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OLIBERAL BELÉM, DOMINGO, 21 DE SETEMBRO DE 2014 MAGAZINE 11 sim V ocê gostaria que sua vida, em vez de um dia acabar, recomeçasse? Tudo igualzinho ao que foi? Antes de responder, pense bem: se sua resposta for – Não, sua vida termi- na onde irá terminar, e Fim – como no final de um filme, em que quando ele acaba se levanta e vai embora. Se a sua resposta for – Sim, então seria como se você, no fim do filme, ficasse para assistir uma segunda sessão, depois uma terceira, uma quarta, uma quinta – e assim interminavelmente. Se você ainda fosse um homem pré- histórico, ou primitivo, já sei qual seria a sua resposta e nem precisaria per- guntar, pois ela seria, sem sombra de dúvida – Sim. E sabe por quê? Porque o homem arcaico vivia em sonhos de atingir o Eterno Retorno e, através dele, regressar à mítica Idade de Ouro que, sob vários nomes e atributos culturais diversos, aparece em todas as culturas primitivas – e não só as antigas, mas também as que sobrevivem contempo- raneamente ao mundo moderno. Mas como nem eu nem você somos mais primitivos – pelo menos assim não nos consideramos – continuemos a conversar como homens modernos. E então você haveria de querer me per- guntar, antes de responder sim ou não: - Vicente, se eu dissesse sim, a minha vida repetida seria inevitavelmente igual à original, ou nela haveria mu- danças – promovidas por mim e pelos acontecimentos? Confesso que não tenho a respos- ta – que, aliás, ninguém até agora te- ve com absoluta certeza. Desde a sua formulação mais profunda e uma das mais antigas: o Sonho de Brahma, que nos cria, descria e recria, segundo a mística indiana. Quem sabe entrevemos alguma pista para essa resposta levando adian- te o assunto desta nossa página Sim, que, além da referência ao Sonho de Brahma, trata basicamente de O Mito do Eterno Retorno, livro do romeno Mircea Eliade, e também passa por O Eterno Retorno do Mesmo do filósofo alemão Friedrich Nietzsche? E falando em Nietzsche, bem antes da minha pergunta ser feita nesta pá- gina ele já havia feito a mesma pergun- ta, que lhe ocorra durante um passeio, em 1881, e que o próprio Nietzsche considerava um dos seus pensamen- tos mais aterrorizantes - se você é im- pressionável, passe por cima. Nietzsche escreveu a pergunta te- nebrosa sobre o Eterno Retorno como o aforismo 56 do seu livro A Gaia Ciên- cia, lançado no ano seguinte. Ei-la: - E se um dia ou uma noite um de- mônio se esgueirasse em tua mais so- litária solidão e te dissesse: - Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pe- queno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência – e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da exis- tência será sempre virada outra vez – e tu com ela, poeirinha da poeira! Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasses assim? Ou viveste algu- ma vez um instante descomunal, em que lhe responderias: -Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino! Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse: a pergunta diante de tudo e de cada coisa: - Quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes? pesaria como o mais pesado dos pesos sobre o teu agir! Ou, então, como terias de ficar de bem contigo e mesmo com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela? Mircea Eliade, em seu breve livro [email protected] VICENTE CECIM O Eterno Retorno e o Sonho de Brahma O Mito do Eterno Retorno e em vários outros, como o imenso História das Crenças e das Ideias Religiosas, ou O Xamanismo , registrou suas profundas descobertas da mística arcaica, que a frase no alto da página sintetiza: - As sociedades arcaicas recusam o tempo histórico e são nostálgicas dos seus mitos de origens. Eliade e o Mito do Eterno Retorno E justamente porque nós, homens históricos, somos o inverso exato dos homens anteriores à História, é que eu não posso ter absoluta certeza de sua resposta, como disse lá encima que teria se você fosse um primitivo. Em nosso caso, a síntese de Eliade seria: - As sociedades modernas vivem uni- camente no tempo histórico e esquece- ram os seus mitos de origens. Eliade nos diz: - O homem dito pri- mitivo, arcaico, não reconhece qual- quer ato que não tenha sido previamen- te praticado e vivido por outra pessoa, algum outro ser que não tivesse sido um homem. Tudo o que ele faz já foi feito antes. Sua vida representa a inces- sante repetição dos gestos iniciados por outros. Essa repetição consciente de de- terminados gestos paradigmáticos re- vela uma ontologia original. O produto bruto da natureza, o objeto modelado pela indústria do homem, adquire sua realidade, sua identidade, mas apenas até o limite de sua participação numa realidade transcendental. O gesto se reveste de significado, de realidade, unicamente até o ponto em que repe- te um ato primordial. Diversos grupos de fatos, desenhados aqui e ali, a partir de diferentes culturas, nos ajudarão a identificar a estrutura dessa ontologia arcaica. Estudando seu mecanismo, po- deremos abordar o problema da exis- tência humana e da história dentro do horizonte da espiritualidade arcaica. E nos mostra como distribuiu sua coleta de dados sob diversos