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7/26/2019 Sistema Penal e Midia Luta Por Poder Simbolico
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SISTEMA PENAL E MDIA: LUTA POR PODER SIMBLICO
lvaro Filipe Oxley da Rocha1
RESUMO
O presente artigo constitui um esforo no sentido de abordar as relaes entre a mdia privada,em especial a televiso, e o sistema penal, uma interao que reflete os movimentoscontraditrios das sociedades atuais quanto a este ltimo, ou seja, por um lado, oquestionamento sobre a legitimidade do sistema penal e, por outro, os discursos por sualegitimao e expanso.
Palavras-chave: Direito. Sistema penal. Mdia. Poder simblico.
1 INTRODUO
O presente artigo inicia por uma abordagem em Teoria Social, com o fim de
instrumentalizar uma compreenso preliminar das principais caractersticas dos campos
sociais referidos no tema, o campo jurdico, ou do sistema penal, e o campo da mdia. Em
seguida, estabelece uma abordagem das concepes criminolgicas relacionadas ao tema, de
modo a esclarecer a relao de concorrncia por legitimao entre o jornalismo e o sistema
penal. Finalmente, aponta as divergncias na disputa entre os agentes desses mesmos campos
pelo controle do discurso de poder simblico tradicionalmente monoplio do campo
jurdicoque se cria enquanto se descreve a realidade social. Desse modo, o artigo que segue
1Ps-Doutorado em Criminologia Crtica e Cultural na SSPSSR Kent University, UK. Doutor em Direito doEstado (UFPR), Mestre em Cincia Poltica (UFGS), professor e pesquisador no PPGCCRIM - Programa dePs-Graduao em Cincias Criminais da Faculdade de Direito da PUCRS.
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constitui um esforo no sentido de abordar a relao entre a mdia, em especial a televiso, e o
sistema penal, uma interao que reflete os movimentos contraditrios das sociedades atuais
quanto a este ltimo, ou seja, por um lado, o questionamento sobre a legitimidade do sistema
penal e, por outro, os discursos por sua legitimao e expanso. Nesse sentido, buscamos
estabelecer o papel desempenhado pelos meios de comunicao social, ou mdia, no que se
refere difuso de ambas as posies. Procuramos compreender os mecanismos de
elaborao do produto notcia, levantando tambm as referncias tericas que fundamentam
a sua argumentao. A partir disso, possvel esboar uma anlise das relaes entre esses
campos sociais (jurdico e jornalstico), de seus respectivos agentes e das lgicas sociais que
determinam suas aes. O texto ora apresentado a primeira parte desse esforo, a ser
complementado em publicaes decorrentes da pesquisa subsequente.
2 TEORIA SOCIAL, MDIA E SISTEMA PENAL
No estudo dos aspectos criminolgicos das sociedades complexas, compreender a
relao entre mdia e sistema penal de extrema importncia. Para uma abordagem produtiva,
entretanto, alguns conceitos, ou instrumentos de anlise sociolgicos ou de Teoria Social, so
de extrema utilidade para a realizao do estudo proposto inicialmente. A descrio dadinmica social na qual se d a interao entre os campos jurdico e jornalstico complexa, e
sua apreenso facilmente levada argumentao de senso comum e, mais gravemente ainda,
para o senso comum conduzido pelas categorias miditicas de pensamento e classificao (a
viso de mundo miditica). Por essa razo, apresentamos, ainda que muito sucintamente, os
principais elementos de Teoria Social que permitem situar essa interao por um prisma
sociolgico mais produtivo. As noes de trabalho so, portanto, os conceitos de habitus, de
campo social (BOURDIEU, 1989) e de poder simblico. Assim, a noo de habitus(BARROS FILHO; S MARTINO, 2003) nasce da necessidade de romper com o paradigma
estruturalista2, sem recair na velha filosofia do sujeito ou da conscincia, ligada economia
clssica e seu conceito de homo economicus. Essa noo retoma o conceito da hexis
aristotlica, como revisto pela antiga escolstica, e ento rebatizada de habitus; procura-se,
desse modo, reagir contra a ideia do indivduo como mero suporte da estrutura social. Assim,
seria possvel evidenciar as caractersticas criadoras, ativas e inventivas do habitus
2Designao genrica de diversas correntes de pensamento sociolgico que se fundam sobre o conceito tericomarxista de estrutura, e no pressuposto metodolgico de que a anlise dessas estruturas mais importante doque a descrio ou a interpretao dos fenmenos, em termos funcionais.
