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OS CONSTITUINTES EXTRAFRASAIS NA GRAMÁTICA FUNCIONAL DE SIMON DIK 1 Sandra Denise GASPARINI-BASTOS RESUMO: Este trabalho tem por objetivo fazer algumas considerações sobre os elementos classificados por Dik (1989, 1997) como constituintes extrafrasais (ECCs). Procuramos especificar as propriedades comuns a todos os ECCs e levantar alguns problemas advindos da relação entre os constituintes extrafrasais e os elementos tradicionalmente conhecidos como satélites dentro da teoria da Gramática Funcional. PALAVRAS-CHAVE: Constituintes extrafrasais; satélites; Gramática Funcional; Gramática Funcional do Discurso. Introdução Com o objetivo de descrever fatos lingüísticos dentro de um modelo funcionalista de análise, Dik (1989, 1997), em sua Teoria da Gramática Funcional (The Theory of Functional Grammar), apresenta alguns elementos denominados constituintes extrafrasais (extra-clausal constituents). De acordo com o autor, os constituintes extrafrasais apresentam as seguintes propriedades gerais: podem preceder, interromper ou seguir a frase; são destacados da frase por mudanças na entoação (quando se trata de língua falada); não se submetem às regras gramaticais que operam dentro dos limites da frase, embora possam ser relacionados à frase por regras de correferência, paralelismo e antítese; não são essenciais à estrutura interna da frase, podendo ser retirados sem que a frase deixe de ser gramatical. Tais constituintes, embora colocados em um mesmo grupo, apresentam características bastante diferenciadas, não apenas quanto à forma, que varia de uma simples interjeição a elementos com suposto estatuto de frase, mas também quanto à função. 1 Departamento de Letras Modernas - Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas - UNESP - 15054-000 - São José do Rio Preto - SP - Brasil. Endereço eletrônico: [email protected] 103 Alfa, São Paulo 49(1): 103-121, 2005

Simon Dik

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  • OS CONSTITUINTES EXTRAFRASAIS NA GRAMTICA FUNCIONAL DE SIMON DIK

    1Sandra Denise GASPARINI-BASTOS

    RESUMO: Este trabalho tem por objetivo fazer algumas consideraes sobre os elementos classificados por Dik (1989, 1997) como constituintes extrafrasais (ECCs). Procuramos especificar as propriedades comuns a todos os ECCs e levantar alguns problemas advindos da relao entre os constituintes extrafrasais e os elementos tradicionalmente conhecidos como satlites dentro da teoria da Gramtica Funcional.

    PALAVRAS-CHAVE: Constituintes extrafrasais; satlites; Gramtica Funcional; Gramtica Funcional do Discurso.

    Introduo

    Com o objetivo de descrever fatos lingsticos dentro de um modelo funcionalista de anlise, Dik (1989, 1997), em sua Teoria da Gramtica Funcional (The Theory of Functional Grammar), apresenta alguns elementos denominados constituintes extrafrasais (extra-clausal constituents). De acordo com o autor, os constituintes extrafrasais apresentam as seguintes propriedades gerais:

    podem preceder, interromper ou seguir a frase;

    so destacados da frase por mudanas na entoao (quando se trata de lngua falada);

    no se submetem s regras gramaticais que operam dentro dos limites da frase, embora possam ser relacionados frase por regras de correferncia, paralelismo e anttese;

    no so essenciais estrutura interna da frase, podendo ser retirados sem que a frase deixe de ser gramatical.

    Tais constituintes, embora colocados em um mesmo grupo, apresentam caractersticas bastante diferenciadas, no apenas quanto forma, que varia de uma simples interjeio a elementos com suposto estatuto de frase, mas tambm quanto funo.

    1 Departamento de Letras Modernas - Instituto de Biocincias, Letras e Cincias Exatas - UNESP - 15054-000 - So Jos do Rio Preto - SP - Brasil. Endereo eletrnico: [email protected]

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  • O grau de envolvimento dos constituintes extrafrasais com a frase adjacente tambm varia muito. Verificamos desde uma relao mais estreita, que desafia os limites de elementos intrafrasais, at uma relao mais distante, que s pode ser compreendida em nveis discursivos.

    Nosso trabalho tem por objetivo fazer algumas consideraes sobre os elementos apresentados como constituintes extrafrasais na proposta de Dik (1989, 1997). Procuramos explicitar a caracterizao que o autor faz dos constituintes extrafrasais ao mesmo tempo em que levantamos alguns problemas existentes na relao entre eles e os satlites, elementos intrafrasais definidos como meios lexicais opcionais que acrescentam informao adicional a um dos nveis da frase.

    3Dik (1997) classifica os constituintes extrafrasais (doravante ECCs) de acordo com a posio que ocupam em relao frase e tambm de acordo com a funo que exercem. Levando-se em conta a posio, os ECCs podem ser i) absolutos ou livres, ii) pr-frasais, iii) internos ou parentticos e iv) ps-frasais.

