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Física Antônio Miguel Furtado Leitão Janaína Leitão Vilar Renato de Almeida Sistemas Biológicos Computação Química Física Matemáca Pedagogia Artes Pláscas Ciências Biológicas Geografia Educação Física História 9 12 3

Sistemas Biológicos · 2019. 12. 9. · Capítulo 1 Introdução à Biologia 1. Conceitos básicos em Biologia O ramo da Ciência que estuda todos os aspectos relacionados aos seres

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Fiel a sua missão de interiorizar o ensino superior no estado Ceará, a UECE, como uma instituição que participa do Sistema Universidade Aberta do Brasil, vem ampliando a oferta de cursos de graduação e pós-graduação

na modalidade de educação a distância, e gerando experiências e possibili-dades inovadoras com uso das novas plataformas tecnológicas decorren-

tes da popularização da internet, funcionamento do cinturão digital e massificação dos computadores pessoais.

Comprometida com a formação de professores em todos os níveis e a qualificação dos servidores públicos para bem servir ao Estado,

os cursos da UAB/UECE atendem aos padrões de qualidade estabelecidos pelos normativos legais do Governo Fede-

ral e se articulam com as demandas de desenvolvi-mento das regiões do Ceará.

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ComputaçãoArtesBiologiaQuímica Física Matemática Pedagogia

Antônio Miguel Furtado LeitãoJanaína Leitão VilarRenato de Almeida

Fortaleza2013

Sistemas Biológicos

InformáticaArtes

PlásticasCiências

BiológicasQuímica Física Matemática Pedagogia

Física

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Copyright © 2013. Todos os direitos reservados desta edição à SECRETARIA DE APOIO ÀS TECNOLOGIAS EDUCACIONAIS (SATE/UECE). Nenhuma parte deste material po-derá ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio eletrônico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização, por escrito, dos autores.

Presidente da RepúblicaDilma Vana Rousseff

Ministro da EducaçãoAloizio Mercadante

Presidente da CAPESJorge Almeida Guimarães

Diretor de Educação a Distância da CAPES João Carlos Teatini de Souza Climaco

Governador do Estado do CearáCid Ferreira Gomes

Reitor da Universidade Estadual do CearáJosé Jackson Coelho Sampaio

Pró-Reitora de GraduaçãoMarcília Chagas Barreto

Coordenador da SATE e UAB/UECEFrancisco Fábio Castelo Branco

Coordenadora Adjunta UAB/UECEEloísa Maia Vidal

Direção do CCT/UECELuciano Moura Cavalcante

Coordenação da Licenciatura em Física

Carlos Jacinto de Oliveira

Coordenação de Tutoria da Licenciatura em Física

Emerson Mariano da Silva

Coordenadora EditorialRocylânia Isidio

Projeto Gráfico e CapaRoberto Santos

DiagramadorFrancisco Oliveira

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Sumário

Apresentação .................................................................................................... 5

Parte 1

Seres Vivos - Características e Conceitos ........................................... 7

Capítulo 1 - Introdução à Biologia .................................................................... 9

1. Conceitos básicos em Biologia ............................................................... 9

2. Características dos seres vivos ............................................................12

Capítulo 2 - Hieraquia de organização ...........................................................21

1. Níveis de organização ...........................................................................21

2. Conceito de ecossistema ......................................................................22

3. Propriedades emergentes .....................................................................23

Capítulo 3 - Diversidade da vida .....................................................................27

1. Nomenclatura científica .........................................................................27

2. Classificação atual dos seres vivos ......................................................29

Parte 2

As moléculas dos sistemas biológicos ...............................................35

Capítulo 1 - Noções de Biologia Molecular e Bioquímica .............................37

1. Composição química dos seres vivos ..................................................37

2. Água e sua importância para os organismos vivos .............................39

3. Macromoléculas energéticas, estruturais,

metabólicas e informacionais ................................................................43

4. Enzimas: catalisadores biológicos .........................................................56

5. O papel do DNA na transmissão das informações ..............................62

Parte 3

Da célula ao organismo completo ........................................................77

Capítulo 1 - Célula: estruturas e funções .......................................................79

1. A célula como unidade morfo-fisiológica dos seres vivos ...................79

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2. Organização de células procarióticas e eucarióticas ..........................81

3. Membrana celular: permeabilidade seletiva .........................................83

4. Hialoplasma: um colóide especial .........................................................87

5. O citoesqueleto .......................................................................................87

6. O Sistema de endomembranas e o transporte

e secreção de substâncias .........................................................................88

7. A mitocôndria e a produção de energia ................................................89

8. O cloroplasto e a fotossíntese ...............................................................93

9. A parede celular como suporte mecânico ............................................95

Parte 4

Noções de Ecologia e Temas Diversos .............................................101

Capítulo 1 - Ecologia e Ecossistemas ..........................................................103

1. Energia: 1ª e 2ª leis da termodinâmica ...............................................103

Capítulo 2 - Fluxo energético através dos ecosistemas .............................107

Modelo Universal de Fluxo de Energia ...................................................107

Cadeias e Redes Tróficas .......................................................................108

Pirâmides Ecológicas ...............................................................................109

Produtividade ............................................................................................109

Capítulo 3 - Matéria: ciclos biogeoquímicos .................................................111

Ciclos Biogeoquímicos Globais .............................................................. 112

Capítulo 4 - Interações ecológicas ............................................................... 117

Sobre os autores .......................................................................................131

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Apresentação

Caro estudante, esse Manual contém as diretrizes para o seu estudo dentro de uma ciência marcada pela diversidade, a Biologia. É importante compreender a dimensão da quantidade de conhecimentos com a qual es-tamos lidando para perceber que nenhuma obra escrita sobre esse tema é capaz de englobar todo o seu conteúdo. Entretanto, nossos objetivo e desafio foram trazer para esse Manual os tópicos que consideramos mais importantes para consolidar sua base de conhecimento para o estudo da Biologia e das demais Ciências. Por isso, esperamos que você possa tirar o máximo proveito desse material e, quem sabe, despertar sua vontade para extrapolar os limites dessas páginas.

Os autores

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PARTE 1Seres vivos

Características e conceitos

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Capítulo 1Introdução à Biologia

1. Conceitos básicos em BiologiaO ramo da Ciência que estuda todos os aspectos relacionados aos seres vivos é a Biologia (do grego bios = vida + logos = estudo, ou seja, o estudo da vida). Engloba os estudos sobre a vida desde o nível submolecular até o ecossistêmico, incluindo as análises populacionais e das interações entre os indivíduos, de mesma espécie ou de espécies diferentes, e com o meio em que vivem. Diante da extensa gama de conhecimento que deve ser objeto de estudo da Biologia, fez-se necessária a criação de várias áreas acadêmicas, como: Zoologia, Botânica, Microbiologia, Biologia Molecular, Genética, Fisiolo-gia, Ecologia, Biotecnologia, entre outras.

Diferente do que ocorre com a Física, que utiliza leis e teoremas para explicar de forma definitiva os fenômenos da natureza, a Biologia é baseada em determinados princípios e conceitos básicos, que estão sempre à prova e sofrem modificações à medida que novas descobertas são feitas pelas pes-quisas científicas. Como exemplo disso, temos a universalidade do código genético, a diversidade e evolução dos seres vivos.

Todas as formas de vida compartilham algumas características e pro-cessos semelhantes, embora seja relativamente comum encontrarmos exce-ções para quase todas as regras. Um bom exemplo disso seria dizer que “a célula é unidade básica da constituição de um ser vivo”, o que é verdade para a quase totalidade das formas de vida que conhecemos. Entretanto, existem os vírus e os príons, que não são compostos por células, mas conseguem se reproduzir utilizando a metabolismo das células que parasitam, podendo causar doenças de gravidade variada.

A necessidade de desenvolver conhecimentos relacionados à Biologia surgiu desde os primórdios da civilização humana, com o objetivo de conhe-cer o mundo em seu redor e de desenvolver técnicas que permitissem a so-brevivência.

Os povos da antiguidade dominavam técnicas de fertilização de plantas, os egípcios registraram em papiros seus conhecimentos anatômicos do corpo humano e de alguns animais. Dentre os estudiosos da época, podemos citar

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Aristóteles, um dos mais influentes e importantes naturalistas, que estudou o comportamento e as características de animais e plantas, sendo o primeiro a elaborar um sistema de classificação para eles; Plínio, um dos imperadores da Roma Antiga, escreveu um compêndio sobre todo o conhecimento de his-tória natural disponível naquela época; Galeno foi um pioneiro nos estudos da Medicina e da Anatomia.

Durante a Idade Média, Alberto Magno afirmou que “o objetivo da ciên-cia natural não é simplesmente aceitar as informações de outros, mas inves-tigar as causas que operam na natureza” e fez desta o seu objeto de estudo intenso, utilizando meticulosamente o método científico. Apesar de, aparen-temente, não ter havido muitos avanços no âmbito das ciências biológicas nesse período, foram abertas várias universidades, que serviriam como ber-ço para a revolução científica promovida posteriormente por grandes nomes, como Galileu e Newton.

Durante os séculos XVII e XVIII, Willian Harvey estudou a dinâmica do sistema circulatório, ressaltando o papel do coração no bombeamento do san-gue; Antony van Leeuwenhock inventou o microscópio, conseguindo obter a visualização de protozoários e bactérias; e Lineu, que foi o nome mais impor-tante desse período, desenvolveu o sistema taxonômico de nomenclatura bi-nomial em latim, baseado nas diferenças entre os seres vivos.

No século seguinte, houve relevantes avanços nas áreas da Evolução, por cientistas como Lamarck (Lei do uso e do desuso), Darwin e Wallace (Se-leção Natural), da Genética, com Mendel (Leis da hereditariedade) e o surgi-mento da teoria celular, que identificou a célula como sendo a unidade mor-fofisiológica básica dos organismos vivos, bem como determinou que uma célula origina-se apenas de uma célula pré-existente, proposta por Mathias Schleiden e Schwann. Na Bacteriologia, Robert Koch começou a desenvolver técnicas de cultura e isolamento de microorganismos em laboratório e chegou a elaborar os “postulados de Koch”, dentre os quais afirmou que cada tipo de infecção é provocado por um microorganismo específico; e Louis Pasteur comprovou a veracidade da teoria da Biogênese através da sua famosa expe-riência com frascos de pescoço de cisne. Os processos de divisão celular fo-ram elucidados por Walter Flemming, que realizou a identificação das etapas da mitose em microscópio e afirmou que o número cromossomos das células--filhas é idêntico ao da célula-mãe; e por August Weismann, cuja sugestão de que, na divisão celular para a produção de células reprodutivas (gametas), a quantidade de cromossomos das células-filhas corresponde à metade da encontrada na célula-mãe, foi confirmada com a descoberta da meiose.

Charles Darwin

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Contra capa da 1ª edição de “A Origem das Espécies” de Charles Darwin

No século XX, foram produzidos diver-sos trabalhos nas áreas de Zoologia e Paleon-tologia, sendo proposta a Teoria Sintética da Evolução ou Neodarwi-nismo, porém, os holo-fotes da Ciência se vol-taram para a Biologia Molecular e a Genética, com a determinação da composição do material genético, o DNA, bem como sua estrutura em dupla-hélice e função na produção de prote-ínas, inclusive com a

elucidação do código genético. O passo seguinte foi o desenvolvimento de técnicas que permitiram a manipulação do DNA, como a reação em cadeia da polimerase (PCR), culminando com o êxito obtido com as experiências de clonagem de diversas espécies de organismos. O ciclo celular também foi es-tudado com profundidade, sendo demonstrado o papel da telomerase, dando origem aos trabalhos com células totipotentes e células-tronco. Os estudos genéticos envolvendo a análise do RNA ribossomal e do DNA mitocondrial

Moléculas de RNA e DNA

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proporcionaram uma investigação mais profunda e confiável sobre as rela-ções filogenéticas entre os organismos vivos e, desde então, foram propostas diversas novas classificações para os seres vivos. Abordaremos este assunto com mais detalhes no capítulo 3 desta unidade.

2. Características dos seres vivosApesar da grande quantidade de seres vivos existente, é possível elencar um conjunto de características que diferem estes seres daqueles que não têm vida ou da matéria bruta: composição química mais complexa, organização celular, respostas a estímulos do ambiente, capacidade e necessidade de nu-trição, presença de metabolismo, crescimento, manutenção da homeostase, reprodução, capacidade de adaptação ao meio e evolução. Comentemos um pouco sobre cada uma delas.

2.1. Composição químicaDalton descobriu experimentalmente que o átomo é o componente básico da matéria, embora não seja uma esfera indivisível e indestrutível, como imagi-nava o pesquisador. Depois dele, vários cientistas dedicaram-se ao estudo da Atomística, identificando mais de 200 tipos de átomos diferentes. O modelo atômico mais difundido pela comunidade científica atualmente, que aceita o átomo com núcleo composto por prótons e nêutrons, circundado por elétrons, que apresentam uma dualidade de comportamento (partícula ou onda), foi definido pelo conjunto de idéias de muitos cientistas, como Rutherford, De Broglie, Heisenberg, Schrödinger e Chadwick.

A matéria orgânica, que é proveniente dos seres vivos, é composta prin-cipalmente pelos átomos de carbono (C), hidrogênio (H), oxigênio (O), nitro-gênio (N), fósforo (P) e enxofre (S), que se combinam em diferentes arranjos e proporções para formar moléculas complexas como proteínas, lipídios, car-boidratos e ácidos nucléicos. São essas moléculas, associadas a alguns com-ponentes inorgânicos, que formam a base para constituição dos seres vivos.

Entre essas moléculas inorgânicas, devemos ressaltar a importância da água, que serve como meio para a ocorrência de todos os processos que viabilizam a existência da vida. A água é o componente encontrado em maior percentual nos organismos vivos: no humano, esse percentual é de aproxi-madamente 70%, variando com sexo e a idade, mas existem seres, como a água-viva, que apresentam mais de 90% de água em sua composição.

A matéria bruta, embora disponha de uma grande diversidade de áto-mos, em geral, organiza-se em combinações e estruturas relativamente sim-ples, podendo existir em todos os estados físicos (gasoso, líquido, colóide e

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sólido) e dimensões (desde um grão de areia formado por aglomerados de moléculas de sílica, até grandes cadeias de montanhas rochosas).

2.2. Organização celularAs macromoléculas orgânicas e as substâncias inorgânicas seguem uma or-dem bastante complexa de estruturação para formar uma unidade morfológi-ca e funcional básica de um ser vivo: a célula, que é o menor fragmento do indivíduo que preserva todas as características da matéria viva.

Existem, basicamente, dois tipos de células, a procarionte e a eucarionte. A célula procarionte apre-senta uma organização mais simples, sendo composta de parede celular (podendo ser envolta por uma cáp-sula), membrana plasmática e citoplasma, onde estão dispersos todos os componentes que fazem parte do metabolismo celular, inclusive ribossomos e o material genético, RNA e DNA. Este último é encontrado na for-ma de dupla-hélice, em um único cromossomo circu-lar, não associado a proteínas (histonas). Bactérias e cianobactérias são os seres procariontes formados por uma única célula, classificados como unicelulares. Ape-sar da simplicidade organizacional, existem milhões de espécies bacterianas e elas encontram-se bem adap-tadas aos mais diversos tipos de ambientes, desde a superfície do nosso corpo até crateras de vulcões em atividade.

A célula eucarionte apresenta uma organização bastante complexa, sendo dotada de membrana plas-mática (podendo ser envolta por parede celular), citoplasma, citoesqueleto, ribossomos e uma série de organelas membranosas, como o núcleo, retículos endoplasmáticos, complexo de Golgi, mitocôndria e cloroplasto. Existem se-res eucariontes unicelulares, como protozoários e alguns fungos (leveduras), porém, a maioria é pluricelular, distribuindo-se nos reinos Protista, Fungi, Plan-tae e Animalia.

Um ser pluricelular, geralmente, se forma quando células semelhan-tes unem-se para formar tecidos, que se associam formando órgãos, siste-mas e, finalmente, um organismo completo. Um bom exemplo dessa orga-nização são as células nervosas, que formam o tecido nervoso, que, aliado a outros tipos de tecido, são responsáveis pela estruturação dos nervos, da medula e do cérebro, componentes do sistema nervoso, que realiza a integração entre os outros sistemas e o meio ambiente. Essa escala de or-

Estrutura da célula procarionte

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ganização dos seres vivos não pára por aí, ve-remos um detalhamento maior desse assunto quando abordarmos níveis de organização, no próximo capítulo.

2.3. Respostas a estímulos do ambienteUm ser vivo deve ser capaz de responder a es-tímulos ou alterações do meio em que se en-contra, embora essas reações ocorram em pro-porções diferentes, variando de um organismo para outro.

As plantas, geralmente, apresentam as mesmas reações quando expostas aos mes-mos estímulos: o caule cresce em direção à luz,

a raiz cresce em profundidade no solo e ainda existem aquelas que respon-dem a estímulos táteis, como a sensitiva e as plantas carnívoras.

Nos animais, algumas respostas podem ser esperadas, como os refle-xos patelares e pupilares do ser humano, mas a grande maioria das reações não é tão previsível. Quando um animal é exposto ao uma situação adversa, ele pode reagir de muitas maneiras, fugindo, enfrentando ou buscando uma forma de adaptação. As diferentes formas de reagir aos estímulos do ambien-te podem levar a melhores chances de sobrevivência ou reprodução, interfe-rindo diretamente na perpetuação das espécies.

2.4. Nutrição, Metabolismo e CrescimentoAs estruturas que compõem um organismo vivo se desgastam com o tempo, o que demanda uma substituição permanente de suas moléculas e muitas de suas células.

A nutrição é fundamental à sobrevivência do ser vivo, permitindo a re-posição e reparação de estruturas desgastadas, e contribuindo com a renova-ção das células e tecidos nas fases de crescimento. Esse crescimento se dá pelo aumento do volume celular, chamado de crescimento por hipertrofia, ou pelo aumento do número de células, chamado de crescimento por hiperplasia. A matéria bruta também pode apresentar crescimento pela adição de novas moléculas à sua superfície.

O organismo usa como fonte de energia os nutrientes obtidos atra-vés da síntese ou obtenção e digestão dos alimentos. Dentre a diversidade de moléculas orgânicas provenientes desses alimentos e passíveis de se-rem utilizadas como recurso energético, um açúcar, a glicose, é preferido

Célula eucariótica animal

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por sua utilização ser mais proveitosa para ser vivo. Através do processo de respiração celular, a molécula de glicose é quebrada, liberando energia armazenada na forma de ATP. Essa energia dá suporte às atividades do organismo, como o trabalho muscular, a termogênese, a transmissão do impulso nervoso, a produção de macromoléculas orgânicas para a renova-ção ou crescimento do corpo.

Ao conjunto de todas as reações do organismo realizadas para a ma-nutenção da vida, damos o nome de metabolismo (metabole = mudar). Essas reações podem envolver a produção ou síntese de moléculas complexas a partir de moléculas mais simples para crescimento ou renovação do organis-mo, o que chamamos de anabolismo (do grego ana = para cima, através de + balien = arremessar), ou degradação e decomposição de elementos antigos ou moléculas energéticas, o que chamamos de catabolismo (kata = de cima para baixo + balien).

Em relação ao padrão de nutrição, os seres vivos podem ser classifi-cados em duas grandes categorias: os autotróficos e os heterotróficos. Os organismos autotróficos (do grego autos = por si mesmo + trophe = alimento) são capazes de sobreviver exclusivamente de matéria inorgânica, água e al-guma fonte energética como a luz solar ou matéria quimicamente reduzida, enquanto os heterotróficos (do grego heteros = diferente + trophe) requerem moléculas orgânicas já formadas como alimento.

2.5. HomeostaseHomeostase (do grego homos = mesmo + stasis = posição) é a manutenção de um estado de equilíbrio das condições ótimas para o metabolismo. Dessa forma, há organismos vivos que conseguem manter praticamente constantes a temperatura corpórea, a concentração de sais no sangue, o grau de hidra-tação dos tecidos, o pH dentro das células etc. Alterações nesse equilíbrio podem levar a alterações de funções orgânicas fundamentais, produzindo condições incompatíveis com a vida.

2.6. ReproduçãoA reprodução é uma das etapas da seqüência de eventos que deve ser per-corrida pelo ser vivo para a perpetuação da espécie. É através desse proces-so que os progenitores dão origem à prole semelhante a eles, ou seja, os filhos herdam as características dos pais.

Os organismos podem-se reproduzir de duas maneiras: assexuada-mente ou sexuadamente. A reprodução assexuada ocorre quando um único indivíduo dá origem a um ou mais geneticamente idênticos, o que ocorre na

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bipartição ou cissiparidade, no brotamento, na regeneração etc. A reprodução sexuada ocorre, geralmente, entre dois indivíduos (pode acontecer em um mesmo indivíduo, caso seja um animal hermafrodita ou um vegetal monóico) através da ocorrência de três processos: a formação de gametas ou gameto-gênese, quando são produzidos os óvulos e os espermatozóides; o “acasala-mento”, incluindo nessa etapa todos os fenômenos que levam à aproximação dos gametas, desde a cópula até a polinização; e a fecundação, que repre-senta a união efetiva entre os gametas, levando à formação da célula-ovo ou zigoto, que se desenvolverá dando origem ao(s) novo(s) indivíduo(s).

A realização de reprodução sexuada consiste em uma vantagem para espécie no sentido de que esse tipo de processo gera uma maior variabilidade genética entre a prole. Quanto maior a variabilidade genética, maior a quan-tidade de fenótipos disponíveis entre os indivíduos da população e, portanto, maior a possibilidade de adaptação da espécie ao ambiente em que vivem e a eventuais mudanças no mesmo.

2.7. Capacidade de adaptação ao meio e EvoluçãoGrande parte dos seres vivos é capaz de produzir algum tipo de modifi-

cação para se adaptar às condições do ambiente em que se encontra. Essa capacidade de adaptação pode facilitar e até determinar a sobrevivência do ser vivo. Entretanto, nem todas as características que tornam um organismo mais adaptado a um ambiente podem ser transmitidas para os seus descen-dentes. Embora seja o fenótipo que sofra as ações diretas do meio, apenas as características que são determinadas geneticamente, que estão presentes no genótipo, podem ser herdadas pelos filhos. Contudo, o material genético de um indivíduo pode apresentar alterações através de um processo denomi-nado mutação. Quando as mutações ocorrem em células germinativas, elas são passíveis de serem transmitidas às gerações futuras. Uma mutação pode ou não ser favorável à adaptação do ser vivo ao meio.

A mutação, quando é vantajosa, mostra uma tendência a se difundir entre os indivíduos da população, enquanto aquela que determina uma ca-racterística desfavorável, geralmente, se torna escassa, podendo desapare-cer do pool genético. Quem determina quais mutações são favoráveis ou adaptativas é a seleção natural, também conhecida como “luta pela vida”, que representa o processo pelo qual o ambiente escolhe os organismos melhor adaptados e, portanto, com maior chance de sobrevivência. Este conceito foi proposto por Darwin e Wallace, sendo enriquecido por novos conhecimentos, que resultaram na Teoria Sintética da Evolução dos seres vivos.

Fenótipo: Aparência geral do indivíduo em face as sua constituição genética (genótipo) e das influências do meio.Genótipo: Constituição ou composição genética de um indivíduo com relação a um ou mais caracteres.Mutação: Variação hereditária, repentina, espontânea ou induzida, irreversível, que se manifesta num indivíduo de determinada população ou espécie em consequência de alteração bioquímica na sequência de bases nitrogenadas de um ou mais genes (mutação gênica) ou anormalidades numéricas ou estruturais dos cromossomos (mutação cromossômica).Pool genético: Quadro geral de genes comuns aos indivíduos de uma população ou de uma raça.

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Atividades de avaliação1. Enuncie a idéia principal de duas teorias biológicas e comente como a pro-

posição delas influenciou o rumo da ciência.

2. Cite que características são necessárias em um ser para que ele seja con-siderado vivo. Escolha duas delas para explicar com mais detalhes.

Saiba maisEvolução da evolução

Uma idéia simples resolveu o mais complexo dos mistérios: o sentido da vida. Ago-ra cientistas usam Darwin para desvendar mistérios maiores: da mente à origem do Universo. E o que eles encontraram é assustador.

por Texto Alexandre Versignassi e Rodrigo Rezende (adaptado)

E Charles Darwin criou o homem. Ou, pelo menos, inventou o que hoje nós co-nhecemos como homem. Antes dele, éramos o centro do Universo, a obra sublime da criação. Agora somos apenas mais uma entre milhões e milhões de espécies, um bicho de origem nada especial. Nada mesmo: a Teoria da Evolução deixou claro que todas as formas de vida que já pisaram na Terra são filhas da mesma tataravó – a história de como essa senhora, uma simples molécula, virou tudo o que existe hoje.

Assim, mostrando como a vida evolui, Darwin dispensou Deus do cargo de criador. E agora seus seguidores do século 21 querem fazer algo ainda mais chocante: mostrar que não passamos de escravos a serviço dos verdadeiros donos deste planeta.

A paisagem em Galápagos, onde aportaram em 15 de setembro de 1835, após quase 4 anos de expedição, era um paraíso para Darwin. Ele pintou e bordou com tudo o que pôde naquele lugar perdido no tempo. Pegou carona nas tartarugas (“Era difícil manter o equilíbrio.”), tirou onda com as iguanas (“Ela ficou olhando para mim como se quises-se dizer: Por que você puxou a minha cauda?”) e encheu o bucho de iguarias exóticas (“Tatu é um prato excelente quando assado em sua carapaça.”). De quebra tirou de lá a inspiração para a idéia mais importante e assustadora da história da ciência.

O gatilho para esse pensamento veio quando ele percebeu diferenças ins-tigantes entre os bicos de uma espécie de passarinho das Galápagos, os tentilhões. Em uma ilha eles tinham bicos grossos, bons para quebrar no-zes. Em outra, longos e finos, ideais para arranjar comida em frestas. Darwin imaginou que aquelas aves deviam ter se adaptado de algum jeito. Por mágica? Não: por um processo de seleção que levou gerações. Em ambas as ilhas teriam nascido pássaros de bico fino e de bico grosso. Naquela onde havia nozes para comer, só estes últimos teriam sobrevivido.

De volta à Inglaterra, aos 27 anos, Darwin estudou a fundo as 5 436 carcaças, peles e ossos que colecionara na viagem do Beagle e concluiu que TODAS as espécies do mundo tinham passado por processos de adaptação equivalentes ao dos tentilhões. Bem devagarzinho.

Imagine as asas dos pássaros, por exemplo. Pela lógica de Darwin, elas não nasce-

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ram prontas. Em algum ninho dos ancestrais dos pássaros, que não voavam, surgiu um mutante, um “patinho feio”, com uma pequena membrana que lhe permitia planar de vez em quando. Essa característica deu-lhe alguma vantagem na luta pela sobrevivên-cia. E o bicho deixou mais descendentes que seus irmãos. A prole dele, que carregava a mesma mutação, também fez mais filhos, e por aí foi. Com o tempo, novos mutan-tes, novos patinhos feios, foram nascendo com asas cada vez melhores. E no fim das contas um novo tipo de animal se consolidava no planeta: os pássaros. Tudo às custas da extinção de outros bichos parecidos, só que menos adaptados à dureza da vida. “A produção de animais superiores é conseqüência da natureza, da fome e da morte”, escreveu Darwin.

Nós mesmos, imaginou o inglês, não podíamos estar de fora. A diferença é que a evolução para a forma que temos hoje foi a partir de “macacos” (na verdade, animais parecidos com macacos) que foram desenvolvendo cérebros cada vez maiores, do mesmo jeito que os pássaros fizeram com as asas. E esses “macacos” vieram de outros bichos... Hoje sabemos de quem: de peixes mutantes que nasceram com a capacidade de respirar fora da água – nossos pulmões, por exemplo, vieram direto desses animais, que viviam em pântanos lamacentos.

Aí não tinha mais jeito. Darwin já sabia que não éramos “a imagem e semelhança de Deus”. Agora responda: o que você faria ao perceber que na sua cabeça existe uma idéia que pode abalar as crenças mais profundas de quase toda a humanidade? Darwin sentiu o peso, e ficou aterrorizado. Demorou mais de 30 anos para publicar a idéia em seu livro A Origem das Espécies, de 1859. E ainda assim o livro só saiu quando ele leu um artigo de Alfred Russel Wallace, um biólogo inglês. O texto continha uma teoria bem similar à da seleção natural, porém menos abrangente. Com medo de ser passado para trás, Darwin autorizou seu amigo Thomas Huxley a expor a Teoria da Evolução ao mundo científico, pois ele mesmo não teve coragem. “Foi como confessar um assassinato”, escreveu.

Por isso mesmo a teoria demorou para virar unanimidade entre os acadêmicos. Ela só foi aceita para valer quando outros cientistas, já no século 20, a refinaram com base na genética – a forma como os pais transmitem suas características aos filhos. Esse renascimento deu um gás novo à Teoria da Evolução. E na década de 1930 começava uma nova revolução: o neodarwinismo. Com ele, uma idéia aterradora começou a sair do forno: a de que você não passa de um robô. Era a Teoria do Gene Egoísta, que ganhou corpo nos anos 70.

Origem das espécies 2.0Planeta Terra, 4 bilhões de anos atrás. Um mundo adolescente, infestado por vul-

cões, meteoritos e tempestades violentas. No mar desse inferno, moléculas de carbono encontraram um porto seguro. E começaram a se juntar, formando cadeias cada vez mais longas e complexas. Uma hora, como quem não quer nada, apareceu um estranho nesse ninho. Um acidente da natureza. Era uma molécula capaz de se replicar, de su-gar matéria orgânica do ambiente e usar como matéria-prima para produzir cópias dela mesma. Motivo? Nenhum: ela fazia réplicas por fazer e pronto. Vai entender...

Ainda mais porque arranjar matéria-prima, ou seja, “comida”, nesse oceano primiti-vo era fácil: bastava “pescar” nutrientes na água. Assim ela cresceu e se multiplicou. Mas tinha um problema: nem sempre as réplicas saíam perfeitas. Às vezes acontecia um erro de cópia aqui, outro ali. Surgiam aberrações. “Um livro e tanto escreveria o capelão do Diabo sobre os trabalhos desastrados, esbanjadores, ineficientes e terrivelmente cruéis da natureza!”, escreveria Darwin sobre esse processo bilhões de anos depois.

Esses erros aconteciam bem de vez em quando: um a cada milhão de réplicas. Mas tempo é o que não falta nesse mundo. Então eles foram se acumulando mais e

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mais. Só que alguns não davam em aberrações. Muito pelo contrário. Algumas réplicas nasciam com uma mutação que as fazia se multiplicar mais em menos tempo. E não demorou para essas mutantes mais férteis dominarem o mar. Só isso já é um tipo de seleção natural. Mas a regra de Darwin só deu as caras para valer quando aconteceu o inevitável: o mundo ficou pequeno para tantos replicadores. Com a superpopulação, os ingredientes de que eles precisavam para fazer suas cópias rarearam. Era a primeira crise de fome no planeta.

A saída? Ir para a briga. Mas estamos falando de moléculas, que não têm lá muito poder de decisão. Foi aí que provavelmente surgiu uma mutação inédita, que permitia a algumas moléculas comer outros replicadores. Assim elas conseguiam eficiência to-tal: arranjavam almoço e eliminavam rivais ao mesmo tempo. Com o tempo surgiram mutantes com capa protetora natural. Com essa armadura, dava para comer os rivais sem o risco de ser comido. Nasciam as primeiras células do mundo. “Os replicadores deixavam de meramente existir e começavam a fazer contêineres para eles, veículos para que pudessem continuar vivos. Os que sobreviveram foram os que construíram ‘máquinas de sobrevivência’ para si”, escreveu o mais notório dos neodarwinistas, o zoólogo Richard Dawkins, da Universidade de Oxford, na Inglaterra.

E o progresso nunca parou. Tanto que hoje boa parte dos replicadores vive em “ro-bôs” imensos, feitos de milhares de trilhões de células. Agora os chamamos de genes, e eles estão dentro de nós. Somos sua máquina de sobrevivência.

