.1.2.b) selecionadas.
178
Figura III.2.3.b. Diagrama triangular para 28 classes com os
três quali-signos que correspondem a posições de classes no
diagrama de Welby (figura III.1.2.b) selecionados.
Figura III.2.3.c. Diagrama triangular para 28 classes com os quatro sin-signos que
correspondem a posições de classes no diagrama de Welby (figura III.1.2.b) selecionados.
Figura III.2.3.d. Diagrama triangular para 28 classes com os três legi-signos que
correspondem a posições de classes no diagrama de Welby (figura III.1.2.b) selecionados.
A hipótese de Maróstica
A semioticista Ana Maróstica (1992: 117-120) afirma que é possível
localizar, entre aquelas que pertencem às divisões em 28 e 66, clas-
ses específicas que correspondem às 10 classes apresentadas por
Peirce no Syllabus de 1903. Ela considera que as tricotomias
envolvidas na divisão em 28 classes são as mesmas utilizadas no
exemplo anterior, mas em uma ordem de determinação diferente,
[h1=S, h2=Oi, h3=Od, h4=Ii, h5=Id, h6=If], enquanto que as
envolvidas na divisão em 10 classes seriam [t1(S), t2(O), t3(I)].16
Ela também argumenta que a relação entre as 10 e as 28 classes deve
seguir o padrão [h1=t1, h2=h3=t2, h4=h5=h6=t3].
Existem apenas 10 classes, entre as 28, que respeitam
este padrão:
1 11 111
2 11 111
2 22 111
2 22 222
3 11 111
3 22 111
3 22 222
3 33 111
179
3 33 222
3 33 333
Inserindo estas seqüências na lista ‘show class’ obtemos a figura
III.2.3.e, que mostra a localização destas 10 classes dentro de um
diagrama para 28 classes. Cruzando estes dados percebemos que,
segundo a hipótese de Maróstica, entre estas 10 classes existem 1
quali-signo, 3 sin-signos e 6 legi-signos, algo sem dúvida coerente
com o que temos nas 10 classes descritas no Syllabus. Se levarmos
em consideração as descrições verbais para estas classes fornecidas
pela tabela de tricotomias, contudo, veremos que a relação entre as
10 classes obtidas por Maróstica e as 10 classes descritas no Syllabus
é um tanto problemática. A classe 322111, por exemplo, que segun-
do a autora deveria corresponder ao ‘legi-signo indexical remático’
descrito no Syllabus é descrita como um ‘legi-signo denominativo
concretivo hipotético simpatético grafítico’ (figura III.2.3.f).
Maróstica (1992) propõe também um método para desenhar
diagramas compatíveis para divisões em 10, 28 e 66 classes de sig-
nos, com resultados bastante similares aos apresentados neste
capítulo (figura II.2.1.l.). O desenvolvimento de seus argumentos
sugere que a relação entre classificações possa ser estendida às 66
classes, mas, neste sentido, seu trabalho não vai muito além da
180
Figura III.2.3.e. A localização das 10 classes dentro de um diagrama
para 28 classes, segundo a hipótese de Maróstica.
181
Figura III.2.3.f. Um diagrama para 28 classes com a classe ‘322111’
selecionada. Segundo a hipótese de Maróstica, esta classe deveria
corresponder ao ‘legi-signo indexical remático’ descrito por Peirce.
Figura III.2.3.g. Um diagrama para 66
classes, com a seqüência de tricotomias
proposta por Maróstica (1992) e com a
classe ‘3222222111’ selecionada.
exposição de uma seqüência de tricotomias que não condiz com
aquelas propostas por Peirce nem encontra eco em seus comenta-
dores: S (signo), IOP (objeto imediato como objeto possível), IOA
(objeto imediato como objeto atual), ION (objeto imediato como
coisa necessária), DOP (objeto dinâmico como objeto possível),
DOA (objeto dinâmico como objeto atual), DON (objeto dinâmico
como coisa necessária), II (Interpretante Imediato), DI (interpre-
tante dinâmico) e FI (interpretante final). Embora Maróstica não
seja clara quanto à relação desta seqüência com as divisões dos sig-
nos, e muito menos quanto às modalidades expressas por estas tri-
cotomias, utilizando os recursos de 3N3 é possível construir um dia-
grama compatível com esta hipótese e tentar localizar algumas clas-
ses (figura III.2.3.g).
