Simonsen e Gudin - Desenvolvimento (IPEA)

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    DesenvolvimentoO debate pioneiro de 1944-1945

    SIMONSENGUDIN

    A l o s i o T e i x e i r aGi lber to MaringoniDenise Lobato Gentil

    Ensaios e comentrios de

    ROBERTO EUGNIO

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    A l o s i o T e i x e i r aGi lber to MaringoniDenise Lobato Gentil

    Ensaios e comentrios de

    DesenvolvimentoO debate pioneiro de 1944-1945

    Braslia, 2010

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    Autores:

    Alosio Teixeira

    Gilberto MaringoniDenise Lobato Gentil

    Governo Federal

    Secretaria de Assuntos Estratgicos da

    Presidncia da RepblicaMinistro Samuel Pinheiro Guimares Neto

    PresidenteMarcio Pochmann

    Diretor de Desenvolvimento InstitucionalFernando Ferreira

    Diretor de Estudos e Relaes Econmicase Polticas InternacionaisMrio Lisboa Theodoro

    Diretor de Estudos e Polticas do Estado,das Instituies e da DemocraciaJos Celso Pereira Cardoso Jnior

    Diretor de Estudos e Polticas MacroeconmicasJoo Sics

    Diretora de Estudos e Polticas Regionais, Urbanas

    e AmbientaisLiana Maria da Frota Carleial

    Diretor de Estudos e Polticas Setoriais, de Inovao,Regulao e InfraestruturaMrcio Wohlers de Almeida

    Diretor de Estudos e Polticas SociaisJorge Abraho de Castro

    Chefe de GabinetePersio Marco Antonio Davison

    Assessor-chefe de Imprensa e ComunicaoDaniel Castro

    URL: http://www.ipea.gov.brOuvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoria

    Fundao pbl ica vinculada Secretaria de

    Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica,

    o Ipea fornece suporte tcnico e institucional s

    aes governamentais possibilitando a formulaode inmeras polticas pblicas e programas de

    desenvolvimento brasi leiro e disponibil iza,

    para a sociedade, pesquisas e estudos realizados

    por seus tcnicos.

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    A l o s i o T e i x e i r aGi lber to MaringoniDenise Lobato Gentil

    Ensaios e comentrios de

    DesenvolvimentoO debate pioneiro de 1944-1945

    Braslia, 2010

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    Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada ipea 2010

    As opinies emitidas nesta publicao so de exclusiva e de inteira responsabilidade dos autores,no exprimindo, necessariamente, o ponto de vista do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicadaou da Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica.

    permitida a reproduo deste texto e dos dados nele contidos, desde que citada a fonte.Reprodues para fins comerciais so proibidas.

    Desenvolvimento : o debate pioneiro de 1944-1945 / ensaiose comentrios de Alosio Teixeira, Gilberto Maringoni,Denise Lobato Gentil. Braslia : Ipea, 2010.128 p.

    Inclui bibliografa.ISBN 978-85-781-1041-2

    1. Simonsen, Roberto Cochrane, 1889-1948. 2. Gudin, Eugenio,1886-1986. 3. Histria Econmica. 4. Poltica Econmica. 5.

    Desenvolvimento Econmico.6. Pensamento Econmico. 7. AnliseHistrica. 8. Brasil. I. Teixeira, Alosio. II. Maringoni, Gilberto. III.Gentil, Denise Lobato. IV. Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada.

    CDD 330.981

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    Sumrio

    ApresentAo Joo Sics..................................................................07

    Parte I - a HIstrIa

    Alosio Teixeira e Denise Lobato Gentil

    o debAteemperspectivA.......................................................................11

    Parte II - OsPersOnagenseasIdIas

    Gilberto Maringoni

    o plAnejAdorroberto simonsen, indstriAedesenvolvimento................................35

    liberAlismorAdicAl -

    eugenio gudineAsupremAciAdomercAdo.........................................67

    A controvrsiA

    principAistrechos ...............................................................................101

    osAutores..........................................................................................130

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    Apresentao

    ESTE LIVRO busca recuperar um debate pioneiro sobre os rumos da economiabrasileira e sobre a prpria funo do Estado, realizado nos anos 1940. Trata-se dacontrovrsia, expressa na troca de quatro alentados documentos entre dois persona-gens proeminentes da cena poltica, econmica e cultural do pas.

    Eram eles Roberto Cochrane Simonsen (1889-1948) e Eugenio Gudin (1886-1986).Muitas vezes subestimada, essa correspondncia pblica trouxe luz, pela primeiravez, os dilemas de uma economia que iniciava seu mais signicativo ciclo indus-trializante, em meio a vrias tenses internas e externas. O mundo recuperava-se de

    cataclismos interligados: duas guerras de propores nunca vistas e, entre elas, umadepresso econmica que gerara abalos por toda parte. No Brasil, o primeiro governode Getulio Vargas entrava em sua fase nal.

    Os ensaios aqui apresentados buscam captar os pontos centrais daquela conjuntura esituar o que estava em jogo na esfera intelectual. O volume composto por duas partes.

    A seo inicial, de autoria de Alosio Teixeira e Denise Lobato Gentil, detm-se noexame do confronto entre os dois pensadores e abre o foco para suas decorrncias.Realizando uma ampla varredura histrica, os autores evidenciam o carter pioneiroe denidor das duas posies para os rumos adotados na economia brasileira nas seis

    dcadas seguintes. O texto mostra que o debate entre desenvolvimentistas, vocalizadopor Simonsen, e liberais, personicado por Gudin, renova-se e desdobra-se nos dile-mas atuais da vida nacional.

    A segunda parte, escrita por Gilberto Maringoni, traa um perl analtico dos deba-tedores. Ao longo de dois captulos, esto sintetizadas a evoluo do pensamento, asinuncias tericas e as obras de cada um. Simonsen e Gudin expressavam vertentesintelectuais com slida tradio histrica. Aps estes pers, apresentada uma sntesedas principais intervenes dos dois personagens, editada por Maringoni.

    Com mais este trabalho, o IPEA busca jogar luz, de forma ampla, em eventosfundamentais do debate sobre economia poltica no Brasil.

    Joo SicsDiretor de Polticas e Estudos Macroeconmicos Ipea

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    P I

    A histria

    Alosio Teixeira e Denise Lobato Gentil

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    Duas correntes que se enfrentam atravs dos tempos

    O debate emperspectiva histrica

    EM BOA HORA decidiu o Ipea voltar-se para o debate pioneiro sobre o desenvol-vimento, realizado por Roberto Simonsen e Eugenio Gudin, em 1944 e 1945. Comose sabe, a polmica foi originalmente publicada anos atrs pelo prprio Ipea, em umacoletnea com textos dos dois autores sobre as primeiras propostas formais de plane-

    jamento para a economia brasileira.O momento no poderia ser mais propcio. Aps vinte anos de experimentos neoliberais,

    em todo o mundo e tambm no Brasil, as verdades difundidas durante todo esse tempodesfazem-se em dvidas e incertezas sobre o futuro da economia mundial. Tudo que slido desfaz-se no ar parece dizer tal como Marx em seu Manifesto a enigmticarealidade do capitalismo contemporneo.

    Para enfrentar dvidas e desaos no h outra coisa a fazer seno desfazermo-nosde preconceitos ideolgicos e voltarmos a percorrer os caminhos j trilhados, exami-nando cada parada e cada desvio, para ver onde e como os obstculos foram enfren-

    tados aprender com o passado, enm, para construir o futuro. E, nessa trajetria,sem dvida, os debates sobre planejamento econmico (idia que andou um tantodesacreditada no perodo recente) tiveram uma importncia capital. A polmica queora apresentamos o ponto de partida desses debates.

    A edio original data de 1977, sendo precedida de uma importante introduo deautoria do economista Carlos von Doellinger. Os textos que a compem apresentamvises inteiramente divergentes sobre os temas da planicao e do desenvolvimentoeconmico. O primeiro deles um parecer apresentado por Simonsen ao Conselho

    Nacional de Poltica Industrial e Comercial, em 16 de agosto de 1944, e que se intitulaA planicao da economia brasileira; o segundo, Rumos de poltica econmica,

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    de autoria de Eugnio Gudin, um relatrio preparado para a Comisso de Plane-jamento Econmico, datado de 23 de maro de 1945, no qual o famoso economistarebate ponto por ponto o parecer de Simonsen. Esse texto ensejou uma rplica vi-

    gorosa de Roberto Simonsen, a qual Gudin respondeu atravs de carta Comissode Planejamento. O debate entre os dois encerrou-se aqui, at porque, logo depois,a Comisso de Planejamento Econmico foi dissolvida e Roberto Simonsen faleceuprematuramente em 19481.

    O debate e seus protagonistasAntes de entrarmos na matria substantiva do debate e de apontarmos algumas

    lies para o momento, valem duas palavras: uma sobre as instituies nas quais osdocumentos foram apresentados; outra sobre os protagonistas.

    Doellinger, na introduo referida, satisfaz nossa curiosidade em relao primeiraquesto. O Conselho Nacional de Poltica Industrial e Comercial, que funcionou entre1944 e 1946, era vinculado ao Ministrio do Trabalho2, ento ocupado por AlexandreMarcondes Filho; o Conselho, que adotava uma posio nitidamente desenvolvimentis-ta, sob a liderana de Roberto Simonsen, realizou estudos sobre o tema da planicaoe elaborou um projeto de decreto-lei que jamais foi aprovado.

    J a Comisso de Planejamento Econmico, cujas atividades transcorreram em 1944e 1945, estava subordinada ao Conselho de Segurana Nacional. Sua nalidade era a de

    executar o Planejamento Econmico, alm dos problemas referentes agricultura, indstria, ao crdito, tributao, procurando estimular e amparar a iniciativa e o esfor-o da economia particular 3. Sob a inuncia de Eugnio Gudin, a prpria descrio desuas funes j indica uma orientao muito mais conservadora e convencional.

    A existncia desses rgos no aparelho estatal brasileiro no deve causar estranhe-za ao leitor. Antes de mais nada, estava em curso uma guerra mundial da qual o Brasil

    1. Umsegundotempododebateviriaaocorrerem1953,apsapublicaopelaCepaldeumdocumentointituladoAnlisis y proyecciones de desarrollo econmico,noqualapresentavasuaTcnicadapro-gramaododesenvolvimentoeconmico.OprofessorGudinpreparouumacrticaaodocumentoquepublicouemumasriedecincoartigos,sobottulogeraldeMsticadoplanejamento,aparecidosnoCorreiodaManh,doRiodeJaneiro.ArespostacoubeaRaulPrbisch,entodiretorexecutivodaquelergodaONU,emdoislongosartigos,noDirio de Notcias,intituladosMsticadoequilbrioespontneo.VerHeitorFerreiraLima:HistriadopensamentoeconmiconoBrasil.SP:CompanhiaEditoraNacional,1976.ColeoBrasilianav.360,p.170.

    2. OMinistriodoTrabalhonaverdade,MinistriodoTrabalho,IndstriaeComrciofoicriadoporumdosprimeirosatoslegislativosdoGovernoProvisriodeGetlioVargas,apsaRevoluo

    de30(Decreton16.433,de26denovembrode1930).3. VerDoellinger,Introduo,p.13.InAcontrovrsia do planejamento na economia brasileira.RJ:

    Ipea/INPES,1977.