títulos principais, assim: I. Fatos que nos mostram que, para o homem arcaico, a realidade é uma função da imitação de um arquétipo celestial. II. Fatos que nos mostram como a realidade é atribuída através da par- ticipação no Simbolismo do Centro: cidades, templos e casas tornam-se reais pelo fato de serem semelhantes ao Centro do Mundo. III. Por fim, rituais e gestos profanos significativos, que adquirem o signifi- cado que lhes é atribuído, e que mate- rializam esse significado, só porque repetem de maneira deliberada estes ou aqueles atos praticados ab origine por deuses, heróis ou ancestrais. E acrescenta: - A apresentação des- ses fatos, por si mesma, estabelece as bases para um estudo e interpretação da concepção ontológica que os funda- menta. Pena que não teremos espaço para acompanhar minuciosamente, passo a passo, as descobertas feitas por Mircea Eliade – e recomendo que você, queren- do fazer isso, busque seus livros, que são relativamente fáceis de achar. Mas há coisas essenciais, que não podemos deixar de citar. E uma delas é quando ele nos aponta um caminho para entendermos que O Eterno retor- no, para o homem primitivo, contém a promessa da restauração do Paraíso Perdido – em todas as culturas e du- rante todos os tempos antigos. O Retorno Cíclico de Platão Eliade: - O mito do paraíso primor- dial, evocado por Platão, e que conse- guimos discernir nas crenças india- nas, era conhecido dos hebreus - por exemplo, o Illud Tempus messiânico em Isaías 11,6, 8 e 65,25 - assim como dos iranianos no Dênkart, VII, 9, 3-5 - e das tradições greco-latinas. Além do mais, combina perfeitamente com a concepção arcaica – e talvez até uni- versal - do Princípio Paradisíaco, que encontramos em todas as avaliações do Illud Tempus primordial. Não se pode considerar de modo algum as- sombroso o fato de Platão reproduzir essas visões tradicionais nos diálogos que datam de sua velhice - a evolução de seu próprio pensamento filosófico o obrigou a redescobrir as categorias mi- tológicas. A memória da Idade de Ouro sob Cronos, sem dúvida alguma estava disponível para ele na tradição grega. E além dessa referência a Platão, ele cita o próprio Platão dando a sua ver- são do Eterno Retorno, que ele chama de Retorno Cíclico. Ele, Eliade, diz: - Vamos considerar a interpretação de Platão sobre o mito do retorno cíclico, mais especialmente no texto fundamental, que ocorre no Político. Platão encontra a causa da re- gressão cósmica e das catástrofes cós- micas num duplo movimento do Uni- verso, e nos fala delas assim: - ...deste nosso Universo, a divindade ora orien- ta inteiramente sua revolução circular, ora o abandona a si próprio, uma vez que suas revoluções tenham alcança- do a duração que combina com este Universo - e ele então começa a girar na direção oposta, com seus próprios movimentos... Esta mudança de dire- ção é acompanhada de gigantescos ca- taclismos: a maior destruição ocorreu tanto entre os animais em geral como no seio da raça humana, da qual, como seria de esperar, só restavam alguns poucos representantes. Mas essa ca- tástrofe foi seguida de uma paradoxal regeneração. Os homens começaram a ficar jovens de novo: os cabelos bran- cos da idade escureceram, enquanto aqueles que estavam na puberdade começaram a diminuir de estatura dia a dia, até voltarem ao tamanho dos be- bês recém-nascidos - então, finalmen- te, ainda continuando a definhar, eles deixaram de existir por completo. Os corpos daqueles que morreram nesse momento desapareceram comple- tamente, sem deixar qualquer sinal, depois de alguns dias. Foi então que nasceu a raça dos Filhos da Terra - Ge- geneis, cuja memória foi preservada por nossos ancestrais. Durante essa era de Cronos, não existiam animais selvagens nem inimizade entre os animais. Os homens daqueles dias não tinham mulheres nem filhos: Ao se erguerem da terra, todos eles volta- ram a viver, sem conservar qualquer lembrança de sua antiga condição de vida. As árvores lhes davam frutos em abundância, e elesdormiam sem roupa, sobre o chão, porque todas as estações tinham bom clima. No Retorno de tudo, segundo Pla- tão, porém, não há menção à versão dos Vedas sobre o chamado Sonho de Brahma. Segundo eles, Brahma quan- do dorme sonha o Universo, que pas- sa a existir – quando desperta, todo o Universo se desfaz. A mesma sequên- cia se repete. Depois de se passarem um número infinito de Kalpas. E sabe quanto dura cada Kalpa – um tempo infinito. Faça as contas. Bem, basta de citações. A página vai acabando e só há espaço para ainda uma observação: E se as coisas se passassem como descreve Platão? - Ao se erguerem da terra, todos eles voltaram a viver, sem conservar qualquer lembrança de sua antiga condição de vida. As árvores lhes davam frutos em abundância, e eles dormiam sem roupa, sobre o chão, porque todas as estações tinham bom clima. Isso faria com que muitos que disseram – Não , à pergunta – Você gos- taria que sua vida se repetisse – passas- sem a dizer um entusiasmado – Sim? As sociedades arcaicas recusam o tempo histórico e são nostálgicas dos seus mitos de origens. MIRCEA ELIADE Dali Uroboros: A serpente metafisica que devora a própria cauda, símbolo do Eterno Retorno

