SILVA, Joselina - I Encontro Nacional de Mulheres Negras

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  • 8/16/2019 SILVA, Joselina - I Encontro Nacional de Mulheres Negras

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    Joselina d Silva

    Amauri Mendes Pereira

    · Organizadores)

    Movimento de Mulheres Negras:

    escritos sobre os sentidos

    de

    democracia

    e justic;a social no Brasil

    Ana Cristina

    Conceic;ao Santos

    Amauri

    Mendes

    Pereira

    Georgina Helena Lima Nunes

    Ivan Costa Lima

    Janaina Damaceno

    Joselina da

    SUva

    Kia Lilly C aldwell

    Lady

    Christina de Almeida

    Maria Aparecida

    Silva

    Belo Horizonte - 20

    4

  • 8/16/2019 SILVA, Joselina - I Encontro Nacional de Mulheres Negras

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      Encontro

    Nacional de Mulheres

    Negras: o pensamento das

    feministas

    negras na

    decada

    de 1980

    Joselina da Sllva

    Universidade Federal do eara

    Os

    anos 1970 e 1980 apontam para o surgimento de grupos or

    ganizados em quase todo o pais: Rio de Janeiro Aqualtune, Lu

    zia Mahin, Grupo de Mulheres Negras

    do

    Rio de Janeiro, Nzinga

    Coletivo de Mulheres Negras, Centro de Mulheres de

    Favelas

    e

    Periferia); Sao Paulo Coletivo de Mulheres Negras de

    SP,

    Coleti

    vo de Mulheres Negras da Baixada Santista, alem de organiza¢es

    existentes

    na

    periferia de Sao Paulo); Bahia Grupo de Mulheres

    do MNU, Grupo de Mulheres do Calabar e outros); Maranhao

    Grupo de Mulheres Negras Mae Andreza) etc. Em termos insti

    tucionais, vamos encontra-las

    no

    Conselho Nacional e nos Con

    selhos Estaduais e Municipais da Mulhe r destacando-se a

    Co-

    missao de Mulheres Negras do Conselho Estadual da

    Condil ::io

    Feminina de SP) .. Enquanto isso, a nivel internacional, sua pre

    sen ? se

    £ z

    visivel nos encontros e congressos, argurnentando e

    conseguindo intro duzir a dimensao racial nas analises feministas.

    Ulia

    Gonzales

    s

    informa¢es contidas nesta longa

    i t ~ o

    comportam pen

    s c

    que,

    num

    perlodo

    de

    intensa

    n i c i p ~

    da sociedi de civil e

    do

    femfnismo em

    geral,

    as

    mulheres negras estavam. inseridas

    na

    seara

    dos movimentos sociais daquele deceruo. 0 Movi ment o

    de

    Mulheres

    Negrasbrasileiras contabiliza, nos elias atuais, presens:a em grande par-

    te dos estados da

    e d ~ o

    indo

    de

    ONGs mais intemacionalmente

    conhecidas a grupos organizados em tomo de entidades mistas.

    1

    1

    Vcr mai.s informa.;iies oo hnp://www.amnb.org.br/site

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      MOVIMENTO DE

    MULHERES

    NEGRAS

    Paraldamente, constata-se, ainda hoje, por parte de progra

    mas diversos- notadamente na rede dos NEABs- a r e s e n ~ de urn

    grande

    s f o r ~ o

    no sentido de estimular maiores pesquisas dedicadas

    aos movimentos sociais negros, precipuamente com o recone de ge

    nero.

    No

    en anto, percebemos a ausencia de urna robusta bibliogra

    fia, voltada a dialogar teoricamente, a respeito das mulheres negras e

    o seu pensamento,

    em

    diferentes tempos hist6ricos. Paralelamente,

    diversos tern sido os estudos sobre o movimento feminista no Bra

    sil, dedicados aos seus prim6rdios organizativos. Em nlimeros mais

    modestos - porem crescentes - encontram-se os trabalhos que se

    prop6em a analisar o Movimento Negro. Contraditoriame nte, pou

    co se tern publicado sobre

    as

    inlimeras oponun idade s organizativas

    do I E ncontro Nacional de Mulheres Negras (I ENMN .

    Nesta dire«;:io, este texto se prop6e a contribu ir para a atra«;:io

    de interesses de pesquisa e produ«;:io neste ambito. Nosso intuito e

    abordar urn dos momentos referenciais para a organiza«;:io das

    mu

    lheres negras brasileiras, o seu I Encontro Nacional, ocorrido em

    dezembro de 1988, construido por urna ampla anicula«;:io nacio

    nal de mulheres oriundas das cinco regi6es do Pais.

    3

    Esta reflexao

    surge, tambem,

    da

    necessidade de comungar experiencias vividas e

    compartilhadas eor e com urn grupo de mUlheres ativistas dos anos

    1980 no Rio de Janeiro.

    Diversos,

    ponanto,

    podem ser os recones quando se preten

    de abordar fatos referentes ahist6ria social, nota

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    'I

    i

    I

    I

    ;

    '

    I

    I

    ;

    :

    i

    0

    MOVIMENTO DE MULHERES NECR S

    surgimimto

    se

    dio paralelo

    a

    expansidn

    de

    un

    amp_lio y

    heterogineo

    movimimtopopular

    de mujeres expresando

    las difermtes

    formas

    m

    que

    las mujeres comenzaban a mtmder

    conectar

    y

    actuar

    sobre su

    situacidn de subordinacidn y exclusidn. (VARGAS, 2002, p. 202)

    Por esta 6tica,

    as

    epfgrafes nos trazem

    as

    tens6es presences

    no feminismo em esferas

    para

    alem das fronteiras brasileiras. Antes

    de prosseguir, acredito que seja imperioso contextualizar aqueles

    como os anos em que as discuss6es sobre e pelas mulheres cam

    peavam nos diversos cen:irios nacionais. Foi urn perfodo marcado

    peio ressurgimento e maior poder de r t i c u l a ~ o e i s i b i l i z a ~ o dos

    movimentos feministas e seu ide:irio, baseado, sobretudo, no prin

    dpio de transformar o privado em publico e vice-versa. Revertia-se

    em palavra de ordem a expressao

    0

    "pessoal e politico". Este

    slogan

    tornou-se marco da segunda onda do feminismo

    4

    • Tratava-se de

    pensar que 0 cotidiano, no ambito das esferas domesticas e/ou pes

    soais, nao estava apartado da vida social e das

    r e l a ~ 6 e s

    de poder

    nele contidas. Logo,

    as

    conex6es entre os sexos, sobretudo repre

    sentadas pelas desigualdades entre

    eles,

    epermeada pelos amoitos

    publico e privado. {C£ OKIN,

    2008}

    Urn grande momento, em esfera internacional, constituiu

    se

    urn demarcador de

    m o b i l i z a ~ 6 e s

    no interior das fronteiras

    nacionais brasileiras. Refiro-me ao Ano lnternacional da Mulher,

    promovido pela

    O r g a n i z a ~ o

    das

    N a ~ 6 e s

    Unidas {ONU) em

    1975.

    Embora ocorrido na decada anterior, foi nos anos

    1980

    que suas influencias foram melhor observadas no Brasil.

    Em

    consequencia, v:irias atividades tiveram lugar

    em

    diferentes

    cidades do Pais, dando luz aos debates sobre direitos e cidadania

    para

    as

    mulheres. Estimulava-se, desta forma, a c r i a ~ o de

    iliferentes grupos.

    s

    ruas,

    p r a ~ a s

    sindicatos, universidades,

    bern como as esferas governamentais, foram, em grande medida,

    apoderados pelas mulheres organizadas e suas refiex6es:

    No

    Brasil, o a v a n ~ o do Movimento de Mulheres desde 1975,

    pode ser avaliado na participac;:io cada vez maior de mulheres

    nos IX Encontros Nacionais Feministas, na criac;:io do Conselho

    • Para

    maiorcs

    rdlcx6es

    sobrc o tcma, sugcrimos: Okin, Suzan Moller. Genera, o publico c o

    privado.

    evista

    cstudos

    feminisau.

    V. 7. Florian6polis,

    n.l 2

    (199).

    jOSELIN D SILV a M URI MENDES PEREIRA (ORcs.)

