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4 APRESENTAÇÃO O presente estudo situa-se na linha de pesquisa Pensamento Pedagógico da Educação Física Brasileira, pertencente à área de Educação Física e Cultura, desenvolvida no Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Educação Física da Universidade Gama Filho. A intenção acadêmica desta linha de pesquisa é caracterizar e analisar as proposições conceituais e didático-pedagógicas desenvolvidas para nortear a intervenção do professor de Educação Física no campo escolar. Considerando este contexto, o objetivo desta pesquisa foi identificar quais as características teórico-metodológicas caracterizadoras do que é denominado pela comunidade de professores de Educação Física de abordagem da Cultura Corporal. Apesar de não se constituir como uma abordagem pedagógica formalmente 1 sistematizada, acreditamos que tal „abordagem pedagógica‟ teria originado-se da divulgação na área da proposta de Educação Física crítico- superadora, formulada no início da década de 90 como conseqüência dos debates sobre a identidade pedagógica da educação física iniciados na década de 80. Freqüentemente encontramos acadêmicos e profissionais de Educação Física afirmando sua identificação com postulados teórico-metodológicos de alguma das propostas pedagógicas para a Educação Física, entre eles os caracterizadores da concepção crítico-superadora, formulada pelo grupo denominado de Coletivo de Autores. Porém, com base em observações não sistemáticas, os discursos sobre o referido postulado, via de regra, parecem não coadunar entre si e com as proposições presentes na obra que divulgou nacionalmente o trabalho desenvolvido pelo Coletivo de Autores Metodologia do Ensino de Educação Física. Esta divergência entre proposta crítico-superadora e o que é denominado de abordagem da Cultura Corporal demanda investigar sob que características esta última esta fundada. 1 Por 'formalmente sistematizadas' consideramos aquelas abordagens para a Educação Física onde as premissas teórico-metodológicas encontram-se conhecidas e sistematizadas em uma ou mais obras de referência e cujos autores sejam conhecidamente identificados e defendam a adoção de tal abordagem. Dois exemplos são a abordagem desenvolvimentista, defendida principalmente por Go Tani e colaboradores (1988), e a abordagem crítico-emancipatória, defendida por Elenor Kunz (2003).

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APRESENTAÇÃO

O presente estudo situa-se na linha de pesquisa Pensamento Pedagógico

da Educação Física Brasileira, pertencente à área de Educação Física e Cultura,

desenvolvida no Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Educação Física

da Universidade Gama Filho. A intenção acadêmica desta linha de pesquisa é

caracterizar e analisar as proposições conceituais e didático-pedagógicas

desenvolvidas para nortear a intervenção do professor de Educação Física no

campo escolar.

Considerando este contexto, o objetivo desta pesquisa foi identificar quais

as características teórico-metodológicas caracterizadoras do que é denominado

pela comunidade de professores de Educação Física de abordagem da Cultura

Corporal. Apesar de não se constituir como uma abordagem pedagógica

formalmente1 sistematizada, acreditamos que tal „abordagem pedagógica‟ teria

originado-se da divulgação na área da proposta de Educação Física crítico-

superadora, formulada no início da década de 90 como conseqüência dos

debates sobre a identidade pedagógica da educação física iniciados na década

de 80.

Freqüentemente encontramos acadêmicos e profissionais de Educação

Física afirmando sua identificação com postulados teórico-metodológicos de

alguma das propostas pedagógicas para a Educação Física, entre eles os

caracterizadores da concepção crítico-superadora, formulada pelo grupo

denominado de Coletivo de Autores. Porém, com base em observações não

sistemáticas, os discursos sobre o referido postulado, via de regra, parecem não

coadunar entre si e com as proposições presentes na obra que divulgou

nacionalmente o trabalho desenvolvido pelo Coletivo de Autores – Metodologia do

Ensino de Educação Física. Esta divergência entre proposta crítico-superadora e

o que é denominado de abordagem da Cultura Corporal demanda investigar sob

que características esta última esta fundada.

1 Por 'formalmente sistematizadas' consideramos aquelas abordagens para a Educação Física

onde as premissas teórico-metodológicas encontram-se conhecidas e sistematizadas em uma ou mais obras de referência e cujos autores sejam conhecidamente identificados e defendam a adoção de tal abordagem. Dois exemplos são a abordagem desenvolvimentista, defendida principalmente por Go Tani e colaboradores (1988), e a abordagem crítico-emancipatória, defendida por Elenor Kunz (2003).

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Esta dissertação é resultado deste processo de investigação, sendo

organizada em cinco capítulos. No capítulo I – Configurando o Cenário da

Pesquisa, onde é desenvolvida uma breve contextualização histórica da

Educação Física enquanto componente curricular com o propósito de enunciar o

problema e os objetivos da presente pesquisa.

No capítulo II – Referencial Teórico – apresentamos, primeiramente,

algumas proposições teóricas sobre a relação teoria e prática, a fim de

compreendermos as tensões e contradições existentes nessa relação. Em

seguida, abordamos algumas das teorias sobre a produção, manutenção e

transformação de discursos, destacando o conceito de „grupo doutrinário‟ de

Foucault, o qual consideramos importante para entender as ressignificações dos

discursos no interior do grupo de professores de Educação Física adeptos do que

denominam de abordagem da Cultura Corporal. Ainda no capítulo II, destacamos

as teses centrais da proposta pedagógica desenvolvida pelo Coletivo de Autores,

evidenciando seus pressupostos gerais e suas proposições didático-pedagógicas

para orientar a intervenção do professor de Educação Física na dinâmica

curricular (trato pedagógico do conhecimento, organização escolar e

normatização da escola).

No capítulo III – Metodologia – caracterizamos as estratégias

metodológicas utilizadas para nortear e realizar a coleta e a análise de dados.

O capítulo IV – Apresentação e Análise dos Dados – expõe e analisa os

dados obtidos das entrevistas realizadas junto a professores de Educação Física

que se auto-identificam com a denominada abordagem da Cultura Corporal.

O capítulo V – Considerações Finais – foi reservado para as conclusões

da presente pesquisa.

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CAPÍTULO I

CONFIGURANDO O CENÁRIO DA PESQUISA

Introdução

A década de 80 foi um dos momentos marcantes da história da Educação

Física brasileira, em que, de forma mais sistematizada, desencadeou-se um

movimento de crítica às abordagens teórico-metodológicas, e respectivas práticas

pedagógicas, dominantes na área até então – as abordagens biológico-funcional

e técnico-esportivo (RESENDE, 2006). Embora este movimento de perspectiva

crítica tenha sido formulado a partir de diferentes marcos conceituais forjados

naquele momento histórico - diferentes análises fundamentadas em pressupostos

de um humanismo crítico, do materialismo histórico, entre outros - podemos

afirmar que, independentemente do foco da crítica, o objetivo era a superação do

modelo de Educação Física existente (RESENDE; SOARES; MUNIZ, 1998;

CAPARRÓZ, 2001; BRACHT 2003).

Para autores como Resende (1994) e Caparróz (1997) a crítica ao

estabelecido não foi um movimento isolado da Educação Física, mas de toda a

sociedade brasileira que passava por um período de transição marcado pelo

gradativo processo de redemocratização do país, decorrido um longo período de

ditadura militar (GASPARI, 2003). A missão educativa e político-social que vinha

sendo desempenhada pela Educação Física brasileira passou a ser mais enfática

e sistematicamente questionada, tendo como uma das críticas mais contundentes

naquele contexto específico o fato de ser apontada como um dos meios utilizados

pelo governo militar para reproduzir e reforçar seus ideais de nação e de

cidadania (BRACHT, 2001; OLIVEIRA, 20032).

Embora esse movimento crítico não envolvesse os especialistas da

Educação Física como um todo, enfocava vários e amplos aspectos tanto da

intervenção, quanto da formação profissional. Viveu-se uma proliferação de

2 OLIVEIRA (2003) defende a necessidade de maiores estudos sobre a proclamada manipulação

da Educação Física segundo os interesses do governo ditatorial, uma vez que identifica situações de resistência por parte de professores de Educação Física aos interesses da ditadura.

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discursos científicos decorrentes, sobretudo, de dois grupos de especialistas3. O

primeiro constituído por professores que realizaram seus cursos de pós-

graduação stricto sensu em Educação Física ou em áreas correlatas, em sua

maioria fora do país, sob o referencial das ciências biológicas e da saúde; o

segundo grupo formado por professores que, na sua maioria, realizaram seus

cursos de mestrado e doutorado no Brasil em áreas de conhecimento das

ciências humanas e sociais (RESENDE, 1992; DAOLIO, 1997). Foi notadamente

deste último grupo que ganhou força todo este movimento crítico-renovador dos

fundamentos epistemológicos e ideológicos da Educação Física brasileira

(RESENDE, 1994).

O ensino da Educação Física na instituição escolar era um dos focos

privilegiado de críticas deste movimento (COSTA, 1998). O discurso dominante

sobre a Educação Física na escola pautava-se, até então, em fundamentos

advindos, sobretudo, das ciências da saúde e de uma abordagem pedagógica

behaviorista (OLIVEIRA, 1985; RESENDE, 1992), momento em que passaram a

ser confrontados por discursos fundamentados nas ciências humanas e sociais, o

que implicou em outras perspectivas de olhar seu objeto de estudo e de

intervenção acadêmico-profissional.

Iniciava-se um processo de amadurecimento acadêmico da área cujas

reflexões e críticas, impulsionadas pela abertura das fronteiras epistemológicas,

trouxeram à tona o histórico problema da crise de identidade da Educação Física

na esfera escolar (MEDINA, 1996; FENSTERSEIFER, 2001; CAPARRÓZ, 2001).

Nas crises de identidade “[...] velhas correntes de pensamento são rompidas,

velhas constelações são deslocadas de elementos novos e velhos que são

reagrupados ao redor de uma nova gama de premissas e temas” (RÚBIO, 2004,

p. 094).

Com o reacender da crise, os pressupostos teóricos e a abordagem

pedagógica que vinham sustentando e justificando a Educação Física na

instituição escolar passaram a ser política e academicamente questionados em

função dos novos referenciais apropriados pelos intelectuais identificados com o

3 A polarização dos professores de Educação Física nestes dois grupos se dá apenas por

questões de análise. 4 Nesta passagem a autora apropria-se das idéias de Hall, Stuart. Estudos culturais: dois

paradigmas. In: HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte, MG/Brasília, DF: UFMG/Representação da UNESCO no Brasil, 2003.

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referido movimento crítico. „Entrou em pauta‟ a necessidade de definição de

novos pressupostos e teorias pedagógicas que respondessem às novas

demandas acadêmicas que foram, ao mesmo tempo, causa e efeito da abertura

epistemológica.

Pelas possibilidades de superação das velhas correntes de pensamento e

pela influência dos novos fundamentos advindos da pedagogia, da história, da

antropologia e da sociologia, abriu-se caminho para analisar e interpretar as

práticas corporais identificadas com a tradição da Educação Física a partir das

suas dimensões culturais (DAOLIO, 1997). O estabelecimento da cultura

enquanto objeto de preocupação da Educação Física vem marcando uma nova

perspectiva acadêmica em contraposição aos referencias tradicionais da

Educação Física, especialmente aos que se fundamentam na aptidão física e no

desempenho físico-esportivo5.

Tal perspectiva cultural, ao ser apropriada pela Educação Física no

contexto da década de 80, foi utilizada como „bandeira de luta‟ contra a Educação

Física tradicional, devido ao fato de que um discurso, qualquer que seja, vincula-

se ao contexto político-social a partir do qual é produzido (ROJO, 2004;

FOUCAULT, 2004). O discurso sobre a cultura assumiu e foi usado pelas

abordagens progressistas como antítese ao natural, ao biológico. “O problema

dessa disposição parece ter sido a negação por parte de todos os representantes

das abordagens, de que a natureza humana é, ao mesmo tempo e

indissociavelmente, biológica e cultural” (DAOLIO, 1997, p. 188).

A abertura epistemológica também evidenciou a necessidade da

Educação Física escolar ser reconhecida como possuidora de um conhecimento

próprio que a diferenciasse das demais disciplinas – questão da identidade e da

autonomia – e, ao mesmo tempo, a elevasse em termo de importância dentro da

escola – questão da legitimidade (BRACHT, 2005, 2003, 2001; SILVA, 2005;

BRACHT & CRISÓRIO, 2003). A Educação Física identificada com o referencial

das ciências da saúde tenta responder a essa demanda por meio do discurso

médico (abordagem da aptidão física e do desempenho físico-esportivo),

enquanto que algumas propostas renovadoras buscam referenciar-se nos

5 Daolio (2004) busca compreender o sentido que a cultura assume nas diversas abordagens para

a Educação Física na escola.

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conhecimentos advindos das ciências do desenvolvimento e da aprendizagem

motora, ou ainda no construtivismo (DARIDO, 1998).

Na perspectiva elaborada a partir do referencial da cultura, a escola é o

lugar privilegiado para a formação cultural do aluno, onde cada disciplina

encarrega-se da transmissão dos conteúdos culturais considerados como

clássicos e relevantes para o tipo de formação almejado (SAVIANI, 2003). À

Educação Física cabe então, socializar os alunos com um tipo particular de

cultura, aquela produzida pelas manifestações e expressões do movimento

humano – as práticas corporais caracterizadoras da cultura - vivenciadas e

construídas historicamente. O saber sobre as práticas corporais culturais passa a

constituir um corpo de conhecimento a ser selecionado e transmitido aos alunos

na forma de conteúdos de ensino, superando a perspectiva anterior onde este

saber apenas orientava a ação pedagógica do professor de Educação Física que

limitava-se a atividades de recreação ou treinamento físico-esportivo (BRACHT,

2003).

Embora possamos destacar mais de uma proposta para a Educação

Física a partir da dimensão cultural (KUNZ, 2003, 2001; BRACHT, 2003; BETTI,

1991), foi o grupo de especialistas autodenominado de Coletivo de Autores que,

ao desenvolver sua abordagem crítico-superadora, cunhou e conferiu visibilidade

à expressão cultura corporal para designar os conhecimentos a serem

selecionados e pedagogizados nas aulas de Educação Física.

Divulgada no início da década de 90, a abordagem crítico-superadora

(SOARES et alii, 1992) fundamenta-se na Pedagogia Histórico-Crítica (SAVIANI,

2003) para atribuir à Educação Física na escola o papel de “[...] constatar,

interpretar, compreender, explicar a realidade social, permitindo à humanidade

possuir os meios de compreendê-la historicamente, para que possa intervir na

sua superação” (ESCOBAR; TAFFAREL; SOARES, 1993).

A Pedagogia Histórico-Crítica concebe a educação como processo de

transmissão/reconstrução, às/pelas novas gerações, dos conhecimentos, valores,

hábitos e atitudes, ou seja, da cultura construída historicamente por determinada

sociedade. É a escola, enquanto instituição social, que tem a legitimidade para

selecionar, sistematizar e transmitir o conhecimento científico, fruto desse

processo histórico (SAVIANI, 2003).

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Para o referido autor, o ser humano produz sua cultura no processo de

intervenção em seu meio natural e social. Na abordagem crítico-superadora, a

Educação Física busca refletir sobre e transmitir aos alunos as transformações da

expressão corporal humana desenvolvida ao longo da história (SOARES et alii,

1992). A expressão corporal humana foi “[...] historicamente construída e,

portanto, existe uma cultura corporal, resultado de conhecimentos socialmente

produzidos e historicamente acumulados pela humanidade, que necessitam ser

retraçados e transmitidos para os alunos na escola” (Ibidem, p. 39).

Desta forma, a Educação Física é a “matéria escolar que trata,

pedagogicamente, temas da cultura corporal, ou seja, os jogos, a ginástica, as

lutas, as acrobacias, a mímica, o esporte e outros” (SOARES et alii, 1992, p. 18).

O impacto desta obra coletiva no meio acadêmico e profissional da

Educação Física escolar é facilmente observado, a partir de evidências tais como

sua exaustiva citação em referências bibliográficas de livros, de artigos e de

trabalhos publicados em anais de eventos acadêmicos; sua inclusão na maioria

dos editais de exames de seleção de professores para atuar no ensino-

aprendizagem da Educação Física escolar; sua adoção como objeto ou principal

referencial teórico de diversas dissertações e teses; sua indicação na literatura

básica de várias disciplinas de cursos de graduação da área; adoção de sua

perspectiva de trabalho em referenciais curriculares para a Educação Física nos

ensinos fundamental e médio das redes federal, estadual e municipal de

educação.

Chama atenção, no entanto, o fato de que, nos diferentes contextos

citados acima, muitas vezes utiliza-se a expressão „abordagem da Cultura

Corporal‟ nos discursos de fundamentação e justificadores da concepção crítico-

superadora, embora, em alguns casos, estes discursos não se apresentem

coerentes entre si, além de não revelarem os mesmos postulados da proposição

originalmente formulada pelo Coletivo de Autores6. Ao expandir-se no contexto da

Educação Física, a concepção crítico-superadora parece estar, ao menos no

âmbito do discurso, adquirindo diferentes características quando apropriada pelos

6 Não é objetivo desta pesquisa comparar os discursos dos professores com o referencial teórico

original da Cultura Corporal com o intuito de verificar qual o discurso adequado. A apresentação das proposições originais destina-se a servir como marco balizador para a constatação das possíveis ressignificações.

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especialistas e professores de Educação Física, atores sociais envolvidos em

diferentes contextos. Seus postulados teórico-metodológicos, ao serem

compartilhados, estariam sendo transformados, superados ou, até mesmo

ignorados, de forma consciente ou não, por aqueles que declaram adotá-los,

resultando na construção de diferentes entendimentos sobre a abordagem crítico-

superadora, muitas vezes identificada sobre a expressão „abordagem da Cultura

Corporal‟.

A exemplo do que, segundo Cuche (2002), vem ocorrendo na

antropologia social com o entendimento sobre cultura ao longo da história dos

estudos culturais, o mesmo movimento de ressignificação parece estar ocorrendo

no cenário da Educação Física brasileira, existindo diferentes entendimentos

sobre cultura, como revelou o trabalho desenvolvido por Daolio (2004) e,

certamente, sobre o termo cultura corporal, cunhado pelo Coletivo de Autores

(SOARES et alii, 1992) e hora significando o conjunto de práticas corporais

pertencentes à determinada cultura, hora identificando uma abordagem

pedagógica para a Educação Física, cujos pressupostos teórico-metodológicos

variam entre os discursos da área, não havendo estudos que busquem identificar

e analisar estas variações.

As transformações nos significados das proposições teóricas produzidas

no campo acadêmico da Educação Física, no nosso caso específico da

concepção crítico-superadora, podem ser decorrentes, dentre outros fatores, do

choque entre esta produção e a realidade concreta da ação pedagógica. Ao

serem colocadas „em prática‟, as teorias são confrontadas com as limitações e as

possibilidades da realidade concreta, o que, numa perspectiva dialética, resulta

em transformações e ressignificações em ambas, teoria e prática (GAMBOA,

1995).

Enquanto outro fator de gênese de ressignificações, Caparróz (2001)

considera que os professores de Educação Física têm revelado dificuldades em

fundamentar sua prática nas produções teóricas das décadas de 80 e 90

(inclusive na abordagem crítico-superadora), pois eles as conheceriam muito

superficialmente, fundamentando sua intervenção num amálgama entre as

diferentes concepções existentes e as diretrizes dos documentos oficiais, como

também já identificado por Muniz (1996).

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Para os referidos autores, parece existir um „elo perdido‟7 entre as

prescrições contidas nas produções teóricas da Educação Física e a realidade em

que se materializa a ação pedagógica. Algumas destas produções orientam os

professores de Educação Física para a construção de uma ação pedagógica

voltada para a transformação da realidade social, pautando-se em análises e

reflexões sobre a macroestrutura social e seus impactos na escola e na Educação

Física (CAPARRÓZ, 2001).

Apesar de ser essencial compreender as influências da macroestrutura na

educação escolar e na Educação Física para a transformação da ação

pedagógica, a desconsideração sobre os limites, desafios e possibilidades de

implementar tais proposições na realidade escolar resulta na impossibilidade de

tal transformação nos moldes estabelecidos na produção acadêmica (Ibidem).

Possivelmente, isto ocorre devido às produções teóricas, até então,

desconsiderarem o lugar histórico do professor enquanto sujeito social, não

atentando para

[...] aquilo que os professores pensam sobre o que fazem, como fazem e por que fazem [...]. Esse tipo de abordagem histórica nega a história como movimento, privilegiando uma história em que a intervenção ativa dos sujeitos históricos sobre a construção das suas condições de existência seria praticamente nula (OLIVEIRA, 2001, p. 5-11).

Desta forma e pelo fato da Educação Física brasileira configurar-se

enquanto um campo de intervenção possuidor de diferentes abordagens teórico-

metodológicas em permanente tensão, o processo de disseminação da

concepção crítico-superadora no discurso e na ação pedagógica dos professores

de Educação Física parece demandar negociações culturais, que culminam na

ressignificação, deliberada ou não, da própria matriz teórica. Estas

ressignificações passam a nortear de maneiras diferentes a ação pedagógica dos

professores de Educação Física nas escolas, e fomenta a elaboração de novas

perspectivas pedagógicas, sendo uma delas identificada pela alcunha de

abordagem da Cultura Corporal, embora estas novas abordagens não sejam

estruturadas formalmente em publicações e não possuam autores de referência.

7 O termo é utilizado por Caparróz (2001).

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Eleger8 a abordagem crítico-superadora ou outra proposta como

referencial teórico para nortear a ação pedagógica nas aulas de Educação Física

acarreta conseqüências para a seleção e o trato dos conhecimentos a serem

pedagogicamente trabalhados. Implica também conseqüências em relação aos

objetivos da Educação Física na escola, às metodologias a serem empregadas,

aos tipos de relações travadas entre professores e alunos, à organização e

normatização da disciplina, dentre outros aspectos da dinâmica curricular. Por

conta disso, a escolha da matriz teórica precisa ser fruto de reflexões do corpo

docente sobre seus objetivos para com o processo educacional e sobre suas

condições concretas. As diversas ressignificações, embora bem-vindas enquanto

fruto de reflexões, trazem conseqüências diversas para cada um dos elementos

descritos da dinâmica escolar.

A situação-problema e o objetivo da pesquisa

A partir da década de 90, torna-se cada vez mais presente nas produções

recentes em Educação Física a preocupação em relação ao que expressam os

professores de Educação Física sobre seu cotidiano profissional, evidenciando-se

uma tentativa de compreender a ação pedagógica em Educação Física para além

dos documentos oficiais e proposições teóricas (CAPARRÓZ, 2001).

Compreender como o professor se relaciona com as diferentes proposições e com os diversos elementos e fatores dentro da complexa teia que envolve a Educação Física na dinâmica da escola pública, procurando observar como opera e que importância atribui a essas proposições e a esses elementos, pode ser uma forma importante para visualizar como vem ocorrendo a prática pedagógica dos professores de Educação Física e com isso possibilitar um diálogo com as proposições para a Educação Física escolar de modo a tensionar as reflexões em favor de uma prática possível, e não uma prática abstrata, porque exclusivamente idealizada, nem tão pouco uma prática imobilizante e cristalizada, porque eivada dos vícios e dos obstáculos impostos pela realidade. (Ibidem, p. 204-205, grifo do autor).

Consideramos ainda a hipótese de que

8 Para o Coletivo de Autores, a adoção de um referencial teórico-metodológico como perspectiva

de trabalho em uma disciplina específica, não pode ser ou não deveria ser arbitrária ou isolada, uma vez que deve ser fruto de uma reflexão pedagógica e necessita estar em acordo com o projeto político-pedagógico da instituição (Soares et al., 1992).

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[...] os professores têm um conhecimento muito vago e superficial dessas proposições. Mesmo aqueles que se formaram em instituições que têm seus currículos voltados para a licenciatura e que são norteados por uma concepção pedagógica crítica pouco compreendem tal produção. Conhecem, mas sua compreensão é limitada [...] em sua maioria os professores podem até ser seduzidos por tais proposições, discuti-las, refletir sobre elas, anunciá-las, mas pouco as implementam ou as implementam de uma forma em que não se têm claro se o que fazem se refere aos princípios das proposições adotadas. (Ibidem, p. 205).

Diante do exposto, torna-se essencial identificar quais as características

da denominada abordagem da Cultura Corporal a partir do discurso de

professores de Educação Física escolar da rede pública de ensino da cidade do

Rio de Janeiro que indicam adotar tal abordagem pedagógica, a partir da

ressignificação ou não dos postulados teórico-metodológicos da proposta crítico-

superadora.

A relevância deste estudo está no fato de, não raro, a comunidade

acadêmica e profissional de uma determinada área de conhecimento alegar ou

declarar sua identificação com um determinado postulado teórico-metodológico

sem, no entanto, evidenciar coerência em relação às premissas, princípios e

fundamentos do postulado. No caso da abordagem da Cultura Corporal é

freqüente encontrar acadêmicos e profissionais de Educação Física afirmando

sua identificação com esta abordagem pedagógica, apresentando, porém,

argumentos e exemplos que não coadunam entre si, e que hora assemelham-se

aos pressupostos da abordagem crítico-superadora, hora não apresentam

convergência com o que está explícito na obra do Coletivo de Autores (SOARES

et alii, 1992).

As intenções pedagógicas sempre são reinterpretadas pelas condições

concretas da instituição escolar (SACRISTÁN, 2000), sendo academicamente

interessante conhecer como o professor pensa e desenvolve a sua ação

pedagógica9. A ação pedagógica não se restringe ao espaço e tempo da aula,

iniciando-se muito antes da aula em si e indo além do fim desta, sendo um

“processo contínuo que se complementa cotidianamente, mas não se completa,

9 Nossa pesquisa restringe-se a compreender o discurso dos professores. Não é foco de nossa

análise a prática concreta do professor de Educação Física, mas sim o seu discurso sobre ela e sobre o referencial teórico em que se baseia, a denominada abordagem da Cultura Corporal.

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pois não é finito, e sim passível de reconstrução e reelaboração” (CAPARRÓZ,

2001, p. 201).

Sendo assim, justificou-se a realização de uma pesquisa com o objetivo

de identificar e analisar as características da abordagem da Cultura Corporal

presentes no discurso de professores de Educação Física da rede pública de

ensino do Rio de Janeiro que se auto-identificam com esse referencial teórico.

Com este estudo será possível, futuramente, investir em outras pesquisas

que possibilite compreender as condições de produção destes novos significados,

quando do confronto entre produção teórica, discurso e ação pedagógica e como

estes redimensionam e norteiam a intervenção dos professores sobre o ensino da

Educação Física na escola.

Questões a investigar

De que forma os professores Informantes se apropriaram da denominada

abordagem da Cultura Corporal?

Que argumentos eles utilizam para justificar sua identificação à

denominada abordagem da Cultura Corporal?

Que características da denominada abordagem da Cultura Corporal

emergem a partir dos discursos dos professores Informantes?

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CAPÍTULO II

REFERENCIAL TEÓRICO

Introdução

Como ponto de partida para o referencial teórico, julgamos necessário

elucidar as possíveis relações entre teoria e prática, compreendendo as duas

categorias como um par dialético em permanente movimento de tensão e

contradição, influenciando a ação pedagógica em qualquer componente

curricular. Este é o primeiro tópico deste capítulo.

Em seguida, buscamos aporte em teorias discursivas para entender

alguns dos mecanismos de produção do discurso e de construção da realidade

através deste discurso, pois como veremos, o falar não se resume à descrição de

um fenômeno observado, mas à própria criação e/ou transformação deste

fenômeno.

No terceiro tópico deste capítulo, apresentamos algumas das teorias que

tentam elucidar os mecanismos de manutenção e transformação de significados

nos discursos, entendendo as forças de coerção presentes nas negociações para

a hegemonia de discursos dentro dos grupos sociais, a fim de compreender como

estes fatores influenciam o processo de construção do que é identificado como

abordagem da Cultura Corporal, possivelmente a partir da ressignificação da

abordagem crítico-superadora.

Convém mencionar que entre as concepções teórico-metodológicas que

elegem o discurso como objeto de estudo, muitas possuem pontos de

congruência interessantes. Embora em cada uma destas concepções haja uma

diferenciação nas nomenclaturas utilizadas, em algumas os argumentos

justificadores e estratégias de análise são muito próximos. Desta maneira, a

exemplo do que fez Devide (2001), recorremos a diferentes referencias para

justificar nossas proposições, respeitando os limites que os separam.

Por fim, analisamos a obra do Coletivo de Autores (SOARES et alii, 1992)

no intuito de elencar os principais pressupostos teórico-metodológicos que

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constituem a abordagem crítico-superadora, da qual provavelmente a abordagem

da Cultura Corporal tenha se originado.

Sobre a relação teoria e prática

Nas produções acadêmicas que tratam da estreita relação entre teoria e

prática, percebe-se a inexistência de um consenso quanto à especificidade dessa

relação, sendo, por vezes, privilegiado o primado da teoria sobre a prática, onde

esta é a aplicação da teoria, ou, num outro pólo, o primado da prática sobre a

teoria enquanto algo que lhe confere validade (GAMBOA, 1995).

Estas produções teóricas são chamadas pelo autor supracitado de teorias

do consenso, pois concebem a relação teoria e prática como uma relação de

equilíbrio e união. O equilíbrio entre a teoria e a prática nas teorias do consenso

não remete a um estado de igualdade de condições entre as duas categorias,

mas a um estado de subordinação de uma pela outra. Subordinação da prática

enquanto mera aplicação da teoria ou subordinação da teoria enquanto algo

somente construído a partir da prática.

Para exemplificar o que denomina de teorias do consenso, Silvio Gamboa

(op. cit.) apresenta duas concepções situadas em pólos diferentes de um mesmo

contínuo onde se encontram as diversas teorias do consenso: a concepção

racional-idealista e a pragmático-utilitarista.

A concepção racional-idealista orienta-se pela primazia da teoria em

relação à prática, pois os conceitos e representações do teorizar humano

independem da realidade concreta. Esta idéia, segundo Gamboa, está

relacionada ao conceito de ação social do idealismo de Max Weber, onde os

dados empíricos obtidos através da observação e da experimentação não podem

ser utilizados para validar os diversos conceitos e representações sobre as ações

sociais. Neste entender, as ações sociais são passíveis de serem compreendidas

apenas a partir de modelos teóricos idéias. Trata-se de uma conduta racional que

visa “medir os desvios das ações reais em relação a tal racionalidade

referenciada” (Ibidem, p. 37), isto é, idealizada.

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O tipo ideal [...] é uma elaboração mental pela qual uma dada realidade é ordenada, articulando seus elementos constitutivos e fornecendo um sistema de relações, internamente consistente [...] representa um modelo particular com o qual os fenômenos concretos podem ser comparados e contrastados [...] valendo-se de um dever ser ou causa final que direciona os acontecimentos. (Ibidem, p. 37, grifo do autor).

No pólo oposto está a concepção pragmático-utilitarista, concebendo a

prática enquanto critério de validade ou de legitimação da teoria. Nessa

concepção “a prática experimental é o único critério de verdade científica e a

teoria forma-se com base nos resultados eficazes da ação humana” (GAMBOA,

1995, p. 37). O conhecimento válido é aquele passível de ser verificado na

experimentação. Ao contrário da concepção racional-idealista, que considera o

verdadeiro a partir de uma racionalização prévia sobre o ideal, a visão

pragmático-funcionalista identifica o verdadeiro como o resultado das

experiências positivas. Em ambas as proposições a relação teoria e prática

caracteriza-se pelo equilíbrio e pela subordinação. “A verdadeira prática é a que

coincide com o pensamento10 e o pensamento verdadeiro é o que coincide com o

real11” (Ibidem, p. 38).

Gamboa (op. cit.) segue em suas reflexões propondo o entendimento da

relação teoria e prática enquanto uma relação dialética, sendo necessário, em

primeiro lugar, superar o dualismo entre as duas categorias e, em segundo lugar,

entender a relação entre elas como dinâmica e contraditória.

Tratando-se da superação do dualismo entre teoria e prática, o autor

afirma ser preciso relativizar a autonomia individual de cada categoria por

pertencerem ao contexto maior da ação humana. Na dialética, as duas categorias

existem apenas na relação com a outra, não existindo uma teoria que não a teoria

da prática e não existindo uma prática que não seja a aplicação de uma teoria

(Ibidem).

Ao mesmo tempo, é necessário entender a relação teoria e prática não se

baseando na busca pelo equilíbrio e na subordinação de uma pela outra, mas sim

enquanto uma relação conflituosa e tensa, pois “a teoria transforma-se na

negação da prática porque a tensiona; a prática, por sua vez, coloca em xeque a

10

Concepção racional-idealista. 11

Concepção pragmático-utilitarista.

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teoria, porque em vez de se ajustar a ela, transforma-se em seu contrário”

(Ibidem, p. 32).

As duas categorias precisam ser entendidas como práticas sociais

inseridas em contextos sociais e políticos com conflitos e tensões específicas.

Compreendê-las demanda levar em consideração a ação social humana, pois não

se separam o ser do pensar, o ser humano da natureza, a atividade da matéria, o

sujeito do objeto. A prática não pode ser algo em si mesma, assim como a teoria

não existe isolada da prática12.

Essa relação dinâmica, conflituosa e complexa inerente às ações sociais

humanas é o que caracteriza a práxis, que não visa o ajuste e o equilíbrio entre as

diversas categorias dialéticas, mas o confronto entre elas, o que leva à superação

dialética (GAMBOA, 1995).

O princípio de superação dialética pode ser compreendido através de

Konder (1998) que faz uso das idéias de Hegel sobre o trabalho enquanto

atividade humana dialética. Segundo ele, Hegel utiliza o termo alemão aufheben

(suspender) em seus três significados: (1) negar, anular; (2) erguer algo e mantê-

lo erguido para protegê-lo; e (3) elevar a qualidade, promover a passagem para

um plano superior. Hegel usa o verbo concomitantemente nos três significados

para caracterizar a superação dialética: a negação (crítica) de determinada

realidade ou fenômeno, a conservação de algo essencial a essa realidade ou

fenômeno negado e a elevação dela(e) a um nível superior (KONDER, 1998).

A teoria nega a prática assim como a prática é a negação da teoria.

Segundo a dialética, é a partir desse princípio dialético da contradição que ambas

podem evoluir qualitativamente, a partir de elementos essenciais que podem

permanecer inalterados ou não, para uma nova práxis humana (GADOTTI, 2003;

KONDER, 1998).

12

Embora Gamboa (1995) apregoe a superação da divisão entre ciências básicas e ciências aplicadas, não temos intenção, neste momento, de afirmar como não válidas as produções teóricas que não possuam aplicação prática imediata, como ocorre em algumas das pesquisas básicas. Entendemos que, mesmo na construção destas proposições teóricas, existe a influência da realidade concreta, cujos contextos e disputas de poder exercem algum tipo de pressão.

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Qualquer prática, por mais simples ou natural que pareça, está carregada de teoria. Quanto mais antiga e rica for uma cultura, mais carregada de elementos teóricos estará a sua prática educacional. Esta carga teórica aumentou desde o momento histórico em que se iniciou a elaboração consciente e intencional de teorias educacionais, as quais influenciam a prática das mais diferentes maneiras. A partir de então, a prática torna-se uma mescla de elementos teóricos, idéias, normas conscientes e elementos inconscientes. (GEORGEN apud GADOTTI, 1995, p.41).

Caparróz (2001) considera que as proposições teóricas são

imprescindíveis para o desenvolvimento de uma ação pedagógica. No entanto,

elas devem buscar uma coerência13 com a realidade para ultrapassarem o âmbito

da prescrição e se concretizarem na ação pedagógica. “A dimensão „ideal‟ deve

existir, pois é da tensão entre a dimensão da realidade na prática e a

dimensão da prática idealizada que podemos/devemos materializar a prática

possível”. (Ibidem, p. 204, grifos do autor).

[...] quando elaboramos uma teoria, exercemos uma ação de prática política, mas necessitamos, além disso, aplicá-la no terreno da práxis educativa em instituições concretas, que se convertam em experiências comunicáveis e/ou transferíveis. (IMBERNÓN apud CAPARRÓZ, 2001, p. 200).

Não é uma tarefa fácil para os professores transformarem sua ação

pedagógica, pois ela está condicionada há anos por fatores que se deseja

superar, mas que resistem em continuar influenciando tal prática (CAPARRÓZ,

2001).

As mudanças, as transformações, as inovações ficam, então, circunscritas, de certa forma, apenas ao discurso, às teorias, às novas propostas curriculares. [...] Por essa razão, é fundamental desenvolvermos estudos para „conhecermos‟ e compreendermos quem são os professores de Educação Física que atuam nas escolas, como agem e como pensam [...] no sentido de entendermos melhor a teia que envolve a Educação Física na dinâmica escolar e a permanente tensão, nela contida, entre os pólos da dimensão da realidade prática e da dimensão da prática idealizada, afim de que possamos, nos valer deste diálogo para elaborar proposições, „possíveis‟, que perspectivem uma melhora qualitativa da ação pedagógica da Educação Física. (Ibidem, p. 208-209).

13

Entendemos essa busca por coerência como a tentava de superar as demandas e tensões exercidas pela prática, uma vez que não é possível uma teoria ser eternamente coerente em relação à prática por ambas estarem em constante movimento de superação dialética a partir das suas contradições (negação da negação).

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Baseados nessas premissas é que propomos estudar o discurso de

professores de Educação Física da rede de ensino pública do Rio de Janeiro

adeptos do que denominam de abordagem da Cultura Corporal, de forma a

compreendermos as características definidoras desta 'abordagem' para a

Educação Física e em que pontos ela é uma ressignificação da abordagem

crítico-superadora construída pelo Coletivo de Autores (SOARES et alii, 1992).

Sobre a produção de discursos

Os discursos e as ações discursivas não são meros processos de

transmissão de informações entre locutor e interlocutor, entre autor e leitor.

Segundo Rorty (1994), o discurso é uma maneira de ação sobre o interlocutor a

fim de transformá-lo, no intuito de que este assuma como próprias as idéias,

significados e valores do locutor.

No exato momento da construção dos discursos, os sujeitos realizam uma

reflexão sobre o que será dito e realizam uma antecipação com relação ao

ouvinte de forma a potencializar os efeitos do discurso sobre este. Os atos e o

conteúdo das falas e das escritas, via de regra, intencionam a formação de

opiniões e, portanto, representam um agir no mundo (RORTY, op. cit.). Um agir

que, pela possibilidade de transformação de nossas idéias e valores, é capaz de

criar a própria realidade, ou pelo menos a nossa percepção sobre ela, pois a

realidade é formada no discurso; é formada pelas trocas discursivas.

A linguagem não retrata a realidade, ela a constitui (RÚBIO, 2004). Para

esta autora14, é no ato de falar, de comunicar-se que a realidade é elaborada, pois

esta é compreendida enquanto fruto de construções simbólicas, ou seja, é

constituída pelas tensões entre idéias, valores e crenças que indivíduos

compartilham e que sustentam e conferem funcionalidade a uma sociedade. O

real é a representação que temos dele, existindo apenas a partir das idéias e

símbolos atribuídos a ele. Dificilmente, a representação de realidade e de mundo

vivido para um agricultor é a mesma para um atleta, ou para um grande

empresário. O discurso materializa as construções simbólicas, constituindo o

universo de valores, crenças e idéias produzidas nas relações históricas e sociais.

14

A autora sustenta suas afirmações nas proposições de Castoriadis (1982).

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Através do discurso o sujeito cria e expõe suas concepções de mundo que

orientam sua perspectiva de realidade.

Porém, os sujeitos discursivos não falam – não elaboram seus textos – a

partir de seu lugar social (empírico), mas a partir da representação simbólica que

possuem dele (ORLANDI, 2003). Segundo a autora, não são os sujeitos físicos e

as posições sociais empíricas, que poderiam ser descritas sociologicamente, que

constroem os discursos, mas o imaginário que se têm destes sujeitos e de seus

lugares. Através do imaginário determina-se a posição do sujeito do discurso; faz-

se a distinção entre lugar empírico e posição no imaginário.

O discurso surge vinculado a esse imaginário, a essa rede simbólica. Por

meio dele, a realidade é criada, exposta aos outros, enquanto que pelas trocas

discursivas é transformada (Ibidem). O efeito sobre o meio é simbólico, pois a

realidade também é simbólica. A realidade empírica não é imediatamente

transformada pelas trocas discursivas. Pelo discurso elabora-se e transforma-se a

realidade simbólica que é a que influencia nossas ações, comportamentos e

posicionamentos, os quais possuem o potencial para transformação da realidade

empírica.

Considerando as possibilidades do discurso para a construção e

transformação da realidade, Foucault (2004) levanta uma série de hipóteses

sobre os mecanismos utilizados para o controle da produção e propagação dos

discursos. Ele considera que a troca aberta de discursos, a comunicação

universal do conhecimento, concebida como uma das características da

sociedade ocidental, não atua sem complexas restrições, sem que sejam

impostas limitações através de rituais, regras e leis que, buscando seu controle,

estabelecem o que ele chama de uma ordem do discurso.

Para o autor, essas imposições são conseqüências das inquietações que

possuímos em relação às possibilidades do discurso, à falta de controle sobre

suas conseqüências depois de proferido/divulgado, à duração de sua existência e

de seus efeitos. Esses mecanismos cumpririam a tarefa, pelo menos em parte, de

manter sob controle o discurso, limitando suas conseqüências e efeitos,

controlando o que Foucault (2004) chama de acaso de suas aparições – “[...] o

discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de

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dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos

apoderar” (Ibidem, p. 10).

A ordem do discurso seria composta de mecanismos de controle externo,

de controle interno e de acesso ao discurso. Os mecanismos de controle externo

seriam formados por três princípios de exclusão do discurso, os quais determinam

as condições de produção e validação ou não dos discursos. São o „princípio de

interdição‟, o „princípio de rejeição‟ e o „princípio da vontade de verdade‟.

O „princípio de interdição‟ é o que exerce controle sobre os direitos de

fala, delimitando quem possui legitimidade para discursar sobre determinado

assunto. Nas palavras do próprio Foucault:

Sabe-se bem que não se tem o direito de dizer de tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não pode falar de qualquer coisa (Ibidem, p. 09).

O „princípio de rejeição‟ é o que exerce influência no sentido de validar ou

não os discursos dentro dos padrões da racionalidade vigente, arbitrando quais

discursos estão de acordo com o que é racional e quais discursos configuram-se

enquanto insanos ou sem sentido.

O „princípio da vontade de verdade‟ estabelece a oposição entre o

verdadeiro e o falso, dependendo do contexto histórico, do local social e das

correlações de força presentes na produção e divulgação deste discurso. Quando

a vontade de verdade de um grupo difere da vontade de verdade de outro grupo

será através da correlação de forças entre eles que um dos discursos será tido

como verdadeiro.

No campo da Educação Física existem grupos com vontades de verdade

distintas sobre as proposições orientadoras e sobre as intervenções profissionais

na escola – ação pedagógica – ou fora dela, sendo o discurso hegemônico aquele

que alcança maior repercussão e legitimidade em decorrência das correlações de

força.

Os mecanismos de controle interno ao discurso exercem sua influência na

manutenção e na transformação de significados nos discursos produzidos. Antes

de caracterizá-los convém elaborar algumas considerações com relação a tais

possibilidades de manutenção e transformação.

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Sobre a manutenção e transformação de significados

Segundo teorias discursivas a exemplo da etnometodologia, os

significados dos discursos são transformados pelas interações sociais. É em

função de ser produzida no discurso que se reconhecesse a incompletude, o

inacabamento e a mutabilidade própria da realidade social, ou do sentido

atribuído a ela, o que interfere nas transformações de significados (DEVIDE,

2001). Em contato com novos objetos ou situações, os sujeitos sociais

necessitam tornar familiar aquilo que não é conhecido, atribuindo a estes objetos

e situações novos significados, de forma deliberada ou inconsciente, de acordo

com seus interesses e possibilidades. Este processo é chamado de „ancoragem‟

na teoria das Representações Sociais (Ibidem).

Pela „ancoragem‟, um professor de Educação Física toma conhecimento

sobre a abordagem crítico-superadora e lhe atribui novos significados, de forma a

adaptá-la ao seu cotidiano e necessidades. Abrem-se as portas para as

transformações de significados sobre esta concepção para a Educação Física,

pois cada sujeito construirá, conscientemente ou não, seu entendimento sobre a

abordagem crítico-superadora influenciado por sua concepção da realidade,

configurando-se a denominada abordagem da Cultura Corporal como uma das

possíveis ressignificações da abordagem crítico-superadora.

Além disso, é importante perceber que a construção do novo significado

dependerá em parte do significado original ou fundador. Em outras palavras, a

concepção de um professor de Educação Física sobre a abordagem crítico-

superadora e de outras construídas a partir desta, será em grande parte

influenciada pela maneira como ocorreu o contato com este referencial, seja por

meio da leitura direta da obra que o divulgou, seja por meio de leituras de fontes

secundárias, seja pela participação em algum curso de capacitação ou evento

acadêmico, seja por meio de conversas informais com outros colegas de trabalho

(MUNIZ, 1996) que, provavelmente, já trazem em seu bojo alguma transformação

de significado.

Este fato acarreta que não há possibilidade de manutenção de

determinados significados mais ou menos inalterados? A resposta para essa

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questão pode ser encontrada retomando as teorias de Foucault (2004) sobre a

ordem do discurso a partir dos mecanismos de controle internos.

Estes mecanismos originam-se nos próprios discursos, sendo eles o

„princípio do comentário‟, o „princípio do autor‟ e o „princípio da disciplina‟.

O „princípio do comentário‟ refere-se aos discursos sobre o discurso,

interpretações e reinterpretações de textos maiores que podem „reforçar‟ ou

„alterar‟ seu significado, podendo até tomar o lugar do discurso original. Este

princípio exerce controle sobre o discurso pelas possibilidades de interpretação.

O „princípio do autor‟ é algumas vezes tido como a origem das

significações presentes no discurso. As possibilidades de diferentes

interpretações são diminuídas pela existência de interpretações referendadas no

próprio autor. Exige-se que o discurso seja coerente com as idéias, valores e

experiências do autor, que nele estejam explícitas as „impressões digitais‟ de

quem o produziu.

O „princípio da disciplina‟ representa o domínio de objetos, métodos e

proposições verdadeiras inerentes a uma disciplina acadêmica, podendo anular a

influência dos „princípios do autor e do comentário‟, visto que estes se subordinam

à disciplina (e a seu paradigma) tanto quanto maior for seu caráter positivista. Nas

disciplinas mais relacionadas com a área humanista nota-se uma maior influência

do „princípio do comentário‟ e do „princípio do autor‟.

Para Foucault (2004), é através da interação destes três princípios que

surgem as possibilidades de manutenção ou de transformação de significados.

Entretanto, é possível estabelecer um maior entendimento sobre estas questões

se completarmos nossa exposição com algumas proposições advindas da teoria

das Representações Sociais, mais precisamente, nas idéias de Sá (1996) sobre a

teoria do núcleo central, formulada inicialmente por Jean-Claude Abric. Nesta

abordagem, as representações sociais possuem um „núcleo central‟ e um „sistema

periférico‟. O „núcleo central‟ confere uma estrutura mais rígida à representação,

pois é compartilhado pelo grupo que a possui, não sendo facilmente modificado,

pois isso acarretaria em uma transformação completa do significado. Já o

„sistema periférico‟ é o que permite transformações de significados nas

representações sem, no entanto, modificá-la em seu âmago. São os elementos

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não consensuais que permitem diferenciações de significados individuais sem

romper com uma coerência interna ao grupo que compartilha destes significados.

Sá (1996) considera o „sistema periférico‟ como um mecanismo de defesa

do significado „original‟ das representações, pois permite que este seja mantido

mesmo com a chegada de novos elementos, que para modificarem por completo

a representação, necessariamente teriam que modificar primeiramente o „sistema

periférico‟.

Conforme o „princípio do comentário‟ de Foucault (2004), as potenciais

transformações de significados são influenciadas pelos diversos discursos

textuais ou falados que abordam determinado assunto e circulam em determinado

grupo. Sendo assim, uma das questões a serem investigadas nos remete à

identificação dos meios utilizados pelo professores de Educação Física, adeptos

da denominada abordagem da Cultura Corporal, para se apropriarem deste

referencial (literatura de referência, congressos, formação inicial e continuada

etc.).

Sobre os grupos doutrinários

É possível perceber que no interior dos grupos sociais existe uma

tendência de se manter mais ou menos inalterados os significados compartilhados

pelos seus membros sobre seus objetos ou fenômenos sociais de interesse. Esta

ponderação nos remete ao último grupo de mecanismos de controle da ordem do

discurso de Foucault (2004) – mecanismos de acesso ao discurso.

Estes, como o próprio nome indica, exercem controle sobre o direito de

acesso ao discurso, controlando a partilha e apropriação de determinadas

verdades e significados. “[...] ninguém entrará na ordem do discurso se não

satisfizer a certas exigências ou se não for, de início, qualificado para fazê-lo”

(FOUCAULT, 2004, p. 37). Enquanto algumas áreas do discurso são plenamente

abertas a todos, outras, ao contrário, são bastante fechadas. Um dos mecanismos

de acesso é o „princípio do ritual‟, que “[...] define os gestos, os comportamentos,

as circunstâncias, e todo o conjunto de signos que devem acompanhar o discurso

[...]” (Ibidem, p. 39). Os possuidores de rituais específicos formam o que Foucault

denomina de „sociedades de discurso‟, grupos sociais que retém o saber, o

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discurso sobre determinado objeto através de ritual específico. O autor cita como

exemplos a sociedade discursiva médica.

Outro mecanismo de acesso é o „princípio de grupo doutrinário‟, que em

interação com as sociedades de discurso, busca a ampla divulgação de

determinada verdade, de forma mais ou menos flexível, dentro do grupo.

Percebe-se uma tendência de homogeneização dos significados do discurso de

um grupo, na tentativa de manter-se certa coerência interna. Esta coerência

interna cria um processo de identificação dos sujeitos aos seus grupos discursivos

através do discurso. A doutrina questiona os sujeitos pelos enunciados quando

estes ferem os significados compartilhados pelos membros do grupo, e questiona

os enunciados pelos sujeitos por uma concepção de pertencimento prévio, seja

de etnia, de status social, de nacionalidade, de interesses, de lutas, de

resistências etc.

A doutrina liga os indivíduos a certos tipos de enunciação e lhes proíbem, conseqüentemente, todos os outros; mas ela se serve, em contrapartida, de certos tipos de enunciação para ligar indivíduos entre si e diferenciá-los, por isso mesmo, de todos os outros. A doutrina realiza uma dupla sujeição: dos sujeitos que falam aos discursos e dos discursos ao grupo, ao menos virtual, dos indivíduos que falam (Ibidem, p. 43).

Um membro de determinada organização política, via de regra, não terá

um discurso que vá de encontro com o que é considerado válido dentro de seu

grupo, ao mesmo tempo em que é mais ou menos possível para quem

desconhece o autor de determinada fala ou texto, estabelecer seu grupo

doutrinário apenas pelos significados que são divulgados em seu discurso. Basta

para isso, conhecer as idiossincrasias referentes ao grupo.

No caso da presente pesquisa, o „princípio de grupo doutrinário‟ é

particularmente importante, pois é ele que justifica o pressuposto de que os

professores adeptos da denominada abordagem da Cultura Corporal, ao menos

segundo Foucault (op. cit.), formariam um grupo doutrinário específico e, por isso

mesmo, deveriam partilhar de determinadas verdades e significados inerentes e

constituintes do grupo. Verdades e significados que caracterizam tal abordagem e

são passíveis de serem identificados no discurso destes sujeitos. A intenção de

identificar as características da abordagem pedagógica denominada de Cultura

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Corporal, e buscar sua possível relação com a abordagem crítico-superadora

decorre, como visto, da percepção de que entre os discursos sobre este último

referencial, ao menos aparentemente, existe uma considerável variabilidade de

significados, que podem agir estabelecendo grupos doutrinários diferentes dentro

da sociedade discursiva de professores de Educação Física adeptos da

abordagem crítico-superadora.

Retornando aos mecanismos de controle do acesso ao discurso, o último

princípio considerado por Foucault (2004) é o de „apropriação social dos

discursos‟, que ocorre por meio dos processos educacionais. Tais processos em

nossa sociedade garantem, ou deveriam garantir o acesso de todos a todas as

formas discursivas. No entanto, segundo o autor, estes processos estão imersos

dentro da dinâmica de disputas e oposições sociais que permitem ou restringem o

acesso a determinados discursos.

Vale considerar que a separação entre os rituais do discurso, as

sociedades do discurso, os grupos doutrinários e as apropriações sociais é

didática, pois na dinâmica social eles são inseparáveis. Tais princípios garantem

“[...] a distribuição dos sujeitos que falam nos diferentes tipos de discurso e a

apropriação dos discursos por certas categorias de sujeitos [...] são esses os

grandes procedimentos de sujeição do discurso” (Ibidem, p. 44).

Estabelecendo novamente um paralelo com a Teoria das Representações

Sociais, o „princípio de grupo doutrinário‟ de Foucault (op. cit.) estabelece

permanente tensão com o „princípio de dispersão de informação‟, que, segundo

Devide (2001), possibilita que haja diferentes significados sobre um mesmo objeto

dentro de um mesmo grupo, criando ambigüidades e deslocamentos de

significados. Desta tensão, estabelecer-se-iam subgrupos dentro do grupo, a

partir do momento em que os deslocamentos de significados individuais começam

a ser compartilhados por outros membros.

Este parece ser o argumento que melhor justifica as possíveis

transformações de significados sobre a abordagem crítico-superadora dentro do

grupo de professores de Educação Física, possibilitando a existência de uma

abordagem da Cultura Corporal, provavelmente construída a partir da crítico-

superadora. Como apontado em seção anterior, identificar as características

desta abordagem da Cultura Corporal justifica-se, não por um ideal de unificação

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de idéias, discursos e, consecutivamente, de realidades, mas sim para

compreendermos os mecanismos que possibilitam diferentes ações pedagógicas

serem construídas a partir de outros referenciais, como os da abordagem crítico-

superadora.

Uma crítica a que nossa pesquisa está sujeita é a feita por Jodelet, citada

por Devide (2001), sobre pesquisas que visam apenas à análise dos discursos

dissociados da prática social. Segundo a opinião da mencionada autora, não é

possível compreender os mecanismos de ressignificação apenas através da fala

dos sujeitos, pois as representações que temos sobre os objetos e fenômenos

sociais só seriam passíveis de serem identificadas a partir das experiências do

cotidiano. A utilização de discursos descontextualizados da prática do cotidiano

ocasionaria pseudo-representações criadas pelo próprio pesquisador quando da

análise dos dados.

Na condição de pesquisadores, concordamos e estamos atentos às

considerações apresentadas por Jodelet. Apenas evidenciamos que não nos

interessa nesse momento entender os mecanismos que influenciam nas

transformações de significados. Muito menos identificar as representações sobre

a ação pedagógica. Trata-se de identificar quais características da denominada

abordagem da Cultura Corporal emergem a partir do discurso de professores

adeptos desta 'abordagem'.

Um dos princípios da produção de conhecimento é a exeqüibilidade.

Sendo assim, o tempo disponível interfere na dimensão de uma pesquisa. Por

isto, a guisa de primeira etapa de aproximação deste objeto de pesquisa, nos

propomos a investigar quais as características que emergem dos discursos de

professores, partindo-se do princípio de descritibilidade elaborado pela

etnometodologia, onde as práticas sociais do cotidiano são passíveis de serem

descritas pelos próprios autores (DEVIDE, 2001). Essas descrições não

correspondem necessariamente à realidade concreta da ação pedagógica. No

entanto, correspondem à realidade simbólica dos sujeitos investigados, sendo

neste momento relevante e suficiente para alcançarmos os objetivos a que nos

propomos, bem como da Linha de Pesquisa a qual esta pesquisa se vincula –

Pensamento Pedagógico da Educação Física Brasileira.

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Caracterizando a abordagem crítico-superadora

O propósito desta seção é destacar as marcas caracterizadoras da matriz

teórica original da abordagem crítico-superadora. Não se almeja discutir o que

este referencial trouxe de avanço ou de limitação para o pensamento pedagógica

da Educação Física brasileira. A intenção é elencar seus pressupostos e

respectivos argumentos justificadores a partir do texto original.

Embora saibamos que os integrantes do grupo de especialistas

autodenominado de Coletivo de Autores, organizados em subgrupos ou

individualmente, já tenham avançado na discussão sobre esta abordagem através

de pesquisas e ensaios acadêmicos a partir da proposta pedagógica difundida

pelo livro Metodologia do Ensino de Educação Física, não é possível

desconsiderar que o referido livro ainda é a principal fonte documental para

apropriação e compreensão desta matriz teórico-metodológica, constituindo nosso

objeto de análise em busca de seus pressupostos.

Pressupostos gerais da abordagem crítico-superadora

Segundo o Coletivo de Autores, para além de apresentar os pressupostos

de uma nova matriz pedagógica, a obra destina-se a servir como um guia para

que professores e acadêmicos de Educação Física possam subsidiar seus

conhecimentos sobre a Educação Física, concebida como área de estudo e

campo de trabalho. Esse aprofundamento objetivaria em última instância a

transformação da ação pedagógica em Educação Física, concebida como

componente curricular obrigatório da educação escolar, através da assimilação

consciente e autônoma da função da educação e da Educação Física nesta

instituição. Apropriar-se de forma crítica destes saberes é um dos elementos

fundamentais para alcançar o que os autores consideram como emancipação

humana, sendo este o objetivo último da educação.

A transformação da ação pedagógica na Educação Física iniciar-se-ia

pela designação de uma nova teoria pedagógica e, por conseguinte, de novas

diretrizes para a elaboração de seus programas de ensino, em superação ao

modelo tradicional que vem orientando o ensino-aprendizagem da Educação

Física na escola. Por teoria pedagógica entende-se um conjunto de pressupostos

e conhecimentos que norteiam a ação pedagógica, subsidiando a delimitação do

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conhecimento de que trata a Educação Física na escola e a seleção dos

conteúdos desse conhecimento a serem trabalhados, orientando como estes

conteúdos seriam pedagogizados.

Essa teoria pedagógica buscaria, necessariamente, a superação do

modelo tradicional de Educação Física, o qual o Coletivo de Autores denomina de

„perspectiva da aptidão física‟. A imperativa superação deste modelo viria

naturalmente, à medida que esta teoria pedagógica fosse sendo assimilada de

forma consciente pelos professores e acadêmicos de Educação Física15, tendo

esta obra como um importante texto balizador, o que permitiria a compreensão de

que “a perspectiva da Educação Física escolar, que tem como objeto de estudo o

desenvolvimento da aptidão física do homem, tem contribuído historicamente para

a defesa dos interesses da classe no poder” (SOARES et al., 1992, p. 36). O livro

assume seu papel de guia quando escala argumentos para possibilitar o

posicionamento contra a perspectiva da aptidão física e a favor da nova

perspectiva proposta no texto – a Educação Física crítico-superadora.

Nesta perspectiva teórico-metodológica, à Educação Física na escola

caberia transmitir aos alunos e fazê-los refletir sobre os elementos constitutivos

da cultura corporal - todas as manifestações da expressão corporal construídas

através da interação e intervenção do ser humano sobre o meio natural e social.

Estes elementos compõem o patrimônio cultural da humanidade relacionado às

práticas corporais e, como tal, necessitam ser apropriados/reformulados pelas

novas gerações.

De acordo com o Coletivo de Autores, as expressões corporais são as

exteriorizações através do corpo em movimento das formas de representação

simbólica do mundo vivido. Elas materializam-se nas três indissociáveis

atividades produtivas humanas elencadas pelos autores – a linguagem, o trabalho

e as disputas de poder.

É linguagem, pois nossos gestos, posturas e movimentos remetem a

redes de significações simbólicas que produzem e compartilham significados. É

trabalho enquanto produção simbólica de bens culturais na forma de jogos, lutas,

15

A apropriação do discurso da abordagem crítico-superadora acarretaria na transformação da representação da realidade pedagógica destes professores, tornando evidente a necessidade de superação da Educação Física tradicional.

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ginásticas, esportes, dentre outras. É disputa de poder quando expressa, através

destes gestos, posturas, rituais e contendas corporais, relações de dominação.

Argumentando a favor de sua proposta, o Coletivo de Autores discorre

sobre a relação entre a Educação Física e a instituição escolar, e sobre questões

curriculares que sustentam seu modelo pedagógico. Na óptica dos autores,

enquanto disciplina escolar, a Educação Física precisa adequar-se ao projeto

político-pedagógico da instituição, estando ambos em consonância com a função

principal da educação, que é o de transmitir/transformar o patrimônio cultural da

humanidade e desenvolver o que eles denominam de uma „consciência social

coletiva‟ vinculada aos interesses da classe trabalhadora, em superação a

consciência social coletiva da classe dominante, “[...] que vincula seus interesses,

seus valores, sua ética e sua moral como universais [...] independente de sua

origem ou posição social” (Ibidem, p. 24). Ao longo de sua trajetória a

humanidade acumulou conhecimentos, comportamentos, rituais e técnicas que

compõem seu patrimônio cultural. Construiu também um conjunto de valores,

interesses, padrões éticos e morais que formam esta consciência social coletiva,

também denominada de ideologia.