A hipótese de Marty
Assim como Maróstica, o semioticista francês Robert Marty (1990)
também considera que existe uma relação entre as divisões em 10 e
28 classes de signos. Ele adota, contudo, uma ordem de determi-
nação diferente para as seis tricotomias envolvidas: [h1(Od),
h2(Oi), h3(S), h4(If), h5(Id), h6(Ii)].17
Segundo o autor, embora
esta ordem de determinação, onde os ‘objetos’ precedem o ‘signo,’
182
Figura III.2.3.h. Diagrama para 28 classes com as duas classes
6-tricotômicas que, segundo Marty (1990: 225-228), correspondem
à classe 3-tricotômica 321, selecionadas.
pareça estar em conflito com a ordem de determinação exposta no
Syllabus (onde a ‘natureza do signo’ precede a ‘relação do signo com
o objeto’), as 28 classes podem ser consideradas subdivisões das 10
classes de signos apresentadas no mesmo artigo de acordo com o
padrão [h1=t1, h3=t2, h4=t3] (Marty 1990: 225-228). Neste caso,
para cada uma das 10 classes descritas no Syllabus deveríamos
encontrar uma ou mais correspondentes entre aquelas perten-
centes à divisão em 28 tipos de signos.
Para localizá-las utilizando 3N3, iniciamos com um diagrama
para 28 classes onde a tabela de tricotomias segue a ordem de deter-
minação adotada por Marty. Em seguida, utilizamos o padrão de
relação proposto pelo autor para selecionar os grupos de classes que
correspondem às 10 classes 3-tricotômicas. Por exemplo, para
encontrar o conjunto de classes 6-tricotômicas que corresponde à
classe 321, selecionamos a modalidade ‘3’ da primeira coluna de tri-
cotomias, a modalidade ‘2’ da terceira coluna, e a modalidade ‘1’ da
quarta coluna (figura III.2.3.h). A figura III.2.3.i mostra a divisão
das 28 classes segundo este princípio.
Ao estabelecer estas correspondências utilizando 3N3, fica
imediatamente claro que, embora seja possível dividir as 28 classes
em 10 grupos segundo o padrão proposto por Marty, a relação entre
183
Figura III.2.3.i. Diagrama para 28 classes mostrando os 10 conjuntos de
classes 6-tricotômicas que, segundo Marty (1990: 225-228), correspondem
às 10 classes 3-tricotômicas.
estes conjuntos e as classes descritas no Syllabus é bastante proble-
mática. Notamos, por exemplo, que o conjunto das classes 6-tri-
cotômicas que, segundo Marty, seria uma ‘subdivisão’ dos legi-sig-
nos indexicais remáticos (321) não possui nenhum legi-signo, mas
apenas sin-signos (ver tabela de tricotomias na figura III.2.3.h).
Além disso, os conjuntos que correspondem aos sin-signos e aos
legi-signos icônicos (211 e 311) possuem apenas quali-signos, e
aquele que corresponde aos legi-signos indexicais dicentes (322)
possui apenas sin-signos (figuras III.2.3.j, III.2.3.k e III.2.3.l).
Relações entre as 3, as 6, e as 10 tricotomias
Os problemas encontrados na aplicação das hipóteses de Maróstica
e Marty derivam do fato destes dois autores buscarem uma relação
entre as classes sem levar em consideração que existe apenas uma
tricotomia em comum nas divisões em 10 e 28 classes propostas por
Peirce no Syllabus 1903 e na carta para Lady Welby de 23 de dezem-
bro de 1908. Se, conforme discutimos nos capítulos I.1.2 e I.1.3,
estas tricotomias são <S, S-Od, S-If> para as 10 classes do Syllabus e
<S, Oi, Od, Ii, Id, If> para as 28 classes da carta de Welby, então,
independentemente da ordem de determinação, existe apenas uma
tricotomia (S) que está envolvida em ambas as classificações.
184
Figura III.2.3.j. Diagrama para 28 classes com o conjunto de classes
6-tricotômicas que, segundo Marty (1990: 225-228), é uma subdivisão da classe
3-tricotômica 211 (sin-signos icônicos), selecionado.