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individual, as quais no so descritas pelo sentido tradicional da palavra hbito. A noo de
habitus, ento, procura induzir no a ideia de um esprito universal, de uma natureza ou
razo humanas, mas um conhecimento adquiridoe um bem, um capital havido pelo indivduo,
tornado desse modo um agente em ao. desse modo que surge o primado da razo prtica,
no sentido estabelecido por Kant (1989). O autor procura resgatar, desse modo, o lado ativo
do conhecimento prtico, que a tradio materialista marxista tinha abandonado. A utilizao
original do conceito de habitus aproxima-se assim da presente, pois contm a inteno
terica de sair da filosofia da conscincia sem anular o agenteem sua realidade de operador
prtico na construo de objetos na realidade social. Instrumentaliza-se, com esse termo, a
dimenso corporal contida numa postura social, inserida no funcionamento sistemtico do
agente como corpo socializado. Nesse sentido, o conceito de habitus assim descrito:
O habitus, como diz a palavra, aquilo que se adquiriu, que se encarnou no corpo deforma durvel, sob a forma de disposies3permanentes. [...] o habitus um produtodos condicionamentos que tende a reproduzir a lgica objetiva doscondicionamentos, mas introduzindo neles uma transformao: uma espcie demquina transformadora que faz com que ns "reproduzamos" as condies sociaisde nossa prpria produo, mas de uma maneira relativamente imprevisvel, de umamaneira tal que no se pode passar simplesmente e mecanicamente do conhecimentodas condies de produo ao conhecimento dos produtos. (BOURDIEU, 1983, p.89).
A dinmica do habitus permite a naturalizao dos comportamentos e, desse
modo, a aceitao do convencionado como se fosse o nico comportamento e ponto de vista
possvel. No entanto, dentro dessa dinmica, deve existir espao para alguma
imprevisibilidade nos comportamentos dos agentes, cuja aceitao posterior possa justificar
que esses agentes venham a ocupar espaos no campo sem produzir modificaes que possam
comprometer a manuteno do campo, as posies ocupadas por agentes mais antigos e o
sistema de distribuio das compensaes advindas da aceitao no campo . O habitus
historicamente construdo, e no se mantm inativo, renovando-se pelas prticas dos agentes e
sempre encontrando novas formas de reforo a suas convices, referidas ao grupo. Portanto,
dispe de uma grande capacidade de adaptao, sem que seus princpios fundamentais sejam
de fato atingidos. Entretanto, o exerccio do habitus produz resistncia, conduzindo forte
carga de ressentimento nos agentes que so impedidos por qualquer razo de assumi-lo na
realidade objetiva, o que pode lev-los a buscar recursos externos ao seu campo, como os
recursos da mdia (denncias, debates etc.) que surgem como aes pensadas de modo a
3O termo francs disposition, no original, pode tambm ser traduzido por atitude.
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atingir o campo, ou produzir internamente efeitos que, pelos canais oficiais, no so possveis
(ROCHA, 2002).
A noo de campo4 complementar de habitus na anlise das interaes em
foco. Preliminarmente, deve-se esclarecer que, ao se tratar dessa noo, necessrio separ-la
de acepes tradicionais, como as da Fsica, segundo a qual o campo uma regio do espao
em que se exerce uma fora determinada, ou da Psicologia Social, na qual o campo um
conjunto de processos psquicos que constituem um sistema dinmico, para chegar noo de
campo em Sociologia. Para esta ltima cincia, entretanto, deve-se ter presente que esse termo
adquire um significado muito extenso e deixa assim de ser preciso; costuma ser associado aos
sentidos de domnio e de sistema. Para a maioria dos socilogos, mantm-se uma ideia
bsica de dinmica das foras sociais, relacionadas com um aspecto de disputa entre osagentes (TOURAINE, 1973). Apresenta sua noo de campo de historicidade como um
conjunto formado pelo sistema de ao histrica e as relaes de classes pelas quais a
historicidade se transforma em orientaes da atividade social, estabelecendo assim seu
domnio sobre a produo da sociedade. Desse modo, o autor assimila, por exemplo, campo
poltico noo de sistema poltico, o que no contribui para maior clareza. A referncia
adotada, entretanto, elabora uma consistente teoria dos campos sociais, que busca expor os
mecanismos que geram tais campos, descrevendo sua estrutura e suas propriedades (PINTO,2000). Evitando o tratamento residual e pouco objetivo dado a essa noo pela maioria dos
seus antecessores, Bourdieu, autor dessa abordagem, procura explicit-la da maneira mais
precisa como segue:
[...] Um campo [...] se define entre outras coisas atravs da definio dos objetos dedisputas e dos interesses especficos que so irredutveis aos objetos de disputas eaos interesses prprios de outros campos (no se poderia motivar um filsofo com asquestes prprias dos gegrafos) e que no so percebidos por quem no foi
formado para entrar nesse campo (cada categoria de interesses implica a indiferenaem relao a outros interesses, a outros investimentos, destinada assim a serempercebidos como absurdos, insensatos, ou nobres, desinteressados). Para que umcampo funcione, preciso que haja objetos de disputas, e pessoas prontas paradisputar o jogo, dotadas de habitus que impliquem no conhecimento e no
reconhecimento das leis imanentes do jogo, dos objetos de disputas, etc.(BOURDIEU, 1983, p. 90).