Na abordagem crítico-superadora as questões que influenciam na escolha

de uma ou outra abordagem teórico-metodológica para orientar o ensino-

aprendizagem da Educação Física, e para a educação em geral, não são apenas

quais elementos do patrimônio cultural serão pedagogizados, mas também que

elementos da consciência coletiva necessitam ser mantidos ou transformados no

processo de ensino-aprendizagem.

O Coletivo de Autores concebe a sociedade brasileira como fruto das

relações antagônicas entre as classes sociais que a compõem, cada uma com

seus interesses imediatos e históricos. Os autores partem da premissa de que a

razão desse antagonismo é decorrente do fato de que cada classe social tenta

tornar universal a sua consciência social, buscando estabelecer uma

hegemonia16.

As teorias pedagógicas refletem essa tensão social, pois a partir dos

conflitos de poder, os valores e idéias (discursos) a serem transmitidos são

16

O Coletivo de Autores sustenta sua afirmação na obra de Antonio Gramsci - Concepção dialética da história. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira, 1984.

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selecionados. Foucault (2004) aborda tais questões em seu „princípio da

apropriação social dos discursos‟.

Um pressuposto pedagógico desenvolve-se em meio a essa relação

dialética e, estabelecida certa hegemonia entre as ideologias antagônicas, esta

passa a influenciar os caminhos dos processos educacionais enquanto atender às

demandas advindas desse equilíbrio tênue e fugaz entre teoria e prática. Quando

a tensão entre as classes aumenta de forma a alterar o equilíbrio entre as

ideologias, instaura-se uma nova crise, que demandará uma nova consciência

coletiva que dê conta de explicar a realidade social e restabeleça uma nova

hegemonia. A partir disso, novas pedagogias necessitam ser criadas para

transmitir os novos discursos (valores, ideais, significados) de forma a recriar tal

realidade.

Uma pedagogia entra em crise quando suas explicações sobre a prática social já não mais convencem aos sujeitos das diferentes classes e não correspondem aos seus interesses. Nessa crise, outras explicações pedagógicas vão sendo elaboradas para lograr o consenso (convencimento) dos sujeitos [...] cuja reflexão vincula-se à construção ou manutenção de uma hegemonia (SOARES et al., 1992, p. 25).

É com esse intuito que os autores elaboram sua proposta político-

pedagógica para a Educação Física na escola. Para eles, a abordagem tradicional

pedagogicamente orientada para a aquisição da aptidão física foi desenvolvida

sob a égide da consciência social coletiva da classe dominante, e como tal,

contribui para a manutenção dos interesses dessa classe. Ela busca, de forma

subjacente, adaptar o ser humano à sociedade, alienando-o da sua condição de

sujeito histórico e levando a crer na não existência dos antagonismos de classe.

A Educação Física escolar regida pela perspectiva crítico-superadora, ao

contrário, objetiva o desenvolvimento da consciência de classe, fomentando o

ideário de superação da realidade social através da construção e hegemonia de

uma nova consciência social coletiva voltada para os interesses da classe

popular.

Para justificar esta intenção político-pedagógica, o Coletivo de Autores

busca esclarecer que toda reflexão pedagógica é diagnóstica, judicativa e

teleológica. Diagnóstica, pois precisa interpretar a realidade social para agir sobre

ela. Judicativa, pois essa interpretação é, necessariamente, realizada a partir de

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valores e interesses de classe específicos, pertencentes à consciência social

coletiva. É teleológica, pois a partir dessa interpretação da realidade, traçam-se

objetivos de manutenção ou transformação dessa realidade de modo a adequá-la

aos interesses de classe.

Consideramos, no entanto, que possam existir diferentes graus de

transformação, pois até mesmo para a manutenção da consciência social coletiva

hegemônica em determinado momento, quando da instauração de uma crise, são

necessárias mudanças de significados de alguns discursos (e de representações

consecutivamente) para o restabelecimento do equilíbrio entre os interesses dos

diversos grupos sociais. São as possibilidades de ressignificações dos elementos

periféricos de uma representação explicitadas na seção anterior e que, lembrando

Sá (1996), são mecanismos de proteção para a manutenção de seus significados

centrais.

O Coletivo de Autores considera de extrema importância que todo

educador possua esta compreensão sobre a reflexão pedagógica, pois ele precisa

interpretar a realidade para agir sobre ela. Interpretá-la através de seus interesses

de classe, traçando seus objetivos mediante essa interpretação. A opção

consciente dos professores de Educação Física pela adoção da abordagem

crítico-superadora deve ocorrer como resultado dessa reflexão, quando

evidenciada a necessidade de transformação da consciência social coletiva em

busca da hegemonia dos interesses das classes populares.

Nas palavras do Coletivo de Autores:

A expectativa da Educação Física escolar, que tem como objeto a reflexão sobre a cultura corporal, contribui para a afirmação dos interesses de classe das camadas populares, [...] contribui para o desenvolvimento da identidade de classe dos alunos [...] Essa identidade é condição objetiva para construção de sua consciência de classe e para o seu engajamento deliberado na luta organizada pela transformação estrutural da sociedade e pela conquista da hegemonia popular (SOARES et al., 1992, p. 40).

A abordagem crítico-superadora do Coletivo de Autores está claramente

voltada para o que consideram os interesses da classe trabalhadora. Entretanto,

apesar do que possa transparecer, não existe esta polarização entre as

perspectivas de trabalho pedagógico da aptidão física e a da abordagem crítico-

superadora na Educação Física escolar. O próprio texto esclarece que diversas

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outras propostas para a Educação Física já foram formuladas e são aplicadas.

Apesar disso, os autores consideram que estas não foram capazes de suplantar o

lugar da aptidão física como pedagogia hegemônica, além de não almejarem a

transformação da realidade social nos termos pretendidos pelo Coletivo de

Autores.

A abordagem crítico-superadora exige a adoção do que os autores

chamam de currículo ampliado, que se reflete em toda a dinâmica escolar – no

trato com o conhecimento, na organização escolar e na normatização da

instituição – estando ambos, currículo e dinâmica escolar, em compasso com o

projeto político-pedagógico.

Neste currículo ampliado cada disciplina faz parte de um todo, possuindo

a função de expressar uma determinada dimensão da realidade e não sua

totalidade, desenvolvendo nos alunos uma lógica dialética, através da

historicização dos conhecimentos, retraçando-os até sua gênese de forma a

possibilitar sua compreensão e eventual transformação.

É fundamental para essa perspectiva da prática pedagógica da Educação Física o desenvolvimento da noção de historicidade da cultura corporal [...] Todas essas atividades corporais foram construídas em determinadas épocas históricas, como respostas a determinados estímulos, desafios ou necessidades humanas (SOARES et al., 1992, p.39).

Neste cenário, nenhuma disciplina é legítima de forma isolada, pois o

aluno constrói sua compreensão da realidade quando elabora a síntese em seu

pensamento da contribuição de cada disciplina e seus conteúdos culturais, sendo

capaz de constatar, interpretar, compreender e explicar a realidade social e, caso

julgue necessário, lutar pela sua manutenção ou transformação17. Cada disciplina

busca garantir que o aluno se aproprie dos diferentes conteúdos culturais, seja da

cultura matemática, seja da cultura da linguagem, seja da cultura artística, seja da

cultura corporal, entre outras.

Sobre a avaliação do ensino-aprendizagem, o Coletivo de Autores propõe

uma avaliação em totalidade, visando à superação do modelo comumente

utilizado para avaliar a aptidão física. Para os autores, a avaliação destina-se a

verificar a aproximação ou afastamento dos alunos do eixo curricular adotado,

17

No entendimento dos autores está clara a necessidade de superação da realidade social.

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levando-se e m consideração a influência do meio social neste processo.

Considera-se que as crianças chegam às escolas com experiências motoras

características de sua condição de classe. Esta influenciaria decididamente nas

experiências concretas dos alunos com as manifestações da cultura corporal, ao

mesmo tempo em que exerceria pressão na atribuição de significados a estas

experiências. Estes significados são construídos pelos próprios alunos em

interação com o sentido socialmente construído e compartilhado nas classes

sociais. “[...] podemos dizer que os temas da cultura corporal, tratados na escola,

expressam um sentido/significado onde se interpenetram, dialeticamente, a

intencionalidade/objetivos do homem e as intenções/objeivos da sociedade”

(Ibidem, p. 62).

Os procedimentos de avaliação necessitam estar condicionados ao

projeto político-pedagógico18, visando verificar a crescente apropriação do aluno

em relação ao conhecimento trabalhado no processo de ensino-aprendizagem.

Na opinião do Coletivo de Autores, a avaliação no modelo tradicional tem sido

feita para atender a demandas burocráticas ou para selecionar alunos aptos para

competições, referenciando-se apenas na assiduidade às aulas, em medidas

cineantropométricas, em destrezas motoras e nas capacidades físicas.

Acreditamos que estes sejam, basicamente, os pressupostos gerais da

abordagem crítico-superadora proposta pelo Coletivo de Autores. Discorreremos

agora sobre os pressupostos especificamente referentes à dinâmica curricular nos

seus três pilares: trato com o conhecimento, organização escolar e normatização

da escola.

O trato pedagógico do conhecimento na abordagem crítico-superadora

Na concepção do Coletivo de Autores, a Educação Física é uma disciplina

escolar que trata pedagogicamente dos temas da cultura corporal19, sejam eles as

ginásticas, os esportes, os jogos, as danças, as lutas, as acrobacias, as

18

Desde que este projeto esteja de acordo com os interesses da classe popular. 19

No presente texto o termo „Cultural Corporal‟ encontra-se com as iniciais em letras maiúsculas quando se referir à abordagem pedagógica que visamos caracterizar a partir do discurso de professores de Educação Física. O termo „cultural corporal‟, com as iniciais em letras minúsculas, é utilizado como originalmente idealizado pelos seus criadores, o Coletivo de Autores, referindo-se ao conjunto de práticas corporais constituintes de determinada cultura.

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mímicas20 dentre outros, privilegiando sempre aqueles específicos do acervo da

cultura regional do aluno, não obstante, permitindo a ampliação deste mesmo

acervo com a possibilidade de experimentação de manifestações de outras

culturas.

Na perspectiva do currículo ampliado, não basta transmitir aos alunos os

conhecimentos elaborados pela humanidade, mas também fundamentar como

estes foram construídos e sistematizados, refletindo sobre como eles são

utilizados na atualidade e que significados o ser humano atribui a eles. No

entanto, o tempo pedagógico disponível para o processo de ensino-aprendizagem

não é ilimitado. Em decorrência, há que selecionar dentro dos conteúdos culturais

aqueles que serão organizados, sistematizados e transmitidos aos alunos. A

seleção de conteúdos, a amplitude e a qualidade da reflexão sobre eles

dependerão da reflexão pedagógica (diagnóstico, judicação e teleologia) sobre a

consciência coletiva a ser desenvolvida nos alunos.

O Coletivo de Autores elenca seis princípios que norteiam a escolha dos

conteúdos culturais a serem pedagogizados:

Relevância social do conteúdo – é preciso ter um significado social, um

significado para a reflexão sobre a sociedade. Os conteúdos devem

fornecer subsídios para a compreensão dos condicionantes sócio-

históricos e de classe;

Contemporaneidade do conteúdo – conhecimento das teorias e tecnologias

mais modernas desenvolvidas, sem, no entanto, ignorar os conteúdos

clássicos21;

Adequação às possibilidades sócio-cognoscitivas do aluno – que se refere

à adequação dos conteúdos às possibilidades cognitivas e à prática social

do aluno, através do confronto e sobreposição de saberes entre o senso

comum familiar ao aluno e o conhecimento científico construído ao longo

da jornada humana e transmitido pela escola. Não se trata da oposição

20

É interessante notar que na maioria das publicações que versam sobre a cultura corporal, os conhecimentos sobre mímicas e acrobacias não são relacionadas como conteúdos de ensino-aprendizagem. 21

O Coletivo de Autores utiliza-se do termo “clássico” na perspectiva de Saviani (2003). Segundo este autor, o clássico não deve ser confundido com o tradicional, ao tempo em que não nega o moderno, mas sim representa aquilo de fundamental, essencial e atemporal.

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entre cultura erudita e cultura popular, mas de uma relação de continuidade

onde se passa da experiência imediata ao conhecimento sistematizado22.

Simultaneidade dos conteúdos enquanto dados da realidade – princípio

contra o etapismo característico dos currículos conservadores. Em nome

de uma pseudocomplexidade, estabelecem-se pré-requisitos, mas que na

prática são organizados por conteúdos díspares, dificultando o

desenvolvimento de uma visão de totalidade. Na concepção dialética os

conteúdos seriam apresentados simultaneamente, diferenciando-se pelo

grau de complexidade e aprofundamento quando do avanço na

apropriação dos conhecimentos.

Espiralidade da incorporação das referências de pensamento – pautado no

crescente grau de complexidade inerente aos diferentes conteúdos e não

na opção pelo pré-requisito;

Provisoriedade do conhecimento – desenvolvimento da noção de

historicidade e da percepção de sujeito histórico. Ou seja, permitir ao aluno

compreender que a produção humana expressa um determinado momento

histórico, ao tempo em que a apropriação do conhecimento determina a

representação da realidade. Conceber-se enquanto sujeito histórico e

perceber a provisoriedade do conhecimento mobilizam para a superação

da realidade social. Para o Coletivo de Autores, a noção de historicidade é

fundamental na Educação Física, pois permite ao aluno compreender que

o ser humano não nasceu bípede, pulando, arremessando e balançando,

mas que essas posturas e movimentos foram criados e transformados nos

diversos momentos históricos, e podem ser manipulados pelos alunos

dentro de suas necessidades.

Percebemos que o entendimento de cultura para o Coletivo de Autores

está fortemente associado às questões de realização material da humanidade.

Por sua vez, o entendimento da materialidade cultural sobre o corpo, a cultura

corporal, aproxima-se, em alguma medida, da noção de técnicas corporais23 de

Mauss (1974). Existem técnicas corporais para andar, arremessar, saltar e correr 22

Nas palavras de Libâneo, José Carlos. Democratização da escolar pública: a pedagogia crítico-social dos conteúdos. São Paulo: Loyola, 1985. 23

Técnicas corporais é o termo que aglutina “as maneiras como os homens, sociedade por sociedade e de maneira tradicional, sabem servir-se de seus corpos” (MAUSS, 1974, p. 211). São técnicas construídas socialmente e transmitidas às novas gerações enquanto elementos culturais.

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que são particulares de determinados contextos históricos e culturais. Estas

técnicas, enquanto conteúdos da Educação Física, são organizadas na

abordagem crítico-superadora na forma de jogos, esportes, lutas, mímicas,

danças e acrobacias também relacionadas a contextos históricos e culturais.

Esta organização em „atividades corporais institucionalizadas‟, nas

palavras dos autores, é uma estratégia metodológica. Mas a consciência histórica

precisa instigar a criatividade dos alunos para a elaboração de novas atividades

corporais, de forma a serem produtores desta cultura sob diferentes perspectivas

e intencionalidades – lúdico, artístico, agonístico, estético e outros.

No ensino-aprendizagem da Educação Física no modelo da aptidão física,

os conteúdos da cultura corporal são trabalhados na perspectiva de privilegiar o

desenvolvimento do condicionamento físico e do alto rendimento. A tendência

predominante é selecionar para o ensino-aprendizagem os esportes mais

praticados e de prestígio em detrimento de outras manifestações culturais

igualmente importantes e culturalmente significativas para a formação dos

educandos.

A organização escolar na perspectiva crítico-superadora

O Coletivo de Autores orienta-se pela superação do modelo de

organização escolar seriado e etapista em favor de uma organização do

conhecimento baseada em ciclos de escolarização, permitindo o tratamento

simultâneo dos conteúdos escolares, respeitando-se os princípios que regem o

trato com o conhecimento.

Os ciclos de escolarização pressupõem a seguinte organização:

1o ciclo (pré-escola à 3ª série) – organização da identidade dos dados da

realidade – trata-se de uma fase em que, em geral, os alunos encontram-

se em momento de síncrese. Caracteriza-se como um período de

identificação dos dados para formar sistemas de relações. O aluno deve

sair da experiência sensível para a categorização e classificação;

2o ciclo (4ª série à 6ª série) – iniciação à sistematização do conhecimento –

é a fase caracterizada pelo desenvolvimento da consciência das

possibilidades de abstração entre os dados da realidade e sua

representação sobre estes dados;

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3o ciclo (7ª à 8ª série) – ampliação da sistematização do conhecimento –

fase em que se amplia a capacidade de teorização. Reorganizam-se os

dados da realidade através do pensamento teórico;

4o ciclo (ensino médio) – aprofundamento da sistematização do

conhecimento – fase em que se almeja a superação do senso comum em

busca da regularidade dos objetos. Inicia-se o contato do aluno com a

regularidade científica, compreendendo-se como produtor do conhecimento

científico através da atividade de pesquisa.

A normatização da escola na abordagem crítico-superadora

A normatização escolar representa o conjunto de normas, regimentos,

padrões, sistemas de gestão, estrutura de poder, modelos de avaliação, entre

outros aspectos pertencentes à dinâmica escolar.

Sobre a normatização da escola, o Coletivo de Autores apenas tece

crítica ao que considera mais uma conseqüência da eleição da aptidão física

como modelo de trabalho na Educação Física na escola. Em decorrência de

caracterizar-se enquanto uma disciplina dissociada das demais na função de

transmitir aos alunos conteúdos culturais, a Educação Física, para legitimar-se e

manter-se na escola, necessita como nenhuma outra disciplina de um aparato

legal que impõe sua presença na escola, tornando-se ainda optativa para os

alunos do período noturno.

É pela força da lei que a Educação Física permanece na instituição

escolar, porém facultativa no período noturno. Sua inclusão no currículo escolar

não se dá pelo reconhecimento de sua necessidade enquanto disciplina

responsável em transmitir conhecimentos relevantes para a formação cultural e

cidadã dos alunos. O Coletivo de Autores, como já argumentado, acredita na

possibilidade de legitimação da Educação Física na escola a partir da adoção de

sua proposta teórico-metodológica.

Estes são os pressupostos teóricos apresentados pelo Coletivo de

Autores para caracterizar a proposta crítico-superadora. Como apontamos no

início desta seção, os autores orientam sua proposta pedagógica na necessidade

de uma radical transformação da consciência social coletiva hegemônica – ou

seja, na superação da ideologia construída pela classe dominante, e na busca de

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legitimidade da Educação Física enquanto disciplina escolar. No entanto, a partir

das elucubrações teóricas sobre as possibilidades do discurso propostas pelos

autores discutidos anteriormente, partimos da hipótese que no embate entre os

interesses dos diversos grupos sociais, os significados das proposições sofrem

transformações em maior ou menor grau quando da apropriação dos discursos

pelos diferentes grupos. Acreditamos, portanto, na possibilidade de diferentes

atribuições de significados à abordagem crítico-superadora pela interação

dialética entre o significado atribuído pelo indivíduo e seu grupo, e o significado

disseminado na consciência social coletiva.

Existe ainda a possibilidade de que as ressignificações existentes

resultem da adequação do referencial crítico-superador à realidade da ação

pedagógica e exigências decorrentes do projeto político-pedagógico da escola.

Uma vez que a reflexão pedagógica realizada no interior da instituição não

evidencie a necessidade de uma transformação radical da sociedade, ao contrário

do proposto pelo Coletivo de Autores, cabe aos professores de Educação Física

desta escola negar por completo a abordagem crítico-superadora ou transformá-

la, conscientemente ou não, para adequá-la à sua realidade, realizando

deslocamentos de significados? Acreditamos que a resposta está na segunda

assertiva.

No nosso entender, a Educação Física crítico-superadora concebe a

cultura corporal como o conjunto dos elementos ou manifestações culturais a

serem pedagogizados pela Educação Física. Outras perspectivas de Educação

Física podem fazer o mesmo, isto é, trabalhar com elementos selecionados a

partir das manifestações culturais que formam nossa cultura corporal, mas com

intenções pedagógicas completamente diferentes (RESENDE, 2006). Esse é um

dos fatores que evidenciam a possibilidade do discurso dos professores de

Educação Física sobre a denominada abordagem da Cultura Corporal não se

tratar da proposta pedagógica crítico-superadora do Coletivo de Autores.

Ao mesmo tempo, existem outras propostas pedagógicas para a

Educação Física na escola que se aproximam em alguns aspectos conceituais à

crítico-superadora e utilizam termos como „cultura corporal de movimento‟ e

„cultura do movimento humano‟ para identificarem-se. Este pode ser outro fator

causador de deslocamento de significados, pois observamos que muitas vezes

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estes termos são utilizados como sinônimos, em certos momentos remetendo à

perspectiva crítico-superadora do Coletivo de Autores, por vezes identificada

como abordagem da Cultura Corporal, em outros remetendo a outras

perspectivas24.

Ao nível mais individual, o deslocamento de significado pode ocorrer

também quando da apropriação do discurso pelo autor social. Este tentará

adequar, pelo „princípio da ancoragem‟ da Teoria das Representações Sociais, o

novo discurso à sua realidade social. Ao tomar conhecimento da abordagem

crítico-superadora, o professor de Educação Física construirá novos significados

para adequá-la a realidade da sua escola. Principalmente se a instituição não

possuir um projeto político-pedagógico que oriente o trabalho escolar, ou ainda,

se este existir, mas for de encontro aos princípios defendidos pelo Coletivo de

Autores.

24

Atualmente nos textos acadêmicos é utilizado o termo práticas corporais em substituição ao termo cultura corporal para designar os elementos ou manifestações culturais a serem pedagogizados pela Educação Física. Pode tratar-se de uma tentativa de diminuir as confusões conceituais, restringindo o uso do termo cultura corporal como designador da proposta crítico-superadora do Coletivo de Autores. Ver, por exemplo: BRACHT (2005).

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CAPÍTULO III

METODOLOGIA

Propusemos o desenvolvimento de uma pesquisa descritiva de natureza

qualitativa, do tipo exploratório, pois se almejou identificar as características da

denominada abordagem da Cultura Corporal que emergem do discurso de

professores de Educação Física sem, neste primeiro momento, buscar entender

os mecanismos responsáveis pelas ressignificações. Os estudos exploratórios

extraem “generalizações com o propósito de produzir categorias conceituais que

possam vir a ser operacionalizadas em um estudo subseqüente” (MARCONI;

LAKATOS, 2003, p. 188).

Visamos descrever e interpretar os discursos de professores de Educação

Física escolar da rede pública que se auto-identificam com a denominada

abordagem da Cultura Corporal. Para tal intento, selecionamos os integrantes do

grupo amostral por meio de uma técnica não-probabilística, do tipo intencional,

onde os professores foram selecionados pela auto-identificação com tal

„abordagem pedagógica‟, tendo sido o tamanho da amostra determinado pela

técnica de saturação discursiva (BECKER, 1994).

Nossa escolha por esta técnica sustenta-se na premissa de que em uma

pesquisa de caráter qualitativo não é posta em questão o número de informantes,

mas sim a consistência e variabilidade das respostas face às questões

pertinentes ao estudo. Assim, não se busca a validade estatística e sim a

saturação de informações coletadas junto aos sujeitos envolvidos diretamente

com o objeto de estudo.

O instrumento de coleta de dados utilizado foi um roteiro de entrevista

semi-estruturada (Anexo 2), que permitiu ao entrevistador a liberdade de retomar

temas, dirimir dúvidas e utilizar diferentes estratégias para obtenção de

informações dos entrevistados a partir de um roteiro básico comum,

aprofundando-se no tema e explorando as idiossincrasias de cada informante,

sem perder o eixo principal do estudo. Tal roteiro foi elaborado almejando obter

informações relevantes aos eixos temáticos de análise que compõem esta

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pesquisa, determinados a priori, construídos através de um quadro sinótico

(Anexo 1) elaborado a partir dos fundamentos teórico-metodológicos da

abordagem crítico-superadora (SOARES et alii, 1992).

Este roteiro constituiu-se de duas partes, sendo uma de identificação do

informante e outra que permitissem responder aos objetivos e às questões da

presente pesquisa. O roteiro de pesquisa foi submetido a um processo de

validação qualitativa, através de um estudo piloto, para avaliar a clareza das

perguntas, assim como a adequação e consistência das questões

desencadeadoras face ao objetivo e às questões da pesquisa. As perguntas

foram reformuladas até que não houve mais observações por parte dos três

especialistas que desempenharam o papel de validação do instrumento.

Com o propósito de assegurar os preceitos éticos, os informantes foram

previamente informados sobre a natureza e a especificidade da pesquisa, assim

como assinaram um termo de autorização para transcrever e utilizar o conteúdo

das entrevistas no relatório da pesquisa e em futuras publicações, assegurando-

se a preservação do anonimato.

Para o tratamento dos dados foi utilizada a técnica de análise de conteúdo

(BARDIN, 1977) que pode ser descrita como um conjunto de técnicas de análise

ou um único instrumento de análise das comunicações, com diversas formas

adaptáveis aos vários campos de aplicação, tais como a sociologia, filosofia,

psicanálise, pedagogia entre outros.

A análise de conteúdo permite ao pesquisador uma atitude interpretativa

subsidiada por processos técnicos de validação, buscando a superação das

apreensões intuitivas dos significados dos discursos, que podem levar apenas à

apreensão da própria subjetividade, sem, no entanto, cair na armadilha de

considerar o método como um fim em si mesmo, esquecendo da razão de seu

uso (Ibidem).

Do conjunto das técnicas de análise de conteúdo foi utilizada a análise

temática, que consiste em organizar os dados brutos em unidades de registro25 a

partir dos temas, isto é, a partir de idéias, proposições, enunciados, que podem

estar condensados em uma ou várias afirmações em uma frase, um parágrafo ou

25

As unidades de registro, segundo Bardin (1977), são os elementos dos discursos que servirão de base para a análise, podendo ser palavras, frases, personagens, ou no presente caso, as unidades temáticas.

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conjunto de parágrafos (Ibidem). Uma vez selecionadas, as unidades de registro

são delimitadas em categorias estabelecidas a priori ou no decorrer da análise,

sob um título genérico em razão de características comuns a estes elementos.

O critério para a delimitação dos temas é a sua possibilidade de

significação a partir dos objetivos da pesquisa e do referencial teórico que a

sustenta. Nas palavras da autora:

O tema é uma unidade de significação que se liberta naturalmente de um texto analisado segundo certos critérios relativos à teoria que serve de guia à leitura [...] Fazer uma análise temática, consiste em descobrir os “núcleos de sentido” que compõem a comunicação e cuja presença, ou freqüência de aparição podem significar alguma coisa para o objectivo analítico escolhido (BARDIN, 1977, p. 105).

Para a qualidade da análise, a elaboração das categorias necessita

obedecer aos critérios de homogeneidade – cada categoria engloba elementos

afins; exaustividade – as categorias necessitam esgotar a totalidade do texto;

exclusividade – uma mesma unidade de registro não pode constar de duas

categorias; objetividade – codificadores diferentes devem chegar a resultados

iguais; adequação ou pertinência – as categorias são adaptadas e próprias ao

conteúdo e aos objetivos (Ibidem).

Foram realizadas duas perspectivas de análise dos depoimentos dos

professores que compuseram a amostra deste estudo. A primeira, denominada de

análise vertical, destina-se a discutir as informações provenientes de cada

informante, focalizando as marcas caracterizadoras e os argumentos que

justificam sua compreensão e identificação com a abordagem da Cultura

Corporal, tendo como referência os eixos temáticos de análise oriundos do quadro

sinótico (Anexo 1) que serviram de parâmetro para as perguntas que constituíram

o roteiro de entrevista.

Os eixos temáticos de análise são cinco: (a) contextos e mecanismos de

apropriação da denominada abordagem da Cultura Corporal; (b) característica

justificadoras da adoção da denominada abordagem da Cultura Corporal; (c)

objetivos pedagógicos da Educação Física na perspectiva da denominada

abordagem da Cultura Corporal; (d) conteúdos de ensino-aprendizagem da

Educação Física na perspectiva da denominada abordagem da Cultura Corporal;

e (e) avaliação do processo de ensino-aprendizagem da Educação Física na

perspectiva da denominada abordagem da Cultura Corporal. Tais eixos temáticos

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foram estabelecidos a priori a partir do quadro sinótico elaborado sobre as

referências da abordagem crítico-superadora (SOARES, et alii, 1992).

A segunda perspectiva de análise denominamos de análise horizontal,

que consiste na discussão de conjunto do grupo de informantes, também tendo

como referência de análise os mencionados eixos temáticos listados acima,

possibilitando responder as questões a investigar orientadoras desta pesquisa, já

descritas no primeiro capítulo desta dissertação: (i) de que forma os professores

entrevistados se apropriaram da denominada abordagem da Cultura Corporal?;

(ii) que argumentos os professores entrevistados utilizam para justificar sua

identificação à denominada abordagem da Cultura Corporal?; e (iii) que

características da denominada abordagem da Cultura Corporal emergem a partir

dos discursos dos professores entrevistados?

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CAPÍTULO IV

APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

O presente capítulo tem como objetivo apresentar a análise de conteúdo

das informações prestadas pelos professores de Educação Física que

constituíram a amostra deste estudo. Cabe reforçar que fizeram parte da amostra

professores que declararam sua identificação com uma abordagem pedagógica

denominada de Cultura Corporal, não necessariamente vinculada à perspectiva

teórico-metodológica desenvolvida pelo Coletivo de Autores (SOARES et al.,

1992) denominada de crítico-superadora, a partir da qual foi cunhada o termo

cultural corporal.

Análise vertical

Informante 1 (Prof.1):

O primeiro informante (Prof.1) formou-se em Educação Física pela

Universidade Castelo Branco em 1998. Possui especialização em

psicomotricidade pela Universidade Cândido Mendes e concluiu em 2007 o curso

de mestrado em Educação Física da Universidade Gama Filho. É professor de

Educação Física da rede municipal do Rio de Janeiro, além de atuar no ensino

superior.

Prof.1 conheceu a denominada proposta pedagógica da Cultura Corporal

por meio dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN‟s) para a Educação Física,

sendo a única literatura mencionada pelo informante. A apropriação da referida

proposta pedagógica também se deu por meio de cursos de formação

extracurricular e de formação continuada. Não houve nenhuma menção à

graduação como possibilitadora deste contato, apesar do informante em questão

ter concluído seu curso de formação em Educação Física em 1998, seis anos

após a publicação da obra do Coletivo de Autores, que como vimos, divulgou a

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proposta pedagógica para a Educação Física denominada de crítico-superadora,

a qual cunhou e deu visibilidade ao termo cultura corporal.

Ao ser questionado sobre as características da proposta da Cultura

Corporal que o fizeram adotá-la como perspectiva teórico-metodológica para sua

ação pedagógica em Educação Física, Prof.1 elencou três aspectos: (1) a

atenção desta proposta às experiências culturais do cotidiano dos alunos; (2) seu

ajustamento à função social da escola; e (3) sua maior adequação às crianças do

segundo ciclo de escolarização.

O primeiro ponto refere-se à valorização ou resgate do que Prof.1

denomina de bagagem cultural dos alunos – práticas motoras construídas,

reproduzidas e transformadas pelos alunos em seu próprio cotidiano. Indicando

seguir o caminho oposto ao modelo de Educação Física tradicional, o qual explora

como conteúdos de ensino-aprendizagem apenas os esportes clássicos e de

maior destaque midiático, Prof.1, a partir da proposta da Cultura Corporal,

incorporaria em seus conteúdos de aula as práticas corporais do cotidiano dos

alunos, sejam elas quais fossem, num esforço de propiciar vivências e reflexões

sobre estas práticas.

[...] dentro das nossas aulas de Educação Física tentar aprimorar, trabalhar, explicar pra ele que [estas práticas corporais do cotidiano] são conteúdos das aulas de Educação Física. (Prof.1, questão 2.1).

Peguei atividades e brincadeiras que eles brincam na casa deles, na rua, no caso no morro, e eles trouxeram para mim jogos sensacionais que eu nunca tinha ouvido falar, tinham até nome e eles descreveram esses jogos. Então eu trabalho muito com o que eles trazem, a bagagem cultural dos alunos. (Prof.1, questão 4.4).

A segunda característica da proposta da Cultura Corporal refere-se ao

seu ajustamento à função social da escola, qual seja preparar os alunos para

exercerem suas funções sociais. Em seu discurso, Prof.1 coloca que a função da

Educação Física enquanto componente curricular não é apenas desenvolver as

capacidades físicas dos alunos, mas ir além, preparando-os para integrarem-se

na sociedade em que vivem através da assimilação de seus valores,

comportamentos, atitudes. Possuir um comportamento dentro dos padrões sociais

seria uma função social de cada indivíduo, constituindo-se um dos elementos da

cidadania, embora Prof.1 não tenha conseguido justificar sua concepção de

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cidadania. As aulas de Educação Física, então, possibilitariam ensinar aos alunos

os padrões de comportamentos sociais vinculados às práticas corporais e alguns

mais gerais, como o atendimento às regras sociais estabelecidas.

[...] a função da escola é preparar o aluno para que ele venha mais tarde poder exercer, realmente, a sua cidadania plena, né, e eu acho que o papel da Educação Física não é somente desenvolver através das atividades esportivas, mas é preparar esse aluno, também, para mais tarde ele poder exercer suas funções, saber que as regras que ele aprende nos jogos, ele poder saber que na vida existem regras, existe a ética, dos valores que ele tem que respeitar. Eu acho que a partir do esporte, a partir da dança, a partir dos jogos ele vai compreender melhor isso. (Prof.1, questão 2.2).

A terceira característica que motiva a adoção da proposta da Cultura

Corporal por Prof.1 é sua melhor adequação aos alunos do segundo ciclo de

escolarização, 3ª e 4ª sérias na divisão sugeridas pelos PCN's, atuais 4ª e 5ª

séries, com o qual Prof.1 trabalha, além das turmas de progressão e especiais.

Embora não seja especificado diretamente por Prof.1, o trabalho de valorização

das práticas corporais do cotidiano dos alunos visando à construção de

comportamentos socialmente valorizados, característica de sua concepção da

proposta da Cultura Corporal, seria mais apropriado para os alunos a partir desta

faixa etária (de nove anos de idade em diante).

E no caso, eu tenho e tento adequar as minhas atividades dentro da Cultura Corporal que eu acho que tem mais haver, ainda mais que eu trabalho, agora eu não trabalho com terceira, mas eu trabalho com quarta, turma de progressão e ensino especial. (Prof.1, questão 3.3.3). (grifo nosso).

Sendo a Educação Física uma disciplina escolar historicamente

influenciada por crises de identidade pedagógica, possuindo diversas proposta de

intervenção balizada por diferentes aportes teóricos, é comum ouvirmos que para

alunos de idades mais baixas, as propostas de desenvolvimento motor e/ou de

educação psicomotora e, ainda, a simples recreação sejam os objetivos da

Educação Física, independente da proposta identificada como mais adequada.

Mesmo adeptos de outras propostas para a Educação Física, alguns professores

parecem entender que até certa idade, principalmente na Educação Física infantil,

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o desenvolvimento de habilidades é a única razão de ser da Educação Física,

podendo ser trabalhados outras dimensões das práticas corporais, como o

resgate das atividades do cotidiano, apenas a partir de certa idade. O discurso de

Prof.1 parece estar influenciado por esta perspectiva, pois enfatiza que a Cultura

Corporal adequa-se melhor agora que não trabalha com turmas de terceira série,

mas com de quarta série.

Quanto aos objetivos da Educação Física vinculados à proposta da

Cultura Corporal, Prof.1 cita, além da vivência e reflexão sobre as práticas

corporais do cotidiano e do desenvolvimento de comportamentos socialmente

positivos – que pode ser identificado como a consciência social coletiva que

deseja construir -, o desenvolvimento contínuo das habilidades motoras dos

alunos e a compreensão da relação entre atividade física e saúde. O destaque em

relação ao discurso sobre o desenvolvimento das habilidades motoras é que,

mesmo identificando-se com uma proposta aparentemente orientada para um

entendimento da Educação Física que rompe com a velha dicotomia corpo e

mente, ao contrário, Prof.1 reforça esta divisão ao afirmar que à Educação Física

cabe o desenvolvimento motor dos alunos, através das práticas corporais do

cotidiano, enquanto que às demais disciplinas competem o desenvolvimento

intelectual.. Sendo assim, as práticas corporais do cotidiano, relacionadas com a

cultura do aluno, opostamente ao que poderia parecer, possuem mais a função de

meios para o desenvolvimento de habilidades motoras do que conteúdos de

ensino-aprendizagem, como na proposta crítico-superadora.

[...] na aula de Educação Física, ele [o aluno] consegue aprimorar as habilidades motoras, correr, saltar, ele consegue se desenvolver bem no esporte, mas ele não consegue ter o domínio da leitura e da escrita, entendeu? Então, assim, pela minha vertente da psicomotricidade, acho que faltou estar desenvolvendo bem o lado mental também [nas outras disciplinas], porque não adianta eu estar na minha aula de Educação Física, o garoto estar conseguindo ter o desenvolvimento motor e esquecer do mental. (Prof.1, questão 5.3)

Quanto à relação entre a prática de atividades físicas e a saúde, Prof.1

faz críticas ao que considera um equívoco da área - a não consideração desta

relação como algo a ser pedagogizado nas aulas de educação física. Para ele, a

Educação Física deve possibilitar a reflexão e o posicionamento dos alunos

acerca das influências positivas e negativas entre as práticas de atividades físicas

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e a manutenção de hábitos saudáveis. Entretanto, não nos parece haver na

literatura da área a proposta de que a relação entre as práticas corporais e a

saúde seja abolida das aulas de Educação Física. O que há é o questionamento

das ações pedagógicas voltadas para a melhoria da aptidão física através da

prática de atividades corporais, quando este é assumido como objetivo da

Educação Física, ao invés da Promoção da Saúde (FARINATTI; FERREIRA,

2002). Sendo assim, Prof.1 critica aqueles que agem justamente como ele, não

evidenciando que o questionamento não está na inclusão ou não da relação

práticas corporais/saúde como conteúdo de ensino, mas sim na orientação da

Educação Física como promotora da melhoria da aptidão física dos alunos, ao

invés de uma disciplina indicada para tematizar pedagogicamente o movimento

de Promoção da Saúde.

Acredito também que ele tenha que aprender os esportes, aprender que existe a dança, que existe a ginástica como modalidade, que é importante para a saúde deles, acho também que a gente fechar isso, a atividade física não é importante para a saúde, é importante para a saúde sim, a gente contextualizar com eles porque a pessoa que faz atividade física tem a vida saudável, porque o cara que joga futebol tem uma vida saudável, enfim. (Prof.1, questão 4.5). (grifo nosso).

Em relação aos conteúdos de ensino-aprendizagem, Prof.1 identifica as

diversas práticas corporais do cotidiano dos alunos, hora conferindo a estas

práticas a condição de conteúdos propriamente dito, hora considerando-as como

recursos para o desenvolvimento das habilidades motoras dos alunos e de

comportamentos socialmente valorizados. Além disto, na fala de Prof.1 identifica-

se as três dimensões do conhecimento – conceitual, procedimental e atitudinal

(COLL et alii, 2000). Porém, não nos parece que ele confere as três dimensões a

todos os conteúdos trabalhados. Desta maneira, dependendo do tipo de conteúdo

é possível que seja desenvolvida uma das dimensões descritas. É o caso, por

exemplo, da relação entre atividade física e saúde, contextualizada apenas em

sua dimensão conceitual. Temos também as diversas práticas corporais na forma

de jogos, esportes, danças etc., contempladas apenas nas suas dimensões

procedimentais e atitudinais.

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Bom, além de desenvolver as habilidades motoras, o desenvolvimento motor da criança através do esporte, da luta, da dança, da ginástica, eu acho que é também... Eu vejo muito a questão do atitudinal, vê a relação da criança... O comportamento dela, se eu consigo passar através das minhas aulas alguns valores, o respeito, a questão mesmo emocional, afetividade. (Prof.1, questão 4.2).

Para Prof.1 a seleção das práticas corporais a serem trabalhadas como

conteúdo das aulas de Educação Física dar-se de duas maneiras: (1) através da

identificação das atividades do cotidiano dos alunos, já explorada nos parágrafos

anteriores; e (2) a experiência prévia de Prof.1 com determinadas práticas.

Embora o informante não tenha especificado este critério de forma explícita,

consideramos que sua fala nos permite fazer esta afirmação:

Eu não trabalho a luta propriamente dita porque eu não tenho conhecimento, mas eu trabalho a questão da capoeira que é muito forte na minha escola, né. Eles conhecem e eu tento aprimorar, tento entender como eles jogam a capoeira, mas trabalho os jogos, trabalho a questão do esporte (Prof.1, questão 4.3).

A partir do trecho de fala acima é possível perceber que o conteúdo

lutas26 não é contemplado nas aulas de Prof.1, simplesmente por este não ter tido

experiências prévias com esta manifestação cultural. Apesar de a capoeira ser

considerada por alguns uma luta, esta prática possui elementos que a associam,

talvez até com maior destaque, à dança e ao jogo. Isso e o fato de estar

fortemente presente no cotidiano brasileiro podem ter facilitado sua inserção

como conteúdo de ensino a ser desenvolvido por Prof.1, mesmo ele não tendo

tido contato com esta prática previamente.

Trata-se de um critério de seleção de conteúdos de ensino-aprendizagem

que não nos parece adequado, pois restringe o universo de possibilidades de

práticas corporais apenas àquelas as quais o professor praticou previamente, na

condição ou não de atleta, deixando de lado as práticas corporais do cotidiano

dos alunos e aquelas estranhas a sua cultura, com as quais poderia ser

estabelecido o contato através das aulas de Educação Física, ampliando-se as

vivências com diferentes práticas corporais de outras regiões e outros países. 26

Embora não tenhamos conhecimento de publicações referentes à temática, é comum no meio acadêmico da Educação Física ouvirmos a existência de práticas corporais identificadas como lutas, como artes marciais ou como esportes de combate, dependendo das intenções e significados culturalmente atribuídos pelos praticantes e pela comunidade geral, sendo estas três categorias passíveis de serem trabalhadas pedagogicamente nas aulas de Educação Física.

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O posicionamento de Prof.1 sobre a avaliação da aprendizagem nas

aulas de Educação Física sobre a égide da Cultura Corporal é um tanto confuso.

Primeiramente, o informante afirma não realizar avaliações individuais dos alunos,

mas sim avaliações coletivas, consistindo em uma avaliação da turma. Esta

estratégia de avaliação, possível dependendo das circunstâncias, não nos parece

adequado no caso de Prof.1, pois como vimos, ao longo de seu discurso o que

prevalece como objetivo do ensino de Educação Física é a internalização de

valores socialmente positivos, valorização das práticas corporais do cotidiano e

desenvolvimento das habilidades motoras. Como então, avaliar coletivamente,

como avaliar a turma como um todo, quando os objetivos almejados são

estritamente individuais?

Eu acho que avaliação é muito pessoal. Então eu acabo avaliando com o grosso da turma, eles estão conseguindo acompanhar dentro dos conteúdos, estão conseguindo... E eu avalio a turma. Então não tem uma avaliação específica. (Prof.1, questão 6.1). (grifo nosso).

Outro paradoxo é que, ao ser questionado sobre qual método utiliza para

avaliar, Prof.1 indica, embora seja contra este método, o proposto pela Secretaria

de Educação do Município do Rio de Janeiro, que consiste na atribuição de

conceitos individuais aos alunos, em uma escala do insuficiente ao ótimo. Torna-

se cada vez mais difícil avaliar coletivamente, pois os objetivos propostos e a

estratégia utilizada não o permitem.

Por último, o critério de avaliação para a atribuição de conceitos aos

alunos restringe-se à aquisição dos comportamentos e valores considerados

relevantes socialmente. Portanto, trata-se apenas da dimensão atitudinal dos

conteúdos trabalhados, como a internalização da obediência às regras sociais, da

aquisição de comportamentos de cooperação e atitudes de solidariedade etc..

Então eu acho que eles respeitando os outros mesmo, a questão dos valores que eu sempre friso na minha aula, eles saberem que existem regras, estou trabalhando com eles jogos, então existem regras, não pode burlar as regras, entendeu? A partir dessas questões que eu começo a avaliar a turma, como é que eles estão conseguindo se desenvolver ou não. (Prof.1, questão 6.4)

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Surge outro paradoxo, pois apesar de afirmar ser este o critério de

avaliação, Prof.1 informa não ser possível avaliar se os alunos estão ou não

construindo esta consciência social coletiva.

Eu vejo muito a questão do atitudinal, vê a relação da criança... O comportamento dela, se eu consigo passar através das minhas aulas alguns valores, o respeito, a questão mesmo emocional, afetividade. Claro que a gente não tem como avaliar isso, mas acho que um dos objetivos também é isso. (Prof.1, questão 6.4). (grifo nosso).

Finalizando a apresentação dos dados obtidos através da fala de Prof.1,

podemos afirmar que sua identificação com o que denomina de abordagem da

Cultura Corporal não está associada ao referencial teórico-metodológico

desenvolvido e disseminado pela obra do Coletivo de Autores (SOARES, et alii,

1992). Sua identificação com esta dita abordagem é justificada por uma espécie

de modismo pedagógico; ou seja, as pessoas se apropriam de um termo e dos

fragmentos de seu referencial teórico-metodológico por meio de fontes

secundárias e dos discursos circulantes na área, criando-se uma espécie de

amálgama (CAPARRÓZ, 2001).

Este modismo pode estar associado ao crescente engajamento dos

professores de educação física à tese já difundida na área de diversificação dos

conteúdos de ensino-aprendizagem da educação física, onde as diversas práticas

corporais a serem pedagogizadas nas aulas são selecionadas das manifestações

corporais pertencentes à cultura. Esta cultura das práticas corporais já foi

denominada de cultural corporal, termo também utilizado por muitos para fazer

referência à abordagem crítico-superadora.

No entanto, a relação conteúdos-objetivos ressaltados pelo professor

sugere maior identificação com a abordagem desenvolvimentista em detrimento

da abordagem crítico-superadora, pois as práticas corporais são

pedagogicamente tratadas visando à aquisição das habilidades motoras e o

desenvolvimento afetivo, moral e social dos alunos. A seleção de conteúdos

parece estar sujeita, em alguma medida, aos conhecimentos de domínio do

professor, marginalizando temas da cultura corporal que deveria ser tratados na

Educação Física.

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O objeto de avaliação do ensino-aprendizagem privilegiado parece ficar

restrito às atitudes dos alunos em detrimento das manifestações e expressões da

cultura corporal, o que sugere a descaracterização do objeto de conhecimento e a

própria especificidade da Educação Física na educação escolar.

Informante 2 (Prof.2):

O segundo informante (Prof.2) é formado em Educação Física pela

Escola Superior de Educação Física da Universidade de Pernambuco, tendo

concluído seu curso em 2001. Atualmente é aluno do Curso de Mestrado em

Educação da Universidade Federal Fluminense, na condição de bolsista, não

possuindo atualmente vinculo trabalhista em nenhuma escola. Foi professor da

rede municipal de educação de Recife, além de professor do curso de graduação

em Educação Física da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia.

O contato de Prof.2 com o que denomina abordagem da Cultura Corporal

deu-se ainda na graduação, através da literatura da área, incluindo o livro do

Coletivo de Autores. Ele destaca também a importância da interação com

professores do curso que na época realizavam seus cursos de mestrado e de

doutorado sob orientação de integrantes do Coletivo de Autores.

Bem, inicialmente eu tive contato com a proposta na graduação, junto com outras propostas, né, [...] Coletivo de Autores, alguns artigos que foram decorrentes dessa obra, que se reivindicam da cultura corporal, no caso textos que saíram de dissertações e teses, inclusive na própria graduação eu tive acesso já a esses... Alguns professores que foram orientandos desses professores do Coletivo de Autores e... Foi a partir desses textos e do próprio Coletivo que eu tive acesso à proposta. (Prof.2, questão 1.1).

Segundo Prof.2, as características da denominada abordagem da Cultura

Corporal que justificam a adoção em sua ação pedagógica são a perspectiva

pedagógica de transformação da realidade social e a possibilidade de integração

entre os diversos componentes curriculares da educação básica. Em relação à

perspectiva de transformação da realidade social, Prof.2 afirma que, segundo sua

compreensão sobre a abordagem da Cultura Corporal, os problemas que afligem

a educação brasileira atualmente não são fruto de questões particulares do

processo educacional, mas em decorrência das questões de estruturação e

organização da sociedade brasileira. Sendo assim, a missão da Educação Física

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e da educação básica como um todo é preparar os alunos para atuarem

socialmente em busca da transformação da realidade social, não especificando,

entretanto, que esta transformação vise à instauração do modo de produção

socialista como afirma clara e objetivamente o Coletivo de Autores (SOARES, et

alii, 1992).

Na verdade, eu acredito que a proposta da Cultura Corporal, por estar articulada a uma perspectiva de transformação não só da escola, mas também da sociedade, é a proposta que mais se adequa a realidade hoje que a gente está vivendo. Porque se a gente tem uma perspectiva de manutenção do que está colocado, realmente a proposta do Coletivo de Autores não se adequa, mas se a gente tem uma perspectiva de que os problemas da escola não são só da escola, mas estão situados num contexto social, faz com que a gente utilize a proposta crítico-superadora, no caso a proposta da Cultura Corporal para que a gente possibilite ver a escola inserida nesse contexto social, não isolada dele. (Prof.2, questão 2.1).

Prof.2 sugere que não se justifica a intenções e ações pedagógicas

identificadas com a abordagem crítico-superadora se o professor não está

comprometido com um projeto de transformação da realidade social. Vale

destacar que Prof.2 relaciona diretamente a proposta da Cultura Corporal à

proposta crítico-superado, utilizando os termos como sinônimos. (para mim, ele

não estabelece esta relação de sinônimo – ele estabelece uma vinculação; uma

associação)

Em relação à perspectiva de integração entre os diversos componentes

escolares, a abordagem da Cultura Corporal, na perspectiva de Prof.2, entende

as diversas disciplinas, a partir da sua especificidade, como responsáveis pela

formação do aluno para intervir na sociedade. Esta formação torna-se possível

somente através da sólida articulação entre os diversos componentes curriculares

que compõem a educação básica, garantida através da elaboração de um projeto

político-pedagógico e adequação dos componentes aos princípios deste

documento.

[...] o referencial da Cultura Corporal vai ajudar nessa construção do projeto político-pedagógico porque se preocupa não só com a área da Educação Física, não só com o componente curricular Educação Física, mas como ele se insere na escola e como isso está articulado com a sociedade. (Prof.2, questão 3.4).

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Para Prof.2, o objetivo da Educação Física escolar consiste em garantir a

apropriação dos conhecimentos relativos à cultura corporal27, visando autonomia

perante as diversas práticas corporais que a compõe, como os esportes, os jogos,

as danças, as lutas, as ginásticas etc. A apropriação destes conhecimentos

ocorre por meio, primeiramente, da identificação das práticas corporais enquanto

elementos culturais, acarretando numa transformação do olhar sobre estes

objetos, e, posteriormente, pela sistematização destas práticas corporais,

permitindo aos alunos tornarem-se construtores destas práticas, gerando

autonomia frente a elas.

Eu acho que a finalidade da educação escolar é justamente transmitir todo o legado cultural que a humanidade conseguiu produzir historicamente e, especificamente na Educação Física enquanto componente curricular é de transmitir o legado da cultura corporal, então do que foi produzido historicamente pelo homem no âmbito da cultura corporal. (Prof.2, questão 2.2).

O que a gente perspectiva nas aulas de Educação Física é que os alunos consigam identificar o que são essas práticas, eles consigam compreender e eles consigam sistematizar esse conhecimento acumulado numa perspectiva de estar também sendo... Possibilitando a eles serem produtores desse conhecimento. Então, partindo a identificação até a sistematização desse conhecimento. (Prof.2, questão 4.5).

Os conteúdos de ensino-aprendizagem nas aulas de Educação Física

seriam então as práticas corporais pertencentes à cultura, tanto aquelas

presentes no cotidiano dos alunos, fruto das construções e transformações da

cultura local, quanto àquelas práticas de outras regiões e aquelas denominadas

por Prof.2 de pertencentes à cultura universal. Entretanto, o informante afirma não

ser possível para um professor de Educação Física abarcar em seu programa de

ensino todas as práticas corporais criadas pela humanidade. Sendo assim, é

necessário o estabelecimento de critérios para a seleção dos conteúdos de

ensino-aprendizagem. Os critérios utilizados pelo informante são os mesmos da

proposta crítico-superadora28, tratados no capítulo II deste texto, descritos na obra

27

Neste caso, Prof.2 utiliza o termo „cultural corporal‟ exatamente como ele foi concebido pelo Coletivo de Autores (SOARES et alii, 1992) e como é utilizado pela abordagem crítico-superadora. 28

Os critérios elencados pelo Coletivo de Autores são: Relevância social do conteúdo, contemporaneidade do conteúdo, adequação às possibilidades sócio-cognoscitivas do aluno, simultaneidade dos conteúdos enquanto dados da realidade, espiralidade da incorporação das referências de pensamento e provisoriedade do conhecimento.

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do Coletivo de Autores (SOARES et alii, 1992), preferindo aquelas pertencentes

ao cotidiano dos alunos, embora também busque práticas corporais de outros

contextos culturais como forma de enriquecer as experiências corporais.

No próprio Coletivo de Autores existe um indicativo de como você deve organizar os conteúdos, e aí eu procuro utilizar da teoria e tentar adequar isso à realidade da minha escola, buscando conhecer o que os alunos conhecem acerca da cultura corporal e tentar levar para eles não só o que eles conhecem, mas exatamente buscar trazer novos conhecimentos que estão fora da escola pública para dentro da sala de aula. Então é importante conhecer o que os alunos sabem e também, a partir desses conhecimentos, eles aprofundarem mais o que eles já conhecem e trazer novos conhecimentos da cultura corporal para que sejam aprofundados. (Prof.2, questão 4.4).

O processo de avaliação da aprendizagem dos alunos na proposta da

Cultura Corporal, segundo Prof.2, possui dois objetivos: (1) verificar a

aprendizagem dos conhecimentos relativos às práticas corporais, permitindo ao

aluno refletir sobre a própria construção de autonomia perante estas práticas; e

(2) identificar sucessos e insucessos no processo pedagógico, possibilitando a

reorganização da intervenção do professor nas aulas de Educação Física.

A avaliação tem dois grandes intuitos. Para o professor, ela possibilita estar traçando novos objetivos, para o próprio aluno, de aprendizagem e uma possibilidade de o aluno também, a partir da avaliação feita, ele se auto-avalie. (Prof.2, questão 6.2).

Nesta perspectiva, o processo de avaliação, realizado de forma individual

e coletiva, ocorre no decorrer da disciplina, não havendo momentos específicos

de avaliação, consistindo na observação da participação ou não dos alunos das

atividades, demonstrando atitudes de auto-organização e iniciativa, provenientes

da apropriação dos conhecimentos sobre as práticas corporais.

Participação. Aquela questão que eu já tinha colocado da auto-organização, iniciativa. Então são vários critérios que... Apropriação do conhecimento. São vários critérios que eu utilizo para avaliar. (Prof.2, questão 6.4).

Pelo trecho acima, o primeiro critério de avaliação lembrado por Prof.2

quando argüido foi a participação dos alunos nas atividades. Entendemos a

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questão do „como avaliar‟ como um dos grandes desafios à Educação Física

atualmente, pois apesar de já avançarmos rumo à organização de conteúdos

próprios para este componente curricular, superando a cada dia o problema da

legitimidade frente às demais disciplinas escolares, ainda falta-nos sistematizar

um método de avaliação diferente da atribuição de conceitos ou notas a partir da

simples participação dos alunos das atividades, mas sim pela comprovação da

aprendizagem dos conhecimentos trabalhados nas aulas de Educação Física.

Para Prof.2 o objeto privilegiado para avaliação dos alunos é a

participação nas atividades. Entendemos a questão do „como avaliar‟ como um

dos grandes desafios de todos os componentes curriculares e, especialmente, da

Educação Física. Em que pese os recentes avanços da produção do

conhecimento em relação à definição e sistematização dos conhecimentos e

respectivos conteúdos de ensino-aprendizagem da Educação Física, pouco se

avançou em relação aos métodos, técnicas e procedimentos de avaliação, que

não deve se limitar ao seu caráter somativo de conferir notas ou conceitos

visando à promoção ou não do aluno. Além disso, e via de regra, o objeto de

avaliação costuma se restringir a verificação e juízo de valor acerca de

comportamentos atitudinais. A superação desta limitação e reducionismo passa

pela necessidade de se estabelecer acordos entre os especialistas da Educação

Física com o propósito de definir os conhecimentos de ensino-aprendizagem

específicos da Educação Física que precisam ser apropriados pelos alunos numa

perspectiva crítico-reflexiva e que, portanto, devem se constituir no objeto de

avaliação e ser realizada como um contínuo diagnóstico dos avanços,

dificuldades e problemas de ensino-aprendizagem.

Informante 3 (Prof.3):

O terceiro informante (Prof.3) formou-se em Educação Física no ano de

1981 pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro, possuindo também

graduação em fisioterapia, concluída em 1990. Após sua formação inicial em

Educação Física, realizou dois cursos de especialização na área: o primeiro em

técnica desportiva, no ano de 1982, logo após seu egresso do curso de Educação

Física; e o segundo em Educação Física escolar pela Universidade Federal

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Fluminense, concluído em 1999, curso citado por alguns dos informantes como

possibilitador do contato com a abordagem da Cultura Corporal.

Atua profissionalmente tanto em Educação Física quanto em Fisioterapia.

Na Educação Física trabalha unicamente em uma escola de nível médio da rede

estadual de ensino na cidade do Rio de Janeiro.

Seu contato com a denominada abordagem da Cultura Corporal ocorreu,

inicialmente, entre os anos de 1998 e 1999, por meio da interação com outros

professores de Educação Física da escola de nível médio onde leciona. Na época

estes colegas cursavam especialização em Educação Física escolar promovido

pela Universidade Federal Fluminense (UFF), onde foram apresentados à

abordagem da Cultura Corporal29. Estes professores traziam os fundamentos e as

discussões desenvolvidos no referido curso de especialização para serem

debatidos na escola entre eles e com os demais professores visando construir um

projeto pedagógico e orientar a prática pedagógica dos professores de Educação

Física da escola.

Uma vez identificado com este novo referencial, e desejoso de adotá-lo

como orientador da sua intervenção pedagógica nas aulas de Educação Física, é

que Prof.3 iniciou em 2000 a mesma especialização na Universidade Federal

Fluminense.

Em 98 e 99, a partir da entrada de dois professores no curso da UFF, especialização, a gente tomou contato com outras atividades de Educação Física [...] teve contato com a proposta da Cultura Corporal. Começou a implementar sem uma fundamentação, a princípio, muito trazido pelo que a Roberta e o Carlos

30 traziam no discurso e a partir de

2000, então, fazendo o curso na UFF, a gente trouxe um trabalho mais fundamentado e começou a trabalhar sobre essa perspectiva. (Prof.3, questão 1.1).

No seu depoimento, Prof.3 alegou que sua identificação com a

abordagem da Cultura Corporal se deu pela possibilidade de superação do

modelo tradicional da Educação Física. Tendo se formado em 1981, momento

anterior ao ápice da discussão ocorrida na década de 80, Prof.3 afirma que sua

graduação o preparou para um trabalho técnico, voltado unicamente para a

29

Não se pode afirmar se este curso, na época, divulgava uma abordagem da Cultura Corporal ou a proposta crítico-superadora decorrente dos trabalhos do Coletivo de Autores (SOARES et alii, 1992). 30

Os nomes verdadeiros dos professores foram substituídos por nomes fictícios.

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prática esportiva. Esta tendência foi reforçada ao ingressar na escola e observar a

ação pedagógica dos professores veteranos, compatível com o visto durante a

graduação. Entretanto, Prof.3 afirma que se sentira incomodado com aquela

prática, embora até seu contato com a abordagem da Cultura Corporal não

vislumbrasse uma possibilidade diferenciada.

[...] na graduação a gente era muito tecnicista. A graduação era desportivizante, você trabalha handebol, basquete, muito fundamento, muito treinamento desportivo. Então, quando eu cheguei na escola eu continuava trabalhando aquilo, apesar daquilo não satisfazer as minhas propostas. Eu não sabia exatamente o que eu poderia trabalhar diferente, né. Eu sabia que alguma coisa estava faltando no meu trabalho. Reproduzia aquilo porque aprendi daquela forma. Cheguei na escola e vi os professores trabalhando da mesma forma, só que eu achava que faltava alguma coisa. Como essa angústia, foi até bom porque aquilo que me fez correr atrás, pesquisar e ter esse contato com a Cultura Corporal. Então, essa angústia que eu sentia foi aquela coisa que me impulsionou a buscar formas novas de trabalhar. (Prof.3, questão 1.1).