Figura III.2.3.k. Diagrama para 28 classes com o conjunto
de classes 6-tricotômicas que, segundo Marty (1990: 225-228),
é uma subdivisão da classe 3-tricotômica 311 (legi-signos
icônicos), selecionado.
Figura III.2.3.l. Diagrama para 28 classes com o conjunto de classes
6-tricotômicas que, segundo Marty (1990: 225-228), é uma subdivisão da classe
3-tricotômica 322 (legi-signos indexicais dicentes), selecionado.
185
Por outro lado, conforme discutimos nos mesmos capítulos, a
divisão dos signos em 66 classes envolve ambos os conjuntos de tri-
cotomias, e mais uma décima (S-Od-If). Existem discordâncias
entre os especialistas, contudo, quanto à ordem de determinação
destas 10 tricotomias.
Podemos utilizar 3N3 para visualizar e testar as conseqüências
de diferentes ordens de determinação nas relações entre as 66 e as
10 classes de signos. Para isso, iniciaremos construindo um diagra-
ma para 66 classes onde a ordem das tricotomias na tabela segue a
“lista dos dez aspectos de acordo com os quais as principais divisões
de signos são determinadas” (L463: 134, 150, CP 8.344, EP2: 482-
483) fornecida por Peirce: S, Oi, Od, S-Od, Ii, Id, S-Id, If, S-If, S-Od-
If. A partir daí, clicando nas células da tabela que pertencem às
colunas das tricotomias presentes na divisão em 10 classes (S, S-Od
e S-If) poderemos identificar, um a um, os conjuntos de classes 10-
tricotômicos que correspondem às classes descritas no Syllabus de
1903. É possível identificar, por exemplo as classes 10-tricotômicas
que correspondem aos legi-signos indexicais remáticos (321) nesta
configuração (figura III.2.2.p).
Em seguida, faremos o mesmo partindo de ordens de deter-
minação diferente. A figura III.2.3.m mostra o que ocorre ao
186
187
Figura III.2.3.m. Diagrama triangular para 66 classes
de signos, com as células ‘legisign,’ ‘index’ e ‘rheme’ da
tabela selecionadas a partir da ordem de determinação
defendida por Müller (1994: 147).
localizarmos a mesma classe em um diagrama onde as tricotomias
estão dispostas segundo a ordem de determinação defendida por
Müller (1994: 147): Od, Oi, S, If, Id, Ii, S-Od, S-If, S-Id, S-Od-If.
Note-se que, embora as tricotomias referentes à divisão em 10 clas-
ses (S, S-Od e S-If) permaneçam na mesma posição relativa (em
ambos os casos, S precede S-Od, que precede S-If), as diferenças na
ordem de determinação das 7 tricotomias restantes têm conse-
qüências tanto para a quantidade quanto para a composição das
classes 10-tricotômicas que compõem os conjuntos relacionados às
10 classes. Por exemplo, diferente da ordem de tricotomias exposta
na “lista dos dez aspectos,” a ordem defendida por Müller (1994)
exclui a existência de legi-signos indexicais remáticos distribu-
tivos, mas inclui um legi-signo indexical remático pragmatístico
(comparar as tabelas das figuras III.2.2.p e III.2.3.m).
Outro exemplo disso é o conjunto de classes 10-tricotômicas
que correspondem aos ‘quali-signos [icônicos remáticos]’ do
Syllabus. Seguindo a ordem de tricotomias dada pela “lista dos dez
aspectos” (L463: 134, 150, CP 8.344, EP2: 482-483) teremos ape-
nas um quali-signo (figura III.2.3.n). Seguindo a ordem de deter-
minação defendida por Müller (1994: 147) ou a ordem adotada por
Lieb (1977: 164, apoiado em Peirce 1977: 84-85, EP2: 481) — Od, Oi,
188
189
Figura III.2.3.n. Diagrama triangular para 66 classes
de signos, configurado de acordo com a ordem de
determinação dada por Peirce na “lista dos dez
aspectos” (L463: 134, 150, CP 8.344, EP2: 482-483),
mostrando o conjunto das classes 10-tricotômicas que
correspondem aos quali-signos [icônicos remáticos]
descritos no Syllabus de 1903.