O sentido da vidaGenes mutantes e as pressões da seleção natural fizeram essa obra esplêndida que

você vê no espelho todas as manhãs. Uma caminhada e tanto. Mas uma coisa não mu-dou desde os tempos da primeira molécula replicadora. Aquele objetivo irracional con-tinua intacto: tudo o que os genes querem é fazer cópias de si mesmos. Foi para isso que eles criaram nosso corpo e nossa mente. E agora nos comandam lá de dentro, por controle remoto, para que trabalhemos em nome de sua preservação. A razão da exis-tência? Lutar para que os genes façam cópias deles mesmos do melhor jeito possível.

E, para os neodarwinistas, esse egoísmo dos genes é a chave para descobrir como a nossa mente funciona. O próprio Darwin tinha escrito, no final de A Origem das Espécies: “Agora a psicologia se assentará sobre um novo alicerce”. Demorou, mas aconteceu. Uma nova ciência da mente ganhou terreno no final do século 20. Foi a psicologia evolucionista, que usa Darwin e a mecânica dos genes para entender o que se passa aí dentro da sua cabeça.

Sexo Ao criar esse tipo inovador de reprodução, a seleção natural tratou de dividir o tra-

balho entre dois tipos de funcionários especializados. Um teria a função de tentar pôr seus genes em qualquer máquina de sobrevivência que cruzasse seu caminho. O outro selecionaria entre esses primeiros quais têm os melhores genes para compartilhar e cuidaria da cria que os dois tivessem juntos. Em outras palavras, o mundo se dividia entre machos e fêmeas (em algumas espécies, os papéis se invertem: os filhotes ficam a cargo dos machos, então eles é que são os mais paquerados).

Enfim, ao ganhar o poder de decidir quais machos terão filhos e quais ficarão na prateleira, as fêmeas assumiram o controle da evolução na maioria das espécies. E, para a psicologia evolutiva, é isso que determina aquilo que mais importa na vida: a propagação dos nossos genes, coisa também conhecida como vida afetiva e sexual.

O sexo, hoje, tem pouca relação com o ato de fazer filhos. Você sabe. Nenhum ado-lescente pensa em engravidar 10 meninas quando vai viajar para o Carnaval. Mas os

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genes dele não fazem idéia de que existem camisinhas e tudo o mais, então deixam o rapaz com vontade de transar com 10 garotas e pronto. Se tudo der certo, esses genes poderão instalar-se no útero de um monte de meninas e construir um monte de bebês (várias máquinas de sobrevivência novinhas em folha!). Mas não. O cérebro delas evo-luiu para selecionar os melhores parceiros, ter poucos (e bons) filhos, não para tentar a sorte com qualquer um.

Psicólogos da Universidade Stanford, nos EUA, checaram isso com uma experiência simples. Contrataram homens e mulheres atraentes para abordar estudantes e dizer: “Você gostaria de ir para a cama comigo hoje?” Nenhuma mulher aceitou. Já as garo-tas tiveram resultados melhores: 75% dos homens toparam no ato. Dos 25% restantes, a maioria pediu desculpas, explicando que tinha marcado de sair com a namorada. Pois é: do ponto de vista da seleção natural, uma bela fêmea disponível é um bem valioso demais para ser desperdiçado. Nenhum homem se surpreende com isso (o pessoal da obra não está só brincando quando diz “ô, lá em casa!”), mas para as mu-lheres a verdade da psicologia evolucionista pode soar assustadora: “O desejo de va-riedade sexual nos homens é insaciável. Quanto maior for o número de mulheres com quem um homem tiver relações, mais filhos ele terá [pelo menos é o que “pensam” os genes]. Então demais nunca é o bastante”, escreveu outro guru do neodarwinismo, o psicólogo Steven Pinker, da Universidade Harvard, nos EUA.

Sangue do meu sangueVocê é uma máquina de sobrevivência dos seus genes, que o usam para se repro-

duzir. Ok. Mas o que aconteceria se esses genes tivessem construído um cérebro capaz de detectar cópias deles em outro corpo? O seguinte: eles também lutariam pela so-brevivência desse corpo. Fariam você se sentir aliviado com bem-estar dele.

O fato é que os genes construíram esse sistema de detecção. Todos os cérebros têm isso em algum grau. E o altruísmo puro é exatamente o que acontece quando dois animais são parentes próximos.

Existe uma chance em duas de que qualquer um dos seus genes esteja no seu irmão ou no seu filho. E 1 em 8 de que esteja em um primo. Sendo assim, o que o neodarwinismo diz é: você não “ama” seus filhos e irmãos. São seus genes que vêem neles maneiras de se perpetuar. E é por isso que você os ajuda. O geneticista John Hal-dane (1892-1964), um dos pioneiros do neodarwinismo, quis deixar isso claro quando lhe perguntaram se ele daria a vida por um irmão. A resposta: “Não. Mas daria por 2 irmãos ou 8 primos”.

Revista Superinteressante, Ed. 240, junho de 2007, disponível em http://super.abril.com.br/revista/240/ma-teria_revista_234211.shtml?pagina=1, acesso em 20/04/2010.

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Capítulo 2Hieraquia de organização

1. Níveis de organizaçãoDenomina-se hierarquia a série contínua de graus ou escalas, em or-

dem crescente ou decrescente. A vida também se dispõe hierarquicamente em várias escalas, as quais denominamos níveis de organização. Embora existam níveis de organização inferiores, na Biologia, utilizamos o nível mole-cular como ponto de partida da escala hierárquica, sendo seguido por orga-nelas, células, tecidos, órgãos, sistemas, organismos, populações, comunida-des, ecossistemas e biosfera.

• Molécula: nível organizacional mais básico; os organismos vivos são for-mados por combinações complexas de moléculas inorgânicas, em espe-cial a água, e moléculas orgânicas, que são, principalmente, proteínas, lipí-dios, carboidratos e ácidos nucléicos.

• Organela: estrutura intracelular compartimentalizada com funções especí-ficas, como a respiração realizada pela mitocôndria e a fotossíntese, pelos cloroplastos; presentes em células eucariontes.

• Célula: unidade morfológica e funcional dos seres vivos; alguns indivíduos são formados por uma única célula (unicelulares) e outros por várias célu-las (pluricelulares); existem células de vários tipos, com as mais diversas especializações. Exemplos: miócito, neurônio, osteócito.

• Tecido: conjunto de células com especializações semelhantes, que se unem para realizar a mesma função. Exemplos: tecido epitelial, tecido mus-cular, tecido nervoso.

• Órgão: junção de tecidos em uma estrutura única para realizar uma ou mais funções complexas. Exemplos: estômago, rim, cérebro.

• Sistema: seqüência de órgãos com ação coordenada, que desempenham funções vitais para o organismo. Exemplos: sistema digestório, sistema ner-voso, sistema urinário.

• Organismo: ser vivo completo, que seja unicelular ou pluricelular, quando é formado por um conjunto integrado de sistemas.

• População: conjunto de indivíduos da mesma espécie, que convivem compartilhando o mesmo nicho ecológico.

Espécie: dizemos que pertencem à mesma espécie indivíduos entre os quais há fluxo gênico, que conseguem se reproduzir na natureza, gerando descendentes semelhantes e férteis.

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• Comunidade: conjunto de populações de espécies diferentes que vivem em um mesmo habitat; ou conjunto dos fatores bióticos do ambiente.

• Ecossistema: conjunto de interações entre os indivíduos de uma comuni-dade, entre si e com os fatores abióticos do meio; um ecossistema pode ser estudado em várias escalas e dimensões, por exemplo, uma gota de água do mar, um aquário, uma floresta etc.

• Biosfera: conjunto de todos os ecossistemas da Terra; ou camada do pla-neta que sofre interferência dos fatores bióticos.

Nicho ecológico: Localização e função física de um organismo num ecossistema.

2. Conceito de ecossistemaComo vimos, um ecossistema corresponde ao conjunto de interações

existentes entre os fatores bióticos (seres vivos) e abióticos de uma determinada área ou habitat. Entendem-se como fatores abióticos todos aqueles relaciona-dos apenas à matéria não-viva, como a concentração de sais minerais no solo, a temperatura, a pluviosidade, a umidade do ar, a incidência da luz etc.

É difícil dizer onde começa ou termina um ecossistema, ou seja, qual ou quais os seus limites. Para efeito de estudo, geralmente, são determinadas dimensões que não existem naturalmente. Assim, um ecossistema pode ter desde alguns cm² até milhares de km². Entretanto, para uma melhor compre-ensão e mesmo para possibilitar as investigações científicas, existem algu-mas convenções adotadas, como a separação entre os ecossistemas aquá-ticos e terrestres.

Os grandes ecossistemas brasileiros, por exemplo, são tradicionalmen-te divididos em: floresta amazônica, mata dos cocais, caatinga, complexo Exemplo de Ecossistema

Habitat: Lugar onde um animal ou planta vive ou se desenvolve normalmente, geralmente diferenciado por características físicas ou por plantas dominantes.

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do pantanal, cerrado, mata de araucárias, campos e ecossistemas litorâne-os (restinga, dunas, manguezal etc.). Além disso, a costa brasileira pode ser tratada como um vasto ecossistema marinho. Nesse momento, é importante deixar claro que os ecossistemas não apresentam uma fronteira, um limite definido. Entre um ecossistema e outro existe uma zona de transição cha-mada de ecótono. Algumas vezes, o ecótono pode possuir características singulares a ponto de ser tratado como um ecossistema, como é o caso da mata dos cocais, que é um ecossistema de transição entre floresta amazônica e a caatinga.

Ecossistemas Brasileiros

3. Propriedades emergentesUma propriedade emergente pode surgir quando certo número de enti-

dades simples interage em um ambiente e, coletivamente, obtêm característi-cas ou desempenham tarefas mais complexas. A propriedade emergente em si pode ser muito previsível ou imprevisível e inesperada, o que é mais comum, representando um novo nível de evolução do sistema. Uma propriedade emer-gente complexa não está presente em nenhuma das entidades simples, nem pode ser facilmente previsível ou deduzida a partir do comportamento de enti-dades de níveis inferiores: elas são irredutíveis. Por exemplo, nenhuma proprie-

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dade física de uma única molécula de gás levaria alguém a pensar que uma grande quantidade dessas moléculas seria capaz de transmitir ondas sonoras.

Uma razão que demonstra a dificuldade de prever uma propriedade emergente é a quantidade de interações que pode existir entre os compo-nentes de um sistema, que aumenta exponencialmente com o aumento do número de componentes, o que potencializa a emergência súbita de novas propriedades. A observação desse fato é tão importante que não é possível, nem mesmo para um computador, determinar o número de arranjos existen-tes em um pequeno sistema de 20 moléculas. Entretanto, não é só o número de conexões entre os componentes que favorece a emergência, mas também a organização estabelecida na formação dessas conexões.

Através dos níveis da hierarquia de organização dos seres vivos sur-gem diversas propriedades emergentes, que podem parecer padronizadas, mas que não seguem uma regra e não são criadas por um evento isolado. Nada comanda um sistema para o surgimento de um padrão, pelo contrário, a interação de cada componente com o meio ao seu redor inicia uma comple-xa cadeia de eventos que geram alguma ordem. Pode-se concluir que uma propriedade emergente representa mais do que o somatório das propriedades dos componentes do sistema, pois ela não surge apenas da coexistência des-ses componentes, e sim da interação entre eles.

Sistemas com propriedades emergentes parecem desafiar os princí-pios da entropia e da segunda lei da termodinâmica, porque eles formam e aumentam a ordem apesar da ausência de um comando ou controle central. Isso pode ocorrer, pois sistemas abertos podem trocar (receber e transmitir) informações com o ambiente.

Podemos encontrar propriedades emergentes em muitos fenômenos natu-rais, desde o contexto físico até o biológico. Retomando o exemplo dos níveis de organização da vida, podemos encontrar a seguinte seqüência: uma combinação de átomos dando origem a moléculas como as cadeias polipeptídicas, que se do-bram e enovelam formando proteínas, que podem adquirir uma estrutura espacial complexa ou interagir com outras moléculas para executar funções biológicas mais elaboradas e, eventualmente, fazer parte de um novo organismo. Ana-lisando o outro extremo da escala organizacional, todas as comunidades do mundo unem-se, compondo a biosfera, onde os seres humanos participam formando as sociedades, onde existem interações complexas de onde emer-gem diversas propriedades, como os sistemas de governo e o mercado.

Outro exemplo biológico, mais simples, é a formação de grupos orga-nizados de animais, como uma sociedade de formigas ou de outros insetos sociais, um cardume de peixes, um rebanho de mamíferos, uma colméia de abelhas ou um bando de pássaros.

Você já observou que muitas espécies de pássaros organizam-se durante o vôo formando um V e que eles alternam as posições durante o percurso? Esse comportamento é uma propriedade que emerge da formação do bando.

Ecótono: Área de transição entre dois ou mais habitats ou ecossistemas distintos, que pode ter características de ambos ou próprias. Os limites de uma floresta, perto de um campo ou gramado, é um ecótono, do mesmo modo que as savanas entre florestas e pastagens.

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Na física, também podemos observar propriedades emergentes como, por exemplo, a formação das cores: partículas sem cor, prótons e elétrons organizam-se para formar um átomo e, por conta desse arranjo específico, é possível que um elétron movimente-se entre as camadas da elestrosfera, emitindo fótons coloridos.

Atividades de avaliação1. A partir de uma célula eucariótica, crie uma série de níveis de organização

integrados até ecossistema.

2. Tendo como base as informações deste Manual, utilizando suas palavras, conceitue ecossistemas e cite três novos exemplos.

3. Identifique e explique com detalhes conceituais dois exemplos de proprie-dades emergentes na física.

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Capítulo 3Diversidade da vida

1. Nomenclatura científicaA Taxonomia (do grego taxis = ordem, arranjo + nomos = lei, ciência) é

a ciência que estuda e pratica a classificação dos seres vivos, distribuindo-os em grupos de acordo com suas características e nomeando-os de maneira que possam ser reconhecidos em todos os lugares do planeta. Atualmente, a taxonomia também é conhecida como Sistemática Biológica.

Embora a definição pareça simples, muitos cientistas já tentaram criar um esquema prático para o agrupamento dos seres vivos, mas nenhuma das classificações existentes até hoje é considerada perfeita.

Tipicamente, são usadas unidades taxonômicas conhecidas como táxon (no plural, táxons), organizadas em uma estrutura hierárquica que expressa as relações existentes entre os seres vivos. A seqüência básica de táxons inicia-se, no seu nível mais baixo, com a categoria de Espécie, seguida de Gênero, Fa-mília, Ordem, Classe, Filo e, por fim, Reino. Ainda podem existir sub-táxons ou super-táxons, como super-Classe e sub-Filo. A distribuição dos animais e plan-tas até a categoria de super-Família está sob a regulamentação dos Códigos Internacionais de Nomenclatura Zoológica e Botânica, respectivamente, porém, para os demais organismos e as categorias superiores, não é estabelecido ne-nhum controle oficial. Contudo, as propostas de alterações das classificações taxonômicas são feitas por cientistas, após pesquisas detalhadas. Há alguns anos, a pesquisa científica na taxonomia vem sofrendo mudanças expressivas, pois os avanços nas áreas de Genética e Biologia Molecular permitiram o estu-do das relações entre os organismos em nível de DNA e RNA.

Os primeiros passos para a classificação dos organismos foram dados, provavelmente, pelo filósofo grego Aristóteles, separando as plantas dos ani-mais, subdividindo estes de acordo com o meio em que se moviam (terra, água ou ar) e introduzindo os primeiros termos classificatórios, que foram re-modelados conceitualmente e utilizados por Lineu em seus trabalhos, desen-volvidos no século XVIII. Nesse interstício, muitos sábios, filósofos, pensado-res, naturalistas, botânicos e zoólogos comentaram e propuseram métodos de classificação para os seres vivos, mas a maior contribuição desses cientis-

Nas regras de nomenclatura científica, as palavras devem ser escritas em Latim ou latinizadas, através de uso de sufixos convencionados. O Latim foi escolhido para a nomenclatura científica por ser uma língua morta, que não é falada oficialmente em nenhum país, e por ser antiga e tradicional. Entretanto, alguns termos de uso frequente sofreram alteração de sua origem do latim, como é o caso da palavra taxum, cujo plural é taxa, que foram, ao longo do tempo, substituídas, respectivamente, por táxon e táxons.

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tas, chamados de metodistas por Lineu, foi a criação de diversas coleções de organismos, com descrições detalhadas de suas estruturas, inclusive análises microscópicas.

Em 1735, Karl von Linnée, Carolus Linnaeus, ou simplesmente Lineu, publicou a primeira das 12 edições da obra “Systema Naturae”, que dividiu a natureza em três reinos: mineral, vegetal e animal; e criou cinco táxons: classe, ordem, gênero, espécie e variedade. Além disso, a Taxonomia sofreu modifi-cações profundas, tornando-se mais acessível e prática, pois aboliu os longos nomes descritivos, criou chaves de classificação detalhadas (characteres na-turales) para os gêneros e integrou as variedades dentro de suas respectivas espécies, evitando a criação constante de um grande número destas. Entre-tanto, a maior contribuição de Lineu foi o estabelecimento da nomenclatura binomial das espécies, que foi baseada nas características que ele conside-rou mais relevantes entre as contidas nas frases descritivas de cada espécie. Esse trabalho foi refinado ao longo dos anos até a publicação das últimas edições das obras “Systema Naturae” e “Species Plantarum”, que servem de referência para a nomenclatura de animais e plantas, respectivamente.

A nomenclatura binomial, hoje conhecida como nomenclatura biológi-ca, apresenta um conjunto de normas para a criação dos nomes científicos, como especificado abaixo:

Deve ser composto por duas palavras: a primeira, iniciada com letra maiúscula, referente ao gênero (nome genérico ou epíteto genérico) e a se-gunda, toda em letras minúsculas, referente à espécie (nome específico ou epíteto específico).

Deve ser escrito em latim ou as palavras que o compõem devem ser latinizadas.

Deve ser destacado do texto onde são escritos, aparecendo em itálico ou sublinhados, se manuscrito.

Para Lineu, o epíteto específico deve ser um nome pequeno, único (ao menos dentro de um mesmo gênero) e fixo (que não varie independente das mudanças de classificação). Isso permitiu a difusão da nomenclatura cientí-fica dentro da comunidade acadêmica, tendo uma excelente aceitação nos dias atuais, permitindo que as espécies e, inclusive, as variedades, sejam re-conhecidas pelo mesmo nome em qualquer lugar do planeta, independente da língua e do nome comum (ou nome vulgar) pelo qual ela seja conhecida no local. É possível encontrar epítetos específicos iguais em espécies perten-centes a gêneros diferentes, como Arthemisia vulgaris e Strongylus vulgaris.

Embora não seja uma regra, é usual que o nome científico de uma es-pécie seja escrito por inteiro quando citado pela primeira vez em um texto, podendo ser abreviado nas demais ocasiões. Para algumas espécies muito

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corriqueiras, a abreviatura é utilizada sem maiores esclarecimentos. A técnica para abreviar um nome científico é simples: escrever a primeira letra do epíteto genérico seguida de um ponto e grafar o epíteto específico inteiro. Mesmo abreviado, o nome deve aparecer destacado no texto, como explicado ante-riormente. Exemplificando, os nomes científicos do homem e do cão domésti-co são, respectivamente, Homo sapiens e Canis familiaris, abreviando, temos H. sapiens e C. familiaris.

O nome específico pode ser acrescido do nome de seu primeiro autor, grafado com caracteres iguais ao do texto como um todo (não destacado) e iniciado com letra maiúscula. Alguns cientistas foram importantes autores dentro da nomenclatura científica e seus nomes têm abreviaturas aceitas uni-versalmente, como é o caso de L., que significa Lineu. Caso o nome de uma espécie sofra alterações, a citação do primeiro autor deve ficar entre parênte-sis, sucedida pela citação do segundo autor.

Também existem regras de nomenclatura para alguns dos outros tá-xons. Contudo, essas regras são mais simples, consistindo apenas no acrés-cimo de desinências (sufixos) aos nomes, de forma que seja possível reco-nhecer o táxon que está sendo referido. Verifique alguns exemplos dessas terminações características na tabela abaixo (Tabela 1):

Tabela 1

Exemplos de desinências para táxons superiores a espécieTáxon Desinência / Exemplo

Plantas Animais

Divisão / Filo - phyta / Anthophyta -

Classe - opsida / Lycopodiopsida -

Ordem - ales / Asparagales -

Família - aceae / Cactaceae - idae / Hominidae

2. Classificação atual dos seres vivosA classificação biológica atual tem suas raízes nos trabalhos desenvol-

vidos por Lineu, que se baseou nas características físicas dos organismos para agrupá-los em diferentes categorias ou táxons. Embora as categorias hierárquicas mais tradicionais sejam Reino, Filo, Classe, Ordem, Família, Gê-nero e Espécie, é comum que o termo Filo seja substituído por Divisão na no-menclatura dos vegetais. Além disso, um táxon superior a Reino, o Domínio, tem sido cada vez mais aceito e utilizado, e as categorias Subespécie e Va-riedade ainda não são consideradas táxons inferiores a espécie, mas também possuem ampla utilização.

Observe o diagrama a seguir para compreender melhor como foram idealizadas e quais são as mais importantes classificações propostas. Diante

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da diversidade de seres vivos existentes, é fácil admitir que não exista um consenso sobre como eles devem ser agrupados, e, portanto, não há uma classificação perfeita e definitiva. Agregados a essa diversidade, temos os avanços da ciência, que permitem a comparação dos seres vivos não apenas através de suas características físicas, mas também pela semelhança entre o material genético.

Principais classificações dos seres vivos.

* As dimensões das quadrículas que representam cada categoria

correspondem à diversidade de seres vivos que elas englobam.

A comunidade científica ainda recebe com melhores olhos a classifi-cação dos cinco Reinos (de Whittaker, 1969), embora já admita que o Reino Monera necessite ser divido. Esta divisão foi proposta por Woese e colabora-dores em dois momentos, 1977 e 1990, quando sugeriu, respectivamente, a criação de um sexto Reino, dividindo Monera em Bacteria e Achaebacteria; e a criação de três Domínios, dividindo o Reino Monera nos Domínios Bacteria e Archaea e agrupando todos os seres eucariontes em um grande Domínio chamado Eucarya.

Whittaker baseou sua classificação na organização do corpo dos seres vivos, de forma que eles poderiam ser procariontes ou eucariontes, unice-lulares ou pluricelulares, e ainda subdividiu os eucariontes pluricelulares de acordo com as formas de nutrição, quais fossem fotossíntese, absorção ou ingestão de alimentos.

Woese e sua equipe desenvolveram seus trabalhos a partir da década de 70, o que lhes permitiu utilizar uma série de recursos tecnológicos que não estavam disponíveis para os seus antecessores, especialmente, as técnicas de manipulação e análise do material genético dos seres vivos. Então, com-parando o RNA que compõe os ribossomos (RNAr), eles puderam determinar

Autor principal Lineu Haeckel Chatton Copeland Whittaker Woese Margullis Woese

Ano 1735 1866 1925 1938 1969 1977 1988 1990

Nº de catego-rias*

2 Reinos 3 Reinos 2 Impérios 4 Reinos 5 Reinos 6 Reinos 5 Reinos 3 Domínios

Sere

s viv

os

(Não inclusos na classifi-

cação)Protista

Prokaryota Monera MoneraEubacteria

MoneraBacteria

Archaebacteria Archaea

Eukaryota

ProtistaProtista Protista Protoctista

EucaryaFungi Fungi Fungi

Vegetabilia Plantae Plantae Plantae Plantae Plantae

Animalia Animalia Animalia Animalia Animalia Animalia

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a semelhança genética existente entre os principais representantes dos seres vivos, criando a classificação em três Domínios. Com base nos dados obti-dos, esse grupo de pesquisadores propôs ainda a reorganização dos Reinos, dividindo o Domínio Eucarya nos reinos Fungi, Animalia, Plantae, Strameno-pila e Alveolata.

As subdivisões de Woese não foram bem recebidas pelos taxonomis-tas e estimularam Lynn Margullis e Karlene Schwartz a defender, em 1988, a retomada do sistema de cinco Reinos de Whittaker, com uma única modifica-ção, a substituição do Reino Protista pelo Protoctista, que passaria a incluir, além dos seres eucarióticos unicelulares heterotróficos, as algas (eucarióticos autotróficos fotossintetizantes, unicelulares ou multicelulares) e os fungos uni-celulares flagelados.

As informações sobre os seres pertencentes ao Reino Protista ainda são bastante controversas, existindo propostas de subdivisão dos Protistas em até doze Reinos diferentes. É muito provável que as pesquisas científicas nos próximos anos determinem profundas mudanças de classificação para essa categoria.

Na classificação atual mais utilizada dos seres vivos temos, portanto, os Reinos:

• Monera: todos os procariontes (unicelulares heterótrofos e autótrofos).

• Protista: protozoários (eucariontes unicelulares heterótrofos) e algas (eu-cariontes, unicelulares ou multicelulares, fotossintetizantes não formadores de tecidos).

• Fungi: fungos em geral (eucariontes heterótrofos, unicelulares ou multice-lulares, de nutrição por absorção).

• Plantae: algas superiores e plantas (eucariontes pluricelulares autótrofos formadores de tecidos verdadeiros).

• Animalia: todos os animais (eucariontes pluricelulares heterótrofos de nu-trição por ingestão).

Os sistemas de classificação biológica moderna têm sofrido alterações motivadas por estudos genéticos e, também, por estudos evolucionistas, prin-cipalmente baseados nos pensamentos darwinianos sobre seleção natural. Os cientistas acreditam que a maneira mais comum para a criação de novas espécies se dá pelo aumento da diversidade entre os indivíduos ao longo do tempo, até o momento em que as diferenças são tão pronunciadas a ponto de caracterizar uma nova espécie. A esse tipo de especiação, damos o nome de cladogênese (do grego kládos = ramo + génesis = origem). Essa diferen-ciação entre os indivíduos de mesma espécie seria determinada por um iso-lamento geográfico ou distanciamento físico entre grupos ou populações de

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uma espécie, que passariam a habitar ambientes diferentes e, portanto, sofrer pressões seletivas diferentes, levando ao acúmulo de características adapta-tivas diversas, de forma progressiva, culminando com a impossibilidade de re-produção entre os dois grupos (isolamento reprodutivo), sendo considerados de espécies distintas.

A Taxonomia Cladística ou, simplesmente, Cladística, organiza os gru-pos em árvores filogenéticas especiais, de acordo com novas características (apomorfias) que foram surgindo a partir de um ancestral comum. A repre-sentação do resultado de uma análise cladística também é conhecida como cladograma e os grupos gerados a partir dela são chamados de clados. É comum que haja correspondência entre os táxons e os clados, fazendo com que essas duas unidades, embora determinadas por métodos diferentes, re-cebam o mesmo nome.

A montagem de um cladograma é feita a partir de um ancestral comum, que apresenta uma característica primitiva que origina duas características derivadas e, conseqüentemente, dois novos ramos no cladograma. O ponto de surgimento das novas características é chamado de “nó” e representa um momento no tempo evolutivo. Os novos clados possuem suas próprias ca-racterísticas primitivas, que podem dar origem a novas apomorfias, gerando novos clados e assim por diante.

Cladograma elaborado por Woese quando criou os Domínios Bacteria, Archaea e Eucarya

De acordo com a Cladística, a seqüência de surgimento dos seres vivos atuais a partir dos primitivos é: Monera, Protista, Plantas, Fungos e Animais. As plantas estão, portanto, filogeneticamente mais relacionadas aos protistas que os fungos, os quais se assemelham mais aos animais.

Fora de qualquer sistema de classificação dos seres vivos, ainda exis-tem os vírus, que são seres acelulares compostos por ácido nucléico (DNA

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ou RNA) circundado por moléculas de proteínas, embora se acredite que eles possam ter sido originados a partir de diferentes organismos celulares. A ori-gem evolutiva dos vírus sucederia a origem das células, que hoje compõem os seres vivos. Isoladamente, os vírus não são capazes de se reproduzir, po-rém, quando se encontram no interior de uma célula hospedeira, são capazes de dominar o maquinário celular, desviando o metabolismo para a produção de novas cópias virais.

Atividades de avaliação1. Crie um novo nome científico para a espécie humana e justifique suas es-

colhas com base na classificação dos seres vivos e nas regras de nomen-clatura científica.

2. Pesquise um cladograma e identifique os critérios utilizados em sua montagem.

Síntese da Parte 1Ao longo da Unidade 1, você foi apresentado aos conceitos básicos da

Biologia, conhecendo suas áreas e objetos de estudo, bem como as principais descobertas relacionadas ao conhecimento científico com implicações bioló-gicas. Caracterizamos os seres vivos com base em composição química, or-ganização celular, respostas a estímulos do ambiente, nutrição, metabolismo, crescimento, homeostase, reprodução, capacidade de adaptação ao meio e evolução. Também vimos como os seres vivos podem ser distribuídos em ní-veis de organização hierárquica e que novas propriedades e características podem emergir de cada um desses níveis. Além disso, estudamos como os cientistas buscam classificar e nomear os organismos vivos e as dificuldades encontradas diante da grande diversidade da vida.

Leituras, filmes e sites@

CriaçãoSinopse: Charles Darwin (Paul Bettany) revolucionou toda a história

da humanidade com sua extraordinária obra - A Origem das Espécies. Suas idéias chocaram a todos, mas foi dentro de sua família, em especial, sua es-posa Emma (Jennifer Connely), onde ele encontrou os maiores desafios a sua teoria. Darwin viveu um dilema entre fé e razão, amor e verdade.

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Ficha TécnicaTítulo no Brasil: Criação - Título Original: Creation - País de Origem: Rei-

no Unido - Gênero: Drama - Tempo de Duração: 108 minutos - Ano de Lança-mento: 2009 - Estréia no Brasil: 19/03/2010 - Estúdio/Distrib.: Imagem Filmes - Direção: Jon Amiel

Referências PURVES, W. K. et al. Vida: a ciência da biologia. Porto Alegre: Artmed, 2009. 3v.

CURTIS, H. Biologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009.

ODUM, E. P. Ecologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2007.

RAVEN, P. H.; EVERT, R. F.; EICHHORN, S. E. Biologia vegetal. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2007.

ALBERTS, B. et al. Biologia molecular da célula. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2004.

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PARTE

As moléculas dossistemas biológicos

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Capítulo 1Noções de Biologia

Molecular e Bioquímica

1. Composição química dos seres vivos

Para compreender de maneira mais ampla os mecanismos da fisiolo-gia, bem como a organização e o metabolismo dos seres vivos, é fundamental estudar a composição desses organismos.

Os seres vivos são compostos por um conjunto de moléculas e áto-mos, e, portanto, assim como a matéria não-viva, encontram-se submetidos às leis naturais do universo. Entretanto, os elementos químicos constituintes da matéria viva estão presentes em proporções diferentes, formando molé-culas específicas. Os elementos químicos mais comuns nos seres vivos são carbono (C), hidrogênio (H), oxigênio (O), nitrogênio (N), fósforo (P) e enxofre (S), além de outros elementos que aparecem em menor quantidade, como os sais minerais, e formam moléculas e substâncias complexas, representadas especialmente pelos compostos orgânicos, como carboidratos, lipídios, prote-ínas e ácidos nucléicos.

A composição química aproximada da matéria viva, tendo como refe-rência a célula eucariótica animal, é de 75 a 85% de água, 1% de sais mine-rais, 1% de carboidratos, 2 a 3% de lipídios, 10 a 15% de proteínas e 1% de ácidos nucléicos.

O conhecimento acerca da composição química dos organismos vivos também pode ser utilizado para realizar a identificação de indivíduos. Esse método é comumente utilizado para classificar microorganismos com base na análise de suas características físicas e bioquímicas. A análise das caracterís-ticas físicas envolve uma grande variedade de fatores que não se alteram com a morte do microorganismo, já a análise bioquímica atualmente utilizada nos laboratórios requer microorganismos vivos, pois os critérios avaliados incluem produtos do metabolismo, reações antigênicas e enzimáticas, e até mesmo alterações na taxa de crescimento ou na morfologia induzidas quimicamente.