A estrutura interna de cada campo estabelece os valores e metas a serem
considerados como objetos legtimos de disputa entre os agentes, pelos padres de
pensamento e formao especficos desses agentes, e no h como reduzir ou cambiar os4 A noo de campo aqui utilizada,observamos, a desenvolvida por Pierre Bourdieu, a qual em nada se
assemelha de Niklas Luhman, em sua Teoria dos Sistemas.
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valores de um campo social pelos valores de outro campo, em funo do treinamento recebido
pelos agentes para que possam encontrar orientao dentro do campo, conhecer e reconhecer
os agentes acima e abaixo de si na hierarquia e dominar os mecanismos vlidos de mobilidade
internos do campo social no qual este se insere (o habitus). Assim, em razo da necessidade
de um longo treinamento, no apenas nas escolas formais, os principais investimentos para a
insero em cada campo com frequncia independem do agente, sendo definidos muitas vezes
na origem, pela famlia.
O autor aponta a situao especfica de cada campo social, identificando-a com a
orientao dos agentes que ocupam as posies mais altas na hierarquia do campo, que surge
claramente ao se indicar as instituies envolvidas. Mas h que se destacar tambm as
estratgias adotadas por esses agentes para a realizao de seus objetivos, ligados aosobjetivos oficiais do campo. A adoo de estratgias mais ou menos rgidas, ou flexveis em
relao s demais instituies e seus agentes, relacionada identidade entre estes, em geral
forjada em lutas anteriores, possibilita o estabelecimento ou no de novas estratgias, visando
a manuteno do campo com o equilbrio dos interesses dos agentes, o que pode determinar
aes e lutas abertas ou silenciosas entre os grupos de agentes.
No caso do campo jurdico, a intromisso de presses externas, especialmente as
do campo poltico, frequentemente veiculadas pela e com a mdia, por exemplo, tende a ser,em princpio, ignorada por seus agentes, os juristas, pois o acesso ao campo no deve estar
disponvel, em princpio, para agentes que no disponham das condies exigidas pela lgica
interna deste (domnio da linguagem especfica, posio interna reconhecida, etc.) para
reconhecimento e interao, o que significaria que os agentes externos devem submeter-se aos
interesses e avaliao dos integrantes do campo, se desejam ser reconhecidos, e mesmo
ouvidos. Observe-se que tal no ocorre desse modo no campo poltico, diretamente submetido
presso miditica, no qual essas presses so consideradas legtimas sem hesitao, poisrepresentariam, segundo a crena dividida por esses agentes, uma suposta opinio pblica,
que definiria a lgica eleitoral. Desse modo, como a conservao dos agentes polticos em
suas posies (reeleio) depende da legitimao externa (a aprovao do pblico eleitor), em
grande medida influenciada pelo campo jornalstico (BOURDIEU, 1997), estes se submetem
s presses legtimas ou no do campo jornalstico. Tal, porm, no ocorre no campo poltico,
em que a seleo do agente j se d por meio externo ao campo, o processo eleitoral. Pouco
espao existe para as manipulaes eleitorais, como a transferncia de votos de um candidato
a outro, pois no h como garanti-la, embora no caso brasileiro essa regra tenha sido muitas
vezes burlada. A relao com os eleitores no pode ser levada oficialmente para o campo, pois
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a sua existncia como campo tambm depende da excluso dos representados. Nas palavras
do autor:
[...] O campo poltico, entendido ao mesmo tempo como campo de foras e como
campo das lutas que tem em vista transformar a relao de foras que confere a estecampo a sua estrutura em dado momento, no um imprio: os efeitos dasnecessidades externas se fazem sentir nele por intermdio sobretudo da relao queos mandantes, em consequncia da sua distncia diferencial em relao aosinstrumentos de produo poltica, mantm com seus mandatrios e da relao queestes ltimos, em consequncia das suas atitudes, mantm com as suas organizaes.O que faz com que a vida poltica possa ser descrita na lgica da oferta e da procura a desigual distribuio dos instrumentos de produo de uma representao domundo social explicitamente formulada: o campo poltico o lugar em que segeram, na concorrncia entre os agentes que nele se acham envolvidos, produtos
polticos, problemas, programas, anlises, comentrios, conceitos, acontecimentos,entre os quais os cidados comuns, reduzidos ao estatuto de consumidores, devemescolher, com probabilidades de mal-entendido tanto maiores quanto mais afastados
esto do lugar de produo. (BOURDIEU, 1989, p. 97).
