22
1 SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO: DO APOCALIPSE AO JUÍZO FINAL Dayane da Silva Sanches 1 Rodrigo Vieira de Oliveira 2 Resumo Este trabalho pretende abordar o sistema prisional brasileiro, trazendo alguns questionamentos com relação à política penal implantada, e em vigor no momento. O estudo apresentado aqui tem a intenção de expor dados oficiais de órgãos do Governo, bem como bibliográficos, e, com isso, incitar o leitor a uma reflexão sobre o rumo que o Brasil está tomando, mediante o número expressivo de presos (encarcerados), e quais medidas seriam necessárias para evitar que o sistema prisional entre em colapso – se é que não já está. O questionamento principal é: até quando o Brasil vai suportar manter esse sistema prisional em vigor? Assim, serão apresentados dados nacionais, porém, o campo de estudo para este trabalho tem como base, o sistema prisional carioca, através de dados da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro – SEAP/RJ. A metodologia utilizada para este trabalho foi a análise de informações documentais e bibliográficas. Assim, diante das informações expostas neste trabalho, pode-se concluir que o Estado precisa reagir rapidamente, repensando este sistema (prisional) que cresce a cada dia, buscando solucionar uma problemática que parece não ter solução com aplicação de medidas que vêm sendo tomadas ao longo do tempo (mostrando-se ineficazes). Palavras-chave: sistema prisional brasileiro; população carcerária; Estado. 1 Dayane da Silva Sanches é Pós-Graduada em Estratégia Empresarial e Inteligência Competitiva pela Faculdade de Tecnologia – SENAC RJ, Rio de Janeiro – RJ; Graduada em Administração pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ, Rio de Janeiro – RJ; e-mail: [email protected]. 2 Rodrigo Vieira de Oliveira é Mestre em Administração pela Universidade Federal Fluminense – UFF, Rio de Janeiro – RJ; Professor do curso de Pós-Graduação MBA em Gestão de RH da UFF; e-mail: [email protected].

SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO.docx REV FINAL...6 Desde que a Idade Media construiu, não sem dificuldade e lentidão, a grande procedura do inquérito, julgar era estabelecer a verdade

  • Upload
    others

  • View
    1

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO.docx REV FINAL...6 Desde que a Idade Media construiu, não sem dificuldade e lentidão, a grande procedura do inquérito, julgar era estabelecer a verdade

1

SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO: DO APOCALIPSE AO JUÍZO FINAL

Dayane da Silva Sanches1

Rodrigo Vieira de Oliveira2

Resumo

Este trabalho pretende abordar o sistema prisional brasileiro, trazendo alguns

questionamentos com relação à política penal implantada, e em vigor no

momento. O estudo apresentado aqui tem a intenção de expor dados oficiais de

órgãos do Governo, bem como bibliográficos, e, com isso, incitar o leitor a uma

reflexão sobre o rumo que o Brasil está tomando, mediante o número expressivo

de presos (encarcerados), e quais medidas seriam necessárias para evitar que

o sistema prisional entre em colapso – se é que não já está. O questionamento

principal é: até quando o Brasil vai suportar manter esse sistema prisional em

vigor?

Assim, serão apresentados dados nacionais, porém, o campo de estudo para

este trabalho tem como base, o sistema prisional carioca, através de dados da

Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro –

SEAP/RJ.

A metodologia utilizada para este trabalho foi a análise de informações

documentais e bibliográficas.

Assim, diante das informações expostas neste trabalho, pode-se concluir que o

Estado precisa reagir rapidamente, repensando este sistema (prisional) que

cresce a cada dia, buscando solucionar uma problemática que parece não ter

solução com aplicação de medidas que vêm sendo tomadas ao longo do tempo

(mostrando-se ineficazes).

Palavras-chave: sistema prisional brasileiro; população carcerária; Estado.

1 Dayane da Silva Sanches é Pós-Graduada em Estratégia Empresarial e Inteligência Competitiva pela Faculdade de Tecnologia – SENAC RJ, Rio de Janeiro – RJ; Graduada em Administração pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ, Rio de Janeiro – RJ; e-mail: [email protected]. 2 Rodrigo Vieira de Oliveira é Mestre em Administração pela Universidade Federal Fluminense – UFF, Rio de Janeiro – RJ; Professor do curso de Pós-Graduação MBA em Gestão de RH da UFF; e-mail: [email protected].

Page 2: SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO.docx REV FINAL...6 Desde que a Idade Media construiu, não sem dificuldade e lentidão, a grande procedura do inquérito, julgar era estabelecer a verdade

2

PRISON SYSTEM BRAZILIAN: FROM APOCALYPSE TO THE FINAL

JUDGMENT

Abstract

This work aims to address the Brazilian prison system, bringing some questions

regarding the implanted criminal policy, and in force at the time. The study

presented here It intends to expose official data from government agencies, as

well as bibliographic and thereby encourage the reader to reflect on the direction

that Brazil is taking by the astonishing number of prisoners (incarcerated), and

what measures would be necessary to prevent the prison system from collapsing

- if not already. The main question is: until when Brazil will support maintain that

the prison system in place?

Thus, national data will be presented, however, the field of study for this work is

based on the Rio prison system, through data Penitentiary Administration State

Secretariat of Rio de Janeiro - SEAP / RJ.

The methodology used for this study was the collection of documentary and

bibliographic information, and information obtained by an interview given by State

Penitentiary Administration Secretary of Rio de Janeiro. Thus, as proposed by

Bardin (2011), the content analysis was used for the interpretation of the data

collected in the interview and the completion of this work.

Keywords: Brazilian Prison System; prison population; State.