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    participou4. A mobilizao nacional e o esforo de guerra exigiram (como ocorreu emtodos os pases beligerantes, inclusive os Estados Unidos) um grau de planejamentoe de interveno do Estado nas atividades econmicas sem precedentes na histria do

    capitalismo. Tudo isso se dava, ademais, em um mundo que s superara as sequelasda Crise de 29 com o conito planetrio; nos anos 30 do Sculo XX, a comear peloNew Deal norte-americano e por outras experincias de polticas pblicas em vriospases do mundo, a idia de um capitalismo liberal perdia fora. Igualmente as ex-perincias do planejamento socialista na Unio Sovitica e os padres de articulaoestatal produzidos nos pases nazifascistas da Europa atraam a ateno dos estudio-sos para novas formas de promoo do desenvolvimento econmico.

    Quanto aos protagonistas, no se tratava de dois quaisquer. Eram verdadeiros gi-gantes do pensamento, que deram poderosa contribuio interpretao do Brasil, in-uenciaram geraes e se caracterizaram por uma permanente e dedicada militncia,poltica e intelectual, em prol das idias que defendiam.

    Roberto Cochrane Simonsen (1889-1948), nas palavras de Heitor Ferreira Lima, foio mais combativo e o mais importante industrialista que o Brasil j teve. Sua atuaono se limitou ao campo impulsionador de empreendimentos fabris e de outros tipos denegcios; embora tenha multiplicado suas iniciativas fabris, fez larga promoo das ati-vidades industriais, alm de se tornar lder de sua classe e tcnico da industrializao5.Com ele concorda Ricardo Bielschowsky, que arma: Roberto Simonsen, o maior

    lder industrial brasileiro, foi o grande idelogo do desenvolvimentismo6

    .Embora carioca, foi ainda criana morar em So Paulo, onde se formou engenheiropela Escola Politcnica de So Paulo, hoje integrante da Universidade de So Paulo(USP). Como engenheiro, foi logo trabalhar na Southern Brazil Railway e, em segui-da, ocupou o cargo de diretor-geral de obras da Prefeitura de Santos. Iniciou sua vidacomo empresrio, fundando, em 1912, a Companhia Construtora de Santos. Partici-pou desde ento da direo de empresas em vrios ramos de atividade (produtos decobre, frigorcos, borracha, combustveis etc.). Em 1928, j consagrado como lderde sua classe, liderou uma ciso na Associao Comercial de So Paulo, criando o

    Centro das Indstrias (transformado, mais tarde, na Federao das Indstrias do Es-tado de So Paulo Fiesp), da qual foi o primeiro vice-presidente. Mais tarde veio aser presidente da Confederao Nacional da Indstria (CNI) e da Fiesp.

    Participou ativamente do movimento constitucionalista de So Paulo, que, em1932, organizou um levante armado contra o governo de Getlio Vargas. A partir da,

    4. OBrasildeclarouguerraaoEixoem31deagostode1942,dataa partirdaqualfoidecretadaamobilizaogeral.Em1943foiorganizadaaForaExpedicionriaBrasileira(FEB),cujoprimeirodestacamentoembarcouparaoscamposdebatalhadaItliaemjunhode1944.

    5. HeitorFerreiraLima:op.cit.p.159.6. RicardoBielschowsky:Pensamento econmico brasileiro o ciclo ideolgico do desenvolvimentismo.

    RJ:Ipea/INPES,1988:p.96.

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    ingressou na vida poltica, sendo eleito deputado Assemblia Nacional Constituinteem 1933, pelo Partido Constitucionalista de So Paulo; permaneceu na Cmara dosDeputados, para exercer um mandato na legislatura de 1933-1937. Com o m da di-

    tadura getuliana, foi eleito deputado pelo PSD paulista em 1945 e senador em 1946,cargo que ocupava quando faleceu.

    Idealizador do Senai e do Sesi, fundou a Escola Livre de Sociologia e Poltica(1933), onde lecionou uma disciplina de histria econmica do Brasil. Participoutambm da criao da Faculdade de Engenharia Industrial e do Instituto de Organi-zao Racional do Trabalho (Idort). Sua obra escrita inclui vrios ttulos:A indstriaem face da economia nacional (1937), As conseqncias econmicas da Abolio(1938), Evoluo industrial do Brasil(1939) e Ensaios sociais, polticos e econ-

    micos (1943). Seu principal livro, no entanto, Histria econmica do Brasil 1500/1820,publicado em 1937.Roberto Simonsen foi um defensor radical e intransigente da industrializao do pas

    e da proteo do Estado s indstrias nascentes. Culto e erudito7, publicou vrios traba-lhos no campo da histria, particularmente sua histria econmica, que at hoje podeser considerada obra de referncia para o perodo. Bielschowsky denomina desenvol-vimentismo pioneiro a doutrina de Simonsen 8. E completa: (...) a obra de Simonsencontm os elementos bsicos do iderio desenvolvimentista, presentes no pensamentode todas as correntes favorveis, nos anos 50, implantao de um capitalismo indus-

    trial moderno no pas9

    .O pensamento de Roberto Simonsen desenvolve-se atravs de alguns eixos estru-turantes. O primeiro deles reside na idia de que a industrializao era a forma desuperar a pobreza. Mas no se limitava a isso: para ele e esse era o segundo eixo no bastava criar indstrias; a industrializao deveria dar-se de forma integrada,atingindo tambm (e principalmente) as chamadas indstrias de base (ao, qumi-ca pesada etc.). No h referncias em suas obras escritas ao economista polonsRosenstein-Rodan10 provavelmente Simonsen no conhecia seu trabalho; mas huma clara convergncia de idias entre eles.

    Contrapondo-se abordagem gradualista e incremental da teoria tradicional e es-ttica do equilbrio, na conduo de polticas de promoo do desenvolvimento eco-nmico, Rosenstein-Rodan defendia a idia de que os pases atrasados precisavam

    7. SimonsenfoimembrodaAcademiaPaulistadeLetrasedaAcademiaBrasileiradeLetras,doInstitutoHistricoeGeogrcodeSoPaulo,doInstitutoHistricoeGeogrcodeSantosedoInstitutoHis-tricoeGeogrcoBrasileiro.EraigualmentemembrodaNationalGeographicSocietydosEstadosUnidos,daRoyalGeographicSocietyinglesaedaAcademiaPortuguesadeHistria.

    8. RicardoBielschowsky:op.cit.,p.96.9. Idem:p.97.

    10. PaulNarcyzRosenstein-Rodan(19021985)nasceuemCracvianaPolniaeformou-seemeconomianaustria,sobaorientaoHansMayer,liando-se,portanto,escolamarginalistaaustraca.EmigrouparaaInglaterraem1930,foieconomistadoBancoMundialeprofessordoMITde1953a1968.

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    de um grande impulso (big push) 11 inicial de investimento industrial, para podervencer as barreiras do atraso e ingressar numa fase de crescimento equilibrado e auto-sustentado. Para ele, investimentos em uma indstria isolada no dariam resultado,

    dadas as dimenses reduzidas do mercado para seu produto. O nvel de demandaadequado s seria alcanado se vrias indstrias se expandissem simultaneamente,atravs de um grande impulso de investimento, gerando renda simultaneamente emdiversos setores para que a demanda pelo produto de qualquer indstria, isoladamen-te considerada, pudesse ser sustentada.

    O terceiro eixo estruturante do pensamento de Roberto Simonsen dizia respeito ne-cessria participao do Estado. Para ele, o sucesso do projeto de industrializao de-pendia de um decidido apoio governamental, onde o protecionismo e o planejamento

    econmico seriam instrumentos indispensveis para a promoo do desenvolvimento. Ainterveno estatal, no entanto, deveria ir alm dos mecanismos indiretos e incluir inves-timentos diretos nos setores bsicos em que a iniciativa privada no se zesse presente.

    A argumentao de Simonsen tinha alguns pontos fracos, o principal deles tendo sidona questo do nanciamento. Chegou a propor a criao de bancos industriais e a rei-vindicar, aps a II Guerra Mundial, o apoio nanceiro dos Estados Unidos, nos moldesdo Plano Marshall (que criticou, por no ser extensivo Amrica Latina). Doellinger,em sua j citada introduo edio de 1977, ao examinar os valores reivindicados,no pode deixar de registrar o quanto de ingnuo otimismo no havia na sugesto12.

    Trs outros argumentos foram usados por Simonsen, ainda que de forma esparsae pouco sistemtica. O primeiro deles diz respeito vulnerabilidade da economiabrasileira s crises econmicas externas, em decorrncia de sua dependncia das ex-portaes de produtos primrios para os pases mais desenvolvidos. Para ele, o forta-lecimento do mercado interno poderia constituir-se em soluo para esse problema.

    Esse argumento ligava-se a outro, em que criticava a ao dos mercados internacionaisem relao produo primria brasileira. Chegou a usar palavras mais prprias a umradical de esquerda que a um empresrio de sucesso: A poltica imperialista das grandesnaes coloniais e a mo-de-obra a preos vis dos trabalhadores asiticos so os maiores

    responsveis pela nossa fraca contribuio ao mercado mundial de produtos tropicais13.Finalmente, o terceiro argumento aponta para a existncia de desequilbrios estru-

    turais nas contas externas do pas, antecipando, de certa forma, o argumento Cepalinoda deteriorao dos termos de troca. Para enfrentar esse problema, chegou a propor ocontrole estatal do comrcio exterior.

    11. Omodelodobig pushfoiapresentadoemartigode1943,intitulado"ProblemsofIndustrialisationofEasternandSouth-EasternEurope"(Economic Journal,janeiro-setembro).[Traduobrasileira:ProblemasdeindustrializaodaEuropaorientalesul-oriental,inAgarwala,A.N.eSingh,S.P.

    (org.),AEconomiadoSubdesenvolvimento.RJ:Forense,1969.]12. Doellinger,Introduo,p.16.13. VerA controvrsia do planejamento na economia brasileira.RJ:Ipea/INPES,1977,p.201.

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    Apesar sua imensa cultura e de ter uma viso ampla e bem estruturada essencial-mente correta da realidade brasileira e, apesar de apresentar um projeto de desen-volvimento para o pas claro e consistente, Roberto Simonsen no era um economis-

    ta. Historiador e ensasta, procurava compensar suas limitaes nesse campo com umconhecimento profundo da realidade brasileira, baseado em sua erudio e em sua ex-perincia vivida. No teve tempo, pois morreu antes, de participar no debate tericodesencadeado pelo trabalho pioneiro da Cepal sobre o desenvolvimento da AmricaLatina14 e pela literatura sobre a economia do subdesenvolvimento. Como dissemosh pouco, provavelmente no havia lido Rosenstein-Rodam, embora tivesse conhe-cimento das obras de List15 e de Manoilesco16, cujo livro (Teoria do protecionismoe da permuta internacional), fez traduzir e publicar pelo Centro das Indstrias doEstado de So Paulo em 1931; usou-as para fundamentar seus argumentos em defesado protecionismo.