    Nacional dos Direitos da Mulher e de mais 26 Conselhos Esta

    duais e Municipais com a mesma finalidade e das Ddegacias de

    Mulheres. Estas organiza¢ es caminham no sentido de sensibili

    zar setores nacionais, a fun de formularem-se politicas publicas

    que visem a reduzir as desigualdades entre homens e mulheres

    na

    nossa sociedade, na med iaa em qu e escudos tern COII).provado

    q _ ~ e

    quanto mais organizadas

    as

    mulheres maior o atendimento ..

    lNZINGA, 1988)

    Ha

    urna tendencia, na literatura que aborda

    as

    quest6es rela

    tivas ao Movimento de Mulheres Negras, nos anos

    1970 e 1980, a

    classificar

    as

    feministas" como

    se

    fossem urn grupo homogeneo e

    de ideologias iguais. Embora nao se percebam OS oebates e

    as

    con

    tendas em

    r e l a ~ o

    ao Movimento de Mulheres Negras nesses tra

    balhos, pode-se, notadamente, compreender

    as

    inHuencias e

    vis6es

    pollticas e ideol6gicas, permeando grupos e

    lideranfi:35.

    Assim, em

    1975,

    surge o CMB (Centro da Mulher Brasileira) no Rio de Janei

    ro. Uma primeira dissidencia fez surgir o Coletivo de Mulheres

    em

    1979. Do s

    anos mais tarde, urna s ~ d cisao leva a

    r i a ~ o

    do

    SOS Mulheres. (C£ SOIHET,

    2007)

    0 retorno das exiladas (so

    bretudo da Europa e dos EUA) trouxe novas

    c o n t r i b u i ~ 6 e s

    ao mo

    vimento no Rio oe Janeiro, 0 que ajudou a diversificar ainda

    mais

    as

    mwtiplas vis6es sobre

    0

    feminismo e

    as

    formas

    de_ i m p l e ~ e n t a r

    sua pnixis. Havia, portanto, tens6es sobre olhares diferenoados a

    serem seguidos pelo movimento ja desde

    os

    anos

    1970.

    A decada seguinte marcou a r e a l i z a ~ o e expansao dos En

    contros Nacionais Feministas em diferentes regi6es do

    Pais,

    carre

    ando urn nlimero cada vez maior de mulheres para o ambito das

    discuss6es. Assinalou, tambem, a sua a p r o x i m a ~ o e inclusao nas

    agendas dos partidos

    o l i ~ c o s como

    surg mento c o ~ t e s femini

    nos. Ampliaffi-se

    as

    reflexoes sobre

    as

    mulheres no mteno r de alguns

    sindicatos e s s o c i a ~ 6 e s de moradores, so para citar alguns. Surgem,

    nesse periodo, os conselhos. 0 primeiro foi o Conselho da Con

    d i ~ o

    Feminina do Estado de-Sao Paulo, criado em

    1983

    e, pouco

    d e ~ i s o CNDM (Conselho N a c ~ o n a l dos Direitos da ~ ~ e r }

    criado em

    1985.

    Era a questao de genero e a agenda do femuusmo,

    entao sendo inserida no ambito do Estado.

    Fortemente inHuenciado pela academia estadunidense, no

    vos

    lugares de reflexao, analises e pesquisas - estabelecidas a par tir

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    I

    MOVIMENTO DE MULHERES NEGRAS

    daqude

    decenio - foram OS nucleos de estudos de genero

    em

    v:irios

    programas de universidades brasileiras. Reflex6es acumuladas desde

    a decada anterior sabre a questao das violencias contra

    as

    mulheres

    dao Iugar a onstituir;:io da ddegacias especializadas para

    as

    mulhe

    res, sendo a primeir a na Capital Paullsta

    em 1985.

    Ampliava-se o

    es_pac;:o

    para se discutir

    em

    torno das quest6es

    ligadas

    a

    sexualidade feminina. Assim, temas

    como

    aborto, con

    t r c e ~ o e seus direitos, bern como prazer - que antes eram

    da

    seara

    do

    privado e,

    por

    conseguinte,

    nao abordidos

    publicamente

    - tornaram Iugar de referenda na sociedade. Todos incentivados a

    partir de urna nova visao apresentada notadamente pdo feminismo

    internacional. Mediante esta breve apresentac;:ao, pode-s e observar

    que

    a questao das mulheres era parte integrante

    de vcirias

    agendas,

    fossem clas politicas, intde ctuai s

    ou

    ativistas. Naquda conjuntura, a

    discussao voltadaa acialidade na sociedade brasileira,

    ainda

    menos

    a intersedonalidade entre

    rac;:a

    e genera, ocupava

    espac;:o

    lnfimo

    na

    agenda feminista.

    caminho do I Encontro Nacional

    e

    Mulheres Negras

    Falar daquele encontro, a

    partir

    de urna perspectiva das

    mulheres

    negras

    do Rio de

    janeiro-

    ja que

    ele e

    de muitas outras

    de

    diferentes estados - e, antes

    de tudo, abordar

    o I

    Encontro

    Estadual de Mulheres

    Negras,

    ocorrido em 1987. Em 1983,

    houve

    tambem o

    Encontro de

    Mulheres Negras, organizado pelo

    GMN

    (Grupo de

    Mulheres Negras

    do Rio

    ae Janeiro)

    sob

    a co

    ordenac;:ao

    de

    Adelia Azevedo, Abgail Pascoa, Joselina da Silva,

    Mary

    Isabel e

    Vik

    Birkbeck,

    entre

    varias outras.

    No mesmo ano,

    e criado o

    Nzinga-

    Coletivo de Mulheres Negras (CALDWELL,

    2008},

    que tinlia

    Lelia Gonzales

    como uma de

    suas fundadoras.

    A cidade ve nascer

    tambem,

    o Centro

    de

    Mulheres Negras de Fa

    vela e Periferia,

    que liderou

    o I

    Encontro de

    Mulheres

    de

    Favela

    e Periferia

    em

    1983,

    fruto

    de

    pequenos encontros

    e reuni6es,

    em

    varios bairros e cidades do Estado.

    Uma

    das

    prindpais

    caracteristicas

    do

    I Encontro Estadual

    de

    Mulheres Negras

    do

    Estado

    do

    Rio de Janeiro foi garantir, pela pri

    meira vez

    no

    Pais,

    que

    apenas mulheres afrodescenaentes pudessem

    compartidpar.

    Os

    homens - negros ou brancos - e

    as

    mulheres

    )OSELINA DASILVA •

    AMAURI

    MENDES PEREIRA 0RGS.)

    brancas foram vetados de partilhar do evento. Dito de outra forma,

    embora recebendo aportes financeiros oriundos de entidades, par-

    lamentares e organizac;:6es feministas brancas, aquela se constituia

    nurna oportunidade de

    introspecc;:ao organizativa. Para

    as

    mulheres

    negras, se fazia necessaria estar entre suas iguais. Entendia-se, na

    quela conjuntura,

    que

    as mulheres lutavam e deveriam ser visibili

    zadas

    como

    sujeitos politicos nos diversos movimentos sociais e

    na

    sociedade

    em

    geral. Esta, certamente, era urna atitude desafiadora a

    epoca. Tensoes oriundas de alguns setores do movimento feminista

    ai:abaram repercutindo nas cllicuss6es internas

    do

    encontro.

    Outro

    grupo que teve dificuldades iniciais de reconhecer a

    legitimidade

    de

    urn encontro apenas

    com

    a

    presenc;:a

    de mulheres

    negras era constituido por alguns lideres tradicionais do Movimen

    to Negro. No entanto, autonomia era a palavra de ordem. Isto e

    era imperioso, pa ra

    aqude

    grupo, a

    constituic;:3.o

    de uma fala e

    de urn espac;:o proprio fossem poss1veis de ser compilados a partir

    de

    uma independencia,

    em rdac;:ao

    aos homens , mUlheres brancas,

    partidos politicos ou mesmo insclncias governamentais.

    Uma

    expressiva articulac;:ao

    de

    mulheres negras

    do

    Rio

    deJa

    neiro - inicia.Imente lideradas

    por

    Sandra

    Bdo, com

    a partidpac;:ao

    de Joana Angelica, Antonia Nolasco, Joselina da Silva, Maria Jose

    Silva, Neusa Clas

    Dares

    Pereira, entre

    vcirias

    outras - organizou o I

    Encontro Estadual de Mulheres Negras

    em

    1987, nas dependencias

    do Centro de Formac;:ao de

    Lideres, na cidade

    de

    Nova

    Iguac;:u

    (RJ).

    A

    esse respeito se referia Lelia Gonzales no jornal

    Maioria Falante:

    Dais

    encontros estaduais foram organizados:

    em

    Sao Paulo e

    no

    Rio de Janeiro (este Ultimo,

    em

    novembro de 1987, teve extraordi

    naria participac;:ao, sabre tudo que se pensa no nivel das discuss6es.

    (C£

    GONZALEZ,

    1988)

    A

    preparac;:3.o

    do encontro, q_ue durou quase urn ano, organi

    zou reuni6es, debates, seminaries, festas, oficinas, mesas redonaas e

    mini-cursos em diferentes bairros da cidade e em municipios diver

    sos

    do

    Estado

    do

    Rio

    de

    Janeirp.