A proposta da Cultura Corporal apareceu como uma possível solução

para „sua angústia‟ na medida em que propiciava a possibilidade de

desenvolvimento de postura crítica nos alunos frente às práticas corporais, ao

mesmo tempo em que conferia atenção às experiências culturais – práticas

corporais - do cotidiano dos alunos. Para Prof.3, a adoção da Cultura Corporal

permitiu que os alunos refletissem sobre as práticas corporais vividas no

cotidiano, as quais se tornaram objetos de estudo das aulas de Educação Física,

e não apenas as técnicas dos esportes de maior destaque. Esta reflexão dos

alunos deve, inclusive, ser estendida à ação pedagógica do professor, o qual

deve refletir e reorientar seu trabalho levando em consideração as demandas

evocadas pelos alunos.

[...] eu achava que o aluno tinha muito mais a me dizer do que aquilo que eu fazia... Que era efetivamente... Pudesse estar na aula de Educação Física realizando. Então, na verdade ele reproduzia aquilo que eu passava para ele. Então, eu achava que o aluno tinha alguma coisa para trazer. O que o aluno trazia de formação, de experiência era importante. [...] Então, quando tive contato com a Cultura Corporal, eu vi exatamente a Cultura Corporal me permitia ir ao encontro do aluno e aproveitar aquilo que ele tinha como experiência anterior. (Prof.3, questão 2.1).

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Entretanto, Prof.3 afirma que a dita abordagem da Cultura Corporal não é

capaz de suprir todas as necessidades da ação pedagógica em Educação Física,

necessitando adaptá-la às exigências específicas da sua escola, atentando para

os pontos aproveitáveis das demais propostas para a Educação Física, pois para

ele a simples adoção, desprovida da devida reflexão, de um novo referencial

teórico-metodológico significaria repetir os erros do modelo tradicional de

Educação Física.

[...] no início eu tava fazendo, tava caindo no mesmo erro que eu tinha nas outras teorias, né, a desportivizante por exemplo, eu fazia aquilo em cima dos fundamentos, na Cultura Corporal eu tava vendo que muitas das vezes eu tava fazendo um trabalho sem ta mesclando aquilo que eu tinha também de importante. Que eu tenho uma crítica a algumas teorias, mas, na verdade, você aproveita alguma coisa disso. Então, eu estava reproduzindo a Cultura Corporal no início fazendo exatamente o que os autores propunham, né [...] o que eu vejo de errado é que você acaba também reproduzindo aquilo exatamente ao pé da letra como os autores, os proponentes daquela teoria vinham fazendo. (Prof.3, questão 2.2).

A partir deste entendimento e da adoção da Cultura Corporal, os objetivos

da Educação Física para Prof.3 consistem no desenvolvimento de postura crítica

e autônoma nos alunos em relação às práticas corporais e no desenvolvimento de

valores socialmente positivos, identificados pelo informante como relacionados à

cidadania. Assim, a postura crítica decorre das análises feitas pelos alunos em

relação às próprias práticas e às práticas de seus professores, enquanto que a

autonomia, fruto também desta reflexão, decorre do acúmulo de conhecimentos

necessários à elaboração de competências para a vivência das diversas

manifestações da cultura relacionadas ao corpo e ao movimento e para a

utilização de serviços relacionados às práticas corporais, identificando aqueles

adequados aos seus interesses e necessidades.

Então, os objetivos é que esse aluno possa no final do ano ele possa o que, reformular junto com a gente, avaliando o que ele construiu junto e o que ele perdeu. [...] o aluno ao longo do bimestre entendendo que ele pode... Atividade física escolar ele pode estar fazendo de uma forma que ao longo da vida dele ele tenha um conhecimento necessário para estar formulando questões... Primeiro é identificar o que é importante de atividade para ele. Se ele tem condições de ir a uma academia, por exemplo, ele vai saber que naquela academia a atividade que está sendo realizada lá é uma atividade correta ou incorreta para o que ele está se propondo. O que ele vai buscar nessa academia, né, entender qual é a necessidade dele no dia-a-dia. (Prof.3, questão 4.2 e 4.4).

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O desenvolvimento de valores socialmente positivos, relacionados ao que

Prof.3 identifica como cidadania, refere-se à assimilação da importância do

respeito às regras civilizatórias para o convívio social e, especificamente, para a

organização das diversas atividades corporais, embora Prof.3 afirme que estas

regras possam e devam ser transformadas quando interessante aos praticantes

das atividades; e à aquisição de comportamento de respeito às potencialidades e

limitações dos demais indivíduos; além de atitudes de cooperação na vivência das

diversas práticas corporais, as quais devam ser levadas às demais situações

sociais.

Um cidadão... Você tem que ter regras, mas você pode interferir nessas regras [...] saber a regra é importante para iniciar a atividade, respeitar a regra é importante para a convivência geral, mas respeitar a regra do desporto, para ele, em termos de atividade física, não é tão importante, então ele pode interferir nesse saber, na mudança dessas regras, na contestação dessas regras é importante, porque se torna um cidadão enquanto uma pessoa crítica [...] entender que ele é um ator ativo nesse processo, ele pode interferir o tempo todo, que ele pode estar sugerindo, ele pode estar formulando, o formular as regras, formular as atividades, discutir a importância das atividades, discutir o seu papel enquanto aluno, o papel do professor, o papel da escola [...]. (Prof.3, questão 4.5).

Referente aos conteúdos de ensino-aprendizagem das aulas de

Educação Física sob o referencial da Cultura Corporal, Prof.3 volta a enfatizar a

participação e o respeito às regras sociais, já mencionados como objetivos, agora

caracterizados como conteúdos a serem desenvolvidos nas aulas. Algumas

práticas corporais como danças, corridas de orientação e jogos são mencionados,

assim como alguns conhecimentos necessários para o que seria um

"envelhecimento saudável". Porém, a participação enquanto uma atitude ou valor

a ser desenvolvido a partir dos conteúdos de ensino-aprendizagem próprios da

Educação Física, no discurso de Prof.3 passa a ser o próprio conteúdo, assim

como o respeito às regras.

Prof.3 justifica esta posição ao afirmar que nas aulas de Educação Física

não deve existir uma relação de conteúdos (práticas corporais) a serem

estudados pelos alunos. Os conteúdos devem emergir das discussões

provenientes da participação dos alunos no planejamento das aulas, sendo a

postura participativa o conhecimento ou valor a ser desenvolvido nas aulas.

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O que eu quero na Educação Física: que meu aluno seja participativo, um aluno crítico, seja capaz de esta discutindo comigo a reformulação do programa, estar sendo capaz de discutir, estar sendo capaz de ao longo daquele planejamento, daquele bimestre, estar contribuindo para que a gente possa esta reformulando aquele bimestre [...] Conteúdo para a Educação Física, a gente não tem uma preocupação assim como as demais disciplinas de seguir a risca o programa, por que, porque esse programa muitas vezes não está pronto. O aluno pouco interfere nas disciplinas nesse programa, o que eu acho errado. [...] Então os conteúdos que a gente tem no dia-a-dia o aluno vai estar contestando [...] Então, o conteúdo mais importante que eu tenho na Educação Física é a participação. (Prof.3, questão 4.2).

Sob a influência do que denomina de abordagem da Cultura Corporal,

Prof.3 adota como objetivo da avaliação da aprendizagem dos alunos a

verificação do nível de participação dos alunos nas aulas de Educação Física, não

se preocupando com o rendimento motor ou com a aptidão física dos alunos.

Assim, o principal critério de avaliação é o engajamento dos alunos nas atividades

propostas, sendo utilizado para conferir nota ou conceito ao aluno, feito

diariamente, além de trabalhos esporádicos de pesquisa sobre temas

relacionados a determinadas práticas corporais e de construção de atividades.

Como mencionado anteriormente, esta participação consiste na disposição em

participar das atividades propostas nas aulas, assumindo uma postura crítica

sobre elas, transformando-as e propondo modificações nos conteúdos e métodos

das aulas. Por último, Prof.3 afirma não concordar com a atribuição de notas aos

alunos, consistindo unicamente em uma exigência burocrática dos órgãos

normatizadores da educação.

[...] a gente avalia principalmente a participação do aluno, né. Isso não quer dizer que a gente não possa fazer uma avaliação teórica. Tranquilamente. Mas a gente passa para os alunos no início do ano que eles vão ser avaliados no dia-a-dia. A avaliação deles é diária. Então estar aqui na aula, ele já está sendo avaliado. Como eu falei, a burocracia da escola, né, administrativa do Estado, da educação de uma forma geral pede que você no final de cada bimestre dê uma nota para o aluno. Então o que a gente faz com o aluno é o seguinte, a gente conversa com ele, no início do ano, que ele vai estar sendo avaliado a cada dia. Toda vez que ele entrar aqui na aula, cada dia que ele vier aqui ele ta sendo, pela participação dele, ele ta ganhando uma nota. (Prof.3, questão 6.1).

A partir do exposto podemos afirmar que a abordagem da Cultura

Corporal na óptica de Prof.3 não possui significativas convergências com a

proposta crítico-superadora do Coletivo de Autores (SOARES et alii, 1992). Os

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únicos pontos de semelhança referem-se à aspiração, manifestada por Prof.3, de

superação do modelo tradicional de aulas de educação física, com sua ênfase no

desempenho físico-esportivo; e à adoção das práticas corporais do cotidiano dos

alunos como conteúdos de ensino-aprendizagem da educação física.

Entretanto, as práticas corporais do cotidiano dos alunos emergem na fala

de Prof.3, quando da descrição de sua ação pedagógica, não como

conhecimentos a serem transmitidos aos alunos, mas como recursos

metodológicos para a concretização dos objetivos definidos para as aulas de

educação física sob o referencial da abordagem da Cultura Corporal: o

desenvolvimento de valores socialmente positivos. Tais valores referem-se à

interiorização do respeito às regras civilizatórias como condição de cidadania.

A apropriação destes valores é alcançada pelo fomento à participação

dos alunos na construção e concretização das atividades de aula, estas baseadas

nas práticas corporais do cotidiano, embora não constituam conteúdos de ensino-

aprendizagem.

O processo de avaliação da aprendizagem, a exemplo dos demais

informantes da pesquisa, permanece problemático no discurso de Prof.3, pois

elege como critérios de avaliação a participação dos alunos nas atividades, não

se preocupando com a assimilação ou não pelos alunos de conhecimentos

necessários para a construção de uma autonomia frente às práticas corporais, o

que é sugerido por Prof.3 como objetivo da educação física, indicando incoerência

entre os objetivos propostos e os métodos de avaliação.

Informante 4 (Prof.4):

O Prof.4 formou-se em Educação Física na Universidade Federal do Rio

de Janeiro, no ano de 1997. Trabalha com a Educação Física na escola na rede

de ensino público do município de Alcântara (RJ) desde o ano de sua formação

até 2005, quando foi transferido para atual escola estadual na cidade do Rio de

Janeiro. Não possui cursos de pós-graduação. Atualmente, além da escola

estadual, trabalha com o ensino superior na condição de professor preceptor de

estágio31.

31

Algumas instituições privadas de ensino superior da cidade do Rio de Janeiro utilizam o professor preceptor de estágio para auxiliar os professores das disciplinas de estágio

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O contato do Prof.4 com a denominada proposta pedagógica da Cultura

Corporal ocorreu em 2005, na ocasião de sua chegada à escola da rede estadual

de ensino da cidade do Rio de Janeiro na qual trabalha. Mesmo concluído sua

graduação em 1997 e tendo trabalhado com a Educação Física em escolas da

rede pública desde então, foi somente através dos professores da atual escola

que o Prof.4 conheceu tal proposta, pois já a adotavam como referencial teórico-

metodológico para o ensino de Educação Física.

Entretanto, o Prof.4 indica que sua adesão a esta proposta foi decisão

individual, pois afirma haver outros professores que não comungam com a

maioria, não atendendo às diretrizes do projeto político-pedagógico da escola,

utilizando outros referenciais teórico-metodológicos para nortear suas ações

pedagógicas. Sendo assim, ao ingressar na escola o Prof.4 teve liberdade de

escolher sob qual referencial trabalharia.

Desta forma, as características da Cultura Corporal que levaram o Prof.4

a escolhê-la como referencial pedagógico foram duas: (1) a possibilidade de não-

exclusão32 dos alunos das aulas de Educação Física; e (2) possibilidade de

ampliação das vivências dos alunos com as práticas corporais.

A não-exclusão dos alunos seria proporcionada pela Cultura Corporal

através da superação do modelo tradicional de Educação Física, com o qual o

Prof.4 trabalhava antes de ingressar na escola, sendo em sua opinião excludente

por princípio uma vez que o trabalho pedagógico da Educação Física dar-se pela

óptica do rendimento físico-esportivo, o que acarreta na exclusão de parte dos

alunos das aulas.

[A Cultura Corporal] dá mais chance às pessoas é... Poderem participar mais da aula. Um exemplo, você coloca aquela coisa básica do futsal, um exemplo, coloca aquela coisa básica do futsal é... Nem todo mundo vai participar. Vai ter sempre aquelas pessoas excluídas, tá. Com a cultura corporal você pode colocar é... Vários elementos que possibilitem essas pessoas participar. Tu pode usar, como a gente fez, não sei se te falaram aí, esse ano, a dança, a apresentação de dança, são vários elementos que a gente pode usar da dança em outros esportes, fazer essa união que nunca é feita. (Prof.4, questão 2.1).

supervisionado em Educação Física no acompanhamento dos alunos durante suas observações e intervenções nas escolas da rede pública, visto o grande número de alunos nestas IES. 32

O termo utilizado pelo informante foi "integração". No entanto, consideramos que tal termo remete a séries de questões complexas que vão além da preocupação de que todos os alunos participem das atividades. Para, além disto, "integração", nos remete à "inclusão", que perpassa pela inclusão de pessoas portadoras de necessidades especiais, dentre outras questões.

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Pelo fragmento de fala acima identificamos que a superação do modelo

tradicional da Educação Física adviria da possibilidade de transformação das

atividades de aula, adequando-as de maneira que a participação de todos os

alunos seja garantida, o que na opinião do Prof.4 não era possível ser feito na

Educação Física tradicional, uma vez que os conteúdos tratados eram apenas

"aquelas coisas básicas" dos esportes. Entretanto, as críticas feitas na área a tal

modelo não se restringem a este aspecto, uma vez que uma aula sob a égide do

modelo tradicional pode, sim, preocupar-se com a participação de todos os

alunos.

A ampliação das vivências dos alunos com as diversas práticas corporais

torna-se, no discurso do Prof.4, ao mesmo tempo uma característica promovedora

de identificação com a abordagem da Cultura Corporal e objetivo das aulas de

Educação Física. Para este informante não se trata de resgatar/valorizar as

práticas corporais do cotidiano, mas sim de ampliar as vivências dos alunos, em

oposição à ênfase exacerbada ao conteúdo esporte. Percebe-se uma tentativa de

valorizar a diversidade, de certa forma, aumentando o número de pessoas que

usufruam a prática de atividades físicas pelo aumento das possibilidades de

práticas corporais.

[A Cultura Corporal] Dá mais vivência pro aluno, não exclui o aluno, possibilita novas experiências para o aluno. Como acabei de falar, o negócio da dança, qual é a possibilidade de uma turma criar uma coreografia numa aula de Educação Física? Quase nenhuma. É a mesma coisa que numa aula de biologia criar uma experiência. É... Abrir um leque de opções para a turma. (Prof.4, questão 2.2).

Outro objetivo estabelecido pela abordagem da Cultura Corporal no

discurso do Prof.4 é a construção de autonomia nos alunos frente às práticas

corporais, através de atitudes de liderança e organização. Neste sentido, o Prof.4

descreve conhecimentos de ordem conceitual, procedimental e atitudinal que

garantiriam esta autonomia. Os de ordem conceitual restringem-se ao

conhecimento da importância da prática de atividades físicas para saúde e, da

mesma forma, da importância de atividades de aquecimento antes destas práticas

e do controle da freqüência cardíaca. Os conhecimentos de ordem procedimental

referem-se à vivência mais ampla possível de diferentes práticas corporais,

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oportunizando aos alunos modificarem as atividades de forma a que todos

participem. Os conhecimentos de ordem atitudinal surgem superficialmente,

quando o Prof.4 comenta da importância da organização e da liderança, objetos

de avaliação em suas aulas, como veremos mais à frente, sem, no entanto,

descrever como ele tenta desenvolvê-los junto aos alunos.

Primeiro bimestre foi a... Condicionamento físico, dando essa noção pra eles de qual a importância de se fazer um alongamento, aquecimento e verificação de freqüência cardíaca para eles terem a noção é... Que possibilitem a ele evitar de correr algum risco [...] E esse último está sendo dividido entre handebol e vôlei. É claro que tudo modificado. Primeiro, como nós fizemos no vôlei, fizemos no vôlei e estamos fazendo no handebol, a gente coloca o jogo com suas regras oficiais, então no vôlei não pode tocar na rede, saque, aquelas coisas todas e a partir desse momento a gente pergunta para a turma quais as mudanças que elas acham que poderiam ser feitas para tornar o jogo mais vivo, ta. Então no vôlei teve sete ou oito modificações assim. (Prof.4, questão 4.3).

Desta maneira, os conteúdos trabalhados pelo Prof.4 nas aulas de

Educação Física são as diversas práticas corporais e saberes sobre o corpo e

saúde. Os critérios utilizados pelo informante para a seleção dos conteúdos são:

(1) a infra-estrutura e material da escola, tanto inibindo a realização de certas

atividades, como as aquáticas, como possibilitando a vivência de práticas

corporais ainda pouco divulgadas, como a corrida de orientação, feita numa

pequena mata vizinha à escola; (2) a possibilidade de ampliação de vivências,

utilizando-se de práticas corporais pouco experimentadas pelos alunos; e (3) a

expectativa dos próprios alunos, onde estes participam da decisão de quais

práticas corporais serão trabalhadas durante as aulas.

O espaço da escola, o material da escola, a vivência que a gente pode dar com esse instrumento, lembrando, claro, não é aquela coisa tradicional dos esportes. É... A expectativa também do aluno. O aluno também quer jogar uma bola, quer fazer... Fazer essa atividade. (Prof.4, questão 4.4).

Segundo o Prof.4, a avaliação da aprendizagem tem por objetivo a

legitimação da Educação Física junto às demais disciplinas, através da coerção.

Em momento algum do discurso do informante a avaliação destina-se a verificar o

grau de aprendizagem dos conteúdos trabalhados pelos alunos. Ao contrário,

representa uma estratégia de punição, através da possibilidade de reprovação,

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objetivando que os alunos dêem à Educação Física a mesma atenção dispensada

às demais disciplinas.

[O objetivo da avaliação é] Evitar que o aluno... Tem muito aquela coisa ainda da Educação Física ser tratada como uma matéria qualquer. [...] Tem gente que não vai fazer aula porque esta estudando para a prova do fulaninho. [...] Eles aqui falam que não pode chegar atrasado lá embaixo, em outras matérias, mas chegam atrasados aqui. [...] Nós somos iguais as outras [disciplinas]. Uma coisa. Aqui reprova em Educação Física. Ah! Só ta em uma, não vai reprovar, vai colocar em dependência como ficaria em dependência quem está em uma em matemática, em uma em química, em uma em física. Se juntar, passou das três, está em quatro, juntou com Educação Física, ta reprovado! (Prof.4, questão 6.1).

Atrelados aos objetivos da avaliação da aprendizagem descritos acima,

os indicadores de avaliação resumem-se à presença, participação e atitudes de

respeito dos alunos nas aulas de Educação Física. A presença é diferenciada da

participação, pois o aluno pode receber a nota da presença simplesmente

comparecendo às aulas. No entanto, a nota referente à participação apenas será

dada de acordo com o envolvimento dos alunos nas atividades realizadas.

Como a gente vê a nota? É por participação, presença, organização, respeito. Não adianta o aluno com relação à presença e participação, a gente coloca bem diferente, não adianta o aluno ta ali na quadra parado. É claro que vai ter a presença, mas ele não vai ter a nota da participação. Tem gente que acha que fazer a aula de Educação Física é trocar de roupa e ficar quieto. Se tiverem dez jogos e ele jogar em um, pô, ele já fez a aula? Não. Ele fez a aula, mas não teve a nota de participação. As maiores coisas aí são a participação e a presença. (Prof.4, questão 6.2).

Em síntese, o Prof.4 justifica sua adesão à denominada abordagem da

Cultura Corporal pela possibilidade de superação do modelo tradicional de ensino

da Educação Física, que segundo ele não permite a adaptação das atividades de

aula às necessidades dos alunos, privilegiando somente o rendimento, ao

contrário da abordagem da Cultura Corporal. Além desta adaptação, a abordagem

da Cultura Corporal também propiciaria a ampliação das práticas corporais a

serem tematizadas pelas aulas de educação física, garantindo a vivência de

diferentes manifestações culturais.

O objetivo principal atribuído pelo Prof.4 à abordagem da Cultura Corporal

é a construção de autonomia nos alunos para a prática de atividades físicas, onde

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a competência para adaptação das atividades e a vivência de um número variado

de práticas exerceriam papel essencial na construção desta autonomia.

O destaque na fala do Prof.4 diz respeito à avaliação da aprendizagem,

cujo objetivo seria de legitimar a Educação Física enquanto disciplina escolar

através da ameaça de reprovação, como mecanismos de coerção. A Educação

Física gozaria do mesmo nível de importância para os alunos a partir do momento

em que reprove aqueles que não atingissem níveis adequados de

aproveitamento. Embora este entendimento sobre a avaliação já seja

problemático (LUCKESI, 2002), a inadequação é ainda maior quando utilizados

como indicadores de avaliação apenas a presença, a participação nas atividades

de aula e o respeito demonstrado aos demais colegas.

Informante 5 (Prof.5):

O Prof.5 é formado em Educação Física pela Universidade Federal do Rio

de Janeiro, tendo concluído seu curso em 1996. Iniciou o curso de fisioterapia,

não o concluindo. Em 2001, finalizou um curso de especialização na área do

treinamento desportivo na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, não

tendo realizado mais nenhum curso de pós-graduação ou capacitação até a data

da entrevista. Atualmente trabalha com Educação Física tanto em escolas da rede

municipal quanto estadual do Rio de Janeiro.

O Prof.5 afirma que seu contato com a abordagem da Cultura Corporal

ocorreu durante seu curso de graduação em Educação Física. É interessante

notar que em seu depoimento ele deixa transparecer que o termo Cultura

Corporal não se refere a uma proposta pedagógica para a Educação Física,

apesar de afirmar adotá-la, mas é um termo referente às diversas práticas

corporais de uma cultural. Para o informante, a utilização da expressão „Cultura

Corporal‟ é utilizada pelos professores que de alguma maneira diversificam as

práticas corporais vivenciadas nas aulas, independente do paradigma norteador

da ação pedagógica. Esta posição pode explicar a afirmação de Prof.5 de que seu

contato com a abordagem pedagógica da Cultura Corporal na graduação ocorreu

por meio de algumas disciplinas do curso que tratam especificamente de práticas

corporais.

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Num contexto de várias disciplinas, né. Tanto da parte de... Dança, principalmente no início da faculdade, né, que mostrava muito. E depois na parte de musculação, na parte de ginástica rítmica, a gente vê muito essa parte da cultura dos gestos, né. E depois nos esportes, né, cada um mostrava um pouco. (Prof.5, questão 1.1).

Em adição, as características da abordagem da Cultura Corporal que

levaram o Prof.5 a adotá-la são, justamente, a possibilidade de diversificação das

práticas corporais vivenciadas durante as aulas de Educação Física. Esta

diversificação acarretaria na superação do esporte como único conteúdo de

ensino, orientado para o rendimento físico-esportivo de alto nível, e para a

ampliação das possibilidades de usos do corpo pelos alunos – leia-se melhora

das habilidades motoras.

Portanto, para o Prof.5 a abordagem da Cultura Corporal significa ampliar

as práticas corporais vivenciadas pelos alunos ao longo do processo de

escolarização, enfatizando a melhora das habilidades motoras através dos jogos,

danças, esportes etc.. Isto não significa que a busca pelo rendimento físico-

esportivo esteja superado, mas como veremos no decorrer da análise do discurso

do Prof.5, trata-se de um conteúdo trabalhado apenas para aqueles alunos que

atingiram níveis elevados de habilidades motoras, posição característica da

abordagem desenvolvimentista.

Olha, aqui a gente diversifica muito [...] a gente tenta não focar só na parte desportiva de alto nível [...] Então a gente tenta amarrar com que eles participem utilizando o corpo da melhor maneira possível, dentro das possibilidades que eles têm, que eles conhecem, tentando melhorar isso. (Prof.5, questão 2.1). (grifo nosso).

[A proposta da Cultura Corporal] [...] engloba mais o ser humano como um todo, né, porque você consegue abranger todas as possibilidades do que o corpo daquela pessoa pode realizar. Porque se você trabalha nessa Cultura Corporal você... Você trabalha já visando o desporto de alto nível, vendo as técnicas do desporto sem ver o indivíduo, as possibilidades dele, do que ele pode fazer você foca muito e não dá espaço. (Prof.5, questão 2.2). (grifo nosso).

Desta forma os objetivos das aulas de Educação Física, para o Prof.5,

sob a óptica do que ele denomina de abordagem da Cultura Corporal, aproximam-

se dos objetivos caracterizadores da abordagem desenvolvimentista. O

informante, inclusive, afirma que o objetivo das aulas de Educação Física é o

desenvolvimento cognitivo, motor e afetivo dos alunos.

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O objetivo geral? Seria o desenvolvimento global do aluno, tanto na parte física quanto cognitiva e afetiva, né. A socialização dele com os outros, né. Seria a integração de tá colocando um aluno que não sabe jogar com um que sabe para eles interagirem, né. Seria também as possibilidades de um que já sabe fazer o movimento, o gesto, o que for dado no momento, ta também ajudando aquele outro, né, que seria o afetivo de ta ali ajudando o colega também a fazer, né. (Prof.5, questão 4.2).

Entretanto, o discurso do Prof.5 aborda principalmente o desenvolvimento

das habilidades motoras. O desenvolvimento cognitivo e afetivo mal é

contemplado em sua fala. O cognitivo pode ser evidenciado, com esforço, quando

da descrição de alguns conhecimentos de ordem conceitual, enquanto que o

desenvolvimento afetivo é abordado apenas no recorte exposto acima.

Os conteúdos tratados pelo Prof.5 e relacionados à abordagem

pedagógica da Cultura Corporal são as diversas práticas corporais pertencentes à

cultura brasileira, distribuídos na forma de conhecimentos sobre o corpo,

condicionamento físico, esportes, dança e jogos. Os primeiros são os mais

enfatizados pelo informante e são tratados tanto conceitualmente quanto

procedimentalmente. Sua ação pedagógica sobre o conteúdo „conhecimentos

sobre o corpo‟ caracteriza-se pela aplicação de testes de aptidão física,

verificando o nível de desempenho dos alunos em várias valências físicas,

seguido por exercícios ginásticos específicos para melhora destas. Tais

exercícios são acompanhados por aulas onde os alunos aprendem a importância

do alongamento e demais exercícios de aquecimento, além de verificar a

freqüência cardíaca, reduzindo o risco de lesões durante a prática de atividades

físicas.

Olha, da cultura corporal assim, eu acho que a gente vê mais na parte de condicionamento físico, né, quando a gente vê no início do ano como é que eles estão. A gente faz teste de corrida, né, pega VO2, mostra pra eles como aferir batimento cardíaco pra gente vê como é que ta, vê a freqüência cardíaca máxima, vê pulsação deles, como é que eles estão. [...] Daí pra frente a gente faz trabalhos específicos de ta trabalhando a musculatura especificamente, quer dizer, a gente faz trabalho específico de circuito, então, bota abdominal, flexão, todos os movimentos mais específicos do corpo, e trabalha, como na dança, com movimentos alternativos, o modo de ser feito, a criação dos alunos, de cada um. (Prof.5, questão 4.3).

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Já os esportes, os jogos e as danças são trabalhados apenas

procedimentalmente, uma vez que o objetivo é a melhora das habilidades motoras

dos alunos, e somente após a aquisição de níveis suficientes de aptidão física

durante os trabalhos iniciais de avaliação e condicionamento físico.

Quanto à seleção dos conteúdos de ensino-aprendizagem, o Prof.5 afirma

não estabelecer um critério, visto que, para ele, a Educação Física possui

conhecimentos inerentes a ela, não cabendo ao professor selecionar quais

conteúdos tratar sob o risco de impossibilitar o alcance de seus objetivos

enquanto componente curricular. Parece-nos que o Prof.5 não concebe a

possibilidade de existirem práticas corporais além daquelas próprias a sua

realidade, ou do cotidiano onde a escola está inserida, inviabilizando o alcance de

um de seus objetivos, já citados anteriormente, de promover a ampliação das

vivências corporais dos alunos através da diversificação das práticas corporais

tratadas nas aulas de Educação Física.

O processo de avaliação está em concordância com os objetivos das

aulas do Prof.5, uma vez que almejam verificar o ganho de habilidades motoras

dos alunos quantitativa e qualitativamente, a apropriação de conhecimentos

técnicos e de regras de modalidades esportivas e conhecimentos relacionados ao

condicionamento físico. A partir disto, o Prof.5 afirma que avalia se os alunos

desenvolveram uma atitude de „auto-descoberta‟ das suas possibilidades frente

às diversas práticas corporais, construindo um gosto para a prática destas

atividades. Para isto, o mecanismo de avaliação consiste na observação

individual do rendimento motor e do comportamento dos alunos durante as aulas

de Educação Física.

Pelo exposto, o discurso do Prof.5 sobre a denominada abordagem da

Cultura Corporal também gira em torno da ampliação das práticas corporais

tematizadas nas aulas de Educação Física. Objetivando, entretanto, a aquisição

de níveis ideais de habilidades motoras e, quiçá, níveis máximos para alunos com

algum talento esportivo. Assim sendo, sua abordagem da Cultura Corporal

reveste-se de características desenvolvimentistas.

O destaque no discurso do Prof.5 é sua compreensão da abordagem da

Cultura Corporal como toda e qualquer ação pedagógica em Educação Física,

independentemente do referencial teórico-metodológico adotado, no caso

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específico deste informante o referencial desenvolvimentista. Parece ignorar os

diferentes matizes da ação pedagógica em Educação Física, baseado na

premissa acertada de que o conjunto de manifestações corporais de uma

comunidade constitui o que se denomina de cultural corporal. Assim, a adoção da

abordagem da Cultura Corporal como balizadora da ação pedagógica não se trata

de uma escolha, visto que na realidade não há outra opção.

Informante 6 (Prof.6):

O Prof.6 é formado em Educação Física pela Universidade Federal Rural

do Rio de Janeiro, tendo concluído o curso em 1986, seis anos antes da

publicação da obra do Coletivo de Autores (SOARES, et alii, 1992). Até o

momento da pesquisa não havia realizado nenhum curso de pós-graduação.

Atualmente trabalha em uma escola da rede municipal, uma da rede estadual e

numa escola da rede privada de ensino.

O Prof.6 não teve oportunidade durante a graduação de estabelecer

contato com a abordagem crítico-superadora. Afirma que seu contato com a

abordagem da Cultura Corporal ocorreu a partir da realização de cursos e

congressos na área, não especificando quais. Outro mecanismo de contato foi a

leitura dos PCN's, os quais estabelecem que os conteúdos das aulas de

Educação Física devem ser selecionados a partir da cultura corporal33 dos alunos.

A partir destas discussões e leituras, o Prof.6 definiu a abordagem da

Cultura Corporal como pilar de sua ação pedagógica a partir de sua possibilidade

de valorização/resgate das práticas corporais do cotidiano dos alunos, conferindo

maior significado às aulas de Educação Física, uma vez que não impõe

conteúdos e atividades descontextualizadas, mas utiliza elementos da própria

cultura dos alunos, vivenciados em seu cotidiano.

Quando você busca alguma coisa que vem deles... É... Pega uma atividade deles, então, a gente pega essa atividade, a gente discute ela, as regras e implementa. Existe um respeito maior da parte deles. [...] Então, é... Quando vem uma coisa discutida, não imposta, a aceitação e o respeito acho que é maior. (Prof.6, questão 2.2).

33

Como vimos, o sentido de cultura corporal presente nos PCN's é de conjuntos de práticas corporais pertencentes ao cotidiano da comunidade, inerentes à cultura local.

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Aparentemente, na fala do Prof.6, a proposta da Cultura Corporal

aproxima-se do que Darido e Sanchez Neto (2005) denominam de proposta

construtivista-interacionista da Educação Física, onde o principal divulgador no

Brasil é o Prof. João Batista Freire (2003). A exemplo deste autor, o Prof.6

trabalha essencialmente com a vivências de jogos e brincadeiras trazidos pelos

próprios alunos a partir de seu cotidiano, e também com a construção de novas

atividades a partir destas práticas corporais. Os próprios alunos modificam as

práticas de acordo com situações problemas provenientes da própria atividade

vivida em aula ou propostas por Prof.6.

O objetivo principal da Educação Física para o Prof.6, a partir da

abordagem da Cultura Corporal, é desenvolver a cidadania nos alunos através da

construção de autonomia. Esta autonomia não está restrita às práticas corporais,

pois para o informante, as condutas adquiridas na solução das situações

problemas durante o jogar serão transferidas também para a solução de

problemas da vida social. Isto significa propiciar ao aluno atividades que

promovam o entendimento da necessidade das regras sociais, ao mesmo tempo

em que os conscientizem da possibilidade de transformação destas regras

quando não satisfizerem aos interesses da coletividade. E ainda, possibilitem o

desenvolvimento de habilidade de auto-organização e autonomia para a solução

de problemas da vida social de forma coletiva.

Um dos objetivos maior é a formação do cidadão. Trabalhar a cidadania. Através do quê? De regras, que na vida tem regra pra tudo. Então, é saber respeitar as regras, saber construir as regras é... Ter voz ativa [...]. (Prof.6, questão 4.2).

Autonomia no jogo, autonomia no brincar, autonomia na organização de uma atividade é... Trabalhar a autonomia deles na organização de um jogo. No começo seria o caos, para a separação de uma equipe, para resolver qual o jogo que vai participar, respeitar as regras. Então seria o caos. Meu objetivo é eles terem essa autonomia de utilizarem no jogo, um jogo... E terem essa organização de uma forma satisfatória. (Prof.6, questão 4.5).

O conteúdo trabalhado, então, é apenas o jogo, com ênfase nas questões

procedimentais e atitudinais. Os jogos são selecionados ou construídos a partir

das práticas corporais do cotidiano dos alunos, utilizando-se materiais já

existentes ou construídos pelos próprios alunos a partir de material reciclável. O

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método de aula consiste em vivenciar estes jogos selecionados ou construídos,

solucionando os problemas emergidos do próprio contexto das atividades ou

inseridas propositalmente pelo professor na forma de situações problemas, que

exijam dos alunos o trabalho de equipe organizado para superá-las.

Então, é sempre a construção de jogos é... Trazidos, voltando para a cultura corporal é... Jogos trazidos por eles que a gente utiliza e depois explora as regras modificando essas regras, desequilibrando o conhecimento deles (Prof.6, questão 4.3).

A avaliação da aprendizagem dos alunos consiste na observação

continuada dos alunos durante as atividades de aula, não havendo dias

específicos para avaliação e nem avaliações teóricas. As avaliações buscam

verificar o desenvolvimento de autonomia nos alunos para a construção de

atividades lúdicas/jogos e para a solução de problemas provenientes da vivência

destas atividades, utilizando-se de organização coletiva e criatividade. Os

indicadores de avaliação são a participação dos alunos nas atividades, atitudes

de respeito perante os colegas e o professor, desenvolvimento de comportamento

criativo e organização.

Eu utilizo cinco aspectos é... Que eu levo em conta. A avaliação contínua, continuada. É a participação, respeito ao colega, respeito ao professor, respeito é... Organização... Motivação. Aí cada item tem um grau que eu divido e dá a nota máxima. Aí eu avalio por aluno para chegar à nota dele. Eu não trabalho com prova nem com... Um dia de atividade: “hoje é o dia da prova. Hoje eu vou avaliar vocês”. Eu não trabalho assim. Sempre eu faço uma avaliação global durante o bimestre. (Prof.6, questão 6.2).

O que eu busco deles? O que eu espero deles? Auto-organização deles. A questão da independência deles no jogar, no organizar e a questão da criatividade, também. (Prof.6, questão 6.3).

Por último, convém mencionar que o Prof.6 afirma não realizar avaliação

para as turmas de ensino fundamental da escola do município. Suas avaliações,

dentro da perspectiva da Cultura Corporal, ocorrem apenas para as turmas de

nível médio da escola estadual e na escola da rede particular onde também atua.

Diferentemente dos demais informantes, o Prof.6 não atribui à abordagem

da Cultura Corporal a busca pela ampliação dos conteúdos de ensino-

aprendizagem da educação física, através da seleção de diversas práticas

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corporais para comporem as atividades de aula. Ao contrário, ele mantém o

reducionismo característico do modelo tradicional de Educação Física, diferindo

deste ao deslocar as atenções pedagógicas dos esportes para os jogos.

A partir dos jogos enquanto recursos metodológicos, Prof.6 afirma atingir

seu objetivo educacional, a construção da cidadania. A atitude de respeito às

regras, bem como a competência para sua transformação quando necessário, são

as bases desta cidadania, adquiridas por meio do respeito e transformação das

regras dos jogos ofertados nas aulas de Educação Física.

Informante 7 (Prof.7):

O Prof.7 é formado em Educação Física pela Universidade Federal do Rio

de Janeiro, tendo concluído seu curso em 1987. Possui duas especializações,

uma sobre educação psicomotora e outra sobre educação brasileira e

movimentos sindicais. Esta mesma temática orientou seu mestrado, não tendo

especificado em que instituição foi realizado. Atualmente atua em uma escola da

rede municipal e como docente de um curso de graduação em Educação Física.

Seu contato com a proposta da Cultura Corporal ocorreu no início da

década de 90, por intermédio de um colega na escola onde trabalhava, recém

formado em Educação Física na época. Este colega, através de um texto de

Valter Bracht, apresentou a proposta crítico-superadora do Coletivo de Autores

(SOARES et alii). Portanto, o informante relaciona o que denomina de abordagem

da Cultura Corporal diretamente à proposta crítico-superadora. Após este evento,

o Prof.7 buscou suporte na literatura da área, inclusive no livro do Coletivo de

Autores, para aprofundar sua apropriação sobre o referencial teórico-

metodológico crítico-superador, identificado por ele como abordagem da Cultura

Corporal.

Destacou como principal norteador de sua ação pedagógica a

sistematização de um conhecimento específico para a Educação Física enquanto

componente curricular da educação básica. Este corpo de conhecimentos permite

à Educação Física diferenciar-se das demais disciplinas escolares, uma vez que

possui um objeto de ensino específico, ao mesmo tempo em que a aproxima

destas mesmas disciplinas ao conferir um estatuto de igualdade diante dos

objetivos educacionais.

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[...] o meu papel no curso de formação de professores era de alguma forma capacitar aquelas professores a lidarem com seus alunos com um tipo de conhecimento que os outros professores não tinham. Que conhecimento era esse? Era o conhecimento próprio da Educação Física. Isso me levou a investigar mais exatamente a discussão feita pelo Coletivo de Autores [...] a discussão que o Coletivo de Autores me trazia e me fazia refletir era na verdade eu entender que nós trabalhávamos com elementos de uma cultura que era maior, que era a cultura universal. Esses elementos reunidos a gente chamava de cultura corporal

34. (Prof.7, questão 2.1).

A segunda característica da abordagem da Cultura Corporal refere-se

exatamente à sua conseqüente adequação da Educação Física ao objetivo da

educação escolar, qual seja o de democratizar o conhecimento científico. Para o

Prof.7 o papel fundamental da escola é estabelecer o diálogo entre o senso-

comum do aluno e o conhecimento científico, permitindo que o aluno construa

uma síntese, apropriando-se desses conhecimentos. Cada componente curricular

tem o objetivo de estabelecer este diálogo dentro de campos de conhecimentos

(culturais) específicos. À Educação Física cabe estabelecer a relação senso-

comum – conhecimento científico sobre a cultura do movimento humano.

Eu acho que essencialmente é... O papel do professore, e aí o papel da escola, é na verdade, ou deveria ser, democratizar um determinado tipo de conhecimento ou uma forma de expressão... Uma forma que a humanidade desenvolveu de se expressar que é a cultura científica. Eu acredito que é... O movimento criado pelo movimento do final da década de 80 início da década de 90, uma marca forte do... uma certa linha gramsciana, e ali no grupo do Coletivo de Autores eu acho que isso está presente de alguma forma. Então é... a responsabilidade da escola enquanto (...) instituição social que vai... que deve levar... democratizar o conhecimento científico. [...] Então esse diálogo me parece importante e essa responsabilidade, senão acho que a escola não tinha nem... não sei qual seria o sentido da escola (Prof.7, questão 2.2).

A abordagem da Cultura Corporal permite/impõe também um segundo

objetivo para a Educação Física, o de ampliar as vivências dos alunos com as

diversas práticas corporais pertencentes à cultura do movimento humano. Esta

ampliação das vivências com as práticas corporais, segundo o Prof.7, destina-se

a potencializar as possibilidades de leitura do mundo, entendida como a

34

Atualmente o Prof.7 prefere o termo cultura do movimento humano em substituição ao termo cultural corporal, por considerar que este último remete ao dualismo entre corpo e mente. O mesmo posicionamento já foi explicitado por outros autores como Bracht (2005), Darido e Rangel (2005) e Kunz (2001), entre outros.

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capacidade de atribuição e construção de sentidos e significados nas atividades

humanas, no caso da Educação Física nas práticas corporais. Nesta perspectiva

o movimento é entendido como forma de expressão, uma linguagem corporal35.

Estes dois objetivos da Educação Física escolar na perspectiva da

Cultura Corporal, referenciada na proposta pedagógica crítico-superadora,

evidenciam para o Prof.7 a incapacidade desta proposta de, isoladamente,

fundamentar a ação pedagógica em Educação Física. O Prof.7 considera que

nenhuma proposta produzida para a Educação Física possui condições de

contemplar satisfatoriamente os objetivos de justaposição entre o senso-comum

do aluno e o conhecimento científico e a ampliação das vivências com as práticas

corporais. Para tanto, o informante afirma combinar a abordagem da Cultura

Corporal com sua formação em educação psicomotora.

Depois que eu li o livrinho do Jocimar Daolio, Educação Física e o... Educação Física e o conceito de cultura eu, eu confesso que eu penso no seguinte: nenhum deles me serve, mas todos me servem de alguma forma. Nenhum especificamente. (Prof.7, questão 2.2).

Então, ampliar as possibilidades de vivências motoras, hã, tem muito haver com a questão da psicomotricidade e tudo mais, com a discussão da psicomotricidade. O próprio referencial que eu... Desenvolvimentista, né. (Prof.7, questão 4.1).

Em relação aos conteúdos de ensino, o Prof.7 aponta a bastante

divulgada classificação proposta pelo Coletivo de Autores (SOARES et alii, 1992)

para as práticas corporais - jogo, dança, ginástica, esporte e luta. Mediante seu

discurso é possível afirmarmos que tais conteúdos na abordagem da Cultura

Corporal devem ser trabalhados nas três dimensões do conhecimento, embora

isto não esteja explícito. Conceitualmente, através da reflexão sobre diferentes

possibilidades da cultura de movimento a partir dos contextos culturais (ex. o

basquetebol no Brasil e nos EUA); procedimentalmente, através das vivências

com as práticas corporais; e atitudinalmente, através do fomento à criatividade e

postura crítica dos alunos frente às práticas corporais, privilegiando autonomia

para a prática.

35

Esta perspectiva da Educação Física enquanto uma disciplina da área de linguagem e comunicação está presente em alguns referenciais curriculares estaduais. Ver Assis (2008).

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E aí cada modalidade esportiva vai trabalhar com elementos que sejam próprios da sua prática, da sua... São característicos da sua modalidade, digamos assim. Agora... A questão da criticidade, a questão da... Criatividade aparece [...] é de como pensar o movimento, como reformular a própria prática esportiva [...] repensar o próprio basquetebol do ponto de vista do movimento que ali se apresenta [...] discutir porque que o basquete é de um jeito nos Estados Unidos e não é aqui. (Prof.7, questão 4.3).

Não foi possível identificar as estratégias avaliativas características da

abordagem da Cultura Corporal no discurso do Prof.7, devido à sua fala ter se

centrado na sua intervenção no Projeto Clube Escolar, onde atividades esportivas

são ofertadas para os alunos das escolas municipais no horário oposto ao

curricular.

O discurso do Prof.7 sobre a abordagem da Cultura Corporal é o que

mais possui pontos de convergência com a abordagem crítico-superadora,

explicitando as duas expressão como sinônimos. Sua adesão a esta abordagem

justifica-se pela sistematização de um corpo de conhecimentos específicos à

Educação Física, conferindo legitimidade a ela frente aos demais componentes

curriculares.

Seu discurso também difere dos demais em relação aos objetivos para as

aulas de Educação Física sob a abordagem da Cultura Corporal, aproximando-se

ainda mais da perspectiva crítico-superadora, uma vez que elege como objetivos

a justaposição do senso-comum dos alunos sobre as práticas corporais com os

conhecimentos de ordem científica. Para isso, afirma que os conteúdos de

ensino-aprendizagem da abordagem da Cultura Corporal devem ser tratados nas

três dimensões do conhecimento – conceitual, procedimental e atitudinal.

Informante 8 (Prof.8):

O Prof.8 concluiu seu curso de graduação em Educação Física no ano de

1992, pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Realizou seu mestrado em

Educação Física nesta mesma instituição, embora o curso não tenha sido

autorizado pela CAPES. O informante atua como professor de Educação Física

em escolas da rede municipal e particular de ensino.

O Prof.8 conheceu a abordagem da Cultura Corporal ainda na graduação,

na metade final de seu curso. Além de discussões no interior das disciplinas, o

marco neste primeiro contato foi a leitura da obra do Coletivo de Autores

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publicada em 1992, ano em que o Prof.8 concluiu sua formação inicial. Entretanto,

o informante aponta esta obra como ponto inicial de discussão sobre a

abordagem da Cultura Corporal e não como publicação fundadora da abordagem

crítico-superadora da Educação Física. Em sua fala percebe-se uma

diferenciação entre o que seria a proposta formulada pelo Coletivo de Autores e a

proposta da Cultura Corporal a qual o Prof.8 é adepto.

Quando eu tava na faculdade, ali pelo quarto ou quinto período. Foi uma proposta que começou, começou a emergir mais ou menos nessa época, né. Então ali eu já comecei a me aproximar, já tinha alguma discussão a respeito, mais ou menos no ano daquele, daquele livro do Coletivo de Autores, né, que ali já começa a mexer em alguma coisa e tal. (Prof.8, questão 1.1) (grifo nosso).

Mesmo estabelecido contato com esta discussão há pelo menos quinze

anos, o Prof.8 afirma não ter uma apropriação satisfatória deste referencial, o que

não o impede, entretanto, de adotá-lo como norte teórico-metodológico para sua

ação pedagógica. O principal motivo para esta adoção é a possibilidade que a

abordagem da Cultura Corporal traz de ampliação dos conteúdos de ensino da

Educação Física. Para o informante, a Cultura Corporal encerra a discussão

sobre se o esporte tem lugar ou não nas aulas de Educação Física, uma vez que

qualquer prática corporal pertencente ao que chama de „vivência corporal‟ da

comunidade onde a escola se insere é passível de ser conteúdo, inclusive o

esporte.

Interessa destacar que o Prof.8 compreende a discussão sobre o papel

do esporte nas aulas de Educação Física como uma questão de adoção ou não

deste conteúdo e não como um debate em que não se pretende excluir36 o

esporte como conteúdo, mas criticar a maneira como este é tratado nas aulas de

Educação Física tradicionais, baseadas unicamente no esporte, refletindo sobre

as conseqüências para a formação dos alunos e para a legitimidade da Educação

Física no ambiente escolar.

36

Embora algumas críticas mais enfáticas tenham sido postuladas na década de 80, onde o esporte deveria ser banido da escola que se pretende revolucionária. Sobre este equívoco de E8 é interessante a leitura de Bracht (2000).

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[...] a Cultura Corporal acho que permite você ascender à discussão de que a educação é desportivista... A Educação Física é desportivista, não é desportivista, não sei o quê. Acho que a Cultura Corporal está acima disso porque ela abarca o desporto enquanto elementos da cultura corporal de um determinado grupo. Então eu acho que o grande lance da cultura corporal é essa... Esse leque que ela abre, né. Ela não restringe, pelo contrário, ela abre. E aí tudo que está ali, que faz parte da vivência corporal de determinados grupos é passível de ser conteúdo da Educação Física. (Prof.8, questão 2.1). (grifo nosso).

Embora afirme nortear sua ação pedagógica nesta abordagem da Cultura

Corporal, a análise da fala do Prof.8 permite afirmar que esta cumpre unicamente

o papel de fornecer uma gama maior de atividades para a concretização do

objetivo da Educação Física, apontado pelo Prof.8 como o desenvolvimento das

habilidades motoras dos alunos.

O informante afirma estar passando por um momento de reflexão sobre

sua ação pedagógica, o que não lhe permite assegurar inequivocamente qual o

objetivo da Educação Física enquanto disciplina escolar. Entretanto, afirma não

ser mais possível ao professor de Educação Física participar dos conselhos de

classe unicamente com um discurso sobre o comportamento dos alunos – o

respeito às regras e a socialização. O Prof.8 afirma haver um processo de

esquecimento por parte dos professores do objetivo específico da Educação

Física: a questão motora.

[...] eu acho que a gente tem perdido um pouco os objetivos específicos da área, né. E aí eu me vejo num conselho de classe falando do perfil psicológico do aluno, falando da questão da sociabilidade do aluno e me dei conta de que, caramba, que eu tenho pra falar da questão corporal desse aluno, da questão motora, da questão que é a minha especialidade [...]. (Prof.8, questão 4.2).

Embora as expressões "questão corporal" e "questão motora" não

possam ser exclusivamente atreladas à proposta do desenvolvimento motor, é

elucidativa a fala do Prof.8 sobre os conteúdos de ensino nas suas aulas.

[...] eu quero trabalhar salto, né, trabalhar salto, e aí eu agrupo atividades que dentro delas tenham salto. Então, capoeira tem salto, então a gente vai ter uma aula de capoeira. Basquete tem salto, então a gente vai ter uma aula de basquete. Atletismo tem salto, então a gente vai trabalhar o salto do atletismo e aí vai trabalhando os diferentes tipos de saltos dentro de determinadas modalidades. Brincadeiras que tenham salto, né, amarelinha que salta com um pé só, corda que salta com os dois. E aí vai trabalhando várias atividades que tenham o salto dentro delas. Então acaba tendo uma gama grande de atividades para desenvolver determinado conteúdo. (Prof.8, questão 4.3).

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Desta forma, as práticas corporais pertencentes à cultura dos alunos não

são os conteúdos de ensino, mas sim recursos metodológicos para trabalhar os

reais conteúdos: as habilidades motoras e gestos motores básicos. A proposta da

Cultura Corporal permitiu a ampliação das atividades ofertadas aos alunos para

desenvolvimento destas habilidades. Sua contribuição é a superação de

exercícios calistênicos e/ou descontextualizados do cotidiano dos alunos. Ao

invés de estafetas, utilizam-se as práticas corporais já familiares aos alunos, as

quais possuem significados que as tornariam mais atrativas. Percebe-se na fala

do Prof.8 que adotar a abordagem da Cultura Corporal trata-se apenas de

pedagogizar práticas corporais do cotidiano dos alunos, estando os objetivos das

aulas de Educação Física atrelados a outros referenciais, como o da abordagem

desenvolvimentista, explicitada em sua fala.

Coerentemente com o discurso, o processo de avaliação da

aprendizagem na ação pedagógica do Prof.8 consiste na observação da melhora

das habilidades motoras dos alunos, através de atividades propostas para este

fim.

Em síntese, Prof.8 também relaciona a denominada abordagem da

Cultura Corporal com a obra do Coletivo de Autores. Atribui como principal

característica desta abordagem a ampliação dos conteúdos de ensino da

Educação Física para além das atividades esportivas.

No entanto, o destaque de seu discurso está no posicionamento de que

os professores de Educação Física têm se desvinculado ao longo do tempo de

sua real função na educação básica, enfatizando exclusivamente aspectos

atitudinais que não representam sua especificidade enquanto componente

curricular. A função fundamental da Educação Física sob a óptica da abordagem

da Cultura Corporal é, através das diversas práticas corporais que constituem as

manifestações da cultural corporal, zelar pelo desenvolvimento das habilidades

motoras dos alunos.

Desta forma, ao contrário do que preconiza a abordagem crítico-

superadora, a abordagem da Cultura Corporal na perspectiva de Prof.8 utiliza as

práticas corporais como meios de desenvolver as habilidades motoras dos alunos,

aproximando-se do referencial desenvolvimentista.

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Informante 9 (Prof.9):

O Prof.9 é formado em Educação Física pela Universidade Gama Filho

em 1985, possuindo especialização em Educação Física escolar pela

Universidade Federal Fluminense e mestrado em Educação Física e Cultura pela

Universidade Gama Filho, concluído em 2005. Atua como professor de Educação

Física em escola da rede estadual de ensino, além de docente de cursos

superiores de Educação Física da rede privada e federal, nessa última na

condição de professor substituto.

A exemplo de outros informantes, o primeiro contato do Prof.9 com a

denominada abordagem da Cultura Corporal ocorreu no curso de especialização

em Educação Física escolar da Universidade Federal Fluminense, tendo sido

levado até ele por intermédio de outro professor. Neste curso tomou

conhecimento da obra do Coletivo de Autores (SOARES et alii, 1992), fundadora

da proposta crítico-superadora, única referência indicada pelo informante como

divulgadora da abordagem da Cultura Corporal.

Sua adesão à abordagem da Cultura Corporal foi justificada a partir de (1)

a possibilidade de superação do modelo de Educação Física adotado em sua

escola até então, bem como (2) a valorização do professor de Educação Física

enquanto educador, desencadeada pela mudança em sua ação pedagógica.

Quando da sua transferência para a atual escola da rede estadual,

surpreendeu-se com o fato das aulas de Educação Física se reduzirem ao ensino

dos esportes, tendo o professor de Educação Física o papel de fiscalizador das

regras de cada modalidade esportiva.

[...] quando eu cheguei lá eu levei um susto, porque comecei a ver os professores trabalhando com... dando aula assim... a aula de Educação Física se resumia num jogo, num jogo voltado para o esporte, né, para a questão da... mas assim, não sei nem te dizer se era para a questão da performance ou não. [...] Cheguei até a fazer um curso lá de arbitragem, no Maracanazinho, arbitragem de handebol, sabe, para poder me atualizar porque eu fiquei completamente perdida ali e assustada e eu comecei a pensar: fiz quatro anos de graduação para ficar apitando jogo? A minha aula de Educação Física vai ser para apitar jogo? Isso eu não quero trabalhar. (Prof.9, questão 1.1).

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Desta maneira, a abordagem da Cultura Corporal significou a

possibilidade de superação desta prática e valorização da própria Educação

Física na instituição, uma vez que, segundo o Prof.9, a aula de Educação Física

poderia tratar de conteúdos com relevância social, possuidores de significado

para os alunos, instrumentalizando-os para a vida em sociedade.

Primeiro assim, é... aquela questão de você trabalhar com conteúdos de forma, de modo a dar significado para o teu aluno, entendeu. O aluno entender porque ele está fazendo aquilo ali e para que ele vai levar aquilo ali para a vida, assim, para que aquilo li vai servir para a vida dele. Isso me atraiu, entendeu, assim, é... porque lá na UFF eu entendi uma coisa: entendi que a gente para ser professor para... antes de ser professor de Educação Física nós somos educadores, né, e aí, a gente tem que ter internalizado, né, pelo menos uma visão de que tipo de mundo eu desejo ajudar a formar, constituir, que tipo de sociedade, que tipo de homem, que tipo de educação e aí, assim, trazendo mais para a questão da escola, né, que tipo de aluno eu quero ajudar a formar. (Prof.9, questão 2.1).

A partir deste entendimento da abordagem da Cultura Corporal, as

práticas corporais tematizadas nas aulas de Educação Física adquiririam

significados para os alunos, superando o “fazer pelo fazer” ao buscar na vivência

e reflexões sobre estas práticas sentidos culturais relevantes socialmente. Através

destes sentidos, as aulas de Educação Física poderiam objetivar o

desenvolvimento de comportamentos socialmente positivos, tais como

solidariedade, respeito às regras sociais e cooperação, dentre outros, além de

permitir o resgate de manifestações corporais da cultura local.

[...] o que me atraiu mais nessa proposta foi essa questão de da, é, da relevância social dos conteúdos, ou seja, de você trabalhar com conteúdos que tragam, que tenham alguma importância para o teu aluno, para ele, como é que vou dizer... para que ele possa levar esse conhecimento que ele, que tiver sendo adquirido na escola, para que ele possa levar para a vida dele. Tipo assim, quando a gente trabalha com jogos cooperativos, trabalhar a questão de valores, solidariedade, respeito ao outro, para quando ele estiver, de repente, brigando com o vizinho dele, ele poder lembrar entendeu, que "pô, meu direito termina onde começa o do outro", né, e, entre outras coisas, né. Nos jogos populares a gente tenta resgatar também o nosso patrimônio cultural [...]. (Prof.9, questão 2.1).

A fala do Prof.9 associa, então, três objetivos gerais para o ensino da

Educação Física: (1) formação de um cidadão crítico, sendo aquele capaz de

intervir socialmente; (2) aquisição de autonomia frente às práticas corporais,

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possuindo os meios para engajar-se nas práticas corporais, além de transformá-

las e reconstruí-las para sua adequação; e (3) resgate cultural destas práticas.

O Prof.9 aponta duas limitações da abordagem da Cultura Corporal,

sendo uma delas a desvalorização da dimensão biológica das práticas corporais,

conferindo atenção apenas as dimensões sociais e históricas.

A questão, assim, pelo o que eu entendi da Cultura Corporal, é que em certos momentos, assim, ela acaba demonizando a questão da aptidão física, né. Eu acho que também a gente não pode ser tão radical assim. [...]Eu acho que assim, é, que ela, a Cultura Corporal tem essa parte que eu considero um pouco negativa porque só leva em consideração o contexto social, né, assim essa parte contexto histórico e social.

A última característica é a de necessidade de adequação da proposta a

realidade concreta de cada instituição de ensino. Tal percepção decorre do

insucesso em aplicar o modelo de trabalho apresentado no livro do Coletivo de

Autores (SOARES et alii, 1992) exatamente como proposto. Justifica-se nossa

preocupação em compreender a relação entre as proposições teóricas e as

realidades pedagógicas através de Gamboa (1995) e Caparroz (2001), uma vez

que a aplicação deste referencial teórico-metodológico como concebido pelo

Prof.9 encontrou resistências advindas dos alunos, dos demais professores e em

decorrência da própria dificuldade de apropriação da teoria pelo informante.

[...] começamos a implantar um outro sistema, uma Educação Física diferente [...] eu vim conhecer o livro Metodologia do Ensino da Educação Física, do Coletivo de Autores [...] E a gente começou a planejar nossas aulas todas em cima desse livro. Só que, o que acontecia, no início as turmas eram muito resistentes, né, até por conta do que eles conheciam da Educação Física e os próprios professores ficavam, os outros professores, né, que trabalhavam nessa forma mais tradicional, eles também se assustavam [...] Então, assim, nós tivemos avanços e retrocessos, né. Porque, assim, uma coisa é o que a gente entendeu lá do livro, a parte teórica e outra coisa é a gente colocar aquilo em prática. (Prof.9, questão 1.1).

Em relação aos conteúdos de ensino o Prof.9 apresenta uma

diversificação de práticas corporais, citando como critérios para a escolha destas

práticas, além da relevância social já descrita, a valorização/resgate de algumas

práticas identificadas como populares, tais como o maculelê, capoeira e jogos

populares; a contextualização temporal destas práticas, trabalhando com

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atividades em destaque no momento; e divulgação de novas práticas, como a

corrida de orientação, possível graças a um terreno nos fundos da escola.

Referente à avaliação da aprendizagem dos alunos, o Prof.9 afirma

trabalhar com técnicas de auto-avaliação, onde cada aluno atribui a própria nota a

partir de critérios de avaliação estabelecidos pelo professor, que utiliza os mesmo

para também atribuir sua nota. Depois de atribuídas as notas, professor e aluno,

individualmente, discutem as diferenças de julgamento em cada um dos critérios

para assim, chegarem a uma nota conclusiva.

Nesses critérios de avaliação, a apropriação de conhecimentos de ordem

conceitual e procedimental parece possuir uma importância relativamente menor

em comparação à dimensão atitudinal. Isto porque os pontos observados durante

as aulas de Educação Física para atribuição de nota são a presença às aulas, a

participação nas atividades propostas, respeito aos colegas e ao professor

durante as aulas, solidariedade diante do grupo e, por último, apropriação de

conhecimentos sobre as práticas corporais, o que acreditamos estar

representando a dimensão conceitual das práticas corporais tematizadas.

Assim, a abordagem da Cultura Corporal no discurso do Prof.9

caracteriza-se por uma possibilidade concreta de superação do modelo de

Educação Física tradicional, orientado exclusivamente para o esporte, através da

adoção de diversas práticas corporais como conteúdos de ensino, o que

acarretaria na valorização da Educação Física enquanto componente curricular.