    Ricardo Bielschowsky arma que o pensamento de Simonsen pairou (...) sobreum vazio terico, diculdade que seu esprito predominantemente poltico e alheios academias de cincias econmicas lhe permitiu simplesmente ignorar. No usou,portanto, como referencial para suas reexes a teoria econmica, a no ser numnvel bastante primrio e de forma assistemtica. Tinha, na verdade, muito poucafamiliaridade com a teoria econmica e um raciocnio analtico pouco denido emeconomia, a ponto de, por vezes, usar conceitos bsicos de forma equivocada17.

    Roberto Simonsen, enm, no era um economista, o que tornou seus textos suscet-veis a crticas dos economistas conservadores.J Eugnio Gudin Filho (1886-1986) era antes de tudo um economista. Conside-

    rado o principal expoente da escola monetarista no Brasil, formou-se em engenhariacivil, em 1905, pela Escola Politcnica do Rio de Janeiro18. Passou a interessar-sepor economia na dcada de 1920, tendo publicado seus primeiros artigos na matriaem O Jornal, do Rio de Janeiro, entre os anos de 1924 e 1926. Mais tarde foi diretordesse peridico, bem como da Western Teleghaph (1929-1954) e da Great Western ofBrazil Railway por quase 30 anos.

    Em 1941, o ento Ministro da Educao, Gustavo Capanema, designou Gudin para redi-gir o projeto de lei que institucionalizou o curso de economia no pas. A proposta foi elabo-rada em colaborao com os professores Octavio Gouveia de Bulhes e Maurice Bye, tendorecebido elogios de professores de Harvard19, e comeou a ser implementada em 1944 .

    14. VerRaulPrbisch,OdesenvolvimentoeconmicodaAmricaLatinaeseusprincipaisproblemas,Revista Brasileira de Economia,setembrode1949.

    15. GeorgFriedrichList(1789-1846)eraumeconomistaalemo,partidriodoprotecionismo.Suaprincipalobra,Sistemanacionaldeeconomiapoltica,foipublicadaem1841.

    16. MihailManoilesco(1891-1950)eraumeconomistaromeno.

    17. RicardoBielschowsky,op.cit.,p.103.18. AtualEscolaPolitcnicadaUniversidadeFederaldoRiodeJaneiro.19. VerRicardoBielschowsky:op.cit.,p.47.BielschowskyapresentaaementadocursoelaboradaporGudin.

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    Eugnio Gudin foi um dos fundadores da Sociedade Brasileira de Economia Pol-tica (1937) e da Faculdade de Cincias Econmicas e Administrativas (1938), ondefoi professor de Moeda e Crdito. Junto com Octavio Gouveia de Bulhes ocupou

    slida posio na rea de economia da Fundao Getlio Vargas (FGV), da qual foivice-presidente entre 1960 e 1976. Sob sua inuncia, a FGV rapidamente tornou-seo principal ncleo de militncia intelectual dos economistas conservadores. Pou-co depois de sua fundao, em 1944, os dois economistas criaram uma diviso depesquisas econmicas, que deu origem, a partir de 1950, ao Ibre (Instituto Brasilei-ro de Economia). A partir de 1948, comearam a publicar a Revista Brasileira deEconomia, uma das primeiras publicaes acadmicas em economia de bom nvel.Em 1952, o grupo passou a controlar a revista Conjuntura Econmica, tambm pu-blicada pela Fundao Getulio Vargas. Ainda na Fundao, Gudin foi um dos res-ponsveis pela implantao da Escola de Ps-Graduao em Economia (EPGE), dosquais se tornou diretor. Gudin foi professor na Universidade do Brasil, atual UFRJ,at aposentar-se em 1957.

    Em 1944, Gudin foi escolhido delegado brasileiro Conferncia Monetria In-ternacional, em Bretton Woods, nos Estados Unidos, que deniu as regras de fun-cionamento do sistema monetrio internacional, instituindo um padro ouro-dlar ecriando o Fundo Monetrio Internacional (FMI) e o Bird (Banco Mundial)

    Durante os sete meses em que foi ministro da Fazenda (1954-1955) no Governo

    Caf Filho20

    , Gudin promoveu uma poltica de estabilizao econmica baseada nocorte das despesas pblicas e na conteno da expanso monetria e do crdito, oque provocou uma crise em setores da indstria. Considerava isso indispensvel paraobter o apoio das instituies nanceiras internacionais. Sua passagem pela pastafoi marcada, ainda, pela Instruo 113, da Superintendncia da Moeda e do Crdito(Sumoc), que facilitava os investimentos estrangeiros no pas, e que seria largamenteutilizada no governo de Juscelino Kubitscheck, para a implantao da indstria au-tomobilstica. Foi nesse perodo tambm que o imposto de renda sobre os salriospassou a ser descontado na fonte.

    Gudin era um liberal extremado e fez oposio sistemtica aos governos de Juscelino Ku-bitschek e de Joo Goulart, tendo apoiado o golpe militar de 1964. Como economista, criti-cava a industrializao e defendia a vocao agrcola do pas; era defensor do capital es-trangeiro e ops-se criao da Petrobrs, bem como participao do Estado na economia.

    20. JooCafFilho(1899-1970)eravice-presidentedeGetlioVargaseassumiuogovernoquandoopresidentesuicidou-seem24deagostode1954.Apesardocompromissodemanterapolticadeseuantecessor,mudouoministrio,incluindolideranasdeoposio,entreelasEugnioGudinnoMi-nistriodaFazenda.Emnovembrode1955,alegoumotivosdesadeparalicenciar-sedapresidncia,

    passandoocargoaoPresidentedaCmaradosDeputados,CarlosLuz.Em11denovembro,foidepostopeloMinistrodaGuerra,GeneralHenriqueTeixeiraLott,paragarantirapossedopresidenteeleito,JuscelinoKubitschek.

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    A obra escrita de Gudin imensa, mas seu principal livro Princpios de econo-mia monetria (1943), texto que se tornou obrigatrio em seus cursos de Moeda eCrdito. Outros livros que podem ser citados: As origens da crise mundial(1931),

    Capitalismo e sua evoluo monetria (1935) e Rumos de poltica econmica (1945).Essencialmente um autodidata em teoria econmica, Gudin iniciou seus estudos

    nessa rea em um momento em que o pensamento liberal sofria um duro golpe, emconsequncia da crise de 1929. A crise e as transformaes que se seguiram, tantoeconmicas quanto polticas e sociais solaparam as bases de sustentao de um pen-samento em que o mercado deveria garantir a ecincia econmica.

    Mesmo continuando a defender esse princpio, vrios tericos do liberalismo co-mearam a admitir, nos anos 1930, a necessidade de alguma interveno do Estadopara corrigir as imperfeies de mercado. Segundo Bielschowsky, os liberais brasi-leiros, no entanto, caracterizavam-se pela defesa de trs pontos:

    A) reduo da interveno do Estado na economia brasileira;

    B) busca do equilbrio monetrio e nanceiro (sem levar em conta seus efei-tos sobre o nvel de renda e emprego);

    C) averso e oposio a medidas de suporte ao projeto de industrializao21.

    O ponto de partida de Gudin, em matria de teoria econmica, foram os trabalhos de Vi-ner22e Haberler23, ambos defensores da liberdade de troca no comrcio internacional. Masno era um mero repetidor de textos; sua obra, principalmente levando-se em conta a pocaem que comeou a ser escrita, tem a originalidade de tentar desenvolver uma interpretaoneoclssica para os pases subdesenvolvidos (que chamava de economias reexas).

    A hiptese terica central, em que se baseia todo o pensamento de Gudin, aexistncia de pleno emprego na economia brasileira, o que, combinado com a baixaprodutividade dos fatores de produo, explicava o atraso de nosso pas. Com isso,escapava tanto crtica dos keynesianos24 (cujas explicaes destinavam-se a situaes

    21. RicardoBielschowsky,op. cit.,p.44.

    22. JacobViner(1892,1970)foiumeconomistacanadense,comnotriascontribuieshistriadopen-samentoeconmicoeteoriadarma,comaconstruodascurvasdecustoedascurvasdeoferta,athojemencionadasnosmanuaisdemicroeconomia.Vinertambmdesenvolveuestudosnareadateoriadocomrciointernacional,sendoumdosprincipaisdefensoresdolivre-cambismo.

    23. GottfriedvonHaberler(19001995)foiumeconomistaaustraco,quetrabalhouespecialmentenareadecomrciointernacional.Desenvolveuestudossobreateoriadasvantagenscomparativas,emtermosdecustodeoportunidade,enodecustoreal.

    24. BielschowskyobservaqueGudinconsideravacorretasasidiasdeKeynesparaentenderospero-dosdedepressoenosaceitavaalgumaintervenodoEstadoparacorrigirasdecinciasdofuncionamentodosistemaeconmicoemperodosdedepresso,como(...)evoluiuparaavisodeque,mediantepolticaseconmicasadequadas,pode-seatneutralizarasoscilaescclicas.Defen-dia,porm,oprincpiodamnimaintervenoestataleaidiadeque,naspocasdeprosperidade,apresenadoEstadonaeconomiadeveserevitadaaomximo,porquecontrabalanaatendnciaecinciaalocativadosmecanismosdemercado.Op. cit.p.51.

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    em que o pleno emprego no era alcanado) como podia combater as idias dos de-senvolvimentistas e defender posies ortodoxas em matria de poltica econmica ea presena do capital estrangeiro.

    Considerando o Brasil um caso de pleno emprego (alguma vez, inclusive, o cha-mou de hiperemprego), Gudin concentrou o fogo de sua argumentao no pro-blema da inao, para ele o mais grave problema que qualquer sistema econmi-co poderia enfrentar. A expanso descontrolada do crdito e o dcit pblico eram osgrandes indicadores de que a economia brasileira estava em pleno emprego, sendo ainao, portanto, um caso tpico de inao de demanda. Esse processo, no entanto,era realimentado por um fator de custo, decorrente das elevaes de salrio acima daprodutividade.

    Tendo, por duas vezes, oportunidade de inuenciar a poltica econmica a pri-meira como Ministro da Fazenda no Governo Caf Filho, a segunda por sua ascen-dncia intelectual sobre Octavio Gouveia de Bulhes e Roberto Campos, que forma-ram o ncleo da equipe econmica do General Castelo Branco, aps o golpe de 1964 Gudin no hesitou em colocar em prtica suas idias, reforando, nos dois casos,as tendncias recessivas da economia brasileira.

    A interpretao que formulou sobre os processos em curso colocou-o em campooposto aos desenvolvimentistas, de cujas teorias foi um crtico. Gudin chegou a dizerque, na Amrica Latina, o desenvolvimento econmico consiste muito menos em

    promover novos investimentos do que em minimizar os efeitos dos erros repetida-mente perpetuados por seus governantes25.Na verdade, Gudin jamais aceitou a idia de desenvolvimento econmico, tal como

    apresentada pela Cepal e pelos tericos do subdesenvolvimento. Para ele, tratava-se to somente de crescimento econmico, que identicava com a elevao da pro-dutividade dos fatores. Mesmo assim, limitava-se a uma viso micro e esttica daquesto, desconsiderando por completo as economias externas e os efeitos dinmicosdecorrentes da implantao simultnea de todo um parque industrial.