    Por

    vcirios

    meses,

    em

    comunidades

    e cidades perifericas da Capital, as integrantes foram sendo inseridas

    no

    decorrer

    de

    reflex6es e grupos

    de

    estudos,

    que

    precederam o en

    contra. Essa performance fez 3largar consideravelinente, o nt1mero

    de

    integrantes nas v:irias corniss6es, garantindo mais

    de

    duas cen

    tenas de participantes durante o conClave. Pedrina de Deus, atenta

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    .

    I

    .:

    I

    0 MOVIMENTO

    E

    MULHERES NEGRAS

    articulista e liderans;a

    do

    movimento desde a decada anterior, assim

    se referia ao evento,

    nurn

    artigo

    no

    jornal

    Maioria

    alante {1988):

    Confesso que

    fui

    ao Encontro de Mulheres Negras psicologica

    mente preparada para mais um desgaste. Disc utir nossas quest6es

    de

    ra'?

    em

    publico sempre nos reserva algum desgaste. Mas foi

    gratificante Para se ter uma ideia da dimensao do evento, mais

    de 200 mulheres negras compareceram ... Aprendemos que as

    mulheres negras tem a essencia de

    t r a n s f o r m a ~ ? o

    em suas maos.

    0 modelo de desempenho que ocorreu no Encontro Estadual

    de Mulheres Negras me apon ta um a nova mulher negra e,

    infa-

    livelmente um novo Movimento Negro. Elas ocuparam o e s p ~

    feminista, com rara cltica revolucionaria. (DEUS, 1988)

    · Percebe-se, portanto, que aqudes eram anos ferteis de articu-

    l ~ o e o r g a n i z a ~ o social daS mulheres negras

    no

    Estado. Exemplo

    do que apresento e 0 futo de, exatamente naqude momenta, tres

    mulheres oriundas

    do

    movimento - sendo urna atuante

    no

    movi

    mento de &vela e outras duas do GMN {Grupo de Mulheres Ne

    gras)

    do

    Rio

    de

    Janeiro-

    terem ido a Lima,

    no

    Peru, participar

    ao II Encontro Feminista

    da

    America Latina. A decada anterior ja

    testemunhava a

    c o n s t i t u i ~ o de

    urna consciencia feminista

    por

    par

    te das mulheres negras

    no

    Rio de Janeiro, como apontado

    por

    Lelia

    Gonzales: Os anos seguintes presenciaram o surgimento de outros

    grupos

    de

    mulheres negras {como Aqualtune, 1979; Luiza Mahin

    em

    1980; e Grupo de Mulheres Negras do Rio de Janeiro,

    em

    1982)

    gue,

    de

    urn

    modo

    ou outro, foram reabsorvidos pdo movimento."

    {GONZALEZ, 2008)

    0 processo politico e emocional que nos levava a organizar o

    I Encontro Estadual, nos fez desejar ir a Garanhuns {PE) participar

    do

    IX Encontro Nacional Feminista. A comissao organii.adora do

    I Encontro de Mulheres Negras

    do

    Rio de Janeiro, que la esteve,

    era composta

    por

    Sandra Belo,

    Antonia

    Ines Nolasco, Regina

    Cafe, Joana Angelica e Joselina

    da

    Silva.

    Nao

    dispUnhamos de

    recursos. Conseguirnos ser inseridas nurn onibus, ori?;anizado pdo

    movimento feminista, que sairia

    da

    Assembleia LegiSlativa

    do

    Rio

    e levaria

    as

    mulheres

    para

    a Serra Pernambucana. Apos cerca

    de

    quarenta horas de viagem, chegamos, ainda, na tarde de abertura

    @

    20@)

    )OSELINA

    DASILVA • AMAURI MENDES PEREIRA 0RGS.)

    do

    evento. InUm.eras congratulas;oes e abra'(Os festivos comportaram

    aquele momenta. Muitas nao se conheciam, outras nao se viam

    desde

    as articula¢es

    dos encontros

    de

    Negros

    do Norte

    e Nordeste

    ou de encontros feministas.

    Ja no

    primeiro dia, as mulheres negras

    presentes perceberam a ausencia dos temas

    da ras;a

    e racimos na

    pauta principal

    do

    referido evento. Sobre aqude

    momenta,

    assim se

    refere Sandra Bello, mais

    de

    duas decadas apos:

    A quest:io de dasse estava entre nos. Mu itas mulheres nao aceita

    vam que mulheres negras com

    um

    outro perfil periferico, auto

    noma, suburbano, favelado estivessem a rente do movimento.

    Que fossem a vanguarda daquela R e v o l u ~ ? o . Que estavam pra

    ticando tese (nao formulando apenas) de ruptura com o euro

    centrismo Feminista. Rupt ura com o maternalismo .. onde as fe-

    ministas definiam cotas de p a r t i c i p a ~ ? o de Mulheres Negras nos

    Encontros. Muitas se acomodaram nessa

    c o n d i ~ o

    pois acre

    ditavam estar representando as Mulheres Negras. Todos os anos

    era a mesma coisa e

    as

    mesmas pessoas nos definindo e determi

    nando quantas poderiam participar. As oficinas que se encerra

    vam nelas mesmas...

    r e f o r ~ ? f i d o

    teses distanciadas

    da

    maioria ..

    Ao inves de redamarmos, nos organizamos, fomos quebrando

    os sorrisos simpaticos do maternalismo e passamos a rejeitar ..

    Por isso, fomos chamadas de agressivas, malucas etc. . . daro

    quando se desafia o poder.

    5

    Aqude

    era urn momenta em que a tecnica da linha da vida

    era

    muito

    utilizada pdo movimento feminista

    o

    de mulheres ne

    gras

    com

    algtllll:l frequencia se valia

    dda. Josdina da

    Silva sugeriu,

    ent:io, aSandra Bdo - figura de grande e referencialliderans:a na

    quele momenta

    -

    que

    organizasse

    uma

    oficina

    com

    a citada me

    todologia como forma de reunir

    as

    mulheres negras ali presentes.

    A estrategia foi realiz:i-la

    nurn

    lugar

    de

    visibilidade,

    onde

    todas as

    presentes pudessem perceber sua ocorrencia. Assim, na pergula da

    principal piscina

    do

    hotd,

    comes:amos a nos reunir. Paulatinamente

    e nos dias sucessivos, mulheres negras, oriundas das cinco regioes do

    5 Sintese de mensagens via e-mail po r Sandra Hdc:na Tom:s Bello - hoje residence na Ale-

    manha- mediante nossa s o l i d ~ para que se pronunciasse sobre o IENMN, em 12 de

    Janeiro de 2 0 12.

    @) 21@)

  • 8/16/2019 SILVA, Joselina - I Encontro Nacional de Mulheres Negras

    7/15

    ·

    0 MOVIMENTO

    DE

    MULHERES NECRAS

    Pais, comer;:aram se assomar ao grupo. A tecnic:a

    da

    Linha

    da

    Vida

    pressup6e depoimentos divididos

    por

    momentos diferentes das eta

    pas existenciais de

    c ada

    participante.

    Chocava-nos perceber que

    faixa

    eclria, posilfio geogcifica, Iu

    gar social, formalfio academica, ou mesmo

    tom

    de pele (mais claras

    ou

    mais escuras), enfim, nada obsraculizava a ac;:ao dos racimos e

    sexismos sobre

    c:ada

    urna de nos. As hist6rias eram muito asseme

    lhadas. Mesmo quando o relato se referia a tenras idades.

    Ligrimas

    de tristeza, contentamento, emos:io ou revolta foram vertidas

    em

    grande quantidade,

    naqudas

    manhas

    ou

    rardes

    no ano

    de 1987,

    em Garinhuns

    (PE). Para muitas, era a primeira oport unidade de

    publicizar experiencias

    de dor

    ou jubilo, ocultadas e silenciadas

    por

    raz6es as mais diversas, ten do sempre a ras a como subsidiaria.

    As mulheres negras oriundas

    do

    Rio

    de

    Janeiro -

    que

    haviam

    ido ao conclave, objetivando estimular urna

    articulac;:3.o com vias

    a

    organizar urn encontro nacional de mulheres negras - foram toma

    daS de surpresa. Ativistas de outros esrados tambem esravam ali com

    o mes mo prop6sito, sobrerudo as de Sao Paulo (Capital e Santos) e

    algumas do Nordeste.