INTRODUÇÃO

O Brasil, por ser um país que possui uma Constituição Federal conhecida

como “Constituição Cidadã”, segundo palavras de Ulysses Guimarães – um dos

responsáveis pela elaboração e aprovação do texto constitucional - tem como

uma das principais características, a defesa dos direitos humanos e a garantia

dos direitos individuais e coletivos.

A referida Carta Magna capitula, em seu Art. 5º, uma série de direitos e

garantias, os quais se tornam limitadores da atuação do Estado em relação à

Page 3: SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO.docx REV FINAL...6 Desde que a Idade Media construiu, não sem dificuldade e lentidão, a grande procedura do inquérito, julgar era estabelecer a verdade

3

sociedade e, ao mesmo tempo, torna-se uma obrigação do próprio Estado em

cumprir a Lei Maior. Seguem alguns exemplos desses direitos citados na

Constituição.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer

natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes

no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à

segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos

desta Constituição;

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa

senão em virtude de lei;

III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou

degradante;

Como a Constituição faz previsão desses direitos no referido artigo, o cerne

desse trabalho também se baseia em um trecho da Constituição, nos termos que

se seguem, ainda no Art. 5º, LVII, da CF/88.

XLVII - não haverá penas:

a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art.

84, XIX;

b) de caráter perpétuo;

c) de trabalhos forçados;

d) de banimento;

e) cruéis;

A Constituição Federal aponta um dever do Estado de fazer cumprir

garantias individuais e coletivas; assim, ao prever tais proibições expressas para

o Estado e seus agentes, baliza qual o tratamento deverá ser dado aos presos,

no cumprimento de suas penas. A primeira informação que se tem, apontada

pela própria Constituição Federal é de que todos os que estão atualmente

presos, serão libertos, pelo simples fato da norma legal não permitir prisão

perpétua.

Page 4: SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO.docx REV FINAL...6 Desde que a Idade Media construiu, não sem dificuldade e lentidão, a grande procedura do inquérito, julgar era estabelecer a verdade

4

Mas qual é a função da prisão, mediante esse mandamento

constitucional?

Na visão de Foucault, a partir do século XIX, além dos objetivos de punir

o delinquente e defender a sociedade dele, isolando-o para evitar o contágio do

mal e inspirando o temor ao seu destino, a meta de reabilitar passou a merecer

ênfase especial, ora sendo vista como semelhante à finalidade do hospital, ora

como a da escola, a função da prisão passa a ser designada por terapêutica,

cura, recuperação, ato regenerativo, readaptação, ressocialização, reeducação

(FOUCAULT, 2000, p. 16).

O Brasil possui uma Lei de Execução Penal, Lei 7.210, de 11 de julho de

1984, o qual traz a seguinte previsão:

Lei 7.210/84.

Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de

sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a

harmônica integração social do condenado e do internado.

Desta forma, observa-se que, num Estado Democrático de Direito, as

normas legais são observadas e obedecidas, o que se pode presumir, então, é

que se alguma política não está sendo eficaz, inicialmente, as falhas podem ser

atribuídas às normas legais (mal redigidas ou ultrapassadas); ou ainda, os

agentes (representantes do Estado) não estão cumprindo-a como deveriam.

O fato é, que atualmente, estima-se que há falhas nos dois sentidos: Lei

de Execução Penal datada de 1984 – o que estaria ultrapassada face à realidade

do século XXI; falha humana, ao se permitir fatos de corrupção, amplamente

divulgados pela mídia. Assim, para que se faça uma análise das prisões dos dias

de hoje, é necessário entender como surgiram as prisões, o que será abordado

no próximo tópico.

1 A ORIGEM DA PRISÃO

É bastante comum as pessoas acharem que a prisão, como tal se

conhece – cercada de muros altos e com guardas tomando conta dos presos

(encarcerados ou “atrás das grades”), sempre existiu, ainda que primitivamente,

Page 5: SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO.docx REV FINAL...6 Desde que a Idade Media construiu, não sem dificuldade e lentidão, a grande procedura do inquérito, julgar era estabelecer a verdade

5

com calabouços ou outros locais de aprisionamento, no início da formação das

sociedades – mas isso não é uma verdade. A prisão, essa descrita acima, para

o cumprimento da pena privativa de liberdade para quem cometesse algum

crime, tem seu início na data de 1555, na Inglaterra, conforme aponta Neder

(2009):

Na Inglaterra, o Bridewell, fundado em 1555, em Londres, foi a primeira

instituição criada para liberar as cidades de vagabundos e mendigos.

Inicialmente, as casas de correção tornaram-se uma referência para o

disciplinamento social de um modo geral. Para lá eram enviados filhos,

maridos e esposas “desencaminhados” (p. 86).

Os egípcios e outros povos, muito antes de Cristo, aprisionavam escravos

para o exercício de um trabalho forçado; inimigos que capturavam nas batalhas

– verdadeiros prisioneiros de guerra. Mas, ainda assim, não construíram um

lugar específico para a manutenção de encarcerados (presos após julgamento

legal para cumprimento de penas previstas em estatuto) – as prisões. Mesmo

que na época existissem presos, não existia a prisão, tal qual como nos dias

atuais.

A palavra prisão abrange toda restrição de movimentos causada por um

obstáculo exterior, seja uma casa, a que se dá o nome geral de prisão, seja uma

ilha, caso em que se diz que as pessoas lá ficam confinadas, seja um lugar onde

as pessoas são obrigadas a trabalhar, como antigamente se condenavam as

pessoas às pedreiras, e atualmente se condenam às galés, seja mediante

correntes ou qualquer outro impedimento (HOBBES, 2003, p.106).