Seu discurso sobre os objetivos da Educação Física na perspectiva da

abordagem da Cultura Corporal oscila entre o fomento de comportamentos

socialmente positivos e a aquisição de competências que garantiriam autonomia

diante das diversas práticas corporais.

O ponto de maior interesse em sua fala é o relato da tentativa de pautar

sua ação pedagógica seguindo estritamente as premissas publicadas no livro do

Coletivo de Autores. Percebe-se a direta vinculação da abordagem da Cultura

Corporal do Prof.9 à proposta crítico-superadora. No entanto, afirma não ter tido

sucesso diante das tensões que a realidade concreta impõe às premissas teóricas

da abordagem crítico-superadora, havendo a necessidade adequá-las ao contexto

da escola.

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Informante 10 (Prof.10):

O Prof.10 concluiu seu curso de graduação em Educação Física na

Universidade Estadual do Rio de Janeiro em 1996. Atualmente é acadêmico do

curso de Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense (UFF). Na área de

Educação Física possui especialização em Educação Física escolar também pela

UFF e mestrado em Educação Física e Cultura pela Universidade Gama Filho.

Atua como professor de Educação Física nas redes estadual e municipal em

vários segmentos de ensino, inclusive na Educação de Jovens e Adultos (EJA),

bem como no ensino superior de Educação Física.

O contato do Prof.10 com a denominada abordagem da Cultura Corporal

ocorreu no período da sua graduação em Educação Física, entre os anos de 1993

e 1996. Entretanto, seus estudos sobre este referencial não são decorrentes do

currículo do curso, mas sim de seu engajamento no movimento estudantil em

Educação Física. Na ocasião de lançamento do livro do Coletivo de Autores

(SOARES et alii, 1992), os eventos estudantis instituíram fóruns de discussões,

grupos de estudo, palestras e conferências com os autores da proposta crítico-

superadora para a Educação Física. Através da militância estudantil, da

participação em seus eventos e, posteriormente nos Congressos Brasileiros de

Ciências do Esporte, o Prof.10 prosperou sua apropriação com esta abordagem

teórico-metodológica.

A partir das discussões travadas nestes eventos e dos estudos

posteriores em nível de pós-graduação, o Prof.10 elegeu a abordagem da Cultura

Corporal como perspectiva de trabalho devido a quatro características

identificadas em seu discurso: (1) ideal de transformação social; (2) entendimento

das práticas corporais como manifestações culturais; (3) diversificação dos

conteúdos de ensino; e (4) superação dos modelos tradicionais de Educação

Física.

O almejo de transformação social atribuída à abordagem da Cultura

Corporal pelo Prof.10 não está vinculada à superação do modo de produção

capitalista para o implemento do socialismo, tal como na proposta crítico-

superadora do Coletivo de Autores (SOARES et alii, 1992). Para o Prof.10, esta

perspectiva de construção do socialismo através da práxis pedagógica teve seu

auge na década de 90, mas encontra-se cada vez mais desprezada. Para ele, a

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transformação possível é a de superação dos problemas sociais existentes sem,

necessariamente, vincular esta tarefa à construção ou não de outro modelo de

sociedade.

Agora eu acho que e gente está tendo que repensar a questão da Cultura Corporal, daquela da década de 90, né. Acho que a sociedade mudou bastante. Então essa coisa da utopia da grande transformação através da Cultura Corporal, isso eu acho que foi... minguando, mas eu acho que a gente tem que pensar que é uma forma de possibilitar as pessoas de estarem incluídas numa sociedade que é tão excludente. (Prof.10, questão 1.1).

Mesmo nessa perspectiva, o Prof.10 acredita que sua ação pedagógica

está orientada para os interesses e necessidades da “classe trabalhadora”, uma

vez que tenta construir o acesso de todos os alunos às práticas corporais, mesmo

àquelas historicamente pertencentes às classes de maior poder econômico.

Primeiro, acho que é uma proposta mais ampla no sentido de pensar o ser humano. Então você consegue, minimamente, fazê-lo pensar sobre o seu corpo e esse corpo dentro de uma sociedade. Consegue trazer essa dimensão cultural, que eu acho que é fundamental para a camada, principalmente na qual eu trabalho, que é a classe trabalhadora. Eu acho que é uma forma de inserção, de olhar o mundo com os olhos da classe dominante [...] (Prof.10, questão 2.2).

A segunda característica da abordagem da Cultura Corporal é o

entendimento das práticas corporais como manifestações culturais sujeitas à

dinâmica cultural. Sendo assim, as práticas corporais tematizadas nas aulas de

Educação Física são “linguagens corporais”, as quais permitem aos indivíduos

comunicar-se e entender-se com sua realidade cultural.

E aí, eu penso que a Educação Física é um caminho e eu acho que a gente tem que trabalhar com essas diferentes formas de linguagens corporais vinculadas à cultura e aí eu acho que a Cultura Corporal é a que melhor se identifica com isso. [...] as outras linguagens me interessam porque eu acho que é uma forma da pessoa entender melhor o mundo, entender melhor as pessoas, as redes de comunicação, a forma como as pessoas criaram as práticas corporais de movimento vinculadas à cultura [...] (Prof.10, questão 2.1).

Desta maneira, a terceira característica da abordagem da Cultura

Corporal é a diversificação dos conteúdos em comparação aos modelos

considerados tradicionais da Educação Física, uma vez que não almeja a

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excelência técnica dos alunos, permitindo a vivência de uma gama maior de

práticas corporais.

A quarta característica da abordagem da Cultura Corporal é a superação

dos modelos tradicionais da Educação Física, identificados pelo Prof.10 como os

influenciados pelos movimentos militarista, higienista e do esporte para todos. Tal

superação advém da mudança de referencial teórico-metodológico que permite à

Cultura Corporal nortear-se pelas três características descritas nos parágrafos

anteriores.

Uma crítica que o Prof.10 faz em relação à abordagem da Cultura

Corporal é a desatenção aos possíveis talentos esportivos identificados através

das aulas de Educação Física. Para o informante, a não preocupação com a

excelência técnica e com o rendimento, características desta abordagem,

segundo o próprio informante, acarretam o não aproveitamento e/ou

aperfeiçoamento das habilidades motoras e aptidão física dos alunos com algum

talento esportivo. Ainda assim, para o Prof.10 a opção pedagógica viável é a da

Cultura Corporal, uma vez que considera de maior importância preocupar-se com

a maioria da turma do que com os poucos alunos talentosos, embora seu

argumento não seja consistente uma vez que a identificação de talentos

esportivos a partir das situações de aula não impede uma ação pedagógica

baseada na aquisição de conhecimentos culturais.

O que eu acho que tem prejuízo é exatamente essa coisa da habilidade. Eu acho que a gente acaba deixando um pouco de lado as pessoas que têm mais habilidade e aí você não tem um olhar mais aguçado para a técnica e aí, assim, essa formação de times... essa coisa fica meio que secundária. Então tem alguns alunos que poderiam ser potencialmente desenvolvidos e acabam ficando mais ou menos naquela... naquele meio, igualzinho aos outros. Mas eu ainda prefiro dar aula para a maioria que é ainda aquela que tem mais dificuldade. (Prof.10, questão 2.2).

O Prof.10 aponta como objetivos da Educação Física escolar orientada

pela abordagem da Cultura Corporal fomentar nos alunos: (1) a compreensão das

práticas corporais enquanto manifestações culturais, imersas nas dinâmicas

culturais de cada localidade; (2) a compreensão destas práticas nas suas várias

dimensões; e (3) a autonomia frente estas práticas.

O primeiro ponto já foi discutido ao abordarmos as características

atribuídas a este referencial teórico-metodológico pelo informante. Concentremo-

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nos então nos dois últimos objetivos. O Prof.10 não utiliza os termos conceitual,

procedimental e atitudinal para descrever as dimensões do conhecimento de que

trata a Educação Física. Porém, aponta como objetivos da Educação Física

permitir aos alunos a vivência técnica das várias práticas corporais

(procedimental), bem como das experiências de sensibilização decorrentes desta

prática (atitudinal) e, por último, do entendimento sobre estas práticas orientadas

para o lazer (conceitual).

Então, eu penso que ele tem que ter uma visão geral dos conteúdos vinculados à Educação Física escolar, que eu acredito na Cultura Corporal. Então eu trabalho todo ano um pouco de cada conteúdo, né, e aí, mostrando para eles facetas que cada conteúdo pode ter. Aquelas vinculadas mais à vivência técnica, prática e aquelas da sensibilização, o entendimento que existe, o que é, a pessoa estimular a pensar na sua educação para o lazer. (Prof.10, questão 4.2).

Dominadas estas dimensões, é possível aos alunos desenvolver

autonomia frente às diversas práticas corporais, pois serão capazes de identificar

as diversas possibilidades de manifestações orientadas para o lazer, possuindo

as competências para criá-las e/ou reformulá-las a partir de suas necessidades.

Em relação aos conteúdos de ensino, o Prof.10 considera que as aulas de

Educação Física devem ser conduzidas através de temáticas, selecionadas a

partir do contexto cultural onde se insere a escola. Assim sendo, as práticas

corporais são tematizadas a partir de questões tais como discriminação, violência,

mulher e esporte, jogos pan-americanos, entre outros.

Sobre o processo de avaliação da aprendizagem dos alunos, o Prof.10

afirma não possuir um método capaz de verificar a apropriação dos alunos em

relação às três dimensões do conhecimento trabalhado nas aulas de Educação

Física. No entanto, na tentativa de atribuir uma nota, utiliza-se de produções

teóricas e práticas referentes às temáticas trabalhadas nas aulas, além de

indicadores como participação dos alunos nas atividades, engajamento nas

discussões e reflexões do grupo e mudança de postura referente à participação

nas aulas.

A abordagem da Cultura Corporal no discurso de Prof.10 pauta-se

principalmente na democratização do acesso às diversas práticas corporais. Para

esse intento, assume como características essenciais o ideal de transformação da

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sociedade, não vinculado à superação do modo de produção atual, como faz a

abordagem crítico-superadora; a sistematização das práticas corporais como

elementos culturais; a diversificação dos conteúdos de ensino-aprendizagem; e,

conseqüentemente, a superação do modelo tradicional de Educação Física.

Dois fatores destacam o Prof.10 dos demais informantes que

compuseram a amostra desta pesquisa. O primeiro deles refere-se à apropriação

do referencial teórico-metodológico que identifica como da abordagem da Cultura

Corporal, realizada por meio do seu engajamento no movimento estudantil. O

segundo, por acreditar que a adoção da abordagem da Cultura Corporal acarreta

em prejuízo para a detecção de talentos esportivos entre os alunos. O que não

pode ser remediado já que não considera a detecção de atletas como um objetivo

das aulas de Educação Física.

Informante 11 (Prof.11):

O Prof.11 formou-se em Educação Física na Universidade Gama Filho

(UGF) no ano de 1990. Após sua graduação, realizou na mesma instituição curso

de especialização em Ciência do Voleibol. Atualmente é aluno do Curso de

Mestrado em Educação Física e Cultura também na UGF. Atua como professor

de Educação Física em escolinha de voleibol, personal trainning e na rede

municipal de ensino.

Embora já tendo ouvido a respeito da abordagem da Cultura Corporal, foi

recentemente, através de seu ingresso no mestrado que o Prof.11 pode

estabelecer um contato mais sistematizado com tal referencial teórico-

metodológico. Até então, balizado pelos conhecimentos adquiridos durante sua

graduação em Educação Física, sua ação pedagógica pautava-se com maior

destaque nos referenciais do desenvolvimento motor e da educação psicomotora.

A apropriação da abordagem da Cultura Corporal durante seu curso de

mestrado permitiu ao Prof.11 avaliar sua ação pedagógica sob o enfoque deste

referencial teórico-metodológico, passando a adotá-lo devido a duas

características que o distinguiriam das demais propostas para o ensino da

Educação Física: (1) a diversificação dos conteúdos de ensino; e (2) atribuição de

um sentido pedagógico aos conteúdos. No entender do Prof.11, as demais

propostas pedagógicas para Educação Física limitam as possibilidades de

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vivências dos alunos com as diversas práticas corporais. A abordagem da Cultura

Corporal superaria esse problema por indicar a necessidade de ampliação das

vivências e reflexões dos alunos com as manifestações culturais ligadas ao corpo

em movimento, além de atribuir um sentido a estas manifestações.

Primeiro, o leque de opções que você tem, que ela te proporciona a desenvolver dentro da escola. Porque você tem condições de focar muito mais coisas do que trabalhar pura e simplesmente o que a gente sabe que a cultura escolar, normalmente o que vem sendo trabalhado ao longo do tempo, que é futebol, futebol, futebol ou então queimado, queimado e queimado. Deixam a criança fazer o que ela mais gosta, mas sem propósito nenhum, nenhum objetivo [...] Se você for ficar focado numa questão desenvolvimentista, só pela questão do desenvolvimento motor a gente também limita. Se eu for pensar em comparar eu vou sempre colocar ela como melhor por me proporcionar, oportunizar a prática de muito mais atividades do que as outras tendências, abordagens. (Prof.11, questão 2.1 e 2.2).

Diante dessas características, o Prof.11 considera que a Educação Física

orientada pela abordagem da Cultura Corporal tem por objetivo: (1) a ampliação

das vivências dos alunos com as práticas corporais; (2) a reflexão sobre as

práticas corporais já praticadas pelos alunos em seu cotidiano; (3) a autonomia

frente às práticas corporais; (4) a socialização/inclusão dos alunos; e (5) o

desenvolvimento motor e educação psicomotora.

A ampliação das vivências dos alunos com as práticas corporais advém

da diversificação dos conteúdos de ensino da Educação Física. Para o Prof.11

esta ampliação almeja promover o gosto pela prática de atividades físicas e o

engajamento dos alunos na infância e na vida adulta em uma ou várias das

possibilidades de práticas corporais. Da mesma maneira, a reflexão sobre as

práticas corporais já vivenciadas pelos alunos em seu cotidiano visa instrumentá-

los para a construção da autonomia frente às práticas corporais. Esta autonomia

permitirá a prática consciente das atividades que melhor lhes convierem,

auxiliando no combate a males causados pelos baixos níveis de prática de

atividades físicas.

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[...] oportunizar uma prática maior de atividades dentro da área de Educação Física [...] oportunizar essa prática diferente de outros esportes, de outras atividades que eles não tinham é, não tiveram oportunidade de conhecer. [...] Hoje a gente tem crianças que gostam do basquete, que gostam do voleibol, que é o esporte menos trabalhado na escola, que gostam do handebol, que gostam da capoeira, da dança, [...] dominando aquele conteúdo para que, no futuro, ele possa estar praticando aquele esporte, ou aquela luta, ou aquele jogo de uma maneira mais dinâmica [...] a questão da qualidade de vida. Dele estar praticando uma atividade de uma forma até para ajudar na saúde dele quando ela estiver focada para isso. (Prof.11, questões 4.2, 4.5 e 6.3).

O objetivo de socialização/inclusão refere-se ao fomento de valores e

comportamentos socialmente positivos, uma vez que se tratam de alunos de uma

comunidade violenta, muitos dos quais envolvidos com o tráfico de drogas. Desta

maneira, o Prof.11 preocupa-se destacadamente com o que denomina de

questões atitudinais.

E aí, outro objetivo que a gente tem, assim mesmo, é a questão da socialização das crianças, digo assim, palavras-chaves para poder estar explicando melhor, até por ser um grupo difícil de se trabalhar, né. A gente tem alunos envolvidos no tráfico e crianças com muito pouco oportunidade de vida. [...] E, levando em consideração pro lado mais assim de conteúdo atitudinal, eu tenho muita preocupação do respeito, entendeu. De saber compartilhar, auxiliar os amigos nas atividades, porque como é uma comunidade muito violenta, a gente lida com isso o tempo inteiro. (Prof.11, questões 4.2 e 4.6).

Por último, na opinião do Prof.11, a Educação Física referenciada na

abordagem da Cultura Corporal também se preocupa com o desenvolvimento

motor e psicomotor dos alunos, principalmente nas crianças mais jovens, pois é a

partir de atividades que desenvolvam aspectos da coordenação motora, agilidade,

lateralidade e esquemas corporais que poderá ser desenvolvida, mais à frente, a

expressão corporal dos alunos, entendida como a atribuição de significados

culturais às várias práticas corporais.

Diante desses objetivos, os conteúdos de ensino trabalhados nas aulas

de Educação Física advêm tanto das práticas corporais do cotidiano dos alunos,

como o funk, samba e a capoeira, quanto daquelas estranhas a este contexto

cultural, sendo uma delas o voleibol, pouco praticado pelas crianças da

comunidade, segundo o Prof.11.

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Hoje a gente tem crianças que gostam do basquete, que gostam do voleibol, que é o esporte menos trabalhado na escola, que gostam do handebol, que gostam da capoeira, da dança, sem aquele olhar preconceituoso, porque - Ai! Isso é coisa de menina, isso é coisa de menino. A gente desmistifica isso pra caramba, porque eles trabalham juntos. (Prof.11, questão 4.5).

As estratégias utilizadas pelo Prof.11 para avaliação da aprendizagem

dos alunos são a auto-avaliação e a observação. A auto-avaliação consiste na

discussão e debate junto aos alunos, ao final de cada aula, sobre os pontos

positivos e negativos das atividades trabalhadas, sobre os conflitos e soluções

desenvolvidos pelo grupo, sobre o que foi aprendido. A observação consiste no

método de atribuição de nota do Prof.11, levando em consideração critérios da

dimensão atitudinal, tais como a participação/engajamento dos alunos nas

atividades e comportamentos de respeito entre os colegas. O informante frisa que

as habilidades motor as não constituem indicadores de avaliação dos alunos.

Interessa notar que o desenvolvimento psicomotor e motor dos alunos

são apontados como objetivos das aulas de Educação Física sob o referencial

teórico metodológico da Cultura Corporal. Ainda assim, o Prof.11 não verifica a

aquisição ou não destas habilidades, demonstrando, tal como nos demais

informantes, a dificuldade em adequar o processo de avaliação da aprendizagem

nas aulas de Educação Física aos objetivos propostos por este componente

curricular.

Em síntese, o discurso do Prof.11 possui características singulares em

relação aos demais informantes. Primeiramente, é o único que não cita o Coletivo

de Autores como referência básica para a abordagem da Cultura Corporal, não a

vinculando a proposta crítico-superadora.

Por outro lado, tenta articular como objetivos para as aulas de Educação

Física tanto a aquisição de comportamentos socialmente relevantes, quanto a

apropriação de conhecimentos necessários à autonomia para as práticas

corporais e o desenvolvimento de habilidades motoras, de certa forma

aglutinando os objetivos elencados pelos demais informantes.

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Análise horizontal

Meios de apropriação da abordagem denominada de Cultura Corporal:

Os professores que constituíram o grupo de informantes desta pesquisa,

no geral, estabeleceram contato e declararam terem se identificado e apropriado

da abordagem da Cultura Corporal por meio de textos acadêmicos e normativos,

por meio de docentes de cursos em nível de graduação e pós-graduação, além de

outros. (Tabela 1).

Tabela 1 – Meios influenciadores da apropriação e identificação com a abordagem da Cultura

Corporal

Meios n

Literatura da área Coletivo de Autores 05

PCN‟s 02

TOTAL 07

Curso de Graduação 05

Eventos acadêmicos 03

Cursos de Pós-graduação 03

Debates e discussões com colegas 02

Projeto político-pedagógico da escola 01

Movimento estudantil 01

Entretanto, o meio que mais influenciou a apropriação desta abordagem

foi a leitura do livro publicado pelo Coletivo de Autores (SOARES et alii, 1992) e

dos Parâmetros Curriculares Nacionais para a Educação Física (PCN‟s).

Confirma-se nossa afirmação prévia, levantada ainda nos capítulos

introdutórios deste texto, de que o livro do Coletivo de Autores, apesar de

publicado em 1992, se mantém como uma das principais bibliografias de

divulgação do que vem sendo denominado de abordagem da Cultura Corporal.

Esta associação é problemática, pois embora estes informantes indiquem este

referencial teórico-metodológico como originado nas proposições deste livro, esta

obra é o marco fundador da abordagem denominada, pelo próprio Coletivo de

Autores, de crítico-superadora. Desta feita, a abordagem da Cultura Corporal

somente poderia ser divulgada como originada da obra do Coletivo de Autores se

fosse um termo sinônimo da abordagem crítico-superadora, devendo possuir as

mesmas premissas teórico-metodológicas, o que não se confirma como veremos

no decorrer da análise dos dados, tratando-se de uma ressignificação a partir da

abordagem divulgada no livro.

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O contexto da graduação aparece como segunda forma de contato dos

professores informantes com a abordagem da Cultura Corporal. Nesta

perspectiva cabe destaque a fala do Prof.5, em resposta a questão sobre como

conheceu a abordagem da Cultura Corporal, parecendo não distinguir entre a

abordagem teórico-metodológica que adere e as diversas práticas corporais

pertencentes à cultura37.

Esta dupla significação do termo cultura corporal, ora significando as

diversas práticas corporais pertencentes à cultura de movimento, ora

denominando uma abordagem teórico-metodológica para o ensino de Educação

Física, trata-se de uma evidência de ressignificação da abordagem Crítico-

superadora, quando adequada à realidade específica de cada contexto

educacional, resultando em ações pedagógicas diferenciadas, sustentadas por

um amálgama de premissas teórico-metodológicas de várias abordagens, como

destacado por Caparroz (2001).

Ainda em relação à graduação, cabe destacar as falas do Prof.1, do

Prof.4 e do Prof.10, que embora tenham concluído suas formações profissionais

iniciais em 1998, 1997 e 1996, respectivamente, afirmam não terem tido nenhum

contato com a abordagem da Cultura Corporal e, muito provavelmente, com a

abordagem Crítico-superadora nos anos de faculdade. Cada um destes

informantes estabeleceu contato com este referencial em diferentes contextos,

como descrito na análise vertical apresentada anteriormente neste capítulo.

Entretanto, o Prof.10 teve seus primeiros contatos com o que denomina

de abordagem da Cultura Corporal por meio de seu envolvimento com o

movimento estudantil. Parte integrante da formação profissional inicial de um

grande número de professores de Educação Física, a militância no movimento

estudantil, assim como outros elementos constituintes do denominado currículo

oculto38 dos cursos de formação (MOREIRA; SILVA, 2000; SILVA, 2003), parece

se constituir num forte mecanismo de identificação e adesão à determinados

referenciais teórico-metodológicos e para a ressignificação destes mesmos 37

O recorte de fala do Prof.5 correspondente encontra-se na página 73. 38

Segundo Silva (2003, p. 79), o currículo oculto é "constituído por todos aqueles aspectos do ambiente escolar que, sem fazer parte do currículo oficial, explícito, contribuem, de forma implícita, para aprendizagens sociais relevantes". São, portanto, normas, valores, comportamentos, conhecimentos, ideologias, papéis sociais e de gênero aprendidos na relação que os alunos estabelecem entre si e com professores, sem estarem oficialmente previstos para o processo de formação.

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referenciais. O impacto deste currículo oculto na formação dos professores de

Educação Física deveria ser alvo de sistemáticas investigações para elucidarmos

de que forma influencia na concepção pedagógica de graduandos de Educação

Física.

Os informantes formados anteriormente à publicação do livro do Coletivo

de Autores (SOARES et alii, 1992) afirmaram ter estabelecido seus contatos por

meio, principalmente, da formação continuada, englobando congressos na área e

cursos de especialização e mestrado. Os cursos mais citados foram o de

Especialização em Educação Física Escolar oferecido pela Universidade Federal

Fluminense e o Curso de Mestrado em Educação Física e Cultura da

Universidade Gama Filho.

Características justificadoras da adoção da abordagem denominada de Cultura

Corporal:

Diferentes são os argumentos utilizados pelos informantes para justificar

as adesões à abordagem denominada de Cultura Corporal (Tabela 2).

Tabela 2 – Características justificadoras da adoção da abordagem denominada de Cultura Corporal

Características n

Ampliação das vivências com as práticas corporais 05

Valorização das práticas corporais do cotidiano 04

Participação dos alunos na elaboração das atividades de aula 02

Não-exclusão pela adequação das atividades às necessidades dos alunos 02

Negação da exacerbação do rendimento esportivo e da técnica 01

Desenvolvimento de diversas potencialidades do corpo 01

Não-especificado* 01 * Afirma que a abordagem da Cultura Corporal supera o modelo tradicional da Educação Física, embora não especifique em que pontos.

No discurso dos informantes, a característica mais marcante da

abordagem da Cultura Corporal é o fato de se constituir num referencial teórico-

metodológico que possibilita a superação do modelo tradicional da Educação

Física. No entanto, os argumentos dos informantes não são uníssonos; ao

contrário, dispersam-se em diferentes aspectos e argumentos.

Os dois principais aspectos evidenciados pelos professores foram a

possibilidade de ampliação das vivências dos alunos com as práticas corporais,

superando a exacerbação dos esportes de maior alcance midiático, própria do

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modelo tradicional de Educação Física; e a valorização das práticas corporais do

cotidiano dos alunos, completando o primeiro aspecto e conferindo força

argumentativa a abordagem da Cultura Corporal, por revesti-la do discurso de

resgate e/ou preservação das tradições culturais.

As falas do Prof.3 e o Prof.8, respectivamente, são bastante elucidativas

sobre a oposição entre o modelo tradicional de Educação Física e a abordagem

denominada de Cultura Corporal, em respeito à ampliação das vivências das

práticas corporais e valorização destas manifestações culturais do cotidiano dos

alunos:

[...] eu achava que o aluno tinha muito mais a me dizer do que aquilo que eu fazia... que era efetivamente... pudesse estar na aula de Educação Física realizando. Então, na verdade ele reproduzia aquilo que eu passava para ele. Então, eu achava que o aluno tinha alguma coisa para trazer. O que o aluno trazia de formação, de experiência era importante. Só que na minha prática eu não via como colocar isso. Então, quando tive contato com a cultura corporal, eu vi exatamente que a cultura corporal me permitia ir ao encontro do aluno e aproveitar aquilo que ele tinha como experiência anterior. (Prof.3, questão 2.1).

[...] eu acho que o grande lance da cultura corporal é essa... esse leque que ela abre, né. Ela não restringe, pelo contrário, ela abre. E aí tudo que está ali, que faz parte da vivência corporal de determinados grupos é passível de ser conteúdo da Educação Física. (Prof.8, questão 2.1).

Outras características da abordagem da Cultura Corporal foram citadas

pelos informantes, mas apesar de poderem ser consideradas avanços em relação

à Educação Física tradicional, não foram vinculadas diretamente à superação

deste modelo. A Tabela 03 lista estas características da abordagem da Cultura

Corporal emergidas dos discursos dos informantes.

TABELA 03 – Características da abordagem da cultura corporal não vinculadas diretamente à

superação do modelo de Educação Física tradicional Características n

Objetivo de transformação da sociedade 02 Compreensão da Educação Física enquanto um dos componentes curriculares 01

Possibilidade de mescla de vários conteúdos de ensino na mesma aula 01 Atividades de aula na forma de situações problemas 01 Tentativa de sistematização de um conhecimento específico à Educação Física 01 Trabalho com conteúdos relevantes para os alunos 01 Compreensão do ser humano enquanto fruto de determinações sociais 01

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Uma delas remete ao ideal de transformação da sociedade. Como visto

em nossa revisão de literatura, talvez essa seja a característica que mais

fortemente destaca a abordagem crítico-superadora das demais abordagens para

a Educação Física. O fato de apenas dois informantes atribuírem esta

característica à abordagem da Cultura Corporal demonstra como os mecanismos

de controle interno dos discursos descritos por Foucault (2004), cuja ação tenta

garantir a manutenção de significados mais ou menos inalterados nos discursos,

foram sobrepujados no processo de apropriação social do discurso (ibidem) e de

dispersão da informação (DEVIDE, 2001), provocando ressignificações nos

pressupostos teórico-metodológicos da abordagem crítico-superadora.

Objetivos da Educação Física na perspectiva da abordagem denominada de

Cultura Corporal:

Em relação aos objetivos da Educação Física na abordagem da Cultura

Corporal, os dados obtidos foram distribuídos em três categorias de análise, cada

uma relacionando objetivos específicos para a Educação Física, como mostra a

Tabela 04.

TABELA 04 – Objetivos pedagógicos da Educação Física na abordagem da Cultura Corporal Categorias Objetivos n

Objetivos relacionados à dimensão procedimental dos conteúdos

Ampliar as vivências com as práticas corporais

05

Desenvolver as habilidades motoras 04

Desenvolver as habilidades psicomotoras 01

Desenvolver a expressão corporal 01 TOTAL 11

Objetivos relacionados à dimensão atitudinal dos conteúdos

Desenvolver competências para a cidadania

02

Adquirir postura crítica diante das práticas corporais

02

Desenvolver a não-exclusão entre os alunos

02

Desenvolver a socialização 02 Desenvolver liderança e organização 01 TOTAL 09

Objetivos relacionados à dimensão conceitual dos conteúdos

Aprofundar os conhecimentos sobre as práticas corporais

02

Compreender a relação entre atividade física e saúde

01

Relacionar o senso-comum com o conhecimento científico

01

TOTAL 04

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101

Ao analisarmos os dados acima percebemos que, no discurso dos

professores informantes, os objetivos para a Educação Física, balizada pela

abordagem da Cultura Corporal, permanecem fortemente relacionados às

dimensões procedimentais e atitudinais do conhecimento tratado, conferindo

menor ênfase aos objetivos referentes à dimensão conceitual do conhecimento.

Como destaca Darido (2005), professores de Educação Física, mesmo

com pós-graduação, não dão destaque aos conteúdos de ensino na sua

dimensão conceitual, embora elejam como objetivos para a Educação Física a

autonomia dos alunos frente às práticas corporais. Esta autonomia fica

prejudicada ou mesmo inviabilizada sem a apropriação dos saberes sobre as

práticas corporais que permitirão o engajamento ou não na prática de atividades

físicas na busca de saúde, lazer, estética ou rendimento físico-esportivo.

Em relação aos objetivos que se referem à dimensão procedimental do

conhecimento, a ampliação das vivências dos alunos com as práticas corporais

novamente emerge como um dos pontos centrais da abordagem da Cultura

Corporal, reafirmando os dados obtidos no eixo temático anterior. O discurso dos

professores de Educação Física parece apontar para a superação do modelo

tradicional de Educação Física principalmente pela ampliação dos conteúdos de

ensino-aprendizagem, contrapondo-se ao ensino das modalidades esportivas

mais conhecidas ou cuja técnica é dominada pelo professor.

Outro objetivo relacionado a esta dimensão procedimental presente no

discurso dos informantes sobre a abordagem da Cultura Corporal é o

desenvolvimento das habilidades motoras dos alunos. Principal objetivo da

abordagem conhecida como desenvolvimentista (TANI et alii, 1988), não

consideramos possível uma Educação Física que não busque tal intento.

Entretanto, algumas abordagens para a Educação Física consideradas críticas,

entre elas a abordagem crítico-superadora, da qual consideramos ser a

abordagem da Cultura Corporal derivada, colocam-se numa relação de crítica ao

referencial desenvolvimentista. Não tanto pela aspiração de desenvolver as

potencialidades motoras dos alunos, mas pelas características que a ação

pedagógica assume dentro desta perspectiva, tal como o caráter não-reflexivo

das atividades ou a concepção de ser humano como um ser motor, como diria

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Daolio (2004), não superando o modelo tradicional da Educação Física, mas

apenas reorganizando suas premissas em torno de novos objetivos.

Novamente parece confirmar-se a afirmação de Caparroz (2001),

segundo o qual os professores de Educação Física fundamentam a sua ação

pedagógica num referencial teórico-metodológico resultante da combinação de

aspectos de diferentes referenciais. Neste sentido, seriam relevantes estudos

para verificar o grau de importância dada ao desenvolvimento das habilidades

motoras pelos professores de Educação Física, bem como verificar se o processo

de ensino-aprendizagem das habilidades motoras assume características do

modelo tradicional ou dos modelos progressistas de Educação Física.

A fala abaixo, extraída do Prof.5 sobre a aquisição de habilidades motoras

em alunos do ensino médio, explicita como tais questões podem tornar-se

complexas, principalmente tratando-se de adeptos do que seria uma perspectiva

crítica de Educação Física:

[...] a gente trabalha com um conteúdo que... ele acompanha os três anos, né, então assim, a gente não modifica muito, não muda de uma série para a outra, dentro de uma série para outra. Lógico, a gente aumenta um pouco mais a exigência do que cada um pode fazer, porque se no primeiro ano ele aprendeu o básico, no segundo ano ele pode evoluir aquilo e melhorar. Aí sim a gente começa a pegar um pouquinho de performance do que ele pode melhorar, já que no primeiro ano ele teve uma base, no segundo ano ele pode ter melhorado aquela base, no terceiro ele ta mais a frente. (Prof.5, questão 5.2).

Os objetivos relacionados à dimensão atitudinal do conhecimento a ser

tratado nas aulas de Educação Física emergiram do discurso dos informantes

basicamente com a mesma freqüência. Para iniciarmos nossas considerações

sobre eles cabe apresentar um trecho da fala do Prof.8:

Rapaz, eu estou numa crise! Numa crise! Algum tempo atrás, num conselho de classe, eu me dei conta que a gente, e aí eu falo a gente porque eu acho que é uma questão da Educação Física na escola, eu acho que a gente tem perdido um pouco os objetivos específicos da área, né. E aí eu me vejo num conselho de classe falando do perfil psicológico do aluno, falando da questão da sociabilidade do aluno e me dei conta de que, caramba, que eu tenho pra falar da questão corporal desse aluno, da questão motora, da questão que é a minha especialidade, né, vamos dizer assim. (Prof.8, questão 4.2 - grifo nosso).

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103

Se retornarmos à Tabela 04, perceberemos que a crítica do Prof.8 possui

relevância, pois embora os objetivos relacionados à dimensão procedimental,

certamente essenciais à Educação Física, tenham sido os mais lembrados pelos

informantes, os objetivos relacionados à dimensão conceitual, também

fundamentais, foram pouco lembrados, tanto em termos absolutos quanto em

relação aos objetivos referentes à dimensão atitudinal. Tal dimensão, por tratar de

comportamentos e valores socialmente relevantes, equivalendo-se ao que o

Coletivo de Autores denomina de consciência social coletiva (SOARES et alii,

1992), não possui especificidade com nenhum componente curricular. Trata-se de

uma dimensão do conhecimento comum a toda e qualquer disciplina e que,

apesar de indissociável das demais dimensões, ultrapassa os limites do papel

social da escola.

Pode-se argumentar que o objetivo relacionado à dimensão atitudinal dos

conteúdos, “desenvolver competências para cidadania”, engloba, em maior ou

menor grau, todos os outros objetivos atitudinais. Optamos por considerá-lo em

separado devido ao fato de que alguns dos professores ao falarem de atitudes de

não-exclusão39 dos colegas, respeito às diferenças, socialização, atenção às

regras, o fizeram vinculados diretamente à aquisição de competências para

exercer a cidadania, enquanto que outros não estabeleceram explicitamente esta

relação.

Eu acho que a finalidade, a função da escola, a gente volta àquela questão, a função da escola é preparar o aluno para que ele venha mais tarde poder exercer, realmente, a sua cidadania plena, né, e eu acho que o papel da Educação Física não é somente desenvolver através das atividades esportivas, mas é preparar esse aluno, também, para mais tarde ele poder exercer suas funções, saber que as regras que ele aprende nos jogos... ele poder saber que na vida existem regras, existe ética, valores que ele tem que respeitar. Eu acho que a partir do esporte, a partir da dança, a partir dos jogos ele vai compreender melhor isso. (Prof.1, questão 2.2).

Estabelecendo relação com a abordagem crítico-superadora (SOARES et

alii, 1992), o Coletivo de Autores estabelece como função da educação escolar

não só a transmissão dos conhecimentos produzidos pelas gerações anteriores,

39

Acreditamos que o termo utilizado pelos entrevistados – inclusão – remete a séries de questões e discussões superiores a adequação das atividades de aula para a participação de todos os alunos. Por esta razão, optamos por utilizar o termo não-exclusão em nossas análises.

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mas também a construção de uma consciência social coletiva – o conjunto de

valores, comportamentos, padrões estéticos e éticos de determinada sociedade,

em determinada época. Os objetivos de caráter atitudinal apresentados pelos

professores informantes constituem a consciência social coletiva que desejam

formar em seus alunos, diferindo em dois pontos fundamentais da explicitada pelo

Coletivo de Autores: (1) na abordagem crítico-superadora, a consciência social

coletiva relaciona-se diretamente com a aprendizagem conceitual e procedimental

dos conteúdos de ensino, o que não parece ocorrer na fala dos informantes da

pesquisa; e (2) a consciência social coletiva do Coletivo de Autores é orientada

para a busca de hegemonia das classes populares, diferentemente dos objetivos

atitudinais dos professores informantes, direcionados não para a luta de classes,

mas para a formação humana dentro de ideais liberais.

Conteúdos de ensino-aprendizagem da Educação Física na perspectiva da

denominada abordagem da Cultura Corporal:

O quarto eixo temático de análise engloba dois pontos inter-relacionados:

(1) os diferentes conteúdos de aula e suas características citados pelos

informantes da pesquisa; e (2) critérios de seleção destes conteúdos.

Em relação aos conteúdos listados pelos professores, percebemos a

ampliação das manifestações corporais pedagogizadas nas aulas de Educação

Física, as quais tradicionalmente privilegiam o esporte, confirmando o discurso de

diversificação das práticas corporais. A Tabela 5 relaciona as práticas corporais

indicadas como conteúdos das aulas de educação na perspectiva da abordagem

da Cultura Corporal:

TABELA 05 – Conteúdos de ensino aprendizagem na abordagem da Cultura Corporal. Conteúdos n

Práticas corporais diversas

Dança 06

Jogo 05 Esporte 04

Corpo, saúde e condicionamento físico 04 Capoeira 02 Luta 02 Temas 02

Ginástica 01 Salto 01 Corrida 01

Maculelê 01 Manifestações folclóricas 01

Total 10

Jogo 01

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Das premissas teórico-metodológicas caracterizadoras da abordagem

crítico-superadora, a diversificação dos conteúdos de ensino foi a que mais se

destacou no discurso dos informantes sobre a abordagem da Cultura Corporal.

Uma vez que no modelo tradicional de Educação Física o esporte figura como

único ou principal conteúdo de aula, a quase unânime aceitação pelos

informantes da necessidade de diversificação das práticas corporais tratadas em

aula corrobora o desejo de superação do modelo de Educação Física tradicional,

já apontado como a principal característica da abordagem da Cultura Corporal

justificadora de sua adoção pelos informantes.

Por razões cuja atual pesquisa não se propôs a responder, dentro das

negociações necessárias para a dispersão da informação (DEVIDE, 2001), ou

seja, dos pressupostos teórico-metodológicos da abordagem crítico-superadora

no interior da sociedade discursiva (FOUCAULT, 2004) constituída pelos

professores de Educação Física, manteve-se este ideal de diversificação dos

conteúdos, quando outras características marcantes foram ignoradas.

A desordem conceitual estabelecida na área sobre o uso do termo

„cultural corporal‟ ora como uma denominação proposta pelo Coletivo de Autores

para o conjunto de práticas corporais de uma cultura, ora como a denominação de

uma abordagem pedagógica para a Educação Física muitas vezes confundida

com a própria abordagem crítico-superadora, pode estar diretamente relacionada

à aceitação desta característica de diversificação dos conteúdos. Parte de um

complexo de vários pressupostos teórico-metodológicos que em conjunto formam

uma proposta pedagógica, a necessidade de ampliação das práticas corporais

pedagogizadas nas aulas de Educação Física é de fácil compreensão, mesmo

que os demais pressupostos indicadores de como agir pedagogicamente sobre

esta nova gama de conteúdos não o seja. Esta é uma hipótese que, se

comprovada, auxiliaria na compreensão do porquê professores adeptos de uma

mesma abordagem, identificada como Cultura Corporal, associada por muitos à

proposta crítico-superadora, diversificam seus conteúdos de aula ao mesmo

tempo em que mantém suas ações pedagógicas voltadas para outros referenciais

teórico-metodológicos, a exemplo do referencial desenvolvimentista.

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A própria adoção do termo „cultural corporal‟ tanto como sinônimo da

abordagem crítico-superadora quanto como denominação de outra abordagem

com características singulares, estaria explicada, pois se pode argumentar que o

marco da proposta crítico-superadora é divulgação da idéia de que cabe à

educação física tratar da „cultural corporal‟. Os adeptos da abordagem crítico-

superadora tratam da „cultural corporal‟ sob as bases que constituem esta

proposta. Por outro lado, aqueles professores adeptos da abordagem da Cultura

Corporal, também tratam desta cultura, porém fundamentados em outros

referenciais teórico-metodológicos, não percebendo que apesar da ampliação dos

conteúdos de ensino-aprendizagem, pouco modificam sua ação pedagógica.

Exemplos podem ser extraídos da fala de nossos informantes, onde em

diversos momentos não fica suficientemente claro se as práticas corporais

indicadas por eles, e relacionadas na tabela anterior, configuram-se como

conteúdos de ensino do processo educativo, como na abordagem crítico-

superadora, ou como meios de atingir os objetivos propostos para a disciplina,

como no caso de uma ação pedagógica baseada na perspectiva

desenvolvimentista. As falas do Prof.1, onde as práticas corporais parecem

configurar-se como meio para os objetivos educacionais, e do Prof.2, onde a

apropriação das práticas corporais é o próprio fim, ilustram esta questão.

O papel da Educação Física não é somente desenvolver através das atividades esportivas, mas é preparar esse aluno, também, para mais tarde ele poder exercer suas funções, saber que as regras que ele aprende nos jogos, ele poder saber que na vida existem regras que ele tem que respeitar. Eu acho que a partir do esporte, a partir da dança, a partir dos jogos ele vai compreender melhor isso. (Prof.1, questão 2.2).

O que a gente perspectiva nas aulas de Educação Física é que os alunos consigam identificar o que são essas práticas [corporais], eles consigam compreender e eles consigam sistematizar esse conhecimento acumulado numa perspectiva de estar também sendo... possibilitando a eles serem produtores desse conhecimento. Então, partindo da identificação até a sistematização desse conhecimento [...] possam se auto-organizar e a partir dessa auto-organização coletiva eles possam auto-determinar suas práticas, então, exatamente numa perspectiva de autonomia perante as práticas e, no caso, do conhecimento da cultura corporal. (S2, questão 4.5).

Os critérios para seleção dos conteúdos, segundo ponto de análise do

eixo temático 4, são descritos na tabela abaixo:

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TABELA 06 – Critérios para a seleção dos conteúdos de ensino-aprendizagem na abordagem da Cultura Corporal

Critérios de seleção n

Cotidiano dos alunos 06 Pouca visibilidade na mídia e baixa prática no cotidiano 03 Disponibilidade de material e infra-estrutura 02 Experiência prévia do professor 01 Práticas corporais da cultura brasileira e universais 01 Conteúdos necessários para autonomia frente às práticas corporais 01 Não estabelece critério (conteúdos já definidos) 01 Relevância social dos conteúdos 01 Contemporaneidade dos conteúdos 01 Alternância entre os conteúdos 01 Interesse dos alunos 01

Imediatamente percebe-se a coerência entre as características e objetivos

da Educação Física sob a égide da abordagem da Cultura Corporal e os critérios

de seleção dos conteúdos desta disciplina. Tendo a Educação Física o objetivo

principal de ampliar e aprofundar as experiências dos alunos com as práticas

corporais de seu cotidiano, não poderiam ser outros os critérios mais enfatizados

pelos informantes para a seleção dos conteúdos de ensino – o cotidiano dos

alunos e o baixo grau de visibilidade na mídia.

Entretanto, duas falas merecem destaque. A primeira do Prof.5, ao

afirmar que não utiliza nenhum critério para a seleção dos conteúdos de ensino

nas suas aulas de Educação Física. Sua justificativa reside no fato de que os

conteúdos a serem trabalhados seriam inerentes à própria Educação Física, não

existindo possibilidade de re-ordenamento.

Acho que... assim... o critério... o critério. Isso é inerente à Educação Física, né. A gente não pode tirar... falar eu não vou dar isso ou aquilo porque essa é a nossa disciplina, né. Esse conteúdo é basicamente nosso. (Prof.5, questão 4.4)

Todo discurso do Prof.5 é caracterizado pela idéia de desenvolvimento

das habilidades psicomotoras. Na sua concepção da abordagem da cultura

corporal, os diversos elementos da cultura de movimento são recursos

metodológicos para atingir os objetivos de desenvolvimento cognitivo, motor e

afetivo dos alunos, não havendo necessidade do estabelecimento de um critério

específico para a seleção dos conteúdos, a não ser o nível de desenvolvimento

dos alunos, embora não esteja explicitado em sua fala.

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O objetivo geral? Seria o desenvolvimento global do aluno, tanto na parte física quanto cognitiva e afetiva, né. A socialização dele com os outros, né. Seria a integração de tá colocando um aluno que não sabe jogar com um que sabe, para eles interagirem, né. Seria também as possibilidades... de um que já sabe fazer o movimento, o gesto, o que for dado no momento. Estar também ajudando aquele outro, né, que seria o afetivo, de estar ali ajudando o colega também a fazer, né. (Prof.5, questão 4.2).

A segunda fala merecedora de destaque é a do Prof.1. Além do cotidiano

dos alunos como critério de seleção dos conteúdos de ensino das aulas de

Educação Física, este informante, também utiliza como critério para seleção dos

conteúdos suas experiências prévias com as práticas corporais.

Eu não trabalho a luta propriamente dita porque eu não tenho conhecimento, mas eu trabalho a questão da capoeira que é muito forte na minha escola, né. Eles conhecem e eu tento aprimorar, tento entender como eles jogam a capoeira [...] sempre trabalhei ginástica, sempre trabalhei a questão do atletismo como esporte e a dança porque, até mesmo porque eu tenho muita ligação com a dança. (Prof.1, questão 4.3 – grifo nosso).

Especificamente para este o Prof.1, os objetivos da Educação Física

residem no desenvolvimento das habilidades motoras e de comportamentos

socialmente aceitos.

Dentro desta perspectiva, é possível supor que o trato pedagógico com as

práticas corporais da cultura dos alunos limita-se às dimensões procedimentais e

atitudinais destes conteúdos, o que dificultaria a seleção de práticas corporais que

já não estivessem presentes no cotidiano ou que os gestos técnicos não fossem

conhecidos pelo professor.

Este posicionamento diverge da principal característica e objetivo

apresentados aqui como pertencentes à abordagem denominada, pelos

professores de informantes, de Cultura Corporal – a ampliação das vivências dos

alunos com os elementos da cultura de movimento, restringindo as possibilidades

de conhecimentos a serem apresentados aos alunos.

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Avaliação do processo de ensino-aprendizagem da Educação Física na

perspectiva da denominada abordagem da Cultura Corporal:

O discurso sobre a avaliação da aprendizagem na abordagem da Cultura

Corporal foi dividido em três categorias de análise: (1) objetivos do processo de

avaliação; (2) métodos de avaliação; e (3) indicadores de avaliação.

TABELA 07 – Objetivos do processo de avaliação da aprendizagem na abordagem da Cultura Corporal

Objetivos n

Verificar aquisição de atitudes socialmente positivas 04 Verificar a apropriação de conhecimentos 04 Verificar a melhora das habilidades motoras 02 Propiciar a legitimação da Educação Física frente às demais disciplinas 01 Identificar problemas na ação pedagógica 01 Identificar o grau de interesse pela prática de atividades físicas 01

Quanto aos proclamados objetivos da avaliação da aprendizagem, os

informantes citam com maior freqüência aqueles relacionados à apropriação das

dimensões atitudinais e conceituais dos conhecimentos trabalhados em aula,

seguido em menor número pelos os conhecimentos de ordem procedimental,

dentre outros. Como já evidenciado no decorrer desta análise, a aquisição de

atitudes socialmente positivas encontra destaque nos discursos dos informantes

da denominada abordagem da Cultura Corporal.

Porém, invertendo a ordem declarada de prioridades estabelecidas no

eixo temático sobre os objetivos da abordagem da Cultura Corporal, no caso da

avaliação, a apropriação de conhecimentos sobre as práticas corporais foi mais

citada como objetivo das avaliações em detrimento da declarada intenção

pedagógica de melhora das habilidades motoras. Entretanto, esta apropriação

dos conhecimentos é limitada ao entendimento da relação entre atividade física e

saúde como uma relação de causa e efeito, negligenciando os pontos ainda não

esclarecidos sobre esta relação, além dos demais saberes sobre a cultural

corporal necessários para a construção de autonomia para a prática de atividades

físicas nas dimensões da saúde, lazer, estética e rendimento físico-esportivo.

O quarto objetivo da avaliação da aprendizagem na abordagem da

Cultura Corporal elencado na Tabela 7 merece destaque, pois se refere à

legitimação da Educação Física frente às demais disciplinas, graças à

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possibilidade de reprovação que o ato de avaliar traz em seu bojo. Esta afirmação

é feita pelo Prof.4 quando inquirido sobre o objetivo das avaliações.

Evitar que o aluno... tem muito aquela coisa ainda da Educação Física ser tratada como uma matéria a mais. A gente não é uma matéria, a gente é uma matéria realmente! Tem gente que não vai fazer aula porque esta estudando para a prova do fulaninho. Tem gente que vem pra cá, troca de roupa e fica lendo a matéria do... fulaninho que eu coloco não é pejorativo, ta, é pra não citar nomes, de outro professor. Eles aqui falam que não pode chegar atrasado lá embaixo, em outras matérias, mas chegam atrasados aqui. Então a gente coloca umas regras para que isso também seja respeitado. Se eles têm que chegar em outra sala até dez minutos de tolerância, eles também têm que chegar aqui até dez minutos de tolerância. Nós somos iguais as outras. Uma coisa. Aqui reprova em Educação Física. Ah! Só ta em uma, não vai reprovar, vai colocar em dependência como ficaria em dependência quem está em uma em matemática, em uma em química, em uma em física. Se juntar, passou das três, está em quatro, juntou com Educação Física, ta reprovado. (Prof.4, questão 6.1 – grifo nosso).

Assim sendo, no discurso desse informante a avaliação não se destina a

verificar o grau de apropriação dos alunos em relação aos conhecimentos

veiculados pela Educação Física, mas tentar equipará-la, em termos de

legitimidade, às demais disciplinas do currículo consideradas convencionais, via

aquisição de poder e autoridade para aprovar ou reprovar os alunos.

A questão da legitimidade da Educação Física enquanto componente

curricular é um problema que assombra os professores de Educação Física.

Entretanto, a avaliação da aprendizagem é parte essencial de qualquer ação

pedagógica, pois permite verificar o nível de apropriação dos alunos dos

conhecimentos veiculados em sala de aula, ao mesmo tempo em que fornece

indicadores sobre o trabalho docente, pontos importantes para a concretização do

projeto educacional (LUCKESI, 2002). Assim sendo, ao contrário da perspectiva

tradicional, a avaliação da aprendizagem não pode tratar-se de uma simples

exigência burocrática e, menos ainda, de um mecanismo de coerção para aquelas

disciplinas com problemas de legitimidade, como é o caso da Educação Física.

Nesta o processo de avaliação destina-se a verificar a apropriação dos alunos dos

conhecimentos sobre as práticas corporais da „cultura corporal‟, não havendo

sentido na busca de melhores índices de aptidão física e incremento de medidas

antropométricas (SOARES, et alii, 1992).

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Em relação aos métodos de avaliação, o mais citado foi a observação dos

alunos durante as aulas para atribuição de notas ou conceitos. É evidente que os

pontos a serem observados dependerão dos objetivos da avaliação e dos objetos

e critérios estabelecidos para julgar o nível de apropriação ou aquisição dos

conhecimentos de ensino-aprendizagem e, quando for o caso, a atribuição de

nota ou conceito.

TABELA 8 – Métodos de avaliação da aprendizagem na abordagem da Cultura Corporal. Métodos n

Observação dos alunos durante as aulas

Atribuição de notas individuais aos alunos 07 Auto-avaliação dos alunos 03 Atribuição de conceitos à turma 01

TOTAL 11

Pesquisa e construção de atividades de aula - 02

Além da atribuição de notas individuais aos alunos, o método de

observação apresenta duas variantes no discurso dos informantes: (1) a auto-

avaliação dos alunos; e (2) a atribuição de conceitos à turma. A auto-avaliação é

citada por três informantes, todavia, configurando-se duas formas distintas. A

primeira consiste na divulgação dos indicadores de avaliação para os alunos, os

quais elaboram para o dia da avaliação um texto atribuindo as próprias notas para

cada indicador de avaliação, devidamente justificadas. No dia da avaliação,

comparam-se as notas auto-atribuídas pelos alunos com as atribuídas pelo

professor, culminando em um debate entre professor e aluno para chegarem a

uma conclusão sobre a nota final.

A segunda forma de auto-avaliação não se destina à avaliação de caráter

somativo da aprendizagem, mas sim ao retorno (feedback) dos alunos sobre os

conteúdos trabalhados, os métodos utilizados, dificuldades enfrentadas e os

aspectos positivos. Trata-se, portanto, de uma avaliação formativa e coletiva da

relação pedagógica e não do nível e da qualidade da aprendizagem dos alunos.

A atribuição de conceitos à turma, espécie de avaliação através da

observação coletiva, é citada pelo Prof.1, possuidor do discurso mais contraditório

em relação à avaliação. Ele inicia sua fala afirmando não haver uma forma

específica de avaliação, mas apenas a atenção ao desenvolvimento da turma

como um todo, sendo esta, segundo ele, a recomendação da Secretaria Municipal

de Educação do Rio de Janeiro.

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Bom, a avaliação no Município é em cima da turma, do geral, né, o grosso né. Se eles estão conseguindo ou não alcançar os objetivos dentro da aula de Educação Física [...] Então eu acabo avaliando com o grosso da turma. Se eles estão conseguindo acompanhar dentro dos conteúdos, estão conseguindo... E eu avalio a turma. Então não tem uma avaliação específica. (Prof.1, questão 6.1).

Em seguida, afirma atribuir, também a partir de orientações da Secretaria

de Educação, conceitos individuais de uma escala que vai do 'insuficiente' ao

'ótimo', o que, ao contrário do afirmado, configura-se como um processo de

avaliação individual. Para os alunos atingirem o conceito 'ótimo' necessitam

demonstrar a aquisição de atitudes socialmente positivas, como respeito aos

colegas e às regras.

Para estarem com esse ótimo e muito bom, eles... A grande questão não é eles terem domínio do esporte, até mesmo porque eu estou na primeira fase, primeiro e segundo ciclos. Então eu acho que eles respeitando os outros mesmo, a questão dos valores que eu sempre friso na minha aula, eles saberem que existem regras, estou trabalhando com eles jogos, então existem regras, não pode burlar as regras, entendeu? A partir dessas questões que eu começo a avaliar a turma, como é que eles estão conseguindo se desenvolver ou não. (Prof.1, questão 6.4).

Os mencionados indicadores e critérios de avaliação compreendem

unicamente a dimensão atitudinal dos conteúdos de ensino da Educação Física; e

ainda, apenas aqueles que não dizem respeito a uma disciplina específica, mas a

todo processo educacional, descaracterizando a Educação Física enquanto

componente curricular e, como tal, possuidor de um conhecimento específico a

ser transmitido aos alunos através do processo educacional.

TABELA 9 – Indicadores de avaliação na abordagem da Cultura Corporal.

Indicador n

Participação 06 Atitudes socialmente positivas 05 Desempenho motor 02 Apreensão do conhecimento 01 Presença em aula 01 Relação entre teoria e prática 01

Os principais indicadores de avaliação emergidos do discurso dos

informantes foram a participação dos alunos, entendido como o engajamento nas

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atividades de aula, e as atitudes socialmente positivas, equivalente à criação de

uma consciência social coletiva nos termos do Coletivo de Autores (SOARES et

alii, 1992).

Pode-se afirmar que ambos os indicadores estão em conformidade com o

principal objetivo do processo de avaliação da aprendizagem na perspectiva da

abordagem da Cultura Corporal dos informantes, qual seja verificar a aquisição de

comportamentos socialmente positivos. Em adição, tanto estes indicadores

quanto os objetivos da avaliação estão coerentes com os objetivos da Educação

Física sob a égide da denominada abordagem da Cultura Corporal, orientados

principalmente para as dimensões procedimentais e atitudinais dos

conhecimentos.

A coerência se desfaz quando é estabelecido como segundo objetivo

mais citado do processo de avaliação, dentro da denominada abordagem da

Cultura Corporal, verificar a apropriação dos alunos dos conhecimentos de ordem

conceitual sobre as práticas corporais, conforme a Tabela 7. Apontamos esta

incoerência devido ao fraco destaque dado pelos informantes à apropriação

destes elementos conceituais do conhecimento de que trata a Educação Física

como objetivo das aulas, como pode ser visualizado na Tabela 4.,

Outra incoerência refere-se à marcante característica desenvolvimentista

presente no discurso dos informantes sobre os objetivos da Educação Física na

perspectiva na abordagem da Cultura Corporal, não havendo discurso equivalente

em relação aos objetivos da avaliação de aprendizagem. Apesar do elevado

destaque que o desenvolvimento de habilidades motoras obteve durante a análise

dos dados, referente exclusivamente à avaliação, este ponto pouco emerge da

descrição dos objetivos de avaliação.

Por último, o principal indicador de avaliação adotado foi a participação

dos alunos nas aulas, caracterizando-se como algo além da presença, mas

restrito apenas ao engajamento nas atividades de aula. É interessante

analisarmos a fala do Prof.2, pois seu discurso sobre a abordagem da Cultura

Corporal caracteriza-se como o mais próximo do Coletivo de Autores e da

abordagem crítico-superadora (SOARES et alii, 1992), elegendo como objetivos

do processo de avaliação pontos similares aos atribuídos pelo Coletivo de

Autores. Todavia, ao responder sobre os indicadores de avaliação, embora não

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114

se restrinja apenas à participação, esta aparece como o de indicador de maior

destaque. Os dois recortes de fala ilustram o discurso do Prof.2 quanto aos

objetivos e indicadores de avaliação da sua compreensão da abordagem da

Cultura Corporal:

A avaliação tem dois grandes intuitos. Para o professor, ela possibilita estar traçando novos objetivos, para o próprio aluno, de aprendizagem e uma possibilidade de o aluno também, a partir da avaliação feita, ele se auto-avalie. Então acho que tem essas duas grandes intenções, não no sentido... Também de verificar se os objetivos traçados inicialmente foram atingidos. Se foram atingidos, como a gente traça novos objetivos? Se não foram, por que não foram atingidos? Não numa perspectiva de avaliação de punir, mas da gente vê se os objetivos iniciais foram atingidos, porque não foram atingidos e quais são os novos objetivos para que a gente possa concretizar uma melhor aprendizagem e, conseqüentemente, um melhor planejamento para adiante. (Prof.2, questão 6.2).

Participação. Aquela questão que eu já tinha colocado da auto-organização, iniciativa. Então são vários critérios que... Apropriação do conhecimento. São vários critérios que eu utilizo para avaliar. (Prof.2, questão 6.4).

Perceber-se a dificuldade dos professores de educação física de levarem

para sua ação pedagógica as produções acadêmicas desenvolvidas na área

(CAPARROZ, 2001), sobretudo no que refere-se aos processos de avaliação da

aprendizagem. O caso do Prof.2 é ilustrativo, pois apesar de descrever com

seguranças os objetivos da avaliação dentro da abordagem crítico-superadora,

não é capaz de operacionalizá-los, perpetuando a utilização da simples

participação nas atividades de aula como indicador para avaliar a aprendizagem

dos alunos.

Acreditamos que a apresentação e discussão dos dados construída neste

capítulo tenha sido suficiente para conhecermos os aspectos emergidos do

discurso dos professores de Educação Física informantes que caracterizam a

denominada abordagem da Cultura Corporal. No próximo capítulo

apresentaremos nossas considerações finais acerca dos resultados desta

pesquisa.

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115

CAPÍTULO V

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir dos dados expostos ao longo do último capítulo, podemos

descrever de forma sucinta as principais características assumidas pela

denominada abordagem da Cultura Corporal a partir do discurso dos informantes

nos seguintes pontos:

Os principais mecanismos de apropriação dos pressupostos teórico-

metodológicos da dita abordagem da Cultura Corporal são a obra do

Coletivo de Autores, divulgadora da abordagem crítico-superadora e os

cursos de graduação em educação física;

A principal característica justificadora da adoção da denominada

abordagem da Cultura Corporal pelos informantes da pesquisa é a

superação do modelo tradicional de ensino da Educação Física, através

ampliação das vivências dos alunos com as práticas corporais;

Os objetivos pedagógicos desta abordagem permeiam as dimensões

procedimentais e atitudinais dos conhecimentos sobre as práticas

corporais, dando pouca ou nenhuma relevância aos conhecimentos de

ordem conceitual;

Os conteúdos de ensino da Educação Física passam a ser diversificados,

buscando englobar o maior número de práticas corporais possíveis,

principalmente aquelas pertencentes ao cotidiano dos alunos;

A avaliação da aprendizagem consiste basicamente na observação do

engajamento ou não dos alunos nas atividades de aula e na observação de

comportamentos socialmente relevantes.