    Segundo Dik (1997), alguns ECCs so mais restritos a uma determinada posio, enquanto outros podem ocorrer em duas ou em at trs posies. Quanto s funes preenchidas pelos ECCs, estas podem ser de i) gerenciamento da interao, ii) especificao de atitude, iii) organizao do discurso e iv) realizao do discurso.

    Ao apresentar sua classificao para os constituintes extrafrasais, Dik (1997) chama a ateno para o fato de que qualquer classificao esbarra na natureza multifuncional de muitos desses elementos. Segundo o autor, essa multifuncionalidade manifesta-se nas diferentes funes exercidas por alguns constituintes em diferentes contextos e nas vrias funes que um mesmo constituinte pode ter simultaneamente na mesma ocorrncia.

    Muitos ECCs correspondem aos elementos que tm sido tradicionalmente descritos como marcadores discursivos dentro de um

    4modelo de anlise pragmtico-discursivo. Uma semelhana entre os marcadores discursivos e os ECCs consiste no fato de que um e outro no pertencem a uma categoria gramatical nica, fator que dificulta a anlise. Quanto s diferenas entre marcadores discursivos e ECCs, destaca-se o fato de que alguns marcadores discursivos podem estar sintaticamente integrados, ao passo que os ECCs no.

    2

    2 A depender de sua relao com a estrutura em camadas da frase, os satlites podem ser de predicado ( ), 1de predicao ( ), de proposio ( ) e de ilocuo ( ). 2 3 4

    3 Optamos por manter a abreviao proposta por Dik (1989, 1997) para extra-clausal constituents.4 Entre os estudos sobre marcadores discursivos, destacam-se os trabalhos de Schourup (1985) e Schiffrin

    (1987). Para o portugus, destacamos, entre outros, os trabalhos de Koch (1992), Rosa (1992), Silva e Macedo (1996), Risso et al. (1996), Marcuschi (1997) e Urbano (1999).

    ss s s

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  • Apresentamos, a seguir, mais detalhadamente, a classificao dos constituintes extrafrasais proposta por Dik (1997), exemplificando as formas mais comuns de cada funo. Citamos, tambm, como esses elementos vm sendo tratados por outros autores. Os exemplos que apresentamos para cada caso so tradues dos exemplos oferecidos por Dik (1997).

    ECCs responsveis pelo gerenciamento da interao

    Incluem-se nesse grupo os constituintes extrafrasais responsveis pela criao e manuteno das condies interacionais que precisam ser preenchidas para que um evento discursivo seja implementado. Entre eles esto as frmulas de saudao e de despedida, os chamamentos, os endereamentos, as respostas mnimas e as formas de polidez.

    Por meio das frmulas de saudao, o falante reconhece a presena do ouvinte e assegura sua disposio em participar do evento discursivo (Ol! Oi!); as frmulas de despedida desempenham um papel essencial no fechamento da maioria dos tipos de eventos discursivos.

    Os chamamentos servem para atrair a ateno de algum potencial ouvinte, indicando que o falante gostaria de dizer algo a ele, como em:

    (01) Ei voc a, qual o seu nome?

    Funes dos constituintes extrafrasais

    Os constituintes extrafrasais so apresentados por Dik (1997), conforme o quadro a seguir:

    Quadro 1 - Os constituintes extrafrasais

    FUNO TIPOS

    Gerenciamentoda

    Interao

    Especificao de Atitude

    Organizaodo

    Discurso

    Realizaodo

    Discurso

    Frmulas de saudao e de despedidaChamamentosEndereamentosRespostas mnimasFormas de polidez

    Interjeies

    Marcadores de fronteiraMarcadores de orientao (tema, condio e cenrio)Antitema

    Respostas (respostas completas e iniciadores de resposta)Partculas do tipo tag

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  • Romero Trillo (1997), que estudou alguns mecanismos para chamar a ateno do ouvinte na conversao, usando dados do espanhol e do ingls, designa os elementos desse grupo como continuativos. Entre os elementos capazes de exercer essa funo, o autor destaca particularmente verbos de capacidade visual na forma imperativa, como look (ingls) e mira (espanhol), mais freqentes na fala do que verbos de capacidade auditiva.

    Os endereamentos assinalam explicitamente a quem se dirige a declarao, como ocorre com os termos Joo e Maria nos exemplos a seguir:

    (02) Joo, voc poderia me dar uma mo, por favor?(03) Eu no acho que voc poderia fazer isso, Maria.

    As lnguas podem ter tipos especiais de endereamento, sendo o vocativo um exemplo disso.

    Fraser (1990, p. 391) considera que os vocativos codificam uma mensagem paralela inteira e identificam os indivduos a quem o enunciado dirigido, mas no assinalam uma relao discursiva como fazem os marcadores discursivos. Para o autor, os vocativos enquadram-se, de uma maneira bastante genrica, nos seguintes tipos:

    apelaes convencionais: Joo, senhor presidente, mame...

    nome de ocupao: garom, doutor, motorista...

    eptetos: querida, docinho...

    formas pronominais: voc, algum...