Os agentes que integram o campo poltico se encontram, desse modo, em posio
mais frgil, em relao aos destinatrios de seus servios, do que os agentes do Judicirio. Ao
contrrio da crena externa de senso comum, o acesso s posies internas desse campo, e a
obteno dos lucros sociais a elas associados, oferece dificuldades muito maiores do que as
prprias ao campo jurdico. Por exemplo, no h como o campo poltico agir em determinado
sentido, sem que as demandas que so encaminhadas at seus agentes sejam preliminarmente
traduzidas para seus cdigos internos de referncia (linguagem tcnica, disputas, apoios,
etc.), no determinados necessariamente por lei, mas, antes de tudo, por uma agenda
ideolgica, influncias, negociaes e manobras decorrentes da proposio e objetivos de
cada faco, alm das caractersticas e estratgias prprias de cada partido. 5 Em meio a
proposies pouco claras e interesses bem diversificados, o eleitor-consumidor deve
escolher, e a possibilidade de faz-lo mal, isto , sem nenhum proveito para si ou para a
comunidade, ou mesmo com risco de eleger algum incompatvel ou mesmo nocivo
politicamente, ou ajudar a tornar reais proposies de administrao pblica (e tambm,logicamente, de poltica criminal) sem nenhuma perspectiva de realizao, se torna muito
provvel.
5Nesse sentido, um exemplo muito claro o surgimento e a manuteno de movimentos nacionais, como o MST(Movimento dos Trabalhadores Sem Terra). Embora a reforma agrria seja problema secular entre ns,somente com o advento do Partido dos Trabalhadores (PT) no campo poltico, o discurso do MST encontrouum canal de expresso, com base em uma agenda partidria repleta de reivindicaes de natureza assemelhada
e, pois, passvel de incluir suas demandas; surgiu entre agentes polticos a disposio de traduzir suasdemandas para a linguagem especfica de seu campo e encaminh-las, como estratgia de identificao com aesquerda, situao que, com a conquista do Executivo nacional pelo PT e a consequente necessidade deacordos para a sua manuteno no poder, hoje se reverteu.
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em primeira mo por este ou por aquele rgo especfico. Na linguagem interna do campo
jornalstico, o fenmeno se chama furo. Essa caracterstica parece estar inscrita tambm na
lgica da credibilidade jornalstica, com a qual se busca conquistar a confiana e a
fidelidade dos receptores, mas o fato o de que ele realmente importante apenas
internamente ao campo, permitindo reconhecimento e premiaes, embora no represente
mais um dado importante para os destinatrios, fora do campo (BRIGGS; BURKE, 2004).