Traçando-se um paralelo entre esta abordagem da Cultura Corporal e a

abordagem crítico-superadora formulada pelo Coletivo de Autores (SOARES et

alii, 1992), percebe-se poucos pontos de convergência. Como explicar, então, que

duas abordagens pedagógicas com características divergentes sejam vinculadas

pelos professores adeptos a uma mesma fonte da literatura?

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116

Uma possível resposta, já explorada no referencial teórico, é que os

professores de Educação Física não conhecem suficientemente os referenciais

teórico-metodológicos que fundamentam sua ação pedagógica (CAPARROZ,

2001). Numa tentativa de adequar de maneira mais imediata as formulações

teóricas à realidade da ação pedagógica, necessidade advinda das tensões entre

teoria e práticas formuladas por Gamboa (1995), os professores de Educação

Física captam da literatura da área apenas parte destes referenciais,

possivelmente aquelas de mais fácil adaptação a sua realidade docente,

descontextualizando-as.

Este fenômeno não é resultado de má fé dos professores de Educação

Física, mas talvez seja decorrente de certo distanciamento das produções

teóricas em relação à realidade concreta da prática docente, baseada durante

anos em premissas que, em determinado momento, passam a ser combatidas por

estas recentes produções (CAPARROZ, 2001).

Assim, quando da formulação e divulgação de um novo discurso sobre a

ação pedagógica em Educação Física, os mecanismos descritos por Foucault

(2004) para controle dos discursos exercem maior ou menor pressão para a

manutenção ou ressignificação de determinados significados. Como resultado,

alguns sentidos permanecem inalterados, representando aqueles que Sá (1996)

denomina de centrais e outros, os denominados pelo autor de periféricos, sofrem

ressignificações.

O discurso dos professores de educação física selecionados como

amostra nesta pesquisa permite afirmar que os sentidos divulgados pela

abordagem crítico-superadora não foram suficientes para sobrepujar outros

sentidos de educação física advindos das demais propostas pedagógicas. A

principal exceção a esta constatação é a aceitação da necessidade de

diversificação das práticas corporais elencadas como conteúdos de ensino das

aulas de Educação Física. Porém, a ação pedagógica diante desta diversificação

pouco mudou, pois os professores não parecem ter abandonado as premissas

seguidas durante seus anos de atuação profissional. Em outras palavras, aqueles

professores que aceitaram a necessidade de diversificação dos conteúdos,

elegendo outros temas da „cultural corporal‟, consideram-se adeptos desta

abordagem, embora permaneçam privilegiando o desenvolvimento de habilidades

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117

motoras, a aptidão física para saúde, ou qualquer que seja o sentido já atribuído a

sua ação pedagógica.

Assim sendo, podemos afirmar que os adeptos da abordagem crítico-

superadora e os adeptos da dita abordagem da Cultura Corporal para a Educação

Física constituem grupos doutrinários (FOUCAULT, 2004) diferenciados, já que

no interior de cada grupo a ação pedagógica na Educação Física assume

significados distintos, não apenas em suas características periféricas, mas nas

questões centrais caracterizadoras destas abordagens.

Em adição, talvez não seja possível argumentar sobre a existência de um

grupo doutrinário de professores de educação física adeptos da abordagem da

Cultura Corporal. Primeiramente porque esta não é uma abordagem pedagógica

formalmente proposta. Em segundo, por constituir-se de um amálgama de

diferentes discursos sobre a ação pedagógica em Educação Física, que possuem

em comum apenas a preocupação em trabalhar com variadas manifestações da

cultural corporal e se considerarem, de alguma forma, vinculados a proposta

crítico-superadora.

Uma vez realizada esta discussão, consideramos que os objetivos

formulados para esta pesquisa tenham sido atingidos, quais sejam, (1) identificar

sob que mecanismos os professores que constituíram a amostra apropriaram-se

da denominada abordagem da Cultura Corporal; (2) quais os argumentos

justificadores da sua identificação com esta dita abordagem pedagógica para a

Educação Física; e (3) quais as características desta abordagem que emergem

dos seus discursos.

Uma possível crítica a esta pesquisa, já evidenciada no decorrer do texto,

é a de que centramos nosso foco de análise no discurso e não na prática concreta

destes professores. Entretanto, Rorty (1994) e Rojo (2004) afirmam que o

discurso é uma prática social, representado pela tentativa de convencer o

interlocutor a assumir como seus as idéias e concepções de quem profere o

discurso, seja ele escrito ou falado. Para isto são utilizados diversas estratégias

discursivas, entre elas a tentativa de antecipação das expectativas de quem

recebe o discurso.

Ao responder as questões do roteiro de entrevistas, é possível afirmar

que os informantes utilizaram de tais estratégias, buscando antecipar o que seria

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118

mais adequado afirmar em cada uma das questões. Longe de invalidar a

pesquisa, ao contrário, esta ação criadora do discurso permite atingir os objetivos

propostos, uma vez que força os informantes a refletirem sobre as inter-relações

entre suas ações pedagógicas e os referencias teórico-metodológicos que as

sustentam, permitindo afirmar em que pontos há ou não ressignificações.

Por outro lado, o desenrolar desta investigação nos permitiu evidenciar

pontos que necessitam de sistemáticas investigações, tais como a forma como o

processo de formações profissional, incluindo o chamado currículo oculto,

influencia na adoção e ressignificação de determinados referenciais teórico-

metodológicos; as influências da realidade concreta da intervenção profissional na

manutenção ou transformação de significados referentes às teorias pedagógicas;

e os significados do processo de avaliação da aprendizagem em Educação

Física, bem como as estratégias desenvolvidas pelos professores para realizá-lo.

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119

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124

ANEXOS

ANEXO 1 – Quadro Sinótico

PRINCIPAIS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DO COLETIVO DE AUTORES

Pressuposto Argumentação Objetivos orientadores do

roteiro de entrevista

1

Proposta de superação da teoria e da prática pedagógica da Educação Física identificada como perspectiva da aptidão física.

O aprofundamento nos estudos sobre os conhecimentos da Educação Física levaria à compreensão do seu papel dentro da escola, o que evidenciaria a necessidade de superação da prática pedagógica tradicional. Isso ocorreria pela adoção de uma nova teoria pedagógica que norteasse a seleção e a organização dos conhecimentos de ensino-aprendizagem, bem como a perspectiva de consciência social coletiva a ser desenvolvida.

1. Identificar as principais críticas que os professores possuem ou fazem em relação aos modelos tradicionais de Educação Física.

2

A função da educação escolar é permitir aos alunos apropriarem-se criticamente dos conhecimentos e da consciência social coletiva que compõem o patrimônio cultural da humanidade, de forma que possam agir sobre eles, criando-os, preservando-os ou alterando-os a partir das necessidades dos contextos históricos específicos.

Ao longo de sua trajetória a humanidade acumulou conhecimentos, comportamentos, rituais e técnicas que compõem seu patrimônio cultural. Tais conhecimentos foram e são construídos através da intervenção e interação do ser humano com seu meio natural e social. Além destes saberes, construiu um conjunto de valores, interesses, padrões éticos, estéticos e morais que formam a consciência social coletiva de determinada época. Para a escolha de uma teoria pedagógica como eixo balizador do processo de ensino-aprendizagem é necessário ter-se em mente quais elementos do patrimônio cultural da humanidade devem ser transmitidos e qual consciência social coletiva quer-se desenvolver nos alunos.

2. Identificar qual a principal função social da escola;

3. Identificar os motivos para a eleição da proposta pedagógica da Cultura Corporal como eixo balizador do processo de ensino-aprendizagem.

3 A Educação Física é a disciplina a qual compete

Cada disciplina escolar faz parte de um todo, sendo

4. Identificar a finalidade principal

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Pressuposto Argumentação Objetivos orientadores do

roteiro de entrevista

transmitir aos alunos, de modo reflexivo e crítico, os conhecimentos do patrimônio cultural da humanidade relacionados à cultura corporal (práticas corporais), organizados na forma de jogos, esportes, lutas, danças, ginásticas, atividades mímicas, acrobáticas dentre outras.

responsáveis por diferentes conteúdos culturais que expressam uma determinada dimensão da realidade. Nenhuma é legitima isoladamente, pois o aluno constrói a compreensão da realidade através da síntese dialética que faz do conteúdo de cada disciplina. A cultura corporal refere-se ao patrimônio cultural da humanidade relacionado às manifestações ou práticas corporais e que refletem as possibilidades humanas de linguagem, trabalho e poder.

da Educação Física na escola;

5. Identificar os conhecimentos específicos da Educação Física responsáveis por legitimá-la enquanto disciplina escolar.

4

Na proposta pedagógica da Cultura Corporal a consciência social coletiva a ser fomentada na educação escolar, objetivando torná-la hegemônica, é aquela orientada para a classe popular.

O Coletivo de Autores concebe a sociedade brasileira como fruto das relações antagônicas entre as classes sociais que a compõem, cada uma com seus interesses imediatos e históricos. Os autores partem da premissa de que a razão desse antagonismo é decorrente do fato de que cada classe social tenta tornar hegemônica a sua consciência social coletiva. Nesta perspectiva, a opção político-pedagógica do Coletivo de Autores é pelo ensino-aprendizagem de uma Educação Física que contribua para a formação de uma consciência social orientada pelos valores da classe popular.

6. Identificar se os

professores justificam suas condutas político-pedagógicas orientadas para a emancipação político-cultural da classe popular.

5 A Educação Física precisa estar articulado com o projeto político-pedagógico da escola.

O trabalho pedagógico tem que ser pensado, construído, operacionalizado e avaliado coletivamente; tem que expressar a missão e os meios almejados pela comunidade escolar, expressando claramente seu marco teórico-metodológico. Sendo assim, a Educação Física precisa estar articulada com o projeto político-pedagógico da instituição onde se insere.

7. Qual a perspectiva teórico-metodológica explicitada no projeto político-pedagógico da escola.

8. Saber como o professor leva em conta o projeto político-pedagógico da escola no momento de organizar e de planejar o processo de ensino-

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Pressuposto Argumentação Objetivos orientadores do

roteiro de entrevista

aprendizagem da Educação Física;

6

A escolha da teoria pedagógica que fundamentará a intervenção da Educação Física na escola se dá por uma reflexão pedagógica de caráter diagnóstico, judicativo e teleológico.

As teorias pedagógicas refletem a tensão entre as classes, pois é a partir dos conflitos de poder que é selecionada a consciência social coletiva a ser transmitida durante o processo de ensino-aprendizagem. A opção consciente dos professores de Educação Física pela adoção da proposta pedagógica da Cultura Corporal deve ocorrer como resultado dessa reflexão pedagógica, quando evidenciada a necessidade de construir a hegemonia da consciência social coletiva da classe popular. Tal reflexão possui um caráter diagnóstico, pois visa interpretar a realidade social para agir sobre ela; um caráter judicativo, pois essa interpretação é orientada por valores e interesses específicos de classe; e um caráter teleológico, pois a partir da interpretação traçam-se objetivos pedagógicos de manutenção ou transformação da realidade.

9. Identificar que valores e comportamentos da sociedade brasileira a Educação Física e a educação deveriam preservar e transformar;

10. Qual o ideal de sociedade que os professores possuem;

7

O objeto de ensino-aprendizagem da Educação Física na educação básica são as manifestações e expressões constitutivas da cultura corporal

As manifestações e expressões constitutivas da cultura corporal são: o jogo, a ginástica, o esporte, a dança, a luta, as mímicas, acrobacias e outras.

11. Identificar os conhecimentos de ensino-aprendizagem que os professores elegem para ser desenvolvidos ao longo da educação básica

8

Os conteúdos de ensino-aprendizagem, durante as atividades de ensino, necessitam ser retraçados historicamente, fomentando a consciência histórica dos alunos.

Na perspectiva da Cultura Corporal o aluno deve ser levado a ver-se enquanto sujeito histórico que possui a capacidade de assimilar, refletir, re-significar e modificar as possibilidades de práticas dos conteúdos da cultura corporal. É preciso que eles se apropriem da forma como estes conteúdos foram construídos e

12. Saber se os elementos da cultura corporal são historicizados;

13. Identificar se os alunos são levados a re-significar e a modificar as possibilidades de prática dos conteúdos a cultura corporal

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127

Pressuposto Argumentação Objetivos orientadores do

roteiro de entrevista

sistematizados, como eles são utilizados na atualidade e que significados o ser humano atribui a eles.

desenvolvidos no contexto das aulas;

9

A seleção dos conteúdos culturais a serem pedagogizados se dá em atenção a seis princípios: relevância social dos conteúdos / contemporaneidade dos conteúdos / adequação às possibilidades sócio-cognitivas dos alunos / simultaneidade dos conteúdos / espiralidade da incorporação dos conteúdos / provisoriedade do conhecimento.

O tempo pedagógico disponível para o processo de ensino-aprendizagem não é ilimitado. Em decorrência, devem ser selecionados os conteúdos culturais que serão organizados, sistematizados e transmitidos aos alunos. A seleção de conteúdos, a amplitude e a qualidade da reflexão sobre eles dependerão da reflexão pedagógica (diagnóstico, judicação e teleologia) sobre a consciência coletiva a ser desenvolvida nos alunos.

14. Identificar o que os professores levam em consideração para selecionar os conteúdos a serem trabalhados nas aulas de Educação Física;

10

A organização do conhecimento de ensino-aprendizagem deve ser em ciclos de aprendizagem.

O Coletivo de Autores orienta-se pela superação do modelo de organização escolar seriado e etapista em favor de uma organização do conhecimento baseada em ciclos de escolarização, permitindo o tratamento simultâneo dos conteúdos escolares, respeitando-se os princípios que regem o trato com o conhecimento.

15. Saber se a escola trabalha em ciclos ou no sistema seriado, bem como a avaliação do professor sobre a opção da escola;

16. Identificar o possível impacto da organização escolar nas aulas de Educação Física.

11

Os elementos da cultura corporal pertencentes à cultura regional do aluno devem ser considerados, ao mesmo tempo em que é necessário ampliar seu acervo com elementos de outras regiões.

No ensino-aprendizagem da Educação Física no modelo da aptidão física, os conteúdos da cultura corporal são trabalhados na perspectiva de privilegiar o desenvolvimento do condicionamento físico e do alto rendimento. A tendência predominante é selecionar para o ensino-aprendizagem os esportes mais praticados e de prestígio em detrimento de outras manifestações culturais igualmente importantes e culturalmente significativas para a formação dos educandos, negando-se aos alunos o acesso a outros conhecimentos sobre diferentes elementos da cultura corporal (práticas corporais).

17. Saber que elementos da cultura corporal regional são pedagogizados e que elementos de outras culturas estranhas aos alunos são apresentados;

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128

Pressuposto Argumentação Objetivos orientadores do

roteiro de entrevista

12

As estratégias de avaliação devem considerar o processo de ensino-aprendizagem na sua totalidade, verificando a aproximação ou distanciamento do aluno do eixo curricular adotado.

Visando superar o modelo de avaliação tradicional, a avaliação na perspectiva da Cultura Corporal visa verificar a crescente apropriação do aluno em relação ao conhecimento trabalhado no processo de ensino-aprendizagem, levando em consideração a influência do meio social do aluno, onde as experiências vividas influenciam na apropriação das práticas corporais e nos significados atribuídos a eles.

18. Identificar a „concepção de avaliação‟, „o que é avaliado‟ e „como é feita a avaliação‟ do ensino-aprendizagem na disciplina de Educação Física;

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129

ANEXO 2 – Roteiro de Entrevistas

Grupo 1 – Sobre o Contato com a Cultura Corporal

1.1. De que maneira você se apropriou da proposta pedagógica da Cultura Corporal?

Grupo 2 – Sobre os Motivos de Identificação com a Cultura Corporal

2.1. Quais os principais motivos que te levaram a se identificar e adotar a proposta

pedagógica da Cultura Corporal como orientadora de sua ação pedagógica?

2.2. Em sua opinião, qual a finalidade da educação escolar e como é que a Educação

Física se articula com essa finalidade?

Grupo 3 – Sobre a Relação entre a Cultura Corporal e o Projeto Político-Pedagógico da

Escola

3.1. Sua escola possui projeto político-pedagógico?

Caso afirmativo:

3.2. Quais são as idéias centrais do projeto

político-pedagógico da sua escola?

3.3. Como a proposta pedagógica da Cultura

Corporal se articula com esse projeto? (Em que

coadunam? Em que se contrapõem? Como você lida

com essas contradições na sua ação pedagógica?).

Caso negativo:

3.4. Como você justifica a

escolha da proposta pedagógica da

Cultura Corporal se a sua escola não

possui um projeto político-pedagógico?

Grupo 4 – Sobre os Objetivos e Conteúdos da Educação Física

4.1. Você e os demais professores de Educação Física da sua escola definiram em

conjunto quais os objetivos da Educação Física e os conteúdos de ensino das diferentes séries

escolares?

4.2. Quais são esses objetivos?

4.3. Quais são esses conteúdos?

4.4. Quais os principais critérios que você(s) levara(m) em consideração para a seleção

desses conteúdos?

4.5. Quais os saberes que você(s) espera(m) que os alunos dominem ao vivenciar as

aulas de Educação Física?

4.6. Independente do conteúdo de ensino, que aspectos desses conteúdos você(s)

invariavelmente enfatizam para serem apropriados pelos alunos?

Grupo 5 – Sobre a Organização do Tempo Escolar

5.1. Sua escola está organizada no sistema de ciclos ou no sistema seriado?

5.2. Qual a sua avaliação sobre essa opção?

5.3. Como essa opção afeta a seleção e organização dos conteúdos de ensino-

aprendizagem das aulas de Educação Física?

Grupo 6 – Sobre os Processos de Avaliação

6.1. Você faz avaliação da aprendizagem dos seus alunos?

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130

6.2. Com que intenção você avalia seus alunos?

6.3. De que maneira você realiza as avaliações? (quais os critérios de avaliação?)

6.4. O que os alunos precisam demonstrar para comprovarem a aprendizagem?

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131

ANEXO 3 – TABULAÇÃO DOS DADOS DE IDENTIFICAÇÃO DOS ENTREVISTADOS

Formação Ano Outro curso Pós-graduação Cursos de

capacitação Locais de trabalho

Informante 1

Universidade Castelo Branco

1998 Não

Especialização em Psicomotricidade

Univ. Cândido Mendes;

Mestrado em Educação Física e Cultura na UGF,

2007.

Diversos Município e

Ensino Superior

Informante 2

ESEF-UPE 2001 Não Mestrado em andamento na

UFF Diversos -

Informante 3

UERJ 1981 Fisioterapia,

1990

Especialização em Técnica Desportiva na UERJ, 1982 e

Especialização em Educação Física Escolar na UFF,

1999.

Alguns

Duas matrículas no estado para a mesma escola

e como fisioterapeuta.

Informante 4

UFRJ 1997 Não Não Não

Ensino Superior

(preceptor de estágio). Não

atua mais.

Informante 5

UFRJ 1996 Fisioterapia Incompleto.

Especialização em treinamento desportivo,

UFRRJ, 2001.

Não Estado e

município.

Informante 6

UFRRJ 1986 Não Não Diversos Particular, estado e município

Informante 7

UFRJ 1987 Não

Duas especializações

(psicomotricidade e educação brasileira e movimentos sindicais) e Mestrado

Diversos Ensino

superior e município

Informante 8

UERJ 1992 Não Mestrado UERJ

(não reconhecido) Diversos

Município e Particular

Informante 9

UGF 1985

Tecnológico de processamento de dados (não

concluído)

Epecialização em Educação Física escolar – UFF Mestrado em

Educação Física e Cultura – UGF,

2005.

Não

Estado e Ensino

Superior (particular e substituta na

UFRJ)

Informante 10

UERJ 1996 Ciências

Sociais (2º período) - UFF

Especialização em Educação Física Escolar da UFF Mestrado em

Educação Física e Cultura da UGF

Diversos

Rede estadual e municipal com vários segmentos,

inclusive EJA Ensino

Superior em Educação

Física

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132

Informante 11

UGF 1990 Não

Especialização em Ciência do

Voleibol, UGF Mestrado em

Educação Física e Cultura, UGF (em

andamento)

Diversos

Escolinha de voleibol; Personal trainer Rede

municipal de ensino

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133

ANEXO 4 – TABULAÇÃO DOS EIXOS TEMÁTICOS E CATEGORIAS DE ANÁLISE

Informante 01

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 1 – MECANISMOS DE APROPRIAÇÃO DA CULTURA CORPORAL

CATEGORIAS DE ANÁLISE COMENTÁRIOS Questão

1 Literatura Não sendo indicado de que tipo

1.1 2 PCN's

Documentos oficiais que servem de parâmetros (sugestões) teórico-metodológicos para os diversos componentes escolares.

3 Eventos de formação extracurricular ou continuada

Exclusivos da área de Educação Física escolar.

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 2 - CARACTERÍSTICAS GERAIS DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA "ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE

COMENTÁRIOS Questão

1

Atenção às experiências culturais do cotidiano dos alunos (adequação à função da escola)

A Cultura Corporal preconiza a valorização (resgate?) da "bagagem cultural" que o aluno traz do cotidiano, tendo a escola a função de pedagogizar estas experiências. Esta característica pode ser interpretada como resistência à Educação Física tradicional que trabalhava sempre com os esportes clássicos, independente das práticas corporais do cotidiano dos alunos. Porém, a entrevistada argumenta que esta bagagem relaciona-se com a vivência e conhecimentos que os alunos possuem em relação ao esporte, embora não tenha excluído nenhuma outra prática corporal. Isto pode mostrar a ainda forte influência do esporte na Educação Física ou ser apenas um exemplo.

2.1 / 4.4

2 Articulação com os objetivos da escola.

É um referencial que tem muito haver com o que a gente trabalha na escola. A função é preparar o aluno para poder exercer a sua cidadania plena – exercer as funções sociais estabelecidas pela sociedade.

2.1/2.2

3

Maior adequação a partir do 2º ciclo de escolarização dos PCN's.

A entrevistada procura, mesmo sem articulação com o projeto político-pedagógico, trabalhar com atividades adequadas à Cultura Corporal, por considerar a proposta mais adequada e, também, por não trabalhar mais com o 1º ciclo, mas o 2º ciclo. Parece indicar maior facilidade de adequação da Cultura Corporal para crianças maiores. Já existe na literatura respaldo para imputar aos alunos de primeiro ciclo (pré-escolar até 3ª série) apenas atividades visando o desenvolvimento motor. Isto estaria fora da Cultura Corporal? Como trabalhar com estes alunos dentro da Cultura Corporal?

3.3.3

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 3 – OBJETIVOS PARA A EDUCAÇÃO FÍSICA NA "ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE

COMENTÁRIOS Questão

1 Pedagogizar as práticas corporais do cotidiano dos alunos

Ligado à característica de atenção às experiências culturais do cotidiano dos alunos, a Educação Física dentro da óptica da Cultura Corporal visa pedagogizar estas práticas corporais que os alunos já conhecem. Esta característica contempla um dos princípios norteadores para o trato com o conhecimento da Educação Física explicitado pelo Coletivo de Autores, o qual sugere que os conhecimentos do senso comum sejam confrontados com os advindos do conhecimento científico.

2.1

2 Comportamentos socialmente positivos

A função da escola é preparar os alunos para exercerem sua cidadania. Dentro desta perspectiva a função da Educação

2.2 / 3.3 – 4.5, 4.6,

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134

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 3 – OBJETIVOS PARA A EDUCAÇÃO FÍSICA NA "ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE

COMENTÁRIOS Questão

(cidadania [consciência social coletiva?])

Física consistiria em: (1) desenvolver [provavelmente as habilidades motoras] através das práticas corporais, embora tenha citado apenas o esporte; (2) desenvolvimento de comportamentos e valores socialmente positivos para exercer a cidadania, sendo o respeito às regras o mais citado para a Educação Física. Então, todas as disciplinas seriam responsáveis por trabalhar a cidadania dos alunos, entendida como a apropriação de comportamentos socialmente positivos. Destes comportamentos, a Educação Física teria maior ênfase no respeito às regras, não pelo falante ter explicitado, mas pela ênfase dada. Especificamente, a Educação Física também tem o papel de desenvolver [habilidades motoras e estes comportamentos?] através das práticas corporais. Na questão 6.4 o sujeito afirma que este é o principal objetivo da Educação Física para esta faixa etária. [Existe um paralelo entre o que preconiza o Coletivo de Autores e o discurso do sujeito 1 no que se refere à construção de uma consciência social coletiva, diferindo nas características desta consciência. Verificar no discurso dos outros professores.]

6,4.

3 Desenvolvimento motor (o cognitivo às outras disciplinas).

Já contemplado na explicação acima. Nesta questão, porém, são explicitadas outras práticas corporais além dos esportes. Na questão 5.3, ao falar sobre a organização de ciclos, afirma indiretamente que a Educação Física destina-se a trabalhar com o desenvolvimento motor enquanto que as demais disciplinas cuidam do desenvolvimento mental.

4.2 – 4.4, 5.3

4 Apropriação das práticas corporais

Possibilitado pela aprendizagem dos gestos motores das diferentes práticas corporais [embora o citado seja o esporte] e pela ampliação do repertório, ao menos conceitual [a palavra usada é existência] de outras práticas corporais menos divulgadas.

4.5, 5.3

5 Compreender a relação entre atividade física e saúde

O sujeito destaca a importância da contextualização da relação entre a prática de atividade física e a saúde. Embora seu discurso trate apenas da dimensão conceitual, provavelmente o objetivo aqui é a aquisição do hábito da prática de atividades físicas. Vale ressaltar que informante posiciona-se enfaticamente contra o discurso de que atividade física não traz benefícios à saúde. Percebe-se o posicionamento contra aqueles que advogam que esta relação não seja verdadeira e/ou aqueles que preconizam não ser este um conteúdo a ser trabalhado, conceitualmente ou procedimentalmente, nas aulas de Educação Física.

4.5, 4.6

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 4 – CONTEÚDOS DE ENSINO-APRENDIZAGEM DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA "ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE

COMENTÁRIOS Questão

1 Práticas corporais do cotidiano dos alunos

Como já explicitado nos demais eixos temáticos, para o sujeito 1 a Cultura Corporal preconiza trabalhar com a "bagagem cultural dos alunos", significando pedagogizar as práticas corporais que já são familiares aos alunos, confrontando os saberes do senso comum com os do conhecimento científico.

2.1, 3.3, 4.4

2 Esporte, dança, jogos, lutas, ginásticas

Práticas corporais citadas pelo informante no decorrer de sua fala, o que não significa que sejam todas abordadas na sua ação pedagógica, como é o caso das lutas. Na fala de S1 o esporte parece ser entendido como atividade de caráter fortemente procedimental, pois afirma que pela faixa

2.2, 4.2, 4.3, 6.4

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135

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 4 – CONTEÚDOS DE ENSINO-APRENDIZAGEM DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA "ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE

COMENTÁRIOS Questão

etária de seus alunos não trabalha "o conteúdos esporte em si, mas iniciação esportiva". O esporte é novamente reduzido apenas ao gesto técnico, à sua dimensão procedimental, onde no início os alunos aprendem as técnicas através de atividades pré-esportivas para, mais tarde, aprenderem o esporte como ele é. A dança é pedagogizada na forma de atividade de expressão corporal e comunicação não verbal, embora não seja explicitado como isto é feito.

3 Dimensão atitudinal dos conteúdos

O sujeito 1 enfatiza bastante em seu discurso a importância dada por ele para a dimensão atitudinal dos conteúdos nas suas aulas, já mencionado na categoria comportamentos socialmente positivos, do eixo temático anterior. Visto que um dos objetivos para a Educação Física na proposta da Cultura Corporal é o desenvolvimento destes comportamentos, estes não poderiam deixar de ser mencionados no discurso sobre os conteúdos das aulas. São selecionadas atividades que contribuam para o alcance destes objetivos, como os diversos jogos. A dimensão conceitual dos conteúdos mencionada quando refere-se ao trato da relação entre saúde e nível de atividade física. [verificar na Darido com os diversos conceitos podem ser trabalhados na fase de desenvolvimento destes alunos].

4.2, 4.4, 4.5

4

Experiência prévia do professor como critério para seleção dos conteúdos.

Através do discurso de S1 pode-se perceber que a experiência prévia do professor com determinada prática corporal influencia na seleção ou não deste elemento como conteúdo. Isto fica bastante claro na fala quando aponta não trabalhar com o conteúdo luta por não ter conhecimento para tal, mas enfatizar o conteúdo dança por ter ligações [não especificadas] com este conteúdo. Desta afirmação surgem de início duas questões para reflexão: (1) os professores de Educação Física podem utilizar como critério para a seleção dos conteúdos de ensino-aprendizagem as suas experiências prévias, negando ao aluno as demais práticas? Isto não contribuiria para perpetuar a condição de que alguns conteúdos são mais conhecidos do que outros? (2) até que ponto o estudo das diversas práticas corporais nos cursos de graduação estão sendo deficientes? Simplesmente experimentar alguma prática corporal por seis meses é o suficiente para o ensino desta prática na escola? Ao invés da pura vivência não deveria ser enfocado o como ensinar?. Apesar de seu discurso, S1 afirma trabalhar com a capoeira em suas aulas devida a sua forte presença no cotidiano dos alunos. Podemos considerar a capoeira um caso a parte, pois além de poder ser classificada como luta possui fortes relações com o conteúdo dança e jogo, além de estar fortemente presente na cultura brasileira.

4.3

5

Educação física indiferente quanto ao sistema de organização do conhecimento.

A organização dos conhecimentos na forma de ciclos ou no sistema seriado não afeta as aulas de Educação Física na opinião de S1, por esta trabalhar com o desenvolvimento corporal do aluno. Esta opção influenciaria apenas as demais disciplinas, pois trabalham com o desenvolvimento mental dos alunos. Utiliza da dicotomia corpo-mente para colocar a Educação Física em lugar diferente das demais disciplinas.

5.3

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 5 – AVALIAÇÃO DE APRENDIZAGEM DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA "ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

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136

CATEGORIAS DE ANÁLISE

COMENTÁRIOS Questão

1 Avaliação dos alunos coletivamente

S1 afirma não realizar uma avaliação individual dos alunos, mas sim coletivamente, consistindo em uma avaliação da turma.

6.1

2 Atribuição de conceitos

Na questão da avaliação o discurso de S1 fica confuso, pois apesar de afirmar avaliar a turma e não os alunos, o método de avaliação [do município] é a atribuição de conceitos nos alunos em uma escala entre insuficiente e ótimo. S1 não concorda com este método de avaliação, chegando a afirmar que não existe nenhum método.

6.3

3

Comportamentos socialmente aceitos como critério de avaliação

Apesar de avaliar a turma coletivamente e não concordar com a atribuição de conceitos, o critério para os alunos, individualmente, obterem os conceitos muito bom e ótimo é a internalização de padrões de comportamentos e valores [consciência social coletiva] socialmente positivos, de forma a estarem aptos para exercerem sua cidadania.

6.4

Informante 2:

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 1 – MECANISMOS DE APROPRIAÇÃO DA CULTURA CORPORAL

CATEGORIAS DE ANÁLISE COMENTÁRIOS Questão

1 Formação inicial (graduação)

Literatura

A obra identificada como referência é o Coletivo de Autores. A partir deles o sujeito apropriou-se do referencial da Cultura Corporal através de artigos, dissertações e teses decorrentes da obra de referência.

1.1

Interação com professores

Sua formação pela Escola Superior de Educação Física da Universidade de Pernambuco permitiu a interação com professores orientandos de alguns dos membros do Coletivo de Autores, provavelmente da Profa. Dra. Celli Taffarel, na época professora da UFPE.

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 2 - CARACTERÍSTICAS GERAIS DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA "ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE

COMENTÁRIOS Questão

1 Transformação social (adequação à realidade atual)

A abordagem da Cultura Corporal não visa a superação dos problemas atuais da escola brasileira através da intervenção sobre os agentes internos, mas a superação das condições sociais causadoras destes problemas. Trata-se de um projeto de transformação da sociedade como um todo. O informante não menciona que a superação da sociedade vincula-se à construção do ideal socialista. Considera que não havendo por parte do professor vontade em engajar-se neste projeto de transformação social, o referencial teórico-metodológico da Cultura Corporal não seria o mais adequado para nortear a ação pedagógica. O sujeito considera os termos abordagem da Cultura Corporal e abordagem crítico-superadora como sinônimos.

2.1

2 Integração entre os diversos componentes curriculares

Considera a Educação Física em interação com as demais disciplinas, pois o objetivo da educação escolar de transformação da sociedade é alcançado através da interação entre as formações provenientes das várias disciplinas.

3.1

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 3 – OBJETIVOS PARA A EDUCAÇÃO FÍSICA NA "ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE COMENTÁRIOS Questão

1 Apropriação dos Por cultura corporal entende as práticas corporais construídas 2.2 / 4.2 /

Page 134: SIGNIFICADOS DA CULTURA CORPORAL NO · PDF file5 Esta dissertação é resultado deste processo de investigação, sendo organizada em cinco capítulos. No capítulo I – Configurando

137

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 3 – OBJETIVOS PARA A EDUCAÇÃO FÍSICA NA "ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE COMENTÁRIOS Questão

conhecimentos sobre a cultura corporal (cultura de movimento) para a autonomia

pela humanidade ao longo da história, na forma de seus vários conteúdos. São citados o esporte, a dança, o jogo e a capoeira especificamente. Abordar na análise a consideração do Helder sobre o os grupos temáticos de ensino-aprendizagem: esporte, dança, jogo, luta. Cada um deles possui modalidades específicas, sendo a capoeira pertencente a mais de um deles. A apropriação destes conhecimentos ocorre por meio, primeiramente, da identificação das práticas corporais enquanto elementos culturais, acarretando numa transformação do olhar sobre estes objetos, e, posteriormente, pela sistematização destas práticas corporais, permitindo aos alunos tornarem-se construtores destas práticas, gerando a autonomia frente a elas.

4.5 / 4.6

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 4 – CONTEÚDOS DE ENSINO-APRENDIZAGEM DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA "ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE

COMENTÁRIOS Questão

1 Práticas corporais constituintes da cultura corporal

Os conteúdos de ensino-aprendizagem das aulas de Educação Física sob a abordagem da Cultura Corporal são todas as práticas corporais constituintes da cultura corporal ou cultura de movimento. Estas práticas são identificadas nos grupos clássicos: esporte, dança, jogo. A capoeira é citada, mas pode integrar mais de uma destas categorias. Ver eixo temático anterior. São alvos da intervenção pedagógica tanto aquelas práticas corporais já conhecidas dos alunos quanto aquelas ainda não vivenciadas. Pelos objetivos propostos no eixo temático anterior e o exposto neste eixo, podemos considerar que o sujeito propõe a contraposição do senso-comum dos alunos sobre as práticas corporais com os conhecimentos científicos sobre estas práticas. Não é possível dizer em que dimensões estas são trabalhadas, se conceitual, procedimental e/ou atitudinal.

2.2 4.2

2 Critérios de seleção dos conteúdos de ensino-aprendizagem

Argumenta que todas as práticas corporais constituintes da cultura corporal são passíveis de serem conteúdos de ensino-aprendizagem, mas não é possível para os professores (e pelo tempo pedagógico) abarcar todas. Necessita-se então de critérios para seleção dos conteúdos: (1) aqueles estabelecidos na obra do Coletivo de Autores, devidamente adaptados à realidade da escola; (2) as práticas corporais identificadas como da cultura brasileira; (3) práticas corporais universais de maior destaque.

2.2 4.4

3

Adoção de ciclos de aprendizagem para organização do tempo pedagógico

A organização em ciclos permiti um aprofundamento maior dos conhecimentos pedagogizados, além de contribuir para a construção de uma concepção total da realidade, pela superação da fragmentação dos conhecimentos própria do sistema seriado, a qual dificulta a ação pedagógica. Afirma que nas escolas seriadas é possível trabalhar para a mudança na forma de organização. O fator de dificuldade é a falta de espaços pedagógicos de discussão entre os professores de escola pública para organizarem os conteúdos de ensino conjuntamente. Esta falta de planejamento acarreta uma sobreposição de conhecimentos de um ciclo para o outro, não havendo o aprofundamento da identificação até a sistematização. Critica as escolas estaduais e municipais que adotam o sistema de

5.2 5.3

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138

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 4 – CONTEÚDOS DE ENSINO-APRENDIZAGEM DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA "ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE

COMENTÁRIOS Questão

ciclos, mas continuam pensando de forma seriada, não aplicando este tipo de organização nos conhecimentos selecionados. Afirma que no sistema seriado os conteúdos são vistos de forma fragmentada, com repetição e sem aprofundamento entre os conteúdos. Talvez isto se aplique à Educação Física no modelo tradicional, pois nas demais disciplinas, mesmo sobre o sistema seriado, não há sobreposição, repetição ou falta de aprofundamento dos conteúdos. O problema é que eles são vistos de forma fragmentada, descontextualizadas do todo, não permitindo a apropriação dos alunos do contexto social total.

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 5 – AVALIAÇÃO DE APRENDIZAGEM DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA "ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE

COMENTÁRIOS Questão

1

Objetivo 1 – Feedback em relação ao alcance ou não dos objetivos

Através da avaliação das aulas é possível para o professor identificar os motivos de sucesso ou insucesso no alcance dos objetivos traçados, possibilitando reorganizar seus planos de aula, métodos e os próprios objetivos.

6.2

2 Objetivo 2 – verificar a aprendizagem dos alunos

A avaliação destina-se a verificar a aprendizagem dos alunos, embora ainda não tenha especificado como. Permite também que o aluno, provavelmente através do resultado das constantes avaliações, reflita sobre o próprio desempenho.

3 Método de avaliação 1 – no decorrer das aulas

Indica que não estabelece dias restritos à avaliação, mas que ela é feita no decorrer das atividades em cada aula.

6.3 4 Método de avaliação 2 – individual e coletiva

As avaliações são feitas de forma individual ou coletivas, não especificando que recursos utiliza para estas avaliações.

5 Articulação com o projeto político-pedagógico da escola

Afirma que os objetivos, métodos e recursos e critérios de avaliação devem estar articulados com o projeto político-pedagógico da escola.

6 Critérios de avaliação 1 – Participação

A participação foi o primeiro, e de forma mais enfática, critério de avaliação relatado pelo informante. É importante mencionar que a participação dos alunos não deveria ser um critério de avaliação, pois o próprio processo de ensino-aprendizagem já traz como premissa a participação do aluno, sem a qual não há aula. Em condições ideais a participação não deveria constar como critério de avaliação, tanto por ser premissa básica do processo de ensino-aprendizagem, quanto por participar igualar-se a apropriar-se.

6.3

Informante 3:

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 1 – MECANISMOS DE APROPRIAÇÃO DA CULTURA CORPORAL

CATEGORIAS DE ANÁLISE

COMENTÁRIOS Questão

1

Eventos de formação extracurricular ou continuada

Em 2000 com ingresso no curso de especialização em Educação Física escolar da UFF, para embasar a aplicação da proposta da Cultura Corporal em suas proposições teóricas.

1.1

2 Interação com professores

Forma de contato inicial em 1998/1999, consistindo na divulgação da proposta da Cultura Corporal por professores de Educação Física colegas da instituição onde trabalha desde 1989. Estes colegas traziam as informações do curso de especialização em Educação

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139

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 1 – MECANISMOS DE APROPRIAÇÃO DA CULTURA CORPORAL

CATEGORIAS DE ANÁLISE

COMENTÁRIOS Questão

Física escolar promovido pela UFF, o que permitia a implementação da proposta ainda sem muito embasamento nas suas proposições teóricas.

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 2 - CARACTERÍSTICAS GERAIS DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA "ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE COMENTÁRIOS Questão

1 Superação da ação pedagógica tradicional

O informante afirmar que sua formação o preparou para a atuação pedagógica tecnicista e desportivizante. Esta tendência era reforçada pela ação pedagógica dos professores veteranos da escola. Buscava alternativas para superar esta prática.

1.1

2 Atenção às experiências culturais do cotidiano dos alunos.

Tentando superar as aulas onde os alunos apenas reproduziam as práticas corporais propostas, a Cultura Corporal permitiu pedagogizar as experiências com as práticas corporais do cotidiano dos alunos. Neste contexto, as experiências anteriores dos alunos com a cultura de movimento são objetivo de estudo nas aulas de Educação Física.

2.1

3

Possibilidade de desenvolvimento de postura crítica dos alunos frente às práticas corporais

Esta construção dar-se-á no momento em que a Cultura Corporal permiti aos alunos refletir sobre sua própria prática e sobre a ação pedagógica dos professores, questionando e reformulando estas ações.

2.2

4 Incompletude da Cultura Corporal

O informante afirma que errou ao, inicialmente, tentar trabalhar com as proposições da Cultura Corporal "ao pé da letra", desconsiderando os eventuais pontos positivos das demais propostas pedagógicas da Educação Física.

2.2

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 3 – OBJETIVOS PARA A EDUCAÇÃO FÍSICA NA "ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE COMENTÁRIOS Questão

1 Desenvolvimento postura crítica nos alunos

Este desenvolvimento se dá pela possibilidade propiciada pela Cultura Corporal do aluno colocar-se criticamente em relação à elaboração das atividades de aula, bem como com a sua relação com estas atividades, refletindo e discutindo alternativas.

4.2

2 Desenvolvimento de autonomia frente às práticas corporais

A reflexão sobre a prática também se destina a construção de uma autonomia frente a estas, caracterizando pelo conhecimento necessário para prática destas atividades ao longo da vida e para a utilização de serviços relacionados à prática de atividades físicas, possuindo a competência para pensar, modificar e escolher as práticas corporais e os serviços adequados para seus interesses e possibilidades.

4.4

3 Desenvolvimento da cidadania

Ligado aos objetivos acima, através do entendimento da importância das regras para o convívio social e para a organização das diversas atividades corporais. Porém, entender que esta importância é relativa e deve-se modificar as regras sempre que houver a necessidade coletiva para tal.

4.5

4

Desenvolvimento de atitudes socialmente positivas (respeito e cooperação)

Respeito relacionado à aceitação das características e limitações do outro e ao acatamento das regras próprias do processo civilizatório, enxergando a possibilidade de transformação destas regras. Cooperação pela atenção da necessidade do outro na construção das práticas corporais, transferindo este entendimento para as demais situações sociais.

4.6

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140

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 4 – CONTEÚDOS DE ENSINO-APRENDIZAGEM DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA "ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE COMENTÁRIOS Questão

1

Conteúdos em aberto - dança, corrida de orientação, jogos cooperativos, esportes

Citadas durante a fala do informante de maneira geral. Não se deteve a especificar outros conteúdos ou aprofundar os critérios de seleção por afirmar que o programa da disciplina não está acabado. Ele é constantemente reconstruído pelos alunos ao longo dos anos escolares.

4.2, 4.4, 4.6

2 Participação

Estabelece a dimensão atitudinal, disposição para participar, como o principal conteúdo de aula da Educação Física. O objetivo da Educação Física é desenvolver este comportamento socialmente positivo.

4.2

3 Atividades físicas para envelhecimento saudável

Estabelece este conteúdo visando criar autonomia nos alunos perante esta prática. Subtende-se as dimensões conceitual, procedimental e atitudinal na fala do informante

4.4

4 Respeito às regras Outro comportamento socialmente positivo – dimensão atitudinal – indicado como um conteúdo em si, desvinculado de outro conteúdo.

4.5

5 Impossibilidade de trabalhar no sistema de ciclos no ensino médio

Afirma não ser possível trabalhar o sistema de ciclos no ensino médio devido à falta de estrutura do colégio para esta organização. Porém, os conteúdos são trabalhados com as duas turmas em conjunto, entretanto, não havendo aprofundamento dos conteúdos. Aproxima-se em alguns aspectos do sistema de ciclos.

5.2

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 5 – AVALIAÇÃO DE APRENDIZAGEM DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA "ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE COMENTÁRIOS Questão

1 Avaliação das aulas Os alunos, vinculados à questão da participação como principal conteúdo, criticam e elaboram sugestões sobre o programa da disciplina.

4.2

2 Participação

Como principal "conteúdo" das aulas de Educação Física, a participação é também o principal critério para atribuição de nota aos alunos. Julga-se a participação do aluno nas aulas, embora não explicite como é realizada esta avaliação.

4.2, 4.5, 6.1

3 Avaliações diárias A participação dos alunos é avaliada em todas as aulas. Porém, não foi especificado como esta avaliação é feita com todos os alunos individualmente.

6.1

4 Determinação burocrática

O informante afirma que o processo de atribuição de nota destina-se apenas à cumprir uma determinação burocrática da Secretaria de Educação.

6.1

5 Pesquisa e construção de atividade

Também utiliza recurso de propor pesquisas sobre temas relativos às práticas corporais e a construção de atividades, como a modificação da estrutura do handebol.

6.1

6 Ausencia de rendimento

Afirma não preocupar-se e não observar o rendimento motor e esportivo dos alunos.

6.1

Informante 4

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 1 – MECANISMOS DE APROPRIAÇÃO DA CULTURA CORPORAL

CATEGORIAS DE ANÁLISE

COMENTÁRIOS Questão

1 Interação com outros professores

Em 2006, ao ingressar na escola onde trabalha, pois lá já havia sido adotada a proposta da Cultura Corporal como referencial teórico-metodológico para as aulas de Educação Física.

1.1

2 Livre escolha Apesar de ser o referencial adotado, alguns professores da escola não o

Page 138: SIGNIFICADOS DA CULTURA CORPORAL NO · PDF file5 Esta dissertação é resultado deste processo de investigação, sendo organizada em cinco capítulos. No capítulo I – Configurando

141

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 1 – MECANISMOS DE APROPRIAÇÃO DA CULTURA CORPORAL

CATEGORIAS DE ANÁLISE

COMENTÁRIOS Questão

utilizam devido à preferência peloutros referenciais. Sendo assim, a escolha da Cultura Corporal pelo Prof.4 não foi imposta, mas devido a sua identificação.

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 2 - CARACTERÍSTICAS GERAIS DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA "ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE COMENTÁRIOS Questão

1 Possibilidade de não-exclusão de alunos das atividades

Pela superação do modelo tradicional de Educação Física

Excludente por princípio. Ao trabalhar apenas sob a óptica dos esportes e do rendimento, "com aquela coisa básica do futsal", sempre ocorrerá de alguns alunos não participarem das aulas.

2.1

Possibilidade de transformação das atividades, adequando-as aos interesses dos alunos

A Cultura Corporal permite a transformação das diversas práticas corporais, inclusive dos esportes, para adaptá-los às necessidades dos alunos, permitindo que todos participem das aulas. A transformação destas práticas pode ser dar através da combinação dos vários conteúdos.

2.1

2 Possibilidade de ampliação das experiências dos alunos com as diversas práticas corporais

Seu discurso não vai no sentido de resgate das práticas corporais do cotidiano, mas de ampliação das vivências com as mais variadas praticas.

2.2

4

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142

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 3 – OBJETIVOS PARA A EDUCAÇÃO FÍSICA NA "ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE

COMENTÁRIOS Questão

1 Ampliação das vivências com as práticas corporais

Sempre em oposição à redução dos conteúdos aos esportes. Trata-se, provavelmente, de fazer o aluno perceber que é possível modificar as práticas corporais de acordo com suas necessidades, levando à uma valorização destas práticas e aumento do número de praticantes.

4.2 e 4.3

2

Liderança e organização frente às práticas corporais

É mencionado apenas vagamente, tanto na questão sobre os objetivos quanto na de avaliação.

4.2

3 Autonomia frente às práticas corporais

No sentido de acumular conhecimentos procedimentais que permitam não ocorrer em risco para a saúde das atividades.

4.3

4

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 4 – CONTEÚDOS DE ENSINO-APRENDIZAGEM DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA "ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE COMENTÁRIOS Questão

1 Diversas práticas corporais

Não afirma em nenhum momento buscar as atividades do cotidiano, mas sem ampliar as vivências. Para isto, altera-se as práticas corporais existentes permitindo que todos possam vivenciar as atividades. Talvez seja a busca por desenvolver o gosto pelas práticas corporais, uma vez que se aprende à modificá-las segundo as necessidades.

4.3

2 Conhecimentos sobre o corpo e condicionamento físico

Tratando-se de conceitos e procedimentos para uma prática segura das atividades físicas

4.3

3

Critérios para seleção dos conteúdos:

Infra-estrutura e material da escola

Sem comentários. 4.4

4 Possibilidade de ampliação das vivências

Indicando preferir trabalhar com práticas corporais não diretamente associados ao cotidiano dos alunos.

4.4

Expectativa dos alunos

São trabalhadas atividades direcionadas ao gosto dos alunos por determinadas práticas corporais.

4.4

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 5 – AVALIAÇÃO DE APRENDIZAGEM DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA "ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE COMENTÁRIOS Questão

1

Legitimação da Educação Física frente às demais disciplinas

No discurso do Prof.4 o processo de avaliação é uma ferramenta punitiva, através da reprovação, objetivando legitimar a Educação Física frente às demais disciplinas. Não por possuir um conteúdo necessário, mas por reprovar caso não sejam seguidas as normatizações escolares e casam não sejam atendidos os critérios de avaliação.

6.1

2 Os critérios de avaliação são:

Participação, presença, organização e respeito. Os principais são a participação e a presença, pois os demais não são mais mencionados. Inclusive o Prof.4 afirma serem estes os mais importantes. A participação é diferenciada da presença, pois o aluno pode ter presença na aula e ao mesmo tempo ter nota baixa em relação à participação. A participação está atrelada ao envolvimento dos alunos na execução das atividades. O Prof.4 não menciona posicionamento crítico ou autônomo, apenas participar.

6.2

3

4

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143

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 5 – AVALIAÇÃO DE APRENDIZAGEM DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA "ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE COMENTÁRIOS Questão

5

6

Informante 5

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 1 – MECANISMOS DE APROPRIAÇÃO DA CULTURA CORPORAL

CATEGORIAS DE ANÁLISE

COMENTÁRIOS Questão

1

Graduação – no contexto das várias disciplinas (dança, musculação, ginástica rítmica, esportes)

Parece que o Prof.5 associa a proposta da Cultura Corporal às diversas práticas corporais culturais. Parece não conceber que toda e qualquer prática da Educação Física é uma intervenção sobre as práticas corporais, diferenciando-se a forma de intervenção a partir do referencial teórico-metodológico adotado, no caso, a Cultura Corporal.

1.1

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 2 - CARACTERÍSTICAS GERAIS DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA "ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE COMENTÁRIOS Questão

1

Diversificação das práticas corporais vivenciadas na Educação Física

Superação do esporte como único conteúdo

A adoção da Cultura Corporal justifica-se na tentativa de diversificar as práticas corporais vivenciadas nas aulas de Educação Física, superando a ênfase somente ao conteúdo esporte, o que com freqüência é acompanhado pela formação de atletas. O aumento das práticas corporais vivenciadas pelos alunos leva à ampliação das possibilidades de usos do corpo. Trata-se, portanto, do desenvolvimento de habilidades motoras nas diversas práticas corporais: esportes, jogos, danças etc. Visto que se trata de melhora dos gestos motores e das potencialidades de usos do corpo, o esporte de alto nível pode ser trabalhado nas aulas de Educação Física, por aqueles alunos que atingem picos elevados de habilidades motoras em práticas corporais determinadas. Sugere, portanto, que trabalhar com a Cultura Corporal é apenas eleger práticas corporais diversificadas nas aulas, não importando a que referencial teórico-metodológico o professor seja adepto, no caso, educação psicomotora.

2.1 e 2.2 Ampliação das possibilidades corporais

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 3 – OBJETIVOS PARA A EDUCAÇÃO FÍSICA NA "ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE COMENTÁRIOS Questão

1 Educação Psicomotora

Desenvolvimento das habilidades motoras

Através da verificação das habilidades já possuídas, tentando melhorá-las e construir novas habilidades a partir da diversificação das práticas corporais.

2.1

Desenvolvimento Embora não tendo certeza se 4.2, 4.5,

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144

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 3 – OBJETIVOS PARA A EDUCAÇÃO FÍSICA NA "ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE COMENTÁRIOS Questão

cognitivo pode ser classificado como desenvolvimento cognitivo, as dimensões conceituais do conhecimento inerente à Educação Física citadas são o entendimento das necessidades das regras para realização das atividades, o que levaria a uma atitude de respeito à estas e a apropriação de conhecimentos relativos ao corpo em atividade, por exemplo, noções sobre a importância de exercício de alongamento e aquecimento em geral para a prevenção de lesões durante a prática de atividades físicas.

4.6

Desenvolvimento afetivo

Através da socialização/interação entre os alunos promovida pelas atividades de aula. Ênfase na estratégia de colocar alunos em um nível maior de habilidades motoras junto de alunos com menos habilidades.

4.2

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 4 – CONTEÚDOS DE ENSINO-APRENDIZAGEM DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA "ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE COMENTÁRIOS Questão

2 Critério de seleção dos conteúdos/atividades: práticas corporais da cultura corporal

Não existe um critério para seleção dos conteúdos, pois afirma que a Educação Física trabalha com práticas corporais inerentes a ela, não existindo possibilidade de selecionar algum conteúdo em detrimento de outros.

4.4

1

Práticas corporais relacionadas à cultura corporal

Corpo e condicionamento físico

Conteúdo mais enfatizado pelo informante. Consiste, primeiramente, na verificação dos níveis de aptidão física dos alunos nas várias valências relacionadas à saúde. Em seguida, realiza-se um trabalhado de melhora destas valências através de exercícios específicos. Trata-se, pois de buscar melhora da aptidão física dos alunos através de exercícios ginásticos. Uma vez feito este trabalho, passa-se para o desenvolvimento de habilidades motoras através das danças, jogos e esportes. O informante fala também do aluno compreender a necessidade de exercícios de aquecimento, de forma a criar uma autonomia para a prática de atividades físicas. Enquanto que a biologia trataria deste da dimensão conceitual deste conhecimento, a Educação Física cuidaria da dimensão procedimental.

2.1, 4.3

Esportes Práticas corporais vivenciadas após um período destinado à igualar os alunos em seus níveis de

2.1, 4.3 Danças

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145

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 4 – CONTEÚDOS DE ENSINO-APRENDIZAGEM DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA "ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE COMENTÁRIOS Questão

Jogos aptidão física e de habilidades motoras.

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 5 – AVALIAÇÃO DE APRENDIZAGEM DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA "ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE COMENTÁRIOS Questão

1 Objetivos de avaliação:

Auto-descoberta para as práticas corporais

Através das vivencias com as diversas práticas corporais e do desenvolvimento de habilidades, verifica se os alunos elaboraram um gosto/uma identificação com alguma prática corporal

6.1

Ganho nas habilidades motoras

Relacionados ao condicionamento físico e às alterações metabólicas provocadas pela prática de atividades físicas. Objetiva-se verificar se os alunos preocupam-se, por exemplo, em controlar a freqüência cardíaca e se sabem como fazê-lo. Aprendizado das regras dos vários esportes trabalhados, sendo capazes de organizarem-se para a prática esportiva dentro destas regras.

6.3 Apropriação conhecimentos procedimentais

2 Método de observação nas aulas

As avaliações são feitas observando os alunos individualmente durante as aulas. É verificado se os alunos melhoram seu desempenho motor nas diversas práticas corporais trabalhadas.

6.2

Informante 6: EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 1 – MECANISMOS DE APROPRIAÇÃO DA CULTURA CORPORAL

CATEGORIAS DE

ANÁLISE COMENTÁRIOS Questão

1 Congressos da

área

Afirma ter tido seu contato com a proposta da cultura corporal através

das discussões ocorridas nos congressos nos quais participou. 1.1

2 PCN's

Outro mecanismo disseminador da proposta da cultura corporal seria os

PCN's, pela leitura dos quais o informante se aprofundou sobre a

proposta.

1.1

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 2 - CARACTERÍSTICAS GERAIS DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA

"ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE COMENTÁRIOS Questão

1 Valorização/resgate da

cultura dos alunos

É o que faz a proposta da cultura corporal ser interessante

para este informante 2.1

2

Possibilidade de trabalhar

com práticas corporais do

cotidiano dos alunos

Ao selecionar atividades do cotidiano dos alunos, e por isto

mesmo, cheias de sentidos e significados para estes alunos, o

informante considera que a participação e o respeito dos

alunos pela atividade são maiores, não havendo necessidade

de imposição de conteúdos. O trabalho consiste em selecionar

a atividade a partir da cultura deles, problematizá-la, vivenciá-la

2.2

Page 143: SIGNIFICADOS DA CULTURA CORPORAL NO · PDF file5 Esta dissertação é resultado deste processo de investigação, sendo organizada em cinco capítulos. No capítulo I – Configurando

146

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 2 - CARACTERÍSTICAS GERAIS DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA

"ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE COMENTÁRIOS Questão

e modificá-la, elaborando novas significações. Aparentemente

trata-se de um discurso construtivista-interacionista, nas

palavras de Darido e Sanchez Neto.

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 3 – OBJETIVOS PARA A EDUCAÇÃO FÍSICA NA "ABORDAGEM

PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS

DE ANÁLISE COMENTÁRIOS Questão

1 Construção

da cidadania

O objetivo nas aulas de Educação Física é a formação da cidadania nos

alunos, entendida como a atitude de respeitar as regras sociais, uma vez

que compreendem sua importância, e ter voz ativa para modificá-las quando

não estiverem adequadas aos coletivos. Isto é feito através da vivência,

construção e transformação de jogos selecionados das práticas corporais do

cotidiano dos alunos.

4.2

2 Construção

de autonomia

Relacionada à cidadania, a autonomia dos alunos seria trabalhada através

da resolução de conflitos ou situações problemas provenientes da

construção de jogos vivenciada durante as aulas de Educação Física.

Propõe-se um jogo e uma situação problema e os alunos devem organizar-

se de modo a resolver aquela problemática, fomentando assim autonomia

para a resolução de problemas da vida social.

4.5

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 4 – CONTEÚDOS DE ENSINO-APRENDIZAGEM DA EDUCAÇÃO FÍSICA

NA "ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE

ANÁLISE COMENTÁRIOS Questão

1 Jogos

Provenientes do cotidiano dos alunos (cultura infantil segundo JBF) e

também relacionados aos esportes tradicionais. O trabalho com este

conteúdo consiste na seleção de jogos e brincadeiras provenientes do

cotidiano dos alunos, utilizando-se materiais construídos pelos próprios

alunos através de sucata, vivência destes jogos, problematização de

questões durante estas vivências, as quais os alunos terão que se

organizarem para responder a estas questões. Enfatiza a problemática do

ganhar e perder.

4.2, 4.6

2

Critério de

seleção:

cotidiano dos

alunos

São os próprios alunos que constroem as atividades-jogos a partir do que

eles trazem das práticas corporais de sua cultura 4.3

Page 144: SIGNIFICADOS DA CULTURA CORPORAL NO · PDF file5 Esta dissertação é resultado deste processo de investigação, sendo organizada em cinco capítulos. No capítulo I – Configurando

147

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 5 – AVALIAÇÃO DE APRENDIZAGEM DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA

"ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE

ANÁLISE COMENTÁRIOS Questão

1

Não há

avaliação em

todas as

turmas

A avaliação restringe-se apenas aos alunos do ensino médio, não

havendo para os alunos do ensino fundamental. Entretanto, isto ocorre

nas escolas municipais e estaduais, pois na escola particular onde

também trabalha, a avaliações ocorrem em todos os segmentos de

ensino.

6.1

2 Método de

avaliação

Avaliação continuada, não existindo um dia de aula específico para a

avaliação. Não existem também atividades avaliativas. O processo é

realizado no dia-a-dia das aulas.

6.2

3 Objetivos da

avaliação

Verificar comportamento autônomo dos alunos na construção das

atividades e solução dos problemas, representados pela criatividade e

auto-organização.

6.3

4 Critérios de

avaliação Participação, respeito, organização e motivação 6.2

Informante 7: EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 1 – MECANISMOS DE APROPRIAÇÃO DA CULTURA CORPORAL

CATEGORIAS DE

ANÁLISE COMENTÁRIOS Questão

1

Interação com

outros

professores

No início da década de 90, por intermédio de colega recém formado que

já conhecia a proposta do Coletivo de Autores. Vincula portanto a

proposta da cultura corporal à abordagem crítico-superadora. Este foi o

primeiro contato.

1.1

2 Literatura da

área

Textos produzidos pelo grupo do Coletivo de Autores, sendo o primeiro

um texto antigo de Valter Bracht trazido pelo colega citado. Depois de

algum tempo é que foi feita a leitura da obra do Coletivo de Autores.

1.1

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 2 - CARACTERÍSTICAS GERAIS DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA

"ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE COMENTÁRIOS Questão

1

Sistematização de um

conhecimento específico

da Educação Física

(legitimidade pedagógica).

O motivo de identificação principal é a possibilidade de a

Educação Física possuir um corpo de conhecimentos próprios

em relação às demais disciplinas. Trata-se da questão da

legitimidade da Educação Física enquanto componente escolar.

Refletia sobre esta necessidade ao trabalhar no curso de

formação de professores, tendo que levar para eles um

conhecimento que não poderia ser das outras disciplinas, mas

2.1

Page 145: SIGNIFICADOS DA CULTURA CORPORAL NO · PDF file5 Esta dissertação é resultado deste processo de investigação, sendo organizada em cinco capítulos. No capítulo I – Configurando

148

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 2 - CARACTERÍSTICAS GERAIS DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA

"ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE COMENTÁRIOS Questão

da Educação Física.