    As respostas mnimas assinalam que o ouvinte est pronto e disposto a participar da interao e que est prestando ateno no que o falante diz. Segundo Reid (1995, p. 494), as respostas mnimas so indicadores verbais e no-verbais da co-participao de uma pessoa na conversao. Elas tipicamente assinalam concordncia e no contam

    5 como turnos na conversao, nem como tentativas de obteno do turno.So elementos retroalimentadores da conversao. Os casos mais comuns so sim, no, mhm, ah.

    Marcuschi (1997) chama esses elementos de sinais de assentimento ou discordncia, produzidos por um dos participantes da interao durante o turno do outro. Para Vigara Tauste (1992), as respostas mnimas consistem em expresses verificativas, cujo uso por parte de um dos falantes no interrompe o fio discursivo do outro, mas serve para anim-lo a continuar falando, da sua funo facilitadora, de acordo com Reid (1995).

    5 Definimos turno, de acordo com Marcuschi (1997, p. 89), como a produo de um falante enquanto ele est com a palavra, incluindo a possibilidade do silncio, que significativo e notado.

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  • Entre as formas de polidez incluem-se os constituintes extrafrasais que assinalam pedidos de desculpas, como desculpe-me, no exemplo a seguir, alm das ocorrncias de por favor:

    (04) Desculpe-me, eu posso ter uma palavra com o senhor?

    ECCs responsveis pela especificao de atitude

    Representados basicamente por interjeies, os ECCs de especificao de atitude simbolizam o estado emocional do falante, como em:

    (05) Ai, meu dedo!(06) Dane-se!(07) Viva!

    Esses elementos expressivos podem ocorrer sozinhos ou integrados em um evento discursivo mais amplo.

    Embora as interjeies apaream, em muitas classificaes, como marcadores discursivos, Fraser (1990) considera que o significado das interjeies e o dos marcadores discursivos diferem significativamente. Segundo o autor, as interjeies apenas compartilham certas propriedades com os marcadores discursivos: so gramaticalmente perifricas e podem conter segmentos fonolgicos que no aparecem em itens lexicais. Uma

    6interjeio no parte de uma sentena, mas uma expresso que codifica uma mensagem inteira envolvendo o estado emocional do falante.

    Vigara Tauste (1992), analisando dados do espanhol falado, faz uma diferenciao entre interjeies prprias e interjeies imprprias. As interjeies prprias (como ah, ai, oh) so termos que carecem de um significado intelectual e se fixam estereotipados na lngua. As imprprias so elementos (substantivos, verbos, frases) que perderam seu significado semntico e, como as anteriores, servem para o desabafo emocional momentneo (Deus!, D-lhe!, Minha me!, Ser possvel!).

    ECCs responsveis pela organizao do discurso

    Os extrafrasais de organizao do discurso so responsveis pela organizao, estruturao e apresentao do contedo do discurso. Compreendem trs subgrupos de funes pragmticas: os marcadores de fronteira, os marcadores de orientao e o antitema.

    Os marcadores de fronteira envolvem os meios que podem ser usados para assinalar o comeo, o fim e a articulao interna do discurso

    6 Embora a interjeio seja usualmente representada por uma palavra, nem sempre isso ocorre.

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  • como um todo. Entre os marcadores de fronteira esto os iniciadores, capazes de abrir um novo discurso, um novo episdio do discurso ou um novo turno na conversao, como bem, no exemplo:

    (08) Bem, senhoras e senhores, podemos comear o jogo?

    Alm dos iniciadores, esto entre os marcadores de fronteira os alteradores de tpico (como a propsito), os marcadores de entrada e os finalizadores, que podem indicar o fim de uma conversao ou de um tpico dela.

    Downing e Martnez Caro (1998), analisando dados do ingls falado, verificam que os marcadores mais freqentes na introduo de um novo tpico so well (bem) e now (agora), cuja utilizao, preferencialmente no incio da unidade tonal, tende a coincidir com uma mudana de turno. As autoras observam que, de um modo geral, a introduo de tpico mais marcada, em termos de uma maior freqncia de marcadores, do que o fechamento de tpico.

    Os marcadores de orientao fornecem certas coordenadas que precisam ser fixadas a um enunciado, a fim de que este fornea uma contribuio coerente ao discurso. H vrios tipos de orientadores, como tema, condio e cenrio (relacionado a tempo, lugar e outros circunstanciais). Esses elementos tipicamente precedem a frase, orientando um suposto ouvinte para a interpretao do contedo enunciado.

    O tema especifica um conjunto de entidades em relao ao qual a frase seguinte apresenta alguma informao relevante. No exemplo

    (09) Quanto aos estudantes, eles no sero convidados.

    pode-se entender a estratgia de apresentar alguma coisa (no caso, os estudantes) sobre a qual alguma informao vai ser produzida (eles no sero convidados).