Por volta do século V, os povos, já com um considerado grau de formação

e organização, passaram a estipular padrões éticos de comportamento para o

indivíduo que vivesse em sociedade; assim, qualquer um que tivesse um

comportamento diferente do que se aceitava à época, deveria ser julgado e,

provavelmente, condenado. Surge nesse período, então, o conceito de “julgar”,

ou seja, uma ideologia de jurisdição – juris, proveniente do latim, que significa

direito e, dicere, de dizer. Logo, alguém teria competência de dizer o direito

(jurisdicionar).

Page 6: SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO.docx REV FINAL...6 Desde que a Idade Media construiu, não sem dificuldade e lentidão, a grande procedura do inquérito, julgar era estabelecer a verdade

6

Desde que a Idade Media construiu, não sem dificuldade e lentidão, a

grande procedura do inquérito, julgar era estabelecer a verdade de um crime,

era determinar seu autor, era aplicar-lhe uma sanção legal (FOUCAULT, 2004,

p.19).

Não existia a tripartição dos Poderes, conforme proposto na Grécia antiga,

e endossada por Montesquieu, como ocorre atualmente nos Estados

Democráticos de Direito, pois, o poder de administrar, legislar e julgar estavam

todos concentrados em uma só pessoa: o soberano, que poderia ser um rei, um

senhor feudal ou até mesmo alguém da nobreza que exercia poder em um

determinado local, conforme descreve Foucault (1979):

Eu gostaria de examinar um pouco a história do aparelho de Estado

judiciário. Na Idade Média se substituiu um tribunal arbitral (a que se

recorria por consentimento mútuo, para por fim a um litígio ou a uma

guerra privada e que não era de modo nenhum um organismo

permanente de poder) por um conjunto de instituições estáveis,

específicas, intervindo de maneira autoritária e dependente do poder

político (ou controlado por ele). Essa transformação apoiou-se em dois

mecanismos. O primeiro foi a fiscalização da justiça: pelo procedimento

das multas, das confiscações, dos sequestros de bens, das custas, das

gratificações de todo tipo, fazer justiça era lucrativo; depois do

desmembramento do Estado carolíngio, a justiça tornou-se, entre as

mãos dos senhores, não só um instrumento de apropriação, um meio

de coerção, mas diretamente uma fonte de riqueza; ela produzia mais

um rendimento paralelo à renda feudal, ou melhor, que fazia parte da

renda feudal. As justiças eram fontes de riqueza, eram propriedades

(p.25).

O poder estatal era exercido pelo chefe de Estado: o Rei. Porém, havia

um outro poder que caminhava ao lado do Estado: a Igreja. A Igreja Católica

exercia um papel paralelo ao Estado, com poder de influência, inclusive, nas

questões políticas do Estado. Então, como existiam dois poderes, o Estado e a

Igreja, havia também dois tipos de inimigos: os inimigos do Estado e os inimigos

da Igreja. Mas como eram classificados esses inimigos? De forma simplória, os

inimigos do Estado eram os que cometiam crimes – qualquer ato que

Page 7: SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO.docx REV FINAL...6 Desde que a Idade Media construiu, não sem dificuldade e lentidão, a grande procedura do inquérito, julgar era estabelecer a verdade

7

desagradasse ao soberano ou fora dos padrões éticos estipulados pela

sociedade; e os inimigos da Igreja, aqueles que não aceitavam os dogmas

católicos e/ou não os praticava.

A Igreja adotava padrões de punição, que não necessariamente

culminavam com a morte do apenado, buscando uma correção de atitudes;

diferentemente do Estado, que na grande maioria das vezes aplicava a pena de

morte, como resultado de um delito cometido.

Manuscritos dos séculos XVII e XVIII revelam que punições para

diferentes tipos de má conduta sexual eram calculadas nos mínimos

detalhes. Algumas das ofensas mais graves pediam a castração;

outras explicavam extensas penitências. Um monge culpado de

simples fornicação com pessoas solteiras podia ser condenado a jejuar

por um ano a pão e água, enquanto uma freira cumpriria de três a sete

anos de jejum e um bispo 12 anos. A punição da masturbação na igreja

era de 40 dias de jejum (60 dias cantando salmos, no caso de monges

e freiras). Um bispo apanhado fornicando cumpriria oito anos de jejum

no caso da primeira ofensa e 10 anos para cada ofensa subsequente

(MORGAN, 2006, p. 226).

Tais conceitos se desenvolveram ao longo da Idade Média, mas, em

relação à punição, pensava-se, apenas, em castigos físicos, suplícios e morte

(para os inimigos do Estado). Não se tinha um conceito de que a privação da

liberdade poderia ser uma espécie de pena aplicada ao agente praticante do

delito, o criminoso. Mas essas práticas não eram de todo aceitas. Existiam

pensadores que reprovavam tais atos de barbárie (a visão de penalizar o corpo

com castigos físicos ou morte), pois elas se afastavam muito do conceito

humanista, já iniciando seus primeiros passos no início do século XVIII.

Foucault (2004) faz uma citação de Rush – 1757 - quando este expressa,

claramente, uma repulsa em relação ao tratamento dado pelo Estado ao

condenado:

Só posso esperar que não esteja longe o tempo em que as forças, o

pelourinho, o patíbulo, o chicote, a roda, serão considerados, na

Page 8: SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO.docx REV FINAL...6 Desde que a Idade Media construiu, não sem dificuldade e lentidão, a grande procedura do inquérito, julgar era estabelecer a verdade

8

história dos suplícios, como as marcas da barbárie dos séculos e dos

países e como as provas da fraca influência da razão e da religião

sobre o espírito humano (p.14).

Desta forma, observa-se que o século XVIII, influenciado por ideias

iluministas, passa a conceber outro conceito de punição que seja, não somente

baseada no castigo físico e na pena de morte, mas na privação da liberdade

como forma racional e humana de punir o delinquente.