Ao professor de Educação Física cabe a cultura corporal, ou

cultura de movimento – conjunto de prática corporais

agrupadas na forma de jogos, esportes, lutas, danças,

ginásticas - pertencentes à cultura universal.

2 Superação do nome

cultura corporal

O informante afirmar não concordar com a nomenclatura

"cultura corporal" por considerá-la reforçadora da dicotomia

corpo e mente. Este posicionamento viria dos seus estudos

dentro da psicomotricidade

2.1

3

Adequação ao objetivo da

escola – democratização

do conhecimento científico

Para o informante a educação escolar tem pelobjetivo

democratizar o conhecimento científico para aqueles que não

vivem a ciência. É estabelecer o diálogo entre o senso-comum

do aluno e o conhecimento científico, permitindo que o aluno

construa uma síntese, apropriando-se desses conhecimentos.

A proposta do Coletivo de Autores, identificada por ele como

proposta da cultura corporal adéqua-se a este objetivo da

escola, devido a sua perspectiva gramsciana.

2.2

4

Necessidade de

combinação de

referenciais diversos

Afirma que nenhum referencial teórico-metodológico para a

Educação Física serve totalmente, sendo necessário a

combinação de referencias para nortear a ação pedagógica.

2.2

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 3 – OBJETIVOS PARA A EDUCAÇÃO FÍSICA NA "ABORDAGEM

PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE COMENTÁRIOS Questão

1

Ampliação das vivências

com as práticas corporais

pertencentes à cultura de

movimento

Esta ampliação das vivências com as práticas corporais destina-

se a, de alguma forma, potencializar as possibilidades de "leitura

do mundo". A capacidade de atribuição e construção de

sentidos e significados nas atividades humanas, no caso da

Educação Física nas práticas corporais. Nesta perspectiva o

movimento é entendido como forma de expressão, uma

linguagem corporal. Inclusive alguns estados brasileiros adotam

esta perspectiva em seus referenciais teóricos.

A adoção deste objetivo deve-se a valorização de alguns

aspectos da educação psicomotora e da abordagem

desenvolvimentista para a Educação Física. Este aumento das

vivências deve-se também pelas próprias possibilidades

2.1, 4.1

Page 146: SIGNIFICADOS DA CULTURA CORPORAL NO · PDF file5 Esta dissertação é resultado deste processo de investigação, sendo organizada em cinco capítulos. No capítulo I – Configurando

149

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 3 – OBJETIVOS PARA A EDUCAÇÃO FÍSICA NA "ABORDAGEM

PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE COMENTÁRIOS Questão

materiais de vida dos alunos, as quais podem dificultar a

vivência de determinadas práticas corporais.

2

Democratização do

conhecimento científico

sobre as práticas

corporais

Como explicitado no item 3 das características da cultura

corporal.

Este seria o objetivo da escola, sem o qual não haveria sentido

para a existência desta instituição.

2.2

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 4 – CONTEÚDOS DE ENSINO-APRENDIZAGEM DA EDUCAÇÃO FÍSICA

NA "ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE

ANÁLISE COMENTÁRIOS Questão

1

Elementos da

cultura de

movimento

Aponta a já clássica taxionomia – jogo, dança, ginástica, esporte e

luta. Prefere o termo cultura do movimento humano ao termo cultura

corporal por considerar que o último remete ao dualismo corpo e

mente.

2.1

2

Contemplando as

três dimensões do

conhecimento

Conceitualmente, através da reflexão sobre diferentes possibilidades

da cultura de movimento a partir dos contextos culturais (ex. o

basquetebol no Brasil e nos EUA); procedimentalmente, através das

vivências com as práticas corporais; e atitudinalmente, através do

fomento à criatividade e postura crítica dos alunos frente as práticas

corporais, privilegiando autonomia para a prática.

4.3

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 5 – AVALIAÇÃO DE APRENDIZAGEM DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA

"ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE

ANÁLISE COMENTÁRIOS Questão

Não foi possível identificar, pois comentou apenas sobre o clube

escolar

Informante 8:

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 1 – MECANISMOS DE APROPRIAÇÃO DA CULTURA CORPORAL

CATEGORIAS DE ANÁLISE

COMENTÁRIOS Questão

1 Na graduação

O sujeito iniciou seu contato com a discussão sobre a cultura corporal na metade final de seu curso de graduação. Cita o Coletivo de Autores como obra onde a discussão sobre a cultura corporal foi iniciada e não como obra fundadora da proposta crítico-superadora. Parece, então, que o informante

1.1 2

Coletivo de Autores

Page 147: SIGNIFICADOS DA CULTURA CORPORAL NO · PDF file5 Esta dissertação é resultado deste processo de investigação, sendo organizada em cinco capítulos. No capítulo I – Configurando

150

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 1 – MECANISMOS DE APROPRIAÇÃO DA CULTURA CORPORAL

CATEGORIAS DE ANÁLISE

COMENTÁRIOS Questão

diferencia a discussão do Coletivo de Autores da abordagem que adota atualmente. O Coletivo de Autores seria um marco inicial da discussão e não a obra de referência.

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 2 - CARACTERÍSTICAS GERAIS DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA "ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE

COMENTÁRIOS Questão

1

Ampliação dos conteúdos de ensino da Educação Física

Para o informante a principal característica da cultura corporal é a ampliação dos conteúdos de ensino, fazendo referência implicitamente à Educação Física tradicional cujo único conteúdo é o esporte. A cultura corporal encerra a questão se o esporte deve ser conteúdo de aula ou não, definindo que sim, mas somando-se todas as outras práticas corporais possíveis pertencentes à vivência corporal dos vários grupos culturais. Afirma ter dificuldades em trabalhar com a abordagem da Cultura Corporal por falta de apropriação do referencial teórico, porém, sendo esta a abordagem que norteia sua ação pedagógica.

2.1, 2.2

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 3 – OBJETIVOS PARA A EDUCAÇÃO FÍSICA NA "ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE

COMENTÁRIOS Questão

1 Desenvolvimento de habilidades motoras

O Prof.8 considera que os objetivos da Educação Física enquanto disciplina estão sendo esquecidos pelos professores. Ela se deu conta de que nas reuniões pedagógicas falava apenas das atitudes e comportamentos dos alunos durante suas aulas, não havendo nada a dizer sobre a especificidade da Educação Física – o movimento. Sendo assim, embora ainda não esteja certa sobre o assunto, elege com objetivo da Educação Física o desenvolvimento de habilidades motoras dos alunos. Passa de uma ação pedagógica com ênfase na dimensão atitudinal dos conteúdos para uma prática voltada para a dimensão procedimental.

4.2

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 4 – CONTEÚDOS DE ENSINO-APRENDIZAGEM DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA "ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE

COMENTÁRIOS Questão

1

Habilidades motoras (práticas corporais como método de ensino)

Acordando com o objetivo de desenvolvimento de habilidades motoras, os conteúdos de ensino são as habilidades em si – coordenação, lateralidade, equilíbrio etc. - e os gestos motores – salto, arremesso, corrida etc.. A Cultura Corporal surge como estratégia metodológica para o desenvolvimento das habilidades. No exemplo dado pelo informante, o conteúdo a ser trabalhado é a habilidade de saltar. Para isto, o professor utiliza de diversas práticas corporais que contemplem diferentes formas de saltar, fazendo com que os alunos vivenciem o máximo possível de atividades. A Cultura Corporal permite a ampliação das práticas corporais utilizadas para alcançar os objetivos propostos, mas a abordagem que norteia a ação pedagógica é a desenvolvimentista.

4.3

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 5 – AVALIAÇÃO DE APRENDIZAGEM DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA "ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

Page 148: SIGNIFICADOS DA CULTURA CORPORAL NO · PDF file5 Esta dissertação é resultado deste processo de investigação, sendo organizada em cinco capítulos. No capítulo I – Configurando

151

CATEGORIAS DE ANÁLISE

COMENTÁRIOS Questão

1 Avaliar a aprendizagem motora

A avaliação, coerentemente com o objetivo e os conteúdos trabalhados, destina-se a avaliar o grau de melhora nas habilidades motoras e gestos motores dos alunos.

6.1

2 Observação O método utilizado é a observação dos alunos executando atividades propostas com objetivos de avaliação.

6.1

Entrevista 9:

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 1 – MECANISMOS DE APROPRIAÇÃO DA CULTURA CORPORAL

CATEGORIAS DE ANÁLISE

COMENTÁRIOS Questão

1 Pós-graduação

Através do curso de Educação Física escolar da UFF. Grande parte dos informantes indicou este curso como responsável por conhecer a proposta da cultural corporal. Entretanto, não podemos afirmar se o curso já divulgaria uma proposta da cultural corporal ou a proposta crítico-superadora. No primeiro caso, a identificação dos informantes com uma proposta assim denominada teria sido influenciada pelo curso. Entretanto, caso o curso tenha trabalhado com a perspectiva crítico-superadora, a mudança de denominação viria do movimento de ressignificação no interior da própria Educação Física. O que isto traz para a pesquisa eu não sei!

1.1 2

Coletivo de Autores

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 2 - CARACTERÍSTICAS GERAIS DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA "ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE

COMENTÁRIOS Questão

1 Superação da Educação Física tradicional

Assustada com a perspectiva de Educação Física trabalhada na escola onde acabava de chegar, voltada unicamente para o esporte, perceber possibilidade de modificação desta prática através da Cultura Corporal.

1.1

2 Valorização do professor de Educação Física

Embora não tenha explicitado em sua fala, o informante incomodava-se em trabalhar apenas com o esporte, afirmando não ter estudo 4 anos para apitar jogo. Implementar a perspectiva da Cultura Corporal possibilitaria a valorização do próprio trabalho. “Antes de ser professor disso ou daquilo somos educadores”.

1.1, 2.1

3 Dificuldade de adequação a realidade da prática.

Afirma ter tido uma série de dificuldades em implementar as propostas apresentadas pelo Coletivo de Autores, reconhecendo a necessidade de adaptações dos modelos teóricos à realidade prática. O modelo teórico seria o Coletivo de Autores e sua proposta crítico-superadora. O informante vincula diretamente a abordagem da Cultura Corporal à proposta do Coletivo de Autores. Informa necessitar de complementação com aspectos oriundos de outras abordagens para a Educação Física, não havendo possibilidade de aplicação direta do proposto pelo Coletivo de Autores.

1.1

4 Conteúdo com significados

A partir da Cultura Corporal, é dado importância a apropriação dos significados das práticas corporais tematizadas. Supera-se o simples “fazer por fazer”, buscando a vivência e reflexões sobre o significado destas vivências. Desta forma os conteúdos assumem importância para a vida do aluno.

2.1

5 Comportamentos socialmente positivos

Ao trabalhar os significados das práticas corporais é possível construir comportamentos de solidariedade, respeito às regras sociais etc.

2.1

6 Desconsideração dos aspectos biológicos

Ponto negativo da abordagem da Cultura Corporal é a desconsideração da importância dos aspectos biológicos das práticas corporais, uma vez que preocupa-se apenas com aspectos históricos e sociais, nas palavras do informante.

2.2

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152

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 2 - CARACTERÍSTICAS GERAIS DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA "ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE

COMENTÁRIOS Questão

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 3 – OBJETIVOS PARA A EDUCAÇÃO FÍSICA NA "ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE

COMENTÁRIOS Questão

1 Formação cidadão crítico

Adotando a proposição dos PCN‟s de ser humano crítico, autônomo e participativo, com condições de intervir na sociedade. No entanto, esta definição de cidadania dependerá do entendimento de ser humano e de mundo.

4.2

2

Autonomia perante as práticas corporais (perspectiva de inclusão).

Mais do que em relação aos PCN‟s, no discurso do informante o objetivo para a Educação Física é dar condições aos alunos para engajar-se nas práticas corporais sabendo julgar as possibilidades de transformações, as adequações etc.

4.2

3 Resgate do patrimônio cultural

Embora não seja especificado conteúdos do cotidiano dos alunos, mas práticas corporais diversas relacionadas à cultura geral.

2.1

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 4 – CONTEÚDOS DE ENSINO-APRENDIZAGEM DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA "ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE

COMENTÁRIOS Questão

1 Práticas corporais diversas

Na fala do informante os conteúdos da Educação Física são conhecimentos a serem trabalhados com os alunos visando autonomia para a prática de atividades físicas e exercícios, parecendo perspectivar as três dimensões do conhecimento.

4.3

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 5 – AVALIAÇÃO DE APRENDIZAGEM DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA "ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE COMENTÁRIOS Questão

1 Auto-avaliação

Os alunos, individualmente, atribuem suas próprias notas analisando os mesmos critérios que o informante. Em seguida, professor e aluno discutem as duas notas e conversam para chegar à nota final.

6.1

2 Presença, participação, respeito, solidariedade, conhecimentos aprendidos

Esses são os critérios observados pelo informante (e pelos alunos ) para atribuição das notas. A apropriação dos conhecimentos trabalhados nas aulas é observada na avaliação, mas parece possuir um papel de menos destaque do que os outros critérios.

6.1

Informante 10:

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 1 – MECANISMOS DE APROPRIAÇÃO DA CULTURA CORPORAL

CATEGORIAS DE ANÁLISE

COMENTÁRIOS Questão

1 Movimento O contato ocorreu durante a graduação em Educação Física, ocorrida de 1.1

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153

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 1 – MECANISMOS DE APROPRIAÇÃO DA CULTURA CORPORAL

CATEGORIAS DE ANÁLISE

COMENTÁRIOS Questão

Estudantil 93 a 96. No entanto, não através do currículo do curso, mas através do engajamento no movimento estudantil que discutia a proposta recém lançada da Educação Física crítico-superadora.

2 Congressos ENEEF – do movimento estudantil e CONBRACE – do CBCE 1.1

3 Coletivo de Autores

Nestes eventos discutia-se o recém lançado livro, tendo sido obra de referência para apropriação do que chama de abordagem da Cultura Corporal

1.1

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 2 - CARACTERÍSTICAS GERAIS DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA "ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE

COMENTÁRIOS Questão

1 Possibilidade de transformação da sociedade

Embora o informante não assuma o papel de construção de uma sociedade socialista, característica inicial da Cultura Corporal que deve ser descartada, mas de superação das problemáticas existentes, sem vincular ou desvincular estes problemas ao modo de produção econômica. A transformação através da práxis estaria em um nível, por exemplo, de possibilitar inclusão onde há exclusão. Nas aulas de Educação Física especificamente em relação às práticas corporais. Nesta perspectiva a Cultura Corporal continuaria privilegiando as “classes trabalhadoras”, pois permitiria o acesso de alunos de menor condição econômica a práticas corporais anteriormente de privilégio das classes de maior poder.

2.1, 2.2

2 Vinculação das práticas corporais à dinâmica cultural

Pois a Educação Física na perspectiva da Cultura Corporal entende as práticas corporais como linguagens corporais vinculadas à cultura. É através destas linguagens corporais que entendemos o mundo, as relações entre as pessoas e como eles utilizam seus corpos (técnicas corporais de Mauss?).

2.1

3

Possibilidade de superação da Educação Física tradicional

A abordagem da Cultura Corporal garante os pressupostos necessários para superação dos modelos de Educação Física orientados pelos movimentos militaristas, higienistas e do esporte para todos.

2.1

4 Diversificação dos conteúdos

Por não buscar a excelência técnica é possível trabalhar com uma gama maior de práticas corporais, ampliando as possibilidades de entender as práticas corporais e o corpo na dinâmica cultural.

2.2

5 Não atenção a formação de talentos esportivos

Sendo uma característica negativa que advém da adoção da Cultura Corporal. Uma vez que a Excelência técnica não é mais características das aulas, aqueles com talento esportivo acabam em segundo plano, não tendo suas potencialidades desenvolvidas. Porém, o informante afirma preferir trabalhar com a maioria.

2.2

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 3 – OBJETIVOS PARA A EDUCAÇÃO FÍSICA NA "ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE COMENTÁRIOS Questão

1

Compreensão das práticas corporais enquanto manifestações frutos das dinâmicas culturais

Objetiva que o aluno entenda as práticas corporais como manifestações criadas na dinâmica cultural, o que permite compreender as relações sociais e culturais estabelecidas.

4.2, 4.5

2

Compreensão das várias dimensões dos conhecimentos sobre as práticas corporais

Embora não utilize estes termos em sua fala, o informante aponta para a necessidade de apresentar e discutir com os alunos as várias dimensões das práticas corporais – conceitual, procedimental e atitudinal. Os termo utilizados são vivência técnica, sensibilização e entendimento, podendo em alguns

4.2, 4.5

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154

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 3 – OBJETIVOS PARA A EDUCAÇÃO FÍSICA NA "ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE COMENTÁRIOS Questão

casos a vivência técnica ser menor do que as demais dimensões.

3 Autonomia frente às práticas corporais

Uma vez que o aluno é capaz de identificar as diversas possibilidades de práticas corporais, possui uma vivência orientada para o lazer/ludicidade, possui condições de reformular e construir práticas corporais a partir de suas necessidades, propicia-se a cosntrução de autonomia para estas práticas.

4.5

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 4 – CONTEÚDOS DE ENSINO-APRENDIZAGEM DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA "ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE

COMENTÁRIOS Questão

1 Práticas corporais diversificadas

os conteúdos são trabalhados através de temáticas, selecionadas a partir de critérios tais como cotidiano da comunidade, contexto temporal e cultural. Assim trabalha-se com descriminação, mulher no esporte, violência, pan-americano através de jogos, esportes, lutas etc. os conteúdos são ao mesmo tempo meio e fim, como no caso da capoeira e discriminação.

4.2, 4.3

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 5 – AVALIAÇÃO DE APRENDIZAGEM DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA "ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE

COMENTÁRIOS Questão

1 Auto-avaliação Embora não especifique como e não tenha dado nenhum exemplo 6.1

2 Critérios de avaliação atitudinais

Participação, trabalho de equipe, discussões e reflexões durante as aulas.. Principalmente a mudança de postura do aluno referente à vontade de participar das atividades propostas.

6.1

3 Trabalhos temáticos

A avaliação ocorre com a cosntrução de trabalhos teóricos e práticos sobre as temáticas eleitas.

6.1

4 Não possui mecanismo para aferição da nota

Embora possua estes critérios, não sabe como avaliar o nível de apropriação de conhecimentos pelos alunos, pois o principal critério é a participação/cumprimento das atividades. A indefinição do quê e como avaliar é um problema da Educação Física.

6.2

Informante 11:

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 1 – MECANISMOS DE APROPRIAÇÃO DA CULTURA CORPORAL

CATEGORIAS DE ANÁLISE

COMENTÁRIOS Questão

1 Curso de Mestrado

Formado anteriormente à publicação do livro do Coletivo de Autores não teve contato com este referencial teórico-metodológico durante a graduação, a qual segundo o informante enfatizava a Educação Física desenvolvimentista e psicomotora. A especialização também não permitiu este contato por ser específica ao treinamento na modalidade voleibol.

1.1

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 2 - CARACTERÍSTICAS GERAIS DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA "ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE

COMENTÁRIOS Questão

1 Diversificação dos conteúdos de ensino

A abordagem da Cultura Corporal permite enfocar uma gama maior de conteúdos para além do futebol e queimado. Atribui importância maior a esta abordagem por considerar que as demais, como a

2.1, 2.2

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155

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 2 - CARACTERÍSTICAS GERAIS DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA "ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE

COMENTÁRIOS Questão

desenvolvimentista, limitam as possibilidades de práticas dos alunos. Isto não é verdade.

2 Sentido pedagógico dos conteúdos

A abordagem da Cultura Corporal também rompe com a prática de propiciar às crianças apenas as atividades que elas mais gostam, não havendo nenhum propósito pedagógico. É a superação das aulas de Educação Física de recreação.

2.1

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 3 – OBJETIVOS PARA A EDUCAÇÃO FÍSICA NA "ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE

COMENTÁRIOS Questão

1 Ampliação das vivências com as práticas corporais

Inicialmente com resistências dos próprios alunos que não aceitavam práticas corporais diferentes do futebol e de jogos de grande aceitação na comunidade. A ação pedagógica visa então a ampliação dessas experiências a fim de vivenciar diferentes manifestações corporais da cultura. Também com o objetivo de criação de gosto pela prática de atividades físicas.

4.2, 4.5

2 Reflexão sobre as práticas corporais do cotidiano

Afirma também objetivar buscar práticas corporais pertencentes ao cotidiano da comunidade escolar e inseri-las no “contexto de trabalho” da escola. Entendo como propiciar reflexões sobre e a partir das práticas corporais do cotidiano.

4.2

3 Socialização dos alunos (inclusão)

O fomento de comportamentos e valores socialmente positivos, uma vez que se trata de uma comunidade violenta com alunos envolvidos com o tráfico. Promove hábitos de inclusão e demais elementos da dimensão atitudinal, nas palavras do próprio informante.

4.2 e 4.6

4 Desenvolvimento motor e psicomotor

Principalmente nas crianças mais jovens de forma a possibilitar o trabalho com a expressão corporal quando mais velhas. Embora afirme que se preocupa em todas as aulas em propiciar ganhos em agilidade e coordenação nos alunos.

4.5

5 Autonomia frente às práticas corporais

Objetiva-se instrumentalizar os alunos para a prática das atividades corporais que melhor convier, objetivando agir sobre um dos fatores para a melhora da qualidade de vida – o combate à hipoatividade.

6.3

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 4 – CONTEÚDOS DE ENSINO-APRENDIZAGEM DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA "ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE

COMENTÁRIOS Questão

1 Práticas corporais do cotidiano

Selecionadas pelos próprios alunos no início do semestre (ano?) a partir de seu cotidiano e interesses. Busca-se trabalhar com elementos das cinco categorias de práticas corporais, inclusive com o funk, samba e a capoeira.

4.2, 4.4, 4.5

2 Práticas corporais estranhas ao cotidiano

A partir da identificação das práticas corporais do cotidiano, ampliar as vivências através da busca de outras atividades.

4.2, 4.4, 4.5

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 5 – AVALIAÇÃO DE APRENDIZAGEM DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA "ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE

COMENTÁRIOS Questão

1 Auto-avaliação

Onde no final de cada aula os alunos são incentivados a debater e refletir sobre as atividades propostas e sobre o desenrolar da aula, sobre os pontos positivos e negativos, sobre o que foi aprendido, sobre os conflitos resolvidos ou não.

6.1

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156

EIXO TEMÁTICO DE ANÁLISE 5 – AVALIAÇÃO DE APRENDIZAGEM DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA "ABORDAGEM PEDAGÓGICA DA CULTURA CORPORAL"

CATEGORIAS DE ANÁLISE

COMENTÁRIOS Questão

2 Observação de critérios atitudinais

Os professores fazer avaliação a cada aula através da observação da participação/engajamento dos alunos nas atividades, comportamentos de respeito entre os colegas durante as atividades. Enfatiza que a habilidade motora não é critério de avaliação. Busca-se desenvolver as habilidades dos alunos, mas não utiliza-se este critério para atribuição de nota. Isto é problemático, pois não há mal em querer TAMBÉM o desenvolvimento motor do aluno. Então isto não é passível de avaliação?

6.1

3

4

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157

ANEXO 5 – Transcrição das Entrevistas

Informante 01:

1.1 - Bom, através de... Da literatura, dos PCN`s e de cursos também, que vim (sic) fazendo na área de Educação Física escolar. 2.1 - Eu acho porque a Cultura Corporal, ela traz muito do... É um referencial teórico que tem haver muito com a realidade do que a gente trabalha na escola, ou seja, é o que o aluno traz como bagagem né, que são, a questão dos esportes, do conhecimento que ele tem, e a gente, dentro das nossas aulas de Educação Física tentar aprimorar, trabalhar, explicar pra ele que [estes elementos] são conteúdos das aulas de Educação Física. 2.2 - Eu acho que a finalidade, a função da escola, a gente volta àquela questão, a função da escola é preparar o aluno para que ele venha mais tarde poder exercer, realmente, a sua cidadania plena, né, e eu acho que o papel da Educação Física não é somente desenvolver através das atividades esportivas, mas é preparar esse aluno, também, para mais tarde ele poder exercer suas funções, saber que as regras que ele aprende nos jogos, ele poder saber que na vida existem regras, existe a ética, dos valores que ele tem que respeitar. Eu acho que a partir do esporte, a partir da dança, a partir dos jogos ele vai compreender melhor isso. 3.1 - Sim. 3.2 - Acho que um dos eixos temáticos do projeto pedagógico da minha escola é o reconhecimento da comunidade, a questão da ética e preparar esse aluno para uma cidadania. Acho que... Num geral, as escolas municipais, elas têm como norte o projeto político-pedagógico... Todos eles são parecidos. 3.3 - Eu acredito que é essa questão mesmo, cultural, que o aluno, a bagagem que o aluno traz, a gente tenta aprimorar o que ele sabe, né, através das atividades esportivas, através dos jogos, através da dança, através das lutas, dentro da escola, aprimorando sempre, cada vez mais, através de movimentos, ele aprendendo o que é, né, o que faz parte da cultura, o que ele precisa aprender para ele exercer uma cidadania. 3.3.1. Eu acredito que a não, porque, assim, a parte de Educação Física do projeto político-pedagógico foi dividida na minha escola, né. Eu fiquei com a parte do ciclo, a primeira fase do ciclo eu fiquei, educação infantil eu que fiz, e os outros professores iam ficar responsáveis pela progressão, ensino especial e... Terceira e quarta série, e não foi feita essa parte, quer dizer, só foi feita a minha parte, então acho que se contrapõe nesse sentido, ficou faltando para a gente poder, é, encaixar mesmo, poder fechar né, junto com o projeto. 3.3.2. Hoje não. Hoje eu trabalho com as outras séries. 3.3.3. Na realidade na escola não tem, mas eu tenho. Eu fiz, né, meu documento e deixei guardado e, o que eu faço, mostrei à coordenadora pedagógica e ela botou como se fosse um projeto a parte, não está junto do projeto político-pedagógico, né, seria um plano curricular, né, plano de curso, desculpe. Seria um plano de curso, né, o plano anual. E ela deixou lá e todo ano tira xérox como se fosse o plano de curso. E no caso, eu tenho e tento adequar as minhas atividades dentro da cultura corporal que eu acho que tem mais haver, ainda mais que eu trabalho, agora eu não trabalho com terceira, mas eu trabalho com quarta, turma de progressão e ensino especial. 4.1 - Não, até mesmo porque assim, gente não tem, a gente não se reúne, é... Os professores, eles têm, eles acreditam em abordagens diferentes, tem um colega que ele se diz desenvolvimentista, mas não assume, então a gente não conseguiu ainda é, se encontrar e não tem ninguém na escola, coordenador pedagógico nem direção que reunisse os professores de Educação Física para estarem fazendo isso. 4.2 - Bom, além de desenvolver as habilidades motoras, o desenvolvimento motor da criança através do esporte, da luta, da dança, da ginástica, eu acho que é também... Eu vejo muito a questão do atitudinal, vê a relação da criança... O comportamento dela, se eu consigo passar através das minhas aulas alguns valores, o respeito, a questão mesmo emocional, afetividade. Claro que a gente não tem como avaliar isso, mas acho que um dos objetivos também é isso. 4.3 - Todos esses que eu falei. Eu não trabalho a luta propriamente dita porque eu não tenho conhecimento, mas eu trabalho a questão da capoeira que é muito forte na minha escola, né. Eles conhecem e eu tento

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aprimorar, tento entender como eles jogam a capoeira, mas trabalho os jogos, trabalho a questão do esporte. No caso não seria o esporte, mas sim a iniciação esportiva porque são crianças na primeira fase né, primeiro e segundo ciclos que eu trabalho. É... Os jogos, a ginástica mesmo, sempre trabalhei ginástica, sempre trabalhei a questão do atletismo como esporte e a dança porque, até mesmo porque eu tenho muita ligação com a dança, não necessariamente só a dança por dançar, mas sim como atividade de expressão corporal, eles entenderem que através da dança você pode se expressar, é a comunicação não verbal através de músicas, enfim. 4.4 - Um deles é a questão cultural, a bagagem que as crianças trazem. Eles são riquíssimos. Até mesmo, fiz um trabalho agora com eles de folclore. Peguei atividades e brincadeiras que eles brincam na casa deles, na rua, no caso no morro, e eles trouxeram para mim jogos sensacionais que eu nunca tinha ouvido falar, tinham até nome e eles descreveram esses jogos. Então eu trabalho muito com o que eles trazem, a bagagem cultural dos alunos. Por isso que eu seleciono jogos sim, para trabalhar a questão da regra, porque se ele respeita a regra lá na rua, porque que não vai respeitar a regra dos jogos e esportes dentro das aulas de Educação Física? 4.5 - Acho que o saber que eu venho repetindo sempre, falando, né, a questão dos valores, da ética, da cidadania mesmo, é... O saber respeitar o outro, saber ouvir o outro, acho que esses são os principais saberes que e acredito que meu aluno tenha que saber nas aulas que eu fiz. Acredito também que ele tenha que aprender os esportes, aprender que existe a dança, que existe a ginástica como modalidade, que é importante para a saúde deles, acho também que a gente fechar isso, a atividade física não é importante para a saúde, é importante para a saúde sim, a gente contextualizar com eles porque a pessoa que faz atividade física tem a vida saudável, porque o cara que joga futebol tem uma vida saudável, enfim. Você poderia detalhar melhor o que é cidadania para você? (risos) Bom, para mim cidadania (risos)... Para mim é o ser político, é o ser ético, é o ser político, ético... É o ser que saiba exercer a sua função dentro da sociedade, são os valores que ele carrega da casa dele, compreender que cada pessoa tem seus valores, diferentes do dele em certos momentos. Eu acho que é basicamente isso. 4.6 - É como eu já falei, a questão dos valores e eu acho que a qualidade de vida também. Eu tento enfatizar também que é importante praticar a atividade física por causa da saúde. Não que a pessoa vá viver mais, mas vai viver bem, vai se sentir bem... Ter os hábitos saudáveis, higiene também, eu acho que é importante estar enfatizando na aula também. 5.1 - Bom, agora o município está passando por uma grande mudança, está todo sendo ciclado. Já vai ter a segunda fase agora, que vai ser o segundo ciclo de formação, então basicamente é todo em ciclo. 5.2 - Olha, na forma que o Município propõe o sistema de ciclo, eu discordo. Eu preferia que continuasse sendo seriado, porque eles falam que no primeiro ciclo de formação o aluno tem que aprender a ler e escrever. Aí o rapaz não aprendeu a ler e escrever no primeiro ciclo de formação, ele vai para o segundo ciclo de formação sem aprender a ler e escrever, tentando aprender e parece uma bola de neve, entendeu? Então eu acredito no seguinte, se se faz o ciclo de formação é pra realmente o cara aprender. Ou seja, né, coisas políticas, né, a gente não pode também ta infringindo isso. Se apropriam de certos autores como Vigotsky, por exemplo, que idealizam uma coisa e aqui propõem outra. Então eu não acredito no sistema de ciclos dessa forma. Eu preferia que voltasse a escola a ser como antigamente, tradicional para o aluno tentar realmente aprender dentro da faixa etária e tudo. 5.3. Afeta no sentido de que o aluno não tem o pleno desenvolvimento, vamos supor, ele fez a primeira fase do ciclo, ele termina com nove anos e ele vai pro outro ciclo. Aí ele termina com onze ou doze anos o segundo ciclo, aí ele ainda não conseguiu aprender realmente todas as... Ele não tem bem desenvolvidas as habilidades e de repente, na aula de Educação Física, ele consegue aprimorar as habilidades motoras, correr, saltar, ele consegue se desenvolver bem no esporte, mas ele não consegue ter o domínio da leitura e da escrita, entendeu? Então, assim, pela minha vertente da psicomotricidade, acho que faltou estar desenvolvendo bem o lado mental também, porque não adianta eu estar na minha aula de Educação Física, o garoto estar conseguindo ter o desenvolvimento motor e esquecer do mental. 6.1 - Bom, a avaliação no Município é em cima da turma, do geral, né, o grosso né. Se eles estão conseguindo ou não alcançar os objetivos dentro da aula de Educação Física e... Eu acho que avaliação é muito pessoal. Então eu acabo avaliando com o grosso da turma, eles estão conseguindo acompanhar dentro dos conteúdos, estão conseguindo... E eu avalio a turma. Então não tem uma avaliação específica.

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6.3. Não, a gente não tem método. Até mesmo porque a avaliação é muito incoerente, regular, insuficiente que é “I”, e depois vai pra bom, muito bom e ótimo. Então, de regular para “I”, então não tem uma coerência. 6.4 - Para estarem com esse ótimo e muito bom, eles... A grande questão não é eles terem domínio do esporte, até mesmo porque eu estou na primeira fase, primeiro e segundo ciclos. Então eu acho que eles respeitando os outros mesmo, a questão dos valores que eu sempre friso na minha aula, eles saberem que existem regras, estou trabalhando com eles jogos, então existem regras, não pode burlar as regras, entendeu? A partir dessas questões que eu começo a avaliar a turma, como é que eles estão conseguindo se desenvolver ou não. Informante 2: 1.1 - Bem, inicialmente eu tive contato com a proposta na graduação, junto com outras propostas, né, e... A partir da leitura e de alguns estudos eu fui me identificando e me aproximando da proposta da cultura corporal. 1.1.1. Pois é, né, o Coletivo de Autores, alguns artigos que foram decorrentes dessa obra, que se reivindicam da cultura corporal, no caso textos que saíram de dissertações e teses, inclusive na própria graduação eu tive acesso já a esses... Alguns professores que foram orientandos desses professores do Coletivo de Autores e... Foi a partir desses textos e do próprio Coletivo que eu tive acesso à abordagem. 2.1 - Na verdade, eu acredito que a proposta da Cultura Corporal, por estar articulada a uma perspectiva de transformação não só da escola, mas também da sociedade, é a proposta que mais se adequa a realidade hoje que a gente está vivendo. Porque se a gente tem uma perspectiva de manutenção do que está colocado, realmente a proposta do coletivo de autores não se adequa, mas se a gente tem uma perspectiva de que os problemas da escola não são só da escola, mas estão situados num contexto social, faz com que a gente utilize a abordagem crítico-superadora, no caso a abordagem da Cultura Corporal para que a gente possibilite ver a escola inserida nesse contexto social, não isolada dele. 2.2 - Eu acho que a finalidade da educação escolar é justamente transmitir todo o legado cultural que a humanidade conseguiu produzir historicamente e, especificamente na Educação Física enquanto componente curricular é de transmitir o legado da cultura corporal, então do que foi produzido historicamente pelo homem no âmbito da cultura corporal, de todas as práticas corporais, atividades corporais que a gente conhece. Não conseguimos abarcar todas porque os próprios professores não têm o conhecimento de todas as práticas corporais, mas as que são mais relacionadas com a cultura brasileira e com a cultura corporal que a gente conhece da cultura universal também. 3.4 - Pois é. A intenção é que a gente possa ampliar a discussão tanto com os professores de Educação Física como com os professores da escola, mas esse projeto político-pedagógico está em construção e eu acho que o referencial da Cultura Corporal vai ajudar nessa construção do projeto político-pedagógico porque se preocupa não só com a área da Educação Física, não só com o componente curricular Educação Física, mas como ele se insere na escola e como isso está articulado com a sociedade. 4.1 - Não. A gente ainda vive uma realidade onde cada professor faz o seu planejamento. A gente não tem espaços coletivos por conta dos horários, e uma dificuldade muito grande de fazer... Inclusive não temos projeto político-pedagógico porque tem essas dificuldades de fazer essa discussão no coletivo e a Educação Física não é diferente das outras disciplinas, está cada professor cuidando do seu planejamento individualmente. 4.2. Bem, a partir da proposta da cultura corporal os objetivos gerais são exatamente tentar passar para meus alunos os conhecimentos relativos à cultura corporal, os vários conteúdos que a gente possa estar tratando, tanto o esporte, como a capoeira, a dança, os jogos. Então o objetivo principal é esse, que os alunos consigam aprender, conhecer e aí... aprender sabendo e fazendo os conteúdos da cultura corporal. Esse é o maior objetivo, que as crianças se apropriem desse conhecimento. 4.4 - No próprio Coletivo de Autores existe um indicativo de como você deve organizar os conteúdos, e aí eu procuro utilizar da teoria e tentar adequar isso à realidade da minha escola, buscando conhecer o que os alunos conhecem acerca da cultura corporal e tentar levar para eles não só o que eles conhecem, mas exatamente buscar trazer novos conhecimentos que estão fora da escola pública para dentro da sala de aula. Então é importante conhecer o que os alunos sabem e também, a partir desses conhecimentos, eles aprofundarem mais o que eles já conhecem e trazer novos conhecimentos da cultura corporal para que sejam aprofundados.

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4.5. O que a gente perspectiva nas aulas de Educação Física é que os alunos consigam identificar o que são essas práticas, eles consigam compreender e eles consigam sistematizar esse conhecimento acumulado numa perspectiva de estar também sendo... possibilitando a eles serem produtores desse conhecimento. Então, partindo a identificação até a sistematização desse conhecimento. 4.6. A partir do aprofundamento nos estudos, tento primar pela auto-organização dos alunos, que eles a partir da identificação da sistematização do conhecimento possam se auto-organizar e a partir dessa auto-organização coletiva eles possam auto-determinar suas práticas, então, exatamente numa perspectiva de autonomia perante as práticas e, no caso, do conhecimento da cultura corporal. 5.1. Seriado. 5.2. Na verdade... A proposta é exatamente muito mais ampla do que infelizmente a realidade que a gente encontra na escola. A escola ainda se organiza de forma seriada, mas não impede que a gente possa estar trabalhando numa perspectiva até de transformação dessa realidade e numa possível mudança para que se trabalhe de forma seriada, mas na tentativa de... Você pode repetir a pergunta? Eu acho que é importante a gente avançar nessa discussão acerca dos ciclos. Não que necessariamente... Muitas vezes a escola é organizada em ciclos, mas que não se trabalha... Ainda continua sinalizando a perspectiva seriada. Eu acho que a gente tem que avançar no sentido de pensar mesmo a organização em ciclos, porque dá possibilidade de aprofundar mais o conhecimento, de não pensar ele de maneira mais fragmentada do que a gente já vê na escola, e aí eu acho que dificulta a prática pedagógica, a gente ainda estar sendo organizado em séries, mas também não... Vejo que outras escolas são organizadas em outros estados e municípios, são organizadas em ciclos e acho que as coisas ainda são trabalhadas de maneira seriada né, de forma seriada apesar de serem organizadas em ciclos. Então é preciso conhecer o ciclo para poder trabalhar melhor. Não é uma mudança automática. 5.3 A primeira coisa é como eu já tinha falado, a gente não tem ainda na escola uma prática que possibilite os professores sentarem e organizarem os conteúdos que vão ser trabalhados ao longo da vida escolar do aluno. E aí existe uma sobreposição de conhecimentos, então fica se repetindo, repetindo as mesmas coisas. A criança vê handebol na primeira, na segunda, na terceira e na quarta e da mesma forma. Não que o conteúdo não possa ser trabalhado, mas ele de um ciclo para o outro ele tem que ser aprofundado e no seriado fica ainda mais fragmentado porque existe uma repetição dos conteúdos e sem um aprofundamento devido, que é exatamente daquela linha da identificação do que é o conteúdo até como sistematizar isso, o saber propriamente dito. 6.1 - Sim. 6.2. A avaliação ela tem dois grandes intuitos. Para o professor, ela possibilita estar traçando novos objetivos, para o próprio aluno, de aprendizagem e uma possibilidade de o aluno também, a partir da avaliação feita, ele se auto-avalie. Então acho que tem essas duas grandes intenções, não no sentido... Também de verificar se os objetivos traçados inicialmente foram atingidos. Se foram atingidos, como a gente traça novos objetivos? Se não foram, por que não foram atingidos? Não numa perspectiva de avaliação de punir, mas da gente vê se os objetivos iniciais foram atingidos, porque não foram atingidos e quais são os novos objetivos para que a gente possa concretizar uma melhor aprendizagem e, consequentemente, um melhor planejamento para adiante. 6.3 - As avaliações são feitas durante o decorrer da disciplina e são avaliações individuais, são avaliações coletivas e elas também deveriam estar articuladas com o projeto político-pedagógico da escola. Na verdade a gente não tem esse projeto político, mas ela também deveria estar articulada com esse projeto. 6.4. Participação. Aquela questão que eu já tinha colocado da auto-organização, iniciativa. Então são vários critérios que... Apropriação do conhecimento. São vários critérios que eu utilizo para avaliar. Informante 03:

a. UERJ, 1981. b. Fisioterapia, na “FRAIS”, faculdade particular em Higienópolis, em 1990. c. Duas especializações, uma em Técnica Desportiva na UERJ, em 1982 e em Educação Física

Escolar na UFF, em 1999. d. Algumas vezes, quando trabalhava apenas para o Estado. Depois, com o aumento da carga

horária e com a falta de oferta de cursos pelo Estado. e. Duas matrículas no estado, sendo as duas na mesma escola. Trabalho também como

fisioterapeuta.

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1.1. A proposta, a gente quando começou a ter Educação Física, comecei aqui na escola em 1989, vim transferido de uma outra escola do estado, então a gente começou, trabalhava com a pratica desportiva, né, atividade muito repetitiva, e isso, durante um bom tempo a gente trabalhou dessa forma. Trabalhava assim porque a gente encontrou um grupo de professores que trabalhavam dessa forma. Então, eu era novo, eu digo a gente porque havia outras pessoas que trabalhavam da mesma forma e recém chegados à escola. Então, como a gente chegou aqui e observou que os professores trabalhavam dessa maneira, a gente continuou trabalhando da mesma forma. Em 98 e 99, a partir da entrada de dois professores no curso da UFF, especialização, a gente tomou contato com outras atividades de Educação Física. Como a gente já tinha uma angústia muito grande daquilo que a gente vinha trabalhando aqui, a gente, a partir do momento que foram a Sônia e o Marcos que foram fazer esse curso na UFF, a gente tomou conhecimento do curso, teve contato com a proposta da Cultura Corporal, começou a implementar sem uma fundamentação, a princípio, muito trazido pelo que a Sônia e o Marcos traziam no discurso e a partir de 2000, então, fazendo o curso na UFF, a gente trouxe um trabalho mais fundamentado e começou a trabalhar sobre essa perspectiva. Sobre angústia com o que trabalhava: é, porque na graduação a gente era muito tecnicista. A graduação era desportivizante, você trabalha handebol, basquete, muito fundamento, muito treinamento desportivo. Então, quando eu cheguei na escola eu continuava trabalhando aquilo, apesar daquilo não satisfazer as minhas propostas. Eu não sabia exatamente o que eu poderia trabalhar diferente, né. Eu sabia que alguma coisa estava faltando no meu trabalho. Reproduzia aquilo porque aprendi daquela forma. Cheguei na escola e vi os professores trabalhando da mesma forma, só que eu achava que faltava alguma coisa. Como essa angústia, foi até bom porque aquilo que me fez correr atrás, pesquisar e ter esse contato com a Cultura Corporal. Então, essa angústia que eu sentia foi aquela coisa que me impulsionou a buscar formas novas de trabalhar.

2.1. Pois é, porque eu achava que o aluno tinha muito mais a me dizer do que aquilo que eu fazia... que era efetivamente... pudesse estar na aula de Educação Física realizando. Então, na verdade ele reproduzia aquilo que eu passava para ele. Então, eu achava que o aluno tinha alguma coisa para trazer. O que o aluno trazia de formação, de experiência era importante. Só que na minha prática eu não via como colocar isso. Então, quando tive contato com a Cultura Corporal, eu vi exatamente a Cultura Corporal me permitia ir ao encontro do aluno e aproveitar aquilo que ele tinha como experiência anterior. Então, quer dizer, na verdade... só com a Cultura Corporal a gente vê que não tem todas as respostas. A gente consegue buscar, mas a Cultura Corporal veio como uma porta que estava se abrindo para a minha proposta de Educação Física que eu queria trabalhar na escola.

2.2. O que eu vejo mais importante é dar chance ao aluno de estar sentando, estar fazendo a crítica, estar se colocando no dia-a-dia, está questionando seu trabalho, indo mais a frente, voltando, reformulando. O que eu vejo de menos... mais importante, que eu vejo... do jeito que você... peca, que a gente quando tem uma teoria, a gente se fundamenta sobre uma teoria a gente vê que vai muito dentro daquilo ali sem questionar. Então, no início eu tava fazendo, tava caindo no mesmo erro que eu tinha nas outras teorias, né, a desportivizante por exemplo, eu fazia aquilo em cima dos fundamentos, na Cultura Corporal eu tava vendo que muitas das vezes eu tava fazendo um trabalho sem ta mesclando aquilo que eu tinha também de importante. Que eu tenho uma crítica a algumas teorias, mas, na verdade, você aproveita alguma coisa disso. Então, eu estava reproduzindo a Cultura Corporal no início fazendo exatamente o que os autores propunham, né, que as pessoas estavam dizendo que era mais importante. Então, o que eu vejo de mais importante, o que eu vejo de errado é que você acaba também reproduzindo aquilo exatamente ao pé da letra como os autores, os proponentes daquela teoria vinham fazendo.

3.1. Possui.

3.2. não, a proposta pedagógica é construída pelo corpo docente. Tem várias deficiências. A Educação Física teve uma participação muito interessante nesse processo porque quando desencadeou a questão do projeto político-pedagógico a Educação Física tinha vários professores participando desse primeiro momento, então a gente teve a chance de construir um projeto que a gente, né, poderia estar realizando na verdade. Então, a gente pôde ter a chance quando vários professores que trabalhavam com a Cultura Corporal participaram desse primeiro momento deram uma característica fundamental nisso. Então, depois esse projeto foi se perdendo, se perdendo no sentido assim, a gente consegue trabalhar, mas depois haveria a necessidade de estar se rediscutindo, há essa proposta de rediscutir o projeto político-pedagógico, mas a gente até hoje não conseguiu dar conta disso. Por quê? Porque a partir de, depois de ter sido implementado, vários professores vieram discutir. Então a gente precisa, para fazer uma reformulação, não ter só aquele grupo inicial e sim estar participando com todo o grupo da escola. Então, a gente como foi, o pontapé inicial foi dado boa parte por profissionais de Educação Física, os professores de Educação Física, a gente conseguiu dar uma característica bem voltada para a Cultura Corporal.

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3.3. A questão da multidisciplinaridade. Ter os professores, todas as disciplinas participando. Por exemplo, nós trabalhamos no terceiro bimestre com dança. Então, no final do projeto, no dia da apresentação a gente consegue parar a aula e trazer todos os professores para assistirem ao trabalho. Mas ao longo do terceiro bimestre a gente não conseguiu ainda engajar todos os professores no trabalho. Por exemplo, a gente trabalhou um tema nesse ano, então a gente pediu para o professor de literatura, o professor de sociologia e de história para estarem ajudando os alunos no dia-a-dia da aula. Então, a gente conseguiu engajar alguns professores, mas nem todos. Então, se o projeto político-pedagógico é uma proposta de trabalhar toda as disciplinas juntas, tem que efetivamente na prática acontecer dessa forma. Então, se na teoria ela é essa necessidade e na prática não consegue, você tem que ver o que está errado, onde falhou, onde você falhou e não cobrar dos professores participação, onde os demais professores também falharam na questão de trazer a tua disciplina no dia-a-dia participando para poder aproveitar isso. Se você trabalha a Cultura Corporal aproveitando tudo que o aluno tem experiência, ele tem que trazer a experiência dele também na matemática, na física, na química e fazer com que o professor nessas disciplinas possa trabalhar de uma forma mais prática, mais direcionada para aquilo que o aluno tem de importante para trazer, né. Reformular também, senão o aluno fica na sala de aula repetindo aquilo que o professor deu no programa, né, no capítulo do livro e não coloca aquilo que ele tem de experiência.

4.2. O que eu quero na Educação Física: que meu aluno seja participativo, um aluno crítico, seja capaz de esta discutindo comigo a reformulação do programa, estar sendo capaz de discutir, estar sendo capaz de ao longo daquele planejamento, daquele bimestre, estar contribuindo para que a gente possa esta reformulando aquele bimestre. Então, se eu estou trabalhando a dança, a orientação, as atividades físicas durante o primeiro bimestre, por exemplo, esse aluno vai ter que estar junto comigo trazendo essas informações. Então, os objetivos é que esse aluno possa no final do ano ele possa o que, reformular junto com a gente, avaliando o que ele construiu junto e o que ele perdeu. Então, o objetivo maior é esse, a participação do aluno. Conteúdo para a Educação Física, a gente não tem uma preocupação assim como as demais disciplinas de seguir a risca o programa, por que, porque esse programa muitas vezes não está pronto. O aluno pouco interfere nas disciplinas nesse programa, o que eu acho errado. Então os conteúdos que a gente tem no dia-a-dia o aluno vai estar contestando. Então, a participação é um critério importantíssimo para que esse aluno possa estar tendo a nota dele no final do bimestre. Então, o conteúdo mais importante que eu tenho na Educação Física é a participação. Se ele participa ele vai ter no final do bimestre, no final do ano a nota dele. 4.4. Por exemplo... assim... no primeiro bimestre a gente trabalha com atividade física para o envelhecimento saudável, né, cada pessoa dá um nome diferente, mas basicamente é isso. Então, o aluno ao longo do bimestre entendendo que ele pode... atividade física escolar ele pode estar fazendo de uma forma que ao longo da vida dele ele tenha um conhecimento necessário para estar formulando questões... primeiro é identificar o que é importante de atividade para ele. Se ele tem condições de ir a uma academia, por exemplo, ele vai saber que naquela academia a atividade que está sendo realizada lá é uma atividade correta ou incorreta para o que ele está se propondo. O que ele vai buscar nessa academia, né, entender qual é a necessidade dele no dia-a-dia. Então, qual é o critério que eu vou utilizar, o aluno entender que a atividade física é uma atividade... é uma coisa saudável para ele, que ele vai fazer... na escola ele pode ter uma atividade... muitas vezes ele só tem essa atividade na escola e não tem condições de estar fazendo uma academia ou estar fazendo uma atividade fora. Então, ele vai entender que a atividade que ele vai fazer na escola é uma atividade que ele possa controlar, que ele possa estar colocando os parâmetros, que ele possa estar reavaliando junto com o professor, possa estar trazendo dificuldades que ele encontra no dia-a-dia, então ele vai estar reformulando essas atividades junto com a gente. Então, o conteúdo além da participação é saber que ele pode estar fazendo as atividades, do dando o exemplo do primeiro bimestre, né, que seja uma atividade para ele correta e que ele possa estar no dia-a-dia entendendo e trazendo para a gente: "professor! Eu vi na internet ou vi num livro ou na academia fizeram uma atividade assim e assim, o que o senhor acha? Fiz correto? Isso está sendo feito de forma certa?" Então ele vai estar reformulando com você sua atividade. 4.5. ... Um cidadão, você tem que ter regras, mas você pode interferir nessas regras, você pode interferir na formulação das regras. O desporto, de maneira geral, as regras estão prontas, então o aluno tem que entender que as regras, que a atividade física escolar tem características diferentes, então saber, o conhecer o jogo, saber jogar, saber a regra é importante para iniciar a atividade, respeitar a regra é importante para a convivência geral, mas respeitar a regra do desporto, para ele, em termos de atividade física, não é tão importante, então ele interferir nesse saber, na mudança dessas regras, na contestação dessas regras é importante, porque se torna um cidadão enquanto uma pessoa crítica, então [fala não inteligível] pra gente é importante. No final do ano, no final dos três anos, vou estar avaliando meu aluno se ele conseguiu, durante esse período que está comigo aqui, entender que ele é um ator ativo nesse processo, ele pode interferir o tempo todo, que ele pode estar sugerindo, ele pode estar formulando, o formular as regras, formular as atividades, discutir a importância das atividades, discutir o seu papel

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enquanto aluno, o papel do professor, o papel da escola, porque a escola muitas vezes reproduz o que a gente não quer, a escola é um processo reprodutivo muitas vezes daquilo que a gente acha errado, a gente tem que procurar mudar isso. Mas de que forma mudar isso? O aluno tem que interferir nisso. Se o aluno não entende que a escola acaba reproduzindo a dominação que está aí vigente, o processo capitalista, o aluno vem pra cá... ele que ver, ele vê a Educação Física assim, aquele jogo de voleibol que ele vê agora, vou citar agora o campeonato mundial masculino, o aluno vê o jogo e quer fazer a mesma coisa aqui, mas ele não entende que o que ele vê lá na televisão ele não pode colocar em prática aqui no dia-a-dia dele. Ele ainda não consegue e a escola não tem que dar isso, pois se a escola fizer isso ela vai ser tão eletiva e tão né, reprodutiva daquele processo que a gente critica tanto que ele ta vendo na televisão, um aluno que vai reproduzir o que, o jogo pelo jogo? Aquele jogador que está lá é um atleta que ta ganhando dinheiro, né, que tem toda uma estrutura por trás dele. A estrutura da escola permiti isso? Essa é a função da escola? Tirar aquele aluno, tirar um, dois, três alunos que sejam jogadores, atletas ou permitir que todos participem? Então que que eu acho que o aluno tem que saber, né, que ele é um ator crítico, que ele é uma pessoa que participa do processo, que tem que interferir nesse processo dia-a-dia para construir esse processo para que ele, no final, possa avaliar o que ele, no final do bimestre, no final do ano, ele teve enquanto conseqüência de sua nota, que a escola tem que... a burocracia da escola, no final tem que se avaliar e por uma nota, que ele foi um participante nisso e aquilo que ele sai, da conseqüência da nota dele aqui é a participação ativa dele, que ele pode fazer. 4.6. Primeiro o respeito, né, às atividades. Como eu falei que o aluno... quando o aluno... quando eu digo que o aluno [fala não inteligível] as disciplinas dele, não vê a Educação Física como uma prática pedagógica, o aluno chega muitas vezes aqui, ele quer fazer o que bem entende, na hora em que ele bem quer, e tem aqueles ritos de querer jogar sempre o futebol, querer sempre bater uma pelada ou querer sempre jogar aqui, fazer o que ele bem entende. Então o respeito, né, à atividade, o respeito à capacidade de cada um, o respeito à dificuldade de cada um, respeito ao cidadão que ta ali, respeito à atividade dele e do professor. Então uma coisa que a gente sempre mostra ao aluno, ele ta aqui cooperando com o outro. Então a gente entre na questão dos jogos cooperativos, a gente ta vendo a cultura corporal, a gente sempre mostra para o aluno que ele vai precisar do outro ali, ou da turma dele ou da turma do colega que ta fazendo, pelas condições de espaço, fazendo sempre duas turmas juntas, dois professores trabalhando com duas turmas. Então o aluno tem que entender, ele tem que respeitar o tempo de cada um, a habilidade de cada um, a condição de cada um, né, a dificuldade que cada um tem, a capacidade, a habilidade maior que cada um tem no esporte em que ele está. Então se ele souber, respeitando isso, né, que é o dia-a-dia dele na vida dele. Enquanto cidadão ele tem que saber que o que ele faz lá fora, [fala não inteligível] aqui na escola também. O processo que a escola vive aqui de respeito ele vai levar no dia-a-dia dele. Então o respeito é fundamental para a Educação Física possa, o respeito em geral, respeitar o outro, respeitar a si próprio, respeitar o espaço em que ele está. 5.1. Seriado. 5.2. Olha só. Em termos de nível médio, nível médio está proposto isso, as séries né, e isso é uma coisa que a gente vem há muito tempo. Na previsão de mudança dos PCN`s, da LDB não ta previsto dentro da escola de ensino médio, fundamental, que você tenha uma diferenciação em termos de série. No ensino fundamental agora, o ensino fundamental trabalha, não é o caso daqui da escola, mas trabalha de 1

a a 4

a

com série com ciclos, é há uma proposta sendo discutida agora pelo governo municipal de se alterar também em termos de 5

a à 8

a série. Mas no ensino médio ficaria difícil você trabalhar de forma diferenciada

de série. Por quê? Pelo espaço que você tem da Educação Física, no ensino de Educação Física. Você trabalha sempre aqui com duas ou tres turmas, né, então o que acontece, como é que eu trabalharia diferente de série? A gente já trabalha a Educação Física com primeira, segunda e terceira série juntas. A gente no mesmo espaço faz a mesma atividade. A gente no vê dificuldade nisso, trabalhar o mesmo conteúdo para as séries, primeira, segunda e terceira séries. Então a escola, como tem essa divisão de trabalhar em séries, acho muito difícil mudar, né, ou trabalhar de forma diferenciada. Até porque isso vai acabar fazendo com que o aluno saia da escola sem ter passado por todas as informações, sem ter passado por todas as atividades que poderiam estar propostas. 6.1. Como a gente faz a avaliação, a gente avalia principalmente a participação do aluno, né. Isso não quer dizer que a gente não possa fazer uma avaliação teórica. Tranquilamente. Mas a gente passa para os alunos no início do ano que ele vão ser avaliados no dia-a-dia. A avaliação deles é diária. Então estar aqui na aula, ele já está sendo avaliado. Como eu falei, a burocracia da escola, né, administrativa do Estado, da educação de uma forma geral pede que você no final de cada bimestre dê uma nota para o aluno. Então o que a gente faz com o aluno é o seguinte, a gente conversa com ele, no início do ano, que ele vai estar sendo avaliado a cada dia. Toda vez que ele entrar aqui na aula, cada dia que ele vier aqui ele ta sendo, pela participação dele, ele ta ganhando uma nota. Isso não impede que a gente possa ta dando atividades de fazer uma avaliação determinado dia. Eu posso marcar, caracterizar que determinado dia do bimestre

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ele vai ta sendo avaliado, por exemplo, nós trabalhamos hoje, vou dar até o exemplo de hoje, minha turma na aula hoje, na aula passada nós demos uma tarefa, eles teriam que trazer hoje um relatório de transformações das regras do handebol, em cima do que a gente diz pra eles, que a regra é uma coisa que já vem pronta no handebol, por exemplo. Então o aluno hoje tinha que trazer pronta, os alunos, uma transformação das regras do handebol, o que eles acham que pode ser mudado nas regras do handebol para a Educação Física escolar, sem interferir, sem descaracterizar o jogo. Então essa tarefa de hoje valeu um determinado ponto. Então além da participação diária, tinha hoje uma tarefa específica. Então essa nota de hoje, esse ponto de hoje é somada na avaliação do bimestre do aluno, mas na verdade, o que a gente caracteriza que é importante, e a nossa avaliação é mais presa na participação. Então a participação é importante. Se o aluno está jogando bem, está jogando mal, se salta bem, se corre bem, isso pra gente é irrelevante, né, senão temos que fazer uma aula que valorizasse a técnica, né, valorizasse a questão do resultado. Como a gente não faz isso, não pensa em fazer isso, a gente não pode ta avaliando dessa forma. Então nossa avaliação é pelo dia-a-dia que o aluno mostra aqui. Mostrou interesse, ta participando, ta discutindo, ta sugerindo, ta opinando, ta criticando o trabalho nosso, ta sugerindo. Então a gente trabalha mais em cima disso. A avaliação é muito mais pela participação. Informante 4: a. UFRJ – 1997. b. Não. c. Não. Comecei a fazer de pós e parei. Pós na SUAM. d. Não. e. Trabalho com o pessoal da SUAM com estágio, como preceptor de estágio e trabalhava em clubes. Você não está trabalhando mais? Não. Saí. 1.1. Aqui no colégio. Onde eu trabalhava, em Alcântara, vim para cá ano passado, trabalhei de 98 a 2005 em Alcântara, era aquela coisa bem tradicional. Também uma das falhas era material. A gente não tinha material. Era uma das coisas que a gente poderia trabalhar até mais a cultura corporal e a gente não usava isso. Aí aqui, com o Luís e o Sebastião a gente começou a caminhar com a cultura corporal. 2.1. Mas você se identifica com a cultura corporal? A próxima pergunta seria por que você escolheu, mas você veio para cá e já estava se trabalhando... Já estava se trabalhando, mas o programa da Educação Física aqui trabalha, mas nem todos os professores trabalham. Então por que você se identificou? Dá mais chance às pessoas é... poderem participar mais da aula. Um exemplo, você coloca aquela coisa básica do futsal, um exemplo, coloca aquela coisa básica do futsal é... nem todo mundo vai participar. Vai ter sempre aquelas pessoas excluídas, tá. Com a cultura corporal você pode colocar é... vários elementos que possibilitem essas pessoas participar. Tu pode usar, como a gente fez, não sei se te falaram aí, esse ano, a dança, a apresentação de dança, são vários elementos que a gente pode usar da dança em outros esportes, fazer essa união que nunca é feita. Pique-bandeira! Pique-bandeira a gente pode usar em quê? Pode usar no handebol? Pode usar em várias coisas que não eram usadas. Era só aquela coisa, normalmente, é... futsal, basquete, handebol e vôlei. Futsal, basquete, handebol e vôlei. O normal em quase todas as escolas era isso. 2.2. Acho! Dá mais vivência pro aluno, não exclui o aluno, possibilita novas experiências para o aluno. Como acabei de falar, o negócio da dança, qual é a possibilidade de uma turma criar uma coreografia numa aula de Educação Física? Quase nenhuma. É a mesma coisa que numa aula de biologia criar uma experiência. É... abrir um leque de opções para a turma. 3.1. Possui. 3.2. Está! Essa coisa da integração dos alunos. Eu acho, o fundamental da cultura corporal é integração, não deixar arestas. Está tudo aparado. 3.3. [silêncio] Não, assim... [silêncio]. 4.1. Foram, mas alguns não seguem. 4.2. Vivência, novas experiências, integração, a... liderança, organização.

