Simpatia Do Brasileiro é Um Mito, Diz Sociólogo Manuel Castells

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Simpatia Do Brasileiro é Um Mito, Diz Sociólogo Manuel Castells

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  • Simpatia do brasileiro um mito, dizsocilogo Manuel CastellsSYLVIA COLOMBOENVIADA ESPECIAL A SALVADOR

    18/05/2015 02h00

    Para Manuel Castells, 73, a agressiva polarizao poltica que se v hoje nas redes sociais"desconstri o mito do brasileiro simptico". O socilogo espanhol esteve no pas duranteos protestos de junho de 2013, e acrescentou a seu livro "Redes de Indignao eEsperana Movimentos Sociais na Era da Internet" (ed. Zahar) um posfcio em queanalisa os recentes acontecimentos no Brasil.

    Professor da universidade da Califrnia, Castells participou, na semana passada, doFronteiras do Pensamento na Bahia. Leia, abaixo, os principais trechos da entrevistaconcedida Folha, em Salvador.

    Karime Xavier-11.jun.13/Folhapress

    O socilogo espanhol Manuel Castells durante palestra em So Pauo, em 2013

    *

    Folha - Em 2013, o sr. disse que nosso grande problema era poltico, no econmico.

    E agora, que nossa economia tampouco anda bem?

    Manuel Castells - Quando aponto a questo poltica me refiro a uma crise mundial dossistemas tradicionais de democracia representativa, por conta da corrupo, agora maisexposta porque as pessoas tm mais acesso informao e mais capacidade deorganizao por conta da internet.

    O sistema poltico brasileiro est mal como esto mal todos os sistemas do mundo. Hprotestos e desgaste dos partidos tradicionais, alm da apario de correntes populistasde extrema-direita e de extrema-esquerda.Na Espanha, em Portugal e na Grcia, a reao de esquerda. Na Frana, na Inglaterra ena Alemanha, de direita.

  • O que causa essa crise de representatividade?

    Os cidados deixaram de aceitar que sua capacidade poltica seja um voto a cada quatroanos. H uma insatisfao com toda a classe poltica. E isso no significa que se acrediteque todos os polticos sejam corruptos, mas sim que h uma classe poltica que estseparada da cidadania, que formada por profissionais que tm um interesse comum: omonoplio da poltica da corrupo.

    Essa a raiz do problema no Brasil, mas no s. Nos ltimos anos vimos que afundou osistema poltico italiano, espanhol, grego, est afundando o da Argentina, o do Mxico. algo mais profundo.

    Qual a especificidade do Brasil, ento?

    Est ocorrendo a tempestade perfeita. Junto a essa crise de representatividade, uma piorada economia. Houve um perodo de bom crescimento com redistribuio. Mas adesacelerao da China fez com que ficasse difcil manter o mesmo alto nvel de gastopblico. E ento ressurgiu a inflao, que j sabemos que foi um cncer para a economia ea sociedade brasileira em outras pocas.

    No momento em que o governo atual percebeu que poderia haver um aumento da inflao,deveria ter restringido o gasto pblico, e no o fez.

    O sr. tem estudado comparativamente protestos recentes alm do Brasil, os casosdo Occupy (EUA), da primavera rabe, do Chile, do Mxico e outros. O que tm emcomum?

    O fato de no se tratarem de movimentos programticos, mas emocionais, e de surgiremespontaneamente. Essa indignao inicial permite que se amplie a temtica do movimento.A palavra "dignidade" se repete em todos eles. E por qu?

    Porque as demandas no so concretas. Ainda que existam problemas concretos. O queas pessoas pedem reconhecimento.

    A primavera rabe comeou com a autoimolao de um vendedor ambulante que nosuportava mais o tratamento das autoridades municipais.

    Um protesto pela dignidade inclui a luta contra a pobreza, mas algo mais. a traduodos direitos humanos na conscincia individual.

    Seja na favela, seja como um profissional ou empresrio, os indivduos no sentem maisque as instituies os representam.

    Em sua opinio, quais as principais diferenas dos protestos no Brasil em 2013 e2015?