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Como nos próximos tópicos dessa unidade discorreremos sobre a água e as moléculas orgânicas, abriremos um espaço para ressaltar a importância de alguns compostos inorgânicos: os sais minerais. Apesar de serem encon-trados em uma proporção muito pequena nos seres vivos, a presença dos sais minerais é fundamental para a manutenção da vida.

Podemos encontrar sais minerais dissolvidos na água que compõe o organismo na forma de íons e também constituindo estrututuras rígidas, como o esqueleto, nesse caso, sendo insolúveis. Na tabela abaixo, encontraremos informações relevantes sobre esse elementos.

Sais Minerais Funções Fontes Deficiência ExcessoFósforo

(P)Atua no sistema de

tampão, faz parte da estrutura das membranas celulares, é componente

essencial dos ácidos nucléicos.

queijos, gema de ovo, leite, carnes, peixes, aves, cereais de trigo

integral, legumes, castanhas.

manifestações neuro-musculares, esqueléticas, hematológicas e renais.

Não conhecido.

Magnésio(Mg)

síntese protéica, contrati-lidade muscular, excitação

dos nervos.

cereais de trigo integral, castanhas,

carnes, leite, vegetais verdes, legumes.

anorexia, falta de crescimento, alterações

eletrocardiográficas e neu-romusculares, tetania.

Não há referências.

Sódio(Na)

regulação do fluído extracelular e do volume plasmático, condução do

impulso nervoso e controle da contração muscular.

sais de cozinha, alimentos do mar,

alimentos de origem animal, leite, ovos.

normalmente não há. hipertensão arterial.

Potássio(K)

manutenção do equilíbrio hídrico normal, equilíbrio

osmótico e equilíbrio ácido-básico normais, regulação da atividade neuromuscular, cresci-

mento celular.

frutas, leite, carnes, cereais, vegetais,

legumes.

fraqueza muscular, apatia mental, insuficiência

cardíaca.

confusão mental, dormência nas extremidades, respiração fraca e enfraquecimento da

ação cardíaca.

Cálcio(Ca)

crescimento, gestação, lactação, construção e manutenção dos ossos e dentes, formação do coágulo, transporte nas membranas celulares, transmissão nervosa e

regulação dos batimentos cardíacos.

leite e derivados, sardinha, mariscos, ostras, repolho cre-spo, folhas de nabo, folhas de mostarda,

brócolis.

raquitismo, osteomalácia, osteoporose, escorbuto,

tetania.

hipercalcemia, calcificação intensa nos tecidos delica-

dos (rins, pulmões).

Ferro(Fe)

componente da hemo-globina e mioglobina,

importante na transferên-cia de O

2.

fígado, carnes, gema de ovo, legumes, grãos integrais ou enriquecidos, veg-

etais verde-escuros, melaço escuro,

camarão, ostras.

anemia ferropriva, perdas sangüíneas não habituais, parasitas e má absorção.

lesão tecidual, ulceração de mucosas, acidose metabóli-ca, dano hepático e alveolar e insuficiência renal (doses

de 3 a 10g/dia).

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Zinco(Zn)

constituinte de diversas enzimas e insulina, impor-tante no metabolismo dos

ácidos nucléicos.

leite, fígado, molus-cos, arenque, farelo

de trigo.

alterações na gustação, diarréia, depressão mental, paranóias, dermatites oral e

perioral, alopecia.

irritação gastrointestinal ou vômitos, deficiência de

cobre.

Cobre(Cu)

constituinte de enzimas de ceruroplasmina e ritrocu-

preína no sangue; pode ser parte integral da molécula

de DNA e RNA.

fígado, moluscos, grãos integrais,

cerejas, legumes, rins, aves, ostras, choco-

lates, castanhas, cereais, frutas secas,

mariscos, tecidos animais.

não há ocorrência. doença de Wilson.

Iodo(I)

integrante dos hormônios da tireódie.

sal de cozinha iodado, alimentos do mar, água e vegetais de regiões não boci-

ogênicas.

bócio simples ou endêmico. não há referências.

Manganês(Mn)

ativador de diversas enzimas.

folha de beter-raba, amora, grãos

integrais, castanhas, legumes, frutas, chá.

esterilidade, anomalias es-queléticas e ataxia de prole

de mães deficientes.

sintomas semelhantes às doenças de Parkinson e

Wilson.

Flúor(F)

reduz cáries dentárias e pode minimizar a perda

óssea.

água potável, chá, café, arroz, soja,

espinafre, gelatina, cebola, alface.

aumento da incidência de cáries dentárias.

hipocalcemia e pos-sível hiperparatireoidismo

secundário.

Selênio(Se)

antioxidante, associado ao metabolismo de gorduras e

de vitamina E.

grãos, cebola, carne, leite.

músculos flácidos, miopatia cardíaca, aumento de fragilidade das células vermelhas sangüíneas e degeneração protéica.

aumento da incidência de cáries dentárias.

2. Água e sua importância para os organismos vivosA água é uma substância química encontrada nos mais diversos am-

bientes, composta por hidrogênio (H) e oxigênio (O), sendo uma molécula imprescindível a todas as formas de vida conhecidas. Por exemplo, uma bac-téria contém 70% de água, o corpo humano de 60 a 70%, uma planta mais de 90% e uma água-viva, 94 a 98% de água.

Na Terra, a maior concentração de água está nos oceanos, correspon-dendo a 97% da água do planeta; 2,4% correspondem às formações glaciais e às calotas polares; e o restante é representado por outras coleções de água superficiais, como lagos e rios. A água cobre 71% da superfície da Terra, mas ainda podemos encontrar aquíferos subterrâneos e, na atmosfera, na forma de vapor ou formando nuvens. Uma quantidade muito pequena de água fica concentrada nos organismos vivos.

Em pressão e temperatura ambiente, a água é um líquido inodoro,

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insípido (sem gosto) e, em pequenas quantidades, incolor. É a transparên-cia da água que permite a vida de seres aquáticos fotossintetizantes como algas, já que a luz do sol pode alcançá-los.

A molécula de água é formada por um átomo central de oxigênio as-sociado a dois de hidrogênio, compartilhando com cada um deles um par de elétrons em ligação covalente. A diferença de eletronegatividade entre O e H faz com que os elétrons de ligação aproximem-se mais do O, deixando-o com uma carga parcial negativa, enquanto os de H ficam com uma carga parcial positiva, tornando a molécula polarizada. A natureza polar da água favorece sua adesão a várias outras moléculas. Além de ser mais eletro-negativo, o oxigênio ainda apresenta dois pares de elétrons não ligantes, que se organizam de maneira que as forças de repulsão entre os elétrons (inclusive os da ligação com H) sejam mínimas. Isso faz com que os pares de elétrons assumam uma disposição geométrica tetraédrica, onde o ângulo entre os pares de elétrons é de 109,5º. Entretanto, os pares de elétrons não ligantes exercem uma força maior de repulsão sobre aqueles que formam a ligação com o O, o que resulta em uma aproximação entre ligações O-H, que passam a formar um ângulo de 104,5º. Por isso, dizemos que a molécu-la de água tem geometria angular. (Fig.1)

Essa estrutura da molécula da água confe-re a ela uma série de propriedades. A capilaridade se refere à tendência de a água líquida ascender em um tubo contra a força da gravidade, propor-cionada pela aderência entre moléculas de água e destas com as paredes do tubo. Essa proprie-dade auxilia a subida da seiva bruta das raízes em direção às folhas nas plantas vasculares.

As dimensões reduzidas e a polaridade da molécula da água permitem que ela seja um bom

solvente, sendo considerada o “solvente univer-sal”. As substâncias polares como sais, açúcares, alcoóis, além de gases são solúveis em água, enquanto as apolares como alcanos, óleos e gor-duras são insolúveis em água. Aquelas substâncias que misturadas com a água formam um líquido com uma única fase, chamamos de miscíveis; quando a mistura forma mais de uma fase, chamamos imiscíveis. Ainda po-demos classificar as substâncias de acordo com a afinidade com a água, denominando de hidrofílicas as substâncias que possuem afinidade e hidro-fóbicas aquelas que não possuem afinidade com a água. A água pura apre-senta baixa condutividade elétrica, porém, quando existem íons em solução, a condutividade aumenta expressivamente. A maioria dos componentes ce-lulares encontra-se dissolvida em água.

Fig. 1: molécula da água e suas ligações.

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Outras propriedades da água são os pontos de fusão (0ºC, a 1 ATM) e ebulição (100ºC, a 1 ATM), além do alto calor específico (1cal/g ºC). São essas características que permitem a existência de água líquida em quase todos os ambientes terrestres e impedem as grandes oscilações de tempe-ratura, o que é essencial para existência de vida.

O ciclo da águaO ciclo da água, ou ciclo hidrológico compreende um processo contí-

nuo de troca de água entre a atmosfera, o solo, as águas superficiais (oce-anos, rios, lagos etc.), as águas subterrâneas e os seres vivos. A todos os locais onde existe água na Terra e, portanto, entre os quais ocorre o ciclo da água, chamamos de hidrosfera.O movimento da água entre esses ambien-tes é feito através da evaporação, da precipitação e da transferência de água. A evaporação ocorre em todas as águas superficiais ou presentes no solo, bem como na superfície de todos os seres vivos que apresentam transpiração (animais e plantas); nesse processo, a água passa do estado físico líquido para o gasoso, na forma de vapor d’água, que se acumula na atmosfera, formando nuvens. À medida que as nuvens acumulam vapor d’água, tornam-se mais densas, até ocorrer a condensação e a precipita-ção (chuva), que devolve a água ao solo, aos oceanos, rios, lagos etc. O aporte de água para o oceano não se deve apenas à precipitação; o volu-me de água que evapora nos oceanos é, em grande parte, reposto pela transferência de água da terra para o mar, através do escoamento de água pelo solo e da desem-bocadura de rios que, geral-mente, correm para o mar. (Fig. 2)

Do ponto de vista bio-lógico, a água tem um papel crucial, visto que todas as formas de vida conhecidas dependem dela, seja como solvente dos vários compo-nentes orgânicos, seja como participante essencial em muitos processos metabólicos nos seres vivos. Metabolismo é o conjunto de todas as rea-

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ções anabólicas e catabólicas. Nas sínteses anabólicas, a água é retirada das moléculas em reações catalisadas por enzimas (síntese por desidratação) com o objetivo de formar moléculas maiores, que participarão da estrutura ou de outras reações do organismo. No catabolismo, a água é usada para quebrar li-gações (reações de hidrólise), com o intuito de formar moléculas menores, para liberação de energia para as reações do organismo ou para degradar partícu-las estranhas e componentes velhos do organismo. Portanto, sem água, esses processos metabólicos cessariam, inviabilizando a vida como a conhecemos.

A água também tem seu papel central na fotossíntese e na respiração. Células fotossintéticas utilizam a energia proveniente do sol para separar o oxigênio dos hidrogênios da água, que são combinados com o CO2 absorvido do ar ou da água ambiente para formar glicose, liberando oxigênio (O2) para a atmosfera. Já na respiração, moléculas energéticas de origem carbônica, pre-ferencialmente, a glicose são utilizadas como combustível, sendo oxidadas até recompor a água e o CO2. A energia contida nessas moléculas que, primaria-mente, corresponde à energia absorvida no processo de fotossíntese é captu-rada e armazenada transitoriamente em moléculas especiais como o ATP, que é responsável por fornecer energia para outras reações do organismo.

A água é considerada um composto neutro, com potencial hidrogeniô-nico (pH) igual a 7. Porém, a água pode sofrer hidrólise, formando H+ e OH-. Quando o H+ tem sua concentração aumentada no meio, torna o pH ácido (< 7,0). Por outro lado, quando o OH- tem sua concentração aumentada, o pH fica básico (> 7,0). O pH de uma solução pode variar de 0 a 14. É importante frisar que o aumento da concentração de uma substância ou entidade quí-mica em uma solução não precisa ser absoluto, pode haver o consumo ou a imobilização de algum elemento, promovendo uma alteração relativa das concentrações. Isso também é válido para concentrações de H+ e OH-, o que, consequentemente, pode interferir no pH da solução. As variações de pH in-fluem sobremaneira na eficiência das reações catalisadas por enzimas que são tão comuns nos seres vivos. Exemplos disso são as reações de hidrólise enzimática dos alimentos que ocorrem durante o processo de digestão. No estômago, o ácido clorídrico (HCl) reduz o pH para que a pepsina consiga catalisar a quebra das proteínas. Já no duodeno (primeira porção do intestino delgado), a secreção pancreática é responsável por alcalinizar o meio, per-mitindo a ação ótima da lipase, que degradará as gorduras até ácidos graxos para serem absorvidos pelo epitélio intestinal.

Água, saúde e poluiçãoA água adequada para o consumo humano, chamada de água potável,

pode ser obtida por filtração, destilação ou por outros tipos de tratamentos químicos ou biológicos. A água que não é adequada para o consumo humano

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pode ser utilizada, por exemplo, para banho, como é o caso da água do mar que, dependendo da quantidade de poluentes e bactérias (coliformes fecais) pode ser considerada inadequada ou “imprópria para banho”.

Esse recurso natural está se tornando escasso e sua disponibilidade já é uma das grandes preocupações econômica e social. Em países desenvol-vidos, 90% de toda água residual (que foi utilizada em atividades humanas) ainda é despejada em rios e lagos sem qualquer tipo de tratamento.

Os 50 países que contêm mais de ¹/3 da população mundial sofrem de estresse hídrico, e muitos deles já utilizam mais água do que pode ser reposta naturalmente pelo seu ciclo contínuo. O comprometimento dos recursos hídri-cos afeta fontes de água superficiais e até subterrâneas.

O ser humano utiliza água para diversos propósitos e esse uso nem sempre é feito de forma racional, o que gera desperdício. Entre essas ativida-des, podemos citar: agricultura, higiene, para beber, usos químicos e indus-triais, fluido para aquecimento ou resfriamento, para recreação, preparo de alimentos etc.

3. Macromoléculas energéticas, estruturais, metabóli-cas e informacionais

3.1. CarboidratosCarboidratos são compostos orgânicos com fórmula geral Cn(H2O)n,

contendo apenas átomos de carbono (C), hidrogênio (H) e oxigênio (O), com proporção de 2 H:1 O. Portanto, são hidratos de carbono, daí a denominação carboidratos – termo bioquímico comum, sinônimo de sacarídeo, que deriva da palavra grega “sákcharon”, que significa açúcar.

Os carboidratos podem ser classificados conforme a extensão de ca-deia carbônica em quatro grupos químicos: monossacarídeos, dissacarídeos, oligossacarídeos e polissacarídeos. Os monossacarídeos e dissacarídeos são os carboidratos que apresentam menor peso molecular e são comumen-te chamados de açúcares. A nomenclatura científica oficial dos carboidratos é complexa. Porém, os nomes de monossacarídeos e dissacarídeos são, fre-quentemente, formados pela adição do sufixo -ose. Por exemplo, o açúcar que circula no sangue e é utilizado como fonte principal de energia para o me-tabolismo celular é o monossacarídeo glicose; já o açúcar que utilizamos na culinária para adoçar bebidas e outros alimentos é o dissacarídeo sacarose, e o açúcar do leite é o dissacarídeo lactose.

Nos organismos vivos, muitos papéis importantes são desempenhados pelos carboidratos. A reserva energética dos animais e plantas, por exemplo, pode ser formada por polissacarídeos, respectivamente, glicogênio e amido.

Evaporação: Fenômeno no qual átomos ou moléculas no estado líquido (ou sólido, se a substância sublima) ganham energia suficiente para passar ao estado vapor.Precipitação: Formação de um sólido durante a reação química. O sólido formado na reação química é chamado de precipitado. Isso pode ocorrer quando a substância é insolúvel. Transferência de água: Fluxo que ocorre entre os corpos de águas superficiais e subterrâneas. Ex: a nascente de um rio.Alcalinizar: Ato ou efeito de tornar alcalino; elevação do pH de uma solução.Filtração: Separação de um sólido, de um líquido ou fluido em que está suspenso, pela passagem do líquido ou fluido através de um meio poroso capaz de reter as partículas sólidasDestilação: Operação de separar, por meio de calor, os elementos voláteis dos elementos fixos de uma substância: destilação da água.

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Também podemos encontrar polissacarídeos como composto celular das plantas (a celulose) e do exoesqueleto dos artrópodes (a quitina). Um monos-sacarídeo de cinco carbonos chamado ribose é um componente essencial de moléculas que participam do metabolismo como ATP, FAD e NAD, bem como forma o esqueleto molecular do RNA, que é uma das moléculas responsáveis pela informação genética. Quando da ribose é retirado o oxigênio de uma hidroxila (-OH), ela se transforma em desoxirribose, que é o açúcar que serve de base para a composição do DNA. Veremos mais detalhes sobre esse as-sunto no tópico 3.4 desta unidade.

Carboidratos e seus derivados correspondem a muitas outras biomo-léculas que desempenham papéis fundamentais no sistema imunológico, na fertilização, na patogênese, na coagulação sanguínea e no desenvolvimento do organismo como um todo.

Na linguagem coloquial, especialmente quando nos referimos à com-posição dos alimentos, o termo carboidrato representa qualquer alimento rico em amido, como cereais, pães e massas, ou açúcares como doces, geléias e sobremesas. (Fig. 3)

Monossacarídeos são os carboidratos mais simples, que não podem ser hidrolisados em carboidratos menores. São aldeídos ou cetonas, com dois ou mais grupos hidroxila (-OH) com fórmula geral (CH2O)n, onde n representa a quantidade de “carbonos hidratados” existentes na molécula. Os menores monossacarídeos apresentam n=3, são a dihidroxicetona e o gliceraldeído (D- ou L-).

Os monossacarídeos são o principal recurso utilizado pelo metabolis-mo, tanto no que se refere à fonte de energia quanto na biossíntese de molé-culas orgânicas. A glicose é a molécula mais importante como fonte energéti-ca na natureza, sendo a respiração celular o processo metabólico que utiliza a glicose com o maior rendimento energético. Estudaremos a respiração celular mais adiante, na próxima unidade.

A caracterização em D- ou L- é feita de acordo com a orientação do carbono assimétrico mais distante do grupo carbonila (aldeído) encontrada na projeção de Fischer, sendo o açúcar D- se o grupo hidroxila (-OH) estiver à direita da molécula e L-, se estiver à esquerda. Quando o grupo carbonila é um aldeído, o monossacarídeo é uma aldose. Já se o grupo carbonila for uma cetona, será uma cetose. O número de carbonos também é utilizado na classificação: triose (n=3), tetrose (n=4), pentose (n=5), hexose (n=6) e assim por diante.

Figura 3: Pães, doces em geral, cereais e massas.

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Quando os monossacarídeos não são utilizados imediatamente, podem ser armazenados em forma de polissacarídeos, como glicogênio alocado no fígado e nos músculos de muitos animais, e o amido nas plantas.

Os dissacarídeos são formados pela união de dois monossacarídeos, através de ligações covalentes formadas por uma reação de desidratação. Os exemplos dos principais dissacarídeos e monossacarídeos que os compõem encontram-se na tabela abaixo.

Dissacarídeo Monossacarídeos (Formadores)Sacarose Glicose + Frutose

Lactose Glicose + Galactose

Maltose Glicose + Glicose

Os oligossacarídeos e os polissacarídeos são compostos por longas cadeias de monossacarídeos unidos por ligações glicosídicas, sendo que os primeiros contêm entre três e dez unidades monossacarídicas, e os outros mais de dez.

Como já pudemos perceber, os carboidratos são mo-léculas essenciais para o metabolismo geral dos seres vivos, especialmente no que se refere ao metabolismo energético, sendo a classe de moléculas orgânicas, preferencialmente oxidada para o fornecimento de energia para o organismo. O processo que extrai energia da glicose de forma mais eficien-te é a respiração celular, que é o processo catabólico mais utilizado pelos seres vivos que vivem na presença de oxigê-nio, o que inclui quase todas as formas de vida, com exceção de algumas espécies de fungos e bactérias que são capazes de realizar fermentação de forma alternativa ou obrigatória, e dos seres vivos que fazem quimiossíntese.

3.2. Proteínas De maneira geral, as proteínas, também conhecidas

como polipeptídios, podem ser caracterizadas como hetero-polímeros de aminoácidos, visto que são compostas por uni-dades monoméricas semelhantes, embora não sejam idênticas, ligadas entre si.

Existem 20 tipos diferentes de aminoácidos, que podem ser classificados como essenciais ou naturais, dependendo da espécie. Aminoácidos naturais são aqueles que são produzidos pelo metabolismo normal do ser vivo, e essen-ciais são os que devem ser, obrigatoriamente, adquiridos na alimentação.

As proteínas têm origem a partir de um processo de síntese protéica, especificamente na etapa de tradução gênica, que ocorre a nível celular em todos os organismos vivos. É na etapa de tradução gênica, que estudaremos com maior profundidade na próxima unidade, que ocorre a polimerização dos

Figura 4: rendimento dos processos catabolicolis-mo energético.

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aminoácidos. Estes podem ser considerados unidades monoméricas dos po-lipeptídios por apresentarem uma estrutura geral que é comum a todos eles: carbono central com 4 ligantes – um grupo carboxila, um grupo amino, hidro-gênio e um radical, geralmente orgânico (com exceção do aminoácido glicina, cujo radical é o hidrogênio). Os diferentes radicais orgânicos conferem carac-terísticas físico-químicas aos aminoácidos a ponto de podermos classificá-los em 4 grupos diferentes, conforme a tabela abaixo.

Grupo AminoácidosAminoácidos com cadeias laterais carregadas

eletricamentePositivo: arginina, histidina e lisina

Negativo: ácido aspártico e ácido glutâmico

Aminoácidos com cadeias laterais polares e não carregadas

Serina, treonina, aspargina, glutamina e tirosina

Aminoácidos com cadeias laterais hidrofóbicas Alanina, isoleucina, leucina, metionina, fenilalanina, triptofano e valina

Casos especiais Cisteína, glicina e prolina

Para a espécie humana, os aminoácidos essenciais são: fenilalanina, histidina, isoleuci-na, leucina, lisina, metionina, treonina, triptofa-no e valina.

A polimerização dos aminoácidos ocorre através de uma reação de desidratação que pro-move a retirada de um hidrogênio do grupo amino de um aminoácido e da hidroxila do grupo carboxi-la do aminoácido vizinho, formando uma molécula de água, estabelecendo uma ligação covalente entre o nitrogênio e o carbono, chamada de liga-ção peptídica, daí o nome polipeptídio (fig. 5).

O encadeamento dos aminoácidos de for-ma linear caracteriza a estrutura primária de um polipeptídio. (Fig. 7)

A formação de pontes de hidrogênio entre os aminoácidos leva a um dobramento da estrutura primária, podendo originar mais comumente alfa-hé-lices ou folhas beta-pregueadas, o que corresponde à estrutura secundária da proteína. (fig. 7)

Ao longo de um mesmo polipeptídio pode haver alternância entre os padrões de dobramento da estrutura secundária. Como exemplificado na figura a seguir:

Figura 5: Polimerização.

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Figura 6: dobramento estrutura secundária

Para formar a estrutura terciária, os polipeptídios dobram, seguindo um padrão determinado, produzindo estruturas espaciais específicas, que se mantêm estáveis através de ligações do tipo pontes de hidrogênio, ponte dis-sulfeto, além de interações do tipo força de Van der Waals, interações hidrofó-bicas e iônicas. (Figs. 7 e 8)

Figura 7: estruturas espaciais das proteínas

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Figura 8: Representação da força de es-tabilização da estrutura espacial de pro-teínas.

A estrutura quaternária só é formada pela união de dois ou mais polipep-tídios, para constituir uma proteína funcional. Nem todas as proteínas formam uma estrutura quaternária. (Fig. 7)

No citoplasma, o dobramento adequado da estrutura de um polipeptídio para a formação de uma proteína funcional é dificultado pela grande varie-dade de substâncias que se encontram dissolvidas no citosol. Essa etapa de dobramento para aquisição da estrutura espacial é fundamental para a forma-ção de uma proteína ativa, já que diversas funções exercidas pelas proteínas requerem a formação de sítios de ligação específicos.

Uma das estratégias que busca garantir o estabelecimento correto da estrutura tridimensional consiste no uso das chamadas chaperoninas: poli-peptídio recém-formado, ainda em sua estrutura primária, adentra a “gaiola” da chaperonina que é fechada por uma “tampa”; no interior da chaperonina, livre da influência das outras moléculas citoplasmáticas, cria-se um ambiente adequado para a formação correta de ligações que estabilizam a estrutura espacial da proteína. (Fig. 9)

Figura 9: Esquema de ação das chaperoninas

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Ao final do processo, a “tampa” da chaperonina é retirada e a proteína, com sua estrutura terciária, é liberada para o citoplasma. A aquisição da es-trutura espacial também pode ocorrer no interior do retículo endoplasmático rugoso, no complexo de Golgi e até mesmo das vesículas que transportam as proteínas para o meio extracelular.

Assim como a célula desenvolveu processos especializados para a pro-dução de proteínas, ela também apresenta mecanismos de degradação das mesmas, que ocorre quando proteínas estranhas entram em contato com a célula, ou nos casos de degradação de estruturas protéicas velhas ou inúteis para o metabolismo celular.

A degradação de uma proteína pode se iniciar pela quebra das ligações que estabilizam sua estrutura espacial, que pode ser resultado do aumento de temperatura ou da variação de pH do meio, por exemplo. A quebra des-sas ligações pode ocorrer em pequena escala de modo que a proteína ainda consiga recuperar a sua forma espacial, em um fenômeno conhecido como renaturação. Quando há ruptura das estruturas secundaria e terciaria de uma proteína, incapacitando-a de exercer sua função biológica, dizemos que ela se encontra desnaturada. (Fig. 10)

A classificação das proteínas pode levar em conta dois as-pectos: a composição e a solubilidade em água. Quanto à compo-sição, as proteínas podem ser classificadas em simples, quando suas formas ativas são compostas apenas por cadeia de amino-ácidos (albumina, globulina, histona etc); derivadas, quando suas formas ativas são provenientes de fragmentos de polipeptídeos (peptonas, oligopeptídeos etc); ou compostas, quando a forma ativa necessita da participação de um composto de origem não--protéica (hemoglobina, cromatina etc). Quanto à solubilidade em água, podem ser fibrosas, quando são insolúveis (fibrina, querati-na, colágeno etc) ou globulares, quando são solúveis (hemoglobi-na, albumina, globulina etc).

As proteínas podem exercer diversas funções nos organismos vivos: estrutural, transportadora, de reserva, sinalizadora, receptora, motora, de defesa, enzimática e regulatória dos genes (estas duas últimas serão co-mentadas nos tópicos posteriores dessa unidade). Seguem alguns exem-plos das funções das proteínas:

• Estruturalmente, podemos encontrar proteínas formando as junções com-pactas e os desmossomos, unindo células adjacentes e fornecendo um suporte mecânico para células e tecidos; além disso, participam da com-posição da membrana plasmática e dos sistemas de endomembranas da célula.

Figura 10: desnaturação e renaturação

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• A função de transporte é exercida pelas proteínas da membrana plasmática, contribuindo de forma substancial para a permeabilidade seletiva da mem-brana; muitas substâncias são transportadas no sangue associadas a prote-ínas, como gases (oxigênio pela hemoglobina) e lipídios (lipoproteínas).

• Alguns polipeptídios podem exercer função de reserva para o organismo, como ferritina, ovalbumina e caseína.

• Moléculas sinalizadoras também podem ter origem de aminoácidos ou pro-teínas, a exemplo dos neurotransmissores à base de triptofano e tirosina, e de hormônios, como a ocitocina.

• Com função receptora, temos a rodopsina, que capta a luz em alguns com-primentos de onda e auxilia no processo de formação das imagens a partir da retina; os receptores de insulina, que ficam associados à membrana das células dos tecidos e se ligam a esse hormônio, auxiliando o aumento da mobilização de glicose do sangue para o interior das células.

• Exercendo função motora, encontramos a actina e a miosina nas células musculares.

• São as imunoglobulinas, também conhecidas como anticorpos, que exer-cem papel de defesa humoral no organismo.

3.3. LipídiosOs lipídios são um grupo de moléculas encontradas amplamente na

natureza, englobando gorduras, ceras, esteróis, vitaminas lipossolúveis (vi-taminas A, D, E e K), monoglicerídios, glicerídios, fosfolipídios e outros. As principais funções biológicas desempenhadas pelos lipídios são de reserva energética, composição estrutural de membranas plasmáticas, cofatores enzimáticos, transportadores de elétrons, pigmentos que absorvem radia-ções luminosas, mensageiros intracelulares, hormônios etc. Essas molécu-las são quimicamente classificadas como pequenas moléculas hidrofóbicas (insolúveis em água) ou anfipáticas e é esta característica que permite aos lipídios formar estruturas como vesículas, lipossomos, micelas e membra-nas em meio aquoso.

Embora o termo lipídio seja frequentemente usado como sinônimo de gordura, estas são um subgrupo de lipídios denominado de triglicerídeos. Também são consideradas moléculas lipídicas os ácidos graxos e as molécu-las mais complexas que os contêm em sua composição, como mono-, di- e triglicerídeos e fosfolipídios, bem como outros esteróis, inclusive o colesterol. Seres humanos e vários outros animais utilizam uma variedade de vias para metabolizar lipídios, tanto para degradação quanto para biossíntese, porém, alguns lipídios essenciais não podem ser produzidos por esses processos e precisam ser obtidos através da alimentação.

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3.3.1 Ácidos graxosSão derivados de hidrocarbonetos com diferentes graus de oxida-

ção, cujo processo de degradação, geralmente, libera CO2, H2O e ener-gia e, portanto, são usados como forma de armazenamento energético nos organismos vivos. Em sua maioria, apresentam cadeias carbônicas saturadas e não-ramificadas de 4 a 36 carbonos. A nomenclatura é feita pelo comprimento da cadeia carbônica (número de carbonos) e o número de ligações duplas, separados por dois pontos, seguidos pela letra grega delta (D), sendo a posição da insaturação representada por números so-brescritos ao D. Por exemplo, o ácido oléico deve ser designado por 18:1 (D9). Em quase todos os ácidos graxos insaturados, as ligações duplas encontram-se na configuração cis.

São o comprimento da cadeia e o grau de saturação que definem as propriedades físicas dos ácidos graxos: a solubilidade em água decresce com o aumento do comprimento da cadeia e do número de insaturações, já os ácidos graxos saturados apresentam consistência cerosa, enquanto os insa-turados são líquidos oleosos em temperatura ambiente.

O transporte através do sangue de ácidos graxos livres é feito associa-do a uma proteína sérica, a soroalbumina, nos animais vertebrados.

3.3.2. TriglicerídeosConhecidos como triacilgliceróis, são os lipídios mais simples, com-

postos a partir de três ácidos graxos, geralmente diferentes, ligados a uma molécula de glicerol por ligações éster, formando moléculas hidrofóbicas, não--polares e insolúveis em água, com densidade específica menor que a desta molécula. A nomenclatura é baseada nos nomes e na posição dos ácidos graxos.

São armazenados como fonte de energia, nos animais, em adipócitos (células gordurosas), onde se concentram em gotículas citoplasmáticas que preenchem a célula, e nas plantas, como óleo nas sementes. As células e estruturas de armazenamento contêm enzimas que catalizam a degradação hidrolítica dos triacilgliceróis, as lipases, liberando ácidos graxos que serão consumidos por outras células. A vantagem de armazenar triacilgliceróis em vez de carboidratos, como o amido e o glicogênio, são o maior rendimento energético do processo de oxidação dos lipídios, a β-oxidação, e a insolubi-lidade em água, que permite transportar o combustível, sem suportar o peso extra da água de hidratação. Além disso, o tecido adiposo nos animais serve como isolante térmico e protetor contra choques mecânicos.