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4.3. Tipo de bimestre, assim? Quais conteúdos vocês trabalham ao longo das aulas? Ó! A dança, né. A cultura corporal com a dança. O futsal a gente trabalhou no segundo bimestre por causa da copa. Geralmente é o último a ser trabalhado, mas claro, não é aquela coisa de futsal jogo é... são atividades que levam em duplas, em quartetos, em várias situações. Primeiro bimestre foi a... condicionamento físico, dando essa noção pra eles de qual a importância de se fazer um alongamento, aquecimento e verificação de freqüência cardíaca para eles terem a noção é... que possibilitem a ele evitar de correr algum risco. Ta fazendo alguma coisa, sentiu alguma... vê a freqüência, vê se está muito acelerada. E esse último está sendo dividido entre handebol e vôlei. É claro que tudo modificado. Primeiro, como nós fizemos no vôlei, fizemos no vôlei e estamos fazendo no handebol, a gente coloca o jogo com suas regras oficiais, então no vôlei não pode tocar na rede, saque, aquelas coisas todas e a partir desse momento a gente pergunta para a turma quais as mudanças que elas acham que poderiam ser feitas para tornar o jogo mais vivo, ta. Então no vôlei teve sete ou oito modificações assim. O jogo de vôlei são doze, seis de cada lado. O que acontecia? Ficava muita gente de fora. Então a pessoa jogava, nessas duas aulas que nós tivemos pelas regras, uma vez ou duas. O que a gente passou a fazer? Oito. Até oito podem jogar. Pisar na linha quando for sacar, isso tem muita importância? Não tem. Pra gente, a gente quer que tenha o jogo, não que tenha ponto. E eu me sinto a vontade para falar isso porque eu to como técnico da equipe de futsal daqui da escola, então, são duas vivências que eu tenho aqui absurdas. O pessoal da equipe é aquele rigor, porque tem que ser! Primeiro, os alunos estão ali porque querem. Não é aquela coisa de obrigação da aula. E segundo, a gente está disputando uma competição. A gente entrou pra isso. É totalmente diferente da parte de Educação Física. 4.4. um conjunto, né. O espaço da escola, o material da escola, a vivência que a gente pode dar com esse instrumento, lembrando, claro, não é aquela coisa tradicional dos esportes. É... a expectativa também do aluno. O aluno também quer jogar uma bola, quer fazer... fazer essa atividade. 4.6. Eu sempre brinco com eles no começo do ano o seguinte: eu só exijo uma coisa durante a aula – respeito. Tanto o respeito meu com eles, eles comigo e entre eles. Se eu não dou, eu não passo respeito para eles eu não posso cobrar. Então nesse daí, eu coloco brincando com eles que a gente está no mesmo nível, se eu brinco com o aluno eu tenho que permitir que o aluno brinque comigo. É claro que tem aquele aluno que não gosta de brincadeira, então eu não brinco, mas também não gosto que ele brinque comigo é... colocando assim diferençam entendeu? Sempre exijo respeito. 5.1. Seriado. 5.2. Dá uma continuidade maior, né, que a gente vê o ciclo aí do município... eu, na minha opinião, totalmente furado. Não concordo com esse ciclo, com essa promoção automática. Nós tivemos aluno aí chegando, aqui não, em outros colégios do município, na quinta série e ta na ficha dele que o aluno não sabe ler nem escrever. 6.1. Faz sim. Qual a intenção? Evitar que o aluno... tem muito aquela coisa ainda da Educação Física ser tratada como uma matéria qualquer. A gente não é uma matéria, a gente é uma matéria realmente! Tem gente que não vai fazer aula porque esta estudando para a prova do fulaninho. Tem gente que vem pra cá, troca de roupa e fica lendo a matéria do... fulaninho que eu coloco não é pejorativo, ta, é pra não citar nomes, de outro professor. Eles aqui falam que não pode chegar atrasado lá embaixo, em outras matérias, mas chegam atrasados aqui. Então a gente coloca umas regras para que isso também seja respeitado. Se eles têm que chegar em outra sala até dez minutos de tolerância, eles também têm que chegar aqui até dez minutos de tolerância. Nós somos iguais as outras. Uma coisa. Aqui reprova em Educação Física. Ah! Só ta em uma, não vai reprovar, vai colocar em dependência como ficaria em dependência quem está em uma em matemática, em uma em química, em uma em física. Se juntar, passou das três, está em quatro, juntou com Educação Física, ta reprovado! 6.2. Como a gente vê a nota? É por participação, presença, organização, respeito. Não adianta o aluno com relaçao à presença e participação, a gente coloca bem diferente, não adianta o aluno ta ali na quadra parado. É claro que vai ter a presença, mas ele não vai ter a nota da participação. Tem gente que acha que fazer a aula de Educação Física é trocar de roupa e ficar quieto. Se tiverem dez jogos e ele jogar em um, pô, ele já fez a aula? Não. Ele fez a aula, mas não teve a nota de participação. As maiores coisas aí são a participação e a presença. 6.3. Contemplada. Informante 5: a. UFRJ, em 1996.2

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b. Iniciei fisioterapia, mas parei no 5

o período por causa do horário que não estava dando para conciliar.

c. Fiz. Pós-graduação em treinamento desportivo. Em que instituição? Na UFRRJ. Concluiu quando? Foi (...) 2001. Acho que foi em 2001. d. Não. e. Trabalho no município também. 1.1. Pela faculdade. Na graduação? Na graduação. Foi uma disciplina, algum estudo? Não. Num contexto de várias disciplinas, né. Tanto da parte de... dança, principalmente no início da faculdade, né, que mostrava muito. E depois na parte de musculação, na parte de ginástica rítmica, a gente vê muito essa parte da cultura dos gestos, né. E depois nos esportes, né, cada um mostrava um pouco. 2.1. Olha, aqui a gente diversifica muito. Aqui, durante esse ano mesmo eu fiquei de licença e não participei da parte de dança e tudo. Mas a gente tenta não focar só na parte desportiva de alto nível, até porque a gente não tem condições assim, né, a gente não tem o... como é que eu vou dizer... o treinamento específico para isso. Então a gente tenta amarrar com que eles participem utilizando o corpo da melhor maneira possível, dentro das possibilidades que eles têm, que eles conhecem, tentando melhorar isso. Aqui a gente tenta fazer desde a parte inicial que seria o condicionamento físico e o conhecimento do corpo de cada um, as possibilidades que cada um consegue realizar e tenta ir diversificando, entrando nos esportes e tem a parte da dança que os meninos odeiam porque eles acham que não faz parte do currículo para eles. 2.2. Eu acho que ela engloba mais o ser humano como um todo, né, porque você consegue abranger todas as possibilidades do que o corpo daquela pessoa pode realizar. Porque se você trabalha nessa Cultura Corporal você... você trabalha já visando o desporto de alto nível, vendo as técnicas do desporto sem ver o indivíduo, as possibilidades dele, do que ele pode fazer você foca muito e não dá espaço. 3.1. Tem. 3.2. Sim, considero que sim. 3.3. Olha, pelo que a gente botou no final do ano quando fez o planejamento, não, porque a maioria dos professores já vêm com essa proposta da Cultura Corporal, então não diverge não. 3.4. Contemplada. 4.1. A gente faz um planejamento geral, ta, e nesse planejamento geral a gente abre, por exemplo, cada bimestre vai ser trabalhado uma coisa. Um bimestre futsal, outro bimestre a dança, outro bimestre o condicionamento físico e dentro daquilo que é trabalhado, normalmente são dois professores por dia, né, então naquele dia os professores fecham o que vai ser feito em aula, que seria o objetivo específico da aula. Então, eu quero fazer um circuito. Você pode fazer um jogo em que eles trabalhem as regras deles, eles construam, né, uma regra própria para o jogo, pode entrar com a regra específica, então quer dizer, a gente vai, o professor do dia, a gente vai planejando o que vai ser trabalhado. 4.2. O objetivo geral? Seria o desenvolvimento global do aluno, tanto na parte física quanto cognitiva e afetiva, né. A socialização dele com os outros, né. Seria a integração de tá colocando um aluno que não sabe jogar com um que sabe para eles interagirem, né. Seria tb as possibilidades de um que já sabe fazer o movimento, o gesto, o que for dado no momento, ta também ajudando aquele outro, né, que seria o afetivo de ta ali ajudando o colega também a fazer, né. 4.3. Olha, da cultura corporal assim, eu acho que a gente vê mais na parte de condicionamento físico, né, quando a gente vê no início do ano como é que eles estão. A gente faz teste de corrida, né, pega VO2, mostra pra eles como aferir batimento cardíaco pra gente vê como é que ta, vê a freqüência cardíaca máxima, vê pulsação deles, como é que eles estão. Quer dizer, nisso a gente tira a média de como a turma está para ai sim iniciar o trabalho com eles. Então normalmente no começo do ano a gente controla isso. Daí pra frente a gente faz trabalhos específicos de ta trabalhando a musculatura especificamente, quer dizer, a gente faz trabalho específico de circuito, então, bota abdominal, flexão, todos os movimentos mais específicos do corpo, e trabalha, como na dança, com movimentos alternativos, o modo de ser feito, a criação dos alunos, de cada um.

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4.4. Acho que... assim... o critério, o critério. Isso é inerente à Educação Física, né, a gente não pode tirar... falar eu não vou dar isso ou aquilo porque essa é a nossa disciplina, né. Esse conteúdo é basicamente nosso. A gente tem ali disciplina... biologia e tudo, que vê o corpo humano. Vê, mas ela não olha especificamente estas coisas que a gente vê aqui. Vê mais a parte mesmo anatômica do corpo. Não anatômica assim, como vou dizer, é... da pessoa ta vivendo aquilo, né, tirar sua pulsação, medir seus batimentos. Ela vê especificamente o coração, o braço, o músculo, não vê cada parte. 4.5. No final do curso ou no dia-a-dia? No dia-a-dia. Que eles tenham um mínimo de domínio de cada... tanto do seu gesto corporal, dos seus movimentos, né, o domínio das possibilidades do seu corpo quanto um mínimo de entendimento de como funcionaria um jogo, né, um mínimo de entendimento do que acontece quando se está jogando, o que vale ponto, o que não vale, um mínimo de regras, um mínimo disso. Nada específico, mas até para que se entenda quando está assistindo um jogo o que está acontecendo. 4.6. Não. No início a gente enfatiza muito alongamento, né, fala pra eles: „Ó! Vamos começar a aula, então vamos...‟ a gente se alonga, a gente se aquece, a gente enfatiza até para prevenir problemas, lesões do tipo. Mas no final de ano a gente vai(silêncio). 5.1. Seriado 5.2. Olha, pra gente em si não interfere muito porque a gente trabalha com um conteúdo que... ele acompanha os três anos, né, então assim, a gente não modifica muito, não muda de uma série para a outra, dentro de uma série para outra. Lógico, a gente aumenta um pouco mais a exigência do que cada um pode fazer, porque se no primeiro ano ele aprendeu o básico, no segundo ano ele pode evoluir aquilo e melhorar. Aí sim a gente começa a pegar um pouquinho de performance do que ele pode melhorar, já que no primeiro ano ele teve uma base, no segundo ano ele pode ter melhorado aquela base, no terceiro ele ta mais a frente. Até antigamente tinha, agora hoje em dia não tem tido, equipes na escola, né. Então, essas equipes eram os alunos que participavam no primeiro ano, segundo ano, então quer dizer, se dedicavam porque gostavam, aí iam pra equipes porque já tinham se identificado com aquele desporto. 6.1. Sim. Seria basicamente para ver no que que eles se descobriram, né, no que eles se despertaram porque muitas vezes vêem sem saber o que que é seu corpo e sem saber o que que é um jogo, e quando saem daqui já têm um interesse, né, aí vem... até vão buscar isso fora da escola, um time, um clube, alguma coisa para poder jogar. 6.2. Basicamente pelo rendimento de aula, né. Como é que eles estão evoluindo em cada aula. Se você vê que um ou outro está melhorando, ele demonstra uma performance maior num jogo ou num outro. Ele até vem te perguntar, te questionar: „como é que eu faço isso aqui?‟, te perguntar as regras. Você vê que ele está evoluindo gradativamente. 6.3. Demostrar que aprenderam um mínimo do que foi passado. Tanto especificamente do corpo deles, que eles aprenderam a pegar a freqüência cardíaca, aprenderam como funciona quanto o que aprenderam de gestos desportivos, quanto o que aprenderam de regras, e aí se entenderam como aquilo funciona. Então, se você num final de ano percebe que uma turma que não sabia nada de vôlei, não sabia fazer um toque, uma manchete, não sabia desenvolver um jogo, não sabia como contar um ponto, se no final do ano você põe uma rede e eles conseguem sozinhos, né, com você avaliando o que está acontecendo, eles conseguem desenvolver um jogo, para mim surgiu um aprendizado aí. Informante 6: a. UFRRJ, de 1982 a 1986. b. Não. c. Não, nunca fiz. d. Já, já, já. Esse ano mesmo, em 2006. Todo ano tem algum curso de capacitação. Sempre que tem eu procuro entrar. Qual o objetivo do curso desse ano? Teve... foram várias palestras... jogos cooperativos... teve mídia, mídia no esporte, Vitor Melo. Teve um grupo bom, Suraya Darido. Então teve um grupo muito bom. Foram três meses de capacitação. Vários temas, vários temas. e. Trabalho. Trabalho na escola particular, no estado e no município.

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1.1. Discutindo com as pessoas em cursos, lendo, os PCN‟s também. Esses cursos seriam os cursos de capacitação? Não, foi fora. Congressos. 2.1. A! Por achar interessante a busca da... cultura dos alunos... por acreditar... não me baseio somente na questão da cultura. Eu trabalho com várias perspectivas de trabalho, então... 2.2. Acredito que seja na... talvez na atenção de... atenção e respeito a atividade que esta sendo buscada. Quando você busca alguma coisa que vem deles... é... pega uma atividade deles, então, a gente pega essa atividade, a gente discute ela, as regras e implementa. Existe um respeito maior da parte deles. Não sei se é bem isso que você está querendo. Então, é... quando vem uma coisa discutida, não imposta, a aceitação e o respeito acho que é maior. Então você procura trabalhar com os elementos que eles já conhecem? É, e aí eu, em cima desse... da apresentação... assim, uma atividade, pique-bandeira, que vem... aí você explora, eles trazem a regra e aí depois eu... começa a haver um desequilíbrio no jogo, eu desequilíbrio um pouco introduzindo outros tipos de objetivos no jogo. 3.1. Existe. 3.2. Não. Por que assim, o projeto... ele é da escola toda e nem todo mundo, raríssimas pessoas olhando na escola onde eu trabalho, atentem o que é Cultura Corporal. Então, não é introduzido isso. Especificamente não é introduzido dentro do projeto. É uma coisa mais isolada. No meu planejamento eu utilizo algumas coisas, mas... eu trabalho numa escola que tem cinco professores, eu sou o quinto, quatro não... eu acredito que não saibam nem o que que é isso. Entendeu? Trabalham mais na... a nível de recreação, não de trabalho desenvolvido, buscando alguma tendência da Educação Física para trabalhar. 3.3. Não dá nem para explorar muito. Falta discussão mesmo. Até eu me coloco nisso porque eu não bato... eu entro no projeto político-pedagógico, mas realmente eu não me foco em cima desse... da questão da cultura... cultura (...) corporal? Corporal! 3.4. Contemplada. 4.1. Mais ou menos. Não é bem assim não. Se o planejamento é feito em conjunto? Não, não é. Não existe essa... tem escola em que até existe, mas nessas que eu estou atualmente, eu estou em três escolas do município, uma do estado e a particular eu sou sozinho, em todas o planejamento é individual, não existe aquela coisa de equipe, trabalhar... listar os objetivos que vão ser alcançados não tem, não tem. Por que você acha que isso acontece dessa forma? Tem alguns fatores: um é a falta de comprometimento. Outra é a falta de oportunidade de reunir a equipe. Cada vez tu dá aula numa escola, então não existe a... a falta de comprometimento te bloqueia, então cada um faz o seu trabalho. Não se preocupa em fazer uma coisa... é... na vertical, né, com todos os professores. Eles ficam mais na questão do beabá, naquele piloto automático. Liga o piloto automático... A! eu já sei o que vou dar então não precisa se reunir. 4.2. Um dos objetivos maior é a formação do cidadão. Trabalhar a cidadania. Através do quê? De regras, que na vida tem regra pra tudo. Então, é saber respeitar as regras, saber construir as regras é... ter voz ativa, ter voz ativa a nível de... poder alterar alguma coisa, algumas regras quando há essa possibilidade. Buscar construir atividades com eles, com os alunos. Isso é uma coisa que eu faço com eles... é... a construção de jogos, construção de jogos... trago alguns elementos, a gente experimenta e em cima desses elementos que eu aplico... apresento para eles e depois a gente pega sugestões, o que deu certo, o que deu errado, qual a sugestão que teria para alterar e, dependendo da atividade, batizar o nome do... eles têm o direito também de batizar o nome do jogo. São jogos que são os tradicionais esportes, desportos. Então, basicamente é essa questão da... meu objetivo maior é a formação do cidadão, pegando vários fatores da nossa sociedade, do dia-a-dia de cada um pra eles aprenderem, captarem um pouquinho para levar pra vida deles. 4.3. Construção de jogos. Jogos, é... já teve aqui uma... na educação infantil eu fiz um projeto agora... foi de construção de brinquedos com sucata, muito legal também. Então, é sempre a construção de jogos é... trazidos, voltando para a cultura corporal é... jogos trazidos por eles que a gente utiliza e depois explora as regras modificando essas regras, desequilibrando o conhecimento deles e... essa implementação de alguns elementos para a construção de algum jogo com a sugestão deles. 4.4. Não, não. Aí é pela... vai selecionando pelas experiências deles. A gente vai trazendo e mexendo de acordo com o perfil de cada turma.

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4.5. Como assim? Seria a... captação da explicação... não sei se entendi bem. Ta meio estranha essa aí. Ao final do ano letivo o que eles devem possuir... Uma Autonomia! Autonomia no jogo, autonomia no brincar,autonomia na organização de uma atividade é (...) trabalhar a autonomia deles na organização de um jogo. No começo seria o caos, para a separação de uma equipe, para resolver qual o jogo que vai participar, respeitar as regras. Então seria o caos. Meu objetivo é eles terem essa autonomia de utilizarem no jogo, um jogo (...) e terem essa organização de uma forma satisfatória. Isso é uma coisa que eu fico feliz se eles chegarem assim, né, a terem essa autonomia. 4.6. Conteúdo? Você diz alguma atividade? Enfatizo a questão do ganhar e perder. Mesma coisa de saber respeitar a pessoa que ganha e a pessoa que perde. Em cima disso mostrar a importância... que os dois são importantes no jogo, numa competição. Em qualquer atividade os dois são importantes. Isso é uma coisa que eu faço. Não sei se cabe aí, mas... é... esse ganhar e perder que é uma coisa fundamental. 5.1. No município é em ciclos. No particular é seriado e no estado é seriado também. 5.2. Acredito que nas aulas de Educação Física não afeta não. Eu não vejo... pra mim eu não vejo mudança a nível estrutural das aulas, não. Eu acredito que há mudança, sim, no conteúdo, mas naquele conteúdo de matéria que eles têm na sala de aula. 6.1. No... somente no particular e no ensino médio. Aqui no primeiro segmento do ensino fundamental não tem avaliação, não. 6.2. Eu utilizo cinco aspectos é... que eu levo em conta. A avaliação contínua, continuada. É a participação, respeito ao colega, respeito ao professor, respeito é... organização (...) motivação. Aí cada item tem um grau que eu divido e dá a nota máxima. Aí eu avalio por aluno para chegar a nota dele. Eu não trabalho com prova nem com... um dia de atividade: “hoje é o dia da prova. Hoje eu vou avaliar vocês”. Eu não trabalho assim. Sempre eu faço uma avaliação global durante o bimestre. 6.3. O que precisam demonstrar para mim? Explicação. O que eu busco deles? O que eu espero deles? (...) Auto-organização deles (...) a questão da independência deles no jogar, no organizar e a questão da criatividade, também. Ela entra aonde? A criatividade deles de sugerir atividades. Muitos ficam NÃO IDENTIFICADO. Quando chega o momento deles botarem para fora, dar sugestões, dá... isso também é uma coisa satisfatória. Informante 7: a. UFRJ. 1987. b. Não. c. Tenho duas pós de lato sensu, né, duas especializações. Uma em psicomotricidade e a outra em é... movimentos sindicais, educação brasileira e movimentos sindicais na UFF. Esta última me levou no mestrado, quer dizer, dei conclusão à monografia na dissertação de mestrado. Na verdade, como professore de Educação Física eu fui fazer uma discussão do sindicato e ano em Educação Física, embora eu tenha me interessado mais pelo campo da Educação Física a nível de pesquisa. A psicomotricidade foi numa faculdade que j[a acabou, FAUPE, um curso até que não foi muito importante, num ponto de vista teórico, para mim. Importante de certa forma, mas num ponto de vista teórico não. O educação brasileira e movimentos sindicais, este sim foi um curso bastante importante. O mestrado eu defendi em 2000. d. AH! Em vários. De educação... vários deles. Assim de cabeça agora eu não... e. Trabalho. Trabalho na Estácio de Sá. Dou aula de psicomotricidade no curso de Educação Física. Trabalho na UNIABEU. Dou aula de capoeira é... e trabalho no estado na SUDERJ. Dou aula de natação e hidroginástica no programa de iniciação desportiva que tem lá na secretaria de esporte e lazer. 1.1. Eu diria que tive contato com as análises, com a discussão, né, feita pelo Coletivo de Autores ainda no início da década de 90. Eu tive um colega, que fez inclusive mestrado lá na UGF, chamado Davi que trabalhava comigo na prefeitura de Itaboraí e ele era um cara muito atenado. Tinha acabado de sair da faculdade e ele trouxe essa discussão pra gente. Então foi ali que eu tive o primeiro contato. Alguma literatura? Congressos, cursos? Depois disso eu fui, na verdade o contato inicial foi assim: “olha vou trazer um negócio para” (...) eu não me lembro bem. Era uma discussão que a gente tava tendo sobre jogos escolares, uma coisa assim,

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olimpíadas escolares ou esporte de competição e ele trouxe um texto do Valter Bracht é... um texto antigo inclusive e depois daquilo eu fui conhecer quem era Valter Bracht, que até então eu não sabia quem era e, bom, aí na medida... eu me apaixonei por aquele texto e na medida que os anos foram passando a gente vai tendo contato aqui e ali de uma coisa ou de outra do que eles escreveram. Do que o grupo escreveu, do que o Coletivo de Autores... eu confesso que foi muito tempo depois que eu tive acesso ao livro. Mas confesso que não foi em nenhuma capacitação da prefeitura ou qualquer outra. 2.1. Eu tenho uma discussão muito cara sobre o papel da escola. Eu trabalhei durante treze anos no curso de formação de professores e... parecia que o meu papel no curso de formação de professores era de alguma forma capacitar aquelas professores a lidarem com seus alunos com um tipo de conhecimento que os outros professores não tinham. Que conhecimento era esse? Era o conhecimento próprio da Educação Física. Isso me levou a investigar mais exatamente a discussão feita pelo Coletivo de Autores é... e aí eu fui meio que identificando que talvez o papel da escola fosse um pouco... mas talvez essa leitura eu só tenha agora. É muito difícil pensar nisso hoje com o que acontecia na época. Na verdade é ampliar as vivências que as crianças têm. Ampliar as possibilidades de reconhecer... de leitura de mundo. Alguma coisa no sentido é... no sentido freireano, Paulo Freire no caso... e a linguagem da corporeidade, a linguagem corporal, de alguma forma a discussão que o Coletivo de Autores me trazia e me fazia refletir era na verdade eu entender que nós trabalhávamos com elementos de uma cultura que era maior, que era a cultura universal. Esses elementos reunidos a gente chamava de cultura corporal. Hoje eu gosto de usar o termo cultura do movimento humano, mas durante muito tempo usei o termo corporal mesmo. Na verdade a reflexão que eu faço sobre o movimento humano foi a partir da discussão que eu faço... ou da formação que eu tenho em psicomotricidade, né. Romper com a idéia... é uma questão política. Eu não uso corporal por uma questão política de é... de não reforçar a idéia... a dualidade corpo e mente. Eu acho que quando você usa corpo, corporal, né, pode remeter a isso, não necessariamente, mas eu prefiro não usar. Talvez a forma que Paulo Freire usa: “homens e mulheres, professores e professoras”, né, a língua... ela talvez tenha uma força social e política muito poderosa. Bom, eu to me perdendo, desculpa. Mas o que acontece é que eu começava a entender que eu tinha que trabalhar com esses elementos. Com o jogo, com o esporte, com a dança, com a luta, ou com a ginástica, mas não como se esses elementos fossem mais importantes, mas no sentido de ampliar as vivências dessas pessoas, desse aluno, né, na cultura universal, na cultura humana, digamos assim. Me cabia a cultura corporal, a cultura do movimento humano. 2.2. Eu confesso que não sei. Depois que eu li o livrinho do Jocimar Daolio, Educação Física e o... Educação Física e o conceito de cultura. Educação física e o conceito de cultura eu, eu confesso que eu penso no seguinte: nenhum deles me serve, mas todos me servem de alguma forma. Nenhum especificamente, né. Chegou a pouco tempo aqui para nós um documento que era para dizer qual a tendência, qual a linha da Educação Física que eu seguia: psicomotricidade é... cultura corporal é... aquela do Go Tani, que é desenvolvimentista, né e outras. Eu falei que outras? A que o Jocimar Daolio apresenta como... eu nem consigo lembrar nem o termo que ele usa. Educação física plural. É. Não me lembro. Isso também para mim é pouco importante. É mais um rótulo é... na verdade isso é para criar modismos. Eu não to preocupado com isso. Eu acho que essencialmente é... o papel do professore, e aí o papel da escola, é na verdade, ou deveria ser, democratizar um determinado tipo de conhecimento ou uma forma de expressão... uma forma que a humanidade desenvolveu de se expressar que é a cultura científica. Eu acredito que é... o movimento criado pelo, o movimento do final da década de 80 início da década de 90, uma marca forte do... uma certa linha gramsciana, e ali no grupo do Coletivo de Autores eu acho que isso está presente de alguma forma. Então é... a responsabilidade da escola enquanto (...) instituição social que vai... que deve levar... democratizar o conhecimento científico. Então talvez, nessa medida, eu acho que essa... esse olhar. Eu prefiro, eu vou chamar assim, esse olhar de como produzir a Educação Física... a Educação Física para mim é uma prática, eu não penso a Educação Física como ciência e sim como uma prática, você pode refletir sobre uma prática e aí fazer ciência ou não, mas de qualquer forma, eu acho que aí sim, me interessa isso, me interessa o olhar... experimentar a capacidade que a escola tem de dialogar. Ela, do conhecimento científico pro senso comum, né. O que a população que não vivencia o mundo da ciência e tudo o mais, como ela trata isso. Então esse diálogo me parece importante e essa responsabilidade, senão acho que a escola não tinha nem... não sei qual seria o sentido da escola. Então, talvez aí e talvez eu esteja muito confuso com relação a isso. Acho que é o momento meu em particular de, na verdade, parar e refletir sobre o que eu tenho feito de forma talvez mais sistemática. Sentar e escrever, voltar a escrever sobre isso para enfim, entender melhor o que eu tenho vivido. Acho que... eu me sinto de fato um pouco confuso sobre a prática que eu tenho realizado, esse ir e vir entre o pensar e o fazer. Então, talvez eu não tenha respondido... mas é meio isso mesmo. 3.1. O clube escolar? Porque aqui é uma escola diferenciada, né. Possui o vivido, que é o que está escrito, curiosamente. Possui. Não entendi: possui o vivido que está escrito? É, porque a maioria das escolas possuem um projeto político-pedagógico, que é um documento engavetado que não tem nada haver com a

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realidade. Eu digo a grande maioria dos que eu pude observar. O clube escolar tem um documento escrito, precisa ser reescrito. Ele é anualmente reescrito, não como projeto político-pedagógico, mas sim como uma espécie de memorial, um relatório que tem que fazer. E na verdade a gente vive muito essa... essa reflexão a partir da prática é uma coisa que aqui acontece de forma muito bacana, com os conflitos, né, se explicitam de uma maneira que algumas pessoas não conseguem suportar. A gente tem alguns professores que são extremamente críticos, né, e aí os conflitos vão se explicitar por conta dessa capacidade crítica. Outros nem tanto, né. Mas então existe um projeto político-pedagógico que não é engavetado. Do ponto de vista da escritura dele, né, ele está desatualizado. A gente tem avanços, né, reflexões feitas, ponderações, apontamentos que a gente precisa, na verdade, sistematizar melhor o que já foi evidenciado, superado, né, o que já foi superado. 3.2. Hum hum! Você diz a Cultura Corporal a proposta? O que que acontece. Eu vou explicitar o que é o clube escolar. O clube escolar é uma unidade de extensão da secretaria que tem como proposta trabalhar no horário não formal de escolaridade, quer dizer, no horário em que a criança não necessariamente tem que estar na escola, com atividades esportivas. Então, ele trabalha com o esporte... basicamente as crianças vêem aqui e se matriculam nas atividades esportivas. Além do esporte nós temos a dança, que é uma exceção... foi dado que não é... pela lei não devia, não devia ter dança no clube escolar, né, dança entendida aí como arte e a capoeira que é um nó na cabeça de todos eles, porque ela é esporte, ela é dança, ela é luta, ela é jogo e não dá pra amarrar. É brasileira e por isso fica mais difícil por eurocentrismo que nos é peculiar,apesar de sermos brasileiros. Então, essa coisa de trabalhar com elementos da cultura corporal e com esses conteúdos de forma sistematizada... talvez seja (...) alguma coisa que (...) soe até como natural para muita gente. Entretanto, nós somos 15 professores, cada um com um tipo de formação e absolutamente... alguns não... dialogam com essa forma de entender a Educação Física. Outros trabalham na perspectiva desenvolvimentista mesmo com muita tranqüilidade. Neste caso especificamente, esta... idéia de que existe... de que nós somos uniformes... o projeto político-pedagógico estabelece a nossa diversidade do ponto de vista filosófico e do ponto de vista ideológico. Porque ele foi construído com muita negociação, né, e algumas concessões foram feitas na medida em que alguma coisa foi escrita ali, mas que outros não acreditavam, mas que tudo bem, deixa escrever, porque na prática eu vou continuar fazendo o que sempre faço. Eu me perco na sua pergunta. Você pode repetir. Ele é plural. Ele depende muito da identidade de cada professor. Eu acho que... não meu caso em especial, como eu falei anteriormente, eu não sou um... AH! Da cultura corporal! não, não. Então, em alguns momentos eu utilizo alguns elementos do que o Coletivo de Autores trouxe, mas posso dizer que eu não sou um sujeito que... é a linha marxista, gramsciana talvez seja o mais forte de tudo o que me... o que eu aprendi ali, como utilizar aquilo como instrumento revolucionário, digamos assim. A importância dos conteúdos na Educação Física como forma de (...) instrumentalizar esse sujeito enquanto cidadão, enfim. Talvez aí, mas eu confesso que em determinados momentos eu... reflito muito sobre a discussão desenvolvimentista de GALAHUE e tudo o mais. Eu também não sou um seguidor... eu diria que ando muito confuso a respeito de tudo isso (risadas). E acho bom. Acho extremamente positivo isso para mim. Isso tem sido muito bom. Então, não sei se respondi. Talvez eu não possa responder, não saiba responder. Qual a vinculação do clube escolar com as aulas de Educação Física da escola aqui no CIEP? Não tem nenhuma. Os professores de Educação Física que trabalham no clube escolar são diferentes dos professores que dão aula no turno, digamos, formal? Os professores de Educação Física que trabalham no clube escolar, são todos professores de Educação Física, muitos deles trabalham nas escolas da vizinhança. Nesta escola nós temos um, no CIEP. Nesta escola aqui (outra escola próxima) nós temos duas professoras. Num CIEP lá na frente... tem outro CIEP enfrente ao CAIC... tem uma professora. Aqui tem uma escolinha... subindo aqui... tem uma outra professora ali... trabalham aqui. Dentro da favela, ali no areal, tem uma outra escola que tem uma outra professora. Trabalha lá e trabalha aqui. Agora... infelizmente não existe um projeto político, né, destas escolas e do clube escolar. Existe um projeto político da prefeitura, mas ele não se afina... na medida que... que faz com que os diretores das escolas, que o grupo de professores sentem e: “vamos fazer isso, vamos fazer aquilo e vamos fazer aquilo outro”. Algumas tentativas nós temos feito. Nós do clube escolar temos feito. Muito em função dos nossos interesses. Mas respondendo, em absoluto, não tem vinculo nenhum. Você falou que a dança não estava contemplada por lei do clube escolar? Do ponto de vista legal não é para se trabalhar com dança. O clube escolar surge com uma proposta de tempo livre, tempo livre da criança. Ele é um núcleo onde as crianças vão para... vão pelo lazer. Binômio educação – lazer. E eram permitidas atividades artísticas, atividades esportivas, enfim. Em 1998 é aprovada uma lei que regulamenta a educação no município todo... e que cria as unidades de extensão. São três. Os vereadores que são muito... presos a determinados... aspectos legais, e tem que ser, afinal são legisladores, perceberam que o clube escolar... eles não podiam colocar no clube escolar, não que eu concorde com eles, mas eles perceberam que não podiam colocar o clube escolar do jeito que ele foi criado, para atender a criança no seu tempo livre com as atividades das mais variadas. Então, se tentava trabalhar com a cultura de um modo geral. Tanto do ponto de vista da estética, da arte ou do ponto de vista

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da Educação Física, digamos assim. Eles criaram... o núcleo de artes que já existia passou a existir de forma legal, o clube escolar e o pólo de educação pro trabalho. Como o núcleo de artes trabalha com a arte, como justificar que no clube escolar também tinha arte? Porque tinha artes visuais, artes cênicas e, até o ano de 2004, isso foi permitido como se a prefeitura fizesse vistas grossas, né, ela sabia que existia, mas não era pra existir, a lei não permitiria que existisse. Em 2005 vem uma determinação e tira todos os professores... das artes por assim dizer. Que incluía as danças. Mas a dança... quem ministra as aulas de dança é um professor de Educação Física, então, ela é tolerada, porque já que tem só professor de Educação Física aqui, então permite, mas do ponto de vista legal ela não podia estar no clube escolar. Ela seria vinculada à arte. Então vocês trabalham a dança aqui vinculada à arte? Vinculada à arte. Eu acho que da mesma forma como se trabalha a capoeira... e algumas outras. Eu acho que a questão da arte, ela supera... essa visão estrita da Educação Física, porque para mim há muito de arte em muitos elementos da cultura corporal ou da cultura do movimento humano, que nos cabe, nos cabe enquanto professores de Educação Física e nisso há muitos elementos. Não só na dança, mas sim em alguns outros. Eu acho que a ginástica artística, como o nome diz, sobretudo a ginástica rítmica, o nado sincronizado. Acho que existem elementos de arte coreográfica no esporte... no futebol! O futebol bem jogado é arte pura. Essa é uma outra discussão, o que que é arte e o que não é, mas enfim. 4.1. Os objetivos gerais sim. [repete] Os objetivos gerais sim. Tem uma discussão grande que a gente faz aqui é... que é... qual a nossa proposta aqui no grupo escolar (...) e aí aquela coisa do modo de pensar é... tem professor que defendia muito isso e me convenceu de certa forma é... eu faço uma leitura talvez um pouco mais ampliada disso, mas é, ele diz assim: “ampliar as vivências motoras dos alunos”. Esta seria uma tarefa do clube escolar. Uma das tarefas, não a única. Então, ampliar as possibilidades de vivências motoras, hã, tem muito haver com a questão da psicomotricidade e tudo mais, com a discussão da psicomotricidade. O próprio referencial que eu... Desenvolvimentista, né. Eu penso que vai além disso. Não é só isso. Ampliar as vivências... eu uso um termo que é “sócio-psicomotoras”, é ampliar as vivencias, né, possibilitar que eles vivenciem, tenham estímulos... e vivenciem situações que talvez é... a vida deles não permita, pela própria condição material de vida, pelas próprias condições materiais de vida mesmo. Então isso talvez seja um objetivo, um deles, não é o único. 4.3. Bom. Como eu falei. Por si só a gente já trabalha com esses elementos. E aí cada modalidade esportiva vai trabalhar com elementos que sejam próprios da sua prática, da sua... são característicos da sua modalidade, digamos assim. (...) Agora (...) a questão da criticidade, a questão da (...) criatividade aparece (...) eu não sei responder pelo todo, sabe, mas eu acho que aparece em muitos e talvez não apareçam, não apareçam [repete] em todos (...) é de como pensar o movimento, como reformular a própria prática esportiva, é, de como pensar, digamos assim (...) é (...) eu diria que... eu trabalho com capoeira e trabalho com basquete aqui... não... pelo simples motivo de que eu gosto muito das duas é, dessas duas práticas e fui atleta do basquete quando garoto e joguei capoeira quando mais jovem, então aproveitei isso pra... pra trazer isso pra... permitir, me permitiram trazer para o clube escolar. Repensar a... repensar o próprio basquetebol do ponto de vista do movimento que ali se apresenta, né, pra eles é muito simples, porque eles não conhecem (...) porque eles não conhecem, mas eu tenho uma preocupação muito grande de mostrar alguma coisa que eles já conhecem, perdão, alguma coisa que já está referendada em algum ponto, né, que existe um (...) o basquete não é o único no meu modo de pensar, mas ele, é... NÃO SEI O QUE discutir porque que o basquete é de um jeito nos Estados Unidos e não é aqui... mas confesso pra vocês que eu pensei nisso, não consegui realizar por completo porque é difícil. Tem uma coisa muito interessante no clube escola, que o aluno não é obrigado a fazer as aulas. Quando ele não ta afim, quando ele percebe que o trabalho não é bom ele vai embora. Então, é muito duro com o professor, isso. Ele tem que manter o aluno. É quase um... digamos... é quase uma instituição privada, né, desse ponto de vista. E luta pelo seu aluno o tempo todo. Então ele tem que se superar. É uma relação que eu diria que se aproxima muito de uma relação de comércio, sem na verdade ele está recebendo diretamente do aluno, mas tem que fazer sentido pro aluno está aqui, porque se não faz sentido pro aluno ele vai embora. E se o aluno vai embora e ele não tem turma, ele não tem porquê ele está aqui. O aluno vem porque quer. É lazer mesmo. Estas turmas, elas são organizadas...? Por faixa etária, mas é muito flexível. Tem uma coisa que eu escrevo no relatório de capoeira é... é assim, a gente organiza por faixa etária porque a gente pensa, é (...) no universo de cada um, né, do ponto de vista do indivíduo em desenvolvimento, o que eles têm, a priori. Na medida que a gente conhece cada turma e cada aluno, eles vão se reagrupando. Então é muito comum você ter uma turma de alunos de 12, 13, 14 anos e alunos de 9, naquela turma. Meu filho mesmo tem 7 anos e faz capoeira aqui comigo, ele faz aula numa turma de 9, 10 anos, 8, 9 e 10 anos. Não só ele como alguns outros alunos. Então essa... o desenvolvimento biológico, digamos, não é imperativo, mas é o primeiro referencial. A partir daí a gente começa a entender se essa... se é adequado para ele aquilo, essa turma ou se não é. Mas não sou eu que penso nisso, é o próprio aluno e o responsável, porque tem as necessidades do responsável: “eu preciso deixar meu filho aqui tal hora e vir busca tal hora”, então ele vai

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fazer nessa, naquela e naquela outra turma porque precisa, é a necessidade. E a gente não diz: “não, não pode”. A gente só diz “não, não pode” quando vem uma criança de 4, 5 anos. Aí 4 e 5 anos a gente diz “não, não dá” porque é muito diferente pra gente. A gente tem muita dificuldade. A nossa formação é muito precária nesse ponto. Não consegue lidar com isso com muita tranqüilidade aqui, nós aqui do clube escolar. De alguma forma todos nós temos uma vivência no esporte e essa vivência no esporte é meio que... formou a gente com essa coisa das categorias, da faixa etária que isso, que aquilo e que aquilo outro. Então... 6.1. Sim, eu acho que nós fazemos... Formal, uma avaliação formal? Formal não. Acho que o... capoeira faz uma avaliação formal, que não é tão formal assim, mas é meio que do ritual, as lutas de um modo geral fazem, porque... implementamos de alguma forma as mudanças de níveis que tem nelas, então é o faixa branca, cinza, azul, amarela e por aí vai. Na capoeira a mesma coisa. Então tem uma avaliação que é... é mais uma adequação a... ao que o aluno espera, porque eles têm expectativas, né, muitos entram aqui pensando, no futsal, muitos entram aqui pensando que um dia vão se tornar craques, jogar no Barcelona, no Real Madri, NÃO SEI O QUE está no imaginário, a gente ainda não tem a competência para discutir isso de forma aprofundada, eu acho que a gente não tem, a nossa discussão é muito rasa no que diz respeito a isso. Existem avaliações, aquelas... quando você monta uma equipe de qualquer forma pra fazer um jogo contra um outro clube escolar que vem aqui, de alguma forma você está fazendo uma avaliação. Então existe uma avaliação, mesmo que ela não seja formal, né. A Fátima, no xadrez, ela faz um processo de eleição. Então eles elegem quem são os jogadores que vão para o campeonato “x” o campeonato “y” representar o clube escolar. Foi muito bom essa experiência dela, porque me fez também pensar nisso, pra pensar quem são os jogadores que vão representar o clube escolar no campeonato de basquete que a gente vai fazer aqui, é, porque não dá pra todo mundo jogar, enfim. Então de alguma forma se tem uma avaliação na... uma avaliação que é até compartilhada com os alunos. Não são todos os professores que fazem isso. Tem professor que ele escolhe, ele determina. Agora existem outros professores que não. Que fazem esse tipo de discussão com o aluno. Não sei se é democrática, mas tenta ser. Informante 8: a. UERJ, 1992.2 b. Tenho e não tenho. Eu tenho um mestrado na UERJ que ainda não foi reconhecido até hoje. Você tem alguma outra pós...? Não. Qual o objeto de estudo do seu mestrado? Os professores egressos da UERJ. Eu peguei uma época... a minha turma, ela foi a última turma do chamado currículo antigo e, inclusive a turma do Vitor Melo, que hoje está no Fundão, era do currículo novo. Então eram dois currículos que caminhavam paralelos, né. Um de característica mais tecnicista, mais desportivista e tal, e o currículo chamado currículo novo tinha uma proposta humanista, né. E aí a investigação foi ver no que que aquilo alterava de fato a prática desses egressos, né, especificamente aqueles que trabalhavam com iniciação desportiva, né, e aí o que a gente percebeu é que não tinha grande influência, né, o currículo em si, a diferença no currículo não influenciava muito a prática do professor egresso. O que influenciava eram determinados professores. Não era o currículo quer dava o peso, que mudava a prática, que fazia o cara ser diferente, ou ir por aqui ou ir por ali. Era a influência de alguns professores. Aí quando você começava... eu trabalhei com entrevista também, e aí você... observei aulas e tal, e ai você vai percebendo a marca tão forte, esse aqui está sobre a influência daquele cara ali que tem mais ou menos esse caminho e tal e ta ali na prática dele. Né, o outro que está mais pro lado da fisiologia, da anatomia e tal, tem um outro professor. Então o currículo em si, a proposta curricular tinha um peso muito pequeno, né, na prática, na práxis. d. Fiz alguns. Esse ano eu não fiz nenhum curso. Já participei de alguns sobre avaliação, alguns sobre Educação Física, alguns sobre educação sexual, sobre informática. e. Numa escola particular. 1.1. Na faculdade. Quando eu tava na faculdade, ali pelo quarto ou quinto período, foi uma proposta que começou, começou a emergir mais ou menos nessa época, né. então ali eu já comecei a me aproximar, já tinha alguma discussão a respeito, mais ou menos no ano daquele, daquele livro do Coletivo de Autores, né, que ali já começa a mexer em alguma coisa e tal. Então, eu me formei em 92, em 90, 90 e um pouquinho eu comecei a ouvir de cultura corporal. 2.1. eu acho que é o caminho, né. assim... eu acho que... a cultura corporal acho que permite você ascender à discussão de que a educação é desportivista, a Educação Física é desportivista, não é desportivista, não sei o quê. Acho que a cultura corporal está acima disso porque ela abarca o desporto enquanto elementos da cultura corporal de um determinado grupo. Então eu acho que o grande lance da

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cultura corporal é essa... esse leque que ela abre, né. ela não restringe, pelo contrário, ela abre. E aí tudo que está ali, que faz parte da vivência corporal de determinados grupos é passível de ser conteúdo da Educação Física. Não é fácil. Não é fácil trabalhar com isso na escola, até porque a gente... Alias, acho que não é fácil em lugar nenhum, porque, talvez até pela falta de apropriação teórica que a gente tem, que eu tenho, né, vou falar particularmente do meu caso. Então, é... é um princípio teórico que eu me identifico, mas que eu não tenho leituras aprofundadas a respeito e que de alguma forma minha prática pedagógica se orienta, né, num sentido assim meio de norte mesmo, né, o norte, mas não é... eu não... posso dizer assim, que não ta totalmente apropriada, né, então passeio por ai pela questão da cultura corporal com tranqüilidade, desenvolvo isso nas aulas e tal, não! 2.2. eu acho que pela abrangência. Ela não restringe, ela amplia né, e aí algumas pessoas ficam menores ali. Não interessa discutir se é desportivista ou não é desportivista. Interessa discutir o desporto é, faz parte da nossa cultura corporal, então ele é elemento. A dança folclórica faz parte, então é elemento. Então... 3.2. eu acho que se aproxima bastante. É... até porque o clube, né, diferentemente da escola... talvez nós sejamos o único clube, ai to chutando, né, são dez unidades, né, são dez clubes espalhados pelo Rio, mas eu acho que talvez nós sejamos a única unidade que tem isso enquanto documento, né, o projeto político-pedagógico enquanto documento. E como a gente trabalha com uma gama grande de atividades, né, eu acho que fica, a gente fica mais próximo, enquanto projeto político-pedagógico, da questão da cultura corporal, porque aí a gente tem as lutas, tem desporto com bola, tem dança, tem é... xadrez, né, então, tênis de mesa, então acho que dá uma, eu acho que o clube trata de... dá uma abrangência que a cultura corporal propõe, vamos dizer assim. 4.2. rapaz, eu estou numa crise! Numa crise! Algum tempo atrás, num conselho de classe, eu me dei conta que a gente, e aí eu falo a gente porque eu acho que é uma questão da Educação Física na escola, eu acho que a gente tem perdido um pouco os objetivos específicos da área, né. E aí eu me vejo num conselho de classe falando do perfil psicológico do aluno, falando da questão da sociabilidade do aluno e me dei conta de que, caramba, que que eu tenho pra falar da questão corporal desse aluno, da questão motora, da questão que é a minha especialidade, né, vamos dizer assim. E aí não tinha. Então, assim, é complicado. Assim, hoje eu não sei exatamente o que que eu traço como objetivo. Tem algumas coisas assim... básicas, né, de coordenação pra... na escola particular eu trabalho de primeira a quarta série, né, então de coordenação, de lateralidade (...) a gente teve alguns problemas de relação de gênero, né, então a gente teve que fazer algum trabalho voltado para isso, para que se conseguisse trabalhar em grupo e tal, mas eu hoje eu não sei te dizer meus objetivos elencados. 4.3. aí eu tenho variado. Assim, o que que eu tenho feito de uns dois anos pra cá. Eu tenho tentado pegar o que eu quero, por exemplo, eu quero trabalhar salto, né, trabalhar salto, e aí eu agrupo atividades que dentro delas tenham salto. Então, capoeira tem salto, então a gente vai ter uma aula de capoeira. Basquete tem salto, então a gente vai ter uma aula de basquete. Atletismo tem salto, então a gente vai trabalhar o salto do atletismo e aí vai trabalhando os diferentes tipos de saltos dentro de determinadas modalidades. Brincadeiras que tenham salto, né, amarelinha que salta com um pé só, corda que salta com os dois. E aí vai trabalhando várias atividades que tenham o salto dentro delas. Então acaba tendo uma gama grande de atividades para desenvolver determinado conteúdo. 4.4. aqui é bem diferente da escola, né, por ser um projeto de extensão, né, é diferente de separar um conteúdo, de analisar ou de selecionar o conteúdo para a aula de Educação Física. Primeiro porque o aluno aqui ele vem e ele vai fazer o que ele quer, ele escolhe as modalidades que ele quer fazer, né. as modalidades que a gente tem aqui, hoje, algumas são pela tradição, futebol, vôlei (...) uma outra coisa... futebol, vôlei... algumas outras pela disponibilidade dos profissionais, né. então tem profissional para dar ginástica artística, a ginástica olímpica, então tem ginástica olímpica. Tem profissional pára dar caratê, né, então tem caratê. Tem profissional para dar xadrez, então tem xadrez. Então não tem... quem faz a seleção na verdade é o aluno, né. não é a gente. A gente... as atividades que estão ai oferecidas, de um tempo para cá, elas chegam aqui através de projeto. A minha foi uma delas. Eu trouxe um projeto de xadrez. Foi analisado pelo grupo e tal, e foi aprovado. A mesma coisa o caratê, a ginástica olímpica, né. Outras não. Outra vieram não sei se proposta já pela CRE ou se na montagem do clube elas já foram disponibilizadas. 4.6. em relação a que especificamente? Com relação ao conteúdo da Educação Física? É engraçado. Isso não tem muito... quer dizer, o que é enfatizado acho que é o que é enfatizado pela educação em geral, né, ou deveria ser. Tem uma questão que hoje eu percebo na escola pública, e que é complicado, que é a... o menino está na escola e ele grita: AAAAAAAAAA!!! Sai gritando pelo corredor. Então isso é uma coisa que tem me... quer dizer, naquela escola, isso é um problema específico que eu tenho batido. Olhe só: aqui não é lugar disso. Então essa coisa de que aqui é lugar de uma coisa e não é de outra, né, é uma coisa que eu venho batendo numa determinada escola, porque é um problema específico daquela escola. Então olha só,

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a quadra não é lugar disso, é lugar disso! Aqui não é lugar de gritar, é de falar. Não precisa falar alto, fala baixo. Então, é... algumas coisas assim. Aqui tem uma realidade diferente, uma comunidade diferente e uma realidade diferente. E aí... eu acho que varia um pouco, né, de tempo em tempo nesse ponto que eu bato. Com a turma dos menores: tem essa coisa do... fazer uma coisa de cada vez, né, porque no geral, eu dou aula de xadrez aqui, então no geral eles estão jogando xadrez e estão com as pecinhas: tchu! Tchu! Tchu! pra! Pra! Pra! Pa! O tabuleiro está aqui. [vários sons de crianças brincando com as peças]. Tudo bem, a gente vai brincar de xadrez. Quer brincar de tirinho, de guerra, tudo bem. Brinca de tirinho e de guerra, mas depois a gente vai brincar de xadrez. Porque depois fica aborrecido porque perdeu o jogo porque não estava aqui prestando atenção e tal. Então essa coisa de: olha, agora é hora disso. Então escolhe o que você vai fazer agora. Se você quer fazer isso, faça isso. se você quer fazer uma outra coisa, então faça uma outra coisa. duas coisas ao mesmo tempo, no geral, é complicado. Então a gente passou por essa fase aqui, né, e a questão da postura para aprendizagem, né, é uma coisa que eu tenho “repete, repete, repete” [várias vezes] Tem umas coisas nesse sentido. 5.1. Na particular seriado e no município ciclo. 5.2. Hoje tem uma guerra lá no município por causa dessa coisa de ciclo e tal. Eu particularmente acho que o problema não é o ciclo. Eu acho que é uma... a proposta do ciclo é uma proposta muito interessante. Acho que o problema é a forma que a prefeitura do Rio tem se apropriado dessa proposta. Eu não vejo, assim, grandes diferenças nas aulas de Educação Física. A! agora é ciclo então a estrutura da aula mudou! Não! Não vejo. Eu acho que tem uma alteração grande para o professor que está alfabetizando, por exemplo, né, pelo tempo que fica para alfabetizar e tal. Para a aula de Educação Física eu não percebo essa diferença porque a fase, né, de maturação daquela criança, de maturação física, ela vai acontecer independente de ser em ciclo ou se é seriado. 6.1. faço! Faço! No geral eu planejo uma atividade onde eu possa observar o que eu trabalhei né. Vou dar o exemplo de saltos de novo. To trabalhando saltos, diferentes formas de saltos... e aí no final eu planejo uma atividade que me permita observar ele executando aquele tipo de salto ou ele executando algum tipo de corrida... é mais ou menos por aí. Informante 9: a. UGF, em 1985. b. Iniciou curso tecnólogo de processamento de dados, mas não concluído. c. Curso de especialização em Educação Física Escolar na UFF. Mestrado na UGF, concluído em 2005 d. não. e. Na rede estadual, no ensino superior particular com folclore e dança e Educação Física escolar e professora substituta na UFRJ com prática de ensino e didática da Educação Física. 1.1. Foi nesse curso de especialização da UFF, na época especialização em Educação Física escolar e também com o professor Marco Antônio Santoro, porque quando eu fui transferida lá para o Cairú, eu trabalhei, na época que eu fui pro estado eu trabalhei cinco anos em Santa Cruz, numa favela lá chamada Cesarão e depois que eu engravidei e tive neném eu consegui trazer minha matrícula para o Cairú e aí... só que quando eu cheguei lá eu levei um susto, porque comecei a ver os professores trabalhando com... dando aula assim... a aula de Educação Física se resumia num jogo, num jogo voltado para o esporte, né, para a questão da... mas assim, não sei nem te dizer se era para a questão da performance ou não. Eles... a aula era assim: tinham duas turmas sempre, trabalhavam juntas, eram aulas por separação de sexo, divididas por sexo e aí, assim, ficavam dois professores sempre, né, eram duas turmas separadas. Não sei se você está conseguindo entender, visualizar. Por exemplo, eu tinha uma turma que tinha masculino e feminino e tinha uma outra pessoa com uma turma de masculino e feminino. Aí, nós juntávamos a parte feminina, eu era professora da parte feminina, da parte feminina e havia mais dois professores responsáveis pela parte masculina. E aí, assim, nós trabalhávamos com duas turmas diferentes, né, mas metade e aí ficavam eu e outro professor dando aula de esporte. No início, primeiro bimestre era handebol, no segundo, se não me engano, era voleibol, o terceiro basquete, quarto era futsal. Só que eles tinham o apito tinha que ser "Fox", o apito do professor... coletes assim, diversos coletes coloridos e tinha cartão de, como é que chama, aqueles cartões de... de árbitro, de arbitragem, amarelo e vermelho e, tinha um azul também, se não me engano. E aí, assim, aquilo, quando eu cheguei na escola aquilo me assustou. A forma como eles estavam trabalhando, eu fiquei assustada porque não estava acostumada com aquela, essa questão toda de trabalhar só com o esporte e tudo o mais. E aí, assim, entrei na dança deles. Cheguei até a fazer um

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curso lá de arbitragem, no Maracananzinho, arbitragem de handebol, sabe, para poder me atualizar porque eu fiquei completamente perdida ali e assustada e eu comecei a pensar: fiz quatro anos de graduação para ficar apitando jogo? A minha aula de Educação Física vai ser para apitar jogo? Isso eu não quero trabalhar. Não vou nem continuar... não tava querendo continuar na escola. Até que o professor, no ano seguinte, o professor Marcos Santoro conversando comigo também, assim, eu fiquei sabendo que ele também não gostava desse sistema todo e tal e me falou do curso lá da UFF que ele tava fazendo e me indicou para fazer também. Aí, no ano seguinte eu fui fazer o curso e nós começamos a trabalhar, nós combinamos de trabalhar juntos. E aí, começou... começamos a implantar um outro sistema, uma Educação Física diferente dessa que era trabalhada lá no Cairú. E aí o que aconteceu: eu vim conhecer o livro Metodologia do Ensino da Educação Física, do Coletivo de Autores, e o Marco também, professor Marco Santoro também. E a gente começou a planejar nossas aulas todas em cima desse livro. Só que, o que acontecia, no início as turmas eram muito resistentes, né, até por conta do que eles conheciam da Educação Física e os próprios professores ficavam, os outros professores, né, que trabalhavam nessa forma mais tradicional, eles também se assustavam, eles achavam que as nossas aulas eram assim, aulas bagunçadas, aulas de gente doida, de maluco. Eles não entendiam a nossa proposta. E aí, assim, com o tempo, conforme o tempo foi passando, é, nós também assim, tivemos, nós fomos, nós começamos a tentar colocar o livro todo em prática (risos), só que na verdade isso não deu muito certo, entendeu. Então, assim, nós tivemos avanços e retrocessos, né. Porque, assim, uma coisa é o que a gente entendeu lá do livro, a parte teórica e outra coisa é a gente colocar aquilo em prática e nós tivemos, assim, tivemos bastantes barreiras, né, quer dizer, é... falta de apoio também da direção, da própria estrutura física, né. Então, assim, tivemos alguns problemas, mas a gente ia levando, assim, fomos tentando. Só que com isso outros professores começaram a entender um pouco o que a gente estava tentando fazer. Alguma coisa diferente daquilo, né, de trabalhar só o esporte pelo esporte e começar, começamos a... passar isso para os outros professores. Aí eles foram também fazer esse curso, alguns foram fazer o curso lá de Educação Física da UFF e tal e aí, assim, pelo menos no turno da tarde tentamos implantar essa proposta da Cultura Corporal, mas é, não só a Cultura Corporal, entre outras abordagens assim, tipo, como é que vou dizer, essas propostas mais progressistas, tá, to falando de um modo geral né, na tentativa de fazer uma Educação Física diferente daquilo que havia na escola. 2.1. primeiro assim, é... aquela questão de você trabalhar com conteúdos de forma, de modo a dar significado para o teu aluno, entendeu. O aluno entender porque ele está fazendo aquilo ali e para que ele vai levar aquilo ali para a vida, assim, para que aquilo li vai servir para a vida dele. Isso me atraiu, entendeu, assim, é... porque lá na UFF eu entendi uma coisa: entendi que a gente para ser professor para... antes de ser professor de Educação Física nós somos educadores, né, e aí, a gente tem que ter internalizado, né, pelo menos uma visão de que tipo de mundo eu desejo ajudar a formar, constituir, que tipo de sociedade, que tipo de homem, que tipo de educação e aí, assim, trazendo mais para a questão da escola, né, que tipo de aluno eu quero ajudar a formar. Quando a gente tem isso assim, na nossa cabeça, eu acho que fica mais fácil de trabalhar. E aí, assim, os conteúdos... o que me atraiu mais nessa proposta foi essa questão de da, é, da relevância social dos conteúdos, ou seja, de você trabalhar com conteúdos que traga, que tenha alguma importância para o teu aluno, para ele, como é que vou dizer... para que ele possa levar esse conhecimento que ele, que tiver sendo adquirido na escola, para que ele possa levar para a vida dele. Tipo assim, quando a gente trabalha com jogos cooperativos, trabalhar a questão de valores, solidariedade, respeito ao outro, para quando ele estiver, de repente, brigando com o vizinho dele, ele poder lembrar entendeu, que "pô, meu direito termina onde começa o do outro", né, e, entre outras coisas, né. Nos jogos populares a gente tenta resgatar também o nosso patrimônio cultural, sabe e eu acho que isso tem haver, por exemplo, esse ano lá no Cairú, a questão da contemporaneidade também, né, do conteúdo, por exemplo, esse ano nós fizemos no mês do segundo bimestre, teve a copa do mundo, né, e aí, assim, fizemos a Copa Cairú, sabe, só que não foi assim, trabalhamos com futsal, não foi futebol né, mas os alunos pesquisaram a cultura de cada país que estava inserido na copa, que participou da copa, é... eles pesquisaram, fizeram assim, uma espécie de, fizeram uma pesquisa de modo geral, pesquisando a cultura de cada país que estava envolvido na copa e, incluindo também o Brasil e também fizemos um... campeonato, né, com... e aí eles se dividiram em times e colocaram... e ai eles escolheram os países, né, que estavam também na copa, você está entendendo? Então, e aí isso para eles foi muito importante, né, e para gente também porque nós estávamos trabalhando com um conteúdo que tem, que estava relacionado a realidade do aluno, que estava passando, que estava acontecendo na sociedade, né. Então, assim, é mais essa questão que me atraiu. Eu não sei se eu estou conseguindo passar o que eu... 2.2. A questão, assim, pelo o que eu entendi da Cultura Corporal, é que em certos momentos, assim, ela acaba demonizando a questão da aptidão física, né. Eu acho que também a gente não pode ser tão radical assim. Acho que não é por ai, é, por exemplo, é lógico que eu não vou valorizar... a gente trabalhou a questão do futebol e a gente não valorizou a performance de ninguém e tal. Os alunos foram e transformaram, fizemos... algumas aulas, né, com... antes de fazer a Copa Cairú passamos a regra oficial para eles e depois sentamos com eles e eles transformaram essa regra oficial de acordo com a realidade lá