Sim 68 O Eterno Retorno e o Sonho de Brahma

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Sobre viver e reviver

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Page 1: Sim 68 O Eterno Retorno e o Sonho de Brahma

O LIBERALBELÉM, DOMINGO, 21 DE SETEMBRO DE 2014 MAGAZINE 11

sim

Você gostaria que sua vida, em vez de um dia acabar, recomeçasse? Tudo igualzinho ao que foi?

Antes de responder, pense bem: se sua resposta for – Não, sua vida termi-na onde irá terminar, e Fim – como no final de um filme, em que quando ele acaba se levanta e vai embora. Se a sua resposta for – Sim, então seria como se você, no fim do filme, ficasse para assistir uma segunda sessão, depois uma terceira, uma quarta, uma quinta – e assim interminavelmente.

Se você ainda fosse um homem pré-histórico, ou primitivo, já sei qual seria a sua resposta e nem precisaria per-guntar, pois ela seria, sem sombra de dúvida – Sim. E sabe por quê? Porque o homem arcaico vivia em sonhos de atingir o Eterno Retorno e, através dele, regressar à mítica Idade de Ouro que, sob vários nomes e atributos culturais diversos, aparece em todas as culturas primitivas – e não só as antigas, mas também as que sobrevivem contempo-raneamente ao mundo moderno.

Mas como nem eu nem você somos mais primitivos – pelo menos assim não nos consideramos – continuemos a conversar como homens modernos. E então você haveria de querer me per-guntar, antes de responder sim ou não: - Vicente, se eu dissesse sim, a minha vida repetida seria inevitavelmente igual à original, ou nela haveria mu-danças – promovidas por mim e pelos acontecimentos?

Confesso que não tenho a respos-ta – que, aliás, ninguém até agora te-ve com absoluta certeza. Desde a sua formulação mais profunda e uma das mais antigas: o Sonho de Brahma, que nos cria, descria e recria, segundo a mística indiana.

Quem sabe entrevemos alguma pista para essa resposta levando adian-te o assunto desta nossa página Sim, que, além da referência ao Sonho de Brahma, trata basicamente de O Mito do Eterno Retorno, livro do romeno Mircea Eliade, e também passa por O Eterno Retorno do Mesmo do filósofo alemão Friedrich Nietzsche?