Externamente, entretanto, destaca-se a lgica da busca do novo como fator de controle: a
velocidade na obteno da notcia seria a preliminar para ser atualizado, para no ficar
para trs, o que leva antes de tudo superficialidade na avaliao dos fatos e do
conhecimento, com permanente esquecimento do fato velho, em troca da idolatria do
desconhecido ou mesmo do chocante, pelo critrio nico de ser este novidade. Em razo
disso, tambm surge a disputa em torno da busca de renovao, ou variedade, que contribui
antes de tudo para que se uniformizem as opes oferecidas ao consumidor pela imitao
mtua das frmulas de sucesso, em termos de peas de mdia (formato de programas de TV
e rdio, assunto e destaques em jornais e revistas). No que se refere ao caso brasileiro, deve-se
relembrar que muitas das caractersticas das relaes aqui descritas ainda no foram
devidamente trabalhadas cientificamente, no se devendo, portanto, tom-las como
definitivas.Para os fins desse trabalho, e por razes de espao, definiremos poder simblico
como um poder que decorre do monoplio, ou da luta para estabelecer um monoplio, sobre
um discurso, o que no senso comum pode ser visto como uma luta pe la verdade, e pelos
seus efeitos. Inserido na lgica das ideologias, o poder simblico supe a ideia da palavra
autorizada, cuja posse permite ao seu detentor(a) definir o que e ser a realidade. Esse poder
pode estender-se inclusive ao passado pela reviso discursiva e consequente ressignificao
do passado. Assim, o autor do conceito o descreve como segue:
[...] o poder de constituir o dado pela enunciao, de fazer ver e fazer crer, deconfirmar ou transformar a viso de mundo, e deste modo a ao sobre o mundo,
portanto o mundo; poder quase mgico que permite obter o equivalente daquilo que obtido pela fora (fsica ou econmica), graas ao efeito especfico demobilizao, s se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrrio.(BOURDIEU, 1989, p. 64).
A luta entre a mdia e o sistema penal se insere, entretanto, na ampla luta
simblica entre a grande mdia e o Estado pelo monoplio sobre o discurso da verdade, ou daverso que ser tomada como verdade (THOMPSON, 2002). Nesse sentido, aplica-se essa
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mesma lgica ao sistema penal, no que se refere verdade sobre o crime, o criminoso e sua
insero na dinmica social. Como se d essa disputa entre os agentes de cada um dos campos
sociais vistos para deter o poder simblico sobre a verdade, adequada a seus fins, o que
buscaremos expor adiante.
3 CRIMINOLOGIA, MDIA E CRIME
Partindo dos pressupostos citados, vemos que a criminalidade tem sido
apresentada como construo social, ou como resultado da ao social, desde a dcada de 60,
com base na influncia das escolas sociolgicas do interacionismo simblico e da
etnometodologia. Desse modo, essa percepo est inserida no paradigma da reao social,em acordo com Baratta (2002). Nesse sentido, a teoria do etiquetamento, ou labeling aproach,
buscou destacar que, uma vez que a realidade objetiva seja aceita como resultado de
construo social, o mesmo se d com o desvio comportamental (BERGER; LUCKMAN,
2002). Isso autoriza concluir que a definio do ato desviante s possvel depois da reao
social a ele (BECKER, 1996). Desse modo, passam despercebidos esses atos, em sua grande
maioria, ao largo do olhar social e do sistema penal, visto que, ainda que haja uma efetiva
rede de controle social, formal e no formal, fica virtualmente impossvel exercer o controleconstante do comportamento da totalidade dos indivduos, havendo ainda que se levar em
conta o aspecto cultural, o qual faz com que, variando-se o ambiente social, variem tambm
os nveis de tolerncia ou intolerncia s aes individuais, o que, para fins de aferio de
ndices de criminalidade, resulta em diferenas evidentes (LEMERT, 1951).
O dado principal a destacar, entretanto, a consequncia de que se rompe o
consenso, segundo o qual o crime teria existncia por si mesmo, ontologicamente.
possvel,com base nessa premissa, concluir que a legitimidade das formas de controle penal bastante questionvel. Se aceitarmos que a maioria esmagadora dos crimes ocorridos no
chega ao conhecimento do sistema penal (HULSMAN, 2000), podemos afirmar que a sua
eficcia insignificante, pois, ao revs se houvesse plena eficincia por parte deste, chegar-
se-ia ao paroxismo de que a totalidade dos membros dos grupos sociais teria sido alvo de
criminalizao. H que se observar, ainda, que a reao social ao desvio gera uma rotulao
do indivduo desviante, o que reduz substancialmente as possibilidades de o indivduo agir em
contrrio e ressignificar-se socialmente (LEMERT, 1951).