Figura III.2.3.o. Diagrama triangular para 66 classes
de signos, configurado de acordo com a ordem de
determinação Müller (1994: 147), mostrando o
conjunto das classes 10-tricotômicas que
correspondem aos quali-signos [icônicos remáticos]
descritos no Syllabus de 1903.
S, Ii, Id, If, S-Od, S-Id, S-If, S-Od-If—, teremos 6 quali-signos (figu-
ras III.2.3.o e III.2.3.p). O número de classes 10-tricotômicas que
correspondem aos quali-signos nestas duas últimas ordens de
determinação é igual devido ao fato da tricotomia S estar localizada
na mesma posição. A composição das classes 10-tricotômicas dos
dois conjuntos é também idêntica devido ao fato das três primeiras
tricotomias serem as mesmas, e da terceira (S) determinar que as
modalidades seguintes sejam sempre ‘1’ (ou ‘primeiras,’ em termos
cenopitagóricos).
190
Figura III.2.3.p. Diagrama triangular para 66 classes de signos, configurado
de acordo com a ordem de determinação adotada por Lieb (1977: 164),
mostrando o conjunto das classes 10-tricotômicas que correspondem aos
quali-signos [icônicos remáticos] descritos no Syllabus de 1903.
Notas1 . Os pressupostos teóricos para a construção deste software foram expostos
anteriormente em Farias & Queiroz (2000b, 2000c e 2001), onde nos referi-
mos ao projeto para este desenvolvimento como “Diagramas Triangulares”.
Para uma apresentação das bases teóricas para as diferentes classificações,
consultar o capítulo I.1 desta tese.
2 . Efetuei uma pesquisa bastante rigorosa entre os manuscritos de Peirce durante
minha estadia na Universidade de Indiana, mas não posso excluir que algum
diagrama para este tipo de classificação possa estar perdido entre os docu-
mentos não publicados.
3. Conforme discutimos no capítulo II.1, parece haver uma diferença na ordem de
determinação das classes que aparecem nos dois diagramas. No diagrama do
Syllabus ela é, explicitamente (EP2: 291), (i) signo em si mesmo, (ii) relação
do signo com seu objeto, e (iii) relação do signo com seu interpretante. No
diagrama de Welby ela parece ser, implicitamente, (i) natureza do objeto, (ii)
signo em si mesmo, e (iii) natureza do interpretante.
4 . Esta notação (111 para quali-signo, 211 para sin-signo icônico, 321 para legi-
signo indexical remático, etc.), já discutida nos capítulos I.1 e II.1, aparece em
alguns manuscritos de Peirce (em especial MS 799:4), e é adotada por diver-
sos especialistas (Weiss & Burks 1945: 386, Sanders 1970: 7, Déledalle &
Réthoré 1979: 82, Jappy 1984: 1, Merrell 1991: 1, entre outros).
5 . Conforme discutimos em II.1.2, um diagrama muito similar a Welby-S foi desen-
hado pelo próprio Peirce, e pode ser encontrado em L463: 155 (figura II.1.2.d).
6. Esta estratégia inspirou-se no tratamento que Shea Zellweger dedica à lógica
triádica de Peirce em Zellweger (1991).
191
7. O valor de a+b+c=3 não deve ser confundido com a variação de a, b, e c entre {0,
1, 2, 3}. Neste exemplo, o valor de a+b+c é igual a 3 por que estamos trabal-
hando com as 3 tricotomias que formam as 10 classes. Conforme veremos a
seguir, este valor deverá variar de acordo com o número de tricotomias
envolvidas em uma determinada classificação.
8. Se dois dos elementos do tripleto (a, b, c) são iguais a zero, e a soma destes ele-
mentos deve ter um valor constante, então um dos valores de a, b ou c é igual
ao valor de a+b+c. Isso significa que nos tripletos ‘extremos’ ou a= a+b+c, ou
b= a+b+c, ou c= a+b+c.
9. Relembrando, isso corresponde à quantidade de algarismos ‘1’, ‘2’ e ‘3’ que
compõem a notação numérica para as classes. Uma vez que estamos trabal-
hando com 6 tricotomias, a quantidade de algarismos ‘1’, ‘2’ e ‘3’ que com-
põem cada uma das classes deverá variar entre 0 e 6.