E falando em Nietzsche, bem antes da minha pergunta ser feita nesta pá-gina ele já havia feito a mesma pergun-ta, que lhe ocorra durante um passeio, em 1881, e que o próprio Nietzsche considerava um dos seus pensamen-tos mais aterrorizantes - se você é im-pressionável, passe por cima.

Nietzsche escreveu a pergunta te-nebrosa sobre o Eterno Retorno como o aforismo 56 do seu livro A Gaia Ciên-cia, lançado no ano seguinte. Ei-la:

- E se um dia ou uma noite um de-mônio se esgueirasse em tua mais so-litária solidão e te dissesse: - Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pe-queno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência – e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da exis-tência será sempre virada outra vez – e tu com ela, poeirinha da poeira!

Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasses assim? Ou viveste algu-ma vez um instante descomunal, em que lhe responderias: -Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!

Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse: a pergunta diante de tudo e de cada coisa: - Quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes? pesaria como o mais pesado dos pesos sobre o teu agir! Ou, então, como terias de ficar de bem contigo e mesmo com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?

Mircea Eliade, em seu breve livro

[email protected] CECIM

O Eterno Retorno e o Sonho de Brahma

O Mito do Eterno Retorno e em vários outros, como o imenso História das Crenças e das Ideias Religiosas, ou O Xamanismo, registrou suas profundas descobertas da mística arcaica, que a frase no alto da página sintetiza: - As sociedades arcaicas recusam o tempo histórico e são nostálgicas dos seus mitos de origens.

Eliade e o Mito do Eterno Retorno

E justamente porque nós, homens históricos, somos o inverso exato dos homens anteriores à História, é que eu não posso ter absoluta certeza de sua resposta, como disse lá encima que teria se você fosse um primitivo. Em nosso caso, a síntese de Eliade seria: - As sociedades modernas vivem uni-camente no tempo histórico e esquece-ram os seus mitos de origens.

Eliade nos diz: - O homem dito pri-mitivo, arcaico, não reconhece qual-quer ato que não tenha sido previamen-te praticado e vivido por outra pessoa, algum outro ser que não tivesse sido um homem. Tudo o que ele faz já foi feito antes. Sua vida representa a inces-sante repetição dos gestos iniciados por outros. Essa repetição consciente de de-terminados gestos paradigmáticos re-vela uma ontologia original. O produto bruto da natureza, o objeto modelado pela indústria do homem, adquire sua realidade, sua identidade, mas apenas até o limite de sua participação numa realidade transcendental. O gesto se reveste de significado, de realidade,

unicamente até o ponto em que repe-te um ato primordial. Diversos grupos de fatos, desenhados aqui e ali, a partir de diferentes culturas, nos ajudarão a identificar a estrutura dessa ontologia arcaica. Estudando seu mecanismo, po-deremos abordar o problema da exis-tência humana e da história dentro do horizonte da espiritualidade arcaica.

E nos mostra como distribuiu sua coleta de dados sob diversos títulos principais, assim:

I. Fatos que nos mostram que, para o homem arcaico, a realidade é uma função da imitação de um arquétipo celestial.

II. Fatos que nos mostram como a realidade é atribuída através da par-ticipação no Simbolismo do Centro: cidades, templos e casas tornam-se reais pelo fato de serem semelhantes ao Centro do Mundo.

III. Por fim, rituais e gestos profanos significativos, que adquirem o signifi-cado que lhes é atribuído, e que mate-rializam esse significado, só porque repetem de maneira deliberada estes ou aqueles atos praticados ab origine por deuses, heróis ou ancestrais.

E acrescenta: - A apresentação des-ses fatos, por si mesma, estabelece as bases para um estudo e interpretação da concepção ontológica que os funda-menta.

Pena que não teremos espaço para acompanhar minuciosamente, passo a passo, as descobertas feitas por Mircea Eliade – e recomendo que você, queren-do fazer isso, busque seus livros, que são relativamente fáceis de achar.

Mas há coisas essenciais, que não podemos deixar de citar. E uma delas é quando ele nos aponta um caminho para entendermos que O Eterno retor-no, para o homem primitivo, contém a promessa da restauração do Paraíso Perdido – em todas as culturas e du-rante todos os tempos antigos.