A Criminologia Crtica vem ampliar, na dcada seguinte, o espectro de anlise
para os grandes grupos sociais, com o objetivo de identificar as variveis determinantes da
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reao de cada um deles, concluindo que os grupos sociais mais expostos so tambm os mais
pobres e os que so, pelo sistema penal, efetivamente visados. Conforme Baratta (2002), essa
constatao rompe de imediato com o princpio de igualdade defendido, teoricamente, pelos
adeptos do Direito Penal liberal. Essa ao seletiva semeia a perda de legitimidade do sistema
penal, em especial por suas caractersticas indutoras de estigmas sociais e pelo uso de altos
nveis de violncia fsica (ZAFFARONI, 1991).
4 O JORNALISMO E O SISTEMA PENAL
Um dos principais argumentos legitimadores da ao dos agentes do campo
jornalstico (BOURDIEU, 1997) a ideia de objetividade jornalstica, que resultaria da
participao de tais agentes no processo de construo social da realidade (BERGER;
LUCKMAN, 2002). O produto veiculado pela mdia, denominado notcia, seria o resultado
de um efeito de espelhoda realidade, que resgata a crena na noo positivista do observador
neutro em relao ao objeto. Entretanto, tomando-se rigorosamente a ideia de construo
social da realidade, no difcil perceber que os agentes do campo jornalstico so e tomam
parte nesseprocesso, o que inviabiliza a objetividade jornalstica como justificativa de uma
pretensa neutralidade na ao social destes. Temos, assim, que a notcia no espelha a
realidade; mas ajuda a constru-la, como fenmeno social compartilhado, posto que no
processo de descrever um acontecimento, a notcia define e d forma a esse acontecimento
(TUCHMAN, 1983). Nesse sentido, deve-se referir que a Teoria Social, pelas correntes
estruturalista e interacionista, corrobora a percepo do produto jornalstico notcia como
resultado de construo social. Assim, para ambas as teorias, as notcias so o resultado de
processos complexos de interao social entre agentes sociais: os jornalistas e as fontes de
informao; os jornalistas e a sociedade; os membros da comunidade profissional dentro efora da organizao(TRAQUINA, 2004, p. 116).
A notcia produz a realidade social, enquanto a descreve, por dois mecanismos
fundamentais: a seleo dos fatos que sero divulgados e do enquadramento que ser dado a
estes. Justifica-se o processo de seleo, em razo do nmero excessivamente alto de fatos
que so recebidos pelos jornalistas, em relao ao espao de que dispem para veiculao.
Desse modo, o jornalismo desenvolve uma srie de parmetros classificatrios para
estabelecer e decidir qual fato dever ser publicado. E, pela repetio diria, esse processo se
automatiza, deixando-se de lado a crtica adequao de tais parmetros. A forma pela qual
os fatos sero acessados e divulgados, entretanto, decorre da noo de enquadramento. Aps a
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seleo do fato, define-se como este ser tratado, o que permite ainda decidir sobre a
viabilidade de sua publicao.
De acordo com Wolf (1994, p.173), a referncia valorativa assim formada, e que
decorre dos valores culturais que os jornalistas compartilham entre si, pode ser denominada
valor-notcia. Esse valor permite estabelecer uma rotina de trabalho para os jornalistas e deve,
portanto, ser dominvel com certa facilidade. Desse modo, os fatos de cunho negativo so
altamente valorizados por esses agentes, variando-se o interesse conforme envolvam grupos
sociais ou pessoas j em destaque pela mdia (por exemplo, terroristas ou celebridades). O
mais alto destaque, entretanto, dado ao crime, por suas caractersticas de produo de
culpado(s), exposto(s) execrao pblica, e/ou de uma demanda de interesse por uma
histria que se desenvolve em captulos.Para a captao da matria-prima para esse produto, costuma haver uma rede
estabelecida, desde a fonte, que no o fato, mas a informao sobre o fato, fornecida pelos
agentes pblicos dele encarregados, as polcias, at as redaes das organizaes de
comunicao social. O destaque para o aspecto de que os fatos, desse modo, so
primeiramente selecionados pelos agentes policiais, que dessa forma operam um processo de
seleo sobre a realidade social a ser divulgada e, portanto, construda (BUSTOS RAMREZ,
1983). Disso resulta uma forte dependncia, por parte dos jornalistas, em relao a essasfontes de informao, especialmente no que se refere ao crime. H, portanto, um monoplio
de controle social sobre as fontes de notcias, exercido pelos agentes, os quais tendem a
fornecer aos jornalistas um primeiro ponto de vista definidor a respeito de como ser o fato
compreendido e divulgado, com todas as consequncias morais e jurdicas da decorrentes. A
caracterstica social mais importante dos agentes de controle social passa a ser a sua
capacidade de selecionar e classificar os fatos. Esse controle ser efetivado com base nos
esteretipos do senso comum e das referncias jurdicas de que tais agentes dispuserem, o queresulta na indiferena a qualquer fato que no possam enquadrar ou definir por esses
padres.