    Pela mesma razo no via razo para polticas protecionistas ainda que reconhe-

    cesse a validade do argumento para fomentar as indstrias nascentes. Mas sempre limi-tando-se o nvel das tarifas e o prazo de vigncia das mesmas, bem como selecionan-do-se rigidamente os setores em que poderiam ser aplicadas. Na prtica, consideravaque as tarifas aplicadas no Brasil eram excessivamente elevadas, criando monoplios egerando margens de lucro acima das que o mercado permitiria; tudo isso se constituaem obstculo elevao da produtividade.

    Seus argumentos em defesa de polticas monetrias contracionistas e contra o pro-tecionismo, no entanto, tm mais consistncia terica que sua argumentao contra oplanejamento econmico. Certamente suas opinies polticas, de um reacionarismo

    25. CitadoemBielschowsky,op. cit.,p.67.

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    a toda prova, ajudaram a tornar suas posies muitas vezes manifestaes de puraideologia e preconceito. Considerava a interveno do Estado no domnio econmicoe o planejamento perigosas concesses ao socialismo26.

    Pois bem, foram esses contendores que travaram o primeiro grande duelo tericosobre poltica econmica no Brasil. Tudo comeou quando o Ministro do Trabalho,Indstria e Comrcio, atravs de uma indicao, solicitou ao Conselho Nacional dePoltica Industrial e Comercial, que preparasse um relatrio para subsidiar a formu-lao de uma poltica industrial e comercial para o pas. O Conselho Nacional de Po-ltica Industrial e Comercial indicou Simonsen para elaborar o trabalho e a primeiracoisa que fez foi pedir ao Servio de Estatstica da Previdncia, rgo do Ministrio,que preparasse um estudo sobre a renda nacional.

    No havia, na poca, estatsticas macroeconmicas no Brasil e o trabalho realizadopelo grupo do Ministrio cou muito aqum do necessrio para uma avaliao defundo sobre a realidade do pas. E Simonsen, mesmo reconhecendo a precariedadedos dados, acabou dando a eles uma nfase muito grande em seu relatrio, apre-sentado na sesso do Conselho de 16 de agosto de 1944. Esse documento27 era umarme tomada de posio em favor da industrializao, da participao do Estado naeconomia e do planejamento econmico.

    Enviado Comisso de Planejamento Econmico, foi Eugnio Gudin incumbidode examin-lo. Em maro de 1945, o parecer de Gudin foi divulgado28. Como era de

    se esperar, a crtica foi contundente, a comear pelas estatsticas apresentadas, que oautor demonstrou serem completamente inconsistentes, levando-o a propor a criaode um rgo voltado para o levantamento de dados sobre as contas nacionais e o ba-lano de pagamentos. Gudin apresentou pontos de vista contrrios aos de Simonsen,defendendo o aumento da produtividade como o nico caminho para o crescimentoequilibrado da economia brasileira.

    A resposta de Simonsen no se fez esperar: em junho, apresentou-a29, tentandodefender as estatsticas apresentadas pelo Ministrio do Trabalho, sem muito xito ereelaborando, de forma brilhante, suas idias sobre o planejamento econmico. Em

    carta Comisso de Planejamento, Gudin deu por encerrado a polmica30Vrios foram os pontos em debate, mas trs parecem ter centralizado as preocupa-

    es dos dois participantes. O primeiro diz respeito prpria noo de planejamento.Para Simonsen, as pequenas dimenses da renda nacional e os precrios padresde vida do pas exigiam uma viso inteiramente nova da ao governamental. Dis-se ele: impe-se (...) a planicao da economia brasileira em moldes capazes de

    26. Bielschowsky,op. cit.,p.49.27. VerRobertoSimonsen,A planicao da economia brasileira.

    28. VerEugnioGudin,Rumos de poltica econmica.29. VerRobertoSimonsen,O planejamento da economia brasileira.30. VerEugnioGudin,Carta Comisso de Planejamento.

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    proporcionar os meios adequados para satisfazer as necessidades essenciais de nossapopulao e prover o pas de uma estrutura econmica e social, forte e estvel, forne-cendo nao os recursos indispensveis sua segurana e sua colocao em lugar

    condigno, na esfera internacional31.Para Gudin, tratava-se quase de um pecado mortal. Cunha ento uma de suas ex-

    presses favoritas, ao considerar essa armativa como a mstica da planicao, de-rivada gentica da experincia fracassada e abandonada do New Deal americano, dasditaduras italiana e alem que levaram o mundo catstrofe e dos planos quinquenaisda Rssia, que nenhuma aplicao podem ter em outros pases32. Simonsen, em suarplica, defende o New Deal, no como experincia de planejamento (que no era),mas como um esforo de coordenao governamental para superar as sequelas dagrande depresso. E recusa a idia de que o conceito de planejamento estivesse obri-gatoriamente ligado experincias antidemocrticas33.

    O segundo ponto refere-se interveno do Estado na economia. Simonsen pergun-ta-se: at que ponto seria exercido o intervencionismo do Estado na concretizaodos planos?34 E responde: O grau de intervencionismo do Estado deveria ser estu-dado com as vrias entidades de classe para que, dentro do preceito constitucional,fosse utilizada, ao mximo, a iniciativa privada e no se prejudicassem as atividadesj em funcionamento no pas, com a instalao de novas iniciativas concorrentes35.E, nas concluses, arma que a renda nacional est praticamente estacionria, no

    existindo possibilidade, com a simples iniciativa privada, de fazer crescer a renda na-cional. E mais: Essa insucincia, em vrios setores, da iniciativa privada, tem sidoreconhecida pelo Governo Federal que, direta ou indiretamente como nos casos doao, dos lcalis, do lcool anidro, do petrleo, da celulose, do alumnio e da produode material blico tem promovido a xao de importantes atividades do pas36.

    A ira de Gudin levantou-se novamente, dizendo: realmente de uma desenvolturade pasmar. Para ele, o grau de intervencionismo [era] uma questo capital para oprprio regime poltico do pas e estava sendo tratado como uma questo a ser par-ticularmente acertada entre Governo e entidades de classe, como se o Brasil j fosse

    um Estado Corporativo, cujos destinos so decididos pelas cmaras de produo(...)Sugere, na seqncia do argumento, que Simonsen defendia interesses particularistas:A nica condicional do projeto Simonsen, nessa matria de primordial importnciapara a nao, a de que no se prejudiquem as atividades j em funcionamento (...)37.

    31. A controvrsia do planejamento na economia brasileira.RJ:Ipea/INPES,1977,p33.32. Verp.186eseguintesdeA controvrsia do planejamento na economia brasileira.33. Idem,p.35.34. Idem,p.36.

    35. Idem,ibidem.36. Idemp.79.37. Idemp.26.

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    O terceiro ponto de debate talvez o mais revelador dizia respeito importnciaatribuda industrializao e produtividade, como fatores essenciais ao desenvolvi-mento econmico. Simonsen argumentava, citando o relatrio da Misso Cooke, de1942: A industrializao do pas, sbia e cienticamente conduzida, com um melhoraproveitamento de seus recursos naturais, o meio que a Misso aponta para alcan-ar o progresso desejado por todos38. Gudin, respondendo a Simonsen, proclama:Tudo est na produtividade. E apresenta um argumento antolgico: Precisamos de aumentar nossa produtividade agrcola, em vez de menosprezar a nica atividadeeconmica em que demonstramos capacidade para produzir vantajosamente 39, isto ,capacidade de exportar. E se continuarmos a expandir indstrias que s podem viversob a proteo das pesadas tarifas aduaneiras e do cmbio cadente, continuaremos

    a ser um pas da pobreza, ao lado do rico pas que a Argentina40

    . Ao responders crticas de Gudin, Simonsen rearma que na situao geogrca em que est oBrasil, com sua populao, com a natureza dos recursos de que dispe, somente aindustrializao permitir alcanarmos uma cifra de renda nacional capaz de permitira melhoria geral do padro de vida que almejamos.

    Duas correntes em disputaPassados 65 anos da publicao dos textos do debate entre Roberto Simonsen e Eug-

    nio Gudin, cabe perguntar se houve vencedor na polmica.

    Embora no se possa dizer que Gudin no tenha participado da discusso sobre osproblemas do desenvolvimento, pode-se, ao contrrio, armar que era inteiramenteavesso ao planejamento; sua obra prendia-se adaptao dos postulados clssicosa uma economia primrio-exportadora. O modelo terico que adotava pressupunhapleno emprego permanente e plena ecincia do mercado, no sendo, portanto,capaz de aportar instrumentos para transformar uma sociedade capitalista atrasada.As limitaes da obra de Gudin como fonte de inspirao para ajudar na tarefa desuperao do subdesenvolvimento eram grandes e bvias. Gudin estava preocupa-do em mostrar as virtudes e a ecincia da ordem gerada pelo livre mercado, quan-

    do era necessrio revolucionar o modo como a sociedade brasileira se organizavapara produzir e distribuir riqueza.

    Simonsen concebeu sua teoria num momento histrico singular o inicio do pro-cesso de industrializao da economia brasileira, no perodo que se seguiu GrandeDepresso e Revoluo de 1930 quando no havia uma explicao coerente paraa profundidade e extenso do subdesenvolvimento; o prprio conceito sequer haviasido formulado. Ele no apenas ofereceu uma interpretao para os fatos como procu-

    38. Grifosnossos.39. Idemp.116.40. Idemp.116.

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    rou mostrar a inconsistncia da teoria liberal, adotada por Gudin, apontando a falta derealismo de suas hipteses e a inadequao de seus instrumentos de poltica econmicapara enfrentar os problemas brasileiros.

    De um ponto de vista estrito da cincia econmica, Gudin estava mais preparadoque Roberto Simonsen, pois conhecia as teorias convencionais, dominantes poca,e comeava a construir sua reputao acadmica. Mas, se levarmos em conta a tra-jetria percorrida pela economia brasileira nas dcadas seguintes, Simonsen estevemais prximo de ganhar o debate.

    Observamos, pginas atrs, que o pensamento de Roberto Simonsen organizava-seatravs de trs eixos principais. Em pelo menos dois deles os que se relacionamao papel do Estado e importncia do planejamento no h como negar que es-

    tava correto: a industrializao brasileira a partir dos anos 1930 deu-se com forteinterveno do Estado no papel de planejador, orientador, nanciador, regulador dasatividades econmicas, produtor direto e agente da manuteno da ordem social.

    A ao do Estado continuou a ser decisiva mesmo aps o trmino da II GuerraMundial, ao investir maciamente em infraestrutura, atravs da construo de estra-das, portos, gerao de energia eltrica, bem como na indstria de base (minerao,petrleo, siderurgia, metalurgia, energia eltrica) e nos servios de comunicao,atuando em atividades diretamente produtivas e em vrias frentes. Essas tarefas, as-sumidas pelo Estado brasileiro, proporcionaram as condies necessrias para o in-

    gresso do pas em uma fase mais avanada do processo de industrializao, com aocupao pelas corporaes multinacionais do setor de bens de consumo durveis.