O suplicio se inseriu tão fortemente na prática judicial, porque é

revelador da verdade e agente do poder. Ele promove a articulação do

escrito com o oral, do secreto com o público, do processo de inquérito

com a operação de confissão; permite que o crime seja reproduzido e

voltado contra o corpo visível do criminoso; faz com que o crime, no

mesmo horror, se manifeste e se anule. Faz também do corpo do

condenado o local de aplicação da vindita soberana, o ponto sobre o

qual se manifesta o poder, a ocasião de afirmar a dissimetria das

forcas. [...] o iluminismo logo há de desqualificar os suplícios

reprovando-lhes a "atrocidade". Termo pelo qual os suplícios eram

muitas vezes caracterizados sem intenção crítica pelos próprios

juristas (FOUCAULT, 2004, p. 46).

Após a Revolução Francesa, no fim do século XVIII, muitos países foram

influenciados direta ou indiretamente por ideias iluministas, cuja ideologia

consistia em liberdade, igualdade e fraternidade. Após a publicação da Carta dos

Direitos Humanos, tais ideias humanistas passaram a ter mais consistência na

cobrança de uma postura adotada pelo Estado em relação a diversas questões

voltadas para o ser humano, dentre as quais, a punição. Assim, o conceito

adotado pela Igreja Católica, em relação aos seus “inimigos”, passa a ter maior

vulto.

A Igreja acreditava que privando o indivíduo da liberdade, por um período

de tempo, e operando (lapidando) este indivíduo, fazendo-o internalizar as ideias

passadas por quem exercia o poder, haveria possibilidade dele (o “inimigo”)

Page 9: SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO.docx REV FINAL...6 Desde que a Idade Media construiu, não sem dificuldade e lentidão, a grande procedura do inquérito, julgar era estabelecer a verdade

9

retornar à sociedade com novas práticas, novas ideias; acreditava-se que essas

novas práticas e ideias seriam as ideais e benéficas, nos moldes e padrões da

época, fortalecendo, então, o conceito de “prisão ressocializadora”. Gondar

(2007) relata que a Igreja medieval foi responsável por inaugurar duas práticas

técnicas: uma delas foi evitar o trabalho desnecessário por meio de fontes

mecânicas de energia para que o tempo fosse distribuído entre estudo, oração

e meditação, prática que contribuiu para o aperfeiçoamento das técnicas e das

manufaturas nos monastérios; a segunda foi a prática assistencial, proveniente

da ideologia cristã de ajuda ao próximo, que veio mais tarde a dar origem aos

hospitais, sanatórios, asilos e, por fim, às prisões.

Assim, a estratégia adotada pela Igreja era: privar o indivíduo da

liberdade; este paga a sua “penitência”3 e; após o cumprimento de sua pena,

comprovadamente demonstrando capacidade para o retorno ao convívio social,

tem sua liberdade assegurada. Esse modus operandi de punir tem caráter

também socializador ou ressocializador.

Para Foucault (2004, p.224), as práticas que já há tempo eram realizadas

pela Igreja são perfeitamente aceitáveis, pois para o autor a detenção penal deve

então ter por função essencial a transformação do comportamento do individuo:

a recuperação do condenado como objetivo principal da pena é um principio

sagrado cuja aparição formal no campo da ciência e principalmente no da

legislação é bem recente (Congresso Penitenciário de Bruxelas, 1847). [...] a

pena privativa de liberdade tem como objetivo principal a recuperação e a

reclassificação social do condenado (Principio da correção).

Observa-se que, inicialmente, acreditava-se na recuperação do ser

humano, após este ver-se cerceado de sua liberdade e internalizar conceitos

ministrados no ambiente confinado. Sobre acreditar ou não na recuperação do

homem (criminoso), esse assunto não será abordado nesse trabalho, haja vista

não ser foco central desta pesquisa – abordagem sobre ressocialização.

Goffman (1974) traz uma breve explicação sobre lugares ou ambientes de

confinamento (que segundos seus conceitos podem ser prisões, manicômios ou

conventos), o qual chama de instituição total.

3 Foi a partir desse momento, que se concebeu o conceito das penitenciárias – lugar onde alguém

cumpre sua penitência (pena), por ter cometido uma transgressão / crime.

Page 10: SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO.docx REV FINAL...6 Desde que a Idade Media construiu, não sem dificuldade e lentidão, a grande procedura do inquérito, julgar era estabelecer a verdade

10

Uma instituição total pode ser definida como um local de residência e

trabalho onde um grande número de indivíduos, com situação

semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável

período de tempo, leva uma vida fechada e formalmente administrada.

As prisões servem como exemplo claro disso [...] (p. 11).

Assim, constrói-se o entendimento, de que pessoas acometidas de

doenças ou, até mesmo, criminosos, não podem ser mantidas junto à sociedade.

Lugares específicos – instituições totais – são necessários existir para que estes

“degredados” possam lá permanecer isolados, em tratamento, até que

demonstrem capacidade de retorno ao convívio social. Nesse contexto, Goffman

(1974, p.16) complementa que um terceiro tipo de instituição total é organizado

para proteger a comunidade contra perigos intencionais, e o bem-estar das

pessoas assim isoladas não constitui o problema imediato: cadeias,

penitenciárias, campos de prisioneiros de guerra, campos de concentração.

Os outros tipos de instituição total são: “Em primeiro lugar, há instituições

criadas para cuidar de pessoas que, segundo se pensa, são incapazes e

inofensivas; nesse caso estão as casas para cegos, velhos, órfãos e indigentes.

Em segundo lugar, há locais estabelecidos para cuidar de pessoas consideradas

incapazes de cuidar de si mesmas e que são também uma ameaça à

comunidade, embora de maneira não intencional; sanatórios para tuberculosos,

hospitais para doentes mentais e leprosários” (GOFFMAN, 1974, p. 16).