No preciso muito esforo para compreender, nesse sentido, as razes pelas
quais a populao carcerria tem caractersticas to uniformemente aproximadas. De acordo
com Zaffaroni (1991), O esteretipo alimenta-se das caractersticas gerais dos setores
majoritrios mais despossudos e, embora a seleo seja preparada desde cedo na vida do
sujeito, ela mais ou menos arbitrria. nesse sentido que os esteretipos sociais assim
estabelecidos apontam um mecanismo de reproduo de relaes sociais (BOURDIEU;
PASSERON, 1975), o qual permite que os agentes, eles mesmos inseridos na sociedade e,
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portanto, compartilhando seus esteretipos, tendam a esperar determinadas condutas vindas
de pessoas de determinados grupos sociais, e no dos integrantes de outros grupos sociais.
Assim, na reao no institucional encontramos em ao [...] definies e teorias de todos
os dias da criminalidade, que apoiam os processos de distribuio da criminalidade postos
em ao pelas instncias oficiais (BARATTA, 2002).
Desse modo, os jornalistas, ao produzirem notcias que reproduzem os discursos
dos agentes de controle social, reproduzem a lgica dos agentes de controle social, com
destaque para a violncia urbana, reduzida a aes de indivduos e grupos definidos, que
definem, para o senso comum, toda a criminalidade, difundindo assim o medo na sociedade.
Ignoram-se, portanto, especialmente pelo baixo valor como notcia, problemas sociais
estruturais, como a injustia social (desemprego, pobreza, analfabetismo, etc.), e a violnciainstitucional, provocada pelo sistema penal (BARATTA, 2004), alm da violncia simblica
(BOURDIEU, 1989). nesse sentido que uma lgica circular se estabelece: as notcias
reforam o senso comum e seus pr-conceitos a respeito do crime e dos criminosos, o que
legitima as demandas e aes sociais sobre estes indivduos, que reproduziro as mesmas
aes, (re)produzindo-se assim novas notcias.
5 CONCLUSO
possvel concluir que o campo jurdico, e, portanto, o sistema penal, estabelece
sua estratgia de manuteno do monoplio discursivo sobre a verdade7 , apoiado na
tradio de uma legitimidade herdada ao longo da histria da formao da instituio estatal,
que estabelece o monoplio sobre esse discurso pelo campo poltico, especialmente com base
na massiva difuso da lgica administrativa jurdico-econmica pela burguesia dominante, a
partir da revoluo industrial. Observe-se, entretanto, que no caso brasileiro essa legitimidadebaseada na histria no existe, originando-se a a fraqueza de nossas instituies polticas e
econmicas e, portanto, o fraco efeito civilizatrio que resulta no descontrole social e na
criminalidade. Esse modelo de Estado busca o bem comum, oficialmente, mas o seu exerccio
no campo poltico brasileiro, o qual se organiza por peculiaridades muito prprias,
7No cabe neste trabalho, nem sua proposta, a discusso da verdade, conceito discutido h sculos, com muitapropriedade, pela Filosofia. Para os fins deste trabalho, utilizamos a definio da Sociologia Poltica, pela qual,para o Estado e para o Direito, verdade o que se impe e se toma por verdadeiro, dentro da ideia de umarbitrrio cultural, quer dizer, a naturalizao de uma escolha arbitrria, pelo grupo social dominante, emdeterminado momento histrico e social, objetivada no texto legal vigente em cada poca (norma lizao =normatizao), o que torna a lei escrita, por essa mesma razo, passvel de envelhecer, ou seja, deixar derefletir a dinmica social, devendo, assim, ser alterada.
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decorrentes de sua formao histrica entre ns, no podendo, portanto, ser visto pela lgica
que o faz compreensvel pelos padres europeus. Esse Estado corre o risco de ser dominado
pela lgica interna eleitoral, autor referido e autossuficiente, e ignorar a demanda externa,
perdendo assim legitimidade, poder simblico, para o campo jornalstico, ou mdia, que o
ataca em nome da verdade que afirma possuir e defender.