    O que Dik (1981, 1989) chama de tema freqentemente referido na literatura como tpico. No entanto, o autor faz uma separao entre tema (extrafrasal) e tpico (intrafrasal), considerando que um constituinte com funo pragmtica tpico apresenta uma entidade sobre a qual a predicao diz algo no cenrio dado. O exemplo a seguir mostra a ocorrncia de tema e de tpico:

    (10) Quanto a Paris, a Torre Eiffel realmente espetacular.

    No exemplo, o tema Paris especifica o domnio ou o universo do discurso em relao ao qual a predicao subseqente apresenta alguma

    7

    7 Muitos autores referem-se ao tema como tpico, no fazendo distino entre as categorias. O trabalho de Ilari (1992) uma referncia para a compreenso do tema dentro de uma perspectiva diferente da apresentada por Dik.

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  • informao relevante (tema). Por outro lado, a predicao no se refere diretamente a Paris, mas a Torre Eiffel, constituinte que tem a funo de tpico dentro da predicao.

    O tema precede a frase completa, sendo incomum em posies parentticas. Uma das evidncias de que est realmente fora da frase a

    8 possibilidade de ter seu prprio estatuto ilocucionrio. No exemplo (11),

    (11) Meu irmo? Eu no vejo ele h anos.

    enquanto a frase tem um valor ilocucionrio declarativo, o tema tem um valor ilocucionrio interrogativo. Com a possibilidade de atribuio de valores ilocucionrios diferentes ao tema e frase, refora-se a caracterizao do tema como extrafrasal, j que uma mesma frase no pode ter dois valores ilocucionrios ao mesmo tempo.

    De um modo geral, conforme aponta Dik (1997), o tema aparece freqentemente em forma absoluta, sem marcas de qualquer tipo de funo sinttica ou semntica. O falante produz um tema antes de ter uma idia clara do tipo de frase que ir produzir. O autor confirma que o tema no derivado da frase; antes, esta se ajusta ao tema.

    Downing (1997) analisa o tema no espanhol falado e discute alguns elementos capazes de fazer uma separao entre o tema e a frase adjacente. Entre eles esto a vrgula (na lngua escrita), a pausa entoacional (na lngua falada) e as intervenes sintticas. Em seus dados, a autora identifica dois tipos principais de intervenes sintticas: o encaixamento (exemplo (12)) e a clivagem (exemplo (13)):

    (12) El Ateneo, me parece que pilla ms arriba.(O Ateneu, me parece que fica mais pra cima.)

    (13) La neurologa, lo que estudia son tumores.(A neurologia, o que estuda so tumores.)

    A condio, que se realiza por meio de uma orao subordinada condicional, constitui outro dos elementos apresentados como marcadores de orientao. As propriedades caractersticas dos extrafrasais que se verificam nas oraes condicionais, segundo Dik (1997), so a pausa prosdica entre a primeira e a segunda orao e a presena de um elemento resumidor como ento iniciando a segunda orao. Vejamos o exemplo:

    (14) Se Joo rico, ento ele pode nos ajudar.

    8 Dik (1989, 1997) considera que em todas as lnguas existem tipos especiais de sentenas, as Declarativas, Interrogativas, Imperativas e Exclamativas. Essas so as ilocues bsicas distinguidas nas lnguas naturais.

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  • Na viso do autor, a orao subordinada Se Joo rico pode ser considerada extrafrasal por estar separada da segunda orao por meio de uma pausa e tambm porque a segunda orao se inicia por ento. Isso nos parece curioso, pois a relao estabelecida por se...ento, a nosso ver, fortalece o vnculo entre a primeira e a segunda orao e no h nenhuma razo evidente para tratar a subordinada como um elemento extrafrasal.

    Mesmo quando a relao se...ento (if...then) no est explcita - exemplo (15) -, no consideramos a pausa elemento suficiente para classificar a subordinada como extrafrasal:

    (15) Se chover, as ruas ficaro molhadas.

    Condicionais como as do exemplo (15) j haviam sido classificadas por Dik et al. (1990) como satlites de proposio. Como confirma Wakker (1992, p. 378), uma vez que as if clauses especificam uma condio para a realizao do estado-de-coisas designado pela orao principal, elas esto claramente relacionadas ao nvel proposicional da frase e so, desse modo,

    satlites de proposio ( ). 3Dessa forma, no acreditamos haver elementos suficientes para

    justificar a incluso das condicionais entre os extrafrasais.Neves (2003) chama a ateno para a existncia de oraes

    condicionais responsveis pela criao de molduras que ficam vazias, como

    (16) Quer me dizer o... senhor pergunte para o Delegado. Se fosse por mim... Eu tenho corao de manteiga.

    (17) Ah, se fosse sempre assim! (18) Ah, se eu voltasse...

    que parecem corresponder aos extrafrasais de posio absoluta propostos por Dik (1997). No entanto, segundo a autora, fica extremamente difcil estabelecer a fronteira que h de delimitar o estatuto 'frasal' ou 'extrafrasal' de um constituinte adverbial componente de estrutura hipottica (DIK, 1997, p. 134). Para que essas oraes condicionais sejam tratadas como constituintes extrafrasais e no mais como satlites, faz-se necessria uma reviso do modo de apresentar-se o estatuto dos elementos classificados como satlites na estrutura da predicao.