Podem ser encontrados em muitos alimentos, como: óleos vegetais, la-ticínios e gordura animal.

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3.3.3. CerasSão ésteres de ácidos graxos saturados e insaturados de cadeia longa,

de 14 a 36 carbonos, com alcoóis de cadeia longa, de 16 a 30 carbonos. Re-pelem a água, apresentam consistência firme e altos pontos de fusão (60º a 100ºC) e possuem diversas funções na natureza: combustível metabólico do plâncton; protegem o pelo e a pele de vertebrados; impermeabilizam penas de aves; cobrem as folhas de algumas plantas, impedindo a evaporação ex-cessiva, além de serem amplamente utilizados na indústria farmacêutica e de cosméticos.

3.3.4. FosfolipídiosA camada dupla de lipídios é a característica central da arquitetura de

membranas biológicas, sendo composta por moléculas anfipáticas, que orien-tam sua parte hidrofóbica para o interior da membrana, deixando a porção hidrofílica em contato com o meio.

Os glicerofosfolipídios, fosfoglicerídios ou fosfolipídios são lipídios de membrana em que dois ácidos graxos, que são apolares, estão unidos por ligações éster à primeira e à segunda hidroxila do glicerol, e um grupo alta-mente polar ou carregado, chamado de grupo-cabeça, está ligado por meio de uma ligação fosfodiéster à terceira hidroxila.

A variação dos ácidos graxos e dos grupos polares nos fosfolipídios cria uma gama de possibilidades de combinações, ensejando a consti-tuição de uma coleção de moléculas fosfolipídicas, cada uma com seu complemento específico, que podem compor as membranas plasmáticas, sendo seus principais constituintes. Geralmente, o elemento que varia é o grupo-cabeça. Como exemplos de fosfolipídios temos a fosfatidiletanola-mina e a fosfatidilcolina.

3.3.5. EsfingolipídiosA principal diferença entre os esfingolipídios e os fosfolipídios é o álcool

no qual estes se baseiam: em vez do glicerol, eles são derivados de um ami-no álcool. Os esfingolipídios apresentam três componentes fundamentais: um grupo polar, um ácido graxo e uma longa cadeia alifática de um aminoálcool, em especial, a esfingosina.

Exemplificando as classes de esfingolipídios, podemos citar: os cere-brosídios, os gangliosídios e a esfingomielina, importante para a formação da bainha de mielina, uma lâmina membranosa que envolve os axônios em al-guns neurônios.

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3.3.6. EsteróisOs esteróides são lipídios derivados do colesterol e diferem dos demais

lipídios por apresentarem uma cadeia circular formando anéis, com um cerne estrutural de quatro anéis fundidos. Os esteróides possuem diferentes funções biológicas e desempenham importantes papéis como hormônios e moléculas sinalizadoras. Entre os hormônios derivados do colesterol, podemos citar a fa-mília dos estrógenos, os andrógenos, como a testosterona e a androsterona, os glicocorticóides e mineralocorticóides. Há também as substâncias deriva-das do colesterol por clivagem de sua molécula, como a vitamina D e os sais biliares. Os esteróis ainda servem como precursores de vários outros produtos com atividades biológicas específicas.

O colesterol, além da atividade hormonal, também desempenha um pa-pel estrutural nas membranas celulares, sendo, portanto, um composto vital para a maioria dos seres vivos.

3.3.7. Outros lipídiosExistem ainda lipídios, que, embora presentes em pequenas quanti-

dades, desempenham papéis fundamentais, tais como co-fatores enzimá-ticos ou exercendo funções sinalizadoras. O fosfatidilinositol, por exemplo, é hidrolisado originando dois mensageiros intracelulares; as prostaglandi-nas, tromboxanos e leucotrienos são hormônios fundamentais para a ho-meostase; as vitaminas lipossolúveis D, A, E, e K exercem papéis essen-ciais no metabolismo de animais; ubiquinonas e plastoquinonas funcionam como transportadores de elétrons em mitocôndrias e cloroplastos, respec-tivamente; dolicóis ativam e ancoram açúcares em membranas celulares para uso na síntese de certos carboidratos complexos, como glicolipídios e glicoproteínas.

3.4. Ácidos nucléicosForam descobertos em 1868 por Friedrich Miescher, que os chamou

de “nucleínas” por estarem presentes no núcleo, porém, em estudos subse-quentes, foram encontrados em células procarióticas, apesar da ausência de núcleo individualizado. Atualmente, sabemos que existem dois tipos de ácidos nucléicos que participam do armazenamento e da transmissão das informa-ções genéticas nos organismos vivos: o ácido ribonucléico (RNA) e o ácido desoxirribonucléico (DNA). Ambos são compostos por uma sequência de nu-cleotídeos e cada nucleotídeo é composto por uma base nitrogenada, um açúcar (ribose ou desoxirribose) e um grupo fosfato. As bases nitrogenadas variam para produzir nucleotídeos diferentes para o DNA e para o RNA. As bases componentes dos nucleotídeos do DNA são adenina (A), timina (T),

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citosina (C) e guanina (G), já as do RNA são adenina (A), uracila (U), citosina (C) e guanina (G). Vale frisar que os nucleotídeos, apesar serem compostos por bases nitrogenadas semelhantes, possuem o açúcar diferente em sua constituição, de forma que nucleotídeos de DNA (dNTPs) só podem formar esse tipo de molécula, o que também é verdadeiro para o RNA.

DNA e RNA ainda diferem pelo fato de o primeiro apresentar uma molé-cula bem mais longa, organizada em uma dupla-hélice, enquanto o segundo forma cadeias comparativamente mais curtas de fita única.

O dogma central da biologia versa exatamente sobre essas moléculas e seus papéis nos organismos vivos e foi postulado enunciando que a molécula de DNA serve como molde para originar a de RNA por um processo chamado de transcrição e o RNA dá origem a proteínas através da tradução, sendo que o DNA pode originar novas moléculas de DNA pela autorreplicação.

Essa idéia perdurou durante muitos anos, até a descoberta de vírus capazes de coordenar a produção de uma proteína chamada de transcriptase reversa, capaz de utilizar o RNA como molde para a produção de DNA. Tam-bém em partículas virais, podemos encontrar enzimas capazes de promover a síntese de RNA a partir de moldes de RNA. Devido a essas descobertas, que aconteceram nas últimas décadas do século XX, o dogma da biologia mole-cular foi ampliado e, hoje, podemos considerá-lo em sua forma modificada.

Nas células, as moléculas de DNA formam cromossomos, que, nas cé-lulas eucarióticas, são individualizados e ficam armazenados no núcleo, ao passo que nas células procarióticas o cromossomo é único e circular, apre-sentando alguns pontos de inserção na membrana plasmática e ficando dis-perso no citoplasma.

Todo RNA encontrado dentro de uma célula é produzido a partir da transcrição do DNA e encontra-se desempenhando, basicamente, três fun-ções e, para tal, é produzido em três conformações moleculares diferentes. O RNA mensageiro (RNAm) carrega as informações do DNA aos ribossomos,

Estrutura geral do nucleotídeo

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onde ocorre a síntese de proteínas no processo de tradução. O RNA ribossô-mico (RNAr), no citoplasma, associa-se a proteínas específicas para formar as subunidades ribossômicas. O RNA transportador (RNAt) é responsável por captar os aminoácidos livres no citoplasma e adicioná-los corretamente à se-quência protéica que esteja sendo codificada nos ribossomos. Existem ainda os “small” RNA (RNAs) que podem ser de vários tipos e participam, essencial-mente, de processos regulatórios nas células.

Graus de compensação da molécula de DNA

Representações da molécula de RNA transportador

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4. Enzimas: catalisadores biológicosEnzimas são catalisado-

res biológicos responsáveis pela aceleração de uma reação quí-mica. Por definição, catalisado-res são entidades químicas que aceleram uma reação através da diminuição da energia de ati-vação, que corresponde à quan-tidade de energia que deve ser dada aos reagentes para que eles tenham a possibilidade de se transformar em produtos. Quando os reagentes recebem tal energia, rompem uma barreira energética e passam para um estado de transição com instabili-dade intermediária, formando o chamado complexo ativado. A partir daí, pode haver a formação espontânea dos produtos.

Os níveis energéticos de reagentes e produtos não variam, independente da quantidade de energia que seja necessária ou fornecida para que se atinja o estado de transição. Para os seres vivos, quanto menor for essa energia de ativação, mais “econômicas” as reações do metabolismo se tornam. Por isso, o papel das enzimas é tão importante, já que elas proporcionam uma diminuição dessa energia de ativação, sem alterar a variação de energia livre da reação.

Quimicamente, as enzimas são compostas por proteínas globulares, com exceção das ribozimas. O fato de apresentarem uma estrutura globular permite a solubilização em água e facilita o transporte através dos líquidos corporais e a ação no meio intracelular. Em sua estrutura, uma enzima apresenta um ou poucos sítios de ligação, que consistem em regiões específicas para a ligação/

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associação do substrato (reagente) ou de alguma outra molécula que regule a atividade enzimática. Veja a representação de uma enzima em seu modelo mo-lecular: note que esse aglomerado de moléculas apresenta uma conformação espacial definida, que permite o arranjo de determinados elementos em uma re-gião única e pré-determinada, o sítio de ligação do substrato ou sítio ativo. A re-presentação mais comum de uma enzima segue o modelo esquemático, onde o sítio ativo corresponde a uma depressão de formato geométrico, que permite o “encaixe” do substrato. Essa representação ajuda a perceber a especificidade da relação que existe entre a enzima e o substrato, embora, na prática, não aconteça tal “encaixe”, o que ocorre é uma ligação química não-covalente, que pode ter uma intensidade maior ou menor, dependendo da quantidade de inte-rações intermoleculares existentes entre a enzima e seu substrato.

Por convenção, a nomenclatura preconiza o uso do sufixo –ase para ca-racterizar o nome de uma enzima. Entretanto, tal qual ocorre com muitas outras entidades químicas e biológicas, existem enzimas conhecidas por nomes que não seguem a regra de nomenclatura, como pepsina, tripsina, trombina, lisozima etc. Esses nomes não foram substituídos, permanecendo em uso por conta da sua tradição e grande difusão dentro do meio científico. Contudo, além de servir como embasamento para denominar as enzimas descobertas mais recentemen-te, a nomenclatura ainda permitiu agrupar as enzimas conforme o tipo de reação catalisada ou o tipo de substrato, como exemplificado na tabela a seguir:

Nome do grupo Tipo de reação / substratoHidrolases Clivagem hidrolítica

Nucleases Quebra de ácidos nucléicos

Proteases Quebra de proteínas

Sintetases Síntese em reações anabólicas

Isomerases Rearranjo de ligações

Polimerases Reações de Polimerização

Quinases Adição de grupos fosfato

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É importante pontuar que as enzimas catalisam as reações pela dimi-nuição da energia de ativação, porém, para que essa redução ocorra, podem ser utilizadas diversas estratégias, chamadas de estratégias de catálise enzi-mática. A mais comumente difundida é o posicionamento adequado dos rea-gentes, orientando-os no espaço e proporcionando a ocorrência da reação. Dessa maneira, o encontro dos reagentes não precisa acontecer ao acaso dentro do sistema. Outras estratégias são a adição de cargas e a alteração da forma do substrato.

Ao longo da evolução, as enzimas foram-se tornando cada vez mais eficazes e necessárias ao metabolismo dos seres vivos, que, por sua vez, também progrediram em termos de complexidade. Na célula procarionte, que corresponde a um indivíduo, todas as reações metabólicas são processadas em um espaço único, o interior da célula, que interage com a membrana plas-mática e, através desta, com o meio externo. Todas as moléculas, portanto, ficam misturadas no citoplasma, inclusive o DNA. Com o surgimento da cé-lula eucariótica, foram criados compartimentos intracelulares, que permitiram a concentração de determinadas enzimas em espaços menores e limitados, gerando uma especialização dos compartimentos membranosos no interior da célula, formando as organelas. A função de uma organela citoplasmática

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está intimamente relacionada à sua composição estrutural e ao conjunto de enzimas que lhe é próprio. A estrutura celular e o papel de cada organela se-rão discutidos na próxima unidade.

O fato é que a compartimentalização celular propiciou uma maior eficácia para os processos de catálise, além de uma maior organização estrutural para os eucariontes. Somado a isso, podemos ter enzimas diferentes associando-se para originar um complexo multienzimático, que acaba por concentrar as rea-ções enzimáticas em um local mais restrito, mesmo nas células procarióticas, e também a formação de rotas metabólicas, que consistem em uma série de reações catalisadas, onde o produto de uma reação serve como substrato para a reação seguinte. A interrelação das reações metabólicas ajudou a montar um engenhoso sistema de regulação da atividade enzimática, principalmente por mecanismos de feedback ou retroalimentação, positivo ou negativo.

No feedback positivo, o aumento da concentração do produto estimula uma ou mais etapas da sua rota metabólica de produção. Já no feedback ne-gativo, o produto inibe uma ou mais etapas da sua rota metabólica, de forma que a concentração do produto seja mantida estável ou varie de forma cíclica.

Vejamos como essa regulação pode ocorrer efetivamente para a enzi-ma. Existem basicamente duas formas: a regulação por inibição e a regulação alostérica. No primeiro caso, a inibição pode ser irreversível, quando a molécu-la inibidora liga-se de forma estável à enzima, impedindo que ela desempenhe suas funções definitivamente; reversível competitiva, quando o inibidor liga-se à enzima, de forma temporária, exatamente na região do sítio ativo e, portanto, compete com o substrato; ou reversível não-competitiva, quando o inibidor liga-se à enzima em qualquer local diferente do sítio ativo, que tem seu arranjo espacial alterado e, consequentemente, não consegue se ligar ao substrato. Em ambos os casos de inibição reversível, a ligação da enzima com o inibidor é fraca, podendo ser feita, impedindo a função da enzima enquanto o inibidor permanecer ligado, e desfeita, liberando a enzima para catalisar novamente a reação após o afastamento do inibidor.

Inibição Competitiva Reversível Inibição não-competitiva reversível

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As enzimas de regulação alostérica são produzidas com sítios espe-ciais de ligação que permitem esse tipo de regulação, que pode ativar ou inibir a função enzimática. Como os sítios de ligação, chamados sítios de regulação alostérica, são específicos, é de se esperar que existam moléculas regulató-rias pré-determinadas. No caso da ativação alostérica, a enzima é produzida com um sítio ativo não funcionante, que só adquire uma conformação com-patível com a ligação com o substrato quando a enzima está conectada a um ativador alostérico. O ativador alostérico, portanto, altera a forma do sítio ativo, permitindo o acoplamento enzima-substrato. Na inibição alostérica, ocorre o oposto, a enzima é produzida em sua forma ativa e, quando há a ligação do inibidor alostérico, o sítio ativo sofre deformações, impedindo o acoplamento enzima-substrato.

• Embora as enzimas catalisem uma grande diversidade de reações, elas apresentam propriedades comuns:

• Aumentam a velocidade da reação na ordem de 109 a 1012 vezes, o que significa uma taxa de conversão (“turnover”) de 100 a 1000 moléculas de substrato metabolizadas por segundo.

• Não alteram o equilíbrio da reação.

• Apresentam uma especificidade enzima-substrato (ES).

• Agem em pequenas quantidades e em condições ótimas de pH e temperatura.

• Não são consumidas durante a reação, podendo a mesma enzima catali-sar diversas reações do mesmo tipo em sequência.

E + S ↔ ES ↔ E + P

Existem, basicamente, dois modelos propostos para o acoplamento da

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enzima com seu substrato: o modelo chave-fechadura, quando ocorre o “encaixe” perfeito do substrato com o sítio ativo, e o modelo do encaixe induzido, que diz que a conformação do sí-tio ativo é levemente alterada com a aproximação do substrato, permitindo que ele adquira a organização espacial adequada apenas no momento da formação do complexo enzima-subs-trato.

Alguns fatores podem interferir na atividade enzimática, entre eles, temos: o potencial hidrogeniônico (pH) e a tempe-ratura do meio, além da concentração do substrato, os quais abordaremos em mais detalhes.

As enzimas, além de uma especificidade com o substra-to, também apresentam especificidades em relação ao meio em que se encontram, tendo seu potencial de ação máximo vinculado a de-terminados fatores físicos ou químicos, de modo que até pequenas alterações nesses aspectos podem diminuir ou mesmo extinguir o processo de catálise.

Aumentos ou reduções no pH promovem diminuição progressiva da ativi-dade enzimática por promover alteração da estrutura espacial da enzima, até o ponto que essas alterações são tão extremas que a enzima perde a sua função catalítica. As modificações na estrutura podem ser recompostas caso sejam pequenas (renaturação), reestabelecendo a função enzimática, porém, se a variação de pH for grande, pode acarretar em desnaturação permanente da en-zima, que perde sua função de forma irreversível. O mesmo ocorre quando há elevação da temperatura do meio. O efeito da redução da temperatura já é um pouco diferente, pois diminui a atividade enzimática não pela alteração da enzi-ma em si, mas pela diminuição do grau de agitação das partículas do sistema. Portanto, mesmo em temperaturas baixas, as enzimas podem continuar agindo em menor escala e, quando o sistema atingir novamente a temperatura ótima, a enzima poderá exercer seu poder catalítico de maneira eficaz.

O aumento da concentração de substrato no meio promove o aumen-to da velocidade da reação no sentido da formação dos produtos, até que os sítios ativos das enzimas existentes estejam todos ocupados. A partir daí, a velocidade da reação permanecerá constate, independente da adição de mais substrato ao meio. Embora a velocidade máxima (Vmáx) de uma reação não possa ser atingida na prática, é possível determiná-la através de cálculos estequiométricos e de cinética química. Esse parâmetro permite analisar o grau de afinidade da enzima ao substrato através de uma constante chamada de Km, ou constante de Michaelis-Mentem, que reflete a concentração do substrato quando a velocidade da reação corresponde exatamente à metade da velocidade máxima (Vmáx/2). Quando o valor de Km é alto, significa que

Gráfico da variação da velo-cidade da reação conforme o aumento da concentração do substrato. Note a referên-cia do valor de Km.

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uma grande quantidade de substrato é necessária para que a velocidade da reação atinja Vmáx/2, o que indica uma baixa afinidade da enzima pelo substra-to. Quando a situação é inversa, o Km é baixo e pressupõe uma alta afinidade da enzima pelo substrato.

Para atingirem sua forma ativa, algumas enzimas precisam ter molécu-las adicionais associadas à sua porção protéica. Essas moléculas adicionais podem ser co-fatores, coenzimas ou grupos prostéticos.

• Co-fatores são íons que se ligam à enzima temporariamente.

• Coenzimas são moléculas orgânicas que se ligam à enzima temporaria-mente.

• Grupos prostéticos são entidades químicas de qual-quer origem, exceto protéica, que se ligam à enzima perma-nentemente.

Assim, a enzima na sua configuração ativa é chama-da de holoenzima, sendo a porção protéica denominada apoenzima, como observamos na figura a seguir.

5. O papel do DNA na transmissão das informaçõesComo vimos anteriormente nesse capítulo, o dogma central da biologia

molecular diz que a molécula de DNA, que fica dispersa no citoplasma das células procarióticas e armazenada no núcleo de células eucarióticas, pode servir como molde para a fabricação de moléculas de RNA, especialmente de

RNA mensageiro, que encontra os ribossomos e é traduzido em proteínas. Nas células procaritó-ticas, portanto, todo o processo ocorre no cito-plasma, enquanto nas eucarióticas, a transcrição ocorre no interior do núcleo, e o restante das eta-pas no citoplasma ou em outras organelas cito-plasmáticas.

Para compreender que o DNA é um trans-missor de informações, é preciso perceber que são as proteínas as principais moléculas efe-toras e reguladoras do metabolismo. Então, já que as proteínas são produzidas a partir das in-formações contidas no DNA, elas são os meios através dos quais o DNA transmite suas infor-mações para a célula como um todo e para o restante do organismo. Como apresentado na figura anterior, as duas etapas cruciais para a

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produção de proteínas são a transcrição e a tradução. Veremos a seguir, com maiores detalhes, como cada etapa dessa transmissão ocorre.

O processo de transcrição do DNA em RNA tem início quando um gene é ativado e ligam-se a ele as moléculas que compõem o complexo transcricio-nal, das quais a mais importante é a RNA polimerase, que vai exercer a função de adicionar nucleotídeos de RNA complementares à fita-molde de DNA. Para que isso aconteça, outras moléculas do complexo transcricional promovem a abertura da dupla-hélice do DNA, começando o pareamento da adenina com a uracila (A/U), da timina com a adenina (T/A) e da citosina com a guanina (C/G ou G/C), à medida que aparecem ao longo da molécula (alongamento). O complexo transcricional desloca-se ao longo de todo o gene, sendo desfeito ao final do processo (terminação). A molécula de RNA mensageiro formada segue para ser traduzida.

O RNA mensageiro produzido possui uma sequência decodificada de nucleotídeos, que pode ser subdividida em conjuntos de três nucleotídeos

Gene: Segmento da molécula de DNA no qual está codificada uma característica hereditária.

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(trincas), cada um representando um códon. Cada códon representa a in-formação para a inserção de um determinado aminoácido na sequência poli-peptídica. O conjunto de códons e seus respectivos aminoácidos codificados estão organizados no Código Genético, que é universal, servindo para todos os seres vivos. Combinando os quatro nucleotídeos de RNA (A, U, C, G), ob-temos 64 códons, que representam, no total, vinte aminoácidos. Isso significa que é possível existir mais de um códon para o mesmo aminoácido, embora cada códon seja específico de um único aminoácido. Por essa característica, dizemos que o Código Genético é redundante ou degenerado.

Código Genético

A tradução tem início quando a sequência de reconhecimento do RNA mensageiro se encontra com a subunidade menor de um ribossomo, que per-correrá o RNAm até encontrar o códon de iniciação (AUG), onde ocorrerá a ancoragem do primeiro RNA transportador, associado ao aminoácido metio-nina. Em seguida, há o acoplamento da subunidade maior do ribossomo e o RNAt+ metionina, será alocado no sítio P. Os códons são emparelhados com trincas específicas de nucleotídeos localizados estrategicamente na molécula de RNAt, denominadas anticódons. É através desse reconhecimento, que os aminoácidos corretos são adicionados à nova cadeia polipeptídica.

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O pareamento códon-anticódon acontece no sítio A da subunidade maior do ribossomo, e, tão logo seja feita a ligação peptídica entre os amino-ácidos da sequência, os RNAt são deslocados do sítio A para o sítio P e, por fim, são liberados para capturar novos aminoácidos. Cada vez que o sítio A é liberado, um novo RNAt se emparelha e um novo aminoácido é adicionado, promovendo o alongamento do polipeptídeo.

A terminação ocorre quando um códon de parada ou de terminação (UAA, UAG ou UGA) chega ao sítio A, o que determina a adição de um fator de liberação em vez de um novo RNAt, sendo o complexo traducional desfei-to, liberando as subunidades ribossômicas, o RNAm (que pode ser reutilizado) e o novo polipeptídeo.

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Disperso no citoplasma, um mesmo RNAm pode acoplar-se, simulta-neamente, em vários ribossomos, formando um polissomo ou polirribossomo, produzindo várias cópias do mesmo polipeptídeo. Vale a pena verificar que os ribossomos não podem ser acoplados em uma mesma região do RNAm, portanto, devem estar em diferentes fases da tradução.

Polirribossomo esquemático e em microscopia eletrônica

Nas células procarióticas, encontramos somente ribossomos livres no citoplasma, entretanto, nas células eucarióticas, podemos encontrá-los livres no citoplasma ou associados à membrana de uma organela no momento da tradução, o retículo endoplasmático rugoso (RER). Dependendo de onde ocorra a tradução, os polipeptídeos produzidos podem apresentar diferentes destinos dentro e fora da célula.

Nos ribossomos livres no citoplasma, podem ser formadas:

• Enzima livre no citosol

• Proteína que fará parte do citoesqueleto

• Proteína nuclear

• Enzima para mitocôndria (respiração)

• Enzima para cloroplasto (fotossíntese)

• Enzima para peroxissomos e glioxissomos

Nos ribossomos aderidos ao RER, podem ocorrer as seguintes situações:

• Síntese de proteínas de exportação, que serão:

• Utilizadas por outras células

• Transportadas para o sangue etc.

• Síntese de proteínas constitutivas:

• Componentes da membrana plasmática

• Componentes da matriz extracelular

• Síntese de enzimas dos lisossomos

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Destinações das proteínas formadas

Nesse momento, você deve estar-se perguntando como os RNAm sabem que devem ir para ribossomos livres no citoplasma ou acoplados ao RER, e a resposta é bem simples: eles não sabem! Toda iniciação de tradução e começo de alongamento do polipeptídeo ocorrem no citoplasma. Apenas quando uma porção inicial do polipeptídeo, chamada de sinal, é reconhecida pela partícula reconhecedora do sinal (PRS), há uma parada no processo de tradução para que a PRS acople o ribossomo na proteína receptora da membrana do RER. A partir daí, o polipeptídeo será sintetizado para o interior do RER, onde o sinal é removido enzimaticamente, liberando a PRS e dando continuidade ao processo de tradução. Observe todas essas etapas na figura a seguir.

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Depois da tradução, o polipeptídeo produzido pode necessitar de modi-ficações para ser transformado em uma proteína ativa. Essas alterações são realizadas no processamento pós-traducional, que pode ocorrer tanto no cito-plasma quanto no interior de organelas membranosas, especialmente o RER e o complexo golgiense. As principais transformações e os respectivos locais de ocorrência podem ser vistos nas figuras que seguem.

A transmissão das informações do DNA também pode ocorrer de uma célula para outra. As bactérias realizam cessões ou trocas de material ge-nético através de processos de conjugação, transdução e transformação. Entretanto, é durante o processo de multiplicação celular que o DNA se au-toduplica, permitindo que as informações contidas em suas moléculas sejam transmitidas das células-mãe para as células-filhas.

O fenômeno de replicação do DNA foi estudado ainda por Watson e Crick, que viram três possibilidades para a composição das novas moléculas: 1) na replicação semiconservativa, as cópias de DNA seriam formadas, cada uma, por uma fita da molécula antiga e outra completamente nova; 2) na re-

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plicação conservativa, uma molécula-filha seria composta pelas fitas de DNA da molécula-mãe e a outra por fitas completamente novas; e 3) na replicação dispersiva, ambas as moléculas-filhas conteriam fragmentos novos e da molécula-mãe intercalados aleatoriamente.

Então, analisando autoradiografias de cromossomos bacte-rianos durante a duplicação do DNA, Watson e Crick sugeriram a hipótese de que o processo seria semiconservativo, o que veio a ser confirmado na década de 50 por experimentos realizados por Mat-thew Meselson e Franklin Stahl.

O ciclo celular apresenta quatro estágios e apenas em um deles, a fase S, ocorre a replicação do DNA. A passagem de um estágio para outro é controlada com um conjunto de moléculas re-gulatórias, das quais podemos destacar as ciclinas. Agora, sabendo as características da replicação e quando ela ocorre, veremos quais etapas compõem esse processo.

A síntese de DNA é iniciada nas origens de replicação encontra-das nas moléculas, onde se acopla o replissoma (complexo de moléculas que participarão do processo de re-plicação), promovendo a abertura da dupla-hélice do DNA, formando a for-quilha de replicação. A DNA polimera-se é a enzima do replissoma respon-sável pela adição dos nucleotídeos de DNA pareados com a sequência da fita molde (A/T e C/G). Essa enzima somente consegue adicionar nucleotí-deos no sentido 5’3’, ou seja, catalisa a ligação do carbono 5’ da pentose do

último nucleotídeo da fita nova com o carbono 3’ da pentose do nucleotí-deo a ser adicionado. Por esse motivo, apenas uma das fitas da forquilha pode ser sintetizada continuamente. A outra fita será produzida em sentido oposto, de forma descontínua.

Para promover a síntese descontínua da fita de DNA, uma enzima chamada primase fabrica pequenos fragmentos de RNA (primers) comple-mentares a fita-molde DNA, permitindo a ação da DNA polimerase no sentido 5’3’, determinando a adição de uma sequência curta de nucleotídeos. A seguir outro primer será adicionado e mais uma curta sequência de DNA será for-mada. Esse processo repete-se ao longo da forquilha, dando origem a vários

Estágios do ciclo celular: O DNA é re-plicado durante a fase 5 do DNA

Conjugação: Troca direta de material genético entre dois organismos unicelulares. Ocorre em bactérias e protozoários ciliados.

Transdução: Transferência de genes de uma bactéria para outra, com um vírus bacteriano atuando como transportador dos genes.

Transformação: Mecanismo de transferência da informação genética em bactérias, no qual DNA purificado extraído de bactérias de um genótipo é captado por bactérias de um genótipo diferente, através da superfície celular, e incorporado dentro do cromossomo as célula recipiente.

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fragmentos de Okasaki (primer de RNA + DNA). Outro tipo de DNA polimerase remove os primers de RNA e adiciona a sequência de nucleotídeos de DNA correspondentes, sendo todos os fragmentos de fita formados conectados pela DNA ligase.

A forquilha de replicação move-se no sentido de DNA à medida que a dupla hélice continuamente se deselicoidiza. A síntese do filamente contínuo (leading) pode con-tinuar sem interrupção no sentido do movimento da forquilha de replicação, mas a síntese do filamento descontínuo (lagging) deve ocorrer no sentido oposto, afastando--se da forquilha de replicação.

Etapas na síntese do filamento descontínuo (lagging). A síntese de DNA ocorre pela síntese contínua do filamento leading e pela síntese descontínua do filamento lagging.

Dessa maneira, as duas fitas do DNA original servem de molde para a formação das fitas novas completas e a informação contida no DNA pode ser transferida para as gerações seguintes.

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Atividades de avaliação1. A água desempenha um papel importante para a vida de todos os organis-

mos vivos. Explique as suas várias funções, exemplificando-as.

2. Discurse sobre a relação água – saúde – poluição.

3. O que são carboidratos, como podem ser classificados e qual sua impor-tância na alimentação?

4. Explique porque os carboidratos são essenciais quanto ao metabolismo energético.

5. Construa o gráfico da concentração do substrato pela velocidade de uma reação catalisada por enzima, representando duas curvas: (1) onde a enzi-ma apresenta baixa afinidade pelo substrato e (2) onde a enzima apresenta alta afinidade pelo substrato, indicando em ambas o valor da constante de Michaelis-Mentem.

Uma proteína fundamentalEquipe brasileira explica o funcionamento da forma saudável do príon,

essencial para a proteção das células nervosasPor Ricardo Zorzetto (Adaptado)

Em maio de 1990 o ministro da Agricultura da Inglaterra, John Gummer, fez uma aparição pública desastrosa. Posou para fotógrafos e cinegrafistas saboreando um su-culento hambúrguer ao lado de sua filha de 4 anos. Tinha a intenção de mostrar aos in-gleses e ao resto do mundo que o consumo de carne bovina continuava seguro mesmo em meio à mais grave crise que a pecuária de seu país atravessava nos últimos tem-pos: a contaminação de parte do rebanho com a doença da vaca louca, a encefalopatia espongiforme bovina, que se espalhou pela Europa, pelos Estados Unidos e pelo Ca-nadá e, de 1987 até agora, já obrigou a eliminação de 180 mil bois e vacas infectados.

Seis anos depois daquele hambúrguer, os ingleses se lembrariam de Gummer e se sentiriam traídos quando começaram a surgir os primeiros casos da doença em seres humanos, provavelmente contraída pelo consumo de carne contaminada. A versão humana do mal da vaca louca era uma nova forma – a quarta conhecida – de uma enfermidade bastante rara e sem cura: a doença de Creutzfeldt-Jakob, que mata as células do sistema nervoso (neurônios) e deixa o cérebro cheio de buracos como uma esponja.