    Em comum tm a denncia da corrupo e o sentimento de que h demandas doscidados que no podem se expressar nos atuais sistemas polticos.

    O movimento de 2013 era popular, jovem, e partiu de demandas concretas, masimediatamente levantou o tema da dignidade. E teve xito, pois anulou-se o aumento dastarifas. O movimento no Brasil causou a reao poltica mais positiva de um governo nomundo.

    A presidente Dilma Rousseff se conectou com ele. Mas o aparato do PT bloqueou apossibilidade de reforma.

    Redes de Indignao e EsperanaManuel Castells

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    Marina Silva deve seu fugaz xito na campanha eleitoral justamente por ter se identificadocom a crtica que se fazia nas ruas. Porm, no pde resistir ofensiva publicitria do PT eao fato de que seu fundamentalismo evanglico no caiu bem entre a classe mdiaintelectual.

    Considero significativo que duas pessoas que disputaram a Presidncia do Brasil Marinae Dilma haviam respondido positivamente ao movimento.

    J em 2015, a classe mdia e mdia alta quem vai s ruas. E chegou-se a pedir aimpugnao da presidente.

    O grupo que pede um golpe de Estado pequeno e considero impossvel que isso ocorra.Mas o significativo que existam cidados e polticos que o queiram.

    2013 e 2015 se conectam com as recentes manifestaes em outras partes do mundoporque mostram que a sociedade que quer expressar-se, hoje em dia, se expressa emmovimentos espontneos, coordenados pela internet, e presentes na rua.

    Essa uma transformao completa, no digo se boa ou m, apenas digo que umatransformao. As instituies clssicas no so capazes de representar a diversidade dasociedade. s vezes pela esquerda, s vezes pela direita, s vezes so jovens, s vezesso de idade madura, mas o comum a todos que no creem na possibilidade derepresentao institucional, tm de conectar-se pela internet e sair s ruas.

    E por que o brasileiro tem a sensao de que, na internet, h demasiada violncia eintolerncia no debate?

    A internet um instrumento de comunicao livre. Portanto, causa curto-circuito sinstituies e ao poder do dinheiro.

    A comunicao social estava monopolizada at hoje ou pelo poder poltico, ou pelo podereconmico. Agora, a internet permite s pessoas comunicar-se diretamente sem passarpor esses controles, e sem passar por qualquer censura. Ainda que se queira controlar ainternet, no se pode.

    Eu no creio que no Brasil, com a internet, exista mais agressividade no debate. O Brasilsempre foi agressivo. Nos tempos da ditadura, no final dos anos 60, anos 70, o debate nos era agressivo como se torturavam pessoas diariamente com impunidade.

    A imagem mtica do brasileiro simptico existe s no samba. Na relao entre as pessoas,sempre foi violento. A sociedade brasileira no simptica, uma sociedade que se mata.Esse o Brasil que vemos hoje na internet. Essa agressividade sempre existiu.

    A nica coisa que a internet faz expressar abertamente o que a sociedade em suadiversidade. Trata-se de um espelho.

    Como hoje no precisam passar pelos meios tradicionais de comunicao, as pessoasaparecem como realmente so.

    A pergunta fundamental : a liberdade um bem em si? Se dizemos que sim, ento ainternet uma tecnologia de liberdade, e portanto realiza uma mudana histrica. Mas preciso aceitar que liberdade tambm para coisas de que no gostamos. para todos.Portanto, se ali se articulam formas de violncia, racismo, sexismo, porque isso existe nasociedade.

    Na internet, um racista ou um sexista pode facilmente encontrar outros racistas e sexistasque, em seu entorno social, no podem se declarar abertamente assim. Na rede, no hconstrangimento e se abre a possibilidade de expresso espontnea da sociedade.

    E o que ocorre? Nos damos conta de que a sociedade no to boa e angelical comogostaramos que fosse.

    Vemos que, na verdade, a sociedade bastante m. No Brasil e em todos os outrospases.

  • pases.

    E de quem depende a mudana social nesse novo contexto?

    Certamente, no ser da internet, mas sim dos sujeitos da mudana. Se estes querem umgolpe militar, a internet facilita a organizao desses sujeitos.