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da escola. E aí, assim, foi trabalhado o esporte de modo e geral e aí, assim, a gente trabalha também com o conteúdo de ginástica, mas numa tentativa de, como é que eu vou dizer, de valorizar a importância de se praticar uma atividade física ao longo da sua vida, né, e aí, assim, é... não é voltado muito para a questão da aptidão física. Eu acho que assim, é, que ela, a Cultura Corporal tem essa parte que eu considero um pouco negativa porque só leva em consideração o contexto social, né, assim essa parte contexto histórico e social. Eu acho super importante isso. Eu acho que tem que ter isso sim, né, assim, eu sou totalmente a favor dessa parte, então a gente trabalha também com o conteúdo de capoeira e o os conteúdos são todos contextualizados historicamente, aquela questão toda. É... mas o que eu acho que é ruim é isso, assim, que eu acho que as outras abordagens não... eu não sou totalmente a favor da... assim como é que eu vou dizer, não tem uma abordagem que eu acho: "essa daqui é... a certa". Eu acho que dá para pegar um pouquinho de cada uma delas e se fazer um trabalho legal, sabe. Antes, assim, antigamente eu era, assim, muito voltada só para a questão da Cultura Corporal, só do livro, esse livro do Coletivo de Autores para mim era uma bíblia e eu queria seguir aquilo ali, sabe, à risca. Mas agora, atualmente, eu não penso mais dessa forma. A abordagem do, aquela cultural também, eu acho bem legal, né, agora assim, não sei se eu to. 3.1. Sim. 3.2. Olha, a escola tem esse projeto né, e o que acontece. A Educação Física na época da construção participou só com um grupo de professores, o grupo de professores até que eu chamei, na minha dissertação, de reformadores e o outro grupo dos tradicionais, né, e assim, é... como é que eu vou dizer, a questão de proximidade ou distanciamento, é isso que você está querendo saber? Assim, o problema é que o projeto político-pedagógico lá da escola tem muito, assim, a questão da... o que está ali, na verdade, muitas das vezes não acontece na realidade, entendeu, assim, é... tem algumas... tem muitas contradições até e relacionadas à questão da Educação Física, por exemplo, como é que eu vou dizer... em muitos momentos, assim, por exemplo, agora até que está caminhando mais na direção do projeto político-pedagógico, mas assim, é, em muitos momentos não estava. Como é que eu vou dizer, é que havia duas correntes lá, né, no sentido assim da tradicional e dos progressistas, mais ou menos isso, entendeu. As pessoas que estavam querendo mudar, modificar aquilo que estava ali e os que não estavam, não sei se você está conseguindo entender. Então, assim, é, em uns momentos havia tensões, conflitos, né. Aí isso agora foi até um pouco amenizado porque os professores mais antigos eles acabaram saindo. Acabou também a questão da... da escolinha, do extraclasse, então é... isso serviu para aproximar um pouquinho mais do projeto político pedagógico. Porque, na verdade assim, a questão da gestão democrática, aquela coisa toda bonita que está no projeto político-pedagógico da escola, na verdade isso não acontece lá. Essa gestão participativa, sabe. Se você for ver lá na prática, é só no papel que está, porque existem vários pesos, várias medidas. A direção... é... passa a mão na cabeça de professores e castiga outros e, assim, faz o que está a fim de fazer, é autoritária, entendeu, é, em muitos momentos eu vejo assim, várias contradições, entendeu, e um distanciamento muito grande, né. E em relação à questão da aproximação, voltado mais para Educação Física, eu acho que agora está até mais próximo do que da época que eu fiz a dissertação. 4.1. Organizados em conjunto. 4.2. Olha só, a gente fala muito em formação para a cidadania, essa questão toda. Eu acho que a gente tem que saber que tipo de cidadania é essa, né, porque de repente cidadania para mim é uma coisa e para você é outra, né, e, assim, então a gente tenta trabalhar um pouquinho a questão dos objetivos voltados um pouco para os PCN's, né, e também a formação do ser humano, aquela coisa toda, um ser humano crítico, do discurso que já é conhecido, né, já é velho, crítico, participativo, autônomo, né, e aí assim, só como fazer isso, né. A gente está tentando. Nosso objetivo é esse, mas muitas das vezes a gente acaba não conseguindo atingi-lo plenamente nesse sentido, entendeu, porque é, muitas das vezes se o professor, aquela questão,se o professor não tiver internalizado, né, que tipo de aluno ele quer ajudar a formar, para ele atingir todos esses objetivo fica muito difícil, sabe. Não sei se eu estou conseguindo me expressar. Eu sou bem enrolada para falar. Mas assim, por exemplo, o objetivo lá... a gente colocou até no nosso planejamento, formar cidadão crítico, participativo, com condição de intervir nessa sociedade, é, que ele tenha condição de... perceber... como é que eu vou dizer, identificar os padrões, o que a mídia coloca, entendeu, e o que aquilo ali... se aquilo ali é bom ou ruim para ele. O que aquilo ali vai interferir na vida dele... é (...) trabalhar... eu não estou lembrando agora assim o que a gente colocou no planejamento, mas de um modo geral, formar um cidadão, sabe, com condição de intervir nessa sociedade aí, assim, um cidadão consciente, uma pessoa que saiba o porque que está ali fazendo aquela aula de Educação Física. 4.3. O nosso planejamento, assim, todo início de ano letivo a gente monta um planejamento. Só que muitas das vezes esse planejamento é bem flexível. A gente, as vezes, vai adequando, sabe, por exemplo, eu vou falar desse ano agora de 2006. Nós trabalhamos, o primeiro bimestre foi, se eu não me engano, foi ginástica voltada para a questão do meio ambiente. Como é que eu vou dizer, a importância de se fazer

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atividade física e a importância da questão, de preservar o meio ambiente. Uma coisa assim, mais ou menos. E aí teve corrida de orientação, tivemos algumas aulas também em que os alunos fizeram... a gente colocou como conteúdo de ginástica, assim, de condicionamento físico, mas no sentido deles começarem a perceber a necessidade deles aprenderem, por exemplo, a verificar a própria freqüência cardíaca, sabe, conseguir aprender a fazer isso, é, para que eles não precisem, tipo, se ele... para que eles tenham a consciência de que se tiverem que, vamos supor, que eles podem fazer uma atividade física sem precisar de um professor de Educação Física do lado se for, assim, tipo, fazer uma caminhada, dar uma corridinha. Para eles aprenderem a se monitorarem sozinhos, sem que tenham alguém ali do lado. Dar um pouquinho de autonomia para eles. E aí, a gente também, lá na escola tem um bosque e aí alguns professores aproveitaram e fizeram isso. Trabalhamos também com jogos cooperativos, logo no início. Alguns professores, né. Para quê, com qual objetivo? Da gente começar a internalizar esses valores de respeito ao colega, solidariedade, eles perceberem que eles... da necessidade deles terem o outro lá para participar, para poder jogar. Que eles precisam da presença do outro e esse outro tem que ser respeitado. E aí, assim, é... nós fizemos também isso e no segundo bimestre foi a Copa Cairú que foi o campeonato lá de futsal e o terceiro bimestre foi dança... a cada ano, por exemplo, ano que vem nós não vamos fazer dança, já estamos preparando para fazer capoeira. E aí a capoeira entra o maculelê e tudo o mais. A gente vai alternando. Só que esse planejamento muitas das vezes ele... a gente acaba fazendo outras coisas além do que está ou então modificando ao longo dos anos. Esse período, agora esse ano teve a greve logo no início, então o primeiro bimestre ficou um pouco prejudicado. Algumas turmas fizeram, trabalharam com o conteúdo todo. Outras não conseguiram terminar, né. E aí, assim, o terceiro bimestre, voltando, foi a dança, né. E aí os alunos... como é que nós fizemos, os alunos... nós pegamos os temas transversais: ética, pluralidade cultural, meio ambiente, sexualidade entre outros e eles começaram... escolheram, cada turma escolheu um tema desses para montar as suas coreografias e aí, de que forma que isso foi feito, eles escolheram os temas e aí nós sentamos com cada turma, pedimos ajuda aos professores de português e de filosofia, se não me engano. Foram dois professores que ajudaram na interpretação desses temas, né. E aí, fizemos discussões com as turmas sobre o que seriam esses temas. O que é ética, né. Para que eles pudessem entender, compreender o que eles estariam, teriam que... montar, assim. Aí, a partir do entendimento deles, assim, nós fizemos discussões com as turmas tipo: o que é pluralidade cultural? O que é sexualidade, né. E aí... saúde. E aí eles foram buscar, foram pesquisar sobre esses temas e trouxemos para debates e discussões. E aí fizemos umas duas aulas disso e aí depois que eles já tiveram a compreensão dos temas, o que seria cada coisa dessa, e aí assim, eles primeiro escolheram e depois eles foram entender o que é. Aí eles começaram a montar as coreografias, mas antes de montar eles tinham que escolher a música. Aí foram buscar uma música que tivesse relação com o tema, sabe, por exemplo, acho que foi ética que teve uma turma que pegou uma música, que eu não sei o nome da música agora, mas foi uma música da Ana Carolina, que a Ana Carolina canta, que fala de unimultiplicidade... pois é, aí fala sobre a questão da ética, dessa questão da corrupção, fala um pouquinho de política também e tal e aí, assim, eles fizeram uma dramatização, porque, na verdade, nosso conteúdo foi dança, mas o objetivo não era trabalhar especificamente a dança, sabe, mas sim uma atividade em que eles pudesse... uma prática corporal que eles pudessem identificar... que a gente pudesse identificar como dança é, mas sem ficar priorizando a questão, por exemplo, dos elementos básicos em dança, né, é, da questão da dança mesmo, sabe. Eles fizeram... algumas turmas misturaram com teatro, fizeram umas dramatizações e aí ficou bem legal. Era para passar uma mensagem, expressar o tema escolhido pelo grupo, o tema transversal escolhido... expressar corporalmente, mostrar, passar a mensagem do tema escolhido. Esse era nosso objetivo de trabalhar com a dança. E aí, assim, foi bem legal sabe. Os alunos, assim, entenderam. Isso aconteceu no terceiro bimestre. No quarto bimestre eu entrei de licença, mas o que estava acordado e eu acho que aconteceu, porque eu entre de licença, mas eu fiquei em alguns momento até indo lá. Foram jogos populares e os jogos esportivos. Jogos populares com o objetivo de resgatar o patrimônio cultural e tal. E aí de que forma que geralmente é feito: os professores eles levam, no primeiro momento, nas primeiras aulas, né, as atividades tipo pique-bandeira e o pique-tá, aquela brincadeira do ta e aí depois os alunos vão pesquisar com os parentes, com os vizinhos as atividades que eles participavam, que eles faziam, como eram essas brincadeiras de rua, né. E aí, assim, eles levam, formam-se grupos, né, em cada turma formam dois ou três grupos e aí eles elegem as atividades mais interessantes e apresentam. Aí cada turma apresenta a sua, as suas atividades, sabe. E aí a aula fica sendo isso. Também fizemos os jogos esportivos e aí juntou tudo nesse último bimestre, se não me engano. Com exceção do futsal, foi o handebol o voleibol e o basquete. Não sei como eles fizeram, mas assim, geralmente, eles trabalham com grandes jogos e depois colocam as regras oficiais. Faz tipo duas aulas ou três com as regras oficiais e depois os alunos sentam e... não somos nós que transformamos as regras. Os alunos transformam. A gente só vai... na verdade orientando. E aí, aquilo que não é transformado continua na regra oficial. E assim acontece. 4.4. por exemplo, esse ano eu queria colocar dança e manifestações folclóricas, né, porque acho interessante. E aí os professores lá na hora de montar o planejamento eles acharam melhor pegar uma coisa só, para não ficar muita coisa. Assim, esse planejamento, essa escolha de conteúdos é feita com o grupo da Educação Física mesmo, sabe. É acordado entre a equipe da Educação Física, sabe. A gente

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agora, de 2005 para cá, a gente tem trabalhado assim. Até 2005, era meio que o "samba do crioulo doido". Desculpa o termo, mas assim, era meio bagunçado. Cada professor trabalhava o conteúdo que quisesse. Agora não. Nós começamos a organizar mais essa questão. Vai está todo mundo trabalhando o mesmo conteúdo. O que falta organizar lá é a questão da forma de avaliação. Alguns professores avaliam de um modo, entendeu, não existem... os critérios são bem diferenciados. Até por conta da forma como cada um entende essa questão da cultura corporal, sabe. Em muitos momentos, assim, a gente não... não pensa todo mundo da mesma forma. É questão de entendimento. Eu entendo de um jeito. Eles entendem de outro, né, e por aí vai. A gente tenta... 4.5. Olha só... pode parar um pouquinho só para eu desenrolar. Em cada conteúdo que é trabalhado, por exemplo... a gente não... o objetivo é que ele leve daquilo dali... a gente tenta trabalhar também bastante a parte lúdica, mas, por exemplo... quando a gente trabalha com um conteúdo, vamos supor do esporte, assim... o que eu quero que ali aprenda, é isso? Quero que ele aprenda o seguinte: que o esporte... existe o esporte institucionalizado, aquele esporte que tem as regras oficiais, que foram feitas para atletas e que foram feitas por pessoas que a gente não conhece, mas que, assim, é um fenômeno social, assim, e que... tem que ser trabalhado na escola sim, mas ele não precisa ser trabalhado da forma como os atletas fazem, entendeu. Que os aluno podem pegar aquilo ali, aquele esporte tipo, vamos supor, o voleibol, entendeu, a gente pode trabalhar aquele... o contexto histórico do voleibol, como o voleibol era jogado antigamente e como ele está sendo jogado agora. Falar sobre as questões da mídia e tal para que ele possa, assim, saber que você está falando... meu objetivo é que ele entenda... tenha uma visão um pouco mais crítica sobre a questão do esporte. Eu não estou interessado em saber se ele aprendeu todas as regras oficiais, entendeu. Porque, quando ele sair dali, quando ele terminar o ensino médio, aquelas regras provavelmente já mudaram todas, não são mais aquelas, entendeu. O que é importante é, assim, ele ter uma noção básica de qual é a dinâmica do jogo, vamos supor do voleibol, funciona assim, assim e assado. É dessa forma. Então está bom. Agora, eu não preciso ser um excelente jogador. Eu quero que o meu aluno tenha essa consciência, entendeu. Que ele saiba que ele tem condição de participar, de jogar, mas se tiver que jogar na rua, vamos supor, um voleibol na rua, nem todo mundo sabe jogar e nem todo mundo sabe as regras oficiais e nem todo mundo tem talento. Então por que o cara que não sabe jogar direito não pode participar, entendeu. É mais numa perspectiva de... de inclusão. Que eu quero que ele tenha essa postura mais crítica em relação, vamos supor, ao esporte, é... ao conteúdo da capoeira... que ele não precisa... o que eu quero que ele saiba é que a capoeira teve todo um contexto histórico e político da época e a questão da escravidão... a escravidão quando terminou, a sociedade não absorveu todos os escravos e aí, daí acontecer essa marginalidade toda, essa coisa toda que a gente vê aí. Isso tem um fundo histórico, né e assim, que ele tenha essa visão um pouco mais ampla, entendeu, vamos supor, do conteúdo da capoeira. A ginástica, que ele perceba a necessidade dele, sabe, ele praticar alguma atividade para ele, para que ele fique bem, sabe. O saber que eu... se ele conseguir internalizar isso, sabe, para mim já está excelente. Em momento nenhum vou cobrar a questão da performance. Ah! Se ele aprendeu a jogar o voleibol, se ele aprendeu a jogar o handebol, se ele sabe que para fazer uma cesta ele tem que fazer assim e assado. 4.6. eu valorizo muito o contexto histórico também. Eu sempre faço uma contextualizaçãozinha. Tento mostrar como é que era e até onde... como é que as coisas estão agora. Faço muito essa... em todos os conteúdos. Eu sempre priorizo um pouco essa questão, entendeu. Meio que um resgate histórico da coisa, sabe. Pelos menos eu tento fazer (risos). 5.1. Seriado. 5.2. Eu posso falar lá pela nossa experiência lá do Cairú. Pela minha experiência. Lá, assim, é seriado só que agente acaba... os conteúdos que são feitos... na verdade existe um planejamento só que para o primeiro, segundo e terceiro anos. Muitas das vezes nós trabalhamos com as turmas, assim, a gente sempre trabalha em duplas. Foi o que eu falei, nós modificamos, por exemplo, fica eu e o professor Marcos Santoro na quadra. Ele fica com a turma inteira dele, agora, assim, masculino e feminino e eu também. A gente junta e na verdade ficam duas turmas, né, para fazerem a mesma atividade. Aí o que acontece: a gente não separa por sexo e nada disso não. Aí como é que... aí desculpa, me deu um branco! Ah! A questão das séries. Aí, vamos supor, ele está com uma turma do segundo ano e eu to com uma turma do primeiro ano. A gente trabalha da mesma forma. A gente não tem muito essa questão... não separa. Eu por exemplo, eu só pego primeiro e segundo ano. Ele pega só primeiro ano, sabe. Mas a gente em muitos momentos tem turmas de primeiro e segundo ano fazendo a mesma aula, porque o enfoque que nós... a questão, como é que eu vou dizer. A cada ano a gente dá um enfoque diferenciado, né. O ideal seria que fosse trabalhado de forma espiralada, pelo menos no meu entendimento, assim, é... que houvesse um aprofundamento de conteúdo, né, mesmo que fossem os mesmos, mas assim... primeira série, segunda série. Só que lá no Cairú isso na verdade acaba não acontecendo. Só que a cada ano a gente tenta trabalhar de forma diferenciada. A gente nunca está repetindo, por mais que seja, de repente, o mesmo conteúdo, a gente nunca repete as mesmas experiências, sabe, assim. Acaba sendo de forma espiralada,

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mas não como deveria ser, entendeu. Uma forma diferente. Mais ou menos isso. E essa questão dos ciclos, assim, eu não sei até que ponto isso é bom ou ruim. Eu não sei te dizer. 6.1. A avaliação deveria ser um pouco mais discutida lá na escola. Até nesse ano houve uma tentativa lá da direção, né, nos encontros pedagógicos, de se discutir avaliação. Só que isso... elas colocaram a coisa muito assim, muito separado, sabe, muito estanque e, assim, muitas questões que eram para ser discutidas durante o ano e para se fazer até um foro ou uma coisa assim, sabe, de repente montar um seminário para se discutir avaliação e isso não foi feito lá. Foi feito muito assim, estanque. E aí cada professor, na verdade, avalia do seu jeito. Só que a forma como eu avalio, vamos lá: eu tenho... Costume de trabalhar com a questão da auto-avaliação, tá, e a presença e participação do aluno. Como é que é faço isso: para mim, assim, o aluno que vem na escola, vai na minha aula, participa, no meu diário eu vou fazendo as anotações. Eu dou a presença e faço as anotações. No final do bimestre ele tem que ter uma nota, né. E aí o que acontece: eu pego, sento com eles, marco a auto-avaliação. Eles, nesse dia eu peço até para que eles venham... não precisam trocar de roupa para fazer a aula. Aí eles pegam uma folha de papel e aí eu coloco os critérios para que eles façam meio que como se fosse uma redação. Só que esses critérios... eu utilizo os mesmos critérios que eu avalio e passo para eles assim, da mesma forma. Por exemplo, na auto-avaliação, vamos supor que você seja me aluno: "gente! Aula que vem vai ser auto-avaliação. Não precisa trocar de roupa e aquela coisa toda". Aí vem: "tragam um papel e uma caneta". Aí eles levam né, e assim, como é que eu faço. Eles... eu coloco... primeiro critério: freqüência. Você vai falar sobre a sua freqüência nas aulas. Se você veio às aulas, se você não veio, como é que foi a sua freqüência. E a participação? Você participou? Você foi solidário com o seu amigo, você ajudou seu amigo? Você, de repente, teve alguma atitude individualista? Teve algum problema e tal? E aí, eles têm que escrever. Respeito: em relação à questão do respeito mútuo, também está relacionado a essa questão. Aí, assim, eu coloco a apreensão do conhecimento. Aquela questão do saber, o que... aí, assim, eu tento avaliar no sentido de no comparar ele com o outro, mas assim, ele com ele mesmo. Vamos supor, se você chegou e você não sabia nada. O conteúdo é capoeira e você não tinha a menor noção da capoeira, de como era e tal, até onde você conseguiu chegar? Sabe, é você colocar ali e escrever no papel: "não, eu não sabia nada. Grosso modo né. E consegui aprender que a capoeira veio dos escravos, foi uma luta de resistência e consegui pegar alguns golpes, assim. Entendi qual é o ritual da roda, para que serve a roda e aquela coisa toda". Entendeu, assim, ele descrevendo isso e... um outro aspecto é... presença e participação. A questão da freqüência, essa questão da apreensão do conhecimento e a nota dele. Aí ele vai se dar uma nota. Ele vai colocar uma nota. Algumas vezes eu peço para ele fazer separado e depois somar tudo e dividir. Em outras vezes eu peço para ele fazer só... descrever, né, assim, fazer uma redaçãozinha sobre esses itens e colocar uma nota. Aí, a nota que ele coloca eu vou... é uma avaliação assim um pouco complicada. Não é complicada, é trabalhosa, sabe. É um processo, assim. Eu entendo a avaliação como um processo, né. Até no início a gente tenta fazer uma diagnose com nossos alunos lá, para saber como é que eles estão e tal. E aí, assim, a cada dia ele está sendo avaliado porque eu vou botando ali no diário a forma como ele está sendo avaliado, a participação dele. Aí o que acontece. Quando chega nesse dia propriamente dito da avaliação, ele vem com a avaliação dele que acabou de fazer na aula e vai me entregar. Aí na aula seguinte eu vou sentar com aluno por aluno. Eu pego, abro o diário. Aí pego a avaliação dele e leio na hora e aí eu discuto: "mas você colocou 100, mas olha aqui, você tem três faltas. Será que você foi justo com você mesmo?" Eu tento fazê-los entender que a auto-avaliação é mais no sentido deles refletirem sobre as atitudes deles, entendeu, assim, sabe. Você está entendendo? Não para "Ah! Eu ou botar qualquer nota porque vou me dar bem. Essa professora é mole e tal". Eu tento mostrar isso, só que, é lógico, tem alunos e alunos. tem uns que entendem e outros que não entendem. Mas aí, assim, a minha tentativa é essa. Eu vou tentando. E aí, assim, eu pego auto-avaliação deles e vou vendo: "aqui a presença está ok. Você se deu 100. Está certo, você não tem falta, esta legal. A sua participação: pô, mas nesse dia aqui, está aqui no meu diário, você brigou com seu amigo, você não, sabe, teve uma atitude individualista, você não foi solidário. Você acha que você colocou...", só para fazê-los refletir um pouco mais. "Você acha que você merece..." mas mesma assim, se ele colocou 100 eu vou levar essa nota em consideração. Só que eu vou questionar algumas coisas e a minha nota não vai ser 100. Vamos supor que eu tenha dado 50. Aí eu vou juntar 100 dele e vou pegar a minha de 50. Vou somar e dividir por dois. Dá 75. A nota dele do bimestre vai ser 75. Ou seja, a auto-avaliação dele valeu cinqüenta por cento. Eu faço dessa forma. É a forma como eu entendo o processo de avaliação em Educação Física. Agora, existem outros e os outros professores trabalham de formas diferenciadas. Eu não concordo com provas práticas, provas teóricas. Eu acho que na Educação Física não cabe, mas depende né, cada um... Informante 10: a. UERJ, 1996. b. Cursando ciências sociais, no segundo período, na UFF.

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c. Especialização em Educação Física escolar na UFF e mestrado em Educação Física e cultura (representação social do jogo – bola de gude) na UGF. d. pelo estado, até o Marcos Santoro me deu dos cursos de jogos cooperativos. Pelo município de São Gonçalo tivemos uma capacitação sobre folclore. Semanas de capacitação da prefeitura e estado com temas variados, avaliação, esportes etc. e. na rede estadual de ensino e na rede municipal com vários segmentos, inclusive com EJA. Ensino superior com recreação, jogo, lazer e dança. 1.1. na minha graduação, em 93 quando eu entrei, eu fui estimulada por alguns alunos que estavam saindo e faziam parte do centro acadêmico, a participar dos ENEEF's, Encontros Nacionais dos Estudantes de Educação Física. Então, durante a minha graduação eu fui a quatro ENEEF's. então isso foi de 93 a 96. Então, esses caras do coletivo tinham acabado de lançar o livro. Então eles iam a esses congressos, que eram espaços de debates políticos e ideológicos. Estava muito nesse momento. Então ia Michele Ortega, ia Valter Bracht, ia o Lino Castellani, ia a Carmen Lúcia Soares. Então eles iam aos congressos. Então assim, essa forma diferenciada, a princípio, de pensar a Educação Física começou a ser debatida nos ENEEF's. então eu comecei a ser muito estimulada pelos encontros. Aí logo depois eu comecei a participar do movimento estudantil da UERJ. Então, assim, a gente discutia muito sobre Educação Física. Montamos a primeira semana acadêmica de Educação Física e aí, quer dizer, paralelo à universidade, quer dizer, dentro do meu curso de graduação eu não tive o contato com essa literatura. Eu tive um contato paralelo. Aí eu comecei a ir ao CBCE. Isso em 1995. Eu estava no quarto período. Foi no Espírito Santo. Então, assim, o livro estava fresquinho. Então as pessoa só comentavam da cultura corporal, do livro e não sei o que. Ainda era muito incipiente, mas você assim, no início da graduação ouvindo essas coisas você vai se sensibilizando e como eu já queria trabalhar com Educação Física escolar... então assim, eu fui logo me apegando porque eu sabia que queria trabalhar nessa área então, eu comecei a ter contato assim. 2.1. acho que porque primeiro tem essa coisa da contaminação. Acho que você é meio que influenciada a pensar um pouco nessa perspectiva de olhar a sociedade de maneira que você possa ajudar a transformá-la, né. Minimamente através da sua práxis, né. E aí, eu penso que a Educação Física é um caminho e eu acho que a gente tem que trabalhar com essas diferentes formas de linguagens corporais vinculadas à cultura e aí eu acho que a Cultura Corporal é a que melhor se identifica com isso. Então, por exemplo, eu já sou uma pessoa sensível à dança porque eu sou praticante, ex-praticante e, assim, as outras linguagens me interessam porque eu acho que é uma forma da pessoa entender melhor o mundo, entender melhor as pessoas, as redes de comunicação, a forma como as pessoas criaram as práticas corporais de movimento vinculadas à cultura e porque eu acho que é uma proposta que pode ser trabalhada na escola. Eu acho que é possível. Há muita resistência, principalmente as práticas não tão comuns como a dança, como a luta principalmente. Esporte e jogo ficam mais associados, mas eu acho que é possível você fazer uma prática diferente daquela da época do militarismo, do higienismo e da prática do esporte para todos da década de 70. Então eu acho que é uma linguagem que está pertinente ao nosso tempo. Agora eu acho que e gente está tendo que repensar a questão da Cultura Corporal, daquela da década de 90, né. Acho que a sociedade mudou bastante. Então essa coisa da utopia da grande transformação através da Cultura Corporal, isso eu acho que foi... minguando, mas eu acho que a gente tem que pensar que é uma forma de possibilitar as pessoas de estarem incluídas numa sociedade que é tão excludente. 2.2. é, por exemplo, a Darido tem um livro da ???? que ela trabalha a questão das abordagens, né. E, por exemplo, eu trabalho a abordagem dos jogos cooperativos, mas eu não considero como uma abordagem, assim, né... Uma coisa que eu acho que, por exemplo, ajuda, eu acho que esse olhar da não-técnica exacerbada que a Cultura Corporal te coloca, que é diferentes do projeto, da abordagem desenvolvimentista. E, peloutro lado, ele possibilita você... trazer elementos diferenciados que possam... [interrupção da entrevista]. Primeiro, acho que é uma abordagem mais ampla no sentido de pensar o ser humano. Então você consegue, minimamente, fazê-lo pensar sobre o seu corpo e esse corpo dentro de uma sociedade. Consegue trazer essa dimensão cultural, que eu acho que é fundamental para a camada, principalmente na qual eu trabalho, que é a classe trabalhadora. Eu acho que é uma forma de inserção, de olhar o mundo com os olhos da classe dominante, porque eu acho que você tem que inserir isso dentro desse processo. Por outro lado, você exige menos da técnica, que eu acho um estado positivo para aqueles que têm mais dificuldade na Educação Física e a gente quebra esse jargão dos melhores versos os que têm mais dificuldade. Então eu acho que isso facilita. O que eu acho que tem prejuízo é exatamente essa coisa da habilidade. Eu acho que a gente acaba deixando um pouco de lado as pessoas que têm mais habilidade e aí você não tem um olhar mais aguçada para a técnica e aí, assim, essa formação de times... essa coisa fica meio que secundária. Então tem alguns alunos que poderiam ser potencialmente desenvolvidos e acabam ficando mais ou menos naquela... naquele meio, igualzinho aos outros. Mas eu ainda prefiro dar aula para a maioria que é ainda aquela que tem mais dificuldade.

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3.1. O município eu não sei. Trabalho há oito anos na rede municipal e eu não sei. Trabalhei na secretaria um tempo, trabalhei no Projeto Lazer. Fiquei muito tempo no Projeto Lazer. Esse ano fui para a escola e não vi, mas também não perguntei. O que acaba acontecendo: o estado tem um projeto político-pedagógico. Todo ano a gente revê. Esse ano... sempre participei do projeto do estado. Esse ano a gente vai ter que mexer nisso de novo porque está tendo um racha na escola no sentido de se volta para a busca do vestibular ou se volta para a busca da cidadania, no sentido mais amplo, mais humano, mais crítico e a gente está vendo que essas duas coisas, em alguns momento, batem de frente e... mas assim, na minha escola do estado tem e a Educação Física tenta estar inserida dentro dela, mas há divergências dentro do próprio grupo. Então assim, as pessoas não combinam muito em relação aos pensamentos, então a gente mantém uma matriz simples, básica e as pessoas vão inserindo aquilo que elas acham mais importante. 3.2. Olha, as pessoas estão muito pensativas nos PCN's. então, assim, essa coisa de tema transversal é uma coisa que está meio em moda, né, depois do governo Fernando Henrique. Então, eu acho que as pessoas ainda conhecem a Cultura Corporal para fazer concurso. A experiência que eu tenho com o grupo de professores é um pouco isso. Colocar isso em prática... eu acho assim, pensar na Cultura Corporal é pensar numa visão de mundo, projeto de sociedade. Então assim, as pessoas as vezes vêem como um instrumento simplesmente de trabalho. Tem que trabalhar com lutas, eu tenho que trabalhar com jogo, com brincadeiras, eu tenho que trabalhar porque a literatura diz que eu tenho que trabalhar e cai em concurso, porque agora cai nesse concurso, né, era uma coisa que antigamente não caia, mas agora cai. Então assim, eu não vejo essas pessoas pensando que é uma forma da pessoa pensar a cultura do seu próprio corpo, do seu movimento, de ver a expressividade humana, a forma como as pessoas constroem a sua forma de pensar, a sua forma de ver o mundo. Então, assim, acho que fica uma matriz esportiva que é aquilo que nos aproxima. A linguagem comum, o esporte. Ai dentro da matriz, o que cada um, dentro da sua... pensa sobre... vai distribuindo, entendeu, enquanto conteúdo. Acho contraditório porque você não parte do objetivo, não parte do principal que é o tal projeto e aí desenvolver objetivos. O único lugar que eu consegui fazer isso foi na... Caxias junto com outra professora que tinha um mesmo pensamento, uma perspectiva similar e a gente construiu um projeto de dois anos na escola voltado para a Cultura Corporal. 4.1. Na rede estadual teve um grupo de professores, que eu não chamo de equipe porque a gente não é uma equipe, é um grupo de pessoas que se reúnem no início do ano e as vezes, quando dá tempo, no meio do ano e, quando dá tempo, no final. Porque "quando dá tempo", porque todos são de oito tempos, né, e como na escola só tem uma quadra a gente tenta não se encontrar. Então a gente não se vê. A gente só se vê em alguns momentos quando têm algumas reuniões. A rede estadual não cobra a participação das quatro horas na escola, então a gente praticamente não se vê. Então, a gente estruturou no início desse ano um projeto porque a escola está se tornando ensino médio. Então a gente começou a pensar o que seria, agora, uma escola de ensino médio. Qual é a proposta? Por isso a necessidade o projeto político-pedagógico da escola. Porque até então a gente era primeiro segmento. Aí foi acabando. Foi para a quinta e oitava e foi acabando e esse ano é o primeiro ano que a gente só é ensino médio. Então, toda a escola está repensando o que é ser ensino médio. E aí a Educação Física, quer dizer, é uma das coisas que eu quero colocar no ano que vem, o que a gente está pensando enquanto ensino médio para aquela escola. E aí a gente fez assim esse ano e nos outros dois anos. A gente mexeu, fez essa idéia de matriz, um grupo de conteúdos principais com aberturas temáticas a cada bimestre. Então se é temática eu posso modificar. A gente tentou seguir as mesmas temáticas, por exemplo: eu trabalhei com mulheres no esporte. Tem gente que não trabalhou. Eu trabalhei com a coisa da copa do mundo, tem gente que não trabalhou. Isso temáticas, mas esporte era o carro chefe de cada bimestre, entendeu. 4.2. Olha, eu acho que enquanto grupo a gente não pensou objetivo, não. Pensou o objetivo de trabalhar a questão da... do movimento corporal buscando a melhora da qualidade de vida e que essa educação ela deve ser permanente. Dele levar coisas do ensino médio que pudessem refletir no cotidiano dele em relação à prática corporal ligada à atividade física e vinculada à qualidade de vida, que eu acho que é o que preponderou dentro do grupo. Não há amadurecimento para essa discussão, entendeu. Não dá, não dá tempo. As pessoas mal se encontram e a gente tem pouco diálogo entre essas pessoas. Porque o comprometimento de cada um é muito diferente né. No meu entendimento, o que eu construí, o que eu construo, né, ao longo desse tempo e venho reformulando: é... qual é o meu objetivo: propiciar conteúdos escolares que estão vinculados ao conhecimento maior da cultura. Então elejo aqueles conteúdos que eu acho que são pertinentes ao adolescente, que é o meu foco de trabalho e que possam ajudá-lo a ter uma leitura sobre o mundo a partir da perspectiva do movimento. Então, assim, se eu quero trabalhar numa perspectiva mais cooperativa, então eu vou eleger naquele bimestre ou ao longo do ano atividades de jogos cooperativos que possam ajudá-lo a pensar sobre isso. Então, eu penso que ele tem que ter uma visão geral dos conteúdos vinculados à Educação Física escolar, que eu acredito na Cultura Corporal. Então eu trabalho todo ano um pouco de cada conteúdo, né, e aí, mostrando para eles facetas que cada conteúdo pode ter. Aquelas vinculadas mais à vivência técnica, prática e aquelas da sensibilização, o entendimento

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que existe, o que é, a pessoa estimular a pensar na sua educação para o lazer. De repente ele não vê sentido dentro da escola, mas ele pode pensar naquilo como uma vivência para fora da escola. Ele ser estimulado a ver isso de outra forma. Quebrar alguns estigmas em relação aos próprios erros existentes em relação a algumas práticas. Por exemplo, a capoeira que é uma prática extremamente estigmatizada. O ensino médio não dá muita bola para a capoeira e é ??? uma roda de pessoas. A vivência corporal foi pequena num sentido amplo da palavra, mas assim, o olhar sobre o movimento me parece que foi... eles levaram alguma coisa. 4.3. Eu não vou falar pelo grupo porque é difícil. Eu te falei, né. Eu penso muito no ano. O que tem no próximo ano de tematizações. Por exemplo, teve... temáticas que são recorrentes, a mulher no esporte que é logo no mês de março. Então, assim, eu gosto muito de tematizar, então eu busco associar com coisas que são do cotidiano das pessoas e associar com coisas que a minha cidade possui. Por exemplo, lá em São Gonçalo tem um time de handebol feminino que é extremamente famoso. Todo ano eu levo o grupo para visitar, para conversar com as jogadoras, assistir treino, enfim, tirar fotos, fazer perguntas para elas sobre o que é, enfim, isso eu privilegio porque acho que faz parte do contexto daquela cidade e até da construção da identidade daquelas pessoas em relação ao outro. Então, eu tematizo em função de datas e situações comemorativas do ano, que eu acho que são importantes, copa do mundo, o pan-americano, a consciência negra, mulheres no esporte, o folclore, eu sempre privilegio algumas temáticas específicas. E para os outros conteúdos, aí alguns eu dialogo com os alunos. Por exemplo, no terceiro ano do ensino médio geralmente eu boto uma listagem, a gente constrói uma listagem no quadro e vai daí... tem algumas coisas que eu não abro mão, eu acho que a gente tem que insistir. Se a gente deixar sempre para o aluno decidir tudo que ele vai escolher, ele vai optar por aquilo que ele tem mais associação. Então se a gente faz um processo de ensino-aprendizagem tem que ter uma imposição no sentido positivo. Então, aí a gente joga: uma, duas aulas são minhas e uma metade de uma aula é deles. Os meninos vão escolher futebol, com certeza e as meninas vão variar. Algumas vão querer vôlei ou basquete outras não têm nem saco para o esporte. E eu tento me ??? no que for possível da prática esportiva. Eu trabalho alguns esportes, mas eu tento... eu trabalho com aqueles que são menos utilizados, que é o handebol e o basquete, até chegar naqueles que são os mais... que tem destaque na mídia que é o vôlei e o futebol. 4.5. Olha, acho que, minimamente, eu acho que a gente tem que... eles tem que reconhecer, identificar as práticas da cultura corporal. Então, identificar o que é luta, quais são as possibilidades da dança, quais são as possibilidades do jogo, do esporte e da ginástica. Identificar essa possibilidades, visualizar isso. Em algumas delas, ter um mínimo de vivência prática para perceber o quanto é bom e gostoso participar daquilo. O quanto é prazeroso você ser um elemento de construção daquele possível movimento que você está participando... um saber que eu acho que é indireto, não é um saber da Educação Física, mas acho que é [...] é vivenciar e perceber, identificar alguns elementos vinculados a alguns valores éticos e morais que eu acho que fazem parte da vivência coletiva que a gente possibilita na Educação Física. Então eu acho que discutir cooperação, competição, rivalidade, disputa que vêem imbricados, que são valores que eu acho que ele precisa reconhecer como importantes, mas que precisam redimensionados em determinados momentos, tanto na vivência em Educação Física quanto fora dela. Lógico que a gente sabe que temos os nossos limites. A gente não vai conseguir fazer isso nas práticas do dia-a-dia, mas se, minimamente, eles conseguirem, por exemplo, numa vivência coletiva de rua, identificar que eles podem reconstruir a sua prática, construir a construção de regras em função de uma necessidade de alguém ou de alguns do próprio grupo, eu acho que é um avanço em termos de saber. Quer dizer, reconstruir, reconduzir uma prática esportiva ou não que esteja vinculada a um olhar mais crítico sobre o que ele pode contribuir enquanto pessoa para que seja modificado. E, a partir daí, eu acho que a gente ajuda a ele pensar que ele pode ser autônomo, que ele pode ser crítico, que ele pode ser participativo na sociedade de maneira geral, para que ele possa, minimamente, ajudar que ela seja mais humana, mais fraterna. Eu acho que esse é o desdobramento disso, mas eu acho que é isso. 4.6. O que, de valor, sentimento? Vou colocar algumas coisas. Primeiro... uma coisa que eu sempre enfatizo e eu acho que tem que ser um momento lúdico para o aluno. Tem que ser um momento brincante, tem que ser algo prazeroso. Tem que ser uma coisa que... mesmo com resistência... não que toda turma vá acompanhar isso. De repente de quarenta, vinte e cinco vão adorar e quinze vão odiar. Não interessa. Acho que os vinte e cinco que estão gostando para mim já está valendo a pena. Os outros quinze estão, pelo menos, ouvindo ou vendo. Isso pode ser uma mola propulsora para as próximas etapas. Então, primeiro eu acho que tem que ser uma vivência brincante. Eu acho que tem que ser alegre, em que ser divertido, tem que ser prazerosa, tem que ser comunicativo. Outra coisa que eu enfatizo muito que eu acho que é uma vivência que precisa e eu acho que a sociedade que a gente vive precisa que é a questão do entendimento, da palavra entre eles, da comunicação verbal e não verbal em relação à população, à união, ao trabalho de equipe. Isso eu não abro mão independente do conteúdo que a gente esteja trabalhando, os conflitos provenientes do trabalho de equipe serão junto com o grupo. Então assim, que venham os conflitos, porque a gente rediscute e define algumas normas, mas tem que ter o conflito para poder gerar o debate. Debate

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que... eu não abro mão dessa questão de conflito porque se discute a questão da cooperação. Um outro ponto é que ajude ao grupo a ter uma percepção diferenciada sobre a Educação Física. Então, assim, quando eu estou dando aula, quando eu organizo o conteúdo ao longo do ano, organizo meus objetivos, minha metodologia de trabalho, eu penso nisso: com o que eu posso contribuir para que esse aluno sai da série que ele está com um olhar diferenciado sobre a Educação Física e possa desconstruir alguns olhares do senso comum vinculados a nossa prática e... mesmo com resistência... ser chata... as pessoas falam assim... os alunos falam assim... depois do processo eles adoram porque aquilo tem sentido para o aluno, tem que ter sentido para ele. Então é aquela coisa de estar buscando o entendimento dele sobre aquilo que a gente está fazendo. Para que é aquilo. De repente não naquela aula, mas naquele processo. Por exemplo, trabalhei com folclore no mês de agosto. "Ah! Professora!" não interessa. É uma aceitação para eles o mês de agosto. Por mais que eu trabalhe o mês todo folclore, "Ah! Você está tematizando em função de um imediatismo". Tudo bem, mas eu consegui trabalhar durante o mês inteiro porque eles conseguem pelo menos me ouvir. Porque quando eles ouvem e ficam olhando para o processo... assim, para eles participarem das atividades fica muito mais fácil. Então, depois, durante o processo eles perguntavam sobre algumas coisas que a gente viu. Se a gente podia ver de novo, porque... não são todas as pessoas, mas algumas... 5.1. O estado trabalha em série. O município trabalha com ciclo. O EJA é seriado. 5.2. Olha, o ciclo para o primeiro segmento, como a gente tem um tempo por semana de Educação Física... eu não vejo grandes problemas. As vezes o que acontece é um descompasso na faixa etária... porque tenta se manter o aluno no turno da manhã até quatorze anos. Então eu tenho uma quarta série que tem de dez a quatorze anos. Então dificulta o tipo de atividade que você vai proporcionar para esse aluno porque nem todos tem o mesmo interesse. E aí você quebra algumas práticas que você vem com toda organização e chega na hora a coisa não acontece por causa da diferença de idade. Em relação à aprendizagem de ciclo, eu acho que a Educação Física no primeiro segmento ainda está muito a margem. Por que assim, não que eu faça isso, mas a gente ainda está muito no plano da atividade. Então, assim, num tempo de 45 minutos... eu trabalhei sem quadra esse ano, num espaço desse tamanho, então assim, minha experiência com ciclo... assim, a princípio não senti muita diferença. Não vi. O que eu percebo são os professores discutindo, comentando e falando sobre o que é essa coisa da maior aprovação, da aprovação em partes que as pessoas tem menos dificuldades de entendimento. Eu acho que a dificuldade é a questão da faixa etária. Agora do seriado, a gente está acostumado né. Então, assim, a proposta da Educação Física foi a proposta que eu tive na minha escola, a proposta que a gente ainda lê nos livros, essa coisa bimestral, semestral. A única vez que, numa outra escola estadual, que a gente trabalhou a Educação Física quatro anos por semestre. A gente não trabalhou por bimestre, o que para mim foi muito mais legal. A gente trabalhou, a gente discutiu dois esportes, mas assim, a gente tematizou o tempo todo. Então o esporte ficava meio que... ele deslizava, ele não era ponto principal e isso foi bem legal. Mas eu não consegui trazer essa proposta para essa escola que eu estou agora. 6.1. não tem uma avaliação quantitativa do movimento e do treino. Não tem isso. Não valorizo essa questão do movimento enquanto habilidade. Trabalho com auto-avaliação. Não todo bimestre, mas a cada dois bimestre, com percentual. A participação dele vale nota. Assim, alguns pontos. Tem os trabalhos vinculados à temáticas, então, por exemplo, se a gente está trabalhando com folclore eu passo alguma atividade vinculada ao folclore, seja prática ou seja, é teórica entre aspas. Tem a pontuação dando nota. Agora o meu ponto de vista é muito mais... ainda é uma coisa que para mim não está muito... depois de dez anos trabalhando não é uma coisa que eu investigue, não é uma coisa até que eu me preocupe muito. Eu sei que deveria me preocupar mais, mas me preocupo pouco ainda. Então eu sigo bem aquela coisa de tem que ter alguma coisa para poder... então, assim, para privilegiar o trabalho de equipe. Então a cada bimestre eu passo um trabalho de grupo ou de duplas, trios, com apresentação, apresentação de vídeo, de dança, quer dizer, todos vinculados a essa temática para gerar uma nota e... às vezes eu não estou nem preocupada com essa nota, estou preocupada com o processo do aluno que construiu aquilo ali e como desenvolveu a... a explanação. 6.3. [silencio]. Eu acho que a participação dele espontânea é um canal para demonstrar que a aprendizagem está ocorrendo no sentido da... do estímulo a participar. Porque assim, o aluno do ensino médio, o adolescente, ele resiste e às vezes não quer participar, mesmo. Não adianta você insistir e falar que tem nota que blábláblá que ele não vai, não faz. Então, assim, quando você consegue perceber que o aluno foi modificando a sua postura em relação ao que está solicitado e está querendo participar, acho que é o momento que você percebe que ele está entendendo a sua proposta de trabalho. Primeiro. Segundo... algumas propostas que eu faço para eles de atividades que eles tragam, por exemplo, na parte prática deles construírem jogos e atividades vinculadas ao conteúdo, me mostram ali que ele está entendendo a problemática do que eu estou passando para ele porque está conseguindo desdobrar as questões que eu coloquei para ele para fazer determinada tarefa. Passei uma atividade com folclore onde eles tinham que

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construir uma brincadeira com aqueles elementos do folclore. Então eles pegaram do imaginário e construíram. O que o aluno, a partir dali, teve o entendimento: qual a proposta do folclore e de buscar essa coisa do brincar e do trabalho em equipe. Então eu consegui atingir meu objetivo. E quando tem trabalho de grupo que eu gosto muito de apresentação, seminário vivo, aquela coisa dele dançar, dele cantar, dele brincar, dele jogar, ele tem que fazer coisas lúdicas de entretenimento pro grupo. Quando o aluno consegue falar sobre o assunto sem ler, consegue quando a gente vai discutindo ele vai começando a refletir sobre aquilo e faz interlocução com a prática. Quando ele faz essa mediação teoria e prática é o momento em que eu percebo que o aluno está construindo. Agora isso eu não está sendo medido. O que está sendo medido é... quantitativo, assim, o trabalho "xxxx", o aluno fez isso, isso e isso. A galera participou, pego isso e quanto vale: "x". isso vai para o diário e isso aprova o aluno. Agora em termos de aprendizagem na Educação Física acho que isso fica muito diluído e é a velha discussão de avaliação da Educação Física que eu acho que a gente ainda não conseguiu sair e a gente fica rodeando. O que o aluno aprende realmente, né, efetivamente quando ele sai da Educação Física. Informante 11: a. UGF, em 1990. b. Não. c. Especialização em ciência do voleibol na UGF, 1990 e 1991. d. hoje sou funcionaria do município e por ele não, pois nunca tem vaga para a minha CRE. Quando fui professora do estado eu participei de vários, mas já tem muitos anos. e. Trabalho numa escolinha de voleibol, como personal trainer e já trabalhei com hidroginástica. 1.1. primeiro por intermédio da própria universidade, porque eu faço mestrado na UGF e a cultura corporal do movimento, do período que eu me formei até agora, é uma coisa mais recente. Porque na época em que eu me formei a gente estava muito mais voltado para a Educação Física desenvolvimentista e também peguei aquele da, aquela época da psicomotricidade. E eu fui uma professora que eu fiz normal, trabalhei em uma escola montessoriana, onde a psicomotricidade é totalmente focada, então eu vim desse escola e aí, por eu estar fazendo o mestrado eu tive a oportunidade de conhecer um pouco mais a fundo a cultura corporal de movimento. 2.1. Primeiro, o leque de opções que você tem, que ela te proporciona a desenvolver dentro da escola. Porque você tem condições de focar muito mais coisas do que trabalhar pura e simplesmente o que a gente sabe que a cultura escolar, normalmente o que vem sendo trabalhado ao longo do tempo, que é futebol, futebol, futebol ou então queimado, queimado e queimado. Deixa a criança fazer o que ela mais gosta, mas sem propósito nenhum, nenhum objetivo. Então, isso foi uma das coisas. Outra porque eu faço capoeria, adoro capoeira, quer dizer, a cultura corporal do movimento tem essa parte, cultura corporal, né, tem essa parte das lutas, né, que você tem a oportunidade de estar desenvolvendo com o aluno. Eu acho que isso é muito válido, não só a questão do jogo, como da dança, do esporte em si. Acho que o leque oferecido é muito maior do que o que a gente tinha antigamente. 2.2. Olha, por eu ter falado que o leque é maior acho que já deu uma pincelada, porque eu acho que só o esporte não é favorável. Você tem que procurar trabalhar outras coisas também. Se você for ficar focado numa questão desenvolvimentista, só pela questão do desenvolvimento motor a gente também limita. Se eu for pensar em comparar eu vou sempre colocar ela como melhor por me proporcionar, oportunizar a prática de muito mais atividades do que as outras tendências, abordagens. 3.1. Possui. Assim, a Educação Física foi o grupo que conseguiu finalizar primeiro, junto com direção, coordenação e um outro grupo de professores. Mas, é difícil de elaborar esse projeto, porque a gente vêm, trabalha com um grupo que tem aquela concepção bem tradicional e que não se permite muito abrir espaço para mudanças, para trabalhar focado com outras coisas. As pessoas querem trabalhar com tudo muito certinho, tudo muito prontinho, sem muita produção. É mais complicado, mas a minha escola tem. Apesar de demorar a ficar pronto. 3.2. Olha, tem haver, tá, mas o que acontece é que... tenho que explicar para você entender. Eu trabalho em uma instituição onde o grupo tem, assim, as idéias são bem tradicionais e o grupo é... ocorre assim, a maioria não quer muita mudança, querem trabalhar sempre da mesma forma porque não dá muito trabalho, não querem pensar muito. Inclusive as pessoas ficam batendo de frente com as coisas que vêm da secretaria e que têm que ser desenvolvidas dentro da escola. Então, por esse motivo, eu acho assim, que

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poderia estar muito melhor. Os temas que são desenvolvidos, por exemplo, a gente focou muito a família e a questão do relacionamento dentro da escola. Esse ano foi um dos temas principais que a gente... eu trabalho com uma comunidade que é muito violenta, muita pobreza, então a gente tentou trazer essa questão da família dentro da escola, de estar desenvolvendo projetos junto com eles, até para aproximar mais as crianças, o que ajudou muito, mas infelizmente a coisa só não funciona perfeitamente ou, pelo menos assim, 90 por cento bem porque a gente ainda encontra a barreira de um grupo que não quer mudar. E que acha que não há nem a necessidade de fazer um projeto político-pedagógico, basta fazer um planejamento que já está bom, entendeu. 4.1. A gente, a gente, não. Você diz a equipe de Educação Física? Não, total, total. Da Educação Física é parceria total. O grupo, até porque as três meninas trabalham comigo são todas novas na questão da escola, vieram de academia e... agora completamos quatro anos juntas, então eu como tenho mais experiência consegui, assim, trabalhar isso legal com o grupo. Hoje não, hoje a visão delas é que a forma como a gente trabalha, focando a cultura corporal, realmente deu, assim, fez uma mudança, ampliou o campo de trabalho e a gente tem uma resposta muito maior dos alunos, entendeu. 4.2. Olha, são vários. Os principais dentro de cada item que a gente tem para trabalhar... Primeiro, oportunizar uma prática maior de atividades dentro da área de Educação Física, porque a gente, primeiro bloqueio que a gente teve quando chegou nessa escola foi a questão da cultura daquela comunidade onde as crianças só gostam de futebol. Só gostavam! Só gostavam de futebol e alguns jogos populares mais voltados para aquela realidade deles, né. Então, quer dizer, a própria questão cultura que aí a gente pegou o que eles trabalham, o que eles fazem no seu dia-a-dia, começou a trazer para dentro da escola, oportunizar essa prática diferente de outros esportes, de outras atividades que eles não tinham é, não tiveram oportunidade de conhecer. A gente trouxe e aí, em cima disso, a gente foi focando. Então, primeiro oportunizar essa prática. Segundo, trazer da cultura deles e inserir no nosso contexto de trabalho. E aí, outro objetivo que a gente tem, assim mesmo, é a questão da socialização das crianças, digo assim, palavras-chaves para poder estar explicando melhor, até por ser um grupo difícil de se trabalhar, né. A gente tem alunos envolvidos no tráfico e crianças com muito pouco oportunidade de vida. Poucos ali vão realmente terminar e dali vão partir para alguma outra coisa. Acho que aquela é a última etapa de alguns, então a gente tenta levar para eles uma perspectiva de uma qualidade de vida melhor, entendeu. Seria assim os três objetivos principais. 4.3. Dentro da cultura corporal? Aí, os jogos. Que aí a gente engloba todos os jogos populares, os tradicionais, dentro do que a gente conhece, dentro do que eles conhecem. Então a gente a cada ano faz auto-avaliação. As crianças falam do trabalho da gente, trazem idéias de coisas que podem ser trabalhadas no ano seguinte [interrupção] A dança, trabalhando o folclore e dança, assim, o popular porque hoje a gente tem uma influência aí do funk, o próprio samba é uma coisa que a gente procura trabalhar porque a gente também trabalha a capoeira, tá. Então dentro das lutas a gente privilegia a capoeira, mas nada impede que futuramente estejamos trabalhando alguma outra dentro desse contexto. Tem os esportes também. Aí são todos que a gente trabalha normalmente. 4.4. A gente varia, mas quando, no início do ano, a primeira semana de Educação Física é sempre na sala. A gente conversa com as turmas, fala sobre... quando é uma turma que já foi nosso no ano anterior, a gente pede para eles, em grupo, decidam ali o que eles gostariam de estar trabalhando, mas sempre a gente dando uma pincelada de acordo também com a nossa disponibilidade, tanto de material quanto do espaço para trabalhar. Mas a gente procura dar continuidade ao que não foi trabalhado ou ao que foi trabalhado muito pouco, mas sempre levando em consideração a opinião do aluno, a opinião do grupo, o que eles têm vontade trabalhar, o que eles gostariam de trabalhar e não foi trabalhado, então, nesse sentido a gente procura ouvir muito o que o aluno tem para passar pra gente. 4.5. Olha, (risos) eu trabalho de CA à quarta série, porque a escola é uma escola de primeiro segmento do ensino fundamental. Então, quando são dos menores, a gente, assim né, espera que essas crianças cheguem com uma certa maturidade motora para poder desenvolver um conhecimento do corpo legal. Hoje, os nossos alunos que nós vamos pegar, por exemplo, no ano que vem, são alunos que já estão conosco a três anos. Então, a gente agora está começando a colher frutos. Até mesmo na questão na concepção do que vai ser ensinado. Hoje a gente tem crianças que gostam do basquete, que gostam do voleibol, que é o esporte menos trabalhado na escola, que gostam do handebol, que gostam da capoeira, da dança, sem aquele olhar preconceituoso, porque "Ai! Isso é coisa de menina, isso é coisa de menino". A gente desmistifica isso pra caramba, porque eles trabalham juntos. Então, a gente procura, assim, quem vem de outra escola, a gente quer que pelo menos tenha o mínimo, né, que é uma boa estrutura, um bom trabalho de corpo, que seja bem desenvolvido, que tenha uma expressão corporal, uma coisa já trabalhada. Dos pequenininhos mais essa noção aí, e vou focar muito, um pouco, conteúdos da psicomotricidade. Que é esquema corporal, noção e espaço temporal, que é muito importante para eles se desenvolverem no

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restante. Agora, quem já é da nossa escola já está inserido nessa forma de trabalho da gente, da cultura corporal. Então hoje, quem a gente for pegar ano que vem, que a gente já está terminando o ano, são crianças com uma concepção diferente. Que já não vão estar focados só naquela realidade de jogar uma bola e faz o que você quer. Hoje a coisa já é mais diferente. 4.6. Olha, a coordenação, a agilidade. Muito. Demais da conta. Coordenação e agilidade para mim, todas as aulas... e lateralidade. Eu estou sempre focada nisso, porque a gente tem turma de progressão, a gente tem crianças que são completamente... trabalha a inclusão mesmo. Então você tem que estar sempre ampliando o esquema. Agora esses três conteúdos eu trabalho muito, independente da aula que seja, do tema que seja trabalhado, sempre eu estou focando isso. E, levando em consideração pro lado mais assim de conteúdo atitudinal, eu tenho muita preocupação do respeito, entendeu. De saber compartilhar, auxiliar os amigos nas atividades, porque como é uma comunidade muito violenta, a gente lida com isso o tempo inteiro. Então, basicamente, esses quatro são mais, assim, vai ter em tudo. Em tudo que a gente estiver fazendo esses quatro serão trabalhados. 5.1. Ciclos. 5.2. Não, para gente não afeta. Só atrapalha para você compreender mesmo, poder lembrar o que aquela turma representa. Se a gente for pensar o que é primeira série, quarta série. Acho que foi uma mudança assim, que as pessoas ainda não estão, como é que eu vou dizer para você, a cabeça da gente ainda não está trabalhando bem o que significa cada um, porque cada hora chega, agora já vai mudar de novo, porque vão ser nove anos, né, agora vão passar para nove anos. Mas a gente só tem que se adaptar, porque, na verdade o que eu vejo, assim, é uma nomenclatura que, claro, na hora da aprovação aí você isso mais focado nas discussões que você tem que resolver, se aprova ou se não aprova, se vai ou não vai, como é que fica. Mas eu considero que atrapalhe. Atrapalha assim, quando você tem uma criança que esta totalmente desconexa com a faixa etária e que tem que estar naquele grupo dali e que, de repente, ela tem "n" etapas queimadas e a gente tem que estar botando tudo isso dentro do grupo para favorecer essa criança também. 6.1. Bom, a gente tem o hábito de todo final de aula sentar para conversar como foi essa aula, né, se eles gostaram, se não gostaram. O que eles aprenderam daquela aula. Se tem haver com alguma outra aula que a gente já trabalhou. Estar sempre realizando o feedback e... temos sim um esquema de avaliação que a gente trabalha em duplas e as vezes em trio e isso oportuniza a gente estar visualizando mais as crianças que têm dificuldades e tal. Não vê só a massa. Então, em cada aula, dependendo do que estiver sendo trabalhado, a gente está sempre avaliando, mas levando em consideração que a habilidade não é critério de avaliação nossa. Quais são os critérios? Os critérios que a gente trabalha, o primeiro é a participação. A gente faz de tudo para que todos participem, que respeitem os colegas durantes as atividades que estão sendo realizadas, que eles tragam, que a criança tenha essa oportunidade de criar em cima daquilo que está sendo trabalhado, dela trazer da sua cultura do dia-a-dia para dentro da escola o que a gente pode estar ampliando esse trabalho dentro do nosso planejamento e...a questão da socialização, do respeito também está focado. A habilidade, se tivesse que dar um conceito, que a gente não dá. A gente deixa que eles tenham e a gente conversa com eles a respeito disso, a habilidade não está, em momento algum é critério de avaliação para gente. 6.3. Bom, aí ele tem que prestar atenção nas aulas. A atenção é uma coisa, entendeu. Ele tem que ter essa... ter um jogo de cintura para poder estar adaptando com o seu grupo, com a sua participação dentro do grupo de uma forma adequada... é porque a gente não tem uma coisa meio que relacionada ali para a gente poder trabalhar, mas num contexto de participação seria auxiliar, principalmente auxiliar os colegas durante as atividades. Dentro do conteúdo trabalhado a gente espera que ele chegue né, ao final que seja do bimestre, dominando aquele conteúdo para que, no futuro, ele possa estar praticando aquele esporte, ou aquela luta, ou aquele jogo de uma maneira mais dinâmica, entendeu. Para que ele consiga, sei lá, se amanhã for um desejo ou vontade daquela criança se dedicar àquela determinada atividade no futuro, entendeu. Mas a gente prima também, entre aspas, a questão da qualidade de vida. Dele estar praticando uma atividade de uma forma até para ajudar na saúde dele quando ela estiver focada para isso.