Descrita na Alemanha nos anos 1920 pelos neurologistas Hans Gerhard Creutzfel-dt e Alfons Maria Jakob, essa enfermidade, que reduz o cérebro à metade de seu tamanho original, ganha nova explicação a partir de estudos recentes conduzidos no Brasil e no exterior. Em artigo publicado em abril na Physiological Reviews, o grupo de pesquisadores de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul coor-denado pelo oncologista Ricardo Renzo Brentani, do Hospital A.C. Camargo, em São

Saiba mais

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Paulo, apresenta a mais ampla revisão sobre os agentes infecciosos dessa doença, com informações que podem influenciar a terapia dessa enfermidade, que se instala sorrateiramente ao longo de 2 ou 3 décadas e evolui a uma velocidade assustadora, levando a uma morte trágica.

Os primeiros sinais surgem de forma sutil, como cansaço ou depressão. Em seguida, a falta de equilíbrio para caminhar ou manipular objetos aumenta progressivamente, os movimentos se tornam lentos e a visão embaralhada. Perde-se a fala, a memória para fatos recentes e fica cada vez mais difícil encontrar o caminho pelas ruas ou os objetos dentro de casa. “Em menos de 1 ano nove de cada dez pessoas infectadas se tornam debilitadas a ponto de não sair da cama e morrem”, afirma o neurologista Ricardo Nitrini, da Universidade de São Paulo (USP), que há 11 anos identificou o primeiro caso brasileiro de uma forma da doença causada por alteração genética.

Além da forma contraída pelo consumo de carne contaminada – a chamada nova variante de Creutzfeldt-Jakob – e da versão genética, passada de pais para filhos, há ainda outros dois tipos dessa doença que corrói o sistema nervoso central. O mais co-mum, dito espontâneo, surge ao acaso por razões desconhecidas e atinge uma pessoa em cada 1 milhão. O quarto tipo é transmitido pelo uso de equipamentos infectados em cirurgias, por transfusão sangüínea e até anos atrás também pela aplicação de hormônio do crescimento produzido a partir de cérebros de cadáver, hoje substituído pelo hormônio sintético para tratar distúrbios de crescimento.

O avanço da vaca louca nos pastos da Europa e da América do Norte e o surgimen-to da nova forma da doença em humanos – desde 1996 a nova variante de Creutzfeldt--Jakob matou na Inglaterra e nos países vizinhos 160 pessoas, entre elas a filha de um amigo do ex-ministro John Gummer – intensificaram a busca pela causa da enfermida-de. O principal suspeito de provocar esse grupo de doenças desafiou por décadas os médicos e biólogos. Diferentemente do que acontece com outras doenças infecciosas, o causador da Creutzfeldt-Jakob não é, como se pensou por muito tempo, um vírus. Muito menos bactéria ou protozoário, microorganismos que se multiplicam por conta própria e são facilmente passados adiante. Hoje se acredita que uma proteína defei-tuosa conhecida como príon (sigla de partícula infecciosa proteinácea) provoque a doença. O simples contato do príon com uma proteína saudável encontrada em abun-dância na superfície dos neurônios a induziria a assumir a forma alterada, como uma pedra de dominó que tomba e derruba as demais da fileira sem que nada as possa deter. Mais estáveis que a proteína saudável, as moléculas deformadas aderem umas às outras, gerando longas fibras tóxicas para os neurônios.

A identificação do príon no cérebro de ovelhas com um tipo de encefalopatia es-pongiforme chamada scrapie e a explicação de como ele deformaria as proteínas nor-mais renderam ao pesquisador norte-americano Stanley Prusiner o Nobel de Medicina de 1997 e levaram cientistas do mundo todo a investigar a proteína defeituosa e seus efeitos sobre o organismo. Enquanto só se tinham olhos para o príon, outra questão básica – e talvez mais importante – ecoava baixinho. O que fazia a proteína normal, a proteína príon celular, encontrada na superfície de todas as células do corpo e em maior quantidade no sistema nervoso central? Ninguém sabia, nem parecia se impor-tar muito.

Até havia motivo para não se dar atenção ao príon celular. Por volta de 1990 o biólogo molecular Charles Weissmann criou uma linhagem de camundongos que não produziam essa proteína. Os animais não desenvolviam a doença espongiforme e apa-rentemente sobreviviam sem prejuízo à saúde. Por isso, acreditou-se que ela não de-sempenhasse papel importante no organismo. “Era uma visão limitada

Suspeitando de que a natureza não desperdiçaria tempo nem energia para gerar uma proteína sem atividade biológica, Brentani apostou em sua intuição e seguiu con-

A extração da pedra da lou-cura, de Hieronymus Bosch (1475 - 1480)

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tra a corrente. “Era a oportunidade de entrar em uma área de estudos quente pela qual ninguém havia se interessado”, conta. Uma carta publicada em 1991 na Nature estimulou-o a ir adiante. Três anos antes Brentani havia proposto uma teoria segun-do a qual as duas fitas da molécula de ácido desoxirribonucléico (DNA) conteriam a receita para a produção de proteínas – e não apenas uma delas, como se imaginava. Também afirmava que as proteínas codificadas por trechos complementares das fitas de DNA teriam papéis complementares: seriam capazes de interagir quimicamente e se encaixar uma na outra como uma chave na fechadura. Do ponto de vista evolutivo, fazia sentido que os trechos de DNA que codificam uma proteína e a que se liga a ela estivessem próximos, já que é maior a probabilidade de migrarem juntos para outra região do material genético caso ocorra seu reposicionamento. Mas essa era uma hi-pótese em que, segundo Brentani, ninguém acreditava – exceto ele, claro.

Até que surgiu a carta da Nature. Nela o pesquisador Dmitry Goldgaber, da Univer-sidade Estadual de Nova York, Estados Unidos, descrevia como o príon celular deveria interagir com a água – uma das características químicas das proteínas – e afirmava que, se Brentani estivesse certo, o trecho do DNA complementar ao do gene do príon celular conteria informação sobre a proteína que possivelmente o acionaria. Era uma pista a não se desperdiçar.

Então, estudioso de proteínas associadas ao câncer, Brentani resolveu analisar o príon e a molécula que funcionava como seu interruptor. Ele, a bioquímica Vilma Mar-tins, do Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer (LICR), e o bioquímico Vivaldo Moura Neto, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), deduziram a estrutura dessa outra proteína e a descreveram em 1997 na Nature Medicine.

A proteína por eles apresentada – mais tarde identificada como STI-1, sigla de stress inducible protein 1 – era composta por 543 aminoácidos (os blocos formadores das proteínas) e quase duas vezes maior do que o príon celular. Faltava descobrir o que ambas faziam. “Tínhamos duas hipóteses: ou não serviam para nada ou eram fundamentais para fenômenos importantes para os neurônios, como o processo de neuritogênese [formação das ramificações que conectam os neurônios entre si]”, co-menta Brentani.

Como neurônios não era a especialidade do grupo, ele e Vilma convidaram o neu-rocientista Rafael Linden, do Instituto de Biofísica da UFRJ, para colaborar nos testes seguintes. O complexo formado pelo príon celular e a STI-1 se mostrou essencial tanto para o amadurecimento e a formação dos prolongamentos dos neurônios como para protegê-los da morte celular programada, a apoptose (ver Pesquisa FAPESP nº 94).

Mas essas não eram as únicas funções da dupla. Experimentos com camundon-gos feitos em parceria com Iván Izquierdo, um dos mais respeitados estudiosos de memória no mundo e atualmente pesquisador da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), revelaram que o príon celular e a STI-1 são fundamentais para a formação da memória. Sem eles, os animais têm dificuldade de lembrar algo que aprenderam horas antes (memória de curto prazo) e também dias atrás (memória de longo prazo). Testes com camundongos geneticamente alterados para não produ-zir o príon celular, como os criados por Charles Weissmann, comprovaram que esses animais só eram aparentemente normais. Quando envelheciam, apresentavam mais dificuldades de memória do que os camundongos que fabricavam o príon celular.

O grupo brasileiro também viu que a forma saudável do príon gera efeitos distintos em tecidos diferentes. Na UFRJ a equipe de Linden constatou que essa proteína modu-la a resposta do sistema imunológico às inflamações, ora aumentando, ora reduzindo a atividade das células de defesa. O príon celular estimula a ação dos neutrófilos, as células de defesa mais abundantes no organismo. Produzidas a uma quantidade de 100 bilhões por dia no interior dos ossos longos, são as primeiras a chegar ao local da

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inflamação, onde rapidamente englobam e destroem microorganismos invasores como bactérias. Quando Linden provocava uma inflamação em camundongos, obser-vou que os animais geneticamente alterados para não produzir o príon celular apre-sentavam um número menor de neutrófilos, que também eram mais lentos do que os dos roedores normais. Um efeito nada desejável no caso de uma infecção.

Verificou-se o efeito oposto com os macrófagos, células do sistema de defesa que atuam como uma espécie de lixeiro, eliminando células mortas. Camundongos sem o príon celular tinham macrófagos mais ativos do que os animais que fabricavam a proteína, um resultado que nem sempre favorece os animais geneticamente altera-dos, pois a ação exagerada dos macrófagos pode causar lesões nos tecidos saudáveis. “A resposta à inflamação e à presença de células mortas depende de um ajuste fino”, explica Linden. “Não é desejável que sejam ausentes nem exacerbadas. Sem respos-ta inflamatória o corpo não resiste a infecções, mas inflamação em excesso também pode matar.”

Também há evidências de que o príon celular protege as células do coração contra a agressão química. No Hospital A.C. Camargo, Vilma e a médica Beatriz de Camargo analisaram a presença de uma forma ligeiramente alterada (variante) das proteínas príon celular em 160 pacientes tratados na infância com adriamicina, medicamento que pode causar lesões cardíacas. Dados preliminares sugerem que os portadores da forma variante do príon celular eram mais suscetíveis aos efeitos tóxicos do composto do que aqueles com a versão normal da proteína.

À medida que os resultados brotavam no laboratório, tornava-se evidente que o príon celular era fundamental para manter o organismo saudável, nada mau para uma molécula que até poucos anos atrás era considerada sem importância biológica. Mas ainda não se compreendia por que, em determinadas situações, ela protegia e em outras danificava os tecidos. Um passo importante era saber como essa proteína em forma de balão de festa com um barbante pendurado, que fica na superfície externa das células, se comunicava com o interior.

Vilma, Brentani e Linden recorreram então à ajuda do biólogo celular Marco An-tonio Prado, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que investiga o trans-porte de moléculas no interior das células. Em parceria com Vilma e Kil Sun Lee, do Ludwig, Prado e Ana Maria Magalhães marcaram o príon celular de neurônios com um corante verde fluorescente para acompanhar o caminho que percorria e levaram as células ao microscópio confocal, que permite observá-las vivas. Em seguida, com o auxílio de Byron Caughey, dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos, mar-

caram o príon infeccioso e viram sua entrada nos neurônios (ver Pesquisa FAPESP nº 115).

Ancorado em regiões mais espessas da super-fície celular por uma longa molécula de açúcar e lipídios em forma de barbante, o príon celular desliza para áreas mais delgadas da membrana dos neurônios. Ali é tragado para o interior de ve-sículas contendo ácidos, onde se conecta a outras proteínas e envia comandos para o núcleo ou ou-tras regiões. Do início do mergulho até a emersão na superfície, o príon celular não gasta mais do que 1 hora e meia.

Não é um deslocamento ao acaso, como cons-tatou o grupo brasileiro. O príon celular só se move na superfície dos neurônios depois que pro-teínas específicas se acoplam a ele, ativando-o.

Rede de neurônios: príon celular favorece a conexão entre as cé-lulas

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Como um anfitrião que recebe os convidados em uma festa, o príon saudável conduz outras proteínas para o interior dos neurônios. Uma vez no interior da célula, o com-plexo formado pelo príon e sua proteína ativadora envia sinais químicos que ordenam a emissão de prolongamentos ou a produção de compostos que protegem o neurônio da morte, detalham os pesquisadores em um artigo a ser publicado nos próximos meses no Journal of Neuroscience. “Sem esse mergulho no interior da célula a comu-nicação mediada pelo príon celular fica truncada”, diz Linden.

Quanto mais se descobria sobre o príon celular, mais dúvidas surgiam. No final de 2006 Linden, Vilma, Prado, Izquierdo e Brentani começaram a rever tudo o que havia sido publicado sobre o príon saudável e o defeituoso com o objetivo de chegar a um quadro geral mais claro. Da análise de 597 artigos, emergiu a mais ampla revisão sobre o tema, publicada em abril na revista Physiological Reviews, com uma visão unificada sobre o funcionamento do príon celular e uma nova interpretação de como surgem enfermidades como a doença de Creutzfeldt-Jakob e o mal da vaca louca.

No trabalho intitulado “Physiology of the prion protein”, as equipes de São Paulo, Rio, Minas e Rio Grande do Sul propõem que o príon celular funcione como um ímã seletivo ao qual só aderem certas moléculas encontradas no organismo. A STI-1, claro, não é a única. Estudos feitos no Brasil e no exterior identificaram outras 30 proteínas que se ligam ao príon celular, acionando diferentes cascatas de reações químicas que representam comandos celulares distintos. “Acreditamos que o príon celular ajude a organizar os sinais do exterior antes de serem enviados para o interior das células”, diz Prado.

Segundo Linden, esse papel de ímã seletivo ou plataforma de montagem de com-plexos de sinalização permite explicar resultados experimentais até então contraditó-rios, como a proteção contra a morte celular em determinadas situações e ou a ação tóxica em outras. “Essa atividade de plataforma de montagem de sinais químicos é tão essencial para a vida que possivelmente outras proteínas desempenhem o mesmo papel no organismo”, diz Brentani. “Por essa razão os camundongos geneticamente alterados para não produzir o príon celular sobrevivem aparentemente sem prejuízo”, explica.

Esse novo papel altera a compreensão de como se instalam as doenças causadas por príons. De acordo com a nova interpretação, na doença de Creutzfeldt-Jakob os neurô-nios não morreriam apenas porque a adesão dos príons infecciosos gera aglomerados tóxicos. O grupo brasileiro aposta que a morte celular ocorra também pela perda de moléculas saudáveis de príon, que deixaria os neurônios desprotegidos contra agressões químicas. Segundo Prado, é possível que o efeito tóxico do príon infeccioso se intensi-fique com a perda do príon celular. “Só saberemos se estamos certos à medida que as idéias apresentadas nesse trabalho começarem a ser testadas”, diz Linden.

A expectativa é que a compreensão de como funciona o príon celular leve a al-ternativas de tratamento para doenças causadas por príons e enfermidades neuro-degenerativas como o mal de Alzheimer, associado à aglomeração de uma proteína cuja produção é controlada pelo príon saudável. “As abordagens terapêuticas que se basearam exclusivamente no que se conhece sobre a forma defeituosa do príon não produziram bons resultados”, conta Linden. Um medicamento usado na década de 1930 contra a malária, a quinacrina, havia se mostrado capaz de impedir a agrega-ção do príon infeccioso nos experimentos com neurônios in vitro. Mas não impediu o avanço da enfermidade quando testado em seres humanos. “Até o momento, não há tratamento eficaz”, afirma Ricardo Nitrini, da USP.

Com Hélio Gomes e Sérgio Rosemberg, da USP, e Leila Chimelli, da UFRJ, Nitrini e Vilma integram a equipe responsável no país pelo diagnóstico de doenças causadas por príon, cuja notificação é obrigatória desde 2005. É uma medida fundamental para co-

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nhecer as regiões mais afetadas e as populações mais suscetíveis às quatro formas da doença de Creutzfeldt-Jakob. De 2005 a 2007, o grupo analisou 35 casos suspeitos, dos quais 26 foram considerados prováveis – a confirmação é feita pela análise do tecido cerebral após a morte. Eram pessoas que haviam desenvolvido a doença espontanea-mente. Nenhum caso surgiu pelo consumo de carne infectada. “Certamente há subnoti-ficação da doença no país, onde se espera que surjam até 200 casos por ano”, diz Vilma.

Em paralelo, a equipe de Vilma no Ludwig segue com os estudos sobre a ação da STI-1. Nos últimos anos, o grupo constatou que um fragmento dessa molécula, um peptídeo de 16 aminoácidos, desempenha a mesma função que a proteína inteira e favorece a formação da memória em camundongos. Testes iniciais com células em uma placa de vidro também sugerem que o peptídeo impeça o desenvolvimento de um tumor cerebral agressivo, o glioblastoma, que mata em 6 meses, razão por que esse trecho da molécula foi patenteado pelo Ludwig em 2007 nos Estados Unidos. “São dados promissores”, afirma Vilma. Por enquanto, não se pode dizer mais do que isso até que sejam feitos testes com animais de laboratório e, se tudo der certo, em seres humanos.FONTE: Pesquisa FAPESB Online. Disponível em:

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PARTE

Da célula aoorganismo completo

3

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Capítulo 1Célula: estruturas e funções

1. A célula como unidade morfo-fisiológica dos seres vivosA célula é conside-

rada a unidade básica da vida, isso significa dizer que ela corresponde à menor organização mo-lecular que pode agregar características suficientes de matéria viva. Assim, morfologicamente, uma célula pode ser um ser vivo completo, no caso de organismos unicelulares, ou fazer parte de um ser vivo, como ocorre nos or-ganismos pluricelulares. Independente da situação, todas células são origina-das a partir de células pré-existentes.

Uma das condições fisiológicas para que uma célula seja considerada viva é a existência de metabolismo. A taxa metabólica celular varia, especial-mente, com relação à razão entre a área superficial e o volume, de forma diretamente proporcional: quando a relação é alta, o metabolismo também é, e vice-versa.

Para compreender melhor o nível morfo-funcional sobre o qual iremos estudar nessa unidade, precisamos inicialmente perceber as reais dimensões de uma célula e que instrumentos ópticos podemos utilizar para visualizá-la.

Partindo das dimensões celulares, as medidas são dadas, geralmente, em micrômetros (μm), enquanto as organelas celulares são medidas em na-nômetros (nm). Recapitulando as proporções entre as unidades de medida, temos:

1mm → 0,001m

1μm → 0,001mm

1nm → 0,001μm

Morfologia: Estudo científico da forma orgânica, incluindo seu desenvolvimento e função.

Fisiologia: Estudo científico das funções dos organismos vivos e dos órgãos, tecidos e células individuais dos quais eles são compostos.

Poder de resolução: A menor distância entre duas linhas que permite que as linhas sejam observadas como separadas uma da outra. 1nm = 10-9m

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Para visualizarmos estruturas com essas dimensões devemos selecio-nar os instrumentos ópticos adequados, conforme seu poder de resolução. O olho humano, por exemplo, possui poder de resolução máximo de 0,1mm, que corresponde a 100μm ou 100.000nm, isso significa que é impossível en-xergar a maioria dos tipos celulares a olho nu. Para tal feito, lançamos mão de um instrumento chamado de microscópio, que pode ser fabricado utilizando diversas tecnologias. O mais simples é o microscópio óptico (MO), que apre-senta poder de resolução de até 0,2μm ou 200nm, permitindo a visualização de praticamente todos os tipos celulares. Já os microscópios eletrônicos (ME) têm poder de resolução bem mais apurado, de até 0,4nm, sendo possível enxergar inclusive organelas celulares através deles.

Utilizado essas informações, analise as imagens abaixo, onde estão identificadas células através de microscopia óptica:

Com a melhoria da tecnologia óptica, foi possível distinguir, em alguns tipos celulares, uma estrutura interna compacta, semelhante a uma amêndoa, que foi chamada de núcleo. Curiosamente, existiam células que não apresen-tavam núcleo e, para diferenciá-las, foram chamadas de procariontes (gr. pro, anterior, antes + karyon, noz ou amêndoa - núcleo) e eucariontes (gr. eu, ver-dadeiro + karyon). Mais tarde, foi descoberto que o núcleo armazena material

Pense nisso: Você visualizou células procariontes e eucariontes. Porque elas são tão diferentes morfologicamente?Antes de responder a esse questionamento, vamos entender de onde vem essa nomenclatura para as células. Quando Antony van Leeuwenhoek montou o primeiro microscópio óptico, visualizou pedaços de casca de árvores (cortiça), observando vários pequenos compartimentos delimitados e vazios, os quais chamou de “cela”. Com base nessa observação, ele adotou o termo célula para indicar a menor porção individualizada que conseguiu ampliar com seu microscópio, embora ele mesmo tenha inferido que uma célula não era vazia de conteúdo, como no caso da cortiça.

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genético e o entendimento sobre o termo núcleo foi ampliado, significando a região que controla as atividades celulares. Nessa perspectiva, pode-se ad-mitir que as células procariontes também possuam núcleo, embora ele não esteja individualizado, e sim disperso no citoplasma.

2. Organização de células procarióticas e eucarióticasAs células procarióticas são estruturalmente menos complexas que as

eucarióticas, embora não seja possível afirmar que uma é melhor ou mais eficiente que a outra, inclusive em termos metabólicos, o que é comprovado pelo sucesso evolutivo de ambas.

Basicamente, uma célula procariótica é constituída por parede celular, membrana plasmática e citoplasma, onde se encontram dispersos os demais componentes celulares, como enzimas, ribossomos e o próprio DNA, que se apresenta em um cromossomo único e circular ancorado internamente à membrana plasmática em regiões denominadas mesossomos. Também po-dem existir pequenos fragmentos de DNA circular, os plasmídeos, que geral-mente carregam genes importantes para a sobrevivência da célula.

Os ribossomos das bactérias podem ser diferenciados dos ribossomos animais através de um processo de centrifugação que determinada a velocida-de de sedimentação das subunidades ribossômicas. Os ribossomos procarion-tes apresentam uma velocidade de sedimentação 70S, enquanto os animais, 80S. As funções celulares desempenhadas por ambos são semelhantes.

A estrutura universal proposta para as membranas plasmáticas será vista com detalhes no próximo tópico deste capítulo. É importante ressaltar, porém, que as membranas bacterianas são compostas, em grande parte, por um único tipo de fosfolipídio e não apresentam esteróides (colesterol) associados.

A parede celular é composta por peptidioglicano, ácidos orgâ-nicos, proteínas e lipopolissacarídios em diferentes concentrações, a depender da espécie do microorganismo.

Por fora da parede celular, alguns procariontes apresentam uma cápsula, que serve como um fator extra de proteção, como ocorre com bactérias capsuladas que infectam animais e conse-guem despistar as defesas iniciais do sistema imunológico. Tal es-trutura pode apresentar composição variada, embora seja comum uma alta concentração de lipídios e carboidratos.

Os procariontes também podem ser dotados de cílios e fla-gelos. Os cílios, também chamados de pili ou fímbrias, circundam toda a superfície externa do microorganismo e têm como função primordial a captura de alimentos, embora seus batimentos possam

Célula Procarionte

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conferir um movimento desordenado de curtas distâncias, o mesmo ocorre em células Eucarióticas. Existem pili especiais, chamados de pili F, que são responsáveis por conectar duas bactérias, formando uma ponte citoplasmáti-ca que permite a passagem de plasmídeos de uma bactéria para outra em um processo chamado de conjugação.

Os flagelos, quando presentes, podem apresentar diferentes padrões de distribuição ao redor da célula. Porém, a função dessa estrutura é sempre bem definida: confere motilidade ativa em um sentido definido.

Por serem indivíduos unicelulares, o processo de divisão celular implica em reprodução. Em ambientes desfavoráveis, bactérias podem formar estru-turas de resistência, os esporos.

Vale salientar que nem todas as bactérias são causadoras de doen-ças. Existem aquelas que convivem de forma harmônica dentro ou sobre outros organismos vivos, podendo, inclusive, ser indispensáveis à sua so-brevivência.

Todos os seres vivos do domínio Eucarya são formados por células eu-carióticas. Então, é possível imaginar a diversidade estrutural que existe para esse tipo celular. Diante desse fato, adotaremos um modelo hipotético de uma célula eucariótica animal para servir como base de nosso estudo.

A célula eucariótica animal não apresenta parede celular, seu envoltório mais externo é a membrana plasmática. Segundo a teoria de Lynn Margulis (ver texto complementar desta unidade), uma série de acontecimentos permi-tiu a formação das organelas membranosas citoplasmáticas, que incluem as mitocôndrias, os cloroplastos (no caso de células vegetais), o sistema de en-domembramas, o núcleo e as demais vesículas funcionais, como lisossomos

e peroxissomos, responsáveis pela di-gestão intracelular e pela degradação de íons superóxido, respectivamente. Além dessas estruturas, são encon-trados os ribossomos, o citoesquele-to e um par de centríolos, localizado no centrossomo. Podem ainda existir cílios, que servem para captura de alimento ou para a remoção de secre-ções da superfície celular; flagelos, que, como nas células procarióticas, têm a função de locomoção; e micro-vilosidades, que aumentam a superfí-cie de contato da célula com o meio, permitindo, por exemplo, uma maior absorção de nutrientes.Célula eucariótica animal

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O núcleo encontra-se envolvido por uma dupla membrana chamada envoltório nuclear, ou carioteca, que é dotada de poros protéicos, através dos quais ocorre a troca de substâncias entre o citoplasma e o interior do núcleo, onde fica armazenado o material genético na forma de cromatina.

Determinadas regiões da cromatina podem ser ricas em genes pro-dutores de RNAr, que se destacam da cromatina, constituindo os nucléolos. Quanto maior for a atividade de síntese protéica de uma célula, maior será sua quantidade de nucléolos ou o tamanho deles.

A principal função exercida pelo núcleo é o controle central das atividades celulares, através da transmissão de informações para a célula, envolvendo todo o processo de produção de proteínas, que já foi abordado na unidade anterior.

3. Membrana celular: permeabilidade seletivaA membrana plasmática está presente em diversas estruturas intrace-

lulares, além de servir como envoltório para a própria célula. Sua composição bioquímica envolve lipídios, proteínas e carboidratos, que apresentam uma organização denominada de modelo do mosaico fluido.

Os lipídios são mais abundantes na membrana, visto que os fosfolipídios justapõem-se em uma bicamada, com a porção hidrofóbica das moléculas (a cauda) voltada para o interior da membrana e a porção hidrofílica (a cabeça) vol-tada para o meio intra ou extracelular. Essa bicamada de fosfolipídios é que forma efetivamente uma barreira entre o conteúdo celular e o meio externo, além de servir como arcabouço para a inserção de outras moléculas, especial-mente, proteínas.

Cromatina: Material intranu-clear, constituído por DNA e proteínas, que se cora pelos corantes básicos; corres-ponde aos cromossomos da célula que não está em divisão.

Núcleo

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Não é comum a transferência de fosfolipídios de uma monocamada para outra, para que isso ocorra, existem moléculas específicas trabalhando no processo, são os translocadores de fosfolipídios. Essa imobilidade relativa permite que determinados componentes se acumulem em regiões específi-cas da membrana, criando, por exemplo, locais especializados em recepção de estímulos externos.

As membranas de células animais, em geral, apresentam uma diversi-dade de fosfolipídios em sua composição. Entretanto, essa proporção varia, dependendo da função de cada célula. Essa diferença de composição, po-rém, não existe apenas em tipos celulares diferentes, está também presente entre as monocamadas de uma mesma membrana, fenômeno que denomi-namos assimetria de monocamadas.

É essa assimetria que garante a execução de atividades diferentes nas duas faces da membrana, como, por exemplo, a percepção de estímulos ex-ternos e a transferência de informações entre os meios extra e intracelulares. A alteração da composição das monocamadas pode levar à morte da célula. Existem situações em que a modificação dos elementos das monocamadas é programada, determinando a apoptose celular. É o que ocorre quando a célula envelhece e há ativação dos translocadores de fosfatidilserina, que é um tipo de fosfolipídio concentrado na face interna da membrana. Após a ativação do translocador, a fosfatidilserina é transferida para a face externa da membrana, servindo como sinal para que os macrófagos destruam a célula em questão.

As proteínas associadas à membrana são responsáveis pelo movi-mento de substâncias através dela e pela recepção de sinais químicos do ambiente. A maioria das proteínas forma ligações não-covalentes com os fos-folipídios, podendo atravessar toda a membrana (proteínas transmembrana) ou estar associada a apenas uma das faces (proteínas periféricas), apresen-tando também uma diferença de distribuição entre as monocamadas. Quan-do a proteína apresenta uma conexão firme com os elementos da bicamada fosfolipídica, dizemos que ela é uma proteína integral da membrana

Os carboidratos estão fortemente relacionados com o reconhecimento de moléculas específicas nas superfícies da membrana. Estão presentes associa-dos a lipídios ou proteínas de membrana. Certos tipos de glicolipídios da face ex-terna na membrana são relacionados com a proteção da superfície celular contra situações adversas, como variações de pH no meio, ou ação de enzimas.

O glicocálice, que corresponde à região mais externa da membrana, é responsável pelo reconhecimento celular, pela prevenção de interações inde-sejáveis, pela inibição da proliferação celular por contato, pelo reconhecimen-to de partículas a serem transportadas através da membrana e participam dos processos de rejeição de transplantes.

As células são dotadas de formas de imobilizar proteínas específicas de membrana e de confinar tanto as proteínas de membrana quanto as moléculas de lipídeos em domínios particulares em uma bicamada lipídica contínua.

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Uma das principais características da membrana plasmática é a perme-abilidade seletiva. Para garantir isso, ela só permite a passagem de substân-cias através de mecanismos de transporte específicos, que podem ser classi-ficados em dois tipos: o transporte passivo e o transporte ativo.

No transporte passivo, a substância passa do meio onde ela está mais concentrada para o que está menos concentrada, sem haver gasto de ener-gia. Seguindo esses princípios, pode haver três tipo de situações: 1) a difusão simples, onde ocorre a passagem de solutos pequenos do meio onde estão mais concentrados (hipertônico) para o de menor concentração (hipotônico); 2) osmose, que corresponde ao processo de difusão da água, que se move do meio hipotônico (mais concentrado em água) para o hipertônico (menos concentrado em água); e 3) a difusão facilitada, quando as substâncias não conseguem atravessar a bicamada fosfolipídica, necessitando de proteínas que permitam essa passagem também a favor do gradiente de concentração, essas proteínas podem ser proteínas-canal ou carreadoras.

O transporte ativo ocorre sempre contra o gradiente de concentração, envolvendo gasto de energia. As proteínas envolvidas nesse tipo de transporte podem ser classificadas em três categorias:

• Uniport: que transportam um soluto em uma direção;

• Simport: que transportam dois solutos em uma direção;

• Antiport: que transportam dois solutos em direções opostas.

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Quando as proteínas transportam, simultaneamente, dois solutos, o transporte é dito acoplado, como ocorre no co-transporte da glicose pelo só-dio. Inicialmente, uma bomba de sódio (Na+) e potássio (K+) é ativada, trans-ferindo, em cada movimento, 2 K+ para o interior da célula e 3 Na+ para o meio externo. Progressivamente, a concentração de cargas positivas no meio externo ficará muito grande, de forma que os íons Na+ poderão retornar para o citoplasma por transporte passivo. Ao passar pela membrana, por simport, o Na+ é acompanhado por uma molécula de glicose, que passa do meio extra para o intracelular contra o seu gradiente de concentração, o que caracteriza um transporte ativo da glicose.

Esse transporte, porém, não utilizou diretamente energia da quebra de um ATP, mas “aproveitou-se” da energia gasta pela bomba de Na+K+, que proporcio-nou um gradiente de concentração favorável para o transporte passivo do Na+.

Dessa forma, quanto à fonte de energia, o transporte ativo pode ser clas-sificado como: primário, quando a energia é diretamente originada da hidrólise de ATP, ou secundário, quando a energia utilizada é proveniente do transporte ativo de outra substância, como no co-transporte ativo da glicose pelo Na+.

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4. Hialoplasma: um colóide especialO citoplasma corresponde a todo o espaço compreendido entre o nú-

cleo e a membrana celular. Esse espaço é preenchido por um colóide aquoso, o hialoplasma, onde ficam dissolvidas ou dispersas todas as moléculas que participam do metabolismo celular, como íons, enzimas, carboidratos, proteí-nas, moléculas de RNA etc. Dispersos no hialoplasma, mas não fazendo parte de sua composição, estão as organelas membranosas e o citoesqueleto. No interior do núcleo, a região análoga ao citoplasma é o nucleoplasma.