O campo jornalstico, do mesmo modo, luta pelo monoplio discursivo sobre a
mesma verdade, mas como forma de legitimao sobre a audincia, e, portanto, pela
consolidao de seu poder simblico. Mas o fato de orientar suas aes pela busca de lucro
financeiro e/ou simblico sem preocupar-se com o bem comum, faz com que a mdia perca a
legitimidade para a obteno de efeitos sociais reais e duradouros. Arrisca-se, portanto, nesse
processo, a deslegitimar ou enfraquecer o poder simblico estatal ou pblico, criando ascondies para a instabilidade institucional e para o agravamento da instabilidade social.
preciso observar, entretanto, que a luta por poder simblico, por parte da mdia, se justifica
apenas pelos lucros que ocorrem durante a dinmica da luta. Isso implica dizer que a mdia
no pode levar sua luta s ltimas consequncias, pois isso implicaria o disparate de a mdia
tomar o lugar do Estado, assumindo o poder poltico que decorre da posse reconhecida do
poder simblico, devendo, a partir disso, assumir as funes do Legislativo, do Executivo e
do Judicirio, e especialmente as funes do sistema penal, algo a que as empresas decomunicao no se propem, limitando-se busca de legitimao como ator poltico em
posio privilegiada, j que dotado de supremacia sobre os atores tradicionais, efeito,
contudo, ilegtimo, j que decorre da crena geral em um poder simblico criado e
difundido pela mesma mdia, e tambm porque as empresas de comunicao esto
abertamente orientadas para o lucro financeiro, e no para o bem de todos, como o o Estado,
conforme a Constituio Federal Brasileira (2010). Entretanto, por essa razo que no so
estranhos a frequente entrada de jornalistas no campo poltico e o fato de as posies nocampo jornalstico serem vistas muitas vezes como um dos meios mais eficientes para o
ingresso no campo poltico.
No que se refere ao sistema penal, destacado aqui como parte do campo jurdico,
este ltimo inserido no grande campo do Estado, preciso ter presente que a interao com a
mdia pode produzir o resultado positivo de conscientizar os cidados sobre os problemas que
este apresenta, no que se refere, por exemplo, a falhas na legislao e na execuo penal,
violncia urbana descontrolada, problemas objetivos e ticos dos organismos de controle
social (Judicirio, Ministrio Pblico, Polcias, etc.). Entretanto, dessa interao tambm
surgem, por exemplo, os aspectos negativos da banalizao, pela mdia, de temas penais de
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extremo relevo, a difuso do medo social, a omisso da maioria dos graves problemas que
esto na origem da criminalidade, como a misria, o analfabetismo, o desemprego, a injustia
social, etc. Isso se deve ao fato de tais temas demandarem profundas anlises cientficas
interdisciplinares e sua soluo, ou conduo em nveis tolerveis, necessitar da
implementao de polticas pblicas adequadas, de mdio e longo prazo, as quais, entretanto,
no produzem os frequentes escndalos de que necessita a mdia, em sua ansiosa busca por
novidades atrativas ao pblico, que permitem valorizar financeiramente os espaos
comerciais de seus canais de comunicao patrocinados pelos anunciantes e disputar o poder
simblico com o Estado, especificamente o sistema penal. Mdia e sistema penal tm,
portanto, objetivos muito diferentes, que se aproximam apenas no que se refere disputa pelo
poder que decorre da afirmao da verdade. Os problemas que surgem dos atritos entre
esses campos sociais so muitos e decorrem principalmente das caractersticas internas de
cada campo, como linguagens ou cdigos internos muito distintos, diferentes estratgias de
legitimao utilizadas por seus respectivos agentes, e das inteis tentativas de reduo das
referncias lingusticas e taxionmicas concorrentes s categorias de pensamento do campo
social oposto. Todos esses temas, entretanto, e suas implicaes sero objeto dos trabalhos
que se seguiro ao presente.
PENAL SYSTEM AND MEDIA: FIGHT FOR SYMBOLIC POWER
ABSTRACT
This article constitutes an effort to address the relationships between the private media,especially television, and the penal system, an interaction that reflects the contradictorymovements of modern societies on the criminal justice: on the one hand, the questioningabout the penal system's legitimacy and, on the other hand, the speeches by its legitimation
and expansion.
Keywords: Law. Pneal system. Media. Symbolic Power.
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