    Os

    encontros produzidos

    pda

    oficina

    da

    inha

    da

    Vida

    perfi

    zeram urn caldo cultUral e politico para as primeiras reunioes, clan-

    do

    vez ao nascedouro

    do

    I

    Encontro

    Nacional

    de

    Mulheres Negras

    IENMN),

    planejado para o ano seguinte. Assim, alem

    da

    oficina,

    passaram a ocorrer, durante o IX Encontro Nacional Feminista, as

    coalizoes para o que viria a ser o IENMN. Toda esta movimenrac;:ao

    propiciou urn cliina de certa animosidade no interior do evento. As

    mulheres negras -

    embora

    sem destaques

    no

    tem:irio -

    ganharam

    Iugar de visibllidade, sendo

    por

    vezes tachadas de fomentadoras de

    cisOes por

    parte de

    algt.J?la5

    das feministas mais hist6ricas

    no mo

    vimento. T:ilvez esta tenha sido a razao pda qual,

    em

    novembro de

    1988 (mais

    de

    urn

    ano

    ap6s}, o Boletim I

    do IENMN

    trouxesse

    as

    seguintes

    afirmac;:6es no

    seu editorial:

    Gastariamas de deixar clara que naa enassa

    i n t e n ~ a

    pravacar

    urn racha nos movimentos sociais como alguns nos acusam.

    Nosso objetivD eque n6s, mulheres negras, comecemos a criar

    nassos pr6prios referenciais, deixando de alhar a mundo pda

    6tica do h o m e ~ tanto o negro quanta o branco, ou da mulher

    branca. (IENMN, 1988) '·

    jOSELINA DASILVA

    • AMAURI

    MENDES

    PEREIRA

    ORCS

    .)

    0 IX Encontro Nacional Feminista j:i continha, em si,

    urn cerro qu ntum

    de

    tensao. Note-se

    que

    est:ivamos nos anos

    1980, onde

    ainda

    se via presenc;:a

    importance

    dos

    movimentos

    das CEBs

    6

    • Assim, urn

    numero

    referendal ou significative

    de

    mulheres oriundas dos movimentos cat6licos e rurais integrava o

    grupo

    das participantes. Seus cantos- ouvidos com frequencia,

    em meio

    s palestras das lideres feministas - e suas falas pautadas

    pela Teologia da Libertac;:ao eram, naquele

    momento,

    algo

    pouco

    entendido pelas feministas mais cl:issicas,

    que

    hi estavam. Algu

    mas vezes, Clesabafos

    eram

    ouvidos

    pelos

    corredores,

    que

    preco

    nizavam o fim

    do feminismo no

    Pats.

    Nesta ambiencia,

    portanto,

    as reivindicac;:oes colocadas pe

    las mulheres negras acabavam por ser interpretadas como mais

    urna seara

    de

    contenda.

    Por outro

    lado,

    eram

    o ecoar das

    deman

    das

    de

    urn grupo,

    que h:i muito

    se via alijado dos processos de par

    ticipac;:ao nas lucas contra o sexismo. Vale lembrar que, janos anos

    1970,

    esta era urna demanda presence na pauta do Movimento de

    Mulheres Negras e

    que

    propiciava choques de visao, pensares e

    ideologias conforme pontuado por Abdias do Nascimento

    (1978):

    m 1975, quando as

    feministas

    ocidentais se reuniram na

    s s o c i a ~ o

    Brasileira de Imprensa para comemorar o Ana

    lntemacianal da Mulher, das ali compareceram e apresentaram

    urn docurnenta em que caracterizavam a s i ~ de apressaa e

    e : x p l a ~ a da mulher negra. (NANSCIMENTO, 1978, p. 61-62)

    Nurn

    texto acidamente critico

    em relac;:ao

    ao pensamento

    e a eoria feminista estadunidense, Bell Hooks (2000) volta-se a

    constituic;:3.o do

    referido movimento e o perfil das mulheres que o

    conformam. A aurora denomina urn seleto grupo de mulheres com

    terceiro grau,

    de

    classe

    media

    e

    media

    alta, casadas, donas de casa

    entediadas

    com

    o lazer, a c:asa as

    crianc;:as

    e as compras, desejosas

    de obter

    mais

    de

    suas vidas 7.

    N ~ t e

    mesmo sentido, Hooks aponta

    que aqudas

    senhoras

    nao

    atinavam para o faro

    de que

    a

    liberrac;:ao

    que propugnavam representava a inserc;:ao

    em

    seu Iugar, de outras

    • Comunidades Eclcsiais de Base:.

    7

    Tradut;ao

    livre: da aurora.

  • 8/16/2019 SILVA, Joselina - I Encontro Nacional de Mulheres Negras

    8/15

    I

    l

    ·I

    I

    I

    .,

    .

    I

    I

    I

    0

    MOVIMENTO

    DE MULHERES NECRAS

    mulheres que desempenhariam a mesma u n ~ o e o lugar destinado

    s mulheres feministas. Ain da de acordo

    com

    a autora, deixavam ao

    largo os interesses e

    as necessidades

    das

    mulheres sem crianc;:as, sem

    casas e sem homens. Logo, as

    mulheres brancas pobres e

    as

    negras

    estavam fora do olhar daS feministas.

    Em sua analise, Hoo ks devota-se ao trabalho de Fridan

    -

      he

    eminine

    MystiiJ ue

    -

    que

    se

    tornou uma

    obra formadora

    do pensamento feminista

    da

    contemporaneidade. Assim, prossegue

    Hooks (2000): "Racismo

    e

    arto nos escritos

    das

    feministaS brancas,

    refors:ando a supremacia branca e negando a possibilidade de que mu

    lheres se

    unici.o

    politicamente atraves das fronteiras etnicas e r a c i a i s ~ ~ .

    Esta

    r g u m e n ~ o

    de

    Hooks {2000), embora produzida duas

    dkadas

    ap6s, entra

    em

    consonancia com o que era apontado por Gonzales

    {2008), ao analisar o Movimento Feminista dos anos 1970 e 1 980,

    no

    Brasil:

    "Enquanto isso, nossas expenenaas com o movimento de

    mullieres caracterizavam-se como bastante contradit6rias:

    quando particip:ivamos de seus encontros ou congresses,

    muitas vezes eramos considerados 'agressivas'

    ou

    'nao feministas'

    porque sempre insistiamos que o racismo e suas pr.iticas devem

    ser levados em coma nas lutas feministas, exatamente porque,

    como o sexismo, constiruem formas estruturais de opressao e

    explorac;::io em sociedades como a nossa. Quando,

    por

    exemplo

    denunci:ivamos a opressao e explorac;::io das empregadas

    domesticas

    por

    suas patroas, caus:ivamos grande mal-estar;

    afinal, dizlamos, a explorac;::io do trabalho domestico assalariado

    permitiu a 'liberac;::io' de muitas mulheres que se engajaram nas

    lutas 'da mulher"'

    s

    admoestac;:oes que ambas as te6ricas fazem referem-se,

    portanto ao fato de que vidas, expectativas, visoes de mundo

    e desigualdades enfrentadas pelas inauguradoras do feminismo

    nao

    aoarcaram

    as plurais

    demandas

    das

    mulheres

    com

    urn per-

    fil diverse das primeiras feministas. Daf, a dificuldade daquele

    grupo em perceber, num encontro ja em sua

    nona

    e d i ~ o que

    as l:irasileiras eram compostas tambem

    por

    mulheres indigenas,

    campesinas e negras.

    • T r a d u ~ o livre

    da

    aurora.

    .

    ~ 4 ~

    )OSELINA

    DASILVA

    AMAURI

    MENDES PEREIRA

    ORCS.)

    .

    processo de construfio do I Encontro Nacional de

    ulheres

    Negras

    9

    I ENCONTRO NACIONAL DE MULHERES NEGRAS nas

    ceu da necessidade constante de nossa ORGANIZA 5

  • 8/16/2019 SILVA, Joselina - I Encontro Nacional de Mulheres Negras

    9/15

    0 MOVIMENTO DE MULHERES NEGRAS

    zar o I Encontro Nacional de Mulheres Negras em Salvador

    (BA).

    Segundo o boletim produzido aepoca, estiveram presentes, na

    reuniao, representantes dos seguintes estados: Sergipe, Maranhao,

    Distri to Feaeral, Sao Paulo e Bahia. Urn segundo momenta foi or

    ganizado em Sao Paulo, agora com a

    p a r t i c i p a ~ o

    de

    urn.

    nllinero

    maior de ativistas.

    Se, em janeiro, a

    r e p r e s e n t a ~ o

    era de cinco estados, em

    mar((O, passou a ser de onze: Acre, Minas Gerais, Rio de Janei

    ro, Bahia, Sao Paulo, Parana, Espirito Santo, Para, Goias, Sergipe

    e Distrito Federal. As discussoes tiveram lugar entre 19 e 20 ae

    mar((O.