Mas há um fator importante, que também merece destaque, em relação à

punição: o ócio. Durante a Idade Média, a Igreja Católica compartilhava a ideia

com seus fieis que, ser pobre, era um motivo para a salvação divina. Assim,

quem nascia pobre, vivia pobre e morria pobre, ou até mesmo, nesse processo

de vida fazia voto de pobreza, teria o direito assegurado de entrar no paraíso.

Por esse motivo, não havia necessidade de se trabalhar para obter salvação. O

ócio não era visto com “maus olhos”, conforme propõe Souza (2012).

[...] em Roma a palavra trabalho já era utilizada e associada a um

instrumento de tortura, tripalium, o que mostra que o trabalho era

encarado como algo sacrificante e que o ócio era bem visto (p.20).

Page 11: SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO.docx REV FINAL...6 Desde que a Idade Media construiu, não sem dificuldade e lentidão, a grande procedura do inquérito, julgar era estabelecer a verdade

11

A Reforma Protestante quebrou esse paradigma e foi na contramão do

que se pregava na Igreja Católica. Para os protestantes a pobreza deixa de ser

motivo de salvação divina para ser maldição divina, e a única maneira do homem

se salvar era produzindo (trabalhando), pois o ócio passa a ser visto como

pecado e todo aquele que o pratica (o vadio) merece ser punido, pois atenta

contra as leis divinas. Cria-se, então, uma relação entre pobreza e punição.

Pobre que não trabalhava, atentava contra um mandamento de Deus, e por isso

merecia ser enforcado ou punido de forma severa (SOUZA, 2012, p.39).

Na visão de Melossi e Pavarini (2006), esse conceito de relacionar

trabalho e punição, por conta de questões divinas, utilizado pelos protestantes,

não faz o menor sentido.

Não há nenhuma justificativa racional para se respeitar a ordem e o

trabalho; a ideologia protestante tem a visão pessimista de um mundo

submerso no pecado, absurda epifania divina na qual os homens

cantam louvores a Deus trabalhando, acumulando e – alguns –

poupando (p. 54).

Desde então, o trabalho passou a ser visto também como forma de

correção.

No Brasil, a Constituição Federal proíbe o trabalho forçado. Porém, a Lei

de Execução Penal traz a questão do trabalho para o preso nos seguintes

termos:

Lei 7.210/84

Art. 28. O trabalho do condenado, como dever social e condição de

dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva.

§ 1o Aplicam-se à organização e aos métodos de trabalho as

precauções relativas à segurança e à higiene.

§ 2o O trabalho do preso não está sujeito ao regime da Consolidação

das Leis do Trabalho.

Art. 29. O trabalho do preso será remunerado, mediante prévia tabela,

não podendo ser inferior a três quartos do salário mínimo.

Page 12: SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO.docx REV FINAL...6 Desde que a Idade Media construiu, não sem dificuldade e lentidão, a grande procedura do inquérito, julgar era estabelecer a verdade

12

Assim, fazendo uma análise do contexto sob o qual justificou-se o

surgimento das prisões, podem ser observados alguns pontos críticos desta

temática: a prisão (a primeira construída no mundo – Bridewell - 1555) era única

e exclusivamente para pobres (vagabundos, ociosos, etc) – o que supõe uma

dominação por parte da classe mais abastarda sobre a classe pobre, pois

dificilmente um rico, ou filho deste, seria preso pelo cometimento de um crime;

após ideias iluministas serem disseminadas por várias partes do mundo, não se

concebia mais o castigo físico, morte ou suplício, serem formas de punição – a

privação da liberdade seria uma proposta de punir mais “humanamente” o

criminoso, e capaz de ressocializá-lo, proporcionando um tempo “sem liberdade”

para reflexão dos atos que cometeu e culminou em seu aprisionamento – este

tempo de reflexão deveria ser em um local específico – a prisão; outro fator que

merece destaque é que fazia-se, e faz-se necessário que o Estado tenha locais

específicos para acolhimento e tratamento de pessoas acometidas de distúrbios

comportamentais, incluindo os criminosos, para proteger a sociedade de

barbáries – ideia totalmente defendida por Foucault (2004) e explicada por

Goffman (1974).

2 O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

O sistema prisional brasileiro enfrenta graves problemas, tais como:

superlotações, rebeliões, local insalubre de trabalho, entre outros. Mas essa

problemática não é recente. Há bastante tempo as mídias sociais, bem como

trabalhos científicos vêm apontando a degradação do sistema prisional e da

complexidade encontrada pelo agente prisional para exercer o seu trabalho.

Mesmo diante de diversos problemas, por força de lei, o Estado, através dos

seus agentes, precisa atuar na execução da pena imposta ao preso.

No Brasil, o sistema carcerário encontra-se falido e apresenta além da

superpopulação, estruturas insalubres, violência, entre outras

características que o transforma em “universidade do crime”. São

ambientes em que a ressocialização, objetivo legal das penas de

prisão, não são alcançadas e, ao contrário, tornam-se lugares em que

os vícios são multiplicados (PIRES e PALASSI, 2010, p. 1).

Page 13: SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO.docx REV FINAL...6 Desde que a Idade Media construiu, não sem dificuldade e lentidão, a grande procedura do inquérito, julgar era estabelecer a verdade

13

O grande desafio para os agentes é cumprir a lei, pois, o ambiente

prisional oferece muitos riscos, e por muitas vezes faz-se necessário agir por

instinto, o que requer muita atenção, pois há de se ter a precaução de não

cometer excesso de poder. Caso ocorra o excesso, configura-se um ato ilegal,

juridicamente falando, passível de responsabilização nas esferas penal,

administrativa e civil para o agente que cometeu o ato.