10. Isso significa que, ao longo dos lados do triângulo teremos as seguintes
seqüências:
(6, 0, 0), (5, 1, 0), (4, 2, 0), (3, 3, 0), (2, 4, 0), (1, 5, 0), (0, 6, 0);
(0, 6, 0), (0, 5, 1), (0, 4, 2), (0, 3, 3), (0, 2, 4), (0, 1, 5), (0, 0, 6); e
(0, 0, 6), (1, 0, 5), (2, 0, 4), (3, 0, 3), (4, 0, 2), (5, 0, 1), (6, 0, 0).
11. Esta lista, com exceção do item ‘other (outro)’ segue a seqüência de tricotomias
suas respectivas abreviaturas e modalidades discutida no capítulo I.1.3.
12. No caso limite da tabela do diagrama para 91 classes/12 tricotomias, a opção
‘other’ é repetida na 11ª e na 12ª coluna.
13. Para uma análise mais cuidadosa do diagrama de Welby consultar o
capítulo II.1.2.
192
14. A seguinte convenção será utilizada para descrever padrões na formação
das classes:
- as tricotomias envolvidas em divisões 3-tricotômicas serão
identificadas por tn,
- as tricotomias envolvidas em divisões 6-tricotômicas serão
identificadas por hn, e
- as tricotomias envolvidas em divisões 10-tricotômicas serão
identificadas por dn,
onde n indica a posição de uma tricotomia dentro da ordem de determinação.
15 . ... it follows from the Definition of a Sign that since the Dynamoid Object determines
the Immediate Object,
which determines the Sign itself,
which determines the Destinate Interpretant,
which determines the Effective Interpretant,
which determines the Explicit Interpretant,
the six trichotomies ... only yield 28 classes …
(Peirce 1977: 84-85, EP2: 481)
16. Maróstica (1992: 115-116) propõe que, ao invés de uma classificação baseada
em relações, nós devemos entender as 10 classes como “combinações …
baseadas no tipo estático de definição do signo” dado por Peirce. Sendo
assim, no lugar de S-Od teríamos apenas “O”, e no lugar de S-If teríamos sim-
plesmente “I”. Ela afirma, contudo, que a combinação destas tricotomias
resulta nas mesmas 10 classes descritas por Peirce no Syllabus de 1903, inclu-
sive no que se refere às modalidades expressas por estas tricotomias.
17 . Conforme discutido no capítulo I.1.3, esta é a mesma ordem de determinação
193
defendida por Müller (1994: 147). Para Marty, diversos autores (Weiss &
Burks 1945, Déledalle 1978, Jappy 1983) teriam compreendido mal o trecho
da carta para Lady Welby onde Peirce fornece a ordem de determinação destas
tricotomias (Peirce 1977: 84-85, EP2: 481, ver nota 15, acima). Marty argu-
menta que devemos entender “destinate” como um sinônimo de “final,” e
“explicit” como um sinônimo de “immediate.”
194
Conclusão
10cubes e 3N3, os dois diagramas dinâmicos apresentados nos capí-
tulos III.1 e III.2 desta tese, são os melhores exemplos de como as
estratégias de sign design, discutidas no capítulo I.3, aliadas aos
recursos apontados no capítulo II.3, podem ser aplicadas, com
sucesso, na construção de diagramas das classes de signos de
Peirce. Mais do que conclusões definitivas, este último capítulo
aponta algumas questões e novos caminhos de pesquisa sugeridos
pelos resultados obtidos até aqui.
Resultados relevantes para o campo do design
Sign design não têm, evidentemente, a pretensão de ser uma respos-
ta definitiva em termos de metodologia de projeto para o campo do
design. Contudo, o fato de aliar o instrumental teórico da semiótica
peirceana à metodologia de projeto, faz com que ele se torne apto a
fornecer uma contribuição interessante para a investigação de
estratégias eficientes para o desenvolvimento de produtos, espe-
cialmente na área do design da informação. Se, conforme afirma
Sless (1997) a emergência do design da informação, a partir da
195
década de 1960, caracteriza-se por uma transição do design de
objetos para um design de relações, então, tendo em vista o que foi
discutido no capítulo I.2, a contribuição das estratégias de sign
design para esta área parece ser promissora.