    Ainda naquele primeiro semestre, ocorreu, de

    30

    de abril

    a 1 de maio, em Brasilia, a reuniao responsavel

    por

    d r a forma

    t a ~ o final ao Encontro Nacional, inclusive defiD.indo o local de

    r e a l i z a ~ o : Rio de Janeiro. Questoes como objetivos, temario, me

    todologia e titulos das oficinas foram todas definidas em Brasilia.

    Embora cada uma das reunioes nacionais tenha sido autora da

    melhor e s t r u t u r a ~ o do encontro, foi na cidade de Sao Paulo que

    sua

    f o r m a t a ~ o

    pode ser complementada, mediante a presen'(a de

    nove estados

    11

    As

    reunioes nacionais deliberaram sabre diversos aspectos

    que norteavam a

    o r g a n i z a ~ t a o

    do I ENMN. Assim, em Brasllia

    -como

    informa uma carta assinada

    em

    outubro de 1988 pela

    comissao do III Encontro Estadual de Mulheres Negras

    {de

    Sao

    Paulo) - foram criadas duas comissoes, sendo uma executiva e

    outra organizadora.

    0

    documento detalha 0 carater de cada urn

    dos grupos. 0 mesmo define, tambem, a categoria da comis

    sao executiva, que deveria ser centralizada

    no

    Rio de Janeiro e

    composta por pessoas daquele Estado. A p u b l i c a ~ o prossegue,

    determinando a esfera de a t u a ~ t a o do referido grupo: "Delibe

    rativo a nfvel de

    o r g a n i z a ~ t a o

    de infraestrutura, escolha local,

    recursos humanos e

    e l a b o r a ~ o

    do projeto para financiamento;

    nao delibera a poHtica a ser levada no Encontro, cabendo essa

    tarefa organizativa

    a

    Comissao Organizadora".

    Mato Grosso do Sui, Bahia, Disuito Federal, Maranhao, Goi:is, Rio de Janeiro, Esplrito

    Santo, Para e Sao Paulo.

    @ 26@)

    JOSELINA DASILVA •

    AMAURI MENDES

    PEREIRA (0RGS.)

    A comissao executiva responsavel por organizar o Encontro,

    no Rio de Janeiro, era composta por quatorze mulheres negras

    12

    ,

    eleitas por voto direto e secreto, logo ap6s a III Reuniao Preparat6-

    ria, no Dist rito Federal. Ja a comissao organizadora era formada pe

    los estados presentes nas reunifies nacionais {ocorridas em Salvador,

    Sao Paulo e Brasilia). Ainda de acordo

    como

    documento das mi

    litantes, a

    d i v u l g a ~ o

    e a visibilidade do mesmo deveriam ter lugar

    hem antes de sua ocorrencia em dezembro. Exemplos disto, temos o

    seguinte evento, apontado pelo informativo NZINGA de julho de

    1988: "Debate MUlher Negra

    eo

    apartheid como parte integrante

    dos

    comemora((Oes

    dos 70 anos de Nelson Mandela"

    13

    • Outr a ativi

    dade publica e de grande relevancia para a comunidade negra na ci

    dade foi realizada em agosto daquele ano, intitulada "Mulher negra

    faz a

    festa .

    Tratava-se de

    urn.

    momento cultur l com dan((a, mwica

    e performances com artistas da comunidade negra local.

    Ainda com o mesmo objetivo de ch m r

    aten'(3.o

    da opiniao

    publica para o I

    ENMN

    foi organizado

    urn.

    certame para a escolha

    aa identidade visual do evento atraves da c r i a ~ o de urn. cartaz.

    0

    concurso intitulava-se 0 encontro e nacional e o concurso tam

    hem " e a

    i v u l ~ o

    dizia:

    Companheira:

    voce

    que e desenhista profissional, esrudante ou

    simplesmente tem aquele jeitinho para desenhar, participe do

    concurso para a r i a ~ d identidade visual do

    1

    ENCONTRO

    NACIONAL DE MULHERES NEGRAS. erie e envie logo o

    seu trabalho, companheira. 0 encontro Nacional e nosso e o

    . concurso, e daro, tambem.

    0 I Encontro Nacional de Mulheres Negras foi resultado

    de uma ampla a r t i c u l a ~ o em dezoito Estados da F e d e r a ~ o que

    12

    W3nia de Jesus San'Anna (Presidente), Sandra Hdena Torres Bello (Vice -Presidentes), Ju

    rema Gomes I Secreairia),

    Hild&ia

    Alves Medei ros (

    II

    Secreairia), Hdena Marla

    de

    Souza

    (I Tesoureira),

    Marla

    LUcia

    de

    Carvalho

    .(II

    Tesoureira), Maria Jose Lopes

    da

    Silva (Direrora

    Cultural), Ndi Adelaide G o n ~ v e s (Oiretora de Rda¢es Publicas), Marla Hdena uzee (nao

    ha i n f o r r n a ~ sobre seu cargo), Neuza d s Dores Peteira (Diretora Social) Agnes Consula Jo

    seph Rodtigues (Diretora de i v u l ~ . Jutlith dos Santos Rosano (Diretora de Pauimonio),

    Josdina

    da

    Silva (Suplente).

    13

    Ndson Mandda so foi libertado em janeiro

    de

    1990.

    @ 27@)

  • 8/16/2019 SILVA, Joselina - I Encontro Nacional de Mulheres Negras

    10/15

    i

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    0 MOVIMENTO DE MULHERES NEGRAS

    congregou cerca de quatro centenas

    de

    mulheres na cidade

    de

    Va

    lens:a (RJ) em dezembro de 1988. 0 conclave deu bases para uma

    extensa constrUI;:ao coletiva nacional. 0 sistema de participa j:io era

    por

    representa j:io, com ddegadas deitas nos respecrivos estados. 0

    processo

    de

    escolha teria que ocorrer atraves

    de uma

    reuniao, se

    minario ou encontro pUblico e

    com

    abrangencia estadual. Nesta

    dire j:io, urn dos boletins produzidos e impressos pela comissao or

    ganizadora informava,

    no

    mes de dezembro, que OS f.stados de Ala-

    goas, Rio Grande

    do

    Sul (citado como

    Pono

    Alegre), Pernambuco,

    Mato

    Grosso

    do

    Sul, Goias, Brasilia, Espfrito Santo , Rio

    de

    Janeiro

    e Parana ja haviam realizado - ou estavam em vias de faze-lo - uma

    oponunidade

    coletiva para a escolha das representantes.

    Uma das

    grandes

    preocupa¢es que permeavam

    as a¢es

    or

    ganizativas, era o-local de ocorrencia do evento. Naquda conjuntura,

    a cidade do Rio de Janeiro contava com uma estrutu ra de novas ins

    tala¢es

    que abrigavam_ os

    CIEP

    (Centro Integrado

    de

    Educa j:io Po

    pular, tamb6n chamados

    de

    Brirol6es).

    Eram

    estruturas modulares,

    criadas pela Secretaria Estadual de Educa j:io e disponibilizadas aos

    movimentos

    sociais,

    com cena facilidade, nos

    fins

    de semana. Embo-

    ra rec6n-inaugurados, exigiam implementa j:io

    de

    uma

    i.nfiaestrutura

    espedfi.ca, em caso de abrigar urn nllinero t3.o ex:pressivo de pessoas. A

    busca para o apoio financeiro para urn local mais aprazfvd,

    por

    tantos

    dias, esbarrava sempre na argumenta j:io de que a estrutura dos CIEPs

    deveria ser utilizadi, com vistas a diminuir custos. A recusa da comis

    sao organizadora provocava

    algumas

    tens6es dentro e fora do grupo.

    Havia,

    por pane

    dos possiveis apoiadores, a acusa j:io de

    uma

    postura

    elitista

    na

    ex:pectativa de

    uma

    localiza j:io diferenciada. Atentas a esta

    critica, assim se expressaram em urn dos boletins informativos.

    ~ ~ ; : J , z a n d o o nosso encontro Administrando o nosso

    Desde que nos constituindo como Comissao Executiva estive

    mos batalhando para que todas

    as

    mulheres participantes do

    Encontro pudessem contar com urn lugar agradavd e tranqui

    lo para as suas discussoes; que n6s como organizadoras tambem

    pudessemos dispor de urna secretaria que atendesse as nossas ne

    cessidades e que todas n6s pudessemos aprender que sim, somos

    capazes de gerenciar nossas decisoes. Foi muito

    dfficil

    encontrar

    urn lugar capaz de abrigar 500 mulheres. Nao eram, sobreru-

    28@

    JoSELINA DASILVA • AMAURI

    MENDES

    PEREIRA (0RGS.)

    do 500 mulheres quaisquer e sim 500 mulheres negras. Obtive

    mos muitas recusas, algumas devidamente justi.6cadas e outras

    nem tanto. Arran ar urn local adequado foi urna "via crucis". E

    verdade que nao queriamos ter

    as

    nossas mulheres alojadas

    em

    qualquer escola .. nada contra as escolas, qu e sempre estiveram

    abertas s nossas reuni6es de mulheres, mas e que depois de 4 ~ 8

    anos de Brasil e urn primeiro encontro nacional acreilitamos ter

    o dinheiro a algo melhor e tranquilo para nossa d i s ~ o . N6s

    merecemos isso e muito mais 0 nosso Encontro v:u acontecer

    no Hotd dos Engenheiros, n a cidade de V a l e n ~ e nos custaci

    Cz$

    12. 712.114,00,

    hospedar

    500

    mulheres d urante tres

    dias

    de

    Encontro.