Além do risco oferecido aos inspetores por parte dos presos, nos atos de

agressão física, rebeliões, ameaças, e outros, há de ser levar em consideração

os riscos de doenças contagiosas, pois o inspetor, também, fica “encarcerado”,

e seu local de trabalho é a prisão – o próprio ambiente confinado.

[...] existem (pelo menos na crença da equipe dirigente) perigos

especiais no trabalho com pessoas. Nos hospitais para doentes

mentais, as equipes dirigentes acreditam que os pacientes podem

bater “sem razão” e ferir um funcionário; alguns auxiliares acreditam

que a exposição contínua a doentes mentais pode ter um efeito

contagioso. E nos sanatórios para tuberculosos, e em leprosários, a

equipe dirigente pode pensar que está exposta a doenças perigosas

(GOFFMAN, 1977, p. 71).

Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN),

subordinado ao Ministério da Justiça, o Brasil ultrapassou a marca de 622 mil

pessoas privadas de liberdade (dados coletados no último relatório apresentado

pelo DEPEN, publicado em 2015, referente a dados de 2014). Assim, o Brasil é

o 4º país com o maior número de encarcerados, atrás apenas de Estados

Unidos, China e Rússia.

Page 14: SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO.docx REV FINAL...6 Desde que a Idade Media construiu, não sem dificuldade e lentidão, a grande procedura do inquérito, julgar era estabelecer a verdade

14

Quadro 1 - Países com maior população prisional do mundo

Fonte: Relatório INFOPEN de 2015 – DEPEN.

Quadro 2 - Crescimento populacional carcerário nos últimos 24 anos

Fonte: Relatório INFOPEN de 2015 – DEPEN

.

O referido Relatório do DEPEN, mencionado anteriormente, traz, ainda,

dados alarmantes a respeito do crescimento populacional: o Brasil tem vivido

nas últimas três décadas, uma crescente no número de encarcerados. Os dados

apontam que em 24 anos a população carcerária cresceu em aproximadamente

575%, o que torna o trabalho prisional mais robusto de tarefas e, ao mesmo

tempo, de perigo, haja vista o Estado não ter contratado servidores na mesma

proporção de crescimento da população carcerária.

Page 15: SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO.docx REV FINAL...6 Desde que a Idade Media construiu, não sem dificuldade e lentidão, a grande procedura do inquérito, julgar era estabelecer a verdade

15

O Quadro 2 mostra o crescimento populacional nacional, segundo dados

do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Quadro 3 – Taxa de crescimento médio anual da população brasileira (1940

– 2030)

PERÍODO TAXA DE CRESCIMENTO

1940 / 1950 2,35

1950 / 1960 3,6

1960 / 1970 2,87

1970 / 1980 2,48

1980 / 1990 1,93

1990 / 2000 1,63

2000 / 2010 1,35

2010 / 2020 0,92

2020 / 2030 0,58

Fonte: IBGE - Anuários Estatísticos do Brasil - 2000

Pode-se observar, claramente, que o número de presos no Brasil cresce

mais rapidamente que a população nacional de “livres”. A comparação entre os

Quadros 2 e 3 merece considerável atenção, pelas seguintes observações:

A população nacional cresce à ordem de uma média de 2,5% ao ano,

enquanto a população carcerária à ordem de 7,5% ao ano. O relatório

apresentado e publicado pelo DEPEN ainda relata um outro dado relevante: a

de que os países à frente do Brasil estão diminuindo suas taxas de

encarceramento, enquanto o Brasil está aumentando potencialmente. O ritmo de

crescimento do encarceramento entre as mulheres é ainda sensivelmente mais

acelerado, da ordem de 10,7% ao ano, saltando de 12.925 mulheres privadas de

liberdade em 2005 para a marca de 33.793, registrada em dezembro de 2014.

Diante da simples comparação de números entre “livres” e “presos”, é

razoável que o Estado reveja sua política prisional, pois não é somente a

população carcerária que cresce; as despesas também acompanham esse

crescimento com assistência hospitalar, alimentação, educação, e outras

fornecidas aos presos, conforme previsto na Lei de Execução Penal, pois a

Page 16: SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO.docx REV FINAL...6 Desde que a Idade Media construiu, não sem dificuldade e lentidão, a grande procedura do inquérito, julgar era estabelecer a verdade

16

referida lei aponta ser um dever do Estado em prover meios para a manutenção

do apenado sob a tutela do Estado. A referida LEP preconiza o seguinte:

Lei 7.210/84.

Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado,

objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em

sociedade.

Art. 11. A assistência será:

I – material;

II – à saúde;

III – jurídica;

IV – educacional;

V – social;

VI – religiosa.

Conforme proposto no início do trabalho, o sistema penal carioca será a

base de algumas informações complementares deste trabalho. Assim, será

demonstrada, uma média de despesas que o Estado tem para manter seus

presos, devidamente acautelados, conforme prevê a legislação em vigor. As

informações contidas neste artigo são provenientes de um Relatório publicado,

internamente, pela SEAP/RJ, no dia 28/09/2016.

Desta forma, com base nesse relatório supracitado, pode ser analisado o

seguinte quadro de informações:

Quadro 4 – Dados numéricos do Sistema Prisional do Rio de Janeiro

Capacidade do Sistema 27.242

Efetivo carcerário 50.481

Homens 48.255

Mulheres 2.226

Escolas em Unidades Prisionais 22

Total de presos estudando 3.789

Total de presos trabalhando 2.338

Custo estimado mensal para cada preso R$ 1.796,97

Fonte: o autor com base no Relatório publicado pela SEAP/RJ, em 28/09/20164.