O status de sign design enquanto metodologia capaz de
desenvolver recursos mais adequados para o ensino da semiótica
também merece ser investigado. Embora isso esteja fora do escopo
desta tese, os dois modelos propostos nos últimos capítulos pode-
riam ser testados enquanto ferramentas didáticas. Pode-se espe-
rar que 10cubes, em especial, por ser um modelo de caráter muito
mais analítico (no sentido dado por Pazukhin 1987, uma con-
cretização de nosso conhecimento sobre o protótipo) do que
experimental, seja mais útil como ferramenta de ensino do que
3N3. Este último deve ser de particular interesse para especialistas
e estudantes avançados de semiótica.
Resultados relevantes para a semiótica
Conforme constatamos no final do capítulo I.1, a divisão dos signos
em 10 classes, conforme proposta no ‘Syllabus,’ é bastante bem
compreendida, e abordada de forma concordante por seus comen-
tadores. O mesmo, contudo, não pode ser dito sobre as 28, e prin-
196
cipalmente sobre as 66 classes de signos. Junte-se a isso a sugestão
de que Peirce tenha, talvez, concebido outras divisões em 10 classes
diferentes daquelas do ‘Syllabus,’ conforme vimos na seção II.1.2.
Some-se também a incerteza quanto a considerar os hipo-ícones
como uma classificação sobreposta, independente, ou como uma
ramificação das 10 classes. Ao fazer isso perceberemos que, quando
Peirce falou em “59.049 questões difíceis para considerar com
cuidado” (CP 8.343), em relação às classificações sígnicas, ele não
estava brincando com números.
Qualquer um que deseje estudar a questão das classificações
com mais rigor perceberá logo que existem muitas perguntas sem
resposta direta na obra de Peirce. É neste sentido que o diagrama
dinâmico 3N3 se apresenta como uma ferramenta extremamente
útil na procura de respostas para algumas destas cerca de 50 mil
“questões difíceis.”
Quando Peirce falou em 59.049 questões, ele estava con-
siderando todas as combinações possíveis entre as 3 modalidades
de suas 10 tricotomias. Sabemos que, de acordo com a lógica que
rege a construção de suas classes, estas 30 modalidades combinadas
deverão gerar apenas 66 classes de signos, conforme vimos no capí-
tulo I.1. O problema reside em determinar quais são, exatamente,
197
estas 66 classes. Sabemos também que a ordem das tricotomias
determina quais as classes que aparecerão em uma classificação, e,
portanto, que se conseguirmos estabelecer qual é a ordem correta
das tricotomias, saberemos quais são estas classes, e vice-versa.
Embora resolver esta questão não seja um objetivo desta tese, é pos-
sível indicar um caminho para isso, utilizando 3N3.
Conforme vimos no capítulo I.1, segundo Sanders (1970),
embora Peirce não tenha fornecido uma lista definitiva das dez
tricotomias em sua ordem de determinação, é possível encontrar
em sua obra algumas ordenações parciais. Se isso estiver correto,
as ordens de determinação defendidas por Lieb (1977) e Müller
(1994) são sérias candidatas a ordem correta, mas existem
muitas outras ordens possíveis. Se discordarmos quanto às trico-
tomias envolvidas, existem muitas mais. Cada uma destas ordens
implica na possibilidade ou impossibilidade de certos tipos sig-
nos existirem, e todas elas podem ser facilmente testadas em 3N3
(ver, por exemplo, as comparações das ordens de Lieb e Müller
no final do capítulo II.2).
Hipóteses quanto à relação dos hipo-ícones com as classes de
signos também podem ser testadas com facilidade. Conforme dis-
cutimos no capítulo I.2, se considerarmos que os quali-signos são
198
‘ícones puros,’ existe uma dificuldade para se ‘encaixar’ os hipo-
ícones na divisão em 10 classes do ‘Syllabus,’ pois restam apenas
duas classes icônicas (211 e 311). Contudo, se considerarmos outras
classificações onde a tricotomia S-Od (à qual pertence a modalidade
dos ícones) aparece, teremos quantidades e tipos diferentes de sin-
signos e legi-signos icônicos, dependendo das tricotomias que pre-
cedem a tricotomia S. Embora, mais uma vez, resolver este proble-
ma não seja um objetivo desta tese, pode-se adiantar que, respei-
tando as ordenações parciais apontadas por Sanders (1970, seção
I.1.3, Oi e Od devem preceder S, que deve preceder S-Od), indepen-
dente da ordem das outras tricotomias (e mesmo da ordem de Oi e
Od), existem três sin-signos icônicos, e apenas um legi-signo
icônico nas 66 classes (figura IV.a). Isso sugere que os hipo-
ícones, dentro das 66 classes, possam ser diferentes tipos de sin-
signos icônicos, algo diferente das hipóteses dos comentadores
apresentadas na seção I.2.2.