    14

    Ainda assim, 0 regimento intemo

    do

    Enconu:o, entregue as

    participantes, informava

    que

    apenas duzentas

    podenam

    hospedar

    se

    no

    referido hotd e as demais em outros distribuidos na pequena

    cidade de Valens:a,

    no

    Estado

    do

    Rio de Janeiro. l ~ mulheres

    levaram crians:as pequenas e seus companhei ros para ~ ~ ddas

    os quais se instalaram sob suas ex:pensas em outros hotelS, diferentes

    daqUele que sediava o Encontro. Ve-se, p o n a n ~ ~ · que o p ~ ~

    de

    consrru j:io

    do

    evento envolveu questoes poliucas, econorrucas,

    logisticas e organizacionais, entre outras. ~ o d a s a serem

    ~ ~ ~

    por

    mulheres q ~ e tinham naquela p o ~ d a d e uma ex:penenaa

    inaugural, mediante urn evento de tal magrutude.

    AmUises e debates: o feminismo negro no I NMN

    Companheiras,

    0 Movimento de Mulheres Negrastambem e urn corpo de ideias

    que penetra na trama do tecido s6cio-politico-culrural-economi

    co e vai constru indo a transformas:iio dentro de

    cada

    uma de n6s.

    Por isso esquentem as rurbinas que esti chegando a grande hora.

    15

    Virginia Vargas

    (2002)

    refere-se aos encontros feministas

    latino-americanos e caribenhos- - iniciados

    em

    1981 com

    frequencia inicialmente a cada dois anos e posteriormente a cada

    14

    Ver: Boletim Inforrnativativo I Encontro Nacional

    da

    Mulher Negra)

    "

    Ver:

    Inforrnativo I Encontro Nacional

    da

    Mulher Negra. Ano I., n. 02, novembro

    de

    1988.

    @ > 2 9 ~

  • 8/16/2019 SILVA, Joselina - I Encontro Nacional de Mulheres Negras

    11/15

     I

    I

    I

    I

    I

    I

    I

    0

    MoVIMENTo

    DE MuLHERES NEGRAS

    tres -

    como um

    dos grandes fomencadores

    da c o n s t r u ~ o de

    urn

    pensamento feminista na regiao.

    Ocorrendo

    em

    oponunidades

    mais modestas

    em 1988

    e 1992), reitero

    que

    os encontros

    nacionais de mulheres negras foram tambem produtores de

    e l a b o r a ~ o de

    complexas e sofisticadas

    c o n s t r u ~ o e s

    analiticas e

    politicas

    do

    pensamenco das mulheres negras brasileiras. A troca e

    m p l i ~ o de

    experiencias

    entre as

    mais antigas e as

    que

    acabavam

    de se assomar a ausa cooperavam

    para

    a

    a c e l e r a ~ o

    das a ~ o e s e de

    e s p a ~ o s de ativismo.

    Proveniences de varios movimentos , nao apenas o feminista,

    eram estas diversas origens, que propiciavam a c o n s o l i d a ~ o de

    algo gestado

    na

    decada anterior,

    ou

    seja, a

    identidade de

    feministas

    negras. Esta,

    engendrada mesmo

    antes, nos encontros estaduais

    tao presences no cenario organizacional das ativistas. No regime

    de suas r e a l i z a ~ o e s -

    com

    diversas reunioes preparat6rias ocorridas

    em diferentes pontos do Pals - os encontros, seminarios e reu

    nioes regionais e esraduais fomencaram

    que

    ideias e f o r m u l a ~ o e s

    criticas fossem elaboradas.

    Referindo-se aos movimentos sociais latino-americanos,

    no

    tadamente aqueles organizados pelas mulheres, Vargas (1986)

    ob

    serva

    que

    estes foram responsaveis

    por uma

    critica

    Iadical

    sobre a

    estrutura das sociedades. Nesta i r e ~ o estes tambem interpelariam

    os paradigrnas tradicionais das anilises sociais e politicas.

    Ou

    seja,

    o

    IENMN

    se

    propunha

    a pluralizar

    as

    demandaS sociais, inserindo

    o que lhes possibilirou evidenciar a complexidade, assim tornando

    explicitos os muitos conHitos, para alem daqueles contidos nas di

    namicas das classes sociais. Nesta sequencia,

    as

    questoes atinentes

    ao cotidiano- ainda, s ~ o Vargas 1986)- estiio intimamen

    te conectadas

    s

    rela¢es

    de poder e, portanto, poss fveis

    de

    serem

    transformadas. Estas novas possibilidades analiticas promov em

    a ~ o e s

    coletivas inovadoras e

    permitem

    a

    p r e s e n ~ de

    temas e enten

    dimentos mllltiplos, os quais subsidiam estrategias para m u d a n ~

    politicas. Pautadas nestas reflexoes, podemos e ntend er a f o r m u l ~ o

    ao segundo objetivo geral

    do

    encontro: Fazer emergir as diversas

    formas locais

    de

    lura e

    u t o d e t e r m i n ~ o

    face s formas

    de

    discrimi

    n ~ o existentes.

    Patricia Collins (1995),

    em

    seu escudo sobre a

    c o n s t i t u i ~ o

    do

    movimento feminista afro-estadunidense, afirma

    que

    tal qual

    ~ 3 ~

    jOSELINA DASILVA • AMAURI MENDES PEREIRA 0RGS.)

    outros grupos em i t u a ~ o de opressao, as mulheres negras dos EUA

    lograram aesenvolver distintas analises interpretativas a respeito

    ci opressao a elas imposta. Certamente, estes achados de Collins

    (1995)

    contribuem com

    esta reflexao

    no que

    arguimos sobre a cons

    t i t u i ~ de novos lugares analiticos i n a ~ d o s

    no

    IENMN, t l

    como apontado pelo objetivo geral de numero tres: Encaminhar

    wna perspectiva unit:lria

    de luta dentro de uma

    diversidade social,

    cultufal e politica das mulheres presences ao Encontro .

    Kimberle Crenshaw (1991), num de seus artigos, se pro_p6e a

    falar sobre as questoes de violencia que se abatem sobre as mulheres

    e de como estes trabalhos sao ainda pouco references

    s

    mulheres

    negras. Lembra-nos a aurora

    que

    a intersecionalidade entre e

    genero, quando ausentes das analises sobre as mulheres, deixam as

    negras fora dos inUmeros aspectos

    de

    violencia dos quais sao viti

    madas. Por outro lado, aqueles que se dedicam s an3.lises de r a ~

    voltadas para as mulheres negras, pouco se referem

    s

    violencias co

    tidianas presences nas vidas

    s

    mulheres e,

    por

    conseguinte, refe

    rences

    s

    afrodescendentes.

    Essas

    reflexoes

    de

    Crens haw fazem luz para analisarmos o ca

    pitulo I

    do

    regimento interno

    do

    evento:

    0 I Encontro Nacional de Mulheres Negras e urn foro consuJti

    vo, deliberative e indicativa, cuja finalidade e congregar mulhe

    res negras de todo o territ6rio nacional, em principia e leva-las

    a reftetir sobre a verdadeira razao que as torna diferentes, ou

    a razao pda qual lhes e dada urn tratamento diferenciado dos

    demais individuos que comp6em a sociedade. A obtenr;:ao de

    resposras a estes e

    ouuos

    questionamentos esta sendo a mola

    propulsora para a organizar;:io deste Evento. Sabendo que nao

    basta responde-lo, e necessaria tambem encontrar formas para

    implantar

    solw;:6es

    encontradas.