    O que Simonsen no podia prever (nem o previram os pioneiros da escola da Ce-pal) foi o formato especco que assumiu a industrializao no Brasil. Se, de fato,ela se inicia nos anos 1930, durante mais de duas dcadas car restringida41 pelaimpossibilidade de constituir internamente o departamento produtor de bens de capi-tal. Esse setor, que comea a se formar nos anos 1940 (com os insumos pesados), scompletar sua formao na segunda metade dos anos 1950 (com a indstria de bensde capital acoplada indstria de bens durveis de consumo). Trata-se ento da pas-

    sagem a um novo padro especicamente capitalista de produo, mas que se cons-titui no de forma autctone, mas como parte de um movimento mais amplo, em quese arma o movimento expansivo da economia mundial no ps-II Guerra Mundial.Este movimento chamado de internacionalizao do capital (ou, mais precisamente,de transnacionalizao do capital).

    A transnacionalizao da economia brasileira signicou a criao, ao mesmo tem-

    41. OconceitodeindustrializaorestringidadevidoaJooManuelCardosodeMello,queoutilizaparaexplicarqueaindustrializaoseiniciasemqueseconstituam,simultaneamente,forasprodutivas

    especicamentecapitalistas,caracterizadaspelaexistnciadosetorprodutordebensdeproduomquinasqueproduzemmquinasoquesirocorrerapartirdosanos1940noBrasil(JooManuelCardosodeMello.O Capitalismo Tardio.Campinas:Unicamp/IE,1998.10edio,p.37).

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    po e de um s golpe, das empresas, das indstrias e dos mercados enm, dasforas produtivas especicamente capitalistas correspondentes a uma etapa avanadado capitalismo mundial. E, para que isso pudesse ocorrer, era condio necessria

    a existncia de mercados dinmicos e em expanso. O Brasil foi palco privilegiadodesse movimento, tanto pelo fato de j haver iniciado seu processo de industrializa-o, como porque no existia, no pas, averso (do ponto vista jurdico-institucional)ao capital estrangeiro ao contrrio, a presena de empresas estrangeiras j podiaser observada desde antes da I Guerra Mundial.

    Por isso, embora o longo ciclo da industrializao brasileira tenha sido acompanha-do por ampla interveno estatal, a dinmica e a lgica desse desenvolvimento foramditadas no pelo Estado, mas pela estratgia de crescimento, padro de produo eacumulao de capital e decises de investimento das grandes empresas internacio-nais, localizadas nos setores dinmicos da indstria de bens durveis de consumo,particularmente a automobilstica e a eletroeletrnica. O papel do Estado nesse pro-cesso foi relevante, principalmente por ter apresentado suciente plasticidade paraaceitar o processo de internacionalizao, gerando facilidades de crdito, de produ-o de insumos a baixo custo e no criando obstculos legais a seu desenvolvimento.Foi o Estado que gerou condies favorveis de nanciamento, crdito farto, prote-o tarifria, proteo exercida pelas desvalorizaes cambiais e reduo de salrios;foram os investimentos pblicos que estimularam o investimento privado do capital

    nacional e multinacional, oferecendo economias externas baratas; foi o Estado que,valendo-se amplamente da expanso monetria e dos dcits scais, ampliou o gastopblico e gerou um patamar mnimo de demanda.

    O Brasil foi, de fato, uma verdadeira fronteira de expanso do processo de transna-cionalizao do capital, o que levou a estrutura industrial aqui instalada a apresentartraos bem marcados quanto presena e liderana das empresas internacionais, lo-calizadas nos setores mais dinmicos, bem como quanto diviso de esferas entreelas, as empresas nacionais e o Estado.

    Gudin deve ter visto com um misto de reprovao e incredulidade o rumo que to-

    mou a poltica econmica expansiva e o seu xito em gerar o desenvolvimento indus-trial brasileiro sob forte interveno estatal. Era uma terapia oposta quela que pres-crevia. O PIB do Brasil cresceu, em mdia, a uma taxa de 6,5% ao ano entre 1930 e1980, perodo denominado por Bielschowsky e Mussi de era desenvolvimentista42.No entanto, seus temores no se justicavam, pois a preponderncia do capital estran-geiro mais integrava o mercado brasileiro ao capitalismo mundial do que o afastava.E, quando no plano poltico, houve temores quanto ao rumo do pas, no hesitaramos militares em intervir e suprimir a institucionalidade democrtica com o apoio

    42. BielschowskyeMussi(2002).El pensamiento desarrollista en Brasil: 1930 1964 y anotacionessobre 1964 2005.BrasilyChile.UnamiradahaciaAmricaLatina.

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    de Gudin para garantir a trajetria internacionalizada do capitalismo brasileiro.S muito mais tarde, idias ultraliberais como as de Gudin ganhariam espao no

    cenrio da poltica econmica nacional: nos anos 1990 e na dcada inicial do sculoXXI, a economia nacional passou por um amplo processo de abertura comercial,desregulamentao nanceira, privatizao, conteno do crdito e arrocho scal.Foi um perodo de baixas taxas de crescimento, ampliao da exposio da economiaa crises cambiais, destruio de cadeias produtivas na indstria, elevado desempregoe agravamento da concentrao da renda.

    Os liberais que sucederam Gudin nunca tiveram uma teoria original a respeito daAmrica Latina, nem da forma como o capital internacional expandiu-se para a pe-riferia. E nem precisavam dela. Talvez valha para ele a armao de Jos Lus Fiori:

    a repetio recorrente de algumas platitudes cosmopolitas foi mais do que sucientepara sustentar sua viso da economia mundial, e legitimar sua ao poltica e econ-mica idntica em todos os pases. 43

    Um desenvolvimentismo excludente e assimtricoUm dos eixos do pensamento de Simonsen, entretanto, revelou-se inteiramente

    equivocado: a idia de que a industrializao traria consigo a superao da pobreza.Apesar do acelerado crescimento e da transformao estrutural que o acompanhou,o pas continuou a apresentar elevados patamares de misria absoluta e padres de

    concentrao de riqueza e de desigualdade dos mais altos do mundo.O Estado da era desenvolvimentista, alm de suas funes scais, monetrias e

    cambiais em defesa do processo acelerado de industrializao, exerceu um forte con-trole do mercado de trabalho, atravs de polticas de rebaixamento salarial e de re-presso poltica, principalmente aps o golpe militar de 1964.

    O desenvolvimentismo foi uma ideologia e uma estratgia de interveno do Es-tado altamente contraditria, permanecendo prisioneira das tenses entre os setoresreformistas e os que se alinhavam aos interesses do capital industrial privado nacio-nal e multinacional, cuja complementaridade objetiva nem sempre se traduzia em

    proposies polticas convergentes. De qualquer forma, na era do Estado desenvol-vimentista, a crena na idia de que a industrializao, qualquer que ela fosse, trariaconsigo a superao da pobreza, levou despreocupao com a distribuio dos fru-tos do progresso e da riqueza gerados por seu avano. A rede de proteo social quecomeou a se formar no pas permaneceu incompleta e a concentrao da propriedade em particular a da terra seguiu intocada.

    Ao manter intocadas as relaes de propriedade no campo, no foi possvel qual-quer poltica ativa de distribuio de renda. O desenvolvimentismo brasileiro, por

    isso, acabou sendo um movimento contraditrio: se desenvolveu as foras produti-

    43. JosLuisFiori,Amrica Latina: um continente sem teoria.CartaMaior,22/04/2009.

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    vas, modernizou a estrutura de classes e urbanizou o pas, no deixou, por outro lado,de ser excludente e assimtrico, independentemente das idias polticas e dos desejosde seus defensores.

    Na verdade, as condies polticas que haviam prevalecido nos anos 1930, marca-dos por forte crise de hegemonia no mundo capitalista condies essas que per-mitiram um processo de industrializao quase autrquico naquela dcada forampaulatinamente desaparecendo aps o trmino da II Guerra Mundial. A hegemonianorteamericana e a transnacionalizao da economia mundial constituram-se em no-vas referncias, que tornavam impossvel um retorno ao passado. Por no perceberesse fato, em seu ltimo perodo de governo (1950-1954), Getulio Vargas insistiunas polticas anteriores e acabou conduzindo o pas a um impasse poltico, do qual

    resultou seu suicdio. O governo Juscelino Kubitschek (1956-1960), mesmo sem umaconscincia clara do processo que estava protagonizando, adotou uma poltica deabertura ao investimento direto externo, no diferenciando o desenvolvimento atra-vs do ingresso de capital internacional do que se fazia atravs do Estado e da empre-sa nacional. Finalmente, o perodo Joo Goulart (1961-1964), ao tentar apontar umcaminho de reformas estruturais e restries ao capital externo, acabou por agudizaro conito poltico, levando o pas a novo impasse e ao golpe militar.

    O desenvolvimentismo no regime militar

    A natureza essencialmente poltica do conito que levou ditadura militar em 1964pode ser claramente percebida, se atentarmos para o fato de que as polticas desenvol-vimentistas continuaram a ser implementadas nas dcadas seguintes. Mais do que isso,foram at ampliadas, realizando-se, com sinal trocado, as reformas que vinham sendopropostas por setores da esquerda: reforma bancria, reforma scal, reforma do sistemananceiro e muitas outras modernizaram o capitalismo brasileiro, preparando-o para pro-longar o ciclo expansivo com predomnio da lgica e da dinmica prprias do processode transnacionalizao.

    Tais polticas, mais do que resultado de uma orientao ideolgica, eram sobre-

    determinadas pelo movimento estrutural da economia brasileira e o governo auto-ritrio acabou por levar s ltimas conseqncias o projeto de industrializao dopas, agravando ao mesmo tempo et pour cause seus traos caractersticos deconcentrao e excludncia.

    A maior prova disso aparece quando examinamos os principais documentos depolticas para o desenvolvimento, que eram os planos de governo Paeg, PlanoDecenal, Plano Estratgico de Desenvolvimento (PED), Metas e Bases para a Aodo Governo, I PND, II PND bem como os cinco principais responsveis por suaelaborao e execuo: os ministros Roberto Campos, Octavio Gouveia de Bulhes,Antonio Delm Neto, Joo Paulo dos Reis Velloso e Mrio Henrique Simonsen. Ascontradies saltam a olho nu: dicilmente Campos, Bulhes ou Simonsen poderiam

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    ser considerados como desenvolvimentistas mas adotaram as tcnicas de pla-nejamento; Delm por certo era (e continua sendo) desenvolvimentista, mas a seumodo (inclusive, refratrio s tcnicas de planejamento); j Velloso era adepto tantodo desenvolvimentismo quanto do planejamento.

    Quanto aos planos, misturavam objetivos e tcnicas desenvolvimentistas com po-lticas monetrias rgidas, o que revelava as contradies em que se desenvolvia apoltica do regime militar. Defendiam o livre mercado e continuaram a ampliar a pre-sena do Estado na economia, com a criao de novas empresas estatais; pregavama ortodoxia scal, mas permitiam a expanso do gasto pblico e da base monetria.