    A noo de cenrio restringe-se s coordenadas de tempo e de lugar definidas explicitamente ou implicitamente no discurso. possvel escolher entre a especificao de tempo (exemplo (19)), de lugar (exemplo (20)), ou de ambos (exemplo (21)):

    (19) No incio da primavera, Joo se sentiu mal.(20) Em Paris, Joo se sentiu mal.

    s

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  • (21) Em Paris, no incio da primavera, Joo se sentiu mal.

    Elementos indicadores de tempo e de lugar j haviam sido tratados por Dik (1989) como satlites de predicao (nvel 2). Por essa razo, a classificao desses elementos como constituintes extrafrasais tambm nos parece duvidosa.

    Os elementos que atuam como antitema acrescentam partes de informao que podem ser relevantes para uma melhor compreenso da frase. A informao apresentada serve para esclarecer ou modificar algum constituinte da frase com a qual o antitema se associa. No exemplo

    (22) Ele um belo rapaz, seu irmo.

    o antitema seu irmo acrescenta uma especificao ao termo rapaz, j contido na frase. Especiais na linguagem falada, os antitemas so usualmente precedidos de pausa e representam uma estratgia conversacional de reparo. De acordo com Koch (1999), o antitema pode tirar a ambigidade do enunciado, contribuindo para uma melhor interpretao do texto e para a construo de sua coerncia.

    Diferentemente da maioria dos constituintes extrafrasais, o antitema ocorre tipicamente aps a frase, uma vez que ele fornece alguma informao adicional pertencente interpretao da frase como um todo. Entretanto, como o antitema pode ainda trazer informao adicional sobre um constituinte especfico, possvel que ele ocorra como insero parenttica dentro da frase, como em:

    (23) Ele fingiu que foi l - na biblioteca - que tudo aconteceu.

    Nesse exemplo, o antitema na biblioteca especifica o sentido de l, fornecendo uma informao mais explcita ao ouvinte.

    Aijmer (1989), que analisou antitemas no ingls falado, considera que o antitema no usado somente para identificar um referente discursivo, mas que o falante pode utiliz-lo para estabelecer uma funo social secundria, a de criar intimidade entre os participantes na situao de comunicao.

    ECCs responsveis pela realizao do discurso

    Os elementos extrafrasais apresentados como responsveis pela realizao do discurso desempenham um papel na expresso do real contedo do discurso. Entre eles esto as respostas e as partculas do tipo tag.

    As respostas so elementos produzidos em reao quilo que outro participante da interao est dizendo ou disse. Compreendem as respostas completas e os iniciadores de resposta.

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  • As respostas completas so os meios pelos quais o falante assinala acordo ou desacordo (total ou parcial) com o que outro disse. Diferentemente das respostas mnimas, as respostas completas contam como turnos, sozinhas, ou combinadas com material adicional do mesmo falante. Entre os casos que podem ocorrer como um turno completo, o autor apresenta as formas: sim, no, talvez, certamente, certamente no, , no , certamente .

    Os iniciadores de resposta so elementos que sozinhos no constituem uma resposta completa, mas servem para introduzir a reao do falante ao que outro disse. O exemplo

    (24) A. Que tal vir por esse caminho?B. Bem, no, eu estou supervisionando aqui.

    mostra que os iniciadores de resposta, como bem, e a resposta completa, como no, podem combinar-se.

    Jucker (1993), de uma perspectiva textual-interativa, considera well (bem) um marcador discursivo que apresenta usos distintos, porm

    9 relacionados a um significado nuclear. O autor distingue quatro usos principais de well:

    marcador de insuficincia, que indica alguns problemas no nvel do contedo do enunciado corrente ou precedente;

    10 atenuador no tratamento da face, que indica alguns problemas no nvel interpessoal;

    indicador de mudana de tpico ou introdutor de fala direta relatada;

    mecanismo de protelao.

    Em todos os casos, well assinala o modo pelo qual o enunciado seguinte pode ser processado pelo ouvinte, indicando que o contexto criado por um enunciado pode no ser o mais relevante para a interpretao do prximo enunciado (JUCKER, 1998, p. 450).

    Schiffrin (1987) considera que o uso de well, assim como o de outros marcadores discursivos, no est necessariamente baseado em seu significado semntico ou em seu estatuto gramatical. Nos vrios estudos desse marcador, well tem sido chamado de interjeio, preenchedor, partcula, marcador de hesitao e iniciador. Sua funo caracterstica, segundo a autora, como marcador de resposta: well ancora seu uso numa troca conversacional quando as opes oferecidas em um

    9 As consideraes que fazemos aqui sobre well, bien, bueno, bom valem tanto para a funo de incio de conversao (marcadores de fronteira, segundo Dik) como para a funo de incio de resposta.