    Crenshaw segue, afirmando que muitas das expenencias

    so&idas pelas mullieres negras

    nao

    estiio restritas

    s

    cercanias

    dimensionadas por e genero. Por conseguince, nao se

    pode

    analisar

    as

    questoes

    que lhe

    sao relacionadas,

    olhando

    separadamente os aspectos

    do

    racismo

    ou do

    sexismo. Percebe-se,

    en

    ao, que tanto quanto genero se conjuminam e se intersetam

    para moldar

    os aspectos estruturais, politicos e representacionais

  • 8/16/2019 SILVA, Joselina - I Encontro Nacional de Mulheres Negras

    12/15

    0

    MOVIMENTO

    DE MULHERES NECR S

    da violencia contra

    as

    mulheres negras. Esta reflexio, proposta

    por Grenshaw, pode nos auxiliar no entendimenro de

    um

    dos

    primeiros objetivos apresenrados pela comissao que construiu o

    encontro aqui analisado:

    Denunciar as desigualdades sc:xuais sociais e raciais existentes,

    indicando as diversas vis6es que as mulheres negras brasileiras

    tern em rela jio ao seu futuro.

    Este mesmo objetivo e ex:plicado

    pdas

    organizadoras como

    sendo primordial para "a

    r e a l i z a : ~ o

    de diagn6sticos a respeito

    da

    s i r u a ~ o da

    mulher negra". Assim, prossegue Grenshaw

    (1991),

    chamando a

    a t e n ~ o

    para

    0

    faro de que a intersecionalidade e ne

    cessaria para

    se

    perceber a

    o r g a n i z a ~ o

    do mundo social,

    em

    sua

    c o n s t r u ~ o

    que abranja aspectos mwtiplos

    da

    identidade. Tambem

    este recorre pode ser inseriao quand o se observa o temano do I En

    contra Nacional de Mulheres

    N ~

    0 conclave foi

    o r ~ d o

    abrangendo seis metodologias diferentes: paineis, debates, oficinas,

    salas

    de conversas, outras tecnicas e salas de reflexio e

    a v a l i a ~ o .

    Com

    este procedimento, as organizadoras se propunham a

    dar

    voz

    s mulheres com diferentes origens sociais, academicas e politicas.

    Nesta

    i r e ~ o um

    dos informativos, daborados

    pda

    comissao ex:e-

    cutiva, apresentava o temario com a seguinte

    n t r o d u ~ o :

    Se voce tern urn ttabalho concreto com mulheres negras, pode

    ci

    apresent:l-lo oeste encontro. Para isto, basta que nos envie urn

    projeto detalhado, acompanhado de urn pequeno perfil, contendo

    dados pessoais, Entidade e natureza do seu tiabalho com mulheres

    negras, ate 25/10/88 ...

    Voce

    mulher de base, tambem pode par

    ticipar conta ndo a sua vida suas experiencias, trazendo ou &zenda

    seu trabalho n a hora, apresentando suas denl1ncias ... Tambem va

    mos organizar uma Feira

    de ne

    durante o Encontro, abertaas de

    legadas, ex:positoras, debatedoras e dinamizadoras dos Estados ..

    16

    16

    lntcgranta da subcomissao

    de

    a:nWio:Azoilda Trindadc;

    Eva

    dos Sanros

    PcR:ira;

    Geni

    de

    Oli

    veira Silva; Gesia

    de

    Oliveira; Ieda LUcia Silva; Josina Maria da Cunha Marques;

    K:itia

    Marl C.S.

    De

    Jesus Maria

    Jose

    Lopes

    da Silya; Maria

    LUcia de

    Carvalho; Ncuza das Dores PcrcUa; Regina

    Cocli B. Santos;

    T

    Pereira

    Lirio;

    Th=zinha

    August:a da Silva; Uyara a i ~

    da

    Silva Barros.

    )OSELINA

    DASILVA • AMAURI

    MENDES

    PEREIR ORCS.)

    Havia urna

    r e o c u p a ~ o

    com os temas a serem coletivamente

    debatidos. 0 grupo gestor do evenro preocupava-se com a inclusao,

    p a r t i c i p a ~ o

    e

    d a b o r a ~ o

    realizadas por mUlheres com

    vozes

    plu

    rais. Era necess:irio inserir urn nfunero maior de mulheres

    na

    equipe

    organizadora e dividir serores diversos.

    Afinal

    nao tinhamos ex:pe-

    riencia no processo. Foram organizadas comissOes e reunioes, ·em

    diferentes ponros do Pais, que iriam, pouco a pouco, dando forma

    ao I Encontro Nacional.

    F i n a n ~ ? S

    temario, local, nfunero de participantes, perfil das

    participantes, estas eram algumas das p r e o c u p a ~ o e s que norreavam

    as

    reunioes no processo de sua

    c o n s t r u ~ o .

    Nesse sentido, quatro

    meses antes

    da

    abertura do Enconrro Nacional, doze mulheres rea

    lizaram

    quatorze reunioes, para definir

    os

    caminhos discursivos do

    encontro conforme regisrraao:

    Companheiras, desde o dia 2 de Agosto Ultimo, sob a coordena

    'rio de Maria Jose Lopes da Silva, membra da Comissao Execu-

    tiva, auxiliada por Maria Lucia de Carvalho e Neuza das Dares

    Pereira, tambem da Comissao Executiva

    do

    Encontro, formou-se

    a Subcomissao de Temario e Metodologia, com os objetivos de

    ampliar o processo de discussao em torno do temario aprovado

    a nivel nacional, tendo em vista dar-lhe urn encaminhamento

    politico; compatibilizar o tem:lrio com a metodologia provada

    em Brasilia, sugerir material de apoi8 para o desenvolvimemo

    (videos, filmes etc .. ).

    17

    0 grupo de assuntos que integravam os termos a serem de

    senvolvidos pdas participantes do conclave demonstra 9ue, c?mo

    aponrado por Crenshaw (1991}, r a ~ e genera s o os dettagradores

    das analises, mas devem receber outras cont ribui¢es, uma

    vez

    que

    as

    mulheres negras, por estarem inseridas

    na

    sociedade, sao alvo de

    diferentes outras m:inifesta¢es discriminat6rias. Por conseguinte,

    nas suas

    a ~ o e s

    de insurgencia, terao especifidades que demandarao

    recorres e abrangencias multifaceradas.

    Eassim que podemos entender o temario desenvolvido no

    IENMN

    e dencado

    pda

    comissao que lhe deu vida:

    As

    Mulheres

    17

    Ver:

    lnfonnativo l Enconuo Nacional

    da mulhcr Negra.

    Ano

    1

    n.

    02,

    novcmbro

    de 1988.

    @ 33@

  • 8/16/2019 SILVA, Joselina - I Encontro Nacional de Mulheres Negras

    13/15

    ·j

    I

    I

    I

    i

    i

    i

    I

    0 MOVIMENTO DE MULHERES NEGRAS

    Negras e

    as

    O r g a n i z a ~ o e s da Sociedade Civil ; & Mulheres Negras

    eo

    Trabalho";

    &

    Mulheres Negras e a

    Ed.ucas:ao ;

    "& mulheres

    Negras e a

    Legislac;ao ; &

    mulheres Negras eo Mito da Demo

    cracia Racial";

    &

    Mulheres Negras e a

    I d e o l o ~ a

    do Embranque

    cimento";

    ''As

    mulheres Negras e a Sexualidade; & Mulheres Ne

    gras e os Meios de Comunicac?o";

    &

    Mulheres

    e ~

    na

    Arte

    e

    na Cultura"; & Mulheres Negras e a sua Hist6ria na .Afiica e no

    Brasil"; ''As Mulheres Negras e

    as

    Politicas de Controle da Natali

    dade"; "& mulheres Negras e a Saude"; & Mulheres Negras e a

    Violencia"; & mulheres Negras e a Estetica'';

    &

    Mulheres Negras

    e o Sexismo".

    0 breve di:Uogo, aqui trazido por Hooks (2000) e Gonzales

    (2008) - anteriormente resenhado - pode ser ilustrado pela vas

    ta gama de assuntos, presente no tem:irio do encontro. Como

    ja

    foi elencado, cada urn dos titulos acompanhava uma sinopse sobre

    quais recortes e abordagens deveriam ser aludidas pelo grupo que

    sobre ele se d e b r u ~ e . A guisa de exemplificac;ao, tem-se:

    VI-   As

    Mulheres Negras e a Sexualidade": Adolescencia. Vida

    reprodutiva: o v u l a ~ o f e c u n d a ~ o

    m e n s t r u a ~ o

    gravidez; me

    todos contraceptives: pilula, DIU,

    e s t e r i l i z a ~ o

    coito interrom

    pido, tabela. Abono. Climaterio e menopausa. 0 prazer. Ho

    mossexualidade.

    Pode-se, ainda, deduzir que, para alem dos silenciamentos

    ainda presences,

    h3 as falas

    de mlllheres negras desde o Continence

    Africano, passando

    pdos

    tumbeiros, quilombos e a s s o c i a ~ o e s reli

    giosas (de matriz africana

    ou

    cat6licas), ate os Movimentos de Mu

    llieres na contempoclneidade.