    A oposio ao regime encontrou diculdades para entender o que se passava e en-contrar o alvo certo para assestar sua mira. Foi a divulgao dos resultados do censo

    de 1970 que apontou esse caminho, ao mostrar o calcanhar de Aquiles do desenvol-vimentismo militar: os indicadores de concentrao de renda e de riqueza haviampiorado ao longo da dcada, apesar do crescimento econmico. Importante ministroda rea econmica chegou a dizer que era preciso, primeiro, fazer crescer o bolo,para depois distribu-lo. Poucos anos depois, outro prcer do regime armou: Aeconomia vai bem, mas o povo vai mal.

    Anos 1980: a crise do desenvolvimentismoA passagem para os anos 1980 marcou o m de uma poca para o capitalismo

    mundial e com isso as idias desenvolvimentistas receberam um duro golpe. Nas eco-nomias capitalistas avanadas, os anos gloriosos do crescimento econmico thegolden age com base em polticas econmicas keynesianas e sistemas de seguri-dade social avanados, entraram em declnio. Um novo ciclo da economia mundial seiniciava. Uma anlise detalhada desse processo foge ao escopo desse ensaio.

    Vale, no entanto, recordar a seqncia de eventos que se sucederam desde o inciodos anos 1970, com a crise monetria internacional, a ruptura do padro monetriointernacional estabelecido em Bretton Woods e os choques do petrleo, a revelarque os mecanismos que haviam presidido o longo ciclo de expanso do ps-guerra

    esgotavam-se, e, com eles, debilitava-se a hegemonia norteamericana.Para fazer frente a isso, o governo dos Estados Unidos reagiu, em 1979, promo-

    vendo uma reviravolta na poltica econmica, elevando os patamares das taxas dejuros e atraindo a riqueza do resto do mundo para os ativos denominados em dlar.O objetivo era o de submeter seus parceiros no mundo capitalista e a retomar o controlee a direo do sistema.

    Os anos 1980 comearam, assim, em meio a uma grande recesso. A decorrnciamais imediata da poltica recessiva nas demais economias foi uma crescente instabili-dade monetria e cambial, desequilbrio nos balanos de pagamentos, crise da dvidana periferia capitalista, dcits scais de natureza nanceira ligados aos ajustes mone-trios dos balanos de pagamentos e paralisao do mercado internacional de crdito.

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    Para o mundo perifrico foi o colapso das suas economias. A contrao brusca daoferta de crdito impossibilitava-os de rolar suas dvidas. No tendo como pag-las,agravavam as j recessivas condies de funcionamento de suas economias. O duroajuste forado diminua a renda e o emprego disponvel em funo do baixo cresci-mento, provocava o aumento da concentrao da renda e da riqueza e exacerbava aexcluso social. E o que era j grave tornou-se pior: fortes movimentos especulativosatingem essas economias, agora desreguladas, o que fez crescer as diculdades doEstado de fazer uma gesto adequada de suas polticas monetria e scal.

    Mas tudo isso permitiu que se congurasse um novo quadro mundial. Os EstadosUnidos reforaram seu comando sobre as principais alavancas do poder capitalista,ao mudar o modo de operao da economia internacional, via restaurao da cen-

    tralidade do dlar no sistema monetrio internacional. E, o que importante, o fezatravs de um dlar desvinculado do ouro. Essa nova forma de liderana, na verdadeuma nova forma de dominao, permitiu aos Estados Unidos assumirem uma posioimperial, dada a assimetria de poder militar, nanceiro e tecnolgico com relao aosdemais pases do mundo.

    Reassumindo sua posio de comando, os Estados Unidos, na defesa de seus inte-resses, foraram o mundo capitalista a um processo de desregulao, de abertura demercados e liberalizao nanceira sem precedentes. A crise poltica e econmica daUnio Sovitica e do mundo socialista em geral, bem como as fragilidades da social-

    democracia europia contriburam, inegavelmente, para constranger o pensamentocrtico e para criar condies favorveis investida de idias e de polticas liberaispropagadas a partir dos Estados Unidos (e de seu parceiro europeu, a Inglaterra).

    A chamada nanceirizao da economia mundial avana rapidamente: a massa derecursos alocados em ativos nanceiros atinge cifras enormes; o poder econmicodos bancos e sua capacidade de inuenciar as polticas monetrias dos bancos cen-trais tornam-se crescentes; as bolhas especulativas vo surgindo, uma aps a outra,trazendo grande instabilidade para as economias nacionais.

    No Brasil, os anos 1980 signicaram igualmente a transio para um novo padro

    de acumulao, nanceirizado e patrimonialista. A crise internacional desmantelouos mecanismos de crescimento da economia brasileira constitudos nas dcadas ante-riores. Isso se deu atravs da paralisao do mercado internacional de crdito, do re-direcionamento dos uxos de investimento direto para os Estados Unidos e seu afas-tamento da rota da periferia e da transferncia macia de recursos da periferia para ocentro. A verdadeira natureza da crise pela qual passou o pas nos anos 1980 foi assima crise de uma economia industrializada e altamente internacionalizada, que se viuexcluda da rota dos movimentos internacionais de capital, nanceiros e produtivos.

    Foi nesse quadro de grandes transformaes que iria surgir uma nova era de idiassobre desenvolvimento econmico, denominada por Bielschowsky e Mussi (op. cit.) deera da instabilidade inibidora, e que dura at os dias de hoje. No Brasil, assim como em

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    todo o mundo perifrico, tem sido uma fase de baixo crescimento, com taxa mdia anualde 2,7% (idem). Os temas que passaram a predominar no debate versam sobre as restri-es do crescimento, com forte inuncia das doutrinas econmicas ortodoxas emanadasde instituies multilaterais como o FMI e o Banco Mundial: inao, endividamento ex-terno, dvida pblica, taxa de cmbio, taxas de juros elevadas e desequilbrio no balanode pagamentos. Preparava-se, sem pompa, o enterro do desenvolvimentismo.

    possvel um retorno ao desenvolvimentismo?Talvez sim, talvez no. Certamente no como uma repetio das experincias pas-

    sadas, no longo ciclo que se estendeu de meados dos anos 1950 ao nal da dcadade 1970. O mundo mudou e com ele o Brasil. A abertura descontrolada dos merca-

    dos, promovida nos anos 1990, associada natureza restritiva da poltica econmicaem curso na ocasio, acabou por induzir uma reestruturao perversa e defensiva daindstria instalada no pas. As grandes empresas realizaram um processo de especia-lizao nas linhas de maior produtividade, encerrando suas atividades nas demais, ealteraram seu mix de produo interna e revenda de importados, alm de aumentar ocoeciente importado, reduzindo o valor agregado internamente.

    Por outro lado, o investimento direto externo que ingressou no pas naqueles anosno levou ampliao da capacidade produtiva, mas simplesmente transfernciade propriedade a mos estrangeiras de empresas brasileiras, pblicas e privadas.

    O capital dirigiu-se para o patrimnio pblico, atravs das privatizaes, e parao setor privado nacional, atravs da desnacionalizao. Um profundo processode transferncia patrimonial foi realizado ao longo dos anos 1990, com a venda deempresas nacionais, pblicas e privadas, a empresas internacionais, tambm elaspblicas ou privadas. O capital entrante encontrou um aliado natural na nova elitenanceira, formada por bancos e instituies nanceiras de gerao recente e pelosfundos de penso. Juntos, compem eles a frao hegemnica nesta nova etapa dedesenvolvimento do capitalismo brasileiro. Destrua-se o Estado desenvolvimen-tista apenas para restaurar o Estado patrimonialista. S que a expresso da riqueza

    (e do poder) j no era o patrimnio imobilirio (a terra), como no passado, mas omobilirio (a circulao nanceira).

    Essa articulao que congura um novo padro de acumulao capitalista no pas exige uma sobrevalorizao da riqueza nanceira, que requer, por sua vez, elevadospatamares para as taxas de juros. A questo da taxa de juros, muito mais do que umadeciso de poltica econmica, a exigncia de uma estrutura capitalista cujo modo deexistncia pressupe a valorizao contnua da riqueza nanceira. No de se estra-nhar, portanto, que a luta por sua reduo venha sendo conduzida mais por intelectuaise economistas progressistas que por empresrios industriais. Esses se tornaram, si-multaneamente, j h alguns anos, empresrios nanceiros, ganhando com os lucrosda produo e, ao mesmo tempo, com o rendimento de suas aplicaes nanceiras.

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    S que esse admirvel mundo novo, fundado na acumulao patrimonial e nasnanas liberalizadas, est esbarrando em seus limites e contradies, em decorrnciada crise econmica internacional que se vem desenrolando desde 2007. A gravidade da

    crise, considerada por muitos superior da Grande Depresso dos anos 1930, mostra,mais uma vez, como j alertava Marx, que o limite do capital o prprio capital.

    O capitalismo est desgovernado, como arma Luiz Gonzaga Belluzzo. E o novoquadro que se desenha a partir da pode potencializar a retomada do debate brasileirosobre desenvolvimento, que, vagarosamente, vem ressurgindo nessa primeira dcadado sculo XXI.

    Alguns movimentos nessa direo podem ser apontados. O primeiro, diz respeito rica contribuio de um grupo de economistas dos Institutos de Economia da Uni-versidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade Estadual de Campinas(Unicamp). Maria da Conceio Tavares, Luiz Gonzaga Belluzzo, Luciano Coutinho,Jos Carlos Braga, Jos Luis Fiori, Franklin Serrano, Carlos Medeiros, Ricardo Car-neiro, Carlos Lessa e muitos outros vm publicando nos ltimos anos uma vasta obra,contendo inovadora linha de pesquisa sobre os acontecimentos recentes da economiainternacional e seus impactos no Brasil. Sucessores, herdeiros e crticos do pensa-mento estruturalista cepalino, esses pensadores agregam novas metodologias e linhastericas de interpretao do capitalismo contemporneo, voltando-se para a anlisedo poder norteamericano e do capital nanceiro global, e de suas repercusses no

    desenvolvimento do Brasil e na Amrica Latina.O segundo movimento vem de dentro da estrutura do governo federal. O BNDES,antes sob a direo de Carlos Lessa e agora com Luciano Coutinho, o Ipea, conduzi-do por Mrcio Pochman, e o Conselho de Desenvolvimento Econmico e Social tmproduzido ricas reexes e gerado trabalhos de flego sobre as diretrizes estratgicasorientadoras do combate aos entraves estruturais do desenvolvimento nacional.

    O terceiro movimento, de ordem continental, vem com a eleio, a partir de 1998,na Amrica Latina, de governos com plataformas antiliberais que esto trazendomudanas substanciais de orientao poltica. o caso de Argentina, Bolvia,

    Equador, Paraguai e Venezuela. Embora as transformaes na estrutura econmicaainda sejam muito limitadas, h claros indcios da disposio desses governos deprovocar mudanas em suas matrizes produtivas e de obter novas inseres inter-nacionais. Intensas lutas polticas se travam no interior de cada pas e entre eles ea nao hegemnica, mas at agora as concepes nacional-desenvolvimentistastm prevalecido e j se verica em alguns deles a concretizao de macias inter-venes estatais na economia e o prenncio de processos inovadores em matria dedesenvolvimento econmico.