4 Essas informações constituem um extrato do verdadeiro documento elaborado pela SEAP.

Page 17: SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO.docx REV FINAL...6 Desde que a Idade Media construiu, não sem dificuldade e lentidão, a grande procedura do inquérito, julgar era estabelecer a verdade

17

O quadro acima aponta que o sistema prisional carioca já não comporta

adequadamente os presos que possui, ou seja, a superlotação é uma realidade

enfrentada dia a dia pelos profissionais que nesse sistema trabalham, pois as

Unidades Prisionais operam, pelo menos, com o dobro de sua capacidade.

Pelas informações contidas acima, pode-se fazer, também, uma

estimativa de gastos que o Estado do Rio de Janeiro tem, mensalmente, não

considerando outros gastos diretos na manutenção do preso, por exemplo, os

salários dos inspetores penitenciários, os salários dos profissionais de saúde,

assistência jurídica, entre outros. As informações, segundo o relatório, são

somente gastos com alimentação, assistência médica, e outras assistências

exigidas por lei, e não com os salários dos profissionais.

Assim, com base nos dados apresentados, pode-se ter uma ideia mais

pormenorizada das despesas pagas pelo Estado, apenas com os presos.

Quadro 5 – Custos mensais de manutenção do preso no Estado do Rio de

Janeiro

Custo estimado mensal para cada preso no RJ R$ 1.796,97

Custo mensal para manutenção de 50.481

presos

R$ 90. 712.842, 57

Custo anual para manutenção de 50.481 presos R$ 1.088.554.110,84

Fonte: o autor com base no Relatório publicado pela SEAP/RJ, em 28/09/2016.

Somente o Estado do Rio de Janeiro, gasta anualmente, um valor

estimado de mais de 1 bilhão de reais para manter o preso encarcerado.

O Quadro a seguir, mostrará o valor estimado do custo que o Estado

brasileiro tem, de manutenção do preso, com base nas informações prestadas

pela SEAP/RJ:

Page 18: SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO.docx REV FINAL...6 Desde que a Idade Media construiu, não sem dificuldade e lentidão, a grande procedura do inquérito, julgar era estabelecer a verdade

18

Quadro 6 – Custos mensais de manutenção do preso em todo o Brasil

Custo estimado mensal para cada preso R$ 1.796,97

Custo mensal para manutenção de 622.202

presos

R$ 1.111.807.327,94

Custo anual para manutenção de 622.202

presos

R$ 13.416.939.935,28

Fonte: o autor com base no Relatório publicado pela SEAP/RJ, em 28/09/2016.

Conforme demonstrado acima, o Brasil gasta, anualmente com a

manutenção da população carcerária, um valor estimado de 13 bilhões e 400

milhões de reais.

Segundo informações obtidas na Secretaria de Administração

Penitenciária – SEAP/RJ, estima-se que em cinco anos a população carcerária

carioca atingirá a marca de cerca de 70 mil presos. O que implica no aumento

também de gastos por parte do Estado.

Como pôde ser observada nas citações dos Art. 10 e 11 da Lei 7.210/84,

a LEP entende que é dando assistência ao preso que o Estado vai prevenir o

crime e possibilitar (orientando) o retorno do preso ao convívio social. O

crescimento da população carcerária, ano após ano, aponta que isso não tem se

mostrado eficaz, o que mostra claramente a ineficiência do Sistema Prisional, ou

até mesmo, sua falência.

As cadeias, hoje, como no passado, são escolas do crime, mas agora em

escala exponencial, dado o avanço da tecnologia da informação e o

desenvolvimento de novas técnicas por parte do crime organizado5. O ócio está

servindo de instrumento para a potencialização da criminalização nas cadeias –

as fugas, rebeliões, agressões aos inspetores – mostram que o sistema penal

está em “xeque”. Foucault (2004) traz a seguinte visão da prisão:

Desde 1820 se constata que a prisão, longe de transformar os

criminosos em gente honesta, serve apenas para fabricar novos

criminosos ou para afundá-los ainda mais na criminalidade. Foi então

5 Informação baseada em reportagens de apreensões de equipamentos tecnológicos nas cadeias brasileiras, amplamente divulgadas pela mídia.

Page 19: SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO.docx REV FINAL...6 Desde que a Idade Media construiu, não sem dificuldade e lentidão, a grande procedura do inquérito, julgar era estabelecer a verdade

19

que houve, como sempre nos mecanismos de poder, uma utilização

estratégica daquilo que era um inconveniente. A prisão fabrica

delinquentes, mas os delinquentes são úteis tanto no domínio

econômico como no político. Os delinquentes servem para alguma

coisa (FOUCAULT, 1979, p. 75).

Foucault (2004) faz um importante apontamento a respeito do trabalho

para o preso, e que, nesse momento de crise financeira enfrentada

nacionalmente, merece ser analisada, ao menos pela ótica econômica. Assim, o

trabalho para o preso cumpriria duas funções principais: especialização para o

preso – oportunidade de desenvolver uma profissão; e colaboração com a

economia – podendo sair do próprio preso o seu sustento, enquanto estiver sob

a tutela do Estado.

Sendo o objetivo principal da pena a reforma do culpado, seria

desejável que se pudesse soltar qualquer condenado quando sua

regeneração moral estivesse suficientemente garantida (Ch. Lucas,

1836). [1945]: E aplicado um regime progressivo... com vistas a

adaptar o tratamento do prisioneiro a sua atitude e ao seu grau de

regeneração. Este regime vai da colocação em cela a semiliberdade...

O beneficio da liberdade condicional é estendido a todas as penas

temporárias (Principio da modulação das penas). O trabalho deve ser

uma das peças essenciais da transformação e da socialização

progressiva dos detentos. O trabalho penal não deve ser considerado

como o complemento e, por assim dizer, como uma agravação da

pena, mas sim como uma suavização cuja privação seria totalmente

possível. Deve permitir aprender ou praticar um oficio, e dar recursos

ao detento e a sua família (Ducpetiaux, 1857). [1945]: Todo condenado

de direito comum e obrigado ao trabalho... Nenhum pode ser obrigado

a permanecer desocupado (Principio do trabalho como obrigação e

como direito) (p. 223 – 224).