    10 Definimos face, de acordo com Goffman (1974), como a expresso social do eu individual. Os recursos de proteo face ocorrem em virtude de uma informao ou de uma revelao que possa prejudicar, de algum modo, os interlocutores.

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  • primeiro enunciado para a coerncia de uma resposta que vir no so precisamente seguidas.

    No espanhol, os correspondentes de well podem ser bien e bueno, que apresentam funes semelhantes s identificadas por Jucker (1993) para o ingls. Cepeda e Poblete (1996), que analisaram o marcador conversacional bueno no espanhol do Chile, indicam que tal elemento permite que o falante se conceda um tempo para responder ou crie um suspense para o que vai dizer. Para Fuentes Rodrguez (1995), bueno, alm de marcar o incio de uma interveno, unindo a pergunta resposta, pode atenuar o que vai ser dito. O marcador bien tambm analisado por Fuentes Rodrguez no espanhol falado de Sevilha. Segundo a autora, o uso de bien permite ao falante iniciar um novo aspecto na conversao ou separar aspectos diferentes do mesmo assunto.

    Risso (1999), analisando dados do portugus falado, inclui entre os iniciadores de resposta os marcadores olha e ah, os quais funcionam fundamentalmente para manter aberto o canal de interlocuo, enquanto se procura o feitio da resposta propriamente dita. Mediante o uso de olha, o contedo da resposta dirigido diretamente para o interlocutor, cuja participao requerida, enquanto o foco de ah incide com mais freqncia no prprio locutor. No caso das formas bem e bom, a autora verifica que esses marcadores tm sua orientao voltada fundamentalmente para a informao a ser provida pelo locutor.

    Silva e Macedo (1996) consideram o marcador bom, em incio de turno, um atenuador, ligado s funes de polidez.

    As partculas do tipo tag, tipicamente separadas da frase por uma pausa prosdica, so capazes de converter a ilocuo bsica da frase precedente em uma outra ilocuo, como o exemplo

    (25) Est muito quente aqui, no?

    em que a ilocuo bsica declarativa convertida em interrogativa por meio da partcula no.

    Norrick (1995) considera que o uso de tags pode marcar a incerteza do falante, na medida em que apela para a confirmao do ouvinte.

    Fuentes Rodrguez (1990), de uma perspectiva pragmtico-discursiva, considera alguns tipos de tags (como os casos de verdad? e no? do espanhol) unidades que tm por funo apelar ao ouvinte, chamando sua ateno. Esse chamar a ateno do outro, segundo a autora, orienta-se para a continuao da comunicao.

    No portugus falado, as formas mais comuns de tags, conforme levantamento feito por Urbano (1999), so no?, no ?, no verdade? e n?, esta ltima com grande freqncia de uso.

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  • Caracterizao dos ECCs a partir da proposta de Dik (1997)

    Alm das caractersticas apontadas por Dik (1989, 1997) para os constituintes extrafrasais, julgamos conveniente acrescentar algumas caractersticas que permitem explicitar o comportamento desses elementos. Assim, complementando as propriedades propostas por Dik para os constituintes extrafrasais, consideramos que os ECCs:

    so destacados da frase por uma pausa entoacional (na lngua

    falada) e por pausas grficas (na lngua escrita);

    no interferem nas regras gramaticais que operam dentro dos

    limites da frase, embora possam ter alguma marca dentro dela (como o tema, por exemplo);

    podem preceder, seguir ou interromper uma frase, embora nem todos os constituintes possam ocorrer em todas as posies; como observamos, o antitema s pode aparecer em posio intermediria ou final e o tema s se configura em posio inicial.

    A ltima propriedade geral apresentada por Dik - possibilidade de que os ECCs sejam retirados sem afetar a gramaticalidade da frase - no suficiente para a determinao do estatuto dos extrafrasais, j que tambm uma caracterstica dos satlites. A diferena que os constituintes extrafrasais tm uma atuao no discurso, o que nos permite acrescentar uma ltima propriedade:

    so elementos que, embora estejam adjacentes frase, s so compreendidos no nvel do discurso.

    Dentro do grupo dos ECCs proposto por Dik (1997), identificamos elementos que mantm algum vnculo com a frase e outros completamente

    11independentes. Para esclarecer tais comportamentos, baseamo-nos em dois traos: i) relao do elemento extrafrasal com outros elementos no interior da frase adjacente; ii) posio do elemento extrafrasal com respeito frase adjacente.

    Com relao ao primeiro trao que apontamos, os ECCs de organizao do discurso (tema e antitema) mantm uma relao mais estreita com a frase, por terem um elemento correferencial dentro dela.

    Os ECCs de realizao do discurso (tags e respostas) no deixam marcas sintticas na frase adjacente, mas no so completamente desprovidos de um vnculo com a frase. Os tags caracterizam-se por modificar o valor ilocucionrio da frase precedente, e as respostas do tipo sim e no servem como elementos que por vezes unem a pergunta explicao contida na frase subseqente resposta.

    11 Estamos desconsiderando na anlise as oraes condicionais e as marcas de cenrio, elementos cuja

    incluso entre os extrafrasais nos parece duvidosa, como j apontamos.