O Retorno Cíclico de Platão

Eliade: - O mito do paraíso primor-dial, evocado por Platão, e que conse-guimos discernir nas crenças india-nas, era conhecido dos hebreus - por exemplo, o Illud Tempus messiânico em Isaías 11,6, 8 e 65,25 - assim como dos iranianos no Dênkart, VII, 9, 3-5 - e das tradições greco-latinas. Além do mais, combina perfeitamente com a concepção arcaica – e talvez até uni-versal - do Princípio Paradisíaco, que encontramos em todas as avaliações do Illud Tempus primordial. Não se pode considerar de modo algum as-sombroso o fato de Platão reproduzir essas visões tradicionais nos diálogos que datam de sua velhice - a evolução de seu próprio pensamento filosófico o obrigou a redescobrir as categorias mi-tológicas. A memória da Idade de Ouro sob Cronos, sem dúvida alguma estava disponível para ele na tradição grega.

E além dessa referência a Platão, ele cita o próprio Platão dando a sua ver-são do Eterno Retorno, que ele chama de Retorno Cíclico.

Ele, Eliade, diz: - Vamos considerar a interpretação de Platão sobre o mito do retorno cíclico, mais especialmente no texto fundamental, que ocorre no Político. Platão encontra a causa da re-gressão cósmica e das catástrofes cós-micas num duplo movimento do Uni-verso, e nos fala delas assim: - ...deste nosso Universo, a divindade ora orien-ta inteiramente sua revolução circular, ora o abandona a si próprio, uma vez que suas revoluções tenham alcança-do a duração que combina com este Universo - e ele então começa a girar na direção oposta, com seus próprios movimentos... Esta mudança de dire-ção é acompanhada de gigantescos ca-taclismos: a maior destruição ocorreu tanto entre os animais em geral como no seio da raça humana, da qual, como seria de esperar, só restavam alguns

poucos representantes. Mas essa ca-tástrofe foi seguida de uma paradoxal regeneração. Os homens começaram a ficar jovens de novo: os cabelos bran-cos da idade escureceram, enquanto aqueles que estavam na puberdade começaram a diminuir de estatura dia a dia, até voltarem ao tamanho dos be-bês recém-nascidos - então, finalmen-te, ainda continuando a definhar, eles deixaram de existir por completo. Os corpos daqueles que morreram nesse momento desapareceram comple-tamente, sem deixar qualquer sinal, depois de alguns dias. Foi então que nasceu a raça dos Filhos da Terra - Ge-geneis, cuja memória foi preservada por nossos ancestrais. Durante essa era de Cronos, não existiam animais selvagens nem inimizade entre os animais. Os homens daqueles dias não tinham mulheres nem filhos: Ao se erguerem da terra, todos eles volta-ram a viver, sem conservar qualquer lembrança de sua antiga condição de vida. As árvores lhes davam frutos em abundância, e elesdormiam sem roupa, sobre o chão, porque todas as estações tinham bom clima.

No Retorno de tudo, segundo Pla-tão, porém, não há menção à versão dos Vedas sobre o chamado Sonho de Brahma. Segundo eles, Brahma quan-do dorme sonha o Universo, que pas-sa a existir – quando desperta, todo o Universo se desfaz. A mesma sequên-cia se repete. Depois de se passarem um número infinito de Kalpas. E sabe quanto dura cada Kalpa – um tempo infinito. Faça as contas.

Bem, basta de citações. A página vai

acabando e só há espaço para ainda uma observação:

E se as coisas se passassem como descreve Platão? - Ao se erguerem da terra, todos eles voltaram a viver, sem conservar qualquer lembrança de sua antiga condição de vida. As árvores lhes davam frutos em abundância, e eles dormiam sem roupa, sobre o chão, porque todas as estações tinham bom clima. Isso faria com que muitos que disseram – Não, à pergunta – Você gos-taria que sua vida se repetisse – passas-sem a dizer um entusiasmado

– Sim?

As sociedades arcaicas recusam o tempo históricoe são nostálgicas dos seus mitos de origens.MIRCEA ELIADE

Dali

Uroboros: A serpente metafisica que devora a própria cauda, símbolo do Eterno Retorno