    A internet agnstica, expressa o que somos. E o que somos depende da cultura. Repito,no creio que o Brasil seja pior agora, ou que a rivalidade poltica esteja mais intensanesse momento do que foi antes.

    No Brasil, a desigualdade diminuiu, mas ainda muito grande. O ex-presidente FernandoHenrique Cardoso dizia que o Brasil no era pobre, mas sim injusto. Concordo. H umaimensa riqueza, controlada por 1% da populao. Como que a sociedade no vai estarcom com raiva? E h, tambm, um grupo de classe mdia que est descontente porque setira deles alguns recursos para redistribuir.

    Trata-se de uma classe mdia profissional, que teme perder seus privilgios e que vivemelhor que seus pares nos EUA e na Europa. Quem pode ter dois ou trs empregados

    domsticos permanentes, vivendo em casa, ou constantemente indo e vindo? Nenhumaclasse mdia do mundo! Pode-se ver famlias com empregados domsticos em outrospases, mas em nmero pequeno. Empregados domsticos como massa importante, s noBrasil.

    A descrena no Estado tende a gerar para-Estados ou Estados paralelos, que seexpressam na formao de milcias e de uma justia civil, como no Mxico, outerrorista, no caso do Estado Islmico?

    O Mxico se transformou de fato num narcoestado. H uma guerra civil ali, e ressurgemleis que so ancestrais, portanto reproduzem as formas de opresso que esto na raiz daviolncia.

    O Estado Islmico no um grupo totalmente desvairado. Representa uma resistnciaprofunda ao colonialismo cultural nos pases muulmanos e nas comunidadesmuulmanas da Europa. Por que jovens dos EUA e da Europa vo morrer ali? Por quemulheres vo se casar e ter filhos com militantes do Estado Islmico?

    Essa diversidade cultural e poltica a que existe no planeta. No podemos criar umstandard do politicamente correto e do humanamente correto, porque isso no existe.Cada vez que vamos afirmar um direito num sentido, vamos encontrar outras formas deopresso.

    Vivemos atualmente numa contradio, e a internet exacerba isso. Se respeitamosrealmente os direitos democrticos, devemos aceitar que so os povos os que elegem asformas democrticas em que querem viver.

    Voc no pode, com o pretexto do civilizado ou do no civilizado, impor formas de vida.Isso colonialismo cultural e poltico, cuja reao violenta estamos vendo agora.

    Sim, preciso defender os direitos da mulher em todo o mundo, mas as mulheres de cadacultura que tm de interpretar isso e mostrar como querem ter esse direito respeitado.

    Valores universais h, mas a interpretao deve ser feita em cada sociedade. A forma dedefend-los depende de cada cultura.

    Est em risco o Estado de Direito no Brasil?

    Do ponto de vista concreto, ele no existe na maioria dos pases. No Brasil, no h Estadode Direito. No Brasil, h uma classe poltica corrupta que utiliza o Estado para seusprprios fins. Faz isso como classe, ainda que como governantes concretos s vezes noo sejam. No Brasil no h um Estado de Direito, h a manipulao do Estado de Direitopara manter um Estado patrimonial.

    Mas ocorre o mesmo nos EUA. Ali se governa para a classe poltica e seus interesses.Sem Wall Street no se pode fazer poltica. E se Wall Street se afunda, toma-se o dinheirodos contribuintes, e se entrega a Wall Street.

    O movimento Occupy no mudou isso, mas fez com que mudasse a conscincia dos EUA

  • O movimento Occupy no mudou isso, mas fez com que mudasse a conscincia dos EUAsobre a desigualdade social, que o americano mdio no sabia que era to importante.

    O Occupy responsvel por conscientizar os norte-americanos sobre a desigualdadesocial e desconstruir a ideia do "sonho americano", de que voc pode chegar aonde quiserse for empreendedor e trabalhar.

    Endereo da pgina:

    http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/05/1630173-internet-so-evidencia-violencia-social-brasileira-afirma-sociologo-espanhol.shtml

    Links no texto:

    http://livraria.folha.com.br/livros/sociologia/redes-indignacao-esperanca-manuel-castells-1205784.html?tracking_number=1411

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