    No Brasil, a busca de possveis sadas para superar os efeitos da crise internacionalempurra o debate para a construo de alternativas que no sejam uma mera supera-o da conjuntura adversa, mas que signiquem avanos em direo a um novo pro-

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    jeto de desenvolvimento econmico para o pas. S que, certamente, os atores sociaiscapazes de elaborar esse projeto e transform-lo em realidade so outros que no osdo tempo de Gudin e Roberto Simonsen.

    O debate entre eles foi o confronto seminal entre o liberalismo conservador e as for-as sociais interessadas no desenvolvimento capitalista de base industrial no Brasil.Foram essas duas vertentes ideolgicas, fundadas por esses autores, que nortearam osdebates do sculo XX. No entanto, o choque de concepes hoje de outra naturezae no h como confundir o agrarismo dos liberais do passado com o rentismo dosliberais do presente, at porque esses j no so agraristas, mas capazes de incorpo-rar os interesses da moderna agroindstria brasileira aos da indstria manufatureira,fundindo-os em um nico todo em que prevalece a natureza nanceira do capital.

    Os problemas que se colocam no so apenas de natureza terica, relativos in-terpretao do capitalismo brasileiro, mas, sobretudo, polticos. Questes como re-tomada do desenvolvimento e projeto nacional devem ser reformuladas, a partirda pergunta sobre quem so os atores sociais que, na atualidade, esto dispostos aassumir as tarefas histricas de formular o projeto nacional e defender polticas de de-senvolvimento, com altos nveis de emprego e distribuio de renda e riqueza. Talveza burguesia brasileira j no esteja, enquanto classe, to interessada assim.

    Dessa forma, a agenda desenvolvimentista iniciada na dcada de 1940 ainda estviva, mas transformada pelas novas condies do mundo capitalista atual. Permanece

    um tema profundo e caro aos economistas herdeiros da tradio estruturalista da Cepal,dos que se inspiram em Keynes e em Marx e de todos os crticos do neoliberalismo.Esse livro, com sua recomposio da memria histrica das idias de dois grandeslderes do pensamento brasileiro do passado, ser especialmente til ao debate atual.

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    P II

    Os personagens

    e as idias

    Gilberto Maringoni

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    Roberto Simonsen, indstria e desenvolvimento

    O planejador

    ELE EST EM P e inclina o corpo ligeiramente para frente. Como se buscasseapoio, coloca o mao de papis em cima da mesa e rma as mos sobre o tampo.

    - Partiu ento, assim, Sr. van Zeeland, de um membro da Academia Brasileira deLetras, ento senador da Repblica, um grito de horror...

    A mesa estava decorada com corbeilles de ores e rodeada por homens e poucasmulheres de expresso grave. Alguns dos presentes chegaram a pensar que ele procu-rava alguma anotao perdida ou fora de ordem.

    - ... da conscincia jurdica mundial contra as barbaridades das hostes germnicasque agrediram a nossa Ptria.

    A fala durava pouco menos de meia hora. J havia sido rapidamente analisada aposio do Brasil na situao internacional e as relaes com os diversos pases daEuropa, aps o conito mundial, encerrado trs anos antes.

    - A est a lio do sentimento universal e humano que a Blgica e o Brasil ofere-

    cem! A Blgica, pagando seu tributo...De repente, os braos cedem, as pernas amolecem e ele desaba, batendo o rosto

    sobre o mvel sua frente. Espanto geral. O escritor Mcio Leo e o jornalista Pauloda Silveira, ao seu lado, tentam reerguer o orador. Nada. Trs mdicos sentados naplatia buscam reanim-lo. Um deles tenta uma medida extrema. Puxa um canivetee faz um corte no pescoo do homem, na altura da jugular. Ao mesmo tempo, outroquebra uma ampola de nitrato de amido, um vaso dilatador, e o coloca junto ao narizdo desfalecido, prtica hoje abandonada. Os dois procedimentos tem por objetivo

    aliviar a presso arterial.Intil.

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    Tera-feira, 25 de maio de 1948. Um incio de noite quente e abafado, no centro doRio de Janeiro. O salo de sesses da Academia Brasileira de Letras comea a viverum verdadeiro pandemnio, sem ningum entender ao certo o que acontece. Acaba de

    morrer, aos 59 anos, Roberto Cochrane Simonsen, diante de parte da intelectualidadebrasileira, proferindo um discurso de saudao ao ento primeiro-ministro belga, Paulvan Zeeland. Tivera o que na poca se chamava derrame. Mais tarde o distrbio seriaclassicado como AVE (acidente vascular enceflico), causado por hipertenso arterial.

    Em meio estupefao geral, o corpo levado para uma sala contgua.O episdio estava carregado de tintas dramticas. O personagem que tombara em

    cima da mesa atravessara quatro dcadas frente de grandes empreendimentos indus-triais e alargara os horizontes das elites paulistas na primeira metade do sculo XX.Era Senador da Repblica e titular da cadeira nmero trs da Academia Brasileira deLetras. Tornara-se tambm presidente da Federao das Indstrias do Estado de SoPaulo, vice-presidente da Confederao Nacional da Indstria, presidente do Sindi-cato da Construo Civil do Estado de So Paulo, presidente do Conselho diretorda Cruz Vermelha de So Paulo e das empresas Cermica So Caetano, CompanhiaConstrutora de Santos e da Companhia Paulista de Minerao. Participara ainda dafundao do Senai, o Servio Nacional de Aprendizagem Industrial, e era vice-presi-dente do Conselho Superior da Escola Livre de Sociologia e Poltica.

    Em tempos de transportes areos escassos, o corpo seria levado a So Paulo, terra

    de Simonsen, de trem noturno. Saindo do Rio meia-noite, o comboio alcanaria acapital paulista apenas s 10 horas do dia seguinte. Na estao Roosevelt, no bairrodo Brs, debaixo de uma chuva na, estavam o governador Adhemar de Barros einmeras personalidades 44.

    Primeiros temposA morte cortou, no auge, a carreira do mais brilhante intelectual orgnico da burgue-

    sia brasileira. Antes dele, nenhum membro das classes dominantes locais conseguirateorizar sobre os rumos da economia nacional e do mundo dos negcios com a sua

    competncia. Nem mesmo Irineu Evangelista de Sousa, o baro de Mau (1813-1889),produzira uma combinao to prolca entre atuao empresarial e obra intelectual,sintetizada em uma trajetria poltica guiada pelos interesses da indstria. RobertoSimonsen buscou compreender a histria econmica brasileira e a insero do pasno mercado internacional como forma de traar os rumos futuros da industrializao.

    Simonsen nasceu no Rio de Janeiro, em 18 de fevereiro de 1889, em uma famliatradicional e inuente, com razes nos negcios do Imprio. Quando tinha um ano deidade, a famlia mudou-se para a cidade de Santos, no litoral paulista.

    44. AsinformaessobreamortedeRobertoSimonsenforamtiradasdaRevista da Indstria,publicaodaFiesp,n43,junhode1948,pgs.41a63.

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    O pai, Sydney Martin Simonsen, era um ingls que chegara ao Brasil aos 25 anos, em1875. Logo se casou com a carioca Robertina Gama Cochrane. Ela descendia de umalinhagem cujo membro mais notvel fora o almirante ingls Thomas Alexander Cochrane

    (1775-1860), contratado como mercenrio a servio de diversos governos da Amrica doSul. No Brasil, foi um dos comandantes da represso Confederao do Equador, rebe-lio republicana ocorrida em Pernambuco, em 1824. Cochrane foi agraciado por D. PedroI com o ttulo de marqus do Maranho.

    Roberto era o segundo dos cinco lhos do casal Cochrane Simonsen. H poucosrelatos sobre sua infncia. Heitor Ferreira Lima 45, seu assessor e bigrafo, citandoum colega de meninice, conta ter sido ele um garoto forte, alourado e saudvel. Seusprimeiros estudos foram realizados em Santos. Na adolescncia, mudou-se para SoPaulo, onde cursou o secundrio, no Colgio Anglo Brasileiro. Na poca, morava como av materno, Incio Wallace Gama Cochrane, engenheiro de renome e ex-deputadona Assemblia Provincial, entre 1870 e 1879.

    O av exerceu notvel inuncia para que o neto seguisse sua carreira. Precoce, Ro-berto se formou na Escola Politcnica, aos 21 anos. Seu primeiro emprego foi na Sou-thern Brazil Railway , em 1909, na qual permaneceu por pouco mais de um ano. Entre1911 e 1912, de volta a Santos, ocupou a diretoria geral das obras da Prefeitura da cidade.

    Quando deixou o cargo pblico, o jovem engenheiro abriu a Companhia Construto-ra de Santos. Em seguida, fundou a Companhia Santista de Habitaes Econmicas,

    para construes no bairro operrio de Vila Belmiro. Datam dessa poca tambmsuas primeiras atividades na Companhia Frigorca de Santos e na Companhia Frigo-rca e Pastoril de Barretos.

    A Companhia Construtora foi escolhida pelas foras armadas para a edicao devrios quartis e hospitais do Exrcito, nos Estados de So Paulo, Mato Grosso, MinasGerais, Gois, Paran, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. A tarefa,realizada em 36 cidades de oito Estados, estendeu-se at 1922. Assim ele relata suasatividades na poca:

    Desde o incio de minha carreira procurei compreender o meio em que vivamos e

    empreguei os maiores esforos para vencer a rotina. Devido decincia de capitais ede iniciativa particular, as grandes obras de engenharia esto quase sempre, no Brasil,na dependncia dos poderes pblicos. Forado assim a ter contato com essas adminis-traes, fui freqentemente alvo de maledicncia e de ataques sistemticos do espritode demolio, que se compraz, em nosso meio, a combater todo e qualquer empreendi-mento. Nunca me arreceei dessas agresses e sempre soube enfrentar esses detratores.So disso provas os numerosos relatrios, as vrias publicaes que fui forado pordiversas vezes a fazer na imprensa e o resultado das sindicncias efetuadas 46.

    45. LIMA,HeitorFerreira.Mau e Roberto Simonsen; dois pioneiros do desenvolvimento.SoPaulo:

    EditoraAlfaOmega,1976,pg.6546. Simonsen,Roberto. margem da prosso - Discursos, conferncias, publicaes.SoPaulo:Editora

    Limitada,1932,pg.7

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    O texto est na introduo da coletnea de artigos e discursos intitulada margem daprosso, publicada em 1932. Em outra passagem, o empresrio fala de suas preocupaes:

    No terreno econmico no houve problema nacional de vulto que no despertasse

    minha ateno e nunca poupei energias para colaborar em sua soluo e na formaoda conscincia de nossas verdadeiras necessidades 47.

    Mais adiante, ele justica sua atuao:Tratei de encarar sob um ponto de vista nacional os problemas econmicos que in-teressavam ao pas. Apaixonado pela cincia, sempre entendi que nela deveramosbuscar as solues para nossos casos. Deix-los discrio das aes e reaes dasforas naturais e dos livres fatores econmicos seria por muito tempo conduzir o pas auma servido econmica, quase to penosa quanto a sujeio poltica, em benefcio denaes melhor aparelhadas.