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  • Diferentemente dos ECCs responsveis pela organizao e pela realizao do discurso, os ECCs de gerenciamento da interao (saudaes, chamamentos, endereamentos) mantm pouco ou nenhum vnculo com a frase adjacente. Em algumas circunstncias, os chamamentos podem ser seguidos por uma frase na qual se explicita a quem tais expresses se referem - exemplo (26) - mas nem sempre isso ocorre:

    (26) Ei, o que voc acha disso?

    Por fim, os ECCs de especificao de atitude, representados pelas interjeies, so completamente desvinculados da frase.

    O segundo trao que usamos para caracterizar os ECCs diz respeito posio que esses elementos comumente ocupam em relao frase.

    Mais uma vez, podemos observar que os ECCs de organizao do discurso so mais dependentes da frase. O tema e o antitema s se caracterizam como tais por se localizarem, respectivamente, esquerda e direita da frase. O tema precisa da frase subseqente para ter seu sentido explicitado e o antitema existe para explicitar, ele mesmo, o sentido de um elemento contido no interior da frase antecedente.

    Entre os ECCs de realizao do discurso, observamos que as respostas, pela funo discursiva que desempenham, so mais comuns em posio inicial. J os tags so caractersticos de posio final.

    Os ECCs de gerenciamento da interao so mais livres, embora algumas formas, como chamamentos e endereamentos, caracterizem-se por antecederem a frase. J os ECCs de especificao de atitude so formas completamente livres.

    Para representar a caracterizao dos ECCs, a partir da sua relao com a frase, propomos a elaborao de um continuum, que vai do elemento com menos traos de extrafrasal ao elemento com mais traos (pouca ou nenhuma relao com a frase e liberdade de posio):

    Esquema 1 - Caracterizao dos ECCs a partir da relao com a frase

    Organizaodo

    discurso

    Realizaodo

    discurso

    Gerenciamentoda

    interao

    Especificaode

    atitude

    (--) (-) (+) (++)

    Problemas identificados na caracterizao dos ECCs

    Num primeiro momento, chama-nos a ateno a relao, ora mais explcita, ora menos evidente, do constituinte extrafrasal com a frase. As propriedades gerais dos constituintes extrafrasais sempre os caracterizam em relao a uma frase a qual podem preceder, interromper ou seguir -, da

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  • qual se destacam, com a qual no compartilham regras gramaticais, etc. Ou seja, o constituinte extrafrasal caracteriza-se a partir da frase, o que se converte num problema, pois formalmente ele definido em cotejo com a frase, e, funcionalmente, sua atuao se d num plano discursivo.

    Alm disso, h algumas superposies na caracterizao dos satlites e dos constituintes extrafrasais. Podemos considerar que os satlites e os extrafrasais so elementos lexicais opcionais estrutura com a qual se relacionam. Enquanto na classificao da frase proposta por Dik (1989) os satlites esto na predicao nuclear, na predicao central, na proposio ou na frase, os constituintes extrafrasais esto fora de todos esses nveis, podendo manter ou no uma relao de adjacncia com a frase.

    De acordo com Dik et al. (1990), os satlites podem ter diferentes graus de complexidade interna. Como exemplo, os autores citam alguns tipos de satlites de predicao ( ), os quais no diferem quanto camada 2em que se localizam, mas diferem quanto sua complexidade interna. Assim, podemos ter:

    complexidade de um predicado, como repetidamente em Joo encontrou Pedro repetidamente, que designa uma propriedade (repetio) do estado-de-coisas descrito;

    complexidade de um termo, como na plataforma em Joo encontrou Pedro na plataforma, que designa uma entidade (a plataforma) na qual o estado-de-coisas descrito situado;

    complexidade de uma predicao, como aps sair do trem em Joo encontrou Pedro aps sair do trem, que designa um estado-de-coisas (a sada de Joo do trem) em relao ao qual o estado-de-coisas descrito localizado no tempo;

    complexidade de uma proposio, como porque queria conversar com ele em Joo encontrou Pedro porque queria conversar com ele, que designa o contedo proposicional (eu quero falar com Pedro) que motivou a ocorrncia do estado-de-coisas descrito.

    Segundo Dik et al. (1990), assim como os satlites de predicao, tambm os satlites de predicado, os de proposio e os ilocucionrios podem ter vrios tipos de complexidade interna.

    Da mesma forma que os satlites, os constituintes extrafrasais tambm diferem bastante quanto sua complexidade interna, podendo representar-se por formas que variam de uma simples interjeio at uma frase inteira. Nesse domnio, eles abrangem formas que tambm podem atuar como satlites. Assim, verificamos que a diferenciao entre satlites e constituintes extrafrasais s possvel, em muitos contextos, pela

    s

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  • identificao da estrutura com a qual eles se relacionam. Enquanto os constituintes extrafrasais se relacionam com o discurso como um todo, o satlite, mesmo estando dentro do discurso, identificado a partir de uma relao direta com a frase.