O Estado, urgentemente, necessita repensar o Sistema Prisional por

questões diversas: aumento das despesas de maneira exponencial; aumento da

criminalidade, pois as prisões servem de escolas do crime, e não de ambiente

ressocializador; descumprimento de questões humanísticas – cadeias

Page 20: SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO.docx REV FINAL...6 Desde que a Idade Media construiu, não sem dificuldade e lentidão, a grande procedura do inquérito, julgar era estabelecer a verdade

20

superlotadas, insalubres e focos de muitas doenças -; dentre outros

questionamentos em diversas áreas do conhecimento que poderiam ser citadas

aqui, pertinentes à prisão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Uma simples citação de Robert Malthus pode traduzir a preocupação que

se deve ter com as informações contidas neste trabalho: a população, quando

não controlada, cresce numa progressão geométrica, e os meios de subsistência

numa progressão aritmética (MALTHUS, 2002, p.04).

O Brasil, a curto ou médio prazo, não vai suportar sustentar essa

população carcerária, pois, mediante a crise atual, o Estado está deixando de

investir no desenvolvimento social, que também é um dever do Estado, para

sustentar uma população, que a princípio mostra-se ociosa, conforme

demonstrado no Quadro 4, e que cresce desordenadamente, causando

prejuízos o Estado, em todos os sentidos.

Hoje, é nítido que o Estado tem um custo muito alto para manter presos

em suas unidades prisionais, mas não se observa implementação de políticas

prisionais efetivas para que esse quadro mude positivamente. O colapso do

sistema está à porta. As superlotações, a exposição dos agentes prisionais,

mediante agressões, ameaças, risco de doenças e outras mazelas, não podem

se perpetuar na história brasileira. A tendência é de aumento dos males, e o que

o Estado está esperando acontecer para rever sua política prisional?

A legislação brasileira traz apontamentos para o trabalho exercido pelo

preso, porém, o que se verifica, é, no mínimo, o descumprimento da legislação

vigente. O que se oberva, de fato, é uma legislação ultrapassada, antiquada para

os dias atuais. O trabalho para o preso poderia ser objeto de “salvação”, ao lado

da educação. Pois, ao receber especialização e educação adequada, o preso

teria maior possibilidade de reinserção social – o que não ocorre atualmente.

Em face de todas as argumentações apresentadas neste trabalho, estes

autores propõem: mudança da legislação, para que o Estado não arque com

todos as despesas com os presos, criando mais oportunidades de trabalho, a fim

de que se aproveite a mão de obra ociosa de mais de meio milhão de presos,

Page 21: SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO.docx REV FINAL...6 Desde que a Idade Media construiu, não sem dificuldade e lentidão, a grande procedura do inquérito, julgar era estabelecer a verdade

21

tornando-os contribuintes com a economia do Estado – visão puramente

econômica - diminuindo custos e gerando renda, para o Estado e para o preso,

para que este (o preso) tenha uma oportunidade de se inserir no mercado de

trabalho ao retornar à sociedade, após o cumprimento da pena.

Caso o Brasil continue a ignorar esse fatídico cenário que por hora se

apresenta, o Estado rumará do apocalipse ao juízo final em um curto espaço de

tempo, pois, a escassez de mão de obra especializada (dos inspetores

penitenciários) e a superlotação de presos em locais insalubres e de extrema

precariedade, fará com que o único controle de encarcerados ocorra por conta

dos próprios presos: pena de morte, conforme já se observa em muitas cadeias

do Estado brasileiro.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. (Atualizado).

_______. Lei 7.210 (Lei de Execução Penal), de 11 de julho de 1984. DOU,

13/7/1984.

BOURDIEU, Pierre. Sobre o poder simbólico. In: BOURDIEU, Pierre. O Poder

Simbólico. Trad. Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes,

2000.

________. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução: Raquel Ramalhete.

Petrópolis: Vozes, 2004.

GOFFMAN, E. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva,

1977.

MALTHUS, Thomas. An Essay on the Principle of Population. Printed for J.

Johnson. St. Paul’s Church-Yard. London: 1798. Disponível em:

Page 22: SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO.docx REV FINAL...6 Desde que a Idade Media construiu, não sem dificuldade e lentidão, a grande procedura do inquérito, julgar era estabelecer a verdade

22

http://www.esp.org/books/malthus/population/malthus.pdf. Acessado em

15/08/2016.

MELOSSI, D.; PAVARINI, M. Cárcere e Fábrica: as origens do sistema

penitenciário (séculos XVI-XIX). Rio de Janeiro: Revan, 2006.

Ministério da Justiça. Disponível em:<http:www.justica.gov.br/seus-

direitos/política-enal/arquivos/plano-diretor/anexos-plano-

diretor/populacaocarceraria.pdf/view>. Acessado em 23/08/2016.

MORGAN, G. Imagens da Organização. Ed. Atlas, São Paulo, 1996.

NEDER, G. Sentimentos e ideias jurídicas no Brasil: pena de morte e degredo

em dois tempos. In: MAIA, C. N.; NETO F. S. COSTA M. e BRETAS M. L.

História das prisões no Brasil. Rio de Janeiro: Rocco, 2009, p. 79-108. v. 1.

PIRES, Fernanda Mendes; PALASSI, Márcia Prezotti. O trabalho prisional sob a

ótica dos presos. In: ENCONTRO DA ANPAD, 34, 2010, Rio de Janeiro. Anais...

Rio de Janeiro, 2010.