    Ao

    optar por

    urn temario

    com

    abran9encias tao variadas,

    as

    mulheres negras brasileiras,

    do

    final da decada

    de

    1980, trou

    xeram

    a

    uz a reHexao de que a construc?o

    da

    imagem negativada

    da

    mulher negra

    na

    sociedade era fruto dos aspectos

    ae r a ~ a

    genero e classe em primeira instancia, em conexao

    com

    diversos

    outros que pod eriam ser evidenciados a partir das muitas formas

    analiticas que a metodologia do encontro permitia abordar.

    )OSELINA DASILVA AMAURI MENDES PEREIRA (ORCS.)

    Pensares onclusivos

    Longe estive esta reflexao da pretensao de ser urn texto con

    clusive so6re a

    o r g a n i z a ~ a o

    das mulheres negras brasileiras,

    no

    evento em tela, urna vez que a analise sobre os movimentos sociais

    as

    a ~ o e s

    J?Or

    eles desenvolvidas pressupoem intJ.meras interfaces

    m t e ~ p r e t a n v a s .

    Uma delas. nos autoriza a criticar parte expressiva

    da

    h t e r a ~ r a

    sobre o Mov1mento de Mulheres Negras brasileiras,

    que o des1gna como resultante das dissidencias

    com

    os movimen

    tos

    f e ~ s t a

    e negro. Ou seja, a ausencia de discussao polftica e

    comprormsso de luta cont ra o racismo no interior do Movimento

    Ferninista e de genero no Movimento Negro teriam dado Iugar ao

    Movimento de Mulheres de Negras.

    . Uma grande c o n t r i b u i ~ a o daqude rol de atividades e

    ~ o e s

    fm, port.anto, a i n s e r ~ a o mais veemente

    da

    tematica de genero,

    no ~ o v 1 m e n t o Negro, e das reflexoes sobre r e l a ~ o e s raciais, no

    Movnnen to Ferninista. Tais

    p r o p o s i ~ o e s

    nos incit am a recolocar

    no

    c ~ n a r i o

    analitico, o paradigma

    da

    nao ambiencia possivel

    n o ~

    mov1mentos Negro e Feminista brasileiro, que tern sido assina

    lada como proplilsora

    do

    Movimento de Mtilheres Negras.

    Dito

    de outra forma, quando nos d e b r u ~ o s sobre o temario do

    IENMN, vemos que nao sao aqueles dois

    movimentos-

    Negro

    e

    Feminista-

    os interlocutores preferenciais das mulheres negras

    nacionalmente organizadas.

    Destarte,

    num

    quadro de criticas

    a

    ociedade e de pautas

    por u d a n ~ podemos inseri r o Movimento de Mulheres Negras

    ~ ~ s

    anos 1980. A sofist cac;ao a n a l i t i ~ a por elas apresentadas foi

    util para mdhor entendimento da amculac?o do poder na socie

    dade brasileira. Suas reflexoes emprestaram ao

    feminismo-

    nos

    s ~ u s passos primordiais - possibilidades de percepc?o da especifi

    cldade das questoes de genero

    no

    Pais. 0 sexismo

    atuava-

    e ainda

    hoje arua - em consonancia com o utros fatores discrirninat6rios

    e opressivos, inclusive a

    r a ~ . &sim,

    pela primeira vez, urn grupo

    de

    a i s ~ e

    quatro cente-?as

    a f r o - b r ~ i l e i r a s

    pode, coletivamen

    te d1scut1r e propor denunc1as sobre saude, trabalho, sexualidade,

    educac;ao,

    o r g a n i z a ~ a o

    da sociedade civil, familia, religiosidade,

    violencia, entre outros setores.

    @

    35@

  • 8/16/2019 SILVA, Joselina - I Encontro Nacional de Mulheres Negras

    14/15

    0 MOVIMENTO DE MULHERES NEGRAS

    , . Na verdade, o IENMN era uma oportunidade coletiva e

    ~ o h t i ~

    de

    r e ~ o l o c a r as

    questoes de genera e de

    r a ~

    no cena

    no cnttco nactonal. ~ intuito e ~ a , portanto, denunciar e ampliar

    o olhar sobre os ractsmos e

    ~ e x t s m o s .

    Causa-nos especie pensar

    que as mulheres negras se articularam por insuficiencia de opor

    t u n i ~ a d e s

    de

    i n s e r ~ o

    de suas demandas nas agendas de outros

    m o v u ~ e n t o s .

    Embora nao se possa reduzir a importante repre

    s e n ~ ~ a o

    ?estes. no processo organizativo das mitlheres negras,

    ao h i p e r ~ m e n s t o n a r suas n e g a ~ o e s e preciso cuidar para nao

    se

    ?,esvalonzare ll

    os

    p r o ~ e s s o ~ fundantes de mulheres organizadas

    Ja a n ~ e s da decada

    aqw

    analtsada e mesmo em datas anteriores ao

    Movtmento Feminista brasileiro.

    Num

    texto critico sobre as categorias Novas Movimen

    tos Sociais: Ruth

    C . a r ~ o . s o

    (1987} afirma que estas sao fruto do

    ~ e s c o n h e c t m e n t ~

    histonco sabre movimentos sociais. Suas ana

    h ~ e s abrem a v e m d ~ para tecer c o n s i d e r a ~ o e s a respeito das vi

    soes que excluem dtrerentes fazes

    o r ~ c i o n a i s

    das mulheres

    negras.brasileiras e centram o olhar sobre os anos 1970 e 1980,

    c o m ~ t ~ a u g u r a d o r e s

    das

    reB.exoes

    pautadas no genera e

    na

    r a ~ .

    A

    n a ~ o

    do ~ o n ~ e l h o Nacional de Mulheres Negras em maio de

    1950, a ocorre,ncta Co-?gresso ~ a c i o n a l de Mulheres Negras

    no mesmo penodo - msendos no ambito do Teatro Experimen

    tal

    d?

    Negro ( T E ~ ) -, sob a c o o r d e n a ~ a o de Maria de Lurdes

    Nascimento, nos a l t c e r ~ a no debate de que

    ja

    eramos mulheres e

    n ~ ~ r a s do ponto de vista argumentativo e da c o n s t r u ~ o identi

    tarta, antes mesmo das

    a l t e r c a ~ o e s

    com o Movimento Feminista

    e o Movimento Negro.

    . A lura, portanto, et:apor direitos iguais, pda dentincia contra

    o raosmo e os aspectos diferenciados de sexismo quando exercido

    sabre as mulheres negras. As desigualdades sociais impostas eram

    ~ b e ; D alvo da

    p r e o c u p ~ o

    do olhar das mulheres negras. Prova

    disto e o temario do IENMN, aqui abordado. A f.uta abrangencia

    de

    t ~ ~

    ; O r r ~ b o r a

    com

    .o

    que

    ~ u s c a m o s

    aludir. Ou

    seja

    a pauta

    de ~ v m d i c a ~ o e s era matS

    a m p l i a ~

    que meras

    visoes

    ideol6gicas

    p ~ e ~ t e n t e s

    no cerne de outros movrmentos. Neste sentido, a orga

    ~ ~ ~ mulheres ~ g r a s , em ambito nacional, muito contribuiu

    para

    VlStbilizar

    as guestoes especificas nos diferentes ambitos presen

    tes no cotidiano

    das

    afro-brasileiras.

    ~ 6 ~

    jOSELINA DASILVA • AMAURI MENDES PEREIRA ORCS.)

    Estas reB.exoes nonearam-se, objetivando apresentar pistas

    capazes de auxiliar urn nUmero maior de pesquisas em torno da

    a r u a ~ o de muitas daqudas ativistas aqui referidas. Aspectos

    inUmeros podem ser ooservados quando se pretende retratar as

    mulheres negras no Brasil. Ha muito a ser averiguado numa seara

    quase virgem de analises e diagn6sticos. Deixo de

    faze-lo

    aqui, por

    exiguidade de

    e s p a ~ o

    e por reconhecer que

    i n v e s t i ~ o e s

    com este

    furi-

    como ja reiterado aqui- ainda esrao por ser iealizadas. Logo,

    se

    faz

    necessaria expressar a ausencia de estudos que perrnitam

    dimensionar a extensao do legado

    das

    afro-brasileiras

    ao

    Iongo

    da

    c o n s t i t u i ~ o do E s t a d o - N a ~ o brasileiro.

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    gras e po . · '

    t

    al nue-

    VARGAS Virginia Los feminismos lanno-amencanos en su tranSl o ti

    mU

    ·' W.. • u inismos Latino-americanos: retos y perspe -

    vo eruo en .nn. .• rt.•••

    vas, Mexico,

    PUEG, 2002.

    @ 38@)

    jOSELINA

    DASILVA •

    AMAURI MENDES

    PEREIRA (0RGS.)

    ANEXO

    COMPOSI