    Para estabelecer uma relao entre os elementos intrafrasais e os elementos extrafrasais, propomos o seguinte esquema:

    Esquema 2 - A relao entre os elementos intra e extrafrasais

    Os argumentos e os satlites esto dentro do domnio da frase. Os constituintes extrafrasais esto fora da frase e dentro apenas do domnio do discurso. O trao contnuo refere-se aos elementos essenciais, os argumentos. O trao pontilhado representa os elementos opcionais, como os satlites e os ECCs. Representamos a frase por meio de traos pontilhados porque, dentro do domnio discursivo, no h obrigatoriedade de que a comunicao se realize apenas por frases completas, mas ela pode ocorrer mediante o uso de partes da frase ou por meio de elementos que esto fora da frase, como as interjeies, por exemplo.

    A relao entre satlites e ECCs fica mais clara quando samos da estrutura da frase para a estrutura do discurso. Acreditamos que o uso de um mesmo elemento como satlite ou como ECC atende aos propsitos comunicativos do falante no interior do discurso. a inteno comunicativa do falante que determina a expresso de um elemento como satlite ou como extrafrasal.

    Assim, acreditamos que a Gramtica Funcional da frase no suficiente para explicar o funcionamento de elementos que tm uma marcada funo discursiva. Dessa forma, julgamos necessria a adoo de um novo modelo de anlise, a Gramtica Funcional do Discurso, para a compreenso do comportamento de elementos como os constituintes extrafrasais.

    argumentosatlite

    frasediscurso

    ECC

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  • Consideraes finais

    A partir da classificao proposta por Dik (1997) para os constituintes extrafrasais, lembramos alguns estudos que se ocuparam desses elementos numa perspectiva textual-interativa. Como foi possvel observar, muitos dos elementos classificados por Dik como constituintes extrafrasais correspondem aos marcadores discursivos, elementos que tm um importante papel no funcionamento do discurso.

    Observando todos os elementos apresentados como ECCs pelo autor, discordamos da incluso das oraes condicionais entre eles. Como tais oraes eram, at ento, tratadas na teoria como satlites, julgamos que qualquer concluso no sentido de consider-las extrafrasais requereria uma reviso do estudo dos satlites.

    Considerando os quatro grupos de ECCs propostos por Dik (1997), gerenciamento da interao, especificao de atitude, organizao do discurso e realizao do discurso, propusemos um continuum, com base na relao entre o extrafrasal e a frase adjacente, e na liberdade posicional de alguns ECCs.

    Assim, os extrafrasais de especificao de atitude e os de gerenciamento da interao mantm pouco ou nenhum vnculo com a frase adjacente (quando existente), enquanto os extrafrasais de realizao do discurso e os de organizao do discurso se distanciam menos. Os traos que consideramos na elaborao desse continuum valem para todos os ECCs.

    Entre os problemas que identificamos no estudo dos ECCs, destacamos o fato de esses elementos serem caracterizados sempre em dependncia de uma frase adjacente (nem sempre presente) e tambm a

    12dificuldade de separar satlites e ECCs. Como vimos, os extrafrasais no possuem uma forma fixa. A

    variedade de formas que pode apresentar um ECC corresponde, em grande parte, variedade de formas que os satlites podem ter.

    A princpio, a separao entre satlites e ECCs justifica-se pela diferena de estruturas s quais esses elementos se relacionam: enquanto

    13os satlites pertencem ao nvel da frase, os ECCs pertencem ao nvel do discurso.

    Acreditamos que uma das principais dificuldades em considerar um elemento como satlite ou como constituinte extrafrasal deve-se existncia de elementos de mesmo valor semntico que, quando deslocados da estrutura da frase, podem deixar de ser satlites para atuar como ECCs.

    12 O prprio termo constituinte extrafrasal para designar um elemento que no faz parte da estrutura , no mnimo, curioso. Entretanto, o termo mantido em nosso trabalho pela tradio que ele tem na teoria.

    13 No podemos esquecer que o termo frase, aqui, corresponde quarta camada proposta por Dik (1989), que j inclui o ato de fala.

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  • A necessidade de explicar casos como esse leva-nos a reconhecer a necessidade de buscar auxlio na Gramtica Funcional do Discurso, modelo que vem sendo recentemente elaborado por vrios tericos da Gramtica Funcional de linha holandesa.

    GASPARINI-BASTOS, S. D. The extra-clausal constituents in Simon Diks Functional Grammar. Alfa, So Paulo, v.49, n.1, p.103 -121, 2005.

    ABSTRACT: In this paper we offer some considerations about those elements that Dik (1989, 1997) classifies as extra-clausal constituents. We try to specify the properties shared by all the ECCs and to point out the problems arising from the relationship between ECCs and those elements usually known as satellites in Functional Grammar Theory.

    KEYWORDS: Extra-clausal constituents; satellites; Functional Grammar; Functional Discourse Grammar.

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    121Alfa, So Paulo 49(1): 103-121, 2005

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