O hialoplasma pode alterar sua consistência conforme a necessidade da célula, tornando-se mais fluido nas regiões onde há uma maior atividade (citosol) ou mais viscoso, onde há menor atividade metabólica (citogel). Ge-ralmente, a manutenção de uma viscosidade maior do hialoplasma auxilia o citoesqueleto na manutenção da forma da célula.

5. O citoesqueletoO citoesqueleto é composto por três tipos de elementos: os microfila-

mentos, os filamentos intermediários e os microtúbulos, cada um exercendo funções diferentes na estrutura celular.

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Os microfilamentos são compostos por fitas de actina e têm o papel de permitir os movimentos realizados pela célula. Para esse fim, a actina pode associar-se a outras proteínas, como a miosina nas células musculares. Para a manutenção dos contornos celulares, a actina forma uma rede que se dis-põe na face interna da membrana plasmática.

Os filamentos intermediários são constituídos por proteínas fibrosas (insolúveis em água), que auxiliam na sustentação da célula como um todo, inclusive dos elementos celulares organizados no interior do citoplasma. En-contramos filamentos intermediários compondo a lâmina nuclear e junções intercelulares como os desmossomos. Os filamentos intermediários mais fre-qüentes são os de queratina, de vimentina e os neurofilamentos.

Os microtúbulos são os elementos mais espessos do citoesqueleto, são compostos por dímeros de tubulina, que se agrupam através de polimeriza-ção, formando longos cilindros ocos, servindo como “trilhos” para o desloca-mento de elementos citoplasmáticos, inclusive organelas e vesículas. São o alongamento (polimerização) e o encurtamento (despolimerização) dos mi-crotúbulos que permitem esses movimentos no interior da célula.

Os microtúbulos agrupam-se em nove feixes, cada um contendo três microtúbulos, conectados por uma proteína chamada de nexina, formando o centríolo. Cada célula apresenta um par de centríolos, que se posicionam perpendicularmente, e se localizam na região do centrossomo, próximo ao núcleo. O centrossomo é o centro organizador de microtúbulos, onde ocorre o início da polimerização.

O suporte estrutural da célula, a formação dos fusos meiótico e mitótico, a formação de centríolos, cílios e flagelos, e a migração de substâncias ou partículas no interior do citoplasma são funções dos microtúbulos.

6. O Sistema de endomembranas e o transporte e se-creção de substâncias

O sistema de endomembranas é composto pelo envoltório nuclear, pe-los retículos endoplasmáticos liso (REL) e rugoso (RER), e pelo complexo de Golgi, tendo como principais funções a síntese, circulação e distribuição de substâncias no meio intracelular, mediar as trocas entre o hialoplasma e os compartimentos endomembranosos, além de auxiliar no suporte mecânico da célula.

O REL corresponde a uma rede de canais membranosos, relativa-mente cilíndricos, onde ocorre, além do transporte de substâncias, a sín-tese de lipídios e hormônios esteróides a partir do colesterol, os processos de metabolização de substâncias tóxicas (desintoxicação), como a degra-

Par de centríolos

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dação do etanol, a glicogenólise e a regulação dos canais de cál-cio nos miócitos, auxiliando na transmissão do impulso nervoso ao nível de placa motora.

Como vimos na unidade anterior, o RER participa do processo de produção de proteínas, que são transportadas e sofrem modifica-ções no interior de seus canais. Geralmente, as proteínas produzidas no RER são destinadas ao próprio RER ou são encaminhadas ao com-plexo de Golgi. Este é composto por um conjunto de sacos achatados, chamado dictiossomo, com uma face voltada para o núcleo (face cis) e outra voltada para a membrana plasmática (face trans), que tem como funções produzir carboidratos, armazenar, condensar, modificar e dis-tribuir as proteínas provenientes do RER. Quando uma proteína entra no complexo de Golgi, ela pode ter três destinos finais:

• Compor secreções celulares, como hormônios e neurotransmissores;

• Originar enzimas lisossômicas, que participarão do processo de digestão intracelular;

• Ser proteína constitutiva, especialmente da membrana plasmática ou da matriz extracelular.

7. A mitocôndria e a produção de energia

As mitocôndrias são formadas por uma dupla camada de membra-nas, que delimitam um espaço interno, chamado de matriz mitocondrial e um espaço intermembranar. A membrana externa é lisa e permeável a diversos componentes do citoplasma, já a membrana interna é mais seletiva e apre-

Glicogenólise: Quebra do glicogênio, que é o polissacarídio usado como reserva energética nas células animais; constituído pela polimerização de moléculas de glicose; ao microscópio eletrônico, aparece como pequenos grânulos isolados ou aglomerados.

RE liso

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senta dobras voltadas para a matriz mitocondrial, chamadas de cristas mi-tocondriais. A principal função das mitocôndrias é participar do processo de respiração celular.

A respiração celular envolve basicamente três etapas: a glicólise, que ocorre sempre no citoplasma; cliclo de Krebs ou clico ao ácido cítrico, que ocorre no citoplasma de células procariontes e na matriz mitocondrial de cé-lulas eucariontes; e a fosforilação oxidativa, em que há participação da cadeia transformadora de elétrons, que está associada à membrana plasmática dos procariontes e à membrana interna das mitocôndrias (cristas mitocondriais) nos eucariontes.

Na glicólise, a molécula de glicose é fosforilada, formando glicose-6--fosfato (G6P), que pela ação de uma isomerase se transforma em frutose-6--fosfato (F6P), que é novamente fosforilada, formando frutose-1,6-bifosfato (FBP). Em cada etapa de fosforilação há o consumo de uma molécula de ATP, sendo então consumidos 2 ATP.

A molécula de FBP é quebrada e suas ligações são reorganizadas para formar duas moléculas de gliceraldeído-3-fosfato (G3P), que sofre uma sequência de reações oxidativas, liberando duas moleculas de ATP e um par de elétrons energéticos (transportado pelo NADH), resultando em duas moléculas de piruvato. Como veremos mais adiante, os elétrons carreados pelo NADH ensejarão a produção de três moléculas de ATP ao final da fosforilação oxidativa. A glicólise produz, portanto, 4 ATPs e con-some 2ATPs, tendo saldo energético de 2 ATPs por molécula de glicose. Acompanhe as etapas da glicólise no esquema abaixo, verificando o papel das enzimas nesse processo.

O piruvato entra na matriz mitocondrial, onde é oxidado a acetato e combinado com a coenzima A, dando origem a acetil-CoA, que é a molécula que se associará ao oxalacetato, formando o citrato (ácido cítrico) de Krebs. Nessa etapa, há liberação de 1NADH e 1CO2 para cada piruvato oxidado.

Durante o clico de Krebs, uma sequência de reações oxidativas ocorre a partir do citrato até recompor o oxilacetato, liberando 3NADH, 1FADH2, 1GTP (que é convertido em ATP) e 2CO2.

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Os elétrons energéticos liberados nas etapas de oxidação durante a glicólise, a oxidação do piruvato e o clico de Krebs são captados pelos acepto-res de elétrons, formando NADH e FADH2, que liberarão os elétrons na cadeia transportadora de elétrons pela ação de uma enzima redutase. Os elétrons, então, passarão por uma série de citocromos, liberando energia para o bom-beamento de íons H+ da matriz mitocondrial para o espaço intermembrana e finalmente serão captados pelo O2 associado a H+ para formar água na matriz mitocondrial. Acoplada a cadeia transportadora, encontra-se a enzima ATP sintase associada à membrana. É através dessa enzima que o H+ inter-membrana flui para a matriz mitocondrial, criando um fluxo que gera energia, que é captada pela enzima e direcionada para a conversão de ADP em ATP (Fosforilação oxidativa).

Os elétrons deixados por cada NADH gera energia suficiente para a produção de 3 ATPs, enquanto os de cada FADH2 gera 2 ATPs. Acompanhe o balanço energético da respiração celular no esquema a seguir.

Glicose (C

6H

12O

6)

Consome Origina Saldo

Glicólise↓

2ATPs4ATPs

2NADH (= 6 ATPs) 2ATPs

2 Piruvato↓

Oxidação do Piruvato↓

- 2CO2

2NADH (= 6 ATPs)

2 AcetilCoA

-

4CO2

6NADH (=18ATPs)2FADH

2 (= 4ATPs)

2GTP = 2ATPs2ATPs

Cadeia Transportadora de Elétrons

(Fosforilação Oxidativa) 6O2

6H2O 34ATPs

C6 H

12O

6 + 6 O

2 → 6 CO

2 + 6 H

2O + 38 ATPs

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8. O cloroplasto e a fotossínteseO cloroplasto é uma organela formada por uma dupla membrana, deli-

mitando uma região interna, chamada de estroma. No estroma, a membrana interna forma dobras, que se segmentam formando pequenos discos, os tila-cóides, que formam pilhas denominadas granum. É na membrana dos tilacói-des que ocorre a captação de energia luminosa pela clorofila para a realiza-ção do processo de fotossíntese, que é função do cloroplasto.

A fotossíntese inicia-se pela captação da energia luminosa pela clorofila presente no complexo antena da membrana do tilacóide. O gráfico abaixo re-presenta quais comprimentos de onda são melhor captados pelos pigmentos.

É possível verificar que a taxa de fotossíntese está diretamente rela-cionada com o espectro de luz a que a planta está submetida e, consequen-temente, à quantidade de energia luminosa que pode ser absorvida pela clo-rofila. Compare o gráfico acima com a curva da taxa fotossintética a seguir e observe que ela varia seguindo o mesmo padrão da absorção da luz pela clorofila.

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As etapas da fotossíntese foram descritas por Cornelius van Neil em 1930, determinado a equação geral do processo.

A primeira etapa da fotossíntese, a etapa fotoquímica, ocorre, obriga-toriamente, na presença de luz, que é absorvida e utilizada para promover a fotólise da água no tilacóide, liberando O2 e elétrons energéticos, que são captados pelo NADP. Também nessa etapa ocorre a fotofosforilação, onde a energia luminosa (fóton) é utilizada para excitar elétrons da clorofila, que libe-rará esses elétrons energéticos em uma cadeia de reações de oxirredução, sendo a energia liberada é utilizada para a produção de ATP. Ainda nessa etapa, alguns elétrons energéticos são liberados pela clorofila e captados pelo NADP. Toda essa energia armazenada será transferida para a segunda etapa da fotossíntese.

A etapa química acontece no estroma do cloroplasto e não necessita de luz, podendo, portanto, ocorrer durante o dia ou à noite. Essa fase inicia-se com a fixação de moléculas de CO2 do ar, que entrarão em uma sequên-cia de reações chamada de ciclo de Calvin-Benson, onde a energia prove-niente da etapa fotoquímica é utilizada para reduzir o CO2 captado, convertendo-o em um carboidrato que dará origem à glicose ou a outros componentes orgânicos.

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Três fatores ambientais podem interferir na taxa de fotossíntese: a in-tensidade luminosa, a concentração de CO2 do ambiente e a temperatura. Observe os gráficos abaixo e verifique como cada um deles contribui para o processo:

9. A parede celular como suporte mecânicoA parede celular é uma estrutura localizada externamente à membrana

plasmática, envolvendo toda a célula. Encontramos parede celular em plan-tas, bactérias, fungos e alguns protistas; em todos eles, as funções dessa estrutura são basicamente as mesmas: proteger a célula contra estresses me-cânicos, permitir a construção e a estabilização de estruturas multicelulares mais organizadas, como é o caso dos tecidos vegetais, auxiliar na manuten-ção de um ambiente intracelular osmoticamente estável, impedindo o ganho excessivo de água e a lise celular, conter a entrada de partículas grandes e potencialmente nocivas à célula. Apesar de a rigidez ser uma das caracterís-ticas da parede celular, ela, de fato, é razoavelmente maleável, embora seja uma estrutura forte, que suporta tensão.

A composição da parece celular é bastante variável entre os seres vivos e, mesmo dentro de um mesmo grupo, pode haver distinção constitutiva. Nas plantas, por exemplo, a base da constituição é a celulose, mas as células presentes no tronco apresentam maiores proporções de lignina ou suberina, enquanto nas folhas devem possuir essas substâncias em menores quantida-des. Nos fungos, o principal elemento da parede é a quitina, nas bactérias, o peptidioglicano e nos protistas, o ácido siálico.

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Atividades de avaliação1. Enumere e explique detalhadamente as diferenças encontradas entre célu-

las procarióticas e eucarióticas.

2. De maneira sucinta e abrangente, descreva morfologicamente as células procarióticas e eucarióticas.

3. A que se deve a permeabilidade seletiva da membrana? Explique.

4. Considerando o hialoplasma um colóide especial, cite e comente suas fun-ções.

5. Sobre o citoesqueleto, defina-o e comente sua importância para as células.

6. O que constitui o sistema de endomembranas? Descreva seu funciona-mento.

7. Relacionando mitocôndria e produção de energia, defina e explique as eta-pas desse processo.

8. Sabendo que os cloroplastos são responsáveis pela fotossíntese, explique seu mecanismo de captação de luz e produção de matéria orgânica.

9. Comente sobre a importância da parede celular.

Tipos de Microscópios Hoje há diversos tipos de microscópios que permi-

tem uma moderna e detalhada compreensão da ar-quitetura celular básica, entretanto todos tem as suas especificidades e limitações na forma de visualização das imagens celulares. Assim, vamos fazer uma breve descrição de alguns microscópios ilustrando a visão de cada um deles.

Microscópio Óptico (Luz)Os microscópios de luz são os mais comumente usados em pesquisa biológica

e contribuem como um papel fundamental nesta função. Compõe-se de uma parte mecânica que serve de suporte e uma parte óptica que é constituída de três lentes: condensador, a objetiva e a ocular (Esquema abaixo). O aumento total de ampliação dada por um microscópio é igual ao aumento da objetiva multiplicado pelo aumento da ocular, esta última aumenta o material enquanto a objetiva aumenta o poder de resolução que é capacidade de diferenciar entre dois objetos muito próximos. A vi-sualização das imagens nas lâminas observadas ao microscópio óptico podem ser de

Saiba mais

Corte histológico de uma célula ve-getal - Microscopia de Luz Foto de Angelo Cortelazzo (Unicamp)

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diferentes colorações apresentadas pelos diversos tipos de corantes existentes que são usados cada qual oportunamente, afim de evidenciar a estrutura de estudo em questão, desde uma simples diferença entre o núcleo e o citoplasma bem como das organelas. O material da célula tem necessariamente que possuir micrômetros de es-pessura. para que a visualização seja a mais eficiente possível.

Microscópio de Contraste de Fase e de Interferência de NomarskiA microscopia de contraste de fase é especialmente útil no exame da estrutura e

de movimento de organelas maiores como o núcleo e mitocôndrias de tecidos vivos, transparentes e não-corados. Ela gera uma imagem com diferentes graus de obscuri-dade ou luminosidade.

A microscopia de interferência de Nomarski, ou diferencial evidencia apenas os contornos de grandes organelas como o núcleo e o vacúolo. As duas técnicas utilizam índices de refração e difração para formar uma imagem. Observe que a microscopia de interferência de Nomarski ou diferencial gera uma imagem parecendo que o espé-cime está projetando uma sombra para um dos lados: a sombra basicamente repre-senta uma diferença no índice de refração.

Tanto a microscopia de contraste de fase como a microscopia de interferencia de Nomarski podem ser utilizadas na microscopia de lapso de tempo em que a mesma cé-lula é fotografada a intervalos regulares ao longo de períodos que duram várias horas. Esse procedimento permite ao observador estudar o movimento celular, desde que a platina do microscópio possa controlar a temperatura do espécime e o ambiente.

Microscópio de PolarizaçãoO microscópio de polarização é semelhante ao microscópio de luz, acrescido de

dois prismas ou dois discos polaróides, que permitem estudar certos aspectos da or-ganização molecular dos constituintes celulares. Ao atravessar a célula, o feixe de luz pode passar por estruturas cristalinas ou moléculas alongadas e paralelas que dividem o feixe polarizado, sendo denominados de estruturas birrefringentes ou anisotrópicas. As estruturas celulares que não apresentam tal organização não modificam o plano de polarização da luz e são ditas isotrópicas O microscópio de polarização serve para individualizar a estrutura que se quer analisar.

Desenho esquemático de um microscópio de luz mostrando seus componentes principais e o trajeto de luz desde a fonte luminosa até o olho do observador. (Cortesia de Carl Zeiss Co.) Imagem retirada do livro: JUNQUEIRA & CAR-NEIRO, Histologia Básica, 10ª ed.,

Ed. Guanabara Koogan (Pg. 3 - Fig 1.2)

Imagem de Microscopia de

Contraste de Fase

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Microscópio Eletrônico de Transmissão

Foto de Heidi Dolder (Unicamp) Foto de Heidi Dolder (Unicamp)

Imagens de Microscopia Eletrônica de Transmissão

Enquanto o microscópio de luz utiliza fótons como a radiação visível para observação do material celular, o microscópio eletrônico, por sua vez, emprega feixes de elétrons. Estes, após atravessarem a célula, chegam a uma tela fluorescentes onde formam uma imagem visível sobre uma chapa fotografica que depois será revelada podendo ser am-pliada 2 a 4 vezes, sendo chamada de micrografia. Os elétrons desviados por certas estruturas da célula não contribuirão para formar a imagem e na chapa aparecem es-curas sendo chamadas de eletron-densas. Os componentes celulares que desviam uma pequena percentagem de elétrons aparecerão em diversas tonalidades de cinza.

As técnicas de coloração empregadas para observação nestes tipos de microscópio utilizam metais pesados como o ouro, o ósmio, urânio e chumbo.

Hoje o limite de resolução de um microscópio eletronico de transmissão é 40.000 vezes melhor do que a resolução do microscópio óptico e 2 milhões de vezes melhor que a resolução do olho humano. No entanto, não é possível ainda aproveitar inteira-mente a capacidade resolutiva dos melhores microscópios eletrônicos assim ele passa a ter somente 2.000 vezes melhor resolução que o microscópio ótico.

Microscópio Eletrônico de Varredura

Foto de Heidi Dolder (Unicamp) Foto de Heidi Dolder (Unicamp)

Imagens de Microscopia Eletrônica de Varredura

É uma técnica que permite a visualização das superfícies de espécimes não secciona-dos. A amostra é fixada, dessecada e revestida com uma camada fina de um metal pesado. A micrografia obtida tem um aspecto tridimensional. O poder de resolução dos microcó-pios eletrônicos de varredura é limitado pela espessura do revestimento metálico utilizado e apresenta poder de resolução muito menor que dos instrumentos de transmissão.Bionet – Universidade Federal do Mato Grosso, disponível em http://www.ufmt.br/bionet/conteu-dos/01.09.04/tip_mic.htm, acesso em 23/4/2010 (adaptado).

Fotografia do microscópio eletrôni-co de transmissão 906 E (Cortesia de Carl Zeiss) Foto retirada do CD interativo que acompanha o livro: Histologia Básica, Junqueira e Car-neiro, 10ª ed. - Guanabara Koogan,

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A bactéria que existe em vocêSe você consegue respirar oxigênio, agradeça a uma velha bactéria que, um belo

dia, resolveu virar parte das suas células e ajudou a criar a vida complexapor Texto Giovana Girardi

As bactérias são uma das mais primitivas formas de vida. Esses organismos uni-celulares, que surgiram há cerca de 3,8 bilhões de anos, são procariontes, ou seja, não têm núcleo celular definido. Apareceram quando o planeta ainda era quase uma criança (ele tem 4,5 bilhões de anos) e permaneceram os únicos seres vivos por 2 bilhões de anos.

Apesar de tanta simplicidade, porém, elas contribuíram para que um grupo mais sofisticado de seres vivos, os eucariontes, desse um salto de complexidade e modifi-casse a história da vida na Terra, gerando, com o passar do tempo, os fungos, as plan-tas, os animais e, por fim, nós.

Fusão repentinaAo que parece, essa mudança aconteceu meio de repente. Estavam duas bactérias

cuidando de sua vidinha quando, por descuido ou não, uma invadiu a outra – ou foi capturada, vai saber –, dando origem a uma célula completamente diferente do que existia até então, com núcleo definido e outros corpúsculos. Na verdade, esse proces-so, chamado de endossimbiose (ou simbiogênese) deve ter ocorrido ao mesmo tempo com outras bactérias também.

O tal salto de complexidade ocorreu, segundo a teoria proposta pela bióloga ame-ricana Lynn Margulis, porque a bactéria “engolida” virou uma mitocôndria, a organe-la responsável pela produção de energia nas células, com a ajuda do oxigênio. É ela que possibilita que os eucariontes respirem. Sem as mitocôndrias, a Terra ainda seria um planeta de micróbios. Outra fusão produziu os cloroplastos, que permitem que as plantas capturem a energia do Sol. O organismo invasor nesse caso foi uma cianobac-téria – micróbios azuis-esverdeados que aprenderam a incorporar o hidrogênio pre-sente nas moléculas de água e liberar o oxigênio para a atmosfera, inventando assim a chamada fotossíntese.

A teoria de Margulis, proposta em 1981, não foi muito bem aceita no começo, porque se imaginava que os eucariontes teriam surgido ao longo da evolução por mu-tações genéticas. A bióloga, aliás, está acostumada a controvérsias – ela é uma das autoras da Teoria de Gaia (leia na pág. 26).

No entanto, ela foi a primeira a conseguir explicar algumas características bizar-ras da mitocôndria e dos cloroplastos e hoje é largamente aceita pela comunidade científica. Ocorre que essas organelas são, de certo modo, independentes do resto da célula, com capacidade própria de se replicar e um DNA diferente do que encontramos no núcleo da célula eucarionte.

Sim, na prática temos DNA de bactéria inserido no nosso. Sem esses invasores primordiais, nem sequer existiríamos.

"A vida não tomou conta do planeta competindo, mas formando alianças."Lynn Margulis

Revista Superinteressante Ed. 245a, 2007, disponível em http://super.abril.com.br/ciencia/bacteria-existe--voce-447290.shtml, acesso em 22/4/2010.

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HIBS, José; DE ROBERTS, E. D. F. De Roberts: bases de biologia, celular e molecular. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001. 418p.

COLLEEN SMITH, A ; MARKS, L. Bioquímica médica básica de Mark. 2. Ed. Porto Alegre: Artmed, 2007. 992p.

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PARTE

Noções de Ecologia eTemas Diversos

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Capítulo 1Ecologia e Ecossistemas

1. Energia: 1ª e 2ª leis da termodinâmicaToda vez que um dado sistema varia seu estado inicial (condições de

temperatura, volume, pressão, entre outros) e atinge um estado final aparen-temente equilibrado temos a oportunidade de estabelecer suposições à luz da termodinâmica. Esse processo termodinâmico entre um estado inicial e final caracteriza-se por alguma transformação de energia, que pode levar (ou não) à geração de trabalho. Assim, o balanço energético de um dado sistema genérico pode ser apresentado da seguinte forma:

É a termodinâmica o ramo da ciência que visa estabelecer essas con-dições de equilíbrio entre um dado sistema e seu meio externo, de modo a rela-cionar as quantidades de calor trocadas e o trabalho realizado neste processo.

A energia pode se apresentar de diversas formas: radiação, química, nu-clear, térmica, mecânica, elétrica, magnética, elástica, entre outros. Uma de suas características essenciais é a capacidade de conversão, ou seja, uma forma de energia pode eventualmente ser convertida em outra, de forma a adequar-se a uma utilização desejada. A figura abaixo demonstra alguns dos principais processos de conversão de energia entre as formas mais comuns de energia.

Processos de conversão energética (tubo catódico, lâmpada fluorescente).

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O comportamento da energia é descrito a partir de duas leis termodinâmicas:

Primeira Lei da Termodinâmica: estabe-lece que a energia é transformada de uma forma a outra, mas não é destruída ou criada. Rudolph Clausius (1822-1888) afirmara que "A energia do Universo é constante", atestando o princípio da conservação da energia. Está claro, agora, o mo-tivo pelo qual a primeira lei da termodinâmica tam-bém ficou conhecida como Lei da Conservação da Energia. O exemplo acima do fluxo de energia através de uma folha de carvalho ajuda a ilustrar essa primeira lei da termodinâmica.

Segunda Lei da Termodinâmica: É impossível transformar totalmente a energia em trabalho útil, ocorrerá alguma degradação, da forma mais con-centrada e ordenada a outra menos concentrada, dispersa e desordenada. Isso também pode ser visualizado na figura acima, pois a transformação es-pontânea de luz solar (A) em energia potencial (C: açúcares) não é 100% efi-ciente, pois grande parte (98%, no caso) dispersou-se sob a forma de energia térmica (B) não disponível ou não útil ao trabalho. Cabe ressaltar que na natu-reza, todo processo espontâneo é irreversível, de modo que o grau de desor-dem do sistema aumenta.

Essa energia não disponível resultante de transformações no sistema busca ser mensurada pela grandeza termodinâmica chamada de entropia (do en: em + trope: transformação). Em outras palavras, a entropia é uma medida a desordem criada no sistema pela dissipação de parte de sua energia, na forma de energia térmica, por exemplo, que não pode ser utilizada para realizar traba-lho, para agregar informação ou gerar ordem. Daí a segunda lei da termodinâ-mica ser também conhecida como Lei da Entropia. Na cadeia trófica, vimos que uma parcela considerável da energia é dissipada sob a forma de calor (respira-ção) a cada nível trófico. Essa energia perdida promove o aumento da entropia.

Outro exemplo emblemático da segunda lei da termodinâmica é a des-crição da queda de uma pedra abandonada a certa altura. Ao chegar ao solo, toda a energia cinética terá sido dissipada, principalmente, sob a forma de calor, atingindo um estado final de equilíbrio (Figura ao lado). Espontanea-mente, é pouco provável que o inverso possa acontecer (a pedra voltar ao seu lugar inicial) sem intervenção externa (adição de energia, por exemplo), de modo que o processo tende a um quadro de entropia máxima. Embora seja improvável o acontecimento inverso descrito acima, ressalta-se que, ao menos teoricamente, trata-se de um fenômeno que não contraria a primeira lei da termodinâmica, pois teríamos conservação de energia.

Fluxo de energia através de uma folha de carvalho.

A primeira Lei da Termodinâ-mica – conversão de energia do sol (A) em energia alimen-tar (C, acúcares) por fotossín-tese (A = B + C).

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Equilíbrio e EntropiaEm uma bacia hidrográfica o rio desloca-se com maior ou menor ve-

locidade, dependendo do desnível entre cabeceira e foz do rio. O fluxo de água derivado deste movimento pode ser convertido em trabalho ao mover turbinas de uma usina hidrelétrica, ao mesmo tempo em que vai perdendo calor (aumentando entropia do sistema). Entretanto, a água parada em um lago não é capaz de gerar trabalho, pois ali, a água encontra-se quase que totalmente em estado de equilíbrio (aproximando-se de um quadro de entropia constante).

O calor agregado a uma xícara de café quente sobre a mesa é transpor-tado ao meio externo em pouco tempo, até que a xícara torne-se fria. Neste caso, também ocorreu um equilíbrio térmico com o ambiente imediato, acom-panhado do aumento máximo de entropia do sistema, que permanece cons-tante a partir daí.

Os exemplos acima demonstram a tendência que os corpos possuem de entrar em equilíbrio com o meio, o que implica que a variação de entropia de um sistema isolado é sempre positiva, isto é, a entropia do sistema sempre aumenta enquanto ele ainda não tiver atingido o equilíbrio.

As mesmas leis básicas que governam os sistemas não vivos, tam-bém governam uma comunidade constituída por organismos autótrofos e heterótrofos (presas e predadores). O fluxo de energia ao longo de uma cadeia trófica é limitante e sempre converte formas dissipadas de energia em formas concentradas. Além disso, parte da energia disponível aos seres vivos é usada para auto-reparos e para “expulsar” a desordem (entropia); diferente das máquinas que precisam repor suas peças (uso de energia ex-terna), tal como um carro velho.

Entre os sistemas vivos, fica clara a necessidade de manutenção do estado de não equilíbrio constante, evitando-se a morte do sistema. Será mes-mo, o equilíbrio, algo importante aos seres vivos?

Entropia e Desordem A entropia de um sistema está intimamente relacionada ao grau de de-

sordem em que ele se encontra. Aliás, todos os processos termodinâmicos que ocorrem na natureza são espontâneos e irreversíveis, de modo que a entropia aumenta em todos eles.

Durante a implosão de um edifício (processo irreversível), observa-se um aumento da desordem até que todo o prédio esteja no chão (Figura abai-xo). Embora exista uma probabilidade teórica de que os destroços possam voltar ao estado normal e constituírem o edifício novamente, isso não vai ocor-rer na natureza.

Sequência dos diferentes momentos da implosão de um edifício.

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Isso demonstra que o sentido da desordem (aumento de entropia) tam-bém ocorre no sentido direto do tempo. A entropia precisa ser mantida para manter a ordem do sistema. A falta de sustentação na base do edifício, du-rante a implosão, tornou fisicamente impossível manter a ordem do edifício. O amontoado de destroços no chão é, então, a melhor representação deste sistema, que se tornou caótico, tendo dissipado o máximo de energia possível (expulsado desordem, calor) até a morte térmica do sistema.

Estruturas DissipativasEstruturas Dissipativas é uma idéia proposta por Ilya Prigogine, que

provocou turbulências (instabilidades) em gases e líquidos. Após cessar as turbulências, percebeu que as estruturas moleculares das novas ordens eram distintas das anteriores e às vezes mais complexas. Em suma, as novas es-truturas permitiam maior dissipação de energia, diminuindo a entropia. De alguma forma isso pode ser visualizado em sistemas naturais. Para muitos biólogos a vida e o universo caminham para um estado de máxima comple-xidade com algum grau de organização não muito coerente com a idéia do aumento de entropia. A organização social de abelhas ou formigas poderia ser encarada como uma estrutura dissipativa, capaz de manter a ordem no sistema, apesar do aumento de complexidade. Observa-se também que essa organização vem acompanhada pela diminuição da uniformidade. Ressalta--se que sistemas abertos podem trocar (receber e tranmitir) informações com o ambiente, de modo que a energia dissipada por um organismo pode ser utilizada para ampliar a organização de outro organismo.

Atividades de avaliação

Faça um comparativo do desenvolvimento ontológico do ser humano (da infância à terceira idade) com o grau de entropia e desordem.

Referências ODUM, Eugene P. & BARRETT, Gary B. Fundamentos de Ecologia. São Paulo, 2008. Cengage Learning, 612p.

NEBEL, Bernard J. & WRIGHT, Richard T. Environmental Science. New Jer-sey, 2000. Prentice Hall, 664p.

GOLDEMBERG, José & VILLANUEVA, Luz Dondero. Energia, Meio Am-biente e Desenvolvimento. São Paulo, 2003. Edusp, 226p.

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Capítulo 2Fluxo energético através

dos ecosistemas

Os organismos fotossintetizantes expostos a radiação solar convertem pequena fração da luz visível (até 5%) em energia química, mais concentrada, armazenada em compostos orgânicos (açúcares e aminoácidos) produzidos durante a fotossíntese. Essa energia é então disponibilizada na comunidade através da cadeia trófica, embora ocorram elevadas perdas com respiração.

Modelo Universal de Fluxo de EnergiaA Figura na próxima página representa um modelo universal de fluxo de

energia aplicado a qualquer organismo vivo. Assim temos:

A caixa sombreada representa a biomassa viva de um dado organismo (B). A entrada total de energia ou influxo (energia inge-rida) é indicada por I (que para os autotróficos é a própria radiação solar, enquanto para os heterotróficos representa o alimento orgâ-nico). No entanto, nem todo influxo é totalmente assimilado ou utili-zado (NU), pois grande parte da luz passa pela planta sem que seja fixada; da mesma forma que um heterotrófico não utiliza a energia perdida por meio de fezes, urina e suor (formas não assimiladas/fixadas de energia). Grande perda de energia ocorre a partir da queima de compostos orgânicos, sob a forma de calor, denomina-da de respiração (R). O contínuo metabolismo destes compostos

Partição de energia em um organismo vivo (I: influxo; A: energia assimilada; NU: energia não utilizada; R: gastos com processos respiratórios; S: ener-gia armazenada; G: energia usada no crescimento somático e reprodutivo;

P: produção secundária).