    Intelectual em aoA diferena entre Roberto Simonsen e a maioria de seus pares no meio em-

    presarial era a constante necessidade de transformar sua prtica cotidiana emreexes mais amplas. Essa inquietao intelectual pautou toda sua vida e sematerializou em dezenas de discursos, artigos, ensaios, relatrios, projetos e en-trevistas que, de tempos em tempos, eram reunidos em livros. Alguns destes soAs nanas e a indstria (1931), margem da prosso (1932) eRumo verdade

    (1933). H ainda estudos, apresentados em congressos e simpsios, nos quaisse percebe um cuidado com a elaborao de grcos, tabelas e estatsticas paracomprovar suas armaes. Essa incessante busca por dados e demonstraesempricas esbarrava sempre na precariedade das estatsticas ociais sobre a eco-nomia brasileira, caracterstica que perdurou at pelo menos o nal da primeirametade do sculo XX.

    Nos ensaios voltados para a questo social, h uma ateno recorrente para coma melhoria das condies de vida, o treinamento e a elevao dos salrios dostrabalhadores. Simonsen volta e meia alertava ser este o caminho para reduzir osconitos entre capital e trabalho. No nal dos anos 1930, aprofunda-se tambm apreocupao com a pesquisa tecnolgica e a adoo de normas reguladoras, comoforma de aumentar a produtividade industrial. Ele percebia a necessidade do forta-lecimento das associaes de classe,visando organizar o empresariado pequeno,mdio e grande para um perfeito entendimento entre os produtores, para o e-ciente aproveitamento de todos os nossos recursos disponveis 48.

    47. Simonsen,Roberto.Ensaios sociais, polticos e econmicos.SoPaulo:FederaodasIndstriasdoEstadodeSoPaulo,1943,pg.236

    48. Simonsen,Roberto. margem da prosso.SoPauloEditoraLtda:1932,pgs.4e5

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    A economista Rosa Maria Vieira divide a atuao pblica do empresrio em trs fases. Aprimeira vai de 1918 a 1927, quando suas preocupaes esto mais vinculadas racionali-zao da produo agrria e deteco das principais mazelas do pas. um perodo pr-

    industrial. A segunda etapa alcana os anos de 1928 a 1939, na qual esto compreendidas afundao do Centro das Indstrias do Estado de So Paulo (Ciesp), sua atuao parlamentare a inaugurao da Escola Livre de Sociologia e Poltica. A terceira parte vai de 1940 at suamorte, em 1948, e apresenta a maturidade de suas formulaes industrialistas 49.

    Simonsen sempre exaltava sua condio de engenheiro, na crena de um cienti-cismo modernizante, a partir do qual se dinamizaria toda a cadeia produtiva do pas.Com tal pressuposto, buscava balizar suas empresas no que chamava de modernosmtodos de organizao. Na segunda dcada do sculo XX, tratava-se de implantaruma nova forma de gesto, com o objetivo de sincronizar a direo e a produo. Se-ria a primeira tentativa da introduo do taylorismo no pas, quando a indstria aindaengatinhava por aqui. O mtodo, desenvolvido pelo engenheiro estadunidense Frede-rick Taylor (1856-1915), preconizava a racionalizao, o treinamento e o controle daproduo a partir do trabalho. A primeira grande reexo de Simonsen nesta direoest no relatrio apresentado diretoria de sua Companhia Construtora de Santos, emmaro de 1919. Logo no incio do texto, ele arma:

    [Propus], em princpios do ano passado, a reorganizao interna da companhia emmoldes mais chegados aos da administrao cientca, adotados ultimamente pelas

    grandes indstrias americanas. (...) Em substituio ao antigo processo de administrar,chamado pelos americanos de o militar em que repetindo-se insensivelmente nocrescimento de uma empresa a organizao feitoral da clula inicial, patres, contra-mestres e feitores se sucedem numa preocupao mais de mando do que da perfeitafeitura dos servios, procuramos evoluir no sentido da administrao de funo.Nesse sistema, os fatores: tempo, custo, execuo e justa paga do trabalho, determi-nados por mtodos cientcos, avultam como principais elementos na procura de umaalta ecincia, m principal a que devem almejar, avidamente, o trabalho moderno,em todas as suas manifestaes 50.

    Pginas frente, ele aponta o centro de suas reexes:O maior problema que tm diante de si os engenheiros e os administradores da pocaatual incontestavelmente a utilizao econmica do trabalho51.

    Ao focar no trabalho a fonte da racionalizao produtiva, Simonsen exibe suasopinies sobre a disputa poltica entre capital e trabalho:

    A poltica da classe operria tem sido baseada na limitao da produo e na ilimita-o dos salrios; ora, colocados os patres em ponto de vista diametralmente opostos,d-se o choque dos interesses, assim estabelecidos como contrrios, resultando a

    49. Idem,pg.4850. Ibid,pg.4951. Ibid,pg.49

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    gigantesca luta que estamos presenciando no mundo industrial, e que est assumindogravssima feio de guerra de classes. (...) Foram os atrasados sistemas de paga e am orientao dos patres que mais concorreram para que os trabalhadores se organi-

    zassem em feio de classe52

    .

    Como soluo para os enfrentamentos, mais uma vez o cienticismo:As associaes operrias formadas com o esprito preconcebido de luta, bem como ados patres, jamais podero resolver de forma estvel as chamadas questes entre oTrabalho e o Capital, ainda que recorram a tribunais arbitrais, porque so elas estabele-cidas sob atmosfera de desavenas, que induzem as duas classes a um Estado de de-sarmonia. (...) Somente a forma cientca de administrar e retribuir o trabalho, em quese beneciem lealmente as duas classes, que deixar de promover aes e reaesinevitveis nos velhos sistemas, colocando ambas as partes em ntima cooperao em

    prol de seus legtimos interesses53

    .

    As atenes de Simonsen com a racionalidade produtiva e com o amortecimentodos conitos trabalhistas no eram apenas tericas. Possivelmente tinham relaocom um ento recente acontecimento poltico-social de grande envergadura: a exten-sa greve que paralisara a capital paulista dois anos antes.

    Ela terminara em 16 de julho de 1917, com a vitria dos trabalhadores. Pelo nmero departicipantes, pelas categorias envolvidas e pela sua durao e repercusso social, tratou-se da maior mobilizao operria at ento realizada. O evento mudou a percepo que

    as classes dominantes tinham dos conitos sociais. O que existia antes eram manifesta-es localizadas de uma ou outra categoria prossional, especialmente no Rio de Janeiro.Iniciada a partir de protestos das tecels, no cotonifcio Crespi, no bairro da Moca,em 10 de junho daquele ano, a luta ganhou a adeso de outros trabalhadores indus-triais, espalhou-se por diversas cidades do Estado e teve repercusses em outras capi-tais nos meses seguintes.

    A mo de obra feminina, assim como a infantil, mais barata que a masculina, eraincentivada pelo empresariado. A seo das mulheres da fbrica tornara-se uma dasmais mobilizadas, na luta por creches destinadas aos lhos dos trabalhadores.

    A partir da agitao no cotonifcio, os protestos se espalham. Os operrios se revol-tam contra o prolongamento do servio noturno e exigiam 20% de aumento salarial,alm de jornada de oito horas, semana de cinco dias e meio e m ao trabalho infantil.

    Os anarquistas logo tomam a frente das manifestaes. O assassinato de um sapa-teiro espanhol, Jos Martinez, em 10 de julho, radicaliza a tenso. Seu funeral atraimilhares de pessoas, na avenida Rangel Pestana, regio central da capital. Logo a gre-ve se estende por 35 empresas, recebendo a adeso de mais de 20 mil operrios. Coma paralisao dos condutores e dos funcionrios da Light, os bondes deixam de circu-lar. Nos trs dias seguintes ao enterro, a greve total. Houve conitos violentos com

    52. Ibid,pg.5153. Ibid,pg.51

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    a polcia em diversos pontos da cidade. A mobilizao repercutiu em paralisaes emSorocaba, Santos e Campinas, chegando at ao Rio de Janeiro, Minas Gerais, BahiaPernambuco e Rio Grande do Sul. Nesses locais, as movimentaes no encontraram

    o mesmo xito obtido em So Paulo. Embora o incio dos protestos tenha acontecidopor conta da falta de creches e das difceis condies de trabalho existentes nas fbri-cas, as causas do enfrentamento foram mais profundas. Elas devem ser buscadas naabsoluta precariedade na contratao de trabalhadores e nas diculdades econmicasenfrentadas pelo pas.

    Nos anos anteriores, houve um aumento expressivo do custo de vida. A dea-grao da I Guerra Mundial, na Europa (1914-1918), derrubara as exportaes decaf, o principal produto da pauta de exportaes brasileira. As compras de matriaprima brasileira pelos pases europeus despencaram. A economia entrou em crise.Os anos de 1913 a 1915 foram de intensa agitao nos meios operrios, por conta dodesemprego e da carestia. A situao piorou nos primeiros meses de 1917. A cidadede So Paulo, com 600 mil habitantes e quase 100 mil trabalhadores, mostrou-se ocentro dos conitos sociais em todo o pas.

    Motivadas por srios problemas sociais, a greve acabou por forar o empresariadoa recuar. As leis regulamentando o servio das mulheres e das crianas, at ento des-prezadas, passaram a ser cumpridas. Houve ligeira melhoria de salrios e a jornada deoito horas foi concedida em vrias empresas. Mas o signicado da greve no parou a.

    A entrada das massas trabalhadoras na cena poltica assustou as elites. A partir domovimento, a estrutura social de um pas ainda agrrio comeava a exibir uma com-plexidade at ento pouco percebida.

    Simonsen provavelmente estava entre os assustados. Parte de sua produo intelec-tual voltou-se para temas ligados ao trabalho, na perspectiva de reduzir os conitos declasse. Assim, sua busca pela ecincia administrativa tinha por base no apenas umaumento da produtividade, mas tambm uma maneira de controlar as tenses sociais

    Homem pblico

    A vida pblica de Roberto Simonsen tem incio no nal da segunda dcada do sculoXX. Aos 30 anos de idade, em 1919, o empresrio convidado pelo governo brasileiropara integrar a Misso Comercial Inglaterra, onde seriam estabelecidos diversos conta-tos e acordos com o empresariado britnico. Pouco depois, ele segue em direo a Paris,onde participa do Congresso Internacional dos Industriais de Algodo. Toma ainda partena Conferncia Internacional do Trabalho em Washington.

    Por essa poca, o jovem no poderia ainda ser chamado de industrial. Emborafosse scio de uma construtora, seu priplo internacional estava vinculado aos seto-res agro-exportadores, em busca de mercados e nanciamentos. Toda sua concepoeconmica desta fase explicita os limites do desenvolvimento das foras produtivasbrasileiras. As formulaes voltam-se para a busca da ecincia e da racionalidade

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    Nas dcadas iniciais do sculo XX, o excedente do setor cafeeiro que iria possibili-tar a industrializao, a partir do maior centro produtor, o Estado de So Paulo. Ass