Uma terceira sugestão é a investigação da posição dos três
tipos de argumento —abdução, indução e dedução— em relação às
66 classes. A posição da tricotomia S-Od-If, cujas modalidades
estão relacionadas a estes tipos de argumento, é uma das poucas
cuja posição, conforme os comentadores, não varia, permanecendo
199
Figura IV.a. Diagrama para 66 classes de signos mostrando três tipos de
sin-signos icônicos que poderiam corresponder aos hipo-ícones.
sempre em último lugar na ordem de determinação. Embora a
quantidade de classes de signos abdutivos, indutivos e dedutivos,
neste caso, não varie, seria interessante estudar as implicações de
mudanças na ordem das tricotomias para os tipos de signos que
compõem cada classe.
Conforme vimos no capítulo III.2, todos os recursos previstos
no projeto de 3N3 —e mais alguns— foram implementados. Isso não
impediu, porém, que ainda outros recursos continuassem a ser
sugeridos por sua utilização. Um recurso que deverá ser implemen-
tado em uma possível nova versão de 3N3 é uma forma mais adequa-
da de se representar mapeamentos entre diferentes classificações
(por exemplo, entre as 10 e as 66 classes, tal como aparece na figu-
ra III.2.3.i). A figura IV.b mostra como o formalismo de cores
apresentado na seção II.3.1 poderia ser empregado para implemen-
tar este tipo de mapeamento.
Conforme foi dito no capítulo I.3, a definição de uma possí-
vel metodologia para sign design tem como objetivo não apenas
tornar pública uma reflexão quanto ao processo de criação destes
diagramas, mas também incentivar o desenvolvimento de novos
modelos. Se é verdade que sign design tem um duplo interesse para
as áreas do design e da comunicação, enquanto metodologia para
200
Figura IV.b. Mapeamento entre as 10 e as 28 classes de
signos, mostrando 10 conjuntos de classes 6-tricotômicas
que, segundo Marty (1990: 225-228), correspondem às 10
classes 3-tricotômicas (comparar com a figura III.2.3.i).
uma forma prática e visual de investigação, e como provedor de
ferramentas capazes de auxiliar o ensino da semiótica, uma
questão em aberto é: será que este conjunto de estratégias também
poderia ser aplicado a outros ramos da semiótica (como, por
exemplo, aquele que deriva da linguística de Saussure)? Tendo em
vista os argumentos de Peirce sobre as vantagens do raciocínio
diagramático para a filosofia (CP 3.406, 3.429), poderíamos espe-
rar que sim, mas o assunto mereceria muito mais estudo antes de
uma resposta definitiva.
Outra questão em aberto diz respeito à aplicabilidade destas
estratégias a outros aspectos da teoria peirceana, além da classifi-
cação de signos. Aplicações no campo da lógica, tais como a imple-
mentação de ambientes virtuais para a manipulação dos grafos exis-
tenciais, por exemplo, são bastante fáceis de prever. Existem exem-
plos bem sucedidos deste tipo de aplicação, que implementam out-
ros tipos de lógica diagramática, como o software A&T, de V.
Sivasankaran e Doblin Group, que implementa diagramas de Venn,
e o Tarsky’s World e Hyperproof de J. Barwise e J. Etchemendy
(Barwise & Etchemendy 1994), que implementam versões gráficas
e sentenciais da lógica de Tarsky.
201
Neste contexto, o trabalho apresentado nesta tese deve ser
visto como um primeiro resultado de um programa de pesquisa
mais amplo, que busca descobrir novas estratégias de modelagem, e
implementar novas formas de visualização, para diferentes aspectos
da teoria do signo.
202
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