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orgânicos representa um mecanismo de manutenção da própria biomassa. De modo geral, a respiração eleva-se quando um organismo encontra-se em condições estressantes ou se possui grande biomassa.

Por sua vez, a energia assimilada (A) resulta do balanço entre o influxo (I) e as perdas de energia: respiração (R) e energia não utilizada (NU). Uma fração da energia assimilada é transformada em matéria orgânica nova, então chamada de produção (P), que envolve a energia normalmente armazenada (S) pelo organismo e a energia usada para crescimento somático e reprodu-tivo (G). Fica claro, que a produção (P) representa a energia disponível ao próximo nível trófico de uma cadeia alimentar. Em linhas gerais a produção é maior em organismos pequenos como bactérias e algas, além de organismos jovens de crescimento rápido e cultivares que recebem aportes energéticos (fertilizantes, por exemplo).

Ligados entre si, esses modelos gráficos podem representar cadeias tróficas complexas, o que torna mais fácil a análise trófica e as rotas alimenta-res dentro da comunidade.

Cadeias e Redes TróficasAs cadeias e as redes tróficas representam duas das representações

clássicas de interações ecológicas mais adotadas na análise do funcionamen-to de uma comunidade. Representam a sequência da transferência de ener-gia alimentar (eventos do tipo comer/ser comido), de grande utilidade para expressar a síntese das principais ligações tróficas existentes. Na natureza, tais cadeias alimentares não estão isoladas, mas interconectadas e formando as redes ou teias tróficas.

Existem dois tipos básicos de cadeias tróficas: (1) cadeia de paste-jo, que se inicia com o fluxo de energia a partir de organismos fotossinteti-zantes vivos, seguindo aos herbívoros pastejadores e então aos carnívoros. (2) cadeia de detritos, que acompanha o fluxo de matéria orgânica não viva (restos vegetais) aos microrganismos, e em seguida aos organismos que se

alimentam de detritos e aos seus predadores.

A cada transferência de um nível trófico a outro, grande parte da energia (90%) se perde sob a forma de calor (R). Portanto, quanto mais curta a cadeia tró-fica (ou quanto mais próximo o organismo estiver dos produtores), maior a quantidade de energia disponível. Contudo, o decréscimo da quantidade de energia ao longo da cadeia é compensado pelo aumento da qua-lidade (concentração) de energia, ou seja, potencial de trabalho.

Herbívoro: organismo que se alimenta de vegetais. Também chamado de consumidor primário (segundo nível trófico). Serve de alimento aos carnívoros.

Carnívoro primário: organismo que se alimenta dos herbívoros. Também chamado de consumidor secundário (terceiro nível trófico). Por sua vez, os carnívoros secundários são chamados de consumidores terciários, ocupando o quarto nível trófico. Os consumidores terciários podem ser considerados carnívoros de topo da cadeia trófica.

Um organismo pode receber uma classificação funcional (nível trófico) na dependência da posição em que ocupa ao longo da cadeia, determinado pelo número de etapas da transferência de energia até aquele nível trófico que ocupa. Em outras palavras, está associado à fonte de energia realmente assimilada.

Produtor: organismo fotossintetizante (primeiro nível trófico)

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orgânicos representa um mecanismo de manutenção da própria biomassa. De modo geral, a respiração eleva-se quando um organismo encontra-se em condições estressantes ou se possui grande biomassa.

Por sua vez, a energia assimilada (A) resulta do balanço entre o influxo (I) e as perdas de energia: respiração (R) e energia não utilizada (NU). Uma fração da energia assimilada é transformada em matéria orgânica nova, então chamada de produção (P), que envolve a energia normalmente armazenada (S) pelo organismo e a energia usada para crescimento somático e reprodu-tivo (G). Fica claro, que a produção (P) representa a energia disponível ao próximo nível trófico de uma cadeia alimentar. Em linhas gerais a produção é maior em organismos pequenos como bactérias e algas, além de organismos jovens de crescimento rápido e cultivares que recebem aportes energéticos (fertilizantes, por exemplo).

Ligados entre si, esses modelos gráficos podem representar cadeias tróficas complexas, o que torna mais fácil a análise trófica e as rotas alimenta-res dentro da comunidade.

Cadeias e Redes TróficasAs cadeias e as redes tróficas representam duas das representações

clássicas de interações ecológicas mais adotadas na análise do funcionamen-to de uma comunidade. Representam a sequência da transferência de ener-gia alimentar (eventos do tipo comer/ser comido), de grande utilidade para expressar a síntese das principais ligações tróficas existentes. Na natureza, tais cadeias alimentares não estão isoladas, mas interconectadas e formando as redes ou teias tróficas.

Existem dois tipos básicos de cadeias tróficas: (1) cadeia de paste-jo, que se inicia com o fluxo de energia a partir de organismos fotossinteti-zantes vivos, seguindo aos herbívoros pastejadores e então aos carnívoros. (2) cadeia de detritos, que acompanha o fluxo de matéria orgânica não viva (restos vegetais) aos microrganismos, e em seguida aos organismos que se

alimentam de detritos e aos seus predadores.

A cada transferência de um nível trófico a outro, grande parte da energia (90%) se perde sob a forma de calor (R). Portanto, quanto mais curta a cadeia tró-fica (ou quanto mais próximo o organismo estiver dos produtores), maior a quantidade de energia disponível. Contudo, o decréscimo da quantidade de energia ao longo da cadeia é compensado pelo aumento da qua-lidade (concentração) de energia, ou seja, potencial de trabalho.

Herbívoro: organismo que se alimenta de vegetais. Também chamado de consumidor primário (segundo nível trófico). Serve de alimento aos carnívoros.

Carnívoro primário: organismo que se alimenta dos herbívoros. Também chamado de consumidor secundário (terceiro nível trófico). Por sua vez, os carnívoros secundários são chamados de consumidores terciários, ocupando o quarto nível trófico. Os consumidores terciários podem ser considerados carnívoros de topo da cadeia trófica.

Pirâmides EcológicasAlgumas vezes as interações tróficas mostram-se tão complexas que

sua descrição gráfica precisa ser simplificada por meio das pirâmides ecoló-gicas, desde que o primeiro nível trófico (produtores) passe a formar a base da pirâmide, sustentando os níveis tróficos sucessivos em camadas superio-res. Há três tipos de pirâmides ecológicas:

• Pirâmide de números – contempla apenas a densidade de indivíduos (indivíduos por área ou volume) em cada nível trófico, sem considerar a biomassa das diferentes espécies. Esse tipo de pirâmide enfatiza a impor-tância de pequenos organismos.

• Pirâmide de biomassa – considera a biomassa acumulada (massa/área ou volume) em cada nível trófico, sem considerar a renovação/acúmulo dessa biomassa ao longo do tempo. Enfatiza-se a importância dos organis-mos grandes.

• Pirâmide energética – representa a quantidade de energia acumulada (por unidade de área ou volume, e por unidade de tempo) em cada nível trófico. Portanto, é a única pirâmide que expressa a produtividade da comunidade, pois envolve o fator tempo. Essa pirâmide mostra-se mais adequada para comparar a magnitude energética das interações tróficas entre os diferentes componentes de uma comuni-dade, ou mesmo entre diferen-tes comunidades. Demanda maior volume de informação para sua composição. Como se observa um decréscimo gradativo de energia ao longo da cadeia trófica, a pirâmide energética sempre apresentará a forma piramidal reta, não in-vertida, com a base maior que o nível trófico seguinte.

ProdutividadeA quantidade de energia convertida em matéria orgânica (tecidos, car-

boidratos, aminoácidos...) pelos autotróficos (fotossintetizantes ou quimiossin-tetizantes) em determinado intervalo de tempo é chamada de produtividade primária. Contudo, outros conceitos devem ser aqui distinguidos:

• Produtividade Primária Bruta (PPB): representa a taxa total fotossintética, incluindo a queima de matéria orgânica (respiração) durante um intervalo de tempo. É a fotossíntese total.

Tipos de pirâmides tróficas. P: produtores; C1: consumidores primários;

C2: consumidores secundários; C3: consumidores terciários; D: decompositores.

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• Produtividade Primária Líquida (PPL): é a energia armazenada na forma de matéria orgânica vegetal (sem considerar gastos respiratórios da própria planta), durante um intervalo de tempo (PPL = PPB –R). Também chamada de assimilação líquida.

• Produtividade Líquida da Comunidade: é a quantidade de energia ar-mazenada na matéria orgânica vegetal, mas que não foi consumida pelos heterotróficos durante um intervalo de tempo (geralmente a época de cres-cimento ou um ano).

• Produtividade Secundária: representa a quantidade de energia armaze-nada pelos consumidores durante um intervalo de tempo. Vale lembrar que os consumidores alimentam-se de matéria orgânica previamente produ-zida pelos autotróficos, que por sua vez tiveram gastos respiratórios para produzir seus tecidos.

As definições acima estão associadas à quantidade de energia fixada em um intervalo de tempo, caracterizando o conceito de taxa. A produtivi-dade pode, então, ser expressa em g/m²/ano ou kcal/m²/ano. Por sua vez, a produção representa apenas uma medida instantânea da quantidade de matéria orgânica viva (com determinado conteúdo energético) em um dado local. Pode ser expressa em g/m² ou kcal/m².

Atividades de avaliação1. Considerando a quantidade de energia disponível para sustentar uma ca-

deia alimentar, qual seria a limitante ecológica à introdução de mamíferos predadores de topo em fragmentos florestais?

2. Por que cadeias ecológicas longas são pouco freqüentes na natureza?

3. Qual a vantagem comparativa da pirâmide de energia frente à pirâmide de número e a pirâmide de biomassa na descrição das interações tróficas de uma dada comunidade?

Referências ODUM, Eugene P. & BARRETT, Gary B. Fundamentos de Ecologia. São Paulo, 2008. Cengage Learning, 612p.

ODUM, Eugene P. Ecologia. Rio de Janeiro, 1988. Editora Guanabara, 434p.

PINTO-COELHO, Ricardo Motta. Fundamentos em Ecologia. Porto Alegre, 2002. Artmed, 252p.

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Capítulo 3Matéria: ciclos

biogeoquímicos

A sustentabilidade dos sistemas naturais está alicerçada em dois princí-pios fundamentais: (1) os sistemas naturais usam luz solar como fonte de ener-gia; (2) os sistemas naturais descartam resíduos, mas também disponibilizam nutrientes e reciclam todos os elementos através dos ciclos biogeoquímicos.

Ressalta-se que a biogeoquímica empenha-se em avaliar a troca de materiais entre os componentes vivos e não vivos do ambiente. Diferente da energia solar, os nutrientes sofrem alterações em suas fontes disponíveis, de modo que se uma fração de nutrientes é destinada a um organismo vivo isso reduz o suprimento remanescente ao restante da comunidade. A ausência de processos de decomposição levaria ao esgotamento dos estoques de nutrien-tes e a vida seria limitada.

Pouco mais de 103 elementos químicos são conhecidos, mas ape-nas 30 a 40 deles são essenciais aos seres vivos. Organismos vivos usam energia continuamente para extrair elementos do seu entorno, mantendo seu metabolismo e usando-os antes que se percam novamente ao am-biente. Isso destaca a reciclagem enquanto processo fundamental dos sistemas naturais, pois previne a acumulação de resíduos (causadores de problemas); e asseguram que os sistemas naturais evitem a perda exces-siva de elementos essenciais.

Vale lembrar que alguma dissipação de energia é necessária para acio-nar os ciclos biogeoquímicos. Isso é altamente relevante quando da neces-sidade humana de reciclar água, metais, papéis e outros materiais. Além do mais, usamos não somente os 40 elementos essenciais, mas todos os outros elementos, incluindo os sintéticos.

O ciclo de cada um dos elementos inorgânicos pode ser conveniente-mente dividido em dois compartimentos ou estoques: (1) estoque reservató-rio, componente grande, lento e, em geral, não biológico; (2) estoque lábil ou de ciclagem, componente menor, mais dinâmico, que permuta rapidamente entre os organismos e seu ambiente imediato (e vice-versa). Pode englobar substâncias orgânicas não vivas (excretas e húmus).

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Os ciclos biogeoquímicos se enquadram em três tipos básicos, depen-dendo da natureza do estoque reservatório:

• Ciclos Gasosos: possuem o compartimento principal na atmosfera. Por ser um meio altamente dinâmico, têm mecanismos eficazes de auto-regu-lação.

• Ciclos Sedimentares: o compartimento principal está na crosta terrestre (em rochas). São vulneráveis às perturbações externas;

• Ciclos Mistos: possuem ambos os compartimentos (sedimentares e at-mosféricos).

Ciclos Biogeoquímicos GlobaisA Terra é um sistema dinâmico em constante transformação, de tal for-

ma que é praticamente impossível compreender um ciclo biogeoquímico sem considerar processos geológicos e evolutivos do planeta, visto que o movi-mento e a estocagem de nutrientes afetam todos os processos físicos, quími-cos e biológicos. É a conjugação destes elementos que formam moléculas e substâncias orgânicas, continuamente transformadas e decompostas (reci-cladas), sem que ocorram escapes da biosfera.

Ciclo Hidrológico Cerca de 70% da superfície da Terra está coberta por água. Estima-se

a existência de 1,3x109 Km3 de água na biosfera; mas com desigual distribui-ção. Oceanos e mares constituem o principal reservatório de água no planeta (97,2%), embora estejam em contínuo movimento, contribuindo diretamente ao estabelecimento dos padrões globais de clima e circulação atmosférica. Calotas glaciais, água subterrâneas, lagos e rios, e a própria atmosfera tam-bém reservam pequena fração de água na Terra.

Distribuição de água na Terra.

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Os estoques e fluxos globais de água na Terra são apresentados na Figura abaixo.

Estoques de fluxos globais de água na Terra

O ciclo hidrológico perpetua-se com ou sem a presença da biota. Con-tudo, a vegetação terrestre pode modificar significativamente os fluxos deste ciclo interceptando a água em dois momentos: (1) retendo parte da água na própria folhagem, a partir da qual pode evaporar; (2) absorvendo água do solo e disponibilizando-a por meio da transpiração.

Dois aspectos do ciclo hidrológico devem ser enfatizados:

• Nos oceanos, a evaporação é quantitativamente mais importante que a precipitação, ao contrário do continente. Ou seja, parte considerável das chuvas que sustentam os sistemas terrestres, incluindo os campos para produção de alimentos, vem da água evaporada do mar.

• Atividades humanas (pavimentação do solo, represamento de rios e des-matamentos) reduzem a recarga dos aqüíferos subterrâneos e tendem a aumentar o índice pluviométrico.

Ciclo do FósforoCiclo predominantemente sedimentar, com reservatórios em rochas e

sedimentos oceânicos, apresenta menor número de formas químicas, tornan-do sua interpretação menos complexa. Em linhas gerais, o mineral fósforo é disponibilizado a partir do transporte de poeira e intemperismo das rochas, e então carreado pelos rios aos oceanos. Contudo, antes de chegar ao oceano, esse mineral pode circular inúmeras vezes na litosfera (os vegetais absorvem na forma de PO4

-3). Os esgotos também representam considerável via de dis-posição de fósforo ao ambiente marinho. Pouco expressiva é a trajetória de fósforo marinho ao continente, mediado pelos depósitos de guano oferecidos pelas aves ou a partir da pesca marinha.

Atividades humanas aceleram a perda de fósforo, sobretudo a partir da mineração e processamento de fertilizantes, que podem gerar graves proble-mas de poluição local.

De toda água existente no planeta, apenas 2,8% são considerados água doce. Entretanto, nem toda água doce está diretamente disponível ao consumo humano diário, pois mais de 70% estão presentes nas calotas polares ou como neves eternas no alto de montanhas. Daí a necessidade de planejamento e valorização dos programas de gestão de bacias hidrográficas que apontem cálculos de disponibilidade hídrica frente às demandas dos diversos segmentos da sociedade (indústria, irrigação, geração de energia) e ao consumo humano. Ainda mais preocupante que a quantidade de água disponível é a qualidade da água que temos disponível, tendo em vista os inúmeros impactos com substâncias químicas, além de patógenos e excesso de nutrientes.

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Ciclo do NitrogênioO nitrogênio, ao lado do fósforo, é um dos elementos que limita o cres-

cimento vegetal. A fase atmosférica deste ciclo é predominante e abriga 78% do nitrogênio global (N2). Continuamente o nitrogênio alcança a atmosfera por ação das bactérias denitrificantes (Pseudomonas denitificans) que transfor-mam o NO3 em N2 atmosférico, evitando algum acúmulo excessivo no solo. Por sua vez, o nitrogênio volta ao ciclo por ação de microorganismos fixado-res de nitrogênio atmosférico (biofixação) e fixações físicas (eletrificação e fotoxidação).

O nitrogênio existente em tecidos vegetais é decomposto e torna-se disponível ao solo em forma de amônia (NH3), sofrendo ação de bactérias nitrificantes (quimiossintetizantes). A nitrificação envolve as Nitrosomonas que convertem amônia a nitritos (NH3→ NO2); e a Nitrobacter que converte nitrito a nitrato (NO2→NO3).

A biofixação é mediada por diversos organismos: Azotobacter e Clostri-dium (vida livre); Rhizobium (simbionte), Anabaena e Nostoc (cianobactérias). Em todas elas, a enzima nitrogenase é catalisadora da quebra de N2 ou redu-ção de acetileno a etileno.

A produção de fertilizantes, o recorrente cultivo de leguminosas, a queima de combustíveis fósseis e o lançamento de esgotos contribuem com quantidade quase igual às estimativas de nitrogênio fixado de forma natural. Portanto, hoje, observa-se um incremento extremamente elevado de nitrogê-nio sem que seja acompanhado pela mesma taxa de reciclagem, de modo que grande parte deste excesso escapa para solo, cursos d’água, mares ou misturados a outras toxinas.

Ciclo do EnxofreA contribuição de enxofre à atmosfera se dá por aportes marinhos (spray

marinho), respiração anaeróbica de sulfobactérias redutoras (SO4→H2S), e atividades vulcânicas. Fluxo inverso pode ocorrer por oxidação (H2S→SO4), retornando à litosfera como precipitação úmida (chuva) e precipitação seca (poeira). Uma fase litosférica do ciclo é igualmente importante, pois metade do enxofre carreado para rios e lagos deriva do intemperismo, e o restante deriva de fontes atmosféricas. Pequena “ciclagem interna” ocorre dentro das cadeias alimentares, pois o enxofre é componente essencial de alguns aminoácidos. Finalmente, ocorrem perdas contínuas ao oceano.

A queima de combustíveis fósseis contribui com aportes de SO2 e SO4 à atmosfera (principalmente a queima de carvão e escapamento de automó-veis, ao lado de outras combustões industriais). Esses compostos interagem com vapor d’água e formam gotículas diluídas de H2SO4, que caem em forma de chuva ácida trazendo inúmeros problemas e perdas econômicas.

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Sistemas Biológicos 115

Ciclo do Carbono

Os depósitos de carbono atmosféricos são pequenos, se comparados aos depósitos oceânicos (sob a forma de bicarbonatos), fósseis (gasolina, die-sel, gás natural, carvão), e litosféricos. Enquanto organismos fotossintetizantes (terrestres e aquáticos) absorvem CO2 atmosférico e carbonatos dissolvidos, respectivamente, como fonte para a fotossíntese; a respiração de animais, plan-tas e microorganismos retornam o carbono aos compartimentos atmosféricos.

Desde a metade do século XX observa-se significativo aumento das concentrações atmosféricas de CO2, como conseqüência de atividades hu-manas (queima de combustível fóssil, aliado à agricultura e ao desmatamen-to). Crescente oxidação do húmus e liberação de CO2 gasoso retido no solo é evidente. Gases de efeito estufa (metano, ozônio, óxido nitroso e clorofluor-carbonos) também aumentaram suas concentrações, resultando no aqueci-mento do clima global (efeito estufa).

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Magnificação BiológicaOs elementos não essenciais frequentemente transitam entre um or-

ganismo e outro, e entre os diferentes ambientes, da mesma maneira como fazem os elementos essenciais. A maioria dos elementos não essenciais tem pouco efeito em concentrações encontradas em grande parte dos ecossiste-mas naturais, provavelmente porque os organismos adaptaram-se à sua pre-sença. Alguns destes elementos são transferidos por meio da cadeia alimen-tar até os grandes animais predadores de topo, que acabam concentrando tais elementos. A esse processo chama-se magnificação biológica ou bioa-cumulação.

Atividades de avaliação1. Quais são alguns dos efeitos resultantes do aumento de CO2 atmosfé-

rico?

2. Por que os organismos situados em níveis tróficos mais elevados da cadeia alimentar são mais suscetíveis aos efeitos da bioacumulação?

3. Descreva o processo de nitrificação.

Referências ODUM, Eugene P. & BARRETT, Gary B. Fundamentos de Ecologia. São Paulo, 2008. Cengage Learning, 612p.

PINTO-COELHO, Ricardo Motta. Fundamentos em Ecologia. Porto Alegre, 2002. Artmed, 252p.

TOWNSEND, Collin R.; BEGON, Michael; HARPER, JohnL. Fundamentos em Ecologia. Porto Alegre, 2006. Artmed, 592p.

NEBEL, Bernard J. & WRIGHT, Richard T. Environmental Science. New Jer-sey, 2000. Prentice Hall, 664p.

ADUAN, Roberto Angel; VILELA, Marina de Fatima; REIS JUNIOR, Fabio Bueno dos. Os grandes ciclos biogeoquímicos do planeta. EMBRAPA n°. 119, 2004, 25p.

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Capítulo 4Interações ecológicas

As interações ecológicas entre populações podem ocorrer de forma coordenada em qualquer comunidade biótica, embora as espécies possam mudar suas interações sob diferentes condições durante sua história de vida, ou seja, não representam interações definitivas.

Em linhas gerais, as interações afetam o crescimento ou a taxa de mortalidade de outra população, tornando-se um campo muito atrativo aos experimentos e estudos quantitativos dessas interações em condições de la-boratório. De alguma forma, modelos matemáticos de crescimento de uma dada população permitem a determinação de como alguns fatores operam em situações naturais complexas.

Para facilitar o estudo de tais interações podemos recorrer ao artifício de estabelecermos valores positivos, neutros e nulos (+, 0, -).

• Mutualismo (+, +): Observa-se beneficiamento mútuo entre as populações, ou seja, o crescimento e a sobrevivência de ambas as populações são be-neficiadas pelo crescimento e sobrevivência de uma delas. Trata de uma interação obrigatória e de pouca estabilidade na natureza, em função de recorrentes mudanças ambientais. Geralmente ocorre entre organismos com necessidades diferentes, evitando-se competição. É muito comum entre autótrofos e heterótrofos. As relações de polinização e dispersão de sementes são exemplos clássicos.

• Protocooperação (+, +): Também chamado de cooperação facultativa, sintrofismo ou sinergismo. Ambas as populações atingem níveis de equi-líbrio mutuamente benéficos. Diferencia-se do mutualismo, pois os efeitos benéficos apenas aumentam o tamanho ou a taxa de crescimento da po-pulação, mas não necessariamente o crescimento e a sobrevivência. Não se trata de uma associação obrigatória.

• Comensalismo (+, 0): Uma população (comensal) é beneficiada, mas a outra não é afetada (hospedeiro). É muito comum entre plantas/animais sésseis e organismos móveis. Alguns comensais apresentam associações específicas (com uma única espécie). Um exemplo prático associa a anê-mona marinha que ganha acesso a novas fontes de alimento e o ermitão que nada sofre, pois está protegido por uma concha.

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• Amensalismo (-, 0): Também chamada de antibiose. Quando uma popula-ção tem seu crescimento inibido, quase sempre por liberação de substân-cias tóxicas; enquanto a outra população simplesmente não é afetada.

• Neutralismo (0, 0): Nenhuma das populações é afetada, ainda que fisi-camente próximos, pois quase sempre ocupam nichos distintos. Compre-ende-se, portanto, tratar-se de duas populações altamente independentes. Alguns não consideram uma interação verdadeira.

• Predação (+, -): Várias formas de predação podem ser reconhecidas: her-bivoria, parasitismo, canibalismo, carnivoria. Em linhas gerais, as diferen-ças estão associadas ao grau de letalidade e intimidade das interações. Normalmente, impactos severos da predação são observados quando a interação é recente ou o ambiente sofreu alterações bruscas, de grande magnitude. A relação “predador (+) e presa (-)” é potencialmente capaz de regular a dinâmica populacional das espécies envolvidas, mas os estudos ainda são incipientes, pois os modelos matemáticos e experimentais quase sempre ainda tratam da presa e do predador de forma separada.

São conhecidas inúmeras estratégias desenvolvidas pelas presas para evitar a predação: coloração aposemática, camuflagens, mimetismos, sepa-ração fenológica da presa e do predador, defensivos químicos, displays de intimidação, entre outros.

• Herbivoria – é quando um animal (herbívoro) alimenta-se de plantas. Al-guns autores argumentam que a herbivoria pode beneficiar a planta, pois ela seria estimulada a crescer após o dano (acima do que seria possível sem a predação). Quase sempre esse crescimento está conjugado à maior produção de sementes e partes vegetativas. Duas hipóteses são aponta-das para explicar o fato das plantas não serem totalmente predadas: (1) existência de inimigos naturais (predadores e parasitas) que acabam man-tendo a herbivoria abaixo do nível máximo; (2) existência de inúmeros ou-tros mecanismos de defesa das plantas (compostos químicos secundários, defesas mecânicas como espinhos, inibição reprodutiva pela ingestão de hormônios por parte do herbívoro).

• Parasitismo – quando animais ou plantas (parasita = predador) alimentam--se de outros organismos (hospedeiro = presa) sem matá-los; ou quando parasitóides, normalmente insetos, deixam ovos sobre outros insetos, que são totalmente devorados posteriormente a partir do desenvolvimento da larva parasitóide. Alguns hospedeiros também são capazes de desenvolver defesas contra os parasitóides.

Competição (-, -): É a interação de dois organismos que disputam o mesmo recurso. Ela pode ser:

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• Intra-específica: entre membros de uma mesma espécie, ou mais pre-cisamente entre membros de uma mesma população que vive em área geográfica definida.

• Interespecífica: entre organismos de diferentes espécies, ou seja, quando o aumento da densidade populacional de uma espécie A pro-voca diminuição da taxa de crescimento populacional da espécie B.

A interação interespecífica é frequentemente discutida em relação à in-teração física direta versus competição por recursos. Assim temos que:

• Competição por interferência: quando organismos causam prejuízo físi-co, ainda que o recurso disputado não seja limitante. É comum em verte-brados.

• Competição por recurso: quando organismos competem pelo uso de re-cursos limitantes. É mais comum em invertebrados.

Existem critérios que podem ser usados para afirmar se duas espécies estão competindo. De modo geral, quanto maior o número de itens contem-plados abaixo diante de uma análise, maior a certeza ou confirmação da com-petição:

a) Existência de padrões biogeográficos (presença de uma espécie garante a ausência da outra);

b) Sobreposição quanto ao uso do fator limitante;

c) Existência de competição intra-específica;

d) O uso de recurso por uma espécie limita o uso da outra;

e) Presença de espécies afetadas negativamente;

f) Quando hipóteses (como predação) não explicam os padrões biogeográfi-cos.

A tendência de uma competição produzir uma separação ecológica de espécies aparentadas ou semelhantes é conhecida como Princípio da Ex-clusão Competitiva ou Princípio de Gause. Em suma, nestes casos, as duas espécies não podem ocupar exatamente o mesmo nicho.

A Coexistência é uma forma que as espécies encontram para evitar ou diminuir a competição. Elas podem mudar seu “estilo de vida” ou hábito alimentar. A coexistência tende a ser mais intensa em sistemas abertos, en-quanto nos sistemas fechados (ilhas, por exemplo) sem uma nítida variação nas taxas de emigração e imigração, imperam as estratégias de competição.

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Atividades de avaliação1. Construa uma tabela que resuma o que você estudou sobre interações

ecológicas, diferenciando relações harmônicas de desarmônicas e intra de interespecíficas.

2. Quais são as interações capazes de limitar o crescimento populacional? Como isso pode acontecer na natureza?

Teoria do caosPor Renato de AlmeidaA ciência clássica, mecanicista, quase sempre considera que a existência de uma

dada entidade pode ser explicada pela simples somatória de suas partes individuais, desde que atendidas duas premissas fundamentais: (1) que não exista interação entre as partes ou que sua existência seja tão irrelevante ao ponto de ser negligenciada; (2) que a descrição da relação e comportamento dessas partes individualizadas seja linear, ou seja, com aproximações e correções numéricas capazes de explicar possíveis discrepâncias, reduzindo o número de variáveis e permitindo a postulação de fórmu-las universais capazes de explicar o comportamento do todo.

No entanto, de forma crítica, a ciência moderna tem demonstrado que tais premis-sas quase nunca são atendidas quando da análise de sistemas complexos compostos pelas partes em interação. Não raramente, quando essas partes interagem entre si emergem sistemas com propriedades não visualizadas anteriormente dentro de cada parte isolada. Desta forma, pode-se afirmar que quase todo sistema complexo confi-gura-se em uma entidade não linear, pois a interação das partes individualizadas está submetida a variáveis externas e internas, impondo imprevisibilidade e sinergismo como fatores complicadores na avaliação de sistemas.

Os sistemas complexos não-lineares obedecem ao que se convencionou chamar Teoria do Caos, que se ocupa do estudo de sistemas com características de previsibili-dade e ordem (determinísticos), apesar de serem aparentemente aleatórios.

Essa imprevisibilidade nunca foi segredo e acabou ganhando relevância científica no início da década de 60, quando o meteorologista Edward N. Lorenz usou equipa-mento rudimentar para simular condições do tempo, por meio de equações compu-tadorizadas. Em um primeiro momento, o programa foi alimentado com variáveis cli-máticas (dados numéricos com seis dígitos significativos), de modo que os resultados simulados eram posteriormente registrados. Ao repetir uma condição inicial, mas com apenas três dígitos significativos, os resultados simulados foram bastante distintos do primeiro teste. Após descartar a idéia de falhas do sistema, Lorenz assumiu que tal diferença aparentemente mínima (pequenos erros) no cálculo inicial poderia afetar o resultado do cálculo seguinte e assim por diante, até que o resultado final de uma longa série de cálculos recorrentes resultasse em um padrão totalmente diferente do esperado. E foi assim que o termo "sensível dependência das condições iniciais" foi cunhado para descrever o fenômeno, em que pequenas mudanças em um sistema recorrente alteram drasticamente os resultados em longo prazo.

Saiba mais

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Uma pequena mudança no início de um evento qualquer pode trazer conseqüên-cias enormes e absolutamente desconhecidas no futuro. Diante do exposto, poder--se-ia afirmar que “o recorrente bater de asas de uma borboleta no Brasil seria capaz, tempos depois, de causar um tornado no Texas”. O problema é que a seqüência de eventos não pode ser repetida. A próxima vez que a borboleta bater asas, uma série de outros fatores serão diferentes e também influenciarão o clima.

Os FractaisAlgumas vezes não se pode prever o resultado de uma equação, mas pode-se infe-

ri-lo dentro de uma determinada faixa a partir de recorrentes repetições. A própria re-presentação gráfica desses resultados se configuraria em uma tendência determinada ou um padrão (modelo de organização) – os fractais (Figura abaixo).

Os fractais são ferramentas importantes na aplicação da teoria do caos, pois são ca-pazes de demonstrar a ocorrência da perio-dicidade de um dado evento, mesmo quan-do não conseguimos enxergá-la em função da limitação do tempo de observação.

Prever o preço do algodão durante um determinado dia é quase imprevisível, caso contrário ficaríamos ricos com aplicações na bolsa de valores. Mas no início dos 60, Be-noit Mandelbrot avaliou o comportamento da curva de preços do algodão e encontrou alguma ordem nos resultados. Um diagrama com flutuações de preço minuto a minuto, semana a semana, mês a mês, e ano a ano poderia revelar uma tendência geral (fractal) sobre o preço do algodão.

À medida que inúmeros outros fractais foram descobertos nas mais diferentes áreas do conhecimento percebeu-se que muitos sistemas não-lineares, nem sempre relacionados, apresentam comportamento similar. Por conseqüência, deveria exis-tir alguma teoria unificadora para explicar o comportamento caótico dos sistemas e equações.

Aplicabilidade da Teoria do CaosEstá claro, agora, que o Caos é um fenômeno cuja evolução temporal se processa

de maneira aparentemente aleatória, porém regida por uma lei determinística. Apesar da imprevisibilidade de longo prazo, sistemas caóticos são controláveis. Eles poderiam ser perturbados de modo específico, com o intuito de se obter um estado estável do sistema. São inúmeras as aplicabilidades do Caos nas diversas áreas do conhecimento, tendo em vista o freqüente reducionismo embutido nas metodologias de estudo.

Entre os estudos ecológicos são promissores os modelos experimentais e teóricos em dinâmica caótica, que possibilitam analisar a conservação da biodiversidade e os fenômenos de explosão populacional (como o florescimento de algas e pragas na agricultura). Sistemas planctônicos, por exemplo, possuem vantajosas características de reprodutibilidade de ex-perimentos como seu curto ciclo de vida, alta taxa reprodutiva e baixa relação superfície/área. Comunidades planctônicas submetidas a condições rigidamente estáveis por mais de 10 anos demonstraram que as populações flutuaram de modo aleatório, apesar da estabi-lidade permanente do meio à sua volta. Então, sob que condições caóticas poderiam ocor-rer florescimento natural de algas? Hoje, entre outros fatores, sabe-se que a alta eficiência de herbivoria do zooplâncton sobre o fitoplâncton parece ser determinante à ocorrência de caos em sistemas “nutrientes – fitoplâncton - zooplâncton”, entre outros fatores.

Modelo gráfico de um fractal

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É possível que a estabilidade das populações de muitos organismos não ocorra pela ausência de caos, mas por controle deste (através de mecanismos endógenos de autorregulação). Se o caos pode manter a diversidade, a comprovação dessa hipótese implica em novas formas de pensar manejo e conservação.

A Teoria do Caos também vem ampliando sua aplicabilidade na medicina, pois o organismo humano, ao funcionar como um sistema, apresentaria comportamento não linear, com muitas partes interagindo e formando sistemas complexos. Hoje, tenta-se abandonar a abordagem linear de fenômenos que quase sempre são tratados de for-ma estática (com efeitos diretamente proporcionais à causa). Sabe-se que pequenas disfunções em órgãos isolados levam paulatinamente a diferentes graus de disfunção à medida que progressivamente se associam a outras variáveis (dependentes ou não) de cada paciente, culminando em situações indesejadas, como a morte. Isso explica porque os clínicos estão cada vez mais cientes da crescente onda de interesse e res-peito da dinâmica não-linear.

Também no mundo dos negócios a teoria do caos pode ser aplicada à análise de movimentos irregulares no preço das ações e nas taxas de câmbio. Inúmeras empresas também estão sujeitas a pressões externas (demanda do mercado, índices inflacioná-rios) e internas (gasto excessivo de produtos, demandas trabalhistas), muitos imprevi-síveis e incontroláveis, e operando sob condições de risco e incerteza, com informação incompleta e limitada. Apesar da turbulência, as empresas tomam decisões assumin-do pressupostos de previsibilidade, racionalidade e controle.

Complexidade não é complicaçãoTexto retirado do livro Pensamento ComplexoHumberto MariottiComecemos retomando a bela definição de Marco Aurélio:“Considera sempre que o Universo é um organismo vivo, que possui uma única

substância e uma única alma; e que todas as coisas estão submetidas a uma só percep-ção desse todo; que tudo é movido por um único impulso e tudo toma parte em tudo o que acontece. E repara quão intrincada e complexa é essa trama.”

O pesquisador francês Jöel de Rosnay assinala o que ocorre quando múltiplos ele-mentos interagem e surgem múltiplas circunstâncias. De um lado, podem aparecer turbulências que, ao ultrapassar um determinado limite, conduzem à anarquia e daí à dissociação.

De outra parte, o processo pode seguir a direção oposta e acabar numa ordem rígida, com posterior esclerose e morte. Numa terceira possibilidade, pode formar--se uma zona de interseção entre a ordem e a desordem, e dela podem emergir es-truturas organizadas, os fenômenos emergentes. Esses são sistemas complexos, que contêm em si a possibilidade da ordem e da desordem. É o caso dos ecossistemas e dos sistemas culturais humanos: os grupos, as organizações e as instituições. Apesar de nossas tentativas, não é possível eliminar a complexidade. Explicações simplistas, quantificações, fórmulas ou esquemas conceituais limitados só fazem alienar-nos da questão. Por outro lado, é um equívoco pensar que a complexidade de um sistema é determinada pela quantidade de seus componentes. Na verdade, não é assim. O que determina a complexidade de um sistema não é o número de partes de que ele é composto, mas a dinâmica das relações entre essas partes. Quando mais complexo for um sistema (ou seja, quanto mais freqüentes e intensas forem as interações de suas partes), maior será a sua complexidade, a qual se manifesta por sua maior capacidade de interagir com o ambiente em quem ele está situado.

Os sistemas complexos são mais capazes de se adaptar às mudanças ambientais. Daí a expressão sistemas complexos adaptativos. Inversamente, os sistemas menos com-

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plexos são complicados e tendentes à entropia. Os sistemas complexos adaptativos li-dam bem melhor com a diversidade, a incerteza e as mudanças: produzem diferença. Os sistemas complicados não conseguem lidar bem com a diversidade, a incerteza e as mudanças: produzem repetição em vez de diferença, dada a sua pouca flexibilidade.

A ordem total implicaria a impossibilidade do aparecimento de algo diferente dela. O mesmo vale para a desordem total. Em ambas as hipóteses, não poderia surgir nada de novo. Para que surgisse algo diferente a partir da desordem total, seria necessário que ela contivesse um mínimo de ordem. Para que surgisse algo diferente a partir da ordem total, seria preciso que ela contivesse um mínimo de desordem. Desse modo, a ordem e a desordem formam um par de opostos que são simultaneamente antagonis-tas e complementares. São, portanto, interdependentes. Um não consegue se impor definitivamente sobre o outro, pois precisa dele para existir e por isso o abriga em seu seio em estado latente. Assim, a complexidade resulta do antagonismo (mas também da complementaridade) entre a ordem e a desordem, e isso constitui uma evidência de que uma não pode ser reduzida à outra. O antagonismo entre as duas não pode ser resolvido numa síntese: ele precisa necessariamente se manter. Assim são os sistemas complexos.

A complicação não é o oposto da complexidade nem vice-versa. A complicação traz em si, em estado latente, a possibilidade de produzir complexidade. E esta, da mesma forma, traz em si, em estado latente, a complicação. São condições em equilíbrio dinâmico, cujo desequilíbrio pode ocorrer a qualquer momento como resultado de múltiplos fatores.

A ordem não é o oposto inapelável da desordem nem vice-versa. Do mesmo modo, a saúde não é o oposto irredutível da doença nem vice-versa. Cada uma traz em si, em estado latente, o seu contrário.

Tudo o que foi dito pode ser expresso de outra maneira (e talvez com mais cla-reza) pela literatura. Lembremos um trecho do livro As Cidades Invisíveis, de Ítalo Calvino. Nessa obra de ficção, o autor cria diálogos entre o imperador chinês Kublai Khan e seu embaixador Marco Polo. Como era costume na época, os imperadores mandavam que os embaixadores percorressem os seus domínios em viagens de ins-peção. Na volta, deveriam relatar o que haviam observado. Na ficção de Calvino, eis um dos diálogos entre Polo e Khan:

Marco Polo descreve uma ponte, pedra por pedra.“Mas qual é a pedra que sustenta a ponte?”, pergunta Kublai Khan.“A ponte não é sustentada por esta ou aquela pedra”, responde Marco, “mas pela

curva do arco que estas formam.”.Kublai Khan permanece em silêncio, refletindo. Depois acrescenta:“Por que falar das pedras? Só o arco me interessa.”Polo responde:“Sem as pedras, o arco não existe.”

O Universo dos ParadoxosA complexidade do mundo e a da vida se apresentam de inúmeras formas. Entre as

mais freqüentes estão os paradoxos, situações de impasse, circunstâncias nas quais os contrários não podem ser conciliados, mas mesmo assim precisam permanecer juntos.

Os paradoxos começam em nós próprios, humanos, seres ao mesmo tempo racio-nais e irracionais. Fazemos tudo para aparentar que somos sempre guiados pela razão, mas a experiência e as descobertas da neurociência mostram que nossas percepções começam com as emoções. Somos ambíguos e vivemos, a todo momento, situações incertas, indefinidas, circunstâncias que nossa lógica habitual gostaria de eliminar, mas continuam presentes – e de nada adianta fingir que elas não existem.

Saber lidar com os paradoxos é saber lidar com a indefinição, a incerteza, a insta-bilidade – com a complexidade, enfim. Esse é o nosso desafio cotidiano. Como foi dito

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há pouco, de nada adianta fingir que a incerteza e a imprevisibilidade não existem. Pior ainda é pensar que elas só existem fora de nós. Esse é um equívoco muito freqüente: projetar nos outros uma ambigüidade que seguramente existe neles, mas que também, com certeza, existe em nós. É indispensável, portanto, que aprendamos a lidar com a nossa própria ambigüidade, que com freqüência se manifesta como hesitação e dificul-dade de tomar decisões. Para tanto, porém, é preciso aprender a lidar com os fatores há pouco referidos. É necessário integrá-los, aprender a pensar também de modo inclusivo e não apenas de maneira fragmentadora, segundo o padrão da nossa cultura.

O pensamento complexo visa ajuntar coisas, pessoas e situações, para que de sua interação surjam idéias novas. Mas procura fazer isso sem perda da condição de indi-vidualidade, da singularidade de cada coisa e situação. Costumo repetir que estas são expressões e situações óbvias, e que, portanto, teoricamente não haveria necessidade de mencioná-las. Infelizmente, porém, a experiência mostra que quanto mais óbvias são as coisas, mais difícil é a sua percepção.

Aliás, a negação do óbvio é uma das principais características da chamada sabe-doria convencional. Um exemplo é nossa tendência a evitar as idéias que contrariam nossas convicções mais arraigadas. Em geral, nosso primeiro impulso é não levar em consideração aquilo com que não concordamos. A princípio, essa parece ser uma ati-tude lógica e coerente: se nos sentimos desconfortáveis, não pensamos duas vezes: eliminamos o desconforto, fugimos dele o mais rápido possível. Ao fazer isso, com fre-qüência, perdemos boas oportunidades de perguntar a nós mesmos: se nossas idéias, convicções e pontos de vista são tão corretos e sólidos, por que temos tanto receio de pô-los à prova? Muitas vezes, é necessário dar atenção a pessoas e idéias das quais discordamos com veemência. Tal atitude produz um cotejo de opostos, o qual, por sua vez, estabelece uma tensão criativa, da qual podem emergir idéias e soluções que dificilmente surgiriam de outra maneira. Esse talvez seja um dos aspectos menos com-preendidos da aprendizagem.

É óbvio, mas, por isso mesmo, precisa ser repetido: pôr-se à prova é um poderoso instrumento de auto-educação. Saber distinguir uma situação problemática (que preci-sa ser resolvida) e um paradoxo (com o qual devemos aprender a conviver) exige que pensemos para além da lógica binária. A questão dos opostos simultaneamente antago-nistas e complementares é um dos principais fundamentos do pensamento complexo. Saber reconhecê-los e aprender com eles é enriquecedor. Nietzsche, um dos precurso-res desse modo de pensar, dizia que há sempre um pouco de loucura no amor e sempre um pouco de razão na loucura. Esse fato se tornou especialmente claro pelo exemplo da vida e obra de líderes como Gandhi e Mandela: há conflitos que não podem nem devem ser resolvidos pela eliminação de um dos lados em disputa. Aproximá-los gera uma ten-são da qual podem emergir idéias novas, que seriam perdidas no caso do afastamento de um dos pólos litigantes ou da eliminação física de um deles.

Em nossa cultura, criou-se uma situação na qual, se os referenciais (crenças, valo-res, bases conceituais, pontos de vista) de duas pessoas em relação a um determina-do assunto forem diferentes, o que é perceptível e claro para uma é imperceptível e obscuro para a outra, embora não haja modificações no assunto ou objeto percebido durante a observação. Essa é a lógica que muitas vezes utilizamos como proteção con-tra o desconforto causado por aquilo que está em contínua mudança – isto é, a vida.

Na metáfora de Edgar Morin, o pensamento cartesiano pretendia pescar a ordem que se supunha existir na natureza. O resultado de sua aplicação foi que eram pesca-dos não os peixes, mas as espinhas. Por outro lado, o pensamento sistêmico permitia pescar o peixe inteiro, mas ocultava as suas partes constitutivas. Já o pensamento complexo permite ver a totalidade (o peixe), as partes (as espinhas) e, mais do que isso, possibilita incluir o que não pode ser pescado: o mar. Portanto, o pensamento

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complexo corrige os excessos e o unilateralismo dos dois modos anteriores e permite reuni-los, observar a dinâmica de suas interações e aprender com ela. Trabalha na ligação, mas sem perder o contato com os pólos.

A Terra viveSempre se soube que o ambiente influi decisivamente sobre a vida na Terra. Agora,

os cientistas sugerem o contrário: a Terra seria aquilo que a vida quer que ela seja. É a hipótese Gaia.

Por Martha San Juan FrançaDesde 2 bilhões dos seus 4,5 bilhões de anos, a Terra contém um coquetel de água,

gases, calor e minerais nas doses necessárias e suficientes para que a vida floresça em toda a sua esplêndida variedade. Isso pode ser considerado apenas uma felicíssima coincidência: a vida teria surgido e se desenvolvido neste relativamente pequeno pla-neta—o quinto em tamanho do sistema solar—e não em qualquer outro pela simples e boa razão de que aqui se encontra o mais confortável ambiente, se não do Universo inteiro, pelo menos deste canto do Cosmo. Mas pode ter acontecido também que, tendo se formado fortuitamente, os organismos vivos, com o passar dos milênios, aca-baram tomando conta da casa terrestre, adaptando-a com tanta perfeição que ela se moldou à vontade de seus hóspedes.

Hoje, as dependências desta habitação chamada Terra abrigam seres tão diversos como bactérias e baleias, plânctons e pinheiros—além, é claro, dos presunçosos seres humanos, que se consideram o supra-sumo da criação e, por isso, os donos da casa. A idéia de que a vida é aquilo que a Terra Ihe permite ser é a versão convencional, que soa bem ao senso comum. Já a idéia de que a Terra é aquilo que a vida faz com ela parece uma extravagância. Mas tem sido ouvida com muita atenção por quem se interessa por esse tipo de assunto. "A Terra está viva", afirma o biólogo inglês James Lovelock, o primeiro a defender esse ponto de vista heterodoxo há quase vinte anos.

Cientista de muitos talentos, Lovelock acredita que cada componente da Terra fun-ciona de forma tão integrada em relação aos demais e ao conjunto todo como os instru-mentos de uma orquestra bem afinada. Ou, como ele gosta de dizer, citando o escocês James Hutton (1726 - 1797), considerado um dos países da moderna Geologia, "a Terra é um superorganismo que deveria ser estudado como um sistema completo, assim como os fisiologistas estudam todas as funções orgânicas do corpo humano". A soma total das partes vivas e inanimadas da Terra, Lovelock chamou Gaia, em homenagem à deusa gre-ga cujo nome quer dizer Terra e da qual derivaram palavras como geografia e geologia.

Na realidade, não é nova a idéia da integração entre os organismos vivos e o meio ambiente. Afinal, a própria palavra ecologia foi criada já lá se vão 120 anos pelo zoólo-go alemão Ernst Haeckel (1834 - 1919). Ela vem do grego oikos (casa) e significa "saber da casa". Mas até recentemente essa integração era mal compreendida por causa da imprecisão dos conceitos e dos métodos de análise. Hoje se sabe que os mecanismos que agem sobre a Terra não podem ser alterados sem que se pague por isso um preço provavelmente muito alto em termos da própria continuidade da vida.

Por exemplo, pesquisa conjunta da agência espacial NASA com universidades ameri-canas e instituições científicas brasileiras, realizada na Amazônia no ano passado, com-provou que o equilíbrio climático da região depende basicamente da floresta. Daí, a crescente e indiscriminada derrubada de árvores para a formação de pastagens tende a alterar o ciclo de renovação da água, ameaçando tornar caótico o regime de chuvas.

O pior é que as conseqüências desse processo de desertificação não deverão se limitar, a longo prazo, à área desmatada. A poluição, de seu lado. também pode estar destruindo as moléculas de ozônio da atmosfera, rompendo uma complexa teia de interdependências que existe há pelo menos 600 milhões de anos.

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Formado por três átomos de oxigênio (O3), o ozônio começou a existir em quan-tidades consideráveis graças ao aparecimento dos organismos vivos que liberavam, através da fotossíntese, grandes quantidades de oxigênio na atmosfera. Desde então, a camada de ozônio a 15 mil metros acima da superfície terrestre não só ajuda a es-tabilizar a temperatura como impede a exposição direta dos seres vivos à radiação solar. Lovelock tem o privilégio de ter sido o primeiro cientista a detectar, em 1971, o acúmulo de moléculas do gás artificial clorofluorcarbono, que corrói o ozônio, na atmosfera. Inventor de numerosos equipamentos científicos, ele já aperfeiçoara, em 1957, um detector de elétrons que permitiria a identificação das moléculas.

Não foi a primeira vez que esse invento teve um papel importante na história da Ecologia. Em 1962, ele tinha servido para medir os dramáticos efeitos dos pesticidas sobre o solo, mostrados pela americana Rachel Carson no livro A primavera silenciosa, considerado um marco dos movimentos ambientais. Com esse currículo, não é de es-tranhar que Lovelock, aos 69 anos, seja um cientista diferente da maioria dos colegas. Biólogo de formação, prefere ser tratado como um estudioso de várias disciplinas—foi professor de Química e Cibernética em universidades inglesas e americanas. Atual-mente, estabeleceu seu laboratório numa tranqüila vila no noroeste da Inglaterra, cer-cado de árvores que ele e sua família plantaram.

No final da década de 60, Lovelock foi convidado pela NASA para fazer parte do projeto que enviaria a sonda automática Viking a Marte. Ele deveria dizer como os pesquisadores poderiam identificar eventuais formas de vida naquele planeta. Love-lock comparou a atmosfera de Marte — equilibrada e quase toda composta de carbo-no—com a turbulenta e instável mistura gasosa da Terra. Concluiu dai que os organis-mos terrestres usam a atmosfera ao mesmo tempo como fonte de matéria-prima e depósito de elementos de que não necessitam.

Nem sempre foi assim. Ao se formar, há cerca de 4 bilhões e meio de anos, a atmos-fera da Terra continha basicamente hidrogênio, amoníaco e metano. Não havia oxigênio livre. A temperatura do planeta exposto à radiação ultravioleta do Sol era extremamente elevada. Em suma, um ambiente incompatível com qualquer forma de vida. À medida que a Terra foi se resfriando, nos primeiros 2 bilhões de anos, o hidrogênio, muito leve, escapava da atmosfera, enquanto o dióxido de carbono e a água iam lentamente sendo liberados para a crosta terrestre pelos vulcões. Nessa fase, o carbono funcionou como um manto protetor que retinha o calor do Sol, sem o qual o planeta ficaria congelado Foi quando apareceram os seres vivos — e a aparência da Terra começou a mudar.

Outros planetas do sistema solar, como Marte ou Vênus, são mundos cuja base é muito semelhante à da Terra. Vênus, porém, está envolta numa densa atmosfera de dióxido de carbono, que eleva a temperatura na sua superfície a 400 graus centígrados. Marte, por sua vez, é um deserto gelado, tumultuado por tempestades de areia e coberto por uma fina camada de dióxido de carbono. Já a Terra tem um revestimento variado e — segundo a hipótese Gaia, de Lovelock — derivado das incontáveis formas de vida que abriga.

Toda essa vida é capaz de atividades fantásticas. O professor Walter Shearer, da Universidade das Nações Unidas, em Tóquio, calcula por exemplo que 100 bilhões de formigas na Amazônia liberam 55 mil toneladas de ácido fórmico por ano, que res-pondem por 25 por cento da acidez das chuvas que caem sobre a região. Gaia sugere outros raciocínios tão imaginativos como esse. O mesmo Shearer afirma que um ino-fensivo fungo que cresce nas raízes das árvores da Amazônia libera nada menos de 5 milhões de toneladas de clorocarbono por ano para a atmosfera.

A descoberta de que há mil e uma maneiras pelas quais a vida mexe com o ambien-te não transforma automaticamente qualquer cientista em adepto das idéias de Love-lock. James Kirchner, da Universidade da Califórnia, por exemplo, não aceita a noção da Terra como um organismo vivo e auto-regulador. Para ele, isso é mais poesia do que

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ciência. Seu colega James Kasting, da NASA, acredita que a biosfera, o conjunto dos seres vivos, é um dos fatores que afetam a composição da atmosfera, dos continentes e oceanos. Mas não existe, segundo ele, nenhuma razão para acreditar que a biosfera controla todo o sistema terrestre.

No Brasil, essa polêmica praticamente ainda não chegou ao conhecimento da maioria dos pesquisadores. Mas existem aqui idéias que têm muito a ver com a ques-tão. O geofísico nuclear Ênio Bueno Pereira, especialista do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) em radiatividade atmosférica, acredita que a Terra poderia semear vida em outros planetas. E pergunta: "Não seria aconselhável começarmos a estudar essa possibilidade antes de a Terra esgotar seus recursos?" Sua proposta envolve questões bem mais delicadas do que à primeira vista os admiradores de aven-turas espaciais poderiam esperar.

Existem microorganismos terrestres, encontrados no continente gelado da Antártida. que talvez pudessem sobreviver em Marte. Será que, como admite a hipótese Gaia, eles poderiam se espalhar, absorver a luz solar, aquecer o gelo e mudar a composição química da atmosfera marciana? Nem Lovelock tem uma resposta segura para isso. Mas o astrôno-mo Enos Picazzio, do grupo de Astrofísica do Sistema Solar da Universidade de São Paulo, é categórico: "Levar qualquer tipo de vida para fora só terá validade se for reproduzido um habitat semelhante ao da Terra. Caso contrário, o resultado é imprevisível".

A idéia da interdependência dos organismos vivos com o meio ambiente tem parti-dários de peso. Uma adepta é a bióloga Lynn Margulis, da Universidade de Boston, nos Estados Unidos, co - autora, com Lovelock, do livro Gaia—uma nova visão da vida na Terra, ainda não traduzido para o português. Ela escreveu também Microcosmos, em co - autoria com o filho Dorian Sagan, de seu casamento com o astrônomo Carl Sagan. A hipótese Gaia também agradou aos movimentos verdes e foi apropriada pela moda da New Age, uma mistura de propostas místicas com retorno à natureza, que tem se manifestado nos Estados Unidos.

Quando Lovelock formulou sua teoria pela primeira vez, foi ignorado pelas universi-dades. Mas isso já é história antiga. Recentemente, ele participou no Estado americano do Colorado de uma conferência da Associação Geofísica Americana, organizada espe-cialmente para discutir a hipótese Gaia. Ali, Lovelock, junto com o climatologista Robert Charlsom da Universidade de Washington, apresentou um novo exemplo dessa ciranda vida-ambiente. Segundo afirmou, alguns tipos de plânctons sintetizam um composto químico chamado sulfeto de dimetila. O contato com o oxigênio do ar libera sulfato, uma partícula aerossol que serve como núcleo de condensação de nuvens sobre os oceanos. Como as nuvens são do tipo estratos — baixas e rasas —, não provocam chuvas, mas têm impacto sobre a temperatura da água ao refletir a radiação solar. Esse é um exemplo importante da influência dos organismos vivos sobre as nuvens. Mas daí a inferir que eles afetam a temperatura dos oceanos vai uma distância muito grande”, afirma, caute-loso, o meteorologista da USP, Oswaldo Massambani, também especialista em nuvens.

Lovelock pode se orgulhar de ter conseguido uma proeza. Especialistas de várias áreas concordam em debater uma visão mais integrada e até mesmo ecológica do mundo. “A solução da crise ambiental requer um raciocínio científico diferente do que vínhamos seguindo até agora" propõe o professor José Galizia Tundizi, da Faculdade de Engenharia da USP em São Carlos, um entusiasta da nova tendência.

Tundizi procurou colocar em prática suas idéias. Naturalista de formação, mas com mestrado em Oceanografia, doutorado em Botânica e livre-docência em Ecologia de Reservatórios, está atualmente empenhado em criar o primeiro curso no Brasil de Ci-ências Ambientais, em nível de pós-graduação, para diplomados de áreas diferentes. Segundo Tundizi, "o uso que os seres humanos fazem da água, ar, terra e florestas está conduzindo esses sistemas a um limite além do qual sofrerão prejuízos irreversíveis .

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É possível, como pensam os mais otimistas, que, se a hipótese Gaia estiver correta, os organismos vivos acabarão ajudando a Terra a suportar, mediante uma lenta suces-são de ajustes, os efeitos da crise ambiental. Resta saber se, quando a Terra finalmente se recuperar, os seres humanos ainda estarão aqui para apreciar os resultados. "Gaia não é uma mãe cegamente apaixonada por seus filhos", adverte Lovelock. "Se algum deles lhe fizer mal, ela o eliminará sem dó nem piedade.Revista Superinteressante, Ed. 011 de 1988, disponíveis em http://super.abril.com.br/ecologia/terra-vi-ve-438698.shtml, acesso em 22/4/2010.

Vida artificialGeraldo Volpato Calegari Júnior, Maria Tereza Nagel Curso de Ciências da Computação – 6ª fase, 2003 Departamento de Informática e Estatística, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)A metodologia empregada pela Vida Artificial computacional é significativamente

diferente daquela da biologia tradicional: em vez de formular teorias a partir da obser-vação dos sistemas naturais, a Vida Artificial trata de compreender a vida projetando programas computacionais que sejam capazes de gerar padrões emergentes de aparên-cia biológica.Assim, a Vida Artificial constitui um tipo de ciência absolutamente peculiar: em vez de pretender explicar e modelar um determinado domínio de fenômenos natu-rais, ela constrói seus próprios objetos de estudo. Como afirmou C. Emmeche (1994), “a vida artificial é parte de uma ampla corrente pós-moderna, que consiste em substituir o tradicional interesse pelo mundo dos objetos naturais por uma complexa realidade criada artificialmente que acaba por desconstruir essa realidade natural” (MORENO & FERNÁNDEZ, 2000, p. 266). As “simulações” e “modelos” da Vida Artificial não são, na verdade, de nenhuma realidade empírica determinada. O objeto de estudo da Vida Arti-ficial não é, desde logo, a realidade biológica tal como nós a conhecemos. Na realidade, seu verdadeiro objetivo é o estudo da vida possível, isto é, dos princípios necessários a toda forma de vida que possa existir. Ela é, pois, uma ciência modal, no sentido de que estuda não apenas os sistemas vivos que existem (e que já existiram) na Terra, ou, inclu-sive, em outros planetas, mas todos aqueles que poderiam existir.

Dessa maneira, a Vida Artificial, assim como sua antecessora, a inteligência Artificial, está protagonizando não apenas uma modificação radical em nossa concepção dos siste-mas vivos e inteligentes, mas também — o que é, talvez, ainda mais importante a longo prazo —, na maneira de conceber a atividade científica. Em lugar de buscar a construção de modelos que nos permitam compreender e prever o comportamento dos sistemas na-turais, a Vida Artificial está criando um estranho mundo de criaturas cujos comportamen-tos e capacidades mostram-se imprevisíveis e “emergentes” para seus próprios criadores.

O que, porém, verdadeiramente confere interesse biológico a tais programas de computador não é o fato de sua capacidade de gerar padrões emergentes, mas o fato de que esses últimos podem ser interpretados em termos funcionais dentro do pró-prio universo computacional no qual aparecem. Assim, a Vida Artificial foi capaz de gerar, pela primeira vez na história da ciência, todo um universo de “criaturas” compu-tacionais, que se auto-reproduzem, evoluem, aprendem e até organizam-se em coleti-vidades. A validade desses organismos e “biossistemas” virtuais é medida pelo fato de que, a partir de especificações simples e locais que definem o que poderíamos chamar de “regras de jogo plausíveis”, se consiga fazer emergir estruturas e comportamentos comparáveis aos que aparecem no mundo biológico real.MORENO, A. & FERNANDEZ, J. La Vida Artificial como proyecto de crear una nueva Biologia universal El-Hani, C.N. & Videira, A.A.P. (eds) Vida: A Questão da Biologia Editorial Relume Dumará Brasil 2000Disponível em http://www.nce.ufrj.br/GINAPE/VIDA/download/VIDARTIFICIAL.pdf, acesso em 23/4/2010.

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Leituras, filmes e sites@

Livro O Planeta Simbiótico - Uma nova perspectiva da evolução

Autor: Lynn Margullis (2001) – Editora Rocco

Sinopse: Em O planeta simbiótico - Uma nova perspectiva da evolução, Lynn Margulis faz um balanço dos resultados de seus estudos e desdobra as implicações da simbiose para além da célula, indo até os ecossistemas. Ela também critica os métodos tradicionais de classificação biológica e sua maniqueísta divisão da vida em animais e plantas. De passagem, ironiza os recém-convertidos entusiastas da hipótese Gaia e até o seriado Jornada nas Estrelas. Relativizando a influência da espécie humana sobre nosso planeta, Lynn adverte contra os superficialismos politicamente corretos de certos eco-logistas e lembra: ainda na pré-história, quando as bactérias primitivas come-çaram a liberar oxigênio na atmosfera terrestre, houve uma hecatombe maior do que qualquer guerra nuclear ou efeito estufa. No entanto, a vida continuou. Para a professora Margulis, Gaia não está ameaçada pela nossa estupidez, pois a Humanidade é apenas mais uma entre as muitas simbiose bacterianas existentes, e só pode fazer mal a si mesma.FilmeAvatar

Sinopse: No épico de ação e aventura AVATAR, James Cameron, diretor de Titanic, nos leva a um mundo espetacular, além da nossa imaginação. Na dis-tante lua Pandora, um herói relutante embarca em uma jornada de redenção e descoberta, liderando uma batalha heróica para salvar a civilização. O filme foi idealizado por Cameron há 14 anos, quando ainda não existiam meios para concretizar suas ideias. Agora, após quatro anos do trabalho de produção real, AVATAR nos proporciona uma inovadora experiência de imersão total no cinema, em que a tecnologia revolucionária que foi inventada para realizar o filme se dilui na emoção dos personagens e na história arrebatadora.

Informações Técnicas

Título no Brasil: Avatar - Título Original: Avatar - País de Origem: EUA / Ingla-terra

Gênero: Ação - Classificação etária: 12 anos - Tempo de duração: 166 mi-nutos

Ano de Lançamento: 2009 - Estréia no Brasil: 18/12/2009

Site Oficial: http://www.avatarmovie.com

Estúdio/Distrib.: Fox Filmes do Brasil - Direção: James Cameron

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Fiel a sua missão de interiorizar o ensino superior no estado Ceará, a UECE, como uma instituição que participa do Sistema Universidade Aberta do Brasil, vem ampliando a oferta de cursos de graduação e pós-graduação

na modalidade de educação a distância, e gerando experiências e possibili-dades inovadoras com uso das novas plataformas tecnológicas decorren-

tes da popularização da internet, funcionamento do cinturão digital e massificação dos computadores pessoais.

Comprometida com a formação de professores em todos os níveis e a qualificação dos servidores públicos para bem servir ao Estado,

os cursos da UAB/UECE atendem aos padrões de qualidade estabelecidos pelos normativos legais do Governo Fede-

ral e se articulam com as demandas de desenvolvi-mento das regiões do Ceará.

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